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QUARTA REGIÃO - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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<strong>QUARTA</strong> <strong>REGIÃO</strong>


<strong>QUARTA</strong> <strong>REGIÃO</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 1-486, 2003


Revista do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. – Vol. 1, n. 1(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O <strong>Tribunal</strong>, 1990 – v. –Trimestral.ISSN 0103-65991. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.<strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.CDU 34(051)34(094.9)TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>R. Mostardeiro, 48390430-001 - Porto Alegre - RSTiragem: 600 exemplares


<strong>QUARTA</strong> <strong>REGIÃO</strong>MARIA LÚCIA LUZ LEIRIADesa. <strong>Federal</strong> Diretora <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> Magistratura


TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, ParanáCOMPOSIÇÃOEm setembro de 2003PLENÁRIODes. <strong>Federal</strong> Vladimir Passos de Freitas - PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler - Vice-PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Vilson Darós - Corregedor-GeralDes. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> RosaDes. <strong>Federal</strong> Nylson Paim de AbreuDesa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves GoraiebDesa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria - Diretora <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> MagistraturaDes. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroDes. <strong>Federal</strong> José Luiz Borges Germano <strong>da</strong> SilvaDes. <strong>Federal</strong> João Surreaux Chagas - Vice-Corregedor-GeralDes. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de AthaydeDesa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas Labarrère - Conselheira <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong>MagistraturaDes. <strong>Federal</strong> Edgard Antônio Lippmann JúniorDes. <strong>Federal</strong> Valdemar CapelettiDes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon - Conselheiro <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong>MagistraturaDes. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui HiroseDes. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> SoaresDes. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazDes. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzDes. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de OliveiraDes. <strong>Federal</strong> Néfi CordeiroDes. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus


Juiz <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira (convocado)Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado)Juiz <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva (convocado)PRIMEIRA SEÇÃODesa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> RosaDesa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaDes. <strong>Federal</strong> João Surreaux ChagasDes. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> SoaresDes. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazSEGUNDA SEÇÃODesa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler - PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves GoraiebDes. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de AthaydeDes. <strong>Federal</strong> Edgard Antônio Lippmann JúniorDes. <strong>Federal</strong> Valdemar CapelettiDes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro LugonDes. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzTERCEIRA SEÇÃODesa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Nylson Paim de AbreuDes. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de OliveiraDes. <strong>Federal</strong> Néfi CordeiroDes. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos LausJuiz <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira (convocado)Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado)<strong>QUARTA</strong> SEÇÃODesa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroDes. <strong>Federal</strong> José Luiz Borges Germano <strong>da</strong> SilvaDesa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose


Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoJuiz <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva (convocado)PRIMEIRA TURMADesa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazSEGUNDA TURMADes. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> João Surreaux ChagasDes. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> SoaresTERCEIRA TURMADesa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves Goraieb - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro LugonDes. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz<strong>QUARTA</strong> TURMADes. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Edgard Antônio Lippmann JúniorDes. <strong>Federal</strong> Valdemar CapelettiQUINTA TURMADes. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Néfi CordeiroJuiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado)SEXTA TURMADes. <strong>Federal</strong> Nylson Paim de Abreu - PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos LausJuiz <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira (convocado)SÉTIMA TURMADes. <strong>Federal</strong> José Luiz Borges Germano <strong>da</strong> Silva - PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui HiroseOITAVA TURMADes. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro - Presidente


SUMÁRIODOUTRINA.........................................................................................13O juiz e a tutela jurisdicional do meio ambienteMarga Barth Tessler.................................................................15Suspensão do processo e <strong>da</strong> prescrição no âmbito penal frente aoparcelamento de débitos tributários e contribuições sociaisÉlcio Pinheiro de Castro..........................................................27O direito internacional <strong>da</strong> água. Desenvolvimentos atuais.Mtro. Wilehaldo Cruz Bressant................................................41ACÓRDÃOS.......................................................................................53Direito Administrativo e Direito Civil......................................55Direito Penal e Direito Processual Penal................................177Direito Previdenciário.............................................................287Direito Processual Civil..........................................................327Direito Tributário....................................................................351ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE............................433ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................453ÍNDICE ANALÍTICO.......................................................................457ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................479


DOUTRINA


14R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


O juiz e a tutela jurisdicional do meio ambienteMarga Barth Tessler 1“Mas é de todo imprescindível que os Juízesse compenetrem de que interesses coletivossão tão ou mais importantesque os individuais”Ministro Sydney Sanches 2Sumário. Introdução. 1 A tutela jurisdicional como forma de participação.2 O art. 225 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 e a tutela domeio ambiente. 3 O Juiz como o defensor do meio ambiente. 4 OJuiz e a tutela promocional do meio ambiente. 5 O Juiz e a mu<strong>da</strong>nçade paradigmas. 6 A postura do Juiz na tutela ambiental. 7 A tutelaambiental de urgência – tutela preventiva. 8 A tutela ambiental deurgência e as crises de incerteza. 9 A tutela ambiental e as crises dedescumprimento. 10 A postura do Juiz. Conclusão.IntroduçãoNo presente ensaio, examina-se a ativi<strong>da</strong>de do Juiz na tutela jurisdicionaldo meio ambiente e as peculiari<strong>da</strong>des que a envolvem. A tutelajurisdicional é um dos modos de participação do Judiciário para a plena1Desembargadora <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. Mestran<strong>da</strong> em PPGD/PUC/RS. Texto--base para a palestra no 8 o Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, Instituto “O Direito para um PlanetaVerde”, junho de 2003, São Paulo, “Água é Vi<strong>da</strong>”, Mesa Redon<strong>da</strong> XIV.2SANCHES, Sydney. O Poder Judiciário e a Tutela do Meio Ambiente. Revista Forense. São Paulo, n.338, p. 93 e sgs.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 15


ealização dos valores constitucionalmente consagrados.Inicio por verificar o comportamento prefigurado pelo artigo 37 <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, pois o Juiz exerce um dos poderes doEstado.Após examino o exigido do Juiz ao prestar tutela jurisdicional na jurisdiçãocível em geral e, por fim, passo a investigar sobre as quali<strong>da</strong>dese atitudes exigi<strong>da</strong>s do magistrado ao exercer a judicatura nas deman<strong>da</strong>senvolvendo questões ambientais e em to<strong>da</strong>s aquelas relaciona<strong>da</strong>s aosdireitos difusos e coletivos.1. A tutela jurisdicional como forma de participaçãoComo manifestação de um dos poderes do Estado, a ativi<strong>da</strong>de doJuiz ao prestar tutela jurisdicional não está livre de cumprir o dispostono artigo 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 3 com os temperamentospróprios <strong>da</strong> matéria. A independência do Juiz e do Judiciário não querdizer independência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e irresponsabili<strong>da</strong>de social. 4O Juiz, na concepção tradicional que inspirou o Código de ProcessoCivil, era imaginado como aplicador mecânico de leis preexistentes,atuando de forma objetiva e neutra. Essa visão alterou-se bastante coma superveniência <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 que levou o Brasila integrar as democracias constitucionais. A Constituição e os valoresali consagrados guiam o Juiz, transformando-o em garante dos direitosindividuais e coletivos, eventualmente contra o legislador. A nova organizaçãodo Poder, com o pluralismo crescente, a crise do Poder Legislativo,com as leis ca<strong>da</strong> vez mais ambíguas, fruto de acordos setoriais, quandonão surpreendido por medi<strong>da</strong>s provisórias, acabam deixando para o Juiza tarefa de identificar, sistematizar, reconstruir a lei, aceitando que sejamatiza<strong>da</strong> pelo poder regulatório, atribuindo, em ca<strong>da</strong> caso particular, oseu significado correto. Por outro lado, as novas técnicas legislativas,3CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. “Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fun<strong>da</strong>cional, dequalquer dos Poderes <strong>da</strong> União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios obedecerá aos princípiosde legali<strong>da</strong>de, impessoali<strong>da</strong>de, morali<strong>da</strong>de, publici<strong>da</strong>de e a eficiência”.4FACCHINI NETO, Eugênio. E o Juiz não é só de Direito. In: ZIMERMAN, David Coelho; COLTRO,Antônio Carlos Mathias. Aspectos Psicológicos <strong>da</strong> Prática Jurídica. São Paulo: Millennium. 2002. cap. 31.16R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


como se viu com o novo Código Civil, repleto de cláusulas gerais, deixampara o Juiz a tarefa de mol<strong>da</strong>r a melhor solução concreta. O Juiz tem aConstituição <strong>Federal</strong> de 1988 como norte e com a lei estabelece uma novarelação, 5 sendo a sentença sempre um construído, nunca esquecendo dosaspectos intergeracional, transdisciplinar e transfronteiriço que envolvemas questões ambientais.A ativi<strong>da</strong>de dos Juízes tem sido objeto de exame e críticas pelosmais diversos ângulos e em todos os tempos. Destaco o exame feito porprofissionais de outras áreas, como os economistas e administradores,pois não só criticam, mas tentam extrair <strong>da</strong>dos e conclusões. ArmandoCastelar Pinheiro 6 define que para verificar a quali<strong>da</strong>de do Judiciário háde se observar a agili<strong>da</strong>de, a previsibili<strong>da</strong>de, a imparciali<strong>da</strong>de e o custode acesso. Para o Banco Mundial, em relatório de 1997, os critérios paraavaliar um bom Judiciário seriam a independência, a força para implementarsuas decisões e a eficiência gerencial. Especificamente na áreaambiental, Manoel Lauro Volkmer de Castilho produziu um pioneiro trabalhode sistematização <strong>da</strong> interpretação judiciária <strong>da</strong> norma ambiental 7e em relação aos Tribunais Federais concluía que nas cortes federais “semanifesta a mesma tendência de <strong>da</strong>r maior atenção aos interesses individuaisbásicos <strong>da</strong> população, como condição de vi<strong>da</strong>, moradia, saúde,do que de condições coletivas de preservação de um ambiente para avi<strong>da</strong> digna e saudável”. No momento, há em an<strong>da</strong>mento na <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,no âmbito federal, algo ao redor de 386 ações civis públicas envolvendomeio ambiente e consumo, e acredita-se que a tendência de desconsideraros direitos coletivos está sendo altera<strong>da</strong>.2. O artigo 225 e a tutela do meio ambienteO artigo 225 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 serve de bom exemplode que se superou o modelo de socie<strong>da</strong>de fecha<strong>da</strong> na qual a interpretação<strong>da</strong> constituição era tarefa de reduzidos especialistas. Não é mais assim.5Esta nova relação pode ser imagina<strong>da</strong> como um sistema de vasos comunicantes, ou de sístole ou diástole.6PINHEIRO, Armando Castelar. Economia e Justiça. Palestra na Febraban, jul. 2001.7CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer. Interpretação Judiciária <strong>da</strong> Norma Ambiental. Apresentado noencontro de Direito Ambiental, em São Luís do Maranhão, 4 dez. 1997.8HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SergioFabris, 1997.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 17


Impõe-se a to<strong>da</strong> a coletivi<strong>da</strong>de o dever de preservar e conservar o meioambiente. A interpretação judicial 8 não é a única, não pode ser a primeira.Os ci<strong>da</strong>dãos, as organizações não-governamentais são forças produtivase participativas, devem atuar e tutelar antes. Os primeiros defensores domeio ambiente somos todos nós “ele não tem outro advogado de defesaque não o ci<strong>da</strong>dão” 9 . O juiz não pode ignorar o apreço constitucionalpelo meio ambiente. 10 Graças à Carta de 1988, tornou-se explícita aexistência de um bem que não é público nem privado, mas é comum: obem ambiental.3. O Juiz como defensor do meio ambienteÉ <strong>da</strong> imposição ao Poder Público do “dever de defender o meio ambiente”que se extrai o dever de o Juiz fazê-lo como exercente de um dos poderes <strong>da</strong>República, o Poder Judiciário (artigo 2 o <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988).O Juiz tem um dever próprio e qualificado 11 de defender o patrimônioambiental comum e deve “ousar julgar”, 12 tomando a responsabili<strong>da</strong>depelo que diz e faz e supor nos outros uma mesma capaci<strong>da</strong>de autônomae crítica. Decidir, julgar é questão de sustentabili<strong>da</strong>de do Judiciário comopoder. A criativi<strong>da</strong>de, o poder criativo é muitas vezes essencial e “criaré não se conformar com o que a reali<strong>da</strong>de é”. 13 A imparciali<strong>da</strong>de nãofica comprometi<strong>da</strong> no momento em que se reconhece que alguma cargade subjetivi<strong>da</strong>de está sempre presente em qualquer sentença, e se o Juiza reconhece, a controla. Neste diapasão, o Juiz procurará a substânciado princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de que não se contenta com o mero aspectoformal do <strong>da</strong>do objetivo dos artigos 134 e 135 do Código ProcessualCivil, mas verifica sobre a real situação de fato. O estudo e o interessepelo direito ambiental, evidentemente, não fun<strong>da</strong>mentariam uma eventualsuspeita de parciali<strong>da</strong>de até porque o estudo e a dedicação aos temasjurídicos é o mínimo do que se espera <strong>da</strong> magistratura.9OST, François. A natureza a margem <strong>da</strong> lei. A ecologia a prova do Direito. Lisboa : Instituto Piaget, 1995.10FREITAS, Vladimir. A Constituição e a Efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Normas Ambientais, O Magistrado e o MeioAmbiente, RT 673/390.11O Juiz é modelo de conduta.12BENSAÏD, Daniel. Quem é o Juiz? Lisboa : Instituto Piaget. p. 238.13WALY, Salomão. Algaravias.18R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


4. O Juiz e a tutela promocional do meio ambienteDiz a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 que incumbe ao Poder Públicopromover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e aconscientização pública para a preservação do meio ambiente. (artigo225, inc. VI)To<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia é chama<strong>da</strong> a defender e orientar, conscientizando apopulação em geral para a preservação ambiental. Ao lado <strong>da</strong> satisfaçãopessoal, estou hoje aqui cumprindo um dever promocional, o <strong>da</strong> promoção<strong>da</strong> educação ambiental, estu<strong>da</strong>ndo com as lições e experiências dospartícipes desse importante evento e trazendo alguma contribuição. Todosos juízes devem ser participantes ativos <strong>da</strong> tarefa de sensibilizar para atemática ambiental. Assim, recomendo a leitura de alguns textos que sãosimples e têm relação com o meio ambiente. Trata-se <strong>da</strong> obra “No arrarefeito”, 14 onde se constata o valor de uma paisagem, a do monte Everest.Destaco, ain<strong>da</strong>, a obra “No Coração do Mar”, 15 trata-se de passagemhistórica (romancea<strong>da</strong> em “Moby Dick”, por Melville) dos tripulantesde um navio baleeiro que nos idos de 1850 foi abalroado e afun<strong>da</strong>dopor uma baleia, ficando os marinheiros em meio ao mar, perto <strong>da</strong> ilhaGalápagos, sem água doce para beber. Perceberão como é morrer de sedee o que acontece com o corpo humano em tais circunstâncias. Os filmesque me ocorre recomen<strong>da</strong>r são “Dersu Urzala”, de Akira Kurosawa; e“Ilha <strong>da</strong>s Flores”, de Jorge Furtado. Ensinar 16 a identi<strong>da</strong>de terrena e odestino planetário <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de são coisas que os Juízes podem fazersem necessi<strong>da</strong>de de uma deman<strong>da</strong>, ensinar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia terrestre, é aeducação ambiental.5. O Juiz e a mu<strong>da</strong>nça de paradigmas14KRAKAUER, Jon. No ar rarefeito. 3.ed. São Paulo : Companhia <strong>da</strong>s Letras. 1997.15PHILBRICK, Nathaniel. No Coração do Mar. São Paulo : Companhia <strong>da</strong>s Letras. 2000.16MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2001.17FIORILLO, Celso Antônio Pacheco et al. O Direito Processual Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.18GRINOVER, A<strong>da</strong> Pellegrini et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autoresdo anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Ver novas questões.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 19


A matéria ambiental, na lição de Fiorillo, 17 suscitou uma mu<strong>da</strong>nça paradigmáticano comportamento <strong>da</strong> magistratura, pois a patrimoniali<strong>da</strong>dee a identificação de interesses pessoais deixaram de ser critérios segurospara a solução <strong>da</strong>s controvérsias. Os direitos difusos e coletivos tornaramevidente a insuficiência do Código de Processo Civil e existe necessi<strong>da</strong>dede criação do Código de Processo Coletivo 18 para <strong>da</strong>r respostas às questõesambientais e consumeristas. A insuficiência do Código de ProcessoCivil em relação à legitimi<strong>da</strong>de ativa e passiva, à coisa julga<strong>da</strong>, para citaralguns aspectos, são evidentes. Ninguém mais do que o Juiz observa efica perplexo com as questões que na prática se oferecem, obrigando aarticulação do Código de Processo Civil, <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong> Ação Civil Pública edo Código do Consumidor que servem como “mecanismos de desencaixe”,de molde a oferecer uma solução razoável e prudente. 19 É o Juiz quemconcede consistência, uni<strong>da</strong>de e coerência ao Direito. É na questão dospoderes do Juiz ao conduzir as ações coletivas que se extraem forçaspara deixar as vestes individualistas do CPC. 20É no direito ambiental, sanitário e do consumidor que há mais necessi<strong>da</strong>dede observar a lição de Gustavo Zagrebelsky, 21 no sentido de queos juízes são os garantes <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de estrutural do direito, garantes<strong>da</strong> necessária coexistência entre lei, direito e justiça. No Estado Constitucional,não há mais “senhores do direito”, o direito não é objeto deproprie<strong>da</strong>de de uns, mas deve ser objeto de cui<strong>da</strong>do de todos. 226. A postura do Juiz na tutela ambientalNas ações civis públicas, em especial quando volta<strong>da</strong>s à tutela do meioambiente e do consumidor, deve o Juiz abandonar o excessivo formalismo,23 abran<strong>da</strong>ndo o princípio dispositivo ou <strong>da</strong> inércia. Tratando-se19FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito, 2ª Ed. Malheiros, 1998.20ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. São Paulo: Forense Universitária, 2003. p.148-150.21ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. 3. ed. Madrid: Trotta, 1999.22DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001.v. III. p. 56. “Ativismo probatório”, “digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição”.23ALVIM, Arru<strong>da</strong>. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. v. 2.24Verificar as novas questões levanta<strong>da</strong>s pela Professora A<strong>da</strong> Pellegrini Grinover, neste aspecto. Há novotrabalho <strong>da</strong> Professora A<strong>da</strong>.20R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


de direitos difusos, a legitimi<strong>da</strong>de e o interesse 24 frente a uma deman<strong>da</strong>ganham alargado enfoque. Sem deixar de oferecer às partes litigantes odevido processo legal, quanto menos “igual” for o posicionamento <strong>da</strong>spartes no processo, mais acentuados devem ser os poderes do Juiz. O Juiznão pode ser um “mero espectador” do litígio, deve, na inércia <strong>da</strong>s partes,determinar as provas necessárias ao seu esclarecimento. Ser firme nas“crises de descumprimento” e claro nas crises de incerteza. Deve fazercom que todos os direitos, não só o “ter”, mas também o “ser”, os direitosnão-patrimoniais, em especial os relativos à vi<strong>da</strong>, à saúde, ao ambientee ao consumo seguro tenham uma tutela efetiva. 25 Por outro lado, paraque a tutela ambiental seja efetiva, há de ser o quanto possível célere.Evitar, assim, o discurso burocrático do “diga diga” quando quem temo dever de dizer e decidir é o Juiz. O Juiz para bem decidir as questõesambientais deve internalizar a idéia de que a preservação ambiental integrao conceito <strong>da</strong> função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e de que a função social<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de só é cumpri<strong>da</strong> quando atendi<strong>da</strong> a perspectiva ambiental,e ain<strong>da</strong> que há o aspecto <strong>da</strong> transversali<strong>da</strong>de 26 e <strong>da</strong> sustentabili<strong>da</strong>de. Omundo é um só. Temos um passado e queremos o futuro.7. A tutela ambiental de urgência – tutela preventivaA tutela jurisdicional definitiva deman<strong>da</strong> tempo, cognição plena, exau-25Se possível, ir lá verificar em uma inspeção judicial.26A pretexto de conservar o meio ambiente, não se deixarão ao desamparo a saúde, o desenvolvimentosustentável, e as demais aspirações compatíveis.27LEITE, José Rubens Morato. “Tutela de Urgência e Deman<strong>da</strong>s Coletivas”. Revista Ajuris <strong>da</strong> Associaçãodos Juízes do Rio Grande do Sul, a. XXIV, v. 69, p. 323-340, mar. 1997.SILVA, Ovídio Araújo Baptista <strong>da</strong>. “Racionalismo e tutela preventiva em processo civil”. Revista dos Tribunais,São Paulo, v. 801, p.30-43, jul. 2002.FERRAZ, Sérgio. “Provimentos Antecipatórios na Ação Civil Pública”. Revista de Direito Administrativo,Rio de Janeiro, v. 202, p. 81-87, 1995.CALMON, Eliana. “Tutelas de Urgência”. Revista Jurídica, Rio de Janeiro, n. 269, mar. 2000.THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Execuções <strong>da</strong>s Medi<strong>da</strong>s Cautelares e Antecipatórias”. Revista Síntesede Direito Civil e Processual Civil, n. 8, p. 5, nov.-dez. 2000.28MARIAS, Julian. Introdução à Filosofia. A função vital <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. São Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 1960.“Veritas para condenar o réu no crime. Aletheia para a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e Emunah para a aproximação <strong>da</strong>ver<strong>da</strong>deira ‘imagem horizonte’ que é o artigo 225 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 e também do artigo 196<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988. Idéias de SCLIAR, Moacir. Do mágico ao social: a trajetória <strong>da</strong> saúdepública. Porto Alegre: L&PM, 1987. 111p.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 21


iente, plenitude <strong>da</strong> defesa, o devido processo ... O paradigma tem raízesteóricas nas filosofias do séc. XVII que priorizavam o valor “segurançae certeza” como fun<strong>da</strong>mentais para a construção do Estado Industrial. 27Procurou-se amarrar o Juiz ao “provado nos autos”. O provado nos autosé uma manifestação do princípio do dispositivo. Estabelecer a ver<strong>da</strong>depara a “segurança e certeza” no direito ambiental pode ser tarefa quaseimpossível, basta verificarmos sobre os sentidos primários do significadode “ver<strong>da</strong>de” que influenciaram a mente européia: “aletheia, veritas eemunah” 28 do grego, latim e hebraico. Aletheia é a ver<strong>da</strong>de manifesta,patente, real. Veritas, a ver<strong>da</strong>de prova<strong>da</strong>, certifica<strong>da</strong> nos autos, e Emunaha ver<strong>da</strong>de com confiança, o que se espera que será. O que eu quero dizercom isso? Estou querendo dizer que, nas ações coletivas, para tutelaantecipatória, a verossimilhança nunca se apresenta como a Veritas e,considerando que o artigo 225 se dirige ao futuro, é uma meta a alcançar,o deferimento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> antecipatória, muitas vezes se dá com o sentidode emunah – a ver<strong>da</strong>de que será, que esperamos e confiamos que seja. Natutela de urgência <strong>da</strong>s ações coletivas, o CPC, já vimos, é insuficiente. Oartigo 273 constitui, to<strong>da</strong>via, instrumento eficaz. Os artigos 84, § 3º, doCDC e 461 do CPC 29 para os casos de tutela específica. A irreparabili<strong>da</strong>dedo <strong>da</strong>no nas ações coletivas é quase sempre manifesta, pois a volta aostatus quo ante é quase sempre impossível. Nos <strong>da</strong>nos a bens coletivos,como é o ambiental, não há como reparar integralmente.8. A tutela ambiental de urgência e as crises de incertezaA tutela coletiva se diferencia <strong>da</strong> tutela de urgência individual “menospelos resultados e mais por aspectos relacionados aos princípiosregentes <strong>da</strong>s técnicas coletivas”. 30 Trata-se de uma cognição sumária 31e Marcelo Abelha, na obra cita<strong>da</strong>, destaca os princípios que regem a tu-29Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento <strong>da</strong> obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederáa tutela específica <strong>da</strong> obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalenteao do adimplemento.30ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. São Paulo: Forense Universitária, 2003.31WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. “Cogniçãoé um ato de inteligência consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e provas.”22R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


tela coletiva, são eles: o processo coletivo exige um raciocínio coletivo,as técnicas individualistas do CPC devem ser interpreta<strong>da</strong>s de modoa atender às finali<strong>da</strong>des coletivas, supõe-se, pois, a predominância docaráter público do processo, implicando em diminuição do dispositivoe aumento do princípio inquisitório. O segundo princípio é a ênfase naisonomia real dos litigantes. Acrescentaria que se trabalha com a ver<strong>da</strong>dereal que se espera que seja e não com a certifica<strong>da</strong> e prova<strong>da</strong> nos autos.Nas deman<strong>da</strong>s coletivas, a maioria <strong>da</strong>s questões ambientais aí se inclui.O magistrado exigirá mais do que um grau mínimo de probabili<strong>da</strong>de,isto é, menos rigidez! Deverá despir-se <strong>da</strong>s limitações privatísticas doprincípio do dispositivo. Deve se ter presente que as presunções legaissão apenas presunções, por exemplo, a presunção de veraci<strong>da</strong>de e legali<strong>da</strong>dedo agir <strong>da</strong> administração ambiental, no caso, por exemplo, de umalicença para construir expedi<strong>da</strong>. Tratando-se, contudo, de construçãoprojeta<strong>da</strong> sobre, por exemplo, terreno de marinha, a licença municipalembora regularmente concedi<strong>da</strong> é insuficiente. Por outro lado, o doutoórgão do Ministério Público <strong>Federal</strong> não é órgão licenciador, de sorteque o empreendedor não necessita do nihil obstat do órgão Ministerial.O empreendedor munido de to<strong>da</strong>s as licenças exigíveis fica em posiçãomais confortável frente a uma deman<strong>da</strong> coletiva que impugna o empreendimento,pois é menos provável que todos os órgãos licenciadorestenham incidido em erro ao licenciar a construção.É certo que o convencimento sumarizado será muito influenciadopelas presunções e ficções legais e pelas “presunções hominis”, advin<strong>da</strong>s<strong>da</strong>s máximas de experiência comum referi<strong>da</strong>s pelo artigo 335 do CPC. 32A certeza na cognição sumária é substituí<strong>da</strong> pela probabili<strong>da</strong>de e a probabili<strong>da</strong>dedepende muito <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de do magistrado. É importantesalientar a necessi<strong>da</strong>de de fun<strong>da</strong>mentação adequa<strong>da</strong> e circunstancial, emera invocação do direito ao meio ambiente equilibrado e à sadia quali<strong>da</strong>dede vi<strong>da</strong> são discursos retóricos que não têm densi<strong>da</strong>de consistentea fun<strong>da</strong>mentar e manter a decisão.A socie<strong>da</strong>de de risco potencializa o risco gerando incerteza constante,sobre o assunto remeto à obra de François Ost, 33 “O Tempo do Direito”,32Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comumsubministra<strong>da</strong>s pela observação do que ordinariamente acontece e ain<strong>da</strong> as regras <strong>da</strong> experiência técnica,ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.33OST, François. O Tempo do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. 442 p.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 23


no sentido de que o perigo vem de alguma forma exterior e o risco é umproduto derivado, um efeito secundário <strong>da</strong>s nossas próprias decisões. Asocie<strong>da</strong>de de risco põe-se, ela própria, em perigo. O risco e a incertezasão uma constante e não há como eliminá-los totalmente. É precisoconviver com a incerteza.9. A tutela ambiental e as crises de descumprimentoAs crises de descumprimento são altamente desprestigiadoras parao Poder Judiciário. Nesta perspectiva, ao cogitar sobre o deferimento<strong>da</strong> tutela antecipatória ou cautelar, convém que o magistrado estejaconvencido sobre a possibili<strong>da</strong>de de o ato ser executado materialmentepelo obrigado. Nas tutelas inibitórias a questão quase não se apresenta,é sempre possível abster-se de iniciar uma obra por exemplo, mas hásituações em que a providência escapa <strong>da</strong> esfera de possibili<strong>da</strong>des fáticasou jurídicas do obrigado. As surpresas do mundo real rebelam-se contraas formulações teóricas. A efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> urgente é essencial. Assituações de descumprimento se resolvem por decisão que impõe umaprestação (multa) ao inadimplente, pelas técnicas processuais do provimentoexecutivo (art. 642 do CPC) e executivo lato sensu (art. 461, inc. I,§ 1º, do CPC). Impõe-se impulsionar o provimento executivo lato sensuem direção ao executivo, com a regra <strong>da</strong> sub-rogação. Os provimentosantecipatórios são atos de império estatal que impõe a sua concretizaçãoprática e pressupõe força suficiente para imposição. Em muitas circunstânciasé necessária a utilização de instrumentos estimuladores <strong>da</strong> práticado ato pelo próprio obrigado e a colaboração <strong>da</strong>s partes interessa<strong>da</strong>s. 34A palavra-chave nas tutelas de urgência é a de precaver contra orisco e prevenir contra o <strong>da</strong>no, situações que devem ser aprecia<strong>da</strong>s nadimensão coletiva.10. A postura do Juiz34Exemplo de crise de descumprimento: reabertura <strong>da</strong> “Estra<strong>da</strong> do Colono”.35MORIN, Edgar. Da necessi<strong>da</strong>de de um pensamento complexo. In: MARTINS, Francisco Menezes; SILVA,Juremir Machado <strong>da</strong> (orgs.). Para navegar no século XXI – tecnologias do imaginário e cibercultura. PortoAlegre: Sulina.36KYI, Aung San Suu. Viver sem Medo. Rio de Janeiro : Campus, 1992. Prêmio Nobel <strong>da</strong> Paz, 1991.24R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


Para o Juiz a tutela ambiental é uma <strong>da</strong>s múltiplas tarefas e para bemexercê-la há necessi<strong>da</strong>de de um pensamento complexo, 35 que é sistêmico,circular, autoprodutivo, prudente, modesto, aberto, compreende amultiplici<strong>da</strong>de, convive com a incerteza, é multidimensional, relacional,reconstrói, transforma, transformando-se, flui. “Sobretudo não concluir”.“Mesmo sem saber o que acontecerá temos de seguir adiante <strong>da</strong> melhormaneira possível”. “Não pensem no que acontecerá ou não acontecerá.Continuem simplesmente fazendo o que acham certo. Mais tarde surgirãopor si mesmos os frutos do que fazem agora”. 36R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 25


26R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


Suspensão do processo e <strong>da</strong> prescrição noâmbito penal frente ao parcelamento de débitostributários e contribuições sociaisÉlcio Pinheiro de Castro*Com apoio em singelo pedido de parcelamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> quenão cumprido, parte <strong>da</strong> jurisprudência vem entendendo ser aplicávelo disposto no art. 34 <strong>da</strong> Lei nº 9.249/95, que autoriza a extinção <strong>da</strong>punibili<strong>da</strong>de dos crimes definidos nas Leis 8.137/90 e 8.212/91, nahipótese de o agente “promover o pagamento” do tributo ou contribuiçãosocial, inclusive acessórios, antes do recebimento <strong>da</strong> denúncia.Não há como esconder a reali<strong>da</strong>de. Se é certo que não pode o juizdecidir contra legem, não menos exato é que o julgador sem consciênciasocial, analisando a norma jurídica apenas no encaixe dos fatos àliterali<strong>da</strong>de de seu comando, estará contribuindo para o descarte doJudiciário. Aliás, na conheci<strong>da</strong> dicção de Hely Lopes Meirelles, “a leihá que ser interpreta<strong>da</strong> racionalmente para a consecução dos fins a quese destina”.A par disso, em observação simplista, certo ou errado, vale notarque a ameaça de repressão penal tem sido considera<strong>da</strong> como meio paracompelir o contribuinte a cumprir suas obrigações sociais, o que nosleva a concluir que o bem jurídico tutelado, sem dúvi<strong>da</strong>, é a regulari<strong>da</strong>de*Des. <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 4 a <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 27


<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção. Logo, tão-só em última ratio devem ser aplica<strong>da</strong>s assanções penais.Ex positis, segundo o melhor entendimento (aquele que se preocupacom a solução justa) o apontado dispositivo (art. 34) não distingue se opagamento deve ser integral ou fracionado, bastando pois o ato concretode pagar, seja à vista ou a prazo.Diante desse quadro, não possuindo o devedor condições econômicaspara quitar o débito de uma só vez (como de hábito acontece) a quaestioque se pretende analisa<strong>da</strong> resume-se em saber se a referi<strong>da</strong> moratória, porsi própria, em nosso atual ordenamento jurídico, tem força para extinguira pretensão punitiva do Estado ou se para tanto é preciso aguar<strong>da</strong>r ocumprimento de to<strong>da</strong>s as prestações contrata<strong>da</strong>s.Como temos insistido, o Direito Penal, em se tratando de crimescontra a ordem tributária, não pode deixar de an<strong>da</strong>r de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s comas regras inscritas no Código Tributário Nacional.Sempre manifestamos entendimento no sentido de que a expressão“promover o pagamento” também se estende para os casos deparcelamento. To<strong>da</strong>via, tal conclusão aplica-se tão-somente aos queforem quitados, porquanto a moratória pendente não fulmina o créditotributário, constituindo mera causa de suspensão <strong>da</strong> sua exigibili<strong>da</strong>de.Logo, se o crédito não pode ser cobrado pela Administração emobediência ao pactuado (segundo as regras do Código TributárioNacional) o mesmo deve acontecer no Direito Penal, vale dizer, somentepode ocorrer a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de com a integral satisfação dodébito e não com o parcial adimplemento.Com as escusas dos que pensam em sentido contrário, o parcelamentonão cria uma nova obrigação extinguindo a anterior, ou seja, não constituinovação. Fora do mundo <strong>da</strong> ficção, não vemos como entender (tantono Direito Tributário como no Penal) parcelamento não cumprido comefeito de pagamento.Aliás, segundo abaliza<strong>da</strong> doutrina (Comentários ao Código TributárioNacional coordenado por Yves Gandra <strong>da</strong> Silva Martins, Editora Saraiva,págs. 311/312):“Em sendo o parcelamento moratória concedi<strong>da</strong> em caráter individual, há quese enfrentar se ele confunde-se, ou não, com novação. O magistério de Washingtonde Barros Monteiro espanca qualquer dúvi<strong>da</strong> a respeito do tema. Afirma o mestre28R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


não haver ‘novação quando para a obrigação apenas se adicionam novas garantias,quando se concede moratória ao devedor, quando se lhe defere abatimento de preço,maiores facili<strong>da</strong>des de pagamento ou reforma de título’. Vale dizer, não se entende pornovação a tolerância de prazo para recebimento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>. Entendido o parcelamentocomo moratória concedi<strong>da</strong> em caráter individual, porém não se confundindo com anovação, há que se concluir que os efeitos <strong>da</strong> inadimplência no curso do parcelamentonão cessam; apenas mantêm-se suspensos. Assim tem caminhado a jurisprudência,destacando nesse particular posicionamento do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça nosentido de que, em se tratando de crime de sonegação fiscal, a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>desomente se verifica no cumprimento do parcelamento. Em termos práticos, portanto,o parcelamento é tão-somente situação de suspensão de exigibili<strong>da</strong>de do créditotributário, não chegando a ser instrumento hábil para extinguir a punibili<strong>da</strong>de docontribuinte. A posição jurisprudencial acima noticia<strong>da</strong> denuncia o duplo papel doparcelamento, que é suspender a exigibili<strong>da</strong>de do crédito tributário para, em paralelo,efetivar-se a extinção desse mesmo crédito pelo pagamento. Pode-se afirmar, então,que somente a concessão do parcelamento é situação de suspensão de exigibili<strong>da</strong>dedo crédito. Seguindo essa linha, o implemento do parcelamento é situação de extinçãodo crédito tributário, nos termos do art. 156, I, do CTN, razão pela qual no curso doparcelamento fica a autori<strong>da</strong>de administrativa impedi<strong>da</strong> de molestar o contribuintetão-só em termos pecuniários, vez que a ação de cobrar está pendente de condiçãosuspensiva enquanto não ocorrer o descumprimento <strong>da</strong>s condições impostas noparcelamento. Outro efeito prático conseqüente de o parcelamento não se confundircom a novação relaciona-se à impossibili<strong>da</strong>de de seu inadimplemento poder vir a imporqualquer espécie de penali<strong>da</strong>de ao devedor diversa <strong>da</strong>s já estabeleci<strong>da</strong>s no tocante aocrédito tributário constituído. É que, sendo a concessão do parcelamento, como dito,situação de suspensão de exigibili<strong>da</strong>de do crédito e o implemento do parcelamento, nostermos do art. 156 do CTN, situação de extinção desse mesmo crédito, o ato de deixarde cumprir o parcelamento implica o cancelamento <strong>da</strong> suspensão <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>de docrédito. Ou seja, retorna o crédito tributário à situação em que se encontrava antes <strong>da</strong>concessão <strong>da</strong> moratória, pelo que os encargos de inadimplência só podem ser aquelesaplicáveis ao crédito tributário naquele momento (ou seja, antes <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong>moratória). Daí porque somente devidos os relacionados aos juros de mora em havendoinadimplemento do parcelamento.”Corroborando tais ensinamentos, assevera o magistrado José PauloBaltazar Júnior, em comentário realizado antes <strong>da</strong> reforma do art. 151do Código Tributário Nacional, que “o parcelamento, sob o nome demoratória, é qualificado como mera causa de suspensão <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>dedo crédito tributário (CTN, art. 151, I) e não de sua extinção, opera<strong>da</strong>,por exemplo, pelo pagamento (CTN, art. 156)”. (in O Crime de Omissãono Recolhimento de Contribuições Sociais Arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>s, Esmafe, PortoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 29


Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 205)Ademais, o novo inciso VI do art. 151 do CTN, com a re<strong>da</strong>ção conferi<strong>da</strong>pela Lei Complementar 104/2001, passou a estabelecer expressamenteo parcelamento como causa de suspensão <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>de do crédito.Cabe destacar que, na esfera penal, a 5ª Turma do Egrégio Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça já vinha adotando interpretação na linha orapreconiza<strong>da</strong>. Veja-se, ad exemplum, os Acórdãos assim ementados:“DIREITO PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DO DÉBITO.INADIMPLÊNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Ao dizer-se que, para esseefeito, o parcelamento do débito fiscal equivale ao pagamento, isso não se aplica nocaso <strong>da</strong> inadimplência <strong>da</strong>s prestações acor<strong>da</strong><strong>da</strong>s.” (RHC nº 6909/SP, Relator MinistroJosé Dantas, publicado no DJU de 02.03.98, p. 123)“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. SONEGAÇÃO FISCAL. PAGAMENTOINTEGRAL DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. A extinção <strong>da</strong>punibili<strong>da</strong>de, nos termos do art. 34, <strong>da</strong> Lei nº 9.249/95, somente é possível nos casosem que o pagamento integral do tributo for efetuado antes do recebimento <strong>da</strong> denúncia.Parcelamento de débito não é pagamento integral, pois o débito parcelado somenteserá considerado quitado após o pagamento <strong>da</strong> última parcela. Ordem denega<strong>da</strong>”. (HCnº 12635/SC, Rel. Min. José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, publ. no DJU de 19.03.2001, p. 123)“PROCESSO PENAL. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. INÉPCIA DADENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PARCELAMENTODO DÉBITO. INOCORRÊNCIA. É firme a jurisprudência no sentido de que adescrição fática conti<strong>da</strong> na peça vestibular, em crimes dessa natureza, não necessita<strong>da</strong> individualização minuciosa do comportamento de ca<strong>da</strong> acusado. Em tais delitos,de autoria coletiva, é grande a dificul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> discriminação initio litis <strong>da</strong> conduta deca<strong>da</strong> indivíduo. O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sessão plenária, cujo acórdão tevecomo Relator o eminente Ministro Moreira Alves (Inq. 1.028/RS, <strong>Tribunal</strong> Pleno,DJU de 30.08.96) entendeu que se o pagamento é fracionado não cabe a extinção<strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de até ser paga a última parcela, podendo a denúncia ser recebi<strong>da</strong>.Somente o pagamento integral do débito tributário ou contribuição social, inclusiveacessórios, antes do recebimento <strong>da</strong> denúncia, autoriza a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de.Ordem denega<strong>da</strong>”. (HC nº 16.973/PR, Rel. Min. Jorge Scartezzini, publ. no DJU em14.10.2002, p. 240)Contudo, recentemente, em razão de ser outra a inteligência <strong>da</strong>6ª Turma, a 3ª Seção <strong>da</strong>quele Egrégio <strong>Tribunal</strong>, por maioria, adotouentendimento em sentido contrário.Assim, no julgamento do HC nº 11.598/SC (Rel. Ministro GilsonDipp) realizado em 08.05.2002, decidiu-se que “nos crimes de sonegação30R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


fiscal, o parcelamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> com o Estado antes do oferecimento<strong>da</strong> denúncia extingue a punibili<strong>da</strong>de, nos termos do art. 34 <strong>da</strong> Lei nº9.249/95, ain<strong>da</strong> que restando eventual discussão extrapenal dos valores.”Essa orientação foi ratifica<strong>da</strong> nos seguintes julgados:“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PENAL. NÃO-RECOLHIMENTODE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARCELAMENTO ANTES DORECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95. EXTINÇÃO DAPUNIBILIDADE. 1. Consoante entendimento <strong>da</strong> Terceira Seção, o parcelamento dodébito decorrente do não-recolhimento de contribuições previdenciárias, se anteriorao recebimento <strong>da</strong> denúncia, constitui causa extintiva <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de. Precedentes.2. Embargos acolhidos. (EResp nº 229.496/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, publ.no DJU em 03.02.2003).‘(...) A 3ª Seção do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça pacificou o entendimento de queo parcelamento do débito tributário antes do recebimento <strong>da</strong> denúncia acarreta aextinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de do agente. Ressalva do entendimento pessoal do Relator (...)Não cabem embargos de divergência quando a jurisprudência do <strong>Tribunal</strong> se firmou nomesmo sentido do acórdão embargado. Agravo regimental a que se nega provimento’.”(AERESP nº 250.840/SC, Rel. Min. Félix Fischer, julg. em 12.02.2003, publ. no DJUem 17.03.2003, p. 177)Inobstante isso (em que pese a uniformização jurisprudencial do E.STJ aceitando o mero pagamento parcial para a concessão do aludidobenefício na esfera criminal) vale notar que os indigitados precedentessão oriundos de processos e débitos antigos, de modo que (s.m.j) talinterpretação não pode mais prevalecer para os novos parcelamentos,porquanto to<strong>da</strong> a legislação posterior à Lei nº 9.249/95 é textual emdeterminar que somente o pagamento in totum tem o condão de afastara incidência <strong>da</strong> norma penal. Senão vejamos:Dispondo sobre “amortização e parcelamento de dívi<strong>da</strong>s oriun<strong>da</strong>s decontribuições sociais e outras importâncias devi<strong>da</strong>s ao Instituto Nacionaldo Seguro Social – INSS”, foi edita<strong>da</strong> em 25.09.97, a Medi<strong>da</strong> Provisórianº 1.571-6, assim estabelecendo:“Art. 7º omissis. § 7º. As dívi<strong>da</strong>s provenientes <strong>da</strong>s contribuições desconta<strong>da</strong>s dosempregados e <strong>da</strong> sub-rogação de que trata o inciso IV do art. 30 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de1991, poderão ser parcela<strong>da</strong>s em até dezoito meses, sem redução <strong>da</strong> multa prevista nocaput, ficando suspensa a aplicação <strong>da</strong> alínea d do art. 95 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 1991,enquanto se mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento.”A reedição subseqüente dessa Medi<strong>da</strong> Provisória, publica<strong>da</strong> no DiárioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 31


Oficial <strong>da</strong> União do dia 24.10.97, a qual recebeu o nº 1.571-7, manteveintegralmente esse dispositivo, mas agora no § 6º do seu artigo 7º.Entretanto, a reedição posterior, que recebeu o nº 1.571-8, publica<strong>da</strong>em 21.11.97, suprimiu a parte final desse dispositivo, isto é, nãoreproduziu a possibili<strong>da</strong>de de ser concedi<strong>da</strong> a suspensão do tipopenal inscrito no artigo 95, alínea d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, para aquelesinteressados que parcelassem o débito. Diante disso, muito se discutiuacerca <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de de tais Medi<strong>da</strong>s Provisórias para regular matéria penal.To<strong>da</strong>via, a controvérsia perdeu relevância quando o legislador ordinárioeditou a Lei nº 9.639, em 25.05.98, publica<strong>da</strong> no Diário Oficial <strong>da</strong> Uniãode 27.05.98, que, no seu artigo 12, regulamentou os efeitos gerados pelaMP 1.571, versões de n os 1 a 8, convali<strong>da</strong>ndo expressamente os atospraticados durante sua vigência.A partir <strong>da</strong>í, consoante salientamos em precedente estudo, apósprolongados debates, o TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> consolidou entendimento deque o favor legal se aplicava àqueles que comprovassem o parcelamentodo débito previdenciário celebrado até o final do período de vigência<strong>da</strong>s reedições n os 6 e 7, ou seja até 20.11.97, e que a locução “suspensaa aplicação <strong>da</strong> alínea d do art. 95 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 1991, enquantose mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento”, retratanecessariamente a suspensão do processo durante o tempo em que a parteestiver cumprindo o acordo. A inadimplência do parcelamento implicariana retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> ação penal. Por outro lado, cumprido o parcelamentoou integralmente pago o débito, em uma só vez, declarava-se extintaa punibili<strong>da</strong>de do agente. (Nessa linha: Recurso em Sentido Estrito nº1998.04.01.045137-0/RS, 2ª Turma, Rel. Des. Vilson Darós, DJU de18.08.99, p. 571; Apelação Criminal nº 97.04.66259-9/PR, 2ª Turma,Rel. Des. Jardim de Camargo, DJU de 14.04.99, p. 697)Como se vê, diversamente <strong>da</strong> norma jurisprudencial nasci<strong>da</strong> porconta <strong>da</strong> expressão “promover o pagamento” inscrita no artigo 34 <strong>da</strong> Lei9249/95, o parcelamento relativo a débitos previdenciários passou a terconseqüências legais defini<strong>da</strong>s na seara criminal.Na mesma linha, veja-se a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, queinstituiu o Programa de Recuperação Fiscal; após, compare-se o querestou inscrito na Lei nº 9.983/00 que acrescentou o art. 168-A ao CódigoPenal e, por fim, a Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, estabelecendo32R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


idênticas regras em nova mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de parcelamento.Com efeito, os citados Diplomas Legais também dispõem que apenascom a liqui<strong>da</strong>ção integral <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pode ser outorga<strong>da</strong> a discuti<strong>da</strong>benesse. Assim, quer queira, quer não queira, independentemente deinterpretação, seja histórica ou sistemática, mostra-se evidente que talentendimento traduz a ver<strong>da</strong>deira vontade do legislador. Confira-se oque diz a Lei nº 9.964/00:“Art. 1º. É instituído o Programa de Recuperação Fiscal – Refis, destinado a promovera regularização de créditos <strong>da</strong> União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas,relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> epelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com vencimento até 29 de fevereirode 2000, constituídos ou não, inscritos ou não em dívi<strong>da</strong> ativa, ajuizados ou a ajuizar,com exigibili<strong>da</strong>de suspensa ou não, inclusive os decorrentes de falta de recolhimento devalores retidos. § 1 o (...) § 2 o (...) § 3 o (...). Art. 2 o O ingresso no Refis <strong>da</strong>r-se-á por opção<strong>da</strong> pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consoli<strong>da</strong>ção e parcelamento dosdébitos fiscais a que se refere o art. 1 o . § 1 o A opção poderá ser formaliza<strong>da</strong> até o últimodia útil do mês de abril de 2000. § 2 o Os débitos existentes em nome <strong>da</strong> optante serãoconsoli<strong>da</strong>dos tendo por base a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> formalização do pedido de ingresso no Refis. §3 o A consoli<strong>da</strong>ção abrangerá todos os débitos existentes em nome <strong>da</strong> pessoa jurídica, nacondição de contribuinte ou responsável, constituídos ou não, inclusive os acréscimoslegais relativos a multa, de mora ou de ofício, a juros moratórios e demais encargos,determinados nos termos <strong>da</strong> legislação vigente à época <strong>da</strong> ocorrência dos respectivosfatos geradores. § 4 o (...) Art. 3 o A opção pelo Refis sujeita a pessoa jurídica a: I –omissis (...) VI – pagamento regular <strong>da</strong>s parcelas do débito consoli<strong>da</strong>do, bem assim dostributos e <strong>da</strong>s contribuições com vencimento posterior a 29 de fevereiro de 2000. § 1 oA opção pelo Refis exclui qualquer outra forma de parcelamento de débitos relativosaos tributos e às contribuições referidos no art. 1 o . § 2 o O disposto nos incisos II e IIIdo caput aplica-se, exclusivamente, ao período em que a pessoa jurídica permanecerno Refis (...).Art. 12. Alternativamente ao ingresso no Refis, a pessoa jurídica poderá optarpelo parcelamento, em até sessenta parcelas mensais, iguais e sucessivas, dos débitosreferidos no art. 1º, observa<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as demais regras aplicáveis àquele programa.Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstosnos arts. 1º e 2º <strong>da</strong> Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 <strong>da</strong> Lei nº8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relaciona<strong>da</strong>com o agente dos aludidos crimes estiver incluí<strong>da</strong> no Refis, desde que a inclusão noreferido Programa tenha ocorrido antes do recebimento <strong>da</strong> denúncia criminal. §1º. A prescrição não corre durante o período de suspensão <strong>da</strong> pretensão punitiva. §2º. O disposto neste artigo aplica-se também: I – a programas de recuperação fiscalinstituídos pelos Estados, pelo Distrito <strong>Federal</strong> e pelos Municípios que adotem, no quecouber, normas estabeleci<strong>da</strong>s nesta Lei; II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 33


13. § 3º Extingue-se a punibili<strong>da</strong>de dos crimes referidos neste artigo quando a pessoajurídica relaciona<strong>da</strong> com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundosde tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto deconcessão de parcelamento antes do recebimento <strong>da</strong> denúncia criminal.”Analisando criteriosamente os apontados dispositivos, dessumeseque passaram a coexistir três espécies de parcelamentos, quaissejam: a) pelo programa REFIS por tempo indeterminado (art. 1º); b)alternativamente ao ingresso no REFIS, a opção pelo pagamento dodébito em sessenta meses (art. 12) e c) aqueles realizados na esferaadministrativa paralelamente ao REFIS.Consoante se depreende, para o acordo efetivado pelo citadoprograma, ou a ele alternativo, a Lei expressamente estabelece no art. 15,caput e seu parágrafo 2º, a suspensão <strong>da</strong> pretensão punitiva do Estadoenquanto a pessoa jurídica relaciona<strong>da</strong> com o agente “estiver incluí<strong>da</strong>no Refis, desde que sua inclusão tenha ocorrido antes do recebimento<strong>da</strong> denúncia criminal”.To<strong>da</strong>via, vale notar que a opção por tal benefício teve duraçãolimita<strong>da</strong>, tendo sido prorroga<strong>da</strong>, nos termos <strong>da</strong> Lei nº 10.002/00, até 14de dezembro de 2000.Concludentemente, no tocante às demais espécies de moratória(inclusive quanto aos débitos posteriores ao período objeto <strong>da</strong> opção)segundo alguns especialistas em assuntos criminais, restou uma lacunano que pertine aos efeitos do parcelamento. Contudo, cumpre observarque a própria Lei nº 9.964 previu, consoante disciplina o § 3º do art. 15,a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de tão-só para os casos de “pagamento integraldos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusiveacessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antesdo recebimento <strong>da</strong> denúncia criminal”.A hipótese em foco, como se percebe, é de cunho genérico, alcançandotodo e qualquer parcelamento realizado no campo dos crimes fiscaisdescritos no caput, sem estabelecer distinção quanto ao tipo de acordo.Portanto, é de se concluir que a interpretação extensiva que se pretendecontinuar <strong>da</strong>ndo ao art. 34 <strong>da</strong> Lei nº 9.249/95, colide frontalmente como dispositivo em tela. Enquanto aquele fala em extinção <strong>da</strong> pretensãopunitiva para quem “promover o pagamento” (estendendo-se para oscasos de parcelamento apenas por força jurisprudencial) este (art. 15, §34R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


3º, <strong>da</strong> Lei 9.964/00) limita o benefício exclusivamente para o agente queefetuar o “pagamento integral”.Não tem sentido continuar suspendendo o processo e a prescriçãoaté o pagamento integral do débito aos optantes pelo parcelamento porprazo indefinido (REFIS) e, por outro lado, extinguir a punibili<strong>da</strong>dedos que ain<strong>da</strong> não cumpriram o parcelamento (paralelo ao REFIS)concedido por tempo determinado. No mínimo o tratamento deve seridêntico para uns e outros.A rigor, se está escrito na lei “é suspensa a pretensão punitiva doEstado”, havendo qualquer tipo de parcelamento a denúncia não poderiaser recebi<strong>da</strong> por falta de condições para o exercício <strong>da</strong> ação penal. O quenão se mostra razoável, por certo, é decretar-se a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>deantes do cumprimento <strong>da</strong>s obrigações assumi<strong>da</strong>s.De qualquer modo, ain<strong>da</strong> que não se vislumbre o que está explícitona lei, forçoso é notar que o Legislador não mais considera o singelopedido de parcelamento do débito causa extintiva <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de, poisautorizou, nessa hipótese, unicamente a suspensão <strong>da</strong> incidência <strong>da</strong> normapenal, vale dizer, em harmonia com o CTN.Cumpre lembrar que o art. 168-A do Estatuto Repressivo, com are<strong>da</strong>ção conferi<strong>da</strong> pela Lei nº 9.983/2000, dispondo na mesma linha,assim deixou registrado:“§ 2º. É extinta a punibili<strong>da</strong>de se o agente, espontaneamente, declara, confessa eefetua o pagamento <strong>da</strong>s contribuições, importâncias ou valores e presta as informaçõesdevi<strong>da</strong>s à Previdência Social, na forma defini<strong>da</strong> em lei ou regulamento, antes do início<strong>da</strong> ação fiscal”.A par disso, no parágrafo 3º definiu ser “facultado ao juiz deixar deaplicar a pena ou aplicar somente a de multa”, desde que o réu “tenhapromovido, após o início <strong>da</strong> ação fiscal e antes de ofereci<strong>da</strong> a denúncia,o pagamento <strong>da</strong> contribuição social previdenciária, inclusive acessórios.”Segundo a indigita<strong>da</strong> norma, denota-se que “efetuar” o pagamentoantes do início <strong>da</strong> ação fiscal constitui causa extintiva <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de,enquanto a oração “tenha promovido (...) o pagamento” (conformeentendimento pretoriano) poderá abrir ensejo ao parcelamento queapós regularmente cumprido, autoriza a hipótese de perdão judicial ouaplicação de multa, desde que realizado após o início <strong>da</strong> ação fiscal eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 35


antes de ofereci<strong>da</strong> a denúncia.Entretanto, tendo em conta a política criminal adota<strong>da</strong> para esse tipo deinfração (que por certo não é restringir de imediato a liber<strong>da</strong>de do ci<strong>da</strong>dãofaltoso mas sim, como dito, privilegiar a arreca<strong>da</strong>ção) acreditamos quese o contribuinte, após o início <strong>da</strong> ação fiscal parcelar a dívi<strong>da</strong>, deve ojulgador receber a denúncia, instruir o processo e suspender a ação penalalém <strong>da</strong> prescrição, até o pagamento integral dos débitos. Somente nahipótese de ter havido quitação, mostrar-se-á cabível o benefício doperdão judicial ou multa, ao passo que em caso de descumprimento ofeito deverá prosseguir regularmente.Em suma, temos que as novas regras instituí<strong>da</strong>s pelo art. 168-A doCP também delimitam expressamente os efeitos do pagamento e/ouparcelamento do débito previdenciário na esfera penal.Com o término do prazo para adesão ao REFIS, buscando abarcarsituações semelhantes, foram propostos no Congresso Nacional doisProjetos de Lei (PL n os 50 e 390/2003) tratando justamente <strong>da</strong> extensão doreferido Programa. Esses textos adotaram as mesmas regras anteriormentecita<strong>da</strong>s, isto é, suspensão <strong>da</strong> pretensão punitiva do Estado durante operíodo em que a pessoa jurídica relaciona<strong>da</strong> com o agente estiverincluí<strong>da</strong> no programa, bem como limitando a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>deaos casos de “pagamento integral” dos débitos oriundos de tributos econtribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto deconcessão de parcelamento.Nas justificativas, os autores <strong>da</strong>s aludi<strong>da</strong>s propostas asseveram que oREFIS deve ser prorrogado para alcançar mais empresas e assim maisdébitos, pois “constitui também uma garantia importante para o Erário,uma vez que estimula a empresa a manter-se em dia com suas obrigaçõesfiscais”.Nesse ínterim, antes <strong>da</strong> tramitação de tais proposições, o Governo <strong>Federal</strong>encaminhou Medi<strong>da</strong> Provisória ao Congresso Nacional (a qual terminousendo aprova<strong>da</strong>) gerando a já menciona<strong>da</strong> Lei nº 10.684, de 30 de maio de2003, verbis:“Art. 1º. Os débitos junto à Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> ou Procuradoria-Geral <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Nacional, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser parceladosem até cento e oitenta prestações mensais e sucessivas. § 1º a § 9º (omissis). § 10º Aopção pelo parcelamento de que trata este artigo exclui a concessão de qualquer outro,36R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


extinguindo os parcelamentos anteriormente concedidos, admiti<strong>da</strong> a transferência deseus saldos para a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de desta Lei.”“Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstosnos arts. 1º e 2º <strong>da</strong> Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A doCódigo Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relaciona<strong>da</strong> com o agente dosaludidos crimes estiver incluí<strong>da</strong> no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminalnão corre durante o período de suspensão <strong>da</strong> pretensão punitiva. § 2º Extingue-se apunibili<strong>da</strong>de dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relaciona<strong>da</strong> como agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuiçõessociais, inclusive acessórios.”Por ser recente, ain<strong>da</strong> não tivemos oportuni<strong>da</strong>de de analisardetalha<strong>da</strong>mente a repercussão desse novel diploma normativo quantoàs ações penais em an<strong>da</strong>mento, o que deverá ser reservado para estudoposterior. Contudo, a reiteração <strong>da</strong> sistemática do REFIS adota<strong>da</strong> nosdispositivos legais supratranscritos não deixa dúvi<strong>da</strong>s a respeito dotema ora em análise, determinando que o desaparecimento <strong>da</strong> pretensãopunitiva somente poderá ocorrer mediante a liqui<strong>da</strong>ção integral dodébito tributário.Isso não significa negar vigência ao art. 34 <strong>da</strong> Lei 9.249/95, quecontinua valendo até o advento <strong>da</strong> Lei 9.964/00.Repetindo: hoje o que se mostra relevante é saber se basta singelopedido de parcelamento, antes do acolhimento <strong>da</strong> exordial, para serdeclara<strong>da</strong> a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de ou se está suspensa a pretensãopunitiva do Estado até o cumprimento <strong>da</strong>s obrigações para todo equalquer parcelamento concedido após o prazo de opção pelo REFIS.Pois bem. O magistrado, no exercício do seu munus, deve sopesarnão só os aspectos jurídicos mas principalmente os efeitos sociais de suadecisão. Impõe-se, numa visão conjunta do sistema legal, evitar exegeseque cause o esvaziamento do conteúdo <strong>da</strong>s normas, sendo indispensávelperscrutar o ver<strong>da</strong>deiro espírito <strong>da</strong>s mesmas. Veja-se, nesse sentido, alição de Fernando <strong>da</strong> Costa Tourinho Filho (Processo Penal, 20. Ed. Rev.,modifica<strong>da</strong> e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, pp.165/170):“Interpretar a lei é descobrir ou revelar a vontade conti<strong>da</strong> na norma jurídica ou como dizClóvis, é revelar o pensamento que anima as suas palavras. (...) Interpretação sistemática- o intérprete deve colocar a norma em relação com o conjunto de todo o Direito vigentee com as regras particulares de Direito que têm pertinência com ela. (...) Interpretaçãohistórica – A pesquisa do processo evolutivo <strong>da</strong> lei, isto é, a história <strong>da</strong> lei ou dos seusR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 37


precedentes auxilia o aclaramento <strong>da</strong> norma. Os projetos de leis, as discussões havi<strong>da</strong>sdurante sua elaboração, a Exposição de Motivos, as obras científicas do autor <strong>da</strong> lei sãoelementos valiosos de que se vale o intérprete para proceder à interpretação”.Tendo em conta ser a lei fonte principal do direito, na<strong>da</strong> impede ojulgador de utilizar conceitos expressos no regramento jurídico, parainterpretar adequa<strong>da</strong>mente determina<strong>da</strong>s normas. Isso não está ocorrendona espécie.Ain<strong>da</strong> que não houvesse dispositivo legal a determinar a suspensãodo processo e <strong>da</strong> prescrição no curso do parcelamento, os princípiosgerais de direito, universalmente aceitos, dentre os quais o <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de,apontariam em igual direção para ser dirimi<strong>da</strong> a controvérsia.Logo, para os parcelamentos de quaisquer espécies realizadosa partir <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000,acreditamos não ser possível a interpretação extensiva do referidoartigo 34, por não se coadunar com a mens legis do atual ordenamentojurídico.À evidência, orientação diversa significa prestigiar a impuni<strong>da</strong>de eautorizar o uso de artifícios visando, em ver<strong>da</strong>de, tão-somente evitar aefetiva aplicação <strong>da</strong> lei penal, ato que, de forma alguma, pode receber obeneplácito do Judiciário.De igual forma, não cabe olvi<strong>da</strong>r que tal interpretação serve de“estímulo” não só para aqueles que não ingressaram no REFIS, massobretudo para os que por ele optaram, bastando que se desliguem doPrograma e façam pedido de parcelamento genérico, por prazo definido,através do qual, tendo em conta o entendimento jurisprudencial (secontinuar sendo adotado) poderão alcançar de imediato a extinção <strong>da</strong>punibili<strong>da</strong>de, simplesmente com o pagamento de algumas parcelas. Datavenia, não é esse o espírito <strong>da</strong> lei penal.Assim, buscando a aplicação <strong>da</strong> norma de forma útil e adequa<strong>da</strong>à reali<strong>da</strong>de, a solução que se mostra mais acerta<strong>da</strong> é não recebera denúncia ou determinar a suspensão do processo e <strong>da</strong> prescriçãoenquanto vigorar o parcelamento, seja especial ou genérico. Por óbvio,isso em na<strong>da</strong> prejudica os réus, porquanto, se demonstrado o ânimo decumprir o ajuste, ao final será extinta a punibili<strong>da</strong>de. Esse entendimentojá foi adotado em Acórdão unânime <strong>da</strong> 8ª Turma do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>38R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


cuja ementa restou assim redigi<strong>da</strong>:“PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISOS IIE III, DA LEI Nº 8.137/90. DÉBITO PARCELADO ANTES DO RECEBIMENTO DADENÚNCIA. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL E DA PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃODAS REGRAS DO REFIS (LEI Nº 9.964/2000). CABIMENTO. 1. Comprovadoo parcelamento do débito tributário em 19 de dezembro de 2000, ou seja, antes dorecebimento <strong>da</strong> denúncia, inexistem motivos para a reforma do decisum que suspendeua pretensão punitiva e o curso <strong>da</strong> prescrição, aplicando os institutos referentes aoPrograma de Recuperação Fiscal (REFIS) criados pelo art. 15 <strong>da</strong> Lei nº 9.964/2000.”(RSE nº 2001.71.08.002007-8/RS, julg. em 24.06.2002, publ. no DJU em 10.07.2002)Do voto proferido naquela oportuni<strong>da</strong>de, permito-me transcrever oseguinte trecho:“Como já salientado, a partir do advento <strong>da</strong> Lei nº 9.964/2000, que criou o REFIS,o parcelamento do débito assumiu caráter diverso, tendo o Legislador instituído asuspensão <strong>da</strong> pretensão punitiva, bem como do prazo prescricional (art. 15) enquantoadimplente o denunciado por crime fiscal. Diante desse quadro, a ilustre julgadoramonocrática, ao invés de declarar extinta a punibili<strong>da</strong>de dos agentes, suspendeu aação penal e o curso <strong>da</strong> prescrição, aplicando ao parcelamento firmado em dezembrode 2000 os institutos relativos ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) criadospela referi<strong>da</strong> Lei nº 9.964, nota<strong>da</strong>mente o disposto nos arts. 12 e 15, in verbis: (...)Tenho que inexiste óbice à solução adota<strong>da</strong>, vez que os réus parcelaram a dívi<strong>da</strong> emmomento anterior ao do oferecimento <strong>da</strong> peça acusatória (15.03.2001, fl. 05). Se a novalei deu definição mais consentânea com a reali<strong>da</strong>de ao conceito de parcelamento, na<strong>da</strong>impede que seja aplica<strong>da</strong> aos casos concretos, ain<strong>da</strong> que o débito em tela não estejainserido no REFIS, nos termos dos referidos dispositivos legais. Ademais, do decisummonocrático não advirá prejuízo algum à acusação. Neste ponto em específico, peçovênia para transcrever excerto do Parecer lavrado pela ilustre Procuradora <strong>Regional</strong><strong>da</strong> República Vera Maria Nunes Michels sobre a quaestio: ‘Ora, em primeiro lugar,não vejo nenhum prejuízo ao Parquet <strong>Federal</strong> na hipótese em exame, pois que, aoinvés de ser extinta a ação penal, entendeu o julgador a quo pela suspensão <strong>da</strong> mesmae do curso prescricional, pelo que se denota que a pretensão punitiva restou intacta,podendo, no futuro, acaso descumprido o parcelamento acor<strong>da</strong>do, <strong>da</strong>r-se seguimentoà ação penal. Em segundo lugar, penso que não há nenhum impedimento quanto àsuspensão <strong>da</strong> ação penal e <strong>da</strong> prescrição para a hipótese de parcelamento genérico,nota<strong>da</strong>mente mais gravoso ao devedor, ao contrário do REFIS, pois se assim o fosse,estar-se-ia instituindo situação de extrema desigual<strong>da</strong>de processual em favor <strong>da</strong>quelesbeneficiados pela Lei nº 9.964/00’.”Com essas considerações, resumi<strong>da</strong>mente, em nosso entendimentopodemos concluir que: a) Cui<strong>da</strong>ndo-se de crimes contra a ordemtributária, as normas penais devem ser interpreta<strong>da</strong>s em harmoniaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 39


com o Direito Tributário. b) Não tem sentido continuar suspendendo oprocesso e a prescrição, até o pagamento integral do débito aos optantespelo parcelamento por prazo indefinido (REFIS) e, por outro lado,extinguir a punibili<strong>da</strong>de dos que ain<strong>da</strong> não cumpriram o parcelamento40R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


O direito internacional <strong>da</strong> água.Desenvolvimentos atuaisI. IntroduçãoMtro. Wilehaldo Cruz Bressant*Na segun<strong>da</strong>-feira, dia 16 de outubro de 2002, o governo libanêsinaugurou uma estação de bombeamento sobre o Wazzani para abastecerde água 20 aldeias <strong>da</strong> área que, até o ano 2000, esteve ocupa<strong>da</strong> por tropasde Israel e que se encontram gravemente afeta<strong>da</strong>s pela seca. Porém ogoverno israelita considerou a abertura <strong>da</strong> estação como um “ato deguerra” – segundo as palavras do próprio Premier Ariel Sharon –, ecomo “um ato unilateral, que pode resultar em uma séria escala<strong>da</strong>” entreambos os países, como afirmou o chanceler Shimon Peres ao Knesset (oparlamento israelita).O Wazzani é um rio transfronteiriço que flui do Líbano, ao sul, atédesembocar no rio Jordão e no Mar <strong>da</strong> Galiléia, a principal fonte deabastecimento de água de Israel.O governo israelense pretende que o volume de água que seu vizinhoextrai do Wazzani se dedique unicamente às necessi<strong>da</strong>des de consumodos moradores locais. Teme que o rio diminua drasticamente sua torrentee prejudique milhares de israelenses que passam por um período de secasem precedentes. A reação israelense é obviamente repudia<strong>da</strong> do lado* Mestre em Direito pela Universi<strong>da</strong>de de Harvard. Professor de Direito Ecológico <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito<strong>da</strong> UNAM.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 41


libanês: o Primeiro Ministro Rafik Hariri já advertiu que seu país “tema liber<strong>da</strong>de de utilizar sua parte de água correspondente <strong>da</strong> forma quemais lhe seja conveniente”, incluindo a irrigação de suas plantações.O Líbano não está só: a Síria já ameaçou participar abertamente<strong>da</strong> disputa, e seu aliado muçulmano xiíta do sul libanês, o grupofun<strong>da</strong>mentalista Hezbollah, já declarou que “cortará as mãos de Israel”,se chegar a usar a força para fechar o bombeamento de água (recordemosque o Hezbollah possui antecedentes de ataques militares, já que poderialançar mísseis soviéticos Katiusha contra as ci<strong>da</strong>des israelenses).O problema toma proporções maiores porque não existem acordosbilaterais sobre o tema. Vários países têm tentado intervir para acalmaros ânimos, porém o Líbano já disse que somente aceitará uma eventualmediação <strong>da</strong> ONU. Submeteu o assunto ao Conselho de Segurança <strong>da</strong>própria Organização e já conta com missões de experts dos EstadosUnidos na área, e foi ofereci<strong>da</strong> igualmente a mediação <strong>da</strong> França e <strong>da</strong>União Européia.Este é o reflexo dos conflitos que geram a escassez do recurso, escassezsobre a qual nos informam os seguintes <strong>da</strong>dos:A. O abastecimento de água no mundo. A quanti<strong>da</strong>de absoluta de águana Terra não mu<strong>da</strong>. Supõe-se que tenha sido a mesma por milhões deanos. To<strong>da</strong>via, 97% de todo o líquido é água salga<strong>da</strong>, e apenas 3% é doce.Desta quanti<strong>da</strong>de de água doce, a maior parte está concentra<strong>da</strong> nas calotaspolares e nos mantos aqüíferos subterrâneos, além do alcance humano.Somente 3% <strong>da</strong>s reservas totais de água doce <strong>da</strong> Terra encontram-se nosrios e lagos. A maior parte de água doce disponível é água subterrânea,a qual constitui aproxima<strong>da</strong>mente 30%. Enquanto a quanti<strong>da</strong>de de águadoce não mu<strong>da</strong> de uma forma absoluta, a quanti<strong>da</strong>de disponível para ca<strong>da</strong>indivíduo se altera com o crescimento <strong>da</strong> população humana.B. População. Apesar de ter levado desde o início <strong>da</strong> história dohomem até o ano de 1950, para que a população alcançasse 2,5 bilhões,levou menos de quarenta anos para duplicar-se. Já no ano 2000, omundo alcançou a marca de 6 bilhões de habitantes. Se a tendênciaatual continuar, a Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s estima que, em 2025,a população humana mundial alcançará aproxima<strong>da</strong>mente 8,5 bilhões.C. Sobrecarga (stress) e escassez de água. O que significa tudoisto em termos de disponibili<strong>da</strong>de de água para os seres humanos nas42R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


próximas déca<strong>da</strong>s? Tomemos como padrão as definições geralmenteaceitas de “escassez de água” como 1.000 metros cúbicos de água doce,ou menos, disponível para ca<strong>da</strong> pessoa por ano, e “sobrecarga” de águacomo entre 1.000 e 17.000 mil metros cúbicos de água disponível percapita. Os experts estimam que, em 2025, mais de 30 países estarãoimpossibilitados de oferecer 1.000 metros cúbicos por pessoa ao ano,simplesmente devido ao crescimento populacional.Isto é, em 30 anos, mais de 30 países sofrerão com a escassez de água.Em alguns países a situação é ain<strong>da</strong> pior. Em 1990, havia 12 países nosquais a disponibili<strong>da</strong>de de água era menos de 500 metros cúbicos porpessoa ao ano. Prevê-se que este número aumente para 19 para o ano de2025. Neste mesmo ano, 32% <strong>da</strong> população mundial viverá em algumdos 52 países com sobrecarga ou escassez crônica de água. Por outrolado, em 1990 apenas 6% <strong>da</strong> população mundial se encontrava vivendonessas condições.D. Quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> água. Outro fator que reduz a quanti<strong>da</strong>de de águautilizável é a piora em sua quali<strong>da</strong>de. Enquanto o centro de preocupaçãofor a quanti<strong>da</strong>de de água disponível para suprir as necessi<strong>da</strong>des humanase econômicas, a água não poderá ser utiliza<strong>da</strong> se estiver contamina<strong>da</strong>.Assim, a contaminação dos recursos de água doce – seja por descargasindustriais, instalações inadequa<strong>da</strong>s de saneamento, ou a introduçãode água salga<strong>da</strong> – ameaça diretamente as necessi<strong>da</strong>des humanas vitaiscomo a água para comi<strong>da</strong> e bebi<strong>da</strong>. Portanto, as considerações em torno<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> água significam um importante papel para determinarse a água em quanti<strong>da</strong>des adequa<strong>da</strong>s está disponível para o uso humanoe para usos produtivos.E. A dimensão internacional. Aproxima<strong>da</strong>mente 40% <strong>da</strong> populaçãomundial vive nas 250 bacias que são compartilha<strong>da</strong>s por mais de um país.Estas bacias hidrográficas internacionais constituem cerca de metade<strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> Terra, excluindo a Antárti<strong>da</strong>, e aproxima<strong>da</strong>mente 60%<strong>da</strong> África e América Latina. A probabili<strong>da</strong>de de conflito é muito grandee será ain<strong>da</strong> maior no futuro.Diante deste panorama, o que tem acontecido no Direito Internacionalquanto a esta matéria?II. Desenvolvimento no direito internacional <strong>da</strong> águaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 43


A. A Corte internacional de justiçaA Corte Internacional de Justiça (CIJ) e sua antecessora, a CortePermanente de Justiça Internacional, têm realizado importantescontribuições ao direito relativamente aos rios internacionais e aosconceitos legais que definem a água como recurso natural. Um dos casosmais recentes que foi abor<strong>da</strong>do pela Corte fez com que ela adotasse oconceito de “desenvolvimento sustentável” pela primeira vez em suajurisprudência.Tal utilização deu-se na decisão do caso Gabcikovo-Nagymaros, 1disputado entre a Hungria e a Tchecoslováquia (posteriormente,Eslováquia). Em 1977, ambos os países firmaram um Tratado para aConstrução e Operação do Sistema de Eclusas de Gabcikovo-Nagymaros,ao largo do rio Danúbio. As obras iniciaram-se conjuntamente em 1978;to<strong>da</strong>via, devido a pressões internas, o governo húngaro decidiu abandonaros trabalhos em Nagymaros em 27 de outubro de 1989, alegando razõeseconômicas e ambientais. A Tchecoslováquia protestou imediatamentee, ante o fracasso <strong>da</strong>s negociações, em julho de 1993, instaurou-se umprocesso na CIJ.Em 1991, a Tchecoslováquia havia começado a desenvolver umasolução alternativa (Variante C) que incluía uma derivação do Danúbioem seu território e a construção de uma represa e outras obras conexas.Em resposta, a Hungria reclamou que seu acesso à água do Danúbiorestaria afetado pela Variante C e deu por terminado o Tratado de 1977.O rio Danúbio e seus afluentes, como recursos naturais, foramelementos centrais neste litígio. A Hungria alegava que um “estado denecessi<strong>da</strong>de ambiental” justificava sua decisão de suspender e abandonaras obras acor<strong>da</strong><strong>da</strong>s no Tratado. A Eslováquia negou tal estado de coisase enfatizou que os únicos fun<strong>da</strong>mentos para suspender e terminarum tratado encontram-se nos artigos 60 a 62 <strong>da</strong> Convenção de Vienasobre o Direito dos Tratados, os quais não incluíam a “necessi<strong>da</strong>deambiental”. Essas posturas foram percebi<strong>da</strong>s como um “choque” entre odireito clássico dos tratados e as normas em desenvolvimento do direitoambiental internacional e <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de do Estado.1GABCIKOVO-NAGYMAROS PROJECT (Hungary/Slovakia), Judgement. .International Court of Justice, September 25, 1997.44R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


Não obstante o elaborado tratamento <strong>da</strong>s questões ambientaisna decisão <strong>da</strong> Corte, este não foi estritamente um caso ambiental.Basicamente a disputa envolveu questões do direito dos tratados e <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de internacional do Estado.Ain<strong>da</strong>, o caso Gabcikovo-Nagymaros envolveu o direito substantivorelacionado com os recursos naturais, lançou nova luz sobre o direitoaplicável às correntes internacionais de água, sobre princípio de usoeqüitativo dos recursos naturais; e na relação entre acordos bilaterais e osdesenvolvimentos do Direito Internacional em geral, incluindo o DireitoAmbiental Internacional. O mais destacável, no contexto deste Encontro,é a utilização pela CIJ do conceito de desenvolvimento sustentável,uma inovação não apenas na jurisprudência <strong>da</strong> Corte, mas também nodireito relativo ao uso dos recursos naturais; formalizou a mu<strong>da</strong>nça deparadigma, mu<strong>da</strong>ndo a atenção relativa à concessão e ao controle dosrecursos naturais em direção às disputas relaciona<strong>da</strong>s à sustentabili<strong>da</strong>dee aos limites na utilização do recurso.Em uma passagem que sem dúvi<strong>da</strong> será cita<strong>da</strong> com freqüência, aCorte decidiu que:“…está consciente que, no campo <strong>da</strong> proteção ambiental, a vigilância e a prevençãosão requeri<strong>da</strong>s em virtude do caráter freqüentemente irreversível dos <strong>da</strong>nos ao meioambiente e pelas limitações inerentes ao próprio mecanismo de reparação deste tipode <strong>da</strong>no.Através dos tempos, a humani<strong>da</strong>de interferiu constantemente na natureza, porrazões econômicas e de outra índole. No passado, essa interferência foi realiza<strong>da</strong> semconsideração alguma sobre os efeitos no meio ambiente. Graças a novas perspectivascientíficas e a uma crescente consciência dos riscos para a humani<strong>da</strong>de - para presentes efuturas gerações - de continuar com tais intervenções a um passo irracional e crescente,novas normas e padrões têm sido desenvolvidos, dispostos em um grande número deinstrumentos durante as duas déca<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong>s. Estas novas normas devem ser toma<strong>da</strong>sem consideração e tais novos estan<strong>da</strong>res devem ser devi<strong>da</strong>mente ponderados, não apenasquando os Estados desejem realizar novas ativi<strong>da</strong>des, mas também quando continuemcom ativi<strong>da</strong>des inicia<strong>da</strong>s no passado. Esta necessi<strong>da</strong>de de reconciliar o desenvolvimentoeconômico com a proteção do meio ambiente é adequa<strong>da</strong>mente expressado no conceitode desenvolvimento sustentável.” 2B. O comércio internacional de água em blocoNão devemos esperar muitos anos para prever as coisas que virão.2Ibidem, parágrafo 140.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 45


A água tem sido denomina<strong>da</strong> o petróleo do século XXI. Esquemasfantásticos têm sido propostos, e inclusive provados, para levar águaàs áreas que sofrem de stress ou escassez. As perguntas legais quesurgem desses esquemas são muitas, difíceis e importantes. Porém umapergunta fun<strong>da</strong>mental que terá que ser abor<strong>da</strong><strong>da</strong> enquanto os recursosaqüíferos continuarem diminuindo é: quem é o “proprietário” <strong>da</strong> água emconstante movimento no ciclo hidrológico? Não seria um recurso de “usocomum” que deveria ser compartilhado eqüitativamente pela comuni<strong>da</strong>deinternacional? Mais concretamente, um iceberg localizado no mar entreos limites de jurisdições internacionais é res nullius, razão pela qual ésujeito à apropriação? Ou seria res communis, sujeito à concessão pelacomuni<strong>da</strong>de internacional? A revista Time, em seu número de agosto de2001, fala de empresários que desejam transportar tais icebergs, ou deempresas brokers para a intermediação de compra-ven<strong>da</strong> de água embloco a nível internacional. Revisemos brevemente algumas situaçõesque impactam o comércio internacional de água em bloco.1. Canadá. Em 1998, uma empresa mediana, chama<strong>da</strong> Nova Group,obteve uma permissão <strong>da</strong> província de Ontário para exportar 600 milhõesde litros dos Grandes Lagos à Asia. Isto causou um intenso debate entreas comuni<strong>da</strong>des ambientalistas e comerciais no Canadá, e o escân<strong>da</strong>lopolítico obrigou a empresa a desistir <strong>da</strong> licença obti<strong>da</strong>, solicitando àsautori<strong>da</strong>des que proibissem também a exportação de água em bloco emto<strong>da</strong>s as províncias canadenses. E assim foi feito.To<strong>da</strong>via, uma empresa californiana havia solicitado igualmente aogoverno de Columbia Britânica uma permissão para exportar água embloco, a qual foi nega<strong>da</strong>. Esta negativa motivou a empresa Sun BeltWater Inc. a requerer aos governos Canadense e <strong>da</strong> Columbia Britânica100 milhões de dólares pelos supostos <strong>da</strong>nos causados ao negarem seupretendido direito a exportar água em bloco. A deman<strong>da</strong> instaurou-seno marco do Capítulo XI do Tratado de Livre Comércio <strong>da</strong> América doNorte.O Canadá teria ou não o direito soberano de proibir a remoção de águade seu estado natural para uso fora de seu leito? Não podemos nos esquecerque o Capítulo XI <strong>da</strong> TLCAN refere-se à proteção de inversões (a mesmavia que utilizou a empresa Metalclad para obter do governo mexicano46R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


uma indenização de 16 milhões de dólares) e suas disposições regem odireito de acesso à água canadense em estado natural. Uma vez que osgovernos tenham permitido retirar a água de seu estado natural – comofizeram diversas vezes para propósitos que variam desde o uso industrialem grande escala até o consumo pessoal – o mesmo direito deve serreconhecido aos inversionistas estrangeiros.2. Estados Unidos, no caso Sporhase v. Nebraska ex. rel. Douglas(S.Ct. 1982) a Suprema Corte resolveu que a água é um bem dentrodo comércio interestadual, e que um estatuto do Nebraska restringindoexportações legais de água para estados que outorgam reciproci<strong>da</strong>dede exportação para o mesmo estado do Nebraska era absolutamenteinconstitucional. Em todos os estados <strong>da</strong> União Americana, quando umapermissão tenha sido expedi<strong>da</strong> para a captura de água, e a água tenhasido captura<strong>da</strong>, sua exportação não pode ser legalmente prevista.3. Bolívia. Na América do Sul, a exportação de água já tem umprecedente legislativo. Em novembro de 2001, o Parlamento <strong>da</strong> Bolíviaaprovou a Lei de Exportação de Recursos Hídricos e sob esse esquemase encontram em an<strong>da</strong>mento pelo menos dois projetos de exportaçãode águas ao Chile, desde o Departamento de Potosí. Um deles propõeexportar uma torrente de 300 a 400 litros por segundo usando fontessubterrâneas, de uma área <strong>da</strong> província de Sud Lipez. O Departamento dePotosí espera obter 1,2 milhões de dólares no primeiro ano e 7,6 milhõesno terceiro. As águas serão utiliza<strong>da</strong>s por companhias mineiras do Chile.4. Lesotho. Em 24 de outubro de 1986, Lesotho e África do Sulfirmaram um tratado para implementar um projeto hidráulico conjunto,visando a prover de água suficiente a importante deman<strong>da</strong> do recurso porparte <strong>da</strong> indústria sul-africana. As represas e canais levarão a água <strong>da</strong>sterras altas de Lesotho até Johannesburgo, no lugar do Rio Orange e aoOceano Atlântico. O objetivo do projeto era de converter em divisas oúnico recurso natural que Lesotho tem em relativa abundância.C. A organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>sEm 21 de maio de 1997, a Assembléia Geral <strong>da</strong> Organização <strong>da</strong>sNações Uni<strong>da</strong>s (ONU) aprovou a Convenção sobre o Direito dos Usos3Resolução A/RES/51/229.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 47


Não Navegáveis dos Cursos de Água Internacionais. 3 Este instrumentointernacional busca assegurar a utilização, desenvolvimento, conservação,gestão e proteção <strong>da</strong>s correntes internacionais, assim como a promoçãode seu uso sustentável em prol de presentes e futuras gerações.Repartir, proteger e conservar a água <strong>da</strong>s correntes transfronteiriçasé um problema que desencadeia disputas internacionais entre asnações, particularmente nos países onde a água é escassa e seu uso nãoestá regulado por nenhum tratado. Além destes aspectos tradicionais, aConvenção estabelece normas que buscam resolver problemas atuais,como regulamentação internacional <strong>da</strong>s águas do subsolo, assim comoa inclusão de princípios de proteção e preservação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ságuas internacionais.De acordo com o artigo 1º <strong>da</strong> Convenção sobre o Direito dos UsosNão Navegáveis dos Cursos de Águas Internacionais, essa se refere aouso <strong>da</strong>s correntes de águas internacionais para outros propósitos além<strong>da</strong> navegação, assim como às medi<strong>da</strong>s de proteção, preservação e gestãorelaciona<strong>da</strong>s com os usos de tais águas.O artigo 2º estabelece a definição de termos para os efeitos desteinstrumento internacional, onde se destaca precisamente o conceito de“corrente de água”, o qual está definido em termos gerais como “umsistema de águas superficiais e do subsolo, as quais constituem, emvirtude de sua relação física, um todo unitário”. Esta definição não apenasé congruente com a reali<strong>da</strong>de hidrológica, mas também chama a atençãodos países sobre as inter-relações entre to<strong>da</strong>s as partes constitutivas de umsistema de águas superficiais e do subsolo integrantes de uma correnteinternacional. Fica claro, assim, que um efeito sobre uma parte do sistemaserá geralmente percebido pelas demais. 4A respeito dos aspectos ambientais, a Convenção contém um capítuloespecífico dedicado às medi<strong>da</strong>s de proteção, preservação e gestão <strong>da</strong>ságuas internacionais, a qual abrange os artigos 20 a 26.O artigo 20 estabelece o princípio pelo qual os Estados ribeirinhostêm a obrigação individual e, quando a situação requer, a obrigaçãoconjunta de proteger e preservar os ecossistemas <strong>da</strong>s correntes de água4Dois países, Pakistão e Rwan<strong>da</strong>, se abstiveram de votar a respeito <strong>da</strong> resolução, devido precisamente a quedentro do âmbito <strong>da</strong> Convenção se incluíram as águas do subsolo.48R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


internacionais. Muito liga<strong>da</strong>s a esse dispositivo estão aquelas conti<strong>da</strong>sno artigo 22, onde se proíbe a introdução de espécies estranhas ou novasque possam <strong>da</strong>nificar o ecossistema <strong>da</strong>s águas internacionais, assim comoaquelas relativas à proteção do meio ambiente marinho, incluindo osestuários, ao qual se refere o artigo 23 <strong>da</strong> Convenção.Por outro lado, o artigo 21 detalha as medi<strong>da</strong>s de prevenção, reduçãoe controle <strong>da</strong> contaminação, a qual se entende como qualquer detrimentoou alteração na composição ou quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s águas de uma correnteinternacional que resulte direta ou indiretamente de condutas humanas.Os Estados ribeirinhos têm a obrigação individual e conjunta, quandofor o caso, de prevenir, reduzir e controlar a contaminação <strong>da</strong>s águasinternacionais que possa ocasionar um <strong>da</strong>no significativo a outro Estadoribeirinho ou a seu meio ambiente, incluindo o <strong>da</strong>no à saúde humana ou àsegurança <strong>da</strong>s pessoas, assim como o <strong>da</strong>no aos usos <strong>da</strong> água para qualquerpropósito benéfico ou o <strong>da</strong>no aos recursos vivos nas ditas correntes.É importante destacar que na Convenção se promove a harmonizaçãode políticas, a fim de buscar a prevenção e o controle <strong>da</strong> contaminação<strong>da</strong>s águas. Assim, o próprio artigo 21 assinala que os países ribeirinhosdevem realizar consultas, quando alguns dos Estados assim o solicite, paraacor<strong>da</strong>r medi<strong>da</strong>s e métodos que permitam prevenir, reduzir e controlara contaminação de uma corrente internacional. Medi<strong>da</strong>s e métodos taiscomo:– estabelecer conjuntamente objetivos e critérios em matéria dequali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> água;– estabelecer técnicas e práticas para enfrentar a contaminaçãoorigina<strong>da</strong> em fontes pontuais e não pontuais de descargas;– definir uma lista de substâncias cujo derramamento nas águasinternacionais deva ser proibido, limitado, inspecionado ou monitorado.Nem o México nem os Estados Unidos ratificaram o referidoinstrumento internacional. A regulamentação destes temas ao nívelbilateral deu-se sem um marco jurídico internacional adequado. Osúnicos instrumentos que formalizam os acordos entre ambos os paísessão as Atas <strong>da</strong> Comissão Internacional de Limites e Águas (CILA), asquais possuem uma duvidosa constitucionali<strong>da</strong>de.A CILA adotou diversas Atas relaciona<strong>da</strong>s com o tema <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> água, tais como a 218 (de 1965), a ata 241 (de 1972) e a ata 242 (deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 49


1973), por meio <strong>da</strong>s quais abordou e resolveu o problema <strong>da</strong> salini<strong>da</strong>dedo Rio Colorado, que afetou gravemente o Vale de Mexicali.Além do notável trabalho para resolver a questão <strong>da</strong> salini<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ságuas, a CILA realizou convênios sobre saneamento, em especial ocontido na Ata 261 (de 1979) que se intitulou “Recomen<strong>da</strong>ções para asolução dos Problemas de Saneamento”, com o qual se regulamentavapropriamente o disposto no artigo 3 do Tratado de 1944. A Ata 261 nãooutorga a CILA, to<strong>da</strong>via, atribuições concludentes sobre contaminaçãode certos tipos, diferentes <strong>da</strong>queles “que representem um risco à saúdee ao bem-estar dos habitantes de ambos os lados <strong>da</strong> fronteira, ou queprejudiquem o uso benéfico destas águas”.A CILA teve que expandir seu âmbito de competência através <strong>da</strong>interpretação <strong>da</strong>s normas pactua<strong>da</strong>s nos Tratados, e assim conheceutemas relacionados com o manejo <strong>da</strong>s águas do subsolo.A Ata 242 <strong>da</strong> CILA confere implicitamente novas atribuições noque se refere às águas do subsolo ou subterrâneas, pois, por uma parte,ao limitar-se a extração ou bombeamento <strong>da</strong>s águas do subsolo naregião de San Luis, Sonora, está facultando para vigiar esta extração oubombeamento, ampliando assim as atribuições acor<strong>da</strong><strong>da</strong>s originalmenteno Tratado de 1944.A magnitude do problema <strong>da</strong>s águas do subsolo na zona fronteiriçacomeçou a palpar-se em motivo <strong>da</strong> salini<strong>da</strong>de do Rio Colorado, e assimsurgiu o número 5 <strong>da</strong> Ata 242, já que há a resposta a qual os agricultoresdo Valle de San Luis, Sonora, começaram desde 1972 a explorarintensivamente as águas subterrâneas comuns a ambos os países, paracompensar a má quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s águas proporciona<strong>da</strong>s pelos EstadosUnidos no Rio Colorado. Isto ocasionou temores nos Estados Unidos,e por sua vez os agricultores de Yuma aceleraram o bombeamento emsua área, em proporção à extração pelos mexicanos, com o propósitode entregar essa água ao México como parte <strong>da</strong> obrigação conti<strong>da</strong> noTratado de 1944, em relação às águas do Colorado.O problema de São Luis-Yuma a respeito dos mantos aqüíferossubterrâneos internacionais é o antecedente de outros que começaram5Para informação sobre os aqüíferos transfronteiriços entre Ciu<strong>da</strong>d Juárez e El Paso, ver a publicaçãoTransboun<strong>da</strong>ry Aquifers and Binational Ground-Water Data Base, elaborado pela Comissão Internacionalde Limites e Águas, janeiro de 1998.50R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003


a surgir, como os de Mexicali e Calexico, os povoados próximos aodeserto de Yuha, os poços de Papago, os de Nogales e, principalmente,os problemas entre Ciu<strong>da</strong>d Juárez e El Paso, onde o depósito subterrâneoconhecido como o Bolsão Hueco, que abastece de água as duas ci<strong>da</strong>des,mostra sinais de esgotamento e de deterioração <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s águas. 5O potencial do conflito se encontra presente e se faz imperioso tomarmedi<strong>da</strong>s para evitar o esgotamento antecipado e a contaminação queameaça as águas destes depósitos, além de construir um regime jurídicointernacional eficaz para regular a ampla problemática transfronteiriçado manejo de água entre o México e os Estados Unidos. E a adoção porele dos princípios <strong>da</strong> Convenção de 1997 <strong>da</strong> ONU pode provar ser detranscendência.O marco jurídico internacional do México para o manejo de suas águastransfronteiriças provou ser avançado no século passado, to<strong>da</strong>via hojeencontra-se atrasado ante os avanços que se sucedem em outras partesdo mundo:– Convención para la recolección y disposición de residuos en lanavegación del Río Rhin. Francia, Luxemburgo, Holan<strong>da</strong>, Alemania ySuiza (1996).– Convención de Helsinki para la Protección y Uso de Aguas y LagosTransfronterizos (1992).– Comisión Tripartita para el Desarrollo de la Cuenca del RíoPilcomayo. Argentina, Bolivia y Paraguay (1995).– Acuerdo para la preparación de un Programa de Manejo Ambientaldel Lago Victoria. Kenya, Tanzania y Ugan<strong>da</strong> (1994).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 13-52, 2003 51


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ACÓRDÃOSR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 53


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DIREITO ADMINISTRATIVOE DIREITO CIVILR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 55


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APELAÇÃO EM AÇÃO POPULAR Nº 2000.70.00.008179-8/PRRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth TesslerApelante: Transzella Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>.Advogados: Drs. Eli Zella Jorge e outroApelante: União <strong>Federal</strong>Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos AnjosApelantes: São Luiz de Armazéns Gerais Lt<strong>da</strong>. e outroAdvogados: Drs. Eduardo Rocha Virmond e outrosApelante: Eadi Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>.Advogados: Drs. Louise Rainer Pereira Gionedis e outrosApelante: Helenice NogozzekeAdvogados: Drs. Rodrigo <strong>da</strong> Rocha Rosa e outrosApelados: (Os mesmos)Francisco Niesciur e outrosAdvogados: Drs. Luir Ceschin e outrosApelados: Clecy Maria Busato Lionco e outroAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos AnjosRemetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> 7ª Vara <strong>Federal</strong> de Curitiba/PRR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 57


EMENTAAdministrativo. Ação popular. Nuli<strong>da</strong>de de processo licitatório deconcorrência. Exploração dos serviços de circulação e armazenagem demercadorias na estação aduaneira do interior de Paranaguá. Inépcia <strong>da</strong>inicial quanto a alguns réus. Cerceamento de defesa. Intimação <strong>da</strong> União<strong>da</strong> decisão que indeferiu o pedido de produção de provas. Princípio <strong>da</strong>morali<strong>da</strong>de. Possibili<strong>da</strong>de de uso <strong>da</strong> ação popular para anular atosatentatórios à morali<strong>da</strong>de pública. Possibili<strong>da</strong>de de anulação judicial<strong>da</strong> licitação.1. A sentença anulou o processo licitatório sob o fun<strong>da</strong>mento de quea forma de julgamento <strong>da</strong>s propostas não resultaria necessariamentena vitória <strong>da</strong> proposta mais vantajosa, já que foram levados em contavalores artificialmente baixos que jamais seriam cobrados, pois, naprática as tarifas expressas em percentuais sobre o valor do produtoseriam mais utiliza<strong>da</strong>s, caracterizando ofensa ao princípio <strong>da</strong> isonomiae <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de vitória <strong>da</strong> melhor proposta.2. A inexistência de pedido expresso contra os réus Clecy MariaBusato Lionço, Naury Fragoso Tanaka, Francisco Niesciur, ElpídioAlves Dias, Jorge Mattar Filho e Aline André, e tratando-se de um EditalPadrão, não produzido pelos requeridos e não estão individualizados osatos de responsabili<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um, leva ao reconhecimento <strong>da</strong> inépcia<strong>da</strong> inicial em relação aos mesmos e o conseqüente prejuízo do recursoadesivo <strong>da</strong> parte autora.3. No que respeita a argüição de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença por cerceamentode defesa, consubstanciado na ausência de intimação pessoal <strong>da</strong> União <strong>da</strong>decisão que indeferiu o pedido de produção de provas, tal não se mostrarazoável em face <strong>da</strong>s regras insculpi<strong>da</strong>s nos arts. 244 e 249, § 1º, doCPC, desde que não cause prejuízo à parte, como no presente caso, emque a solução do contraditório se resolve pelo atento exame documentaldo Edital e anexos.4. Constituição <strong>Federal</strong> expressamente previu o cabimento <strong>da</strong> açãopopular para anular atos lesivos à morali<strong>da</strong>de pública, devendo <strong>da</strong>r-seinterpretação conforme a Constituição ao art. 1º <strong>da</strong> Lei n° 4.717/65.5. Estando demonstrado que o procedimento licitatório impugnadoefetivamente violou os princípios <strong>da</strong> isonomia e <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de58R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


administrativa, qualquer ci<strong>da</strong>dão é parte legítima para impugnar o atoadministrativo alega<strong>da</strong>mente viciado, nos termos do art. 5º, inc. LXXIII.6. O fato de o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União não ter vislumbradonuli<strong>da</strong>de em edital similar, usado noutra concorrência, não elide o controlejudicial de eventual lesão ou ameaça a direito relativamente ao edital oraexaminado, de acordo com o art. 5º, XXXV, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, atéporque inexiste entre o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União e a Justiça <strong>Federal</strong>relação de hierarquia ou decisão vinculante desta em relação àquele.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Terceira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por maioria, vencido o Des. Carlos Eduardo Thompson FloresLenz, excluir <strong>da</strong> lide os réus Clecy Maria Busato Lionço, Naury FragosoTanaka, Francisco Niesciur, Elpídio Alves Dias, Jorge Mattar Filho eAline André, julgar prejudicado o recurso de apelação interposto pelaautora Helenice Nogozzeke, negar provimento ao recurso de agravoretido interposto pela ré EADI Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>., e negarprovimento aos recursos de apelação interpostos pelos réus EADI SulTerminal de Cargas Lt<strong>da</strong>., São Luiz Armazéns Gerais Lt<strong>da</strong>., Rocha S/A,Transzella Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>., União <strong>Federal</strong> e àremessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, de 5 de agosto de 2003.Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler, Relator.RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler: Trata-se de açãopopular proposta por Helenice Nogozzeke contra a União <strong>Federal</strong>; aCoordenadora-Geral do Sistema Aduaneiro, Clecy Maria Busato Lionço;o Superintendente <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 9ª <strong>Região</strong> Fiscal, NauryFragoso Tanaka; os integrantes <strong>da</strong> Comissão Especial de Licitação paraConcorrência SRF/SRRF/9ª RF - 04/98, Francisco Niesciur, ElpídioAlves Dias, Jorge Mattar Filho e Aline André; e as empresas São Luizde Armazéns Gerais Lt<strong>da</strong>., Rocha S/A, EADI Sul Terminal de CargasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 59


Lt<strong>da</strong>. e Transzella Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>., tendo porobjeto a concorrência acima referi<strong>da</strong>, que trata de “definir a permissãopara prestação dos serviços públicos de movimentação e armazenagemde mercadorias, pelo prazo de 10 anos, de três Estações Aduaneiras deInteriores - EADI/Paranaguá/PR, para carga geral, no Município deParanaguá/PR”.Sustenta a autora que as regras constantes no Edital permitirama manipulação dos preços ofertados, com a apresentação de valoressimbólicos e irrisórios para as tarifas relaciona<strong>da</strong>s, implicando umjulgamento que não refletiria a melhor proposta de fato. O Editaldeterminou, em seu item 3.3.2, que as propostas deveriam apresentar 18tarifas a serem cobra<strong>da</strong>s dos usuários <strong>da</strong> EADI. Destas, 16 tarifas seriamexpressas em reais, e apenas 2 fixa<strong>da</strong>s em percentual sobre o valor <strong>da</strong>smercadorias.A única contraprestação financeira recebi<strong>da</strong> pela Administração <strong>da</strong>spermissionárias seria o pagamento, ao Fundo Especial de Desenvolvimentoe Aperfeiçoamento <strong>da</strong>s Ativi<strong>da</strong>des de Fiscalização - FUNDAF, de doispercentuais incidentes sobre as tarifas cobra<strong>da</strong>s, percentuais estes quetambém deveriam integrar as propostas <strong>da</strong>s licitantes. Ain<strong>da</strong> que ospagamentos ao FUNDAF fossem fixados em percentual significativo, estesincidiriam sobre tarifas irrisórias, resultando em contraprestações irrisórias,com manifesto prejuízo ao Erário.O lucro <strong>da</strong>s permissionárias seria auferido através do oferecimentode serviços complementares aos usuários, não previstos no Edital, pelosquais seriam cobrados valores de mercado, sem qualquer repasse aoFUNDAF, conforme estabelecido no item 7.2 do Edital, possibilitandoinclusive a cobertura dos prejuízos decorrentes <strong>da</strong> prestação <strong>da</strong>quelesserviços previstos no Edital, cujas tarifas teriam sido fixa<strong>da</strong>s em valoresirrisórios.Assevera que a Procuradoria Geral <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional, através doParecer PGFN/CPA n° 428/99, de 14.04.99, teria constatado os referidosdefeitos no Edital. To<strong>da</strong>via, a Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> deixou detomar qualquer providência a respeito. Tentou obter cópias autentica<strong>da</strong>sdo processo administrativo no qual fora proferido o parecer, sendo opleito recusado pela Coordenadora-Geral do Sistema Aduaneiro, ora ré,sob o fun<strong>da</strong>mento de que se tratava de processo de interesse exclusivo60R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


<strong>da</strong> Administração, com matéria confidencial sujeita a sigilo.O <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, ao analisar outra concorrência basea<strong>da</strong>em edital idêntico ao do presente caso (Processo TC n° 700.216/97-9),teria percebido a possibili<strong>da</strong>de de manipulação <strong>da</strong>s propostas. Estesfatos foram então noticiados à empresa Localfrio S/A Armazéns GeraisFrigoríficos, participante <strong>da</strong> licitação ora impugna<strong>da</strong>, a qual endereçoupetição ao Secretário <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>, a fim de informar-lhe doepisódio. A petição teria sido desvia<strong>da</strong> do seu destino pela Coordenadora-Geral do Sistema Aduaneiro, a fim de que a manifestação fosse examina<strong>da</strong>pela Comissão de Licitação <strong>da</strong> concorrência, a qual não acolheu airresignação <strong>da</strong> empresa.Após a abertura e julgamento <strong>da</strong>s propostas, foram classificadosnos três primeiros lugares o Consórcio Rocha, formado pelas empresasSão Luiz de Armazéns Gerais Lt<strong>da</strong>. e Rocha S/A, a EADI Sul Terminalde Cargas Lt<strong>da</strong>. e a Transzella Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>.Afirma a autora que os preços apresentados nas propostas destas empresasseriam irrisórios, simbólicos, substancialmente abaixo do mercado eaquém dos custos operacionais. Das 18 tarifas constantes <strong>da</strong> proposta,a primeira coloca<strong>da</strong> teria fixado 16 tarifas no valor de R$ 0,01 (umcentavo de real) e uma tarifa no percentual de 0,001% (um milésimo porcento), a segun<strong>da</strong> coloca<strong>da</strong> 14 tarifas no valor de R$ 0,01 e a terceiracoloca<strong>da</strong> 13 tarifas no valor de R$ 0,01, não obstante tratar-se de tarifasde serviços (armazenagem ou movimentação), grandezas (por m², m³ outonela<strong>da</strong>) e naturezas distintas, mercadorias paletiza<strong>da</strong>s, não paletiza<strong>da</strong>sou conteineriza<strong>da</strong>s.Defende a inadmissibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s propostas que apresentem preçosglobal ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveiscom os preços dos insumos e salários de mercado, nos termos do art. 44,§ 3º, <strong>da</strong> Lei n° 8.666/93, bem como <strong>da</strong>quelas que apresentarem preçosmanifestamente inexeqüíveis, conforme estabelece a cláusula 5.2.2do edital e o art. 48, inc. II, <strong>da</strong> Lei n° 8.666/93. Seriam nulos os atosadministrativos praticados com ofensa às respectivas prescrições legais,em especial quando causassem manifesto prejuízo ao Erário, sendo a açãopopular a via adequa<strong>da</strong> para o afastamento dos atos lesivos ao patrimôniopúblico e à morali<strong>da</strong>de administrativa.Requer a procedência <strong>da</strong> ação, tão-somente para declarar-se a nuli<strong>da</strong>deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 61


do procedimento licitatório <strong>da</strong> Concorrência SRF/SRRF/9ª RF - 04/98.Após a manifestação <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong>, foi indeferi<strong>da</strong> a medi<strong>da</strong> liminarrequeri<strong>da</strong>, face à ausência de urgência no caso a justificar a concessãodo provimento.A ré Transzella - Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>. apresentoucontestação, pugnando pela legali<strong>da</strong>de do procedimento licitatórioimpugnado. (fls. 332/333)Os integrantes <strong>da</strong> Comissão Especial de Licitação, Srs. FranciscoNiesciur, Elpídio Alves Dias, Jorge Mattar Filho e Aline André, tambémcontestaram o feito, argüindo, preliminarmente, a ilegitimi<strong>da</strong>de ativa <strong>da</strong>autora, que não teria comprovado sua condição de eleitora, e a carência deação, afirmando não estar comprova<strong>da</strong> qualquer lesivi<strong>da</strong>de ao patrimôniopúblico na licitação impugna<strong>da</strong> a justificar a propositura <strong>da</strong> ação popular.No mérito, requerem a condenação <strong>da</strong> autora nas penas por litigância demá-fé, afirmando terem sido respeitados todos os princípios norteadoresdo instituto <strong>da</strong> licitação. As propostas vencedoras, não obstante teremfixado algumas tarifas em R$ 0,01 por serviço, seriam viáveis e exeqüíveis,ain<strong>da</strong> que a margem de lucro <strong>da</strong>s permissionárias fosse reduzi<strong>da</strong>, nãoestando demonstrado o caráter irrisório dos preços. Os serviços extras,cujas tarifas seriam livremente fixa<strong>da</strong>s pelas permissionárias, não seriamessenciais aos serviços aduaneiros. O <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União teriaexaminado exaustivamente a matéria ora em discussão, concluindopela legali<strong>da</strong>de e morali<strong>da</strong>de do processo licitatório. A manifestaçãoapresenta<strong>da</strong> pela empresa Localfrio S/A Armazéns Gerais Frigoríficosfoi processa<strong>da</strong> regularmente, sendo ao final improvi<strong>da</strong> pelo Secretário<strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>. Quanto aos membros <strong>da</strong> Comissão de Licitação,estavam obrigados a utilizar o edital padrão, sem qualquer possibili<strong>da</strong>dede alteração, não havendo como serem responsabilizados por eventualvício do Edital. (fls. 744/778)A Coordenadora-Geral do Sistema Aduaneiro e o Superintendente <strong>da</strong>Receita <strong>Federal</strong> na 9ª <strong>Região</strong> Fiscal, representados pela Advocacia-Geral<strong>da</strong> União, também ofereceram contestação, reiterando os argumentosexpendidos pelos integrantes <strong>da</strong> Comissão Especial de Licitação. (fls.790/811)A União <strong>Federal</strong>, ao contestar o feito, defende a ilegitimi<strong>da</strong>de ativa<strong>da</strong> autora, a impossibili<strong>da</strong>de de desconstituição judicial <strong>da</strong> decisão62R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


do <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, que aprovou o ato idêntico ao oraimpugnado, a viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s propostas apresenta<strong>da</strong>s pelas empresasvencedoras <strong>da</strong> licitação, a ausência de lesivi<strong>da</strong>de ao patrimônio público ea caracterização <strong>da</strong> litigância de má-fé por parte <strong>da</strong> autora. (fls. 837/863)Em sua contestação, a empresa EADI Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>.afirma a ilegitimi<strong>da</strong>de ativa <strong>da</strong> autora, sua ilegitimi<strong>da</strong>de passiva, aimpossibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido, tendo em vista a decisão proferi<strong>da</strong>pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, a impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong>ação popular para a defesa de interesses particulares, a inexistência devícios no Edital, a ausência de lesivi<strong>da</strong>de ao patrimônio público e alitigância de má-fé pela autora. (fls. 940/965)Por fim, as empresas integrantes do Consórcio Rocha tambémcontestaram o feito, aduzindo ser incabível a ação popular no casoespecífico dos autos, até porque o acolhimento do pedido inicial seriacontrário ao interesse público, conforme decidido pelo TCU. Asseveramsobre a licitude do ato impugnado e reiteram sobre a inexistência de lesãoao Erário. (fls. 986/996)Em sede de réplica, impugnou a autora as alegações exara<strong>da</strong>s nascontestações dos réus. (fls. 1.000/1.065)Requeri<strong>da</strong> a produção de prova oral, consubstancia<strong>da</strong> no pedido dedepoimento pessoal <strong>da</strong> autora, restou a mesma indeferi<strong>da</strong> (fl. 1.110),decisão esta contra a qual foi interposto agravo retido pela ré EADI SulTerminal de Cargas Lt<strong>da</strong>. (fls. 1.111/1.117)Em seu parecer, manifestou-se o Ministério Público <strong>Federal</strong> pelaimprocedência <strong>da</strong> ação popular. (fls. 1.120/1.133)Sobreveio sentença, afastando as preliminares argüi<strong>da</strong>s pelas rés,e julgando parcialmente procedente o pedido, para o fim de anular oprocesso licitatório SRF/SRRF/9ª RF n° 04/98, sob o fun<strong>da</strong>mento de quea forma de julgamento <strong>da</strong>s propostas não resultaria necessariamente navitória <strong>da</strong> proposta mais vantajosa. As tarifas expressas em percentuaissobre o valor do produto seriam mais utiliza<strong>da</strong>s na prática, possibilitandoa redução <strong>da</strong>s tarifas expressas em reais a valores ínfimos sem a ocorrênciade prejuízos significativos para as permissionárias. A facilitação àslicitantes que se utilizassem de tarifas com valores artificialmentebaixos, mas que não afetariam seus lucros, posto que jamais seriamcobrados, poderiam ser mais custosas aos usuários do que as cota<strong>da</strong>sR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 63


pelos demais licitantes. A lesivi<strong>da</strong>de do ato administrativo impugnadodecorreria <strong>da</strong> ofensa ao princípio <strong>da</strong> isonomia e <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de devitória <strong>da</strong> melhor proposta. Restaram afasta<strong>da</strong>s as alegações de violaçãoao princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de na conduta dos servidores públicos integrantesdo procedimento licitatório, e de litigância de má-fé por parte <strong>da</strong> autora.(fls. 1.135/1.152)A ré EADI Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>. opôs embargos de declaração(fls. 1.155/1.157), os quais foram rejeitados pelo julgador monocrático.(fl. 1.176)Irresigna<strong>da</strong>, a empresa Transzella - Transporte Rodoviário deCargas Lt<strong>da</strong>. interpôs recurso de apelação, pugnando pela legitimi<strong>da</strong>dedos critérios estipulados no edital, pela exequibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> propostaapresenta<strong>da</strong>, pela inexistência de lesão aos cofres públicos e pelaconvali<strong>da</strong>ção de eventual nuli<strong>da</strong>de do Edital pelo TCU. (fls. 1.158/1.174)Também a União <strong>Federal</strong> apelou <strong>da</strong> sentença, argüindo, em preliminar,o cerceamento de defesa, visto não ter sido intima<strong>da</strong> <strong>da</strong> decisão queindeferiu o pedido de produção de provas. No mérito, reiterou as razõesventila<strong>da</strong>s na contestação. (fls. 1.177/1.201)Da mesma forma, recorreram as empresas integrantes do ConsórcioRocha (fls. 1.203/1.213) e a ré EADI Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>. (fls.1.215/1.224), reiterando os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> contestação, e requerendoesta última o exame do agravo retido interposto.A autora então interpôs recurso de apelação adesivo, a fim de quefossem condenados os servidores públicos participantes <strong>da</strong> licitação.Assevera que a Administração possuía notório conhecimento dos víciosapontados no Edital e, mesmo assim, omitiu-se na sua regularização.(fls. 1.229/1.266)Com contra-razões.Opinou o Ministério Público <strong>Federal</strong> pelo improvimento <strong>da</strong>s apelações,com a manutenção <strong>da</strong> sentença recorri<strong>da</strong>.É o relatório.64VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler: Ajuizou a autoraHelenice Nogozzeke ação popular, requerendo “seja declara<strong>da</strong> a nuli<strong>da</strong>dede todo o procedimento licitatório <strong>da</strong> Concorrência SRF/SRRF/9ª RF -R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


N° 04/98, que tem como objeto a permissão <strong>da</strong> exploração dos serviçosde circulação e armazenagem de mercadorias na Estação Aduaneira deInterior de Paranaguá - PR, conforme a Lei n° 4.717/65. No caso deassinatura de contratos administrativos originários <strong>da</strong> concorrência SRF/SRRF/9ª RF - N° 04/98, que sejam estes também declarados nulos, pelosmesmos vícios e motivos expostos sobre a nuli<strong>da</strong>de do procedimentolicitatório que os originou”. (fls. 40/41)A ação foi promovi<strong>da</strong> contra as empresas vencedoras do certame,a União <strong>Federal</strong>, a Coordenadora-Geral do Sistema Aduaneiro, oSuperintendente <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Superintendência <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 9ª<strong>Região</strong> Fiscal e os integrantes <strong>da</strong> Comissão Especial de Licitação paraa Concorrência SRF/SRRF/9ª RF - 04/98, sem que houvesse qualquerpedido expresso contra estes últimos, não tendo a inicial descrito quaisos atos contrários à lei ou ao edital em que teriam incorrido, ou referênciaaos atos ou omissões ilegais que teriam praticado e que contribuírampara os vícios do ato impugnado.Não havendo pedido expresso contra os réus Clecy Maria BusatoLionço, Naury Fragoso Tanaka, Francisco Niesciur, Elpídio Alves Dias,Jorge Mattar Filho e Aline André, e, tratando-se de um Edital Padrãoque não foi produzido pelos requeridos, deveriam ser individualizadosos atos de responsabili<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um. Ora, tal acusação deveria tersido feita na inicial, a qual é inepta em relação a estes réus, na forma doart. 295, parágrafo único, do Código de Processo Civil.Não há que se falar, ademais, em preclusão do exame <strong>da</strong> petição inicial,que deve ser conheci<strong>da</strong> de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau dejurisdição, conforme ensina Joel Dias Figueira Jr. (in Comentários aoCódigo de Processo Civil, vol. 4, tomo II. Editora Revista dos Tribunais.2001, p. 166):“Ademais, to<strong>da</strong>s as questões que envolvem as condições <strong>da</strong> ação e os pressupostosprocessuais são de ordem pública, e, por conseguinte, não precluem para o Estadojuiz(preclusão pro judicato) que em qualquer momento ou grau de jurisdição delasconhecerá de ofício ou mediante provocação do interessado.”Neste sentido o precedente a seguir transcrito:“Inépcia <strong>da</strong> inicial - Possibili<strong>da</strong>de de reconhecimento a qualquer tempo, nãohavendo preclusão em virtude de não ter sido alega<strong>da</strong> na contestação. Hipótese em que,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 65


entretanto, o acórdão, malgrado afirmando preclusa a matéria, terminou por examiná-lae, acerta<strong>da</strong>mente, rejeitar a argüição.Dano moral - Possibili<strong>da</strong>de de cumulação com o material.” (STJ. Recurso Especialn° 39.927/ES. 3ª Turma. Rel. Min. Eduardo Ribeiro. DJU de 17.10.94, pág. 27.892)Assim, reconheço a inépcia <strong>da</strong> inicial em relação aos réus Clecy MariaBusato Lionço, Naury Fragoso Tanaka, Francisco Niesciur, Elpídio AlvesDias, Jorge Mattar Filho e Aline André, determinando a sua exclusão dopólo passivo <strong>da</strong> lide.Uma vez reconheci<strong>da</strong> a inépcia <strong>da</strong> inicial em relação aos réusnomeados e determina<strong>da</strong> a sua exclusão do feito, resta prejudicadoo exame do recurso de apelação adesivo interposto pela autora, pormanifesta per<strong>da</strong> de objeto.Passo, agora, à análise dos recursos de apelação interpostos pelos réus.Argúi a União <strong>Federal</strong>, preliminarmente, a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentençaapela<strong>da</strong>, afirmando ter ocorrido cerceamento de defesa, consubstanciadona ausência de intimação pessoal do ente público <strong>da</strong> decisão que indeferiuo pedido de produção de provas. (fls.1.178/1.179)Compulsando os autos, verifico que, efetivamente, apenas a parteautora foi intima<strong>da</strong> <strong>da</strong> decisão de fl. 1.110 (fl. 1.110, v.), o que, em tese,poderia ocasionar a nuli<strong>da</strong>de de todo o procedimento após esta fase, porviolação ao disposto no art. 5º, incs. LIV e LV, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.To<strong>da</strong>via, tendo em vista as regras dos arts. 244 e 249, § 1º, do Códigode Processo Civil, não deve ser declara<strong>da</strong> a nuli<strong>da</strong>de do ato que, emborarealizado sem estrita observância <strong>da</strong>s prescrições legais, não causaqualquer prejuízo à parte, ou em prosseguindo-se, a solução a ser <strong>da</strong><strong>da</strong> nãocausa gravame à parte, ou ain<strong>da</strong> quando a prova testemunhal pretendi<strong>da</strong>não contribuir para a solução do contraditório que, no caso, se resolvepelo atento exame documental do Edital e anexos.No caso específico dos autos, a empresa EADI Sul Terminal de CargasLt<strong>da</strong>. interpôs agravo retido contra a decisão que indeferiu a produção deprova oral (fls. 1.111/1.117), pugnando expressamente, em suas razõesde apelação, pelo conhecimento do agravo.Desta forma, a questão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> prova oral, maisespecificamente do depoimento pessoal <strong>da</strong> autora <strong>da</strong> ação civil públicaoriginária, obrigatoriamente será examina<strong>da</strong> pelo colegiado, não havendoque se falar em cerceamento de defesa na hipótese ora em exame.66R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


No tocante ao mérito do agravo retido, trata-se de questão que seconfunde com os pressupostos <strong>da</strong> presente ação popular, razão pela qualserá tratado após o exame do mérito dos recursos de apelação.Conforme já mencionado no relatório, promoveu a Secretaria <strong>da</strong> Receita<strong>Federal</strong> licitação na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de concorrência, tendo por objeto “deferira permissão para prestação dos serviços públicos de movimentação earmazenagem de mercadorias, pelo prazo de dez anos, de três EstaçõesAduaneiras de Interiores - EADI/Paranaguá - PR, para carga geral, noMunicípio de Paranaguá”. (fl. 46)Estas EADIs, usualmente denomina<strong>da</strong>s de “portos secos”, trata-se determinais alfandegários de uso público, situados em zona secundária,destinados à prestação de serviços públicos de movimentação earmazenagem de mercadorias importa<strong>da</strong>s ou destina<strong>da</strong>s à exportação.Nestas estações, além dos serviços públicos prestados pelos terceirospermissionários, a Receita <strong>Federal</strong>, através dos seus agentes, executatodos os serviços aduaneiros, inclusive os de processamento de despachoaduaneiro.Uma vez que a EADI é localiza<strong>da</strong> exclusivamente em zonassecundárias, não pode ser instala<strong>da</strong> em portos, aeroportos ou pontos defronteira, mas preferencialmente em suas proximi<strong>da</strong>des, permitindo ainteriorização dos serviços aduaneiros. Entre as vantagens deste sistemapode se mencionar a utilização dos portos e aeroportos apenas comolocais de passagem de mercadorias, e não de armazenagem, tornandomenos oneroso e mais ágil e eficiente o desembaraço <strong>da</strong>s mercadoriasdestina<strong>da</strong>s à importação ou exportação.Previa o edital <strong>da</strong> licitação que, <strong>da</strong>s propostas <strong>da</strong>s empresasparticipantes, deveriam constar 18 tarifas, que compreendessemtodos os custos, inclusive seguros, a remuneração <strong>da</strong> permissionáriae amortização do investimento, a serem cobra<strong>da</strong>s dos usuários pelaarmazenagem e movimentação que estivessem sob controle aduaneiro,assim especifica<strong>da</strong>s (fls. 51/52):“A) Tarifas para armazenagem de mercadorias na importação ou no trânsitoaduaneiro de passagem, sendo: 1) TAI1, tarifa expressa em percentual sobre o valorCIF (Cost, Insurance and Freight) <strong>da</strong> mercadoria, por um período de dez dias ou fração;2) TAI2, tarifa expressa em reais por metro cúbico ou fração, por um período de dezdias ou fração; 3) TAI3, tarifa expressa em reais por metro quadrado ou fração, porum período de dez dias ou fração.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 67


B) Tarifas para armazenagem de mercadorias na exportação, na reexportação, nadevolução ou na redestinação, inclusive quando admiti<strong>da</strong>s no regime de DepósitoAlfandegado Certificado - DAC, sendo: 4) TAE1, tarifa expressa em percentual sobreo valor FOB (Free on Board) <strong>da</strong> mercadoria, por um período de trinta dias ou fração;5) TAE2, tarifa expressa em reais por metro cúbico ou fração, por um período de trintadias ou fração; 6) TAE3, tarifa expressa em reais por metro quadrado ou fração, porum período de trinta dias ou fração.C) Tarifas para movimentação de mercadorias na importação ou no trânsitoaduaneiro de passagem, sendo: 7) TMI1, tarifa expressa em reais por metro cúbico oufração para mercadoria paletiza<strong>da</strong>; 8) TMI2, tarifa expressa em reais por tonela<strong>da</strong> oufração para mercadoria paletiza<strong>da</strong>; 9) TMI3, tarifa expressa em reais por metro cúbicoou fração para mercadoria não paletiza<strong>da</strong>; 10) TMI4, tarifa expressa em reais portonela<strong>da</strong> ou fração para mercadoria não paletiza<strong>da</strong>; 11) TMI5, tarifa expressa em reaispor metro cúbico ou fração para mercadoria conteineriza<strong>da</strong>; 12) TMI6, tarifa expressaem reais por tonela<strong>da</strong> ou fração para mercadoria conteineriza<strong>da</strong>.D) Tarifas para movimentação de mercadorias na exportação, na reexportação,na devolução ou na redestinação, inclusive quando admiti<strong>da</strong>s no regime de DepósitoAlfandegado Certificado - DAC, sendo: 13) TME1, tarifa expressa em reais por metrocúbico ou fração para mercadoria paletiza<strong>da</strong>; 14) TME2, tarifa expressa em reais portonela<strong>da</strong> ou fração para mercadoria paletiza<strong>da</strong>; 15) TME3, tarifa expressa em reais pormetro cúbico ou fração para mercadoria não paletiza<strong>da</strong>; 16) TME4, tarifa expressa emreais por tonela<strong>da</strong> ou fração para mercadoria não paletiza<strong>da</strong>; 17) TME5, tarifa expressaem reais por metro cúbico ou fração para mercadoria conteineriza<strong>da</strong>; 18) TME6, tarifaexpressa em reais por tonela<strong>da</strong> ou fração para mercadoria conteineriza<strong>da</strong>.”Além <strong>da</strong>s 18 tarifas, as propostas deveriam prever dois percentuaispara fins de cálculo do valor total a ser pago ao Fundo Especial deDesenvolvimento e Aperfeiçoamento <strong>da</strong>s Ativi<strong>da</strong>des de Fiscalização -FUNDAF, sendo:“a) um percentual não inferior a 6%, a ser aplicado sobre a receita mensal obti<strong>da</strong>com armazenagem e movimentação de mercadorias na importação ou no trânsitoaduaneiro de passagem, e;b) um percentual não inferior a 2%, a ser aplicado sobre a receita mensal obti<strong>da</strong>com armazenagem e movimentação de mercadorias na exportação, na reexportação,na devolução ou na redestinação, inclusive quando admiti<strong>da</strong>s no regime de DepósitoAlfandegário Certificado - DAC.”Para fins de julgamento final <strong>da</strong>s propostas, seria considera<strong>da</strong> acombinação do menor valor <strong>da</strong> tarifa do serviço a ser prestado com amaior oferta de pagamento ao FUNDAF, verifica<strong>da</strong> através de equaçãoprevista no edital. (fl. 57)Nas três primeiras posições, restaram ao final classifica<strong>da</strong>s as68R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


participantes Consórcio Rocha, EADI Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>.e Transzella Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>., respectivamenteem primeiro, segundo e terceiro lugar, com as seguintes propostas (fls.195/212):“Consórcio Rocha: TAI1, 0,14%; TAI2, R$ 0,01; TAI3, R$ 0,01; TAE1, 0,001%;TAE2, R$ 0,01; TAE3, R$ 0,01; TMI1, R$ 0,01; TMI2, R$ 0,01; TMI3, R$ 0,01, TMI4,R$ 0,01; TMI5, R$ 0,01; TMI6, R$ 0,01; TME1, R$ 0,01; TME2, R$ 0,01; TME3, R$0,01; TME4, R$ 0,01; TME5, R$ 0,01; TME6, R$ 0,01; PFI, 7%; PFE, 3%.EADI Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>.: TAI1, 0,149%; TAI2, R$ 0,01; TAI3, R$ 0,01;TAE1, 0,109%; TAE2, R$ 0,01; TAE3, R$ 0,01; TMI1, R$ 0,01; TMI2, R$ 0,01; TMI3,R$ 0,01, TMI4, R$ 0,01; TMI5, R$ 0,01; TMI6, R$ 9,00; TME1, R$ 0,01; TME2, R$0,01; TME3, R$ 0,01; TME4, R$ 0,01; TME5, R$ 0,01; TME6, R$ 9,00; PFI, 25,01%;PFE, 12,10%.Transzella Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>.: TAI1, 0,19%; TAI2, R$ 0,01;TAI3, R$ 0,01; TAE1, 0,01%; TAE2, R$ 0,01; TAE3, R$ 0,01; TMI1, R$ 0,01; TMI2,R$ 2,80; TMI3, R$ 0,01, TMI4, R$ 0,01; TMI5, R$ 0,01; TMI6, R$ 1,60; TME1, R$0,01; TME2, R$ 3,80; TME3, R$ 0,01; TME4, R$ 0,01; TME5, R$ 0,01; TME6, R$2,40; PFI, 10%; PFE, 12%.”Causa espanto, à primeira vista, que, <strong>da</strong> proposta classifica<strong>da</strong> emprimeiro lugar, to<strong>da</strong>s as 16 tarifas estabeleci<strong>da</strong>s em reais foram fixa<strong>da</strong>sem R$ 0,01, não obstante se tratassem tanto de tarifas de armazenagemcomo de movimentação de mercadorias, destina<strong>da</strong>s à exportação ou àimportação, fossem elas cobra<strong>da</strong>s por metro quadrado, metro cúbico outonela<strong>da</strong>, ou referentes à movimentação de mercadorias paletiza<strong>da</strong>s, nãopaletiza<strong>da</strong>s ou conteineriza<strong>da</strong>s.Não menos curiosa é a proposta <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> coloca<strong>da</strong>, a qual fixou14 tarifas em R$ 0,01, com exceção <strong>da</strong>s tarifas para movimentação demercadorias conteineriza<strong>da</strong>s por tonela<strong>da</strong>, fixa<strong>da</strong>s em R$ 9,00. Tal valor,diga-se, é 90.000% (noventa mil por cento) ao <strong>da</strong> mesma tarifa cobra<strong>da</strong>pela empresa classifica<strong>da</strong> em primeiro lugar.Pouco diferente é a proposta classifica<strong>da</strong> em terceiro lugar, a qualfixou 13 tarifas em R$ 0,01, com exceção <strong>da</strong>s tarifas para movimentaçãode mercadorias conteineriza<strong>da</strong>s por tonela<strong>da</strong>, assim como a segun<strong>da</strong>coloca<strong>da</strong>, e <strong>da</strong> tarifa para movimentação de mercadorias paletiza<strong>da</strong>s,por tonela<strong>da</strong>, para fins de exportação.Embora a autora afirme que os prejuízos decorrentes <strong>da</strong> prestaçãodestes serviços, cujas tarifas teriam sido fixa<strong>da</strong>s manifestamenteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 69


abaixo dos preços de mercado, seriam cobertos pelos lucros advindos<strong>da</strong> prestação de serviços extras, não previstos no edital, cujas tarifasseriam livremente fixa<strong>da</strong>s pelos permissionários, entendo que as própriaspropostas vencedoras permitem a auferição de lucros significativos porparte <strong>da</strong>s permissionárias.Isto porque a própria técnica de avaliação <strong>da</strong>s propostas, para finsde classificação, permite a valoração e a consideração desarrazoa<strong>da</strong> <strong>da</strong>starifas propostas, ao <strong>da</strong>r pesos semelhantes tanto às tarifas de cobrançacorrente como àquelas que jamais serão cobra<strong>da</strong>s pelas permissionárias.Assim dispõe o item 8.1.1 do Edital de Licitação, que por sua vezreproduz o § 1º do art. 14 <strong>da</strong> Instrução Normativa SRF n° 59/96 (fl. 62):“8.1.1. Observados o tipo de serviço (movimentação ou armazenagem), o tipode operação (importação ou exportação) e, na movimentação, também o tipo deacondicionamento (paletiza<strong>da</strong>, não paletiza<strong>da</strong> ou conteineriza<strong>da</strong>), a permissionáriapoderá, a seu critério, cobrar pelos serviços prestados aos usuários, quaisquer <strong>da</strong>starifas respectivas constantes <strong>da</strong> sua proposta (ad valorem, por peso, por volume oupor área).” (grifos nossos)Ora, pela simples leitura na regra acima descrita, percebe-se que astarifas expressas em reais podem ser fixa<strong>da</strong>s no menor valor monetáriopossível, de modo a garantir melhor classificação <strong>da</strong> proposta, contantoque, para garantir a viabili<strong>da</strong>de e a lucrativi<strong>da</strong>de do empreendimento,aquelas expressas em percentual sobre o valor CIF ou FOB <strong>da</strong> mercadoriasejam fixa<strong>da</strong>s em valores de mercado.As permissionárias, assim, jamais cobrarão aquelas tarifas fixa<strong>da</strong>s emvalores simbólicos, visto que, a seu critério, poderão estabelecer que acobrança pelos serviços prestados será feita através <strong>da</strong>s tarifas fixa<strong>da</strong>sem percentual ad valorem.A própria Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> admite esta possibili<strong>da</strong>de deapresentação <strong>da</strong>s propostas, conforme se percebe pela leitura <strong>da</strong>s razõesa seguir transcritas (fl. 241):“Por conseguinte, as demais tarifas, de apresentação obrigatória, cota<strong>da</strong>s emum centavo, serviram apenas para melhor posicionar a licitante, fazendo partedo planejamento estratégico de ca<strong>da</strong> uma visando obter melhor classificação naconcorrência, sem contudo comprometer a viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> permissão nem ferir oInstrumento Convocatório, que não proíbe, nem fixa valores mínimos para as tarifas.”(grifos nossos)70R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


To<strong>da</strong>via, o instituto <strong>da</strong> licitação não se presta a garantir que a prestaçãodos serviços públicos por meio de particulares seja deferi<strong>da</strong> àquelesparticulares com melhor “planejamento estratégico”, mas proporcionaràs enti<strong>da</strong>des governamentais possibili<strong>da</strong>des de realizarem o negócio maisvantajoso para o interesse público, e não para o interesse de particulares,em estrita conformi<strong>da</strong>de com os princípios, entre outros, <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de.Neste sentido, o art. 3º <strong>da</strong> Lei n° 8.666/93:“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional<strong>da</strong> isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e seráprocessa<strong>da</strong> e julga<strong>da</strong> em estrita conformi<strong>da</strong>de com os princípios básicos <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,<strong>da</strong> impessoali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> probi<strong>da</strong>deadministrativa, <strong>da</strong> vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo edos que lhes são correlatos.”Se o próprio edital <strong>da</strong> licitação permite a manipulação <strong>da</strong>s propostas,valorando positivamente tarifas que jamais serão utiliza<strong>da</strong>s pelaspermissionárias, com único propósito de melhorar a condição dedetermina<strong>da</strong> participante na classificação final, sem que isto impliquequalquer vantagem para a Administração ou para os usuários do serviço,há manifesta violação ao princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de, que, na lição doProfessor Celso Antônio Bandeira de Mello,“significa que o procedimento licitatório terá de se desenrolar na conformi<strong>da</strong>dede padrões éticos prezáveis, o que impõe, para Administração e licitantes, umcomportamento escorreito, liso, honesto, de parte a parte.” (in Curso de DireitoAdministrativo. Malheiros Editores. 1<strong>4ª</strong> ed., p. 475)O próprio Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, ciente <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de demanipulação <strong>da</strong>s propostas, adotou novo modelo padrão de edital delicitação na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de concorrência para prestação de serviçospúblicos nas EADIs, alterando as cláusulas que permitiam o aviltamentode alguns preços em detrimento do julgamento <strong>da</strong> melhor proposta naprática. (fls. 87/119)Ao examinar o princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de, assim esclarece Marçal JustenFilho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos.Dialética. 5ª ed., p. 65):R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 71


“Na licitação, a conduta moralmente reprovável acarreta a nuli<strong>da</strong>de do ato ou doprocedimento. Existindo imorali<strong>da</strong>de, afasta-se a aparência de cumprimento à lei ou aoato convocatório. A conduta do administrador público deve atentar para o disposto naregra legal e nas condições do ato convocatório. Isso é necessário, mas não suficiente,para vali<strong>da</strong>de dos atos.A morali<strong>da</strong>de e a probi<strong>da</strong>de administrativa são princípios de conteúdo inespecífico,que não podem ser explicados de modo exaustivo. A explicitação, nesse ponto, serásempre aproximativa. Extrai-se a intenção legislativa de que a licitação seja nortea<strong>da</strong>pela honesti<strong>da</strong>de e serie<strong>da</strong>de. Exige-se a preservação do interesse público acima doegoístico interesse dos participantes <strong>da</strong> licitação ou <strong>da</strong> mera obtenção de vantagenseconômicas para a própria Administração.Os princípios aplicam-se tanto à conduta do agente <strong>da</strong> Administração como à dospróprios licitantes.(...)O princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de também se refere à conduta dos próprios participantes<strong>da</strong> licitação. A disputa deve ser honesta entre eles. Devem guar<strong>da</strong>r postura moralmentecorreta perante os demais competidores e a Administração. A imorali<strong>da</strong>de de sua condutaacarretará seu afastamento e, eventualmente, a invali<strong>da</strong>ção do procedimento. Por isso,é necessária a própria disputa.”A Lei n° 8.666/93, em seu art. 3º, § 1º, inc. I, ve<strong>da</strong> aos agentespúblicos “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação,cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seucaráter competitivo”. A mera possibili<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> que não efetiva<strong>da</strong>, demanipulação <strong>da</strong>s propostas, fazendo incluir nelas tarifas fictícias quejamais serão utiliza<strong>da</strong>s, impedindo o conhecimento <strong>da</strong> proposta maisvantajosa para o interesse público, visto prestigiar as participantes commelhor “planejamento estratégico”, compromete o caráter competitivo<strong>da</strong> licitação, sendo manifestamente ilegal.Sobre o tema, assim ensina Hely Lopes Meirelles (in DireitoAdministrativo Brasileiro. Malheiros Editores. 26ª ed., p. 258):“Igual<strong>da</strong>de entre os licitantes: a igual<strong>da</strong>de entre os licitantes é princípio impeditivo<strong>da</strong> discriminação entre os participantes do certame, quer através de cláusulas que, noedital ou convite, favoreçam uns em detrimento de outros, quer mediante julgamentofaccioso, que desiguale os iguais ou iguale os desiguais. (art. 3º, § 1º)O desatendimento a esse princípio constitui a forma mais insidiosa de desvio depoder, com que a Administração quebra a isonomia entre os licitantes, razão pela qualo Judiciário tem anulado editais e julgamentos em que se descobre a perseguição ou ofavoritismo administrativo, sem nenhum objetivo ou vantagem de interesse público.”Acerca <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de anulação judicial do procedimento72R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


licitatório que inobserve as regras legais do procedimento, transcrevo oseguinte precedente jurisprudencial:“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.LICITAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO. POSSIBILIDADE.1. Não há que se falar em omissão no julgado impugnado se este, apesar de deixarde fazer menção expressa ao argumento levantado pela parte, adota posicionamentocontrário à tese por ela exposta.2. A licitação pública caracteriza-se como um procedimento administrativo quepossui dupla finali<strong>da</strong>de, sendo a primeira a de escolher a proposta mais vantajosa paraa Administração e a segun<strong>da</strong>, a de estabelecer a igual<strong>da</strong>de entre os participantes.3. A possibili<strong>da</strong>de de anulação do procedimento licitatório após celebrado o contratoadministrativo não suscita maiores dúvi<strong>da</strong>s, porquanto a própria Lei 8.666/93 dispõeque a nuli<strong>da</strong>de do procedimento licitatório induz à do contrato dele decorrente.4. Não observa<strong>da</strong>s as regras legais que regulam tal procedimento, de modo a causarprejuízo à Administração Pública ou a qualquer <strong>da</strong>s partes, impõe-se o reconhecimento<strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de.5. A exegese do § 3º do art. 49 <strong>da</strong> Lei 8.666/93 mostra que a re<strong>da</strong>ção do mesmo édirigido à autori<strong>da</strong>de administrativa e não à judiciária.6. Recursos conhecidos, porém, desprovidos.” (STJ. Recurso Especial n° 447.814/SP. 1ª Turma. Rel. Min. José Delgado. Unânime. DJU de 10.03.2003, p. 112)Estando demonstrado que o procedimento licitatório impugnadoefetivamente violou os princípios <strong>da</strong> isonomia e <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>deadministrativa, qualquer ci<strong>da</strong>dão é parte legítima para impugnar o atoadministrativo alega<strong>da</strong>mente viciado, nos termos do art. 5º, inc. LXXIII:“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili<strong>da</strong>dedo direito à vi<strong>da</strong>, à liber<strong>da</strong>de, à igual<strong>da</strong>de, à segurança e à proprie<strong>da</strong>de, nos termosseguintes:(...)LXXIII - qualquer ci<strong>da</strong>dão é parte legítima para propor ação popular que visea anular ato lesivo ao patrimônio público ou de enti<strong>da</strong>de de que o Estado participe,à morali<strong>da</strong>de administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,ficando o autor, salvo comprova<strong>da</strong> má-fé, isento de custas judiciais e do ônus <strong>da</strong>sucumbência;” (grifos nossos)Inexiste, portanto, ao contrário do afirmado pelos apelantes, alimitação <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> ação popular apenas para os casos em queexista efetivo prejuízo patrimonial ao Erário. Embora o art. 1º <strong>da</strong> Lei n°4.717/65 estabeleça que a ação popular é cabível apenas para pleitearR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 73


a anulação ou a declaração de nuli<strong>da</strong>de de atos lesivos ao patrimôniopúblico, definido no § 1º, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei n° 6.513/77, como“os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico outurístico”, a Constituição <strong>Federal</strong> expressamente previu o cabimento <strong>da</strong>ação popular para anular atos lesivos à morali<strong>da</strong>de pública, devendo <strong>da</strong>rseinterpretação conforme a Constituição ao art. 1º <strong>da</strong> Lei n° 4.717/65.É desimportante, ademais, que a autora <strong>da</strong> presente ação popular, apar do dever cívico de zelar pela morali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração e peloprincípio constitucional <strong>da</strong> isonomia, possua interesse patrimonialparticular na anulação <strong>da</strong> licitação. A verificação, no curso <strong>da</strong> açãopopular, de que o ato impugnado é induvidosamente atentatório àmorali<strong>da</strong>de administrativa, afasta qualquer alegação de torpeza ou má-fépor parte <strong>da</strong> autora, que eventualmente, por via reflexa, até pode obtervantagens patrimoniais com a anulação <strong>da</strong> licitação, sem que isto importevício do processo.Assim, entendo que o julgamento de procedência <strong>da</strong> ação popularafasta a alegação de litigância de má-fé por parte <strong>da</strong> autora, quecorretamente se insurgiu contra ato administrativo lesivo à morali<strong>da</strong>deadministrativa. Sendo intrínseca ao acolhimento do pedido <strong>da</strong> autora ainocorrência de litigância de má-fé, é inútil qualquer prova em sentidocontrário, não havendo que se falar em cerceamento de defesa, nostermos do art. 130 do Código de Processo Civil, pois meros depoimentos<strong>da</strong> parte autora não teriam como contrapor-se à prova documental e aoexame <strong>da</strong> legislação.Logo, examinando o agravo retido interposto pela ré EADI SulTerminal de Cargas Lt<strong>da</strong>., entendo ser inútil o pedido de depoimentopessoal <strong>da</strong> autora, requerido para o fim de comprovar as alegações delitigância de má-fé por parte <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>nte, que se presume inexistenteem decorrência <strong>da</strong> procedência <strong>da</strong> ação popular, negando provimentoao recurso.Por fim, não merece acolhimento a tese de impossibili<strong>da</strong>de de anulaçãojudicial <strong>da</strong> licitação, sob o fun<strong>da</strong>mento de que o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União não teria vislumbrado qualquer nuli<strong>da</strong>de no Edital padrão utilizadona Concorrência SRF/SRRF/9ª RF - 04/98. O art. 5º, inc. XXXV, <strong>da</strong>CF/88 estabelece que “a lei não excluirá <strong>da</strong> apreciação do Poder Judiciáriolesão ou ameaça a direito”. O TCU não integra o Poder Judiciário,74R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


tratando-se, ao contrário, de órgão vinculado ao Poder Legislativo, nãohavendo portanto que se falar em hierarquia entre o <strong>Tribunal</strong> de Contas<strong>da</strong> União e os órgãos <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>.Compete ao <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, entre outras funções, ocontrole contábil, financeiro e orçamentário externo <strong>da</strong> AdministraçãoPública, e cujas decisões não estão isentas do controle jurisdicional, sendopossível, portanto, a prolação de decisões judiciais em sentido contrárioao entendimento do <strong>Tribunal</strong> de Contas.Em julgamento anterior, a Terceira Turma, ao decidir na Apelação Cíveln° 2000.04.01.121206-8, Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler, foi aAção Popular ajuiza<strong>da</strong> por Maurício de Lavigne julga<strong>da</strong> improcedente.No precedente, questionou-se a insuficiência de motivação para a abertura<strong>da</strong> licitação, o caráter tributário <strong>da</strong> contribuição ao FUNDAF, a ausênciado estudo de viabili<strong>da</strong>de técnica e o critério de julgamento. No precedente,o autor popular não foi feliz na demonstração dos inquinados vícios, nãose vislumbrando a presença de provas sobre o alegado.Efeitos <strong>da</strong> sentença anterior sobre o caso aqui julgado. Neste tópicoé escassa a doutrina brasileira. Adoto no particular a lição <strong>da</strong> Profa. A<strong>da</strong>Pellegrini Grinover, em artigo publicado na Revista Forense, vol. 361,sob o título “Ações Coletivas Ibero-americanas: novas questões sobrea legitimação e a coisa julga<strong>da</strong>”, que sustenta a inexistência de coisajulga<strong>da</strong> material em caso de improcedência por insuficiência de provas.O direito brasileiro não é infenso à coisa julga<strong>da</strong> secundum probationem,acolhendo-se a solução em matéria de man<strong>da</strong>do de segurança e habeascorpus. No man<strong>da</strong>do de segurança há o art. 15 <strong>da</strong> Lei n° 1.533/51. Há aSúmula n° 304/STF, “A decisão denegatória do man<strong>da</strong>do de segurançanão impede o uso de ação própria”.No julgamento anterior, além de não se tratar do mesmo autor popular,mas <strong>da</strong> mesma licitação, não houve prova sobre o alegado, e o critériode julgamento e apresentação de propostas foi questão secundária nãodesenvolvi<strong>da</strong> e não prova<strong>da</strong> pelo autor popular.Isso posto, excluo <strong>da</strong> lide os réus Clecy Maria Busato Lionço, NauryFragoso Tanaka, Francisco Niesciur, Elpídio Alves Dias, Jorge MattarFilho e Aline André, julgo prejudicado o recurso de apelação interpostopela autora Helenice Nogozzeke, nego provimento ao recurso de agravoretido interposto pela ré EADI Sul Terminal de Cargas Lt<strong>da</strong>. e negoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 75


provimento aos recursos de apelação interpostos pelos réus EADI SulTerminal de Cargas Lt<strong>da</strong>., São Luiz Armazéns Gerais Lt<strong>da</strong>. e RochaS/A, Transzella Transporte Rodoviário de Cargas Lt<strong>da</strong>. e União <strong>Federal</strong>,mantendo integralmente, no mérito, a sentença proferi<strong>da</strong> pelo juízo deprimeira instância.É o voto.76VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Sra. Presidente: Pedi vista dos autos para o seu exame trazendo-o, nestasessão, para o prosseguimento do julgamento.Divirjo, em parte, <strong>da</strong> ilustre Relatora, no que concerne aos recursos dosréus.Em seu elaborado parecer, a fls.1.128/1.133, anotou, com inteiroacerto, a ilustre agente do MPF, Dra. Elisabeth Gumiel de Toledo, verbis:“8. No mérito, a questão é complexa, merecendo cui<strong>da</strong>dosa análise. A deman<strong>da</strong>fun<strong>da</strong>-se, basicamente, sobre a alegação de ilegitimi<strong>da</strong>de dos critérios erigidos peloedital de permissão de serviço público para fins <strong>da</strong> seleção <strong>da</strong> proposta mais vantajosae sua propensão à manipulação; sobre a inexeqüibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s propostas considera<strong>da</strong>svencedoras, tendo em conta a maciça oferta de tarifas correspondentes a um centavo,considera<strong>da</strong>s irrisórias; sobre a ausência de vantagem em tais propostas, acarretandolesão aos cofres públicos e à morali<strong>da</strong>de. Tais fun<strong>da</strong>mentos são de duas naturezas:o primeiro tem caráter abstrato, enquanto os demais dizem respeito a circunstânciasconcretas do certame.Quanto ao primeiro aspecto – inadequação dos critérios de julgamento eleitos peloedital – verifica-se, efetivamente, que o edital não mostra ser o mais adequado para ofim de aferir a melhor relação custo e benefício (tarifa módica x maior contribuiçãodo FUNDAF). Tal circunstância é comprova<strong>da</strong> pelo próprio parecer emitido pelaProcuradoria Geral <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional, sobre o edital-padrão <strong>da</strong>s licitações parapermissão de serviço público de movimentação e armazenagem de mercadorias emestação aduaneira interior - EADI, que culminou na emissão de outro modelo, tendoponto fun<strong>da</strong>mental a modificação dos pesos atribuídos a certos serviços, bem como aosvalores destinados à Administração Pública, componentes <strong>da</strong> equação para obtençãodo resultado final do certame. Tal conclusão veio a ser corrobora<strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> deContas <strong>da</strong> União, quando <strong>da</strong> análise do Edital de Concorrência SRF/SRRF/9ª RF – nº02/98, para permissão de EADI em Curitiba/São José dos Pinhais, em tudo similar aoedital nº 04/98 aqui impugnado, com fun<strong>da</strong>mento em análise efetiva<strong>da</strong> por auditoresdo SECEX. Vale a transcrição:‘O percuciente exame feito pelos Analistas encarregados <strong>da</strong> auditoria deixaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


absolutamente claro que a metodologia de pontuação utiliza<strong>da</strong> pelo edital-padrãoé falha, uma vez que possibilita às licitantes obterem melhor nota cotando paradetermina<strong>da</strong>s tarifas valor muito baixo, simbólico ou irrisório, porque nunca serãoutiliza<strong>da</strong>s ou, na melhor <strong>da</strong>s hipóteses, porque a per<strong>da</strong> financeira que delas advirá,caso venham a ser pratica<strong>da</strong>s, será compensa<strong>da</strong> com outras tarifas de maior valoraplica<strong>da</strong>s a serviços idênticos.Essa distorção ocorre porque é exigido dos concorrentes que cotem, para ca<strong>da</strong>serviço, várias tarifas, sendo três para os serviços de armazenagem e seis para os serviçosde movimentação de mercadorias, podendo, na execução do contrato, aplicar qualqueruma <strong>da</strong>s tarefas cota<strong>da</strong>s. Como as notas são maiores para as menores tarifas cota<strong>da</strong>s, oslicitantes procuram atribuir valores baixos, simbólicos ou irrisórios, àquelas tarifasque consideram de menor ou nenhuma importância, pelo conhecimento que têm dosserviços a realizar. A metodologia utiliza<strong>da</strong>, dessa forma, incentiva que sejam cotadospreços equivalentes à menor parte <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> (R$ 0,01 - um centavo). Aquele queassim fizer já tem garanti<strong>da</strong> a nota máxima (10), e outro que, não atento aos critériosdo edital, cotar, por exemplo, dois centavos terá nota igual a cinco, ou seja, metade <strong>da</strong>nota máxima. (...)’ (grifou-se) (Fls. 984 dos presentes autos)Ocorre, porém, que, considerando o interesse público existente na efetiva instalaçãode Estações Aduaneiras de Interiores, de forma a agilizar o despacho aduaneiro ereduzir custos <strong>da</strong> importação e exportação; considerando as modificações determina<strong>da</strong>spela Procuradoria Geral <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> que, presume-se, já devem ter sidoconcretiza<strong>da</strong>s em procedimentos subseqüentes; e considerando que a ação popularnão se destina à anulação de atos administrativos com base exclusiva na ilegali<strong>da</strong>de,tendo como requisito também a lesivi<strong>da</strong>de ao patrimônio ou à morali<strong>da</strong>de públicos, éimprescindível o confronto <strong>da</strong>s propostas considera<strong>da</strong>s vencedoras, para aferição doseu real desvirtuamento.Por outro lado, quanto ao segundo aspecto aventado – possibili<strong>da</strong>de de manipulação<strong>da</strong>s tarifas exigi<strong>da</strong>s no edital, pois as licitantes escolheriam as tarifas a seremefetivamente pratica<strong>da</strong>s no negócio – a própria Administração promotora do certameconfirmou a maleabili<strong>da</strong>de no uso <strong>da</strong>s tarifas, em termos que, muito embora to<strong>da</strong>sfossem de cotação compulsória para fins de julgamento <strong>da</strong> licitação, o direcionamento<strong>da</strong>do ao negócio, em função <strong>da</strong> clientela visa<strong>da</strong> pelo licitante etc., determinaria aquelasque teriam real interesse para o negócio, sendo que as demais seriam cota<strong>da</strong>s apenaspara fins de atendimento à exigência editalícia. Assim, a proposta teria como fator aestratégia de ca<strong>da</strong> licitante.Não se pode falar, nesse ponto, <strong>da</strong> existência de ilegali<strong>da</strong>de. O próprio objeto <strong>da</strong>licitação exige que haja maleabili<strong>da</strong>de para confecção <strong>da</strong> proposta, de molde a atendera decisão empresarial de ca<strong>da</strong> licitante. Entretanto, os critérios eleitos para fins deseleção <strong>da</strong> proposta mais vantajosa, foram apontados de forma clara no edital, cabendoa ca<strong>da</strong> interessado formular o próprio projeto de viabili<strong>da</strong>de – o que, aliás, também eraexigido pelo edital – e verificar as tarifas que efetivamente seriam pratica<strong>da</strong>s. Se umaou algumas não fossem de interesse para o negócio, diante <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de nãocotá-las ou de cotá-las a custo zero, o mais acertado, tratando-se de uma competição,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 77


seria a sua cotação em valor mínimo.Veja-se que os critérios de julgamento foram expostos objetivamente no edital eassim aplicados no momento de escolha <strong>da</strong>s propostas mais vantajosas. Assim, caberiaao licitante cotar as tarifas de forma condizente com seu projeto pessoal de exploraçãodos serviços licitados e estrategicamente configura<strong>da</strong> para vencer o certame.Muito embora não se possa considerar que essa seja a melhor metodologia deavaliação <strong>da</strong> proposta, o que já foi assentado em sede administrativa, não se vislumbra,no caso concreto, afronta aos princípios norteadores <strong>da</strong> licitação ou à boa-fé, muitomenos falta de sinceri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> administração para com os interessados em licitar, já quenão houve omissão ou privilégio de informação valiosa a um ou alguns particularesem benefício ou detrimento dos demais. Conforme apropria<strong>da</strong>mente assevera CelsoAntônio Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de DireitoAdministrativo. 11. ed. revista, atualiza<strong>da</strong> e amplia<strong>da</strong>. São Paulo: Malheiros, 1999, p.73), ao delinear o princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de,‘Segundo os cânones <strong>da</strong> leal<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> boa-fé, a Administração haverá de procederem relação aos administrados com sinceri<strong>da</strong>de e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquercomportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir,dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos ci<strong>da</strong>dãos.’Note-se que para estar configura<strong>da</strong> afronta ao princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de há necessi<strong>da</strong>dede atuação administrativa desleal. No caso, tendo sido aplicados pela Comissão deLicitação os critérios tal qual previstos no ato convocatório, não há qualquer reparo,sob esse prisma, a ser feito ao ato de julgamento.9. Desse modo, somente a partir <strong>da</strong> análise <strong>da</strong>s propostas considera<strong>da</strong>s vencedoras,sob o ângulo <strong>da</strong> exeqüibili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> vantagem para a Administração Pública, que sepoderá concluir sobre a ilegali<strong>da</strong>de ou não do critério de escolha e sobre a lesivi<strong>da</strong>deao erário e à morali<strong>da</strong>de.Na inicial foram trazi<strong>da</strong>s as tarifas cota<strong>da</strong>s pelas vencedoras do certame. Quantoàquelas em valores iguais a um centavo, tendo em vista que, conforme acima salientado,foram valora<strong>da</strong>s para garantir a regulari<strong>da</strong>de formal <strong>da</strong> proposta, não há que severificar sua exeqüibili<strong>da</strong>de. Isso porque muito provavelmente não serão pratica<strong>da</strong>sou sua eventual aplicação não terá representativi<strong>da</strong>de frente ao empreendimentocomo um todo. De qualquer forma, há que se ressaltar, conforme bem colocado emcontestação e vislumbrado na decisão do <strong>Tribunal</strong> de Contas de União, considerandosea tarifa em si mesma, o questionamento <strong>da</strong> viabili<strong>da</strong>de extrapolaria também paraas tarifas correspondentes a cinco e dez centavos, já que to<strong>da</strong>s pareceriam não servirà remuneração dos serviços de armazenamento e movimentação. E se assim fosse,nenhuma licitante seria classifica<strong>da</strong>.De todo modo, não se pode olvi<strong>da</strong>r que as tarifas devem ser considera<strong>da</strong>s em suaglobali<strong>da</strong>de, considerando-se, inclusive, a quanti<strong>da</strong>de média de mercadorias objeto deca<strong>da</strong> operação de importação e exportação. Mas o fun<strong>da</strong>mental, por óbvio, é o valortarifário que efetivamente será praticado. A esse entendimento chegou o <strong>Tribunal</strong> deContas <strong>da</strong> União, logo após ressaltar a inadequação <strong>da</strong> fórmula de julgamento adota<strong>da</strong>78R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


pelo edital, nos termos acima transcritos:‘(...) Isso não significa, entretanto, que terá prejuízos o licitante que cotou preçosirrisórios para algumas tarifas, eis que a viabili<strong>da</strong>de do empreendimento estará garanti<strong>da</strong>pela tarifa ou tarifas que cotou a preços normais de mercado e que representam a quasetotali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s receitas.’ (Fls. 984 dos presentes autos)Por outro lado, a metodologia de comparação entre propostas relativamente aosvalores estipulados para ca<strong>da</strong> item não serve para negar serie<strong>da</strong>de a uma <strong>da</strong><strong>da</strong> oferta. Éque, conforme ficou assentado, as decisões quanto ao direcionamento e caracterizaçãodo negócio, que é aspecto essencial ao negócio, podem determinar que um fator tarifadoseja o determinante para viabilizar um empreendimento, enquanto para outro licitanteesse fator pode não ter utili<strong>da</strong>de.Isso significa dizer que, em tese, dificilmente se poderia afirmar que <strong>da</strong><strong>da</strong>proposta não se manteria na prestação de serviços de movimentação e armazenagemde mercadorias em Estação Aduaneira de Interior. É <strong>da</strong> análise do projeto de ca<strong>da</strong>vencedora, <strong>da</strong> forma e frente ao mercado para o qual, preponderantemente, quer sedirigir o serviço, que restaria evidencia<strong>da</strong> eventual inviabili<strong>da</strong>de do negócio.Mas a questão não foi enfrenta<strong>da</strong> desse modo.Também, no que concerne à alegação de que não haveria vantagem para o órgãolicitador, a problemática não é considera<strong>da</strong> em termos concretos. Veja-se que não háqualquer <strong>da</strong>do efetivo a comprovar que serão os serviços acessórios que representarãoa real remuneração pelo serviço permissionado, sem contraprestação ao erário.Tais serviços, conforme se pode deduzir <strong>da</strong>s razões apresenta<strong>da</strong>s nos autos, nãosão essenciais à movimentação e armazenagem, pelo o que, acaso exigidos pelo editalcomo objeto de tarifação e contraprestação pela permissão, configurariam usurpaçãode ativi<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> pelo Estado. Veja-se, ain<strong>da</strong> na lição de Celso Antônio Bandeirade Mello (Autor e op. cits. p. 507)‘Só há concessão de serviço público quando o Estado considera o serviço em causacomo próprio e como privativo do Poder Público. Em rigor, por ser público e privativodo Estado, o serviço é res extra commercium, inegociável, inamovivelmente sediadona esfera pública, razão por que não há transferência <strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>de do serviço parao particular.Assim, acaso os serviços acessórios fossem públicos, somente por meio detransferência expressa de seu exercício - por meio de concessão ou permissão -delineados os seus limites, seria possível sua exploração por particular. Tratando-se deativi<strong>da</strong>de in commercium, cabe ao permissionário decidir sobre sua exploração ou não.Cumpre ressaltar, ain<strong>da</strong>, que a facul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação dessa espécie de utili<strong>da</strong>de estáprevista na Lei de Concessão e Permissão de Serviço Público e no ato convocatório,sendo computa<strong>da</strong>, pelo licitante, para o estabelecimento <strong>da</strong> cláusula econômicofinanceira.Por outro lado, resta evidente que a verba destina<strong>da</strong> ao FUNDAF, atendido opercentual mínimo exigido no edital, incide sobre o total <strong>da</strong> receita obti<strong>da</strong> com aarmazenagem e movimentação, seja em se tratando de mercadorias destina<strong>da</strong>s àR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 79


exportação ou importação; ou seja, tem por base de cálculo o serviço público permitidocomo um todo, não se podendo presumir prejuízo aos cofres públicos.Finalmente, evidencia-se, também, que a finali<strong>da</strong>de visa<strong>da</strong> com a permissão doserviço público de movimentação e armazenagem em EADI não é propriamente aobtenção de receita para a Administração Pública. O interesse fun<strong>da</strong>mental é o defomentar o comércio exterior, com a redução de tarifas na importação e exportação,o que torna-se possível pela existência de competição e pela propensão particular aoempreendimento.10. Diante do exposto, manifesta-se o Ministério Público <strong>Federal</strong> pela improcedência<strong>da</strong> presente ação popular.”Correto o parecer.Com efeito, no caso dos autos, em nenhum momento <strong>da</strong> inicial, sãoaponta<strong>da</strong>s pelos autores, concretamente, a ilegali<strong>da</strong>de e a lesivi<strong>da</strong>de aopatrimônio público.Em alentado parecer, onde são analisados os pressupostos processuaisque autorizam o ajuizamento <strong>da</strong> ação popular, leciona o ilustre MinistroThompson Flores, ex-Presidente do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> verbis:“(...)5. A ação em comentário, erigi<strong>da</strong> em garantia constitucional, de alto destaque na vi<strong>da</strong>democrática <strong>da</strong> Nação, atribuiu a ‘qualquer ci<strong>da</strong>dão’ como parcela do Povo, de ondeprovém todo o poder, como é expressa a própria Lei Maior (art. 1º, § 1º), legitimi<strong>da</strong>deativa para fiscalizar a Administração, no pertinente ao patrimônio público que lhe estáafeto, ensejando-lhe, através de meios prontos e eficazes, alcançar judicialmente, adecretação e invali<strong>da</strong>de dos atos que sejam lesíveis ao Erário, obrigando os responsáveisao ressarcimento do mal causado.Não poderia, como nem seria curial, que instaurasse ele a grave lide, sem que‘aparelhado’ estivesse para ela.6. Por isso, acentuou com proprie<strong>da</strong>de José Afonso <strong>da</strong> Silva (ob. cit., p. 221, n. 189):‘(...) A deman<strong>da</strong>, contudo, deverá ser idônea, para produzir os efeitos procurados, ouseja, uma decisão de mérito. Para isso há certas exigências que precisam transparecerna petição inicial que necessita ser apta ao estabelecimento <strong>da</strong> relação processual. (...)A deman<strong>da</strong> popular propõe-se por petição na forma do art. 158 do CPC, com todos osrequisitos ali especificados e mais os que no caso concreto exigir.’O socorro ao CPC citado deflui do disposto no art. 22 <strong>da</strong> Lei 4.717/65; e o invocadoart. 158 corresponde ao art. 282 do CPC vigente.7. Destarte, o libelo inicial deve ser preciso quanto à indicação do fato e osfun<strong>da</strong>mentos jurídicos do pedido; para a espécie, o ato cuja decretação de invali<strong>da</strong>depostula, o vício que o contaminou e em que consistiu sua lesivi<strong>da</strong>de ao patrimôniopúblico <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de indica<strong>da</strong>.É possível que o autor, de início, não disponha de todos os elementos necessários,80R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


porque não tenham sido fornecidos pelas enti<strong>da</strong>des em questão. O remédio está,claramente, assegurado no art. 7º, I, b, e § 2º, <strong>da</strong> Lei 4.717.O certo, porém, é que os fatos, antes <strong>da</strong> citação devem estar devi<strong>da</strong>mente expostos,bem como os fun<strong>da</strong>mentos do pedido, para que os réus possam, com base neles, oferecersua defesa.(...)”. (In Revista de Processo, 61/221)Portanto, para que a ação popular seja julga<strong>da</strong> procedente, exige-sea comprovação, de forma cabal, <strong>da</strong> lesivi<strong>da</strong>de do ato e, também, de suainvali<strong>da</strong>de, por ser ele nulo ou anulável.Nesse sentido é tranqüilo o entendimento <strong>da</strong> Suprema Corte,manifestado em inúmeros arestos. (In RTJ 54/95; 71/497; 72/421;96/1.370 e 103/683)É o que deflui, igualmente, <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção do art. 5º, LXXIII, <strong>da</strong> Lei Maior,bem como <strong>da</strong> doutrina. (BARBOSA MOREIRA, in “Ações Coletivasna CF de 1988”, in Revista de Processo, 61/192 )Incumbe ao autor <strong>da</strong> ação popular a prova <strong>da</strong> ocorrência do atolesivo ao patrimônio público, de forma efetiva, concreta, e não de merasconjecturas, como se depreende do exame <strong>da</strong> peça vestibular.A respeito, claro e preciso o magistério de José Afonso <strong>da</strong> Silva, verbis:“É ônus do autor popular provar a ocorrência de ato lesivo ao patrimônio público.Enfim, incumbe-lhe comprovar a efetiva verificação dos fun<strong>da</strong>mentos de fato (causapetendi próxima) <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, para que possa obter os efeitos pretendidos.” (In AçãoPopular Constitucional. Doutrina e Processo. Ed. Rev. dos Tribs., 1968, n. 199, p. 228)Nessa mesma orientação é a lição do Ministro Thompson Flores, emseu já citado parecer, verbis:“(...)A propósito, com acerto, afirmou a Procuradoria do Estado, em sua contestação,firma<strong>da</strong> pelo ilustre Prof. Almiro do Couto e Silva (fl. 99): ‘Lesivo não é sinônimo deoneroso. Lesivo não é, por conseguinte, o que custou dinheiro, mas sim o que causou<strong>da</strong>no, desfalque ou prejuízo.’No mesmo sentido a lição de José Afonso <strong>da</strong> Silva (ob. cit., n. 119, pp. 149-50, eEnciclopédia Saraiva de Direito, III, 1977, pp. 400-1).Essa é, também, a conceituação <strong>da</strong> Suprema Corte como se verifica do julgamentoproferido no RE nº 92.326-SP, já mencionado e posto em destaque.Proferindo seu voto, sublinhou, com priori<strong>da</strong>de, o Relator, o eminente MinistroRafael Mayer (In RDA - 143/129): ‘Lesivo se há de entender o ato que, direta ouR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 81


indiretamente, mas real ou efetivamente, redunde no injusto detrimento de bens oudireitos <strong>da</strong> Administração, representativo de um prejuízo, de um <strong>da</strong>no, efetivo oupotencial de valores patrimoniais. Não faz sentido incluir aí, como pretendeu a instânciaordinária, os ganhos que eventualmente tenham resultado à empresa por sua ativi<strong>da</strong>dequase como lucros cessantes <strong>da</strong> Prefeitura, pois não há relação causal e jurídica quelhes atribua.’4.8 Em remate, silente o autor, no traduzir, concretamente, como se teriacaracterizado a lesivi<strong>da</strong>de dos contratos que impugnou, indispensável, como causapetendi, proporcionar a defesa dos réus, o que seria substancial, pois, como assinalaSeabra Fagundes, ela - a lesivi<strong>da</strong>de - deve ser examina<strong>da</strong> caso a caso (Da Ação Popular,in RDA VI, n. 24/18-9; ob. cit., n. 129, nota 5, p. 366), para sua segura verificação; e,mais, sem qualquer prova de sua ocorrência, manifesto é que seria de todo inviávelreconhecê-la.” (In Revista de Processo, 61/228)É exatamente o caso dos autos, eis que os autores não demonstraram,concreta e efetivamente, como se teria caracterizado a lesivi<strong>da</strong>de aopatrimônio público, ônus que lhes cabia a teor do art. 333, I, do CPC.O que se constata, de forma evidente, é a inconformi<strong>da</strong>de dos autorescom o procedimento <strong>da</strong> licitação o que, com a devi<strong>da</strong> vênia, não podeser objeto de ação popular.Pertinente, a respeito, a jurisprudência <strong>da</strong> Suprema Corte, firma<strong>da</strong>quando do julgamento do RE nº 42.054-SP, em que foi relator o saudosoMinistro Barros Barreto, verbis:“Por sem dúvi<strong>da</strong>, consoante é pacífico, ao Poder Judiciário não é <strong>da</strong>do rever os atosadministrativos salvo quanto à sua legali<strong>da</strong>de ou legitimi<strong>da</strong>de. E, de conseguinte, naação popular, contra atos lesivos ao patrimônio público, há de se restringir e apurar - seeles são nulos ou anuláveis, sem discutir a sua conveniência ou oportuni<strong>da</strong>de, visto quea função judicial tem por fim a aplicação do direito”. (In RTJ 10/600. Da mesma forma,Hely Lopes Meirelles, in Ação Popular, 13ª ed., Rev. dos Tribs., 1989, pp. 89 e 93)Por outro lado, na forma dos documentos constantes dos autos, o Eg.<strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União já se pronunciou acerca <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>licitação, o que, na jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e doSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, impede o seu reexame na via judicial, a nãoser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegali<strong>da</strong>de manifesta, o quenão se verifica no caso em exame. (RE nº 55.821-PR, rel. Ministro VictorNunes Leal, in RTJ 43/151; REsp. nº 8.970-SP, rel. Ministro Gomes deBarros, in RJSTJ, 30/378, respectivamente)Em caso semelhante ao dos autos, de que fui relator, deliberou aCorte, verbis:82R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


“AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2002.04.01.019240-0/SCRELATOR : DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZAGRAVANTE: PAULO HENRIQUE CARDOSOADVOGADO: Flavio Luiz Yarshell e outrosCarlos Roberto Fornes MateucciAGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICOADVOGADO: Luís Alberto d’Azevedo AurvalleINTERESSADO: RAFAEL VALDOMIRO GRECA DE MACEDOARTPLAN-PRIME PUBLICIDADE S/AADVOGADO: Rodrigo de CarvalhoINTERESSADO: RICARDO DALCANALE BORNHAUSENFERNANDA MARIA BARRETO BORNHAUSEN SAEVIDENCIAPERICH PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E COM/ DE IMP/ E EXP/ LTDA/BD PRODUÇÕES ARTÍSTICAS E CULTURAIS LTDA/BEATRIZ FERREIRA LESSACESARIO MELANTONIO NETTOFUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PARA ODESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA DA TECNOLOGIA E DA CULTURA -FUNPARUNIÃO FEDERALADVOGADO: José Diogo Cyrillo <strong>da</strong> SilvaINTERESSADO: EMBRATUR INSTITUTO BRASILEIRO DETURISMO e outroADVOGADO: Julio Cesar Barbosa MeloEMENTAADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS. ILEGITIMIDADEPASSIVA AD CAUSAM. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.EFEITOS.1. Ação de Improbi<strong>da</strong>de Administrativa, de alto destaque na vi<strong>da</strong> democrática <strong>da</strong>Nação, nota<strong>da</strong>mente para fiscalizar o agente público, no pertinente ao patrimônio públicoque lhe está afeto, enseja, através de meios prontos e eficazes, alcançar judicialmentea decretação de invali<strong>da</strong>de dos atos lesivos ao erário, obrigando os responsáveis aoressarcimento do <strong>da</strong>no causado.A deman<strong>da</strong>, contudo, deverá ser idônea para produzir os efeitos procurados, ouseja, uma decisão de mérito. Para isso há certas exigências, de cunho processual, queprecisam transparecer na petição inicial que necessita estar apta ao estabelecimento<strong>da</strong> relação processual. Destarte, a peça vestibular deve ser precisa quanto à indicaçãodo fato e os fun<strong>da</strong>mentos jurídicos do pedido; para a espécie, o ato cuja decretaçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 83


de invali<strong>da</strong>de postula, o vício que o contaminou e em que consistiu sua lesivi<strong>da</strong>de aopatrimônio público <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de indica<strong>da</strong>. Dessa forma, os fatos, antes <strong>da</strong> citação, devemestar devi<strong>da</strong>mente expostos, bem como os fun<strong>da</strong>mentos do pedido, para que os réuspossam, com base neles, oferecer a sua defesa.No caso em exame, a inicial não apontou o ato ilícito atribuído ao recorrente, ajustificar a sua permanência na presente ação, na forma do art. 282, III, do CPC.Com efeito, é ônus do autor <strong>da</strong> ação de improbi<strong>da</strong>de administrativa apresentar napeça vestibular a indicação precisa do fato e dos fun<strong>da</strong>mentos jurídicos <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>,ou seja, o ato cuja decretação de invali<strong>da</strong>de postula, o vício de ilegali<strong>da</strong>de e a sualesivi<strong>da</strong>de ao patrimônio público.No que concerne ao recorrente não se aponta, de forma concreta e objetiva, comoe em que condições teria praticado os atos de improbi<strong>da</strong>de que lhe são imputados,sobretudo considerando-se que o agravante não exerce função pública.Argumenta-se que, após a instrução, poderia o Parquet comprovar ditos fatos.In casu, a prova é exclusivamente documental e, no caso do agravante, a inicialencontra-se instruí<strong>da</strong> apenas em matéria de jornal, o que, com a devi<strong>da</strong> vênia, nãojustifica o ônus de figurar como réu em ação de improbi<strong>da</strong>de administrativa.Pelo contrário, os documentos que constam do processo corroboram a tese sustenta<strong>da</strong>pela defesa.A defesa do recorrente demonstra que a sua atuação nos fatos foi meramenteconsultiva, não tendo o condão de vincular a decisão do agente público, por apresentarcaráter opinativo. (FÁBIO MEDINA OSÓRIO, in Improbi<strong>da</strong>de Administrativa, 2ªedição, São Paulo, p.113)Por conseguinte, o recorrente é parte passiva ilegítima no feito, impondo-se a suaexclusão do processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC.2. Ademais, a Eg. Corte de Contas, acolhendo o pronunciamento do Parquet juntoàquele <strong>Tribunal</strong>, afastou o caráter ilícito de grande parte dos fatos noticiados na peçavestibular, o que, na jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e do Superior <strong>Tribunal</strong>de Justiça, impede o seu reexame na via judicial, a não ser quanto ao seu aspectoformal ou tisna de ilegali<strong>da</strong>de manifesta, o que não se verifica no caso em exame (REnº 55.821-PR, rel. Ministro Victor Nunes Leal, in RTJ 43/151; REsp nº 8.970-SP, rel.Ministro Gomes de Barros, in RJSTJ 30/378, respectivamente).Em julgado publicado na RSTJ, volume 30, pp.395/7, assinalou o eminente MinistroGomes de Barros, quando do julgamento do REsp nº 8.970/SP, verbis:‘III - Sustentam os recorrentes ser impossível a reapreciação judicial de atosadministrativos, cuja regulari<strong>da</strong>de foi atesta<strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas.Trazem, em socorro de sua tese, afirmação de que o Acórdão recorrido destoa <strong>da</strong>Jurisprudência tradicionalmente consagra<strong>da</strong> no Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.Como paradigma, citam o Acórdão relativo ao MS nº 7.280, do qual relator o saudosoMin. Henrique D’Ávila, resumido nesta ementa:‘TRIBUNAL DE CONTAS - Apuração de alcance dos responsáveis pelos dinheirospúblicos - Ato insuscetível de revisão perante a Justiça comum - Man<strong>da</strong>do de Segurança84R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


não conhecido.- Ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, o <strong>Tribunal</strong> deContas pratica ato insuscetível de revisão na via judicial a não ser quanto ao seu aspectoformal ou tisna de ilegali<strong>da</strong>de manifesta’ (fl. 3.881).Em seu relatório, o saudoso Ministro transcreveu o Parecer do então Procurador-Geral <strong>da</strong> República - o igualmente saudoso Ministro Carlos Medeiros Silva, in verbis:‘Conforme decidiu o Pretório Excelso, no Man<strong>da</strong>do de Segurança nº 6.960 (sessãode 31 de julho de 1959, decisão unânime, relator o Sr. Ministro Ribeiro <strong>da</strong> Costa), nãocabe man<strong>da</strong>do de segurança contra decisão do <strong>Tribunal</strong> de Contas que julgou contasde responsáveis por dinheiros públicos.Disse, então, o Sr. Min. Ribeiro <strong>da</strong> Costa: ‘a decisão sobre a toma<strong>da</strong> de contas degastos de dinheiros públicos, constituindo ato específico do <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União ex vi do disposto no artigo nº 77, II, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, é insuscetível deimpugnação pelo man<strong>da</strong>do de segurança, no concernente ao próprio mérito do alcanceapurado contra o responsável, de vez que não cabe concluir de plano, sobre a ilegali<strong>da</strong>dedesse ato, salvo se formalmente eivado de nuli<strong>da</strong>de substancial, o que, na espécie, nãoé objeto de controvérsia’ (fl. 3.968).No voto, com que conduziu o <strong>Tribunal</strong> Pleno, o Ministro Henrique D’Ávilaobservou:‘Na reali<strong>da</strong>de o <strong>Tribunal</strong> de Contas quando <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de contas dos responsáveispor dinheiros públicos, pratica ato insuscetível de impugnação na via judicial, a nãoser quanto ao seu aspecto formal ou ilegali<strong>da</strong>de manifesta.Na espécie o que o impetrante impugna é o mérito <strong>da</strong> ação do <strong>Tribunal</strong> de Contas.Entende ele que não existia o apontado, ou seria menor do que o apurado.O assunto, é evidente que não pode ser tratado através do processo expedito doman<strong>da</strong>do de segurança. Só pelos meios mais regulares é que poderá o impetrantedemonstrar o contrário, ou invali<strong>da</strong>r a apuração feita pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas União.’(Fls. 3.968/9)Como se percebe, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> não reconhece na decisão do <strong>Tribunal</strong>de Contas a força <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong> material.A Corte admite se reveja acórdão de <strong>Tribunal</strong> de Contas, ‘em seu aspecto formal’ou em caso de ‘ilegali<strong>da</strong>de manifesta’.Esta velha jurisprudência veio a ser confirma<strong>da</strong> em acórdão conduzido pelo saudosoMinistro Victor Nunes Leal, e reduzi<strong>da</strong> a ementa nestes termos:‘TRIBUNAL DE CONTAS. Julgamento <strong>da</strong>s contas de responsáveis por haverespúblicos. Competência exclusiva, salvo nuli<strong>da</strong>de por irregulari<strong>da</strong>de formal grave (MS6.960, 1959), ou manifesta ilegali<strong>da</strong>de aparente (MS 7.280, 1960)’ (RTJ 43/151).Merece destaque, neste aresto, a manifestação do saudoso Ministro Barros Monteiro,nestas palavras:‘A segun<strong>da</strong> questão, de serem preclusivas e insuscetíveis de apreciação peloJudiciário as decisões do <strong>Tribunal</strong> de Contas, eu acolho, com reservas, diante do preceitodo artigo 150, § 4º, <strong>da</strong> CF, que reproduziu o dispositivo <strong>da</strong> Constituição anterior, segundoo qual não se pode subtrair <strong>da</strong> apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão do direitoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 85


individual. Mas, feita essa ressalva, estou de pleno acordo em que não se pode chegara outra conclusão senão àquela do acórdão mencionado pelo eminente Ministro VictorNunes, do qual foi Relator o Ministro Henrique D’Ávila, e que, exprime o pensamentodeste <strong>Tribunal</strong>. As decisões do <strong>Tribunal</strong> de Contas não podem ser revistas pelo PoderJudiciário, a não ser quanto ao seu aspecto formal.’ (RTJ 43/157).Destes pronunciamentos resta clara uma constatação: é impossível desconstituir oato administrativo ungido pela aprovação do <strong>Tribunal</strong> de Contas, sem rescindir a decisãodeste colegiado. E para rescindi-la, é necessário que nela se apontem irregulari<strong>da</strong>desformais graves ou ilegali<strong>da</strong>des manifestas.’Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, a lição do saudoso Prof. Ruy Cirne Lima, em sua conceitua<strong>da</strong>obra Pareceres (Direito Público), Livraria Sulina Editora, 1963, Porto Alegre, pp.246/7,verbis:‘Tem, portanto, entre nós, o <strong>Tribunal</strong> de Contas, jurisdictio; falta-lhe, porém,competência para o judicium e, a fartiori, competência para dá-lo e cometê-lo a outrem,porque, estranha à sua função, naquele ou neste aspecto, a idéia de ação (em sentidomaterial). Certo, são, as decisões do <strong>Tribunal</strong> de Contas, terminativas, quando julga,ele, as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos (Const. Fed. Art. 77, II).Esse julgamento compete-lhe, porém, em função do ato político (F. GIESE, GRUND-GESETZ FÜR DIE BUNDESREPUBLIK DEUTSCHLAND, Frankfurt, a. M., 1955,p.190; F. GIESE, DIE VERFASSUNG DES DEUTSCHEN REICHES, Berlin, 1931,p.211) do Congresso Nacional, que julga as contas do Poder Executivo (Const. Fed.Art. 66, VIII). E como a competência do <strong>Tribunal</strong> de Contas, acerca do julgamento <strong>da</strong>scontas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos, somente lhe é atribuí<strong>da</strong> em86R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


função <strong>da</strong>quele ato político (RUY BARBOSA, COMENTÁRIOS, cit. T. VI, p.451;RUBEN ROSA, DIREITO E ADMINISTRAÇÃO, Rio de Janeiro, 1940, p.25 e 26),as decisões do <strong>Tribunal</strong> de Contas, nessa matéria, não poderiam, por isso mesmo, ficarsujeitas a reexame judiciário. O julgamento político exclui o pronunciamento judicialulterior, nos mesmos termos em que o julgado criminal exclui a ação civil, ‘...não sepoderá...questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o autor...’ (art.1525,Cód. Civil). De outro lado, o julgamento político tem precedência necessária sobreo pronunciamento judiciário (Cf. AURELIANO LEAL, TEORIA E PRÁTICA DACONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, t. I, Rio de Janeiro, 1925, p.493). Emconseqüência, nem antes nem depois <strong>da</strong>s decisões do <strong>Tribunal</strong> de Contas, enquanto àscontas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos, toca, aos Juízes e Tribunaiscomuns, pronunciar-se sobre o fato sujeito, ou quem lhe seja o autor. A eficácia exclusivae terminativa <strong>da</strong>s decisões do <strong>Tribunal</strong> de Contas, nessa matéria, não é mais, no entanto,do que uma aplicação do princípio de independência e harmonia dos poderes políticos(Const. Fed., art.36).’3. Agravo de instrumento conhecido e provido.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide a TerceiraTurma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimentoao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficamfazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 3 de dezembro de 2002.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Relator”.Por esses motivos, divergindo em parte <strong>da</strong> ilustre Relatora, conheçodos apelos dos réus e <strong>da</strong> respectiva remessa oficial e dou-lhes provimento,julgando improcedente a ação, prejudicado o exame do agravo retido.É o meu voto.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.01.000090-8/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar CapelettiApelante: Caixa Econômica <strong>Federal</strong> - CEFAdvogados: Drs. Darli Barbosa e outrosApelante: Regina Helena Soriani CiappinaAdvogados: Drs. João Tavares de Lima Filho e outrosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 87


EMENTACivil. SFH. Aplicabili<strong>da</strong>de do CDC aos contratos de mútuo.Possibili<strong>da</strong>de. Repetição do indébito em dobro. Art. 42, parágrafo único,do CDC.1. A instituição bancária que concede crédito é fornecedora de umproduto consumível pelo mutuário, este na condição de destinatário finalse vier a utilizá-lo como utili<strong>da</strong>de pessoal. Aplicabili<strong>da</strong>de, pois, do CDCaos contratos de mútuo hipotecário.2. Comprova<strong>da</strong> a cobrança indevi<strong>da</strong> de valores pela mutuante, tem omutuário o direito à repetição do indébito em dobro. (art. 42, parágrafoúnico, CDC)ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Quarta Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao apelo <strong>da</strong> CEF e, por maioria, vencidoo Des. Chaves de Athayde, <strong>da</strong>r provimento ao recurso adesivo <strong>da</strong> parteautora, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficamfazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 30 de abril de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti: Decidindo ação de ritoordinário ajuiza<strong>da</strong> por Regina Helena Soriani Ciappina contra a CEF,na qual a deman<strong>da</strong>nte objetiva repetição do indébito com referência acontrato de mútuo regido pelo SFH, o juiz de 1 o grau julgou parcialmenteprocedente o pedido para condenar a deman<strong>da</strong><strong>da</strong> a restituir à deman<strong>da</strong>nteo valor de R$ 2.917,89, devi<strong>da</strong>mente corrigido. Em face <strong>da</strong> sucumbência,condenou a deman<strong>da</strong><strong>da</strong> ao pagamento <strong>da</strong>s custas e honorários, estesfixados em 15% sobre o valor atualizado <strong>da</strong> causa.Inconforma<strong>da</strong>s, as partes recorreram.Apela a CEF, alegando, em síntese, “Quando <strong>da</strong> depuração docontrato para fins de fechamento e acerto junto ao Sistema (SFH/FGTS),constatou-se que tinha havido um equívoco, pois a autora não fazia jus88 ao desconto que lhe foi deferido”. R. Trib. Diz Reg. Fed. que, <strong>4ª</strong> Reg. na Porto seqüência, Alegre, a. 14, n. detectado 49, p. 53-432, 2003 o


erro, a parte fora convoca<strong>da</strong> a recolher a diferença, o que prontamentefez. Refere que a autora, pois, reconheceu o erro e recolheu a diferença,firmando, inclusive, “termo concor<strong>da</strong>ndo com a liqui<strong>da</strong>ção do valorpelo valor correto”. Defende que a Caixa, como agente do SFH, nãotem competência legal para conceder descontos ou diminuição do valordevido. A final, pede que seja <strong>da</strong>do provimento ao recurso.Adesivamente, pugna a deman<strong>da</strong>nte pela aplicação do Código deDefesa do Consumidor, incidindo-se, no caso, o teor do que prevê o art.42, parágrafo único – restituição em dobro do valor indevi<strong>da</strong>mentecobrado.Contra-arrazoados os recursos, os autos vieram a esta Corte.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti: Relembrando acronologia dos fatos, a deman<strong>da</strong>nte pleiteia a repetição do indébito, emdobro (parágrafo único, art. 42, CDC), alegando, em síntese, que receberacomunicação <strong>da</strong> CEF sobre a evolução <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> contraí<strong>da</strong> (contrato demútuo hipotecário pelo SFH), <strong>da</strong>ndo conta de que poderia, medianteaplicação de um desconto, sal<strong>da</strong>r o respectivo débito. Procedera aopagamento e, após, fora cientifica<strong>da</strong> pela CEF <strong>da</strong> ocorrência de um erroe que, na reali<strong>da</strong>de, não teria jus ao desconto. A deman<strong>da</strong>nte efetuou opagamento <strong>da</strong> diferença junto à CEF e, agora, pugna pela repetição doindébito.I – Aplicabili<strong>da</strong>de do CDC no SFH:A entra<strong>da</strong> no mundo jurídico do Código de Defesa do Consumidor,em setembro de 1990, trouxe ao país um ordenamento moderno no quediz com o direito obrigacional. Ali, houve disciplina específica acerca dosdireitos dos consumidores (e equiparados) em relação aos fornecedoresde produtos e serviços.O regramento prevê uma série de direitos aos consumidores, pólo maisfraco na relação de consumo, trazendo, em conseqüência, uma série dedeveres aos fornecedores de produtos e serviços, encarado como o sujeitomais forte <strong>da</strong> relação. Talvez em virtude desses direitos tenham havidoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 89


muitas considerações, na doutrina e jurisprudência, acerca do alcance<strong>da</strong>s regras e princípios <strong>da</strong> lei consumerista.Com pertinência ao alcance <strong>da</strong>s regras às instituições bancárias, oart. 3 o , § 2º, do CDC, não deixa a mínima dúvi<strong>da</strong> quando disciplina asubmissão <strong>da</strong>quelas como prestadoras de serviço. No mesmo sentido,vem decidindo a Corte Superior: CC nº 29.088/SP, 2 a Seção, RelatorMinistroWaldemar Zveiter, DJU 13.11.2000, p. 130, unânime.O problema ganha outros contornos, to<strong>da</strong>via, quando se implementadiscussão com relação ao produto fornecido pelas instituições bancárias,qual seja, o crédito.Nelson Nery Junior (In: Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.5.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 372) preleciona que:“O aspecto central <strong>da</strong> problemática <strong>da</strong> consideração <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des bancárias comosendo relações jurídicas de consumo reside na finali<strong>da</strong>de dos contratos realizadoscom os bancos. Havendo a outorga do dinheiro ou do crédito para que o devedor outilize como destinatário final, há a relação de consumo que enseja a aplicação dosdispositivos do CDC. Caso o devedor tome dinheiro ou crédito emprestado do bancopara repassá-lo, não será destinatário final e portanto não há que se falar em relaçãode consumo. Como as regras normais de experiência nos dão conta de que a pessoafísica que empresta dinheiro ou toma crédito de banco o faz para sua utilização pessoal,como destinatário final, existe aqui uma presunção hominis, juris tantum, de que setrata de relação de consumo, quer dizer, de que o dinheiro será destinado ao consumo”.A partir disso, entendo que a interpretação acerta<strong>da</strong> que se deva <strong>da</strong>rà discussão leva a um direcionamento no sentido de que a instituiçãobancária que concede crédito é fornecedora de um produto consumívelpelo mutuário, este na condição de destinatário final se vier a utilizálocomo utili<strong>da</strong>de pessoal. Logo, in casu, havendo certeza de que ocrédito fora para utilização <strong>da</strong> compra de bem pessoal (utili<strong>da</strong>de pessoal),não há como não enquadrar a instituição bancária como fornecedor deproduto (no caso, crédito), evidenciado-se, em conseqüência, que osprincípios que norteiam o CDC devem ser aplicados nos contratos demútuo hipotecário.II – Direito à repetição do indébito:A prova demonstra que a parte autora, efetivamente, receberacomunicação <strong>da</strong> mutuante de que, caso providenciasse na liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>dívi<strong>da</strong>, receberia desconto (fl. 15); ademais, o doc. <strong>da</strong> fl. 16 não deixa amínima dúvi<strong>da</strong> sequer de que a mutuante recebera valores <strong>da</strong> mutuária90R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


para que a dívi<strong>da</strong> fosse liqui<strong>da</strong><strong>da</strong> (há expressa referência no documentode que o recibo refere-se à liqui<strong>da</strong>ção antecipa<strong>da</strong> do financiamento, comdireito a desconto). Contra tais documentos, a Caixa não se insurgiu.Ou seja: a partir do recebimento <strong>da</strong> comunicação e do pagamentoefetuado pela mutuária, esta acreditou que, efetivamente, liqui<strong>da</strong>ra seudébito junto à Caixa. Acreditou porque a Caixa, ao receber os valoresrespectivos, criou tais expectativas à mutuária (não poderá se dizer, pois,que esta teria tido falsa noção do negócio).Com pertinência a tal aspecto, vê-se que a Caixa, assimprocedendo, fraudou expectativas cria<strong>da</strong>s por ato exclusivamenteseu, situação a evidenciar ofensa à boa-fé <strong>da</strong> mutuária; aliás, nessemesmo contexto, verifica-se ofensa à boa-fé objetiva a circunstânciade a Caixa, ao verificar seu erro, comunicar à mutuária que, emver<strong>da</strong>de, não teria ela, ao efetivar o pagamento, liqui<strong>da</strong>do seudébito, isso porque tal situação caracteriza-se como condutaincompatível com os deveres de leal<strong>da</strong>de e cooperação. Não hácomo aceitar o fato de a Caixa receber os valores e <strong>da</strong>r a quitaçãototal e, depois, cobrar <strong>da</strong> mutuante diferenças, ao argumento deque teria havido erro e o desconto não poderia ter sido efetivado.Atualmente, o contrato é interpretado de uma forma aberta, noreal sentido de que, para efetivação e concretude dos deveres anexosou secundários, a relação jurídica contratual deve ser encara<strong>da</strong> comouma “totali<strong>da</strong>de” e o respectivo vínculo jurídico que une os partícipescomo uma “ordem de cooperação”; credor e devedor, pois, deixamde ser antagonistas para tornarem-se mútuos colaboradores, visandoao efetivo adimplemento <strong>da</strong> obrigação, tendo-se em mente a visão <strong>da</strong>totali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> obrigação como um processo (Clóvis do Couto e Silva. Aobrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 6: “Comototali<strong>da</strong>de, a relação obrigacional é um sistema de processos”); ambasas partes devem atuar com leal<strong>da</strong>de e cooperação, comprometendo-se,mutuamente, à garantia <strong>da</strong> palavra empenha<strong>da</strong>, respeitando as respectivasexpectativas cria<strong>da</strong>s de modo a preservar o comportamento ético quese pauta e se objetiva para o fim de preservar a segurança jurídica <strong>da</strong>srelações negociais.Por isso, concluo que não se deve <strong>da</strong>r nenhuma efetivi<strong>da</strong>de aojulgamento o fato de a mutuária, ao receber o comunicado <strong>da</strong> CEF de que,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 91


em reali<strong>da</strong>de, não teria quitado seu débito e que teria um saldo, ain<strong>da</strong>, apagar, ter vindo, espontaneamente, a efetivar esse saldo junto à CEF. Issoporque a abusivi<strong>da</strong>de do ato <strong>da</strong> mutuante evidencia-se escancara<strong>da</strong>, e amutuária, como vulnerável na relação que é, viu-se compeli<strong>da</strong> a pagarsob pena de não efetivar-se a liberação <strong>da</strong> hipoteca.Em defesa, ain<strong>da</strong>, <strong>da</strong> tese soma-se o fato de que, efetiva<strong>da</strong> a ofertapela CEF, esta ficou obriga<strong>da</strong> em face do contrato celebrado, conformeprevê o disposto no art. 30 do CDC.III – Aplicação do parágrafo único do art. 42 do CDC:A parte autora pugna que seja aplicado ao caso concreto o dispostono parágrafo único do art. 42 do CDC, a qual prevê que “O consumidorcobrado em quantia indevi<strong>da</strong> tem direito à repetição do indébito, porvalor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correçãomonetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.Analisando a prova trazi<strong>da</strong>, bem como a manifestação <strong>da</strong> CEFfeita nas razões recursais, não há dúvi<strong>da</strong>s de que, efetivamente,ocorrera erro na avaliação <strong>da</strong> mutuante que, após ter comunicado amutuária sobre o desconto e recebido valores a título de liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>dívi<strong>da</strong>, notificou esta, posteriormente, de que não havia, ain<strong>da</strong>, sidoliqui<strong>da</strong>do seu débito e que restava saldo a pagar. Tal circunstânciaé confessa<strong>da</strong> pela mutuante.Por isso, tenho por perfeitamente viável o pagamento em dobro dovalor pago em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais,até porque não desincumbira-se, a CEF, do ônus de provar a “hipótesede engano justificável”.Cabe referir o entendimento de Antônio Herman de Vasconcellos eBenjamin, em comentário ao parágrafo único do artigo 42 do CDC,mais precisamente sobre o que vem a ser “engano justificável”, na obraCódigo Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autoresdo anteprojeto. 7. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária,2001, p. 349:“O engano é justificável exatamente quando não decorre de dolo ou de culpa. Éaquele que, não obstante to<strong>da</strong>s as cautelas razoáveis exerci<strong>da</strong>s pelo fornecedor-credor,manifesta-se.‘A prova <strong>da</strong> justificabili<strong>da</strong>de do engano, na medi<strong>da</strong> em que é matéria de defesa,92R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


compete ao fornecedor. O consumidor, ao cobrar o que pagou a mais e o valor <strong>da</strong>sanção, prova apenas que o seu pagamento foi indevido e teve por base uma cobrançadesacerta<strong>da</strong> do credor.”IV – Dispositivo:Em face do exposto, nego provimento ao apelo <strong>da</strong> CEF e douprovimento ao recurso adesivo <strong>da</strong> autora para, declarando a aplicaçãodo CDC no contrato entabulado pelas partes, condenar a mutuanteao pagamento em dobro do valor pago em excesso, na forma <strong>da</strong>fun<strong>da</strong>mentação supra.É como voto.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.08.003515-8/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar CapelettiApelante: Caixa Econômica <strong>Federal</strong> - CEFAdvogados: Drs. Luiz Alberto Gonçalves e outrosApelados: Leila Maria Martins Kuhlmann e outroAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Leila Maria Martins KuhlmannEMENTAR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 93


Civil. SFH. Aplicabili<strong>da</strong>de do CDC. Dever de assistência: princípio<strong>da</strong> boa-fé objetiva. Ocorrência de saldo residual em favor <strong>da</strong> credora:possibili<strong>da</strong>de de revisão. 1. Conquanto admiti<strong>da</strong> a aplicabili<strong>da</strong>de doCDC nos contratos de SFH, a respectiva incidência não se faz deforma automática; impõe-se a demonstração de que forma teria opactuado incorrido em ilegali<strong>da</strong>de, abusivi<strong>da</strong>de, onerosi<strong>da</strong>de excessiva,desvantagem exagera<strong>da</strong>, nuli<strong>da</strong>de de cláusula contratual, ofensa aosprincípios <strong>da</strong> transparência e <strong>da</strong> boa-fé etc. Precedente do EgrégioSTJ. Não se verificando nenhuma prática abusiva por parte do agentefinanceiro, inexiste utili<strong>da</strong>de prática a justificar a incidência <strong>da</strong>s regrasdo CDC.2. O dever de assistência, que decorre do princípio <strong>da</strong> boa-fé objetiva,é exigido de ambos os contratantes visando à garantia <strong>da</strong> ética à relaçãoobrigacional a fim de atingir o objetivo em comum, ou seja, o corretoadimplemento <strong>da</strong> obrigação, segundo Clóvis do Couto e Silva, in Aobrigação como processo. Rio de Janeiro: Bushatsky, 1976, p.30.3. Assim como o mutuário pode discutir cláusulas que não estão sendoobserva<strong>da</strong>s pela mutuante, esta também poderá revisar o contrato sob omesmo fun<strong>da</strong>mento.4. Situação em que evidenciou-se a existência de saldo residual emfavor <strong>da</strong> credora a partir do momento em que apreciara transferência dofinanciamento a terceiro que comprara, mediante contrato particular, oimóvel dos mutuários.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Quarta Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento à apelação, nos termos do relatório, votoe notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 18 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti: Decidindo açãodeclaratória ajuiza<strong>da</strong> contra a CEF, na qual os deman<strong>da</strong>ntes defendem94R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


a inexistência de débito, o juiz de 1 o grau julgou procedente a ação aofun<strong>da</strong>mento de que “se houve a amortização do saldo devedor e o contratose findou, e na ausência de resíduo, ain<strong>da</strong> que a prestação não tenhaseguido o reajuste pelo índice que a mutuária recebeu de aumento emseu salário, foi suficiente para quitar o débito.” Em face <strong>da</strong> sucumbência,condenou a CEF, ain<strong>da</strong>, ao reembolso <strong>da</strong>s custas processuais adianta<strong>da</strong>se no pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre ovalor atribuído à causa.Inconforma<strong>da</strong>, a CEF apelou. Sustenta, em síntese: a) a inaplicabili<strong>da</strong>dedo CDC; b) a obrigatorie<strong>da</strong>de do pagamento residual, referindo que “Pararepassar o contrato de mútuo adiante, se faz necessária renegociaçãocom a apelante para adequação do contrato ao novo mutuário. Comoeste procedimento não foi adotado, o contrato continuou a ser executadoconforme o perfil dos ex-mutuários”.Com contra-razões, os autos subiram a esta Corte.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti: Antes de adentrar naanálise do recurso, convém trazer à colação breve análise dos fatos:Os autores pactuaram com a CEF contrato de mútuo com obrigaçõese quitação e constituição de nova hipoteca em janeiro de 1995 paraaquisição de imóvel.Em setembro de 1999, os autores alienaram o bem, mediante “contratode gaveta” com Anderson Trancoso Gager.A partir disso, para que restasse transferido o imóvel a Anderson,a CEF exigiu que os deman<strong>da</strong>ntes efetuassem o pagamento de saldoresidual, cujo valor importava, em agosto de 2001, em R$ 4.058,66(conforme doc. <strong>da</strong> fl. 28 dos autos). Tal valor verificou-se a partir de quea CEF efetuou o ajuste no encargo mensal, decorrente <strong>da</strong> regularização<strong>da</strong> categoria profissional, evoluído “indevi<strong>da</strong>mente desde a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>assinatura do contrato em 31.01.95”. (fl. 28)Os autores, por isso, ajuizaram ação declaratória de inexistência dedébito contra a CEF, alegando, em síntese, que a diferença <strong>da</strong>s prestaçõesdecorrentes de regularização <strong>da</strong> Categoria Profissional, evoluí<strong>da</strong> desde a<strong>da</strong>ta <strong>da</strong> assinatura do contrato em 31 de janeiro de 1995, só foi detecta<strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 95


pela Caixa Econômica <strong>Federal</strong> apenas cinco anos mais tarde, bem comoser flagrante a existência de vários vícios na atitude <strong>da</strong> ré. Defendeu osprincípios atinentes ao Direito Contratual, bem como tratar-se a hipótesede contrato de adesão, nos termos em que definido pelo art. 54 do CDC.A CEF contestou defendendo a inaplicabili<strong>da</strong>de do CDC. Sustenta quea categoria profissional pactua<strong>da</strong> é “empregados do comércio” e que nãoé por ela monitora<strong>da</strong>. Diz que, quando procedera ao acerto dos índicesconforme o monitoramento, o sistema aplicou um índice que não havia,anteriormente sido adotado, o que gerou erro na evolução <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>.O juiz julgou procedente o pedido adotando o CDC como fun<strong>da</strong>mento,partindo <strong>da</strong>s seguintes premissas: a) que as prestações foram to<strong>da</strong>s pagase que em nenhum momento o agente financeiro cogitou a hipótese decobrança a menor e existência de débito anterior; b) não pode o juízoadmitir, de forma unilateral, ao final do contrato, que a ré apresentevalores remanescentes.Daí o apelo.Dito isso, passo a fun<strong>da</strong>mentar e manifestar meu voto.Com relação à aplicabili<strong>da</strong>de do CDC, cumpre referir que o ColendoSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, em recente decisão (CC nº 29.088/SP, 2 aSeção, Relator Ministro Waldemar Zveiter, DJU 13.11.2000, p. 130,unânime), pronunciou-se pela submissão <strong>da</strong>s instituições financeiras,como prestadoras de serviço especialmente contempla<strong>da</strong>s no art. 3º, §2º, às disposições do CDC.A incidência do CDC não se faz mediante argumentação simplese genérica; impõe-se a demonstração de que forma teria o pactuadoincorrido em ilegali<strong>da</strong>de, abusivi<strong>da</strong>de, onerosi<strong>da</strong>de excessiva,desvantagem exagera<strong>da</strong>, nuli<strong>da</strong>de de cláusula contratual, ofensa aosprincípios <strong>da</strong> transparência e <strong>da</strong> boa-fé etc. No mesmo sentido: REsp417644/RS, 3 a Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 30.09.2002,p. 258, RNDJ 36/153, unânime.To<strong>da</strong>via, a não se verificar nenhuma prática abusiva por parte doagente financeiro, inexiste utili<strong>da</strong>de prática a justificar a incidência <strong>da</strong>sregras insertas no CDC.A análise, pois, <strong>da</strong> controvérsia deve considerar essa premissa.O dever de assistência, que decorre do princípio <strong>da</strong> boa-fé objetiva, éexigido de ambos os contratantes; visando à garantia <strong>da</strong> ética à relação96R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


obrigacional (tanto ao credor como ao devedor), fixa-se uma situaçãode mútua assistência a fim de atingir o objetivo em comum, ou seja, ocorreto adimplemento <strong>da</strong> obrigação, segundo Clóvis do Couto e Silva,in A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Bushatsky, 1976, p.30.O correto adimplemento <strong>da</strong> obrigação é situação que deve encontraratenção a ambos os contratantes. Assim como o mutuário pode discutircláusulas que não estão sendo observa<strong>da</strong>s pela mutuante, esta tambémpoderá revisar o contrato sob o mesmo fun<strong>da</strong>mento. Nisso há pari<strong>da</strong>derazoável, e o reconhecimento <strong>da</strong> vulnerabili<strong>da</strong>de aos mutuários em na<strong>da</strong>acrescenta à respectiva relação jurídica, uma vez que não se encontram,no ponto, em posições antagônicas, de desequilíbrio.A conclusão a que se chega a partir disso é que é equivoca<strong>da</strong> a premissaque fun<strong>da</strong>mentou o pedido e que diz com o fato de que somente após 5anos fora detectado o saldo residual pela CEF, isso porque, a contrariosensu, na<strong>da</strong> impediria ao mutuário que implementasse discussão acercade incumprimento pela credora de cláusulas contratuais e, até mesmo,eventual adoção de prática abusiva pela mutuante, como aliás tem-sevisto em centenas de processos que chegam a esta Corte de Justiça.Ademais, não se verifica “a existência de vários vícios na atitude <strong>da</strong>ré”, como alegam os autores na inicial.Aliás, a petição inicial carece ao delimitar a discussão quanto àinexistência de débito, uma vez que, apenas, tece argumentações emtese. Não há qualquer direcionamento quanto à circunstância de afastara presunção de que haja, efetivamente, saldo residual. Não há prova dofato constitutivo do direito dos deman<strong>da</strong>ntes. (art. 333, I, CPC)A CEF, ao contrário, indicou, de forma eficaz, por qual motivo se derao saldo residual e tal justificativa convence-me sobremaneira.Ao referir, no apelo, que “Para repassar o contrato de mútuo adiante,se faz necessária renegociação com a apelante para adequação docontrato ao novo mutuário. Como este procedimento não foi adotado, ocontrato continuou a ser executado conforme o perfil dos ex-mutuários”,leva necessariamente o julgador a uma análise de maior profundi<strong>da</strong>de àmatéria fática aqui discuti<strong>da</strong>.Na ver<strong>da</strong>de, quis a CEF dizer que não poderia transferir o contratode mútuo a Anderson Trancoso Gager, pois havia valor residual nosencargos mensais efetuados pelos deman<strong>da</strong>ntes desde janeiro de 1995.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 97


Houve indicação pormenoriza<strong>da</strong> de que tal resíduo sucedeu a partir domomento em que o encargo mensal não fora adequa<strong>da</strong>mente corrigidopela CEF, isso porque a categoria profissional que constou do pacto nãoera pela empresa pública monitora<strong>da</strong>. A partir disso, deviam os devedorese a credora – a fim de que mutuamente se auxiliassem ao adimplemento <strong>da</strong>obrigação – de ter-se orientado de acordo com o pactuado: os devedoresindicando o efetivo reajustamento dos encargos mensais de acordo com arespectiva evolução salarial; a credora aplicando aos encargos os mesmosreajustamentos que corrigem o saldo devedor, ou, se ao contrário preferir,proceder, posteriormente, à revisão do contrato, direito que tambémassiste aos devedores.Outra situação não menos importante diz com a situação de o contratode mútuo já ter sido liqui<strong>da</strong>do como referiu o juiz na sentença.A premissa é equivoca<strong>da</strong>!O contrato pactuado, como, aliás, referiu a CEF no apelo (“Para passaro contrato de mútuo adiante...”) não chegou ao seu final; aliás, está bemlonge disso acontecer.Conforme se vê do contrato de mútuo, juntado por cópia às fls. 13/24,o prazo de amortização normal é de 240 meses, com prorrogação de 108meses. Ora, tendo o primeiro encargo vencido em 28.02.95, é evidenteque há saldo devedor em favor <strong>da</strong> credora, porque apenas decorreram 8anos dos 20 de prazo que se dispõe para resgate do saldo devedor. Nãohá nos autos qualquer indicação de que a dívi<strong>da</strong> tenha sido paga, nãohavendo que se presumir, pois, que tenha ocorrido esse pagamento.Em face disso, voto no sentido <strong>da</strong>r provimento ao apelo para julgarimprocedente a ação, ressalvando aos devedores a efetiva discussãono que diz com o respectivo quantum residual. Invertidos os ônussucumbenciais.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.10.003554-9/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzApelante: União <strong>Federal</strong>Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos98R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Apela<strong>da</strong>: Mirian de Lourdes San Martin RochaAdvogado: Dr. Cilomar Martins de OliveiraRemetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> de Pelotas/RSEMENTAConstitucional e Administrativo. Responsabili<strong>da</strong>de civil <strong>da</strong> União.Concurso público. Exigência de i<strong>da</strong>de mínima. Ilegali<strong>da</strong>de reconheci<strong>da</strong>por decisão judicial. Indenização. Descabimento.1. Sendo o direito à remuneração conseqüência do efetivo exercício<strong>da</strong> função, visto serem os vencimentos inerentes ao cargo, o direito à suapercepção somente se verifica após o efetivo exercício.Quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.538-MT, deliberouo Eg. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, verbis:“EMENTA: - FUNCIONALISMO. REMUNERAÇÃO RETROATIVAIMPOSSIBILIDADE DADA A INEXISTÊNCIA DE EFETIVO EXERCÍCIO.I- A remuneração de funcionário é um direito que se corporifica tão-somente como efetivo exercício do cargo para o qual fora nomeado.II – Simples reconhecimento ao direito de ser empossado não tem o condão degerar obrigação remuneratória para o estado se, efetivamente, inexistiu labore facto.III- Recurso parcialmente provido. (in Revista LEX-Jurisprudência do STJ, v. 17,p. 104)Em seu voto, disse o eminente Relator, verbis:“(...) Não há se conceber remuneração pelo efetivo exercício de função, se, sequer oimpetrante houvera sido empossado. O efetivo exercício é uma conseqüência <strong>da</strong> posse.Aliás, a investidura em cargo público é um ato complexo que tripartindo-se, assimse apresenta: a) nomeação; b) posse; c) exercício.Após, e somente então, concluírem-se as três etapas, é que existiria o direito doservidor público à remuneração, que na<strong>da</strong> mais é que a contraparti<strong>da</strong> pelos serviçosprestados.Sem cabimento, portanto, a obrigação de se remunerar pessoa sem existência dovínculo funcional.” (In Revista LEX-jurisprudência do STJ, vol. 17, p.109)O ministro Paulo Brossard, em parecer quando exercia o cargo deConsultor-Geral <strong>da</strong> República, transcreve aresto proferido pelo STJ,quando do julgamento do RE nº 72.733, julgado em 30.11.73, versandoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 99


idêntico caso, verbis:“Indenização. Código Civil. Art. 159. Candi<strong>da</strong>to que, tendo reconhecido seu direitoà nomeação, em man<strong>da</strong>do de segurança, teve os direitos políticos cassados e nãotomou posse no cargo. Pedido de pagamento de despesas de viagem e dos honoráriosde advogado, na impetração <strong>da</strong> segurança. Inadmissibili<strong>da</strong>de, porque não devidosos honorários e desnecessárias as despesas. Pedido de pagamento de vencimentos.Vencimentos não devidos, à falta de posse e exercício. Recurso não conhecido”. (InPareceres <strong>da</strong> Consultoria Geral <strong>da</strong> República, Imprensa Nacional, Brasília, 1988, v.96, p. 139)Em seu voto, salientou o saudoso Ministro Rodrigues Alckmin, verbis:“O só fato de ter o recorrente reconhecido o direito à nomeação não lhe <strong>da</strong>va ode perceber vencimentos ou computar tempo de serviço. Era de mister, ain<strong>da</strong> queà nomeação se seguisse a posse e o exercício (e é de notar que só nomeação nãoestabelece, necessariamente, o direito à posse), porque os vencimentos constituemcontraprestação decorrente do exercício do cargo.” (in op. cit., V. 96, p. 139)Outro não é o entendimento <strong>da</strong> doutrina: Ruy Cirne Lima, in Princípiosde Direito Administrativo, 6ª ed., Revista dos Tribunais, 1987, p. 169,nº 12; Themístocles Brandão Cavalcanti, in “O Funcionário Públicoe seu Regime Jurídico” (Comentários ao Estatuto dos FuncionáriosPúblicos), Editora Borsoi, Rio, 1958, t. II, p. 18; J. Guimarães Menegale,in o Estatuto dos Funcionários, Forense, 1962, v. I, p. 358, nº 306; HelyLopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 1<strong>4ª</strong> ed. Rev. dosTribunais, 1989, p. 396.Dessa forma, in casu, não se encontra configura<strong>da</strong> a responsabili<strong>da</strong>deobjetiva <strong>da</strong> União, nos termos do art. 37, § 6º, <strong>da</strong> CF/88, pois a autorasomente teve reconhecido o seu direito a participar <strong>da</strong> 2ª etapa doconcurso em 18.03.98, sendo, posteriormente, aprova<strong>da</strong> no certamee nomea<strong>da</strong>. Por conseguinte, somente a partir do exercício efetivo <strong>da</strong>função faz jus aos vencimentos, que constituem, como já demonstrado,contraprestação decorrente do exercício do cargo.Ademais, enquanto permaneceu em situação sub judice não poderiaa autora participar do concurso, em igual<strong>da</strong>de de condições com osdemais candi<strong>da</strong>tos que preencheram os requisitos do edital, tendo aAdministração de aguar<strong>da</strong>r o desfecho do processo judicial, na formado art. 37, II, <strong>da</strong> CF/88.100R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Ora, a autora participou <strong>da</strong> 2ª etapa do concurso por força <strong>da</strong> decisãojudicial, e, uma vez aprova<strong>da</strong>, foi nomea<strong>da</strong>, não se configurando o atoilícito a gerar direito à indenização.A respeito, leciona Renato Alessi, in La Responsabilità Della PubblicaAmministrazione, Giuffrè – Editore, Milano, 1951, pp. 299/300, verbis:“Non se potrà perciò, di regola, farsi questione di violazione di diritti soggettivinel caso:a) di illegittima nomina di elementi estranei nel posto superiore resosi vacante,ancorchè gli aspiranti alla promozione abbiano un legittimo interesse ad impugnareil provvedimento al giudice amnistrativo;b) di illegittimo mutamento di organici ovvero di condizioni richieste per lapromozionec) di illegittima esclusione di candi<strong>da</strong>ti <strong>da</strong> esami o scrutini predisposti per lapromozione;d) de illegittimità formale e sostanziale nel procedimento seguito nella valutazionedel merito in vista della promozione.In tutti questi casi interessati hanno evidentemente la possibilità di reagire, e forseben efficacemente, contro il provvedimento illegittimo lesivo del loro interesse medianteil ricorso al giudice amnistrativo, ma neppure dopo l’eventuale annullamento <strong>da</strong>parte di quest’ultimo del provvedimento impugnato, può ritenersi competere ad essiun’azione di <strong>da</strong>nni, in quanto in nessuno dei casi passati in rassegna si può vedere lavalorazione do diritto vero e proprio spettante all’impiegato: in particolare non deldiritto alla promozzione, che non sussiteva nè prima del l’emanazione del provvedimentoillegittimo, nè dopo l’annullamento dello stesso, in quanto che la promozione – sia primadopo – era e rimane pur sempre subordinata alla valutazione discrizionale del meritodell’impiegato. Ammettere una risarcibilità del <strong>da</strong>nno (commisurato alla differenza distipendio nel periodo durante il quale è stata ritar<strong>da</strong>ta la promozione effetiva a motivodel provvedimento stesso o addrittura dopo l’eventuale promozione successivamenteconseguita, significa ammettere una rissarcibilità, per noi inammissibile, di sempliciinteressi legittimi e quindi sovvertire il fon<strong>da</strong>mento dell’istituto della responsabilità,fon<strong>da</strong>mento che, come sappianmo, anche nel diritto pubblico è <strong>da</strong> risercarci nellaviolazione di un diritto soggettivo. Mentre, ripeto, nei casi esaminati un vero e propriodiritto alla promozione non ha mai avuto vita – nè pure come semplice diritto affievolito– onde in sostanza si verrebbe a rissarcire la semplice lesione di un interesse.”2. Provimento <strong>da</strong> apelação e <strong>da</strong> remessa oficial.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Terceira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento à apelação e à remessa oficial, nos termosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 101


do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 27 de maio de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Ar. sentença recorri<strong>da</strong>, às fls. 294/7, bem esclarece a controvérsia, verbis:“MIRIAN DE LOURDES SAN MARTIN ROCHA aforou a presente ação ordináriaem face <strong>da</strong> UNIÃO FEDERAL, com o objetivo de obter a condenação <strong>da</strong> Ré Uniãoao pagamento de indenização por <strong>da</strong>nos materiais e morais, bem como ao cômputo dedeterminado período para todos os efeitos legais funcionais, em decorrência <strong>da</strong> ilegalexigência de i<strong>da</strong>de mínima para participação em concurso público, ao final reconheci<strong>da</strong>por decisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado.Aduziu que se inscreveu para o concurso de Técnico do Tesouro Nacional (TTN),conforme Edital de nº 006, de 25.09.89, que impunha i<strong>da</strong>de mínima de 35 anos paraa participação no certame. Destacou que à época <strong>da</strong> inscrição já contava com 36 anosde i<strong>da</strong>de. Informou que impetrou man<strong>da</strong>do de segurança objetivando participar doconcurso, tendo obtido medi<strong>da</strong> liminar que possibilitou sua participação na lª fase.Disse que a liminar foi cassa<strong>da</strong>, impedindo-a de participar <strong>da</strong> 2ª fase do concurso.Acrescentou ter apelado <strong>da</strong> decisão para o Egrégio TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, tendo o recursosido provido em 1997. Frisou que, após o trânsito em julgado, solicitou sua inclusãona 2ª fase do concurso, em programa de formação, no qual restou aprova<strong>da</strong>. Ressaltouque o resultado foi homologado através do Edital nº 39, de 05.04.98. Defendeu odireito à indenização pelo período não trabalhado em decorrência direta <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>deperpetra<strong>da</strong> pela Administração. Salientou que a indenização pleitea<strong>da</strong> teria como basede cálculo os valores correspondentes às remunerações que receberia se houvessetrabalhado. Sustentou ter o direito de ver computado para fins de aposentadoria o períodocompreendido entre a <strong>da</strong>ta de nomeação e posse dos demais candi<strong>da</strong>tos aprovados(12.04.91) e o dia imediatamente anterior ao ato que lhe deu posse no cargo de TTN(01.07.98), com a concessão dos períodos de licença-prêmio até 15.10.96, quando o art.87 <strong>da</strong> Lei nº 8.112/90 foi alterado pelo art. 10 <strong>da</strong> Lei nº 9.527/97, e do adicional portempo de serviço revogado pelo art. 30 <strong>da</strong> MP nº 1.815-1199, à razão de 7%. Afirmouseu direito ao reenquadramento na Classe C, Padrão IV. Argumentou ter sofrido <strong>da</strong>nomoral passível de reparação. Fun<strong>da</strong>mentou seus pedidos nos arts. 5º, incisos V e X, e 37,§ 6º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, no art. 43 <strong>da</strong> Lei nº 10.098/94 e nos arts. 159, 1518, 1532 e1537 a 1553, todos do Código Civil. Citou jurisprudência em prol de suas teses. Afirmounão haver prescrição, forte nos arts. 10 e 20 do Decreto nº 20.910/32.Requereu a antecipação <strong>da</strong> tutela, para determinar o seu reenquadramento funcionale o pagamento dos vencimentos correspondentes à classe e padrão em que pretende sever enquadra<strong>da</strong>. Pediu, ao cabo, a procedência <strong>da</strong> ação, condenando-se a Ré União a102R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


indenizá-la pelos <strong>da</strong>nos materiais e morais, bem como a computar o período apontadopara todos os efeitos legais. Pediu o benefício <strong>da</strong> gratui<strong>da</strong>de e protestou por provas.Instruiu a inicial com procuração e documentos. (fls. 26/194)Deferiu-se o benefício <strong>da</strong> gratui<strong>da</strong>de e a análise do pedido antecipação <strong>da</strong> tutela foideferi<strong>da</strong> para após a vin<strong>da</strong> <strong>da</strong> contestação. (fl. 195)Feita a citação (fl. 198, verso) a Ré União <strong>Federal</strong> apresentou contestação. (fls. 202/239)Argüiu, preliminarmente, a carência <strong>da</strong> ação por impossibili<strong>da</strong>de jurídica do pedidoe a prescrição qüinqüenal. Defendeu a impossibili<strong>da</strong>de legal de antecipação <strong>da</strong> tutela ea não configuração dos pressupostos legais para a sua concessão. No mérito, aduziu queenquanto sua situação estava sub judice não poderia a Autora ser considera<strong>da</strong> candi<strong>da</strong>taaprova<strong>da</strong> em concurso público, nos termos do art. 37, II, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>,não podendo, portanto, equiparar-se aos demais candi<strong>da</strong>tos nomeados anteriormente.Disse que a concessão de vantagens ou indenizações à Autora, sem o correspondenteexercício funcional, implicaria em enriquecimento sem causa. Alegou que a Autora,em ver<strong>da</strong>de, pretenderia obter remuneração e vantagens oriun<strong>da</strong>s de cargo públicodisfarçados de indenização. Ressaltou que a concessão <strong>da</strong>s vantagens pleitea<strong>da</strong>s pelaAutora seria descabi<strong>da</strong> por ferir o princípio constitucional <strong>da</strong> isonomia e princípiosadministrativos como o <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e o <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de. Asseverou que a Autora nãologrou comprovar a existência do <strong>da</strong>no moral pleiteado. Destacou a necessi<strong>da</strong>de deprudência e razoabili<strong>da</strong>de na fixação <strong>da</strong> verba indenizatória, caso deferido o pedido <strong>da</strong>Autora. Argumentou ser necessária a compensação dos valores eventualmente devidoscom aqueles percebidos pela Autora <strong>da</strong> SERPO, órgão em que trabalhava à época, sobpena de enriquecimento ilícito. Afirmou que os juros moratórias devem ser de 6% aoano, por força dos arts. 1062 e 1063 do Código Civil, e do art.1º <strong>da</strong> Lei nº 4.414/64,incidindo somente a partir <strong>da</strong> citação, nos termos do art. 1.536, § 20, do Código Civil.Alegou que a fixação de eventuais honorários <strong>da</strong> sucumbência deve ater-se aos ditamesdo art. 20, § 40, do Código de Processo Civil. Acostou jurisprudência em prol de sua tese.Requereu o acolhimento <strong>da</strong>s preliminares e, no mérito, a improcedência <strong>da</strong> ação.Pediu a condenação <strong>da</strong> Autora nos ônus <strong>da</strong> sucumbência. Por derradeiro, protestou porprovas e juntou documentos. (fls. 240/276)Os autos, que originariamente tramitavam perante a 12ª Vara <strong>Federal</strong> de PortoAlegre, foram remetidos a esta lª Vara <strong>Federal</strong>, por força de decisão proferi<strong>da</strong> em sedede Exceção de Incompetência. (fls. 277 e 279/280)O pedido de antecipação de tutela restou indeferido. (fl. 278)Intima<strong>da</strong> a manifestar-se sobre a contestação (fl. 281), a Autora rebateu osargumentos expedidos pela Ré União <strong>Federal</strong> e repisou os já articulados na peçaexordial. (fls. 282/288)Insta<strong>da</strong>s as partes sobre a produção de provas (fl. 290), a Autora quedou-se silente(fl. 290, verso), enquanto a Ré União <strong>Federal</strong> requereu o julgamento antecipado <strong>da</strong>lide. (fl. 292)Vieram os autos conclusos para sentença.”Interposta a apelação, postula a União a reforma do julgado.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 103


104O Ministério Público manifestou-se pela não intervenção no feito.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Rejeito a preliminar.Valho-me, a respeito, dos argumentos <strong>da</strong> r. sentença, às fls. 297/9,verbis:“PRELIMINARESIMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDOArgüi a Ré União <strong>Federal</strong> a impossibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido, porquantopretenderia a Autora obter vantagens funcionais sem que tenha exercido efetivamentefunções públicas no período que é objeto <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, o que afrontaria a legislaçãoconstitucional e infraconstitucional, em especial o princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de.Ora, não há ve<strong>da</strong>ção no ordenamento jurídico a obstar que a Autora postuleindenização por <strong>da</strong>nos supostamente causados por ato administrativo, cuja ilegali<strong>da</strong>defoi ao cabo reconheci<strong>da</strong> pelo Poder Judiciário, como lhe faculta o art. 5º, XXXV, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>. O pedido <strong>da</strong> Autora, de perceber o que entende devido, diz respeitoao mérito <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> e com este será oportunamente apreciado.Assim, rejeito a preliminar.PRESCRIÇÃO QÜINQÜENALEm 18.10.89 (fl. 52) a Autora impetrou o man<strong>da</strong>do de segurança em cuja decisãofinal (fls. 62/65) foi reconhecido o seu direito de participar do concurso para provimentodo cargo de Técnico do Tesouro Nacional (TTN). A Autora pretende ver-se indeniza<strong>da</strong>por prejuízos alega<strong>da</strong>mente sofridos no período que vai de 12.04.91, <strong>da</strong>ta em que foramnomeados os candi<strong>da</strong>tos do concurso público de que participou por força <strong>da</strong> decisãojudicial proferi<strong>da</strong> no man<strong>da</strong>do de segurança, a 01.07.98, dia imediatamente anterior asua posse no cargo de TTN.A impetração de man<strong>da</strong>do de segurança, uma vez que a notificação do impetradoeqüivale à citação, constitui causa interruptiva do curso do lapso prescricional, nosmoldes do disposto no art. 219, caput e § 1º, do Código de Processo Civil.O curso <strong>da</strong> prescrição, porém, somente tem início no momento em que a ação poderiater sido proposta pelo interessado, porquanto incide justamente sobre a pretensão. Éque ‘como a prescrição consiste na per<strong>da</strong> <strong>da</strong> ação conferi<strong>da</strong> a um direito pelo seu nãoexercício num intervalo <strong>da</strong>do, é evidente que não pode começar a fluir o prazo, antes dese deferir o direito de ajuizar o feito’. Ora, o direito de participar do concurso públicofoi reconhecido à Autora no man<strong>da</strong>do de segurança por ela impetrado antes <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta apartir <strong>da</strong> qual postula efeitos patrimoniais. Assim, somente após o trânsito em julgado<strong>da</strong> decisão prolata<strong>da</strong> no man<strong>da</strong>do de segurança passou a correr o prazo prescricional,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


pois somente a partir de então poderia a Autora aforar ação postulando eventuais efeitospatrimoniais decorrentes de violação do direito em seu favor reconhecido, inclusivede natureza indenizatória.A jurisprudência conforta esse entendimento:– PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/32, ART. 1º. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.POSSE EM CONCURSO PUBLICO.1. Tendo o aprovado em concurso público ingressado em juízo para desconstituirato administrativo pelo qual foi preterido em seu direito à nomeação e posse, o trânsitoem julgado <strong>da</strong> sentença de procedência, constitui termo inicial <strong>da</strong> contagem do prazode prescrição <strong>da</strong> ação de indenização, e não o próprio ato administrativo em si, pois,na ver<strong>da</strong>de, constitui o pronunciamento jurisdicional, o reconhecimento inequívoco <strong>da</strong>lesão ao seu direito, causadora dos possíveis <strong>da</strong>nos materiais e morais a serem apuradospelo juízo de 1º grau.A decisão que reconheceu à Autora o direito de participar do certame transitou emjulgado em 18.03.98 (fl. 245). Só a partir <strong>da</strong>í passou a fluir, desde o início, o lapsoprescricional de 5 anos do Decreto nº 20.910/32.Contado o qüinqüênio retroativamente a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do ajuizamento do presentedeman<strong>da</strong>, em 22.03.01 (fl. 02), a <strong>da</strong>ta do início do prazo prescricional <strong>da</strong>r-se-ia em22.03.96, período no qual havia impedimento ao seu curso, eis que ain<strong>da</strong> não nasci<strong>da</strong>a pretensão <strong>da</strong> Autora.Assim, não há parcelas venci<strong>da</strong>s ao abrigo <strong>da</strong> prescrição.* MEIRELLES, Hely Lopes. Man<strong>da</strong>do de segurança: ação popular, ação civilpública, man<strong>da</strong>do de injunção, habeas <strong>da</strong>ta, ação direta de inconstitucionali<strong>da</strong>de eação declaratória de constitucionali<strong>da</strong>de. 22. ed. atual. e compl. São Paulo: MalheirosEditores, 2000. p. 69.* TRF/<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, AC no 1999.04.01.096432-7/SC, <strong>4ª</strong> T., j. em 04.07.2000, DJ de09.08.2000, p. 307, Rel. Juiz Eduardo Tonetto Picareili: -AÇÃO DE COBRANÇARELATIVA A PARCELAS VENCIDAS ANTERIORMENTE A IMPETRAÇÃODO MANDADO DE SEGURANÇA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. JUROSDE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) O ajuizarnento do man<strong>da</strong>do desegurança interrompeu o curso do lapso prescricional. A interrupção se justifica namedi<strong>da</strong> em que o ‘man<strong>da</strong>do de segurança não é substitutivo de ação de cobrança’. (S.269 do STF), e pelo fato de que ‘A concessão de man<strong>da</strong>do de segurança não produzefeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamadosadministrativamente ou pela via judicial própria’. (S. 271 do STF). Há que se considerarque o direito ao pagamento <strong>da</strong> pensão só restou reconhecido com o transito emjulgado do acórdão que o declarou. É neste momento que surgiu para parte autora apretensão (a actio nata) quanto aos efeitos patrimoniais pretéritos. Neste caso, há quese atribuir à notificação <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de coatora no man<strong>da</strong>do de segurança os mesmosefeitos atribuídos à citação no processo de conhecimento, ou seja, a notificação váli<strong>da</strong>realiza<strong>da</strong> no man<strong>da</strong>do de segurança interrompe a prescrição, interrupção que retroageà <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação man<strong>da</strong>mental (art. 219 do CPC), devendo, para esteefeito, ser considera<strong>da</strong> a <strong>da</strong>ta em que protocola<strong>da</strong> a petição inicial para distribuição.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 105


(...) Remessa oficial improvi<strong>da</strong>.”.No mérito, é de ser provido o apelo <strong>da</strong> União.Com efeito, em suas razões de recurso, assinalou, com inteiro acerto,a Advocacia-Geral <strong>da</strong> União, às fls. 313/7, verbis:“Ora, no caso, é primordial ressaltar que a requerente inscreveu-se no concursopúblico para provimento do cargo de Técnico do Tesouro Nacional -TTN, hojedenominado Técnico <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>, regulado pelo Edital ESAF-06 de 25.09.89,publicado no DOU do dia seguinte.O concurso foi realizado em duas etapas, a 1ª prova de conhecimentos gerais e a 2ªde Programa de Formação do qual participam os candi<strong>da</strong>tos selecionados na lª Etapa.O edital regulador do concurso estabeleceu como uma <strong>da</strong>s condições para efetivara inscrição no referido certame a i<strong>da</strong>de máxima de 35 anos no ato <strong>da</strong>s inscrições.Como a autora tinha na época a i<strong>da</strong>de de 36 anos, encontrava-se impedi<strong>da</strong> de realizarinscrição no concurso o que motivou o ajuizamento de man<strong>da</strong>do de segurança, no qualobteve liminar para participar de 1ª Etapa.Contudo, a referi<strong>da</strong> decisão foi cassa<strong>da</strong>, restando a impetrante impedi<strong>da</strong> de participar<strong>da</strong> 2ª etapa do certame.Nesse contexto, apenas em 18.03.98 em sede de apelação restou-lhe garantido odireito de participar <strong>da</strong> 2ª etapa do concurso tendo o resultado final <strong>da</strong>s provas sidohomologado pelo edital 39 de 05.04.98, publicado no DOU do dia 07 de maio seguinte,restando, em conseqüência, nomea<strong>da</strong> para o cargo de TTN em julho 1998.Em sendo assim, antes <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> homologação do resultado final <strong>da</strong>s provas <strong>da</strong> 2ªetapa do certame, a autora não poderia ser considera<strong>da</strong> candi<strong>da</strong>ta aprova<strong>da</strong> em concursopúblico, uma vez que só havia participado de uma <strong>da</strong>s fases <strong>da</strong>quele, e o item 11 doart. 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> estabelece que a investidura em cargo público depende<strong>da</strong> aprovação em concurso.Dessa forma, enquanto permaneceu nesta situação sub judice não poderia ademan<strong>da</strong>nte participar <strong>da</strong> 2ª etapa do certame e, por conseqüência, não havia comoser investi<strong>da</strong> em cargo público diante do óbice legal e constitucional, não podendo,pois, ser considera<strong>da</strong> candi<strong>da</strong>ta aprova<strong>da</strong> equipara<strong>da</strong> aos demais candi<strong>da</strong>tos aprovadosnomeados em 12.04.91!Assim, ao contrário do que aduz a deman<strong>da</strong>nte, não ocorreu nenhuma preteriçãona sua condição de candi<strong>da</strong>ta, pois sequer havia concluído as fases do concurso não seequiparando aos demais candi<strong>da</strong>tos!Destarte, é entendimento corrente dos Tribunais pátrios de que não se pode nomearcandi<strong>da</strong>tos antes <strong>da</strong> decisão final <strong>da</strong> ação, porquanto não há provimento condicional emcargo público eis que o caráter precário <strong>da</strong> decisão provisória não se compatibilizacom a natureza jurídica <strong>da</strong> nomeação, posse e exercício.Desta feita, não podendo haver nomeação antes <strong>da</strong> decisão final, não há comoconferir vantagens ou indenizações à apela<strong>da</strong>, o que configuraria enriquecimento semcausa posto que não vinculado ao correspondente exercício!106R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Nesse sentido a decisão do Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL(informativo STF 184-RE 221.170/RS, 04.04.2002)‘Do art. 37, II, que condiciona a investidura em cargo público à prévia aprovaçãoem concurso público não decorre o direito de candi<strong>da</strong>tos aprovados mediante decisãojudicial à remuneração que receberiam se tivessem sido nomeados quando <strong>da</strong> nomeaçãodos demais candi<strong>da</strong>tos’.Ora, se a apela<strong>da</strong> participou <strong>da</strong> 2ª etapa do concurso por força de decisão judiciale, em segui<strong>da</strong> foi nomea<strong>da</strong>, não houve a alega<strong>da</strong> preterição e, portanto, não há baseque fun<strong>da</strong>mente qualquer pedido de indenização!Na ver<strong>da</strong>de o deferimento de pleito indenizatório ensejado, por parte do Judiciário,em abusivo enriquecimento ilícito, rechaçado pelo ordenamento jurídico pátrio umavez que autoriza o pagamento de vantagens pelo erário público sem a correspondenteprestação de serviços o que ofende frontalmente os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>morali<strong>da</strong>de administrativa. Até porque o princípio de responsabili<strong>da</strong>de civil objetiva doEstado não socorre o chamado enriquecimento sem causa, como muito bem dito peloMM. Juiz <strong>da</strong> 22ª Vara <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Seção Judiciária do Distrito <strong>Federal</strong> em julgamento<strong>da</strong> ação ordinária nº 199803400.000120-1.Outrossim, a remuneração de funcionário é um direito que se corporifica tão-somentecom o efetivo exercício do cargo para o qual fora nomeado.Assim, o simples reconhecimento ao direito de ser empossado não tem ocondão de gerar obrigação remuneratória para o Estado se, efetivamente, inexistiulabore facto.Não há que se conceber remuneração pelo efetivo exercício <strong>da</strong> função, se sequerhouve posse. O efetivo exercício é uma conseqüência <strong>da</strong> posse.Aliás, como bem assentou o E. Relator Ministro Pedro Acioli em voto no RE-STJ nº 1538-MT (89122410), DJ de 04.06.90, a investidura em cargo público éum ato complexo que tripartindo-se, assim se apresenta: a) nomeação; b) posse; c)exercício. Após e somente então, concluírem-se as três etapas é que existiria direitodo servidor público à remuneração que na<strong>da</strong> mais é do que a contraparti<strong>da</strong> porserviços prestados. Sem cabimento, portanto, a obrigação de se remunerar pessoa semexistência do vínculo funcional.O pedido encontra óbice, ain<strong>da</strong>, na Constituição <strong>Federal</strong> (art. 37, II), que dispõeque ‘a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia emconcurso público de provas ou de provas e títulos, ressalva<strong>da</strong>s as nomeações para cargoem comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração’.O servidor somente poderá exercer cargo público se aprovado em concurso.Importante frisar que consoante o demonstrado anteriormente ain<strong>da</strong> assim não fariaa deman<strong>da</strong>nte jus ao pagamento de diferenças salariais, posto que seria uma forma <strong>da</strong>majoração salarial sem a devi<strong>da</strong> previsão legal, pois impera na Administração Pública oprincípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e a Constituição <strong>Federal</strong>, em seu artigo 61 § 1º, inciso II, alíneaa, estabelece que ‘são de iniciativa privativa do Presidente <strong>da</strong> República as leis quedisponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administraçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 107


direta e autárquica ou aumento de sua remuneração’.Neste ínterim, vê-se que o que pretende a autora, na ver<strong>da</strong>de, é receber, ilegalmente,remuneração e vantagens de cargo público, travesti<strong>da</strong>s de indenização sem a devi<strong>da</strong>contraprestação de serviço e sem sequer ser funcionária pública no período em quereivindica as vantagens indevi<strong>da</strong>s, o que caracteriza enriquecimento ilícito, vez que nãotendo havido prestação de trabalho, não havendo causa para conferir-lhe remuneração,vantagens e, muito menos, indenização por trabalho não exercido.”Ora, sendo o direito à remuneração conseqüência do efetivo exercício<strong>da</strong> função, visto serem os vencimentos inerentes ao cargo, o direito à suapercepção somente se verifica após o efetivo exercício.Quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.538-MT, deliberouo Eg. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, verbis:“EMENTA: - FUNCIONALISMO. REMUNERAÇÃO RETROATIVA.IMPOSSIBILIDADE DADA A INEXISTÊNCIA DE EFETIVO EXERCÍCIO.I – A remuneração de funcionário é um direito que se corporifica tão-somente como efetivo exercício do cargo para o qual fora nomeado.II – Simples reconhecimento ao direito de ser empossado não tem o condão degerar obrigação remuneratória para o estado se, efetivamente, inexistiu labore facto.III – Recurso parcialmente provido.” (in Revista LEX-Jurisprudência do STJ, v.17, p. 104)108Em seu voto, disse o eminente Relator, verbis:“(...) Não há se conceber remuneração pelo efetivo exercício de função, se, sequer oimpetrante houvera sido empossado. O efetivo exercício é uma conseqüência <strong>da</strong> posse.Aliás, a investidura em cargo público é um ato complexo que tripartindo-se, assimse apresenta: a) nomeação; b) posse; c) exercício.Após, e somente então, concluírem-se as três etapas, é que existiria o direito doservidor público à remuneração, que na<strong>da</strong> mais é que a contraparti<strong>da</strong> pelos serviçosprestados.Sem cabimento, portanto, a obrigação de se remunerar pessoa sem existência dovínculo funcional.” (In Revista LEX-jurisprudência do STJ, vol. 17, p.109)O ministro Paulo Brossard, em parecer quando exercia o cargo deConsultor-Geral <strong>da</strong> República, transcreve aresto proferido pelo STJ,quando do julgamento do RE nº 72.733, julgado em 30.11.73, versandoidêntico caso, verbis:“Indenização. Código Civil. Art. 159. Candi<strong>da</strong>to que, tendo reconhecido seu direitoà nomeação, em man<strong>da</strong>do de segurança, teve os direitos políticos cassados e nãotomou posse no cargo. Pedido de pagamento de despesas de viagem e dos honoráriosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de advogado, na impetração <strong>da</strong> segurança. Inadmissibili<strong>da</strong>de, porque não devidosos honorários e desnecessárias as despesas. Pedido de pagamento de vencimentos.Vencimentos não devidos, à falta de posse e exercício. Recurso não conhecido”. (InPareceres <strong>da</strong> Consultoria Geral <strong>da</strong> República, Imprensa Nacional, Brasília, 1988, v.96, p. 139)Em seu voto, salientou o saudoso Ministro Rodrigues Alckmin, verbis:“O só fato de ter o recorrente reconhecido o direito à nomeação não lhe <strong>da</strong>va ode perceber vencimentos ou computar tempo de serviço. Era de mister, ain<strong>da</strong> queà nomeação se seguisse a posse e o exercício (e é de notar que só nomeação nãoestabelece, necessariamente, o direito à posse), porque os vencimentos constituemcontraprestação decorrente do exercício do cargo.” (in op. cit., V. 96, p. 139)Outro não é o entendimento <strong>da</strong> doutrina: Ruy Cirne Lima, in Princípiosde Direito Administrativo, 6ª ed., Revista dos Tribunais, 1987, p.169,nº 12; Themístocles Brandão Cavalcanti, in “O Funcionário Públicoe seu Regime Jurídico” (Comentários ao Estatuto dos FuncionáriosPúblicos), Editora Borsoi, Rio, 1958, t. II, p.18; J. Guimarães Menegale,in o Estatuto dos Funcionários, Forense, 1962, v. I, p. 358, nº 306; HelyLopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 1<strong>4ª</strong> ed. Rev. dosTribunais, 1989, p. 396.Dessa forma, in casu, não se encontra configura<strong>da</strong> a responsabili<strong>da</strong>deobjetiva <strong>da</strong> União, nos termos do art. 37, § 6º, <strong>da</strong> CF/88, pois a autorasomente teve reconhecido o seu direito a participar <strong>da</strong> 2ª etapa doconcurso em 18.03.98, sendo, posteriormente, aprova<strong>da</strong> no certamee nomea<strong>da</strong>. Por conseguinte, somente a partir do exercício efetivo <strong>da</strong>função faz jus aos vencimentos, que constituem, como já demonstrado,contraprestação decorrente do exercício do cargo.Ademais, enquanto permaneceu em situação sub judice não poderiaa autora participar do concurso, em igual<strong>da</strong>de de condições com osdemais candi<strong>da</strong>tos que preencheram os requisitos do edital, tendo aAdministração de aguar<strong>da</strong>r o desfecho do processo judicial, na formado art. 37, II, <strong>da</strong> CF/88.Ora, a autora participou <strong>da</strong> 2ª etapa do concurso por força <strong>da</strong> decisãojudicial, e, uma vez aprova<strong>da</strong>, foi nomea<strong>da</strong>, não se configurando o atoilícito a gerar direito à indenização.A respeito, leciona Renato Alessi, in La Responsabilità Della PubblicaAmministrazione, Giuffrè – Editore, Milano, 1951, pp. 299/300, verbis:“Non se potrà perciò, di regola, farsi questione di violazione di diritti soggettiviR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 109


nel caso:a) di illegittima nomina di elementi estranei nel posto superiore resosi vacante,ancorchè gli aspiranti alla promozione abbiano un legittimo interesse ad impugnareil provvedimento al giudice amnistrativo;b) di illegittimo mutamento di organici ovvero di condizioni richieste per lapromozionec) di illegittima esclusione di candi<strong>da</strong>ti <strong>da</strong> esami o scrutini predisposti per lapromozione;d) de illegittimità formale e sostanziale nel procedimento seguito nella valutazionedel merito in vista della promozione.In tutti questi casi interessati hanno evidentemente la possibilità di reagire, eforse ben efficacemente, contro il provvedimento illegittimo lesivo del loro interessemediante il ricorso al giudice amnistrativo, ma neppure dopo l’eventuale annullamento<strong>da</strong> parte di quest’ultimo del provvedimento impugnato, può ritenersi competere ad essiun’azione di <strong>da</strong>nni, in quanto in nessuno dei casi passati in rassegna si può vedere lavalorazione do diritto vero e proprio spettante all’impiegato: in particolare non deldiritto alla promozzione, che non sussiteva nè prima del l’emanazione del provvedimentoillegittimo, nè dopo l’annullamento dello stesso, in quanto che la promozione – sia primadopo – era e rimane pur sempre subordinata alla valutazione discrizionale del meritodell’impiegato. Ammettere una risarcibilità del <strong>da</strong>nno, commisurato alla differenza distipendio nel periodo durante il quale è stata ritar<strong>da</strong>ta la promozione effetiva a motivodel provvedimento stesso o addrittura dopo l’eventuale promozione successivamenteconseguita, significa ammettere una rissarcibilità, per noi inammissibile, di sempliciinteressi legittimi e quindi sovvertire il fon<strong>da</strong>mento dell’istituto della responsabilità,fon<strong>da</strong>mento che, come sappianmo, anche nel diritto pubblico è <strong>da</strong> risercarci nellaviolazione di un diritto soggettivo. Mentre, ripeto, nei casi esaminati un vero e propriodiritto alla promozione non ha mai avuto vita – nè pure come semplice diritto affievolito– onde in sostanza si verrebbe a rissarcire la semplice lesione di un interesse.”No que concerne ao <strong>da</strong>no moral, registrou, com acerto, a ilustra<strong>da</strong>Advocacia-Geral <strong>da</strong> União, à fl. 319, verbis:“Contudo, os fatos alegados na inicial, bem como a própria caracterização do<strong>da</strong>no moral não restaram comprovados. Até porque a autora aduz, em síntese, que portrabalhar na Inspetoria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> do Chuí/RS, ao lado de candi<strong>da</strong>tos aprovadosno mesmo concurso, sentia-se abala<strong>da</strong> emocionalmente.Ocorre porém, que a mesma estava discutindo judicialmente o direito de participaçãono certame, não sendo lógico e razoável pretender equiparar-se aos demais concursadosaprovados naquele certame.Ora, a discussão judicial acerca de um direito não pode ser considera<strong>da</strong> causa capazde engendrar ‘<strong>da</strong>nos morais’, senão todo o ajuizamento de ações judiciais traria ínsitoem si o pedido de <strong>da</strong>nos morais, porque qualquer disputa judicial gera certa expectativa,ansie<strong>da</strong>de, sentimentos que não se confundem com o conceito de ‘<strong>da</strong>no moral’ tal qual110R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


delineado pela jurisprudência.Saliente-se, por oportuno, que não houve preterição <strong>da</strong> candi<strong>da</strong>ta em relação aosdemais concursados, eis que a mesma não detinha como os demais a condição de‘aprova<strong>da</strong>’ no concurso público. Preterição, apta a ensejar indenização por <strong>da</strong>nos moraissó se configura<strong>da</strong> se a deman<strong>da</strong>nte, já aprova<strong>da</strong>, melhor classifica<strong>da</strong> que os demaisconcursandos, fosse nomea<strong>da</strong> posteriormente, to<strong>da</strong>via não é este o caso dos autos.Assim, não comprovado o alegado <strong>da</strong>no moral, não há como deferir-se o pedido.”É a jurisprudência do STF, verbis:“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – NEXO DE CAUSALIDADE –EXEGESE.A responsabili<strong>da</strong>de do Estado, embora objetiva por força do disposto no art.107 <strong>da</strong> EC 1/69 e atualmente no parágrafo 6º do art. 37 <strong>da</strong> CF -, não dispensa,obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causali<strong>da</strong>de entre ação e aomissão atribuí<strong>da</strong> a seus agentes e o <strong>da</strong>no causado a terceiros. Em nosso sistemajurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do Código Civil, a teoria adota<strong>da</strong>quanto ao nexo de causali<strong>da</strong>de é a do <strong>da</strong>no direto e imediato, também denomina<strong>da</strong>teoria <strong>da</strong> interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo <strong>da</strong> codificaçãocivil diga respeito à impropriamente denomina<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de contratual,aplica-se ele também à responsabili<strong>da</strong>de extracontratual, inclusive objetiva, atépor ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta osinconvenientes <strong>da</strong>s outras duas teorias existentes: a <strong>da</strong> equivalência <strong>da</strong>s condiçõese a <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong>”. (STF – Ac. unân. <strong>da</strong> 1ª T. DJ de 07.08.92 – RE1130.746-1-PR – Rel. Min. Moreira Alves – Estado do Paraná e outro vs. H. Kaminskie Cia. Lt<strong>da</strong>. e outros)Por esses motivos, conheço <strong>da</strong> apelação e <strong>da</strong> remessa oficial e dou-lhesprovimento, julgando improcedente a ação, condena<strong>da</strong> a parte autora nopagamento <strong>da</strong>s despesas processuais e honorários advocatícios, que fixoem R$ 1.000,00, condenação cuja eficácia se suspende face à concessão<strong>da</strong> AJG. (fl. 195)É o meu voto.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 111


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.04.01.015310-7/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzApelantes: Ariosto Gomes Coelho e outrosAdvogado: Dr. Paulo Harrison Ventura WilladinoApelante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis - IBAMAAdvogado: Dr. Marcelo Horta SanabioApelado: Ministério PúblicoAdvogado: Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleRemetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> 10ª Vara <strong>Federal</strong> de Porto Alegre/RSEMENTAConstitucional e Administrativo. Servidor público. Provimentoderivado de cargo público. Proibição. Art.37, II, <strong>da</strong> CF/88. Açãocivil pública. Nuli<strong>da</strong>de de nomeações. Inconstitucionali<strong>da</strong>de. Efeitos.Fator tempo na desconstituição de atos inconstitucionais. Princípio <strong>da</strong>boa-fé. Precedentes <strong>da</strong> doutrina e <strong>da</strong> jurisprudência.1. É sabido que o Pretório Excelso, a partir do julgamento <strong>da</strong> ADInnº 231, em 05.08.92, em aresto publicado na RTJ 144/24, deliberouno sentido <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de de disposições normativas queestabeleciam formas de provimento derivado de cargos públicos,sobretudo a de ascensão funcional.É manifesto, porém, que a doutrina <strong>da</strong> pretendi<strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de ab initio<strong>da</strong> lei inconstitucional não pode ser entendi<strong>da</strong> em termos absolutos, poisque os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos,de forma sumária, por simples obra de uma decisão judicial.Nesse sentido os Tribunais têm encontrado meios para salvar certosefeitos de fato que a inconstitucionali<strong>da</strong>de não pode cancelar.Certamente inspirado na jurisprudência, nota<strong>da</strong>mente do STF, oLegislativo, recentemente, editou a norma constante no art. 27 <strong>da</strong> Leinº 9.868/99.112R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Ao comentar o alcance do mencionado dispositivo legal, assinalao eminente jurista Teori Albino Zavascki, em sua já consagra<strong>da</strong> obraEficácia <strong>da</strong>s Sentenças na Jurisdição Constitucional, editora Rev. dosTribs., 2001, pp. 49/50, verbis:“Essa doutrina, que afirma a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> norma inconstitucional e a naturezadeclaratória <strong>da</strong> sentença que a reconhece, não fica, de modo algum, comprometi<strong>da</strong> coma regra constante do art. 27 <strong>da</strong> Lei 9.868, de 10.11.99, segundo a qual, ‘ao declarar ainconstitucionali<strong>da</strong>de de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurançajurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, pormaioria de dois terços dos seus membros, restringir os efeitos <strong>da</strong>quela declaraçãoou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outromomento que venha a ser fixado’. Tal dispositivo, na ver<strong>da</strong>de, reafirma a tese, poisdeixa implícito que os atos praticados com base em lei inconstitucional são atos nulose que somente podem ser mantidos em virtude de fatores extravagantes, ou seja, por‘razões de segurança pública ou de excepcional interesse social’. Ao mantê-los, pelosfun<strong>da</strong>mentos indicados, o Supremo não está declarando que foram atos válidos, nemestá assumindo a função de ‘legislador positivo’, criando uma norma - que só poderiaser de hierarquia constitucional - para vali<strong>da</strong>r atos inconstitucionais. O que o Supremofaz, ao preservar determinado status quo formado irregularmente, é típica função de juiz.Não é nenhuma novi<strong>da</strong>de, na rotina dos juízes, a de terem diante de si situações demanifesta ilegitimi<strong>da</strong>de cuja correção, to<strong>da</strong>via, acarreta <strong>da</strong>no, fático ou jurídico, maiordo que a manutenção do status quo. Diante de fatos consumados, irreversíveis ou dereversão possível, mas comprometedora de outros valores constitucionais, só resta aojulgador – e esse é o seu papel – ponderar os bens jurídicos em conflito e optar pelaprovidência menos gravosa ao sistema de direito, ain<strong>da</strong> quando ela possa ter comoresultado o <strong>da</strong> manutenção de uma situação originariamente ilegítima. Em casos tais,a eficácia retroativa <strong>da</strong> sentença de nuli<strong>da</strong>de importaria a reversão de um estado de fatoconsoli<strong>da</strong>do, muitas vezes, sem culpa do interessado, que sofreria prejuízo desmesuradoe desproporcional. Mutatis mutandis, é justamente esse o quadro suposto pelo art. 27<strong>da</strong> Lei 9.868, de 10.11.99, o de um manifesto conflito entre valores constitucionais demesma hierarquia: de um lado, a nuli<strong>da</strong>de do ato; de outro, o sério comprometimento<strong>da</strong> segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Tendo de dirimi-lo, o STFfaz prevalecer o bem jurídico que considera ser mais relevante na situação em causa,ain<strong>da</strong> que isso importe a manutenção de atos ou situações formados com base em leique se pressupunha váli<strong>da</strong>, mas que era nula. Isso é julgar, não legislar. O legisladorcria normas para disciplinar situações futuras. O Supremo, ao aplicar o art. 27 <strong>da</strong> Lei9.868, de 10.11.99, faz juízo de valor sobre fatos já passados.Aliás, mesmo antes do advento do referido dispositivo, o Supremo já decidiranaquela linha de orientação: em nome de princípios constitucionais que considerouprevalecentes nas circunstâncias do caso, manteve efeitos pretéritos originados denorma reconheci<strong>da</strong>mente inconstitucional.”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 113


E, adiante, faz referência o eminente Magistrado à jurisprudência doSTF, verbis:“Assim, em julgados de 1986 e 1993, apesar do reconhecimento <strong>da</strong>inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s normas de que se originaram, o Supremo manteve, assimmesmo, vantagens auferi<strong>da</strong>s por magistrados, porque entendeu que a recomposição<strong>da</strong> situação irregular importaria comprometimento do princípio <strong>da</strong> irredutibili<strong>da</strong>de devencimentos” (STF, RE 105.789, 2ª Turma, Ministro Carlos Madeira, RTJ 118:300;RE 122.202, 2ª Turma, Ministro Francisco Rezek, DJ de 08.04.94). (In Op. cit., p. 50,nota 29)Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, o ensinamento do saudoso Ministro João Leitãode Abreu, em sua obra A Vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Ordem Jurídica, Livraria do Globo,1964, pp. 162/3, verbis:“Certas situações, cria<strong>da</strong>s em razão <strong>da</strong> norma inconstitucional, são, por isso, àsvezes, reputa<strong>da</strong>s intangíveis, apesar de se <strong>da</strong>r pela inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei. A mesmatutela que a ordem jurídica, em determinados casos, confere ao ato aparente, na órbitado direito privado, é estendi<strong>da</strong>, desta sorte, pela doutrina que não qualifica como nulae nenhuma a lei inconstitucional, ao ato desconforme com a Constituição. Múltiplossão os argumentos que se alinham para defender o princípio de que cumpre protegercertos efeitos, produzidos pelo ato irregular ou viciado. Alega-se, na ordem privatista,entre outras razões, que é imperioso proteger-se a boa-fé dos que tiveram como perfeitoou regular o ato que se veio a declarar nulo. Raciocina-se, no direito público, com apresunção de legitimi<strong>da</strong>de dos atos que, nessa esfera, são emanados.Quaisquer que sejam, porém, as explicações articula<strong>da</strong>s, a ver<strong>da</strong>de é que, no fundo,são to<strong>da</strong>s influencia<strong>da</strong>s, conscientemente ou não, pela idéia de que os fatos, em virtude <strong>da</strong>sua própria energia, impõem-se ao reconhecimento <strong>da</strong> ordem jurídica. Se é indiscutívelque esta, pelas injunções normativas, influi nos comportamentos, sujeitando-os aos seusesquemas, é irrecusável, por outro lado, que os próprios comportamentos, reagindo,por vezes, contra as pautas, que lhe são prescritas pela ordem jurídica, seguem o seupróprio caminho, indiferentes às diretrizes que esta lhes assina. Pode a ordem jurídica,sem dúvi<strong>da</strong>, hostilizar esses comportamentos e até perseguir, com medi<strong>da</strong>s drásticas,os seus protagonistas. É o sistema jurídico levado, no entanto, a admiti-los comocriadores de situação que merece tutela, quando a negativa de proteção for prejudicial àtranqüili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem, que o direito, antes de tudo, quer garantir nas relações sociais.Nesse caso, a proteção <strong>da</strong> ordem jurídica não lhes é dispensa<strong>da</strong>, porque tenham sido osindivíduos, nos seus comportamentos, autorizados a criar tais situações, mas porque,estas, pela sua própria energia, forçaram o sistema jurídico a admitir-lhes os efeitos.As normas jurídicas instituí<strong>da</strong>s de maneira irregular não tiram, pois, a sua eficácia dehabilitação recebi<strong>da</strong> pelo órgão que as editou para desviar-se <strong>da</strong>s regras estabeleci<strong>da</strong>s,de modo expresso, no direito positivo, quanto ao desempenho <strong>da</strong> sua ativi<strong>da</strong>de. A suaeficácia jurídica resulta, antes, dos próprios fatos, não sendo impróprio afirmar-se, para114R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


usar a expressão romana, que o direito, nessa hipótese, é criado rebus ipsis et factis.”Nesse mesmo rumo, inclinam-se os seguintes autores: C. A. LúcioBittencourt, in O Controle Jurisdicional <strong>da</strong> Constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sLeis, 2ª edição, Forense, 1968, pp. 148/9; Gilmar Ferreira Mendes, inControle de Constitucionali<strong>da</strong>de, Saraiva, 1990, pp. 279/280; MarilisaD’Amico, in Giudizio Sulle Leggi ed Efficacia Temporale Delle Decisionidi Incostituzionalità, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1993, p. 125 eseguintes; Maurice Hauriou, in Notes D’Arrèts sur Décisions du ConseilD’État et du <strong>Tribunal</strong> des Conflits, Sirey, Paris, 1929, t. 2º, p. 105 eseguintes.Outra não é a lição recolhi<strong>da</strong> no direito norte-americano, consoantese constata <strong>da</strong> leitura do Corpus Juris Secundum, West Publishing CO.,St. Paul, Minn., 1984, v. 16, p. 359, § 108, verbis:“This general rule, however, has been greatly modified, is not to be applied in all cases,is not absolutely or universally true, and there are various exceptions thereto. It has beenstated that it is affected by several other considerations, that a realistic approach has beeneroding this doctrine, that such broad statements must be taken with qualifications, that even anunconstitutional statute is an operative fact, at least prior to a determination of constitutionality,and may have consequences which cannot justly be ignored.”Essa, também, é a jurisprudência dos Tribunais dos Estados Unidos<strong>da</strong> América conforme noticia Oliver P. Field, em sua clássica monografiaThe Effect Of An Unconstitutional Statute, The University of MinnesotaPress, Minneapolis, 1935, p. 2, verbis:“In some instances all courts, federal and state, decide by giving effect tounconstitutional statutes, and giving effect to them directly, as such, for the case underconsideration; in other instances all courts agree that effect shall be given to suchstatutes by use of other legal rules or doctrines, such as estoppel, de facto, or cleanhands in equity.”Ao proferir o seu voto quando do julgamento <strong>da</strong> Reclamação nº 173-DF (Pleno), disse o eminente Min. José Néri <strong>da</strong> Silveira, verbis:“É indiscutível tratar-se de problema melindroso o que se refere a proteção de certosefeitos decorrentes do cumprimento de leis inconstitucionais. Opõem-se, nesse sentido,restrições à regra de que a lei inconstitucional é nula ab initio, ou como também seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 115


expressou, entre nós, a fórmula null and void, írrita e nenhuma. É entendido, nesseparticular, que, embora infringente <strong>da</strong> Constituição, o ato legislativo, assim marcado,é um fato eficaz (it is an operative fact). Estabeleceu-se, segundo certa correntedoutrinária, que, ‘assim como, em direito privado, se protege o ato jurídico, em cujaengendração se insinuou algum vício, mantendo-se-lhe, em parte, os efeitos produzidos,malgrado a sua anulação pelo órgão judiciário’ - no plano do direito público, igualprovidência, cale quanto ao ato inconstitucional. Da mesma maneira como se há detutelar, na esfera do direito privado, em determinados casos, o ato aparente, entendea doutrina, que não qualifica como nula e nenhuma lei inconstitucional, importa sejaestendi<strong>da</strong> aos atos em desconformi<strong>da</strong>de com a Constituição igual proteção. Se, naordem privatista, dentre outras razões, argúi-se a necessi<strong>da</strong>de de proteger a boa-fé dosque tiveram como perfeito ou regular o ato, que se veio a declarar nulo, - no direitopúblico, raciocina-se com a presunção de legitimi<strong>da</strong>de dos atos que, nessa esfera, sãoemanados.” (In RTJ 131/29)E, noutro passo, conclui o ilustre Magistrado, verbis:“De outra parte, se é certo que os atos administrativos podem ser anulados pela própriaautori<strong>da</strong>de que os praticou, ou de maior graduação, quando contrários à Constituição ou à lei,conforme amplamente examinou esta Consultoria-Geral, em seu Parecer nº 7, de 24 de julhode 1965, publicado no Diário Oficial do Estado, edição de 24 de setembro de 1965, não menosexato é que, segundo esse princípio, há limites ao poder de revisão do ato administrativo, pelaprópria Administração. A par do direito adquirido de terceiro, a necessi<strong>da</strong>de de o Estado garantirclima de segurança nas relações sociais e na ordem jurídica, a presunção de legitimi<strong>da</strong>de dosatos <strong>da</strong> Administração, robusteci<strong>da</strong> nota<strong>da</strong>mente pelo transcurso de largo trato de tempo,desde a prática do ato inquinado de vício, aconselham a manutenção de situações jurídicasnovas decorrentes de atos embora contaminados de ilegali<strong>da</strong>de ou inconstitucionali<strong>da</strong>de, e,pois, a sua não decretação de insubsistência.” (In op. cit., p. 30)Nesse sentido, a jurisprudência do STF em inúmeros julgados. (REnº 85.179-RJ, rel. Min. Bilac Pinto, in RTJ 83/921)Ora, as nomeações contesta<strong>da</strong>s na ação civil pública foram efetua<strong>da</strong>sem cumprimento do disposto na Lei nº 7.957/89 e no Decreto nº98.893/90, antes, portanto, de o STF declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s formas deriva<strong>da</strong>s de provimento de cargos públicos.In casu, a contrarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei nº 7.957/89, com o art. 37, II, <strong>da</strong> CF/88e a jurisprudência do STF é evidente.Sucede que, passados mais de dez anos de sua edição, o mencionadotexto legal foi eficaz e gerou conseqüências jurídicas que não podem serdespreza<strong>da</strong>s, nos termos <strong>da</strong> doutrina e <strong>da</strong> jurisprudência já comenta<strong>da</strong>s, eis116R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


que criou situações de fato já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s no tempo, cujo desfazimentoviria a afetar a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações jurídicas entre a Administraçãoe seus administrados, com graves e imprevisíveis resultados.2. Provimento <strong>da</strong>s apelações e <strong>da</strong> remessa oficial.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aTerceira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,<strong>da</strong>r provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório,voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 11 de março de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Oparecer do MPF, a fls. 1.518/1.520, expõe com precisão a controvérsia,verbis:“1 - Trata-se de Apelação Cível formula<strong>da</strong> pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambientee dos Recursos Renováveis - IBAMA e Ariosto Gomes Coelho e outros contra sentençade procedência proferi<strong>da</strong> pelo Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 10ª Vara <strong>Federal</strong> de Porto Alegre -Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, prolata<strong>da</strong> nos autos <strong>da</strong> Ação Civil Pública quelhes foi movi<strong>da</strong> pelo Ministério Público em face de atos administrativos contrários aoordenamento constitucional vigente, especificamente no que pertine a obrigatorie<strong>da</strong>dede concurso público para investidura de cargo público.O Ministério Público <strong>Federal</strong> concluindo haver violação à exigência constitucionalde concurso para provimento de cargos públicos, consoante art. 37, II, <strong>da</strong> CF/88e interpretação desse dispositivo <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo STF nas ADINs 231-7/RJ e 245-7/RJ,promoveu a ação civil pública, requerendo: - a suspensão liminar dos efeitos dos atosadministrativos que determinaram os provimentos derivados de cargos públicos; - acondenação <strong>da</strong> autarquia ré à obrigação de desconstituir tais provimentos, em especialo de Nelton Vieira dos Reis, cuja situação distingue dos demais por não sustentara situação anterior de servidor público federal, requerendo sua exclusão do quadropermanente e revertendo os demais réus à situação funcional anterior.Indeferi<strong>da</strong> liminar requeri<strong>da</strong>. (fls. 820/821)Agravo de Instrumento interposto contra decisão de indeferimento <strong>da</strong> liminar tevedecisão de parcial provimento pela Corte (fls. 1312/1315) para determinar obrigaçãode não fazer no sentido de obstar novos provimentos derivados de cargos públicos.O IBAMA contestou o feito (fl. 932), argüindo em síntese: preliminar deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 117


ilegitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público <strong>Federal</strong>, por versar a matéria sobre direitosindividuais homogêneos e incompetência do juízo local tendo em vista ato praticadopela administração central; e, quanto ao mérito, a prescrição qüinqüenal e legali<strong>da</strong>dedo ato de enquadramento, este fun<strong>da</strong>mentado na Lei 7.957/89 e Decreto 98.893/90,vinculando o IBAMA aos atos do Executivo sobre transformação e criação de cargos.Contestação apresenta<strong>da</strong> por Ariosto Gomes Coelho e outros (fls. 1118/1136),tem por fun<strong>da</strong>mento: – ilegitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público; citação dos atuaisocupantes de cargos deixados pelos servidores reenquadrados, na quali<strong>da</strong>de delitisconsortes; – no mérito, aduziu a prescrição qüinqüenal do direito de ação; legali<strong>da</strong>dedo enquadramento dos servidores do IBAMA na forma do § 1º do art. 3º <strong>da</strong> Lei nº7.957/89, dentro de uma política de correção de desvio funcionais.O requerido, Nelton Vieira do Reis, contestou, alegando: preliminarmente –ilegitimi<strong>da</strong>de passiva do Ministério Público; e, quanto ao mérito: – prescrição qüinqüenal;legali<strong>da</strong>de do seu enquadramento, tendo em vista o preenchimento dos requisitos <strong>da</strong> Lei nº7.957/89. Aduz que prestava ativi<strong>da</strong>des de assessor jurídico no Serviço de Classificação deProdutos Vegetais - CLAVESUL, órgão vinculado à Secretaria de Indústria e Comérciodo Estado do Rio Grande do Sul, considera<strong>da</strong>s, portanto, suas ativi<strong>da</strong>des como serviçopúblico estadual, apesar de regido pela legislação trabalhista. Relata que ao tempo doreenquadramento, quando já estava cedido ao Ministério <strong>da</strong> Agricultura - SUDEPE, ondecontinuou a exercer funções atinentes a assessor jurídico.O MPF manifestou-se acerca <strong>da</strong>s contestações.Sentença de fls. 1340/1373, afastando as preliminares argüi<strong>da</strong>s, julgou procedentea pretensão do MP, tendo em vista a comprovação de ocorrência de provimentosderivados de cargos, via ascensão, em ofensa à regra constitucional de obrigatorie<strong>da</strong>de derealização de concurso público, não tendo a Lei nº 7.957/89 e seu decreto regulamentadoro condão de permitir tal forma de provimento. Na situação específica do requeridoNelton Vieira dos Reis, reconheci<strong>da</strong> sua vinculação a enti<strong>da</strong>de de natureza priva<strong>da</strong>, emface a decisão do TCU neste sentido, destacou a falta de condição de servidor públicocivil, fazendo com que não lhe aplicassem disposições sobre transformações de cargose funções públicas.Os sucumbentes interpuseram recurso de apelação. Ariosto Gomes Coelho e outrosàs fls. 1375/1401 e o Ibama às fls. 1432/1460, retomando seus fun<strong>da</strong>mentos expostosnas contestações retro, requerendo a reforma <strong>da</strong> sentença.Contra-razões (fls. 567/602), requereram a manutenção <strong>da</strong> sentença.O cerne <strong>da</strong> questão, pois, além <strong>da</strong>s preliminares de legitimi<strong>da</strong>de ativa e competênciado juízo em razão dos atos <strong>da</strong> administração, consiste em apurar a possibili<strong>da</strong>de eexistência <strong>da</strong> irreversibili<strong>da</strong>de do fato jurídico supostamente ofensivo aos interessesdifusos por força <strong>da</strong> prescrição extintiva, e a aplicação <strong>da</strong> Lei nº 7.957/89 em face <strong>da</strong>obrigatória compatibilização com regra geral constitucional de observância obrigatóriapara a situação de acesso ao serviço público.”É o relatório.118VOTOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Rejeito as preliminares suscita<strong>da</strong>s.Nesse sentido, valho-me dos argumentos expostos pelo ilustre Juiz<strong>Federal</strong>, às fls. 1.349/1.356, verbis:“PRELIMINARMENTEDA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZOArgúem os réus, incompetência do juízo e ilegitimi<strong>da</strong>de passiva do IBAMA do RioGrande do Sul, tendo em vista que os atos de reenquadramento impugnados decorreram<strong>da</strong> Administração Central do IBAMA de Brasília/DF.Descabi<strong>da</strong>s as prefaciais em pauta.Ora, não importa que os atos tenham se originado <strong>da</strong> Administração Central doIBAMA em Brasília, visto que tiveram por destino os servidores lotados no Rio Grandedo Sul. Ademais, acaso sejam anulados os reenquadramentos impugnados, os efeitosdiretos desse ato serão sentidos na representação estadual do IBAMA do RS e não emBrasília.Por outro lado, lembra-se que o IBAMA é uma autarquia dividi<strong>da</strong> conforme asuni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> federação; assim sendo, ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de federativa possui autonomia decisóriacircunscrita ao seu território. Logo, como os provimentos irregulares aqui tiveram sede,resta evidente a competência desta Justiça <strong>Federal</strong> e a legitimi<strong>da</strong>de passiva do IBAMAdo Rio Grande do Sul para responder aos termos dessa ação.Por fim, para que não restem dúvi<strong>da</strong>s, destaco que a Lei 7.347/85, artigo 2º, preceituaque a ação civil pública deve ser ajuiza<strong>da</strong> no local do DANO, que terá competênciafuncional, ou seja absoluta. In casu, o local do <strong>da</strong>no corresponde à seção judiciária doRio Grande do Sul, dessarte, por imperativo legal, compete ao juízo federal de PortoAlegre/RS, o processamento deste feito.ART.2 - As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrero <strong>da</strong>no, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.Parágrafo único. A propositura <strong>da</strong> ação prevenirá a jurisdição do juízo para to<strong>da</strong>s asações posteriormente intenta<strong>da</strong>s que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.Pelas razões suso, afasto as preliminares.DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPFAduzem as deman<strong>da</strong><strong>da</strong>s a ilegitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público <strong>Federal</strong> parao ajuizamento dessa deman<strong>da</strong>.Não merece acolhi<strong>da</strong>, outrossim, a prejudicial em pauta.Com efeito, o artigo 127 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> imputou ao Ministério Público<strong>Federal</strong> a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e osinteresses sociais e individuais indisponíveis. Nesse diapasão, o artigo 129, inciso III,atribuiu ao Parquet a promoção do inquérito civil e <strong>da</strong> ação civil pública, para a proteçãodo patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos.Por sua vez, os artigos 1º e 5º <strong>da</strong> Lei Complementar 75/93 rezam:ART. 1 - O Ministério Público <strong>da</strong> União, organizado por esta Lei Complementar, éR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 119


instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe adefesa <strong>da</strong> ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interessesindividuais indisponíveis.ART. 5 - São funções institucionais do Ministério Público <strong>da</strong> União:I - a defesa <strong>da</strong> ordem jurídica do regime democrático, dos interesses sociais edos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintesfun<strong>da</strong>mentos e princípios:a) (...)h) a legali<strong>da</strong>de, a impessoali<strong>da</strong>de, a morali<strong>da</strong>de e a publici<strong>da</strong>de, relativas àadministração pública direta, indireta ou fun<strong>da</strong>cional, de qualquer dos Poderes <strong>da</strong>União;II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:a) (...)III - a defesa dos seguintes bens e interesses:a) o patrimônio nacional;b) o patrimônio público e social;c) (...)IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos <strong>da</strong> União, dos serviços derelevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias,condições, direitos, deveres e ve<strong>da</strong>ções previstos na Constituição <strong>Federal</strong> e na lei,relativos à comunicação social;V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos <strong>da</strong> União e dos serviços derelevância pública quanto:a) aos direitos assegurados na Constituição <strong>Federal</strong> relativos às ações e aos serviçosde saúde e à educação;b) aos princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> impessoali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de;VI - exercer outras funções previstas na Constituição <strong>Federal</strong> e na lei.§ 1º Os órgãos do Ministério Público <strong>da</strong> União devem zelar pela observância dosprincípios e competências <strong>da</strong> Instituição, bem como pelo livre exercício de suas funções.§ 2º Somente a lei poderá especificar as funções atribuí<strong>da</strong>s pela Constituição <strong>Federal</strong>e por esta Lei Complementar ao Ministério Público <strong>da</strong> União, observados os princípiose normas nelas estabelecidos. (grifei)Assim, a legitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público <strong>Federal</strong> evidencia-se na defesa <strong>da</strong>ordem jurídica, que corresponde a anulação de atos praticados pelo IBAMA, que nãoobservou a imposição constitucional de realização de concurso público para provimentosderivados de cargos públicos, artigo 37, inciso II, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.Saliento, igualmente, que a capaci<strong>da</strong>de do MPF ser parte ativa neste feito, extraisedo seu dever constitucional de tutelar o patrimônio público e os interesses difusose coletivos, bem como no respeito aos princípios constitucionais <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>obrigatorie<strong>da</strong>de de concurso público, <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de administrativa e <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,que, face à conduta do réu IBAMA estariam eivados de mácula.No mesmo sentido, o precedente jurisprudencial que segue:120R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INTERESSES DIFUSOS – COMPETÊNCIA –MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.I. AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL É CONFERIDACONSTITUCIONALMENTE CAPACIDADE POSTULATÓRIA ATIVA DE AÇÃOCIVIL PÚBLICA PARA A DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS (ARTIGO 129,INCISO III).II. (...)’ (AG 26268-90 SP, TRF 3ª <strong>REGIÃO</strong>, JUIZ SERGIO LAZZARINI)Pelo exposto, refuto a prefacial.DO TRATAMENTO COMO RÉUAsseveram os réus, exceto o IBAMA, que foram indevi<strong>da</strong>mente citados como réus,enquanto deveriam obter tratamento de litisconsortes passivos necessários.Tenho por irrelevante a objeção em apreço. Como bem salientou o Parquet <strong>Federal</strong>em sua réplica, independentemente de como figuram tais sujeitos no pólo passivo <strong>da</strong>deman<strong>da</strong>, quer como réus, quer como litisconsortes passivos necessários, importafixar que os efeitos que defluirão de futura sentença em na<strong>da</strong> serão alterados, umavez que, julga<strong>da</strong> procedente a ação, restarão obrigados a retornar ao status quo ante.A propósito, o litisconsórcio, espécie do gênero processual <strong>da</strong> plurali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s partes,é o fenômeno pelo qual se verifica uma plurali<strong>da</strong>de de pessoas compondo um mesmopólo, ou ambos, de uma relação jurídica processual. Tem por finali<strong>da</strong>des precípuas aeconomia processual e a harmonia dos julgados, evitando-se a existência de decisõescontraditórias.Ocorre o litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei, ou pela natureza<strong>da</strong> relação jurídica, somente será possível a formação do processo, com a presença demais de um autor, réu ou ambos, ou seja, quando o tratamento <strong>da</strong> relação jurídicalitigiosa exija a presença de todos os interessados. Nesse passo, a não-citação de umdos litisconsortes gera a nuli<strong>da</strong>de do feito.O conceito de ‘necessarie<strong>da</strong>de’, portanto, refere-se à integração nos pólos <strong>da</strong> relaçãoprocessual de todos os interessados.Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra Litisconsórcio (Ed. Malheiros, 5ª Edição,Sp, 1997, página 39), define litisconsórcio <strong>da</strong> seguinte forma:‘O litisconsórcio é a situação caracteriza<strong>da</strong> pela coexistência de duas ou maispessoas do lado ativo ou do lado passivo <strong>da</strong> relação processual, ou em ambas asposições (independentemente de estarem reuni<strong>da</strong>s no mesmo pólo ou serem distintasas situações).O que caracteriza litisconsórcio é essa presença simultânea de pessoas que, dealguma forma, adquiriram a quali<strong>da</strong>de de autores ou réus no mesmo processo (aquisiçãode quali<strong>da</strong>de de parte).’ -grifei-E continua o citado autor (fl. 22):‘Adquire-se a quali<strong>da</strong>de de parte no momento em que a pessoa passa a ter atitulari<strong>da</strong>de acima descrita (independentemente do exercício efetivo dos poderes efacul<strong>da</strong>des, ou seja, independentemente <strong>da</strong> prática de atos do processo), o que aconteceR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 121


mediante quatro momentos distintos: a) pela deman<strong>da</strong> (quem pratica o ato de iniciativaganha, desde logo, a condição de deman<strong>da</strong>nte - autor, exequente); b) pela citação (comela o citado passa a ser réu, ou executado); c) pela intervenção espontânea (ingressandoem processo pendente o terceiro passa a ser parte <strong>da</strong> relação processual inicialmenteconstituí<strong>da</strong> entre outras pessoas); d) pela sucessão (o sucessor, ou sucessores, passama ocupar o lugar deixado pelo sucedido).É claro que os meios ordinários de alçar alguém à condição de parte no processoestão intimamente ligados à deman<strong>da</strong> judicial, quem a propõe em juízo adquire ipsofacto a qualificação de autor e aquela pessoa que ela indica como deman<strong>da</strong>do será réutão-logo seja feita a citação.’ -grifei-Conclui-se, assim, que, em termos de procedimento, não há diferença emchamar-se o deman<strong>da</strong>do de litisconsorte necessário (quando existe mais de um réu) oude réu, pois é através <strong>da</strong> citação que adquire a possibili<strong>da</strong>de de formar o pólo passivo<strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, defendendo-se <strong>da</strong>s alegações do autor. Ademais, a doutrina, o legisladore a jurisprudência, de um modo geral, utilizam a nomenclatura de ‘réu’ quando queremreferir-se ao pólo passivo <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> no processo de conhecimento.Gize-se que pessoas diversas podem ostentar posição de réu sob fun<strong>da</strong>mentosdiferentes, o que não retira suas legitimi<strong>da</strong>des para responderem aos termos <strong>da</strong> açãono pólo passivo.De outra parte, consoante leciona Hely Lopes Meirelles, em sua obra intitula<strong>da</strong>Man<strong>da</strong>do de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Man<strong>da</strong>do de Injunção,Habeas Data (Editora Malheiros, 21ª edição, SP, 1999, fl. 161), quando examina oprocedimento <strong>da</strong> ação civil pública, esclarece que:‘A legitimação passiva estende-se a todos os responsáveis pelas situações ou fatosensejadores <strong>da</strong> ação, sejam pessoas físicas ou jurídicas, inclusive estatais, autárquicasou paraestatais, porque tanto estas como aquelas podem infringir normas de direitomaterial de proteção ao meio ambiente ou ao consumidor, incidindo na previsão doartigo 1º <strong>da</strong> Lei 7.347/85 e expondo-se ao controle judicial de suas condutas.’Desta feita, afasto a preliminar em comento.DA CITAÇÃO DE TODOS OS FUNCIONÁRIOS OCUPANTES DOS CARGOSEM QUE RETORNARÃO OS RÉUSNessa linha, entendo desnecessária a citação dos funcionários ocupantes dos atuaiscargos em que, acaso procedente a deman<strong>da</strong>, irão ser ocupados pelos deman<strong>da</strong>dos.Com efeito, a anulação dos provimentos irregulares ocasionará o retorno ao statusquo ante, o que redun<strong>da</strong> na desocupação dos cargos que atualmente ocupam e a voltaaos cargos originais. Entrementes, dita situação deve ser analisa<strong>da</strong> administrativamentepela autarquia ré, e não nesses autos, por não fazer parte do objeto <strong>da</strong> lide.Conforme bem salientou o Ministério Público <strong>Federal</strong>, fl. 1326, ‘o tratamento<strong>da</strong>do a tais casos é de cunho administrativo, como constitucionalmente se entrevêdo artigo 41, parágrafo 2º: ‘Invali<strong>da</strong><strong>da</strong> por sentença judicial a demissão do servidorestável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante <strong>da</strong> vaga, se estável, reconduzidoao cargo de origem, sem direito à indenização, aproveitado em outro cargo ou postoem disponibili<strong>da</strong>de, com remuneração proporcional ao tempo de serviço.’ Da mesma122R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


forma trata a legislação pertinente aos servidores públicos (Lei 8.112/90, artigo 28,caput e § 2º e artigo 29).’Evidente que o interesse no feito em tela, quanto ao pólo passivo, diz respeitosomente ao IBAMA do RS, tendo em vista que os atos praticados deram-se sob suaesfera de competência, e aos ocupantes dos cargos mediante provimentos derivados,que teriam se beneficiado do ato inconstitucional e ilegal, porquanto ambos visam àprevalência dos reenquadramentos.Assim, indefiro o pedido.DA QUEBRA DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, UNIFORMIDADE EIMPESSOALIDADEMelhor sorte não ampara aos réus no que pertine à alegação de afronta aos princípios<strong>da</strong> isonomia, uniformi<strong>da</strong>de e impessoali<strong>da</strong>de. Não existiu, por parte do MinistérioPúblico <strong>Federal</strong>, a ‘escolha de somente os servidores do IBAMA do Rio Grande doSul’. Ora, consoante referido alhures, o IBAMA constitui-se em autarquia federal, masca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> federação detém autonomia administrativa e financeira para praticaros atos referentes aos seus misteres.Assim, obviamente, se o ato eivado de nuli<strong>da</strong>de refere-se ao IBAMA do Rio Grandedo Sul, contra ele deverá ser proposta a ação. Acaso referente à autarquia de outroEstado <strong>da</strong> Federação, contra essa será dirigi<strong>da</strong>. Nesse diapasão, conforme informouo Parquet <strong>Federal</strong>, as ilegali<strong>da</strong>des ocorri<strong>da</strong>s em outras uni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Federação foramobjeto de outros processos ajuizados pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>.Ademais, registro que não convém abarcar numa mesma ação todos os procedimentosimputados ilegais no território nacional, com relação aos provimentos derivados doIBAMA, visto que ca<strong>da</strong> caso possui suas peculiari<strong>da</strong>des e diferenças. Logo, não seriaadequado <strong>da</strong>r o mesmo tratamento para situações díspares, sob pena de aí sim, afrontaros princípios <strong>da</strong> uniformi<strong>da</strong>de, igual<strong>da</strong>de e impessoali<strong>da</strong>de.Lembra-se, por oportuno, que o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, na sua esfera material,encerra a máxima: ‘tratar igualmente os iguais e desigualmente os diferentes’,exatamente o que observou o Ministério Público <strong>Federal</strong> quando ingressou com açõescomo a em comento, observando as peculiari<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> situação, de modo quedescabi<strong>da</strong> a irresignação em tela.Nessa esteira, a ementa a seguir coleciona<strong>da</strong>, no sentido de ser necessária somentea presença dos funcionários cuja nomeação se pretende anular:‘PROVIMENTO DERIVADO DE CARGO PÚBLICO.INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NULIDADE DENOMEAÇÕES. SERVIDORES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.1. O reconhecimento, em ação direta, <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> disposiçãonormativa que estabelece forma de provimento derivado de cargo público, nomea<strong>da</strong>mentea de ascensão funcional, não importa, automaticamente, a desconstituição dos atosadministrativos anteriormente praticados.2. Tratando-se de ação civil pública objetivando a anulação de nomeações a cargospúblicos, é indispensável a presença, na relação processual, de todos os servidorescuja nomeação se preten<strong>da</strong> anular, já que litisconsortes passivos necessários, na formaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 123


do art. 47 do CPC.’ (Origem: TRIBUNAL:TR4 Acórdão DECISÃO: 26.01.2000PROC:AG NUM:0401052234-3 ANO:1999 UF:RS TURMA:TERCEIRA TURMA<strong>REGIÃO</strong>:TRIBUNAL – <strong>QUARTA</strong> <strong>REGIÃO</strong> – AGRAVO DE INSTRUMENTO 45293Fonte: DJU, DATA:26.07.2000 p.164 Relator: JUIZ TEORI ALBINO ZAVASCKI)”.124Nesse sentido, também, o parecer do MPF às fls. 1.520/2, verbis:“2.1 - Do foro competente para ajuizamento <strong>da</strong> ação civil pública.A Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, em seu art. 109, I, estabelece a competência dosJuízes Federais para processar e julgar as lides em que a União, empresas públicas ouenti<strong>da</strong>des autárquicas atuem na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, <strong>da</strong>mesma forma que dá contornos territoriais a competência federal no § 2º do sobreditodispositivo constitucional estabelece que:‘As causas intenta<strong>da</strong>s contra a União poderão ser afora<strong>da</strong>s na seção judiciária emque for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origemà deman<strong>da</strong> ou onde esteja situa<strong>da</strong> a coisa, ou, ain<strong>da</strong>, no Distrito <strong>Federal</strong>’.Harmonizando-se com tal disposição, adveio a Lei <strong>da</strong> Ação Civil Pública, quedelimitou a competência ao foro onde ocorrer o <strong>da</strong>no (art. 2º <strong>da</strong> Lei 7.347/85):‘As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o <strong>da</strong>no,cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa’.Assim, restou fixado critério de competência territorial funcional, que deu naturezaabsoluta a competência do juízo, indeclinável e improrrogável.Tal critério de competência é absolutamente compatível ao tipo de instrumento <strong>da</strong> açãocivil pública, onde se prioriza o interesse público pela efetivi<strong>da</strong>de do próprio processo,com a proximi<strong>da</strong>de física do juízo ao local do <strong>da</strong>no, como preleciona Rodolfo CamargoMancuso (in Ação Civil Pública, Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição, p. 59).Ademais, tratando-se de ato administrativo oriundo de autarquia federal, devese ter em conta que tais pessoas jurídicas de direito público, considera<strong>da</strong>s como deregime especial, por força do Dec. 200, gozam de autonomia administrativa e degestão orçamentária financeira e patrimonial na esfera de suas uni<strong>da</strong>des orgânicas,sendo competente a sede <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de federativa onde os reenquadramentos surtiramseus efeitos.2.2 - Da legitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público.A Constituição <strong>Federal</strong> conferiu ao Ministério Público, dentre suas funçõesinstitucionais, a ‘defesa <strong>da</strong> ordem jurídica, do regime democrático e dos interessessociais e individuais indisponíveis’ (art. 127-caput), mas previu a possibili<strong>da</strong>dede exercício de outras ‘que lhe forem conferi<strong>da</strong>s, desde que compatíveis com suafinali<strong>da</strong>de...’ (art. 129-IX).Conferiu também a Lei maior o uso dos instrumentos adequados à persecução deseus fins institucionais (art. 129- III), onde se destaca a ação civil pública:Artigo 129. ‘São funções institucionais do Ministério Público:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimôniopúblico social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;’(sem grifono original)Neste diapasão, a Lei Complementar nº 75/93, por sua vez, estabeleceu, no seu art.6º, inciso VII, a legitimi<strong>da</strong>de do Ministério Público <strong>da</strong> União para promover o inquéritocivil e a ação civil pública com o objetivo proteger ‘outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos’ (alínea d).A legitimação do Ministério Público é, portanto, ope legis como se infere <strong>da</strong>interpretação sistemática do ordenamento jurídico vigente.Essa legitimi<strong>da</strong>de tem por objetivo a salvaguar<strong>da</strong> do interesse social ínsito na relaçãojurídica focaliza<strong>da</strong> através do processo jurisdicional, anterior e superior à realização dointeresse individual <strong>da</strong>s partes - direito subjetivo. Refere propriamente a realização dodireito objetivo, atingido por uma ou outra parte, de forma a promover a restauraçãodo sistema jurídico.Assim, a atuação do Ministério Público, no caso de direitos individuais homogêneos,explica-se na medi<strong>da</strong> em que a restauração <strong>da</strong> ordem jurídica implica atendimento aosprincípios basilares do Estado Democrático de Direito, que vão desde a igual<strong>da</strong>de detratamento à segurança e paz social. Assim estar-se-ia contornando a estatici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>função jurisdicional, permitindo o alcance de uma gama de ci<strong>da</strong>dãos, que estariamvinculados a uma situação jurídica de origem comum, atendendo assim o princípioconstitucional <strong>da</strong> isonomia.No caso concreto, percebe-se que a ação em comento tem por objetivo a anulaçãode atos administrativos de ascensão funcional em total arrepio dos princípios basilaresconstitucionais que regulam a ativi<strong>da</strong>de administrativa, posto que a autarquia nãoobservou a exigência constitucional de realização de concurso público para provimentode cargos públicos, consoante previsto no inc. II do art. 37 <strong>da</strong> CF.A legitimação do Ministério Público, portanto, em casos que tais, não tem porobjetivo primordial a restauração dos status quo ante dos particulares prejudicados(objetivo secundário), mas concretizar valor a ele subjacente, necessário à construçãode uma socie<strong>da</strong>de igualitária e intolerante à ilegali<strong>da</strong>de, principalmente parti<strong>da</strong> doPoder Público (objetivo principal).De igual sorte, mesmo havendo interesse individual homogêneo, quantoàqueles particularmente afetados pela ascensão funcional, os quais poderiamter ingressado no serviço público, pela forma constitucionalmente admiti<strong>da</strong>para tanto, o interesse público na restauração (cumprimento) do ordenamentojurídico legitima o Ministério Público para atuar no feito, posto que se está diantetambém de um interesse difuso, nota<strong>da</strong>mente quando implica objetivamente namorali<strong>da</strong>de do serviço público, além <strong>da</strong> própria legali<strong>da</strong>de e finali<strong>da</strong>de espera<strong>da</strong><strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa, onde a transindividuali<strong>da</strong>de e indivisibili<strong>da</strong>de dodireito é de alcance indeterminável.Assim, todos os ci<strong>da</strong>dãos são legítimos interessados nessa relação, onde ‘se põemnuma mesma espécie de comunhão tipifica<strong>da</strong> pelo fato de que a satisfação de um sóimplica por força a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui, ipsoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 125


facto, lesão <strong>da</strong> inteira coletivi<strong>da</strong>de’. (Barbosa Moreira in A legitimação para a Defesados Interesses Difusos no Direito Brasileiro, Revista Ajuris 32/82)A regra constitucional, a propósito, destina-se não apenas a estabelecer a morali<strong>da</strong>dee a impessoali<strong>da</strong>de no acesso aos cargos públicos, mas igualmente a garantir a to<strong>da</strong>população um serviço público de quali<strong>da</strong>de, que certamente não será concretizado peloapadrinhamento no preenchimento dos claros existentes.Em suma, tem como objetivo principal o fornecimento de um serviço público dequali<strong>da</strong>de, direito que se difunde por to<strong>da</strong> população.”126Rejeito, igualmente, a alega<strong>da</strong> prescrição.A respeito, anotou o ilustre representante do MPF, a fls. 1.523/5, verbis:“2.3 - Quanto à prescrição.O mundo ocidental, como é por todos sabido, sofreu decisiva influência <strong>da</strong>s idéiasliberalistas que determinaram a Revolução Francesa, onde o objetivo principal foilimitar o poder do Estado e exaltar o homem enquanto ser individual. Isso veio a serefletir também na ordem jurídica, salvo no que respeita à jurisdição criminal, de modoque o funcionamento do Poder Judiciário ficou na dependência <strong>da</strong> vontade do titular do‘direito individual’ invocado, enquanto a legislação material, como não poderia deixarde ser, passou a também regular exclusivamente relações jurídicas de ordem individual(relação de base). Sobre a matéria não se pode deixar de trazer à baila a lição de JOSÉDE ALBUQUERQUE ROCHA:‘Conclusão: a legitimação dos entes coletivos apresenta perfil singular. Por isso,exige ruptura com os critérios classificatórios clássicos, ancorados nos dogmas doliberalismo, que vê o conflito social como choque de interesses interindividuais, visãoinsuficiente para explicar a atual reali<strong>da</strong>de social caracteriza<strong>da</strong> pelo surgimento dosconflitos coletivos e difusos.’ (Teoria Geral do Processo, p. 194, São Paulo, MalheirosEditores, 1996). Sem grifos no original.E foi, inspirado no liberalismo que também se estabeleceram os princípios queregem a prescrição e a decadência, ou melhor dizendo, resultaram de considerações quetinham em mira as relações de natureza individual, sem embargo de já se considerardeterminados interesses que, por suas nuances próprias, eram julgados indisponíveis.O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> prescrição - instituto que faz perecer a actio romana (ação dedireito material), um dos efeitos do fato jurídico beneficiário do credor, inviabilizandoa ação processual contra seu devedor - está exatamente na necessi<strong>da</strong>de de criação demecanismos de defesa <strong>da</strong>s relações jurídicas individuais, cuja eficácia não pode durarindefini<strong>da</strong>mente, pelo menos quando se tem em vista as conseqüências de ordemeconômica.Ao lado dela, instituiu-se também a decadência, cuja ocorrência faz perecer o próprio‘direito subjetivo’, cujo fun<strong>da</strong>mento, apesar de também ter em mira a segurança <strong>da</strong>srelações jurídicas, é a proteção <strong>da</strong>quelas relações jurídicas individuais cujo interessepúblico reclama um tratamento mais rígido na sua manutenção, razão pela qual instituiu-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


se um prazo diminuto para a ação visando sua desconstituição.Por fim, existem determinados direitos que, por seu interesse individual e socialnão podem estar sujeitos à prescrição, como é o caso dos direitos de personali<strong>da</strong>de(vi<strong>da</strong>, liber<strong>da</strong>de, etc.) e <strong>da</strong>queles relacionados ao estado <strong>da</strong> pessoa (condição de filho,de esposo, etc.), salvo no que respeita aos efeitos econômicos dele derivados.Como se observa, até mesmo o sistema jurídico inspirado no liberalismo reconhecea existência de direitos que não podem, por razões de interesse público, estar sujeitosà prescrição. Em outras palavras, mesmo o direito oriundo <strong>da</strong>s idéias que se fizeramecoar na Revolução Francesa reconhece a necessi<strong>da</strong>de de criar mecanismos protetivoscontra a extinção de determina<strong>da</strong>s relações jurídicas, a exemplo do que se vê nos casosde decadência e de imprescritibili<strong>da</strong>de, o que era e continua sendo justificado pelointeresse social.Em tudo isso resta a certeza de que o instituto <strong>da</strong> prescrição, nos moldes como foiconcebido, não teve qualquer objetivo de regular os denominados interesses difusos ecoletivos de efeitos sociais. Daí a in<strong>da</strong>gação: é possível sua aplicação para os interessesque reclamam a tutela por intermédio <strong>da</strong> ação civil pública, excluídos os individuaishomogêneos? A resposta é no sentido de que as razões que explicam a imprescritibili<strong>da</strong>dede determinados direitos individuais são inteiramente aplicáveis aos interesses quereclamam a tutela jurisdicional coletiva (interesses difusos e coletivos de efeitos sociais).A propósito, imagine-se a hipótese de o poluidor sustentar a prescrição <strong>da</strong> ação queataca sua conduta, reclamando, assim, o direito de continuar poluindo. Esse exemplosingelo demonstra a impossibili<strong>da</strong>de de se aceitar a prescrição de ato violador <strong>da</strong> ordemjurídica, quando ofensivo ao interesse público. Essa forma de encarar a questão encontrarespaldo na doutrina de EDIS MILARÉ, a saber:‘A ação civil pública não conta com disciplina específica em matéria prescricional.Tudo conduz, entretanto, à conclusão de que se inscreve ela no rol <strong>da</strong>s açõesimprescritíveis.A doutrina tradicional repete uníssona que só os direitos patrimoniais é que estãosujeitos à prescrição. ‘Precisamente, os direitos patrimoniais é que são prescritíveis.Não há prescrição senão de direitos patrimoniais, afirma o grande Clóvis Bevilácqua....Ora, a ação civil pública é instrumento para tutela jurisdicional de bens-interessesde natureza pública, insuscetíveis de apreciação econômica, e que têm por marcacaracterística básica a indisponibili<strong>da</strong>de. Versa, portanto, sobre direitos não patrimoniais,direitos sem conteúdo pecuniário.Qual, por exemplo, o valor do ar que respiro? Da praça onde se deleitam os velhose crianças? Do manancial que abastece minha ci<strong>da</strong>de?É claro que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não éum direito patrimonial, muito embora seja passível de valoração, para efeitoindenizatório.’ (A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional, pp. 15/16, SãoPaulo, Saraiva, 1990).No caso concreto, muito mais que atacar o ato beneficiador dos réus/recorrentes,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 127


usca-se a restauração do princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, do respeito às normas constitucionaisque servem de pilares para a ordem jurídica, e finalmente de um ato de vontade <strong>da</strong>soberania, expressa<strong>da</strong> pelo Poder Constituinte, direcionador <strong>da</strong> forma como deve agira Administração em relação aos administrados, muito especialmente do respeito aoprincípio <strong>da</strong> isonomia. O desrespeito a esses princípios básicos que guiam a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>instituição estatal são imprescritíveis, principalmente porque formam a base necessáriaà sobrevivência do Estado e às vezes <strong>da</strong> própria humani<strong>da</strong>de.A ação civil pública, pois, é imprescritível.”128Essa é a jurisprudência desta Corte, verbis:“APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.71.00.001459-7/RSRELATOR: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZAPELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSSADVOGADO: Patricia Helena BonzaniniAPELADO: ROBERTO LOPES DOS SANTOSADVOGADO: Aloisio Jorge Holzmeier e outrosREMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA 10ª VARA FEDERAL DE PORTO ALEGRE/RSEMENTAADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO. SÚMULA 473DO STF. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI N.º 9.784/99. EFEITOS.1. O disposto no art. 54 <strong>da</strong> Lei n.º 9.784/99 não se aplica ao ato nulo, pois é pacíficoo entendimento do STF de que não há falar-se em direito subjetivo à manutenção dosefeitos de ato administrativo, se praticado em desconformi<strong>da</strong>de com a lei (in RTJ143/251; 146/658).No mesmo sentido, a lição <strong>da</strong> doutrina: Miguel Reale, in ‘Revogação e Anulamentodo Ato Administrativo’, 2ª edição, Forense, 1980, pp. 65 e seguintes; Themístocles B.Cavalcanti, in ‘Teoria dos Atos Administrativos’, RT, 1973, p.185; Ruy Cirne Lima, in‘Princípios de Direito Administrativo’, 6ª edição, RT, 1987, p.93; Pontes de Miran<strong>da</strong>,in ‘Tratado de Direito Privado’, <strong>4ª</strong> edição, RT, 1983, t. IV, pp.20/1.Pertinente, a respeito, o magistério de Paul Roubier, verbis:‘La non-observation des conditions de validité posées par la loi à la confection decet acte aura pour sanction une action de nullité ou en rescision, c’est à-dire une actionqui n’entrait aucunement <strong>da</strong>ns les vues de l’auter (ou des auteurs) de l’acte juridique.Ici encore cette action nºest pas fondée sur la violation d’un droit antérieur, elleest fondée sur une infraction à un devoir, le devoir d’observer les conditions légalesde validité de l’acte posées par la loi.’(In Droits Subjectifs et Situations Juridiques, Dalloz , Paris, 1963, pp. 74/75).É o princípio insculpido na Súmula 473 do STF.2. Provimento <strong>da</strong> apelação e <strong>da</strong> remessa oficial.ACÓRDÃOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide a Terceira Turmado <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria, venci<strong>da</strong> a Desembargadora<strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas Labarrère, <strong>da</strong>r provimento à apelação e à remessaoficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 12 de novembro de 2002.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Relator”.“APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.71.01.002101-0/RSRELATOR: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZAPELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO RIO GRANDEADVOGADO: Sergio Amaral Campello e outroAPELADO: CECY LIMA RAMISADVOGADO: Milton Luís Xavier Gabino e outrosREMETENTE: JUÍZO SUBSTITUTO DA 2ª VARA FEDERAL DE RIO GRANDE/RSASSISTENTE: UNIÃO FEDERALADVOGADO: José Diogo Cyrillo <strong>da</strong> SilvaEMENTAADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO PELAADMINISTRAÇÃO. SÚMULA 473 DO STF. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI Nº9.784/99. EFEITOS.1. A Administração Pública pode revogar o ato administrativo quando praticado emviolação ao texto constitucional.É o princípio insculpido na Súmula 473 do STF.Quod nullum est nullum producit effectum.Realmente, a jurisprudência <strong>da</strong> Suprema Corte é no sentido de que não há falar-seem direito subjetivo à manutenção dos efeitos de ato administrativo, se praticado emdesconformi<strong>da</strong>de com a lei, sendo, para tal, irrelevante ain<strong>da</strong> o tempo decorrido (REnº 136.236-SP, rel. Min. ILMAR GALVÃO, in RTJ 146/658).Ora, no caso em exame, a inconformi<strong>da</strong>de do ato impugnado pela apelante visaprevenir a violação do próprio texto constitucional (art. 37, caput – princípio <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de), incidindo, assim, a lição do consagrado constitucionalista norte-americano,WESTEL W. WILLOUGHBY, quando afirma, verbis:‘An unconstitutional act is not a law, it confers no rights, it imposes no duties, itaffords no protec - tion, it creates no office; it is, in lega contemplation, as inoperativeas though it had never been passed.’ (in The Constitutional Law of The United States,Baker, Voorhis & Company, New York, 1910, v. I, p. 10, § 5)Pertinente, ain<strong>da</strong>, o ensinamento de PAUL ROUBIER, verbis:‘La non-observation des conditions de validité possées par la loi à la confection decet acte aurapour sanction une action de nullité ou en rescision, c’est-à-dire une actionqui nºentrait aucunement <strong>da</strong>nsles vues de l’auter (ou des auteurs) de l’acte juridique.Ici encore cette action nºest pas fondée sur Ia violation d’un droit antérieur, elleest fondée sur une infraction à un devoir, le devoir d’observer les conditions légalesR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 129


de validité de l’acte posées par la loi.’ (in Droits Subjectifs et Situations Juridiques,Dalloz, Paris, 1963, pp. 74/5)2. O prazo decadencial previsto no art. 54 <strong>da</strong> Lei nº 9.784/99 não se aplica aosatos praticados em desconformi<strong>da</strong>de com a Constituição <strong>Federal</strong>, pois implicariaconstitucionalizar no âmbito <strong>da</strong> Administração o que é inconstitucional, violando oprincípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de insculpido no art. 37 <strong>da</strong> Lei Maior.Provimento <strong>da</strong> apelação e <strong>da</strong> remessa oficial.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide a TerceiraTurma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimentoà apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 8 de outubro de 2002.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Relator”.No que concerne ao mérito propriamente dito <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, impõe-se,com a devi<strong>da</strong> vênia, a reforma do decisum.Com efeito, é sabido que o Pretório Excelso, a partir do julgamento<strong>da</strong> ADIn nº 231, em 05.08.92, em aresto publicado na RTJ 144/24,deliberou no sentido <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de de disposições normativasque estabeleciam formas de provimento derivado de cargos públicos,sobretudo a de ascensão funcional.É manifesto, porém, que a doutrina <strong>da</strong> pretendi<strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de ab initio<strong>da</strong> lei inconstitucional não pode ser entendi<strong>da</strong> em termos absolutos, poisque os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos,de forma sumária, por simples obra de uma decisão judicial.Nesse sentido, os Tribunais têm encontrado meios para salvar certosefeitos de fato que a inconstitucionali<strong>da</strong>de não pode cancelar.Certamente inspirado na jurisprudência, nota<strong>da</strong>mente do STF, oLegislativo, recentemente, editou a norma constante no art. 27 <strong>da</strong> Leinº 9.868/99.Ao comentar o alcance do mencionado dispositivo legal, assinalao eminente jurista Teori Albino Zavascki, em sua já consagra<strong>da</strong> obraEficácia <strong>da</strong>s Sentenças na Jurisdição Constitucional, editora Rev. dosTribs., 2001, pp. 49/50, verbis:“Essa doutrina, que afirma a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> norma inconstitucional e a naturezadeclaratória <strong>da</strong> sentença que a reconhece, não fica, de modo algum, comprometi<strong>da</strong> coma regra constante do art. 27 <strong>da</strong> Lei 9.868, de 10.11.99, segundo a qual, ‘ao declarar a130R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurançajurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, pormaioria de dois terços dos seus membros, restringir os efeitos <strong>da</strong>quela declaraçãoou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outromomento que venha a ser fixado’. Tal dispositivo, na ver<strong>da</strong>de, reafirma a tese, poisdeixa implícito que os atos praticados com base em lei inconstitucional são atos nulose que somente podem ser mantidos em virtude de fatores extravagantes, ou seja, por‘razões de segurança pública ou de excepcional interesse social’. Ao mantê-los, pelosfun<strong>da</strong>mentos indicados, o Supremo não está declarando que foram atos válidos, nemestá assumindo a função de ‘legislador positivo’, criando uma norma - que só poderiaser de hierarquia constitucional - para vali<strong>da</strong>r atos inconstitucionais. O que o Supremofaz, ao preservar determinado status quo formado irregularmente, é típica função de juiz.Com efeito, não é nenhuma novi<strong>da</strong>de, na rotina dos juízes, a de terem diante desi situações de manifesta ilegitimi<strong>da</strong>de cuja correção, to<strong>da</strong>via, acarreta <strong>da</strong>no, fáticoou jurídico, maior do que a manutenção do status quo. Diante de fatos consumados,irreversíveis ou de reversão possível, mas comprometedora de outros valoresconstitucionais, só resta ao julgador – e esse é o seu papel – ponderar os bens jurídicosem conflito e optar pela providência menos gravosa ao sistema de direito, ain<strong>da</strong> quandoela possa ter como resultado o <strong>da</strong> manutenção de uma situação originariamente ilegítima.Em casos tais, a eficácia retroativa <strong>da</strong> sentença de nuli<strong>da</strong>de importaria a reversão deum estado de fato consoli<strong>da</strong>do, muitas vezes, sem culpa do interessado, que sofreriaprejuízo desmesurado e desproporcional. Mutatis mutandis, é justamente esse o quadrosuposto pelo art. 27 <strong>da</strong> Lei 9.868, de 10.11.99, o de um manifesto conflito entre valoresconstitucionais de mesma hierarquia: de um lado, a nuli<strong>da</strong>de do ato; de outro, o sériocomprometimento <strong>da</strong> segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Tendo dedirimi-lo, o STF faz prevalecer o bem jurídico que considera ser mais relevante nasituação em causa, ain<strong>da</strong> que isso importe a manutenção de atos ou situações formadoscom base em lei que se pressupunha váli<strong>da</strong>, mas que era nula. Isso é julgar, não legislar.O legislador cria normas para disciplinar situações futuras. O Supremo, ao aplicar oart. 27 <strong>da</strong> Lei 9.868, de 10.11.99, faz juízo de valor sobre fatos já passados.Aliás, mesmo antes do advento do referido dispositivo, o Supremo já decidiranaquela linha de orientação: em nome de princípios constitucionais que considerouprevalecentes nas circunstâncias do caso, manteve efeitos pretéritos originados denorma reconheci<strong>da</strong>mente inconstitucional.”E, adiante, faz referência o eminente Magistrado à jurisprudência doSTF, verbis:“Assim, em julgados de 1986 e 1993, apesar do reconhecimento <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s normas de que se originaram, o Supremo manteve, assim mesmo, vantagens auferi<strong>da</strong>spor magistrados, porque entendeu que a recomposição <strong>da</strong> situação irregular importariacomprometimento do princípio <strong>da</strong> irredutibili<strong>da</strong>de de vencimentos.” (STF, RE 105.789,2ª Turma, Ministro Carlos Madeira, RTJ 118:300; RE 122.202, 2ª Turma, MinistroR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 131


Francisco Rezek, DJ de 08.04.1994). (In Op. cit., p. 50, nota 29)Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, o ensinamento do saudoso Ministro João Leitãode Abreu, em sua obra A Vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Ordem Jurídica, Livraria do Globo,1964, pp. 162/3, verbis:“Certas situações, cria<strong>da</strong>s em razão <strong>da</strong> norma inconstitucional, são, por isso, àsvezes, reputa<strong>da</strong>s intangíveis, apesar de se <strong>da</strong>r pela inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei. Amesma tutela que a ordem jurídica, em determinados casos, confere ao ato aparente,na órbita do direito privado, é estendi<strong>da</strong>, desta sorte, pela doutrina que não qualificacomo nula e nenhuma a lei inconstitucional, ao ato desconforme com a Constituição.Múltiplos são os argumentos que se alinham para defender o princípio de que cumpreproteger certos efeitos, produzidos pelo ato irregular ou viciado. Alega-se, na ordemprivatista, entre outras razões, que é imperioso proteger-se a boa-fé dos que tiveramcomo perfeito ou regular o ato que se veio a declarar nulo. Raciocina-se, no direitopúblico, com a presunção de legitimi<strong>da</strong>de dos atos que, nessa esfera, são emanados.Quaisquer que sejam, porém, as explicações articula<strong>da</strong>s, a ver<strong>da</strong>de é que, no fundo,são to<strong>da</strong>s influencia<strong>da</strong>s, conscientemente ou não, pela idéia de que os fatos, em virtude <strong>da</strong>sua própria energia, impõem-se ao reconhecimento <strong>da</strong> ordem jurídica. Se é indiscutívelque esta, pelas injunções normativas, influi nos comportamentos, sujeitando-os aos seusesquemas, é irrecusável, por outro lado, que os próprios comportamentos, reagindo, porvezes, contra as pautas, que lhe são prescritas pela ordem jurídica, seguem o seu própriocaminho, indiferentes às diretrizes que esta lhes assina. Pode a ordem jurídica, semdúvi<strong>da</strong>, hostilizar esses comportamentos e até perseguir, com medi<strong>da</strong>s drásticas, os seusprotagonistas. É o sistema jurídico levado, no entanto, a admiti-los como criadores desituação que merece tutela, quando a negativa de proteção for prejudicial à tranqüili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> ordem, que o direito, antes de tudo, quer garantir nas relações sociais. Nesse caso,a proteção <strong>da</strong> ordem jurídica não lhes é dispensa<strong>da</strong>, porque tenham sido os indivíduos,nos seus comportamentos, autorizados a criar tais situações, mas porque, estas, pela suaprópria energia, forçaram o sistema jurídico a admitir-lhes os efeitos. As normas jurídicasinstituí<strong>da</strong>s de maneira irregular não tiram, pois, a sua eficácia de habilitação recebi<strong>da</strong>pelo órgão que as editou para desviar-se <strong>da</strong>s regras estabeleci<strong>da</strong>s, de modo expresso, nodireito positivo, quanto ao desempenho <strong>da</strong> sua ativi<strong>da</strong>de. A sua eficácia jurídica resulta,antes, dos próprios fatos, não sendo impróprio afirmar-se, para usar a expressão romana,que o direito, nessa hipótese, é criado rebus ipsis et factis.”Nesse mesmo rumo, inclinam-se os seguintes autores: C. A. LúcioBittencourt, in O Controle Jurisdicional <strong>da</strong> Constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sLeis, 2ª edição, Forense, 1968, pp.148/9; Gilmar Ferreira Mendes, inControle de Constitucionali<strong>da</strong>de, Saraiva, 1990, pp.279/280; MarilisaD’Amico, in Giudizio Sulle Leggi ed Efficacia Temporale Delle Decisionidi Incostituzionalità, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1993, p.125 e132R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


seguintes; Maurice Hauriou, in Notes D’Arrèts sur Décisions du ConseilD’État et du <strong>Tribunal</strong> des Conflits, Sirey, Paris, 1929, t. 2º, p.105 eseguintes.Outra não é a lição recolhi<strong>da</strong> no direito norte-americano, consoantese constata <strong>da</strong> leitura do Corpus Juris Secundum, West Publishing CO.,St. Paul, Minn., 1984, v. 16, p. 359, § 108, verbis:“This general rule, however, has been greatly modified, is not to be applied in all cases,is not absolutely or universally true, and there are various exceptions thereto. It has beenstated that it is affected by several other considerations, that a realistic approach has beeneroding this doctrine, that such broad statements must be taken with qualifications, that even anunconstitutional statute is an operative fact, at least prior to a determination of constitutionality,and may have consequences which cannot justly be ignored.”Essa, também, é a jurisprudência dos Tribunais dos Estados Unidos<strong>da</strong> América conforme noticia Oliver P. Field, em sua clássica monografiaThe Effect Of An Unconstitutional Statute, The University of MinnesotaPress, Minneapolis, 1935, p. 2, verbis:“In some instances all courts, federal and state, decide by giving effect tounconstitutional statutes, and giving effect to them directly, as such, for the case underconsideration; in other instances all courts agree that effect shall be given to suchstatutes by use of other legal rules or doctrines, such as estoppel, de facto, or cleanhands in equity.”Ao proferir o seu voto quando do julgamento <strong>da</strong> Reclamação nº 173-DF (Pleno), disse o eminente Min. José Néri <strong>da</strong> Silveira, verbis:“É indiscutível tratar-se de problema melindroso o que se refere a proteção decertos efeitos decorrentes do cumprimento de leis inconstitucionais. Opõem-se,nesse sentido, restrições à regra de que a lei inconstitucional é nula ab initio, oucomo também se expressou, entre nós, a fórmula null and void, írrita e nenhuma. Éentendido, nesse particular, que, embora infringente <strong>da</strong> Constituição, o ato legislativo,assim marcado, é um fato eficaz (it is an operative fact). Estabeleceu-se, segundo certacorrente doutrinária, que, ‘assim como, em direito privado, se protege o ato jurídico,em cuja engendração se insinuou algum vício, mantendo-se-lhe, em parte, os efeitosproduzidos, malgrado a sua anulação pelo órgão judiciário’ - no plano do direito público,igual providência, cale quanto ao ato inconstitucional. Da mesma maneira como se háde tutelar, na esfera do direito privado, em determinados casos, o ato aparente, entendea doutrina, que não qualifica como nula e nenhuma lei inconstitucional, importa sejaestendi<strong>da</strong> aos atos em desconformi<strong>da</strong>de com a Constituição igual proteção. Se, naordem privatista, dentre outras razões, argúi-se a necessi<strong>da</strong>de de proteger a boa-fé dosque tiveram como perfeito ou regular o ato, que se veio a declarar nulo, - no direitoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 133


público, raciocina-se com a presunção de legitimi<strong>da</strong>de dos atos que, nessa esfera, sãoemanados.” (In RTJ 131/29)134E, noutro passo, conclui o ilustre Magistrado, verbis:“De outra parte, se é certo que os atos administrativos podem ser anulados pelaprópria autori<strong>da</strong>de que os praticou, ou de maior graduação, quando contrários àConstituição ou à lei, conforme amplamente examinou esta Consultoria-Geral, emseu Parecer nº 7, de 24 de julho de 1965, publicado no Diário Oficial do Estado,edição de 24 de setembro de 1965, não menos exato é que, segundo esse princípio,há limites ao poder de revisão do ato administrativo, pela própria Administração.A par do direito adquirido de terceiro, a necessi<strong>da</strong>de de o Estado garantir clima desegurança nas relações sociais e na ordem jurídica, a presunção de legitimi<strong>da</strong>dedos atos <strong>da</strong> Administração, robusteci<strong>da</strong> nota<strong>da</strong>mente pelo transcurso de largo tratode tempo, desde a prática do ato inquinado de vício, aconselham a manutenção desituações jurídicas novas decorrentes de atos embora contaminados de ilegali<strong>da</strong>deou inconstitucionali<strong>da</strong>de, e, pois, a sua não decretação de insubsistência.” (In op.cit., p. 30)Nesse sentido, a jurisprudência do STF em inúmeros julgados. (REnº 85.179-RJ, rel. Min. Bilac Pinto, in RTJ 83/921)Ora, as nomeações contesta<strong>da</strong>s na ação civil pública foram efetua<strong>da</strong>sem cumprimento do disposto na Lei nº 7.957/89 e no Decreto nº98.893/90, antes, portanto, de o STF declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s formas deriva<strong>da</strong>s de provimento de cargos públicos.In casu, a contrarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei nº 7.957/89, com o art. 37, II, <strong>da</strong> CF/88e a jurisprudência do STF é evidente.Sucede que, passados mais de dez anos de sua edição, o mencionadotexto legal foi eficaz e gerou conseqüências jurídicas que não podem serdespreza<strong>da</strong>s, nos termos <strong>da</strong> doutrina e <strong>da</strong> jurisprudência já comenta<strong>da</strong>s, eisque criou situações de fato já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s no tempo, cujo desfazimentoviria a afetar a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações jurídicas entre a Administraçãoe seus administrados, com graves e imprevisíveis resultados.Em suas razões de apelo, a fls. 1450/1, assinalou, com inteiro acerto,o Procurador do IBAMA, verbis:“Os instrumentos que viabilizaram a junção dos quadros de pessoal dos órgãos quederam origem ao IBAMA e, conseqüentemente, proporcionaram a implementação deatribuições afetas à sua missão principal, qual seja, a execução <strong>da</strong> Política Nacionaldo Meio Ambiente, como já foi citado, foram a Lei 7.957/89 e o Decreto 98.893/90,embasando o enquadramento que seguiu dois princípios básicos:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


1) <strong>da</strong>r agili<strong>da</strong>de e operacionalizar as funções reabsorvi<strong>da</strong>s dos órgãos queoriginaram o novo Instituto e as instituições recém absorvi<strong>da</strong>s pelo Estado, comoativi<strong>da</strong>de típica; e2) garantir instrumentos estáveis de absorção e aproveitamento de pessoal, a fimde convali<strong>da</strong>r a nova estrutura funcional e as alterações de cargos efetua<strong>da</strong>s comcaráter emergencial.Verifica-se, portanto, que os instrumentos legais acima citados, asseguravam acorreção dos desvios funcionais existentes, posto que estes desvios criavam direitojurídico já plenamente reconhecido em nossos Tribunais, uma vez que os servidoresinvestidos nesses novos cargos, já se encontravam no exercício de suas ativi<strong>da</strong>destípicas específicas, diferentes, portanto, <strong>da</strong>quelas para as quais haviam sido contratados.Considerando o quadro de deficiências quantitativas e qualitativas de RecursosHumanos que atravessava o IBAMA no período de transição, seria injusto admitir,ou até mesmo vislumbrar a hipótese de que os atos administrativos que configurarama situação levanta<strong>da</strong> por esta ação, trouxeram prejuízos ao patrimônio público, mas,ao contrário, mesmo com esse quadro deficitário, o IBAMA, com esforço incomum<strong>da</strong>queles servidores, vem conseguindo realizar operações que vêm obstaculizando asfreqüentes ações de infratores, assegurando a preservação do patrimônio ambientalbrasileiro.Os atos praticados pelo IBAMA, nem de longe, possuem características deilegali<strong>da</strong>de e lesivi<strong>da</strong>de, porque estavam eles autorizados por lei, em plena vigênciano mundo jurídico, e, ain<strong>da</strong>, porque não trouxeram nenhum prejuízo ao patrimôniopúblico. Muito pelo contrário. Foi através desse questionado enquadramento que pôde aAutarquia-Ré formar seu quadro funcional de modo a que seus servidores se investissemde autori<strong>da</strong>de legal para o exercício de suas ativi<strong>da</strong>des, visando ao cumprimento <strong>da</strong>missão que lhe fora confia<strong>da</strong>, e, desde há muito, reclama<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong>de.Em que pese todos os argumentos apresentados, tão-somente a nova ordemorganizacional e funcional, a estrutura de atribuições e a multidisciplinarie<strong>da</strong>de ediversi<strong>da</strong>de de ativi<strong>da</strong>des seriam, por si só, fatores imperativos que obrigaram aAdministração do IBAMA a tomar medi<strong>da</strong>s efetivas, no sentido de promover oreordenamento de seu quadro de pessoal.”Por esses motivos, conheço <strong>da</strong>s apelações e <strong>da</strong> remessa oficial e doulhesprovimento, julgando improcedente a ação civil pública.É o meu voto.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 135


136VOTO DIVERGENTEA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas Labarrère:Ficou comprovado pela listagem contendo o nome de todos os servidoresdo Rio Grande do Sul, que a ação não foi proposta contra todos. Talfato caracteriza violação ao princípio <strong>da</strong> isonomia. Voto, por isso,preliminarmente, no sentido de anular o feito para que sejam citadostodos os servidores.Venci<strong>da</strong> na preliminar, passo ao exame do mérito. Entendo que sóo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ao declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de dosprovimentos derivados, pode estabelecer o termo inicial <strong>da</strong> decisão.Não tendo declarado, na ocasião, que a inconstitucionali<strong>da</strong>de só gerariaefeitos a partir do julgamento, tenho que a decisão tem efeitos ex nunc.Voto, por isso, no sentido de julgar procedente a ação civil pública.APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2002.04.01.035946-9/PRRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth TesslerApelante: Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> RochaAdvogados: Drs. Romeu Felipe Bacellar Filho e outrosApelante: Banco Central do BrasilAdvogados: Drs. Rosa Regina Mehl e outrosApelado: Ministério Público <strong>Federal</strong>Advogado: Dr. Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleRemetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> 5ª Vara <strong>Federal</strong> de Curitiba/PREMENTASentença. Nuli<strong>da</strong>de. Ausência de fun<strong>da</strong>mentação. Descaracterização.Responsabili<strong>da</strong>de do Estado por conduta omissiva. Fiscalização deconsórcios pelo Banco Central do Brasil. Responsabili<strong>da</strong>de subsidiáriae parcial. Sindicância administrativa. Natureza inquisitiva. Dispensado contraditório. Improbi<strong>da</strong>de administrativa. Retar<strong>da</strong>mento de ato deofício. Caracterização. Penas. Aplicação cumulativa. Desnecessi<strong>da</strong>de.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Princípios <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de e razoabili<strong>da</strong>de.1. Não é nula por ausência de fun<strong>da</strong>mentação a sentença onde estãoexpressos os fun<strong>da</strong>mentos fáticos e jurídicos que conduziram a convicçãodo julgador.2. É subjetiva a responsabili<strong>da</strong>de do Estado por sua conduta omissiva,precedentes do STF.3. Ao Banco Central do Brasil, responsável pela autorização,normatização e fiscalização do sistema de consórcios, não pode seratribuí<strong>da</strong> a causa direta do prejuízo advindo <strong>da</strong> má administração<strong>da</strong> empresa que explora a ativi<strong>da</strong>de. A responsabili<strong>da</strong>de do BACENlimita-se aos prejuízos supervenientes ao momento em que já podia edevia decretar a liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial, adotando a medi<strong>da</strong> adequa<strong>da</strong>a obstar a prática <strong>da</strong>nosa ao consumidor.4. A responsabili<strong>da</strong>de do Banco Central do Brasil é subsidiária,restando limita<strong>da</strong> à diferença entre o prejuízo causado, nos termos antesreferidos, e o montante arreca<strong>da</strong>do na liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial e na açãocivil que tramita na Justiça Estadual.5. A sindicância administrativa, de que não resulta qualquer punição,tem natureza tipicamente inquisitiva, dispensando o contraditório.6. A procrastinação <strong>da</strong> prática de ato em razão de interesses alheiosaos interesses do público, configura o indevido retar<strong>da</strong>mento previstona Lei de Improbi<strong>da</strong>de Administrativa situação agrava<strong>da</strong> por se tratar dematéria de relevância pública, a proteção do consumidor e a poupançados consorciados. (art. 129, II, <strong>da</strong> CF/88)7. Não há obrigatorie<strong>da</strong>de de que as sanções previstas no inciso III doartigo 12 <strong>da</strong> Lei nº 8.429/92 sejam aplica<strong>da</strong>s sempre de forma cumulativa.A aplicação depende do juízo de proporcionali<strong>da</strong>de e de razoabili<strong>da</strong>de.8. Caso em que o valor <strong>da</strong> multa, fixa<strong>da</strong> em vinte vezes os proventosatualizados do servidor, mostra-se demasiado levando-se em conta acondenação cumula<strong>da</strong> à per<strong>da</strong> do cargo público.9. Parcialmente provi<strong>da</strong>s a remessa oficial e a apelação do BancoCentral do Brasil, reconhecendo-se sua responsabili<strong>da</strong>de parcial esubsidiária, e parcialmente provi<strong>da</strong> a apelação do co-réu, reduzindo-seo valor <strong>da</strong> multa para cinco vezes os proventos atualmente percebidos.ACÓRDÃOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 137


Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aTerceira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,<strong>da</strong>r parcial provimento à remessa oficial e às apelações, vencido o Des.<strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, nos termos do relatório,voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 5 de agosto de 2003.Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler, Relatora.138RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler: Trata-se deação civil pública ajuiza<strong>da</strong> pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> em face doBanco Central do Brasil e de Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha para a tutelado direito de consumidores de consórcio e de probi<strong>da</strong>de administrativa.Informou o Ministério Público <strong>Federal</strong> que, em razão do númeroexpressivo de reclamações de consorciados pela falta de entrega dosbens (automóveis utilitários, camionetes, eletroeletrônicos diversos)e de cobrança abusiva de saldo de caixa pelo Consórcio NacionalGaribalddi, o Banco Central do Brasil decidiu, já em 03.09.93, realizarfiscalização direta na empresa. A fiscalização leva<strong>da</strong> a efeito teriaflagrado irregulari<strong>da</strong>des nos serviços prestados. Enumerou diversastentativas administrativas que oportunizaram a regularização <strong>da</strong> situação<strong>da</strong> empresa. Afirmou, finalmente, que, somente em 30.09.94 – últimodia antes <strong>da</strong> eleição de 03 de outubro –, o Delegado <strong>Regional</strong>, PauloRoberto Freitas <strong>da</strong> Rocha, manifestou-se favoravelmente à decretação<strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção, remetendo o procedimento para Brasília.Alegou o Ministério Público <strong>Federal</strong> que os depoimentos de cerca devinte pessoas confirmariam o fato de que se sabia que a decretação <strong>da</strong>liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial do Consórcio Garibalddi sairia somente apósas eleições de 03 de outubro com o fim de proteger o suposto dono <strong>da</strong>empresa, o candi<strong>da</strong>to ao Senado <strong>Federal</strong> Antônio Celso Garcia. Concluique o teor dos depoimentos demonstrariam que o Antônio Celso Garciaé, de fato, controlador do Consórcio Nacional Garibalddi e que, por sercandi<strong>da</strong>to ao Senado nas eleições de 03 de outubro de 1994, teve retar<strong>da</strong><strong>da</strong>a decretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial de sua empresa.Sustentou o Ministério Público que os prejuízos causados aosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


consumidores não decorreram apenas <strong>da</strong> inadequa<strong>da</strong> atuação <strong>da</strong> empresade consórcio, mas também <strong>da</strong> atitude omissiva do Banco Central, quenão teria tomado as providências cabíveis a fim de evitar e repreender aadministração irregular <strong>da</strong> empresa. A responsabili<strong>da</strong>de de Paulo RobertoFreitas <strong>da</strong> Rocha resultaria de não ter orientado em momento oportunoa intervenção extrajudicial <strong>da</strong> administradora de consórcio. Requereu aresponsabilização dos réus pelos <strong>da</strong>nos causados aos consumidores, nostermos do artigo 95 <strong>da</strong> Lei nº 8.078/90.Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha contestou o feito afirmando que aatuação do Banco Central, no episódio descrito, foi a mais correta aser adota<strong>da</strong>. Afirma ter “ouvido com to<strong>da</strong> clareza” do então DelegadoAdjunto Jackson Pitombo Cavalcanti Filho que o processo não deveriaser encaminhado para o CCI, pois naquele mês, às vésperas de eleições,a autori<strong>da</strong>de em referência não haveria de providenciar a liqui<strong>da</strong>ção deum Consórcio naquelas condições. Alegou que a atuação se voltou, emprimeiro lugar, para os consorciados, que em face <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção teriamto<strong>da</strong>s suas esperanças frustra<strong>da</strong>s. Ademais, defende que ain<strong>da</strong> poderiahaver uma proposta alternativa <strong>da</strong> empresa. Sustentou, finalmente, ailegitimi<strong>da</strong>de do Ministério Público para promover a ação civil públicano caso. Neste tópico, afirma que o pedido envolve interesses individuaishomogêneos e não os coletivos ou difusos.O Banco Central do Brasil, em contestação, defendeu, preliminarmente,a inadequação <strong>da</strong> ação civil pública e a carência de ação por ilegitimi<strong>da</strong>deativa e ausência de interesse. No mérito, sustentou que os requisitos queacarretariam o dever de indenizar não estariam configurados. Não haveriaculpa por parte do Banco Central, nem nexo causal entre eventual prejuízosofrido pelos consorciados e a atuação <strong>da</strong> autarquia.A r. sentença foi de procedência do pedido, condenando o réu PauloRoberto Freitas <strong>da</strong> Rocha à per<strong>da</strong> do cargo público, ao pagamento demulta de 20 vezes o valor dos proventos por ele atualmente percebidos,à suspensão do direito de contratar com o Poder Público ou receberbenefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,ain<strong>da</strong> que por intermédio de pessoa jurídica <strong>da</strong> qual seja sócio majoritário,pelo prazo de três anos. Condenou o Banco Central a indenizar osprejuízos causados aos consorciados do Consórcio Nacional Garibalddi.O juízo a quo deu parcial provimento aos embargos opostos porR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 139


Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha, fazendo constar <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong>sentença as razões <strong>da</strong> consideração dos depoimentos prestados perantea comissão de sindicância administrativa.Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha interpôs recurso de apelação. Sustentaa nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sindicância promovi<strong>da</strong> pelo Banco Central por não terobservado o contraditório e o direito à ampla defesa. Afirma não serpossível utilizá-la como meio de prova. Alega que a sentença, emborareconhecendo a presença de motivos alheios ao interesse público nascircunstâncias, desconsiderou a verificação <strong>da</strong> elementar do retar<strong>da</strong>mentopara a configuração <strong>da</strong> improbi<strong>da</strong>de administrativa. Não existiria,defende, retar<strong>da</strong>mento de ato de ofício se inexistente a estipulação deprazo legal. Requer, preliminarmente, o reconhecimento <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de<strong>da</strong> decisão por falta de fun<strong>da</strong>mentação. No mérito, postula a reformaintegral <strong>da</strong> sentença.O Banco Central do Brasil também apelou <strong>da</strong> sentença proferi<strong>da</strong>.Defende a falta de interesse de agir do órgão do parquet, uma vez quenão teria sido concluí<strong>da</strong> a ação ordinária de responsabili<strong>da</strong>de civil contraos ex-administradores <strong>da</strong> empresa. Afirma que o objeto <strong>da</strong> presenteação é o mesmo <strong>da</strong>quele discutido na ação que tramita na 3ª Vara <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Pública no Estado do Paraná. Sustenta que a sentença nãofun<strong>da</strong>mentou a razão pela qual desconsiderou o fato de inexistir prazopara a instauração do regime de liqui<strong>da</strong>ção. Alega merecer reforma asentença por não ter procedido a uma avaliação criteriosa dos motivosdeterminantes do ato administrativo, abandonando um dos requisitosindispensáveis à decretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial, por não competirao órgão judicante apreciar decisão de oportuni<strong>da</strong>de e conveniência doato administrativo para caracterizar a omissão <strong>da</strong> autarquia. Finalmente,afirma que a proposta do Ministério Público de socialização dos prejuízoseventuais de um certo número de consorciados é inconstitucional, namedi<strong>da</strong> em que pretende criar para o Banco Central obrigação nãoprevista em lei. Requer o reconhecimento <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença ousua total reforma.Em contra-razões, defendeu o Ministério Público a manutenção <strong>da</strong>sentença.O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em parecer, opinou no sentido de serparcialmente provido o recurso do Banco Central, limitando-se sua140R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


esponsabili<strong>da</strong>de pelo aumento do passivo ocorrido após a segun<strong>da</strong>fiscalização, mantendo-se a sentença na parte restante.É o breve relatório.À revisão.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler: O MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> ajuizou ação civil pública pretendendo a responsabilizaçãodo Banco Central do Brasil e de Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha pelamá atuação na fiscalização do Consórcio Nacional Garibalddi. Emver<strong>da</strong>de, a ação proposta cumula ação de improbi<strong>da</strong>de administrativacontra o segundo réu e ação civil pública para reparação de <strong>da</strong>nos aosconsumidores vinculados ao consórcio em relação ao Banco Central. Nãohá qualquer irregulari<strong>da</strong>de, a propósito, na cumulação, eis que obedecidoo rito ordinário. Neste sentido é a jurisprudência do Superior <strong>Tribunal</strong>de Justiça:“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE(LEI 8.429/92).1. Inexiste nuli<strong>da</strong>de do processo que, examinando cumulativamente ação civilpública e ação civil por ato de improbi<strong>da</strong>de, seguiu o rito ordinário (art. 292, § 2, doCPC).(...)5. Recurso especial improvido.” (REsp. 319009, Segun<strong>da</strong> Turma, Relatora MinistraEliana Calmon, DJ 04.11.2002, p. 180)A utilização <strong>da</strong> Ação Civil Pública para a defesa de direitos difusosou homogêneos de consumidores e a Ação Civil Pública para perseguirimprobi<strong>da</strong>des na administração pública são amplamente aceitas peladoutrina 1 e pela jurisprudência, não havendo dúvi<strong>da</strong> quanto à legitimi<strong>da</strong>dedo douto órgão do Ministério Público <strong>Federal</strong>. A questão, aliás, já foidecidi<strong>da</strong> pela Terceira Turma no julgamento do agravo de instrumentonº 97.04.57100-3.1MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.13 e sgs. e p. 323 e sgs.FIORILLO, Celso Antônio. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.GRINOVER, A<strong>da</strong> Pellegrini. A Ação Civil Pública no STJ. STJ 10 anos: obra comemorativa 1989-1999.Brasília: Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, 1999, p. 13-36.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 141


Sentenciando a ação assim proposta, o juízo a quo condenou o réuPaulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha em penas <strong>da</strong> improbi<strong>da</strong>de administrativa- per<strong>da</strong> do cargo público, pagamento de multa, suspensão do direito decontratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscaisou creditícios - e condenou o Banco Central do Brasil a indenizar osprejuízos causados aos consorciados do Consórcio Nacional Garibalddi.Os réus apresentaram recursos de apelação, cujas razões serãoaprecia<strong>da</strong>s separa<strong>da</strong>mente a seguir. Passo, assim, à análise do recursointerposto pelo Banco Central do Brasil.Sustentou, em síntese, a ausência do interesse de agir do autor faceà existência de ação ordinária de responsabili<strong>da</strong>de civil contra os exadministradoresdo consórcio e de não ter sido realizado o ativo <strong>da</strong>empresa ora em regime falimentar. Defendeu, ain<strong>da</strong>, a regulari<strong>da</strong>de doprocedimento fiscalizatório e a ausência de fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> sentença.A preliminar de nuli<strong>da</strong>de do julgado por ausência de fun<strong>da</strong>mentação,presente também no recurso interposto pelo réu Paulo Roberto Freitas<strong>da</strong> Rocha, não merece acolhimento. Na decisão judicial, encontram-seexpressos os fun<strong>da</strong>mentos fáticos e jurídicos que conduziram a orientaçãodo magistrado. Se a tese defendi<strong>da</strong> não foi ampara<strong>da</strong> pela decisão deprimeiro grau, competiria à parte interpor o adequado recurso, como defato o fez. De qualquer forma, expresso na sentença o entendimento deresponsabilização do Banco Central por não ter adotado providênciasque entendeu necessárias com o fim de evitar os supostos prejuízos aosconsorciados. Não há, assim, qualquer nuli<strong>da</strong>de no julgado.O juízo singular acolheu a tese <strong>da</strong> omissão do BACEN na fiscalização,amparando-se em jurisprudência do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 1ª <strong>Região</strong>,em acórdão de relatoria <strong>da</strong> sua então juíza Eliana Calmon. A posição, to<strong>da</strong>via,não encontra respaldo na jurisprudência já pacífica do Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça.Apreciando questão bastante semelhante, o caso Coroa-Brastel,concluiu o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça pela ausência de responsabili<strong>da</strong>dedo BACEN por falhar em sua fiscalização. Transcrevo, a seguir, doisjulgados onde restou venci<strong>da</strong> a tese defendi<strong>da</strong> pela hoje ministra ElianaCalmon e acolhi<strong>da</strong> pelo juízo a quo, in verbis:“ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO BANCO CENTRAL(BACEN) - COROA-BRASTEL - PREJUÍZO CAUSADO A INVESTIDORES142R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


- PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE OMISSÃO E NEGLIGÊNCIA DOBACEN, ANTE A FALTA DE FISCALIZAÇÃO (ART. 159 DO CC) – LIQÜIDAÇÃOEXTRAJUDICIAL E ULTERIOR FALÊNCIA – RECURSO ESPECIAL - AFRONTAAOS ARTIGOS 18, 39, 40 E 45 DA LEI Nº 6.024/74 – ALEGADO DISSENSOPRETORIANO.Não é pela liqüi<strong>da</strong>ção e ulterior falência, per se considera<strong>da</strong>s, que passou a Uniãoa ser responsável pelos prejuízos dos investidores. Essa responsabili<strong>da</strong>de insere-se nocampo no nexo causal. Nessa linha de raciocínio, a União apenas deverá responderpelos <strong>da</strong>nos causados aos investidores, desde que estabeleci<strong>da</strong> a sua responsabili<strong>da</strong>de,de sorte que essa questão é subseqüente e não antecedente do exame de mérito.Fiscalizar, per se, não significa atuar. A mera omissão na fiscalização, ain<strong>da</strong> queexistente, não levaria ao infeliz mas não imprevisível desate do Grupo Coroa-Brastel,<strong>da</strong>do o alto risco especulativo com que atuava. Há necessi<strong>da</strong>de de nexo de causali<strong>da</strong>deeficaz entre a ação ou omissão do Estado e o <strong>da</strong>no sofrido pelo lesado.Segundo conceituados administrativistas, para que haja responsabili<strong>da</strong>de objetivado Estado, forçoso reconhecer que os atos lesivos devem ser praticados por agentespúblicos, por comissão. Se houve omissão, sua responsabili<strong>da</strong>de será por culpasubjetiva (cf. Lúcia Valle Figueiredo, in Curso de Direito Administrativo, MalheirosEditores, 4.ed., p. 255). É incisiva a lição de Hely Lopes Meirelles, ao afirmar que ‘naexigência do elemento subjetivo culpa não há qualquer afronta ao princípio objetivo <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de sem culpa, estabelecido no art. 37, § 6º, <strong>da</strong> CF, porque o dispositivoconstitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atosde terceiros e os fatos <strong>da</strong> Natureza. Para situações diversas, fun<strong>da</strong>mentos diversos’ (cf.Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 24.ed., p.590/591). No mesmodiapasão, <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de apuração <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de subjetiva no caso de atosomissivos, mas sempre liga<strong>da</strong> diretamente ao funcionamento do serviço público, é adissertação de Celso Antônio Bandeira de Mello (cf. Curso de Direito Administrativo,Malheiros Editores, 9.ed., p. 631).A pretensão de mérito dos investidores tem sido sistematicamente repeli<strong>da</strong> por estaCorte Superior, consoante incontáveis precedentes.Acolhi<strong>da</strong> a pretensão deduzi<strong>da</strong> pelo Banco Central (BACEN), por configura<strong>da</strong> avulneração a dispositivos legais, a teor do art. 105, inciso III, a, CF/88.Recurso especial conhecido e provido. Decisão por maioria.” (REsp. 44500/MG,Segun<strong>da</strong> Turma, DJ 09.09.2002, p. 0181)Consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial, é subjetivaa responsabili<strong>da</strong>de do Estado por sua conduta omissiva. Em princípio,admitir-se-ia, então, a responsabili<strong>da</strong>de do Estado por omissão nafiscalização. Observe-se que tanto a responsabili<strong>da</strong>de objetiva quanto à2MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10.ed. p. 625.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 143


subjetiva por culpa são, na socie<strong>da</strong>de de risco, insuficientes para resolverto<strong>da</strong>s as questões.Sobre o tema, colaciono a doutrina de Celso Antônio Bandeira deMello: 2“Em síntese: o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fezdeficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriamcaracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem umilícito ensejador do <strong>da</strong>no não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não osocorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos.Reversamente descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação compatível com aspossibili<strong>da</strong>des de um serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi possívelimpedir o evento <strong>da</strong>noso gerado por força (humana ou material) alheia.”No caso Coroa-Brastel, não se vislumbrou o nexo de causali<strong>da</strong>de entreo <strong>da</strong>no e a fiscalização do Banco Central. O alto risco especulativo erainerente ao próprio negócio. Na hipótese sob análise na ação civil públicaproposta, to<strong>da</strong>via, não há o mesmo risco do precedente citado. Trata-sede consórcio, negócio que presume a certeza de aquisição do bem emrazão <strong>da</strong> integralização <strong>da</strong>s prestações. Há de investigar-se, então, se estápresente, ou não, o nexo de causali<strong>da</strong>de na hipótese.A instrução <strong>da</strong> ação civil pública bem demonstra a expectativados consumidores em relação a atuação do Banco Central do Brasilna fiscalização do Consórcio Nacional Garibalddi. O próprio BancoCentral, em informação interna (fl. 51), refere o “aumento expressivona quanti<strong>da</strong>de de reclamações” já em 03 de setembro de 1992. Nafolha 56, há informação de que, no período compreendido entre osdias 1º e 31 de agosto de 1993, deram entra<strong>da</strong> na subdivisão específica86 novos processos versando sobre denúncias e reclamações contraa Administradora. A partir de então, a fiscalização direta do BancoCentral passou a constatar diversas irregulari<strong>da</strong>des na administraçãodo consórcio. A fiscalização e as sucessivas tentativas frustra<strong>da</strong>s deregularização culminaram com a manifestação favorável à decretação<strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção em 30 de setembro de 1994 e, apenas em 14.10.94, foi3MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. “Só é possível escolher e graduar as responsabili<strong>da</strong>des, nãosocializar o prejuízo, distribuindo entre os que lucraram”.144R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


decreta<strong>da</strong> a liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> empresa.Ora, o suposto ato omissivo do Banco Central – demora para adecretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial – não é causa direta do prejuízoadvindo <strong>da</strong> má administração do consórcio. A responsabilização, emprincípio, deveria ser atribuí<strong>da</strong> à administração <strong>da</strong> empresa. As empresaspriva<strong>da</strong>s não quebram por falta de fiscalização, mas por má gestão.Evidencia<strong>da</strong> a gestão irresponsável e quiçá criminosa, cabia ao órgãopúblico exercer o seu poder-dever, e não retardá-lo. A fiscalização deveser exerci<strong>da</strong> em prol dos interesses difusos de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de e dosconsumidores, caso contrário, não há necessi<strong>da</strong>de na manutenção dodispendioso serviço público prestado pelo BACEN.Neste caso particular, envolvendo um consórcio para aquisição debens que não é negócio de risco, entendo pertinente a colocação doMinistério Público <strong>Federal</strong> no parecer de lavra do Procurador <strong>Regional</strong><strong>da</strong> República Domingos Sávio Tenório de Amorin. A responsabili<strong>da</strong>dedo BACEN equivale ao montante dos prejuízos naquilo em queultrapassassem àquele constatado na fiscalização, de 30.09.94, que jáseria causa para a intervenção ou liqui<strong>da</strong>ção pelo juízo dos técnicos doBACEN. A responsabilização, to<strong>da</strong>via, tem apenas caráter subsidiário àresponsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> empresa e responsabili<strong>da</strong>de dos sócios, aplico aquia lição de Mancuso. 3Não obstante vislumbre a responsabili<strong>da</strong>de do BACEN nos limitesacima referidos em retar<strong>da</strong>r em um mês o ato de ofício em prol <strong>da</strong>economia popular, duas questões, contudo, recomen<strong>da</strong>m a parcial reforma<strong>da</strong> sentença neste ponto.Uma primeira diz respeito à ausência de conclusão do processo deliqui<strong>da</strong>ção. Permanece, o que é admitido pelo próprio Ministério Público,a possibili<strong>da</strong>de de que o ativo <strong>da</strong> empresa seja igual ou superior aopassivo. Ocorrendo a situação, não se haveria de falar em <strong>da</strong>no materialaos consorciados. Neste sentido, a propósito, colaciono jurisprudênciado Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça:“RESPONSABILIDADE CIVIL. BANCO CENTRAL DO BRASIL. PREJUÍZOSCAUSADOS PELO GRUPO COROA-BRASTEL.A jurisprudência dominante do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça entende que nãohá se falar em prejuízo de investidores antes de concluído o processo de liqui<strong>da</strong>çãoextrajudicial do Grupo Coroa-Brastel.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 145


Recurso especial provido.” (REsp. 116826/MG, Segun<strong>da</strong> Turma, DJ 16.12.2002, p. 285)Há peculiari<strong>da</strong>de, no caso, que reforça um temperamento naresponsabilização do BACEN? Essa segun<strong>da</strong> questão diz respeito à açãode responsabili<strong>da</strong>de civil contra os ex-administradores do ConsórcioNacional Garibalddi. Pende de julgamento a AO nº 17.064 na 3ª Vara<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública, em Curitiba/PR, ação cujo objeto é, segundo afirmao Banco Central, a responsabilização dos ex-administradores pelosprejuízos que se pretendem atribuir ao BACEN na presente ação civilpública. Cabe ao BACEN diligenciar energicamente no an<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>referi<strong>da</strong> ação.Desta forma, tendo em vista a pendência de julgamento <strong>da</strong> ação judicialindenizatória e a ausência de conclusão do processo de liqui<strong>da</strong>ção, é deser parcialmente reforma<strong>da</strong> a sentença na parte em que responsabilizou oBanco Central pela totali<strong>da</strong>de dos prejuízos aos consorciados do ConsórcioNacional Garibalddi. Na forma <strong>da</strong> jurisprudência do Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça, não haveria de se falar em prejuízo real pela omissão do BACENantes de concluídos tais procedimentos que envolvessem eles negócios derisco, mas não é negócio de risco, trata-se de capitalização para aquisiçãode bem durável, talvez a única forma de adquiri-los pelas classes menosfavoreci<strong>da</strong>s, a questão é de relevância social, art. 197 <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong> de 1988. Se é assim, cabe superar a visão que nega o prejuízo,para ter o prejuízo como fato altamente previsível, merecedor <strong>da</strong> tutelacautelar e até antecipatória pela verossimilhança que se reconhece, ela sónão está quantifica<strong>da</strong>.O interesse de agir do Ministério Público <strong>Federal</strong> na Ação CivilPública não se confunde com o interesse do direito processual clássico.Só não podem ser defendidos pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> osinteresses individuais puros. Aqui se trata de consorciados para aquisiçãode bens duráveis, espécie de capitalização popular, poupança popular,caso de evidente relevância social, abrigado no Código de Defesado Consumidor e na <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, nesse sentido,verificar REsp 86.381/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, STJRDA 207/212; STJ REsp 94.810, Rel. Ministro Ruy Rosado, STJ,Corte Especial, Relª Minª Eliana Calmon; REsp 114.908/SP, REsp166.714, Rel. Min. Ari Pargendler. Há, sim, o interesse individual dos146R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


consumidores consorciados, mas há também o evidente interesse sociale público no resguardo <strong>da</strong> economia popular e <strong>da</strong> boa-fé objetiva detodo o público que confiou na proba administração <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des, umvalor social relevante. Remeto às conheci<strong>da</strong>s lições dos doutrinadoresProfessores A<strong>da</strong> Pellegrini Grinover, Celso Antônio Fiorillo, CláudiaLima Marques, Hugo Nigro Mazzilli sobre o tema para ter presente alegitimação do Ministério Público <strong>Federal</strong> e significativo e relevante,sob o ponto de vista social o interesse de agir.Assim, o BACEN permanece responsável subsidiário pelo prejuízodos consorciados, representados pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, é o andebeatur, ficando o quantum a ser verificado em execução de sentença–- secundum eventum litis – na ação civil em tramitação na EgrégiaJustiça Estadual contra a empresa liqui<strong>da</strong><strong>da</strong>, execução a ser promovi<strong>da</strong>se for o caso, pelos interessados que comprovarão a sua condição deconsorciados, bem como o montante percebido, recuperado do devedorprincipal, o consórcio em questão.Passo ao exame do recurso de apelação interposto por Paulo RobertoFreitas <strong>da</strong> Rocha.Não merece acolhimento a preliminar de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sindicânciapromovi<strong>da</strong> pelo Banco Central e de sua impossibili<strong>da</strong>de de servircomo meio de prova. Conforme leciona José Armando Costa, Teoria ePrática do Processo Administrativo Disciplinar, <strong>4ª</strong> edição, página 331e seguintes,“o termo ‘sindicância’ promana do latim syndicus, que, por sua vez, origina-se do gregosyndikos, que denota a noção de examinar, inquirir, pesquisar e tomar informações,entre outros significados de simílima ou assemelha<strong>da</strong> compreensão. Na acepção maisgenérica do seu sentido atual, a palavra sindicância traduz o conjunto de atos oudiligências empreendidos no seio de uma repartição pública objetivando apurar ocometimento de possíveis irregulari<strong>da</strong>des por parte de seus servidores”.O referido autor, caracterizando a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de inquisitorial desindicância (p. 338), ensina que:“é aberta à vista de notícias transportadoras de possíveis irregulari<strong>da</strong>des, as quais,além de imprecisas e difusas, não trazem a menor indicação de autoria. Em face <strong>da</strong>carência desse mínimo elementar indicativo de autoria, não poderá a sindicânciaser instaura<strong>da</strong> por meio de portaria articuladora de imputação, não podendo, talprocedimento apuratório, por via <strong>da</strong> mais cartesiana lógica, ser agitado sob o signoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 147


<strong>da</strong> contrarie<strong>da</strong>de processual, haja vista que, inexistindo a figura formal do acusado, ouacusados, deverão os fatos ser investigados inquisitorialmente. Ain<strong>da</strong> que pretendesseo legislador, não poderia ser o contrário, pois, sem a existência defini<strong>da</strong> do servidoracusado, ou dos servidores acusados, não poderá, ipso facto, o esforço dialéticocontraditorial, o qual, como é facilmente inteligível, somente encontra espaço ondeexista a figura do imputado, em nome de quem ou por quem será exteriorizado olegítimo desforço defensório, dentro <strong>da</strong> quadra procedimental que deverá desenvolverse,obviamente, sob a égide do princípio constitucional do contraditório”.A Comissão de Sindicância instituí<strong>da</strong> teve por objetivo a “apuraçãode irregulari<strong>da</strong>des na condução de processo (sic) relacionados comconsórcios” (p. 397). Bem se percebe que a natureza do procedimentoera inquisitorial. Buscavam-se elementos que caracterizassemirregulari<strong>da</strong>des no trato administrativo com consórcios na Delegacia<strong>Regional</strong> de Curitiba. Não havia, ain<strong>da</strong>, um acusado formal. Não houvequalquer punição administrativa advin<strong>da</strong> do procedimento não sujeitoao contraditório e ora contestado. A conclusão <strong>da</strong> Comissão foi de que:“houve prática de ato de improbi<strong>da</strong>de administrativa, capitula<strong>da</strong> no MSP 15-2-8-‘b’,pelo sr. Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha, caracteriza<strong>da</strong> pela retenção de proposta deliqui<strong>da</strong>ção extrajudicial do Consórcio Garibalddi, por motivos alheios aos objetivosdesta Autarquia. Não cabe, no entanto, a instauração <strong>da</strong> competente comissão deinquérito, porque o referido senhor aposentou-se em 21 de novembro próximo passado”.Não houve responsabilização do ora apelante em razão dos trabalhos<strong>da</strong> Comissão de Sindicância. Nos termos do depoimento prestado porReginaldo Isac Lopes (fls. 1170/1171), “a comissão de sindicânciase destinou meramente a levantamento de fatos sem a imputação deresponsabili<strong>da</strong>de a ninguém, tanto que não há indiciamento de servidor”.Não padece o procedimento, assim, de qualquer vício formal. Assimcomo no inquérito policial ou no inquérito civil público, é dispensadoo contraditório na sindicância administrativa em razão de sua naturezatipicamente inquisitiva. Hugo Nigro Mazzilli 4 bem sintetiza o valor <strong>da</strong>prova obtido neste procedimento inquisitorial:“Naturalmente, como se trata de investigação de caráter inquisitivo, é apenasrelativo o valor dos elementos de convicção hauridos do inquérito civil, à guisa, aliás,do que ocorre com procedimentos similares (como o inquérito policial, o processo4MAZZILLI, Hugo Nigro. Inquérito Civil. 2.ed. p. 61 e segs.148R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


administrativo tributário ou o processo disciplinar). Quaisquer informações colhi<strong>da</strong>snos processos ou procedimentos administrativos podem ser contrasta<strong>da</strong>s em juízo,sob as garantias do contraditório. Porque vigora em nosso sistema o princípio dolivre convencimento, não está o juiz adstrito a provas tarifa<strong>da</strong>s, exceto nos poucoscasos previstos na lei; assim, na<strong>da</strong> mais natural possa recorrer subsidiariamente aoselementos de convicção existentes no inquérito civil, como, aliás, já se dá em relaçãoao inquérito policial, no processo criminal. Não se deve cair em dois exageros opostos,nessa matéria: um, de entender que os elementos indiciários devam ser recebidos semquaisquer ressalvas - até porque foram colhidos sem as garantias do contraditório, e,por isso, deverão sempre ser analisados com extrema cautela; outro, de entender queos elementos indiciários devam ser pura e simplesmente recusados, porque só valem asprovas colhi<strong>da</strong>s na instrução judicial. Se o primeiro entendimento é inaceitável, porqueo inquérito civil contém peças colhi<strong>da</strong>s por agente público, que exerce munus público,e nele há provas que às vezes só puderam ser obti<strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação enão há como reproduzi-las em juízo, e cujo valor a de merecer prudente apreciaçãoconjunta, no contexto instrutório”.A sindicância leva<strong>da</strong> a efeito é peça informativa que serviu àAdministração para a instauração de processo administrativo disciplinar- este sim sujeito ao contraditório, fls. 1260/1272 - e ao juízo a quo paraformação de sua convicção. Dela não resultou aplicação de penali<strong>da</strong>de.O réu pôde contraditar seus termos na ação judicial proposta. Transcrevo,finalmente, a jurisprudência do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça:“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGENTE DE POLÍCIA.SINDICÂNCIA. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA.COMPROVAÇÃO. RECURSO DO IMPETRANTE. AUSÊNCIA DE PREPARO.NÃO CONHECIMENTO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.PROVIDO PARA ANULAR A PENA DE SUSPENSÃO CONVERTIDA EM MULTA.1. A sindicância segue um rito peculiar, cujo escopo é a investigação <strong>da</strong>spretensas irregulari<strong>da</strong>des funcionais cometi<strong>da</strong>s, sendo desnecessária a observânciade alguns princípios basilares e específicos do processo administrativo disciplinar.Afinal, procedimento não se confunde com processo. To<strong>da</strong>via, se tal instrumento tiverpretensão de servir de base à aplicação de sanção, deve-se observar os pressupostos dodevido processo legal, concedendo-se ao sindicado a ampla defesa.(...)” (ROMS 4606/PE, Quinta Turma, Min. Gilson Dipp, DJ 22.04.2003, p. 0237)Nestes limites, não servindo a sindicância como base à aplicação desanção, mas como elemento informativo para o processo administrativo5FIGUEIREDO, Marcelo. Probi<strong>da</strong>de Administrativa, 4.ed. p. 109.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 149


disciplinar e para a ação judicial, não padece de qualquer nuli<strong>da</strong>de porter se processado independentemente do contraditório.Quanto ao mérito <strong>da</strong> condenação, a r. sentença considerou a condutado réu Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha adequa<strong>da</strong> à hipótese prevista noinciso II, artigo 11, <strong>da</strong> Lei nº 8.429/92, que assim dispõe:“Art. 11. Constitui ato de improbi<strong>da</strong>de administrativa que atenta contra os princípios<strong>da</strong> administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honesti<strong>da</strong>de,imparciali<strong>da</strong>de, legali<strong>da</strong>de, e leal<strong>da</strong>de às instituições, e nota<strong>da</strong>mente:II - retar<strong>da</strong>r ou deixar de praticar, indevi<strong>da</strong>mente, ato de ofício;”Marcelo Figueiredo 5 ensina que:“ ‘retar<strong>da</strong>r’ é delongar. O agente não realiza o ato que tem o dever de praticar no prazo<strong>da</strong> lei, ou, ausente o prazo, em tempo satisfatório para que produza seus normais efeitos.Deixar de praticar o ato é outra mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de omissão, tal como o retar<strong>da</strong>mento. Otermo ‘indevi<strong>da</strong>mente’ alude à conduta contrária ao Direito, aos princípios jurídicoselencados na Constituição e no caput do artigo comentado”.Independe de prazo, assim, a configuração <strong>da</strong> improbi<strong>da</strong>deadministrativa pela conduta prevista no dispositivo transcrito. Basta que oretar<strong>da</strong>mento, ou a omissão, do ato de ofício seja indevido. Ser indevidoé a característica do ato contrário ao interesse público, entendido como interesse do público. No caso, indevi<strong>da</strong> é a conduta que não teve porobjetivo a tutela dos consorciados, privilegiando interesses alheios àfunção do Banco Central. A conduta do réu, então Delegado <strong>Regional</strong> doBanco Central em Curitiba, nestes termos, constitui o ato de improbi<strong>da</strong>dedescrito pelo suporte fático hipotético <strong>da</strong> norma. Mesmo que não seacolha a tese do Ministério Público no sentido de que, desde a segun<strong>da</strong>fiscalização leva<strong>da</strong> a efeito em novembro de 1993, já existia o dever deintervenção direta, ain<strong>da</strong> assim há fato que conspira contra a pretensãorecursal de Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha.O réu, em diversas oportuni<strong>da</strong>des, alega que a liqui<strong>da</strong>ção extrajudicialé medi<strong>da</strong> extrema, devendo ser evita<strong>da</strong> ao máximo (fl. 1137). Justificarse-ia,então, o caminho percorrido, administrativamente, entre a segun<strong>da</strong>fiscalização referi<strong>da</strong> pelo Ministério Público e o ato de liqui<strong>da</strong>çãoextrajudicial. As sucessivas tentativas de ajuste do Consórcio Garibalddi,contudo, não justificam o tempo em que o procedimento esteve conclusocom o réu aguar<strong>da</strong>ndo a manifestação favorável à decretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção150R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


extrajudicial. Em 22 de agosto de 1994, o Delegado Adjunto, JacksonPitombo Cavalcante Filho, concor<strong>da</strong>ndo com a proposta de liqui<strong>da</strong>çãoextrajudicial, remeteu-a ao Delegado <strong>Regional</strong>. A manifestação favoráveldeste, to<strong>da</strong>via, ocorreu apenas no último dia útil antes <strong>da</strong>s eleições de03 de outubro.A <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> manifestação, que poderia ser fato irrelevante, perdetal característica ao levar-se em conta que um candi<strong>da</strong>to ao Senado,naquelas eleições, era tido como o controlador de fato do ConsórcioGaribalddi. Tal fato, pelo que se depreende dos documentos queinstruem a ação, era de conhecimento geral. O próprio réu admiteque a situação foi considera<strong>da</strong> para a formação do juízo sobre anecessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial, como infere-se na seguintepassagem do seu depoimento pessoal:“...acrescentando ain<strong>da</strong> a peculiari<strong>da</strong>de do caso consistente no fato de ser voz correntede que o ver<strong>da</strong>deiro controlador do Consórcio era o Sr. Tony Garcia, candi<strong>da</strong>to aoSenado; nessa oportuni<strong>da</strong>de, disse que tal fato deveria ser considerado, uma vez quecaso viesse à tona no momento, haveria uma exploração desnecessária pela imprensasem qualquer benefício para os consorciados;”Ora, a exploração do fato pela imprensa, realmente, não trariabenefícios para os consorciados. Forçoso reconhecer-se, to<strong>da</strong>via, quetambém não produziria malefícios. O único prejudicado pela repercussãona imprensa <strong>da</strong> decretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial era o entãocandi<strong>da</strong>to ao Senado. Os consorciados seriam beneficiados, isto sim,com a mais rápi<strong>da</strong> atuação do Sr. Delegado <strong>Regional</strong>. Assim é queo ato configura-se como o indevido retar<strong>da</strong>mento previsto na Lei deImprobi<strong>da</strong>de Administrativa. Procrastinou-se a prática de um ato, emrazão de interesses alheios ao público e à proba administração em matériade economia popular, frustrando-se a pronta solução <strong>da</strong> situação dosconsorciados/administrados, ao fim consumidores. Deixou-se de prestartutela administrativa aos consumidores.Aprecio, finalmente, a sanção imposta ao réu Paulo Roberto Freitas<strong>da</strong> Rocha. Sobre o tópico, assim dispõe a Lei nº 8.429/92:6OSÓRIO, Fábio Medina. Improbi<strong>da</strong>de Administrativa, 2.ed. p. 251.7FIGUEIREDO, Marcelo de. op. cit. p. 114.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 151


“Art. 12. Independentemente <strong>da</strong>s sanções penais, civis e administrativas, previstasna legislação específica, está o responsável pelo ato de improbi<strong>da</strong>de sujeito às seguintescominações:III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do <strong>da</strong>no, se houver, per<strong>da</strong> <strong>da</strong>função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multacivil de até cem vezes o valor <strong>da</strong> remuneração percebi<strong>da</strong> pelo agente e proibição decontratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,direta ou indiretamente, ain<strong>da</strong> que por intermédio de pessoa jurídica <strong>da</strong> qual seja sóciomajoritário, pelo prazo de três anos.Parágrafo único. Na fixação <strong>da</strong>s penas previstas nesta lei o juiz levará em conta aextensão do <strong>da</strong>no causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.”Fábio Medina Osório 6 e Marcelo Figueiredo 7 sustentam quenão há necessi<strong>da</strong>de de aplicação em bloco <strong>da</strong>s penas previstas. Afixação, cumulativa ou não, dependerá <strong>da</strong> atenção aos princípios <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de. A solução parece adequa<strong>da</strong>ao sistema proposto pelo ordenamento, sobretudo levando-se emconsideração o transcrito parágrafo único do artigo 12.Assim, as penas de per<strong>da</strong> do cargo público, suspensão do direitode contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivosfiscais ou creditícios, impostas ao réu, mostram-se proporcionais ao atopraticado. O valor atribuído à multa, contudo, levando-se em conta queaplicado cumulativamente com a per<strong>da</strong> do cargo público, mostra-sedemasiado. A repercussão econômica <strong>da</strong> multa fixa<strong>da</strong>, considerandoseque é aplica<strong>da</strong>, como já se disse, cumulativamente com a per<strong>da</strong> docargo, é severíssima. Não houve qualquer comprovação de que o réutenha obtido vantagem financeira com o retar<strong>da</strong>mento verificado. Nãohá comprovação de enriquecimento ilícito. Adequado, assim, que sereduza o valor inicialmente atribuído em 20 vezes o valor dos proventosatualmente percebidos para fixar-se a multa em percentual de 5 (cinco)vezes os proventos atualmente percebidos. No que se refere à per<strong>da</strong> docargo público, fazendo uma avaliação <strong>da</strong> conduta do agente, considerandoa ativi<strong>da</strong>de desleal à instituição a qual deveria servir, servindo afinal aopúblico, verificando que existem registros desabonatórios à sua condutano exercício do elevado posto, tantos que foi instaura<strong>da</strong> sindicânciapara apurar irregulari<strong>da</strong>des na condução de processos relacionados aconsórcios na Delegacia <strong>Regional</strong> de Curitiba (fls. 549 e segs.) que152R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


egistram lamentável episódios de improbi<strong>da</strong>des e desleal<strong>da</strong>de com ainstituição, verifico que é adequa<strong>da</strong> a penali<strong>da</strong>de aplica<strong>da</strong> pela r. sentença,qual seja, a per<strong>da</strong> do cargo público.Desta forma, dou parcial provimento à apelação interposta pelo BancoCentral, reconhecendo em relação àquela autarquia a responsabili<strong>da</strong>deparcial e subsidiária, genérica, – CDC, art. 95 – e dou parcial provimentoà apelação de Paulo Roberto Freitas <strong>da</strong> Rocha, apenas para reduzir ovalor <strong>da</strong> multa, fixando-a em 5 (cinco) vezes os proventos atualmentepercebidos.É o voto.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Sra. Presidente:Com a devi<strong>da</strong> vênia, inobstante o brilhante voto <strong>da</strong> ilustre Relatora,ouso divergir de Sua Excelência.Realmente, a prova que embasou o ajuizamento <strong>da</strong> presente açãocivil pública é bastante deficiente, sendo que a Comissão de Sindicância,integra<strong>da</strong> por servidores sem experiência na matéria a ser analisa<strong>da</strong>,teve os seus trabalhos, como é natural, sofrido as conseqüências de talinexperiência, comprometendo, portanto, as suas conclusões.A respeito, anotou, com inteiro acerto, a defesa do recorrente, a fls.1.341/4, verbis:“Louvou-se o Ministério Público e com extremo apego, às conclusões havi<strong>da</strong>spela Comissão de Sindicância instaura<strong>da</strong> para apuração genérica de problemas sobreconsórcios na Delegacia <strong>Regional</strong> do Banco Central, em Curitiba.A enalteci<strong>da</strong> prova do Ministério Público foi fruto de sumaríssima investigaçãoleva<strong>da</strong> a cabo por funcionários designados, dotados de nenhuma experiência para talmister. Nos depoimentos colacionados nos presentes autos, os próprios membros <strong>da</strong>Comissão de Sindicância afirmam que em tempo exíguo, atuaram pela primeira e únicavez, nas atribuições pertinentes a Processo de Sindicância. Averbe-se que somente oentão Presidente de aludi<strong>da</strong> Comissão havia atuado em processos relativos a liqui<strong>da</strong>çãode consórcios, e que os demais componentes jamais haviam tido qualquer contato comreferi<strong>da</strong> matéria.As deficiências de tanto decorrentes foram reconheci<strong>da</strong>s pelos próprios membros,os quais em seu relatório afirmaram que a inexperiência poderia vir a contribuir aodesacerto.Neste passo, preconizado pela própria Comissão de Sindicância, verificou-se o graveR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 153


equívoco de interpretação, quanto a fatos e documentos, que influenciou decisivamenteo Ministério Público, para o infeliz ajuizamento <strong>da</strong> presente ação, contra a pessoa doora Réu.A Comissão de Sindicância, em sua inexperiência, deixou-se influenciar porboatos, mesmo quando ficou claro que quem fazia alusão a tais boatos era o próprioresponsável por sua disseminação, lançando mão de deduções subjetivas distancia<strong>da</strong>s<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, tanto que em <strong>da</strong>dos depoimentos verificaram-se, quando <strong>da</strong> redução atermo, considerações não apresenta<strong>da</strong>s pelos depoentes, ou quando apresenta<strong>da</strong>s, quenão guar<strong>da</strong>vam identi<strong>da</strong>de com o sentido em que foram interpreta<strong>da</strong>s e reduzi<strong>da</strong>s.Em passagens despretensiosas, ter-se-ia verificado que o Banco Central, e assim o seuentão Delegado <strong>Regional</strong>, não se deixa influenciar por interesses políticos partidários,bem como que a inexperiência reinante com a então recente atribuição de fiscalizarempresas do ramo dos consórcios poderia ter contribuído ao tempo necessário para aconclusão pela liqui<strong>da</strong>ção.E mais, a Comissão de Sindicância entendeu por bem concluir pela falta funcional doindiciado sem ao menos tê-lo ouvido, tendo esta conduta gerado justificativas diversaspor parte de seus componentes, sendo certo que imputar algo a alguém sem ao menostentar questioná-la sobre o acontecido é, no mínimo, temerário.Fulcrado nas conclusões equivoca<strong>da</strong>s e seriamente comprometi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Comissãoacima bem disseca<strong>da</strong>, embarcou o Ministério Público no presente embate. Contudo, semantes ter bem estu<strong>da</strong>do a questão sob os aspectos efetivamente relevantes e necessáriosà Responsabilização Civil.”Ademais, nessa Sindicância o próprio recorrente não foi ouvido, oque, com a devi<strong>da</strong> vênia, comprometeu não só o seu direito de defesa,como o próprio rumo a ser tomado pela investigação.A respeito, pertinente o magistério do Prof. Marcel Waline acerca <strong>da</strong>importância <strong>da</strong> ouvi<strong>da</strong> do servidor no processo administrativo disciplinar,bem como a sua presença na inquirição <strong>da</strong>s testemunhas, verbis:“G) La présence de l’inculpé ou de ses défenseurs n’est pas nécessaire lors del’audition des témoins par l’enquêteur, pourvu que le compte rendu de cette auditionlui soit communiqué en temps utile.Il est à remarquer que la solution contraire est imposée, si l’audition se fait devantle conseil de discipline lui-même, tant par le texte applicable au personnel hospitalier(art. 43 et 45 du décret du 20 mai 1955; l’arrêt le rappelle expressément), que par lajurisprudence applicable à l’ensemble des fonctionnaires et agents publics (15 janvier1943, Fortuné, p. 9; 30 novembre 1949, de Saint-Thibault, p. 516; 2 juin 1954, Peyrethon,p. 325).On peut se demander pourquoi le Conseil d’État n’exige pas, lorsque les témoignagessont produits devant un enquêteur unique (qui peut être, rappelons-le, l’instigateurde la poursuite lui-même), ce qu’il exige lorsque les témoins sont entendus par tout leconseil. Sans doute a-t-il pensé (la ré<strong>da</strong>ction de l’arrêt le leisse clairement entendre)154 que cette présence n’est exigée par un R. Trib. texte Reg. que Fed. si <strong>4ª</strong> Reg. les Porto témoins Alegre, sont a. 14, entendus n. 49, p. 53-432, par 2003 le


conseil et qu’il n’appartient pas à la jurisprudence d’étendre sans texte cette obligation.A l’objection que les droits de la défense risquent de ne pas être sauvegardés, il répondque le respect des droits de la défense exige seulement que le rapport analysant lesdéclarations des témoins soient communiqués à l’agent inculpé suffisamment tôt avantla réunion du conseil, pour qu’il puisse discuter le rapport.Cette argumentation ne nous convainc pas. S’il est permis, pour une fois, aucommentateur d’évoquer un souvenir personnel – pour la première fois <strong>da</strong>ns une longuecarrière d’annotateur – il nous a été donné, en 1945, de présider une commissiond’épuration. Enten<strong>da</strong>nt des témoignages accablants pour le agents poursuivis, nousavons régulièrement invité les témoins à renouveler leurs déclarations en présencede l’‘inculpé’. Le résultat était, <strong>da</strong>ns la grande majorité des cas, une rétractationspontanée du témoignage. Aussi pensons-nous que, bien plus que l’a<strong>da</strong>ge Testis unus,testis nullus s’impose, <strong>da</strong>ns toute procédure ten<strong>da</strong>nt à la recherche de la vérité sur desfaits, la règle qu’un témoignage donné hors de la présence de l’inculpé est de bien peude valeur, comparativement à un témoignage fait devant lui. Les juges d’instruction lesavent bien, qui recourent presque régulièrement à des confrontations.Nous pensons donc que si rien n’obligeait strictement, en l’absence de textes,le Conseil d’État à étendre aux témoignages recueillis par l’enquêteur, la règle del’audition en présence de l’inculpé, que les textes n’exigent que devant le conseilde discipline lui-même, rien non plus ne l’empêchait de juger que ce caractèrecontradictoire de l’audition des témoins était seul susceptible de garantir efficacementles droits de la défense, et qu’il aurait été mieux inspiré en jugeant ainsi.Cela nous paraît d’autant plus vrai, que la jurisprudence du présent arrêt vapermettre de tourner facilement la règle posée par les articles 43 et 45: il suffira derenoncer systématiquement aux auditions de témoins par le conseil de discipline etde les renvoyer à une enquête. Ainsi, la présence obligatoire de l’agent poursuivi setrouvera-t-elle ipso facto éludée. C’est pourquoi nous regrettons cette solution.”. (InRevue du Droit Public et de la Science Politique, L.G.D.J., 1964, pp. 443/4)A prova colhi<strong>da</strong>, na instrução processual, pouco acrescentou aos fatosque ensejaram o ajuizamento <strong>da</strong> ação civil pública, limitando-se, no mais<strong>da</strong>s vezes, a reproduzir as conclusões do processo administrativo.Por outro lado, a prova colhi<strong>da</strong> e o voto <strong>da</strong> ilustre Relatora, à fl. 442v,reconhecem que não houve enriquecimento ilícito do apelante.Francisco de Almei<strong>da</strong> Prado, em sua obra Improbi<strong>da</strong>de Administrativa,Malheiros Editores, 2001, p. 129, leciona, verbis:“Para a configuração do ato de improbi<strong>da</strong>de basta o retar<strong>da</strong>mento ou a omissãoindevidos, ou seja, sem motivo ou razão plausível. O advérbio ‘indevi<strong>da</strong>mente’ reforçaa exigência de dolo, consistente na consciência <strong>da</strong> antijuridici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação ou omissão.E, de fato, só se poderá cogitar de improbi<strong>da</strong>de quando o retar<strong>da</strong>mento ou a omissãoviolarem um ou mais deveres enumerados pelo caput do art. 11. O mero atraso, ain<strong>da</strong>que derivado <strong>da</strong> negligência, não se erige em ato de improbi<strong>da</strong>de administrativa.”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 155


Em sua razões finais, às fls. 1.348/1.351, assinalaram, corretamente,os Procuradores do recorrente, verbis:“O fun<strong>da</strong>mento jurídico para a imputação feita contra o Réu é claro, com origem naLei de Improbi<strong>da</strong>de Administrativa. E a dicção do tipo eleito pelo Ministério Público éde extrema objetivi<strong>da</strong>de em exigir retar<strong>da</strong>mento na prática de ato de ofício.Diz o artigo 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, mais especificamente em seu inciso II:II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtudede lei;Restou, de todo o conteúdo probatório, claro, evidente, ululante, a inexistência denorma específica para atuação, com determinação de respeito a formali<strong>da</strong>des e prazos,incidentes sobre o cargo de Delegado <strong>Regional</strong>, bem como de várias outras ativi<strong>da</strong>desdentro do Banco Central. Como também a inexistência de algo que pudesse ser tidocomo praxe na atuação imputa<strong>da</strong> como ilicitamente retar<strong>da</strong><strong>da</strong>.Neste passo in<strong>da</strong>ga-se qual o parâmetro a ser adotado e quem teria ver<strong>da</strong>deiracapaci<strong>da</strong>de para determinar um cumprimento normal, ou anormal, no ato de ofício quese disse retar<strong>da</strong>do? O que é devido ou indevido no caso concreto?Teria a Comissão de Sindicância, em face de sua nenhuma experiência, <strong>da</strong>generali<strong>da</strong>de de casos a que estava encarrega<strong>da</strong> de eluci<strong>da</strong>r, e na sumarie<strong>da</strong>de de seusaproximados 20 (vinte) dias de investigação, saliente-se sem a ouvi<strong>da</strong> do ora requerido,condições de promover conclusões isentas e acerta<strong>da</strong>s? Ou melhor o seria uma Comissãoque se detivesse por mais tempo, com seus trabalhos voltados diretamente para ainvestigação, e eluci<strong>da</strong>ção do caso presente?Comprovou-se que o período verificado entre a proposta de liqui<strong>da</strong>ção de outraAdministradora de Consórcios, e sua efetiva decretação, não fora diverso do verificadono caso presente.Esta imputação de caráter meramente subjetivo, não ampara<strong>da</strong> por qualquer norma,ou mesmo praxe interna que justifique a analogia de casos, fere de morte o insculpidono inciso II do artigo 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, fazendo com que a imputação de atode improbi<strong>da</strong>de, qualificado sob o retar<strong>da</strong>mento de ato de ofício seja absolutamenteinaceitável e, via de conseqüência, inaplicável.Não existe retar<strong>da</strong>mento de ato de ofício, se inexiste estipulação legal que obrigueo seu cometimento, de determina<strong>da</strong> forma, ou em determinado prazo.A estipulação legal vista no artigo 11 <strong>da</strong> Lei nº 8.429/92 trata-se de normaadministrativa em branco, posto exigir outras normas a regular o que seja a devi<strong>da</strong>prática de ato de ofício. Se inexiste, quanto ao caso concreto, esta norma, inexistepossibili<strong>da</strong>de de tal tipificação.O Ministério Público não demonstrou ter existido qualquer retar<strong>da</strong>mento. O ato deofício, qual seja de encaminhar o processo de fiscalização para instância superior, forafeito tão logo cumpri<strong>da</strong>s funções próprias dos Delegados do Banco Central do Brasil,em face <strong>da</strong> filosofia adota<strong>da</strong> no caso sub examen.”Dessa forma, não vislumbro, in casu, a ocorrência <strong>da</strong> hipótese prevista156R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


no art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 8.429/92.A respeito, leciona Raymond Odent, em sua obra ContentieuxAdministratif, Paris, 1953, p. 604, verbis:“Le contrôle du fait matériellement inexact était encore insuffisant pour assurerun contrôle complet de la légalité des décisions administratives. Il est fréquent, eneffet, que des circonstances de fait conditionnent l’application de la règle de droit.Le juge de l’excès de pouvoir doit alors s’assurer que l’intervention de telle ou telledécision contestée est légitimée non seulement par l’existence matérielle des faits quien conditionnaient la légalité, mais encore par la nature même de ces faits, c’est-à-direpar leur qualification juridique.”Por conseguinte, in casu, examinando-se, em sede de controle delegali<strong>da</strong>de, os fatos objetos do processo disciplinar, ora reproduzidos napresente ação, não constato a ocorrência de improbi<strong>da</strong>de administrativana conduta do apelante.Da mesma forma, no que concerne à responsabili<strong>da</strong>de do BACEN, nostermos do art. 37, § 6º, <strong>da</strong> CF/88, pois, tratando-se de responsabili<strong>da</strong>depor ato omissivo, impunha-se a comprovação dos três elementos para aexistência do dever de indenizar; a culpa, o <strong>da</strong>no e o nexo causal.Em caso semelhante ao dos autos, de que fui relator, publicado naRevista do TRF/<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, v. 46, pp. 79/81, deliberou o <strong>Tribunal</strong>, verbis:“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVILDO ESTADO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL.PREJUÍZO AOS INVESTIDORES. FISCALIZAÇÃO DO BACEN. OMISSÃO.EFEITOS.1. Com efeito, consoante reitera<strong>da</strong>mente tem decidido a Suprema Corte, o dispostono art. 37, § 6º, <strong>da</strong> CF de 1988 (art. 107 <strong>da</strong> CF de 1969) caracteriza a teoria objetiva <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de civil do Estado, sob a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de do risco administrativo, porém, comtemperamentos (RE nº 68.107-SP, rel. Min. THOMPSON FLORES, in RTJ 55/50; REnº 116.658-SP, rel. Min. FRANCISCO REZEK, in RTJ 131/417). Ora, consoante bemassinalou o eminente Juiz a quo, as Leis n os 4.595/64 e 4.728/65 investiram o BancoCentral do Brasil na posição de órgão controlador do funcionamento <strong>da</strong>s instituiçõesfinanceiras, conferindo-lhe poderes de fiscalização e vigilância do mercado financeiro,ou seja, poderes de polícia administrativa. Nessa condição de órgão fiscalizador, porsi só, não torna o BACEN garante <strong>da</strong>s instituições financeiras, já que a sua ativi<strong>da</strong>devisa prevenir prejuízos (TRF <strong>4ª</strong> R., AC nº 90.04.09451-2-PR, in LEX-JSTF e TRF, v.48/531-2).Assim, tratando-se de responsabili<strong>da</strong>de por atos omissivos <strong>da</strong> AdministraçãoPública, não é caso de responsabili<strong>da</strong>de objetiva, e sim subjetiva, somente podendoacarretar a responsabili<strong>da</strong>de do BACEN se comprova<strong>da</strong> a conduta dolosa ou culposaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 157


de seus agentes contribuindo, portanto, para a verificação do evento <strong>da</strong>noso. Impendeacentuar-se que a responsabili<strong>da</strong>de objetiva prevista no art. 37, § 6º, <strong>da</strong> Lei Maior nãose aplica ao ato emissivo do Poder Público, nos termos <strong>da</strong> doutrina e <strong>da</strong> jurisprudência(CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ‘Responsabili<strong>da</strong>de Extracontratualdo Estado por Comportamentos Administrativos’, in Revista dos Tribs., 552/13;TJMG, Ap. nº 76.928/1, rel. Desembargador OLIVEIRA LEITE, in Revista Forense,v. 305/202). Outro não é o entendimento <strong>da</strong> doutrina, ao examinar a posição doBanco Central <strong>da</strong> França, em monografia escrita por DIMITRIS TRIANTAFYLLOU,verbis: ‘Ayant à étudier la Banque de France comme autorité admi- nistrative on aparlè de ses prérogatives et de ses missions pour conclure sur ses actes, sans insistersur la responsabilité pouvant résulter de ces derniers. Dans la mesure où la Banqueexerce un service public administratif, la mise en cause de sa responsabilité relèvedu juge administratif, même si elle est considérée comme personne de droit privé.Il est significatif que la Cour de cassation, statuant sur l’imunité de la Banque duJapon, quand celle-ci exerce sa mission de contrôle des changespour le compte del’Etat <strong>da</strong>ns 1’intérêt du service public et par des actes de puissance publique, aitutilisé les catégories de la responsabilité administrative pour cantonner 1’immbunitéaux cas où en droit français les tribunaux administratifs seraient compétents, c’està-direaux cas de faute de service. On peut présumer que faute lourde serait requise,en raison de la complexité de la matière (comme en matière fiscale) pour la mise encause de la responsabilité de la Banque.’ (In L’Activité Administrative de la BanqueCentrale, Libraire de la Cour de cassation, Paris, 1992, p. 72) No mesmo sentido,manifesta-se HENRY LALOU, verbis: ‘Pas <strong>da</strong>vantage 1’Etat n’est responsable dudétournement par un banquier de bons du Trésor er de titres de rente au préjudiced’un particulier qui les avait remis au banquier en vue des opérations de conversionprescrites par la loi du 17 septembre 1932: ce particulier, en effet, a déposé les valeursdont s’agit <strong>da</strong>ns un établissement de crédit qu’il avait libremnt choisi, en dehors detoute in tervention de l’Administration, et, d’autre part, aucune disposition de loi oude règlement n’imposait à 1’Administration l’obligation de fixer limitativement la listedes établissements admis à prêter leur entremise pour les échanges de titres rendusnécessaires en vue de la conversion (Cons. d’Et. 23 avr. 1937, Gaz. Pal. 14 sept.1937)’. (In Traité Pratique de la Responsabilité Civile, 5ª ed., Dalloz, Paris, 1955, p.158R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


915, n9 1524 bis.) GEORGES VEDEL, ao examinar a questão, afirma, verbis:‘Maisla différence avec le droit civil subsiste sur un point très important: c’est que, lorsquecertaines activités particulièrement difficiles à remplir sont en cause, seule la fautelourde est de nature à engager la responsabilité de la puissance publique.’(In DroitAdministratif, Presses Universitaires de France, 1990, t. 1, p. 578) Ademais, no caso dosautos, não restou demonstra<strong>da</strong> a comprovação <strong>da</strong> omissão <strong>da</strong> fiscalização do BACENpara o efeito de acarretar a sua responsabili<strong>da</strong>de subjetiva, pois, do exame atento dosautos não é possível afirmar-se que a fiscalização <strong>da</strong> autarquia poderia ter evitado aliqui<strong>da</strong>ção extrajudicial <strong>da</strong> Coroa S/A-Crédito, Financiamento e Investimento. Essaé a jurisprudência dos Tribunais ao apreciar idêntico caso dos autos: STJ, REsp. nº43.102-6, rel. Min. MILTON PEREIRA, in DJU I de 05.06.95, p. 16.637; TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, in RTRF 8/169. Ora, é certo que a responsabili<strong>da</strong>de civil do Poder Público,com o correr dos anos, tem sido informa<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> vez mais, pelos princípios que regemo direito público (v.g., SANTI ROMANO, in Corso di Diritto Amministrativo - PrincipiGenerali. 3ª ed., CEDAM, Padova, 1937, pp. 299/300, § 1º, n. 1), porém, admitir-se,como pretende a inicial, a responsabili<strong>da</strong>de objetiva do BANCEN pela omissão nafiscalização de instituição financeira, é interpretar-se equivoca<strong>da</strong>mente o art. 107 <strong>da</strong>CF de 1969 – hoje art. 37, § 6º, <strong>da</strong> CF de 1988 -, que não se aplica ao ato omissivo doPoder Público. É de acrescentar-se, ain<strong>da</strong>, que em nenhum momento restou comprovadoque o <strong>da</strong>no sofrido pelos autores, ora recorrentes, decorreu <strong>da</strong> omissão do BACEN,ônus que lhes cabia, a teor do art. 333, I, do CPC.2. Precedentes do STJ.3. Improvimento <strong>da</strong> apelação.”In casu, não restaram configurados os requisitos que acarretam o deverde indenizar, pois não há o nexo causal entre os prejuízos sofridos pelosconsorciados e a atuação do BACEN.Por esses motivos, lamentando divergir do brilhante voto <strong>da</strong> ilustreRelatora, conheço <strong>da</strong>s apelações e <strong>da</strong> remessa oficial e dou-lhesprovimento, julgando improcedente a ação.É o meu voto.MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2002.04.01.055891-0/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux ChagasImpetrante: Ubiratan Paraná Xavier RodriguesAdvogados: Drs. Samuel Ieger Suss e outrosImpetrado: Desembargador <strong>Federal</strong> Presidente do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong><strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 159


EMENTAMan<strong>da</strong>do de segurança. Direito Processual Civil. DireitoAdministrativo. Pedido de reconsideração. Suspensão ou não do prazodecadencial. Aposentadoria com proventos integrais. Servidor público.Tempo de serviço implementado antes <strong>da</strong> EC 20/98. Direito adquirido.Art. 3º <strong>da</strong> EC/98.O pedido de reconsideração na via administrativa não interrompeo prazo para o man<strong>da</strong>do de segurança, consoante a Súmula nº 430 doColendo STF. To<strong>da</strong>via, esse entendimento é inaplicável ao caso de pedidode reconsideração especificado em lei que tenha caráter recursal e efeitosuspensivo, como o pedido de reconsideração de que trata o art. 106 <strong>da</strong>Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis <strong>da</strong> União).Tal pedido de reconsideração impede o curso do prazo decadencial paraa impetração de man<strong>da</strong>do de segurança.A Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, em que pese ter produzidovárias modificações nos regimes previdenciários geral e dos servidorespúblicos (limite de i<strong>da</strong>de/regra de transição, aposentadoria por tempo decontribuição, ve<strong>da</strong>ção de percepção de proventos com valores superioresaos recebidos na ativi<strong>da</strong>de), resguardou o direito adquirido dos seguradose dos servidores públicos que, na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong>, tivessemcumprido os requisitos para a obtenção dos benefícios de pensão eaposentadoria. (art. 3º <strong>da</strong> EC nº 20/98)Se o servidor implementou o tempo de serviço suficiente paraaposentadoria voluntária com proventos integrais antes <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong>EC 20/98, nenhuma <strong>da</strong>s modificações legislativas imprimi<strong>da</strong>s pela EC20/98, ou pela legislação ordinária superveniente a ela, pode ser leva<strong>da</strong>em conta no cálculo de seus proventos, sendo-lhe aplicável a legislação<strong>da</strong> época, independentemente <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do requerimento do benefício, porexpressa determinação constitucional. (art. 3º, caput, <strong>da</strong> EC nº 20/98)Man<strong>da</strong>do de segurança concedido.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aCorte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,conceder a segurança, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas160R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 26 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas: Ubiratan Paraná XavierRodrigues impetra Man<strong>da</strong>do de Segurança contra ato do Des. <strong>Federal</strong>Presidente do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, consubstanciadona negativa de concessão de aposentadoria voluntária com proventosintegrais na forma do art. 40, III, a, <strong>da</strong> CF/88 (na sua re<strong>da</strong>ção original), art.3º, caput e § § 2º e 3º <strong>da</strong> EC 20/98, c/c o art. 186, III, a, <strong>da</strong> Lei nº 8.112/90,com as vantagens previstas no art. 14, § 2º (opção do cargo efetivomais 70% <strong>da</strong> Função Comissiona<strong>da</strong> de Supervisor de Cumprimento deMan<strong>da</strong>dos – FC-05), e nos arts. 15, § 2º, e 16, todos <strong>da</strong> Lei nº 9.421/96,c/c os arts. 5º e 9º, <strong>da</strong> Lei nº 9.624.Aduz que ingressou com o referido pedido de aposentadoria em 31de agosto de 2001, com fun<strong>da</strong>mento na legislação supracita<strong>da</strong>; que,além <strong>da</strong>s normas arrola<strong>da</strong>s, fun<strong>da</strong>mentou a sua pretensão nas Decisões481/97, 753/99 e 925/99 do <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, as quais, apesarde não vincularem a Administração, reforçam ain<strong>da</strong> mais o seu pedido;que, no âmbito deste <strong>Tribunal</strong>, obteve parecer <strong>da</strong> Diretoria de RecursosHumanos favorável à pretensão, sendo formulado o cálculo dos proventosconforme requerido. (fl. 124)Alega que a Secretaria de Controle Interno desta Corte, posteriormente,se manifestou no sentido de que o benefício não mais poderia serconcedido na forma pleitea<strong>da</strong>, tendo em vista o advento <strong>da</strong> Decisãonº 844/2001, do TCU, que ve<strong>da</strong>va a sistemática de cálculo na formapostula<strong>da</strong>; que se sucederam pareceres contraditórios <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>desdeste <strong>Tribunal</strong>, umas entendendo pela possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aposentadorianos termos do pedido, outras não, até que a Presidência proferiu decisãopela não-concessão <strong>da</strong> aposentadoria do impetrante, face aos termos <strong>da</strong>Decisão 844/2001/TCU; que formulou pedido de reconsideração, maseste foi indeferido, ato contra o qual ora se insurge.Sustenta que o entendimento que embasou a decisão é equivocado;que, por ocasião <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, já contavaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 161


com tempo de serviço suficiente para obter aposentadoria com proventosintegrais (35 anos, 03 meses e 02 dias), nos termos do art. 40, III, a, <strong>da</strong>CF/88, na sua re<strong>da</strong>ção original, e do art. 186, III, a, <strong>da</strong> Lei 8.112/90.Assevera que, no pertinente às vantagens a serem carrea<strong>da</strong>s àaposentadoria, é aplicável o art. 14, § 2º, <strong>da</strong> Lei 9.421/96, que concede afacul<strong>da</strong>de de opção pelo cargo efetivo mais 70% do valor-base <strong>da</strong> funçãocomissiona<strong>da</strong> FC-05, bem como os arts. 15, § 2º, e 16, <strong>da</strong> mesma lei, quelhe concedem a vantagem de incorporação de 9/10 <strong>da</strong> FC de Supervisor(FC-05) e 1/10 <strong>da</strong> FC de Assistente Datilógrafo (FC-04); que qualqueralteração legislativa posterior à situação jurídica retrocita<strong>da</strong> não tem ocondão de alterá-la, tendo em vista o direito adquirido (arts. 5º, XXXVI,<strong>da</strong> CF/88 e 6º <strong>da</strong> LICC), bem como pelo fato de a própria EC nº 20/98ve<strong>da</strong>r essa alteração.Sustenta que a irretroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei é um princípio geral do direito,ao qual não está imune a Administração Pública; que, no caso dos autos,sequer houve revogação <strong>da</strong> legislação que o beneficia, já que a EC 20/98resguardou seu direito, mas tão-somente nova interpretação do órgãofiscalizador; que é pacífico na boa doutrina e na jurisprudência dosTribunais que os direitos relativos à aposentadoria do servidor públicosão regidos pela legislação vigente à época em que foram implementadosos requisitos necessários à aposentação.Afirma, ain<strong>da</strong>, que deve ser aplica<strong>da</strong> ao caso a teoria dos motivosdeterminantes, considerando nulo o ato administrativo quando o motivofor inexistente; que a decisão que motivou a não-concessão do benefíciorequerido (Decisão 844/TCU) encontrava-se com seus efeitos suspensos,consoante certidão de fl. 141 do processo administrativo; que, sereconhecido o vínculo <strong>da</strong>s decisões do TCU com a administração destaCorte, deve prevalecer o entendimento <strong>da</strong> Decisão 481/97, que albergaa pretensão do impetrante e ain<strong>da</strong> está em vigor.Alega, por fim, que as decisões do TCU têm natureza meramenteadministrativa, sendo sujeitas, portanto, ao crivo do Judiciário.Outrossim, requer a concessão de liminar para que seja concedi<strong>da</strong> aaposentadoria na forma postula<strong>da</strong>.O Relator indefere a liminar.A autori<strong>da</strong>de coatora presta informações.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opina pela concessão <strong>da</strong> segurança.162R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas:Cumprimento do prazo de 120 dias para impetração do writInicialmente, examino – de ofício – se o man<strong>da</strong>do de segurança foiimpetrado dentro do prazo de 120 dias contados do ato coator.O impetrante, no man<strong>da</strong>do de segurança, busca a concessão deaposentadoria por tempo de serviço com proventos integrais, de formaque a sistemática de cálculo observe a legislação vigente antes <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong>Constitucional nº 20/98.O pedido administrativo foi indeferido pelo Presidente do <strong>Tribunal</strong> em23.05.2002 (fl. 155), tendo o impetrante tomado ciência <strong>da</strong> decisão em26.07.2002 (fl. 161). Da decisão indeferitória, o impetrante ingressou compedido de reconsideração nos termos do art. 106 <strong>da</strong> Lei 8.112/90 (fls. 163e segs.). O pedido de reconsideração foi indeferido pelo Presidente do<strong>Tribunal</strong> (fls. 216/217). O impetrante foi intimado <strong>da</strong> decisão indeferitóriado pedido de reconsideração em 16.09.2002 (fl. 221) e ingressou com oman<strong>da</strong>do de segurança em 17.12.2002.Se o prazo de 120 dias for contado <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> primeira decisãodenegatória (26.07.2002), operou-se a decadência do direito de impetraro man<strong>da</strong>do de segurança. Se o prazo for contado <strong>da</strong> ciência à parte <strong>da</strong>decisão indeferitória do pedido de reconsideração, não se consumou oprazo decadencial.A Súmula nº 430 do Colendo STF assenta: “Pedido de reconsideraçãona via administrativa não interrompe o prazo para o man<strong>da</strong>do desegurança”.Entendo inaplicável ao caso essa súmula. O pedido de reconsideraçãode que trata a Súmula 430 é aquele que não é previsto em lei, constituindosimples pedido de reforma <strong>da</strong> decisão, não possuindo natureza recursal.O pedido de reconsideração especificado em lei e que tenha efeitosuspensivo, como no caso dos autos, previsto no art. 106 <strong>da</strong> Lei nº8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis <strong>da</strong> União),obsta o início <strong>da</strong> contagem do prazo decadencial e prescricional.Esse diploma legal, no art. 111, dispõe que o pedido de reconsideraçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 163


e o recurso, quando cabíveis, interrompem a prescrição.“Art. 111 – O pedido de reconsideração e o recurso, quando cabíveis, interrompema prescrição.”A jurisprudência é nesse sentido:“Se o pedido de reconsideração é especificamente previsto em lei e tem efeitosuspensivo, não corre o prazo para impetração <strong>da</strong> segurança.” (TFR-3ª Turma, AMS75.108-PR, rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 29.09.77)“Se o recurso administrativo é impropriamente designado, em lei, como pedidode reconsideração, o prazo para a impetração do man<strong>da</strong>do de segurança se contado momento em que a decisão desse recurso é apta a produzir a lesão ao direito doimpetrante. (RTFR 123/326. No mesmo sentido: TFR-2ª Turma, AMS 116.945-SP,rel. Min. William Patterson, j. 28.04.87, DJU 7.5.87, p. 8230).” (in CPC, TheotonioNegrão, 35ª edição, Saraiva, págs. 1693/4)Portanto, o prazo de 120 dias para impetração do man<strong>da</strong>do desegurança somente começou a correr a partir <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> parte sobrea decisão indeferitória do pedido de reconsideração.O man<strong>da</strong>do de segurança foi impetrado perante o <strong>Tribunal</strong> em17.12.2002, quando não havia transcorrido o prazo decadencial de 120dias.Assim, ratifico expressamente no voto o recebimento do writ.MéritoConforme relatado, o impetrante, servidor do Quadro Permanente dePessoal <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, busca a concessão de aposentadoria por tempode serviço com proventos integrais, de forma que a sistemática de cálculoobserve a legislação vigente antes <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98.O benefício foi indeferido pela Administração sob o fun<strong>da</strong>mentode que a decisão 844/2001 do <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União impede aconcessão.O impetrante fun<strong>da</strong>menta a sua pretensão no art. 40, III, a, <strong>da</strong> CF/88(aposentadoria voluntária com proventos integrais aos 35 anos deserviço), na sua re<strong>da</strong>ção anterior à Emen<strong>da</strong> 20/98, c/c 186, III, a, <strong>da</strong> Lei8.112/90, com as vantagens previstas nos arts. 14, § 2º (opção pelo cargoefetivo mais 70% <strong>da</strong> função comissiona<strong>da</strong> de nível 05, de Supervisorde Cumprimento de Man<strong>da</strong>dos), 15, § 2º, e 16 <strong>da</strong> Lei 9.421/96 (quintos164R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


e/ou décimos incorporados), combinados com os arts. 5º e 9º <strong>da</strong> Lei nº9.624/98, todos em vigência em 15.12.98.Consoante as certidões anexas aos autos, o servidor contava com35 anos, 03 meses e 02 dias de tempo de serviço em 15.12.98, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98.Cinge-se a controvérsia, portanto, à possibili<strong>da</strong>de ou não de o servidorter sua aposentadoria regi<strong>da</strong> pela legislação <strong>da</strong> época em que preencheuos requisitos para a aposentação, já que requereu o benefício somenteem 2001.A Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20, de 15.12.98, em que pese trazerprofun<strong>da</strong>s modificações aos regimes previdenciários geral e dosservidores públicos (limite de i<strong>da</strong>de/regra de transição, aposentadoria portempo de contribuição, ve<strong>da</strong>ção de percepção de proventos com valoressuperiores aos recebidos na ativi<strong>da</strong>de), resguardou o direito adquiridodos segurados e dos servidores públicos que, na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong>Emen<strong>da</strong>, tivessem cumprido os requisitos para a obtenção dos benefíciosde pensão e aposentadoria.Transcrevo a seguir o referido dispositivo:“Art. 3º. É assegura<strong>da</strong> a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aosservidores públicos e aos segurados do regime geral de previdência social, bem comoa seus dependentes, que, até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação dessa Emen<strong>da</strong>, tenham cumprido osrequisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios <strong>da</strong> legislação entãovigente.§ 1º. (omissis)§ 2º. Os proventos de aposentadoria a ser concedi<strong>da</strong> aos servidores públicos referidosno caput, em termos integrais ou proporcionais ao tempo de serviço já exercidos atéa <strong>da</strong>ta de publicação desta Emen<strong>da</strong>, bem como as pensões de seus dependentes, serãocalculados de acordo com a legislação em vigor à época em que foram atendi<strong>da</strong>s asprescrições nela estabeleci<strong>da</strong>s para a concessão destes benefícios ou nas condições <strong>da</strong>legislação vigente.§ 3º. São mantidos todos os direitos e garantias assegurados nas disposiçõesconstitucionais vigentes à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação desta Emen<strong>da</strong> aos servidores e militares,inativos e pensionistas, aos anistiados e aos ex-combatentes, assim como àqueles quejá cumpriram, até aquela <strong>da</strong>ta, os requisitos para usufruírem tais direitos, observado odisposto no art. 37, XI, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.”Assim sendo, nenhuma <strong>da</strong>s modificações legislativas imprimi<strong>da</strong>spela EC 20/98, ou pela legislação ordinária superveniente a ela, pode serconsidera<strong>da</strong> no caso dos autos, já que o direito do servidor à concessãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 165


de aposentadoria pela legislação vigente à época <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> emen<strong>da</strong>foi resguar<strong>da</strong>do pelo próprio Constituinte, independentemente <strong>da</strong> <strong>da</strong>taem que veio a requerer o benefício, consoante determina o caput do art.3º supracitado (“a qualquer tempo”).Se na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> EC 20/98 (15.12.98) o servidor já contava commais de 35 anos de serviço, a concessão do benefício deve ser pauta<strong>da</strong>pela legislação <strong>da</strong> época, por expressa determinação constitucional.Sublinho que a Emen<strong>da</strong> determinou ain<strong>da</strong> que os servidores quecontassem com tempo suficiente para aposentação, mas optassem porpermanecer no serviço público, seriam isentados <strong>da</strong>s contribuiçõesprevidenciárias (§ 1º do art. 3º). É evidente que o Constituinte derivadopretendeu incentivar a permanência dos servidores públicos com temposuficiente para a aposentadoria nos respectivos cargos, visando a evitaruma corri<strong>da</strong> à inativi<strong>da</strong>de.Não se afigura justo que os servidores que permaneceram emativi<strong>da</strong>de – como é o caso do impetrante, que conta hoje com quase 40anos de serviço – sejam surpreendidos por nova interpretação legislativa,impeditiva <strong>da</strong> concessão do benefício na forma ampara<strong>da</strong> pela própriaConstituição <strong>Federal</strong>.Dessarte, o impetrante tem direito ao benefício pleiteado pelasistemática vigente à época <strong>da</strong> implementação do tempo de serviço.O art. 40, III, a, <strong>da</strong> CF/88, na re<strong>da</strong>ção vigente à época, respal<strong>da</strong> odireito do impetrante à concessão de aposentadoria voluntária comproventos integrais, considerados os 35 anos de serviço que implementouantes <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong>quela Emen<strong>da</strong>, dispositivo repetido pelo RegimeÚnico dos Servidores Públicos Civis. (art. 186, III, a, <strong>da</strong> Lei 8.112/90)No tocante às vantagens que comporão os proventos <strong>da</strong> aposentadoria,o art. 14, § 2º, <strong>da</strong> Lei 9.421/96, vigente à época em questão, asseguravaa possibili<strong>da</strong>de de ser carrea<strong>da</strong> à aposentadoria a vantagem denomina<strong>da</strong>“opção pela remuneração do cargo efetivo”, acresci<strong>da</strong> de 70% do valorbase<strong>da</strong> Função Comissiona<strong>da</strong> exerci<strong>da</strong> pelo servidor:“Ao servidor integrante de carreira judiciária e ao requisitado, investidos em FunçãoComissiona<strong>da</strong>, é facultado optar pela remuneração de seu cargo efetivo mais setentapor cento do valor-base <strong>da</strong> FC, fixado no Anexo VI.”166Outrossim, o entendimento <strong>da</strong> Diretoria de Recursos Humanos,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


adotado pela Presidência deste <strong>Tribunal</strong> como razão de decidir, no sentidode que o art. 14, § 2º, <strong>da</strong> Lei 9.421/96 não ampara a pretensão do servidorpor ter sido revogado pela Lei nº 10.475/02, não pode prevalecer.Isso porque, conforme dito anteriormente, tratando-se de legislaçãoposterior a dezembro de 1998, não pode ser considera<strong>da</strong> na espécie pordeterminação expressa <strong>da</strong> EC 20/98.No pertinente à incorporação <strong>da</strong> vantagem denomina<strong>da</strong> “quintos”,está prevista na mesma lei, tendo sido posteriormente transforma<strong>da</strong> em“décimos” pela Lei 9.624/98. A incorporação <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> vantagem aosproventos está expressa nos arts. 15 e 16 <strong>da</strong>quela lei, verbis:“Art. 15. Aos servidores <strong>da</strong>s carreiras judiciárias, ocupantes de Função Comissiona<strong>da</strong>,aplica-se a legislação geral de incorporação de parcela mensal <strong>da</strong> remuneração de cargoem comissão ou função de confiança.(...)§ 2° Enquanto estiver no exercício de Função Comissiona<strong>da</strong>, o servidor nãoperceberá a parcela incorpora<strong>da</strong>, salvo se tiver optado pela remuneração do seu cargoefetivo.Art. 16. As vantagens de que trata esta Lei integram os proventos de aposentadoriae as pensões.”No caso do impetrante, conta ele com 9/10 de FC-05 (Supervisor) e1/10 de FC-04 de Assistente Datilógrafo (FC-04), incorporados para osefeitos de aposentadoria.Finalmente, julgo que a Decisão 844/2001 do <strong>Tribunal</strong> de Contas<strong>da</strong> União, que passou a ve<strong>da</strong>r a percepção de “quintos” com a “opçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 167


pelo valor do cargo efetivo acrescido de 70% <strong>da</strong> FC exerci<strong>da</strong>”, e quefun<strong>da</strong>menta a negativa de aposentadoria ao servidor na forma requeri<strong>da</strong>,não pode ser aplica<strong>da</strong> ao caso dos autos.Primeiro, porque tal decisão tem por fun<strong>da</strong>mento, dentre outros aspectos,o § 2º do art. 40 <strong>da</strong> CF/88, na re<strong>da</strong>ção que lhe foi <strong>da</strong><strong>da</strong> pela EC 20/98 (Osproventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão,não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargoefetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência paraa concessão <strong>da</strong> pensão).Ora, se a própria emen<strong>da</strong> exclui <strong>da</strong> incidência <strong>da</strong>s normas que introduzos servidores que já haviam completado tempo para a aposentadoria na<strong>da</strong>ta de sua edição, não pode ser considera<strong>da</strong> no caso dos autos, cujasituação se enquadra na exceção constitucional.Segundo, porque a Decisão 844/2001, por ocasião <strong>da</strong> decisãodenegatória do pedido, estava com seus efeitos suspensos desdenovembro de 2001 (certidão de fls. 175). Tal suspensão fora comunica<strong>da</strong>a esta Corte mediante o Aviso nº 1.613-GP-TCU, de 27.11.2001. (fl. 298)Logo, não poderia embasar tal negativa, devendo prevalecer asorientações <strong>da</strong> Corte de Contas que corroboram o procedimento deaposentadoria que vinha até então sendo adotado no âmbito do PoderJudiciário.Ademais, não pode uma nova interpretação do <strong>Tribunal</strong> de Contas tersupremacia sobre o texto constitucional.Some-se a isso o fato de a Súmula 105 do próprio TCU dispor oseguinte:“A modificação <strong>da</strong> Jurisprudência não alcança aquelas situações constituí<strong>da</strong>s à luzde critério interpretativo anterior.”Portanto, ain<strong>da</strong> que seja louvável a preocupação <strong>da</strong> administraçãodesta Corte em atender às orientações do órgão fiscalizador, a decisão nãopode se manter, posto que fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em determinação do TCU inaplicávelna espécie, não só porque contrária à Constituição <strong>Federal</strong>, como tambémpor estar com seus efeitos suspensos.Ante o exposto, concedo a segurança para que seja concedi<strong>da</strong> aaposentadoria com proventos integrais ao servidor, nos termos em queé postula<strong>da</strong>, consoante cálculo formulado pela uni<strong>da</strong>de competente à fl.124.168R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


É como voto.APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº2002.71.00.014251-8/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro LugonApelante: Eduardo de Vargas AlvesAdvogado: Dr. Gilberto AlvesApela<strong>da</strong>: Universi<strong>da</strong>de Luterana do Brasil - UlbraAdvogados: Drs. Denise Koch e outrosEMENTAAdministrativo. Universi<strong>da</strong>de. Mu<strong>da</strong>nça curricular. Autonomiadidático-científica. Direito adquirido. Art. 207 <strong>da</strong> CF/88. Razoabili<strong>da</strong>de.1. A autonomia didático-científica experimenta<strong>da</strong> pelas universi<strong>da</strong>des,consoante expresso no art. 207 <strong>da</strong> CF/88, autoriza a modificação <strong>da</strong> gradecurricular, não havendo a configuração de direito adquirido do aluno aocurrículo de ingresso no curso.2. Há razoabili<strong>da</strong>de nas exigências agrega<strong>da</strong>s ao currículouniversitário, porque não contundem elas com o lógico, o racional nemcom as aspirações de utili<strong>da</strong>de e bom senso.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Terceira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, pormaioria, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 5 de agosto de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-sede apelação interposta em face de sentença que denegou a segurançaem ação em que pretendia o impetrante, aluno do Curso de CiênciasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 169


Jurídicas e Sociais <strong>da</strong> ULBRA, fosse liberado de desenvolver ativi<strong>da</strong>descomplementares e de apresentar e defender monografia final, exigênciasformula<strong>da</strong>s nos arts. 4º e 9º <strong>da</strong> Portaria do MEC nº 1886/94.Sustenta o recorrente que, tendo ingressado no curso superior noano de 1993, consoante jurisprudência que colaciona, não estariasubmetido às diretrizes pe<strong>da</strong>gógicas previstas na Portaria nº 1886/94, cujaaplicação, é expresso em seu artigo 16, seria obrigatória aos novos alunosmatriculados a partir de 1996. Salienta que tal prazo foi, primeiramente,ampliado para o ano de 1998 (Portaria nº 1252/2001), e, em segui<strong>da</strong>,redefinido para o de 1997. (Portaria nº 1785/2001)Sem contra-razões, vieram os autos.O MPF ofertou parecer opinando pelo improvimento do recurso.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon: Amol<strong>da</strong><strong>da</strong> àprincipiologia do ensino consagra<strong>da</strong> na Carta Constitucional, nota<strong>da</strong>menteà liber<strong>da</strong>de de apreender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,a arte e o saber (art. 206, II), a regra constitucional prevista no art. 207emprestou às universi<strong>da</strong>des autonomia didático-científica, bem comoadministrativa e de gestão financeira e patrimonial.A dimensão didático-científica <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des,a mais importante <strong>da</strong>quelas previstas no plano do ordenamentoconstitucional porque toca mais direto com o princípio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>dedo ensino, confere a tais entes superiores competência para traçarseus programas de ensino, reger as áreas de pesquisa e extensão eestabelecer diretrizes didáticas a serem aplica<strong>da</strong>s por seus agentes.O feixe de poderes contido no plano <strong>da</strong> autonomia didático-científicafoi assim tratado na legislação infraconstitucional, nota<strong>da</strong>mente a Leide Diretrizes e Bases – Lei nº 9.394/96, in verbis:“Art. 53. No exercício de sua autonomia, são assegura<strong>da</strong>s às universi<strong>da</strong>des, semprejuízo de outras, as seguintes atribuições:I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superiorprevistos nesta Lei, obedecendo às normas gerais <strong>da</strong> União e, quando for o caso, dorespectivo sistema de ensino;II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observa<strong>da</strong>s as diretrizes gerais170R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


pertinentes;III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produçãoartística e ativi<strong>da</strong>des de extensão;IV - fixar o número de vagas de acordo com a capaci<strong>da</strong>de institucional e as exigênciasdo seu meio;V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com asnormas gerais atinentes;VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;VII - firmar contratos, acordos e convênios;VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentesa obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conformedispositivos institucionais;IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato deconstituição, nas leis e nos respectivos estatutos;X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeiraresultante de convênios com enti<strong>da</strong>des públicas e priva<strong>da</strong>s.Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des,caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursosorçamentários disponíveis, sobre:I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos;II - ampliação e diminuição de vagas;III - elaboração <strong>da</strong> programação dos cursos;IV - programação <strong>da</strong>s pesquisas e <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des de extensão;V - contratação e dispensa de professores;VI - planos de carreira docente.”A questão que se põe nestes autos é a de submissão ou não doimpetrante às exigências curriculares <strong>da</strong> ULBRA, a saber, cumprimentode ativi<strong>da</strong>des complementares e apresentação e defesa de monografia final,como pressupostos para conferência de grau universitário no Curso deCiências Jurídicas e Sociais. Aferra-se o recorrente à expressa prescriçãoconti<strong>da</strong> no art. 16 <strong>da</strong> Portaria nº 1.886/94, diploma que estabeleceu osrequisitos questionados, no sentido de que as diretrizes curriculares destaPortaria são obrigatórias aos novos alunos matriculados a partir de1996 nos cursos jurídicos que, no exercício de sua autonomia, poderãoaplicá-las imediatamente.O ato normativo federal, bem se vê, impôs a todos os cursos jurídicos,a partir de 1996, a obrigatorie<strong>da</strong>de de atender às diretrizes que estabelecia,porém, na<strong>da</strong> impedia, o que aliás foi expressamente ressalvado peloeditor <strong>da</strong> Portaria, que fossem elas implanta<strong>da</strong>s imediatamente, pordecorrência <strong>da</strong> autonomia didático-científica aloca<strong>da</strong> no art. 207 <strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 171


CF/88. Por este prisma, falece consistência ao pleito do estu<strong>da</strong>nte, poiso ente de ensino superior, ao agregar os pressupostos em referência àsua grade curricular, o fez no legítimo exercício <strong>da</strong> autonomia conferi<strong>da</strong>pelo legislador constitucional.Este viés <strong>da</strong> lide é bem apanhado pelo Parecer do Órgão do Parquet<strong>Federal</strong>:“Há que se distinguir duas situações. A primeira, diz com as instituições de ensinouniversitário que não introduziram, por decisão própria, como exigências para a colaçãode grau, as ativi<strong>da</strong>des complementares e o trabalho de conclusão de curso. A essas,aplica-se tão-somente o disposto nas Portarias do MEC sobre o tema referi<strong>da</strong>s napetição inicial. Ocorre que a ULBRA, no exercício <strong>da</strong> autonomia universitária, comcerteza inspira<strong>da</strong> pelas diretrizes veicula<strong>da</strong>s pelo MEC, fez constar no currículo docurso as exigências acima aludi<strong>da</strong>s, as quais pretende o recorrente ver afasta<strong>da</strong>s pordecisão judicial.” (fl. 62)Prosseguindo, o direito alardeado pelo impetrante, tenho opinião,situa-se não na categoria do direito subjetivo adquirido, mas, sim, <strong>da</strong>expectativa do direito de ao longo do curso de graduação ter de atenderao currículo que lhe foi exposto à ocasião <strong>da</strong> matrícula inicial, ou seja,não houve incorporação de direito ao currículo de ingresso no patrimôniodo estu<strong>da</strong>nte. Isto porque restou consagrado na doutrina e jurisprudência,esta capitanea<strong>da</strong> pelo Pretório Excelso, que não existe direito adquirido aregime jurídico ou instituição de direito, devendo prevalecer o interesse<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do ensino a justificar as modificações curriculares. (REO nº89.04.08304-4/RS, Relator Desembargador <strong>Federal</strong> Silvio Dobrowolski)Destaco, a respeito do tema, os fun<strong>da</strong>mentos arregimentados no votodo i. Desembargador <strong>Federal</strong> Amir José Finocchiaro Sarti à ocasião dojulgamento do AMS 97.04.25190-4/RS:“A relação que se estabelece entre aluno e instituição de ensino, especialmenteinstituições de ensino de nível superior, quanto ao conteúdo do curso, absolutamente nãoé contratual; é estatutária, é legal. Imagine-se, por exemplo, se determina<strong>da</strong> disciplinapassasse, em determinado momento, a ser considera<strong>da</strong> absolutamente inadequa<strong>da</strong>,ultrapassa<strong>da</strong>, supera<strong>da</strong>, e, mesmo assim, os alunos tivessem começado o curso na épocaem que aquela disciplina ultrapassa<strong>da</strong>, sem obrigação de cursar a nova disciplina queo progresso científico mostrou ser indispensável para a formação profissional. Então,insisto, com relação ao conteúdo, ao currículo, o relacionamento não é de naturezacontratual. Reconheço que pode haver relação contratual quanto às prestações, aosvalores, aos encargos e, até, à obrigação de prestar o ensino. Mas quanto ao conteúdo,quanto ao currículo, <strong>da</strong>ta venia, é uma remata<strong>da</strong> demasia imaginar que alguém possa172R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


ter direito adquirido, seja à imutabili<strong>da</strong>de do currículo, seja à perpetuação de umadetermina<strong>da</strong> organização do currículo.Disse bem a Universi<strong>da</strong>de recorri<strong>da</strong> que, se isso fosse ver<strong>da</strong>de, ela teria que montartantos cursos quantos fossem os alunos, porque ca<strong>da</strong> um teria direito adquirido a umadetermina<strong>da</strong> organização do currículo. Isso não é possível admitir, por mais que sequeira prestigiar o suposto direito dos estu<strong>da</strong>ntes ou por mais que se queira facilitarlhesa vi<strong>da</strong> acadêmica.”A jurisprudência desta Corte ain<strong>da</strong> registra:“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. CURRÍCULO ESCOLAR.PORTARIA Nº 1.886/94.Ato ministerial que reconheceu a supremacia do princípio <strong>da</strong> autonomia universitária,na medi<strong>da</strong> em que, embora prevendo uma vacatio legis de aproxima<strong>da</strong>mente um anopara implantação <strong>da</strong>s respectivas diretrizes curriculares, não obstante autorizou oscursos jurídicos a aplicá-las de imediato.” (AMS nº 1999.71.10.009155-6/RS – <strong>4ª</strong>Turma – Relator Desembargador Valdemar Capeletti, DJ em 16.11.2000).“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. EXIGIBILIDADE DEMONOGRAFIA. TRABALHO DE CONCLUSÃO. EXIGIBILIDADE.1. Manti<strong>da</strong> a sentença que julgou improcedente o pedido e denegou a segurança, poisembora de fato a obrigatorie<strong>da</strong>de de apresentação de monografia seja apenas para osalunos que ingressaram no curso a partir de 1998, a Portaria nº 1.886/94 já estabeleciaa prerrogativa de a universi<strong>da</strong>de exigir tal trabalho para os alunos mais antigos.2. A norma em comento apenas estabeleceu padrão mínimo de exigência comobservância obrigatória a partir de então. A exigência de monografia dos alunos maisantigos é perfeitamente compatível com a prerrogativa <strong>da</strong>s escolas estabeleceremexigências de acordo com seu plano pe<strong>da</strong>gógico com o objetivo de alcançar maiorexcelência no ensino.3. A sentença não foi objeto de manobras de informática. Eventuais imprecisõespodem ser considera<strong>da</strong>s no máximo como erro material.” (AMS nº 2002.71.12.000315-7/RS – 3ª Turma – Relatora Desembargadora <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler, DJ em07.05.2003)Poder-se-ia, por fim, agitar o tema <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, inserta noexercício do poder discricionário relacionado com a autonomia didáticocientífica,contrastando as exigências questiona<strong>da</strong>s com o racional, ológico, as aspirações de utili<strong>da</strong>de e bom senso, circunstâncias que devemser aquilata<strong>da</strong>s no momento histórico em que formula<strong>da</strong>s. Porém, nemassim logro superar a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> modificação <strong>da</strong> grade curricular,porquanto, além <strong>da</strong>s novas exigências não terem significado de ônusexcessivo ao alunado, seja considerando o cunho econômico, seja tendoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 173


em conta a freqüência e o aproveitamento obrigatórios, foram elasestabeleci<strong>da</strong>s no ano de 1994, ou seja, logo que o estu<strong>da</strong>nte, matriculadono segundo semestre de 1993, iniciou a cursar as cadeiras atinentes aocurrículo <strong>da</strong>s Ciências Jurídicas e Sociais, o que descarta qualquer juízode surpresa e prejuízo decorrente.Denego, então, o provimento reclamado no presente apelo.É o voto.APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº2002.72.00.010816-1/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro LugonApelante: Conselho <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Ordem dos Músicos do Brasil emSanta CatarinaAdvogados: Drs. Avani Serafim de Santana e outroApelado: Eduardo Rodrigues <strong>da</strong> SilvaAdvogado: Dr. André Ivan TortatoRemetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> 5ª Vara <strong>Federal</strong> de Florianópolis/SCEMENTAAdministrativo. Constitucional. Man<strong>da</strong>do de Segurança. Conselho<strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Ordem dos Músicos. Desnecessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> inscrição noConselho.1. Nos termos do inciso XIII do art. 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>174R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de 1988, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,atendi<strong>da</strong>s as qualificações profissionais que a lei estabelecer.2. No tensionamento <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de trabalho com a regra explícita,há que incidirem outros princípios constitucionais, tais como o <strong>da</strong>razoabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de.3. Não foi escopo do legislador sufocar com imposições de ordemeconômica as expressões culturais dos hipossuficientes.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Terceira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termosdo relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 5 de agosto de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon: EduardoRodrigues <strong>da</strong> Silva impetrou Man<strong>da</strong>do de Segurança contra ato doPresidente do Conselho <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Ordem dos Músicos do Brasil emSanta Catarina/SC, objetivando provimento que lhe assegure o direitoao livre exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de profissional independentemente do portede carteira de músico profissional ou documento semelhante, tampoucode inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil – OMB e pagamento deanui<strong>da</strong>de. Sustentou a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s exigências, ampara<strong>da</strong>sna Lei 3.857/60, devido a afronta aos arts. 5º, incs. IX e XIII, e 170 <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>.Após regular processamento, sobreveio sentença de procedência,assegurando ao impetrante o direito de exercer a profissão de músicoindependentemente de registro junto à Ordem dos Músicos do Brasil edeterminar à autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> que se abstenha de exigir do impetrantequalquer valor a título de anui<strong>da</strong>de e/ou multa.Irresigna<strong>da</strong>, apelou a impetra<strong>da</strong>, requerendo a reforma <strong>da</strong> sentença,sustentando que a Constituição <strong>Federal</strong> é clara sobre a limitação do exercícioprofissional, bem como sobre a necessi<strong>da</strong>de de registro e pagamento deanui<strong>da</strong>des.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 175


Com contra-razões, vieram os autos conclusos.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon: Insurgiu-seo impetrante quanto à obrigatorie<strong>da</strong>de de pagar e inscrever-se na Ordemdos Músicos do Brasil a fim de exercer a sua ativi<strong>da</strong>de laboral, exigênciasestas previstas nos artigos 16 e 18 <strong>da</strong> Lei 3.857/60:“Art. 16. Os músicos só poderão exercer a profissão depois de regularmente registradosno órgão competente do Ministério <strong>da</strong> Educação e Cultura e no Conselho <strong>Regional</strong> dosMúsicos sob cuja jurisdição estiver compreendido o local de sua ativi<strong>da</strong>de.Art. 18. Todo aquele que, mediante anúncios, cartazes, placas, cartões comerciais ouquaisquer outros meios de propagan<strong>da</strong> se propuser ao exercício <strong>da</strong> profissão de músico,em qualquer de seus gêneros e especiali<strong>da</strong>des, fica sujeito às penali<strong>da</strong>des aplicáveis aoexercício ilegal <strong>da</strong> profissão, se não estiver devi<strong>da</strong>mente registrado.”Ocorre que os artigos acima citados, afrontam os dispositivosconstitucionais inscritos nos incisos IX e XIII do art. 5º <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong>:“Art. 5º - (...)IX – é livre a expressão <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de artística, independentemente de censura oulicença;XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendi<strong>da</strong>s asqualificações profissionais que a lei estabelecer.”Desta forma, mesmo que se reduzisse a ativi<strong>da</strong>de musical à qualificaçãode mero ofício, a Constituição garante a este a liber<strong>da</strong>de de exercício.Por outro lado, nos termos do inciso XIII do art. 5º acima referido, razãonenhuma há para que ocorra a restrição <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, na medi<strong>da</strong> em que aativi<strong>da</strong>de musical desenvolvi<strong>da</strong> não interfere nas necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dosci<strong>da</strong>dãos.Assim, a Ordem não pode exigir que os Músicos se inscrevam,nem que permaneçam inscritos, bem como não pode impedir que seapresentem publicamente.Em nosso país, as expressões culturais mais genuínas eclodem176R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENALR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 177


178R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.101306-0/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroApelante: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleApelante: A. S.Advogados: Dr. A. S.Dra. Clotilde Bernadete ZanziApelados: (Os mesmos)Apelado: A. M.Advogado: Dr. José Carlos RodriguesEMENTAPenal. Moe<strong>da</strong> falsa. Prisão em flagrante. Nuli<strong>da</strong>de. Inexistência.Vali<strong>da</strong>de do depoimento de policiais. Autoria e materiali<strong>da</strong>de. Provassuficientes. Prescrição. Extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de. Art. 580 do CPP.1. O crime de “guar<strong>da</strong>r” moe<strong>da</strong> falsa tem natureza permanente, ouseja, o estado de flagrância prolonga-se no tempo, ensejando, a qualquermomento, a prisão. 2. Incomprova<strong>da</strong> nos autos a alegação de ter havido“complô” dos policiais contra o acusado. 3. O testemunho dos agentesque realizaram o flagrante possui relevante eficácia probatória, nãohavendo motivo para desconsiderá-lo. 4. A materiali<strong>da</strong>de delitiva restouindiscutível; a autoria suficientemente demonstra<strong>da</strong> nos autos, mormenteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 179


pela confissão do co-réu, indicando a presença do apelante nos fatoscriminosos. 5. Quando a avaliação <strong>da</strong>s circunstâncias judiciais previstasno art. 59 do CP é predominantemente favorável ao réu, justifica-se afixação <strong>da</strong> pena-base no mínimo legal. 6. Declara<strong>da</strong> a prescrição retroativaquanto ao crime de moe<strong>da</strong> falsa, frente ao transcurso de mais de oito (8)anos entre o recebimento <strong>da</strong> denúncia e a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> sentença.7. Extensão <strong>da</strong> decisão ao réu que não apelou, com base no art. 580 doCódigo de Processo Penal.ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acimaindica<strong>da</strong>s, decide a Oitava Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento aos apelos; declarar extintaa punibili<strong>da</strong>de de A. S. em face <strong>da</strong> prescrição e estender os efeitos <strong>da</strong>decisão ao co-réu A. M., nos termos do relatório, voto e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 25 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro: - O MinistérioPúblico ofereceu denúncia em desfavor de A. S., A. J. M. e A. M., <strong>da</strong>ndooscomo incursos nas sanções do art. 289, § 1º, do Estatuto Repressivo(moe<strong>da</strong> falsa), bem como em relação ao último (A. M.) em concurso comE. S. G., pela prática <strong>da</strong> infração prevista no art. 157, § 2º, incs. I e II,do mesmo Diploma (roubo qualificado).A exordial, recebi<strong>da</strong> em 20 de fevereiro de 1991, narrou os fatos nasseguintes letras:“Em uma manhã de abril de 1987, em companhia de uma mulher de nome Ângela,no Motel Plitz, localizado em Vila Nova, Içara-SC, o advogado A. S. teve rouba<strong>da</strong>s90 cédulas falsas de US$ 100,00 (cem dólares americanos) pelo comparsa de suacompanheira A. M., que o ameaçou com um revólver nas dependências do ap. 207. A.M., que chegou ao Motel no porta-malas de um Monza dirigido por seu primo E. S. G.,ocupando o apto. 205, seguiu o casal até aquela casa, depois de, combinado com Ângela,tê-la visto entrando no Escort de A. S., placas KB 6668 (cor ouro metálico) – fl. 22 – emuma praça de Içara-SC. E. S. G. manteve-se durante todo o episódio no Motel ao volantede seu Monza, tendo de lá partido com A. M. e sua cúmplice após disparo de um tiro180R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


no banheiro do ap. 207 – auto de reconstituição de fls. 55-63. De posse dos dólares,A. M., em meados de maio os repassou a seu irmão A. J. M., que tentou comprar umaoficina de Antônio Gomes Teixeira, também vulgo ‘Toninho’. Este último, tendo <strong>da</strong>doconhecimento à Polícia <strong>Federal</strong> de estar em posse de dólares falsos, levou os policiaisaté os dois irmãos e à ciência <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> ter sido o roubo ao advogado A.S. no Motel Plitz. Em busca realiza<strong>da</strong> em seu escritório, policiais encontraram ain<strong>da</strong>19 cédulas falsas no mesmo valor unitário de US$ 100,00, ocasião em que foi preso(laudo documentoscópico de fls. 73/7), bem como duas carteiras de identi<strong>da</strong>de e umade inscrição no CIC (fl. 131) <strong>da</strong>s quais a última e uma <strong>da</strong>quelas já comprova<strong>da</strong>mentefalsas. To<strong>da</strong>s as tentativas de encontrar Ângela revelaram-se ínfrutíferas. Por isso,denuncio A. M. como incurso nas penas do artigo 157, § 2º, I e II, com a agravante doartigo 62, I, em concurso material (artigo 69, caput) com o artigo 289, § 1º; E. S. G.nas penas do artigo 157, § 2º, I e II, combinado com o artigo 29; A. J. M., nas penasdo artigo 289, § 1º; e A. S. nas penas do artigo 289, § 1º, todos do Código Penal (...).”Os réus foram citados e interrogados (fls. 267/285). Diante <strong>da</strong> contradiçãodos depoimentos, procedeu-se à acareação entre os acusados A. S. e A. M.(fl. 396)Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença, publica<strong>da</strong>em 06 de dezembro de 1999 (fls. 646/663), julgando parcialmenteprocedente a pretensão punitiva para condenar o denunciado A. S. pelaprática do ilícito previsto no art. 289, § 1º, do Código Penal, a 03 anosde reclusão, em regime aberto, além de 10 dias-multa à razão unitária demetade do salário mínimo; A. M. por infração ao art. 157, § 2º, incisosI e II, do CP, a 06 (seis) anos de reclusão e 10 dias-multa fixados em ¼do salário mínimo, bem como 03 (três) anos de reclusão e multa comidêntico valor pelo crime de moe<strong>da</strong> falsa, totalizando 09 (nove) anosde reclusão, em regime prisional fechado e 20 dias-multa; A. J. M. pelaprática delituosa prevista no art. 289, § 1º, c/c art. 14, II, ambos do CP,fixando a reprimen<strong>da</strong> em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 10dias-multa, substituí<strong>da</strong> por restritivas de direitos; também E. S. G., comoincurso nos arts. 348 e 349 do CP, a 02 meses e cinco dias de detenção,substituídos por multa.Em face <strong>da</strong>s penas fixa<strong>da</strong>s, foi prolata<strong>da</strong> sentença extinguindo apunibili<strong>da</strong>de de A. J. M. e E. S. G., em decorrência <strong>da</strong> prescrição. (fls.732/3)Embora A. M. e seu defensor tenham sido pessoalmente intimados<strong>da</strong> sentença, este não manifestou irresignação, deixando transcorrer inalbis o prazo recursal.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 181


Apelou A. S., sustentando, prefacialmente, a invali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prisão emflagrante e conseqüente nuli<strong>da</strong>de do feito, porquanto os policiais civis“armaram um complô” para incriminá-lo. No mérito, alega, em suma, aausência de prova suficiente para a condenação. (fls. 695/7)Recorre também o Ministério Público, postulando a majoração <strong>da</strong>spenas fixa<strong>da</strong>s para A. S. e A. M. no tocante ao crime de moe<strong>da</strong> falsa.Com as contra-razões, subiram os autos.A douta Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República manifestou-se pelodesprovimento do inconformismo do réu e acolhimento do recursoministerial. (fls. 745/51)É o relatório.À revisão.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro: - No que pertineà argüição de nuli<strong>da</strong>de do feito, em face <strong>da</strong> suposta irregulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>prisão em flagrante, permito-me transcrever excerto do bem-lançadoparecer <strong>da</strong> lavra do eminente Des. Victor Luiz dos Santos Laus destaCorte, à época atuando na Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República, verbis:“Preliminarmente, gize-se que a situação narra<strong>da</strong> nos autos não permite que sefale em prova ilícita (art. 5º, LVI, CF), pelo fato de ter sido obti<strong>da</strong> mediante violaçãodo escritório profissional do apelante sem a competente ordem judicial, decorrentede alega<strong>da</strong> ‘armação’ dos policiais, não contaminando o feito pela aplicação <strong>da</strong>regra the fruit of poisonous tree (art. 573, § 1º, CPP). A Carta <strong>da</strong> República de 1988,em seu art. 5º, XI, consagra como direito fun<strong>da</strong>mental a inviolabili<strong>da</strong>de domiciliar,excepcionando os casos de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou, ain<strong>da</strong>,por determinação do juízo, desde que realiza<strong>da</strong> durante o dia. Do contexto dos autos,infere-se que a primeira exceção (flagrante) revelou-se presente (Alexandre de Moraes,Direito Constitucional, 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 79). O crime imputado aoapelante - guar<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> falsa -, possui natureza predominantemente permanente,ou seja, sua consumação protrai-se no tempo, configurando como crônico o estadode flagrância, o que enseja, a qualquer momento, a prisão (art. 303, CPP). (STJ, HC1538/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Assis Toledo, DJ 07.12.92). Além disso, a diligênciaque resultou na persecução criminal foi realiza<strong>da</strong> na sede do escritório de advocaciado réu, em decorrência de investigação procedi<strong>da</strong> contra A. M., A. J. M. e E. S. G.pelo fato de buscarem a compra <strong>da</strong> oficina pertencente a Antônio Gomes Teixeiracom dólares falsos, com a finali<strong>da</strong>de de esclarecer a origem <strong>da</strong>s notas, bem comosurpreender o agente em situação demonstrativa <strong>da</strong> conduta, propiciando a coleta <strong>da</strong>s182R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


provas imprescindíveis e necessárias à materiali<strong>da</strong>de, bem como a interrupção dos atosvioladores ao ordenamento jurídico...”A par disso, como o delito previsto no art. 289 do CP é, de regra,praticado na clandestini<strong>da</strong>de, na maioria <strong>da</strong>s vezes, os autores sãoflagrados pela autori<strong>da</strong>de guar<strong>da</strong>ndo moe<strong>da</strong> falsa, sem outras testemunhasoculares. Nesse contexto, não se há de questionar a vali<strong>da</strong>de dodepoimento dos policiais.Deve ser dito que este elemento probatório (especialmente quandoprestado em juízo, sob a garantia do contraditório) reveste-se deinquestionável eficácia para a formação do convencimento do julgador.Não se pode desqualificá-lo pelo simples fato de emanar de agentesestatais incumbidos, por dever de ofício, <strong>da</strong> repressão penal. Nessesentido, trago à colação alguns precedentes jurisprudenciais:“A prova testemunhal obti<strong>da</strong> por depoimento de agente policial não se desclassificatão-só pela sua condição profissional, na suposição de que tende a demonstrar avali<strong>da</strong>de do trabalho realizado; é preciso evidenciar que ele tenha interesse particularna investigação ou, tal como ocorre com as demais testemunhas, que suas declaraçõesnão se harmonizem com outras provas idôneas. Precedente. (STF - HC 74522/AC - 2ªTurma, Rel. Min. Maurício Corrêa, publ. no DJU de 13.12.96, p. 50167).”“PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE.TESTEMUNHO POLICIAL. É idônea a prova testemunhal colhi<strong>da</strong> no auto de prisãoem flagrante e reafirma<strong>da</strong> em Juízo, com plena observância do contraditório, mesmoconstituí<strong>da</strong> apenas por depoimentos de policiais que realizaram o flagrante.” (STJ,6ª Turma, Habeas Corpus nº 9314/RJ, Rel. Ministro Vicente Leal, publ. no DJU de09.08.99, pág. 176)O testemunho do policial não deverá ser considerado somentequando restar evidenciado interesse particular na investigação penal,ou demonstrado que as declarações não encontram suporte nem seharmonizam com as demais provas do processo. To<strong>da</strong>via, essas hipótesesinocorrem na espécie sub judice, eis que os fatos delituosos ficaramdemonstrados por outros elementos.Com efeito, não tendo sido produzi<strong>da</strong> nenhuma prova nesse sentido, aafirmativa do réu A. S. de ter o flagrante sido “engendrado” por policiaisque eram seus “inimigos declarados” (o que, segundo sustenta, acarretariaa nuli<strong>da</strong>de do feito pela contaminação de todos os atos processuaissubseqüentes) ficou no plano <strong>da</strong>s meras alegações.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 183


Mister salientar, por oportuno, que, na ocasião do flagrante, foramapreendi<strong>da</strong>s 19 (dezenove) notas falsas de US$ 100,00 (cem dólares)guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s em poder do acusado, contudo não se pode olvi<strong>da</strong>r que,segundo as evidências coligi<strong>da</strong>s, este possuía anteriormente outras90 (noventa) cédulas de idêntico valor, que foram rouba<strong>da</strong>s pelos codenunciados.A versão dos fatos confessa<strong>da</strong> na Polícia e corrobora<strong>da</strong> em juízo porA. M. é de que, em abril de 1987, valendo-se <strong>da</strong> colaboração de umamoça chama<strong>da</strong> Ângela, atraiu o advogado A. S. para o Motel Plitz nalocali<strong>da</strong>de de Içara/SC. Auxiliado pelo co-réu E. S. G., que conduzia oveículo, seguiram o casal até o motel e estacionaram na garagem contígua.Na seqüência, A. M. ingressou no quarto do advogado empunhando umaarma e roubando os dólares, tendo inclusive efetuado disparo acidentalde projétil no banheiro, atingido A. S. com uma coronha<strong>da</strong> na cabeça.No interrogatório em juízo (fls. 268/9), A. M. confessou lisamente oroubo dos dólares falsos, consoante descrito no inquérito policial, bemcomo na denúncia.Questionado no termo de acareação, A. S. negou taxativamente oevento, respondendo que: “está vendo pela primeira vez a pessoa de A.M.” (fl. 396). Este, entretanto, confirmou suas declarações anteriores.Tal versão dos fatos foi confirma<strong>da</strong> por duas funcionárias do motel,Maria de Fátima de Oliveira e Doraci de Oliveira. A primeira, declarouter anotado a placa do Escort (KB 6688), pertencente ao advogado A. S.O laudo pericial <strong>da</strong>s fls. 63/72, relativo ao estudo técnico ereconstituição procedi<strong>da</strong> no motel, consignou na ocasião o seguinte:“(...) uma marca semelhante às provoca<strong>da</strong>s pelo impacto de projéteis de arma de fogo.Possuía aproxima<strong>da</strong>mente um centímetro de diâmetro, apresentando ain<strong>da</strong> restos dechumbo. Mais acima, no forro, outro pequeno <strong>da</strong>no era observado, provavelmenteprovocado pelo ricochete do projétil (...)”.Concludentemente, ante o farto conjunto probatório acostado, mostraseinverossímil a tese de ter o inquérito sido “inventado” apenas paraincriminar o Apelante. Não há como <strong>da</strong>r crédito à alegação de um suposto“complô” dos policiais contra ele, mesmo porque não seria lógico o coréuA. M. confessar diversas vezes o roubo e a posse <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> falsa, seauto-incriminando, caso tais delitos não tivessem realmente acontecido.Assim, improcede a irresignação do réu A. S., devendo ser mantidoo decisum condenatório.184R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Por outro lado, cumpre examinar o recurso do Parquet, objetivandosejam exacerba<strong>da</strong>s as sanções fixa<strong>da</strong>s para A. S. e A. M. relativamenteao crime de moe<strong>da</strong> falsa.Aduz o Recorrente que as vetoriais elenca<strong>da</strong>s no art. 59 do CP nãofavorecem os acusados, especialmente em face <strong>da</strong>s circunstâncias econseqüências do crime, citando precedentes em casos análogos.Contudo, o ilustre julgador monocrático assim analisou as referi<strong>da</strong>scondições:“A. S. – Circunstâncias judiciais (art. 59, caput, do CP). A culpabili<strong>da</strong>de do réudecorre do Juízo de reprovação de sua conduta, uma vez que é imputável e plenamentecapaz de entender o ilícito de sua conduta. Os antecedentes são favoráveis, eis quedemonstram a inexistência de delitos anteriores. A conduta social e personali<strong>da</strong>deparecem normais. Os motivos estão ligados à perspectiva de lucro fácil, normal à espécie.As circunstâncias do crime não ensejam maiores considerações, ressaltado, apenas, oalto valor que estava em seu poder (mais de dez mil dólares). As conseqüências docrime são de relativa gravi<strong>da</strong>de, pela insegurança que a existência de cédulas falsascausa no seio <strong>da</strong> população. O comportamento <strong>da</strong> vítima em na<strong>da</strong> contribuiu para arealização do evento <strong>da</strong>noso. Dessa forma, fixo-lhe a pena-base no mínimo legal, ouseja, 03 (três) anos de reclusão, sanção que torno definitiva pelo fato de não ocorreremcircunstâncias agravantes ou atenuantes (...)A. M. – Crime de Moe<strong>da</strong> Falsa. Circunstâncias judiciais (art. 59, caput, do CP).A culpabili<strong>da</strong>de do réu decorre do Juízo de reprovação de sua condunta uma vezque é imputável e plenamente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta.Os antecedentes não prejudicam o réu, sendo que deixo de considerar processos eman<strong>da</strong>mento em respeito ao princípio constitucional <strong>da</strong> presunção de inocência. A condutasocial e personali<strong>da</strong>de parecem normais. Os motivos estão ligados à perspectiva de lucrofácil, normal à espécie. As circunstâncias do crime não ensejam maiores considerações,ressaltado, apenas o alto valor que passou a guar<strong>da</strong>r. As conseqüências do crime são derelativa gravi<strong>da</strong>de, pela insegurança que a existência de cédulas falsas causa no seio<strong>da</strong> população. O comportamento <strong>da</strong> vítima em na<strong>da</strong> contribuiu para a realização doevento. Dessa forma, fixo-lhe a pena-base no mínimo legal, ou seja, 03 (três) anos dereclusão. Reconheço a atenuante <strong>da</strong> confissão (art. 65, III, d, do CP), a qual, to<strong>da</strong>via,deixo de considerar, eis que a pena já está fixa<strong>da</strong> no mínimo, tornando-se definitiva emface <strong>da</strong> inexistência de outras circunstâncias capazes de alterá-la.”Na<strong>da</strong> há a modificar no apenamento imposto pelo MM. Juiz a quo. Asanção mínima abstratamente comina<strong>da</strong> ao crime de moe<strong>da</strong> falsa (trêsanos de reclusão) é suficiente para a prevenção e repressão do ilícito,revelando-se proporcional à gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta, bem como ao <strong>da</strong>nosocial causado. In casu, restou adequa<strong>da</strong>mente observado o princípioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 185


constitucional <strong>da</strong> individualização <strong>da</strong> pena, sendo incabível a pretendi<strong>da</strong>comparação <strong>da</strong>s reprimen<strong>da</strong>s ora arbitra<strong>da</strong>s aos réus com outras fixa<strong>da</strong>sem processos análogos. Além disso, insta consignar que A. S. é primário,sem antecedentes, e A. M., por outro lado, beneficiou-se <strong>da</strong> atenuante <strong>da</strong>confissão. Em suma, não se vislumbram, na hipótese dos autos, motivosrelevantes para afastar a sanção do patamar mínimo.No entanto, estabelece o art. 61 do CPP que “em qualquer fase doprocesso, o juiz, se reconhecer extinta a punibili<strong>da</strong>de, deverá declarálode ofício”. Na espécie, improvido o apelo ministerial, resultaram aspenas definitivas pelo crime de moe<strong>da</strong> falsa em 03 (três) anos de reclusãopara ca<strong>da</strong> réu. Transcorridos mais de oito (8) anos entre o recebimento<strong>da</strong> denúncia, em 20 de fevereiro de 1991, e a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong>sentença condenatória (02 de dezembro de 1999) cumpre declarar extintaa pretensão punitiva estatal quanto ao Apelante, em face <strong>da</strong> prescriçãoretroativa, forte nos arts. 107, inc. IV, e 109, IV, c/c art. 110, todos doEstatuto Repressivo.Por fim, com apoio no art. 580 do Código de Processo Penal, impõeseestender a decisão extintiva <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de ao réu A. M. (que nãorecorreu) tão-só no tocante ao crime de moe<strong>da</strong> falsa (art. 289, § 1º,do CP) permanecendo inaltera<strong>da</strong> a pena de 06 (seis) anos de reclusãodecorrente do roubo duplamente qualificado (art. 157, incs. I e II, doCP). Em conseqüência, o regime prisional de cumprimento <strong>da</strong> pena paraeste delito é o semi-aberto, na forma do art. 33, § 2º, b, do Código Penal.Ante o exposto, nego provimento aos apelos; de ofício, declaro extintaa punibili<strong>da</strong>de de A. S. em face <strong>da</strong> prescrição e estendo os efeitos dodecisum ao co-réu A. M. no que tange à condenação por moe<strong>da</strong> falsa,186R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


modificando o regime carcerário para semi-aberto relativamente aocrime de roubo, nos termos explicitados.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA ACR Nº 2001.04.01.037292-5/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> SilvaEmbargante: G. D. S. C.Advogados: Drs. Liane Rutkowski Negri e outrosDrs. Ney Fayet de Souza e outroEmbargado: Newton Domingues KalilAdvogado: Dr. Nei Soares de OliveiraEmbargado: Fernando José <strong>da</strong> RochaAdvogados: Drs. Paulo Olimpio Gomes de Souza e outrosEmbargado: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleEMENTAEmbargos de declaração. Omissão. Contradição. Inocorrência. Penapecuniária. Graduação.Inocorrentes as hipóteses de omissão e contradição, não há comoprosperar o inconformismo, via embargos declaratórios, cujo real intentoé a obtenção de efeitos infringentes.Num limite estabelecido no artigo 49 do Código Penal, que vai de 10a 360 dias-multa, a pena pecuniária deve guar<strong>da</strong>r proporção com to<strong>da</strong>sas penas do Código e não apenas com a pena privativa de liber<strong>da</strong>decomina<strong>da</strong> para o tipo específico.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Sétima Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r parcial provimento aos embargos de declaração, nosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 187


termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgadoPorto Alegre, 13 de maio de 2003.Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva: Trata-se deembargos de declaração opostos por G. D. S. C., objetivando sanaromissões e contradições no acórdão <strong>da</strong>s fls. 1084/1120 e 1140/1141.Sustenta o embargante, em síntese, que o acórdão foi omisso quantoà “refutação <strong>da</strong> ‘argüição de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença por ausência defun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> pena de multa’. Não enfrentou a tese. Apenas realizouum redimensionamento na aplicação <strong>da</strong> pena de multa, reduzindo onúmero de dias-multa e mantendo o valor de ca<strong>da</strong> dia-multa ” (fl. 1.151).Alega que a decisão é contraditória no concernente, porque após terafirmado que “ao individualizar o número de dias-multa, o juiz deveatentar e resguar<strong>da</strong>r a simetria entre as penas privativas de liber<strong>da</strong>de epecuniária” (fl. 1.151), o número de dias-multa deveria ter sido fixadoem 10 dias-multa, e não, em 48 dias-multa como restou consignadona decisão ora embarga<strong>da</strong>, uma vez que a pena privativa de liber<strong>da</strong>defoi aplica<strong>da</strong> no mínimo legal, isto é, dois anos de reclusão. Aduz que oacórdão também é omisso porque deixou de fun<strong>da</strong>mentar a mantençado valor de ca<strong>da</strong> dia-multa, bem como por ausência de fun<strong>da</strong>mentaçãoadequa<strong>da</strong>, tanto no que diz respeito ao fato de ter desconsiderado “a thesisegundo a qual ‘a desídia, ou a involuntária omissão <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des,não pode deslocar o marco inicial <strong>da</strong> prescrição’ ” (fl. 1.152), como àrefutação <strong>da</strong> argüição de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença por negativa de vigênciado artigo 157 do CPP, “ao tão-somente se referir às contra-razõesdo nobre órgão do Ministério Público <strong>Federal</strong>, que na<strong>da</strong> de concretotrouxe para desconsiderar a argüição, de todo procedente, <strong>da</strong> Defesa”(fl. 1.152). Assinala, por fim, que o acórdão também é contraditório aonão ter reconhecido em favor do embargante o princípio <strong>da</strong> bagatela,“embora reduzidíssimo o valor <strong>da</strong>s duas únicas parcelas não prescritas(abril e maio de 1994), que estavam longe dos R$5.000,00, admitidoscomo insignificantes, ao ter considerado o valor corrigido <strong>da</strong>s mesmas,até outubro de 2002, e não o <strong>da</strong> época dos fatos”. (fl. 1.152)188É o relatório.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva: O recurso nãomerece ser provido.Na hipótese, não há omissão a ser esclareci<strong>da</strong> por meio de embargosdeclaratórios e não pode a parte se valer desse instrumento processualpara ver seu recurso novamente julgado. Nos termos <strong>da</strong> jurisprudênciado Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,“mesmo nos embargos de declaração com o fim de prequestionamento, devem-seobservar os lindes traçados no art. 535 do CPC (obscuri<strong>da</strong>de, dúvi<strong>da</strong>, contradição,omissão e, por construção pretoriana integrativa, a hipótese de erro material” - EDAGA- Embargos de Declaração no Agravo Regimental no AG n.º 309860/SP, 2ª Turma,Relator Min. Franciulli Netto, DJ Data: 31.03.2003, pág. 192)Esse recurso não é, portanto, meio hábil ao reexame <strong>da</strong> causa.Com efeito, ao contrário do que sustenta o embargante, não é omissonem contraditória a decisão no que diz respeito à alega<strong>da</strong> “nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sentença por ausência de fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> pena de multa” e à fixaçãodos dias-multa. Aliás, merece ser referido que a contradição suscetívelde ser afasta<strong>da</strong> por meio de embargos declaratórios é a conti<strong>da</strong> entreos próprios termos ou entre a fun<strong>da</strong>mentação e a conclusão do acórdãoembargado. Não se confunde com a valoração <strong>da</strong> matéria debati<strong>da</strong> eaprecia<strong>da</strong>.É o teor do acórdão, no concernente:“Procedo à analise do recurso interposto pelo réu G. D. S. C.Quanto às preliminares de extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de do réu, em virtude do abolitiocriminis, e <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença, face à falta de fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> pena de multa,hão de ser rejeita<strong>da</strong>s....omissisQuanto à multa, ressalto que seu cálculo obedece a um método bifásico, devendo-se,em primeiro lugar, arbitrar o número de dias-multa e, a seguir, fixar o valor de ca<strong>da</strong> dia,em função <strong>da</strong> situação econômica do réu, nos termos dos arts. 49 e 60 do CP.Na fixação do número de dias-multa, são considera<strong>da</strong>s as circunstâncias judiciaisdo delito, pois a culpabili<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>menta e limita to<strong>da</strong>s as penas, bem como asagravantes e atenuantes e as causas de aumento e de diminuição porventura existentes.Caso contrário, não se estaria <strong>da</strong>ndo o grau de censurabili<strong>da</strong>de merecido para o crime.Num segundo momento, é verificado o valor a ser atribuído a ca<strong>da</strong> dia-multa, ocasiãoem que se considera a condição financeira do condenado.É o que ensinam Celso Delmanto e outros, na obra Código Penal Comentado, 5ªR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 189


ed., São Paulo, Renovar, 2000, pp. 92/93:‘Fixação dos dias-multa: Em face <strong>da</strong> cominação abstrata que a reforma penal de84 instituiu, cremos que o único modo de fixar as penas pecuniárias com equilíbrio ejustiça será pela divisão, em duas etapas ou fases, <strong>da</strong> operação prevista neste art. 49.Numa primeira, estabelece-se o número de dias-multa; numa segun<strong>da</strong>, fixa-se o valorde ca<strong>da</strong> dia-multa. 1ª Etapa: determina-se o número de dias-multa mínimo de dez eo máximo de trezentos e sessenta dias. Para a escolha desse número de dias, deve-seatentar para a natureza mais ou menos grave do crime (pois não há mais cominaçãoparticular para ca<strong>da</strong> delito), para as circunstâncias judiciais que levarão à pena-base,para as agravantes e atenuantes, para as causas de aumento e de diminuição <strong>da</strong> penacabíveis etc., mas não para a situação econômica do réu. 2ª Etapa: já encontrado onúmero de dias (entre os limites de 10 a 360 dias) pela 1ª etapa, passa-se, nesta 2ª, àfixação do valor de ca<strong>da</strong> dia-multa, que não poderá ser inferior a um trigésimo do maiorsalário mínimo mensal (vigente à <strong>da</strong>ta do fato), nem superior a cinco vezes esse mesmosalário mínimo mensal (o maior em vigor no dia do crime). Para essa opção, levar-se-áem conta a situação econômica do réu (CP, art. 60, caput) e, em atendimento a esse<strong>da</strong>do, será fixado o valor de ca<strong>da</strong> dia-multa, entre os limites estabelecidos pelo § 1ºdeste art. 49. Só assim será alcança<strong>da</strong> a justa individualização <strong>da</strong> multa, de modo quea pena pecuniária não se torne exorbitante (e impagável) para o pobre, nem irrisória (edesprezível) para o rico.’Na mesma linha, a lição de Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt (CódigoPenal Anotado e Legislação Complementar, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,1997, p. 295):‘O seu cálculo, de regra, deve ser feito em duas operações e, excepcionalmente, emtrês: 1ª operação: estabelece-se o número de dias-multa dentro do limite estabelecidode 10 a 360. Na eleição desse número, deve-se levar em conta a gravi<strong>da</strong>de do delito, ascircunstâncias judiciais, as circunstâncias legais e, inclusive, as majorantes e minorantes.Enfim, com o exame desses <strong>da</strong>dos, fixa-se apenas a quanti<strong>da</strong>de de dias-multa a seraplicado na sentença; 2ª operação: de posse do número de dias-multa obtido com aprimeira operação, fixa-se o valor de ca<strong>da</strong> dia-multa, nos limites estabelecidos noartigo 49 e seus parágrafos, já referidos. Para esta fixação leva-se em consideração,tão-somente, a situação econômica do réu, pois, a gravi<strong>da</strong>de do delito e a culpabili<strong>da</strong>dejá foram valora<strong>da</strong>s na primeira operação para fixar a quanti<strong>da</strong>de de dias-multa. Assim,atende-se à prescrição do código, que determina que se leve em conta, principalmente,e não, exclusivamente, a situação econômica do réu; 3ª operação: se, porém, o juizconstatar que, em virtude <strong>da</strong> situação econômica do acusado, ela será ineficaz, poderáelevá-la até o triplo (art. 60, § 1º, do CP), ajustando-a ao fato e ao agente.’Na reali<strong>da</strong>de, é a culpabili<strong>da</strong>de, entendi<strong>da</strong> como o grau de censurabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta,o que fun<strong>da</strong>menta e limita to<strong>da</strong>s as penas, sejam elas privativas de liber<strong>da</strong>de, restritivasde direitos, pecuniárias etc. Isso significa dizer que o juiz graduará a pena de multa domesmo modo como graduou a pena privativa de liber<strong>da</strong>de: censurabili<strong>da</strong>de em grau190R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


mínimo, número de dias no mínimo ou próximo dele; censurabili<strong>da</strong>de em grau médio,um pouco acima e censurabili<strong>da</strong>de extrema, número de dias na direção do limite máximo.Depreende-se do que foi dito acima que, ao individualizar o número de dias-multa,o juiz deve atentar e resguar<strong>da</strong>r a simetria entre as penas privativas de liber<strong>da</strong>de epecuniária.Já votei em sentido diverso, mas revejo o entendimento.Em ver<strong>da</strong>de, tomei por base precedente segundo o qual era inaplicável o métodotrifásico na dosagem <strong>da</strong> multa. Tal precedente foi elaborado a partir do entendimentode que não era possível aplicar número de dias, em vista <strong>da</strong>s circunstâncias judiciaisdo art. 59 do Código Penal, passando-se, após, à segun<strong>da</strong> fase, para aumentar talquanti<strong>da</strong>de em razão de eventual agravante e, por último, produzindo novo aumentoem decorrência de causa de aumento. Sem dúvi<strong>da</strong>, é inaplicável tal método trifásico.Essa forma de elaboração do cálculo estaria erra<strong>da</strong>.To<strong>da</strong>via, pena pecuniária é resposta a grau de censura tal qual pena privativa deliber<strong>da</strong>de. Logo, todos os elementos considerados para mensurar a reprovabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> conduta delituosa para os efeitos <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de deverão tambémser considerados para dosagem <strong>da</strong> pena de multa. Caso contrário, haveria um grau decensura para a prisão e outro para a pena pecuniária, solução que nunca passou pelacabeça do legislador, na forma do regramento do diploma penal brasileiro. O mesmopercentual de censura haverá de prevalecer para as duas espécies de sanções. E comose fará isso? Basta que se tome a pena privativa de liber<strong>da</strong>de definitivamente aplica<strong>da</strong>(incluí<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as espécies de causas de aumento, inclusive pela continui<strong>da</strong>de delitiva)e se calcule a fração que representa, tendo-se por base de cálculo a pena mínima e amáxima, abstratamente previstas. A mesma fração haverá de corresponder, em vistado mínimo e do máximo previstos no art. 49 do Código Penal.Estou convencido de que, se apenas forem avalia<strong>da</strong>s as circunstâncias judiciais doart. 59 do Código Penal, para calcular os dias de multa aplicável, <strong>da</strong>r-se-á tratamentoassimétrico com a pena privativa de liber<strong>da</strong>de. E não é isso que o legislador penalpretendeu.Por esses motivos, entendo que a multa aplica<strong>da</strong> ao condenado G. D. S. C. deve serreduzi<strong>da</strong> de 60 (sessenta) para 48 (quarenta e oito) dias-multa, permanecendo, porém,o valor arbitrado pelo juiz a quo para ca<strong>da</strong> dia”. (fls. 1090/1094)É de ser esclarecido, porém, que pelo sistema do Código Penal, aspenas de 10 dias-multa (mínimo legal) devem ser reserva<strong>da</strong>s para crimesde menor ofensivi<strong>da</strong>de, aquelas que detêm as menores penas do CódigoPenal e <strong>da</strong> legislação extravagante, o que não é o caso dos autos, em quea pena mínima é de 2 (dois) anos de reclusão. Nestes casos, como a penamínima está distante <strong>da</strong>s penas mínimas comina<strong>da</strong>s no Código, a penapecuniária deve distanciar-se de seu mínimo (10 dias-multa) porque acominação deste quanto quantitativo até 360 dias-multa deve guar<strong>da</strong>rproporção com to<strong>da</strong>s as penas do Código, e não apenas com as do crimeR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 191


em julgamento.É que o legislador penal estabeleceu a graduação (mínima e máxima)<strong>da</strong>s penas privativas de liber<strong>da</strong>de em ca<strong>da</strong> um dos tipos penais, enquantoque a cominação <strong>da</strong> pena pecuniária foi prevista num único dispositivo(artigo 49 do Código Penal) e não em ca<strong>da</strong> tipo penal.Por outro lado, não assiste razão ao embargante no que tange àsalegações de omissão quanto ao exame <strong>da</strong> prescrição – marco inicial – enegativa de vigência do artigo 157 do Código de Processo Penal.Diz o voto do relator às fls. 1094/1096:“No mérito, em primeiro momento, aduziu a defesa que ocorreu a prescrição, comrelação ao réu G. D. S. C., de todos os fatos narrados na denúncia, pelos seguintesargumentos:‘A desídia ou a involuntária omissão <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des não pode deslocar omarco inicial <strong>da</strong> prescrição. Se houve excesso no prazo para o oferecimento <strong>da</strong>denúncia, sem que o acusado tenha <strong>da</strong>do causa a essa demora, a contagem do lapsoprescricional retorna à <strong>da</strong>ta em que estariam vencidos os prazos para a formulaçãoe recebimento <strong>da</strong> inicial acusatória, ou seja, 09.08.94 (90 dias após o último fato).Assim, entre a <strong>da</strong>ta em que a denúncia deveria estar recebi<strong>da</strong>: 09.08.94, e a <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> r. sentença condenatória (15.03.2001) transcorreram mais de quatro anos, ou seja,precisamente, 6 anos e 7 meses.’ (fls. 933/934)No que se refere a ‘desídia ou a involuntária omissão <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des’, cita<strong>da</strong> norecurso oferecido pela defesa, está descaracteriza<strong>da</strong>, pois conforme despacho de fl. 159,o juiz a quo, antes de receber a denúncia, oportunizou aos acusados que efetuassem opagamento de suas dívi<strong>da</strong>s junto ao INSS, ou que demonstrassem que já haviam-nasquitado, com o intuito de declarar, se possível, a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de dos mesmos.Com relação ao excesso de prazo para o oferecimento <strong>da</strong> peça inicial acusatória,tenho que, também, não merece atenção o apelo, pois ‘o fato de a denúncia ter sidoprotocola<strong>da</strong> após o escoamento do prazo de 15 dias previsto no Código de ProcessoPenal configura mera irregulari<strong>da</strong>de, incapaz de gerar preclusão e de impedir, porconseguinte, a formação <strong>da</strong> relação processual’ (TACRIM-SP – HC 319204/1 – j.11.03.98 – 5.ª Câm. – Rel. Nogueira Filho – Rolo – flash 1.162/349).’Quanto ao fato de o marco inicial para contagem <strong>da</strong> prescrição ter sido alterado,devido a demora no início <strong>da</strong> ação penal, é totalmente infun<strong>da</strong><strong>da</strong> tal argumentação.Segundo Paulo José <strong>da</strong> Costa Jr., em seus Comentários ao Código Penal, São Paulo,Editora Saraiva:2000, p. 327, ‘(...), a prescrição retroativa poderá ocorrer:1) entre o recebimento <strong>da</strong> denúncia (ou queixa) e a publicação <strong>da</strong> sentençacondenatória;2) (...)3) (...)4) entre a <strong>da</strong>ta do fato e a <strong>da</strong>ta do recebimento <strong>da</strong> denúncia ou queixa.’192R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Nesse sentido o seguinte precedente do STJ:‘CRIMINAL. HC. FALSIDADE IDEOLÓGICA. PRESCRIÇÃO RETROATIVA.OCORRÊNCIA. PARCELA RELATIVA À CONTINUIDADE. DESCONSIDERAÇÃO.ORDEM CONCEDIDA.I. Ultrapassado o lapso prescricional previsto no art. 109, inc. V, do Código Penal,entre a <strong>da</strong>ta dos fatos e a do recebimento <strong>da</strong> denúncia, e entre esta e a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação<strong>da</strong> sentença condenatória, levando-se em conta a pena concretamente estabeleci<strong>da</strong> em2º grau de jurisdição - sem o aumento decorrente <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de delitiva, declara-sea extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de do paciente.II. (...)III. (...)’ (HC 14.776/MT, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ1 de 27.08.2001, p. 358)Assim, não há que se falar na ‘<strong>da</strong>ta em que a denúncia deveria estar recebi<strong>da</strong>’, esim na <strong>da</strong>ta em que ela, efetivamente, foi recebi<strong>da</strong>; sendo essa última o dia de iníciopara a contagem do referido prazo prescricional.Cabe ressaltar, no entanto, que ocorreu a prescrição retroativa com relação àsobrigações previdenciárias cujo vencimento se deu antes de 09.03.94, tendo em vistahaver transcorrido prazo superior a 4 (quatro) anos entre a <strong>da</strong>ta de consumação dosfatos e a <strong>da</strong>ta do recebimento <strong>da</strong> denúncia (09.03.98, fl. 191), na forma dos arts. 107,IV, 109, V, 110, § 1º, e 117, I, todos do Código Penal, e <strong>da</strong> Súmula 497 do STF.Tendo em vista a ocorrência <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong>s obrigações previdenciárias cujovencimento se deu antes de 09.03.94, como já exposto, reduzo o acréscimo pelacontinui<strong>da</strong>de para 1/6, restando a pena definitiva fixa<strong>da</strong> em 2 (dois) anos e 4 (quatro)meses de reclusão.Manti<strong>da</strong> a substituição <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de por restritivas de direitos,na forma estabeleci<strong>da</strong> pela sentença.Alegou, ain<strong>da</strong>, haver nuli<strong>da</strong>de na sentença por negativa de vigência ao art. 157,CPP, eis que a prova testemunhal foi afasta<strong>da</strong> sem qualquer motivação.Sem razão, o apelante G. D. S. C.Esse ponto foi bem tratado pelo MPF em suas contra-razões (fls. 1026/1032), aomencionar que ‘(...) a prova testemunhal não foi desconsidera<strong>da</strong> pelo magistrado parafins de seu convencimento, apenas não foi suficiente para provar as alegações feitaspela defesa, ônus que lhe competia, a teor do disposto no art. 156 do CPP. Assim, aocondenar o apelante baseado, mormente, nas provas documentais, o Juiz na<strong>da</strong> mais fezdo que exercer o seu direito de livre convencimento, previsto pelo art. 157 do CPP’.”.Ain<strong>da</strong> quanto ao exame <strong>da</strong> prescrição e <strong>da</strong> não-aplicação do princípio<strong>da</strong> insignificância, merece transcrição trecho do voto-condutor do acórdãoora embargado:“No que diz respeito ao apelante G. D. S. C., pelo que restou apurado pelo INSS,ele é responsável pelo recolhimento <strong>da</strong>s contribuições relativas aos meses de julho/92a outubro/93 e dezembro/93 a maio/94. Tomando-se por base a <strong>da</strong>ta de recebimentoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 193


<strong>da</strong> denúncia – 09.03.98, foram alcança<strong>da</strong>s pela prescrição as parcelas compreendi<strong>da</strong>sentre os meses de julho/92 a outubro/93 e dezembro/93 a março/94, restando afasta<strong>da</strong>sas competências de abril e maio de 94. Consoante discriminativo <strong>da</strong> fl. 100, o débitooriginário destes últimos meses, devi<strong>da</strong>mente atualizado até o mês de outubro de 2002,importa em R$ 11.976,99. Portanto, não há falar, no caso, em aplicação do princípio<strong>da</strong> insignificância”. (fls. 117/1118)Como visto, o entendimento desta c. 7ª Turma para a aplicação doprincípio <strong>da</strong> insignificância é no sentido de que os valores têm que ser oconsoli<strong>da</strong>do e atualizado monetariamente e não aquele <strong>da</strong> época em quedeixou de ser, como no caso concreto, repassado aos cofres do INSS.Portanto, merece ser parcialmente providos os presentes declaratóriostão-só para esclarecer a questão envolvendo a pena pecuniária e a suafixação.Ante o exposto, dou parcial provimento aos embargos de declaraçãoapenas para os fins acima explicitados.É o voto.MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2002.04.01.041623-4/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> RosaImpetrante: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleImpetrado: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Vara <strong>Federal</strong> Criminal de Londrina/PRInteressados: Comercial Capitânea Importação e Exportação Lt<strong>da</strong>.G. A.J. G. S.194R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


EMENTAPenal. Man<strong>da</strong>do de Segurança. Interposição pelo Ministério Público.Possibili<strong>da</strong>de. Hipóteses: erro grosseiro do magistrado ou abusoevidente. Limite estrito. Auxílio de técnicos <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> aoMinistério Público <strong>Federal</strong>. Possibili<strong>da</strong>de. Sigilo bancário. Remessade <strong>da</strong>dos protegidos pelo sigilo à Receita <strong>Federal</strong>. Inexistência deprocedimento administrativo fiscal. Proibição pelo artigo 6º <strong>da</strong> LeiComplementar nº 105/01. Manutenção <strong>da</strong> decisão do juízo impetradoque sustou a remessa de <strong>da</strong>dos à Receita <strong>Federal</strong>. Segurança denega<strong>da</strong>.1. A CF de 1988 dispõe sobre os direitos e garantias individuais em seuartigo 5º. Entre eles estão os direitos de índole processual, os chamadosremédios heróicos, contra abuso de poder derivado <strong>da</strong> atuação dosrepresentantes <strong>da</strong> administração pública em sentido amplo. Entre eles,o man<strong>da</strong>do de segurança que visa a proteger direito líquido e certo, nãoamparado por habeas corpus ou habeas <strong>da</strong>ta, quando o responsável pelailegali<strong>da</strong>de ou abuso de poder for autori<strong>da</strong>de pública ou agente de pessoajurídica no exercício de atribuições do Poder Público. (inciso LXIX)2. O juiz exerce, também, administração ao representar o Estado noapaziguamento <strong>da</strong>s lides e, na extensão desse exercício, há de respeitar alei, porque não está acima dela. Ao contrário, o poder judicial se originano sistema normativo e por ele é limitado. O máximo que lhe é permitidoé interpretar a norma legal, estabelecendo a lógica na sua incidênciaem busca <strong>da</strong> solução justa. Essa é a diferença do ato jurisdicional emrelação ao ato administrativo, ou seja, o primeiro comporta um âmbitode discrição superior. Não pode o administrador deixar de aplicar a leido mesmo modo como é permitido ao magistrado impedir a incidência<strong>da</strong> mesma com uma interpretação em contraste com o sistema ou osprincípios do Direito.3. Então, a revisibili<strong>da</strong>de dos atos judiciais se resolve por umordenamento legal processual, que dispõe sobre os recursos admissíveis.Em geral, as decisões são recorríveis. To<strong>da</strong>via, a opção legislativa pelarapidez e efetivi<strong>da</strong>de do processo pode limitar os recursos. Daí, surgem asdecisões irrecorríveis. Entretanto, não pode o juiz afrontar o texto legal,como já se disse. Se o fizer, em decisões irrecorríveis, seu ato processualestará sujeito à revisão através do man<strong>da</strong>do de segurança. Mas, observesebem, a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação jurisdicional, que exige objetivi<strong>da</strong>deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 195


nos procedimentos, não há de conviver com a revisibili<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong>sas decisões judiciais que se baseiam, conforme visto, em métodos dehermenêutica. Assim, somente as decisões teratológicas, que evidenciemerro grosseiro, abuso evidente, interpretação absur<strong>da</strong>, é que sujeitamum ato judicial à revisão por meio do man<strong>da</strong>do de segurança. De outromodo, estar-se-ia a transformar o man<strong>da</strong>do de segurança num simplesrecurso, em tudo assemelhado ao agravo de instrumento. E não pode umagarantia processual de índole constitucional ser reduzi<strong>da</strong> à condição demero recurso processual contra decisões interlocutórias.4. Sem dúvi<strong>da</strong>, pode o Ministério Público <strong>Federal</strong>, no uso de suasatribuições, interpor man<strong>da</strong>do de segurança, quando o magistradoimpede a atuação regular na investigação criminal. Refere Hely LopesMeirelles que o impetrante tanto pode ser pessoa física como jurídica,órgão público, ou universali<strong>da</strong>de patrimonial priva<strong>da</strong>. (Man<strong>da</strong>do deSegurança e Ação Popular, RT, São Paulo, 1982, p. 25) Se ao parquetincumbe a defesa dos interesses sociais (CF, art. 127), que fun<strong>da</strong>mentamo direito de punir objeto de postulação nas ações penais, evidentementehá de zelar pela persecutio criminis efetiva a fim de restaurar a ordem.Nessa dimensão, havendo embaraço de sua atuação por decisão judicialteratológica, será cabível o man<strong>da</strong>do de segurança. Mas, saliente-se,nesse estrito limite: erro grosseiro do magistrado, abuso evidente. Aforadesse limite, seria transformar o man<strong>da</strong>do de segurança num ver<strong>da</strong>deiroagravo de instrumento no processo criminal, o que não corresponde àlei processual em vigor. Diga-se de passagem, o agravo de instrumentono Brasil está a inviabilizar os tribunais em matéria cível. Transformaro man<strong>da</strong>do de segurança, no processo penal, em recurso de agravo seriacolaborar para o caos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de do Poder Judiciário.5. O processo penal restringe a atuação do órgão acusador. Ele existepara <strong>da</strong>r configuração à segurança do ci<strong>da</strong>dão contra a prepotência doEstado. O respeito ao processo é a garantia individual ao contraditório,à ampla defesa, à fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong>s decisões, etc. Exatamente porisso é que qualquer ato judicial que atente contra tais garantias, fazendopericlitar a liber<strong>da</strong>de do ci<strong>da</strong>dão, se sujeita ao habeas corpus.6. Hoje em dia, o Ministério Público, em to<strong>da</strong>s suas representações,está se aperfeiçoando com uma presença altamente útil do ponto de vistade resguardo <strong>da</strong> harmonia social. A presença do parquet recrudesce e196R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


se qualifica. Com isso, não se conforma com o an<strong>da</strong>mento de certosprocessos penais, impugnando as decisões dos magistrados de primeirograu. No entanto, encontra a dificul<strong>da</strong>de de um sistema processual quefecha as portas para as pretensões dos procuradores de revisão de atosjudiciais. Por tal modo, tentam utilizar meios processuais inadequadoscomo a correição parcial e, às vezes, o man<strong>da</strong>do de segurança. Elogiável oesforço de um órgão comprometido com sua nobre função constitucional.To<strong>da</strong>via, não podem os tribunais abrir um espaço criando novas figurasrecursais e, com isso, congestionando definitivamente o Poder Judiciário.É um cui<strong>da</strong>do que exige sensibili<strong>da</strong>de do julgador. Não há de admitira eficácia de decisões absolutamente ilegais, mas também não podetolerar que se conturbe o sistema, paralisando o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>dejurisdicional.7. O exame que se faz do mérito deste man<strong>da</strong>do de segurança se limitaa verificar se a decisão impugna<strong>da</strong> está, realmente, a configurar um errogrosseiro, uma ilegali<strong>da</strong>de flagrante ou um abuso de poder.8. Os autos demonstram que o Ministério Público <strong>Federal</strong> estavaa investigar a eventuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prática de crimes, em razão demovimentações financeiras feitas pelas pessoas suspeitas. Postulou aquebra de sigilo bancário, o que foi deferido, sendo as providênciastoma<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de policial. O juízo criminal autorizou que apolícia transferisse os <strong>da</strong>dos para a Receita <strong>Federal</strong>. Porém, havendo aparticipação de outro magistrado nos autos, este impediu essa troca deinformações entre as autori<strong>da</strong>des, porque não poderia o sigilo quebradoser veiculado fora <strong>da</strong> extensão <strong>da</strong> lide.9. Atente-se para que, segui<strong>da</strong>mente, deve o Ministério Público socorrersedo auxílio de pessoas tecnicamente habilita<strong>da</strong>s para a interpretação deatos. Nos crimes tributários, por exemplo, a fiscalização <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>é que poderá prestar a aju<strong>da</strong>, <strong>da</strong>ndo a exata interpretação à situação fáticasob investigação. Desse modo, diante do acervo probatório existente,inclusive de <strong>da</strong>dos originados por quebra de sigilo, na<strong>da</strong> impede que oparquet receba o auxílio de servidores <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>. Entretanto,não poderá remeter as peças, incluídos os <strong>da</strong>dos objeto <strong>da</strong> quebra dosigilo, à Receita <strong>Federal</strong> para que se manifeste utilizando, também, parao lançamento referidos elementos.10. A Lei Complementar nº 105/2001, em seu artigo 6º, viabiliza aR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 197


quebra do sigilo bancário pela própria Receita <strong>Federal</strong>, diretamente nosbancos, mas sob uma condição: a existência de processo administrativoinstaurado ou procedimento fiscal em curso. Diante disso, se talinexiste como se admitir que a autori<strong>da</strong>de fiscal venha a tomar ciênciade <strong>da</strong>dos de sigilo quebrado em inquérito policial, sem que se comprovea existência de processo administrativo ou procedimento fiscal? Seriauma contradição. Ou existe o processo em an<strong>da</strong>mento e a Receita podepedir a quebra diretamente ao banco, ou não existe, hipótese em que nãotem direito de acesso a <strong>da</strong>dos objeto de sigilo quebrado.11. Está totalmente de acordo com a lei a decisão ataca<strong>da</strong> nesteman<strong>da</strong>mus. Não se trata, pois, de ato judicial que consubstancie errogrosseiro. Bem ao contrário, constitui legali<strong>da</strong>de evidente.12. Segurança denega<strong>da</strong>.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Sétima Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, denegar a segurança, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 25 de março de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa: Trata-sede Man<strong>da</strong>do de Segurança, com pedido de liminar, impetrado peloMinistério Público <strong>Federal</strong>, objetivando a cassação de ato <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>deimpetra<strong>da</strong> que sustou a troca de informações, obti<strong>da</strong>s mediante quebrado sigilo bancário dos interessados, entre a Polícia <strong>Federal</strong> e a Receita<strong>Federal</strong>Aduz o Parquet que tal providência do juízo monocrático prejudicao desenvolvimento <strong>da</strong>s investigações já inicia<strong>da</strong>s com observância dosprocedimentos atinentes à matéria, inviabilizando a formação <strong>da</strong> opiniodelicti, mormente quando as informações preliminares remontam àvultosa movimentação financeira por empresa de pequeno porte.Distribuído o presente man<strong>da</strong>mus, solicitei informações na fl. 73,198R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


diligentemente presta<strong>da</strong>s pelo juízo a quo nas fls. 78/80.A liminar foi indeferi<strong>da</strong> às fls. 82/85.O agente do MPF opinou pela concessão <strong>da</strong> segurança. (fls. 91/96)É o relatório.À Revisão.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa: A CF de 1988dispõe sobre os direitos e garantias individuais em seu artigo 5º. Entreeles estão os direitos de índole processual, os chamados remédiosheróicos, contra abuso de poder derivado <strong>da</strong> atuação dos representantes<strong>da</strong> administração pública em sentido amplo. Entre eles, o man<strong>da</strong>do desegurança que visa a proteger direito líquido e certo, não amparado porhabeas corpus ou habeas <strong>da</strong>ta, quando o responsável pela ilegali<strong>da</strong>de ouabuso de poder for autori<strong>da</strong>de pública ou agente de pessoa jurídica noexercício de atribuições do Poder Público. (inciso LXIX)O administrador está atrelado à lei, não detém poder acima dela, o queconstitui garantia do ci<strong>da</strong>dão. Assim, sempre que a autori<strong>da</strong>de supera oslimites permitidos para sua atuação, consubstancia o abuso contra o qualpode ser impetra<strong>da</strong> a medi<strong>da</strong> judicial de alta concentração procedimental.O juiz exerce, também, administração ao representar o Estado noapaziguamento <strong>da</strong>s lides e, na extensão desse exercício há de respeitar alei, porque não está acima dela. Ao contrário, o poder judicial se originano sistema normativo e por ele é limitado. O máximo que lhe é permitidoé interpretar a norma legal, estabelecendo a lógica na sua incidênciaem busca <strong>da</strong> solução justa. Essa é a diferença do ato jurisdicional emrelação ao ato administrativo, ou seja, o primeiro comporta um âmbitode discrição superior. Não pode o administrador deixar de aplicar a leido mesmo modo como é permitido ao magistrado impedir a incidência<strong>da</strong> mesma com uma interpretação em contraste com o sistema ou osprincípios do Direito.Então, a revisibili<strong>da</strong>de dos atos judiciais se resolve por um ordenamentolegal processual, que dispõe sobre os recursos admissíveis. Em geral,as decisões são recorríveis. To<strong>da</strong>via, a opção legislativa pela rapidez eefetivi<strong>da</strong>de do processo pode limitar os recursos. Daí, surgem as decisõesirrecorríveis. Entretanto, não pode o juiz afrontar o texto legal, como jáR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 199


se disse. Se o fizer, em decisões irrecorríveis, seu ato processual estarásujeito à revisão através do man<strong>da</strong>do de segurança. Mas, observe-sebem, a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação jurisdicional, que exige objetivi<strong>da</strong>denos procedimentos, não há de conviver com a revisibili<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong>sas decisões judiciais que se baseiam, conforme visto, em métodos dehermenêutica. Assim, somente as decisões teratológicas, que evidenciemerro grosseiro, abuso evidente, interpretação absur<strong>da</strong>, é que sujeitamum ato judicial à revisão por meio do man<strong>da</strong>do de segurança. De outromodo, estar-se-ia a transformar o man<strong>da</strong>do de segurança num simplesrecurso, em tudo assemelhado ao agravo de instrumento. E não pode umagarantia processual de índole constitucional ser reduzi<strong>da</strong> à condição demero recurso processual contra decisões interlocutórias.Sem dúvi<strong>da</strong>, pode o Ministério Público <strong>Federal</strong>, no uso de suasatribuições, interpor man<strong>da</strong>do de segurança, quando o magistradoimpede a atuação regular na investigação criminal. Refere Hely LopesMeirelles que o impetrante tanto pode ser pessoa física como jurídica,órgão público, ou universali<strong>da</strong>de patrimonial priva<strong>da</strong>. (Man<strong>da</strong>do deSegurança e Ação Popular, RT, São Paulo, 1982, p. 25) Se ao parquetincumbe a defesa dos interesses sociais (CF, art. 127), que fun<strong>da</strong>mentamo direito de punir objeto de postulação nas ações penais, evidentementehá de zelar pela persecutio criminis efetiva a fim de restaurar a ordem.Nessa dimensão, havendo embaraço de sua atuação por decisão judicialteratológica, será cabível o man<strong>da</strong>do de segurança. Mas, saliente-se,nesse estrito limite: erro grosseiro do magistrado, abuso evidente. Aforadesse limite, seria transformar o man<strong>da</strong>do de segurança num ver<strong>da</strong>deiroagravo de instrumento no processo criminal, o que não corresponde àlei processual em vigor. Diga-se de passagem, o agravo de instrumentono Brasil está a inviabilizar os tribunais em matéria cível. Transformaro man<strong>da</strong>do de segurança, no processo penal, em recurso de agravo seriacolaborar para o caos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de do Poder Judiciário.O processo penal restringe a atuação do órgão acusador. Ele existe para<strong>da</strong>r configuração à segurança do ci<strong>da</strong>dão contra a prepotência do Estado.O respeito ao processo é a garantia individual ao contraditório, à ampladefesa, à fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong>s decisões, etc. Exatamente por isso é quequalquer ato judicial que atente contra tais garantias, fazendo periclitara liber<strong>da</strong>de do ci<strong>da</strong>dão, se sujeita ao habeas corpus.200R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Hoje em dia, o Ministério Público, em to<strong>da</strong>s suas representações, estáse aperfeiçoando com uma presença altamente útil do ponto de vistade resguardo <strong>da</strong> harmonia social. A presença do parquet recrudesce ese qualifica. Com isso, não se conforma com o an<strong>da</strong>mento de certosprocessos penais, impugnando as decisões dos magistrados de primeirograu. No entanto, encontra a dificul<strong>da</strong>de de um sistema processual quefecha as portas para as pretensões dos procuradores de revisão de atosjudiciais. Por tal modo, tentam utilizar meios processuais inadequadoscomo a correição parcial e, às vezes, o man<strong>da</strong>do de segurança. Elogiável oesforço de um órgão comprometido com sua nobre função constitucional.To<strong>da</strong>via, não podem os tribunais abrir um espaço criando novas figurasrecursais e, com isso, congestionando definitivamente o Poder Judiciário.É um cui<strong>da</strong>do que exige sensibili<strong>da</strong>de do julgador. Não há de admitira eficácia de decisões absolutamente ilegais, mas também não podetolerar que se conturbe o sistema, paralisando o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>dejurisdicional.Repita-se: o sistema processual penal é um corpo normativo tutelardo indivíduo, não <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Esta tem o poder estatal disponível paraimpor a sanção. O ci<strong>da</strong>dão, para se precaver contra o abuso, tem apenasa garantia de respeito à ampla defesa e ao contraditório imposto peloprocesso.Diante disso, o exame que se faz do mérito deste man<strong>da</strong>do desegurança se limita a verificar se a decisão impugna<strong>da</strong> está, realmente,a configurar um erro grosseiro, uma ilegali<strong>da</strong>de flagrante ou um abusode poder.Os autos demonstram que o Ministério Público <strong>Federal</strong> estavaa investigar a eventuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prática de crimes, em razão demovimentações financeiras feitas pelas pessoas suspeitas. Postulou aquebra de sigilo bancário, o que foi deferido, sendo as providênciastoma<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de policial. O juízo criminal autorizou que apolícia transferisse os <strong>da</strong>dos para a Receita <strong>Federal</strong>. Porém, havendo aparticipação de outro magistrado nos autos, este impediu essa troca deinformações entre as autori<strong>da</strong>des, porque não poderia o sigilo quebradoser veiculado fora <strong>da</strong> extensão <strong>da</strong> lide.Disse o juiz no despacho objeto deste writ (fls. 69/70):“1- Conforme expressamente consignado na decisão de fls. 375/376, ‘A continui<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s investigações (in<strong>da</strong>gação aos contribuintes a serem identificados <strong>da</strong> naturezaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 201


jurídica <strong>da</strong> operação que motivou o pagamento e/ou recebimento de recursos financeirosem face <strong>da</strong> empresa sob investigação) deve ficar a cargo <strong>da</strong> Polícia <strong>Federal</strong> (...)’.Saliento, ain<strong>da</strong>, que doravante não mais será permitido o intercâmbio de informaçõese documentos acerca <strong>da</strong> presente investigação criminal entre o Delegado <strong>da</strong> Polícia<strong>Federal</strong> e a Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>, sem prévia autorização deste Juízo.Isso porque, de acordo com o disposto no art. 30, caput, <strong>da</strong> LC nº 105/2001, asinformações provenientes <strong>da</strong> quebra de sigilo não poderão ser utiliza<strong>da</strong>s para finsestranhos à investigação policial.O Fisco, se almejar tais informações para efetuar eventuais lançamentos tributáriosnos procedimentos fiscais instaurados, deverá requerê-las, através <strong>da</strong> Procuradoria<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional, ao competente Juízo Cível. E caso o Sr. Delegado <strong>da</strong> Polícia<strong>Federal</strong> reputar, no decorrer <strong>da</strong> investigação, revelar-se necessária a cooperação deservidor <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> nos trabalhos, basta dirigir requerimento a este Juízo, queentão o apreciará.Isso posto, resta prejudicado o pedido formulado pelo Delegado <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>,no sentido de obter autorização deste Juízo Criminal para <strong>da</strong>r prosseguimento aosprocedimentos fiscais (fls. 395/397).2 - A Autori<strong>da</strong>de Policial deverá providenciar, com urgência, a devolução dosdocumentos que se encontram em poder dos Auditores <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>, a fimde ser acostados ao presente inquérito policial. Considerando, porém, que o Fiscofoi informado do conteúdo dos documentos enviados pelas instituições financeiras,mediante autorização judicial (fls. 86/9 e 291/294), poderá permanecer com cópias detais expedientes.”Correta a decisão judicial objeto <strong>da</strong> impugnação.Atente-se para que, segui<strong>da</strong>mente, deve o Ministério Público socorrersedo auxílio de pessoas tecnicamente habilita<strong>da</strong>s para a interpretaçãode atos. Nos crimes tributários, por exemplo, a fiscalização <strong>da</strong> Receita<strong>Federal</strong> é que poderá prestar a aju<strong>da</strong>, <strong>da</strong>ndo a exata interpretação àsituação fática sob investigação. Desse modo, diante do acervo probatórioexistente, inclusive de <strong>da</strong>dos originados por quebra de sigilo, na<strong>da</strong>impede que o parquet receba o auxílio de servidores <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>.Entretanto, não poderá remeter as peças, incluídos os <strong>da</strong>dos objeto <strong>da</strong>quebra do sigilo, à Receita <strong>Federal</strong> para que se manifeste utilizando,também, para o lançamento referidos elementos.A Lei Complementar nº 105/2001, em seu artigo 6º, viabiliza aquebra do sigilo bancário pela própria Receita <strong>Federal</strong>, diretamente nosbancos, mas sob uma condição: a existência de processo administrativoinstaurado ou procedimento fiscal em curso. Diante disso, se talinexiste como se admitir que a autori<strong>da</strong>de fiscal venha a tomar ciência202R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de <strong>da</strong>dos de sigilo quebrado em inquérito policial, sem que se comprovea existência de processo administrativo ou procedimento fiscal? Seriauma contradição. Ou existe o processo em an<strong>da</strong>mento e a Receita podepedir a quebra diretamente ao banco, ou não existe, hipótese em que nãotem direito de acesso a <strong>da</strong>dos objeto de sigilo quebrado.Portanto, está totalmente de acordo com a lei a decisão ataca<strong>da</strong> nesteman<strong>da</strong>mus.Não se trata, pois, de ato judicial que consubstancie erro grosseiro.Bem ao contrário, constitui legali<strong>da</strong>de evidente.Portanto, é o Ministério Público <strong>Federal</strong> carecedor de man<strong>da</strong>do desegurança no presente caso.Em face do exposto, voto no sentido de denegar a segurançaimpetra<strong>da</strong>.RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº2002.04.01.041639-8/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de CastilhoRecorrente: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleRecorridos: V. C. S.V. B.A. B.J. M. X. S.A. E. B.D. X. S.J. N.D. B.V. de talEMENTAR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 203


Indígenas. Competência federal.1. Denúncia por extorsão e cárcere privado contra indígenas quecausaram conflito, com resultado morte, ao buscar cobrar percentualsobre plantio em terra cultiva<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong> reserva indígena. Caso emque se vislumbram condutas violentas provocadoras de instabili<strong>da</strong>de eutilização incorreta de áreas <strong>da</strong> Reserva, afetando os interesses de to<strong>da</strong>aquela comuni<strong>da</strong>de indígena. 2. Competência <strong>Federal</strong> para processare julgar o feito, frente aos termos dos arts. 109, IV e XI, e 231, <strong>da</strong> CF,vista a obrigação <strong>da</strong> União em proteger e fazer respeitar todos os bensdos indígenas. 3. Recurso em sentido estrito provido.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Oitava Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento ao recurso para firmar a competência <strong>da</strong>Justiça <strong>Federal</strong>, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 25 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho: O Ministério Público<strong>Federal</strong> ofereceu denúncia contra V. C. S., V. B., A. B., J. M. X. S., A. E.B., D. X. S., J. N., D. B. e V. de tal, nos seguintes termos:“Durante o mês de março de 1999 o denunciado V. C. S. passou a ameaçargravemente a vítima Reny Cesar Mendes de que se este não cedesse 35% (trinta ecinco) <strong>da</strong> sua plantação de soja que era cultiva<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong> área indígena, situa<strong>da</strong> nomunicípio de Ipuaçu, o mesmo e seu bando iriam matá-lo, bem como a sua família.‘Na <strong>da</strong>ta de 23 de março de 1999, em horário que a instrução poderá apurar, naárea indígena situa<strong>da</strong> no município de Ipuaçu/SC, nesta Comarca, o denunciado V.C. S. deu mais um ultimato para a vítima Reny de que caso não desse 35% (trinta ecinco) <strong>da</strong> produção de soja cultiva<strong>da</strong> nas áreas <strong>da</strong> reserva indígena ‘iriam invadir suaproprie<strong>da</strong>de e queimar os maquinários’.‘Diante de tantas ameaças com evidente intenção de obtenção de vantagem financeiraindevi<strong>da</strong> por parte do denunciado V. C. S., a vítima Reny Cesar Mendes resolveu pedirauxílio para a Polícia Militar uma vez que temia pela sua segurança e de seus familiares,diante <strong>da</strong>s insistentes ameaças que sofria por parte de V. C. S. e demais indígenas queintegram o que chamam de ‘segurança’ do cacique, ora denunciados.204R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


‘Como se encontrava pendente de cumprimento um man<strong>da</strong>do de prisão preventivacontra V. C. S., expedido pela Justiça <strong>Federal</strong> de Chapecó/SC, a Polícia Militar deslocoualguns homens coman<strong>da</strong>dos pelo Major PMSC Luiz Roberto de Quadros, para quefizessem levantamento <strong>da</strong> área para futuro cumprimento <strong>da</strong> ordem judicial.‘Por volta <strong>da</strong>s 21:00 horas na residência <strong>da</strong> vítima, situa<strong>da</strong> na locali<strong>da</strong>de dePinhalzinho, município de Itaguaçu/SC, mais uma vez o denunciado V. C. S. efetuou umtelefonema exigindo o pagamento de parte <strong>da</strong> produção de soja de Reny Cesar Mendes.‘Como a vítima Reny Cesar Mendes resistia às ameaças do denunciado V. C. S.,o mesmo, com intenção de <strong>da</strong>r exaurimento a sua exigência de parte <strong>da</strong> produção desoja <strong>da</strong> vítima, ain<strong>da</strong> com intenção de atemorizá-la reuniu os seus ‘seguranças’, todosos demais denunciados, no Posto Indígena Xapecó, ci<strong>da</strong>de de Ipuaçu/SC, para quearmados com revólveres e espingar<strong>da</strong>s fossem até a residência <strong>da</strong> vítima para recebera parcela <strong>da</strong> produção de soja que exigia ser-lhe entregue.‘Saíram todos os nove denunciados em direção a locali<strong>da</strong>de de Pinhalzinho, áreaindígena, município de Ipuaçu/SC, nesta Comarca, onde residi<strong>da</strong> a vítima Reny CesarMendes.‘Antes de dirigirem-se até a casa <strong>da</strong> vítima, com intenção de realizar maior pressão namesma, para que entregasse a vantagem exigi<strong>da</strong> para o denunciado V. C. S. e os demaisdenunciados, por volta <strong>da</strong>s 21:30 horas, na locali<strong>da</strong>de de Pinhalzinho, Ipuaçu/SC, pordeterminação de V. C. S., os denunciados J. N., V. B., A. B. e V. ‘de Tal’ (cunhado deD. X. S.), que estavam no interior de uma Toyota, de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> FUNAI, foram atéa residência de Rildo Mendes e o obrigaram mediante violência e ameaça uma vez queencontravam-se armados a entrar no veículo para irem até a residência de Reny CesarMendes exigir o pagamento indevido de parte <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> soja.‘Da mesma forma, logo em segui<strong>da</strong>, os mesmos denunciados e V. C. S. obrigaram avítima Julieta Zorzi Mendes a entrar no veículo Toyota para irem até a residência de RenyCesar Mendes para acertar o pagamento <strong>da</strong> exigência de V. C. S. e seus ‘seguranças’.‘Com tal conduta Rildo Mendes e Julieta Zorzi Mendes foram retirados de suasresidências pelos denunciados V. C. S., J. N., J. N., V. B., A. B. e V. ‘de tal’, medianteameaças com emprego de armas de fogo, sendo obrigados a entrarem em um veículoToyota, pelo que foram privados de sua liber<strong>da</strong>de de locomoção pela conduta violentade todos os denunciados, pois todos se faziam presentes no local distribuídos em umveículo corcel, ford, cor marrom, e um veículo VW Gol.‘Após fazerem seus reféns todos os denunciados em união de esforços e desígniospreordenados, nos três veículos acima aludidos, dirigiram-se até a residência <strong>da</strong> vítimaReny Cesar Mendes, todos sob o comando do denunciado V. C. S., para receberema vantagem indevi<strong>da</strong> exigi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quela vítima, utilizando-se <strong>da</strong>s pessoas que levavamconsigo, uma sendo mãe do mesmo e outro irmão.‘Ao chegaram na residência <strong>da</strong> vítima Reny Cesar Mendes os denunciadosdesembarcaram dos automóveis, sendo que ordenaram, novamente mediante ameaças,de que Rildo Mendes e Julieta Zorzi Mendes fossem à frente do grupo, constituído portodos os denunciados, pois caso ocorresse resistência os mesmos seriam usados comoescudos pelos denunciados.‘Ao chegar na frente <strong>da</strong> residência de Reny Cesar Mendes, Julieta Zorzi Mendes, mãeR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 205


do mesmo, gritou dizendo ‘é V. C. S. veio para acertar contigo a parte <strong>da</strong> produção de soja’.‘Quando Reny Cesar Mendes abriu uma janela de sua residência para olhar o queacontecia do lado de fora foi efetuado um disparo de arma de fogo contra sua residência,tudo com evidente intenção de amedrontá-lo para obter-se a vantagem exigi<strong>da</strong>, o quedeu início a um tiroteio que perdurou por alguns minutos.‘O tiroteio teve início por parte dos denunciados não se podendo identificar suaautoria, mas por certo tinha como objetivo obter a vantagem exigi<strong>da</strong> <strong>da</strong> vítima, sendoque de tal violência resultou a morte de Abel Mendes, irmão de Reny, que se encontravana residência deste, tendo como causa morte ferimento perfuro contundente, por projétilde arma de fogo, que provocou trauma de crânio e sua morte, consoante auto de exameca<strong>da</strong>vérico (fl. 128).‘Também veio a óbito J. N., que acompanhava o grupo liderado por V. C. S., emdecorrência de ferimentos provocados por projéteis de arma de fogo, consoante seinfere do auto de exame ca<strong>da</strong>vérico (fl. 118).‘Após o tiroteio travado com os Policiais Militares que se encontravam na residência<strong>da</strong> vítima no momento dos fatos, bem como <strong>da</strong> morte <strong>da</strong>s pessoas acima descritas,além <strong>da</strong>s lesões sofri<strong>da</strong>s pelo Policial Tulio Boeno descritas na fl. 134, os denunciadosevadiram-se do local.‘Os denunciados integram grupo liderado pelo denunciado V. C. S., que tem comofinali<strong>da</strong>de atemorizar os indígenas que vivem no interior <strong>da</strong> área indígena de Ipuaçu/SC para assim perpetrarem diversas condutas criminosas, sempre contando com aimpuni<strong>da</strong>de que o medo de suas condutas violentas inspira na pacata populaçãoindígena.‘Através de tais condutas violentas perpetra<strong>da</strong>s pelos chamados ‘seguranças’ ou‘capangas’ do cacique V. C. S., como a dos presentes autos, o mesmo conseguiu mantersena liderança <strong>da</strong> população indígena local, sempre empregando armas de fogo nasativi<strong>da</strong>des criminosas.‘Assim agindo, todos os denunciados, através <strong>da</strong> concorrência de esforços edesígnios conjugados para as práticas ilícitas, incorreram nas penas previstas no art.158, §§1º e 2º; art. 148, caput, por duas vezes, e; art. 288, parágrafo único, todos doCódigo Penal combinados entre si pelo art. 69, do mesmo diploma legal...”Cumpre destacar que a denúncia acima transcrita foi elabora<strong>da</strong> peloMinistério Público Estadual (fls. 161/167), inaugurando a ação penal nº001.99.000326-5 que tramita perante o Juízo de Direito <strong>da</strong> Comarca deAbelardo Luz, sendo robora<strong>da</strong> pelo Procurador <strong>da</strong> República, conformeconsta à fl. 293 verso.Conclusos os autos, o Juiz <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Vara de Chapecódeterminou expedição de ofício ao Juízo Estadual <strong>da</strong> Comarca deAbelardo <strong>da</strong> Luz/SC solicitando informações acerca do an<strong>da</strong>mento doprocesso supra-referido (fl. 294/295), o qual esclareceu que referidosautos aguar<strong>da</strong>vam manifestação do Ministério Público quanto à alegação206R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de incompetência material <strong>da</strong> Justiça Estadual do réu J. M. X. S., na defesaprévia, em 13 de fevereiro de 2002. Conforme certidão <strong>da</strong> Secretaria<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Vara <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> de Chapecó/SC, o Promotor deJustiça informou por telefone que, além de pendente no processo amanifestação do Ministério Público Estadual acerca <strong>da</strong> questão relativa àcompetência, o processo encontra-se em fase de alegações finais quantoaos demais denunciados. Adiantou, ain<strong>da</strong>, o representante do MPE quesua manifestação será pela improcedência <strong>da</strong> alegação, visto casossemelhantes já sumulados. (fls. 296/297)O julgador a quo emitiu, então, decisão declinando <strong>da</strong> competênciaem favor <strong>da</strong> Justiça Estadual de Abelardo Luz/SC para apreciar o feito,entendendo não estar em discussão um direito indígena propriamentedito, mas sim uma questão particular – invocando a Súmula 140 doSTJ, bem como em respeito ao princípio <strong>da</strong> economia processual. (fls.299/300)O Ministério Público <strong>Federal</strong>, inconformado, interpôs Recurso emSentido Estrito pugnando pela manutenção <strong>da</strong> competência federalpara conhecer e julgar o feito. Aduz que a defesa judicial dos direitose interesses <strong>da</strong>s populações indígenas é uma <strong>da</strong>s funções institucionaisdo Ministério Público, nos termos do art. 129, V, <strong>da</strong> CF, recaindo sobreo Ministério Público <strong>Federal</strong>, nos termos do disposto no art. 5º, III, c, eart. 6º, VII, c, <strong>da</strong> Lei Complementar nº 75/93. Refere que o art. 109 <strong>da</strong>CF atribui à Justiça <strong>Federal</strong> a competência para dirimir disputa sobreindígenas, sem estabelecer qualquer ressalva, impondo, ain<strong>da</strong>, o art. 231<strong>da</strong> Carta Magna à União, o dever de assistir as populações indígenas.Ademais, diz que o STF firmou posicionamento contrário ao disposto naSúmula nº 140 do STJ, sustentando que a regra do inciso XI do art. 109<strong>da</strong> CF dispõe sobre todos os direitos relativos aos indígenas, mormenteos relativos à vi<strong>da</strong> e à liber<strong>da</strong>de.Manti<strong>da</strong> a decisão, vieram os autos, manifestando-se o M.P.F. peloprovimento do recurso.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho: Com razão o MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> quanto à competência para processar e julgar o feito.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 207


Trata-se de imputação de crimes de cárcere privado e de extorsão comresultado morte e lesões a índios em área <strong>da</strong> Reserva Indígena Xapecó.Conforme narra a denúncia, os crimes foram praticados pelos acusadossob a liderança do cacique <strong>da</strong> reserva à época –V. C. S. –, visando àcobrança de percentual sobre o plantio de terras cultiva<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong>reserva. Conforme se depreende do depoimento de D. X. S. (fl. 09)– capitão <strong>da</strong> Aldeia Pinhalzinho, localiza<strong>da</strong> na Reserva Indígena –, aárea em questão era cultiva<strong>da</strong> por Reny Cesar Mendes e seu cunhado,agricultor não índio, sendo cobrado um percentual de 25% sobre a safracolhi<strong>da</strong> por tratar-se de pessoa de fora <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Tal fato não podeser considerado um simples crime, decorrente de um ato isolado.Vislumbra-se a utilização ilegal de terras indígenas, sob o comandodo próprio Cacique que, em vendo frustra<strong>da</strong> suas pretensões de cobrarpor tanto, utilizou-se de outros índios, devi<strong>da</strong>mente munidos de armasde fogo, para atingir seus objetivos, restando, ao final, morto o irmãode Reny – Abel Mendes – e um dos índios que lhe acompanhavam, J.N. (fls. 273/274), além <strong>da</strong>s lesões produzi<strong>da</strong>s em outros integrantes doconflito. Por óbvio tais atos causam inquietude e instabili<strong>da</strong>de na ReservaIndígena atingindo to<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de.Frente aos fatos, escancarado está o interesse <strong>da</strong> União que tomoupara si a obrigação de proteger e respeitar todos os bens indígenas, nostermos do art. 231 <strong>da</strong> CF:“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crençase tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”Conforme se vê, o art. 231 <strong>da</strong> CF estabelece que além doreconhecimento <strong>da</strong> organização social, costumes, línguas, crenças etradições, bem como dos direitos originários dos índios sobre as terras,compete à União “proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Isso querdizer que ademais de respeitar a cultura, as crenças e as terras indígenas edo dever de demarcá-las, a União tem o dever residual de proteger e fazerrespeitar não só estas mas todos os bens dos índios, aí compreendidosos de ordem material ou não. Garantir a proteção de todos os bens dosíndios, portanto, significa dizer que todos os direitos dos índios – sejamaqueles reconhecidos formalmente pela interpretação tradicional do208R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


direito brasileiro, sejam aqueles que resultam <strong>da</strong> prática histórico/culturaldos próprios índios – devem ser objeto de proteção pela União.Os fatos descritos na denúncia apontam problemas sérios na ReservaIndígena que atingem interesses gerais dos indígenas, tais como, segurançae utilização de terras. Do pedido de prisão preventiva de fls. 120/128,formulado pelo Ministério Público Estadual, observa-se a preocupaçãorelativa à violência instaura<strong>da</strong> na Reserva indígena e seus reflexos dentroe fora <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, reforçando a tese de que não é possível se ter taisfatos como desentendimento momentâneo que autorizaria a aplicação<strong>da</strong> Súmula 140 do STJ. Diz o Promotor de Justiça:“...A situação na reserva indígena situa<strong>da</strong> no município de Ipuaçu/SC é por demaisdelica<strong>da</strong>, sendo que aparentemente reina um poder paralelo, instituído pelo cacique V.C. S., mediante o emprego de violência e utilização de armas de fogo, sempre com apassivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> FUNAI que permite a prática criminosa por parte dos índios de portaremou terem em suas residências armas de fogo, sem autorização legal para tanto ou registroregular dos armamentos.”Consta, também, expresso na denúncia ofereci<strong>da</strong> pelo MPE ecorrobora<strong>da</strong> pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> que (fls.161/167):“Os denunciados integram grupo liderado pelo denunciado V. C. S., que tem comofinali<strong>da</strong>de atemorizar os indígenas que vivem no interior <strong>da</strong> área indígena de Ipuaçu/SC, para assim perpetrarem diversas condutas criminosas, sempre contando coma impuni<strong>da</strong>de que o medo de suas condutas violentas inspira na pacata populaçãoindígena.”Trata-se, então, de questão maior que envolve to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>deindígena exigindo assim a proteção <strong>da</strong> União assumi<strong>da</strong> em comandoConstitucional (art. 231 <strong>da</strong> CF), determinando, por conseqüência, acompetência federal para processar e julgar o feito nos termos do inc.IV do art. 109 <strong>da</strong> CF:“os crimes políticos e as infrações penais pratica<strong>da</strong>s em detrimentos de bens, serviçosou interesses <strong>da</strong> União ou de suas enti<strong>da</strong>des autárquicas ou empresas públicas, excluí<strong>da</strong>sas contravenções e ressalva<strong>da</strong> a competência <strong>da</strong> Justiça Militar e <strong>da</strong> Eleitoral.”Ademais, o inciso XI do art. 109 <strong>da</strong> CF que atribui à Justiça <strong>Federal</strong> acompetência para processar e julgar a “disputa sobre direitos indígenas”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 209


também é aplicável ao caso. Tal dispositivo não delimita quais seriamestes direitos e, no caso, o arren<strong>da</strong>mento de terras indígenas que estãosob a proteção <strong>da</strong> União e a violência que se faz presente na reserva,comprova<strong>da</strong> inclusive pelo armamento disponível, também provocam acompetência federal porquanto está em questão a proteção <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>deindígena, se for o caso, de seus próprios integrantes.Assim, entendo competente a Justiça <strong>Federal</strong> para processar e julgaro feito.Neste termos, dou provimento ao recurso em sentido estrito parafirmar a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>.É o voto.APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.71.00.009434-2/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroApelante: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleApelante: R. J. M. F. (réu preso)Advogados: Drs. Eduardo Alvares Durgante e outrosApelante: J. F. L. S. (réu preso)Advoga<strong>da</strong>: Dra. Nei<strong>da</strong> Terezinha Leal FlorianoApelante: V. R. M. (ré presa)Advogados: Drs. Gisela Antia de Almei<strong>da</strong> e outroApelados: (Os mesmos)EMENTAPenal. Tráfico de entorpecentes. Associação. Arts. 12, caput, 14 e 18,I, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76. Competência. Nuli<strong>da</strong>des processuais. Inexistência.Princípio do prejuízo. Escutas telefônicas. Lei nº 9.296/96. Prazo.210R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Materiali<strong>da</strong>de e autoria comprova<strong>da</strong>s. Pena-base. Quanti<strong>da</strong>de e espéciedo entorpecente apreendido. Agravante. Art. 62, I, do CP. Regimeintegralmente fechado. Substituição. Impossibili<strong>da</strong>de.1. Tratando-se de delito tipificado na Lei de Tóxicos, a competênciafixa-se no momento <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação, a partir dos fatos descritosna exordial. Tendo a denúncia narrado conduta com a incidência doartigo 18, I, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, firma<strong>da</strong> está a competência federalpara processar e julgar a quaestio, ain<strong>da</strong> que, posteriormente, não sejacomprova<strong>da</strong> a internacionali<strong>da</strong>de do tráfico. 2. Na hipótese sub judice,restou cabalmente demonstrado, em duas oportuni<strong>da</strong>des, o preparo,transporte e remessa de cocaína para o exterior (Austrália), bem como aguar<strong>da</strong> e o depósito do entorpecente visando a efetivar o terceiro envio<strong>da</strong> droga para aquele país. 3. O tráfico de drogas, previsto no art.12<strong>da</strong> Lei nº 6368/76, é delito de ação múltipla (de conteúdo variado oualternativo) consumando-se com a prática de qualquer <strong>da</strong>s condutaselenca<strong>da</strong>s no aludido dispositivo. 4. O fato de realizar a autori<strong>da</strong>dejudiciária o acompanhamento <strong>da</strong> operação policial via Internet nãoconfigura sua participação na fase inquisitiva, ain<strong>da</strong> mais quando talrecurso foi utilizado apenas como meio para verificação dos requisitosautorizadores <strong>da</strong> custódia cautelar requeri<strong>da</strong> pela Polícia <strong>Federal</strong> e atémesmo para evitar possível constrangimento ao ius libertatis. 5. In casu,não há elementos que apontem vícios relativamente à prova de filmagem,a qual, durante a instrução processual, foi devi<strong>da</strong>mente submeti<strong>da</strong> ao crivodo contraditório. 6. A cisão processual em relação aos réus domiciliadosno exterior foi determina<strong>da</strong> com o propósito de evitar excesso de prazo naformação <strong>da</strong> culpa, procedimento autorizado pelo artigo 80 do CPP, emface <strong>da</strong> existência de motivo relevante. Ademais, em tema de nuli<strong>da</strong>desno processo penal, vigora o princípio do prejuízo (pas de nullité sansgrief) somente se invali<strong>da</strong>ndo determinado ato nas hipóteses em quefique devi<strong>da</strong>mente comprovado que o alegado vício exerceu influênciadireta na apuração <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de substancial ou na decisão <strong>da</strong> causa (art.566 – CPP). Assim, afasta-se a alegação de ofensa aos princípios docontraditório e <strong>da</strong> ampla defesa. 7. As escutas telefônicas foram efetiva<strong>da</strong>sem estrita obediência à norma legal (Lei nº 9.296/96) sendo precedi<strong>da</strong>s<strong>da</strong>s imprescindíveis autorizações judiciais. 8. Em sede de crime de tráficode entorpecentes, admite-se a interceptação telefônica como meio deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 211


prova, mormente quanto tais delitos são de difícil apuração, podendo serrenovado o procedimento em razão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s investigações.Precedentes. 9. Eventual equívoco do Parquet quanto ao peso exato dopsicotrópico apreendido, bem como em relação à troca de nomes dosréus, nos memoriais escritos, configura mero e evidente erro material,não alterando o resultado do mérito <strong>da</strong> causa. 10. Materiali<strong>da</strong>de e autoriaevidencia<strong>da</strong>s à sacie<strong>da</strong>de em relação aos delitos de tráfico e associação.11. Havendo cooperação entre os agentes de forma estável e habitual,formando uma ver<strong>da</strong>deira societas sceleris, caracteriza-se o crimetipificado no artigo 14 <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, cuja pena é a prevista no artigo8º <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90, consoante pacífico entendimento pretoriano. 12.Na aferição <strong>da</strong>s circunstâncias judiciais elenca<strong>da</strong>s no artigo 59 do CódigoPenal, em se tratando de tráfico de entorpecentes, têm poder decisivo aespécie e quanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> droga (mais de 18Kg). Precedentes. 13. Incidea agravante genérica prevista no artigo 62, I, do CP relativamente aoréu que promove, organiza e dirige a ativi<strong>da</strong>de dos demais agentes. 14.Substituição <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de por restritiva de direitos eprogressão de regime prisional incompatível com a natureza do ilícito– tráfico de drogas – ao qual se aplica a legislação referente aos crimeshediondos (art. 12, caput, <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, c/c art. 2º, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº8.072/90). 15. Reconheci<strong>da</strong> a continui<strong>da</strong>de delitiva entre os delitos detráfico interno e internacional, tendo em vista a ofensa ao mesmo bemjurídico tutelado (saúde pública) inclusive previstos no mesmo tipopenal – art. 12 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76 – encontrando-se presentes, ain<strong>da</strong>, osdemais elementos inscritos no artigo 71 do CP.ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acimaindica<strong>da</strong>s, decide a Oitava Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento ao recurso do MinistérioPúblico <strong>Federal</strong>; parcial provimento ao de V. R. M. e negar provimentoaos apelos dos demais réus, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 18 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro, Relator.212R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro: - O MinistérioPúblico denunciou F. I. G. M. H., R. K. I., R. J. M. F., J. F. L. S. e V. R.M. pela prática <strong>da</strong> conduta descrita nos arts. 12 e 14, c/c o art. 18, I, alémde V. R. M. e H. O. F. como incursos nas sanções dos arts. 12, c/c o art.18, III, todos <strong>da</strong> Lei n° 6.368/76.A exordial, recebi<strong>da</strong> em 20.06.2002 (fls. 989/992), narrou os fatosnos seguintes termos:“Conforme apurado em investigação policial, os acusados F. I. G. M. H., R. K. I.,R. J. M. F., J. F. L. S., e V. R. M., em comunhão de esforços e vontades, associaram-secom a finali<strong>da</strong>de específica de fornecer, vender, transportar, trazer consigo, importar,exportar e adquirir 18.765g (dezoito mil, setecentos e sessenta e cinco gramas) decocaína (na forma de seu sal cloridrato) provenientes do exterior - possivelmente Bolíviaou Colômbia - droga esta que tinha como destino a Austrália, praticando, assim, tráficointernacional de entorpecentes. R. J. M. F., J. F. L. S. e V. R. M. foram presos emflagrante por agentes <strong>da</strong> Polícia <strong>Federal</strong> no dia 17 de março deste ano, nesta capital,em cumprimento à ordem judicial expedi<strong>da</strong> por esse Juízo; sendo que F. I. G. M. H.,R. K. I. foram presos na mesma <strong>da</strong>ta por policiais australianos em Brisbane, Austrália.A seu turno, H. O. F., em comunhão de desígnios com V. R. M., associou-se com afinali<strong>da</strong>de específica de fornecer, vender, transportar e trazer consigo maconha (cannabissativa l.) e cocaína de e para terceiros não identificados. H. O. F. foi preso na mesmaoportuni<strong>da</strong>de, no dia 17.04.2002, por ocasião do atendimento à ordem judicial emana<strong>da</strong>desse MM. Juízo, eis que encontrado trazendo consigo e tendo em depósito substânciaentorpecente de uso proscrito no território nacional, que vendia a terceiros. (...)Retomando os fatos, tem-se que a Polícia <strong>Federal</strong> brasileira, através de sua Delegaciade Repressão a Entorpecentes, em conjunto com a Polícia <strong>Federal</strong> Australiana, realizouinvestigações com o objetivo de identificar e prender indivíduos, de nacionali<strong>da</strong>debrasileira e australiana, que se associaram com o objetivo de remeter para a Austráliacocaína originária do exterior, possivelmente <strong>da</strong> Colômbia ou Bolívia. Para tanto,simularam a realização de singela operação mercantil, remetendo para aquele país, emduas oportuni<strong>da</strong>des, equipamentos de informática (no break) dentro dos quais foiescondi<strong>da</strong> a droga, devi<strong>da</strong>mente acondiciona<strong>da</strong> a fim de não ser localiza<strong>da</strong> porequipamentos de segurança, como de ‘raio-x’ instalados em aeroportos e ain<strong>da</strong> por cãesfarejadores treinados. Da associação para o crime de tráfico internacional: Consoantese extrai dos autos, R. K. I. e F. B., este também conhecido como F. I. G. M. H., ambosaustralianos - o segundo naturalizado, mas brasileiro de nascimento - associaram-secom R. J. M. F., J. F. L. S. e V. R. M. com o objetivo de remeter para o exterior - Austrália- substância entorpecente de uso proscrito que causa dependência física e psíquica -cocaína, na forma de seu sal cloridrato de cocaína - a qual foi inicialmente remeti<strong>da</strong>para o Brasil do exterior, possivelmente <strong>da</strong> Colômbia ou Bolívia. R. J. M. F. e J. F. L.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 213


S. mantêm estabelecimento comercial, denominado ‘Planet Burger’, de onde justificamseus ganhos e realizaram parte <strong>da</strong>s condutas delituosas. A fim de lograrem seu intento,os acusados R. K. I. e F. B., que residem em território australiano, deslocaram-se emdiversas oportuni<strong>da</strong>des até Porto Alegre, onde se encontraram com R. J. M. F. e J. F.L. S., além de outras pessoas não-identifica<strong>da</strong>s. Assim, entre outros encontrosenvolvendo os acusados, apurou-se que durante os dias 7 e 12 de agosto de 2001 F. B.esteve hospe<strong>da</strong>do, juntamente com R. K. I., no Hotel Sheraton, em Porto Alegre. Jáem 06.01.2002, F. B. esteve em Porto Alegre, vindo de Buenos Aires no vôo 8633 <strong>da</strong>Varig, sendo que para ingresso no território nacional utilizou-se do nome de F. I. G.M. H. Na ocasião encontrou-se com R. J. M. F. e J. F. L. S., tendo se hospe<strong>da</strong>do noHotel Sheraton. Dois dias após, em 08.01.2002, F. B. que havia deixado Porto Alegre,para cá retorna vindo do Rio de Janeiro por via aérea, tendo sido recebido no aeroportoe se encontrado, novamente, com R. J. M. F. e J. F. L. S. Na ocasião, F. B. hospedou-seno Hotel Sheraton, neste município, até o dia 10.01.2002, sendo que, em pelo menosduas oportuni<strong>da</strong>des, encontrou-se com R. J. M. F. A primeira delas, neste mesmo dia,aproxima<strong>da</strong>mente às 19:30 h, no bar situado na rua Visconde do Rio Branco, 556, ondese encontrou com outras pessoas não identifica<strong>da</strong>s; a segun<strong>da</strong>, no dia 10.01.2002,quando F. B. deixou o Hotel e dirigiu-se ao bar Tempero Rosa, situado na rua Viscondedo Rio Branco, 556, nesta capital. Na ocasião, F. B. e R. J. M. F. encontraram-se commais três pessoas (um homem e duas mulheres) não identifica<strong>da</strong>s. Apurou-se, ain<strong>da</strong>,que em 12.03.01, F. B. esteve no Brasil acompanhado de Merrilge Burns, indivíduoque possivelmente também integra a quadrilha e que se encontra preso em territórioaustraliano. Na ocasião, Merrilge Burns declarou (...) à Receita <strong>Federal</strong>, a posse desessenta mil dólares australianos (AU$ 60.000,00) e vinte mil dólares americanos (US$20.000,00) sendo que informaram como destino endereço inexistente (rua Pedro Ivo,nº 565, Porto Alegre). Portanto, em diversas oportuni<strong>da</strong>des, F. B., R. J. M. F., J. F. L.S. e R. K. I. se encontraram em território nacional com o objetivo de associar-se ecombinar a prática de tráfico de drogas para o exterior. A seu turno, o concurso e aassociação de V. R. M. para o resultado delitivo também está devi<strong>da</strong>mente comprovadonos autos. (...) autoriza<strong>da</strong> por esse Juízo, a Polícia <strong>Federal</strong> efetuou a interceptação dostelefones fixos e celulares utilizados pelos acusados na prática delituosa, conformeprocedimento anexo, tombado sob nº 2002.71.00.004296-2. A partir do trabalho deescuta telefônica desenvolvido, foi possível acompanhar diversos diálogos entre osacusados F. B., R. J. M. F., J. F. L. S., R. K. I. e V. R. M., onde foram acertados detalhessobre as transações e presta<strong>da</strong>s informações a respeito <strong>da</strong>s duas remessas de drogaefetua<strong>da</strong>s para o exterior e ain<strong>da</strong> sobre uma terceira remessa que estava sendo prepara<strong>da</strong>.Ademais, V. R. M. efetuou a locação de um dos veículos utilizados para o transporte<strong>da</strong> droga, além de ter sido reconheci<strong>da</strong> pelos proprietários de ambas as locadoras. Daassociação para o tráfico interno: Por outro lado, a partir <strong>da</strong> escuta telefônica, foipossível apurar que V. R. M. e H. O. F., em comunhão de desígnios, comercializavamsubstâncias entorpecentes de uso proscrito (cocaína e maconha) em sua residência,situa<strong>da</strong> na Av. Paraná, 2116, ap. 06, Porto Alegre, onde foram apreendidos três ‘torrões’de maconha e cinco ‘papelotes’ contendo cocaína. Da preparação <strong>da</strong> cocaína para sua214R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


emessa ao exterior: Devi<strong>da</strong>mente acertados entre si para efetuar o tráfico internacionalde drogas, F. B., R. J. M. F., J. F. L. S., R. K. I. e V. R. M. iniciaram a prática de condutascom o objetivo de alcançar seu intento. Para tanto, R. J. M. F., utilizando-se do nomede ‘Sérgio Saraiva’, nos dias 21.02.2002 e 11.03.2002, adquiriu dois equipamentos deinformática (no break) marca NHS, modelo LS 2600.24 VDC com baterias automotivas,junto à empresa Power Control - Informática Lt<strong>da</strong>., situa<strong>da</strong> na rua Paraíba, 358, PortoAlegre, tendo efetuado o pagamento em dinheiro. Ouvi<strong>da</strong> na esfera policial, Zélia Lima<strong>da</strong> Silva, proprietária <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> empresa, identificou ‘Sérgio Saraiva’ como sendo R. J.M. F. Da mesma forma, R. J. M. F. contratou junto à funilaria Santa Rita, situa<strong>da</strong> naAv. Juca Batista, 528, Porto Alegre, em março do corrente a confecção de oito caixasde chapa galvaniza<strong>da</strong> de cor preta. Posteriormente, no mês de abril, R. J. M. F. adquiriumais quatro caixas junto à mesma funilaria, conforme o depoimento de seu proprietárioDabiano Lopes Pereira. Foram, então, coloca<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s seis caixas de metalum ‘tijolo’ de cocaína, perfazendo um total de 6.150g de droga. Os tijolos forampreviamente envolvidos em fita adesiva transparente, papel carbono, graxa e balão deborracha, de modo a evitar sua percepção por mecanismos de controle em aduanas epor animais farejadores. Posteriormente, foi efetua<strong>da</strong> a substituição no aparelho nobreak <strong>da</strong>s baterias pelas caixas de metal contendo a droga. Da primeira remessa decocaína para o exterior: No dia 27.02.2002, às 12:40 h, R. J. M. F., utilizando-se deum veículo modelo GM-Corsa, de cor branca, placas IJW0756, locado junto à empresaPujol e Vivian Lt<strong>da</strong>., localiza<strong>da</strong> na Rua Silvado, 145, em Porto Alegre, por V. R. M.,dirigiu-se do estabelecimento comercial denominado ‘Planet Burger’, na rua Félix <strong>da</strong>Cunha, nº 654, nesta capital, para a sede <strong>da</strong> empresa de transporte aéreo DHL, situa<strong>da</strong>na Av. Sertório, 6010, em Porto Alegre, com o objetivo de despachar para o exteriorequipamento de informática (no break) onde estava devi<strong>da</strong>mente acondiciona<strong>da</strong> acocaína. Na ocasião, R. J. M. F. utilizou-se novamente do nome de Sérgio Saraiva, efoi atendido por Cláudia Botelho Johnston, tendo o equipamento sido remetido paraBali, Indonésia, conforme demonstra a guia de transporte nº 6685732104, junta<strong>da</strong> aosautos. Deixando R. J. M. F. o local, tendo efetuado a remessa <strong>da</strong> droga para o exterior,saindo portanto a cocaína <strong>da</strong> sua esfera de disponibili<strong>da</strong>de e ação, imediatamente foiapreendido o aparelho no break pela Polícia <strong>Federal</strong>. Foi, então, o aparelho encaminhadoao setor de perícias, onde foi desmontado e localiza<strong>da</strong> a droga, a qual foi apreendi<strong>da</strong>e submeti<strong>da</strong> a perícia. A substância apreendi<strong>da</strong>, conforme laudo toxicológico realizado,constitui-se de cocaína, substância entorpecente de uso proscrito no Brasil, considera<strong>da</strong>capaz de causar dependência física e/ou psíquica, constante <strong>da</strong> Resolução-RDC nº 228,de 11.12.2001, <strong>da</strong> Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em conformi<strong>da</strong>de com aPortaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98, republica<strong>da</strong> no DOU de 01.02.99. Foi ouvi<strong>da</strong>na esfera policial Cláudia Botelho, que reconheceu R. J. M. F. como a pessoa quedespachou o aparelho no break e que havia se identificado como Sérgio Saraiva.Posteriormente, de modo a permitir a identificação e a prisão dos membros <strong>da</strong>quadrilha que estavam no exterior, foi realiza<strong>da</strong> a substituição <strong>da</strong> cocaína por idênticaquanti<strong>da</strong>de de farinha de trigo, a qual foi devi<strong>da</strong>mente acondiciona<strong>da</strong> como originalmenteestava a droga. Dando prosseguimento à operação, o aparelho de informática foiR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 215


estituído para a empresa DHL, para que fosse despacha<strong>da</strong> de acordo com os trâmitesnormais. A mercadoria, então, seguindo seu trâmite originalmente traçado, foi remeti<strong>da</strong>para o entreposto <strong>da</strong> DHL no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP) no dia27.02.2002, de onde foi, sucessivamente, para Bruxelas (Bélgica, em 03.03.2002),Cingapura (em 05.03.2002), Jakarta (Indonésia, em 05.03.2002) até chegar em Bali,na Indonésia, em 06.03.2002, onde foi retira<strong>da</strong> por integrante <strong>da</strong> quadrilha. Após serinstado a tanto por F. B., mediante contato telefônico, R. J. M. F. avisa a J. F. L. S., quese dirige à agência do Banco do Brasil, situado na Av. Cristóvão Colombo, onde recebea importância equivalente a US$ 4.850, como parte do pagamento <strong>da</strong> droga eressarcimento <strong>da</strong>s despesas já efetua<strong>da</strong>s. Da segun<strong>da</strong> remessa de cocaína para oexterior: A segun<strong>da</strong> remessa de droga, por sua vez, foi remeti<strong>da</strong> utilizando-se do mesmosubterfúgio, qual seja, um aparelho no break com as baterias substituí<strong>da</strong>s por caixasde metal contendo 6560g de cocaína, devi<strong>da</strong>mente acondiciona<strong>da</strong> em fita adesivatransparente, papel carbono, graxa e balão de borracha, de modo a evitar sua percepçãopor mecanismos de controle em aduanas. Assim, no dia 8.03.2002, às 14 horas, R. J.M. F. dirigiu-se à sede <strong>da</strong> empresa DHL, em Porto Alegre, dirigindo o automóvelRenault Clio, branco, placas IHT0390, alugado <strong>da</strong> empresa ‘Delta Locadora’, situa<strong>da</strong>na rua Dona Sebastiana, 260, nesta capital. Na ocasião, R. J. M. F. remeteu para oexterior outro equipamento no break contendo cocaína, novamente fazendo-se passarpor Sérgio Saraiva. O equipamento foi remetido através <strong>da</strong> guia nº 6685731636, junta<strong>da</strong>aos autos. Nesse momento, R. J. M. F. efetuou a remessa <strong>da</strong> droga para o exterior,saindo portanto a cocaína <strong>da</strong> sua esfera de disponibili<strong>da</strong>de e ação. Após a saí<strong>da</strong> de R.J. M. F. <strong>da</strong> sede <strong>da</strong> DHL, a Polícia <strong>Federal</strong> acorreu ao local, apreendendo o equipamento,o qual foi conduzido ao setor de perícias. Desmontado o no break, a cocaína foi deleretira<strong>da</strong> e apreendi<strong>da</strong>, sendo substituí<strong>da</strong> por farinha de trigo e novamente montado oequipamento. Na ocasião, Cláudia Botelho Johnston, emprega<strong>da</strong> <strong>da</strong> DHL que atendeuSérgio Saraiva, reconheceu-o como sendo R. J. M. F. A substância apreendi<strong>da</strong>, conformelaudo toxicológico realizado, constitui-se de cocaína, substância entorpecente de usoproscrito no Brasil, considera<strong>da</strong> capaz de causar dependência física e/ou psíquica,constante <strong>da</strong> Resolução-RDC nº 228, de 11.12.2001, <strong>da</strong> Agência Nacional de VigilânciaSanitária, em conformi<strong>da</strong>de com a Portaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98, republica<strong>da</strong>no DOU de 01.02.99. O equipamento de informática, já com a farinha de trigosubstituindo a cocaína, foi, então, restituído à sede <strong>da</strong> DHL, a fim de que continuasseseu trânsito e fosse recebido por seus destinatários, de modo a permitir a identificaçãoe a captura dos demais integrantes <strong>da</strong> associação delituosa forma<strong>da</strong> para o tráfico. Amercadoria então seguiu de Porto Alegre para o aeroporto de Viracopos (Campinas,SP) e de lá para Miami (EEUU) de onde seguiu para Cincinati (EEUU), Cingapura,Jakarta (Indonésia) e, finalmente, no dia 18.03.2002, Bali (Indonésia). Dosdesdobramentos no exterior do fato: Os dois equipamentos de informática (no break)foram retirados <strong>da</strong> sede <strong>da</strong> empresa DHL em Bali, na Indonésia, por outro integrante<strong>da</strong> quadrilha, sendo que as caixas onde a droga havia sido inicialmente escondi<strong>da</strong> foramacondiciona<strong>da</strong>s em estátuas de cimento, e então remeti<strong>da</strong>s para a Austrália num containerde carga, via marítima. Com a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> carga na Austrália, foi desencadea<strong>da</strong> operação216R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


policial simultânea naquele país e no Brasil, a fim de prender os envolvidos. NaAustrália, resultou na prisão de R. K. I. e F. I. G. M. H. Das prisões efetua<strong>da</strong>s emterritório nacional e <strong>da</strong> apreensão de seis quilos de cocaína: Já no Brasil, de posse deman<strong>da</strong>dos de busca e apreensão, bem como de prisão preventiva expedidos por esseMM. Juízo <strong>Federal</strong>, restaram presos em 17.04.2002, simultaneamente, R. J. M. F., J.F. L. S., e V. R. M., além de H. O. F., este preso em flagrante. J. F. L. S. foi preso emsua residência, situa<strong>da</strong> na rua Marquês do Herval, 133, ap. 02, em Porto Alegre. V. R.M. também foi deti<strong>da</strong> em sua residência situa<strong>da</strong> na Av. Paraná, 2116, ap. 06, PortoAlegre. R. J. M. F., em obediência à ordem judicial, foi preso em sua residência,localiza<strong>da</strong> na rua Leme, nº 412/405, Porto Alegre. Na ocasião, depositados em seupoder, foram encontrados 6000g de cocaína, devi<strong>da</strong>mente acondicionados em caixasde metal preto, idênticas às utiliza<strong>da</strong>s originalmente, já prepara<strong>da</strong>s para sua remessaao exterior nas mesmas condições <strong>da</strong>s duas anteriores. A substância apreendi<strong>da</strong> comR. J. M. F., conforme laudo toxicológico realizado, constitui-se de cloridrato de cocaína,substância entorpecente de uso proscrito no Brasil, considera<strong>da</strong> capaz de causardependência física e/ou psíquica, constante <strong>da</strong> Resolução-RDC nº 228, de 11.12.2001,<strong>da</strong> Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em conformi<strong>da</strong>de com a Portaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98, republica<strong>da</strong> no DOU de 01.02.99. As caixas contendo a cocaínaestavam escondi<strong>da</strong>s dentro de equipamento de informática e foram localiza<strong>da</strong>s por umcachorro farejador treinado. Já H. O. F. foi preso em flagrante delito em sua residência,que compartilha com V. R. M., eis que encontrado tendo em depósito e trazendo consigosubstância entorpecente de uso proscrito no território nacional - maconha e cocaína -além de uma balança de precisão. Do tráfico interno praticado por H. O. F. e V. R. M.:H. O. F., comungando dos mesmos interesses e partilhando esforços, estava associadocom V. R. M. com a finali<strong>da</strong>de específica de fornecer, vender, transportar e trazerconsigo maconha (cannabis sativa l.) e cocaína (cloridrato de cocaína) de e para terceirosnão-identificados. O fato resta comprovado pela busca realiza<strong>da</strong> no apartamentoutilizado pelo casal, oportuni<strong>da</strong>de em que foram localizados três pe<strong>da</strong>ços de maconhaprensa<strong>da</strong> (‘torrões’) perfazendo 4,10 g (quatro gramas e um decigrama) e cinco‘papelotes’ de cocaína, perfazendo 10,85g (dez gramas e oitenta e cinco centigramas)ambas substâncias entorpecentes de uso proscrito no Brasil, conforme laudo preliminarde constatação considera<strong>da</strong>s capazes de causar dependência física e/ou psíquica,constantes na Resolução-RDC nº 228, de 11.12.2001, <strong>da</strong> Agência Nacional de VigilânciaSanitária, em conformi<strong>da</strong>de com a Portaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98, republica<strong>da</strong>no DOU de 01.02.99. As substâncias apreendi<strong>da</strong>s foram encontra<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong>s bolsasque estavam no apartamento, ao lado do lixo do banheiro, e ain<strong>da</strong> no pátio doapartamento térreo, vez que parcela foi lança<strong>da</strong> pela janela. Por sua vez, a escutatelefônica realiza<strong>da</strong> também aponta no mesmo sentido, vez que foram capta<strong>da</strong>sconversas entre H. O. F. e V. R. M., e desta com terceiros, nas quais é trata<strong>da</strong> acomercialização, a ven<strong>da</strong> e a forma como era escondi<strong>da</strong> a droga.”A autori<strong>da</strong>de policial representou ao Juízo (fl. 25 do apenso nº2002.71.00.004296-2) pela prisão preventiva de R. J. M. F., J. F. L. S., V.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 217


R. M., R. K. I. e F. I. G. M. H. (os dois últimos integrantes <strong>da</strong> ramificaçãoaustraliana <strong>da</strong> quadrilha) sendo deferi<strong>da</strong> a medi<strong>da</strong> pela decisão constanteàs fls. 73/78 <strong>da</strong>queles autos. Cumpridos os man<strong>da</strong>dos, restaram presos R.J. M. F., J. F. L. S. e V. R. M. (fls.314/316, 335/339 e 364/371), bem comoH. O. F. - autuado em flagrante quando <strong>da</strong> execução <strong>da</strong>quela diligência(17.04.2002) - estando os três primeiros, atualmente, recolhidos emestabelecimento prisional.No que respeita aos acusados F. I. G. M. H. e R. K. I., suas prisõesforam promovi<strong>da</strong>s por policiais australianos em Brisbane, Austrália (fls.172/173) onde residem. Com o propósito de evitar eventual excessode prazo durante a instrução processual, o MM. juiz a quo, atendendorequerimento formulado pelo Ministério Público na inicial acusatória,determinou, em relação a eles, a cisão do processo. (fls. 809-810)Os réus R. J. M. F., J. F. L. S., V. R. M. e H. O. F. foram interrogados(fls. 862-905) tendo oferecido, nos termos do artigo 38 <strong>da</strong> Lei nº10.409/2002, respostas à acusação (fls. 906-928, 933-936 e 940-941)através de defensores constituídos.Recebi<strong>da</strong> a denúncia em 20.06.02 (fls. 989-992) foi, a seguir,confirma<strong>da</strong> a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> para o julgamento dopresente feito. (fls. 1001-1004 e exceção nº 2002.71.00.017881-1, emapenso)Regularmente processa<strong>da</strong> a ação penal, o pedido condenatórioveiculado na denúncia restou julgado procedente em parte (fls. 2298-2562) tendo a Magistra<strong>da</strong> prolatora <strong>da</strong> sentença absolvido o réu H. O. F.,com fun<strong>da</strong>mento no art. 386, VI, do CPP, e condenado os demais réus,na seguinte forma:a) R. J. M. F., por infração aos arts. 12 e 14, ambos c/c o art. 18, I,todos <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, sendo o primeiro de forma continua<strong>da</strong> (art. 71/CP). Em face do concurso material entre as condutas, a pena privativa deliber<strong>da</strong>de totalizou 09 anos e 04 meses de reclusão. A sanção pecuniáriafoi estabeleci<strong>da</strong> em 50 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do saláriomínimo vigente à <strong>da</strong>ta do último fato delituoso.b) J. F. L. S., por violação aos arts. 12, § 2º, III, e 14, ambos c/c o art.18, I, <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, sendo o primeiro em continui<strong>da</strong>de delitiva (art.71/CP). Tendo em conta o concurso material entre os delitos, a reprimen<strong>da</strong>218R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


privativa de liber<strong>da</strong>de resultou em 09 anos e 04 meses de reclusão. Apena de multa foi arbitra<strong>da</strong> em 50 uni<strong>da</strong>des diárias, à razão de 1/30 dosalário mínimo vigente à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> última infração.c) V. R. M., por ofensa aos arts. 12, § 2º, III, e 14, ambos c/c o art. 18,I, todos <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, incidindo quanto ao primeiro o acréscimoprevisto no art. 71 do CP, além do crime insculpido no art. 12, caput, <strong>da</strong>Lei nº 6.368/76 (tráfico interno). As sanções foram soma<strong>da</strong>s (art. 69/CP)totalizando 12 anos e 04 meses de reclusão. A pena pecuniária restoufixa<strong>da</strong> em 100 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimoentão em vigor.Irresignados, apelaram os condenados (fls. 2580, 2614 e 2617) e oMinistério Público <strong>Federal</strong>. (fl. 2566)A defesa de R. J. M. F. (fls. 2645/2676) alega, preliminarmente,a existência de diversas nuli<strong>da</strong>des processuais, tais como: (a)incompetência do juízo; (b) parciali<strong>da</strong>de do julgador, por ter participado,de forma efetiva, nas investigações leva<strong>da</strong>s a efeito pela Polícia <strong>Federal</strong>;(c) imprestabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> filmagem efetua<strong>da</strong> na residência do réu, comomeio de prova; (d) ausência de correlação entre o fato e a denúncia,alegando ser caso de crime não-consumado; (e) ocorrência de erro detipo, pois imaginava estar contrabandeando “pedras preciosas”; e (f)cerceamento de defesa. No mérito, aduz não haver comprovação <strong>da</strong>autoria e materiali<strong>da</strong>de delitivas.A seu turno, a denuncia<strong>da</strong> V. R. M. reafirma, essencialmente, a nãoparticipaçãono tráfico internacional (fls. 2738/2784). Postula tambéma revisão do quantum <strong>da</strong> pena fixa<strong>da</strong>, com a conseqüente progressão doregime de cumprimento. Defende, ain<strong>da</strong>, a derrogação do art. 14 <strong>da</strong> Leinº 6.368/76.Pretende J. F. L. S. (fls. 2786/2831) o reconhecimento <strong>da</strong>s seguintespreliminares: (a) incompetência do juízo, não havendo consumaçãodo delito; (b) inobservância <strong>da</strong> Lei nº 9.296/96, em razão de diversasirregulari<strong>da</strong>des havi<strong>da</strong>s nas escutas telefônicas; (c) violação aosprincípios do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa, bem como afronta aosistema acusatório por suspeição do Juiz, o qual praticou ver<strong>da</strong>deiros“atos de investigação”. Quanto à matéria de fundo, afirma inexistirprovas suficientes para sustentar o decreto condenatório, postulando aR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 219


evogação <strong>da</strong> prisão.Por outro lado, defende o Parquet <strong>Federal</strong> (fls. 2567/2577) em síntese,a necessi<strong>da</strong>de de majoração <strong>da</strong> pena-base dos condenados no tocante aocrime de tráfico, bem como a aplicação <strong>da</strong> agravante prevista no art. 62,I, do CP ao denunciado R. J. M. F.Os apelos foram contra-arrazoados. (fls.2635-39,2678-700, 2701-08e 2717-31)Às fls. 2834/2865, consta pedido de restituição do gabinete e discorígido de um microcomputador de proprie<strong>da</strong>de de Daniela MariPezzi, apreendido por ocasião do desencadeamento <strong>da</strong> ação policial noestabelecimento comercial Planet Burguer.Oficiando nos autos, a douta Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Repúblicamanifestou-se pelo provimento do recurso do Parquet <strong>Federal</strong> edesprovimento dos apelos dos réus. (fls. 2847/2880)É o relatório.À revisão.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro: - Cumpre analisar,ab initio, as preliminares argüi<strong>da</strong>s pelas defesas.Suscitam os réus diversas questões prévias, a seguir elenca<strong>da</strong>s: (a)incompetência do juízo e ausência de correlação entre o fato e a denúncia,tratando-se <strong>da</strong> hipótese de crime não-consumado; (b) parciali<strong>da</strong>de dojuiz, por ter participado, de forma efetiva, nas investigações realiza<strong>da</strong>spela Polícia <strong>Federal</strong>; (c) imprestabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> filmagem efetua<strong>da</strong> naresidência de R. J. M. F., como meio de prova; (d) ocorrência de errode tipo; (e) violação aos princípios do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa;e (f) inobservância do procedimento disposto na Lei nº 9.296/96 no quediz respeito às escutas telefônicas.Com relação à incompetência do juízo para processar e julgar o feitoem face <strong>da</strong> não-consumação do tráfico internacional, tal argumento nãomerece prosperar.Sabi<strong>da</strong>mente, as condutas descritas no caput do art. 12 (c/c o art. 18, I)<strong>da</strong> Lei n° 6.368/76 caracterizam o tipo de crime múltiplo, sendo suficiente,pois, a prática de qualquer <strong>da</strong>s ações enuncia<strong>da</strong>s pelos sucessivos verbospara que se tenha por praticado e perfectibilizado o delito.220R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Nesse sentido, aliás, já se manifestou esta Corte:“PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DEENTORPECENTES. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE.INÉPCIA DA DENÚNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. LAUDO PERICIAL.COMPETÊNCIA. CONSUMAÇÃO DO CRIME. AUTORIA E MATERIALIDADE.PROVAS. 1 a 4 omissis. 5. O crime de tráfico de entorpecentes é de ação múltipla,consumando-se no caso de ocorrência de qualquer dos atos previstos no ART-12<strong>da</strong> LEI-6.368/76, sendo que no caso, os Réus foram flagrados no aeroportointernacional transportando a substância entorpecente, consumando-se, assim, o crimena mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de ‘transportar’, para todos os Réus e, ain<strong>da</strong>, para Vânia e Ab<strong>da</strong>llah, ocrime já havia se consumado na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de ‘remeter’, no momento em que os mesmosentregaram o entorpecente para Agnaldo, para o fim de remessa para o exterior,sendo competente a Justiça <strong>Federal</strong> para processar e julgar os Réus, pois evidente ainternacionali<strong>da</strong>de do crime. 6 a 10 omissis.” (2ª Turma, Acr nº 1998.04.01.027201-2,Rel. Juiz Jardim de Camargo, publ. no DJU de 30.09.98, p. 419)“DIREITO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES.TENTATIVA. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL DE AGENTES. 1. O delito tipificado noart. 12 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76 é de ação múltipla, consumando-se em qualquer uma desuas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des. 2. A internacionali<strong>da</strong>de geradora <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> majoranterespectiva (artigo 18, inciso I, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76) não se estende somente à condutaexportar, podendo ser reconheci<strong>da</strong> também em relação às demais mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des inscritasno tipo, dependendo <strong>da</strong>s circunstâncias <strong>da</strong> espécie. 3. No caso, o delito consumou-se nasmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des ‘transportar’ e ‘trazer consigo’, previstas no artigo 12 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76.4. omissis.” (1ª Seção, Revisão Criminal nº 1998.04.01.081526-3, Rel. Juiz Jardim deCamargo, publ. no DJU de 14.07.99, p. 208)“PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DEENTORPECENTES. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA. CONSUMAÇÃO XTENTATIVA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL CORROBORADA PELOCONJUNTO PROBATÓRIO CONTIDO NOS AUTOS. PROVA SUFICIENTEPARA CONDENAÇÃO. INCIDÊNCIA DO ART-18, INC-1, DA LEI-6368/76.I. O crime de tráfico é crime de ação múltipla, ou seja, é suficiente que apenasum dos verbos que compõem o caput do art.12 <strong>da</strong> Lei-6.368/76 se realize para quehaja crime de tráfico de drogas consumado. II. Houve a consumação do delito coma prática do ato de transportar e trazer consigo a substância entorpecente. Por si só,ao transportar ou trazer consigo uma espécie de droga, opera-se a consumação dodelito. III. A tentativa do art-12 <strong>da</strong> Lei-6.368/76 é de difícil ocorrência, uma vez quemuitas <strong>da</strong>s condutas que teoricamente poderiam caracterizar a esfera <strong>da</strong> tentativa estãoincluí<strong>da</strong>s em outros núcleos. IV e V omissis.” (1ª Turma, ACR nº 96.04.41128-4, Rel.Juiz Gilson Dipp, DJU de 19.02.97, p. 7637)Perfilhando a mesma linha de entendimento, decidiu o ColendoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 221


Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça:“PENAL E PROCESSUAL. HABEAS-CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DEENTORPECENTES. PRISÃO. FLAGRANTE PREPARADO. INEXISTÊNCIA.AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNICIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.QUESTÃO CONTROVERSA. IMPROPRIEDADE. - O crime de tráfico de substânciaentorpecente consuma-se apenas com a prática de qualquer <strong>da</strong>s dezoito açõesidentifica<strong>da</strong>s em seu núcleo, to<strong>da</strong>s de natureza permanente que, quando preexistentes àatuação policial, legitimam a prisão em flagrante, sem que se possa falar em flagranteforjado ou preparado. (...) - Habeas-corpus denegado.” (6ª Turma, HC nº 15757/SP,Rel. Min. Vicente Leal, publ. no DJU de 13.08.2001, p. 291)Note-se, ain<strong>da</strong>, que as condutas arrola<strong>da</strong>s na inicial acusatória depreparar, transportar, exportar, vender, fornecer e remeter ao exterior omaterial entorpecente – situação sobejamente comprova<strong>da</strong>, em relação àprimeira e à segun<strong>da</strong> remessas – são mais que suficientes para permitiro enquadramento típico.Com efeito, a denúncia descreveu todos os elementos constitutivosdos tipos penais (elementares e circunstâncias) correspondentes aos fatosimputados, possibilitando o ajuste entre as condutas leva<strong>da</strong>s a efeito pelosagentes e as normas penais pertinentes. Estando plenamente demonstra<strong>da</strong>a destinação <strong>da</strong> droga a país diverso do Brasil (Austrália) a ação típicahá de ser valora<strong>da</strong> como perfeita e acaba<strong>da</strong>, mesmo inocorrendo a realtransposição de fronteiras internacionais.Impende mencionar também que, não apenas a remessa, mas outrosverbos nucleares – guar<strong>da</strong>r, transportar, adquirir, ter em depósito –integrantes do tipo de ação múltipla do art. 12 <strong>da</strong> Lei n° 6.368/76, foramconsumados na sua plenitude pela organização criminosa.As ações de preparo, transporte e remessa perpetra<strong>da</strong>s pelo réu R. J. M.F., com a contribuição dos demais membros <strong>da</strong> organização (J. F. L. S. eV. R. M., no Brasil) na forma do art. 12, caput, c/c o art. 18, I, <strong>da</strong> Lei deTóxicos, subsumem-se aos elementos do tipo descritos na Norma Penal,tornando impositiva e acerta<strong>da</strong> a expedição do decreto condenatório.Ao apreciar a quaestio, o E. STF adotou a tese de que se firmaa competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> quando presente “a cooperaçãointernacional entre os agentes do crime, ou quando este se esten<strong>da</strong>,na sua prática e nos seus efeitos, a mais de um país” (CJ nº 4.067, de29.09.67, Rel. Min. Evandro Lins). Essa é a orientação retrata<strong>da</strong> no votodo Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, proferido no seguinte julgamento:222R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


“JUSTIÇA FEDERAL: COMPETÊNCIA: TRÁFICO INTERNACIONAL DEENTORPECENTES: CRITÉRIO. Na linha <strong>da</strong> orientação firma<strong>da</strong> no CJ 4.067, <strong>da</strong>qual proveio a Súmula 522 e o vigente art. 109, V, CF, ao caráter internacional dotráfico de entorpecentes – a ditar a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> – não é necessárioque à circunstância objetiva de estender-se o fato – na sua prática ou em função dosresultados reais ou pretendidos – a mais de um país, se some a cooperação de agentessituados em territórios nacionais diversos.” (HC nº 76288, publ. no DJU de 06.02.98,p. 07, 1ª Turma, unânime)Portanto, resta confirma<strong>da</strong> a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> paraprocessar e julgar os fatos. Muito embora tenha havido o reconhecimento,na análise desta preliminar, <strong>da</strong> consumação dos delitos, a matéria seráobjeto de apreciação no tópico específico relativo à materiali<strong>da</strong>de.Afora isso, ad argumentadum tantum, ain<strong>da</strong> que fosse afasta<strong>da</strong> aincidência <strong>da</strong> causa de aumento prevista no artigo 18, I, <strong>da</strong> Lei de Tóxicos,o feito permaneceria no âmbito <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, porquanto, consoantepacífico entendimento pretoriano, a competência para o julgamento éfixa<strong>da</strong> no momento <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação, a partir dos fatos descritosna peça acusatória, mesmo que, posteriormente, não reste comprova<strong>da</strong>a aludi<strong>da</strong> internacionali<strong>da</strong>de. Nesse sentido, os seguintes julgados destaCorte:“PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTERNACIONALIDADE DACONDUTA. ART. 81, CAPUT, DO CPP. Mesmo que não estivesse comprova<strong>da</strong> ainternacionali<strong>da</strong>de do tráfico - o que não é o caso dos autos - entende esta EgrégiaCorte, que deve ser preserva<strong>da</strong> a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, quando for tipificadona denúncia a internacionali<strong>da</strong>de do tráfico, aplicando analogicamente o art. 81, caput,do CPP.” (Sétima Turma, ACR nº 1999.71.00.025907-0/RS, Rel. Des. José Germano<strong>da</strong> Silva, publ. no DJU de 26.09.2001, p. 1641)“PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTERNACIONALIDADE. No caso,o tráfico deve ser desclassificado de internacional para interno, por não possuircaráter forâneo. Na<strong>da</strong> obstante, a Justiça <strong>Federal</strong> também é competente para julgaros delitos de tráfico interno quando, na denúncia, formula<strong>da</strong> pelo Ministério Público<strong>Federal</strong>, o fato típico era descrito como tráfico internacional de drogas, como naespécie. Aplicação analógica do art. 81, caput, do CPP, que consagra o Princípio<strong>da</strong> perpetuatio jurisdictiones. Precedentes deste <strong>Tribunal</strong>.” (Segun<strong>da</strong> Turma, ACRnº 1998.04.01.062154-7/RS, Relator Juiz Élcio Pinheiro de Castro, publ. no DJU de15.09.99, p. 659)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 223


Impõe-se registrar, ain<strong>da</strong>, a orientação do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça:“PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS-CORPUS. TRÁFICOILÍCITO DE ENTORPECENTES. Se o fato descrito na denúncia constitui crime, emtese, de tráfico internacional de substância entorpecente, o processo e julgamento é <strong>da</strong>competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>.” (Sexta Turma, RHC 40122-5/RJ, Rel. Min. AnselmoSantiago, DJU de 05.05.97, p. 17121)“RHC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. INTERNACIONALIDADE.COMPETÊNCIA. Suscita competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> a expressa referência <strong>da</strong>denúncia ao art. 18, I, <strong>da</strong> Lei n° 6.368/76.” (Sexta Turma, RHC nº 42823-9/SP, Rel.Min. Fernando Gonçalves, publ. no DJU de 14.10.96, p. 3038)Da mesma forma, não há falar em violação <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de judicial,com atuação efetiva do órgão julgador nas investigações para apuraçãodos ilícitos. Não houve, em momento algum, determinação ex officio doJuízo para realização de diligências policiais ou produção de provas, comvistas a angariar subsídios para a comprovação dos delitos. Em ver<strong>da</strong>de,o que se verificou foi o acompanhamento pelo douto julgador a quo, viainternet, do deslocamento <strong>da</strong> droga envia<strong>da</strong> à Austrália, como forma demotivar e constatar a real existência dos pressupostos autorizadores dodecreto de prisão preventiva.Assim, em obediência às disposições do art. 312 do DiplomaProcessual Penal, a exigir “prova <strong>da</strong> existência do crime e indíciosuficiente <strong>da</strong> autoria”, zelosamente procedeu o Magistrado, pois, parao deferimento <strong>da</strong> representação objetivando a prisão provisória dosinvestigados, necessário o seu convencimento acerca dos elementosindicativos <strong>da</strong> perpetração do fato típico. A constatação pessoal <strong>da</strong>operação de remessa – com a visualização, por meio do endereçoeletrônico <strong>da</strong> empresa de transporte aéreo DHL, <strong>da</strong> rota <strong>da</strong> substânciaentorpecente – constitui matéria de fato a fun<strong>da</strong>mentar a concessão dopedido, possibilitando a correta toma<strong>da</strong> de decisão com o conhecimento,em pormenores, <strong>da</strong>s circunstâncias do envio, dos locais de passagem edo destino final <strong>da</strong> droga.Nesse ponto, são precisas as palavras <strong>da</strong> eminente julgadora singular,in verbis:“(...) Tendo o Juiz <strong>da</strong> causa recebido o Inquérito Policial para apreciação dopedido de prisão preventiva dos investigados (fls. 73-78) nenhuma violação aosistema acusatório há no fato de averiguar a consistência <strong>da</strong>s informações trazi<strong>da</strong>s pela224R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


autori<strong>da</strong>de policial, procedendo à minuciosa análise de todos os elementos coligidos, doque não refoge a pesquisa via ‘Internet’ <strong>da</strong>quilo que foi informado documentalmente noprocedimento inquisitorial, atitude que não só está isenta de qualquer demonstração deparciali<strong>da</strong>de, como é altamente recomendável, a fim de que o julgador possa formulara mais ampla convicção possível acerca do que lhe noticiam os autos. Não vislumbro arealização de qualquer ‘diligência policial’ na atitude do Juiz que se cerca <strong>da</strong>s cautelasque entende necessárias antes de proferir qualquer Juízo decisório, mormente versandosobre tema tão grave quanto o cerceamento <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do indivíduo, princípioconstitucional consagrado que só se admite seja excepcionado em caráter provisórioem condições especialíssimas. O Juiz não determinou diligência de ofício, na<strong>da</strong> inovou,apenas valeu-se de elementos já constantes do Inquérito, uma vez que este noticiou aremessa <strong>da</strong> encomen<strong>da</strong> e que a trajetória desta poderia ser acompanha<strong>da</strong> via web site.A prevalecer a alegação <strong>da</strong>s defesas, não poderia o Juiz sequer imiscuir-se no conteúdodo Inquérito Policial, sob pena de macular-se com a pecha <strong>da</strong> suspeição, por praticarcom isto ato investigatório próprio <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de policial, impondo-se, portanto, oafastamento <strong>da</strong> alega<strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de. Por fim, a referi<strong>da</strong> alegação resta esvazia<strong>da</strong>, tendoem vista que a presente sentença estará sendo proferi<strong>da</strong> por magistra<strong>da</strong> diversa <strong>da</strong>queleque a defesa imputa suspeição.” (fls. 2361-62)A matéria, aliás, foi objeto de apreciação por este Relator, na decisãoque denegou a ordem de Habeas Corpus nº 2002.04.01.033334-1 (julg.em 02.09.2002) impetra<strong>da</strong> em favor de R. J. M. F. (fl. 2597):“O ilustre Magistrado a quo além de tais elementos, valeu-se de recurso disponívelna Internet, qual seja, consulta ao site ‘www.dhl.com.br’ para ter maior precisãoacerca dos fatos submetidos à sua análise, mais especificamente, transporte do referidoequipamento de informática no break que continha em seu interior grande quanti<strong>da</strong>dede entorpecente (cocaína), averiguando se os <strong>da</strong>dos fornecidos pela autori<strong>da</strong>de policiale as possíveis rotas internacionais informa<strong>da</strong>s eram verossímeis. O que se evidenciana afirmação feita pelo julgador singular, qual seja, ter acompanhado a operação pelaweb, é que ele apenas buscava as necessárias bases justificadoras para a segregaçãocautelar, medi<strong>da</strong> de caráter excepcional, que pressupõe prudente análise para suadecretação. A atitude do ilustre Magistrado revela em ver<strong>da</strong>de ter o mesmo atendidode maneira prudente o comando legal, buscando confirmação dos <strong>da</strong>dos constantes<strong>da</strong> representação policial, até mesmo para evitar possível constrangimento indevidoao ius libertatis do paciente. Diante disso, revela-se totalmente descabi<strong>da</strong> a alegaçãode ter o juiz singular participado de forma efetiva <strong>da</strong>s investigações, nos termos postosna impetração.”R. J. M. F., ain<strong>da</strong> em sede preliminar, aduz a imprestabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sfilmagens realiza<strong>da</strong>s na sua residência, documentando sua prisão emflagrante pela apreensão de 6.115g de cocaína. (fls. 814/816)Atente-se que a ação foi desenvolvi<strong>da</strong> no âmbito do inquéritoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 225


policial, não existindo, à época, relação processual estabeleci<strong>da</strong>. Dessemodo, tratando-se de simples caderno investigatório, não incidem osinvocados princípios do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa, não havendo,igualmente, ofensa ao art. 133 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. O procedimentopré-processual, com suas operações e diligências próprias, reveste-se,em ver<strong>da</strong>de, de natureza inquisitorial e sigilosa. (art. 20, caput, do CPP)Como bem ensina Alexandre de Moraes (in Direito Constitucional,Atlas, São Paulo, 2001, p. 118),“o contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois afase investigatória é preparatória <strong>da</strong> acusação, inexistindo, ain<strong>da</strong>, acusado, constituindo,pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiara atuação do titular <strong>da</strong> ação penal.”Nessa direção, é o entendimento adotado pelo Egrégio Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>:“HABEAS CORPUS - AUSÊNCIA DE ADVOGADO AO ATO DEINTERROGATÓRIO POLICIAL E JUDICIAL (...) INEXISTÊNCIA DE LESÃO ÀGARANTIA DO CONTRADITÓRIO - FALTA DE INTIMAÇÃO DO PACIENTEE DE SEU ADVOGADO PARA OS ATOS DE INSTRUÇÃO CRIMINAL -INOCORRÊNCIA - PEDIDO INDEFERIDO. - A ausência de advogado nointerrogatório judicial do acusado não infirma a vali<strong>da</strong>de jurídica desse ato processual.O interrogatório judicial - que constitui ato pessoal do magistrado processante - não estásujeito ao princípio do contraditório. Precedente: HC 68.929-9, Rel. Min. CELSO DEMELLO. - A investigação policial, em razão de sua própria natureza, não se efetivasob o crivo do contraditório, eis que somente em juízo se torna plenamente exigívelo dever estatal de observância do postulado <strong>da</strong> bilaterali<strong>da</strong>de dos atos processuais e<strong>da</strong> instrução criminal. A inaplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> garantia do contraditório ao inquéritopolicial tem sido reconheci<strong>da</strong> pela jurisprudência do STF. A prerrogativa inafastável<strong>da</strong> ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo <strong>da</strong> persecução penal em juízo.Precedente: RE 136.239-1 (...).” (1ª Turma, HC nº 69.372/SP, Rel. Min. Celso de Mello,publ. no DJU de 07.05.93, p. 8328)A observância do contraditório, nesse contexto, é dispensa<strong>da</strong>,admitindo-se a valoração e contestação <strong>da</strong> forma ou conteúdo <strong>da</strong> provaporventura produzi<strong>da</strong> em desfavor do acusado somente a partir <strong>da</strong>existência <strong>da</strong> relação processual, vale dizer, somente se permitindo amanifestação <strong>da</strong> defesa – e a impugnação do elemento probatório – como ajuizamento <strong>da</strong> ação penal.226R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Merece destaque, também, o magistério de Carlos Frederico CoelhoNogueira (in Comentários ao Código de Processo Penal, Edipro, SãoPaulo, Vol. I, 2002, p. 418):“O sigilo do inquérito policial não afronta a Constituição <strong>Federal</strong>. Com efeito, noinciso LX do art. 5º, a Lei Maior garante a publici<strong>da</strong>de dos atos processuais. Comosalientado no item 40.2, o inquérito policial não é processo, ostentando a naturezade procedimento administrativo desprovido de litígio, não apresentando os atosnele praticados, por isso mesmo, a característica de atos processuais, <strong>da</strong>í não seremalcançados pelo aludido preceito constitucional, que, por sinal, permite a restrição<strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de processual em razão <strong>da</strong> defesa <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>de ou do interesse social.”Como bem aludiu o Ministério Público <strong>Federal</strong> nas suas contra-razõesao apelo de R. J. M. F. (fl. 2720),“a inobservância ao princípio do contraditório ocorreria se a prova fosse valora<strong>da</strong>na sentença de mérito sem que se oportunizasse, ao longo <strong>da</strong> instrução processualpenal, o conhecimento e a apreciação <strong>da</strong> forma e do conteúdo <strong>da</strong> filmagem. Tal fato,no entanto, não se verificou, já que, no momento do ato processual do interrogatório,possibilitou-se o contraponto aos fatos imputados.”Do mesmo modo, mostra-se infun<strong>da</strong>do o argumento de violação aosprincípios constitucionais do contraditório e ampla defesa decorrentes <strong>da</strong>separação do processo no que tange aos agentes australianos <strong>da</strong> quadrilha.Frise-se que, pela decisão constante às fls. 809/810, o douto juízo aquo, atendendo, motiva<strong>da</strong>mente, à solicitação do Parquet (fls. 14/15),determinou a cisão processual no tocante aos réus domiciliados naAustrália – R. K. I. e F. I. G. M. H. – a fim de evitar o excesso de prazona formação <strong>da</strong> culpa. Na oportuni<strong>da</strong>de, todos os defensores tomaramciência do ato judicial, sem qualquer oposição.Com o intuito, pois, de justamente evitar percalços ao regular ecélere an<strong>da</strong>mento do feito - prejudicando e desfavorecendo os acusadospresos no Brasil com a expedição de carta rogatória para a citação emterritório estrangeiro (art. 368 do CPP) - requereu o titular <strong>da</strong> ação penalo desmembramento do processo, não se verificando nuli<strong>da</strong>de algumaem tal procedimento, conforme aliás bem analisou o MM. Juiz a quoao denegar pedido de reabertura <strong>da</strong> instrução processual formulado peladefesa, verbis:“Indefiro o requerido nas fls. 2166-2167, no sentido de que sejam ouvidos os co-réusF. I. G. M. H. e R. K. I., bem como reinquiri<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as testemunhas sobre os novosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 227


elementos trazidos nestes interrogatórios, uma vez que de evidente cunho protelatório.Conforme salientado pelo órgão ministerial, fls. 2169-2175, a defesa foi intima<strong>da</strong> <strong>da</strong>decisão que determinou a cisão do feito em relação aos dois co-réus que estão presosem território australiano, a fim de evitar excesso de prazo na instrução, e restou silente.Do mesmo modo, manteve o silêncio na audiência de instrução realiza<strong>da</strong>. Somenteagora, aberto o prazo para a apresentação dos memoriais, insurge-se, demonstrandoo evidente cunho protelatório do requerimento. Some-se a isso o fato <strong>da</strong> defesa deR. J. M. F. ter impetrado Habeas Corpus junto ao TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> alegando, entreoutros, excesso de prazo na instrução e requerendo, assim, o relaxamento <strong>da</strong> prisão doacusado. E, agora, vem requerer que os co-réus, presos na Austrália, sejam ouvidos, oque, evidentemente, implicaria na dilação de prazo para a conclusão do feito. De fato,não parece que esteja a defesa de R. J. M. F. preocupa<strong>da</strong> com o excesso de prazo noqual o acusado esteja recolhido na prisão, mas, isto sim, tentando aumentar ain<strong>da</strong> maiseste período, a fim de que R. J. M. F. seja posto em liber<strong>da</strong>de, independentemente dejulgamento (...). Reabro o prazo de três dias para a apresentação dos memoriais pelasdefesas de todos os réus.” (fls. 2176-77)De qualquer forma, revela-se inviável o reconhecimento <strong>da</strong> indigita<strong>da</strong>nuli<strong>da</strong>de por cerceamento de defesa, até mesmo porque não houvedemonstração de eventual prejuízo aos denunciados, como bem salientouo douto Procurador <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República (fls. 2856/2857):“(...) De qualquer sorte, não declinou a defesa o prejuízo causado pela ausência<strong>da</strong>s informações em questão ou pelo fato de não ter sido inquirido o co-réu julgado noexterior. Vigorando no processo penal o princípio pas de nullité sans grief, indispensávelque a parte demonstre em que medi<strong>da</strong> foi lesa<strong>da</strong> com a realização ou ausência dedeterminado ato processual. (...) Por fim, o fato de não ter sido trazido aos autos <strong>da</strong>dossobre o desenvolvimento do processo na justiça australiana não invali<strong>da</strong> as provasque foram regularmente produzi<strong>da</strong>s no curso do processo, entre elas o depoimentodo policial australiano Clive James Murray, ouvido como testemunha de acusação.”Efetivamente, quanto a nuli<strong>da</strong>des no processo penal vigora o princípiodo prejuízo (pas de nullité sans grief). Em conseqüência, somentese invali<strong>da</strong> determinado ato nos casos em que fique devi<strong>da</strong>mentecomprovado que o alegado vício exerceu influência direta na apuração<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de substancial ou na decisão <strong>da</strong> causa (art. 566 – CPP), o quesequer foi cogitado nos autos. Nessa linha, cabe mencionar o seguinteprecedente:“PROCESSUAL PENAL. INSTRUÇÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DENULIDADES. AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. Em tema denuli<strong>da</strong>de no processo penal, as vigas mestras do sistema assentam-se nas seguintesassertivas: (a) ao argüir-se nuli<strong>da</strong>des dever-se-á indicar, de modo objetivo, os prejuízos228R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


correspondentes, com influência na apuração <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de substancial e reflexo nadecisão <strong>da</strong> causa (CPP, art. 566); (b) em princípio, as nuli<strong>da</strong>des consideram-se sana<strong>da</strong>sse não forem argüi<strong>da</strong>s no tempo oportuno, por inércia <strong>da</strong> parte. Eventual irregulari<strong>da</strong>deno curso <strong>da</strong> instrução, sem prova de influência na busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de ou repercussão nasentença, não tem relevância jurídica e resulta sana<strong>da</strong>, à mingua de argüição na faseprevista no art. 571, II, do CPP. Precedentes deste <strong>Tribunal</strong>.” (STJ, Recurso Ordinárioem Habeas Corpus nº 9.480/SP, 6 a Turma, Relator Ministro Vicente Leal, publicadono DJU de 27.03.2000, pág. 135)De outra parte, opõe-se a defesa do réu J. F. L. S. à prova colhi<strong>da</strong>por meio de interceptação telefônica, sustentando a ilegali<strong>da</strong>de doprocedimento.Não há, to<strong>da</strong>via, como <strong>da</strong>r trânsito a tal pretensão. To<strong>da</strong>s as diligênciasde escuta foram executa<strong>da</strong>s em consonância com a norma legal que asrege (Lei nº 9.296/96) sendo precedi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s imprescindíveis autorizaçõesjudiciais, como se depreende do Procedimento Criminal Diverso nº2002.71.00.004296-2, em apenso. (fls. 06-07, 101-102, 110, 115, 131-133 e 159)No caso em tela, as informações essenciais à apuração <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>dee autoria delitivas somente poderiam ser obti<strong>da</strong>s, em razão <strong>da</strong>speculiari<strong>da</strong>des que revestem os tipos penais (art. 12, c/c art. 18, I, e art.14, todos <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76) por meio do acompanhamento policial <strong>da</strong>sconversas estabeleci<strong>da</strong>s entre os acusados. A própria Lei nº 9.296/96 foiconcebi<strong>da</strong> com o propósito de viabilizar a investigação de crimes cujadificul<strong>da</strong>de de apuração resulta eleva<strong>da</strong>, constituindo recurso eficaz aauxiliar na persecução criminal do Estado.Veja-se, a esse respeito, a posição do E. STJ:“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.ASSOCIAÇÃO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.LEI Nº 9.296/96. Não contamina de nuli<strong>da</strong>de o processo penal instaurado com base emprova obti<strong>da</strong> por meio de interceptação de linha telefônica, realiza<strong>da</strong> com autorizaçãojudicial deferi<strong>da</strong> após a edição <strong>da</strong> Lei nº 9.296/96, que regulamentou o inciso XII, doart. 5º, <strong>da</strong> Carta Magna. Em sede de investigação de crime de tráfico de entorpecentes,em face <strong>da</strong> imensa dificul<strong>da</strong>de de sua apuração, é de se admitir a escuta telefônicacomo meio de prova para identificação <strong>da</strong> autoria. Habeas-corpus denegado.” (6ªTurma, HC 20859/RS, Rel. Min. Vicente Leal, publ. no DJU de 01.07.2002, p. 408)Relativamente ao prazo de duração e às prorrogações <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>, estaCorte já se pronunciou sobre o assunto, qualificando a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 229


diligência como pressuposto ao seu escorreito deferimento:“CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSO. PROVA. INTERCEPTAÇÃOTELEFÔNICA. PRAZO DE DURAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DA PROVA.TRANSCRIÇÃO DA PROVA. CRIMES DE DETENÇÃO. CONSTITUIÇÃOFEDERAL, ARTS. 5º, XII, E 63, IX. LEI 9.269/96, ART. 2º, INC. III. (...) 2. Se ainterceptação telefônica foi feita pela Autori<strong>da</strong>de Judiciária com equilíbrio e atençãoàs exigências do art. 5º <strong>da</strong> Lei 9.296/96, não poderá ser declara<strong>da</strong> nula porque foirenova<strong>da</strong> várias vezes posteriormente em razão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de do prosseguimento<strong>da</strong>s investigações. (...)” (Sétima Turma, Habeas Corpus nº 2002.04.01.007778-6/RS,Rel. Des. Vladimir Freitas, publ. no DJU de 19.06.2002, p. 1214)Por fim, a prefacial referente ao “erro de tipo” suscita<strong>da</strong> por R. J. M.F. será aprecia<strong>da</strong> por ocasião <strong>da</strong> análise do mérito de seu recurso.Venci<strong>da</strong>s as questões preliminares levanta<strong>da</strong>s, passo ao exame <strong>da</strong>matéria de fundo.Dando suporte à sentença condenatória para comprovar a materiali<strong>da</strong>dedos delitos e manter o decreto privativo de liber<strong>da</strong>de dos denunciados,ca<strong>da</strong> um dos fartos e robustos elementos de prova coligidos aos autos aolongo <strong>da</strong> fase inquisitória e instrutória foi enumerado pelo representantedo Parquet em suas alegações finais (fls. 2091/2092) nas seguintes letras:“Comprovam a materiali<strong>da</strong>de do delito insculpido no art. 12, caput, c/c o art. 18, I,<strong>da</strong> Lei n° 6.368/76, as provas produzi<strong>da</strong>s durante a investigação policial e ao longo <strong>da</strong>instrução processual, a seguir enumera<strong>da</strong>s: os Autos de Apresentação e Apreensão desubstância entorpecente (fls. 19, 73 e 340); de Apreensão de Documento - conhecimentoaéreo de remessa de mercadoria (fls. 20-1 e 77-8); o Termo de Declarações deCLAÚDIA BOTELHO JOHNTON e LUCIANA DE OLIVEIRA (fls. 22-5 e 79-80);Auto de Reconhecimento Fotográfico de CLAÚDIA BOTELHO JOHNTON (fl. 26);os Laudos de Constatação Preliminar (fls. 29, 76 e 346); os de Exame em Substância(fl. 31-5 e 282-5); os de Exame de Material (fls. 38-51 e 99-105); as fotos constantes<strong>da</strong> Representação Policial (fls. 62-5) e do Relatório (fl. 773); o Interrogatório de J. F.L. S., prestado à polícia (fls. 314-6); o Auto de Prisão em Flagrante de R. J. M. F. (fl.335-9); o Termo de Declarações de THALES DE CARVALHO DA SILVA TAVARES(fls. 349-53); o Termo de Declarações de VOLMIR DOLADO DA SILVA (fl. 502); oAuto de Reconhecimento Fotográfico realizado por VOLMIR DOLADO DA SILVA(fl. 503); Auto de Apresentação e Apreensão de folha contendo o esboço <strong>da</strong>s caixasde metal para acondicionar substância entorpecente (fl. 512); o Termo de Declaraçõesde DABIANO LOPES PEREIRA (fl. 518); o Auto de Reconhecimento Fotográficorealizado por DABIANO LOPES PEREIRA (fl. 519);Termo de Declarações de ZELIALIMA DA SILVA e o Auto de Reconhecimento Fotográfico por ela realizado (fl. 520-1); as Notas Fiscais de aquisição dos no-breaks (fls. 522-3); Termo de Declarações de230R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


INES C. BARON KLAIC (fls. 524-8); Contrato e Documentos de locação de veículo(fls. 539-44); Termo de Declarações de PAULO ROGÉRIO MAYER DORNELLES(fl. 550); o Laudo de Exame em Substância (fls. 814-6); o de Exame de Material (fls.1199-205); e o de Exame Documentoscópico (fls. 1704-13).”Exaustivamente elencados, os elementos de prova coletadosindicam o transporte e a remessa <strong>da</strong> substância entorpecente, em duasoportuni<strong>da</strong>des, bem assim a guar<strong>da</strong> e o depósito de cocaína em umaterceira ocasião, com intervalos de tempo relativamente estreitos entreuma ação e outra, configurando as ações descritas no art. 12, c/c o art. 18,I, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, com o acréscimo ain<strong>da</strong> previsto no art. 71 do CP.A subsunção <strong>da</strong> conduta pratica<strong>da</strong> por R. J. M. F. ao verbonuclear “transportar”, previsto no art. 12 <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, restouevidencia<strong>da</strong> com o efetivo deslocamento do alcalóide por meio dosveículos automotores locados e conduzidos pelo acusado. Tanto no dia27.02.2002 quanto no dia 12.03.2002 (fls. 768/773) – <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> primeirae segun<strong>da</strong> remessa, respectivamente – ocorreu o deslocamento, em viaterrestre, do entorpecente. Essas condutas foram, inclusive, alvo deacompanhamento pela Polícia <strong>Federal</strong>, consoante se depreende <strong>da</strong>s fotosconstantes <strong>da</strong> Representação de fls. 62/65 e do respectivo Relatório. (fl.773)O transporte <strong>da</strong> droga visava, em última análise, a sua remessa aoexterior. Houve, além disso, o efetivo despacho do entorpecente naempresa transportadora em duas situações: a primeira no dia 27.02.2002e a segun<strong>da</strong> no dia 12.03.2002.Ain<strong>da</strong> no que pertine ao tráfico internacional, a autori<strong>da</strong>de policialpromoveu diligência em que se descobriu, sob a guar<strong>da</strong> e depósito dodenunciado, quanti<strong>da</strong>de correspondente a 6.115g de cocaína, localiza<strong>da</strong>em sua residência (fls. 335/340). O acondicionamento <strong>da</strong> substância –em cinco caixas pretas metálicas e mais um volume avulso, embutidosclandestinamente no equipamento de informática – se fez de modoidêntico àquele utilizado para embalar a mercadoria remeti<strong>da</strong> a Balinos dias 27.02.2002 e 12.03.2002. (fls. 1199/1205)Da mesma forma, a materiali<strong>da</strong>de do crime de associação, tipificadono art. 14 <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, ficou amplamente revela<strong>da</strong> com as provasobti<strong>da</strong>s no decorrer <strong>da</strong> persecução penal. Essencialmente, os Termos deDeclarações realizados por Jane Ferrari de Souza (fl. 504), José CarlosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 231


Wild Morsch, Reginaldo <strong>da</strong> Silva Rodrigues (fls. 506-7), Clive JamesMurray (fls. 509-10), Paulo Rogério Mayer Dornelles (fl. 550); o Auto deReconhecimento Fotográfico (fl. 505) e, especialmente, as transcrições<strong>da</strong>s interceptações telefônicas autoriza<strong>da</strong>s pelo Juízo apontam comclareza o animus associativo, evidenciado, ain<strong>da</strong>, pela própria repetição<strong>da</strong> conduta delituosa por meio do mesmo modus operandi.Com vistas, pois, à remessa <strong>da</strong> droga ao território australiano, acooperação não-eventual estabeleci<strong>da</strong> entre os membros <strong>da</strong> quadrilhasediados em território nacional (R. J. M. F., J. F. L. S. e V. R. M.) tornaseevidente, como se percebe pelo exame <strong>da</strong>s seguintes transcrições <strong>da</strong>sligações telefônicas:Faixa 005 (fls. 607-8)Interlocutores – Chico x R. J. M. F.Diálogo“R. J. M. F. diz que precisa de todo o tipo de informação ... telefone, área de códigopostal de todo o endereço que vai ... CHICO diz que tem tudo. R. J. M. F. diz que depoisdá o nome <strong>da</strong> velha que vai remeter ...”Faixa 012 (fl. 612)Interlocutores – F. B. x R. J. M. F.Diálogo“F. B. pergunta se tá tudo pronto?. R. J. M. F. diz que sim... F. B. pergunta se eleestá com a grana <strong>da</strong> V. R. M.? F. B. diz que então vai hoje ...”Faixa 028 (fl. 620)Interlocutores – V. R. M. x FranciscoResumo“V. R. M. está preocupa<strong>da</strong> com a identificação <strong>da</strong> placa do carro alugado... (foi elaquem intermediou o aluguel)”.Faixa 036 (fl. 623)Interlocutores – F. B. x FranciscoDiálogo“F. B. pede a Senha do Gordo na Internet... Francisco diz que depois ele man<strong>da</strong>prá ele.”Faixa 037 (fls. 623-4)Interlocutores – F. B. x R. J. M. F.Diálogo“R. J. M. F. diz que não... não... que foi outra perna, porque acha que lá... foi prá232R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


BRUXA (BRUXELAS)... R. J. M. F. diz que está precisando de numerário prá fazero ‘Retorno de JEDI’...”Faixa 054 (fl. 631)Interlocutores – F. B. x R. J. M. F.Diálogo“F. B. diz que o DUDY tem que ir no aeroporto ou qualquer agência do BB...”Faixa 055 (fl. 631)Interlocutores – Francisco x R. J. M. F.Resumo“R. J. M. F. diz que é prá ele ir no BB... tirar um dinheiro que o F. B. mandou...”Faixa 058 (fls. 632-3)Interlocutores – R. J. M. F. x FranciscoResumo“Francisco diz que está saindo do Banco... R. J. M. F. pergunta quanto chegou emReais. Francisco diz que foi $ 4.850,00.”Diálogo“Francisco diz que tirou o dinheiro no BB na Cristóvão Colombo.”Faixa 086 (fl. 646)Interlocutores – F. B. x R. J. M. F.Resumo“R. J. M. F. passa o número do manifesto <strong>da</strong> DHL, usando os número do ‘Casarão’...”Faixa 088 (fl. 647)Interlocutores – F. B. x R. J. M. F.Diálogo“R. J. M. F. pede que ele agilize prá ver se quarta eles se vêem livre disso. F. B. falaque vai fazer o máximo, mas acha que vai ser lá prá segun<strong>da</strong>-feira.”Faixa 122 (fl. 665)Interlocutores – Francisco x R. J. M. F.Diálogo“R. J. M. F. diz que ele venha logo que ele já vai preparando tudo... que em 10minutos já está tudo pronto. Francisco pergunta se é só o SKY? R. J. M. F. diz que ésó o SKY e mais na<strong>da</strong>...”Além <strong>da</strong> comunhão de esforços e do mútuo auxílio firmado entreos réus integrantes <strong>da</strong> ramificação brasileira <strong>da</strong> quadrilha, denota-se aintegração e o vínculo direto entre os acusados R. J. M. F. e J. F. L. S.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 233


com o contato australiano <strong>da</strong> organização (F. I. G. M. H. ou F. B.).Diversas eram as tarefas executa<strong>da</strong>s pelos agentes, aspirando ao sucessodo envio de entorpecente ao exterior, tais como a transferência de <strong>da</strong>dosrelativos ao endereço de destino final <strong>da</strong> droga, preparo <strong>da</strong> substância,suprimento dos gastos despendidos com a minuciosa embalagem aenvolver o entorpecente, repasse de informações para a observação (viarede mundial de computadores) <strong>da</strong> locação e deslocamento do automóvelobjetivando transportar a substância.A prova dos autos (fls. 1525/1550, 1883, 1907/1908, 1910/1911)aponta, também, a efetiva ativi<strong>da</strong>de de direção <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong> quadrilhasedia<strong>da</strong> no Brasil exerci<strong>da</strong> por R. J. M. F., organizando a atuação dosdemais agentes na empreita<strong>da</strong> criminosa em curso. Na mesma linha, é oparecer ministerial <strong>da</strong> fl. 2861, aduzindo que “a instrução penal logroucomprovar que o réu R. J. M. F. era quem coman<strong>da</strong>va, no Brasil, to<strong>da</strong> aativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> associação criminosa, sendo o principal contato de F. B. emPorto Alegre/RS (os réus eram amigos de adolescência)”.A própria julgadora, posto que não tinha apreciado a condutacomo agravante para fins de fixação <strong>da</strong> pena provisória, reconheceuna sentença (fls. 2425/2426) a centralização <strong>da</strong>s ações de comandona pessoa de R. J. M. F.:“O réu era o centro <strong>da</strong> operação do tráfico <strong>da</strong> substância psicotrópica, pelo menos noque diz respeito à porção <strong>da</strong> ação que se desenvolveu no Brasil (...) tendo capitaneadotodo o evento ilícito no país.”Por derradeiro, no que pertine à traficância interna, a defesa técnica <strong>da</strong>ré V. R. M., nas razões de apelação, expressamente admitiu a execução <strong>da</strong>conduta imputa<strong>da</strong> à denuncia<strong>da</strong>, como bem registram as manifestaçõesconstantes às fls. 2745 (“Efetivamente, de acordo com o flagrante, econsiderando as provas colhi<strong>da</strong>s através <strong>da</strong>s ligações telefônicas, ficouprovado que a Apelante pratica o tráfico de entorpecentes”) 2750, 2758(“...evidente que V. R. M. fazia um pequeno comércio de ‘drogas’decorrente do fato de ser usuária”) e 2760 (“...comprova<strong>da</strong> também aparticipação de V. R. M. no tráfico interno. Pela situação financeira <strong>da</strong>apelante, resta evidente que se tratava de uma traficante de pequenoporte, que provavelmente realizava tal comércio para sustentar seu234R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


próprio vício”).Em razão disso, limitou-se a expender o seguinte:“Requer, no caso de ser manti<strong>da</strong> a condenação no que se refere ao art. 12 <strong>da</strong> Leinº 6.368/76 (tráfico interno), seja aplica<strong>da</strong> a pena mínima com a substituição pelapena restritiva de direitos, eis que a Apelante preenche os requisitos exigidos em lei(primária, emprego e residência fixos, bons antecedentes, e considerando ain<strong>da</strong> a poucaquanti<strong>da</strong>de de droga apreendi<strong>da</strong>) conforme jurisprudência acima menciona<strong>da</strong>.” (fl. 2784)Apenas para não deixar transcorrer in albis o exame <strong>da</strong> quaestio nestegrau de jurisdição, ensejando eventual e remota nuli<strong>da</strong>de ou prejuízo àampla defesa, expõe-se, nesse particular, o conjunto de provas a sustentara manutenção <strong>da</strong> decisão condenatória, qual seja: o Auto de Prisãoem Flagrante de H. O. F. e V. R. M. (fls. 364-71); o de Apresentaçãoe Apreensão de substância entorpecente (fls. 372-3); os Laudos deConstatação Preliminar (fls. 379 e 380), de Exame em Produto Vegetal(Maconha), em Microvestígios (fls. 575-80) e em Substância - Cocaína(fls. 836-8); as fotografias referentes à busca realiza<strong>da</strong> na residência deV. R. M. (fls. 717-28) e as transcrições <strong>da</strong>s interceptações telefônicasautoriza<strong>da</strong>s pelo Juízo.Aponta<strong>da</strong>, à sacie<strong>da</strong>de, a materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s condutas insculpi<strong>da</strong>s nosarts. 12 e 14, ambos em combinação com o art. 18, I, e art. 12, caput, todos<strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, procede-se, doravante, à análise – individualiza<strong>da</strong> –<strong>da</strong> autoria dos fatos imputados.Como questão prejudicial, impende analisar-se a capaci<strong>da</strong>de deentendimento e determinação de R. J. M. F. A esse respeito, o Laudo nº30452, originário do Instituto Psquiátrico Forense Dr. Maurício Cardoso(fls. 25-30 do procedimento em apenso nº 2002.71.00.018220-6) eluci<strong>da</strong>que R. J. M. F. “inobstante a dependência toxicológica era, ao tempo<strong>da</strong> ação, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito dos fatos e dedeterminar-se de acordo com seu entendimento”.É bem ver<strong>da</strong>de que to<strong>da</strong>s as artimanhas de que se valeu o réupara lograr êxito na ação ilícita, dificultando o rastreamento e a suaidentificação, denotam a presença intensa do elemento subjetivo do tipo,bem como a percepção que detinha acerca <strong>da</strong> incorreção de seus atos.Nesse aspecto, os resumos e as transcrições <strong>da</strong>s ligações telefônicasfornecem a exata dimensão <strong>da</strong> atuação de R. J. M. F. para o sucesso doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 235


empreendimento criminoso, indicando também o seu estreito contatocom os demais réus e a colaboração recíproca estabeleci<strong>da</strong> entre eles,como se pode verificar nos excertos que ora se reproduz:Faixa 95 (fl. 650)R. J. M. F. x F. B.“R. J. M. F. tenta ligar para o F. B... conversa ao fundo do telefone e diz que estánuma alegria...que está rico. Que foram 12 kg prá lá... Diz que o negócio foi perfeitoporque fez alfândega em MIAMI/EUA... acha que os caras devem ter radiografado”.Fls. 1910/1911INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOF. B. x R. J. M. F. (...tudo redondo)DATA/ HORA INICIAL DATA/ HORA FINAL DURAÇÃO23.02.2002 19:19:14 23.02.2002 19:22:18 00:03:04TELEFONE ALVO - TELEFONE INTERLOCUTOR - ORIGEM DA LIGAÇÃO5191428986DIÁLOGO:“R. J. M. F.: Alô.F. B.: Ô mu.R. J. M. F.: Fala.F. B.: Pensando cá com meus botões, acho melhor que ao invés de pegar aqueleterreno lá <strong>da</strong> ilha dos três quartos,R. J. M. F.: Hã,F. B.: Acho que é melhor botar tudo redondo viu!R. J. M. F.: Não, mas é o que eu tou fazendo cara, vou botar tudo redondo, seisponto zero.F. B.: (incompreensível)R. J. M. F.: E vai ficar guar<strong>da</strong>do cinco ponto sete cinco, é isso que vai ficar guar<strong>da</strong>do.F. B.: Tu acha que o cinco ponto sete cinco podia ser pro bem bem... último.R. J. M. F.: Bom, tu que sabe, o que eu tou....F. B.: Não, não é isso eu que sei, tu tem que saber quando tu faz as decisões e sótou ti <strong>da</strong>ndo uma opinião.R. J. M. F.: Eu acho que já que ... foi a melhor de to<strong>da</strong>s vai ser viu,F. B.: Hã hã,R. J. M. F.: como pareceu hoje eu desmontei lá o caminhão é impressionante comovai entendeu.F. B.: O que eu tou ti falando .. a decisão é to<strong>da</strong> tua.R. J. M. F.: A decisão é o seguinte, tá indo por seis ponto zero, é isso que tá indo.F. B.: Tão tá falado, beleza.R. J. M. F.: Ai é o seguinte, eu fiquei comigo cinco ponto sete cinco, isso que eutenho mais comigo, o resto tá naquela senhora tá.236R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


F. B.: Pera aí, o que tu falou? desculpa.R. J. M. F.: Tá indo seis ponto zero eu vou ficar com cinco ponto sete cinco, tá.F. B.: Tá, não isto tá, isso eu já entendi.R. J. M. F.: E o resto tá naquela senhora.F. B.: Tá, outra coisa, tu já teve tempo de fazer aquele negócio lá que tinha quefazê... faz meses que eu tou te pedindo prá tu mudá lá <strong>da</strong> tia Lúcia pra fazê um novo.R. J. M. F.: Não ain<strong>da</strong> não tive tempo porque agora primeiro eu quero fazer issoem segui<strong>da</strong>...F. B.: É porque...R. J. M. F.: Porque é até uma questão de grana velho, eu tou duro, entendeu agoraeu tou, a minha priori<strong>da</strong>de...F. B.: Ouve, só ouve, porque quando for o ... o ... antes do cinco ponto sete ... <strong>da</strong>quele<strong>da</strong> rua... Dario Perdeneira cinco ponto sete cinco sair.R. J. M. F.: Hã hã,F. B.: Hã, quando ele for eu já quero que tu estejas dentro com o Mariano,R. J. M. F.: Mais isso vai ter tempo cara, isso vai ter tempo porque agora, agora apróxima.F. B.: Não tem tempo, se tu parar prá pensar, tem duas semanas.R. J. M. F.: Não, tem duas semanas não, <strong>da</strong>qui a duas semanas vai outro, não é isso!F. B.: Não, <strong>da</strong>qui a uma semana.R. J. M. F.: Daqui a uma semana, tu não vai nem esperar chegar lá primeiro?F. B.: Vai chegar porque... vai chegar, não te preocupa que vai chegar, porquequando chegar já vai o outro, quando for o outro...R. J. M. F.: Não, tudo bem agora eu tou na manhã, agora eu já sei tudo, já sei ondepegar tudo, quer dizer, a primeira vez sempre é mais difícil.F. B.: Agora não fala prá V. R. M. ... não fala prá... é só tu que tá me ouvindo?R. J. M. F.: Só eu, o Dudi tá aqui na frente mas tá. tá tá...F. B.: Não fala prá Velha...que ...R. J. M. F.: O Du<strong>da</strong> parece um cirurgião (...) falar nisso. há...há...háF. B.: Não, não, não fala prá ninguém que tu tá indo lá no Mariano, entendeu?R. J. M. F.: Mas claro que não cara, claro que não. Eu não falo na<strong>da</strong> pra ninguém.F. B.: Que que ...R. J. M. F.: Tá ô nego, ô nego, quer ligar <strong>da</strong>qui uma hora deixa nós terminar aquique o Dudi tá precisando de uma mão aqui, deixa nós terminar aqui tá bem meio(incompreensível) depois a gente se fala, tchau.”Faixa 60, fls. 633/634J. F. L. S. x R. J. M. F.“R. J. M. F. diz que vão fazer isso domingo de tarde/noite... com calma. Domingoeles podem acor<strong>da</strong>r mais tarde vão lá só os 02, fazem uma carne... que a Lenita estáno Hospital e não tem ninguém lá. E aí, segun<strong>da</strong>-feira de manhã ele (R. J. M. F.) vaiembalar o resto (ininteligível) ... vai ter que rasgar prá tirar as coisas, mas que temoutra caixa. Diz que vai pegar e trazer tudo prá cá (Restaurante)... porque vai buscar amáquina que ao meio-dia e meio tá pronto. De manhã vai lá, pega o papel e preencheR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 237


todo ele, depois é só tirar a lateral... tirar as 02 baterias... botar aquilo ali e fechar.Diz que em 05 minutos ele faz tudo.”Fls. 1926/1927INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOR. J. M. F. x Francisco (chegou lá)DATA/HORA INICIAL - DATA/HORA FINAL - DURAÇÃO: 05.03.2002 10:13:2605.03.2002 10:15:25 00:01:59TELEFONE ALVO TELEFONE INTERLOCUTOR ORIGEM DA LIGAÇÃO5191428986DIÁLOGO“Francisco: Menu refeições.R. J. M. F.: Menu refeições bom dia,Francisco: Qual é que é R. J. M. F.,R. J. M. F.: Nenezinho chegou meu bom,Francisco: É mesmo?R. J. M. F.: É tá indo.. saiu de Cinga, quer dizer chegou, hoje de noite lá já vai serquarta,Francisco: Ho...R. J. M. F.: Tá lá a criançaFrancisco: Então vamos pras (...) hoje,R. J. M. F.: Vamos pras (...) hoje falta dinheiro só, falta o dinheiro,Francisco: Ho...R. J. M. F.: Negócio é o seguinte, que eu vou no super ali prá comprar sabão empó prá lavar os meus pano, precisa alguma coisa?Francisco: Não.”Faixa 7, fl. 609F. B. x R. J. M. F.“R. J. M. F. diz que está montando um esquema... que vai um na frente e outroatrás... que o negócio ficou uma obra de arte. F. B. fala que o final <strong>da</strong> obra de arte ele(R. J. M. F.) vai ver quando estiver lá... que lá vai ser só bagunça... lá na Bahia... Baía.R. J. M. F. fala que está tudo certinho... pretinha... fecha<strong>da</strong> e já estão engraxados osrolamentos. Ela [referindo-se, possivelmente, a droga] vai no lugar <strong>da</strong>s baterias, emgrupo de 03.”Fls. 1965/1967INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOR. J. M. F. X FRANCISCO (ver a menina)DATA/ HORA INICIAL DATA/ HORA FINAL DURAÇÃO14.03.2002 13:44:32 14.03.2002 13:51:25 00:06:53TELEFONE ALVO - TELEFONE INTERLOCUTOR - ORIGEM DA LIGAÇÃO5133461730DIÁLOGO:238R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


“Francisco: ALô, alô,R. J. M. F.: João...Francisco: Qual é que é velho.R. J. M. F.: Tudo certinho?Francisco: Tudo certinho, onde é que tu an<strong>da</strong>?R. J. M. F.: Eu tou em Torres, cara tu não acredita muito melhor que qualquer ... olha.Francisco: Hã,R. J. M. F.: Qualquer verão que eu passei na minha vi<strong>da</strong>, mar azul azul azul, umcalor de quinhentos graus, eu agora vou ali no ... ver a mina né.Francisco: Não viu ain<strong>da</strong>?R. J. M. F.: Não, é quarenta e oito horas...Francisco: Hã,R. J. M. F.: Tá fazendo agora... o seguinteFrancisco: Vê e me liga aí.R. J. M. F.: Claro, eu vou te ligar eu vou ver agora, tava ali na prainha tomandobanho sozinho, só velho na praia, só velho... não Dudi me lembrei de uma coisa, amanhãtem um cheque de setecentos e tal paus do aluguel.Francisco: Eu vou pedir pra tu transferir pra segun<strong>da</strong>,R. J. M. F.: Prá terça, pra terça e se tudo der certo o Nego vai man<strong>da</strong>r dinheiro,entendeu?Francisco: Falou com ele quando?R. J. M. F.: OntemFrancisco: Hum, tá.R. J. M. F.: Entendeu, então.(...)Francisco: O que que o Outro te falou lá, quando é que vem a Bala?R. J. M. F.: A bala é só o seguinte, chegar lá na bruxa que o outro libera, aí ele dize aí tu vai <strong>da</strong>r uma grana pro Dudi ... eu vou <strong>da</strong>r uma grana pro Dudi? Tu não prometeuprá ele dez por cento rapaz? do que eu vou ganhar, tu é loco? inclusive agora...Francisco: Dez não, vinte por cento,R. J. M. F.: Vinte por cento aliás e ele fica pegando no meu pé não não mais tu nãovai <strong>da</strong>r quarenta por cento? digo, eu vou <strong>da</strong>r quarenta por cento? O Inácio isso aí tusabe qual é o valor que vai chegar aí, né meu amigo, se for tudo tu vai faturar quaseum milhão de dólares, tá entendendo, vai te (...) queres tirar do meu.Francisco: Isso aí tem que vir dele,R. J. M. F.: Aí ele <strong>da</strong>va risa<strong>da</strong> entendeu, eu já disse prá ele, não agora o seguinteGomes tá tudo certo eu tô aqui ...me fazendo o Dudi tá lá segurando, quando tu man<strong>da</strong>r,tu man<strong>da</strong> um dinheirinho a mais prá nós, seja uma migalha até usei aquele teu termo,uma migalha mas pelo menos prá nos deixar feliz aqui. Não não, tudo bem ele nemquis pegar o número, eu vou checar hoje, tomara que já esteja que aí eu vou me emborahoje de noite mesmo, entendeu,Francisco: Hum,R. J. M. F.: senão não vou esperar né Dudi, isso aí fica lá... lá... nas terras <strong>da</strong> tiaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 239


Cláudia, ela saiu <strong>da</strong>li, saiu <strong>da</strong>li eu sei que tá tudo. (...) eu também tou com o coraçãona mão né velho.Francisco: Claro.R. J. M. F.: To<strong>da</strong> a semana um (incompreensível)Francisco: Pois é.R. J. M. F.: Então tá querido, não te esquece de ligar para advoga<strong>da</strong> tá, pra ele nãometer esse cheque amanhã, liga prá ela.Francisco: Eu vou ligar agora.R. J. M. F.: Liga agora - olha o (incompreensível) tá tudo certo lá no (incompreensível),só mete na terça feira que aí tem tempo desse nego man<strong>da</strong>r o dinheiro, entendeu.Francisco: Hum,R. J. M. F.: Nos vamos ter que pegar dos nosso, tá.Francisco: Falou então,R. J. M. F.: Um abraço grande. TchauFrancisco: Tchau.”Não se pode olvi<strong>da</strong>r, ademais, que, por ocasião do cumprimento doman<strong>da</strong>do de busca e apreensão no domicílio de R. J. M. F., procedeu-sea sua prisão em flagrante pela descoberta de mais de 6 Kg de cocaína nolocal. Na oportuni<strong>da</strong>de, perguntado pelos agentes de polícia atuantes naoperação a respeito do material apreendido, o denunciado declarou saberdo que se tratava, esclarecendo estar o mesmo sob sua guar<strong>da</strong> até que umaterceira pessoa, pretensamente, viesse resgatá-lo. Os policiais federaisconfirmaram em juízo, rigorosamente, as informações dispendi<strong>da</strong>s nalavratura do Auto de Prisão em Flagrante.Vejam-se os pronunciamentos dos agentes de polícia federal JoãoLuiz Correa <strong>da</strong> Rocha, Sila Louza<strong>da</strong> Figueiras Júnior e Carlos AntônioKochenborger, na ordem respectiva (fls. 336/338):“(...) na parte de baixo do apartamento, no quarto, os policiais encontraram dentro deuma caixa de papelão uma CPU de computador com marca aparente SPECTRUM;(...) a menciona<strong>da</strong> CPU foi aberta e constatado que em seu interior havia um volumeprensado em forma de tijolo de uma substância de pó branco, com características decocaína, bem como cinco caixas de metal de cor preta; (...) a seguir, foram abertas, comauxílio de chave de fen<strong>da</strong>, as cinco caixas de metal, sendo que no interior de ca<strong>da</strong> umadelas continha um volume em forma de tijolo de uma substância em pó branco comcaracterísticas de cocaína; (...) esclarece que os cinco tijolos que foram encontradosdentro <strong>da</strong>s caixas de metal estavam envoltos por fita adesiva, papel carbono, balões deborracha e graxa (...); encontra<strong>da</strong> a droga, o depoente deu voz de prisão em flagrante aR. J. M. F. e a THALES DE CARVALHO DA SILVA TAVARES; (...) também foramencontrados dois pacotes de luvas cirúrgicas, sendo que R. J. M. F. afirmou tê-las240R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


utilizado para acondicionar a droga nas caixas de metal; (...) R. J. M. F. reconheceu napresença de policiais, que estava escondendo aquela droga na sua casa e que alguémiria buscá-la.”“(...) na parte superior do apartamento foi encontra<strong>da</strong> pequena quanti<strong>da</strong>de de maconha,em uma mesa de cabeceira, bem como na mesa <strong>da</strong> sala; (...) ato contínuo, durante abusca na parte inferior do apartamento, no quarto, a equipe encontrou, em uma caixade papelão, uma CPU de microcomputador de marca aparente SPECTRUM; (...)escondidos no interior <strong>da</strong> CPU foram encontrados um volume prensado em forma detijolo de uma substância em pó branco com características de cocaína, bem como cincocaixas de metal de cor preta fosca.”“(...) integrou a equipe encarrega<strong>da</strong> de cumprir o man<strong>da</strong>do de prisão expedido contraR. J. M. F. e de realizar a busca na residência do nomeado (...) R. J. M. F. disse, napresença de policiais e testemunhas, que estava guar<strong>da</strong>ndo a droga.”As alegações foram to<strong>da</strong>s ratifica<strong>da</strong>s em juízo pelos três agentes, cujostestemunhos (fls. 1456, 1502 e 1569/1570) assim referem:“É difícil afirmar, mas acredita que ela tinha sido usa<strong>da</strong>. Inclusive o R. J. M. F., naoportuni<strong>da</strong>de, ele falou que aquela luva estava ali, não soube explicar, e quanto a drogaele disse que estava guar<strong>da</strong>ndo para uma pessoa, que sabia tratar-se de cocaína, e queestava guar<strong>da</strong>ndo para uma pessoa.”“Eu gostaria só, Meritíssimo, um aparte, se o senhor permite, Eu gostaria de frisar,que foi perguntado ao R. J. M. F., lá embaixo, o que era aquilo, e ele disse que eracocaína, e disse que ele estava guar<strong>da</strong>ndo ali.”“TESTEMUHA - É, que volumes estariam soltos ali dentro. Então, com uma chavede fen<strong>da</strong> retirou <strong>da</strong>li três ou quatro parafusos e ficou bem claro, na época, no momentodo achado (...). A gente perguntou para o R. J. M. F. o que é (...) ele disse que eracocaína, né. JUIZ - E ele disse que teria recebido de alguém ou que ia entregar paraalguém ou que ia fazer o quê com aquela cocaína, se é que ele falou alguma coisa arespeito? TESTEMUNHA - Ele disse que era cocaína e que teria recebido, inventouuma história meio absur<strong>da</strong> ali no momento. JUIZ - Essa história que ele inventou temalguma coisa. Porque aqui ele referenciou, tanto no primeiro interrogatório comoneste de hoje, ele falou que ele estaria transportando jóias ou pedras preciosas, entãoseria um contrabando de jóias ou pedras preciosas para fora do país, para a Austrália.Esta história envolvendo jóias ou pedras preciosas, alguma vez o senhor ouviu?TESTEMUNHA – Não. Porque inclusive estava localizado no apartamento do R. J. M.F. dois ou três pares de luvas cirúrgicas e eu, propriamente, questionei a R. J. M. F. arespeito <strong>da</strong>quelas luvas e ele disse que tinham sido usa<strong>da</strong>s para embalar a cocaína.”Afastando a tese defensiva <strong>da</strong> prática de excesso, cometido, em tese,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 241


pela autori<strong>da</strong>de policial em desfavor do acusado R. J. M. F. no momentode sua prisão, como forma de obter a confissão do crime, a testemunhapresencial Thales de Carvalho <strong>da</strong> Silva Tavares, amigo pessoal do preso,confirma a versão dos agentes federais, relatando a inocorrência de abusosna ocasião (fls. 349-353):“(...) conhece R. J. M. F. há mais de vinte anos; (...) não possui nenhum tipo de ativi<strong>da</strong>deprofissional em comum com R. J. M. F.; (...) o apartamento 405 do edifício localizadona Rua Leme nº 412, nesta capital faz parte do espólio do sogro do interrogado, falecidoem 1995 ou 1996, sendo o interrogado quem administra os imóveis; (...) confirma queos policiais encontraram, durante a busca no quarto de baixo do apartamento, tijolosde uma substância de pó branco que afirmaram ser cocaína; (...) os tijolos estavamdentro de uma CPU de computador acondiciona<strong>da</strong> em uma caixa de papelão, no quartode baixo do apartamento; (...) no momento em que foi encontra<strong>da</strong> a droga, R. J. M. F.disse que era ele quem estava guar<strong>da</strong>ndo a droga e que o declarante não tinha nenhumenvolvimento com aquilo; (...) é amigo pessoal de R. J. M. F.”Do cotejo de todos esses elementos de prova, resta infun<strong>da</strong><strong>da</strong> aalegação de “erro de tipo” suscita<strong>da</strong> por R. J. M. F. no sentido de queimaginava estar “contrabandeando pedras preciosas”, circunstância, aliás,refuta<strong>da</strong> pela MM. Juíza a quo:“Por ocasião do primeiro interrogatório realizado em Juízo, R. J. M. F. afirmou tercomprado o no break e ter man<strong>da</strong>do confeccionar as caixas metálicas pretas nas quaisforam acondicionados os ‘tijolos’ de cocaína, tudo conforme orientação <strong>da</strong> pessoadenomina<strong>da</strong> Paulo, a qual não conhecia, e que lhe teria orientado a agir assim. Segundoa inconsistente versão do réu, Paulo teria levado o no break adquirido por ele, R. J. M.F., bem como as caixas metálicas confecciona<strong>da</strong>s a mando também dele, R. J. M. F., paradepois devolver-lhe tudo já preparado, a fim de que R. J. M. F. despachasse a encomen<strong>da</strong>via aérea. Ora, com que propósito a ‘quadrilha’ referi<strong>da</strong> por R. J. M. F. incumbir-lhe-iade adquirir o no break, man<strong>da</strong>r confeccionar as caixas metálicas, alugar carro, adotar onome de Sérgio Saraiva, usar disfarce e despachar a encomen<strong>da</strong>, deixando-lhe inclusivecom a posse desta, por no mínimo uma noite inteira, sem revelar-lhe o ver<strong>da</strong>deiroconteúdo? Por que razão somente o trabalho de acondicionar a droga seria destinado aalguém que R. J. M. F. apenas vira umas três ou quatro vezes, conforme declarou (fl.874) para após entregar-lhe tudo novamente visando as demais operações necessárias aoenvio <strong>da</strong> substância entorpecente ao exterior e inclusive, acompanhamento <strong>da</strong> trajetóriadesta pelo mundo por meio do web site <strong>da</strong> empresa de entrega DHL? Por que razãoalguém viria de São Paulo com o exclusivo propósito de acondicionar a substânciaentorpecente, expondo ain<strong>da</strong> mais a temerária empreita<strong>da</strong>, já que deman<strong>da</strong>ria o trânsito<strong>da</strong> droga para lugares diversos? O réu R. J. M. F. era o centro <strong>da</strong> operação do tráfico<strong>da</strong> substância psicotrópica, pelo menos no que diz respeito à porção <strong>da</strong> ação que se242R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


desenvolveu no Brasil, conforme restou evidente <strong>da</strong> instrução probatória, tendo eledemonstrado considerável familiari<strong>da</strong>de com as práticas ilícitas de remessas de drogasao exterior e evidente destemor à Polícia e à Justiça. Incontestavelmente participavade ver<strong>da</strong>deira organização internacional erigi<strong>da</strong> para a prática de ação que sabia ilegal,conforme admitiu (fl. 1225). Tendo capitaneado to<strong>da</strong> a ação ilícita no Brasil, afiguraseabsur<strong>da</strong> a alegação de que somente um detalhe de to<strong>da</strong> a operação lhe escapava:o objeto a ser remetido ao exterior, o conteúdo clandestinamente introduzido nointerior dos equipamentos de informática. Tal ingenui<strong>da</strong>de não se compatibiliza com adesenvoltura demonstra<strong>da</strong> pelo réu nas práticas criminosas, basta ver o cui<strong>da</strong>do de quese cercou locando automóvel nas duas oportuni<strong>da</strong>des em que levou a substância ilícitadevi<strong>da</strong>mente acondiciona<strong>da</strong> até a empresa DHL, utilizando-se, inclusive, de disfarcepara afastar de si possível reconhecimento ou elementos de identificação.” (fls. 2425-26)Assim, constata-se um somatório de ações (compra dos equipamentosde informática, uso de nome falso – Sérgio Saraiva – confecção <strong>da</strong>scaixas metálicas, preparação, acondicionamento e embalagem <strong>da</strong> droga,transporte do produto, intercâmbio de informações, cooperação com demaismembros <strong>da</strong> quadrilha – fls. 38/51, 62/65, 99/105, 520/523, 773, 1387/1394,1465/1476, 1551/1564, 1704/1708 e 1713) leva<strong>da</strong>s a efeito pelo denunciadoR. J. M. F., demonstrando a autoria dos delitos previstos nos arts. 12, caput(com incidência do art. 71 do CP), e 14, combinados com o art. 18, I,todos <strong>da</strong> Lei de Tóxicos.A seu turno, a atribuição de responsabili<strong>da</strong>de penal a J. F. L. S., comoincurso nas disposições do art. 12, § 2º, III (também com o aumento <strong>da</strong>continui<strong>da</strong>de), e art. 14, ambos combinados com o art. 18, I, <strong>da</strong> Lei nº6.368/76 não merece qualquer reparo.Com efeito, a decisão <strong>da</strong> douta Julgadora a quo retrata adequa<strong>da</strong>precisão técnica ao efetuar o enquadramento dos fatos imputados aoacusado nos termos descritos na exordial.A ativi<strong>da</strong>de por ele desenvolvi<strong>da</strong> revestiu-se essencialmente decaráter contributivo e auxiliar ao sucesso do empreendimento criminosocapitaneado por R. J. M. F.Há de ser considerado, inicialmente, o inquestionável resgate donumerário enviado por F. B. <strong>da</strong> Austrália, destinado ao provimento<strong>da</strong>s despesas com todo o processo de acondicionamento <strong>da</strong> cocaína. Aimportância de aproxima<strong>da</strong>mente R$ 4.850,00 foi saca<strong>da</strong> pelo acusadoJ. F. L. S. do Banco do Brasil S. A., agência Cristóvão Colombo, no dia08.03.02, de acordo com as filmagens do sistema interno de segurançaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 243


do estabelecimento, requisita<strong>da</strong>s pela Polícia <strong>Federal</strong>. (fl. 1871)Da mesma forma, as transcrições <strong>da</strong>s ligações telefônicas autoriza<strong>da</strong>spelo juízo reproduzem os contatos mantidos pelo acusado com o codenunciadoR. J. M. F., revelando o ajuste para o saque do valor remetidopara o Brasil:Faixa 054 - fl. 631Interlocutores – F. B. x R. J. M. F.Diálogo“F. B. diz que o DUDY tem que ir no aeroporto ou qualquer agência do BB...”Faixa 055 - fl. 631Interlocutores – Francisco x R. J. M. F.Resumo“R. J. M. F. diz que é prá ele ir no BB... tirar um dinheiro que o F. B. mandou...”Faixa 058 - fls. 632/633Interlocutores – R. J. M. F. x FranciscoResumo“Francisco diz que está saindo do Banco... R. J. M. F. pergunta quanto chegou emReais. Francisco diz que foi $ 4.850,00.”Diálogo“Francisco diz que tirou o dinheiro no BB na Cristóvão Colombo.”Não pode ser excluído, para a valoração negativa <strong>da</strong>s condutas pratica<strong>da</strong>spelo réu (J. F. L. S.), o acompanhamento dos diversos locais percorridospela substância até o destino final (Austrália), a sua colaboração parao minucioso procedimento de embalagem do psicotrópico e o animusassociativo estabelecido com os demais integrantes <strong>da</strong> quadrilha comvistas ao tráfico internacional, como, além <strong>da</strong>s demais transcrições jámenciona<strong>da</strong>s, deixam transparecer as interceptações <strong>da</strong>s conversas portelefone entre os denunciados:Faixa 028 - fl. 620Interlocutores – V. R. M. x FranciscoResumo“V. R. M. está preocupa<strong>da</strong> com a identificação <strong>da</strong> placa do carro alugado... (foi elaquem intermediou o aluguel)”Faixa 122 – fl. 665Interlocutores – Francisco x R. J. M. F.Diálogo244R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


“R. J. M. F. diz que ele venha logo que ele já vai preparando tudo... que em 10minutos já está tudo pronto. Francisco pergunta se é só o SKY? R. J. M. F. diz que ésó o SKY e mais na<strong>da</strong>...”Faixa 005 - fls. 607/608Interlocutores – CHICO x R. J. M. F.Diálogo“R. J. M. F. diz que precisa de todo o tipo de informações ... telefone, área de códigopostal de todo o endereço que vai ... CHICO diz que tem tudo. R. J. M. F. diz que depoisdá o nome <strong>da</strong> velha que vai remeter ...”Faixa 036 - fl. 623Interlocutores – F. B. x FranciscoDiálogo“F. B. pede a Senha do Gordo na Internet... Francisco diz que depois ele man<strong>da</strong> prá ele.”Faixa 60, fls. 633/634J. F. L. S. x R. J. M. F.“R. J. M. F. diz que vão fazer isso domingo de tarde/noite... com calma. Domingoeles podem acor<strong>da</strong>r mais tarde vão lá só os 02, fazem uma carne... que a Lenita estáno Hospital e não tem ninguém lá. E aí, segun<strong>da</strong>-feira de manhã ele (R. J. M. F.) vaiembalar o resto (ininteligível) ... vai ter que rasgar prá tirar as coisas, mas que temoutra caixa. Diz que vai pegar e trazer tudo prá cá (Restaurante)... porque vai buscar amáquina que ao meio-dia e meia tá pronto. De manhã vai lá, pega o papel e preenchetodo ele, depois é só tirar a lateral... tirar as 02 baterias... botar aquilo ali e fechar.Diz que em 05 minutos ele faz tudo.”Fls. 1892/1893INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOR. J. M. F. X FRANCISCO (Singapura)DATA/ HORA INICIAL DATA/ HORA FINALDURAÇÃO17.03.2002 18:02:48 17.03.2002 18:05:35 00:02:47TELEFONE ALVO - TELEFONE INTERLOCUTOR - ORIGEM DA LIGAÇÃO5191851750DIÁLOGO:Francisco: Alô!,R. J. M. F.: José Francisco!Francisco: Qual é que é velho.R. J. M. F.: A criança tá em Cingapura!Francisco: É mesmo?!R. J. M. F.: É mesmo ...acabei de vê...aí o nego me ligou e eu digo! Olha mais umavez, feito! Pode mandá os teus cupincha amanhã lá buscar...Francisco: ...mas que coisa boa velho.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 245


R. J. M. F.: Tá em trânsito em Cinga, que dizê lá nem para só entra e...Francisco: Deu prá bola né...R. J. M. F.: Bom, se passou lá! Né véio?Francisco: Deu prá bola...,R. J. M. F.: ...nós estamos virado nuns embalsamador e digo não...só me chamaagora de embalsamador tá! Que aqueles teus guri são uns mer<strong>da</strong>s...Francisco: Há, há, há, há...há...R. J. M. F.: aí que peguei no pé dele...aqueles guri?...profissionais somos nós aquirapaz!Francisco: Há, há, há,...háR. J. M. F.: (incompreensível) eu digo...até o Bin Laden ... passa e ... vai que éuma graça.Francisco: (...) véio! Então amanhã tu já tá botando a mão né véio?R. J. M. F.: Tomara né? Tô cheio de bronca...Francisco: Báh ... que beleza”.Com isso, resta evidenciado um conjunto de ações leva<strong>da</strong>s a efeitopelo denunciado J. F. L.S., comprovando a autoria dos delitos previstosnos arts. 12, § 2º, III (com observância do art. 71 do CP), e 14, amboscombinados com o art. 18, I, todos <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, consoante, aliás,bem concluiu a julgadora monocrática:“Deste modo, tenho que deve ser afasta<strong>da</strong> a alegação <strong>da</strong> defesa técnica de J. F.L. S. no sentido de que <strong>da</strong>s vinte e duas testemunhas inquiri<strong>da</strong>s, treze disseram nãoconhecer J. F. L. S., entre elas funileiros que fabricaram as caixas de metal encontra<strong>da</strong>sno equipamento que continha a droga, a funcionária <strong>da</strong> empresa que recepcionou a cargacom destino ao exterior, a empresária que vendeu o equipamento de informática ondeestariam as baterias que foram substituí<strong>da</strong>s por drogas, o que estaria a evidenciar a totalausência de J. F. L. S. nas ativi<strong>da</strong>des investiga<strong>da</strong>s. Isto porque, em nenhum momento foimencionado que J. F. L. S. teria sido o responsável pela compra dos equipamentos oupela remessa destes ao exterior, tendo ficado comprovado que tais atos foram praticadospor R. J. M. F., não podendo, assim, tais testemunhas conhecê-lo. Em contraparti<strong>da</strong>,diante de tudo o que foi exposto, tenho que restou evidente a participação efetivado acusado J. F. L. S. nos fatos narrados na denúncia, pelo recebimento de valorespara custear as remessas, pelo próprio preparo <strong>da</strong> cocaína dentro dos no break, peloacompanhamento <strong>da</strong>s remessas com R. J. M. F., enfim, pela contribuição que teve paraque o tráfico ilícito de entorpecentes se consumasse.”Por outro lado, no que tange a V. R. M., à semelhança do enquadramentotípico dispensado a J. F. L. S., tenho por acertado o Juízo de tipici<strong>da</strong>deformulado pela MM. Julgadora a quo, cominando à ré as sanções previstaspela infração ao art. 12, § 2º, III (incidindo o art. 71 do CP), e art. 14,246R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


em combinação com o art. 18, I, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76.De fato, uma <strong>da</strong>s locações de veículos automotores foi por elaprovidencia<strong>da</strong>. Trata-se do automóvel Corsa/Chevrolet, placas IJW 0756,pertencente à Auto Locadora Pujol e Vivian Lt<strong>da</strong>. (fls. 539/544) entreguepessoalmente a V. R. M. no momento <strong>da</strong> assinatura do contrato (fl. 578)conforme depoimento <strong>da</strong> testemunha Paulo Rogério Mayer Dornelles.(fl. 1482)Incabível, na espécie, a denuncia<strong>da</strong> pretender sustentar o desconhecimento<strong>da</strong> utilização do carro Corsa para o transporte <strong>da</strong> cocaína – fim a quever<strong>da</strong>deiramente se destinava o aluguel – porquanto notória a sua apreensãoe desassossego quando <strong>da</strong> entrega <strong>da</strong> primeira remessa (na transportadoraDHL) de entorpecente com destino ao exterior, como se depreende dosdiálogos estabelecidos com Lenita (companheira de R. J. M. F.) e J. F.L. S.:Fls. 1956/1957INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOLENITA x V. R. M. (O GORDO foi lá)DATA/ HORA INICIAL DATA/ HORA FINAL DURAÇÃO27.02.2002 13:01:24 27.02.2002 13:02:01 00:00:37TELEFONE ALVO - TELEFONE INTERLOCUTOR - ORIGEM DA LIGAÇÃO5133461730DIÁLOGO:“LENITA: Oi V. R. M.,V. R. M.: Oi Lelê,LENITA: O Gordo não tá?V. R. M.: Foi lá,LENITA: Agora?V. R. M.: Agora, .... Tu tá em Ipanema?LENITA: Não, tou chegando na casa <strong>da</strong> minha mãe,V. R. M.: TáLENITA: Saiu agora:V. R. M.: É, vou ficar esperando ele aqui,LENITA: Foi sozinho?V. R. M.: Só ele, não, vai aju<strong>da</strong>r.... ali agora ain<strong>da</strong> não tem na<strong>da</strong> ali né ...LENITA: Aonde que é, no Sedex?V. R. M.: É lá no centro, nem sei, não quis nem saber,LENITA: TáV. R. M.: Tá,LENITA: Tu não pediu pra ele ligar prá aí?V. R. M.: Hã não, claro,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 247


LENITA: Ai tu me liga tá?V. R. M.: Tá.LENITA: Tchau.V. R. M.: Tchau.”Faixa 028 - fl. 620Interlocutores – V. R. M. x FRANCISCOResumo“V. R. M. está preocupa<strong>da</strong> com a identificação <strong>da</strong> placa do carro alugado... (foiela quem intermediou o aluguel)”O perfeito conhecimento <strong>da</strong> acusa<strong>da</strong> acerca dos fatos ilegais eman<strong>da</strong>mento, desenvolvidos pela ação conjunta <strong>da</strong> organização, pode serpercebido através de novo contato telefônico mantido entre Lenita eV. R. M., quando especifica as etapas <strong>da</strong> tarefa desencadea<strong>da</strong> por R. J.M. F. (preenchimento dos conhecimentos aéreos, pesagem do produtoremetido) as facili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> passagem <strong>da</strong> encomen<strong>da</strong> pela empresa DHLe as dificul<strong>da</strong>des a serem enfrenta<strong>da</strong>s na circulação <strong>da</strong> mercadoria nosentrepostos aduaneiros dos aeroportos:Fl. 1957INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOLENITA X V. R. M. (demora do GORDO)DATA/ HORA INICIAL DATA/ HORA FINAL DURAÇÃO27.02.2002 13:21:58 27.02.2002 13:23:24 00:01:26TELEFONE ALVO - TELEFONE INTERLOCUTOR - ORIGEM DA LIGAÇÃO5133461730DIÁLOGO“HNI: ...Boa Tarde,LENITA: Oi, a V. R. M. tá por aí?HNI: É, ó um momentinho eu vou ver,V. R. M.: Alô,LENITA: Na<strong>da</strong>,V. R. M.: Na<strong>da</strong>, eu não quero ligar para o celular porque eu não sei qual é né...LENITA: Hã hã,V. R. M.: Quero deixar ... Não agora eu já ia dizer pro Dudi se o Dudi não achaque tá demorando demais, mas eu acho que não, lá tem que assinar um monte de coisae pesar e fazer não sei o que, o problema não é ali né Lê,LENITA: Onde é que é,V. R. M.: O problema é quando for né... se for passar acho pelo Aeroporto e algumacoisa, esse é que é o problema, acho que ali não tem problema nenhum,LENITA: (Incompreensível)V. R. M.: Hã, é, isso mesmo,248R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


LENITA: Eu queria saber se já tinha descido a mala pra guar<strong>da</strong>r dentro do carro,V. R. M.: Não agora tem que esperar um pouco ele chegar aqui, ele disse, V. R. M.me espera que nós vamos até Ipanema, eu tá. Assim que ele chegar, alguma coisa eu já...LENITA: Aí tu pode me ligar, sabe por que? porque eu tenho umas coisas minhas láeu tou com o carro dele aqui, eu tenho que pegar esse carro,....bom ele deve me ligar...V. R. M.: Tá,LENITA: Tchau.”Além disso, os documentos constantes <strong>da</strong>s fls. 106/120 confirmam serV. R. M. proprietária <strong>da</strong> linha com prefixo 51-30192095, instala<strong>da</strong> pelaconcessionária de telefonia fixa GVT na residência de R. J. M. F. e por esteutiliza<strong>da</strong>, de acordo com o relatório de análise, para contatar, também, osdemais integrantes <strong>da</strong> ramificação brasileira. No entanto, a contribuiçãomaterial <strong>da</strong> denuncia<strong>da</strong> para o alcance dos objetivos pretendidos pelaquadrilha não se limita à locação do veículo ou à disponibilização dotelefone, pois, como bem explicita o seguinte trecho <strong>da</strong> interceptação, aré direcionou recursos a R. J. M. F., a fim de financiar a operação:Fls. 2043INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOF. B. X R. J. M. F.DATA/ HORA INICIAL DATA/ HORA FINAL DURAÇÃO25/02/2002 09:00:12 25.02.2002 09:01:44 00:01:32TELEFONE ALVO - TELEFONE INTERLOCUTOR - ORIGEM DA LIGAÇÃO5191520743DIÁLOGO(...)F. B.: Só quero saber se tu vai fazer hoje.R. J. M. F.: Eu não sei, tô por ti cara. Tu é que sabe.F. B.: Tá, mas tu já tá com a documentação <strong>da</strong> menina aí?R. J. M. F.: Tudo, tudo pronto.F. B.: Então tá, então me liga que vai hoje.R. J. M. F.: Vai hoje? Então tá, tu que sabe.F. B.: Mas, cê ta com a grana <strong>da</strong> V. R. M., to<strong>da</strong> essa história?R. J. M. F.: Claro cara. Isso...F. B.: (ininteligível).R. J. M. F.: Ela vai me dá quarta. Me liga. Tu me liga <strong>da</strong>qui a dez minutos eu tôfax cara.F. B.: Tchau.R. J. M. F.: Tchau.Faixa 16 – fls. 613/614F. B. X R. J. M. F. – dia 26.02.02R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 249


“F. B. pergunta quanto em dinheiro a V. R. M. deu prá ele... R. J. M. F. diz que eladeu 4.800... faltam 400. Custou 1.600 (máquina/caminhão); 1.700 (prá man<strong>da</strong>r); 600(prá tua mãe [F. B.]); o resto ele gastou nas caixinhas...”Não bastassem os atos contributivos à difusão do tráfico internacional,resta ain<strong>da</strong> evidente o próprio vínculo associativo estabelecido comos membros <strong>da</strong> quadrilha sediados no Brasil e também, ain<strong>da</strong> queindiretamente, com F. I. G. M. H. ou F. B. – integrante <strong>da</strong> organizaçãoresidente em território australiano.Fl. 1908INTERLOCUTORES/COMENTÁRIOF. B. X R. J. M. F. (NEGÃO) - CAIXADATA/ HORA INICIAL DATA/ HORA FINAL DURAÇÃO21.02.2002 20:19:40 21.02.2002 20:22:22 00:02:42F. B.: Deixa eu te explicar uma coisa aqui rapidinho, deixa eu te explicar uma coisaaqui rapidinho.R. J. M. F.: Fala.F. B.: (incompreensível) to<strong>da</strong> pura, depois que ela pagar tu simplesmente ignoraporque ontem eu parei prá pensar porra depois de ter explicado que eu tou pagandoprá ela trabalhar ela ain<strong>da</strong> qué me extorquir perdeu a tua consideração.R. J. M. F.: Não eu nem falei mais com ela sobre isso, tá tudo como tá porque eunão tenho tempo né (incompreensível) passei o dia... amanhã vou ter maisF. B.: Me dá mais meia hora eu te ligo, um beijo.R. J. M. F.: Eu tou em casa aqui, tou em casa, vou ficar, tou sozinho aqui tu pode falar tchau.Nesse ponto, aliás, a fim de evitar a desnecessária tautologia, oportunoreferir trecho do parecer ofertado pela douta <strong>da</strong> Procuradoria <strong>Regional</strong><strong>da</strong> República (fl. 2874):“(...) O testigo de CLIVE MURRAY também remete à participação de V. R. M. notráfico internacional: ‘Há evidências na Austrália que sugerem que há o envolvimentode V. R. M. ... nesse tráfico de drogas entre Austrália e Brasil’ (fl. 1428). ‘...F. B. estavaplanejando viajar ao Brasil na semana seguinte a sua prisão que era na <strong>da</strong>ta próxima... ou perto de 22 de abril e nessa vin<strong>da</strong> ele traria esses valores ...’. ‘A primeira razão<strong>da</strong> vin<strong>da</strong> dele seria pagar os envolvidos, que seriam ‘Gordo’, ‘Dudy’ e V. R. M., suaparte ... no negócio’...” (fl. 1429).De outro lado, quanto ao tráfico interno, alguns extratos <strong>da</strong>sinterceptações denunciam a efetiva atuação <strong>da</strong> denuncia<strong>da</strong> na realização<strong>da</strong>s condutas descritas no caput do art. 12 <strong>da</strong> Lei de Tóxicos, refutando250R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


a alegação de que o psicotrópico destinava-se a consumo próprio:Faixa 133 – fl. 670“V. R. M. diz que o pessoal não gostou... que parece uma palha. Que os clientesdela falam que a baura é ruim. Pede prá devolver... que tinha 475 gramas...”Faixa 134 – fls. 670/671“TEIXEIRA pergunta se ela [V. R. M.] tem ‘verde’? Ela diz que sim...”Faixa 135 – fl. 671“Ele diz que precisou do dinheiro e gastou. Oferece prá trocar por outra coisa. V.R. M. fala que se ele tiver um melhor ela troca...”Faixa 141 – fls. 673-674“V. R. M. diz que tem mas que é uma palha velha... fala que o cara que fornece sóvai trazer no fim de abril...”A guar<strong>da</strong> <strong>da</strong>s substâncias ilegais, mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de em que restou incursa aacusa<strong>da</strong> (fl. 2547), não pode ser rebati<strong>da</strong>, sendo corrobora<strong>da</strong> pelos autosde apreensão (fls. 372/377) laudos preliminares (fls. 379/380) de exameem produto vegetal (fl. 575) e em substância (fl. 836) e pela manifestaçãodo Parquet <strong>Federal</strong> (fl. 2872) assim transcrita:“(...) V. R. M. foi presa em flagrante, juntamente com o marido H. O. F. na residêncialocaliza<strong>da</strong> na Av. Paraná, nº 2116/06, tendo sido encontra<strong>da</strong>, na parte <strong>da</strong> área, uma bolsapequena contendo resíduos <strong>da</strong> substância entorpecente conheci<strong>da</strong> como maconha, (...)Ain<strong>da</strong> foram encontrados resíduos de cocaína em um saco plástico e um pequeno sacocontendo ‘trouxinhas’ plásticas <strong>da</strong> mesma substância, (...) uma balança de precisão edocumentos.”Examina<strong>da</strong>s a tipificação <strong>da</strong>s condutas e a autoria de ca<strong>da</strong> um dosacusados, mister analisar os demais aspectos suscitados nos recursos.Merece atenção a insurgência <strong>da</strong> defesa do denunciado R. J. M. F. (fls.2658/2659) ao questionar a imprecisão do Ministério Público <strong>Federal</strong> naquantificação <strong>da</strong> droga e o possível equívoco do Parquet no que tangeà descoberta de entorpecente na residência de H. O. F. (fls. 2087/2133)Na peça, o órgão acusador fez menção à apreensão de 18.765g decocaína, ao passo que a substância ilegal efetivamente arreca<strong>da</strong><strong>da</strong> perfaziaum total de 18.825g. De igual maneira, reportou-se ao nome de H. O. F.na hipótese em que a relação material, ver<strong>da</strong>deiramente, atribuía a R. J.M. F. a responsabili<strong>da</strong>de pelo fato.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 251


Na reali<strong>da</strong>de, os Autos de Apreensão de Substância (fls. 19, 73 e 340),elaborados em ca<strong>da</strong> procedimento de busca policial, retratam a existênciade 18.825g do psicotrópico. Entretanto, a inconformi<strong>da</strong>de suscita<strong>da</strong> nãotem o condão de alterar a decisão de mérito <strong>da</strong> julgadora monocrática,<strong>da</strong>ndo ensejo à expedição de decreto absolutório. Em ver<strong>da</strong>de, o lapsoministerial reveste-se <strong>da</strong> condição de mera irregulari<strong>da</strong>de, correspondendoa nítido e evidente erro material. A mesma argumentação serve defun<strong>da</strong>mento para minimizar a argüição de equívoco na denominação doautor <strong>da</strong> guar<strong>da</strong> e depósito de cocaína, até mesmo porque as própriasalegações finais do ilustre Procurador <strong>da</strong> República citam, corretamente,os elementos de prova – com sua localização no caderno processual – queapontam a autoria de R. J. M. F.Convêm transcrever as conclusões <strong>da</strong> MM. Juíza a quo ao apreciaro tema (fls. 2412/2413):“Tais questões levanta<strong>da</strong>s pelas defesas dos acusados não passam de meroserros materiais, facilmente visíveis, cometidos pelo órgão ministerial por ocasiãodos memoriais apresentados. Saliento que tais equívocos são meras irregulari<strong>da</strong>dese nenhuma influência terão sobre a decisão a ser toma<strong>da</strong>, uma vez que o juiz, aosentenciar, não leva em conta apenas os memoriais apresentados pelas partes, mas to<strong>da</strong>a prova colhi<strong>da</strong> na instrução. Assim, sem esforço algum, verifica-se que em algumasoportuni<strong>da</strong>des o nome de H. O. F. foi usado quando o Ministério Público <strong>Federal</strong>referia-se a R. J. M. F., fls. 2122-2124, bastando para isso acompanhar as transcrições<strong>da</strong>s escutas referi<strong>da</strong>s e os contextos em que aparecem. No que diz respeito à diferençaconstata<strong>da</strong> pela defesa de R. J. M. F., diante do alegado nos memoriais escritos peloMinistério Público <strong>Federal</strong> e <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s quantias apreendi<strong>da</strong>s, igualmente, trata-sede mero erro material dos memoriais. Isto porque, conforme se verifica dos autos deapreensão e dos laudos toxicológicos <strong>da</strong>s substâncias entorpecentes, a soma <strong>da</strong>s quantiasapreendi<strong>da</strong>s e pericia<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de policial, efetivamente, conforme trazido peladefesa de R. J. M. F., é de 18.825g e não 18.765g como descrito nos memoriais <strong>da</strong>acusação. Quanto à insinuação realiza<strong>da</strong> pela defesa de R. J. M. F. de que ou seria erromatemático ou 60g de cocaína teriam desaparecido, tenho que, igualmente, não mereceprosperar. Isto porque, em momento algum nos autos há notícia do desaparecimentodestas 60g, sendo que, <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s quantias apreendi<strong>da</strong>s e pericia<strong>da</strong>s, conforme acimareferido, resulta os 18.825g. Assim, tenho que totalmente descabi<strong>da</strong> a insinuaçãorealiza<strong>da</strong>, uma vez que o que se tem no caso, materialmente, são 60g a mais do quea quantia menciona<strong>da</strong> pelo órgão ministerial nos memoriais apresentados, não tendodesaparecido, deste modo, na<strong>da</strong>, mas, pelo contrário, o que se verifica é que a quantiamenciona<strong>da</strong> pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> é aquém <strong>da</strong> realmente apreendi<strong>da</strong> eexistente.”252R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Relativamente à revogação do art. 14 <strong>da</strong> Lei de Tóxicos pelo adventodo art. 8º <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90, tal como sustentado por V. R. M., já delonga <strong>da</strong>ta está assenta<strong>da</strong> a jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,firmando o entendimento <strong>da</strong> vigência do indigitado dispositivo (art. 14)aplicando-se, por interpretação sistemática, a sanção prevista no art. 8º<strong>da</strong> Lei de Crimes Hediondos ao tipo penal de associação descrito no art.14 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76. Não é de ser provi<strong>da</strong>, portanto, a tese abraça<strong>da</strong>,atentando-se, no caso dos autos, à seguinte ementa:“HABEAS CORPUS. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO. ASSOCIAÇÃOPARA OS FINS DE PRATICAR O TRÁFICO DE DROGAS. 2. LEI Nº 6.368/76,ART. 14 E LEI Nº 8.072/90, ARTS. 8º E 10. 3. O art. 8º <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90 não revogouo art. 14 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, a que se refere o art. 10 <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90. A pena, nocaso de quadrilha destina<strong>da</strong> à prática de crime de tráfico ilícito de entorpecentes edrogas afins (Lei nº 6.368/76, art. 14) é a prevista no art. 8º <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90. 4.Interpretação dos arts. 8º e 10 <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90. Cui<strong>da</strong>-se de dois textos <strong>da</strong> mesmahierarquia e vigentes ao mesmo tempo. No exame <strong>da</strong> matéria, não há, pois, questão dedireito intertemporal. 5. Antinomia aparente e antinomia real. Interpretação corretivae interpretação ab-rogante: ab-rogação simples e ab-rogação dupla. 6. Aplicação, nocaso, <strong>da</strong> interpretação corretiva, com conciliação sistemática, mediante interpretaçãorestritiva de ambos os dispositivos (Lei nº 8.072/90, arts. 8º e 10), reservando-se aoprimeiro a fixação <strong>da</strong> pena inclusive para a quadrilha destina<strong>da</strong> à prática de crime detráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e ao segundo a especialização do tipo docrime de quadrilha com essa finali<strong>da</strong>de, tal como descrito no art. 14 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76,nele referido. 7. Vigente, dessa maneira, o art. 14 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, a absolvição <strong>da</strong>co-ré, quanto ao delito de associação, nesse dispositivo descrito, não é de estender-seao paciente, em face <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação desenvolvi<strong>da</strong> no acórdão, que não merecereparo, também, de referência à dosagem <strong>da</strong> pena. 8. Habeas corpus indeferido.” (2ªTurma, HC 72862/SP, Rel. Min. Néri <strong>da</strong> Silveira, publ. no DJU de 25.10.96, p. 1028)Nessa perspectiva, portanto, sobejamente comprova<strong>da</strong>s a autoria emateriali<strong>da</strong>de, bem como o elemento subjetivo do tipo, mostra-se corretaa decisão monocrática, sendo impositiva a condenação de R. J. M. F., J.F. L. S. e V. R. M. – o primeiro pela prática do delito insculpido no art.12, caput (com incidência do art. 71 do CP), e art. 14, ambos combinadoscom o art. 18, I, <strong>da</strong> Lei de Tóxicos; e os dois últimos por ofensa ao art.12, § 2º, III (com o acréscimo <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de delitiva), e art. 14, além <strong>da</strong>causa de aumento de que trata o art. 18, I, do referido Diploma. Evidente,ain<strong>da</strong>, no tocante à ré V. R. M., a perpetração <strong>da</strong> conduta descrita nocaput do art. 12 <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76 (tráfico interno).Passo, então, à análise <strong>da</strong>s sanções aplica<strong>da</strong>s, examinando,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 253


primeiramente, as vetoriais judiciais do art. 59 do Código Penal, emrelação a R. J. M. F.A pena-base – fixa<strong>da</strong> no mínimo legal – merece pequeno reparo, pois,conforme sustentou o Parquet nas razões recursais, a espécie e a grandequanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> droga autorizam a elevação <strong>da</strong> reprimen<strong>da</strong>. Com efeito,as ações desenvolvi<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de policial resultaram na apreensãode 18.825g de cocaína, na forma do seu sal cloridrato. Procede, assim,o inconformismo ministerial (fls. 2567/2577). Nesse sentido, transcrevoementa dos seguintes julgados do Egrégio STJ:“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DAPENA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO. GRANDE QUANTIDADE DEDROGA. OBSERVÂNCIA DO ART. 59 DO CP. I – Na avaliação <strong>da</strong>s circunstânciaslegais para fixação <strong>da</strong> pena, em se tratando de tráfico de entorpecentes, deveminfluir decisivamente a espécie e a quanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> droga. O tipo de entorpecente é<strong>da</strong>do que indica o grau de nocivi<strong>da</strong>de para a saúde pública, correlato ao indicador<strong>da</strong>s conseqüências do crime; a quanti<strong>da</strong>de, quase sempre, aponta para o graude envolvimento do infrator com o odioso comércio, indicando a medi<strong>da</strong> de suapersonali<strong>da</strong>de perigosa e volta<strong>da</strong> para a prática criminosa. II – Acórdão que, atentoa essas premissas e aos ditames do art. 59 do Código Penal, fixa a pena-base acimado mínimo legal, não padece <strong>da</strong> alega<strong>da</strong> falta de fun<strong>da</strong>mentação”. (Habeas Corpusnº 9.743/SP, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, publ. no DJU de22.11.99. p. 169)“PENAL. HABEAS CORPUS (EC Nº 22/99). TRÁFICO DE DROGAS.COCAÍNA. ELEVADA QUANTIDADE. CONCURSO DE AGENTES (ART. 12C/C O ART. 18, INCISO III, DA LEI Nº 6.368/76. FUNDAMENTAÇÃO DO JUÍZODE CENSURABILIDADE. I – Na fixação <strong>da</strong> resposta penal, afora outros aspectos,é relevante a espécie e a quanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> droga apreendi<strong>da</strong> (Precedente do STJ). II –omissis.” (Habeas Corpus nº 10.178/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, publ.no DJU de 18.10.99, p. 247)Diante dessa avaliação, elevo a pena-base de R. J. M. F. para 03 (três)anos e 06 (seis) meses de reclusão, no tocante ao crime do art. 12 <strong>da</strong> Leinº 6.368/76.Tal como dispôs a ínclita julgadora sobre a sanção provisória devemincidir as causas de aumento de pena previstas no art. 18, I, <strong>da</strong> Lei deTóxicos e art. 71 do Diploma Repressivo, à razão de 1/3 (um terço) ca<strong>da</strong>majorante. Dessa aplicação resulta a pena definitiva fixa<strong>da</strong> em 06 (seis)anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.254R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Em relação ao delito tipificado no art. 14, c/c o art. 18, I, ambos <strong>da</strong>Lei nº 6.368/76, tendo em vista cingir-se as razões de inconformismo doParquet <strong>Federal</strong>, no que se refere à pena-base, exclusivamente ao crimede tráfico internacional – art. 12, caput – mantenho, na íntegra, por seuspróprios fun<strong>da</strong>mentos, o mínimo legal estipulado na sentença, ou seja,03 (três) anos de reclusão.Na segun<strong>da</strong> fase, há de ser considera<strong>da</strong> a agravante prevista no art.62, I, do Código Penal, já que, como bem evidenciou to<strong>da</strong> a instruçãoprobatória e a fun<strong>da</strong>mentação exposta neste decisum, o denunciado atuavaefetivamente como mentor, líder <strong>da</strong> organização criminosa ramifica<strong>da</strong>no Brasil. Por essa razão, acolhendo a irresignação ministerial, elevoem 06 (seis) meses a reprimen<strong>da</strong>, ficando a pena provisoriamentefixa<strong>da</strong> em 03 (três) anos e 06 (seis) meses, a qual, acresci<strong>da</strong> de 1/3 pelainternacionali<strong>da</strong>de (art. 18, I, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76) resulta definitiva em04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão.Em atenção ao concurso material (art. 69/CP) procedo ao somatório<strong>da</strong>s reprimen<strong>da</strong>s, restando estipula<strong>da</strong> para o réu R. J. M. F. em 10 (dez)anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. À míngua de recursopor parte <strong>da</strong> acusação, fica manti<strong>da</strong> a pena de multa fixa<strong>da</strong> na decisão deprimeiro grau (50 uni<strong>da</strong>des diárias, no valor unitário de 1/30 do saláriomínimo vigente à <strong>da</strong>ta do último fato delituoso).No tocante ao réu J. F. L. S. – que também recebeu pena-base nomínimo legal – reporto-me integralmente às considerações teci<strong>da</strong>s emrelação ao denunciado R. J. M. F. tendo em conta o volume considerável<strong>da</strong> droga – razão por que, na primeira etapa <strong>da</strong> dosimetria, majoroa reprimen<strong>da</strong> para 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, emrelação ao crime do art. 12, § 2º, III, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, a qual restaprovisoriamente manti<strong>da</strong>, em face <strong>da</strong> inexistência de agravantes ouatenuantes.Como bem considerou a magistra<strong>da</strong> a quo, devem incidir as causas deaumento previstas no art. 18, I, <strong>da</strong> Lei de Tóxicos e art. 71 do DiplomaRepressivo, à razão de 1/3 (um terço) ca<strong>da</strong> majorante. Dessa aplicaçãoresulta a pena definitiva fixa<strong>da</strong> em 06 (sete) anos, 02 (dois) meses e 20(vinte) dias de reclusão.Quanto ao delito tipificado no art. 14, c/c o art. 18, I, ambos <strong>da</strong> Leinº 6.368/76, novamente, restringindo-se as razões do inconformismo doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 255


Parquet ao crime de tráfico internacional – art. 12, caput – mantenho, naíntegra, por seus próprios fun<strong>da</strong>mentos, o quantum <strong>da</strong> pena estipula<strong>da</strong>pela Juíza monocrática, isto é, 04 (quatro) anos de reclusão, ou seja, 03(três) anos de pena-base, mais 1/3 (um terço) pela internacionali<strong>da</strong>de.Tendo presente a incidência do art. 69 do CP nos ilícitos, procedo aosomatório <strong>da</strong>s reprimen<strong>da</strong>s, restando estipula<strong>da</strong> para o réu J. F. L. S. em10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, manti<strong>da</strong> asanção pecuniária (50 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do saláriomínimo) em face <strong>da</strong> ausência de recurso quanto a este tópico.Assim, descabe o pedido formulado pela defesa do réu, postulando arevogação <strong>da</strong> prisão e conseqüente colocação do mesmo em liber<strong>da</strong>de(fls. 2821/2827) até porque eventuais recursos para as Cortes Superioressão desprovidos de efeito suspensivo, ex vi do artigo 27, § 2º, <strong>da</strong> Leinº 8.038/90, mostrando-se de rigor, portanto, a imediata execução dojulgado.Finalmente, por idênticos fun<strong>da</strong>mentos dos demais réus, aumento apena-base <strong>da</strong> acusa<strong>da</strong> V. R. M. para 03 (três) anos e 06 (seis) meses dereclusão, em relação ao crime do art. 12, § 2º, III, <strong>da</strong> Lei nº 6.368/76,restando manti<strong>da</strong> provisoriamente, tendo em conta a inexistência deagravantes ou atenuantes.Incidindo a causa de aumento de pena prevista no art. 18, I, <strong>da</strong> Lei deTóxicos, à razão de 1/3 (um terço) resulta a reprimen<strong>da</strong> em 04 (quatro)anos e 08 (oito) meses de reclusão.Contudo, antes de aplicar o acréscimo decorrente do crime continuado(art. 71/CP) mister tecer algumas considerações no tocante ao concursomaterial entre o tráfico internacional e o interno, conforme reconhecidona sentença. Nesse ponto, para justificar a incidência <strong>da</strong> regra estatuí<strong>da</strong>no artigo 69 do Estatuto Repressivo, a eminente julgadora monocráticaassim se manifestou:“Subsumidos os fatos ao tipo penal, impõe-se outra conclusão: as substânciasentorpecentes encontra<strong>da</strong>s na residência de V. R. M. em na<strong>da</strong> se relacionam com a práticado tráfico internacional de entorpecentes. São situações absolutamente independentes.Prova disso é a forma diversa de acondicionamento. Se no caso ora analisado a cocaínaera deposita<strong>da</strong> em ‘trouxinhas’, no tráfico internacional o procedimento era maiselaborado, com colocação dos tijolos nas CPUs, utilização de caixas fabrica<strong>da</strong>s, comojá mencionado. Além do mais, as remessas para Austrália não envolviam ‘maconha’, oque corrobora a conclusão. Por fim, a traficância particular (interna) <strong>da</strong> ré era pratica<strong>da</strong>256R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


com outras personagens, tais como Pagú, Maninho, Michel, que, embora eventualmentepudessem ser conhecidos de R. J. M. F. e J. F. L. S., eram atores de uma ativi<strong>da</strong>deindependente.”Em que pesem as doutas considerações expendi<strong>da</strong>s pela Juíza a quo,tenho que as diferenças havi<strong>da</strong>s quanto à forma de acondicionamento <strong>da</strong>droga, <strong>da</strong> substância e <strong>da</strong>s pessoas envolvi<strong>da</strong>s, por si sós, não afastama possibili<strong>da</strong>de de reconhecimento <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de entre os ilícitospraticados por V. R. M. Embora com diferenças entre as condutas, o fatoé que a acusa<strong>da</strong>, em to<strong>da</strong>s as infrações realiza<strong>da</strong>s, ofendeu o mesmo bemjurídico tutelado pela norma penal, ou seja, a saúde pública, estando osilícitos, inclusive, inscritos no mesmo tipo incriminador – art. 12, caput,<strong>da</strong> Lei nº 6.368/76 – tendo a pena sido majora<strong>da</strong> na parte em que os delitosextrapolaram o território nacional. (art. 18, I, do referido diploma legal)Em face disso, mostra-se razoável a consideração <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>dedelitiva entre as infrações, mormente quando pratica<strong>da</strong>s em circunstânciade tempo muito próximos, porquanto as remessas de cocaína para aAustrália se deram em 27.02.2002 e 12.03.2002, sendo a acusa<strong>da</strong> presano dia 17.04.2002, ocasião em que foi flagra<strong>da</strong> na posse de substânciaentorpecente destina<strong>da</strong> ao comércio interno.Diante desse quadro, e tendo em conta as peculiari<strong>da</strong>des docaso concreto, afasto o concurso material efetivado na sentença e,reconhecendo mais um delito de tráfico praticado de forma continua<strong>da</strong>pela ré V. R. M., elevo o quantum referente ao artigo 71 do CP para ½(metade), resultando definitiva a pena do crime de tráfico em 07 (sete)anos de reclusão.Relativamente ao delito tipificado no art. 14, c/c o art. 18, I, ambos<strong>da</strong> Lei nº 6.368/76, limitando-se as razões recursais do Parquet <strong>Federal</strong>ao tráfico internacional – art. 12, caput – mantenho, na íntegra, por seuspróprios fun<strong>da</strong>mentos, o quantum <strong>da</strong> pena estipula<strong>da</strong> pela julgadorasingular, ou seja, 04 (quatro) anos de reclusão.Tendo em conta o concurso material entre os ilícitos, procedo aosomatório <strong>da</strong>s reprimen<strong>da</strong>s, restando fixa<strong>da</strong> para a ré V. R. M. em 11(onze) anos de reclusão.Em decorrência do redimensionamento <strong>da</strong> pena, reduzo a sançãopecuniária para 70 (setenta) dias-multa, no valor unitário fixado naR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 257


sentença.Não merece guari<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong>, a solicitação <strong>da</strong> denuncia<strong>da</strong> V. R. M. noque tange à pretendi<strong>da</strong> progressão de regime prisional relativamente aocrime de tráfico e à substituição <strong>da</strong> reprimen<strong>da</strong> por outra que não impliqueprivação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. O art. 2º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 8.072/90 dispõe que aosagentes responsáveis pela prática de crimes hediondos e equiparados,entre eles o tráfico ilícito de entorpecentes, infligir-se-á pena em regimeintegralmente fechado, sendo, por essa razão, incompatível com asubstituição por sanções restritivas de direitos. Na esteira do sedimentadoposicionamento <strong>da</strong> Suprema Corte, esse dispositivo não conflita com aConstituição <strong>Federal</strong>:“Recurso extraordinário. O acórdão recorrido ao estender a aplicação <strong>da</strong> Lei9.455/97, que admitiu a progressão do regime de prisão para o crime de tortura, aosdemais crimes previstos no inciso XLIII do artigo 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, combase no tratamento unitário que esse dispositivo constitucional teria <strong>da</strong>do a todos eles,divergiu do entendimento desta Corte, que, por seu Plenário, ao julgar o HC 76.371,decidiu que essa Lei só admitiu a progressão do regime do cumprimento <strong>da</strong> pena para ocrime de tortura, não sendo extensível, sequer a pretexto de isonomia, aos demais crimeshediondos, nem ao tráfico de entorpecentes, nem ao terrorismo. Recurso extraordinárioconhecido e provido.” (1ª Turma, RE nº 343795/MS, Rel. Min. Moreira Alves, publ.no DJU de 21.06.2002, p. 119)“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. REGIME DE CUMPRIMENTO DEPENA. CRIME HEDIONDO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. A jurisprudênciado Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é pacífica no entendimento de que a Lei 9.455/97 nãoderrogou a Lei 8.072/90, art. 2º, § 1º. A pena pelo crime de tráfico de entorpecentes,definido como hediondo, deve ser cumpri<strong>da</strong> em regime integralmente fechado. Habeasindeferido.” (2ª Turma, HC nº 79544/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, publ. no DJU de258R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


12.04.02, p. 53)“HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃOA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INFERIOR A 4 ANOS. SUBSTITUIÇÃO PORPENA RESTRITIVA DE DIREITOS (LEI 9.714/98). IMPOSSIBILIDADE. O benefício<strong>da</strong> substituição <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de por pena restritiva de direitos, previstonos artigos 44 e seguintes do Código Penal, com as modificações introduzi<strong>da</strong>s pelaLei 9.714/98, não se aplica ao crime de tráfico de entorpecentes, delito equiparado ahediondo, tendo em vista o disposto no art. 2º, § 1º, <strong>da</strong> Lei 8.072/90, que determinaexpressamente o cumprimento <strong>da</strong> pena em regime integralmente fechado. Precedentes.Habeas corpus indeferido.” (1ª Turma, HC nº 81259, Rel. Min. Ellen Gracie Northfleet,publ. no DJU de 15.03.02, p. 33)Assim sendo, a despeito do tratamento diferenciado destinado pelolegislador ao delito de associação para o tráfico (art. 14 <strong>da</strong> Lei de Tóxicos)em que é admiti<strong>da</strong> a progressão – como brilhantemente ressalvou ailustre Magistra<strong>da</strong> (fls. 2549/2557) – o crime de tráfico de entorpecentes(interno ou internacional) não goza <strong>da</strong> mesma distinção, aplicando-se,então, à perpetração do ilícito previsto no art. 12, caput (em sua formacombina<strong>da</strong> ou não) o regime fechado na sua integrali<strong>da</strong>de, o que, de persi, impede a substituição <strong>da</strong> pena.Por fim, revela-se incabível o exame do pedido formulado por DanielaMari Pezzi (fls. 2834-35) referente à restituição de um computadorapreendido nos autos, uma vez que, conforme consulta efetua<strong>da</strong> nosistema de informações processuais, bem como junto à Vara de origem, aquaestio tramita no primeiro grau – procedimento nº 2002.71.00.030188-8 – estando ain<strong>da</strong> pendente de julgamento, razão por que não pode serobjeto de apreciação nesta instância, sob pena de supressão de um graude jurisdição.Ante o exposto, dou provimento ao apelo do Ministério Público<strong>Federal</strong>, parcial provimento à irresignação de V. R. M., e negoprovimento aos recursos dos demais réus, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº2002.71.05.001909-1/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de CastilhoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 259


Recorrente: Ministério PúblicoAdvogado: Dr. Luís Alberto d’ Azevedo AurvalleRecorrido: R. M. S.Advogado: Dr. Plínio de Oliveira CorreaEMENTACompetência. Liberação ou descarte de organismos geneticamentemodificados (soja transgênica) sem permissão legal. Crime contra omeio ambiente previsto no artigo 13, inciso V, <strong>da</strong> Lei 8.974/95. Área deinteresse nacional. Necessi<strong>da</strong>de de prévio parecer <strong>da</strong> comissão técnicade biossegurança (CTNBio) e autorização dos Ministérios <strong>da</strong> União(Saúde, Agricultura e Meio Ambiente).A necessi<strong>da</strong>de de prévio Parecer Consultivo <strong>da</strong> Comissão Técnicade Biossegurança (CTNBio) para a manipulação, circulação e liberaçãode Organismos Geneticamente Modificados para a produção desoja transgênica conforme disciplina a Lei <strong>Federal</strong> nº 8.974/95, e ointeresse nacional relacionado concretamente como o meio ambiente ea saúde pública justificam o interesse <strong>da</strong> União e, conseqüentemente, acompetência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> para o julgamento e o processamento dofeito, com base no que dispõe o artigo 109, inciso IV, <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong>. Competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>. Recurso provido para, manti<strong>da</strong>a competência federal, determinar ao juízo que se pronuncie sobre orecebimento ou não <strong>da</strong> denúncia.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aOitava Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de,<strong>da</strong>r provimento ao recurso para manter a competência federal, devendo ojuízo pronunciar-se sobre o recebimento ou não <strong>da</strong> denúncia, nos termosdo relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 25 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho, Relator.260RELATÓRIOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho: O Ministério Público<strong>Federal</strong> ofereceu denúncia (fls.02-04) contra R. M. S., como incursonas sanções do artigo 13, inciso V, <strong>da</strong> Lei 8.974/95, porque, segundo aexordial acusatória, no dia 4 de abril de 2002, no Município de Jóia/RS,o denunciado liberou organismos geneticamente modificados em suaproprie<strong>da</strong>de rural para o cultivo de aproxima<strong>da</strong>mente 665 (seiscentos esessenta e cinco) hectares de soja transgênica.A defesa técnica impetrou Habeas Corpus com pedido liminar (fls.37-63), objetivando o trancamento <strong>da</strong> investigação policial, fulcro naausência de justa causa para a persecução penal. Após ser inicialmentedeferi<strong>da</strong> a liminar, o relator negou seguimento ao recurso, conformepode ser verificado no sistema processual informatizado deste <strong>Tribunal</strong>.Sem exarar juízo de admissibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação penal (fls.94-96), oMagistrado a quo declina <strong>da</strong> competência <strong>Federal</strong> para a Estadual,aduzindo, em síntese, que a infração penal pratica<strong>da</strong> pelo denunciado nãose reveste de lesão a bens ou interesses <strong>da</strong> União, conforme o disciplinadono art.109, inc. IV, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.Irresignado, o Ministério Público <strong>Federal</strong> interpôs o presente Recursoem Sentido Estrito (fls.98-107), sustentando que a liberação de organismosgeneticamente modificados no meio ambiente ofende o interesse nacionalpelo fato de sua comercialização, liberação e circulação serem controla<strong>da</strong>spelos Ministérios <strong>da</strong> União, além de ser notório que sementes destaespécie são internaliza<strong>da</strong>s no país de forma irregular, configurando, emtese, o crime de contrabando. Requer, por fim, seja reforma<strong>da</strong> a decisãoque declinou <strong>da</strong> competência para a Justiça Estadual, determinando acontinuação do feito na Justiça <strong>Federal</strong>, competente para tanto.Em contra-razões (fls.112-118), a defesa declara que o resultado <strong>da</strong>ação independe de onde ela será processa<strong>da</strong>, pois sustenta a ausência deautoria e de materiali<strong>da</strong>de para a persecução penal do imputado.A decisão ataca<strong>da</strong> foi manti<strong>da</strong> por seus jurídicos e própriosfun<strong>da</strong>mentos. (fl.120)Em Parecer (fls.131-142), o Ministério Público <strong>Federal</strong> opina peloprovimento do recurso.É o relatório.VOTOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 261


O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho: Trata-se de recursoem sentido estrito do Ministério Público <strong>Federal</strong> contra decisão do MM.Juiz <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>da</strong> Circunscrição Judiciária de Santo Ângelo/RS,que declinou <strong>da</strong> competência para julgar o feito.O crime do art. 13, inciso V, <strong>da</strong> Lei 8.974/95 figura-se pela liberaçãode organismos geneticamente modificados no meio ambiente, consistentena plantação de “soja transgênica”, sem considerar as diretrizes impostaspela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).O descarte de material genético para o plantio de soja transgênica(p. ex.: a soja round up ready, a semente terminator, etc.), assim comoto<strong>da</strong>s as substâncias ou organismos geneticamente modificados (OGM),<strong>da</strong><strong>da</strong>s as iniciais incertezas quantos aos seus efeitos e impactos aoecossistema, ao meio ambiente, e principalmente à saúde humana ouanimal, devem exigir máxima e antecipa<strong>da</strong> precaução por parte do PoderPúblico, quer impedindo sua comercialização enquanto não houveraquela certeza científica de sua inocui<strong>da</strong>de; quer impondo, após aquelacertificação, aos interessados em sua exploração econômica (quem lucrase responsabiliza), a mais ampla e eficaz informação ao mercado geral.Ora, as questões que tratam e se relacionam à proteção do meioambiente, sua inesgotabili<strong>da</strong>de, sustentabili<strong>da</strong>de, preservação emanipulação de material genético não dizem respeito somente a interesseslocais e isolados de um Estado <strong>da</strong> Federação ou de um Município, masenvolvem o interesse de to<strong>da</strong> nação, tendo em vista a repercussão quepode ocasionar qualquer uso indiscriminado ou mesmo incontroladodos bens que pertencem a to<strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de. Aliás, para se desfrutarde um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, todos ossetores, privados ou públicos, devem procurar alcançar meios para sedesenvolver sem causar perturbação ao desenvolvimento sustentável <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> no planeta.Nessa perspectiva, a competência para julgar a presente questãoenvolvendo o meio ambiente como um todo é <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, quedeverá atuar nos casos em que seja manifesto o interesse nacional ouregional, e sempre que necessária a garantia <strong>da</strong> segurança e do bemestarsupra-estadual ou nacional. Quando se fala de patrimônio genéticoou do uso de técnicas de engenharia genética para a liberação de sojatransgênica, por exemplo, há a necessi<strong>da</strong>de, para o desenvolvimento desta262R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


ativi<strong>da</strong>de, de uma forte administração, fiscalização e autorização queserá forneci<strong>da</strong> pelos Ministérios (Saúde, Agricultura, Meio Ambiente),tendo em vista a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ocorrência de lesão a bens, serviçose interesses <strong>da</strong> União, a bem do disposto no art. 109, inciso IV, <strong>da</strong>norma constitucional. E, assim, porque a produção nacional de sojaé majoritariamente direciona<strong>da</strong> à exportação, e interessa à União e àsocie<strong>da</strong>de – enquanto não inteiramente liberado o uso dos organismosgeneticamente modificados, pois tendo uma ação civil pública(1998.34.00.027681-8) com determinação de proibição de plantio de“transgênicos” – de tal modo que há virtual prejuízo às exportaçõesnacionais como política e programa de governo se fraudulentamente seincluírem nessas parti<strong>da</strong>s a soja modifica<strong>da</strong>.Questão posta, tem-se que a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> paraprocessar e julgar o feito parece evidente. E, neste sentido é o parecer<strong>da</strong> douta Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, in verbis:“ (...)To<strong>da</strong>via, quando uma conduta ilícita abala o equilíbrio ecológico e põe em riscouma coletivi<strong>da</strong>de nacional e não isolável, o enfrentamento não pode escapar do enteestatal de maior jurisdição territorial, como no presente caso.(...)Os possíveis efeitos ambientais ocasionados pela difusão de organismosgeneticamente modificados, portanto, não se restringem ao âmbito local ou estadual,porque abrangem questões supralocais que vão desde a proteção e preservação doconjunto de condições naturais e de influências que atuam sobre os organismos vivose os seres humanos, <strong>da</strong> saúde pública e do ecossistema, até a repercussão em nívelinternacional que a liberação ou descarte indiscriminado desses organismos possaocasionar.Nota-se, destarte, pelo quanto acima analisado, que, inafastavelmente, há umpredominante interesse federal no caso dos autos, o que confere competência ao forofederal para processá-lo e julgá-lo”.Ademais, é sabido que no caso, devido à proibição, à utilização e àR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 263


comercialização de organismos geneticamente modificados em questãomantém relação com condutas criminosas como o delito de contrabando– tendo em vista sua ve<strong>da</strong>ção e internalização irregular.Além disso, em virtude <strong>da</strong> disseminação de organismos geneticamentemodificados para a produção de soja transgênica, a área rural localiza<strong>da</strong>no Município de Jóia/RS, fica sob controle <strong>da</strong> Comissão Técnica Nacionalde Biossegurança – CTNBio, o que robustece ain<strong>da</strong> mais o interesse <strong>da</strong>União no feito. (art. 7º <strong>da</strong> Lei nº 8.974/95)Com efeito, qualquer violação à forma de manipulação, uso, cultivo ecomercialização de soja transgênica, a teor do artigo já referido, provoca aintervenção <strong>da</strong> Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),cuja finali<strong>da</strong>de é fiscalizar a produção e a circulação de produtos contendoorganismos geneticamente modificados.Sendo assim, considerando que a Comissão Técnica Nacional deBiossegurança (CTNBio), cria<strong>da</strong> no âmbito do Ministério <strong>da</strong> Ciênciae Tecnologia, visa a prestar assessoramento ao Governo <strong>Federal</strong> naformulação, atualização e implementação <strong>da</strong> Política Nacional deBiossegurança relativa a organismos geneticamente modificados,emitindo Parecer Técnico Conclusivo, que uma vez aprovado passa avincular os Ministérios <strong>da</strong> Agricultura, Saúde e Meio Ambiente a adotálo,mostra-se claro o interesse concreto e direto <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong> e suaconseqüente competência para julgar o delito em questão.Por fim, parece ain<strong>da</strong> manifesto o interesse concreto e direto <strong>da</strong>União, visto que recente disposição legislativa disciplinou, no âmbito <strong>da</strong>administração federal (MP nº 113, de 26.03.2003), a comercialização <strong>da</strong>safra de transgênicos (mesma do plantio ilegal), demonstrando assim quepersiste o interesse federal na proteção ambiental ameaça<strong>da</strong> pelos OGM.Assim sendo, a prática do delito imputado, implica lesão a serviçose interesses <strong>da</strong> União.Diante do exposto, dou provimento ao recurso para manter acompetência federal, devendo o juízo pronunciar-se sobre o recebimentoou não <strong>da</strong> denúncia.É o voto.HABEAS CORPUS Nº 2003.04.01.004105-0/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado264R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Impetrante: Eduardo RaugImpetrado: Juízo Substituto <strong>da</strong> 2ª Vara <strong>Federal</strong> de Caxias do Sul/RSPaciente: F. C. V.EMENTAPenal. Habeas corpus. Execução provisória. Pendência de recursoespecial. Princípio <strong>da</strong> presunção de inocência não violado.1. A interposição de recurso especial não obsta a execução <strong>da</strong> pena,conforme o disposto no art. 27, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº 8.038/90, c/c o art. 637do CPP, porquanto possui caráter meramente devolutivo.2. Segundo precedentes de nossos Tribunais Superiores, o princípioconstitucional <strong>da</strong> presunção de inocência, que ve<strong>da</strong> o lançamento donome do réu no rol dos culpados, antes do trânsito em julgado <strong>da</strong> sentençacondenatória, não tem o condão de inibir a execução provisória do julgadoquando sujeito a recursos desprovidos de efeito suspensivo.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea 8ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de,denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.Porto Alegre, 10 de março de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se dehabeas corpus impetrado em favor de F. C. V., objetivando, em síntese,concessão de ordem destina<strong>da</strong> a suspender a execução provisória <strong>da</strong>spenas de 2 anos e 5 meses de reclusão e 10 dias-multa, no valor unitáriode 1/10 do salário mínimo, imputa<strong>da</strong>s ao paciente, por incurso na condutade que trata o art. 95, d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, c/c art. 71, caput, do CP,com a substituição <strong>da</strong> reprimen<strong>da</strong> carcerária por duas penas restritivasde direito, na forma de prestação de serviços à comuni<strong>da</strong>de e prestaçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 265


pecuniária no valor de 10 salários mínimos, de modo a que possa aguar<strong>da</strong>rem liber<strong>da</strong>de o julgamento do recurso especial interposto, estando areferi<strong>da</strong> pretensão, segundo defende o Impetrante, ampara<strong>da</strong> não só noprincípio constitucional <strong>da</strong> presunção de inocência (art. 5º, LVII), comotambém no próprio dispositivo sentencial que assim determinou: “Apóso seu trânsito em julgado: (...) Dê-se baixa na distribuição e remetam-seos autos à Seção de Execuções Penais”.Afirma o impetrante que o MPF não apresentou qualquer recursotendente a modificar as disposições relativas ao termo de início paracumprimento <strong>da</strong>s penas, tal como disposto na sentença, ou seja, após orespectivo trânsito em julgado, tampouco recorrendo a defesa quanto aoponto, cui<strong>da</strong>ndo-se, portanto, segundo argumenta, de matéria preclusa,cujo descumprimento pela autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> representa evidenteafronta a direito do paciente, a ser reparado pela via extrema.Sem pretensão liminar a ser aprecia<strong>da</strong>, foram solicita<strong>da</strong>s informaçõesà autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> que as prestou às fls. 59/62 com documentos emanexo.Opinou o ilustre agente <strong>da</strong> Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República, juntoa esta Corte, pela denegação <strong>da</strong> ordem.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado: A presenteimpetração busca o enfrentamento de ser legítimo, ou não, o comandoprolatado pela autori<strong>da</strong>de dita coatora que, não obstante a pendênciade recurso especial, determinou a execução provisória <strong>da</strong> sentença,confirma<strong>da</strong> em 2º grau, nas seguintes letras:“Remetam-se os autos à SRIP para autuação como Execução Penal Provisória –Classe 7012, devendo ser distribuí<strong>da</strong> por dependência à Ação Penal nº 97.1500263-3.No retorno, cumpra-se o acórdão. (....)”.Nos dizeres do impetrante, tal determinação contraria o dispositivosentencial, que assim dispôs (fl. 31):“Após o seu trânsito em julgado:Lance-se o nome do Réu definitivamente condenado no rol dos culpados;266R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Cumpra-se o disposto nos arts. 196 e seguintes do provimento nº 1 <strong>da</strong> Corregedoria-Geral de Justiça de 02.06.97;Oficie-se ao Egrégio <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> Eleitoral do domicílio do réu condenado,para os fins do art. 15, III, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>;Cumpram-se as disposições do art. 809, § 3º, do Código de Processo Penal;Dê-se baixa na distribuição e remetam-se os autos à Seção de Execuções Penais.”Analisados os contornos na espécie, concluo pela denegação <strong>da</strong> ordemde habeas corpus.É que a interposição de recurso especial não obsta a execução <strong>da</strong> pena,conforme o disposto no art. 27, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº 8.038/90, c/c o art. 637do CPP, porquanto possui caráter meramente devolutivo.Neste sentido, faz-se mister explicitar o entendimento dos TribunaisSuperiores, in verbis:“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.CONSTITUCIONAL. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES.CONDENAÇÃO À PENA DE RECLUSÃO EM SEDE DE APELAÇÃO CRIMINAL.RECOLHIMENTO DO PACIENTE À PRISÃO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSOESPECIAL. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DA LIBERDADE ATÉ O TRÂNSITOEM JULGADO DA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.1. omissis;2. No tocante ao mérito, é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de queo recolhimento à prisão do réu condenado pelo <strong>Tribunal</strong> estadual não configuraconstrangimento ilegal, ain<strong>da</strong> que interposto recurso extraordinário ou especial, quesão desprovidos de efeito suspensivo. Precedentes: HC nº 72.102, Rel. Min. Celso deMello, 1ª Turma, DJ 20.04.95 e HC nº 81.392, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma,DJ 01.03.2002.3. Habeas corpus indeferido.” (HC nº 80.939/MG. Rel. Ministra Ellen GracieNorthfleet, DJ 06.08.2002, pág. 193)“HABEAS CORPUS. MANDADO DE PRISÃO. CONSTRANGIMENTOILEGAL. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU MANTIDA EM APELAÇÃOCRIMINAL. POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL EEXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO.Os recursos para os Tribunais Superiores (STJ e STF) possuem, de ordinário,somente efeito devolutivo, forte no art. 27, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº 8.038/90. Assim, não configuraconstrangimento ilegal a expedição de man<strong>da</strong>do de prisão para a execução provisória <strong>da</strong>condenação imposta pelas instâncias ordinárias. Precedentes desta Corte e do C. STF.Princípio constitucional <strong>da</strong> presunção de inocência que não foi, in casu, violado. Ordemdenega<strong>da</strong>.” (HC 20781, Rel. Min. José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, DJU 20.05.2002, pág. 172)“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DECISÃO DER. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 267


SEGUNDO GRAU. RECURSOS DE ÍNDOLE EXTRAORDINÁRIA.I – Os recursos para os Tribunais Superiores (STF e STJ), ex vi do art. 27, § 2º,<strong>da</strong> Lei nº 8.038/90, em regra só têm efeito devolutivo, sendo legítima a execuçãoprovisória do julgado condenatório, com expedição, se for o caso, de man<strong>da</strong>do deprisão (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ). II – A eventual limitação, fixa<strong>da</strong>em primeiro grau, quanto à expedição do man<strong>da</strong>do de prisão, não vincula o tribunalde segundo grau (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ). Writ denegado.” (HC18990, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 01.04.2002, pág. 190)“HC. PENAL. PROCESSUAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. RECURSOESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NÃOOCORRÊNCIA.Manti<strong>da</strong> a decisão condenatória pela Corte <strong>Regional</strong>, a interposição de RecursoEspecial, que em virtude <strong>da</strong> sua natureza excepcional, não possui efeito suspensivo,não impede a execução <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> restritiva.Habeas Corpus conhecido. Pedido Indeferido.” (HC 13065/SC, Rel. Min. EdsonVidigal, 5ª Turma, STJ, DJ de 04.09.2000)“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA AADMINISTRAÇÃO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. EXPEDIÇÃO DEMANDADO DE PRISÃO CONDICIONADA, EM PRIMEIRO GRAU, AOTRÂNSITO EM JULGADO.Os recursos para os Tribunais Superiores (STF e STJ), ex vi art. 27, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº8.038/90, em regra, só tem efeito devolutivo, sendo legítima a execução provisória dojulgado condenatório, com expedição, se for o caso, de man<strong>da</strong>do de prisão . (...)” (HC12227/SC, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª Turma, STJ, DJ de 21.08.2000)Na esteira <strong>da</strong>s orientações acima expendi<strong>da</strong>s, foi edita<strong>da</strong> a Súmula nº267 do e. STJ, in verbis:“A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória nãoobsta a expedição de man<strong>da</strong>do de prisão.”Gize-se que a <strong>4ª</strong> Seção desta Corte alinhou-se ao entendimento suprano julgamento do HC nº 2002.04.01.044324-9, ocorrido em 18.12.2002.Em suma, segundo orientação assente na jurisprudência pátria,o princípio constitucional <strong>da</strong> presunção de inocência - que ve<strong>da</strong> olançamento do nome do réu no rol dos culpados, antes do trânsito emjulgado <strong>da</strong> sentença condenatória - não tem o condão de obstar a execuçãoprovisória do julgado quando sujeito a recursos desprovidos de efeitosuspensivo, dos quais são exemplo o extraordinário e o especial.Por fim, ao inverso do que defende o impetrante, a execução provisória268R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


<strong>da</strong> sentença, confirma<strong>da</strong> em 2º grau, não contraria os termos de sua partedispositiva, vindo o próprio Juízo impetrado a esclarecer, em sede deinformações que (fl. 60):“Quanto ao dispositivo sentencial, embora já tenha pensado de forma diversa emcasos semelhantes, tenho que não houve determinação expressa de que seria incabívela execução provisória <strong>da</strong> condenação, mas apenas despacho ordinatório para que osautos fossem remetidos ao setor de execuções penais, o que, salvo melhor juízo, nãovincula o juiz <strong>da</strong> execução quanto ao seu eventual entendimento sobre a possibili<strong>da</strong>dede iniciar-se o cumprimento <strong>da</strong> pena antes de seu trânsito em julgado.”Isso posto, voto pela denegação <strong>da</strong> ordem no presente habeas corpus.HABEAS CORPUS Nº 2003.04.01.007173-9/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> SilvaImpetrantes: Ney Fayet Junior e outroAdvogados: Drs. Archimedes Antonio <strong>da</strong> Silva Almei<strong>da</strong> e outrosImpetrado: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> Criminal de Caxias doSul/RSPaciente: A. C. S. (réu preso)EMENTAHabeas corpus. Unificação <strong>da</strong>s penas. Mais de uma condenação.Fixação de penas privativas de liber<strong>da</strong>de e restritivas de direito.Conversão.1. Sendo fixado em uma <strong>da</strong>s condenações o cumprimento <strong>da</strong> penacorporal em regime aberto, é viável o cumprimento conjunto <strong>da</strong>s penasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 269


estritivas de direito fixa<strong>da</strong>s em outras condenações – e que devem sersoma<strong>da</strong>s – com a privativa de liber<strong>da</strong>de.2. O artigo 69, § 1º, do Código Penal, em caso de unificação de penasem que uma delas seja privativa de liber<strong>da</strong>de, não obriga que haja aconversão de to<strong>da</strong>s as penas restritivas de direitos, porque ele diz respeitoà aplicação <strong>da</strong>s penas em um mesmo processo e não ao procedimentode unificação de penas aplica<strong>da</strong>s em outros feitos. Tal dispositivo, nestecaso, deve ser interpretado à luz <strong>da</strong>s demais normas relativas às penasrestritivas de direito.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Sétima Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 15 de abril de 2003.Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva: Trata-se de habeascorpus impetrado por Ney Fayet Junior em favor de A. C. S., objetivando,em liminar, a imediata soltura do paciente, e a final, em definitivo, aconcessão <strong>da</strong> ordem “para o fim de reconhecer a ilegali<strong>da</strong>de do despachodo Juiz a quo, assegurando ao paciente o direito de cumprir as penasa ele impostas, quando transita<strong>da</strong>s em julgado, na forma imposta nasdecisões”. (fl. 13)Sustenta o impetrante, em síntese, que o paciente foi condenado, naação penal de nº 97.1500323-0, a 2 anos 8 meses e 6 dias de reclusão pelaprática do delito capitulado no artigo 95, letra d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, c/c oartigo 71 do Código Penal; na ação penal nº 98.1505963-7, sofreu novacondenação, desta feita a 2 anos e 11 meses de reclusão, também pelaprática do delito capitulado no artigo 95, letra d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, c/c oartigo 71 do Código Penal; na ação penal nº 2000.71.07.002346-7, forammais 2 anos e 4 meses de reclusão, pela prática do delito capitulado noartigo 168-A, § 1º, I, c/c o artigo 71, ambos do Código Penal; e na ação270R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


penal nº 98.1504373-0, foi novamente condenado a 4 anos de reclusão,pela prática do mesmo delito – capitulado no artigo 168-A, § 1º, I, c/c oartigo 71, ambos do Código Penal. Alega que o impetrante está sofrendoconstrangimento ilegal, pois o Juízo <strong>da</strong> Execução não poderia modificaros julgados transitados em julgado e que lhe asseguravam o direito àsubstituição <strong>da</strong>s penas privativas de liber<strong>da</strong>de por penas restritivas dedireitos e que, em relação à condenação que não operou a substituição,aduz ser compatível o cumprimento <strong>da</strong>s penas restritivas, em face <strong>da</strong>fixação do regime inicial aberto.Consta <strong>da</strong>s informações <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de aponta<strong>da</strong> coatora que tanto“O Ministério Público <strong>Federal</strong> manifestou-se pelo cúmulo material econversão <strong>da</strong>s penas restritivas de direitos comina<strong>da</strong>s em pena privativade liber<strong>da</strong>de” (fl. 243), como “A defesa pugnou pela unificação de to<strong>da</strong>sas condenações e manutenção <strong>da</strong>s penas alternativas”. (fl. 243)Assevera que no caso de condenação por mais de um crime, emprocessos distintos, como é a hipótese em exame, a determinação doregime de cumprimento resultará <strong>da</strong> soma ou unificação <strong>da</strong>s penasimpostas, que compete ao Juízo <strong>da</strong>s Execuções Penais. In casu, aautori<strong>da</strong>de aponta<strong>da</strong> coatora, tendo reconhecido como praticados emcontinui<strong>da</strong>de delitiva os crimes referentes às ações penais n os 98.1505963-7 e 98.1504373-0 (na qual o ora paciente não foi contemplado com asubstituição <strong>da</strong> pena, na forma do artigo 44 do Código Penal, “pela nãosatisfaçãodo requisito previsto no inciso III (não preenchimento dosrequisitos subjetivos ante a existência de duas condenações e diversosoutros processos penais à época <strong>da</strong> sentença – fl. 75) do citado dispositivolegal, o que obsta a concessão do benefício para as demais (art. 69, § 1º,do Código Penal)” – fl. 244), fixou a pena unifica<strong>da</strong> em 3 anos, 8 mesese 20 dias de reclusão. Com a soma <strong>da</strong> pena resultante <strong>da</strong> unificação<strong>da</strong>s ações penais menciona<strong>da</strong>s, às penas impostas nas ações penais n os97.1500323-0 e 2000.71.07.0002346-7, resultou a pena privativa deliber<strong>da</strong>de em 9 anos, 10 meses e 15 de reclusão.O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em sua manifestação <strong>da</strong>s fls. 272/277,opinou pela concessão <strong>da</strong> ordem.É o relatório.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 271


VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva: A ordem mereceser concedi<strong>da</strong>.Com efeito, como assinalado pela ilustre Procuradora <strong>Regional</strong><strong>da</strong> República, Heloisa Pêgas Morganti, como uma <strong>da</strong>s condenaçõesimputa<strong>da</strong>s ao paciente para o cumprimento <strong>da</strong> pena corporal é em regimeaberto, é viável o cumprimento conjunto <strong>da</strong>s penas restritivas de direitosfixa<strong>da</strong>s em outras condenações – e que devem ser soma<strong>da</strong>s – com aprivativa de liber<strong>da</strong>de.Como razão de decidir, adoto os fun<strong>da</strong>mentos do bem-lançado parecerministerial:“2. Conforme acima mencionado, o réu foi condenado em quatro ações penais, pelaprática de crimes similares, do seguinte modo:Ação Penal n° 97.150.0323-0, relativa à empresa Kalil Sehbe S/A Indústria doVestuário, transita<strong>da</strong> em julgado em 17.04.2002, com penas de dois anos, 8 mesese seis dias de reclusão e multa, substituí<strong>da</strong> a pena corporal pelas penas restritivas deprestação de serviços e prestação pecuniária;Ação Penal n° 98.150.5963-7, relativa à empresa Sehbe S/A Hotéis e Turismo,transita<strong>da</strong> em julgado em 09.08.2002, com penas de 2 anos e 11 meses de reclusão emulta, substituí<strong>da</strong> a pena corporal pelas penas restritivas de prestação de serviços eprestação pecuniária;Ação Penal n° 2000.71.07.002346-7, relativa à empresa Lanifício Sehbe, comAgREsp remetido ao STJ, com penas de 2 anos e 4 meses de reclusão e multa, substituí<strong>da</strong>a pena corporal pelas penas restritivas de prestação de serviços e prestação pecuniária;Ação Penal n° 98.150.4373-0, relativa à empresa Sehbe S/A Hotéis e Turismo, comAgREsp e AgRE remetidos ao STJ e STF, com penas de 4 anos de reclusão, em regimeaberto, e multa, não tendo sido concedi<strong>da</strong> a substituição <strong>da</strong> pena corporal.Na decisão impugna<strong>da</strong>, o MM. Juízo <strong>da</strong> Execução, considerando que a segun<strong>da</strong> e aúltima ações penais eram relativas à mesma empresa, e decorrentes de fatos praticadosem períodos subseqüentes, operou a unificação <strong>da</strong>s penas, pela continui<strong>da</strong>de delitiva,totalizando 3 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão e multa.Essa pena corporal foi soma<strong>da</strong> às duas outras penas privativas, em concurso material,finalizando em 9 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão e multa, tendo sido determinado oregime inicial fechado, com a conseqüente expedição de man<strong>da</strong>do de prisão, encontrandoseo paciente recolhido do presídio municipal de Caxias do Sul/RS.Ocorre que, como acima grifado, duas condenações encontravam-se transita<strong>da</strong>sem julgado, com a substituição <strong>da</strong> pena corporal por penas restritivas entendi<strong>da</strong> comosuficientes à reprovação <strong>da</strong>s condutas pratica<strong>da</strong>s pelo paciente. Em relação à Ação Penaln° 2000.71.07.002346-7, embora pendente de AgREsp, não se vislumbra a modificação272R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


<strong>da</strong> substituição <strong>da</strong> pena corporal, por ser proibi<strong>da</strong> a reformatio in pejus.Desse modo, embora discutíveis as substituições <strong>da</strong> pena, especialmente em face<strong>da</strong>s condições subjetivas de que trata a lei penal, o fato é que duas encontram-seconsoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s e uma praticamente consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>.(...)omissisO artigo 66, inciso V, <strong>da</strong> Lei de Execuções Penais dispõe que, ao Juiz <strong>da</strong> Execução,cabe ‘V- determinar: a) a forma de cumprimento <strong>da</strong> pena restritiva de direitos e fiscalizarsua execução; b) a conversão <strong>da</strong> pena restritiva de direitos e de multa em privativa deliber<strong>da</strong>de’.De outra parte, o § 4° do artigo 44 do Código Penal prevê a conversão <strong>da</strong> penarestritiva em privativa de liber<strong>da</strong>de no caso de descumprimento injustificado de restriçãoimposta, explicitando o artigo 181 <strong>da</strong> Lei de Execução Penal outras causas de conversão.Assim, afora o artigo 111 <strong>da</strong> Lei n° 7.210/84, que prevê a determinação do regimede cumprimento <strong>da</strong> pena de acordo com o resultado <strong>da</strong> soma ou unificação <strong>da</strong>s penas,verifica-se o alcance limitado do juízo Executório na efetivação <strong>da</strong>s reprimen<strong>da</strong>sdefini<strong>da</strong>s nos processos penais.Quanto ao § 5° do artigo 44 do Código Penal, traz a hipótese de conversão facultativa<strong>da</strong> pena restritiva, no caso de condenação posterior a pena privativa de liber<strong>da</strong>de, ‘sefor possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior’.A condenação proferi<strong>da</strong> na última ação penal elenca<strong>da</strong> determinou o regime abertopara o início do cumprimento <strong>da</strong> pena corporal, mostrando-se viável, portanto, ocumprimento conjunto <strong>da</strong>s penas restritivas – que devem ser soma<strong>da</strong>s – com a penaprivativa de liber<strong>da</strong>de.Sobre a matéria objeto desta impetração, pertinente transcrever as seguintes ementas:‘HABEAS CORPUS. ART. 168, § 1º, I, A, DO CP. OMISSÃO DE RECOLHIMENTOPREVIDENCIÁRIO. CONDENAÇÃO EM DUAS AÇÕES PENAIS. EMPRESASDIVERSAS. CONCURSO MATERIAL.1.Caso em que o paciente praticou dois crimes iguais ao não recolher as contribuiçõesprevidenciárias, em empresas diversas onde atuou como sócio-gerente. 2. Concursomaterial onde as penas devem ser soma<strong>da</strong>s, considerando e respeitando a substituição<strong>da</strong>s penas corporais por penas restritivas de direitos opera<strong>da</strong>s.Ordem parcialmente concedi<strong>da</strong>’. (HC n° 2002.04.01.042721-9/RS – Rel. Des. Fed.Volkmer de Castilho – j. 09.12.2002)‘HABEAS CORPUS. JUÍZO DA EXECUÇÃO. LEI N° 7.210/84. AGRAVO.EFEITO SUSPENSIVO. CRIMES AUTÔNOMOS. SOMATÓRIO DAS PENAS.SANÇÕES PRIVATIVAS DE LIBERDADE SUBSTITUÍDAS POR RESTRITIVASDE DIREITOS. MANUTENÇÃO DA COISA JULGADA.A inexistência de efeitosuspensivo ao agravo cabível contra as decisões proferi<strong>da</strong>s pelo Juízo <strong>da</strong> Execução,conforme previsto no art.197 <strong>da</strong> Lei n° 7.210/84, não afasta a possibili<strong>da</strong>de de usodo habeas corpus, visando coibir constrangimento ilegal, desde que tal ocorrênciaesteja comprova<strong>da</strong> de plano. 2. Cui<strong>da</strong>ndo-se de delitos autônomos, pelos quais o réufoi processado no âmbito de ações penais diversas, cumpre proceder ao somatório <strong>da</strong>sR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 273


penas, quando <strong>da</strong> respectiva execução, tal como ocorreria caso os crimes tivessem sidoobjeto de uma só deman<strong>da</strong>, aplicando-se, na prática, as regras do concurso material. 3.Em respeito à coisa julga<strong>da</strong>, resta inviável, em sede executória, reverter a substituição<strong>da</strong>s reprimen<strong>da</strong>s privativas de liber<strong>da</strong>de por restritivas de direito, determina<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong>processo autônomo, na fase de cognição, sob fun<strong>da</strong>mento de o respectivo somatóriohaver ultrapassado o quantum de 4 anos’. (HC n° 2002.04.01.047779-0/SC – Rel. Des.Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado – j. 16.12.2002).Por fim, vale observar que eventual mu<strong>da</strong>nça no regime de cumprimento <strong>da</strong> penapoderá ensejar a aplicação do artigo 76 do Código Penal, bem como a adoção de medi<strong>da</strong>scapazes de manter a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> execução <strong>da</strong>s penas.Em face do exposto, esta agente do Ministério Público <strong>Federal</strong> opina pela concessão<strong>da</strong> ordem, mantendo-se as substituições e somando-se as penas restritivas para fins decumprimento simultâneo com a pena corporal em regime aberto”.Por estas razões, não posso concor<strong>da</strong>r com a decisão impugna<strong>da</strong>, queunificou as penas do paciente, na parte em que ela estabeleceu a conversãode to<strong>da</strong>s as três penas restritivas de direito do réu em penas privativasde liber<strong>da</strong>de, ao fun<strong>da</strong>mento de que ele não fora contemplado com talsubstituição em um quarto processo, incidindo na hipótese, sempresegundo a mesma decisão, o artigo 69, § 1º, do Código Penal.274R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


E não posso concor<strong>da</strong>r porque tal dispositivo diz respeito à aplicação<strong>da</strong> pena e não a unificações de penas, na fase <strong>da</strong> execução. Ademais, aregra em questão necessita ser interpreta<strong>da</strong> de molde a conciliar-se comas demais normas que tratam <strong>da</strong>s penas restritivas de direitos.Parece fora de dúvi<strong>da</strong> que se o juiz, ao sentenciar, aplicar ao acusadouma pena privativa de liber<strong>da</strong>de que seja incompatível com uma restritivade direito, esta não poderá ser simultaneamente aplica<strong>da</strong>. Há umaimpossibili<strong>da</strong>de lógica e é dela que se ocupa o artigo 69, § 1º, em tela.Entretanto, outra é a situação em que as penas aplica<strong>da</strong>s, além de o teremsido em processos diferentes, são compatíveis entre si, na medi<strong>da</strong> em quea pena privativa de liber<strong>da</strong>de foi estabeleci<strong>da</strong> para ser cumpri<strong>da</strong> em regimeaberto, o que permite o seu cumprimento de forma concilia<strong>da</strong> com as penasrestritivas de direitos.Não se está aqui afirmando que no processo de unificação de penasnunca se poderá agravar a situação dos condenados, como parecesustentar o parecer ministerial. O artigo 111 <strong>da</strong> Lei de ExecuçõesPenais, por exemplo, permite que <strong>da</strong> integração <strong>da</strong>s coisas julga<strong>da</strong>se <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s penas possa resultar uma alteração do regime do seucumprimento. Entretanto, tal não é o caso aqui presente, não só porquenão é possível somar penas de natureza diversa, como também porquea conversão efetua<strong>da</strong> pelo magistrado <strong>da</strong> execução não está autoriza<strong>da</strong>nem pelo Código Penal – como ele julgou que estivesse –, nem pelaLei de Execuções Penais; pelo menos na leitura que destes diplomasora se faz.Assim, não é necessário o exame <strong>da</strong>s demais questões trazi<strong>da</strong>s nestewrit para conceder ao paciente a liber<strong>da</strong>de pretendi<strong>da</strong> para cumpriras penas que foram impostas, pelo menos até o exame do seu agravoem execução, onde serão revisados os demais termos <strong>da</strong> decisão aquiimpugna<strong>da</strong>.Ao derradeiro, merece ser destacado que, em recente julgamento,esta c. 7ª Turma, ao confirmar decisão unificadora de penas deoutro condenado, Ricardo Sehbe, sócio do ora paciente, acolheu aargumentação de primeiro grau de somar as penas restritivas de direitos,sem convertê-las em privativas de liber<strong>da</strong>de durante o seu cumprimento(agravo em execução penal nº 2002.71.013786-0/RS, rel. Des. <strong>Federal</strong>Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa, unânime), em que pese não ter reconhecidoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 275


a existência de crime continuado.Ante isso, acolhendo as conclusões do parecer ministerial, concedo aordem, para que o paciente seja posto em liber<strong>da</strong>de, se por al não estiverpreso, e cumpra as penas na forma imposta nas decisões, ou seja, a penaprivativa de liber<strong>da</strong>de em regime aberto, concomitantemente com aspenas restritivas de direitos, pelo menos até o julgamento do seu agravoem execução penal.É o voto.HABEAS CORPUS Nº 2003.04.01.009689-0/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoImpetrante: Luiz Quadros de LimaImpetrado: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Vara <strong>Federal</strong> Criminal de NovoHamburgo/RSPaciente: C. L. M.EMENTAHabeas corpus. Trancamento de inquérito policial. Falsi<strong>da</strong>deideológica. Documento sujeito à fiscalização. Existência de prejuízo.1. Segundo pacífico entendimento de nossos Tribunais Superiores, otrancamento de inquérito policial por falta de justa causa, pela via estreitado writ, apenas se viabiliza em caráter excepcional, quando se constata,de pronto, a atipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta ou diante <strong>da</strong> inexistência do mínimoelemento indiciário demonstrativo <strong>da</strong> autoria do delito pelo paciente.2. A falsi<strong>da</strong>de ideológica – ain<strong>da</strong> que atribuí<strong>da</strong> a documento sujeito àfiscalização – não resta descaracteriza<strong>da</strong> quando a conferência <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de dosfatos declarados depender de futura investigação, não resultando, portanto,automática do confronto de <strong>da</strong>dos em poder <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de para a qual foiproduzi<strong>da</strong>. Precedente do e. STF.3. Tratando-se o falsum de crime formal, aperfeiçoa-se com a merapotenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lesão pretendi<strong>da</strong> pelo agente, sem que se cogite, paraa sua materiali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> ocorrência de efetivo prejuízo.ACÓRDÃO276R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Oitava Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório,voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.Porto Alegre, 9 de abril de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado: Cui<strong>da</strong>-se dehabeas corpus impetrado em favor de C. L. M., objetivando, em síntese,concessão de ordem liminar para trancamento do Inquérito Policial nº1013/02-SR-DPF-RS (Processo nº 2003.71.08.000381-8), instauradopara apurar a responsabili<strong>da</strong>de penal do paciente pela pretensa práticado crime tipificado no art. 299, caput, do CP, prevenindo-se, a um sótempo, os riscos de futura ação penal.Nos dizeres <strong>da</strong> vestibular (fl. 03):“(... ) no dia 14 de fevereiro de 2000, o paciente solicitou avaliação/empréstimo junto àCaixa Econômica <strong>Federal</strong>, agência de Três Coroas em nome <strong>da</strong> empresa L.T.C SistemasLt<strong>da</strong>. (...) ao preencher a ficha ca<strong>da</strong>stral omitiu sem dolo ou má-fé um débito para com aReceita <strong>Federal</strong>, pois que a seu juízo não estaria devendo porquanto o processo tramitaadministrativamente na Justiça”.Sustenta o impetrante ser patente a ilegali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> coação a que estásendo submetido o indiciado pela atipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta que lhe éatribuí<strong>da</strong>, porquanto não existe falso ideológico em documento sujeito àfiscalização, ao que acresce a ausência de <strong>da</strong>no, na espécie, imprescindívelà configuração do crime em comento.A liminar restou indeferi<strong>da</strong> às fls. 17/18.Após as informações presta<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de dita coatora, comdocumentação anexa (fls. 24/28), opinou a douta representante <strong>da</strong>Procuradoria <strong>da</strong> República, junto a esta Corte, pela denegação <strong>da</strong> ordem.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado: Comefeito, segundo os registros constantes no documento <strong>da</strong>s fls. 09/10, oinquérito policial (IPL nº 1013/02 – SR/DPF/RS) cujo an<strong>da</strong>mento seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 277


pretende trancar por meio deste habeas corpus, foi instaurado tendo porbase precedente Representação Fiscal formaliza<strong>da</strong> pela Delegacia <strong>da</strong>Receita <strong>Federal</strong> em Novo Hamburgo, a qual noticia a inserção de <strong>da</strong>dosfalsos na Declaração de Quitação de Tributos e de Contribuições Federaisapresenta<strong>da</strong> pelo paciente, junto à Caixa Econômica <strong>Federal</strong>, com o fitode obter vantagens em operações de crédito para pessoas jurídicas, vindoa acarretar prejuízo ao patrimônio ou ao interesse de empresa públicafederal, estando lastreado, também, no Memorando nº 107/2000 <strong>da</strong>ARF, Taquara/RS, de 20.03.2000, <strong>da</strong>ndo conta <strong>da</strong> respectiva condiçãode devedor do Imposto de Ren<strong>da</strong> Pessoa Física, apura<strong>da</strong> no processo nº13056.000066/00-98, do qual o contribuinte teve conhecimento.Por ocasião <strong>da</strong>s informações, acompanha<strong>da</strong>s de documentação anexa,a autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> teceu as seguintes ponderações, in verbis (fls.24/28):“(...) Com relação ao inquérito instaurado, o paciente declarou em 14.02.2000,perante a CAIXA, não possuir débito decorrente de tributos e contribuições federais.Porém tomou ciência de Auto de Infração (Imposto de Ren<strong>da</strong> Pessoa Física) em26.11.99, cujas cópias seguem anexas.Entendo, pois, que qualquer alegação de ausência de dolo ou má-fé é matéria a serdiscuti<strong>da</strong> na ação penal. Ademais, sendo o falso ideológico crime formal, o proveitoeventualmente obtido seria irrelevante para a consumação do delito, conforme jádecidiu esse <strong>Tribunal</strong>.”Pois bem, analisados os contornos na espécie, na<strong>da</strong> há a repararnas conclusões supra-expendi<strong>da</strong>s, eis que, de fato, segundo pacíficoentendimento de nossos Tribunais Superiores, o trancamento de inquéritopolicial por falta de justa causa, pela via estreita do writ, apenas seviabiliza em caráter excepcional, quando se constata, de pronto, aatipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta ou diante <strong>da</strong> inexistência do mínimo elementoindiciário demonstrativo <strong>da</strong> autoria do delito pelo paciente, circunstânciasestas não-configura<strong>da</strong>s no caso concreto, onde a alega<strong>da</strong> ausência dedolo, quanto à prática <strong>da</strong> conduta criminal imputa<strong>da</strong> a C. L. M., tornaindispensável o exame de provas, em sede de ampla cognição, inexistentena esfera man<strong>da</strong>mental.Ademais, ao contrário do que sustenta o impetrante, a falsi<strong>da</strong>deideológica – ain<strong>da</strong> que atribuí<strong>da</strong> a documento sujeito à fiscalização –não resta descaracteriza<strong>da</strong> quando a conferência <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de dos fatosdeclarados depender de futura investigação, não resultando, portanto,278R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


automática do confronto de <strong>da</strong>dos em poder <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de perante aqual foi produzi<strong>da</strong>.Por fim, tratando-se o falsum de crime formal, aperfeiçoa-se com amera potenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lesão pretendi<strong>da</strong> pelo agente, sem que se cogite,para a sua materiali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> ocorrência de efetivo prejuízo.Confira-se, a propósito dos temas em comento, julgado do e. STF,in verbis:“HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA A SER APURADA EMINQUÉRITO POLICIAL, QUE SE PRETENDE DEVA SER TRANCADO.Esta primeira Turma, ao julgar o HC 62874 (RTJ-115/166 e segs.), entendeuque ain<strong>da</strong> quando se admita que o documento sujeito a verificação não é hábil paraa configuração de falsi<strong>da</strong>de ideológica, isso só ocorreria ‘quando a ver<strong>da</strong>de, queo funcionário está adstrito a verificar, é apurável por meio de confronto objetivo econcomitante <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de, dispensando in<strong>da</strong>gação complexa e futura’, como tambémdecidiu esta Corte, por sua Segun<strong>da</strong> Turma, ao julgar o RE Criminal 93292 (RTJ 101/311e segs.), ‘para que se configure esse crime (o de falsi<strong>da</strong>de ideológica) não é mister aocorrência de <strong>da</strong>no efetivo, basta que se verifique a potenciali<strong>da</strong>de de um evento <strong>da</strong>noso’.Inexistência, pois, de razão para o trancamento do inquérito policial. Recursoordinário a que se nega provimento.” (RHC 67023/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ17.02.89, pág. 00411)Isso posto, voto pela denegação do presente habeas corpus.HABEAS CORPUS Nº 2003.04.01.009701-7/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> RosaImpetrante: Ricardo Ferreira BreierImpetrado: Procurador <strong>da</strong> República no Estado do Rio Grande do SulPacientes: J. M. B. T.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 279


280V. A. R.EMENTAPenal. Habeas corpus. Trancamento de inquérito policial. Coação nocurso do processo. Atipici<strong>da</strong>de. Supermercado autuado pela fiscalizaçãodo trabalho. Recurso administrativo substituído por representação aoMinistro do Trabalho. Fiscais agastados ofereceram notitia criminisao MPF. Elementos do tipo penal do art. 344 do CP inexistentes.Denunciação caluniosa não caracteriza<strong>da</strong>. Inquérito trancado. Ordemconcedi<strong>da</strong>.1. A empresa dos pacientes, que mantém um supermercado, admitiaempregados de fábricas de produtos, que vendiam as mercadorias emantinham obreiros com a finali<strong>da</strong>de de organizar e conservar a ordem<strong>da</strong>s prateleiras e a exposição dos bens postos à ven<strong>da</strong>. Ditos empregadosmantinham relação de emprego com os produtores, mas trabalhavamno supermercado. Diante disso, os fiscais do trabalho entenderam queos mesmos sustentavam relação de emprego com a empresa dona dosupermercado.2. Inconforma<strong>da</strong> com os três autos de infração lavrados pelafiscalização do trabalho, a empresa dos pacientes interpôs sua defesano âmbito administrativo. O processo correu e sobreveio decisão quemanteve as multas decorrentes <strong>da</strong> lavratura dos autos. Contra essa decisãonão recorreu a empresa porque, segundo alega, não quis se submeterao depósito exigido como condição de admissibili<strong>da</strong>de do recursoadministrativo. To<strong>da</strong>via, não se conformou com a situação e resolveufazer uma representação, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 06.08.2002 (fls. 26/36), ao Ministrodo Trabalho, postulando a anulação dos atos que impuseram as sançõespecuniárias e a punição dos fiscais.3. Estes, agastados pela representação contra si apresenta<strong>da</strong>, levaramao conhecimento do Ministério Público <strong>Federal</strong> a pretensa notitiacriminis, diante do que o órgão do parquet requisitou a instauração deinquérito policial, o que é objeto deste writ. Dito inquérito foi instauradoem virtude <strong>da</strong> prática do crime previsto no art. 344 do Código Penal:usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interessepróprio ou alheio, contra autori<strong>da</strong>de, parte, ou qualquer outra pessoaque funciona ou é chama<strong>da</strong> a intervir em processo judicial, policial ouR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


administrativo, ou em juízo arbitral.4. Se a representação resultou de uma postura indevi<strong>da</strong> <strong>da</strong> empresafiscaliza<strong>da</strong>, certamente ela não chegou a apresentar um perfil deviolência física ou moral, que é indispensável para se tipificar o art. 344do Código Penal. Por outro lado, o crime do citado dispositivo visa aproteger o normal an<strong>da</strong>mento do processo, a fim de haver uma decisãojusta e imparcial. O criminoso, em tal caso, tem por intenção desvirtuara ver<strong>da</strong>de, manipulando provas documentais, periciais ou testemunhais,com violência física ou moral (nunca com fraude), com isso obtendouma decisão basea<strong>da</strong> numa reali<strong>da</strong>de falsa. Tutela-se a regulari<strong>da</strong>de doprocesso. Ora, nunca se poderia pensar nesse delito se o fato imputadoé posterior ao fim do processo. Após o decurso do prazo para recorrer,estava findo o processo. A representação posteriormente dirigi<strong>da</strong> não teriapotenciali<strong>da</strong>de para causar prejuízo ao processo, que já se encontravaconcluído. Por isso a denominação que o Código Penal empresta ao crimeé coação no curso do processo.5. É atípica a conduta objeto <strong>da</strong> acusação. A empresa dos pacientes,indigna<strong>da</strong> com os autos de infração, representou contra os fiscaisresponsáveis pelos mesmos. Isso configura intimi<strong>da</strong>ção violenta nocurso do processo? Como se examinou, a resposta tem de ser negativa.Caracterizaria violenta frustração de direito dos empregados? Tambémnão, porque não houve violência e os obreiros mantinham vínculo com asempresas produtoras. Por fim, seria crime tributário? O dolo, na hipótese,claramente teria inexistido e sequer a configuração do tipo era possível,porque inocorrendo pagamento de salários não haveria fato imponívelpara as contribuições.6. Todo o contexto <strong>da</strong> situação fática, clara e simplesmente evidencia<strong>da</strong>nestes autos, mostra que a representação <strong>da</strong> empresa dos pacientes visoua substituir o recurso, não interposto por causa do valor do depósito.De outro lado, os fiscais, descontentes com os termos ofensivos <strong>da</strong>representação, resolveram pregar uma lição nos pacientes, ameaçandocom o gravame de instauração de um processo penal.7. Não procede a intenção do parquet de manter o inquérito policialque deveria prosseguir pelo art. 339 do Código Penal, e não pelo art. 344.A denunciação caluniosa contém um elemento do tipo que se expressado seguinte modo: imputando-lhe crime de que o sabe inocente. Qual oR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 281


sentido <strong>da</strong> regra? Tratando-se de crime em que o bem jurídico tuteladoé a Administração <strong>da</strong> Justiça, o que se pretende evitar com a normaextraordinária é evitar-se que o Poder Judiciário seja movimentado, deforma enganosa, por vingança.8. O delito pressupõe o dolo direto, ou seja, se o agente tem dúvi<strong>da</strong>sobre a configuração delituosa do fato imputado, é atípica a conduta.Assim, só existe o delito se o autor fantasia a reali<strong>da</strong>de, imputandoa alguém um fato que não ocorreu ou atribuindo-lhe a autoria de umfato criminoso existente que por tal pessoa não tenha sido causado. Éimputação de materiali<strong>da</strong>de ou de autoria falsas. Logo, o embuste integrao tipo. O indivíduo tem que encobrir a ver<strong>da</strong>de sobre a situação fática,conseguindo com isso a instauração do procedimento investigatório,porque se a reali<strong>da</strong>de fosse conheci<strong>da</strong> nenhum procedimento seriapromovido.9. No presente caso, to<strong>da</strong> a ação desenvolvi<strong>da</strong> pelos fiscais ficou clarana representação. Apenas o que ocorre é que ditos fiscais entendem quetal conduta é lícita, ao contrário dos pacientes. Na<strong>da</strong> foi falseado. Aextensão <strong>da</strong> situação fática não é controverti<strong>da</strong>. Agora, se essa condutados agentes públicos configura abuso de autori<strong>da</strong>de ou não, isso serádecidido pelo Ministro.10. Acaso procedente a interpretação <strong>da</strong> extensão dos efeitos do art. 339do Código Penal feita pelo MPF, parece claro que ninguém denunciaria aprática de crime algum, sob pena de responder por denunciação caluniosa.Não é ilícito <strong>da</strong>r motivo a uma investigação havendo indício de delito. Oilícito reside no fato de falsear a ver<strong>da</strong>de, fazendo com que se instaureum procedimento investigativo inútil, com prejuízo à Justiça. Não é ocaso dos autos, em que ninguém discute a ver<strong>da</strong>de dos fatos descritos narepresentação feita ao Ministro, havendo exclusivamente interpretaçãodiversa à luz do Direito.11. Inquérito policial trancado.12. Ordem concedi<strong>da</strong>.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Sétima Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por282R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


unanimi<strong>da</strong>de, conceder a ordem, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 22 de abril de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa: Trata-se dehabeas corpus impetrado por Ricardo Ferreira Breier em favor de J. M.B. T. e V. A. R. objetivando o trancamento de inquérito policial.Sustenta o impetrante ausência de justa causa para a instauração doinquérito policial, pois seria atípico o fato por falta dos elementos objetivoe subjetivo do art. 344 do CP; o inquérito não teria objeto, havendoconstrangimento ilegal por inexistir fumus boni juris para oferecimento<strong>da</strong> denúncia e desnecessi<strong>da</strong>de de inquérito para investigar fato atípico.Requer a concessão de liminar.Presta<strong>da</strong>s as informações às fls. 81/89.A liminar foi deferi<strong>da</strong>. (fls. 91/94)O agente do MPF opinou pela denegação <strong>da</strong> ordem. (fls. 98/110)É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa: A liminar foideferi<strong>da</strong> nos seguintes termos (fls. 91/94):“Os fatos vêm assim descritos na inicial (fl. 4):‘Entre os meses julho e setembro de 2001, auditores <strong>da</strong> Delegacia Fiscal doTrabalho – DRT/RS – no exercício de suas atribuições lavraram três autos de infraçãosob os números 0058873541 (fls. 31-34) Supermercado BIG – Sertório – Porto Alegre,005873550 (fls. 35-38) Supermercado BIG – Cristal – Porto Alegre e 004061471 (fls.39-41) Supermercado BIG – Cachoeirinha. Todos os supermercados pertencentes àempresa SONAE DISTRIBUIÇÃO BRASIL S/A.Entendendo que os referidos autos, no tocante a sua eficácia estruturalestaria eivado de nuli<strong>da</strong>des, foi que os pacientes, na quali<strong>da</strong>de de representantes<strong>da</strong> empresa SONAE, na época dos fatos, exercendo o Direito Constitucional(artigo 5º, inciso XXXIV, a) ingressaram com ação de ‘Representação com base noDireito de Petição’ procedimento este distribuído no Ministério do Trabalho sob o nº46010.001747/2002-37 – fls. 10-30, com o objetivo único e específico de interagira anulação do ato administrativo praticado pelos Auditores Fiscais <strong>da</strong> DelegaciaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 283


<strong>Regional</strong> do Trabalho e como conseqüência, pedido de instauração de sindicância, porentender que as autuações pelos ditos funcionários foram exerci<strong>da</strong>s de forma abusiva.’Alega o impetrante ausência de justa causa para a instauração do inquéritopolicial. Inicialmente, seria atípico o fato por falta dos elementos objetivo e subjetivodo art. 344 do CP. O inquérito, por outro lado, não teria objeto. Haveria, outrossim,constrangimento ilegal por inexistir fumus boni juris para oferecimento <strong>da</strong> denúncia.Por último, inexistiria necessi<strong>da</strong>de do inquérito para investigar fato atípico.Postula o impetrante o trancamento do inquérito policial.Passo a examinar o pedido de liminar.Um fato só pode ser investigado pela polícia se houver algum sinal que indique suasubsunção a um tipo penal. Não é possível investigar-se uma pessoa por uma situaçãofática que não possa configurar delito.No presente caso, como se viu, a empresa dos pacientes, que mantém umsupermercado, admitia empregados de fábricas de produtos, que vendiam as mercadoriase mantinham obreiros com a finali<strong>da</strong>de de organizar e conservar a ordem <strong>da</strong>s prateleirase a exposição dos bens postos à ven<strong>da</strong>.Ditos empregados mantinham relação de emprego com os produtores, mastrabalhavam no supermercado. Diante disso, os fiscais do trabalho entenderam queos mesmos sustentavam relação de emprego com a empresa dona do supermercado.Interessante essa constatação, porque se isso fosse assim tais trabalhadores teriammantido dois contratos de trabalho: com o produtor e com o vendedor.A empresa dos pacientes não se conformou com os três autos de infração lavradospela fiscalização do trabalho e interpôs sua defesa no âmbito administrativo. O processocorreu e sobreveio decisão que manteve as multas decorrentes <strong>da</strong> lavratura dos autos.Contra essa decisão não recorreu a empresa porque, segundo alega, não quis se submeterao depósito exigido como condição de admissibili<strong>da</strong>de do recurso administrativo.To<strong>da</strong>via, não se conformou com a situação e resolveu fazer uma representação, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong>de 06.08.2002 (fls. 26/36), ao Ministro do Trabalho, postulando a anulação dos atosque impuseram as sanções pecuniárias e a punição dos fiscais. Estes, agastados pelarepresentação contra si apresenta<strong>da</strong>, levaram ao conhecimento do Ministério Público<strong>Federal</strong> a pretensa notitia criminis, diante do que o órgão do parquet requisitou ainstauração de inquérito policial, o que é objeto deste writ.Dito inquérito foi instaurado em virtude <strong>da</strong> prática do crime previsto no art. 344 doCódigo Penal: usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interessepróprio ou alheio, contra autori<strong>da</strong>de, parte, ou qualquer outra pessoa que funcionaou é chama<strong>da</strong> a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou emjuízo arbitral. Referido crime consta do capítulo que disciplina os Crimes Contra aAdministração <strong>da</strong> Justiça. O bem jurídico tutelado é, pois, a regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestaçãode jurisdição ou exercício de ativi<strong>da</strong>de administrativa investigativa.284R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


O que se deve analisar é se estão presentes todos os elementos do tipo em apreçona relação de fato acima esclareci<strong>da</strong>.A violência <strong>da</strong> figura delituosa é a física (vias de fato, lesão, homicídio) ou moral(ameaça de mal grave). Evidentemente, agressão alguma existiu que comprometesse aintegri<strong>da</strong>de corporal dos fiscais. Teria se materializado, então, a violência moral? Pensoque não, porque ela se consubstancia pelo anúncio de mal grave, que possa comprometera integri<strong>da</strong>de corporal, a vi<strong>da</strong> ou a manutenção regular <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> pessoa ameaça<strong>da</strong>.Pedir a uma chefia a instauração de procedimento para punir os fiscais não chega amaterializar uma ameaça grave, ain<strong>da</strong> que pouco louvável tal comportamento. Estariamditos fiscais ver<strong>da</strong>deiramente intimi<strong>da</strong>dos ao ponto de sonegar a ver<strong>da</strong>de nos autos doprocesso administrativo por causa <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> representação? Logicamente que não.Nunca a representação teria eficácia para incutir medo nos servidores, motivando odescuido de seus misteres. Inútil a representação para modificar a situação consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>com o processo administrativo já julgado. É óbvio que a autori<strong>da</strong>de a quem seendereçou a representação haverá de arquivá-la, porque constitui seguramente umaforma de substituir o recurso administrativo, ou seja, maneira de recorrer <strong>da</strong> decisãoadministrativa sem fazer o depósito devido. Forma atípica mas ineficaz de buscaresvaziar a ativi<strong>da</strong>de fiscalizatória.Se a representação resultou de uma postura indevi<strong>da</strong> <strong>da</strong> empresa fiscaliza<strong>da</strong>,certamente ela não chegou a apresentar um perfil de violência física ou moral, que éindispensável para se tipificar o art. 344 do Código Penal.Por outro lado, o crime do citado dispositivo visa a proteger o normal an<strong>da</strong>mentodo processo, a fim de haver uma decisão justa e imparcial. O criminoso, em tal caso,tem por intenção desvirtuar a ver<strong>da</strong>de, manipulando provas documentais, periciais outestemunhais, com violência física ou moral (nunca com fraude), com isso obtendouma decisão basea<strong>da</strong> numa reali<strong>da</strong>de falsa. Tutela-se a regulari<strong>da</strong>de do processo. Ora,nunca se poderia pensar nesse delito se o fato imputado é posterior ao fim do processo.Após o decurso do prazo para recorrer, estava findo o processo. A representaçãoposteriormente dirigi<strong>da</strong> não teria potenciali<strong>da</strong>de para causar prejuízo ao processo, quejá se encontrava concluído. Por isso a denominação que o Código Penal empresta aocrime é coação no curso do processo.Registre-se que a imputação do crime previsto no art. 344 do CP foi feita narequisição do inquérito (fl. 19), na portaria que instaurou o mesmo (fl. 18) e nasinformações presta<strong>da</strong>s a este Relator (fl. 83).Entretanto, poderia argumentar-se que a capitulação feita em na<strong>da</strong> condiciona asinvestigações, porque outro crime poderia ter sido tipificado.Na peça de fl. 21 imputa-se, em ver<strong>da</strong>de, aos acusados a prática do crime previstono art. 203 do CP: frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pelalegislação do trabalho. Inicialmente, indispensável lembrar que a Justiça <strong>Federal</strong> sótem competência para julgar crimes coletivos do trabalho, não os delitos com vítimadetermina<strong>da</strong>, como seria a hipótese. De qualquer modo, volta à baila a discussão sobreR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 285


a existência de violência física ou moral que, como se viu, não pode ser identifica<strong>da</strong> naação imputa<strong>da</strong>. Caso incidisse o referido art. 203, em to<strong>da</strong>s as reclamações trabalhistasem que se postulasse reconhecimento de vínculo de emprego, a sentença de procedênciahaveria de ser remeti<strong>da</strong> ao Ministério Público para a persecutio criminis. O absurdoé evidente. O citado art. 203 do CP restringe-se a punir o ato violento do qual resultafrustração de direito trabalhista. Como identificar na ação <strong>da</strong> empresa dos pacientes talcomportamento, quando restringiu-se a manter empregados de outra pessoa jurídicaem seu estabelecimento, convicto <strong>da</strong> licitude laboral <strong>da</strong> relação?Também foi cogita<strong>da</strong> a incidência do art. 337-A do CP (fl. 21), consoante condutasdescritas nos três incisos. Quer dizer, haveria crime tributário, porque teria acontecidoomissão na folha de pagamento de segurado ou empregado, deixando de ser recolhi<strong>da</strong>a contribuição devi<strong>da</strong>, omitindo-se remunerações pagas. Ora, parece evidente aatipici<strong>da</strong>de no caso em exame. O crime em questão é doloso, deman<strong>da</strong> a ação final <strong>da</strong>supressão indevi<strong>da</strong> do tributo. Isso jamais se deu, sequer houve remuneração paga aalguém. O que os fiscais acusam é exatamente o fato de não ser reconhecido o contratoreali<strong>da</strong>de. Aí residiria o ilícito trabalhista. Decorre o raciocínio lógico que na<strong>da</strong> foipago aos empregados cujo vínculo laboral a fiscalização sustenta existir. Diante disso,não havendo fato gerador <strong>da</strong> contribuição, porque remuneração alguma foi paga, nãopode falar-se em supressão de tributo.Penso que é atípica a conduta objeto <strong>da</strong> acusação. A empresa dos pacientes, indigna<strong>da</strong>com os autos de infração, representou contra os fiscais responsáveis pelos mesmos. Issoconfigura intimi<strong>da</strong>ção violenta no curso do processo? Como se examinou, a respostatem de ser negativa. Caracterizaria violenta frustração de direito dos empregados?Também não, porque não houve violência e os obreiros mantinham vínculo com asempresas produtoras. Por fim, seria crime tributário? O dolo, na hipótese, claramente286R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


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288R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.112163-4/RSRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alexandre Rossato <strong>da</strong> Silva ÁvilaRelator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira doValle PereiraApelante: Marcia Helena Albuquerque <strong>da</strong> SilvaAdvogados: Drs. Jorge Ferreira Porto e outrosApelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Nara Rodrigues GaubertApelados: (Os mesmos)Remetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> 2ª Vara <strong>Federal</strong> de Rio Grande/RSEMENTAPrevidenciário. Pensão por morte. Menor sob guar<strong>da</strong> de fato do avô.Direito à pensão.1. A nova re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 9.528/97 ao parágrafo 2º do art.16 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 não teve o efeito de excluir o menor sob guar<strong>da</strong>do rol de dependentes previdenciários, pois a guar<strong>da</strong>, nos termos doartigo 33 do ECA, ain<strong>da</strong> vigente, confere à criança e ao adolescente acondição de dependente para todos os fins e efeitos de direito, inclusiveprevidenciários.2. É possível o reconhecimento do direito à pensão, ain<strong>da</strong> que nãoformaliza<strong>da</strong> a guar<strong>da</strong> judicial, se comprovado que de fato o menor estavaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 289


sob a guar<strong>da</strong> do avô no período que antecedeu ao óbito.3. Na vigência do artigo 74 <strong>da</strong> Lei 8.213/91, em sua re<strong>da</strong>ção original,a pensão é devi<strong>da</strong> desde a <strong>da</strong>ta do óbito.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Quinta Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,<strong>da</strong>r provimento ao recurso <strong>da</strong> parte autora e negar provimento ao apelodo INSS e à remessa oficial, vencido o Relator, nos termos do relatório,voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 25 de junho de 2003.Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator p/Acórdão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alexandre Rossato <strong>da</strong> Silva Ávila: MárciaHelena Albuquerque <strong>da</strong> Silva, menor impúbere, representa<strong>da</strong> por seupai, Jair Hugo <strong>da</strong> Silva, ajuizou a presente ação ordinária em face doInstituto Nacional de Seguro Social, com o intuito de ver declarado seudireito ao benefício de pensão decorrente <strong>da</strong> morte de seu avô, ElisioClarimundo <strong>da</strong> Silva, cujo óbito se deu em 06.12.96. Mencionou quedependia economicamente do avô e, apesar de constar como dependentedesigna<strong>da</strong> deste junto ao INSS, viu seu pedido administrativo indeferido,sob o argumento de que com o advento <strong>da</strong> Lei nº 9.032/95 a requerentedeixou de fazer parte do rol de dependentes dos segurados.Às fls. 72/74 foi pedi<strong>da</strong> antecipação de tutela, que restou indeferi<strong>da</strong>.(fl. 76)Após a regular instrução do feito, julgou-se parcialmente procedente opedido, condenando o INSS a conceder o benefício de pensão por morteà autora, a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do requerimento administrativo (06.01.98).As parcelas em atraso deveriam ser atualiza<strong>da</strong>s monetariamente, desdeo respectivo vencimento, na forma <strong>da</strong> Lei nº 6.899/81, e acresci<strong>da</strong>s dejuros de mora de 6% ao ano, a partir <strong>da</strong> citação. Incumbiu ao INSS,ain<strong>da</strong>, o pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobreas parcelas venci<strong>da</strong>s. A deman<strong>da</strong> era isenta de custas.Apelou a autora, sustentando que o benefício deve ter o marco inicial290R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


fixado à <strong>da</strong>ta do óbito, considerando a letra do art. 169, I, do Código Civil.Irresignado, apelou também o INSS, defendendo que o avô <strong>da</strong>requerente faleceu em 1996, após a edição <strong>da</strong> Lei nº 9.032/95, que alterouas disposições acerca dos dependentes dos segurados <strong>da</strong> PrevidênciaSocial. Referiu que inexiste direito adquirido antes do óbito e que,segundo o novo dispositivo legal, somente pode ser dependente o enteadoou o menor tutelado que comprovar dependência econômica do segurado,hipóteses nas quais não se enquadra a autora, pelo que não faz jus aobenefício de pensão.Com as contra-razões do réu, subiram os autos, inclusive por força<strong>da</strong> remessa oficial.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo provimento do recurso<strong>da</strong> autora e pelo não-provimento do apelo interposto pelo INSS. (fls.153/159)À revisão.VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alexandre Rossato <strong>da</strong> Silva Ávila: Obenefício de pensão por morte pleiteado pela autora, de acordo com a Leinº 8.213/91, requer a observância dos seguintes requisitos: manutenção<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de segurado, à <strong>da</strong>ta do óbito, por parte de quem mantinhao dependente, a condição de dependente por parte do requerente e acomprovação <strong>da</strong> dependência econômica, se for o caso.Na hipótese dos autos, a quali<strong>da</strong>de de segurado do de cujus éinquestionável, já que este se encontrava aposentado desde 1978. (fls.09 e 51)A discussão repousa, porém, sobre a condição <strong>da</strong> autora de dependentedo falecido, que era o seu avô.A análise do documento de fl. 62 demonstra que a deman<strong>da</strong>nte foidesigna<strong>da</strong> como dependente de seu avô em 08.10.93, quando o art. 16<strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 tinha a seguinte re<strong>da</strong>ção:“Art. 16 – São beneficiários do Regime de Previdência Social, na condição dedependentes do segurado:I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menorde 21 anos ou inválido;II – os pais;III – o irmão, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido;R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 291


IV – a pessoa designa<strong>da</strong>, menor de 21 anos ou maior de 60 anos ou inváli<strong>da</strong>.”Ocorre que, com o advento <strong>da</strong> Lei nº 9.032/95, o inciso IV do referidoartigo foi expressamente revogado, retirando do rol dos dependentesdos segurados <strong>da</strong> Previdência Social os dependentes expressamentedesignados, como era o caso <strong>da</strong> autora.Para fins previdenciários, é a morte do segurado que gera odireito à pensão aos dependentes. Assim, a outorga do benefícioperseguido deve obedecer à legislação vigente à época <strong>da</strong>circunstância fática autorizadora do pagamento do benefício, qualseja, a morte do segurado.Neste sentido, colaciono o seguinte precedente do Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça:“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS LEGAIS.LEGISLAÇÃO VIGENTE. PESSOA DESIGNADA. LEI 9.032/95. EXCLUSÃO.A pensão por morte é devi<strong>da</strong> aos dependentes do segurado falecido, aposentadosou não, e sua concessão deve observar os requisitos previstos na legislação vigente aotempo do evento <strong>da</strong> morte ou <strong>da</strong> decisão judicial, em se tratando de morte presumi<strong>da</strong>.(...)” (REsp 189.718/RN, DJ 05.04.99, Min. Vicente Leal)Segundo informa o documento de fl. 08, o avô <strong>da</strong> autora faleceu em06.12.96, já sob a égide <strong>da</strong> nova lei que excluiu o menor designado doelenco de dependentes-beneficiários.Logo, conclui-se que não há direito adquirido à pensão do menordesignado como dependente quando o óbito do segurado é posterior à <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> Lei 9.032/95, a qual excluiu a pessoa designa<strong>da</strong> do rol de dependentes.Este é o entendimento jurisprudencial:“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO PORMORTE. DEPENDENTE DESIGNADA ANTES DO ADVENTO DA LEI 9.032/95.AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO.O fato gerador para a concessão <strong>da</strong> pensão por morte é o óbito do segurado instituidordo benefício. A pensão deve ser concedi<strong>da</strong> com base na legislação vigente à época <strong>da</strong>ocorrência do óbito.Falecido o segurado sob a égide <strong>da</strong> Lei 9.032/95, não há direito adquirido ao dependentedesignado anteriormente, na conformi<strong>da</strong>de do inciso revogado, que colocara a pessoadesigna<strong>da</strong> no rol dos beneficiários previdenciários na condição de dependentes.(...)”. (EDREsp 190.193/RN J. 14.06.2000, Min. Jorge Scartezzini)Neste contexto, a designação <strong>da</strong> autora como dependente de seu292 avô revelou apenas uma expectativa de direito produzi<strong>da</strong> em face <strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


disciplina legal vigente àquela época, não garantindo o benefício <strong>da</strong>pensão. Como diz Orlando Gomes, “(...) quem tem simples expectativanão é titular do direito em formação”. (in Introdução do Direito Civil.7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p.109)Assim, o pedido deve ser julgado improcedente, condenando-se aautora no pagamento dos honorários advocatícios, que arbitro em R$200,00 (duzentos reais), a teor do art. 20, § 4º, do CPC.Isto posto, voto no sentido de <strong>da</strong>r provimento à apelação do INSS eà remessa oficial, considerando prejudica<strong>da</strong> a apelação <strong>da</strong> autora, a fimde julgar improcedente o pedido.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Trata-sede remessa oficial e apelações interpostas contra sentença que condenouo INSS a conceder à autora o benefício de pensão por morte do avô, que adesignara dependente perante o Instituto, a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do requerimentoadministrativo (06.01.98).O eminente Relator, considerando que a Lei 9.032/95 revogouexpressamente o inciso IV do art. 16 <strong>da</strong> Lei 8.213/91, retirando do rol dosdependentes dos segurados a pessoa designa<strong>da</strong>, e que o óbito do avô <strong>da</strong>autora ocorreu após a menciona<strong>da</strong> alteração legislativa, deu provimentoao apelo do INSS e à remessa oficial, para julgar improcedente a ação,e julgou prejudicado o apelo <strong>da</strong> parte autora.Peço vênia para divergir.Primeiramente, registro que o fato de ter havido designação antes <strong>da</strong>alteração legislativa realmente não caracteriza direito adquirido à pensão.Assim sendo, tendo o óbito ocorrido após a alteração do art. 16 <strong>da</strong> Leide Benefícios, a simples condição <strong>da</strong> autora de designa<strong>da</strong> se mostraria,em princípio, irrelevante, conforme jurisprudência do Egrégio STJ, deque é exemplo o seguinte acórdão:“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR DESIGNADAANTES DO ADVENTO DA LEI 9.032/95. PERDA LEGAL DA QUALIDADE DEDEPENDENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. 1. A simples indicaçãopela segura<strong>da</strong> de dependente, para fins de percepção <strong>da</strong> pensão por morte, não importao direito <strong>da</strong> pessoa designa<strong>da</strong> ao recebimento do benefício, se não preenchidos osrequisitos legais exigidos à época do óbito. 2. Indica<strong>da</strong> a menor como dependente deservidor na vigência <strong>da</strong> Lei 8.213/91, e perdi<strong>da</strong> essa condição com o advento <strong>da</strong> LeiR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 293


9.032/95, não há que se conceder o benefício de pensão por morte ocorri<strong>da</strong> na vigência<strong>da</strong> lei superveniente, com base exclusivamente nesta designação. Ausência de direitoadquirido. 3. Recurso não provido.” (Quinta Turma, REsp 236382/PE, julgado em11.04.2000, DJ 22.05.2000, Relator Min. Edson Vidigal)No caso em apreço, to<strong>da</strong>via, as provas documental e testemunhalevidenciam a situação de dependência <strong>da</strong> autora em relação ao falecidoavô, de modo a comprovar que, na ver<strong>da</strong>de, ele exercia a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong>menor, embora não formaliza<strong>da</strong> por meio de decisão judicial, o que, dequalquer sorte, não desnatura aquele instituto.O art. 16 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelas Leis n os 9.032/95e 9.528/97, elenca quem são os beneficiários <strong>da</strong> Previdência Social nacondição de dependentes, em tais termos:“Art. 16 – São beneficiários do Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social, na condiçãode dependentes do segurado:I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquercondição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;II – os pais;III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um)anos ou inválido.”Já o § 2º, na re<strong>da</strong>ção empresta<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528/97, prevê:“O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração dosegurado e desde que comprova<strong>da</strong> a dependência econômica na forma estabeleci<strong>da</strong>no Regulamento.”A re<strong>da</strong>ção original do § 2º era assim:“§ 2º - Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração dosegurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob sua guar<strong>da</strong>;e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o própriosustento e educação.” (grifei)Esta Egrégia 5ª Turma vem manifestando o entendimento de que, adespeito de excluído do rol apresentado no supra transcrito art. 16 <strong>da</strong> Leide Benefícios, manteve o menor sob guar<strong>da</strong> sua condição de dependenteprevidenciário, em face do que dispõe o art. 33 do Estatuto <strong>da</strong> Criançae do Adolescente, Lei 8.069/90 (AC 2001.04.01.059179-9, Rel. Des.<strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJ 28.08.2002, p. 805) :“Art. 33. A guar<strong>da</strong> obriga à prestação de assistência material, moral e educacional294R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros,inclusive aos pais.§ 1º A guar<strong>da</strong> destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferi<strong>da</strong>, liminar ouincidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guar<strong>da</strong>, fora dos casos de tutela e adoção,para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável,podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.§ 3º A guar<strong>da</strong> confere à criança ou adolescente a condição de dependente, paratodos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciário.” (os grifos são meus)Ain<strong>da</strong> que tenha havido a exclusão <strong>da</strong> figura do menor sob guar<strong>da</strong><strong>da</strong> letra do art. 16 <strong>da</strong> Lei de Benefícios, é de ver-se que o parágrafo 3ºdo art. 33 do ECA, não tendo sido expressamente revogado, está emplena vigência e manteve a dependência previdenciária para o menorsob guar<strong>da</strong>.O que a nova re<strong>da</strong>ção do art. 16, <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei 9.528/97, fez, na ver<strong>da</strong>de,foi separar figuras que, anteriormente, recebiam tratamento idêntico, adespeito <strong>da</strong>s marca<strong>da</strong>s diferenças que apresentam. Explica-se: a antigare<strong>da</strong>ção do § 2º do art. 16 equiparava a filho, nas condições do incisoI (ou seja, com presunção de dependência econômica), além do menorsob guar<strong>da</strong>, o enteado e o menor tutelado. A novel letra desse parágrafo,ao retirar a figura do menor sob guar<strong>da</strong> e manter apenas a do enteado edo menor tutelado, exigindo-lhes agora a comprovação <strong>da</strong> dependênciaeconômica, não fez mais que evidenciar o fato de que, enquanto o menortutelado e o enteado não necessariamente são pessoas dependentes doponto de vista financeiro, podendo ser detentoras de patrimônio em bensou dinheiro, fruto de herança ou <strong>da</strong> condição pessoal de seus ascendentes(e por isso são tutelados), o menor sob guar<strong>da</strong>, necessariamente, só vestetal condição por necessitar a prestação de assistência material, morale educacional, vale dizer, tal qual como os filhos. Não poderia, pois,receber tratamento diferente <strong>da</strong>quele <strong>da</strong>do a estes, pelo que deixou de serdisciplina<strong>da</strong> sua situação na lei previdenciária, permanecendo, to<strong>da</strong>via,a disciplina do art. 33 do ECA.Acerca <strong>da</strong> questão ora discuti<strong>da</strong>, é esclarecedora a obra de DanielMachado <strong>da</strong> Rocha e José Paulo Baltazar Júnior (Comentários à Lei deBenefícios <strong>da</strong> Previdência Social, Livraria do Advogado Editora, Esmafe-RS, p. 80/81):“5. Equiparados a filhoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 295


O § 2º do artigo 16, em sua re<strong>da</strong>ção originária, equiparava a filho o enteado, omenor sob guar<strong>da</strong> e o menor sob tutela do segurado. Enteado é o filho do cônjuge oucompanheiro com terceiro, mas que convive com o segurado.A guar<strong>da</strong>, nos termos dos artigos 33 e seguintes do Estatuto <strong>da</strong> Criança e doAdolescente (Lei nº 8.069, de 13.07.90) é uma <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de colocação emfamília substituta, ao lado <strong>da</strong> tutela e <strong>da</strong> adoção. Segundo o artigo 33, ‘A guar<strong>da</strong> obrigaà prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente,conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.’ (caput);destinando-se, principalmente, a regularizar a posse de fato (§ 1º), e conferindo àcriança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito,inclusive previdenciários (§ 3º). Em virtude desse dispositivo do ECA, temos que anova re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> ao § 2º do artigo 16 pela Lei nº 9.528/97, cuja origem remonta aMedi<strong>da</strong> Provisória nº 1.523/96, não teve o efeito de excluir o menor sob guar<strong>da</strong> do rolde dependentes previdenciários.A tutela é outra mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de colocação em família substituta, destinando-seprincipalmente à preservação dos bens do órfão. Nos termos do parágrafo únicodo artigo 36 do ECA pressupõe a prévia decretação <strong>da</strong> per<strong>da</strong> ou suspensão do pátriopoder e implica necessariamente o dever de guar<strong>da</strong>. Como se vê, a tutela é um plus emrelação à guar<strong>da</strong>, já que esta não requer a per<strong>da</strong> do pátrio poder.” (grifei)No caso dos autos, as testemunhas inquiri<strong>da</strong>s (fls. 47/49)esclareceram que a autora foi cria<strong>da</strong> pelo avô até a <strong>da</strong>ta do falecimentodeste. Os documentos de fls. 12/15 demonstram que o avô era o seuresponsável junto à escola. A autora foi designa<strong>da</strong> como dependentepelo avô (fl. 62), e este mantinha uma conta de poupança em conjuntocom ela (fl. 65). Como visto, restou demonstrado que de fato o avô erao guardião <strong>da</strong> autora, conquanto a guar<strong>da</strong> não estivesse regulariza<strong>da</strong>judicialmente. Em tais situações, o mero formalismo deve cederà reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, de modo a reconhecer-se a guar<strong>da</strong> de fato e,conseqüentemente, o direito à pensão.Nessa linha, trago à colação julgado desta Corte:“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE AVÓ. (ARTS. 47 DA CLPS E14, PARÁGRAFO 1 DO DECRETO 83.080/79). TERMO INICIAL. A NETA TEMDIREITO DE RECEBER A PENSÃO DEIXADA POR SUA AVÓ, MESMO QUENÃO INSCRITA COMO DEPENDENTE PERANTE A PREVIDÊNCIA SOCIAL,SE FICAR DEMONSTRADO QUE VIVIA SOB A GUARDA, DE FATO, DE SUAASCENDENTE E DELA DEPENDIA DIRETAMENTE.” (Primeira Turma, AC nº9104003349/SC, julga<strong>da</strong> em 12.08.93, DJ 29.09.93, Rel. Juiz Vladimir Freitas)Deve, portanto, ser improvido o recurso do INSS, mantendo-se a296R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


sentença que concedeu à autora pensão por morte do avô.De outra ban<strong>da</strong>, o recurso <strong>da</strong> parte autora pretendendo que o marcoinicial do benefício seja fixado à <strong>da</strong>ta do óbito merece guari<strong>da</strong>, umavez que o óbito ocorreu antes <strong>da</strong> alteração do art. 74 <strong>da</strong> Lei 8.213/91,promovi<strong>da</strong> pela Lei 9.528/97.Ante o exposto, com a devi<strong>da</strong> vênia do eminente Relator, negoprovimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e dou provimento aoapelo <strong>da</strong> parte autora, para fixar o termo inicial <strong>da</strong> pensão à <strong>da</strong>ta do óbito(06.12.96).É o voto.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.136558-4/SCRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alexandre Rossato <strong>da</strong> Silva ÁvilaRelator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramosde OliveiraApelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Yara Elenice Loitey BergaminiApela<strong>da</strong>: Apareci<strong>da</strong> Lino <strong>da</strong> SilvaAdvogado: Dr. Jackson Luiz SpellmeierEMENTAPrevidenciário – Pensão por morte do marido – Trabalhador rural– Bóia-fria.1 – É inadequado classificar-se o “bóia-fria” como prestador de serviçoseventuais e, assim, incluí-lo entre os contribuintes individuais, uma vez que,sabi<strong>da</strong>mente, seu trabalho insere-se nas ativi<strong>da</strong>des-fins <strong>da</strong> empresa agrícola.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 297


A instituição do “bóia-fria” na<strong>da</strong> mais é que um arranjo para burlar osdireitos trabalhistas e previdenciários <strong>da</strong>s massas de trabalhadores rurais, eseu surgimento coincide, significativamente, com a implantação do “Estatutodo Trabalhador Rural”.2 – O Egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça reconhece ao bóia-fria acondição de trabalhador rural assalariado, na medi<strong>da</strong> em que lhe confereo direito à aposentadoria sem exigência do recolhimento de contribuições,além de admitir até mesmo a prova exclusivamente testemunhal dessacondição.3 – Prova<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de do falecido como trabalhador rural, quebasta para caracterizar sua condição de segurado, a viúva tem direito aobenefício de pensão por morte.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Quinta Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,não conhecer <strong>da</strong> remessa oficial, <strong>da</strong>r parcial provimento à apelação e,de ofício, explicitar os índices de correção monetária incidentes sobrea condenação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 6 de março de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator p/Acórdão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alexandre Rossato <strong>da</strong> Silva Ávila: Apareci<strong>da</strong>Lino <strong>da</strong> Silva ingressou com a presente ação ordinária, objetivando aconcessão do benefício de pensão em decorrência <strong>da</strong> morte de seu esposo,Dogello Lino <strong>da</strong> Silva, que trabalhava como “bóia-fria” e faleceu em21.03.99. Mencionou que a Autarquia indeferiu o pedido administrativoformulado em 21.07.99, sob o argumento de que não havia comprovantes<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> pelo de cujus.Após a regular instrução do feito, julgou-se procedente o pedido,condenando o INSS a conceder o benefício de pensão por morte à autora,desde a <strong>da</strong>ta do óbito (21.03.99). As parcelas em atraso deveriam sercorrigi<strong>da</strong>s monetariamente, a contar do respectivo vencimento, nos termos<strong>da</strong> Súmula 148 do STJ, e acresci<strong>da</strong>s de juros de 6% ao ano, computados298R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


mensalmente, devendo o adimplemento se <strong>da</strong>r em parcela única. Incumbiuao réu, ain<strong>da</strong>, o pagamento <strong>da</strong>s despesas processuais e dos honoráriosadvocatícios, fixados estes em 10% sobre as parcelas venci<strong>da</strong>s, de acordocom a Súmula 111 do STJ.Inconformado, apelou o INSS, aduzindo que a autora não tem direitoao benefício pleiteado, já que não há nos autos prova material do trabalhoagrícola do marido. Defendeu, ain<strong>da</strong>, que a correção monetária <strong>da</strong>sparcelas deve se <strong>da</strong>r a partir do ajuizamento <strong>da</strong> ação, conforme dispõe o §2º do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 6.899/81. Insurgiu-se, por fim, contra o pagamentode custas processuais, alegando serem devi<strong>da</strong>s pela metade.Sem contra-razões do autor, subiram os autos.À revisão.VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alexandre Rossato <strong>da</strong> Silva Ávila: Como a r.decisão foi proferi<strong>da</strong> em agosto de 2000, considero interposta a remessaoficial, na forma <strong>da</strong> Lei 9.469/97.A concessão do benefício de pensão por morte, à luz do disposto naLei nº 8.213/91, requer, de plano, a análise <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de seguradodo marido <strong>da</strong> requerente à <strong>da</strong>ta do óbito.Pelo que se infere dos elementos constantes no bojo dos autos, ofalecido era trabalhador rural que prestava serviços de natureza agrícola,temporariamente, sem vínculo empregatício, denominado “bóia-fria”.Sob a ótica do custeio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, o trabalhador rural “bóiafria”nunca foi considerado segurado empregado.Na re<strong>da</strong>ção original, o art. 12, IV, alínea a, <strong>da</strong> Lei 8.212/91, enquadravacomo trabalhador autônomo “quem presta serviço de natureza urbanaou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação deemprego”.Atualmente, quem presta serviço de natureza urbana ou rural, emcaráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, éconsiderado contribuinte individual. (art. 12, V, g, <strong>da</strong> Lei 8.212/91)O trabalhador rural “bóia-fria” também não pode ser confundido como empregado rural e nem com o segurado especial.O empregado rural é aquele que presta serviço de natureza rural àempresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e medianteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 299


emuneração (art. 12, I, a, <strong>da</strong> Lei 8.212/91). Em conseqüência, ele estásujeito à contribuição previdenciária entre 8% a 11% sobre o respectivosalário-de-contribuição (art. 20 <strong>da</strong> LCP), enquanto que a empresacontratante também estará sujeita à contribuição de 20% sobre o total<strong>da</strong> remuneração para ele paga, devi<strong>da</strong> ou credita<strong>da</strong>. (art. 22, I, <strong>da</strong> LCP)O segurado especial rural, nos termos do art. 12, VII, <strong>da</strong> Lei 8.212/91,é aquele produtor que exerce sua ativi<strong>da</strong>de individualmente ou em regimede economia familiar, ain<strong>da</strong> que contando com o auxílio eventual deterceiros, seu respectivo cônjuge ou filhos maiores de 14 anos, bastandoque seja comprovado o trabalho com o grupo familiar respectivo. Oregime de economia familiar, conforme preceitua a lei, caracteriza-sequando as li<strong>da</strong>s agrícolas são indispensáveis à própria subsistência eexerci<strong>da</strong>s em condições de mútua dependência e colaboração. Esseregime é marcado por um requisito: não pode haver a utilização deempregados. (art. 12, §1°)O segurado especial é considerado contribuinte obrigatório e devepagar a contribuição previdenciária com base em um percentual <strong>da</strong>comercialização <strong>da</strong> sua produção, nos termos do art. 25, I, <strong>da</strong> Lei8.212/91. Com isto, terá direito à aposentadoria por i<strong>da</strong>de, por invalidez,auxílio-doença, auxílio-reclusão ou pensão, no valor de um saláriomínimo, desde que atendidos os requisitos do art. 39, I, <strong>da</strong> Lei 8.213/91.Para fazer jus à aposentadoria por tempo de serviço, ele deverá recolheras contribuições previdenciárias como facultativo. (art. 39, II, <strong>da</strong> Lei8.213/91)O trabalhador rural “bóia-fria”, como dito, era considerado comoautônomo desde a edição <strong>da</strong> Lei 8.212/91. Ou seja, a formação <strong>da</strong> relaçãojurídica previdenciária necessariamente dependeria <strong>da</strong> sua inscriçãojunto à Previdência Social, bem como do recolhimento <strong>da</strong>s respectivascontribuições previdenciárias, no percentual de 20% sobre o respectivosalário-de-contribuição. (art. 28, III, <strong>da</strong> Lei 8.212/91)Quer dizer, sob a ótica do custeio <strong>da</strong> Previdência Social e, considerandoque a Constituição <strong>Federal</strong> determina que nenhum benefício <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>desocial pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fontede custeio (art. 195, §5°), o trabalhador rural “bóia-fria” não mantémvínculo com a Previdência Social se não efetuar o próprio recolhimento<strong>da</strong>s suas contribuições previdenciárias.Ain<strong>da</strong> que a pensão aos dependentes indepen<strong>da</strong> de carência, antes300R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


disso é necessária a vinculação jurídica do segurado à Previdência Social.Como visto, este vínculo não se forma se não tiver havido o recolhimento<strong>da</strong>s contribuições previdenciárias.É importante frisar que, anteriormente à unificação dos regimesprevidenciários urbano e rural, ocorri<strong>da</strong> em 1991, não havia participaçãodireta do trabalhador rural no custeio de seus futuros benefícios, pelo quenão se exigia a comprovação do recolhimento de contribuição social.Por isto, excepcionalmente o art. 143 <strong>da</strong> Lei 8.213/91 permitiu aconcessão, a todos os trabalhadores rurais, <strong>da</strong> aposentadoria por i<strong>da</strong>de,no valor de um salário mínimo, desde que comprovado o exercício deativi<strong>da</strong>de rural, ain<strong>da</strong> que descontínua, no período imediatamente anteriorao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carênciado referido benefício.Porém, no caso dos autos, o óbito do marido <strong>da</strong> autora ocorreu em21.03.99 (fl. 11), quando ele contava com 50 anos de i<strong>da</strong>de, não tendoimplementado o requisito etário para que fizesse jus à aposentadoriarural, fato que poderia ensejar a pensão aos dependentes.Desta forma, ausente o pressuposto essencial à concessão do benefíciopleiteado, qual seja, a manutenção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de segurado à <strong>da</strong>ta dofalecimento, a autora não faz jus ao benefício de pensão por morte.As custas processuais e os honorários advocatícios, fixados estes em10% sobre o valor atualizado <strong>da</strong> causa, são devi<strong>da</strong>s pela autora.A exigibili<strong>da</strong>de de ambos deverá atender o disposto no art. 12 <strong>da</strong> Lei1.060/50.Isso posto, voto no sentido de <strong>da</strong>r provimento à remessa oficial e àapelação do INSS, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira:1 – De início, observo que a sentença condenou o INSS a concederà autora pensão no valor de um salário mínimo, a partir de 21.03.99.Publica<strong>da</strong> em 07.08.2000, encontravam-se venci<strong>da</strong>s, até então, 16parcelas de um salário mínimo. Soma<strong>da</strong>s mais doze vincen<strong>da</strong>s, teríamosuma condenação correspondente a 28 salários mínimos. De conformi<strong>da</strong>decom o art. 475, § 2º, do CPC, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.352,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 301


de 26.12.2001, não cabe remessa oficial “sempre que a condenação, ouo direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta)salários mínimos”. Conseqüentemente, voto, preliminarmente, nãoconhecendo <strong>da</strong> remessa.2 – No mérito, trata-se de ação proposta por viúva de trabalhadorrural, postulando lhe seja concedi<strong>da</strong> pensão por morte, benefício que lhefoi negado porque “o segurado não possui comprovantes de ativi<strong>da</strong>de,não possui inscrição junto ao INSS” (fl. 10). A sentença, tendo comocomprova<strong>da</strong> a condição de rurícola do falecido, julgou procedente aação. O voto do ilustre Relator dá provimento ao apelo e à remessa,argumentando que o “bóia-fria”, segundo a ótica do custeio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>deSocial, nunca foi considerado empregado, e sim contribuinte individual(art. 12, V, g, <strong>da</strong> Lei 8.212/91), sujeito à contribuição previdenciária de8 a 12% sobre o respectivo salário-de-contribuição (art. 20, idem), além<strong>da</strong> contribuição devi<strong>da</strong> pela empresa para a qual prestar serviços (art.22, I, ibidem). Ausentes tais contribuições, faltar-lhe-ia a condição desegurado, sem a qual não geraria direito à pensão para seus dependentes.3 – A premissa desse voto assenta no art. 12, V, g, <strong>da</strong> Lei de Custeio(L. 8.212/91), que, em sua atual re<strong>da</strong>ção, conceitua como “contribuinteindividual” quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em carátereventual, a uma ou mais empresas, “sem relação de emprego”. Daí tiraque o trabalhador rural “avulso”, “volante”, ou “bóia-fria”, não mantendovínculo permanente com o empregador, estaria enquadrado nessacategoria, sendo, portanto, contribuinte obrigatório <strong>da</strong> Previdência Social.Há aí um equívoco. O trabalhador enquadrado nessa hipótese éaquele que presta serviço em caráter eventual. O que o desqualificacomo assalariado não é a freqüência com que presta os serviços a ummesmo empregador, e sim a natureza desses serviços, sua eventuali<strong>da</strong>de.E, por eventual, têm-se os serviços que não são próprios <strong>da</strong> empresae que, assim, não exigem a manutenção permanente de trabalhadorespara prestá-los. Seria o caso, por exemplo, de serviços de eletricistanuma escola, ou de encanador em uma empresa jornalística, ou de ummecânico numa pequena proprie<strong>da</strong>de agrícola. Não é, porém, o casodos serviços de tombamento <strong>da</strong> terra, de capina, de colheita e de outras302R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


ativi<strong>da</strong>des essenciais à empresa agrícola: ain<strong>da</strong> que para sua realizaçãosejam contratados trabalhadores temporários, serão eles assalariadostípicos. A jurisprudência trabalhista bem extremou essas hipóteses,merecendo confronto o seguinte precedente <strong>da</strong> 3ª Turma do Egrégio<strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> do Trabalho <strong>da</strong> 15ª <strong>Região</strong>, relatado pelo EminenteJuiz Domingo Spina:“EMENTA – ‘Bóias Frias’ – Vínculo empregatício – trabalho eventual – trabalhonão eventual, segundo a legislação brasileira, é aquele que tem sintonia plena coma finali<strong>da</strong>de empresária, que é prestado para realização dos fins <strong>da</strong> própria empresa,dentro <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de normal desta. Ao contrário, o serviço eventual será aquele prestadoà empresa, independentemente do tempo de prestação, que é meramente acidental,fortuito, decorrente de fato anormal, embora também um trabalho necessário, emdetermina<strong>da</strong> emergência.”Portanto, é inadequado classificar-se o “bóia-fria” como prestador deserviços eventuais e, assim, incluí-lo entre os contribuintes individuais,uma vez que, sabi<strong>da</strong>mente, seu trabalho se insere nas ativi<strong>da</strong>des-fins <strong>da</strong>empresa agrícola. Na ver<strong>da</strong>de, a instituição do “bóia-fria” na<strong>da</strong> mais é queum arranjo para burlar os direitos trabalhistas e previdenciários <strong>da</strong>s massasde trabalhadores rurais, e seu surgimento coincide, significativamente,com a implantação do “Estatuto do Trabalhador Rural”.Esse também é o entendimento de Wladimir Novaes Martinez noscomentários ao dispositivo em exame (Comentários à Lei Básica <strong>da</strong>Previdência Social, LTr, 3ª ed., Tomo I, págs. 92 e seguintes), que averba:“e) trabalhador rural volante – O rurícola, conhecido como ‘bóia-fria’, é empregado,convindo verificar, em ca<strong>da</strong> caso, para quem são prestados os seus serviços: se parao agenciador ou para o empreendedor rural. Em princípio, presumi<strong>da</strong>mente, é paraempresa rural e só na circunstância de o intermediário possuir idonei<strong>da</strong>de comercial –hipótese rara – o vínculo se estabelecerá com ele.”Embora a questão não tenha sido diretamente examina<strong>da</strong> pelo EgrégioSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, é certo que vem esse Pretório reconhecendoao bóia-fria a condição de trabalhador rural assalariado, na medi<strong>da</strong> emque lhe confere o direito à aposentadoria sem exigência do recolhimentode contribuições, além de admitir até mesmo a prova exclusivamentetestemunhal dessa condição:“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. RURÍCOLA.PROVA MATERIAL. DOCUMENTO NOVO PREEXISTENTE À PROPOSITURAR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 303


DA AÇÃO ORIGINÁRIA. ART. 485, VII, DO CPC. ADOÇÃO DA SOLUÇÃO PROMISERO.1. Está consoli<strong>da</strong>do no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça o entendimento de que,considera<strong>da</strong> a condição desigual experimenta<strong>da</strong> pelo trabalhador volante ou bóiafrianas lides rurais, adota-se a solução pro misero no sentido de se reconhecer comorazoável prova-material o documento novo, ain<strong>da</strong> que preexistente à propositura <strong>da</strong>ação originária.2. Carteira de identificação de associa<strong>da</strong> de cooperativa agrícola, preexistente aotempo <strong>da</strong> ação originária, caracteriza documento novo capaz de se constituir em razoávelprova material <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de rurícola.3. Precedentes.4. Ação rescisória procedente.” (STJ, 3ª Seção, AR 638/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti,Rel. p/ acórdão Min. Fontes de Alencar, DJ de 16.12.2002, pág. 239)Portanto, é de se reconhecer que o bóia-fria é empregado rural e, nessacondição, não se enquadra na hipótese <strong>da</strong> letra g do inciso V do art. 12<strong>da</strong> Lei 8.212/91, e sim na letra a de seu inciso I.4 – Isto assentado, pode-se examinar o primeiro ponto questionado noapelo do INSS: a prova <strong>da</strong> condição de segurado do marido <strong>da</strong> autora.Verifica-se que esta trouxe, como princípio de prova material, certidõesde nascimento de seus filhos Jucilei Maria Lino <strong>da</strong> Silva (<strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de18.08.86) e Juciléia Apareci<strong>da</strong> Lino <strong>da</strong> Silva (29.12.89), em que seencontra consignado que os pais são, ambos, agricultores. Essa condiçãofoi confirma<strong>da</strong> pela prova testemunhal, que transcrevo:Testemunha Leonardo Petry (fl. 36):“Conhece a família <strong>da</strong> autora a cerca de 20 anos; o esposo <strong>da</strong> autora trabalhoucomo diarista e por empreita<strong>da</strong>, na comuni<strong>da</strong>de de Lageado Quirino, onde morava,bem como nas comuni<strong>da</strong>des próximas; o esposo <strong>da</strong> autora fazia roça<strong>da</strong>s, quebra demilho, plantações e outras ativi<strong>da</strong>des, sempre por ‘empreita<strong>da</strong>’ ou como ‘diarista’; oesposo <strong>da</strong> autora sobrevivia com referido ganho; o esposo <strong>da</strong> autora ficou no referidolocal e exercendo referi<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de até falecer; o esposo <strong>da</strong> autora na ver<strong>da</strong>de era um‘bóia fria.”Testemunha Atílio Adelino Spellmeier (fl. 37):“Conhece o esposo <strong>da</strong> autora a cerca de 20 ou 30 anos; desde que o conheceu oesposo <strong>da</strong> autora sempre foi diarista, roceiro, ‘bóia fria’; o esposo <strong>da</strong> autora trabalhavapor empreita<strong>da</strong> ou por dia em diversas proprie<strong>da</strong>des, na região de Arabutá e NovaEstrela; o esposo <strong>da</strong> autora fazia roça<strong>da</strong>s, plantação e todos os outros serviços de304R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


agricultura; inclusive para o depoente o esposo <strong>da</strong> autora prestou serviços comobóia fria; o esposo <strong>da</strong> autora exercia referi<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de até falecer, em diversasproprie<strong>da</strong>des.”Prova<strong>da</strong> está, portanto, dentro dos limites do possível, a ativi<strong>da</strong>de dosegurado como trabalhador rural, que basta para caracterizar sua condiçãode segurado. A carência, no caso de pensão, é dispensa<strong>da</strong> (art. 26, I, <strong>da</strong>Lei 8.213/91). A dependência está prova<strong>da</strong> pela certidão de casamentode fl. 08. Devido, pois, o benefício.5 – O segundo ponto questionado no apelo diz respeito à correçãomonetária, que o INSS pretende seja conta<strong>da</strong> a partir do ajuizamento<strong>da</strong> ação. Merece ser manti<strong>da</strong> a sentença, no ponto. A Lei nº 6.899/81,regulamenta<strong>da</strong> pelo Decreto nº 86.649/91, no seu art. 1º, previa opagamento de correção monetária somente a partir do ajuizamento <strong>da</strong>ação, utilizando como indexador a ORTN. To<strong>da</strong>via, essa lei veio apenasinstituir a correção monetária para as hipóteses em que, até então,não era ela admiti<strong>da</strong> – especificamente –, para as dívi<strong>da</strong>s de dinheiro.No tocante às dívi<strong>da</strong>s de valor, já era pacífica sua aplicação. A longaelaboração desenvolvi<strong>da</strong> pelo Egrégio Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> a esserespeito culminou por incluir no conceito de dívi<strong>da</strong> de valor, também, asde natureza alimentar, como as previdenciárias. Daí afastar a aplicação,quanto a elas, <strong>da</strong> Lei 6.899/81:“Correção monetária – Proventos de aposentadoria. Incide a correção monetáriaem período anterior ao <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei nº 6.899/81, se configura dívi<strong>da</strong> de valor,de natureza alimentar.Precedentes <strong>da</strong> Corte. Exame <strong>da</strong> orientação jurisprudencial.Embargos no recurso extraordinário conhecidos e recebidos.” (STF, Pleno,Embargos no RE 108.835/SP, Rel. Min. Oscar Corrêa, RTJ 121/1164)O egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça dirimiu, na mesma linha,a questão, entendendo que, face ao caráter alimentar dos benefíciosprevidenciários, a correção monetária deve incidir desde o momento emque era devi<strong>da</strong> a prestação, com aplicação concomitante <strong>da</strong>s Súmulas 43e 148 <strong>da</strong>quela Egrégia Corte.Explicito ain<strong>da</strong>, ante a omissão <strong>da</strong> sentença, que o índice a serobservado é o IGP-DI, até o exercício de 2002. A partir deste exercício,aplicar-se-á o índice legalmente previsto para a atualização dosprecatórios – o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – Especial –R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 305


Nacional (IPCA-E), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (Lei nº 10.266, de 24.07.2001, art. 23, § 6º; Lei nº 10.524,de 25.07.2002, art. 25, § 4º), ou o índice que, na legislação posterior,o suceder – solução que se impõe para que um mesmo crédito não sejasubmetido a dois critérios diversos de correção monetária no curso <strong>da</strong>execução.6 – Merece provimento o apelo, porém, quando pretende sejamreduzi<strong>da</strong>s à metade as custas a que foi condenado o INSS, conformeprevisto nas Leis Complementares n os 156/97 e 161/97. Assim tambémquanto aos honorários advocatícios, que devem incidir apenas sobreas prestações venci<strong>da</strong>s até a decisão de primeiro grau, conformejurisprudência do Egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, à qual se alinhaeste <strong>Regional</strong>.7 – Isto posto, voto não conhecendo <strong>da</strong> remessa oficial e <strong>da</strong>ndo parcialprovimento ao apelo para reduzir à metade a condenação do INSS emcustas e limitar a base de cálculo dos honorários advocatícios às parcelasvenci<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> sentença de primeiro grau e, de ofício, explicitoos índices de correção monetária incidentes sobre a condenação.É o voto.EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2001.04.01.025230-0/RSRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira306Embargante: Vilmar PasaAdvogados: Drs. Pedro Frighetto e outroR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Patricia Helena BonzaniniEMENTAPrevidenciário. Embargos infringentes. Reconhecimento de ativi<strong>da</strong>derural dos 12 aos 14 anos. Possibili<strong>da</strong>de.Comprovado o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de rural, em regime de economiafamiliar, no período dos doze aos quatorze anos, é de ser reconhecido parafins previdenciários o tempo de serviço respectivo. Precedentes do STJ.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aTerceira Seção do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,<strong>da</strong>r provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, votoe notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 12 de março de 2003.Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Trata-sede embargos infringentes opostos contra acórdão <strong>da</strong> Egrégia 6ª Turmadesta Corte que, embora vislumbrando o efetivo exercício de ativi<strong>da</strong>desagrícolas em regime de economia familiar por todo o período postuladona exordial, confirmou sentença que reconheceu tempo de serviçodesenvolvido na ativi<strong>da</strong>de rural apenas de 03.10.74, quando o autorcompletou 14 anos.O embargante requer a prevalência do voto vencido, <strong>da</strong> lavra doEminente Desembargador <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson FloresLenz, que admite o reconhecimento <strong>da</strong> condição de segurado especiala partir dos 12 anos de i<strong>da</strong>de, ensejando o direito à aposentadoria portempo de serviço proporcional.É o sucinto relatório.VOTOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 307


O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira: No que serefere ao cômputo de ativi<strong>da</strong>de rural entre 12 e 14 anos de i<strong>da</strong>de, venhoadotando a orientação hoje pacífica do Egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça, que admite tal possibili<strong>da</strong>de. Nesse sentido vide REsp 396338/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, e REsp 331568/RS, Rel. Min. FernandoGonçalves.To<strong>da</strong>via, esta 3ª Seção decidiu, em julgamento recente e por votodesempatedo Presidente <strong>da</strong> Seção, Eminente Desembargador <strong>Federal</strong>Nylson Paim de Abreu, pela impossibili<strong>da</strong>de desse cômputo, aoargumento de que:“a contagem recíproca do tempo de serviço e a extensão de outros benefíciosprevidenciários às pessoas que exerçam ou exerciam ativi<strong>da</strong>de rural em regime deeconomia familiar somente ocorreu com a edição <strong>da</strong> Lei 8.213/91, a qual dispõe,expressamente, no seu artigo 11, a i<strong>da</strong>de mínima de quatorze anos para fazer jus aoenquadramento como segurado especial”. (voto-desempate proferido nos EmbargosInfringentes em REO nº 2000.04.01.021823-3/RS, Relator Des. <strong>Federal</strong> Paulo AfonsoBrum Vaz, julgados em 12.02.2003)Contudo, tendo em vista a relevância <strong>da</strong> matéria e a orientaçãotranqüila do Egrégio STJ em sentido contrário ao precedente acimamencionado, bem como a própria divisão existente nesta Casa no quetoca ao tema e, também, o fato de a composição dos membros <strong>da</strong> 3ªSeção ter experimentado alguma flutuação por estarem em curso osprocedimentos para provimento de novos Desembargadores Federais,em face <strong>da</strong> aposentadoria dos antigos titulares, tenho que seja possívelmanter o entendimento que venho adotando, pela possibili<strong>da</strong>de dereconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economiafamiliar dos 12 aos 14 anos.E o faço trazendo à colação os argumentos que, com brilhantismo,foram expendidos pelo Eminente Juiz <strong>Federal</strong> convocado Celso Kippernos Embargos Infringentes em AC nº 2001.04.01.024723-7/RS, julgadospela 3ª Seção desta Corte em 09.10.2002 (DJU 26.02.2003, pp. 631-635):“O reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiardeu-se somente a partir <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, que, em seu art. 11, inciso VII,e parágrafo primeiro, assim dispõe:‘ART.11 - São segurados obrigatórios <strong>da</strong> Previdência Social as seguintes pessoasfísicas:308R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


(...) omissisVII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arren<strong>da</strong>táriorurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas ativi<strong>da</strong>des,individualmente ou em regime de economia familiar, ain<strong>da</strong> que com o auxílio eventualde terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maioresde 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprova<strong>da</strong>mente,com o grupo familiar respectivo.* O garimpeiro está excluído por força <strong>da</strong> Lei nº 8.398, de 07.01.92, que alteroua re<strong>da</strong>ção do inciso VII do art. 12 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 24.07.91.§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a ativi<strong>da</strong>de em que o trabalho dosmembros <strong>da</strong> família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condiçõesde mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.’A mesma Lei nº 8.213/91, em seu art. 55, § 2º, possibilita que o tempo de serviçodo segurado trabalhador rural, anterior à <strong>da</strong>ta de início de sua vigência, seja computadoindependentemente do recolhimento <strong>da</strong>s contribuições a ele correspondentes, excetopara efeito de carência. E é com relação a esse tempo de serviço – anterior ao início<strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei nº 8.213 – que se trata aqui.Pois bem, o art. 11, inciso VII, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, acima transcrito, estabelece ai<strong>da</strong>de mínima de 14 anos para que o trabalhador rural em regime de economia familiarpossa ser considerado segurado especial <strong>da</strong> Previdência Social. A i<strong>da</strong>de de 14 anosnão é aleatória. A to<strong>da</strong> evidência, o legislador procurou coerência com a i<strong>da</strong>de mínimapermiti<strong>da</strong> para o exercício de ativi<strong>da</strong>de laboral segundo a norma constitucional vigentequando <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Lei supramenciona<strong>da</strong>. A lógica foi a seguinte: se o art. 7º, incisoXXXIII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, em sua versão original, proibia qualquertrabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, deveria esta i<strong>da</strong>deser considera<strong>da</strong> limite mínimo para a obtenção <strong>da</strong> condição de segurado especial e, emconseqüência, para o reconhecimento do tempo de serviço rural.Desde já é preciso dizer que tal lógica não pode prevalecer para períodos anterioresà proibição de trabalho para menores de quatorze anos de i<strong>da</strong>de. Assim, sob a égide <strong>da</strong>sConstituições Federais de 1967 e 1969, proibia-se o trabalho a quem contasse menos de12 anos de i<strong>da</strong>de. Ora, em tal período deveria ser reconhecido para fins previdenciários,pelo menos, o trabalho rural desempenhado a partir dos 12 anos de i<strong>da</strong>de. Aliás, é essa ainterpretação <strong>da</strong><strong>da</strong> à Lei nº 8.213/91 pelo próprio INSS no âmbito administrativo, comose vê <strong>da</strong> Ordem de Serviço INSS/DSS 623, de 19 de maio de 1999 (DOU de 08.07.99):‘2 – DO LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NO RGPS2.1 – O limite mínimo para ingresso na Previdência Social dos segurados queexercem ativi<strong>da</strong>de urbana ou rural é o seguinte:a) até 28.02.67 = 14 anos;b) de 01.03.67 a 04.10.88 = 12 anos;c) de 05.10.88 a 15.12.98 = 14 anos, sendo permiti<strong>da</strong> a filiação de menor aprendiza partir de 12 anos;d) a partir de 16.12.98 = 16 anos, exceto para o menor aprendiz que é de 14 anos.’R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 309


Procurei demonstrar que a i<strong>da</strong>de mínima considera<strong>da</strong> pela Lei nº 8.213/91 parapossibilitar que o trabalhador rural em regime de economia familiar seja consideradosegurado especial está intimamente liga<strong>da</strong> com a i<strong>da</strong>de mínima constitucionalmente previstapara o exercício de qualquer trabalho. Mas não é só. Na ver<strong>da</strong>de, desde há muito tempo,tem-se considerado pelos tribunais pátrios, inclusive o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, que nãopodem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários os menores de i<strong>da</strong>deque exerçam efetivamente ativi<strong>da</strong>de laboral, ain<strong>da</strong> que contrariamente à Constituição e àlei, no tocante à i<strong>da</strong>de mínima permiti<strong>da</strong> para o referido trabalho. O limite mínimo de i<strong>da</strong>depara que alguém possa trabalhar é garantia constitucional em prol do menor, vale dizer,norma protetiva do menor norteadora <strong>da</strong> legislação trabalhista e previdenciária. A mesmanorma edita<strong>da</strong> para proteger o menor não pode, no entanto, prejudicá-lo naqueles casos emque, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalhou.Nesse sentido, em matéria previdenciária, precedente do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,sob o regime constitucional anterior:‘ACIDENTE DO TRABALHO. SEGURO OBRIGATÓRIO ESTABELECIDO NOART. 165- XVI, DA CONSTITUIÇÃO: ALCANCE. CONTRATO LABORAL COMAFRONTA À PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO DO MENORDE DOZE ANOS.Menor de doze anos que prestava serviços a um empregador, sob a dependênciadeste, e mediante salário. Tendo sofrido o acidente de trabalho faz jus ao seguro próprio.Não obsta ao beneficio a regra do art. 165-X, <strong>da</strong> Carta <strong>da</strong> República, que foi inscritana lista <strong>da</strong>s garantias dos trabalhadores em proveito destes, não em seu detrimento.Recursos extraordinários conhecidos e providos.’ (STF, RE 104.654-6/SP, 2ª Turma,Rel. Min. Francisco Rezek, julgado unânime em 11.03.86, DJ 25.04.86, p. 6.514)Do voto do ilustre Ministro Relator, extraio um parágrafo que resume o fun<strong>da</strong>mento<strong>da</strong>quela decisão:‘Está claro, ain<strong>da</strong>, que a regra do inciso X do mesmo dispositivo constitucional –proibindo qualquer trabalho ao menor de doze anos – foi inscrita na lista <strong>da</strong>s garantiasdos trabalhadores em proveito destes, e não em seu detrimento. Não me parece, assim,razoável o entendimento <strong>da</strong> origem, que invoca justamente uma norma volta<strong>da</strong> para amelhoria <strong>da</strong> condição social do trabalhador, e faz dela a premissa de uma conclusão quecontraria o interesse de seu beneficiário, como que a prover nova espécie de ilustraçãopara a secular ironia summum jus, summa injuria.’Vê-se, pois, que o STF alarga ain<strong>da</strong> mais a interpretação acima deduzi<strong>da</strong>. Já não setrata de limitar os efeitos de natureza previdenciária àquelas ativi<strong>da</strong>des desempenha<strong>da</strong>ssegundo a i<strong>da</strong>de constitucionalmente permiti<strong>da</strong>, considerando-se a Constituição vigenteà época do efetivo exercício laboral, mas de estender aqueles efeitos mesmo se oexercício do trabalho tenha se <strong>da</strong>do contra expressa proibição constitucional, relativaà i<strong>da</strong>de mínima para tal.Existe outro fun<strong>da</strong>mento relevante para o reconhecimento de efeitos previdenciáriosàquele que, embora conte com i<strong>da</strong>de inferior à mínima permiti<strong>da</strong> para o exercício dequalquer trabalho, efetivamente o desempenhe. Trata-se de um argumento que diz310R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


espeito ao seu contrário, ou seja, à hipótese de não-reconhecimento <strong>da</strong>queles efeitos,e pode ser resumido assim: a vi<strong>da</strong> e o direito, nesse caso, seriam muito cruéis para omenor, criança ain<strong>da</strong>, pois além de ter sido obrigado ao trabalho em tenra i<strong>da</strong>de – semvaler-se <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> família e do Estado – ain<strong>da</strong> não teria considerado tal trabalhopara fins previdenciários, resultando, na prática, uma dupla punição.Com base em tais fun<strong>da</strong>mentos, o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça vem, reitera<strong>da</strong>mente,reconhecendo para fins previdenciários o tempo de serviço rural desempenhado antesdos quatorze anos de i<strong>da</strong>de, como se constata, apenas a título de exemplo, <strong>da</strong>s decisõesassim ementa<strong>da</strong>s:‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO.RURÍCOLA. MENOR DE 12 ANOS. LEI Nº 8.213/91, ART. 11, INCISO VII.PRECEDENTES. SÚMULA 07/STJ.1 - Demonstrado o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de rural do menor de doze anos, em regimede economia familiar, o tempo de serviço é de ser reconhecido para fins previdenciários,porquanto as normas que proíbem o trabalho do menor foram edita<strong>da</strong>s para protegê-loe não para prejudicá-lo. Precedentes.2 - Recurso especial conhecido. (STJ, RE 331.568/RS, 6ª Turma, Rel. Min. FernandoGonçalves, julgado unânime em 23.10.2001, DJ 12.11.2001)PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – RECONHECIMENTODE TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 14 ANOS DE IDADE -POSSIBILIDADE – NORMA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER PROTECIONISTA- IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO AOS DIREITOS DO TRABALHADOR- DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – ART. 255 EPARÁGRAFOS DO RISTJ.- Desde de que comprova<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de rural por menor de 12 (doze) anos de i<strong>da</strong>de,impõe-se o seu reconhecimento para fins previdenciários. Precedentes.- A simples transcrição de ementas não é suficiente para caracterizar o dissídiojurisprudencial apto a ensejar a abertura <strong>da</strong> via especial, devendo ser menciona<strong>da</strong>s eexpostas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, bemcomo, junta<strong>da</strong>s certidões ou cópias integrais dos julgados paradigmas.- Inteligência do art. 255 e seus parágrafos do RISTJ.- Precedentes desta Corte.- Recurso parcialmente conhecido, e nessa parte provido. (STJ, RE 396.338/RS, 5ªTurma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado unânime em 02.04.2002, DJ 22.04.2002)PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. NOTASFISCAIS EM NOME DO PAI. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CÔMPUTO DEATIVIDADE RURAL EXERCIDA ANTES DE COMPLETAR QUATORZE ANOSDE IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. POSSIBILIDADE. ALUNO-APRENDIZ. ESCOLA PÚBLICA PROFISSIONAL.I - As notas fiscais de produtor rural, em nome do pai do Autor, constituem iníciorazoável de prova material, a completar a prova testemunhal, para comprovação deativi<strong>da</strong>de rural em regime de economia familiar.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 311


II - Deve-se considerar o período de ativi<strong>da</strong>de rural do menor de 12 (doze) anos,para fins previdenciários, desde que devi<strong>da</strong>mente comprovado, pois a proteção conferi<strong>da</strong>ao menor não pode agora servir para prejudicá-lo.III - O tempo de ativi<strong>da</strong>de como aluno-aprendiz é contado para fins de aposentadoriaprevidenciária.IV - Recurso conhecido e provido.’ (STJ, RE 382.085, 5ª Turma, Rel. Min. GilsonDipp, julgado unânime em 06.06.2002, DJ 01.07.2002)Permito-me contestar, ain<strong>da</strong>, o argumento de que não poderia ser reconhecido para finsprevidenciários o trabalho rural do menor de quatorze anos tendo em vista que tal trabalhoseria de escassa rentabili<strong>da</strong>de e, portanto, não poderia ser considerado como tal, isto é,como fonte geradora de proveitos materiais e de riqueza. Entendo que esse argumentoestá em completa dissonância com a reali<strong>da</strong>de brasileira e, para demonstrá-lo, basta citarpesquisa, veicula<strong>da</strong> no Jornal do Brasil de 09.09.02, segundo a qual o recrutamento decrianças para participar do tráfico nas favelas como combatentes dá-se a partir dos dezanos de i<strong>da</strong>de. Se uma criança de dez anos de i<strong>da</strong>de atua como combatente, inclusivemanejando armas, como sustentar que o trabalho de outras crianças em i<strong>da</strong>de similar nãoteria enti<strong>da</strong>de para gerar riquezas? Aliás, a própria reali<strong>da</strong>de do campo está a nos mostrarque é bastante comum, infelizmente, o trabalho rural a partir de tenra i<strong>da</strong>de.De qualquer sorte, o efetivo exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de rural deve ser comprovado,não bastando, obviamente, a comprovação de que seja filho de agricultor. Para tanto,devem ser comprovados os requisitos do art. 11, § 1º, <strong>da</strong> Lei 8.213/91 (trabalho dosmembros <strong>da</strong> família indispensável à própria subsistência e exercido em condições demútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados), o que se deu, nocaso dos autos.”No caso dos autos, pois, não tendo havido divergência no órgãofracionário quanto ao exercício em si <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de rural dos 12 aos 14anos, limitando-se a infringência à possibili<strong>da</strong>de de seu cômputo parafins previdenciários, deve ser reconhecido em favor do ora embargante oefetivo exercício de ativi<strong>da</strong>des agrícolas em regime de economia familiardesde 03.09.72, quando completou 12 anos, até 02.09.74.Considerando o tempo de serviço urbano reconhecidoadministrativamente pelo INSS (fl. 09) de 24 anos, 8 meses e 27dias, somados aos 3 anos, 11 meses e 6 dias de tempo de serviço ruralreconhecidos no órgão fracionário e os 2 anos que ora se computa,totaliza o autor 30 anos, 8 meses e 3 dias de tempo de serviço, devendo312R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


lhe ser concedi<strong>da</strong> aposentadoria por tempo de serviço proporcional, comRMI correspondente a 70% do salário de benefício, a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta dorequerimento administrativo (08.10.97).Ante o exposto, dou provimento aos embargos infringentes para queprevaleça o douto voto vencido, julgando procedente a ação, condenandoo INSS a conceder em favor do autor aposentadoria por tempo deserviço proporcional e a pagar-lhe as parcelas venci<strong>da</strong>s, corrigi<strong>da</strong>smonetariamente pelo IGP-DI, com juros de mora de 1% ao mês a contar<strong>da</strong> citação. Deverá o INSS, ain<strong>da</strong>, arcar com honorários advocatícios de10% sobre o valor <strong>da</strong> condenação, aí entendi<strong>da</strong>s as parcelas devi<strong>da</strong>s atéa prolação deste acórdão, a teor de remansoso entendimento do EgrégioSTJ.É o voto.APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº2001.70.00.029769-6/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de OliveiraApelante: Miguel Ribeiro PichethAdvogados: Drs. Luiz Felipe Haj Mussi e outrosApelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Mariana Gomes de CastilhosEMENTAPrevidenciário – Man<strong>da</strong>do de Segurança – Aposentadoria porinvalidez – Beneficiário eleito vereador de seu município – Cancelamentodo benefício – Ilegali<strong>da</strong>de.1 – Se a patologia que acomete o segurado e que motivou a concessãode sua aposentadoria por invalidez persiste, o ato que cancela o benefício,em razão dele ter sido eleito vereador, ofende o art. 5°, caput e inciso I,<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, que asseguram a igual<strong>da</strong>de, sem distinção dequalquer natureza. Claramente esse ato, sobre ser restritivo e limitadorR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 313


de direitos, não se compadece com os critérios de elegibili<strong>da</strong>de relativosaos demais ci<strong>da</strong>dãos que estejam no gozo dos seus direitos políticos,aposentados ou não, para os quais nenhuma limitação ao exercício<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia foi imposta pela Carta Constitucional e pelas LeisComplementares n os 64/90 e 81/94.2 – Qualquer aposentado, seja qual for a espécie de seu benefício,estando no pleno gozo de seus direitos políticos e desde que não sejaanalfabeto, poderá ser eleito para cargos junto aos Poderes Executivo eLegislativo. Nem mesmo aos deficientes físicos foi imposta limitaçãopara o exercício e permanência em tais cargos.3 – O art. 46 <strong>da</strong> Lei n° 8.213/91, quando dispõe que o aposentado porinvalidez que retornar voluntariamente à ativi<strong>da</strong>de terá sua aposentadoriaautomaticamente cancela<strong>da</strong>, está referindo-se à ativi<strong>da</strong>de de prestaçãode serviços em geral e não à dos ocupantes de cargos eletivos, que nãose incluem na categoria de prestadores de serviços.4 – Apelação provi<strong>da</strong>. Segurança concedi<strong>da</strong>.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aQuinta Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria, <strong>da</strong>rprovimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 18 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira: MiguelRibeiro Picheth impetrou man<strong>da</strong>do de segurança contra ato do Chefe<strong>da</strong> Agência <strong>da</strong> Previdência Social do INSS no Paraná que cancelou suaaposentadoria por invalidez, em virtude dele ter retornado a exercerativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong> como vereador do Município de São Mateus do Sul.Indeferi<strong>da</strong> a liminar, a autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> prestou informações,aduzindo que, de acordo com as regras que regulam a aposentadoriapor invalidez, o aposentado que retornar a exercer ativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong>perde o direito ao benefício.Sobreveio sentença que denegou a ordem.314R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Apelou o impetrante, repisando os argumentos <strong>da</strong> inicial.Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte, onde, com vista aoMinistério Público <strong>Federal</strong>, o seu ilustre opinou pelo desprovimento <strong>da</strong>apelação.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira:1 – O impetrante, em virtude de enfermi<strong>da</strong>de crônica (isquemia domiocárdio), obteve aposentadoria por invalidez em 1°.07.91. De 1997a 2000, foi vereador do Município de São Mateus do Sul, sendo queatualmente está exercendo seu segundo man<strong>da</strong>to, que começou em 2001e termina em 2004.Dois aspectos de fun<strong>da</strong>mental importância precisam ser postos emevidência no início desta abor<strong>da</strong>gem. O primeiro é que a patologia queacomete o autor e que motivou a concessão do benefício persiste e nãoé objeto <strong>da</strong> controvérsia. O segundo é que o INSS deixou claro queinexiste a possibili<strong>da</strong>de do impetrante optar pela ren<strong>da</strong> do benefício oupelos subsídios de vereador. O exercício <strong>da</strong> vereança, por ser ativi<strong>da</strong>deremunera<strong>da</strong>, gera, na interpretação <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo INSS ao art. 46 <strong>da</strong> Lei n°8.213/91, o cancelamento do benefício.A despeito deste dispositivo determinar que o retorno ao exercíciode ativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong> opera o cancelamento automático do benefício,tenho que o ato impetrado, na hipótese específica dos autos, afigura-seilegal, porquanto o dispositivo em exame não se subsume, como preceito,aos ocupantes de cargos eletivos, cuja investidura se dá pelo sufrágiouniversal.2 – Não sendo possível optar, de acordo com o entendimento doINSS, pela ren<strong>da</strong> <strong>da</strong> aposentadoria por invalidez ou pelos subsídios dedetentor de cargo eletivo, e sabendo-se de antemão que o benefício serácancelado, ninguém que seja titular desse benefício, em sã consciência,vai se candi<strong>da</strong>tar ao cargo, porquanto, terminado o man<strong>da</strong>to e nãoreeleito, perde os subsídios e fica sem a cobertura previdenciária. Assim,em termos práticos, está configura<strong>da</strong> uma ver<strong>da</strong>deira limitação aoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 315


exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, análoga à pena de inelegibili<strong>da</strong>de. A Constituição<strong>Federal</strong> dispõe sobre algumas hipóteses de inelegibili<strong>da</strong>de e remete àLei Complementar o estabelecimento de outras hipóteses (art. 14, §9°). As Leis Complementares n° 64/90 e n° 81/94 trataram dos casosde inelegibili<strong>da</strong>de. Inexiste na Carta Constitucional e nessas LeisComplementares qualquer norma estabelecendo, como pressuposto deelegibili<strong>da</strong>de, que o ci<strong>da</strong>dão não seja aposentado por invalidez. Qualqueraposentado, seja qual for a espécie de seu benefício, estando no plenogozo de seus direitos políticos e desde que não seja analfabeto, poderáser eleito para cargos junto aos Poderes Executivo e Legislativo. Nemmesmo aos deficientes físicos foi imposta limitação para o exercício epermanência em tais cargos.Desse modo, o ato impetrado ofende o art. 5°, caput e inciso I, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>, que asseguram a igual<strong>da</strong>de, sem distinção dequalquer natureza. Com efeito, claramente esse ato, sobre ser restritivo elimitador de direitos, não se compadece com os critérios de elegibili<strong>da</strong>derelativos aos demais ci<strong>da</strong>dãos que estejam no gozo dos seus direitospolíticos, aposentados ou não, para os quais nenhuma limitação foiimposta.3 – Por outro lado, quando o art. 46 <strong>da</strong> Lei n° 8.213/91 dispõe queo aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à ativi<strong>da</strong>deterá sua aposentadoria automaticamente cancela<strong>da</strong>, está referindo-se àativi<strong>da</strong>de de prestação de serviços em geral, cujo desempenho dependede habilitação física. Assim, se o aposentado volta a trabalhar, é porquereadquiriu sua aptidão física, não mais se justificando a percepção dobenefício.Ocorre que ocupantes de cargos eletivos não se incluem na categoria deprestadores de serviços. Eles têm outro status. São agentes políticos,que trabalham, sim, exercem uma função, percebem uma remuneração,mas seu trabalho não se identifica com a prestação de serviços. Elesnão trabalham para o Estado: eles encarnam o Estado, personificama socie<strong>da</strong>de civil e seu vínculo é de natureza política. E o exercíciodesse munus público não pressupõe total higidez ou plena capaci<strong>da</strong>defísica. Para que o ci<strong>da</strong>dão se sobressaia nessa ativi<strong>da</strong>de, necessita,fun<strong>da</strong>mentalmente, de capaci<strong>da</strong>de intelectual. Também por essa razão,316R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


o art. 46 <strong>da</strong> Lei n° 8.213/91 não tem aplicação no caso em tela.Nessa linha de entendimento, destaco precedente <strong>da</strong> 1ª Turma doTRF <strong>da</strong> 5ª <strong>Região</strong>:“PREVIDENCIÁRIO, CONSTITUCIONAL E PROC. CIVIL. CANCELAMENTODE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SEGURADO ELEITO VEREADOR.INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃOCONHECIMENTO DE PEDIDO QUE NÃO FOI OBJETO DE CONDENAÇÃO.1. O EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO CONSTITUI UM DOS DIREITOS DECIDADANIA. O FATO DE O SEGURADO, TITULAR DA APOSENTADORIA PORINVALIDEZ, O ESTAR EXERCENDO NÃO DÁ ENSEJO AO CANCELAMENTODO BENEFÍCIO, ESPECIALMENTE QUANDO PERSISTE O DIAGNÓSTICOMOTIVADOR DE SUA CONCESSÃO.2. A PREVIDÊNCIA SOCIAL NÃO ABRANGE EM SEUS QUADROS DEBENEFICIÁRIOS OS TITULARES DE CARGOS ELETIVOS, MAS TÃO-SOMENTEOS TRABALHADORES DELA CONTRIBUINTES, DAÍ A IMPOSSIBILIDADE DEELA VIR A SUPRIMIR OS PROVENTOS DE APOSENTADORIA DO SEGURADOEM RAZÃO DO DESEMPENHO DA FUNÇÃO POLÍTICA DE VEREADOR PARAA QUAL FOI ELEITO. O DESEMPENHO DA VEREANÇA NÃO CONSISTE EMUMA ATIVIDADE PROFISSIONAL OU DE CARÁTER TRABALHISTA PARAA REALIZAÇÃO DA QUAL O SEGURADO TIVESSE SIDO REABILITADO/READAPTADO A JUSTIFICAR A SUPRESSÃO DOS PROVENTOS.(...)(...)(...).” (AMS 95.05.13277-8/PB, Rel. Juiz José Maria Lucena, DJ de 30.05.97, p.39063)4 – Nem mesmo o fato de o exercente de man<strong>da</strong>to eletivo municipalnão vinculado a regime próprio de previdência, como é caso dos autos,ser segurado obrigado <strong>da</strong> Previdência Social, a teor do art. 12, letra h,<strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, altera essa conclusão.Em face do exposto, dou provimento à apelação, reformando asentença para conceder a segurança.É o voto.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz: Consoanterelatado, trata-se de apelação em man<strong>da</strong>do de segurança interpostacontra sentença que denegou a segurança, por entender que o retornodo impetrante ao exercício voluntário de ativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong>, comoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 317


vereador do Município de São Mateus do Sul, justifica o cancelamento<strong>da</strong> aposentadoria por invalidez <strong>da</strong> qual era beneficiário.O MM. Relator entendeu pela impossibili<strong>da</strong>de de cancelamento <strong>da</strong>aposentadoria por invalidez, ao fun<strong>da</strong>mento de que os ocupantes de cargoseletivos não se incluem na categoria de prestadores de serviços, mas,sim, exercem um múnus público, para o qual basta estar no pleno gozodos direitos políticos, uma vez que a Constituição <strong>Federal</strong> não impôsqualquer limitação ao exercício <strong>da</strong> função pública, além de inexistircomo “pressuposto de elegibili<strong>da</strong>de que o ci<strong>da</strong>dão não seja aposentadopor invalidez”.Com a devi<strong>da</strong> vênia, ouso divergir do Eminente Relator.Embora efetivamente inexista qualquer ve<strong>da</strong>ção constitucional nosentido de que o segurado em gozo de benefício por invalidez não possaexercer cargo eletivo, entendo que a controvérsia não reside na naturezado trabalho realizado pelo autor, se um múnus público ou mera ativi<strong>da</strong>deprofissional, mas, sim, no fato de o impetrante perceber, de formacumulativa, subsídios pelo desempenho <strong>da</strong> função pública e remuneraçãodecorrente do benefício por invalidez.Nos termos do art. 46 <strong>da</strong> Lei 8.213/91, “o aposentado por invalidezque retornar voluntariamente à ativi<strong>da</strong>de terá sua aposentadoriaautomaticamente cancela<strong>da</strong>, a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do retorno”. O retornovoluntário ao exercício de qualquer ativi<strong>da</strong>de constitui hipótese legalde cancelamento do benefício, uma vez que afasta a incapaci<strong>da</strong>de oua invalidez, provando a reabilitação do segurado para outra ativi<strong>da</strong>deremunera<strong>da</strong>. Na hipótese em tela, ain<strong>da</strong> que não haja discussão quantoà capaci<strong>da</strong>de ou não do impetrante para o exercício de outra ativi<strong>da</strong>deprofissional, certo é que exerce um cargo político para o qual, mesmoque de forma temporária, possui capaci<strong>da</strong>de e de onde, mensalmente,advém uma remuneração.Se o segurado, em gozo de benefício por invalidez, possui capaci<strong>da</strong>depara desempenhar uma função, mesmo que política, percebendo umaremuneração que possibilita a sua manutenção, ain<strong>da</strong> que temporária, nãohá como se concluir que tal segurado permanece incapaz para o exercíciode qualquer ativi<strong>da</strong>de.Na medi<strong>da</strong> em que se candi<strong>da</strong>tou a um cargo público e foi eleito, deveriao impetrante comunicar o INSS, dispensando o pagamento do benefício no318R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


período em que a percepção dos subsídios como vereador e como inválido<strong>da</strong>r-se-ia cumulativamente. Cessado o man<strong>da</strong>to, poderia submeter-se à períciae pleitear novamente o benefício, caso comprova<strong>da</strong> a incapaci<strong>da</strong>de. Se éver<strong>da</strong>de que não se pode criar hipótese de inelegibili<strong>da</strong>de ao ci<strong>da</strong>dão inválido,não menos certo é que a percepção <strong>da</strong> aposentadoria afrontaria o princípio<strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de, a que estão subordinados não apenas a Administração e osadministrados, mas também (e porventura com muito mais razão ain<strong>da</strong>) osagentes políticos.De outra parte, refere o impetrante, em suas razões de apelação, que,em decorrência de sua i<strong>da</strong>de, 55 anos, há presunção legal de incapaci<strong>da</strong>de,o que consoli<strong>da</strong> definitivamente sua aposentadoria, porquanto concedi<strong>da</strong>sob a vigência do Dec. 83.080/79. (art. 118, parágrafo único)Entretanto, tal argumento não merece prosperar. A aposentadoria porinvalidez do impetrante foi concedi<strong>da</strong> em 01.07.91, quando vigente o Dec.nº 89.312/84. Para fins de outorga do benefício, considera-se aplicávela lei vigente na época em que implementados os requisitos. Aplicam-seos dispositivos legais <strong>da</strong> CLPS/84 somente aos fatos ocorridos na suavigência. Dessa forma, tendo completado 55 anos em 2000 (fl. 21),incide, na hipótese, a Lei 8.213/91, que não trouxe a disposição conti<strong>da</strong>no art. 118 <strong>da</strong> norma anterior. Assim, não há como aplicar a legislaçãopretérita a fatos ocorridos na vigência de Lei posterior.Por essas razões, não há como ser restabelecido o benefício deaposentadoria por invalidez.Nesses termos, voto no sentido de negar provimento à apelação.VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira: A situaçãoem apreço é bastante peculiar: o segurado, regularmente aposentado porinvalidez, elegeu-se vereador e em razão disso o INSS, à luz do artigo48 do Decreto 3.048/99, do artigo 46 <strong>da</strong> Lei 8.213/91, <strong>da</strong> alínea h doinciso I do artigo 12 <strong>da</strong> Lei 8.212/91 (acrescenta<strong>da</strong> pela Lei 9.506/97),<strong>da</strong> alínea h do inciso I do artigo 11 <strong>da</strong> Lei 8.213/91 (acrescenta<strong>da</strong> pelaLei 9.506/97), cancelou o benefício.Conquanto ambas as soluções propostas pelos votos divergentesestejam ampara<strong>da</strong>s em sólidos argumentos, penso que à falta denormatização segura deve ser privilegia<strong>da</strong> a interpretação que privilegiaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 319


os direitos de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.A Constituição <strong>Federal</strong>, ao versar no artigo 14 sobre as condições deelegibili<strong>da</strong>de e sobre as inelegibili<strong>da</strong>des, em momento algum, exige doscandi<strong>da</strong>tos a cargos eletivos (que são agentes políticos stricto sensu)aptidão física. Basta ao pretendente a alfabetização (pressuposto parao alistamento) e o gozo <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des mentais (pressuposto para oalistamento e o pleno gozo dos direitos políticos).Vê-se, pois, que o aposentado por invalidez pode ser candi<strong>da</strong>to e, maisdo que isso, pode exercer o man<strong>da</strong>do de vereador. Com efeito, mesmouma pessoa tetraplégica, por exemplo, conquanto tenha inquestionáveldireito à aposentadoria por invalidez (desde que comprova<strong>da</strong> a condiçãode segurado e implementa<strong>da</strong> a carência), não pode ser obsta<strong>da</strong> de exercera vereança, pois os requisitos para o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de legislativasão totalmente diversos <strong>da</strong>queles exigidos para o exercício de ativi<strong>da</strong>deprofissional.Como bem ponderou o Relator, a determinação para cancelamento <strong>da</strong>aposentadoria por invalidez no caso de investidura no cargo de vereadorconfigura ver<strong>da</strong>deira limitação ao exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o que por certocontraria o artigo 14 <strong>da</strong> CF já mencionado.Por outro lado, a Constituição <strong>Federal</strong>, ao tratar no artigo 38 <strong>da</strong>situação do servidor exercente de man<strong>da</strong>to eletivo, estatuiu no inciso IIIdo referido dispositivo que “investido no man<strong>da</strong>to de Vereador, havendocompatibili<strong>da</strong>de de horários, perceberá as vantagens de seu cargo,emprego ou função, sem prejuízo <strong>da</strong> remuneração do cargo eletivo e, nãohavendo compatibili<strong>da</strong>de, será aplica<strong>da</strong> a norma do inciso anterior”, ouseja, “será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultadooptar pela sua remuneração”. Como se vê, quando na ativa o vereadorpode exercer ativi<strong>da</strong>de estritamente priva<strong>da</strong>, desde que não haja ve<strong>da</strong>çãoespecífica (art. 29, IX, c.c. artigo 54, ambos <strong>da</strong> CF), bem como, se houvercompatibili<strong>da</strong>de, exercer ativi<strong>da</strong>de junto a enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> administraçãodireta e indireta. (art. 38 já citado)No caso dos autos o impetrante era empregado público, logo servidorpúblico lato sensu, uma vez que trabalhava em socie<strong>da</strong>de de economiamista federal (Petrobrás). Quando na ativa, pois, considerando que haviacompatibili<strong>da</strong>de de horários (as sessões <strong>da</strong> Câmara Municipal ocorremsomente nas segun<strong>da</strong>s-feiras, às 18:00h – fl. 15), o impetrante poderia320R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


acumular sua remuneração como empregado público na Petrobrás como subsídio como Vereador. Ora, os proventos pagos pelo INSS em razãode sua aposentadoria por invalidez representam substitutivo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>que recebia na ativa por seu vínculo profissional com a Petrobrás. Se acumulação era possível na ativa, parece-me que atenta contra a sistemáticaconstitucional a ve<strong>da</strong>ção na situação de inativi<strong>da</strong>de.A ver<strong>da</strong>de é que, como bem destacado pelo Relator, os ocupantesde cargos eletivos não são prestadores de serviço, pois não trabalhampara o Estado. Eles exercem função, “encarnam o Estado, personificama socie<strong>da</strong>de civil e seu vínculo é de natureza política” (fl. 219). Para talmunus não se exige prova de capaci<strong>da</strong>de física. Permitir que o aposentadopor invalidez seja vereador, mas condicionar tal possibili<strong>da</strong>de à per<strong>da</strong><strong>da</strong> ren<strong>da</strong> que a condição de incapaci<strong>da</strong>de lhe garante, quando mesmoa pessoa fisicamente capaz em muitas circunstâncias pode acumular,representa restrição ao gozo dos direitos políticos, que não se coadunacom o espírito <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. O impetrante não está recuperadopara o mercado de trabalho. Em nenhum momento, isso foi afirmado oudemonstrado nos autos. Está apenas exercendo man<strong>da</strong>to eletivo, eleitoque foi pela população, razão pela qual a invocação aos dispositivos <strong>da</strong>sLeis de Custeio e Benefício e referidos regulamentos não pode ser aceita.Ressalto, por fim, que o fato de o detentor de cargo eletivo contribuirobrigatoriamente para o regime geral na hipótese de não ser vinculadoa regime próprio (art. 12, I, h, <strong>da</strong> Lei 8.212/91 e art. 11, I, h, <strong>da</strong> Lei8.213/91) é irrelevante. A contribuição ocorre em razão do princípio <strong>da</strong>soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, e obviamente o detentor de cargo eletivo já aposentadopor invalidez, a exemplo do que ocorre com o aposentado por tempo deserviço, não poderá receber outra aposentadoria, ain<strong>da</strong> que contribuapelo tempo necessário. (art. 124, II, <strong>da</strong> Lei 8.213/91)Ante o exposto, pedindo vênia ao Des. Paulo Afonso Brum Vaz,acompanho o Relator, votando pela reforma <strong>da</strong> sentença, para que asegurança seja concedi<strong>da</strong>. Observo apenas que as parcelas anteriores aoajuizamento do writ deverão ser persegui<strong>da</strong>s pela via própria, haja vistao disposto nas Súmulas 269 e 271 do STF.É o voto.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.04.000958-6/PRR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 321


Relator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Néfi CordeiroApelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Mariana Gomes de CastilhosApelado: Mauro CogoAdvogados: Drs. Rosemar Cristina Lorca Marques e outroRemetente: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> de Umuarama/PREMENTAPrevidenciário. Aposentadoria por i<strong>da</strong>de. Bóia-fria. Existência detrabalho urbano. Impossibili<strong>da</strong>de do benefício rural. Deferimento dobenefício como trabalhador urbano. Preenchimento <strong>da</strong>s condições apósa per<strong>da</strong> <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de segurado. Possibili<strong>da</strong>de.1. Mesmo tendo sido corretamente indeferido o benefício deaposentadoria rural por i<strong>da</strong>de, já que demonstrado o trabalho urbano nãoeventual durante o período equivalente ao de carência, deve então serexaminado o direito à aposentação justamente como trabalhador urbano.2. Admite o INSS o labor urbano, que inclusive gerara por quase dozeanos o recolhimento inconteste de contribuições previdenciárias comoempregador.3. Demonstrado, de outro lado, adquirido o direito de carência, pode<strong>da</strong>r-se a conjugação do requisito etário posteriormente, mesmo em épocaonde já tenha o interessado perdido a condição de segurado, <strong>da</strong>ndo-seentão o direito à aposentadoria urbana por i<strong>da</strong>de.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Sexta Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r parcial provimento ao recurso e a remessa oficial, nostermos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 3 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro, Relator.322R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro: Trata-se de ação ordináriaajuiza<strong>da</strong> contra o INSS objetivando a concessão do benefício <strong>da</strong>aposentadoria rural por i<strong>da</strong>de com base no labor desempenhado sob acondição de bóia-fria.Citado, o INSS contestou.A r. sentença julgou procedente o pedido para determinar a concessãodo benefício, devendo as prestações venci<strong>da</strong>s ser pagas desde a <strong>da</strong>tado requerimento administrativo (05.12.2000), condenou o INSS aopagamento de juros de mora, a contar <strong>da</strong> citação, e correção monetária, aincidir sobre as prestações venci<strong>da</strong>s. Condenou-o ain<strong>da</strong>, ao pagamento doshonorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor <strong>da</strong> condenação,observa<strong>da</strong> a Súmula 111 do STJ.Inconforma<strong>da</strong>, a autarquia previdenciária apelou. Em suas razões,alega que não há início de prova material, uma vez que os documentossão unilaterais e extemporâneos; que o autor não efetuou o recolhimentode contribuições e que a prova exclusivamente testemunhal não se prestapara a comprovação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de rural. Requer ain<strong>da</strong> a redução <strong>da</strong> verbahonorária para 5% <strong>da</strong> condenação.Com contra-razões.É o relatório.À revisão.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro: Para a concessão <strong>da</strong>aposentadoria por i<strong>da</strong>de rural, é necessária a comprovação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>derural exerci<strong>da</strong> no período imediatamente anterior à <strong>da</strong>ta do requerimentoadministrativo, por tempo equivalente ao <strong>da</strong> carência, através de iníciode prova documental, corroborado por prova testemunhal. Não setorna necessário, para o benefício de aposentadoria por i<strong>da</strong>de rural, orecolhimento de contribuições previdenciárias.De acordo com o art. 142 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelaLei nº 9.032/95, a carência para a aposentadoria por i<strong>da</strong>de obedeceráà tabela constante neste artigo, levando-se em conta o ano em que osegurado implementou to<strong>da</strong>s as condições necessárias à obtenção doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 323


enefício.No caso dos autos, tendo o autor nascido em 23.11.34 (fl. 22), foicompleta<strong>da</strong> a i<strong>da</strong>de necessária (60 anos) em 1994; vindo a formular orequerimento administrativo apenas em 05.12.2000 (fl. 45). Assim, acarência é de 72 meses sendo necessária a prova de trabalho rural, ain<strong>da</strong>que descontínuo, de dezembro/1994 a dezembro/2000.A título de prova documental do exercício de ativi<strong>da</strong>de rural, o autorjunta aos autos os seguintes documentos:- declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Perobal-PR,<strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 2000, na qual consta que o autor trabalhou na ativi<strong>da</strong>de ruralcomo diarista nos períodos de 1991 a 1994 e de 1997 a 2000 (fl. 19);- certidão de casamento, lavra<strong>da</strong> em 1953, a qual consta que o autoré lavrador (fl. 21);- declaração do Sr. Celio Rubens Cogo, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 2000, onde afirmaque o autor trabalhou em sua proprie<strong>da</strong>de como diarista no período de1991 a 1994 (fl. 40);- declaração do Sr. Antonio Donadoni, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 2000, onde afirmaque o autor trabalhou em sua proprie<strong>da</strong>de como diarista no período de1997 a 2000. (fl. 42)Ademais ao bóia-fria, pela peculiar situação de trabalho informal,perante vários empregadores e no meio rural, tem a jurisprudênciadispensado o início de prova material:“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORRURAL. BÓIA-FRIA. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. LEI8.213/91.Inexistindo início razoável de prova material a comprovar o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>deagrícola nos termos disciplinados pela Lei 8.213/91, cabe ao juiz o livre exame <strong>da</strong>prova apresenta<strong>da</strong>.Comprova<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de rural mediante prova exclusivamente testemunhal parafins de obtenção de benefício, tomando como exceção a situação especial dos bóiafrias.”(TRF<strong>4ª</strong> - 5ª T - AC nº 0405128/PR, Rel. Maria Lúcia Luz Leiria, DJ 29.04.98,pág. 00682)Na espécie, a prova testemunhal informa que o autor trabalhou comobóia-fria para o Sr. Célio (91/97) e para o Sr. Antônio (97/00), abrindoum “botequinho” quando não estava na roça.324R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Ocorre que o mencionado Sr. Célio era o próprio filho do autor, o quetorna muito dúbia a relação de emprego, que exigiria prova especialmenteconvincente. É <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s provas, que sua exigência e grau deconvicção variem exatamente em razão de ser ou não <strong>da</strong> ordem normal<strong>da</strong>s coisas (Mittermaier), e não é normal o tratamento do pai como semais um bóia-fria fosse.As testemunhas ouvi<strong>da</strong>s em juízo informam que não sabiam se o Sr.Célio era filho do autor, embora a testemunha Luciene soubesse até queo autor tem 5 filhos (fl. 104). Estranhável saber a testemunha que o autortem cinco filhos e não saber se um deles era o pretenso patrão de ambos(testemunha e autor) por três anos. A mesma situação de trabalhar com oautor por três anos para patrão que não sabe se era filho do autor, deu-secom a testemunha Maria José (fl. 102). Finalmente, a testemunha Dorivalafirmou o trabalho de bóia-fria do autor apenas a partir de “comentáriosde outras pessoas” (fl. 100), o que também merece pouca credibili<strong>da</strong>de.De outro lado, o funcionário do INSS confirmou em juízo (fl. 106)a veraci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informações por ele coleta<strong>da</strong>s quando do processoadministrativo (fl. 65), onde testemunhas afirmaram que o autortrabalhava apenas no bar, que funcionava <strong>da</strong> tarde até a noite, enquantohouvessem clientes; que antes por dez anos aju<strong>da</strong>ra o filho Célio em umarmazém de secos e molhados, trabalhando no balcão; que somente antespossuía o autor uma proprie<strong>da</strong>de rural em Gauiporã onde trabalhava, edepois não mais exerceu o labor rural.Ver<strong>da</strong>de é que a prova obti<strong>da</strong> no processo administrativo é realiza<strong>da</strong> semcontraditório, mas a prova colhi<strong>da</strong> em Juízo não me parece minimamenteconvincente. Ademais, note-se que o autor por diversos anos recolheucontribuições como empregador urbano, fato que eventualmente poderiaser reputado a uma mera busca de aposentadoria previdenciária, mas quepelo contexto dos autos, onde há séria suspeita de efetivo desempenhode labor urbano, traz fator a mais de convencimento pela ausência detrabalho rural como fonte de subsistência.Dessa forma, entendo não suficientemente provado o trabalho ruralcomo bóia-fria, pelo que não teria o autor direito à aposentadoria pori<strong>da</strong>de rural.Não obstante, o pedido efetivo do autor é de aposentadoria por i<strong>da</strong>dee, sendo afasta<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aposentadoria rural pelo exercício detrabalho urbano, na<strong>da</strong> impede a verificação de seu direito nessa condiçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 325


– de trabalhador urbano. Assim, examinando as contribuições realiza<strong>da</strong>scomo empregador, verifico que o autor recolheu contribuições por 141meses, período maior do que a carência exigível – 108 meses (para i<strong>da</strong>dede 65 anos completa<strong>da</strong> em 23.11.99).Ver<strong>da</strong>de é que em jan/91 pagou o autor a última contribuiçãoprevidenciária como empregador, vindo após a perder a condiçãode segurado. Já antes computava, porém, as 141 contribuições, na<strong>da</strong>326R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


DIREITO PROCESSUAL CIVILR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 327


328R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


EMBARGOS INFRINGENTES EM AR Nº 95.04.33984-0/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de AthaydeEmbargante: Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público <strong>Federal</strong>em Santa Catarina - SINTRAFESCAdvogados: Drs. Marcello Macedo Reblin e outrosDr. Felisberto Odilon CordovaEmbargado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis - IBAMAAdvogados: Drs. Paulo Fernando Airoldi e outrosEMENTAProcessual Civil. Ação rescisória de julgado em ação coletiva.Legitimi<strong>da</strong>de passiva ad causam. Litisconsórcio necessário –Inocorrência. Efeitos.1. O ente sindical é parte passiva legítima para responder na açãorescisória do julgado proferido em ação coletiva, <strong>da</strong> qual foi autor emexercício de direito próprio de substituição processual, não havendocaso para o chamamento dos substituídos/representados na quali<strong>da</strong>dede litisconsortes necessários.2. A produção do julgado de procedência na ação rescisória faz apenascessar o proveito que o julgado proferido na ação coletiva de origemprojeta aos que nessa foram substituídos. À recuperação dos efeitosefetivamente produzidos pelo julgado rescindido, o interessado deveR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 329


atuar direta e individualmente em face de ca<strong>da</strong> um dos favorecidos.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Segun<strong>da</strong> Seção do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, impedido o Desembargador <strong>Federal</strong> Carlos EduardoThompson Flores Lenz, negar provimento aos embargos infringentes,nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendoparte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 10 de junho de 2002.Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de açãorescisória pela via <strong>da</strong> qual o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis – IBAMA intenta desconstituir v. julgadoproferido em ação de origem que deu pela procedência <strong>da</strong> pretensãodo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público <strong>Federal</strong> em SantaCatarina – SINTRAFESC, como substituto processual, em favor dossubstituídos, concedendo diferenças de vencimentos, correspondentesao período de fevereiro a dezembro de 1989, na ordem de 26,05%, bemcomo a incorporação de 84,32% sobre os salários de março de 1990, comcorreção monetária, acrescidos juros moratórios e ônus sucumbenciais.Esta Segun<strong>da</strong> Seção, por maioria, rejeitou preliminar, venci<strong>da</strong> aeminente Desembargadora Silvia Goraieb, que apontou a anulação doprocesso a partir de despacho saneador, ensejando-se à autarquia autorapromover a citação dos substituídos do réu como litisconsortes passivosnecessários.No mérito, a pretensão deduzi<strong>da</strong> na exordial foi julga<strong>da</strong> procedente,à unanimi<strong>da</strong>de.Irresignado com o v. acórdão (fl. 205), o Sindicato, tempestivamente,opõe embargos infringentes (fls. 220 a 249). Assim o faz deduzindo razõespelo prevalecimento do r. voto vencido, com isso colimado o decreto <strong>da</strong>anulação do feito como ali posto.O IBAMA apresentou impugnação. (fls. 326 a 332)É o relatório. Dispensa<strong>da</strong> a revisão. (RITRF, art. 37, IX)330R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde: A questão quese devolve a exame por meio dos embargos infringentes é estritamentereferi<strong>da</strong> à preliminar levanta<strong>da</strong> pela eminente Desembargadora SilviaGoraieb, que restou venci<strong>da</strong>.Na<strong>da</strong> há a perquirir a respeito do mérito <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>. O embaterelativo ao tema central foi resolvido à unanimi<strong>da</strong>de, procedente apretensão <strong>da</strong> autarquia autora deduzi<strong>da</strong> na ação rescisória em facedo Sindicato, assim no que diz com o índice de reajustamento dofuncionalismo representado, na ordem de 26,06%, aplicado com tempero,como com relação à incorporação do índice de 84,32%, competênciade março/90, rejeitado, na esteira <strong>da</strong> jurisprudência consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> pelostribunais. A situação pontual dos servidores representados, que tenhamauferido efeitos concretos do r. julgado rescindendo, conquanto factívelde gerar perplexi<strong>da</strong>de, não vem à baila neste momento.Aqui, de rigor, há a in<strong>da</strong>gar se em ação rescisória de julgamentoproferido em ação coletiva, que produziu em favor de substituídosprocessuais, o titular do exercício coletivo <strong>da</strong> ação é, ou não, partelegítima para responder.Vale o esclarecimento, a nobre Desembargadora signatária do r. votovencido, em que pese tangenciando considerações no tocante a umapossível ilegitimi<strong>da</strong>de do Sindicato, concluiu serem litisconsortes passivosnecessários, na rescisória, os servidores autárquicos substituídos na açãode origem, aos quais o julgado rescindendo produziu favoravelmente. Deaí, firmou Sua Excelência pela anulação do processo para fazê-lo reverterà quadra em que o litisconsórcio deveria ter sido instaurado.Sem embargo, ao brilho com que sustenta<strong>da</strong>s as razões em prol <strong>da</strong>tese, porém, entendo que a ela não se há de <strong>da</strong>r guari<strong>da</strong>.Com efeito.A prevalecer o aludido entendimento, conquanto respeitável, deleprontamente adviria reflexo negativo, em descompasso com a evoluçãomesma do Direito Processual, arrepia<strong>da</strong> a ratio essendi <strong>da</strong> modernarecepção <strong>da</strong>s ações coletivas no sistema legislativo pátrio. Essas açõesresultariam inviabiliza<strong>da</strong>s. Na prática, far-se-iam absolutamente infensasa qualquer hostilização ulterior pela regular via <strong>da</strong> ação rescisória, eisR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 331


que, apesar de enxuta a angularização processual na ação de origem, naação de rescisão ter-se-ia de dilargar o pólo passivo a contingentes atéimensuráveis, impedindo o an<strong>da</strong>mento do processo in concreto, máximeem linha de conta que enti<strong>da</strong>de sindical atua não só na substituição deseus filiados, mas, sim, na substituição de to<strong>da</strong> a categoria que representa,consoante a letra <strong>da</strong> Constituição. (CF, art. 8º, III)Ademais, é consabido que na ação rescisória hão de formar comopartes aquelas mesmas que como tal formaram na ação de origem, cujojulgado é mirado pelo intento <strong>da</strong> rescisão. É a limitação subjetiva <strong>da</strong>ação, certo que a sentença faz lei entre as partes contendoras.Logo, tendo o Sindicato sido parte autora na ação de origem, ipsofacto ele é legitimado para responder na ação rescisória. A legitimatiopassiva ad causam, na conformação, é absolutamente irrecusável, sendoinduvidoso, outrossim, que na ação precedente o ente sindical atuou emdireito próprio, tanto que o fez exercendo a substituição <strong>da</strong> categoriarepresenta<strong>da</strong> independentemente de sua autorização expressa senão soba exclusiva autorização legal.Não por isso, no entanto, se há de concluir que a enti<strong>da</strong>de sindical, nosucesso <strong>da</strong> rescisória, terá de responder patrimonialmente pelo proveitoprático consumado em favor de seus substituídos pela projeção dos efeitos<strong>da</strong> sua exitosa atuação na ação coletiva de origem. O julgado rescindendo,se bem agasalhando a postulação do Sindicato na titulari<strong>da</strong>de de seupessoal direito, fê-lo não em favor de sua individual economia, mas,sim, em favor <strong>da</strong> economia de seus substituídos. A efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> açãorescisória na equação, enquanto procedente, refletirá apenas na via pelaqual se fará cessar a produção do decisum aos favorecidos que deleauferem. É o mesmo dizer, assim como em função <strong>da</strong> ação do Sindicatoadveio proveito em favor de seus substituídos, também em função <strong>da</strong>rescisória em face do mesmo ente sindical é que cabe proceder-se àcessação do aludido proveito.Assim fixado, resta considerar a respeito <strong>da</strong> pertinência, ou não, <strong>da</strong>formação do litisconsórcio passivo necessário, aí chamados os indivíduosrepresentados pelo Sindicato na ação coletiva originária. E a meu sentir,a conclusão aponta pela negativa. Confiro.É claro, na hipótese de na ação coletiva de origem ter ocorridolitisconsórcio ativo – nela havendo comparecido, facultativamente,332R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


frise-se, indivíduos <strong>da</strong> categoria laboral representa<strong>da</strong> pelo ente titular <strong>da</strong>ação –, os iguais litisconsortes haverão de ser chamados ao pólo passivo<strong>da</strong> ação rescisória. E assim é, eis que, tendo comparecido pessoalmentena primeira ação, com isso, naturalmente, afastaram a sua própriasubstituição processual; formaram cúmulo de ação direta na postulaçãode seu direito em face do ex adverso. De aí, ao desfazimento do julgadoque lhes favoreceu, não se prescindirá do seu chamamento pessoal, nãona condição de substituídos pelo ente sindical, porque substituídos nãoo foram, mas, sim, porque na origem atuaram pessoalmente em relaçãode ação individual direta, ain<strong>da</strong> que em conjunto com outros postulantes.A igual solução, contudo, não se aplica em relação àquelesrepresentados que na ação de origem se mantiveram na posição desubstituídos processuais. É que, em ação coletiva, o titular <strong>da</strong> ação,exercendo o direito <strong>da</strong> substituição processual, na<strong>da</strong> mais faz do que atuarem nome e proveito dos substituídos, independentemente <strong>da</strong> autorizaçãopessoal desses. Portanto, a pensar-se que na quadra rescisória haveriamde ser chamados, como litisconsortes necessários, os substituídos naação originária, <strong>da</strong>ta venia, seria o mesmo dizer que na ação de rescisãohaveriam de ser chamados os substituídos na ação primeira comolitisconsortes deles mesmos.Destarte, firme em que a ação rescisória factibiliza apenas a cessação<strong>da</strong> produção do julgado rescindendo em favor dos substituídos naação coletiva originária, no êxito <strong>da</strong>quela, a recuperação dos efeitosmaterializados em benefício dos mesmos substituídos refoge de seuâmbito. Tal recuperação não será alcança<strong>da</strong> pela própria ação de rescisão.A tanto, aí sim, à repetição do indébito, a parte interessa<strong>da</strong> não seeximirá de fazê-lo por atuação direta, pessoal, em face de ca<strong>da</strong> indivíduoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 333


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2002.04.01.057193-8/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>Agravante: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advoga<strong>da</strong>: Dra. Dolizete Fátima MichelinAgravados: Banco Bamerindus do Brasil S/A e outroAdvogados: Drs. Antonio Augusto Ferreira Porto e outrosEMENTATributário. Liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial. Penhora no rosto dos autos.Competência do juízo deprecado.1. Cabe ao juízo deprecado decidir acerca de questões não condizentescom o mérito <strong>da</strong> causa principal, incumbindo-lhe desconstituir a penhoracaso verifique a existência de vício que a nulifique.2. A penhora deve ser realiza<strong>da</strong> no rosto dos autos de liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial,em analogia ao processo de quebra, conforme entendimentoentabulado na Súmula 44/TFR.3. Agravo improvido.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Primeira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de,negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.Porto Alegre, 28 de maio de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>: Trata--se de agravo de instrumento que investe contra decisão proferi<strong>da</strong> nosautos <strong>da</strong> Carta Precatória n o 2000.70.00.032319-8, em trâmite junto à1 a Vara <strong>Federal</strong> <strong>da</strong>s Execuções Fiscais de Curitiba/PR, que determinou334R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


ao liqui<strong>da</strong>nte reservasse bens suficientes à satisfação do crédito fiscal,observando a preferência legal, e, via de conseqüência, tornou ineficaza penhora anteriormente realiza<strong>da</strong>.Narra a agravante/exeqüente que, opostas objeções de pré-executivi<strong>da</strong>deperante o juízo deprecado, em que os agravados sustentavam asubmissão <strong>da</strong> execução ao regime de liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial, este asencaminhou ao juízo deprecante, que optou por indeferi-las em razãode não comportarem análise de provas. Registra que os executados requereramao juízo deprecado a realização de penhora no rosto dos autos<strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção, em substituição à constrição efetiva<strong>da</strong> no feito executivo.Insurgindo-se contra a decisão deferitória de tal pleito, a União anotaque o juízo a quo é simples executor dos atos deprecados, desincumbindo--lhe extrapolar os limites postos pelo art. 202 do CPC, pena de alastrar-seem esfera de competência do deprecante.Às fls. 137, foi indeferido o efeito suspensivo postulado.Sem contra-razões.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>: O deslindedo feito merece nos debrucemos sobre duas questões: uma, a invasãode competência pelo juízo deprecado; outra, a realização <strong>da</strong> penhora norosto dos autos <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção judicial.Quanto ao primeiro ponto, tenho que merece invocação o art. 747 doCPC, que versa:“Art. 747. Na execução por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecanteou no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante, salvo seversarem unicamente vícios ou defeitos <strong>da</strong> penhora, avaliação ou alienação dos bens”.Assim, em se tratando a espécie de execução por carta precatória, aaferição <strong>da</strong> competência do juízo deprecado passa pela verificação <strong>da</strong>existência de algum dos pontos ressalvados pelo retro dispositivo.O exame reporta-se, nessa linha, à procura de vícios ou defeitos namedi<strong>da</strong> constritória efetiva<strong>da</strong> nos autos executivos, de forma a justificara intervenção do MM. Juiz deprecado nos autos. Com efeito, reza a Lein o 6.024, de 13 de março de 1974:“Art. 18. A decretação <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial produzirá, de imediato, os se-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 335


guintes efeitos:a) suspensão <strong>da</strong>s ações e execuções inicia<strong>da</strong>s sobre direitos e interesses relativos aoacervo <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de liqui<strong>da</strong>n<strong>da</strong>, não podendo ser intenta<strong>da</strong>s quaisquer outras, enquantodurar a liqui<strong>da</strong>ção”.E, ain<strong>da</strong>, o art. 16:“Art. 16. A liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial será executa<strong>da</strong> por liqui<strong>da</strong>nte nomeado peloBanco Central do Brasil, com amplos poderes de administração e liqui<strong>da</strong>ção, especialmenteos de verificação e classificação dos créditos, podendo nomear e demitirfuncionários, fixando-lhes os vencimentos, outorgar e cassar man<strong>da</strong>tos, propor açõese representar a massa em juízo ou fora dele.” (grifei)Dessa ban<strong>da</strong>, uma vez decreta<strong>da</strong> a liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial, restoususpensa a execução fiscal, sendo incumbência do liqui<strong>da</strong>nte verificar eclassificar os créditos existentes. Ora, uma vez que o processo executivoultimou-se suspenso, submetendo-se à liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial, a penhorarealiza<strong>da</strong> naqueles autos eiva-se de vício, cabendo, em alinhavo à averiguaçãode competência, ao juízo deprecado decidir sobre a vali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> medi<strong>da</strong>.Segue aresto nesse sentido:“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO POR CARTA. EMBARGOS DE TERCEI-RO. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DESTES. MÉRITO DA CAUSA:COMPETÊNCIA DO JUÍZO DEPRECANTE. SÚMULAS N OS 32 E 33-TFR. I - NAEXECUÇÃO POR CARTA (CPC., ART. 747, C. C. ART. 658), OS EMBARGOSDEVERÃO SER JULGADOS PELO JUIZO DEPRECANTE, SE DIZEM RESPEI-TO AO MÉRITO DA CAUSA PRINCIPAL. SE OS EMBARGOS DIZEM RESPEITOAPENAS AO ATO DE ARREMATAÇÃO, OU AO ATO DE PENHORA, OU AO ATO DEADJUDICAÇÃO EM SI, SEM REPERCUSSÃO NO MÉRITO DA CAUSA PRINCIPAL,SERÃO DECIDIDOS PELO JUÍZO DEPRECADO, POR ISSO QUE ESSES ATOSSÃO DA RESPONSABILIDADE DO JUIZ QUE OS REALIZA.II –omissis.Processo: 198900096290/RS Fonte DJ DATA:19.02.90 PÁGINA:1029 JTSVOL.:00017 PÁGINA:106 RSTJ VOL.:00010 PÁGINA:52 RSTJ VOL.:00038 PÁ-GINA:167 Relator(a) CARLOS VELLOSO Decisão unânime”. (grifei)Comprova<strong>da</strong>, nessa esteira, a aptidão do juízo agravado parapronunciar-se acerca <strong>da</strong> penhora, tenho que a mesma, envere<strong>da</strong><strong>da</strong>analogicamente pelas trilhas do procedimento falimentar, deveriaseguir o rito do processo de quebra, conforme esquadrinhado nasegun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> Súmula 44/TFR, verbis:336R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


“Súmula 44. Ajuiza<strong>da</strong> a execução fiscal anteriormente à falência, com penhorarealiza<strong>da</strong> antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arreca<strong>da</strong>ção no juízofalimentar; proposta a execução fiscal contra a massa fali<strong>da</strong>, a penhora far-se-á norosto dos autos do processo de quebra, citando-se o síndico.”Assim, porquanto tenha a penhora sido realiza<strong>da</strong> depois <strong>da</strong> decretação<strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial, creio que deve ser desconstituí<strong>da</strong> ante vícioformal, sobejando o acerto do decisório monocrático no que respeita àreserva de bens suficientes à satisfação do crédito em comento, oportunizandoo exercício do privilégio legal de que são revestidos os créditos<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>. Acresça-se que a penhora, quando realiza<strong>da</strong> no rosto dosautos do processo de liqui<strong>da</strong>ção, consubstancia-se como a garantia <strong>da</strong>execução para o fim de oposição de embargos, tal como ocorre no processode falência.Vai o seguinte excerto de julgado, proferido pela Segun<strong>da</strong> Turmadeste So<strong>da</strong>lício:“LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESTAÇÃO DECONTAS PELO LIQUIDANTE NO JUÍZO DA EXECUÇÃO. PENHORA DE BENSPARA GARANTIR O PROCESSO EXECUTÓRIO.- Não há suporte legal para prestação de contas do Liqui<strong>da</strong>nte na execução fiscalproposta pela União, devendo ela ser formaliza<strong>da</strong> nos autos <strong>da</strong> Liqui<strong>da</strong>ção, não existindoqualquer razão para que lhe seja aplicado o previsto no art. 599 do CPC, porquanto oLiqui<strong>da</strong>nte prestará contas ao Banco Central do Brasil, respondendo civil e criminalmentepor seus atos.- Estando o processo de liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial em an<strong>da</strong>mento, e tal qual ocorre nofalimentar, com o objetivo de realizar o ativo para o pagamento dos credores, entre osquais se encontra, e inclusive preferencialmente, a União, inocorre o risco de dilapi<strong>da</strong>çãodo patrimônio do agravante na realização do ativo, porquanto os bens só serão alienadospelo preço <strong>da</strong> avaliação ou superior. A garantia <strong>da</strong> execução, para fins de oposiçãode embargos, tal qual ocorre no processo falimentar, faz-se via penhora no rosto dosautos <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção.” (Processo: 200104010277035/PR Fonte DJU, <strong>da</strong>ta:04.07.2001,Relator(a) Juiz Vilson Darós, Decisão: unânime)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 337


favorecido pelo julgado que se rescindiu.Ante o exposto, nego provimento aos embargos infringentes.É como voto.AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2002.04.01.041499-7/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de AthaydeAgravante: Brasil Telecom S/AAdvogados: Drs. Luiz Rodrigues Wambier e outrosAgrava<strong>da</strong>: Associação Comercial, Industrial e Agropecuária deCampo Largo - AciclaAdvogado: Dr. Dirceu Augustinho ZanlorenseInteressa<strong>da</strong>: Agência Nacional de Telecomunicações - AnatelAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Silvana Lucia <strong>da</strong> Silva BenincaInteressa<strong>da</strong>: Global Village Telecom Lt<strong>da</strong>.Advogados: Drs. Cinthya Caroline Harbar e outrosInteressa<strong>da</strong>: Intelig Telecomunicações Lt<strong>da</strong>.Advogados: Drs. Augusto Tolentino Pacheco de Medeiros e outrosInteressa<strong>da</strong>: Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A – EmbratelEMENTAAdministrativo e Processual Civil. Agravo de instrumento.Conhecimento parcial. Ação civil pública. Liminar - requisitos. Multacominatória – destinatário. Alerta para o crime de desobediência.Cominação legal.1. A explicitação <strong>da</strong> pena de desobediência pelo descumprimento deordem judicial não inova na ordem jurídica e não representa gravame.Antes, consubstancia advertência ao destinatário, no sentido de que nodesatendimento <strong>da</strong> ordem incorrerá nas pertinentes sanções cuja cominaçãopreexiste na Lei.2. Presentes os requisitos legais a tanto, é factível o deferimento deliminar em ação civil pública proposta ao questionamento <strong>da</strong> higidez <strong>da</strong>tarifação diferencia<strong>da</strong> imposta às ligações telefônicas realiza<strong>da</strong>s entre338R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


municípios integrantes de uma mesma <strong>Região</strong> Metropolitana, descabido,entretanto, exigir-se, sem especifici<strong>da</strong>de manifesta, a observância <strong>da</strong>ordem judicial desde antes <strong>da</strong> intimação do deman<strong>da</strong>do.3. O Fundo de Defesa de Direitos Difusos é que tem a titulari<strong>da</strong>deao recebimento de multa arbitra<strong>da</strong> em ação civil pública à hipótese dedescumprimento de decisum concessivo de liminar que impõe obrigaçãode fazer à parte ex adversa. (Lei nº 9.008/95, art. 1º, § 1º)ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Quarta Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, conhecer em parte do recurso e, na parte conheci<strong>da</strong>, <strong>da</strong>r-lheparcial provimento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 7 de maio de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde: Trata-se deagravo de instrumento de r. decisão exara<strong>da</strong> em ação civil pública que seprocessa perante o MM. Juízo <strong>da</strong> 6ª Vara <strong>Federal</strong> de Curitiba/PR, através<strong>da</strong> qual a Associação autora, invocando o princípio <strong>da</strong> isonomia, intentaafastar a tarifação de “Discagem Direta à Distância” (DDD) imposta àsligações telefônicas realiza<strong>da</strong>s entre o município de Campo Largo e osdemais municípios que integram a <strong>Região</strong> Metropolitana de Curitiba. Coréna ação, Brasil Telecom S/A, ora agravante, deduz insurgência contra or. decisum (fl. 230 e verso), pelo qual, no que interessa, foi determina<strong>da</strong>a observância <strong>da</strong> liminar precedentemente deferi<strong>da</strong> “inclusive no que serefere às ligações efetua<strong>da</strong>s em momento anterior à decisão”; assevera<strong>da</strong>a configuração do crime de desobediência, com a responsabilização dossócios <strong>da</strong> deman<strong>da</strong><strong>da</strong>, em caso de descumprimento; e estabeleci<strong>da</strong> aautora/agrava<strong>da</strong> como destinatária de eventual multa aplica<strong>da</strong>.Sustenta a agravante que deve ser modifica<strong>da</strong> a r. decisão objurga<strong>da</strong>,nos limites indicados, pois os efeitos <strong>da</strong> liminar somente podem serexigidos a partir <strong>da</strong> junta<strong>da</strong> aos autos do comprovante de sua intimação;havia impossibili<strong>da</strong>de material no cumprimento retroativo; sãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 339


inacumuláveis as sanções pecuniária e penal; os sócios não são parteno processo, e, ademais, a multa deve ser reverti<strong>da</strong> em favor do Fundo<strong>Federal</strong> previsto no artigo13 <strong>da</strong> Lei nº 7.437/85.O recurso foi processado sem efeito suspensivo. (fl. 373)A parte agrava<strong>da</strong> não apresentou resposta. (certidão de fl. 374)É o relatório. Sem revisão.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde: Ab initio,conheço do recurso apenas em parte.De rigor, a pretensa ameaça de responsabilização e prisão, que se dizínsita na r. decisão, na decisão mesma não tem o seu nascedouro. O r.decisum não inova na ordem jurídica; antes, faz por revelar cautelosoalerta ao destinatário no sentido de que há uma ordem legal preexistente,positiva<strong>da</strong> pelo direito pátrio, no concerto de cujo regramento assenta-seamparo à adoção <strong>da</strong> providência adverti<strong>da</strong>. Vale dizer, o MM. Juízo ordenao cumprimento <strong>da</strong> conduta explicita<strong>da</strong> e adverte que no desatendimento<strong>da</strong> ordem terá por apropria<strong>da</strong> a aplicação <strong>da</strong> Lei.Sob essa equação, é claro, advém que, em vindo a ser constata<strong>da</strong>a obstinação <strong>da</strong>quele a quem incumbe cumprir a determinação,conformando, em tese, incluso ilícito penal, far-se-á o registro do estadode flagrância em delito, com os seus consectários imanentes. Assim, aprisão em flagrante não se decreta; apresenta-se, objetiva e prontamente,como corolário <strong>da</strong> verificação de contexto fático próprio.Por isso, tenho que a referi<strong>da</strong> ameaça de prisão, em ver<strong>da</strong>de, constituialerta ao destinatário, não operando, por si, como precedentemente referi,qualquer efeito inovador na esfera jurídica <strong>da</strong> deman<strong>da</strong><strong>da</strong>/agravante.Logo, nesse aspecto, inexiste decisão recorrível e disso advém,por igual, na seqüência e por todo o exposto, a inviabili<strong>da</strong>de (porqueinadequado e deslocado de sua sede própria, como se apresentar) doexame <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de cumulação de sanções ou a responsabilizaçãopessoal de sócios, já que o Judiciário não se ocupa com questõesacadêmicas, apriorísticas ou em tese.Assim fixado, prossigo.No que remanesce, merece acolhi<strong>da</strong> em parte a pretensão recursal.340R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Confiro.Assim o é, pois o pedido formulado pela autora consistiu em objetoinequivocamente delimitado, como leio (fl. 47):“...Diante do exposto REQUER a Vossa Excelência:...b) A concessão <strong>da</strong> TUTELA ANTECIPADA determinando a suspensão imediata<strong>da</strong> cobrança de tarifas tabela<strong>da</strong>s pela sistemática ‘DDD’, entre todos os municípios<strong>da</strong> região metropolitana e o Município de Campo Largo, bem como aquela cobrançadenomina<strong>da</strong> tarifa<strong>da</strong> como interurbano dentro do próprio Município de Campo Largo,que faz ligação com os Distritos <strong>da</strong> Ferraria e Bateas....”O deferimento ocorreu sob as seguintes balizas (fl. 71):“...3. Em virtude de todo o exposto, vislumbrando no presente caso os requisitos dofumus boni iuris e do periculum in mora, defiro o pedido de liminar tal como formuladono item ‘b’ <strong>da</strong> exordial, para o fim de suspender a cobrança, por parte <strong>da</strong>s prestadorasdo serviço de telefonia, do valor excedente à tarifa de ligações locais a serem realiza<strong>da</strong>sentre todos os municípios <strong>da</strong> região metropolitana de Curitiba, tal como definido pela LeiComplementar nº 14/73, e o Município de Campo Largo, bem como entre as chama<strong>da</strong>srealiza<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong>s locali<strong>da</strong>des integrantes do Município do Campo Largo, no prazode 72 (setenta e duas) horas, devendo a ANATEL fiscalizar o cumprimento <strong>da</strong> decisão....” (grifei)Então, sem nenhuma manifestação no sentido pela parte autora ourobusto fun<strong>da</strong>mento aos fins, sobreveio o r. decisum objurgado (fl. 230e verso), in verbis:“...Outrossim, ressalto que o cumprimento <strong>da</strong> decisão implica na suspensão do ato decobrança do valor excedente à tarifa de ligações locais, inclusive no que se refere àsligações efetua<strong>da</strong>s em momento anterior à decisão....” (grifei)Bem se vê, na<strong>da</strong> há a sustentar uma tal inflexão no provimento original,incluso em face do princípio <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>. (CPC, art. 2º)Prossigo.Outrossim, afigura-se-me evidente que os efeitos do r. provimentoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 341


liminar somente cabem ser exigidos do deman<strong>da</strong>do – na generali<strong>da</strong>dee na<strong>da</strong> sendo expresso em contrário ou possa resultar <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>cautela adota<strong>da</strong>, ausente de especifici<strong>da</strong>de a relação ora examina<strong>da</strong> – apartir de sua regular intimação (irrelevante, aos fins, a <strong>da</strong>ta de junta<strong>da</strong>do respectivo comprovante aos autos, visto não se tratar, aqui, de prazode recurso).Na relação <strong>da</strong> espécie, o termo inicial para cumprimento <strong>da</strong> liminar,pela deman<strong>da</strong><strong>da</strong>/recorrente, foi fixado (por decisão de 16.08.2002) “...considerando as razões de ordem técnica expostas ... o prazo derradeirode 24 (vinte e quatro) horas para que dê efetivo cumprimento ...”. Sustentaa empresa que “já deu efetivo cumprimento à decisão liminar ... toma<strong>da</strong>scomo base as ligações efetua<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta de sua intimação (e não asanteriores à decisão liminar)”. (fl. 05)Prossigo.Em derradeiro, anoto que a hostilização do julgado no concernenteà eleição do destinatário <strong>da</strong> multa comina<strong>da</strong> para a hipótese de seudescumprimento está a merecer acolhi<strong>da</strong>.Ao que interessa à lide, o artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 9.008/95 dispõe:“Art. 1º Fica criado, no âmbito <strong>da</strong> estrutura organizacional do Ministério <strong>da</strong> Justiça,o Conselho <strong>Federal</strong> Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD).§ 1º O Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei nº 7.347,de 24 de julho de 1985, tem por finali<strong>da</strong>de a reparação dos <strong>da</strong>nos causados ao meioambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico,paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.§ 2º Constituem recursos do FDD o produto <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção:I – <strong>da</strong>s condenações judiciais de que tratam os arts. 11 e 13 <strong>da</strong> Lei nº 7.347, de 1985;...”342Por sua vez, o artigo 11 <strong>da</strong> Lei nº 7.347/85 literaliza:“Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, o juizdeterminará o cumprimento <strong>da</strong> prestação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de devi<strong>da</strong> ou a cessação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>denociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta forsuficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.”À análise <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong> normatização, verifica-se que, efetivamente, atitulari<strong>da</strong>de ao recebimento <strong>da</strong> multa cominatória está afeta ao FDD,não se indigitando qualquer excepcionali<strong>da</strong>de no processado quejustifique sua destinação, in casu, ao autor. De conseqüência, impõe-seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


a modificação do julgado no tópico para fixar que o valor eventualmentedevido a título de astreinte deve ser destinado ao Fundo de Defesa deDireitos Difusos.Ante o exposto, conheço em parte do recurso e, na parte conheci<strong>da</strong>,dou-lhe parcial provimento.É como voto.CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2003.04.01.007609-9/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui HiroseSuscitante: Juízo Substituto <strong>da</strong> 1ª Vara do Juizado Especial <strong>Federal</strong> deCuritiba/PRSuscitado: Juízo Substituto <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> Previdenciária deCuritiba/PRParte Autora: Nilza Neves DuarteAdvogados: Drs. Emmanuel Augusto de Oliveira Carlos e outroParte Ré: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Mariana Gomes de CastilhosEMENTAConflito negativo de competência. Juizado Especial <strong>Federal</strong> Cível.Juízo <strong>Federal</strong>. Litisconsórcio passivo necessário.1. O valor <strong>da</strong> causa deve refletir a integrali<strong>da</strong>de do pedido formuladopela parte. 2. O § 2º <strong>da</strong> Lei nº 10.259/2001 é aplicável às deman<strong>da</strong>sque objetivarem, tão-somente, prestações vincen<strong>da</strong>s. 3. Aplica-se o art.260 do CPC para mensurar o valor <strong>da</strong> causa quando o pedido abrangerparcelas venci<strong>da</strong>s e vincen<strong>da</strong>s. 4. Na hipótese em tela, são postula<strong>da</strong>sprestações venci<strong>da</strong>s e vincen<strong>da</strong>s, cuja soma ultrapassa o valor estipuladono caput do art. 3º <strong>da</strong> Lei nº 10.259/2001(sessenta salários mínimos). 5.Competência para processar e julgar a deman<strong>da</strong> pertence ao Juízo <strong>Federal</strong>,tão-somente, em razão do valor <strong>da</strong> causa superior a sessenta saláriosmínimos, prejudicado o exame <strong>da</strong> questão relativa à possibili<strong>da</strong>de depessoa física integrar o pólo passivo <strong>da</strong> relação processual na quali<strong>da</strong>dede litisconsorte necessário no Juizado Especial <strong>Federal</strong>. (art. 6º, I, <strong>da</strong>Lei nº 10.259/2001)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 343


ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s,decide a Terceira Seção do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, conhecer do Conflito e declarar competente o JuízoSubstituto <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> Previdenciária de Curitiba, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 12 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose: Cui<strong>da</strong>-se de conflitonegativo de competência suscitado pelo Juízo Substituto <strong>da</strong> 1ª Varado Juizado Especial <strong>Federal</strong> de Curitiba/PR em face <strong>da</strong> declinação decompetência do Juízo Substituto <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> Previdenciária deCuritiba/PR.Sustenta, em síntese, a competência para processar e julgar a açãopertencer ao Juízo <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> Previdenciária de Curitiba/PR emrazão <strong>da</strong> existência de litisconsorte passivo necessário de pessoa física além<strong>da</strong> expedição de carta precatória não se coadunarem com os procedimentosdo Juizado Especial.Opinou a douta Procuradoria <strong>da</strong> República por reconhecer acompetência do Juízo Suscitante.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose: A questão a ser dirimi<strong>da</strong>prende-se em aferir qual o juiz competente para apreciar ação de anulaçãode ato jurídico cumula<strong>da</strong> com per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos ajuiza<strong>da</strong> por Nilza NevesDuarte contra o Instituto Nacional do Seguro Social.A parte autora Nilza Neves Duarte é viúva do ex-segurado Joel SoaresDuarte e titular de pensão concedi<strong>da</strong> a partir de maio/99 quando seu maridofaleceu.Entretanto, em janeiro/2001, o benefício foi desdobrado em favor344R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


<strong>da</strong> companheira do de cujus (Denise Vieira de Souza), motivando aparte autora a buscar informações através do processo de Exibição deDocumentos nº 2001.70.004597-0, que tramitou na 1ª Vara <strong>Federal</strong>Previdenciária de Curitiba.A parte Autora ajuizou a ação em tela objetivando a declaração denuli<strong>da</strong>de do desdobramento <strong>da</strong> pensão, bem como receber as importânciasque entende lhe são devi<strong>da</strong>s desde a divisão do benefício.Dispõe a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, que institui os JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais no âmbito <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, em seu art.6º ao dispor sobre as partes, verbis:“Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial <strong>Federal</strong> Cível:I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequenoporte, assim defini<strong>da</strong>s na Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996;II – como rés, a União, autarquias, fun<strong>da</strong>ções e empresas públicas.”Conforme se depreende <strong>da</strong> leitura do prefalado dispositivo, nãohá previsão legal de pessoa física integrar o pólo passivo <strong>da</strong> relaçãoprocessual no Juizado Especial <strong>Federal</strong> Cível.O legislador, em atenção aos princípios que orientam o JuizadoEspecial, tais como <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> isonomia, <strong>da</strong> economia e celeri<strong>da</strong>deprocessual, não possibilitou à pessoa física integrar a relação processualcomo parte ré.Na ação proposta pela Sra. Nilza Neves Duarte, devem integrar o pólopassivo o Instituto Nacional do Seguro Social e a Sra. Denise Vieira deSouza que divide o benefício com a autora, na condição de litisconsortepassiva necessária, o que vai de encontro tanto com a disposição legal comocom os princípios orientadores do Juizado Especial, eis que residindo emlocali<strong>da</strong>de diversa <strong>da</strong> autora terá de ser cita<strong>da</strong> por precatória, decorrendo<strong>da</strong>í, inclusive, outros empecilhos à rápi<strong>da</strong> solução do litígio, objetivo maiordos Juizados Especiais.Assim, voto no sentido de conhecer do conflito e declarar competentepara processar e julgar a ação o Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong>Previdenciária de Curitiba/PR.É o voto.COMPLEMENTAÇÃO DE VOTOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 345


O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose: O julgamento do presenteConflito iniciou-se em 10 de abril do corrente. É o primeiro caso queesta Seção enfrenta e, possivelmente, será um precedente, deman<strong>da</strong>ndocui<strong>da</strong>doso exame.Na hipótese em tela, a parte autora, Nilza Neves Duarte, é viúva doex-segurado Joel Soares Duarte e titular de pensão concedi<strong>da</strong> a partirde maio/99 quando seu marido faleceu. Em janeiro/2001, o benefíciofoi desdobrado em favor <strong>da</strong> companheira do de cujus (Denise Vieirade Souza), motivando a parte autora a buscar informações através doprocesso de Exibição de Documentos nº 2001.70.004597-0, que tramitouna 1ª Vara <strong>Federal</strong> Previdenciária de Curitiba.A parte Autora ajuizou a ação em tela objetivando a declaração denuli<strong>da</strong>de do desdobramento <strong>da</strong> pensão, bem como receber as importânciasque entende lhe são devi<strong>da</strong>s desde a divisão do benefício.Este conflito negativo de competência foi suscitado pelo JuízoSubstituto <strong>da</strong> 1ª Vara do Juizado Especial <strong>Federal</strong> de Curitiba/PR emface <strong>da</strong> declinação de competência do Juízo Substituto <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong>Previdenciária de Curitiba/PR.O Juízo Suscitante alegou, em síntese, que a competência paraprocessar e julgar a ação pertenceria ao Juízo <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong>Previdenciária de Curitiba/PR, em razão <strong>da</strong> existência de litisconsortepassivo necessário de pessoa física, além <strong>da</strong> expedição de carta precatórianão se coadunarem com os procedimentos do Juizado Especial.Na ocasião, defendi, e continuo defendendo, a tese de que a Lei dosJuizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> nãopermite a existência de litisconsórcio de pessoa física no pólo passivo,consoante se depreende <strong>da</strong> leitura de seu art. 6º, verbis:“Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial <strong>Federal</strong> Cível:I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequenoporte, assim defini<strong>da</strong>s na Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996;II – como rés, a União, autarquias, fun<strong>da</strong>ções e empresas públicas.”A Lei nº 10.259/2001 não faz óbice à existência do instituto dolitisconsórcio, tanto que se aplica, no que não conflitar com esta Lei,subsidiariamente a Lei nº 9.099/95. O que a Lei nº 10.259/2001 nãoprevê é a possibili<strong>da</strong>de de pessoas físicas e microempresas e empresasde pequeno porte integrarem o pólo passivo <strong>da</strong> relação processual.O legislador em atenção aos princípios que orientam o Juizado346R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Especial, tais como <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> isonomia, <strong>da</strong> economia eceleri<strong>da</strong>de processual, não possibilitou à pessoa física integrar a relaçãoprocessual como parte ré.Assim, somente esta disposição já é suficiente para afastar acompetência do Juizado Especial.No caso concreto, inclusive há divergência quanto ao valor <strong>da</strong>integrali<strong>da</strong>de do pedido formulado, qual seja, se superior ou não,ao limite dos sessenta salários mínimos, o que afastaria também acompetência do Juizado Especial.Ain<strong>da</strong> que o valor fosse inferior a 60 salários mínimos tal fatonão fixaria a competência do Juizado Especial porque o artigo 6º nãocontempla a possibili<strong>da</strong>de de litisconsorte de pessoa física no pólo passivo<strong>da</strong> relação processual.Na ação proposta pela Sra. Nilza Neves Duarte, devem integrar o pólopassivo o Instituto Nacional do Seguro Social e a Sra. Denise Vieira deSouza que divide o benefício com a autora, na condição de litisconsortepassiva necessária, o que vai de encontro tanto com a disposição legalcomo com os princípios orientadores do Juizado Especial, eis queresidindo em locali<strong>da</strong>de diversa <strong>da</strong> autora terá de ser cita<strong>da</strong> por precatória,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 347


decorrendo <strong>da</strong>í, inclusive, outros empecilhos à rápi<strong>da</strong> solução do litígio,objetivo maior dos Juizados Especiais.Portanto, seja em razão do valor superior a sessenta salários mínimos,seja em razão <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de pessoa física figurar no pólo passivo<strong>da</strong> relação processual no Juizado Especial <strong>Federal</strong>, a competência paraprocessar e julgar a referi<strong>da</strong> ação é <strong>da</strong> Vara <strong>Federal</strong>.Frente ao exposto, complementando meu voto, conheço do conflito edeclaro competente para processar e julgar a ação o Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 1ªVara <strong>Federal</strong> Previdenciária de Curitiba/PR, sendo no caso sub judice, emrazão do valor <strong>da</strong> causa, tendo em vista restar vencido na preliminar deque se tratava de dois fun<strong>da</strong>mentos para afastar a jurisdição do JuizadoEspecial.É o voto.AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2003.04.01.008084-4/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>Relatora p/Acordão: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia LuzLeiriaAgravantes: Roque de Souza e outrosArtemio José Belincanta e outroAdvogados: Drs. Vilson Machado dos Santos e outroAgrava<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advoga<strong>da</strong>: Dra. Dolizete Fátima MichelinEMENTAAgravo de instrumento. Procuração. Reconhecimento de firma.Súmula 64, TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Embora se trate de matéria sumula<strong>da</strong> nesta Corte - Súmula nº 64 - , incasu se faz necessário o reconhecimento de firma na procuração, tendoem vista o contexto fático em que se insere a lide, considerando-se osinúmeros casos de irregulari<strong>da</strong>des constata<strong>da</strong>s nas ações executivas detítulo oriundo de ação coletiva ajuiza<strong>da</strong> pela Associação Paranaense348R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de Defesa do Consumidor - APADECO, que visam à devolução devalores relativos a empréstimo compulsório de combustíveis. Em taiscircunstâncias, é impositivo prestigiar-se a cautela de que se acercou adecisão agrava<strong>da</strong>, na medi<strong>da</strong> em que o pequeno contratempo imposto àparte, de efetuar o reconhecimento de firma na procuração, é ínfimo emrelação à efetiva proteção de seu crédito, do qual, por óbvio, é o maiorinteressado, e, em última análise, é o desiderato <strong>da</strong> prestação jurisdicional.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aPrimeira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório,voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 20 de agosto de 2003.Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora p/Acordão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>: Trata-sede agravo de instrumento interposto contra decisão proferi<strong>da</strong> nos autos<strong>da</strong> execução de sentença nº 2002.70.01.011862-6, em trâmite na 2ªVara <strong>Federal</strong> de Londrina/PR, que determinou ao exequente efetuar oreconhecimento de firma na procuração, para expedição do alvará delevantamento.Sustentam os agravantes que não há amparo legal, nem jurisprudencial,que obrigue o reconhecimento de firma nas procurações para olevantamento dos valores depositados. Requer, ain<strong>da</strong>, a devolução <strong>da</strong>scustas processuais já adianta<strong>da</strong>s.O recurso foi contraminutado.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>: Esta Cortecristalizou o entendimento de não ser necessário o reconhecimentode firma nas procurações, inclusive no tocante aos poderes especiais,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 349


mediante a edição <strong>da</strong> Súmula nº 64, in verbis:“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo parao exercício em juízo dos poderes especiais previstos no artigo 38 do CPC.” (DJ- Seção2 - de 03.07.2001)No tocante às custas judiciais, não merece provimento o agravo, pois,como a decisão recorri<strong>da</strong> foi omissa neste ponto, deve a parte peticionarao Juízo a quo para que se pronuncie sobre a matéria não aprecia<strong>da</strong>, antesde recorrer à instância superior.Ante o exposto, voto no sentido de <strong>da</strong>r parcial provimento ao agravode instrumento, nos termos do voto.VOTO DIVERGENTEA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: Relativamenteàs custas judiciais, estou de acordo.Contudo, embora espose do mesmo entendimento do Eminente Relatore, igualmente, não desconheça o teor <strong>da</strong> Súmula nº 64 desta Corte, tenhoque a solução <strong>da</strong> presente lide, se insere em um contexto fático do qualnão posso declinar de conhecer e relevar.Não é novi<strong>da</strong>de para os Eminentes Desembargadores que compõema Primeira Seção desta Corte, os inúmeros casos de irregulari<strong>da</strong>desconstata<strong>da</strong>s nas ações executivas de título oriundo de ação coletivaajuiza<strong>da</strong> pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor -APADECO, que visam à devolução de valores relativos a empréstimo350R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


DIREITO TRIBUTÁRIOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 351


352R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.00.011790-4/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux ChagasApelante: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advoga<strong>da</strong>: Dra. Dolizete Fátima MichelinApela<strong>da</strong>: Saga Pfeiff LosekannAdvogados: Drs. Pio Cervo e outrosRemetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> Vara <strong>Federal</strong> de Porto Alegre/RSEMENTATributário. Imposto de Ren<strong>da</strong>. Isenção sobre lucro auferido naalienação de ações societárias. Decreto-Lei 1.510/76.Na vigência do Decreto-Lei 1.510/76, o acréscimo patrimonialdecorrente de lucro auferido por pessoa física na alienação de açõessocietárias que permanecem no patrimônio do contribuinte por maisde cinco anos está isento do imposto de ren<strong>da</strong>, conforme previsto noart. 4º, d, desse diploma legal.A isenção subsiste mesmo que a alienação tenha ocorrido após arevogação <strong>da</strong> regra isentiva pela Lei 7.713/88, pois, tratando-se de isençãoconcedi<strong>da</strong> sob condição onerosa, o contribuinte tem direito adquirido aobenefício se satisfez a condição prevista na lei.Apelação e remessa oficial desprovi<strong>da</strong>s.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 353


ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Segun<strong>da</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nostermos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 13 de maio de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas: Saga Pfeiff Losekannpropõe Ação Ordinária contra a União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional),objetivando obter a declaração de inexistência de relação jurídicotributáriarelativamente ao Imposto de Ren<strong>da</strong> incidente sobre os ganhos decapital na ven<strong>da</strong> de ações, a decretação <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de do lançamento fiscalefetivado nos autos do processo administrativo nº 11080.008.586/95-96,com a exclusão ou redução <strong>da</strong>s multas e a exclusão <strong>da</strong> SELIC, bem comoa condenação <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong> à repetição dos valores indevi<strong>da</strong>menterecolhidos a esse título.Refere que adquiriu ações <strong>da</strong> Fumossul S/A. ao longo do tempo, até31.12.79, tendo permanecido tais ações em seu patrimônio por mais decinco anos antes do início <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei nº 7.713, de 22 de dezembrode 1988.Diz que a proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s ações está comprova<strong>da</strong> em seusregistros, bem como em suas declarações do Imposto de Ren<strong>da</strong>. Acresceque doou parte de suas ações, com reserva de usufruto, em 27.12.88,doação essa torna<strong>da</strong> sem efeito integralmente, para todos os efeitos legais,em 08.05.90; que este fato em na<strong>da</strong> alterou a sua situação patrimoniale fiscal; que as ações foram manti<strong>da</strong>s em poder <strong>da</strong> autora por mais decinco anos para fazer jus à não-incidência do imposto de ren<strong>da</strong> sobreeventuais ganhos de capital na sua alienação.Afirma que as ações foram vendi<strong>da</strong>s à empresa Casalee do SulLimited em 30.01.91; que, quando do recebimento <strong>da</strong>s parcelas do preço,apresentou demonstrativo de operação dos ganhos de capital e recolheu oimposto de ren<strong>da</strong>; que, quanto aos demais valores depositados em juízoem 30.04.92 e 01.07.92, deixou de apresentar demonstrativos de ganhos354R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de capital em razão <strong>da</strong> falta de disponibili<strong>da</strong>de econômica ou jurídica; quea Fazen<strong>da</strong> Nacional lançou imposto suplementar e cominou penali<strong>da</strong>dese encargos sobre supostos ganhos de capital no exercício de 1992; que aautora foi notifica<strong>da</strong> do lançamento suplementar de ofício e o impugnou,tempestivamente, com procedência parcial.Aduz que, conforme previsto na legislação fiscal <strong>da</strong> época (Decreto-Lei nº 1.510/76), o contribuinte que mantivesse em seu poder ações pormais de cinco anos fazia jus à não-incidência do imposto de ren<strong>da</strong> sobreeventuais ganhos de capital na sua alienação.Sustenta que o Decreto-Lei nº 1.510/76, em vigor até 31 de dezembrode 1988, determinava que não incidiria imposto de ren<strong>da</strong> sobre o lucroauferido por pessoas físicas na alienação de participações societáriasefetiva<strong>da</strong>s após decorrido o período de cinco anos <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> subscriçãoou aquisição <strong>da</strong> participação (art. 4º, alínea d). Desta forma, se as açõesaliena<strong>da</strong>s estavam incorpora<strong>da</strong>s ao patrimônio <strong>da</strong> autora há mais de cincoanos no início <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei nº 7.713/88, o tributo em questão nãoseria exigível, sendo nulo, portanto, o lançamento tributário.A autora argúi a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei 7.713/88 no ponto em queprevê a incidência de imposto de ren<strong>da</strong> sobre ganhos de capital percebidospor pessoa física na alienação de bens móveis, imóveis e direitos, poisesses ganhos não se configuram como ren<strong>da</strong> nem proventos de qualquernatureza, nos parâmetros fixados no art. 43 do CTN.Aduz que a Lei, ao determinar a incidência de IRPF sobre supostadiferença positiva entre o valor <strong>da</strong> alienação e o custo corrigido <strong>da</strong>respectiva aquisição, institui em ver<strong>da</strong>de um imposto novo sobre atransmissão de bens, invadindo a competência de Estados e Municípios;que a lei viola o princípio <strong>da</strong> irretroativi<strong>da</strong>de legal, instituindo obrigaçõestributárias e instrumentais sobre eventos, negócios e atos já sepultadosno passado; que as pessoas físicas com patrimônio já incorporado na <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> nova lei, ao serem obriga<strong>da</strong>s a comprovarem o custo de aquisição sobpena de adoção do custo zero ou quase zero, afun<strong>da</strong>m-se na incerteza ena insegurança jurídica.Outrossim, sustenta que, ain<strong>da</strong> que fosse devido o tributo, o modocomo foi aferido o crédito tributário lançado relativo aos valores querecebeu em juízo é ilegal, pois, no cálculo do lucro tributado, foiconsiderado custo de aquisição próximo a zero, o que é incabível. DizR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 355


que não conservou a documentação que comprova o valor de aquisição<strong>da</strong>s ações porque não estava obriga<strong>da</strong> a tanto; que é ilegítima a sistemáticaadota<strong>da</strong> pelo Fisco de utilizar-se dos valores que atribuiu às ações em escriturapública de doação, posteriormente torna<strong>da</strong> sem qualquer efeito, para fins deapuração do custo de aquisição.A União contesta a ação.O MM. Juízo a quo, sentenciando, rejeita a preliminar de falta dedocumento essencial e decadência. No mérito, julga procedente em parte aação para o efeito de declarar a inexistência <strong>da</strong> relação jurídico-tributáriarelativamente ao Imposto de Ren<strong>da</strong> incidente sobre os ganhos de capitalna ven<strong>da</strong> de ações que estavam no patrimônio <strong>da</strong> autora mais de cincoanos antes do início de vigência <strong>da</strong> Lei nº 7.713/88. Em conseqüência,decreta a nuli<strong>da</strong>de do lançamento fiscal efetivado nos autos do processoadministrativo nº 11080.008.586/95-96 e condena a União à repetiçãodos valores recolhidos a título de Imposto de Ren<strong>da</strong> incidente sobre osganhos de capital na ven<strong>da</strong> de ações. Correção monetária pela variaçãodo BTN até fevereiro/91, INPC até dezembro/91, UFIR até dezembro/95e SELIC a partir de janeiro de1996. Custas e honorários de advogadopela União, estes fixados em 15% sobre o valor <strong>da</strong> condenação.Inconforma<strong>da</strong>, a União (Fazen<strong>da</strong> Nacional) interpõe recurso deapelação, argüindo, preliminarmente, a decadência do direito à repetiçãode indébito e a imprestabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cópia <strong>da</strong> guia DARF como provado recolhimento do tributo em fevereiro/92, indispensável à repetiçãodo indébito.No mérito, alega que não há qualquer direito à isenção ou nãoincidênciade imposto de ren<strong>da</strong> sobre a alienação de ações pratica<strong>da</strong>pela autora, uma vez que, em se tratando de ganho na ven<strong>da</strong> de bens,o fato gerador do imposto é o lucro verificado em ca<strong>da</strong> alienação;que o lucro só pode ser aferido comparando-se o custo de aquisiçãocom o preço obtido na alienação. Sustenta que to<strong>da</strong>s as obtençõesde lucro com as alienações de ações foram posteriores à entra<strong>da</strong> emvigor <strong>da</strong> Lei nº 7.713/88, isto é, após 1º de janeiro de 1989, o queafasta a alegação de retroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei.Aduz, ain<strong>da</strong>, que as parcelas deposita<strong>da</strong>s em juízo por Fumossul S/Aem 30.04.92 e 01.07.92 estão sujeitas à apuração do ganho de capitalnas respectivas <strong>da</strong>tas de recebimento, conforme determinação expressa356R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


dos arts. 1º, 2º e 18, I e parágrafos, <strong>da</strong> Lei nº 8.134/90, tendo em vista aocorrência do fato gerador do imposto de ren<strong>da</strong>, nos termos do art. 43do CTN. Por fim, alega ser devi<strong>da</strong> a multa de ofício e a aplicação <strong>da</strong> taxaSELIC aos débitos de qualquer natureza para com a Fazen<strong>da</strong> Nacional.Apresenta<strong>da</strong>s contra-razões, sobem os autos.Causa sujeita a reexame necessário.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas: A discussão trava<strong>da</strong>nos autos envolve a caracterização ou não de direito adquirido sobre aisenção de imposto de ren<strong>da</strong> sobre lucro auferido na alienação de açõessocietárias em 1991, isenção essa instituí<strong>da</strong> pelo Decreto-Lei nº 1.510/76e revoga<strong>da</strong> pela Lei 7.713/88.A autora adquiriu ações <strong>da</strong> Fumossul S/A a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970.Vendeu-as em janeiro de 1991 para a empresa Casalee do Sul Limited.Sobre as primeiras parcelas do pagamento do preço recolheu imposto deren<strong>da</strong> em fevereiro de 1991 e fevereiro de 1992 (fls. 98-99). As demaisparcelas, deposita<strong>da</strong>s em juízo em seu favor pela Fumossul ao longo doano de 1992, deixou de oferecer à tributação, tendo em vista que, estandodeposita<strong>da</strong>s judicialmente, não detinha a disponibili<strong>da</strong>de jurídica oueconômica sobre elas.Na autuação fiscal, em relação aos pagamentos efetuadosespontaneamente pela autora a título de imposto de ren<strong>da</strong> incidentesobre as primeiras parcelas do preço <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> <strong>da</strong>s ações, o Fisco nãoadmitiu o valor por ela atribuído como custo de aquisição <strong>da</strong>s ações parafins de cálculo de ganhos de capital, tendo por fim, após a apreciaçãode recurso administrativo, fixado um valor significativamente menor doque aquele atribuído pela autora, próximo a zero. Apurado o novo valordo acréscimo patrimonial, lançou as diferenças de imposto de ren<strong>da</strong>,com os acréscimos legais. Outrossim, em relação às demais parcelas dopreço, que foram deposita<strong>da</strong>s em juízo, entendendo estar configura<strong>da</strong>a disponibili<strong>da</strong>de jurídica, lançou de ofício a integrali<strong>da</strong>de do impostodevido, também com os respectivos acréscimos legais.Na ação, a autora pretende ver reconheci<strong>da</strong> a nuli<strong>da</strong>de do lançamentodos créditos exigidos pelo Fisco, bem como a repetição dos valores queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 357


ecolheu espontaneamente. Se o entendimento for pela incidência dotributo, pretende que o mesmo seja recalculado.A sentença acolhe a pretensão, sob o fun<strong>da</strong>mento de direito adquirido àisenção fiscal prevista no Decreto-Lei 1.510/76, reconhecendo a nuli<strong>da</strong>dedo lançamento e condenando a União à repetição dos valores que a autorarecolheu espontaneamente.Portanto, a controvérsia centra-se em verificar, diante <strong>da</strong> regra doDecreto-Lei 1.510/76, se há direito à isenção no caso <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> <strong>da</strong>s açõester ocorrido após a revogação <strong>da</strong>quele diploma legal pela Lei 7.713/88.A isenção do Imposto de Ren<strong>da</strong> e o direito adquiridoO Decreto-Lei 1.510/76, no art. 4º, d, estabeleceu isenção do impostode ren<strong>da</strong> sobre lucro auferido por pessoa física pela ven<strong>da</strong> de ações se aalienação ocorrer após cinco anos <strong>da</strong> aquisição <strong>da</strong> participação societária.A regra está assim redigi<strong>da</strong>:“Art. 1º. O lucro auferido por pessoas físicas na alienação de quaisquer participaçõessocietárias está sujeito à incidência do imposto de ren<strong>da</strong>, na cédula ‘H’ <strong>da</strong> declaraçãode rendimentos.(...)Art. 4°. Não incidirá o imposto de que trata o art. 1º:(...)d) nas alienações efetiva<strong>da</strong>s após decorrido o período de 5 anos <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> subscriçãoou aquisição <strong>da</strong> participação.”A lei concede a isenção do Imposto de Ren<strong>da</strong> se o contribuinte cumprirum determinado requisito, que é o de não transferir as suas ações peloprazo de cinco anos contados <strong>da</strong> sua aquisição ou subscrição. Portanto,a isenção é concedi<strong>da</strong> mediante condição onerosa.A hipótese adequa-se ao conceito emanado <strong>da</strong> doutrina de isençõescondiciona<strong>da</strong>s, onerosas ou contratuais, que são aquelas que dependemdo cumprimento de certos requisitos por quem a elas se queira habilitar(Luciano Amaro. Direito Tributário Brasileiro. 7ª ed. SP, Saraiva,2001, p. 278), ou previstas em lei como retribuição a uma prestaçãodo beneficiário. (Bernardo Ribeiro de Morais. Compêndio de DireitoTributário. 3ª ed. RJ, Forense, 1999, Vol. II, p. 364)No caso, é indiscutível que a exigência de que o contribuinte conservea proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ações por um prazo de cinco anos representa umacondição onerosa, pois os títulos consistem em bens negociáveis,358R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


cujo valor sofre as inflexões do mercado. Está implícito na regraque o contribuinte, para usufruir do benefício fiscal, deve renunciaràs oportuni<strong>da</strong>des favoráveis que eventualmente se lhe ofereçam denegociação dos títulos nos cinco anos posteriores à sua aquisição.A doutrina é uníssona em afirmar que, uma vez tendo o contribuinte sedesincumbido do ônus exigido na lei para o gozo <strong>da</strong> isenção condiciona<strong>da</strong>,há direito adquirido ao benefício fiscal. A propósito, transcrevo a liçãodo já citado Bernardo Ribeiro de Morais (op. cit., p. 364-365):“A regra geral dita<strong>da</strong> pelo art. 178 do CTN é a de que ‘a isenção pode ser revoga<strong>da</strong>ou modifica<strong>da</strong> por lei, a qualquer tempo’. Tal regra geral é aplicável aos casos deisenção tributária prevista de forma incondiciona<strong>da</strong>, graciosamente, sem ônus algumao contribuinte. To<strong>da</strong> lei pode ser revoga<strong>da</strong> ou modifica<strong>da</strong>, inclusive a lei de isençãotributária.(...)Da regra geral há exceção, agasalha<strong>da</strong> pelo mesmo artigo do CTN (art. 178): ‘salvose concedi<strong>da</strong> por prazo certo e em função de determina<strong>da</strong>s condições’. Tratando-se deisenções ‘condiciona<strong>da</strong>s’ ou ‘onerosas’, previstas como condição de sua concessão,exigindo do contribuinte uma ativi<strong>da</strong>de ou um comportamento que ele não efetivaria seele ficasse submetido ao tributo, nesse caso o Código Tributário Nacional não admitea sua revogação ou modificação por lei (...).A isenção tributária onerosa ou condiciona<strong>da</strong> tem caráter contratual (a norma legalde isenção condiciona esta a um encargo do sujeito passivo tributário e lhe ofereceum prazo mínimo de vantagem), sendo certo que sua revogação atenta contra o direitoadquirido.”O entendimento pela configuração do direito adquirido à isençãocondiciona<strong>da</strong> após o contribuinte ter cumprido a exigência prevista foisumulado pelo Colendo STF, sendo objeto <strong>da</strong> Súmula 544:“Súmula 544. Isenções tributárias concedi<strong>da</strong>s, sob condição onerosa, não podemser livremente suprimi<strong>da</strong>s.”No caso dos autos, embora a alienação <strong>da</strong>s ações tenha ocorrido em1991, já na vigência <strong>da</strong> Lei 7.713/88, que revogou a regra isentiva, asações integravam o patrimônio <strong>da</strong> autora há muito tempo, desde o final<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, já havendo transcorrido com folga o período de cincoanos que ensejava o direito à isenção do imposto de ren<strong>da</strong> na ven<strong>da</strong> <strong>da</strong>sações previsto no Decreto-Lei 1.510/76.Portanto, julgo configurado o direito adquirido <strong>da</strong> autora à isençãodo imposto de ren<strong>da</strong> incidente sobre eventual ganho de capital naalienação <strong>da</strong>s ações.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 359Reconhecido o direito adquirido à isenção, impende que se reconheça,


em conseqüência, a nuli<strong>da</strong>de do lançamento fiscal <strong>da</strong>s diferenças deimposto de ren<strong>da</strong>, bem como o direito à repetição do tributo pagoindevi<strong>da</strong>mente.Imprestabili<strong>da</strong>de de cópia <strong>da</strong> guia DARF em fevereiro de 1992A Fazen<strong>da</strong> Nacional argúi a imprestabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cópia <strong>da</strong> guia DARFcomo prova do recolhimento do tributo em fevereiro/92, indispensávelà repetição do indébito.A alegação não merece prosperar. A falta de autenticação <strong>da</strong> cópia <strong>da</strong>respectiva guia DARF (fl. 92) não compromete seu valor probante se forconsiderado todo o conjunto probatório.To<strong>da</strong>s as evidências são no sentido de que houve recolhimento deimposto de ren<strong>da</strong> quando do recebimento <strong>da</strong> 2ª parcela do preço, emjaneiro de 1992.Com efeito, a cópia do procedimento administrativo-fiscal juntado aosautos demonstra que o lançamento de ofício, no relativo ao ano de 1992,foi efetuado a partir <strong>da</strong> apuração de um lucro superior ao declarado pelaautora, por não ter o Fisco aceitado o valor de aquisição <strong>da</strong>s ações atribuídopela contribuinte.Como o imposto exigido refere-se apenas à diferença de ganhopatrimonial, está implícito que foi recolhido o imposto referente aoganho declarado (e que efetivamente foi declarado, conforme cópias<strong>da</strong>s declarações de rendimentos <strong>da</strong> autora constantes dos autos). É estepagamento que é comprovado pela referi<strong>da</strong> guia DARF em comento.Assim, a prova é hábil para o deferimento <strong>da</strong> repetição do indébito.Prescrição na repetição de indébitoEstá sedimentado o entendimento jurisprudencial no sentido de que,nos casos de tributos sujeitos ao regime de lançamento por homologação,se não houver homologação expressa, a prescrição do direito de requerera restituição se opera no prazo de dez anos, a contar do pagamento.Com efeito, o direito de pleitear a restituição extingue-se em cincoanos a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> extinção do crédito, conforme previsto no art.168, I, do CTN. Contudo, no caso de tributo em que o sujeito passivodeva antecipar o pagamento (“autolançamento”), a extinção definitiva docrédito somente ocorre com a homologação do lançamento pelo Fisco,360R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


que pode ser expressa ou tácita. Se não houver manifestação expressa,considera-se homologado tacitamente o lançamento após cinco anos acontar <strong>da</strong> ocorrência do fato gerador. (CTN, art. 150, § 4º)Ocorre que, no caso dos autos, os pagamentos cuja repetição épostula<strong>da</strong> não foram homologados, nem tácita nem expressamente. Aocontrário, o Fisco considerou os pagamentos insuficientes, lançando deofício diferenças que entendeu devi<strong>da</strong>s. O valor do tributo exigido foiobjeto de processo administrativo, que se encerrou tão-somente em abrilde 2000. (fl. 1040)Portanto, somente a partir <strong>da</strong>í estaria extinto definitivamente o crédito,na parte que foi paga, iniciando-se o prazo prescricional de cinco anos.Tendo sido ajuiza<strong>da</strong> a ação em outubro de 2000, não há que se falar emprescrição.Mesmo que assim não se enten<strong>da</strong>, é inquestionável que, no caso, nãoestá configura<strong>da</strong> a homologação expressa do pagamento, pressupondoseentão que ocorreu a homologação tácita após transcorridos os cincoanos após o fato gerador, conforme previsto no art. 150, § 4º, do CTN.Assim, apenas a partir desse momento começa a fluir o prazoqüinqüenal previsto no art. 168, I, do CTN, prescrevendo o direitodo contribuinte de pleitear a restituição após decorridos dez anos <strong>da</strong>ocorrência do fato gerador que, no caso, deu-se em janeiro/91.Portanto, sob este prisma também não estaria prescrito o direito àrestituição, merecendo confirmação a sentença no ponto.Correção monetáriaA sentença a quo defere correção monetária pela variação do BTN atéfevereiro/91, INPC até dezembro/91, UFIR até dezembro/95 e SELIC apartir de janeiro de1996.Os critérios aplicados na sentença relativos à correção monetáriaincidente sobre as parcelas a serem restituí<strong>da</strong>s estão de acordo com oentendimento do <strong>Tribunal</strong>, merecendo confirmação em sede de reexamenecessário.Honorários de advogadoNa ausência de recurso voluntário no relativo à condenação emhonorários de advogado, examino-a em sede de remessa oficial. Asentença fixa os honorários em 15% sobre o valor <strong>da</strong> condenação.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 361


A causa envolve um pedido de natureza desconstitutiva e declaratória(a nuli<strong>da</strong>de do lançamento do imposto não pago) e outro de naturezacondenatória (a repetição do tributo pago indevi<strong>da</strong>mente). Os valoreseconômicos discutidos na ação somam R$ 931.813,14. O tributo cujolançamento tem sua nuli<strong>da</strong>de declara<strong>da</strong> equivale a R$ 697.666,92 emabril de 2000 (fls. 51-52). Por sua vez, o tributo a cuja repetição a Uniãoé condena<strong>da</strong> corresponde a R$ 234.146,22 na mesma época. (fl. 101)A sentença elegeu apenas o valor <strong>da</strong> condenação (R$ 234.146,22)como base de cálculo dos honorários, fixando-os no percentual de 15%.Portanto, em que pese o percentual deferido na sentença ser maiordo que o normalmente admitido pela Turma, que é o de 10%, a base decálculo corresponde apenas a uma parte do proveito econômico <strong>da</strong> ação,pois foi desconsiderado o valor correspondente à parte declaratória edesconstitutiva <strong>da</strong> sentença.Com efeito, se houvesse sido aplicado o percentual de 10% sobrea totali<strong>da</strong>de do proveito econômico obtido na ação (critério que seriaconfirmado pela Turma), a verba honorária resultaria maior.Assim, estando a verba honorária fixa<strong>da</strong> em parâmetros inferiores aosadmitidos pelo colegiado, não há motivo para sua modificação em sedede reexame necessário.Ademais, a condenação atende aos critérios inscritos no art. 20, §§ 3ºe 4º, do CPC, merecendo também por isso confirmação.Do exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.362R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


É como voto.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.72.05.007824-0/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> SoaresApelante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRAAdvogados: Dra. Lúcia Helena Bertaso Gol<strong>da</strong>niDr. Roberto PortoApelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Mariana Gomes de CastilhosApela<strong>da</strong>: Metisa Metalúrgica Timboense S/AAdvogados: Drs. Romeo Piazera Junior e outrosRemetente: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 3ª Vara <strong>Federal</strong> de Blumenau/SCEMENTATributário. Contribuição sobre a folha de salários ao INCRA.Contribuição <strong>da</strong> filial. Ilegitimi<strong>da</strong>de ativa <strong>da</strong> matriz. Prescrição. Extinçãopela Lei nº 8.212/91. Repasse do encargo financeiro. Compensação.Impossibili<strong>da</strong>de. Restituição.1. A matriz não possui legitimi<strong>da</strong>de para deman<strong>da</strong>r a restituição decontribuição cujo fato gerador ocorreu em uma ou mais de suas filiais,pois, para fins fiscais, as filiais entre si e a matriz são consideradosestabelecimentos autônomos. 2. Em se tratando de tributo sujeito alançamento por homologação, como o presente, o prazo prescricionalpara postular a restituição é de 5 anos (art. 168 do CTN), começando afluir somente após a homologação, expressa ou tácita, a ser realiza<strong>da</strong> peloFisco em igual período. 3. A contribuição ao INCRA incidente sobre afolha de salários foi recepciona<strong>da</strong> pela nova Ordem Constitucional (art.195, I) e permaneceu exigível, por seu caráter de contribuição socialgeral, até a edição <strong>da</strong> Lei n.º 8.212/91, que a extinguiu de forma tácita.Precedentes desta Corte e do STJ. 4. É inaplicável ao caso dos autos odisposto no artigo 89, §1º, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, porquanto não se pode terR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 363


esta contribuição como tributo indireto para os fins <strong>da</strong>quela legislação.5. Não satisfazendo aos critérios do art. 66 <strong>da</strong> Lei nº 8.383/91 – mesmaespécie e destinação constitucional – inviável a compensação do indébitopelo contribuinte em sua escrita fiscal. O indébito pode, no entanto, serrecuperado mediante restituição em espécie.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aSegun<strong>da</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,negar provimento aos apelos e <strong>da</strong>r parcial provimento à remessa oficial,vencido parcialmente o Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 22 de abril de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares: Trata-se deação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, em que se postulaa declaração de inexigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição social ao INCRA, àalíquota de 0,2%, incidente sobre a folha de salários, e a compensaçãoou, alternativamente, a restituição dos valores indevi<strong>da</strong>mente recolhidosdesde o advento <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, acrescidos de correção monetária.Atribuiu à causa o valor de R$ 5.500,00.A antecipação <strong>da</strong> tutela de suspensão <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> exação foiindeferi<strong>da</strong>. (fl. 502) O agravo de instrumento interposto pela deman<strong>da</strong>ntefoi provido por este Relator. (547/549)Processado o feito, sobreveio sentença que afastou a alegação deilegitimi<strong>da</strong>de passiva do INSS e acolheu parcialmente a prejudicial deprescrição, atingi<strong>da</strong>s as parcelas anteriores a 13.12.91. No mérito, julgouparcialmente procedente o pedido, ao fun<strong>da</strong>mento de que a contribuiçãonão foi recepciona<strong>da</strong> pelo sistema tributário <strong>da</strong> CF/88. Negou, entretanto,a compensação do indébito, porque a exação debati<strong>da</strong> não guar<strong>da</strong> relaçãode “mesma espécie” com qualquer outra, mas condenou o INCRA àrepetição dos valores recolhidos indevi<strong>da</strong>mente. Condenou, ain<strong>da</strong>,364R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


as deman<strong>da</strong><strong>da</strong>s ao reembolso <strong>da</strong>s custas processuais e ao pagamentode honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor <strong>da</strong>condenação para o INCRA e 10% sobre o valor <strong>da</strong> causa para o INSS.Apelou o INCRA, alegando ilegitimi<strong>da</strong>de passiva para figurar nademan<strong>da</strong> e a ocorrência de prescrição qüinqüenal. No mérito, sustentoutratar-se de contribuição social geral, não extinta pela Lei nº 8.212/91.Pugnou, ain<strong>da</strong>, pela impossibili<strong>da</strong>de de restituição, pois ausente prova <strong>da</strong>não-transferência do encargo financeiro do tributo à socie<strong>da</strong>de, bem comopela substituição <strong>da</strong> taxa SELIC pela UFIR como índice de atualizaçãomonetária e a não-incidência de juros moratórios.O INSS também apelou, igualmente, alegando ilegitimi<strong>da</strong>de passiva eprescrição qüinqüenal. No mérito, sustentou a recepção <strong>da</strong> contribuiçãoao INCRA pelo art. 149 <strong>da</strong> CF/88, bem como a não-revogação pela Leinº 7.787/89.Com contra-razões, vieram os autos.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares: Trata-se deremessa oficial e apelação em ação ordinária, cuja sentença reconheceu ainexigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> exação destina<strong>da</strong> ao INCRA e determinou a restituiçãodos recolhimentos não-prescritos.Inicialmente, com esteio na remessa oficial, analiso a extensãodo pólo ativo <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>. A parte autora é socie<strong>da</strong>de anônima, cujamatriz, CNPJ 86.375.425/0001-09, sedia<strong>da</strong> em Timbó, SC, ajuizoua presente ação ordinária. Compulsando os autos, verifico que foramjunta<strong>da</strong>s guias de recolhimento de filiais, situa<strong>da</strong>s em várias ci<strong>da</strong>des,inclusive em outros Estados <strong>da</strong> federação: Belo Horizonte, MG, CNPJ86.375425/0007-96; São Paulo, SP, CNPJ 86.375.425/0019-20; Curitiba,PR, CNPJ 86.375425/0017-68; Cuiabá, MT, CNPJ 86.375.425/0015-04; Rio de Janeiro, RJ, CNPJ 86.375.425/005-24; Recife, PE, CNPJ86.375.425/0013-34; Canoas, RS, CNPJ 86.375.425/0016-87; Salvador,BA, CNPJ 86.375.425/0018-49; e Goiânia, GO, CNPJ 86.375.425/0004-43.O Código Civil de 1916, no art. 35, § 3º, já dispunha, e o novo CódigoCivil, no art. 75, § 1º, manteve a re<strong>da</strong>ção sobre o domicílio <strong>da</strong>s pessoasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 365


jurídicas:“Art. 75 – Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:[. . .]IV – <strong>da</strong>s demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias eadministrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.§ 1.º – Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes,ca<strong>da</strong> um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.” (grifei)O Código de Processo Civil, no art. 100, determina a competência deforo:“Art. 100 – É competente o foro:[. . .]IV – do lugar:[. . .]b) onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu;”O art. 109 <strong>da</strong> CF/88 prevê a competência dos juízes federais:“Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:I – As causas em que a União, enti<strong>da</strong>de autárquica ou empresa pública federal foreminteressa<strong>da</strong>s na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência,as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;[. . .]§ 2.º As causas intenta<strong>da</strong>s contra a União poderão ser afora<strong>da</strong>s na seção judiciáriaem que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deuorigem à deman<strong>da</strong> ou onde esteja situa<strong>da</strong> a coisa, ou, ain<strong>da</strong>, no Distrito <strong>Federal</strong>.” (grifei)Já a disciplina do Ca<strong>da</strong>stro Nacional <strong>da</strong> Pessoa Jurídica (CNPJ)encontra-se na Instrução Normativa SRF nº 200/2002, que, no art. 13,assim dispõe:“Art. 13. A pessoa jurídica deverá inscrever no CNPJ ca<strong>da</strong> um de seusestabelecimentos, inclusive os situados no exterior.§ 1º O estabelecimento é a uni<strong>da</strong>de autônoma, móvel ou imóvel, em que a pessoajurídica exerce, em caráter permanente ou temporário, ativi<strong>da</strong>de econômica ou socialgeradora de obrigação tributária, principal ou acessória.§ 2º Na hipótese de a pessoa jurídica possuir mais de um estabelecimento, amatriz terá o número de ordem igual a 0001, e os demais, denominados filiais,independentemente de outra denominação jurídica, serão numerados em ordemseqüencial a partir de 0002.” (grifei)Pelos números dos CNPJ, verifica-se que ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des <strong>da</strong>deman<strong>da</strong>nte constitui um estabelecimento, estando, dessa forma, aptas a366R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


contrair obrigações, assim como sofrer imposição tributária, autônomas<strong>da</strong>s obrigações e imposições tributárias relativas à matriz.No caso dos autos, debate-se acerca <strong>da</strong> contribuição destina<strong>da</strong> aoINCRA, incidente sobre a folha de salários. O fato gerador <strong>da</strong> exação éo pagamento de remuneração, decorrente <strong>da</strong> utilização do trabalho, queocorre em ca<strong>da</strong> um dos estabelecimentos, pois há vínculo empregatícioentre o trabalhador e a filial, bem como a esta são prestados os demaisserviços. Assim, é a filial contribuinte <strong>da</strong> exação em debate, pois temrelação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fatogerador, nos termos do art. 121 do CTN.Desde que a filial pode ser considera<strong>da</strong> estabelecimento, comorganização administrativa autônoma, pelo menos no tocante àsobrigações ali assumi<strong>da</strong>s, pode ela ser deman<strong>da</strong><strong>da</strong> no foro onde se situa(Súmula 363, STF), <strong>da</strong> mesma forma que também pode aí deman<strong>da</strong>r.Do exposto, resultam três questões: a legitimi<strong>da</strong>de ativa <strong>da</strong> matriz, acompetência territorial para conhecer <strong>da</strong> lide e a possibili<strong>da</strong>de de repetição<strong>da</strong> deman<strong>da</strong>.Quanto à primeira questão, entendo que a matriz não possuilegitimi<strong>da</strong>de para deman<strong>da</strong>r, isola<strong>da</strong>mente, a restituição de contribuiçãocujo fato gerador ocorreu em uma ou mais de suas filiais. Isto porque asfiliais entre si e a matriz possuem personali<strong>da</strong>des jurídicas distintas, e,via de regra, os efeitos <strong>da</strong> sentença não se estendem àquelas pessoas quenão participam do processo. Por outro lado, entendo que a matriz poderiaajuizar ação em litisconsórcio ativo facultativo com uma ou mais filiais,para reaver contribuição própria e <strong>da</strong>s filiais, desde que sob a competênciaterritorial do mesmo juízo. Não sendo este o caso dos autos, limita-se ademan<strong>da</strong> à pessoa jurídica que integra o pólo ativo do processo.Quanto à segun<strong>da</strong>, não poderia o Juízo a quo conhecer de insurgênciarelativa a tributo cujo fato gerador ocorreu fora de sua competênciaterritorial, extrapolando, no caso dos autos, inclusive a competênciaterritorial do próprio <strong>Tribunal</strong> ad quem. A questão <strong>da</strong> competêncianão pôde, entretanto, ser levanta<strong>da</strong> pelas deman<strong>da</strong><strong>da</strong>s, nem aprecia<strong>da</strong>pelo Juízo a quo, porque a parte autora não explicitou a pretensão delitigar também em nome <strong>da</strong>s filiais, limitando-se a juntar as guias derecolhimento dessas enti<strong>da</strong>des.Por último, estando a filial habilita<strong>da</strong> a deman<strong>da</strong>r no foro em que sesitua, poderia, inadverti<strong>da</strong>mente, repetir o questionamento aforado pelaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 367


matriz, o que dificultaria extremamente a defesa do réu, além do que,em sendo vencedora, haveria possibili<strong>da</strong>de de ocorrer dupla repetiçãodo indébito, quando também fosse procedente a insurgência <strong>da</strong> matriz.Em apoio a esse entendimento, colaciono as seguintes decisões deste<strong>Tribunal</strong>:“COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. FILIAIS INTERIORANAS.REGISTRO OBRIGATÓRIO NO CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA.1. Tratando-se de socie<strong>da</strong>de anônima, a lei de regência é a Lei nº 6.404/76, queestabelece o registro na junta comercial.2. A filial deve proceder seu registro no Conselho <strong>Regional</strong> de Economia por tratarsede Socie<strong>da</strong>de Autônoma, com personali<strong>da</strong>de jurídica própria, que realiza to<strong>da</strong>s asoperações legalmente permiti<strong>da</strong>s ao tipo societário.3. Recurso improvido.” (grifei) (AMS nº 91.04.18364-9/PR, 2ª Turma, Rel. JuízaMarga Barth Tessler, DJ 16.11.94)“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CADIN. DECISÃO DE JUÍZESVINCULADOS A TRIBUNAIS REGIONAIS DIVERSOS. AGÊNCIAS BANCÁRIASDE OUTROS ESTADOS. LITISPENDÊNCIA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS.1. Para fins tributários, as filiais entre si e a matriz são considerados estabelecimentosautônomos.2. Decisão do Juiz <strong>Federal</strong> de São Paulo não faz litispendência em relação a processode outra região, face a inexistência de identi<strong>da</strong>de de partes e delimitação jurisdicional.3. Apelação provi<strong>da</strong>.4. Sentença remeti<strong>da</strong> ao 1º grau para o enfrentamento do mérito.” (grifei)(ACnº 1999.04.01.138438-0/RS, 4.ª Turma, Rel. Juiz Alcides Vettorazzi, unânime, DJU24.05.2000)Dessa forma, o pólo ativo <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> compreende somente a matriz,identifica<strong>da</strong> pelo respectivo número de inscrição no CNPJ, devendo serdesconsidera<strong>da</strong>s as guias de recolhimento de contribuições referentes àsfiliais <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>nte.Legitimi<strong>da</strong>de passiva do INCRA e do INSSA questão <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de do INCRA e do INSS para figurarem nopólo passivo do feito resta pacifica<strong>da</strong> por esta Corte, que entende serhipótese de litisconsórcio passivo necessário, nos termos do precedentecuja ementa passo a transcrever:“CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. LEI 7.787/89. EXTINÇÃO. LITISCONSÓRCIONECESSÁRIO. INSS E INCRA. PROCEDÊNCIA.Sendo questiona<strong>da</strong> a exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição previdenciária destina<strong>da</strong> ao368R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


INCRA, o INSS, agente autorizado a lançar a contribuição, não possui, por si sólegitimi<strong>da</strong>de passiva ad causam, pois a esfera de disponibili<strong>da</strong>de jurídica do INCRAserá atingi<strong>da</strong> pela decisão, sendo caso de formação de litisconsórcio passivo necessário.”(AMS 1999.04.01.039862-0/RS, TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, 1ª Turma, Rel. Guilherme Beltrami,unânime, DJ 09.08.2000, p. 89)PrescriçãoO prazo prescricional para postular a restituição/compensação decréditos tributários é de 5 anos, começando a fluir somente após asua extinção definitiva (art. 168, I, do CTN). Nos tributos sujeitosao lançamento por homologação, a referi<strong>da</strong> extinção se dá pelahomologação fiscal — expressa ou tácita — do recolhimento antecipadopelo contribuinte. Se não houver manifestação expressa, presume-setacitamente homologado o pagamento (e, portanto, extinto o créditotributário) após cinco anos “a contar <strong>da</strong> ocorrência do fato gerador”.(art. 150, § 4º, CTN)Assim, o contribuinte que recolheu exação indevi<strong>da</strong>mente, ou amaior, tem dez anos para repetir o indébito, contados do fato gerador sea homologação for tácita. Se esta for expressa, terá cinco anos contados<strong>da</strong> homologação do lançamento.Tal entendimento encontra-se pacificado pelo Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça:“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.COMPENSAÇÃO. PIS. PRESCRIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA07/STJ. IMPROVIMENTO. A prescrição do direito de pleitear a compensação, nostributos sujeitos a lançamento por homologação, se dá após expirado o prazo de cincoanos, contados do fato gerador, acrescidos de mais cinco anos, a partir <strong>da</strong> homologaçãotácita...”. (AGA 342031/SP, STJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Falcão, DJUde 22.10.2001)É idêntico o posicionamento desta Corte:“CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PRO LABORE. LEIS 7.787/89, 8.212/91 E8.383/91. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO.LIMITE À COMPENSAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DO ENCARGO. CORREÇÃOMONETÁRIA. (...) O prazo prescricional só começa a fluir após a conclusão doprocedimento administrativo de lançamento. E, em se tratando de tributo sujeito a regimede lançamento por homologação, o marco inicial do prazo prescricional é a própriaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 369


homologação, expressa ou tácita, quando efetivamente se tem por constituído o créditotributário. Sendo assim, enquanto não concretiza<strong>da</strong> a homologação do lançamento peloFisco, ou ain<strong>da</strong> não decorrido o prazo de cinco anos a que se refere o par. 4° do art.150 do Código Tributário Nacional, não há falar em prescrição, só cogitável passadoscinco anos <strong>da</strong> homologação. (...)”. (AMS nº 2000.71.04.006662-2. 2ª Turma, Rel. JuizVílson Darós, DJU 03.10.2001)“SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO – SAT – PRESCRIÇÃO –CONSTITUCIONALIDADE – GRAU DE RISCO – DECRETO REGULAMENTO.O prazo prescricional, nos casos de tributo objeto de lançamento por homologação,começa após o transcurso do prazo de cinco anos, contados <strong>da</strong> ocorrência do fato gerador,acrescido de mais cinco anos contados <strong>da</strong>quela <strong>da</strong>ta em que se deu a homologaçãotácita (...)”. (AC nº 2001.04.01.065571-2/SC, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti,DJU 17.01.2001)Logo, no caso dos autos, como a ação foi proposta em 13 de dezembrode 2001 e a exação que se pretende compensar foi a partir de julho de1991 (advento <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91), inexistindo indício de que houvehomologação expressa do lançamento pelo Fisco, está parcialmenteextinto o direito de repetição postulado pela apelante, atingi<strong>da</strong>s asparcelas cujos fatos geradores ocorreram antes de 13 de dezembro de1991.Tendo a sentença recorri<strong>da</strong> decidido nesse sentido, é de ser manti<strong>da</strong>no tópico.Recepção Constitucional <strong>da</strong> Exação ao INCRAPrimeiramente, quanto à questão <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> exigência decontribuição para o INCRA, transcrevo trecho esclarecedor de votoproferido pelo em. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, no julgamento <strong>da</strong> AMS2001.04.01.065731-2/SC, em 11.09.2001 (sessão <strong>da</strong> 2ª Turma):“Assim, vê-se que a criação do SENAR se deu ‘sem prejuízo <strong>da</strong>s atribuições dosórgãos públicos competentes’ (Art. 162 do ADCT), não restando afasta<strong>da</strong> a cobrança<strong>da</strong> contribuição para o INCRA.O amparo constitucional <strong>da</strong> contribuição ao INCRA encontra-se no inciso I doartigo 195 <strong>da</strong> Carta Magna, enquanto a contribuição ao SENAR encontra-se previstanos também referidos artigo 240 <strong>da</strong> Constituição e 62 do ADCT. Elas têm natureza edestinação diversas. Uma visa financiar a coletivi<strong>da</strong>de em geral e a outra tem comoescopo ser uma enti<strong>da</strong>de profissionalizante, não havendo qualquer problema no fato deque incide sobre folha de salários, uma vez que o artigo 240 fez-lhe a devi<strong>da</strong> ressalva.”370R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Lei nº 7.787, de 1989.O art. 3º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 7.787/89 modificou a contribuição incidentesobre a folha de salários. Veja-se o que diz o texto legal:“Art. 3º. A contribuição <strong>da</strong>s empresas em geral e <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des ou órgãos a elaequiparados, destina<strong>da</strong> à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será:I - de 20% sobre o total <strong>da</strong>s remunerações pagas ou credita<strong>da</strong>s, a qualquer título, nodecorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores;...§ 1º. A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o saláriofamília,para o salário-materni<strong>da</strong>de, para o abono anual e para o PRORURAL, queficam suprimi<strong>da</strong>s a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para aPrevidência Social.(omissis)”Por esse dispositivo, o legislador suprimiu apenas as contribuiçõesincidentes sobre a folha de salários destina<strong>da</strong>s ao PRORURAL, atéentão regula<strong>da</strong>s pelo inciso II do art. 15 <strong>da</strong> Lei Complementar nº 11/71,nenhuma referência fazendo em relação à quota-parte destina<strong>da</strong> ao custeiodo INCRA, que restou incólume. Ocorre que o inciso estabelecia umaalíquota única incidente sobre a folha de salários, mas fazia distinçãoquanto à destinação: dos 2,6% exigidos, 2,4% destinavam-se a custear oPRORURAL e 0,2% favoreciam o INCRA. A supressão, repita-se, atingiuapenas a quota de 2,4%, que destinava-se ao custeio do PRORURAL.Se a lei foi expressa em suprimir a contribuição ao PRORURALincidente sobre a folha de salários, por certo manteve a contribuição noquantum destinado ao INCRA.É esse o entendimento esposado pelo eg. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,consubstanciado no seguinte aresto:“FUNRURAL - EMPRESAS URBANAS - PRORURAL - FONTE DE CUSTEIO- CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA. To<strong>da</strong>s as empresas, urbanas ou rurais, estãoobriga<strong>da</strong>s a recolher anualmente as contribuições de 2,4% para o INSS e 0,2% parao INCRA, sobre o valor de sua folha de pagamento. Somente a contribuição de 2,4%foi destina<strong>da</strong> ao FUNRURAL e é fonte de custeio do PRORURAL. A contribuiçãode 0,2% do INCRA nunca foi fonte de custeio do PRORURAL, e o art. 3º, § 1º, <strong>da</strong> Leinº 7.787/89 não a suprimiu. Recurso <strong>da</strong> empresa não conhecido. Recurso do INSSprovido.” (REsp nº 173.588/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro Garcia Vieira, DJ 21.9.98,p. 95) (grifei)Pela clareza <strong>da</strong> explanação e pelo seu conteúdo, transcrevo parte doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 371


voto proferido no aludido precedente:“(…) A Lei Complementar nº 11/71, ao criar o PRÓ-RURAL, determinou em seuartigo 15 que os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Ruralprovenham <strong>da</strong> contribuição devi<strong>da</strong> pelo produtor e <strong>da</strong> contribuição de que trata o artigo3º do Decreto nº 1.146/79, eleva<strong>da</strong> para 2,6%, cabendo 2,4% ao FUNRURAL. Essacontribuição é arreca<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo INSS para o INCRA, a exemplo do FGTS para o BNH.Referi<strong>da</strong> contribuição de 0,2% não é e nunca foi recurso do PRORURAL. O artigo 53<strong>da</strong> Lei Complementar nº 11/71 não incluiu esta contribuição de 0,2%. Estabelece o seuartigo 53 que o custeio do PRORURAL será atendido pelas contribuições de 2% devi<strong>da</strong>pelo produtor sobre o valor dos produtos rurais e de 2,4% na forma estabeleci<strong>da</strong> pelocitado artigo 15, II. Também o Regulamento do PRORURAL, Decreto nº 73.617/74,artigo 60, não destina ao custeio deste Programa os 0,2% e sim 2,4%. O Decreto nº83.081/79, artigo 76, determina que o custeio <strong>da</strong> previdência social rural é tambématendido pela contribuição <strong>da</strong>s empresas em geral, vincula<strong>da</strong>s à previdência rural urbana,de 2,4% <strong>da</strong> folha de salários-de-contribuição de seus empregados.Como se vê, somente a contribuição de 2,4% foi destina<strong>da</strong> ao FUNRURAL e éfonte de custeio do PRORURAL. A contribuição de 0,2% do INCRA nunca foi fontede custeio do PRORURAL, e o artigo 3º, § 1º, <strong>da</strong> Lei 7.787/89 não a suprimiu.”Esta turma tem seguido a mesma orientação, como se observa <strong>da</strong>seguinte ementa, referente à AMS nº 2000.04.01.000570-5/RS, relatorJuiz <strong>Federal</strong> Vilson Darós, DJU de 06.09.2000, p. 148:“MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO. CABIMENTO. PRAZOPRESCRICIONAL. CONTRIBUIÇÕES AO FUNRURAL E AO INCRA. EMPRESAURBANA. LIMITE À COMPENSAÇÃO. (…) No que refere ao FUNRURAL,definindo a posição desta Corte sobre o tema, a Primeira Seção, em 1º de março de2000, ao apreciar os EI nº 95.04.61808-1/PR interpostos pelo INSS, em que se discutiaa cobrança <strong>da</strong>s contribuições para o FUNRURAL, por maioria, negou provimento aosembargos, ao fun<strong>da</strong>mento de que, nos termos do art. 3º, parágrafo 1º, <strong>da</strong> Lei nº 7.787/89,para as empresas urbanas, foi suprimi<strong>da</strong> a contribuição ao FUNRURAL, motivo peloqual, a partir de então, deve ser reconheci<strong>da</strong> como indevi<strong>da</strong> a sua cobrança. A LeiComplementar nº 11/71, no inciso II de seu artigo 15, determina que ‘<strong>da</strong> contribuiçãode que trata o artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qualficava eleva<strong>da</strong> para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatrodécimos por cento) ao FUNRURAL.’ Logo, uma parcela passou a custear o PRORURALe a sobra dessa diferença - 0,2% (zero vírgula dois por cento) permaneceu destina<strong>da</strong>ao INCRA, nos moldes em que instituí<strong>da</strong> pelo Decreto-Lei nº 1.146/70, tendo sidosuprimi<strong>da</strong> apenas pela Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Em síntese, os recolhimentosefetuados a título de FUNRURAL a contar de 1º de setembro de 1989 e os recolhidosao INCRA a partir de 24 de julho de 1991, podem ser restituídos ou compensados. Acompensação, objeto <strong>da</strong> presente ação, só é viável com a Contribuição sobre a Folha372R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de Salários. O limite à compensação só não incidirá se o débito e o crédito tributário,com o qual a parte preten<strong>da</strong> efetuar a compensação, forem anteriores à vigência <strong>da</strong>sLeis n os 9.032/95 e 9.129/95. Se forem posteriores, ain<strong>da</strong> que apenas o crédito tributárioo seja, têm plena aplicação as disposições <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s leis.” (grifei)A Lei de Custeio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social – Lei nº 8.212/91Por outro lado, a Lei nº 8.212, de 1991, ao instituir o novo Plano deCusteio <strong>da</strong> Previdência Social, deixou de incluir entre as contribuiçõesdevi<strong>da</strong>s pelas empresas aquela destina<strong>da</strong> ao INCRA e tornouineficaz a legislação anterior que dispusesse em contrário (art. 105).Conseqüentemente, foi extinta a contribuição ao INCRA, à alíquota de0,2%, incidente sobre a folha de salários, sendo indevidos, portanto, todosos recolhimentos efetuados a partir de 25 de julho de 1991.Prova <strong>da</strong> ausência do repasse do encargo financeiroO § 1º do art. 89 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, prevê:“Admitir-se-á apenas a compensação de contribuição a cargo <strong>da</strong> empresa, recolhi<strong>da</strong>ao INSS, que, por sua natureza, não tenha sido transferi<strong>da</strong> ao custo do bem ou serviçooferecido à socie<strong>da</strong>de.”Ocorre que, apesar do dispositivo, a jurisprudência, em casos comoo presente, orienta-se no sentido de que a prova de que não houve atransferência do encargo financeiro não é requisito para a repetiçãodo indébito, quanto aos valores recolhidos indevi<strong>da</strong>mente a título decontribuição social incidente sobre a folha de salários. Com efeito, aexação não se enquadra na espécie dos tributos que, pela sua naturezajurídica, transfere-se ao contribuinte de fato, conforme assentou oSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça:“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPENSAÇÃO. REPETIÇÃODE INDÉBITO. IPI. TRIBUTO INDIRETO. TRANSFERÊNCIA DE ENCARGOFINANCEIRO AO CONSUMIDOR FINAL. ART. 166 DO CTN. ILEGITIMIDADEATIVA. PRECEDENTES.1.Agravo Regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso especial<strong>da</strong> agravante.2. A Primeira Seção do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, em 10.11.99, julgando os EREspnº 168469/SP, pacificou o posicionamento de que a repercussão não pode ser exigi<strong>da</strong>nos casos de repetição ou compensação de contribuições, tributo considerado direto,especialmente, quando a lei que impunha a sua cobrança foi julga<strong>da</strong> inconstitucional.3. Da mesma forma, a referi<strong>da</strong> Seção desta Corte, em sede de embargos deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 373


divergência, pacificou o entendimento para acolher a tese de que o art. 66 <strong>da</strong> Leinº 8.383/91, em sua interpretação sistêmica, autoriza ao contribuinte efetuar, viaautolançamento, compensação de tributos pagos cuja exigência foi indevi<strong>da</strong> ouinconstitucional.4. Tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargofinanceiro são somente aqueles em relação aos quais a própria lei estabeleça ditatransferência.5. Somente em casos assim aplica-se a regra do art. 166 do Código TributárioNacional, pois a natureza, a que se reporta tal dispositivo legal, só pode ser a jurídica,que é determina<strong>da</strong> pela lei correspondente e não por meras circunstâncias econômicasque podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro parasaber quando se deu, e quando não se deu, a aludi<strong>da</strong> transferência.6. Na ver<strong>da</strong>de, o art. 166 do CTN contém referência bem clara ao fato de quedeve haver pelo intérprete sempre, em casos de repetição de indébito, identificaçãose o tributo, por sua natureza, comporta a transferência do respectivo encargofinanceiro para terceiro ou não, quando a lei, expressamente, não determina que opagamento <strong>da</strong> exação é feito por terceiro, como é o caso do ICMS e do IPI. A provaa ser exigi<strong>da</strong> na primeira situação deve ser aquela possível e que se apresente bemclara, a fim de não se colaborar para o enriquecimento ilícito do poder tributante.Nos casos em que a lei expressamente determina que o terceiro assumiu o encargo,necessi<strong>da</strong>de há, de modo absoluto, que esse terceiro conce<strong>da</strong> autorização para arepetição de indébito.7. O tributo examinado (IPI) é de natureza indireta. Apresenta-se com essacaracterística porque o contribuinte real é o consumidor <strong>da</strong> mercadoria objeto <strong>da</strong>operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço<strong>da</strong> mercadoria, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o imposto jápago pelo consumidor de seus produtos. Não assume, portanto, a carga tributáriaresultante dessa incidência.8. Em conseqüência, o fenômeno <strong>da</strong> substituição legal no cumprimento <strong>da</strong>obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, ocorre na exigênciado pagamento do imposto do IPI. A repetição do indébito e a compensação dotributo questionado não podem ser deferi<strong>da</strong>s sem a exigência <strong>da</strong> repercussão.9. Ilegitimi<strong>da</strong>de ativa ad causam <strong>da</strong> empresa recorri<strong>da</strong> configura<strong>da</strong>.Agravo regimental não provido.” (Agravo Regimental no Recurso Especial nº433.171/RS, STJ, 1ª Turma, Min. José Delgado, unânime, DJ de 23.09.2002 - Grifoausente no original)Transparece o entendimento atual <strong>da</strong> Corte na leitura do seguintejulgado:“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE AREMUNERAÇÃO PAGA AOS ADMINISTRADORES, AUTÔNOMOS E AVULSOS.PROVA DO NÃO-REPASSE AO CONTRIBUINTE DE FATO. DESNECESSIDADE.O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça pacificou entendimento no sentido de não ser exigível374 a prova de não repercussão do ônus R. tributário Trib. Reg. Fed. a fim <strong>4ª</strong> Reg. de Porto se Alegre, autorizar a. 14, a n. 49, compensaçãop. 53-432, 2003


dos valores indevi<strong>da</strong>mente recolhidos a título de contribuição previdenciária sobre aremuneração incidente sobre a remuneração paga aos administradores, autônomos eavulsos. Embargos acolhidos.” (Embargos de Divergência no REsp. nº 171.726/PR,1ª Seção, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 24.09.2001)Assim, sendo a contribuição debati<strong>da</strong> <strong>da</strong>quelas cuja natureza jurídicaé direta (não se transferindo ao contribuinte de fato), não há necessi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> prova <strong>da</strong> ausência do repasse do encargo financeiro.Compensação pela Lei nº 8.383/91A quantia resultante do reconhecido indébito não pode, entretanto, sercompensa<strong>da</strong> pelo contribuinte em sua escrita fiscal, com contribuiçõessociais recolhi<strong>da</strong>s pelo INSS, como determinado na sentença, pois nãose adequa aos ditames do art. 66 <strong>da</strong> Lei nº 8.383, de 1991. Tal dispositivoprevê que a compensação se faça com contribuições de mesmas espéciee destinação constitucional (art. 66, § 1º, c/c art. 39 <strong>da</strong> Lei nº 9.250,de 1995). Como dito anteriormente, o fun<strong>da</strong>mento constitucional <strong>da</strong>contribuição ao INCRA é o art. 195, I, <strong>da</strong> CF/88. Embora seja contribuiçãosocial, possui destinação diferente, não sendo atribuí<strong>da</strong> nem ao mesmoórgão, nem utiliza<strong>da</strong> com a mesma finali<strong>da</strong>de, pois objetiva <strong>da</strong>r suporteà reforma agrária e ativi<strong>da</strong>des correlatas na área rural. O INSS, comoagente arreca<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> contribuição, pode reter, conforme art. 94 <strong>da</strong> Leinº 8.212/91, até 3,5% do montante arreca<strong>da</strong>do, a título de contraprestaçãopelas despesas de arreca<strong>da</strong>ção; o restante é transferido ao INCRA. Nãopoderia, dessa forma, ser determina<strong>da</strong> a compensação com os tributosdestinados ao INSS, pois não era ele o destinatário <strong>da</strong> contribuiçãodebati<strong>da</strong>, não podendo, portanto, arcar com a devolução do indébito.Assim, não havendo mais contribuições de mesmas natureza e destinaçãoa recolher, não há como compensar o crédito, pois o contribuinte não émais devedor <strong>da</strong> contribuição ao INCRA.Portanto, no ponto, merece ser manti<strong>da</strong> a sentença.Correção monetáriaQuanto à correção monetária, incidente na restituição ou compensaçãotributária, é pacífico o entendimento no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça deque ela é cabível desde o pagamento indevido (Súmula 162). Ressalte-seque a atualização <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> não representa ou não se traduz em majoraçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 375


do crédito do contribuinte, mas em mero expediente de recomposição doseu valor em face <strong>da</strong> desvalorização do padrão monetário provoca<strong>da</strong> pelainflação.Para fins de cálculo dessa correção, é necessário utilizar-se dos índicesoficiais, criados pelas diversas leis federais ao longo dos anos, justamentepara serem aplicados nos cálculos <strong>da</strong> correção monetária. São eles,sucessivamente, os seguintes: OTN/BTN/BTNF até fevereiro de 1991,incluindo-se aí os expurgos <strong>da</strong> inflação ocorri<strong>da</strong> em janeiro/89 (42,72%),março (30,46%), abril (44,80%), maio/90 (2,36%) e fevereiro/91(21,87%), conforme Súmulas 32 e 37 desta Corte <strong>Regional</strong>; o INPC,de março a dezembro de 1991 (Lei nº 8.177/91); e UFIR, de janeiro de1992 até dezembro de 1995 (Lei nº 8.383/95). Esta última, inclusive, é deser aplica<strong>da</strong> nos meses de julho e agosto de 1994, afastando-se o IGPMneste período, conforme ficou assentado no julgamento deste <strong>Tribunal</strong> nosEIAC nº 2000.04.01.118008-0/PR, Rel. Desa. Maria Lúcia Luz Leiria,unânime, realizado em 04.09.2002; por fim a taxa SELIC, a partir de01 de janeiro de 1996, instituí<strong>da</strong> pelo art. 39, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 9.250/95.JurosNo que diz respeito à contagem dos juros na repetição ou compensação,é mister relembrar que eles são devidos após o trânsito em julgado <strong>da</strong>decisão concessiva <strong>da</strong> restituição, conforme a regra conti<strong>da</strong> no parágrafoúnico do art. 167 do CTN. Essas disposições ain<strong>da</strong> vigoram, mas sãoaplicáveis às decisões transita<strong>da</strong>s em julgado antes de 31 de dezembrode 1995.Porém, com o advento <strong>da</strong> taxa SELIC, cria<strong>da</strong> pela Lei nº 9.250/95,com vigência a partir de 1º de janeiro de 1996, a incidência dos jurosna restituição do indevido sofreu modificações substanciais. A principaldelas é que os juros não são mais devidos após o trânsito em julgado <strong>da</strong>decisão concessiva <strong>da</strong> repetição do indébito. Agora são contados desde1º de janeiro de 1996, <strong>da</strong>ta em que passou a viger a lei instituidora <strong>da</strong>taxa SELIC, logicamente para os processos em curso, ain<strong>da</strong> sem decisãodefinitiva, transita<strong>da</strong> em julgado.Isto porque a SELIC corresponde ao índice composto pela taxa dejuros reais e pela variação inflacionária do período. Assim, abrangeela tanto a recomposição do valor <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> como os juros. Por isso,afasta a aplicação cumulativa de qualquer outro indexador ou taxa de376R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


juros. Nas palavras do eminente Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes deAlmei<strong>da</strong> (EIAC nº 2000.04.01.106987-9/SC, 1ª Seção, unânime, DJUde 19.09.2001), “a taxa SELIC representa a taxa de juros reais e a taxade inflação no período mensurado, remunerando o capital e, ao mesmotempo, recuperando a desvalorização <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>. Face à sua naturezamista, não se pode aplicá-la cumulativamente com outros índices deatualização ou taxa de juros”.Ademais, segundo o art. 39, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 9.250/95, a taxa compostapela SELIC, acumula<strong>da</strong> mensalmente, deve ser calcula<strong>da</strong> a partir dejaneiro de 1996 ou <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do pagamento indevido, se posterior, devendoser observa<strong>da</strong>, contudo, a alteração introduzi<strong>da</strong> pela Lei 9.532/97, em seuart. 73, inclusive para os casos de retenção indevi<strong>da</strong>, ao estabelecer que“O termo inicial para o cálculo de juros de que trata o § 4º do art. 39 <strong>da</strong>Lei nº 9.250, de 1995, é o mês subseqüente ao do pagamento indevidoou a maior do que o devido”.Cumpre explicitar, ain<strong>da</strong>, que o fato de lei ordinária haver determinadoa aplicação <strong>da</strong> SELIC desde o mês subseqüente ao pagamento,modificando o marco inicial <strong>da</strong> incidência de juros de mora previsto noart. 167 do CTN (trânsito em julgado), não traz nenhum óbice de naturezaconstitucional, porquanto juros de mora não são matéria reserva<strong>da</strong> à leicomplementar, consoante o disposto no art. 146, III, <strong>da</strong> CF/88.Custas processuaisQuanto à devolução de custas, cumpre ressaltar que a isenção dopagamento pela União e suas autarquias nas causas que tramitam naJustiça <strong>Federal</strong> (art. 4º, I, Lei nº 9.289/96) não se aplica às hipóteses derestituição de custas despendi<strong>da</strong>s pela parte vencedora, as quais devem serressarci<strong>da</strong>s, integrando o quantum debeatur. (art. 14, § 4º, <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei)No mesmo sentido, confira-se julgado desta Corte no seguinte teor:“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO PELOPAGAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. (...) 4. Embora aexistência de lei federal que determina a isenção de custas, tal comando não se aplicaaos casos de devolução de custas despendi<strong>da</strong>s pela parte vencedora, acaso existentes.”(AC Nº 97.04.61130-7/RS, Relatora Juíza Tania Escobar, Segun<strong>da</strong> Turma, unânime,in DJ de 13.06.2001)Assim, estando a decisão monocrática nesta linha, não merece reparos.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 377


Honorários advocatíciosDispõe o § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil que:“nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houvercondenação ou se for venci<strong>da</strong> a Fazen<strong>da</strong> Pública e nas execuções, embarga<strong>da</strong>s ou não,os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendi<strong>da</strong>s as normas<strong>da</strong>s alíneas a, b e c do parágrafo anterior”.A fixação <strong>da</strong> verba honorária, quando calcula<strong>da</strong> com base nesseparágrafo, não necessita enquadrar-se nos limites percentuais do § 3º doreferido artigo, devendo ser arbitra<strong>da</strong> segundo a apreciação eqüitativa dojuiz. No entanto, os parâmetros que orientam o magistrado neste mistere que indicam o montante suficiente à justa retribuição <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de docausídico são, do mesmo modo que nas ações condenatórias, o graude zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza eimportância <strong>da</strong> causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempoexigido para a prestação do serviço. Assim, conforme já decidiu oSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,“nas causas em que for venci<strong>da</strong> a Fazen<strong>da</strong> Pública, a verba honorária deve seratribuí<strong>da</strong> nos termos do art. 20, § 4º, CPC, mediante apreciação eqüitativa domagistrado e observados os contornos inscritos no parágrafo 3º do mesmo dispositivolegal, podendo-se estabelecer, inclusive, percentual aquém do mínimo indicado nomencionado parágrafo 3º”. (REsp nº 219.838-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon,DJU 01.10.2001)No caso em tela, a fixação dos honorários em 10% sobre o valoratualizado <strong>da</strong> causa para o INSS e no mesmo percentual para o INCRA,sobre o valor <strong>da</strong> condenação, afigurar-se-ia excessivo. Sendo assim, reduzo378R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


os honorários advocatícios para apenas 10% sobre o valor <strong>da</strong> condenação,a ser suportado, pro rata, por ambas as autarquias. Com efeito, esse valorestá em consonância com os critérios previstos nas alíneas a, b e c do §3º do art. 20 do CPC, bem como se adequa à jurisprudência dominantenesta 1ª Seção, conforme EAC nº 2000.04.01.107276-3/PR, Rel. Des.<strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>, DJ de 10.10.2001.Diante do exposto, pelos fun<strong>da</strong>mentos acima expendidos, negoprovimento aos apelos <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong><strong>da</strong>s e dou parcial provimento àremessa oficial.É o voto.AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2002.04.01.037947-0/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>Agravante: Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial -CBEEAdvogados: Drs. Eduardo Augusto de Oliveira Ramires e outrosAgrava<strong>da</strong>: Cia. HeringAdvogados: Drs. Adrian Sanchez Abraham e outrosInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong>Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos AnjosInteressados: Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEELMercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE e outroCentrais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESCCia. Energética de Goiás - CELGCia. Energética do Rio Grande do Norte - COSERNEMENTAAgravo de instrumento. Encargos emergenciais criados pelos artigos1º e 2º <strong>da</strong> Lei nº 10.438/2002. Ilegali<strong>da</strong>de. Regime jurídico <strong>da</strong>s exações.Preço público x tributo.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 379


1. Não há vislumbrar nas exigências em análise o caráter de preçopúblico, porquanto não se destinam a remunerar a concessionária pelosserviços de geração e distribuição <strong>da</strong> energia elétrica, já que não sedirecionam à prestadora de serviço público, o que afasta definitivamentea natureza jurídica de preço público do “adicional tarifário” sobmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de “encargo de capaci<strong>da</strong>de emergencial”. Nesse an<strong>da</strong>r,de se lembrar que preço (tarifa) é a contraparti<strong>da</strong> necessária pelaprestação dos serviços utilizados, sendo impensável destinar valores,ou sobrevalores, supostamente envoltos pela pecha de “tarifários”,para quaisquer outras finali<strong>da</strong>des estranhas ao contrato de concessãoou ain<strong>da</strong> à equalização do seu equilíbrio econômico e financeiro.2. Natureza tributária que se afasta ante o cotejo do caso concretocom a principiologia inerente ao direito tributário.3. Nessa sen<strong>da</strong>, as exigências firma<strong>da</strong>s na Lei nº 10.438/2002, fossemelas entendi<strong>da</strong>s como de natureza tributária, ou fossem elas vislumbra<strong>da</strong>sdo ângulo administrativo, à primeira vista, não se revestiriam <strong>da</strong>s mínimascondições à sua convali<strong>da</strong>ção perante o ordenamento jurídico, nãopodendo, portanto, ser opostas aos destinatários dos serviços em comento.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aPrimeira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, voto e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 11 de junho de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>: Trata-se deagravo de instrumento interposto contra decisão proferi<strong>da</strong> em man<strong>da</strong>dode segurança, deferitória <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> liminar pleitea<strong>da</strong> para determinaraos impetrados que se abstivessem de cobrar os adicionais tarifárioscriados pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 14, de 21 de dezembro de 2001, apósconverti<strong>da</strong> na Lei nº 10.438/2002, e regulamentados pela Resolução <strong>da</strong>Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL nº 71, de 07 de fevereiro380R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de 2002.O pedido de efeito suspensivo foi deferido às fls. 208/209.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>: De setranscrever as disposições legais pertinentes à matéria, para, ao fim,chegar-se à delimitação <strong>da</strong> natureza jurídica dos encargos em testilha.Assim rezam os artigos 1º e 2º <strong>da</strong> Lei nº 10.438/2002:“Art. 1º. Os custos, inclusive de natureza operacional, tributária e administrativa,relativos à aquisição de energia elétrica (kWh) e à contratação de capaci<strong>da</strong>de de geraçãoou potência (kW) pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial – CBEEserão rateados entre to<strong>da</strong>s as classes de consumidores finais atendi<strong>da</strong>s pelo SistemaElétrico Nacional Interligado, proporcionalmente ao consumo individual verificado,mediante adicional tarifário específico, segundo regulamentação a ser estabeleci<strong>da</strong> pelaAgência Nacional de Energia Elétrica – Aneel.”“Artigo 2º. Parcela <strong>da</strong>s despesas com a compra de energia no âmbito do MAE,realiza<strong>da</strong>s pelas concessionárias, permissionárias e autoriza<strong>da</strong>s de geração e de distribuiçãoaté dezembro de 2002, decorrentes <strong>da</strong> redução <strong>da</strong> geração de energia elétrica nas usinasparticipantes do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE e considera<strong>da</strong>s nosdenominados contratos iniciais e equivalentes, será repassa<strong>da</strong> aos consumidores atendidospelo Sistema Elétrico Interligado Nacional, na forma estabeleci<strong>da</strong> por resolução <strong>da</strong>Câmara de Gestão <strong>da</strong> Crise de Energia Elétrica – GCE ou, extinta esta, <strong>da</strong> Aneel.”Trazido à baila o cerne <strong>da</strong> controvérsia, pertinente se reconheça oajuste ou não <strong>da</strong>s exações em análise ao conceito de “preço público”,não havendo fugir à apreciação, nessa sen<strong>da</strong>, à sua adequação ou não ànatureza jurídica de tributo, mesmo porque é princípio de hermenêuticajurídica que o nomen juris <strong>da</strong>do pelo legislador é totalmente irrelevantena análise do substrato <strong>da</strong> figura cria<strong>da</strong>, importando sim verificar o regimejurídico em que ela se insere.Parto, inicialmente, à eventual subsunção dos encargos tarifáriosao conceito de “taxa”. Para tanto, inevitável incursionar peloquadro comparativo desta figura tributária com o instituto de direitoadministrativo que supostamente estaria acobertando a cobrança dosencargos de capaci<strong>da</strong>de emergencial.Com efeito, a doutrina e a jurisprudência de direito tributáriofinanceirovêm informando as diferenças existentes entre taxa e preçopúblico.R. Trib. Reg.AFed.taxa,<strong>4ª</strong> Reg.receitaPorto Alegre,deriva<strong>da</strong>,a. 14, n. 49, p.é53-432,obrigatória,2003tem caráter compulsório, 381


é tributo e só pode ser instituí<strong>da</strong> e aumenta<strong>da</strong> por lei, sendo suficiente,para a sua cobrança, que os serviços estejam à disposição do usuário.Por sua vez, o preço público, forma de receita originária, é facultativo,tem caráter voluntário, não precisa ser instituído, ou aumentado, porlei, não bastando, para que o preço financeiro possa ser cobrado, que oserviço esteja à disposição do usuário potencial.Vale referir, ain<strong>da</strong>, que o e. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, a fim de dirimir adiscussão entre preço público e taxa, editou a Súmula nº 545, com o seguinteteor:“Súmula 545 – Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas,diferentemente <strong>da</strong>queles, são compulsórias e têm sua cobrança condiciona<strong>da</strong> à préviaautorização orçamentária, em relação à que as instituiu.”Nesse passo, como cediço, tanto em seara doutrinária quantojurisprudencial, tem-se que a contraprestação pelo produto final (in casu,energia elétrica) adquirido pelo consumidor é a tarifa, diferenciandodo preço público, tão-somente pelo fato de que é repassa<strong>da</strong> à iniciativapriva<strong>da</strong> a prestação do serviço, o qual, em última análise, não constituiatribuição estatal indelegável.Trago, a propósito, as lições do eminente Juiz <strong>Federal</strong> LeandroPaulsen, em sua obra Direito Tributário – Constituição e CódigoTributário à Luz <strong>da</strong> Doutrina e <strong>da</strong> Jurisprudência, Editora Livraria doAdvogado, 3ª Edição:“Preço Público x Taxa. Deve-se ter bem presente a diferença entre taxa e preçopúblico. Aquela é tributo, constituindo-se, portanto, em receita deriva<strong>da</strong> e compulsóriado Estado, exigi<strong>da</strong> com base no seu poder fiscal. É cobra<strong>da</strong> por força <strong>da</strong> prestação deserviço público, próprio <strong>da</strong> soberania estatal, de utilização compulsória ou do qual, dequalquer maneira, o indivíduo não possa abrir mão, sendo importante, ain<strong>da</strong>, a ausênciade alternativa razoável. O preço público, por sua vez, não é tributo, constituindo, sim,receita originária e facultativa decorrente <strong>da</strong> contraprestação por um bem, utili<strong>da</strong>de ouserviço numa relação de cunho negocial em que está presente a voluntarie<strong>da</strong>de (não háobrigatorie<strong>da</strong>de do consumo). (...).”No mesmo an<strong>da</strong>r, trilha o percuciente escólio de Hugo de BritoMachado, referindo-se, inclusive, diretamente aos serviços envolvendofornecimento de energia elétrica:“(...) O que caracteriza a remuneração de um serviço público como taxa ou como382R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


preço público é a compulsorie<strong>da</strong>de, para a taxa, e a facultativi<strong>da</strong>de, para o preço,conforme já decidiu o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Importante, porém, é a compreensãoadequa<strong>da</strong>, que se há de ter, do que sejam essa compulsorie<strong>da</strong>de e essa facultativi<strong>da</strong>de.A título de exemplo, imaginemos a necessi<strong>da</strong>de que se tem de energia elétrica, Seo ordenamento jurídico nos permite atender a essa necessi<strong>da</strong>de com a instalação de umgrupo gerador em nossa residência, ou estabelecimento industrial ou comercial, então aremuneração que o Estado nos cobra pelo fornecimento de energia é um preço público,pois não somos juridicamente obrigados a utilizar o serviço público para a satisfação denossa necessi<strong>da</strong>de. Embora nos seja mais conveniente a utilização do serviço público, doponto de vista econômico ou por outra razão qualquer, do ponto de vista rigorosamentejurídico na<strong>da</strong> nos impede de, por outro meio, atender à necessi<strong>da</strong>de de energia elétrica.(...).” (in Curso de Direito Tributário, 19ª Edição, Editora Malheiros)Diante dessas considerações, afasta<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de de detectarmosnos adicionais combatidos a natureza jurídica de taxa, porquanto apremissa para o seu pagamento é a utilização dos serviços prestados,que como dito alhures, ao caso concreto, não se mostra de formacoativa, podendo o potencial agente passivo <strong>da</strong> cobrança ilidir tal custoutilizando-se de vias alternativas outras que não àquela dispensa<strong>da</strong> pelaempresa delega<strong>da</strong>, ou quando muito deliberar livremente os limites doseu consumo de forma a não se submeter aos parâmetros fixados aopagamento.Aliás, pensar diferente seria subverter a ordem lógica, querendoimpingir aos sobrevalores, que deveriam apresentar mesma naturezajurídica do montante ao qual se sobrepõe, conotação tributária, o queé de todo despropositado.Bom salientar que a questão não se resolve por aí. A premissa tambémé ver<strong>da</strong>deira à verificação <strong>da</strong> essência jurídica dos encargos emergenciaiscomo “preço público”, ou seja, o substrato de tais valores deveria seajustar, como de fato ocorre com as tarifas de energia elétrica, àqueleconceito.Mais uma vez a correlação não é atendi<strong>da</strong>.No entanto, antes de adentrar na particulari<strong>da</strong>de, oportuno venhaa se consignar que os adicionais combatidos também não poderiamser rotulados de contribuições de intervenção do domínio econômico.Importante a lembrança porque há aqueles que afirmam ser a ditacontribuição de natureza interventiva, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s no artigo 149, <strong>da</strong>CF/88, haja vista a sua destinação específica.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 383


Ensina o mestre tributarista Roque Antonio Carrazza, em sua obraCurso de Direito Constitucional Tributário:“Pois bem, em seu art. 149, a Constituição não apontou a regra-matriz destas‘contribuições’; antes, contentou-se em indicar as finali<strong>da</strong>des que devem atingir; asaber: a) a intervenção no domínio econômico; b) o interesse de categorias profissionaisou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas; e c) o custeio<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social.Notamos, pois, que as ‘contribuições’ ora em exame não foram qualifica<strong>da</strong>s, emnível constitucional, por suas regras-matrizes, mas sim, por suas finali<strong>da</strong>des. Parecenossustentável que haverá este tipo de tributo sempre que implementa<strong>da</strong> uma de suasfinali<strong>da</strong>des constitucionais.Em razão do exposto, o legislador ordinário <strong>da</strong> União está autorizado, pelo TextoMagno, a instituir impostos ou taxas, para atender a uma destas finali<strong>da</strong>des, desde quenão inva<strong>da</strong> a competência tributária dos Estados, Municípios ou do Distrito <strong>Federal</strong>,nem atropele os direitos fun<strong>da</strong>mentais do contribuinte....Noutro dizer, a regra-matriz constitucional destas contribuições agrega, de modoindissociável, a idéia de destinação. Queremos com tal assertiva sublinhar que, porimperativo <strong>da</strong> Lei Maior, os ingressos advindos <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção destes tributos devemnecessariamente ser destinados à viabilização ou ao custeio de uma determina<strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de de competência federal.Pouco importa se tal ativi<strong>da</strong>de é desempenha<strong>da</strong> pela própria União ou por terceiro,delegatário. Sempre a destinação estará agrega<strong>da</strong> inhaeret et ad ossa à estrutura <strong>da</strong>contribuição que irá custeá-la.” (ob.cit., 14 a ed., Malheiros, São Paulo, pp. 394/5)E, na mesma obra, afirma:“Apenas quem explora, sob regime de direito privado, a ativi<strong>da</strong>de econômicaobjeto de regulação estatal pode ser compelido a pagar a específica ‘contribuição deintervenção econômica’ ”. (idem, p. 347)“(...) Evidentemente, as ‘contribuições de intervenção no domínio econômico’ sópoderão ser exigi<strong>da</strong>s de quem efetivamente vier a se beneficiar atuando num <strong>da</strong>do setoreconômico ou de quem, ao assim proceder, causar especial detrimento à coletivi<strong>da</strong>de.Noutras palavras, o legislador federal só poderá eleger o sujeito passivo de tais‘contribuições’ dentre os que estiverem diretamente envolvidos com a exploração <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de econômica que se pretende disciplinar.” (idem, p. 400)Ora, diante destes últimos argumentos, resta afasta<strong>da</strong> por completo afigura <strong>da</strong>s contribuições interventivas à hipótese, porquanto os indivíduosque suportam o pagamento dos encargos sequer são agentes econômicos,cujas ativi<strong>da</strong>des, eventualmente, poderiam estar sob intervenção. Ao384R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


contrário, espraia-se a cobrança por uma vasta gama <strong>da</strong> população,justamente aquela optante pela utilização dos serviços derivados <strong>da</strong>geração e distribuição de energia elétrica.Conclusão outra ampliaria perigosamente o espectro fiscal <strong>da</strong> União<strong>Federal</strong>, <strong>da</strong>ndo vazão a que qualquer imposição fiscal fosse rotula<strong>da</strong>,na ausência do seu ajuste a uma <strong>da</strong>s outras espécies tributárias, comocontribuição do domínio econômico, legitimando-a no ordenamentojurídico.Por fim, retomando a discussão acerca do ajustamento <strong>da</strong>s exigênciasem análise ao conceito de “preço público”, não verifico os requisitosdeste aflorados àquelas.E assim é porque não se destinam os adicionais a remunerar aconcessionária pelo serviços de geração e distribuição <strong>da</strong> energia elétrica,já que não se direcionam à prestadora de serviço público, afastandodefinitivamente a natureza jurídica de preço público do “adicionaltarifário”, este sob mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de “encargo de capaci<strong>da</strong>de emergencial”.Ora, não há olvi<strong>da</strong>r que o preço (tarifa) é a contraparti<strong>da</strong> necessária pelaprestação dos serviços utilizados, sendo impensável destinar valores,ou sobrevalores, supostamente envoltos no caráter “tarifários”, paraquaisquer outras finali<strong>da</strong>des estranhas ao contrato de concessão ou ain<strong>da</strong>à equalização do seu equilíbrio econômico e financeiro.Veja-se que com tal cobrança está-se fazendo frente a futuros eeventuais custos relativos à aquisição de energia elétrica e à contrataçãode capaci<strong>da</strong>de de geração ou potência pela Comercializadora Brasileira deEnergia Emergencial – CBEE, incluídos os gastos de natureza tributáriae administrativa. Não desconheço que a ADC nº 09 entendeu que oadicional de tarifa de energia elétrica, incidente sobre os consumidoresque excediam as quotas previstas, para fins de política de redução deconsumo, tinha caráter contraprestacional de serviço e não de tributos.Mas tal decisório não perdeu de vista que os valores arreca<strong>da</strong>dosdirecionavam-se às próprias distribuidoras e não a terceiros, como orase denota.Note-se, doutro ponto, que sendo o “preço público” o retornopecuniário de uma prestação contratual, livremente pactua<strong>da</strong>, emregime de igual<strong>da</strong>de entre as partes e sob o império do direitoprivado, tal instituto “não comportaria ‘extrafiscali<strong>da</strong>de’, esta típica<strong>da</strong> ação governamental, via tributos (inclusive taxas), tese, de restoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 385


polêmica no respeitante às taxas, nos contrafortes do próprio DireitoTributário, em razão <strong>da</strong> natureza contraprestacional desta” (SachaCalmon Navarro Coêlho, “Taxa e Preço Público” – Caderno de PesquisasTributárias, Resenha Tributária – 1985, págs. 55/56”), residindo aíoutra improprie<strong>da</strong>de, visível ao cotejo com os fins colimados pela Leinº 10.438/2002.Em arremate, ao que penso, se o consumidor já paga a tarifa emvalor suficiente para remunerar condignamente a prestadora do serviço(senão o fosse, seria caso, a princípio, tão-somente de revisão tarifária),é fácil perceber que o aumento <strong>da</strong> cobrança, por força de uma rubricadestaca<strong>da</strong> <strong>da</strong> fatura (sobretarifa), cujos recursos, em sua maioria, serãoencaminhados a outrem – empresa pública cuja autorização à criaçãodeu-se por instrumento legiferante outro (MP nº 2.209/01) –, que sequerofereceu os serviços a serem remunerados, não poderia apresentarnatureza de tarifa ou, como rotula-se, encargos.Diante dessas considerações, resta cristalino que as exigênciasfirma<strong>da</strong>s na Lei nº 10.438/2002, fossem elas entendi<strong>da</strong>s como de naturezatributária, ou fossem elas vislumbra<strong>da</strong>s do ângulo administrativo, não serevestiriam, à primeira vista, <strong>da</strong>s mínimas condições à sua convali<strong>da</strong>çãoperante o ordenamento jurídico, não podendo, portanto, ser opostas aosdestinatários dos serviços em comento.Nesse an<strong>da</strong>r, ante esses apontamentos, nego provimento ao agravode instrumento.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.04.01.043276-8/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson DarósApelante: Maria Lúcia Luz Leiria386R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Advogados: Drs. Daisson Silva Portanova e outrosApelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Mariana Gomes de CastilhosEMENTACertidão de tempo de serviço. Magistra<strong>da</strong> federal. Ativi<strong>da</strong>de desolicitadora acadêmica. Dispensa de contribuições previdenciárias.EC 20/98.Da evolução legislativa e jurisprudencial acerca do cômputo do tempode serviço em favor de magistrados que exerceram antes <strong>da</strong> investiduraa advocacia ou atuaram como solicitadores acadêmicos, infere-se aprescindibili<strong>da</strong>de do recolhimento <strong>da</strong>s contribuições exigi<strong>da</strong>s pelo INSSpara fins de averbação do referido intervalo laboral. Decisão nº 1062/2001do Plenário do <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União. (DOU de 03.04.2002)Com o advento <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, o tempo deserviço prestado em qualquer ativi<strong>da</strong>de profissional somente poderá sercomputado se acompanhado <strong>da</strong>s respectivas contribuições, medianteapresentação de certidão expedi<strong>da</strong> pelo INSS, excluí<strong>da</strong>s as situaçõesconsoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> modificação constitucional.Assim, o tempo de serviço incorporado ao patrimônio do magistradoaté 16 de dezembro de 1998, <strong>da</strong>ta em que se iniciou a vigência doatual modelo previdenciário brasileiro, cujo caráter é essencialmentecontributivo, poderá integrar o cálculo do tempo de serviço para fins dejubilação.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Segun<strong>da</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento à apelação <strong>da</strong> parte autora, nos termosdo relatório e do voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.Porto Alegre, 11 de março de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Relator.RELATÓRIOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 387


O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Cui<strong>da</strong>-se de ação ordináriaproposta por Maria Lúcia Luz Leiria contra o Instituto Nacional doSeguro Social - INSS, mediante a qual visa obter Certidão de Tempode Serviço relativa ao período em que exerceu ativi<strong>da</strong>de de solicitadoraacadêmica, para o fim de averbação junto ao <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, sem o pagamento <strong>da</strong>s contribuições exigi<strong>da</strong>s pela autarquiaa título de indenização.Pleiteia, subsidiariamente, que to<strong>da</strong> e qualquer exigibili<strong>da</strong>de sereporte à época do débito, considerando-se como base para o cálculo <strong>da</strong>contribuição o enquadramento <strong>da</strong> autora na classe 2 – referente a doissalários mínimos, com a incidência de correção monetária, juros e multa.Sustenta, em síntese, que ocorreu a extinção do direito do INSS constituiro crédito exigido; que a cobrança deve-se ater às regras vigentes à época dodébito, e não se <strong>da</strong>r nos termos do art. 45 e parágrafos <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91(com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 9.032/95), ou seja, de acordo com a médiados 36 (trinta e seis) últimos salários-de-contribuição e com a incidência dejuros e de multa.Atribuiu à causa o valor de R$ 300,00 (trezentos reais).O pedido de antecipação <strong>da</strong> tutela restou indeferido (fls. 84/86).Renovado o pleito, resultou indeferido (fl. 126). Desta decisão foiinterposto agravo de instrumento, deferido, em exame liminar, paradeterminar a expedição <strong>da</strong> certidão requeri<strong>da</strong>. (fls. 136/137)Processado o feito, sobreveio sentença, julgando improcedente opedido. Verba honorária fixa<strong>da</strong> em 10% do valor atualizado <strong>da</strong> causa.(fls. 169/175)A parte autora apelou reprisando os argumentos desenvolvidos nainicial.Sem contra-razões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: A controvérsia instaura<strong>da</strong> nosautos diz respeito à existência do direito à obtenção de Certidão de Tempode Serviço do INSS relativa ao período em que a autora Maria LúciaLuz Leiria – Desembargadora <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong>388R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> – exerceu ativi<strong>da</strong>de de solicitadora acadêmica, independentedo recolhimento <strong>da</strong>s contribuições exigi<strong>da</strong>s pela autarquia a título deindenização pelo tempo de serviço reconhecido, e para o fim de averbaçãojunto à administração do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Infere-se <strong>da</strong> documentação que instruiu o Pedido de Certidão deTempo de Serviço que a recusa do INSS em fornecer o documentorequerido contemplando o período referido, no qual atuou a autoracomo solicitadora acadêmica, decorreu exclusivamente <strong>da</strong> ausência derecolhimento <strong>da</strong>s contribuições correspondentes, exigi<strong>da</strong>s a título deindenização. (fls. 37/64 dos autos)To<strong>da</strong>via, na hipótese dos autos, tenho que a negativa <strong>da</strong> autarquiaprevidenciária não deve prevalecer. Vejamos.O art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 6.044/74, que dispunha acerca <strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong>dee aposentadoria dos membros <strong>da</strong> magistratura federal, estabelecia que:“Art. 1º. Computar-se-á, para efeito de disponibili<strong>da</strong>de e aposentadoria, o exercício<strong>da</strong> advocacia, até o máximo de quinze anos, em favor dos Ministros do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, do <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> de Recursos, do Supremo <strong>Tribunal</strong> Militar,do <strong>Tribunal</strong> Superior do Trabalho, dos Juízes dos Tribunais Regionais do Trabalhoe dos Desembargadores do <strong>Tribunal</strong> de Justiça do Distrito <strong>Federal</strong> nomeados, dentreadvogados, nos termos <strong>da</strong> Constituição, bem como dos Juízes Federais e Juízes FederaisSubstitutos, nomeados na forma do art. 74 <strong>da</strong> Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966.”Por seu turno, o art. 77 <strong>da</strong> Lei Complementar nº 35/79, Lei Orgânica<strong>da</strong> Magistratura (LOMAN), de caráter nacional, aperfeiçoando a re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong> lei ordinária supracita<strong>da</strong>, dispôs:“Art. 77. Computar-se-á, para efeito de aposentadoria e disponibili<strong>da</strong>de, o tempode exercício <strong>da</strong> advocacia, até o máximo de 15 (quinze) anos, em favor dos ministrosdo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e dos membros dos demais tribunais que tenham sidonomeados para os lugares reservados a advogados, nos termos <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.”Posteriormente, o Decreto-Lei nº 2.019/83 estendeu a todos osmagistrados de qualquer instância, especificamente para fins degratificação adicional, a possibili<strong>da</strong>de de considerar o tempo de exercício<strong>da</strong> advocacia, limitado a 15 anos.Agregam-se à legislação menciona<strong>da</strong> decisões proferi<strong>da</strong>s peloSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ao apreciar a aplicação <strong>da</strong> Lei nº 6.057/61do Estado de São Paulo, adotando o entendimento de ser razoável ainterpretação que estende aos juízes de carreira benefícios que a leiR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 389


local instituiu para os magistrados oriundos <strong>da</strong> Ordem dos Advogados,computando, também, o tempo em que laboraram como solicitadoresacadêmicos.Fun<strong>da</strong>do na evolução legislativa e jurisprudencial acerca do cômputodo tempo de serviço em favor de magistrados que exerceram antes <strong>da</strong>investidura a advocacia ou atuaram como solicitadores acadêmicos,o Plenário do <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, ao proferir a Decisão nº1.062/2001 (publica<strong>da</strong> no DOU de 03.04.2002) em Representaçãoformula<strong>da</strong> pelo INSS, julga<strong>da</strong> improcedente, esclareceu inexistirirregulari<strong>da</strong>de na averbação de tempo de advocacia de juíza toga<strong>da</strong> doTRT <strong>da</strong> 3ª <strong>Região</strong>, correspondente ao período em que exerceu a ativi<strong>da</strong>dede solicitadora acadêmica, mediante a exclusiva apresentação de Certidão<strong>da</strong> Ordem dos Advogados do Brasil, ou melhor, independente dorecolhimento <strong>da</strong>s contribuições que a autarquia entendia imprescindíveispara a contagem do tempo de serviço objeto <strong>da</strong> averbação que reputouirregular.Na decisão menciona<strong>da</strong> ficou consignado que:“Voto do Ministro RelatorPreliminarmente, conheço do expediente encaminhado pela Diretora de Benefíciosdo INSS como representação, porquanto atendidos os requisitos impostos pelo art. 69,inciso III, <strong>da</strong> Resolução TCU nº 136/2000.No mérito, a questão merece alguns esclarecimentos adicionais. O cômputo doexercício <strong>da</strong> advocacia para efeitos de aposentadoria e disponibili<strong>da</strong>de é garantia quefoi concedi<strong>da</strong>, a princípio, tão-somente aos magistrados de Tribunais cujo ingresso nacarreira se deu nas vagas reserva<strong>da</strong>s aos advogados, bem como aos juízes federais delivre nomeação do Presidente <strong>da</strong> República, conforme se depreende dos arts. 1º <strong>da</strong> Leinº 6.044 e 77 <strong>da</strong> Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica <strong>da</strong> Magistratura Nacional).Posteriormente, o art. 1º do Decreto-Lei nº 2.019/83 concedeu a todos os magistradosde qualquer instância, especificamente para fins de gratificação adicional, a possibili<strong>da</strong>dede considerar o tempo de advocacia, até o máximo de 15 anos (...).Em face <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação na esfera federal, regula<strong>da</strong> pelas leis acimamenciona<strong>da</strong>s, e prestigiando a orientação emana<strong>da</strong> do Excelso Pretório, esta Cortereconheceu aos magistrados federais, exceto aos provenientes <strong>da</strong> representação classistado trabalho, o direito de contarem, para efeitos de aposentadoria e disponibili<strong>da</strong>de, otempo de serviço exercido na advocacia, incluí<strong>da</strong> nesta ativi<strong>da</strong>de a função de solicitadoracadêmico, sendo o meio idôneo para a comprovação desse tempo a certidão expedi<strong>da</strong>pela OAB (v. g. Decisões Plenárias n os 04/94, Ata nº 05; 514/94, Ata nº 38; e 571/96,Ata nº 36; e <strong>da</strong> 1ª Câmara nº 233/98, Ata nº 24).A tese esposa<strong>da</strong> por esta Corte fun<strong>da</strong>mentou-se na tendência de se equiparar,390R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


em favor dos magistrados, o período de advocacia ao do serviço público, como bemassinalou o emérito Ministro Luiz Octávio Galloti ao relatar o TC-007.949/1983-9(Decisão do Plenário na sessão de 31.05.83), tese essa erigi<strong>da</strong> <strong>da</strong> própria evoluçãolegislativa e jurisprudencial, como se viu acima.No tocante à forma como o tempo de serviço de advocacia pode ser comprovado,impende consignar que a comprovação do exercício <strong>da</strong> advocacia perante a própria OABsempre foi feita cumprindo-se severas exigências ergui<strong>da</strong>s pela lei e pelos regulamentosinternos <strong>da</strong> Ordem, sendo legítimo reconhecer-lhe vali<strong>da</strong>de. Na<strong>da</strong> obstante, misteresclarecer que não se trata apenas de comprovar a inscrição no órgão de classe, mas,sim, de ter reconhecido por este o efetivo exercício <strong>da</strong>s funções típicas do advogado,por meio de certidão idônea, expedi<strong>da</strong> no caso pela OAB, na forma exigi<strong>da</strong> por seusestatutos internos.Por fim, força é dizer que, com o advento <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, otempo de serviço prestado em qualquer ativi<strong>da</strong>de profissional só poderá ser computadose acompanhado <strong>da</strong>s respectivas contribuições, em face <strong>da</strong> introdução explícita dessanova sistemática no campo previdenciário nacional. A partir desse marco, então, otempo de contribuição deverá ser comprovado mediante certidão do INSS, órgãocompetente para atestá-lo.To<strong>da</strong>via, para as situações constituí<strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong> Emen<strong>da</strong>, é de se admitiro cômputo do tempo de advocacia, inclusive o prestado na condição de solicitadoracadêmico, para efeitos de aposentadoria e disponibili<strong>da</strong>de, mediante a apresentação<strong>da</strong> certidão <strong>da</strong> OAB, nos moldes indicados nas suas normas estatutárias e najurisprudência consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> desta Casa.Tal entendimento fun<strong>da</strong>menta-se também, e de forma análoga, na linha de raciocíniodefendi<strong>da</strong> pelo nobre Ministro Adylson Motta ao relatar o TC-007.826/2000-6,acolhi<strong>da</strong> pelo Plenário na Sessão de 13.09.2000, no sentido de que os tempos fictos‘também poderão ser utilizados para efeito de aposentadoria, desde que tenham sidoincorporados ao patrimônio do servidor até 16.12.98, segundo a legislação vigente àépoca, entendimento que se extrai do art. 4º <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98’ (Cf.Decisão nº 748/2000-Plenário, Ata nº 36).” grifeiRessalvou o Ministro Guilherme Palmeira, Relator <strong>da</strong> Decisão nº1062/2001, do TCU, que, com o advento <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 20/98, a sistemática alterou-se absolutamente, sendo que o tempode serviço prestado em qualquer ativi<strong>da</strong>de profissional somentepoderá ser computado se acompanhado <strong>da</strong>s respectivas contribuições,mediante apresentação de certidão expedi<strong>da</strong> pelo INSS, excluí<strong>da</strong>s assituações consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> modificação constitucional. Assim, otempo de serviço incorporado ao patrimônio do magistrado até 16 dedezembro de 1998, <strong>da</strong>ta em que se iniciou a vigência do atual modeloprevidenciário brasileiro, cujo caráter é essencialmente contributivo,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 391


poderá integrar o cálculo do tempo de serviço para fins de averbação,e será computado como tempo de contribuição.Na mesma linha, a Decisão nº 966/2002:“A tese esposa<strong>da</strong> por esta Corte fun<strong>da</strong>mentou-se na tendência de se equiparar,em favor dos magistrados, o período de advocacia ao do serviço público, como bemassinalou o emérito Ministro Luiz Octávio Galloti ao relatar o TC 007.949/1983-9(Decisão do Plenário na Sessão de 31.05.83), tese essa erigi<strong>da</strong> <strong>da</strong> própria evoluçãolegislativa e jurisprudencial, como se viu acima. No tocante à forma como o tempo deserviço de advocacia pode ser comprovado, impende consignar que a comprovação doexercício <strong>da</strong> advocacia perante a própria OAB sempre foi feita cumprindo-se severasexigências ergui<strong>da</strong>s pela lei e pelos regulamentos internos <strong>da</strong> Ordem, sendo legítimoreconhecer-lhe vali<strong>da</strong>de. Na<strong>da</strong> obstante, mister esclarecer que não se trata apenas decomprovar a inscrição no órgão de classe, mas, sim, de ter reconhecido por este o efetivoexercício <strong>da</strong>s funções típicas do advogado, por meio de certidão idônea, expedi<strong>da</strong> nocaso pela OAB, na forma exigi<strong>da</strong> por seus estatutos internos.(...)To<strong>da</strong>via, para as situações constituí<strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong> Emen<strong>da</strong>, é de se admitiro cômputo do tempo de advocacia, inclusive o prestado na condição de solicitadoracadêmico, para efeitos de aposentadoria e disponibili<strong>da</strong>de, mediante a apresentação<strong>da</strong> certidão <strong>da</strong> OAB, nos moldes indicados nas suas normas estatutárias e najurisprudência consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> desta Casa.Tal entendimento fun<strong>da</strong>menta-se, também, e de forma análoga, na linha de raciocíniodefendi<strong>da</strong> pelo nobre Ministro Adylson Motta ao relatar o TC 007.826/2000-6,acolhi<strong>da</strong> pelo Plenário, na Sessão de 13.09.2000, no sentido de que os tempos fictos‘também poderão ser utilizados para efeito de aposentadoria, desde que tenham sidoincorporados ao patrimônio do servidor até 16.12.98, segundo a legislação vigente àépoca, entendimento que se extrai do art. 4º <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98’ (Cf.Decisão nº 748/2000-Plenário, Ata nº 36).” grifeiDas decisões transcritas, ressai, indubitavelmente, que, a partir<strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20, de 1998, o sistema previdenciáriodeixou de recepcionar qualquer interpretação conducente à dispensa <strong>da</strong>scontribuições, prestigiando, to<strong>da</strong>via, as relações até então consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s,como se vê de expressa disposição, verbis:“Art. 4º - Observado o disposto no art. 40, § 10, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, o tempode serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumpridoaté que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição.”Importa referir que, <strong>da</strong>s decisões proferi<strong>da</strong>s pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas<strong>da</strong> União, depreende-se que o direito ao cômputo do tempo de serviço naadvocacia e/ou na ativi<strong>da</strong>de de solicitador acadêmico não assiste somente392R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


aos magistrados nomeados para os lugares reservados a advogados nostermos <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> (quinto), compreendendo, por igual,aqueles que ingressaram na magistratura em decorrência de concursopúblico, situação ostenta<strong>da</strong> pela autora.No caso em debate, a autora, como se vê do documento anexado aosautos (fl. 42), prestou compromisso estatutário em 12 de maio de 1969,sendo inscrita no Quadro de Solicitador sob nº 804 <strong>da</strong> OAB/RS.Dessarte, considerando que a autora ingressou na magistraturafederal em 26.02.88, e que sua pretensão de acrescer o tempo de serviçoprestado como solicitadora acadêmica deixou de ser atendi<strong>da</strong> peloINSS em 1997, faz jus, de acordo com as razões acima expendi<strong>da</strong>s, aocômputo do período referido, bem como à Certidão de Tempo de Serviçocorrespondente, independente de qualquer contribuição.Justifica-se a contagem do lapso temporal em questão – em que aautora exerceu ativi<strong>da</strong>de de solicitadora acadêmica – independente dorecolhimento <strong>da</strong>s contribuições cobra<strong>da</strong>s pela autarquia, porquanto odireito reclamado encontrava-se incorporado ao patrimônio <strong>da</strong> autoraantes mesmo <strong>da</strong> sistemática inaugura<strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº20/98.Impositiva, portanto, a expedição de Certidão de Tempo de Serviçopelo INSS em favor <strong>da</strong> autora, que contemple o período de 12 de maiode 1969 a 30 de abril de 1971, tempo em que desempenhou as ativi<strong>da</strong>desinerentes a Solicitador, sem a exigência de qualquer contraprestaçãopecuniária.Verba honorária fixa<strong>da</strong> no percentual de 10% sobre o valor <strong>da</strong> causa,nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, e emconformi<strong>da</strong>de com os Precedentes deste Colegiado, a ser suporta<strong>da</strong> peloINSS.Isso posto, dou provimento à apelação <strong>da</strong> parte autora, nos termos<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.É como voto.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 393


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.72.00.001305-8/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson DarósApelante: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECTAdvogados: Drs. José Armando Neves Cravo e outrosApelante: Fazen<strong>da</strong> Pública do Município de FlorianópolisAdvogados: Drs. Roberto Kaestner Mattar e outrosApelados: Os mesmosEMENTAEmpresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. ISS. Taxasmunicipais. Prescrição. Imuni<strong>da</strong>de.Consoante artigo 151, III, do CTN, a interposição de recurso voluntárioem processo administrativo-fiscal suspende a exigibili<strong>da</strong>de do créditotributário. Uma vez suspensa a exigibili<strong>da</strong>de do crédito, o curso do prazoprescricional igualmente fica suspenso.As empresas públicas, como é o caso <strong>da</strong> Empresa Brasileira deCorreios e Telégrafos - ECT -, possuem a natureza jurídica de empresapriva<strong>da</strong> e, em conseqüência, são regi<strong>da</strong>s pelas normas aplicáveis aesta última, segundo o preceito contido no art. 170, § 2º, <strong>da</strong> Constituiçãode 1967, com as alterações introduzi<strong>da</strong>s pela Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 01/69, mantido na Lei Maior, promulga<strong>da</strong> em 1988, em seu art. 173,§ 1º . Assim, não podem se valer de privilégios, não estando alberga<strong>da</strong>pela imuni<strong>da</strong>de recíproca prevista na Constituição <strong>Federal</strong>. Muito menosestão isentas do pagamento de taxas que são cobra<strong>da</strong>s pelo município.É lícita a cobrança <strong>da</strong>s taxas de licença e verificação do cumprimentode postular e normas urbanísticas, pois o policiamento municipal nãoincide sobre o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ECT, mas objetiva o ordenamentourbano, a distribuição <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s na ci<strong>da</strong>de em razãodo zoneamento e <strong>da</strong>s normas de higiene, sossego, saúde e segurança394R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


pública, assuntos de inegável interesse local.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Segun<strong>da</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao apelo <strong>da</strong> ECT e <strong>da</strong>rprovimento ao apelo do Município e à remessa oficial, nos termos dorelatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: A Empresa Brasileira deCorreios e Telégrafos – ECT ajuizou embargos à execução fiscal movi<strong>da</strong>pelo Município de Florianópolis, pretendendo eximir-se do recolhimentodo ISS e taxas municipais. Alega o embargante que goza de imuni<strong>da</strong>detributária e que a cobrança <strong>da</strong>s taxas discuti<strong>da</strong>s é ilegal. Sustenta, ain<strong>da</strong>,a ocorrência de prescrição. Atribuiu à causa o valor de R$ 2.595.650,01.Sentenciando, o juiz monocrático afastou a prejudicial de mérito ejulgou parcialmente procedente o pedido, afastando a cobrança <strong>da</strong> taxade licença para localização e <strong>da</strong> taxa de verificação do cumprimento deposturas e normas urbanísticas, e, também, excluindo <strong>da</strong> execução o ISSdos serviços de postagem e armazenamento, bem como aquele relativoà justificação eleitoral. Em razão <strong>da</strong> sucumbência recíproca, determinouque ca<strong>da</strong> parte arque com os honorários advocatícios de seu patrono.(fls. 868/875)Irresigna<strong>da</strong>, apelou a ECT, pretendendo a decretação <strong>da</strong> prescriçãodo crédito tributário e, no mérito, repisando os argumentos <strong>da</strong> inicial.O Município, igualmente, recorreu, pleiteando o reconhecimento <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cobrança do ISS sobre todos os serviços prestados pelaembargante.Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.VOTOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 395


O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Não merece prosperar aalegação de que o crédito tributário tenha sido abarcado pela prescrição.Com efeito, após a notificação fiscal, a ora embargante interpôs recursoadministrativo discutindo a exigibili<strong>da</strong>de dos valores cobrados.Consoante artigo 151, III, do CTN, a interposição de recurso voluntárioem processo administrativo-fiscal suspende a exigibili<strong>da</strong>de do créditotributário. Uma vez suspensa a exigibili<strong>da</strong>de do crédito, o curso do prazoprescricional igualmente fica suspenso.No caso concreto, considerando que na instância administrativa adecisão final foi proferi<strong>da</strong> em 9 de março de 1998, não há falar emprescrição, já que em maio de 2001 foi realiza<strong>da</strong> a citação váli<strong>da</strong> <strong>da</strong>embargante nos autos <strong>da</strong> execução fiscal.Afasta<strong>da</strong> a prejudicial, cumpre analisar a matéria de fundo dos apelos.Nosso <strong>Tribunal</strong> já tem entendimento pacífico no sentido de que aEmpresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tendo em vista sua naturezade pessoa jurídica de direito privado, não está alberga<strong>da</strong> pela imuni<strong>da</strong>derecíproca prevista na Constituição <strong>Federal</strong>. E, no que tange às taxasmunicipais, mais óbvia, ain<strong>da</strong>, sua exigência pelo município, porquantoa aludi<strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de diz respeito a impostos e não a taxas.As empresas públicas, como é o caso <strong>da</strong> Empresa Brasileira de Correiose Telégrafos - ECT -, possuem, como já afirmei acima, a natureza jurídicade empresa priva<strong>da</strong> e, em conseqüência, são regi<strong>da</strong>s pelas normasaplicáveis a esta última, segundo o preceito contido no art. 170, § 2º,<strong>da</strong> Constituição de 1967, com as alterações introduzi<strong>da</strong>s pela Emen<strong>da</strong>Constitucional nº 01/69, mantido na Lei Maior, promulga<strong>da</strong> em 1988,em seu art. 173, § 1º .Prevê, quanto às empresas públicas, o art. 173, § 1º, <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong>, em seu inciso II:“ – a sujeição ao regime jurídico próprio <strong>da</strong>s empresas priva<strong>da</strong>s, inclusive quantoaos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;”E no § 2º do mesmo dispositivo:“As empresas públicas e as socie<strong>da</strong>des de economia mista não poderão gozar deprivilégios fiscais não extensivos às do setor privado.”Ora, não havendo, no Município de Florianópolis, lei isentando asempresas do pagamento <strong>da</strong>s taxas e imposto ora em questão, não há396R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


porque conceder tal privilégio à ECT.Nesse sentido, são os julgados que transcrevo:“TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS.ECT. IMUNIDADE. ART. 150, V, A, E § 2°, DA CF/88.1. O art. 150, VI, a, <strong>da</strong> atual Carta Magna, limita a imuni<strong>da</strong>de aos impostos e nãoa qualquer espécie de tributo, como a TAXA.2. A teor o § 2° do art. 150, tal imuni<strong>da</strong>de abrange somente as autarquias e fun<strong>da</strong>çõesinstituí<strong>da</strong>s e manti<strong>da</strong>s pelo Poder Público, não contemplando as empresas públicas,como no caso <strong>da</strong> apelante.” (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Segun<strong>da</strong> Turma, AC 1999.04.01.121846-7,Relator Juiz Márcio Antônio Rocha, Fonte DJU Data:14.03.2001 p. 260)“TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO.EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. EBCT. EXIGÊNCIA. INTERESSE MUNICIPAL.LEGITIMIDADE.1. É legítima a exigência, pelos Municípios, <strong>da</strong> TAXA de localização efuncionamento, a ela estando sujeitas to<strong>da</strong>s as empresas, inclusive as empresas públicasfederais que exploram ativi<strong>da</strong>des em todo o território nacional.2. O art. 12 do Decreto nº 512/69 foi revogado pela Constituição <strong>Federal</strong> de 1988.3. Apelação improvi<strong>da</strong>.” (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Primeira Turma, AC 1999.04.01.085691-9, Relatora Juíza Eloy Bernst Justo, Fonte DJU, <strong>da</strong>ta:17.01.2001 p. 96)“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. BENS DA EMPRESABRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. PENHORABILIDADE.INAPLICABILIDADE DO ART. 730 DO CPC. TAXA DE LOCALIZAÇÃO. PODERDE POLÍCIA DOS MUNICÍPIOS. LEGITIMIDADE.1. A norma que instituiu a impenhorabili<strong>da</strong>de dos bens, ren<strong>da</strong>s e serviços <strong>da</strong> EmpresaBrasileira de CORREIOS e Telégrafos é incompatível com a regra do § 1º do art. 173<strong>da</strong> Constituição (STF, RE 222041/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão).2. Se o juiz rejeita a alegação de impenhorabili<strong>da</strong>de dos bens <strong>da</strong> executa<strong>da</strong>, deverianão acolher os embargos do devedor, enquanto não seguro o juízo pela penhora.3. É legítima a exigência, por parte dos Municípios, <strong>da</strong> TAXA de localização deestabelecimento comercial ou industrial, inclusive a sua renovação anual (STF, RE198904/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão).4. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 1ª <strong>Região</strong>, Terceira Turma, AC -APELAÇÃO CÍVEL 1996.01.01412-8, Relator JUIZ EUSTAQUIO SILVEIRA,Fonte DJ DATA: 12.11.99 PÁGINA: 133)“EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOSE TELÉGRAFOS. IMUNIDADE TRIBUTARIA. IMPROCEDÊNCIA.I - As Constituições Federais, a atual e a anterior, não incluíram as empresaspúblicas federais como beneficiárias <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária. Logo, não pode a EmpresaBrasileira de Correios e Telégrafos ECT pretender fazer uso do disposto no artigo 12do Decreto-Lei nº 509/69. Precedentes (AC nº 61674-RJ, 1 turma do TFR, relator min.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 397


Wilson Gonçalves, j. 14.04.80, v.u. DJ 06.08.80; AC nº 66960-RJ, 6ª Turma do TRF,Relator Min. Miguel Ferrante, j. 03.12.81, v.u., DJ 10.12.81).II - Ademais, a natureza <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> não é de imposto, mas sim de taxa, em razão doexercício do poder de polícia por parte <strong>da</strong> municipali<strong>da</strong>de de Santos.III - Presunção de certeza e liquidez <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> ativa inabala<strong>da</strong>.IV - Apelação desprovi<strong>da</strong>. Sentença confirma<strong>da</strong>.” (TRF 3ª <strong>Região</strong>, Quarta Turma,AC 93.03.012173-2, Relatora Juíza Lúcia Figueiredo, fonte DJ, <strong>da</strong>ta:31.05.94, p.28.013)“TAXA MUNICIPAL DE LICENÇA. ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO DEESTABELECIMENTO PERTENCENTE A EMPRESA PÚBLICA FEDERAL,EXPEDIDO POR MUNICÍPIO. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DOMUNICÍPIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS(ECT). INSTALAÇÃO DE AGÊNCIAS POSTAIS. PRETENSÃO DA ECT A NÃORECOLHER A TAXA MUNICIPAL EXIGIDA PARA A EXPEDIÇÃO DE ALVARÁDE LOCALIZAÇÃO DE AGÊNCIA POSTAL. Não se enquadra a hipótese nos limites<strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária recíproca do art. 19, III, letra a, <strong>da</strong> Constituição, em face <strong>da</strong>Súmula nº 324 e <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, que é empresa pública. Não ampara a pretensão<strong>da</strong> ECT o disposto no art. 12 do Decreto-Lei nº 509/69. Constituição, arts. 15, II, letraa, e 18, I. O exercício do poder de polícia pelo município, no caso, emerge de suacompetência constitucional, compreendi<strong>da</strong> no peculiar interesse <strong>da</strong> administração local.A expedição de alvará, para a localização de quaisquer estabelecimentos, correspondeao controle, legitimamente, exercido pelo município, sobre o ordenamento urbano,as ativi<strong>da</strong>des e interesses <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Não procede a alegação de que o exercíciodo poder de polícia pelo município poderia comprometer o funcionamento do serviçofederal monopolizado, que a ECT desempenha. Se ocorrer abuso ou desvio de poder<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de municipal, no exercício do poder de polícia, a ordem jurídica dispõe deremédio eficaz a repará-lo. Segurança denega<strong>da</strong>. Recurso extraordinário não conhecido.”(STF, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Recurso Extraordinário 90470/PB, Relator Min. CordeiroGuerra, Publicação DJ <strong>da</strong>ta: 26.03.82, p.02563, EMENT VOL-01247-02, p.00455,RTJ VOL-00101-01, p.00229)Nos moldes do artigo 77 do Código Tributário Nacional,“As taxas cobra<strong>da</strong>s pela União, pelos Estados, pelo Distrito <strong>Federal</strong> ou pelosMunicípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador oexercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviçopúblico específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição”.Quanto à amplitude do conceito de poder de polícia, esclarece o artigo78 do mesmo diploma legal:“ART. 78 – Considera-se poder de polícia ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> administração públicaque, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liber<strong>da</strong>de, regula a prática deato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, àhigiene, à ordem, aos costumes, à disciplina <strong>da</strong> produção e do mercado, ao exercício398R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


de ativi<strong>da</strong>des econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público,à tranqüili<strong>da</strong>de pública ou ao respeito à proprie<strong>da</strong>de e aos direitos individuais oucoletivos.”O poder de polícia é exercido quando ocorre a verificação documprimento de posturas e normas urbanísticas, bem como, quando <strong>da</strong>concessão <strong>da</strong>s licenças para publici<strong>da</strong>de e localização do estabelecimentono Município, constituindo o exercício regular do poder de polícia fatogerador <strong>da</strong> exação de acordo com o art. 77 do CTN. Somente é irregular,to<strong>da</strong>via, a renovação de tal concessão, através <strong>da</strong> sucessiva cobrançade taxas, porquanto neste caso inexiste o exercício regular do poder depolícia (Súmula nº 157 do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça – “É ilegítima acobrança de taxa pelo Município na renovação <strong>da</strong> licença para localizaçãode estabelecimento comercial ou industrial.” Grifei)Neste sentido, em sendo a Empresa Brasileira de Correios eTelégrafos – ECT uma empresa pública (a teor do artigo 1º doDecreto-Lei nº 509, de 1969), não há falar na imuni<strong>da</strong>de prevista noartigo 150, inciso VI, alínea a, <strong>da</strong> Constituição de 1988, pois, alémde as empresas públicas não estarem incluí<strong>da</strong>s dentre os entes federaisbeneficiários desta norma (§ 2º do artigo 150 <strong>da</strong> CF/88), a imuni<strong>da</strong>denela disposta se dirige aos impostos e não às taxas.Ademais, é lícita a cobrança <strong>da</strong>s taxas, pois o policiamento municipalnão incide sobre o exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ECT, mas objetiva oordenamento urbano, a distribuição <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s naci<strong>da</strong>de em razão do zoneamento e <strong>da</strong>s normas de higiene, sossego, saúdee segurança pública, assuntos de inegável interesse local.Assim tem decidido esta Corte em situações análogas, cujos acórdãostrago à apreciação:“TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO.EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. EBCT. EXIGÊNCIA. INTERESSE MUNICIPAL.LEGITIMIDADE.1. É legítima a exigência, pelos Municípios, <strong>da</strong> taxa de localização e funcionamento,a ela estando sujeitas to<strong>da</strong>s as empresas, inclusive as empresas públicas federais queexploram ativi<strong>da</strong>des em todo o território nacional.2. O art. 12 do Decreto nº 512/69 foi revogado pela Constituição <strong>Federal</strong> de 1988.3. Apelação improvi<strong>da</strong>.” (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> – AC nº 1999.04.01.085691-9/RS, PrimeiraTurma, Data <strong>da</strong> decisão: 07.11.2000, DJU <strong>da</strong>ta:17.01.2001, p. 96, Relatora Juíza EloyBernst Justo)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 399“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.IMUNIDADE. IPTU. ART. 150, VI, a, DA CF/88. IMÓVEL. EMPRESA BRASILEIRA


DE CORREIOS E TELÉGRAFOS.1. Em não sendo os serviços prestados pela ECT custeados pela União, maspelos próprios usuários, mediante tarifa, a exigência de IPTU pelo Município emque se encontra sedia<strong>da</strong> a referi<strong>da</strong> empresa não implica risco algum à autonomia eindependência que deve existir entre os entes <strong>da</strong> federação, que é justamente o que olegislador constitucional pretendeu resguar<strong>da</strong>r com a regra <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de recíproca deimpostos (art. 150, VI, a, <strong>da</strong> CF/88).2. Agravo de instrumento improvido, restando prejudicado o regimental.” (TRF <strong>4ª</strong><strong>Região</strong> – AI nº 1999.04.01.009216-6/RS, Segun<strong>da</strong> Turma, Data <strong>da</strong> decisão: 13.05.99,DJU <strong>da</strong>ta:07.07.99, p.215, Relatora Juíza Tania Escobar)Assim, merece reforma a decisão monocrática para que os embargosà execução sejam julgados improcedentes.Em virtude <strong>da</strong> modificação <strong>da</strong> decisão monocrática, condeno aembargante ao pagamento <strong>da</strong>s custas e honorários advocatícios, os quaisfixo em 10% sobre o valor <strong>da</strong> causa, consoante artigo 20, §§ 3º e 4º, doCPC e precedentes desta Turma.Isso posto, nego provimento ao apelo <strong>da</strong> ECT e dou provimento aoapelo do Município e à remessa oficial, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.É o voto.400APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº2002.72.00.011624-8/SCRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaApelante: Madeiras Guthi Ind. e Com. Lt<strong>da</strong>.Advogados: Drs. Jaime Luiz Leite e outrosApelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis - IBAMAAdvogado: Dr. Joaquim Ladislau Pires JuniorEMENTATaxa de controle e fiscalização ambiental – Natureza jurídicade contribuição especial de intervenção no domínio econômico –Constitucionali<strong>da</strong>de.1. Conforme o art. 4º do CTN, o fato do legislador <strong>da</strong>r à enti<strong>da</strong>de queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


cria nome diverso <strong>da</strong>quele que ela representa não lhe mu<strong>da</strong>rá a natureza.2. Embora a Lei 10.165/2000 referir-se à exação cria<strong>da</strong> comotaxa, veio, na reali<strong>da</strong>de, instituir uma contribuição de intervenção nodomínio econômico, com suporte no art. 149 <strong>da</strong> CRFB/88, estando talfinali<strong>da</strong>de representa<strong>da</strong> pela defesa do meio ambiente, princípio <strong>da</strong> ordemeconômica estampado no art. 170, VI, CRFB/88.3. É exação vincula<strong>da</strong> cobra<strong>da</strong> com base em ativi<strong>da</strong>de estatal decaráter geral pelo IBAMA: monitoramento de ativi<strong>da</strong>de potencialmentepoluidora.4. O sujeito passivo é a empresa potencialmente poluidora ouutilizadora de recursos naturais e o fato gerador é o mero exercício destaativi<strong>da</strong>de. O controle e fiscalização, embora conste na lei como fatogerador do tributo, é a finali<strong>da</strong>de para a qual é ele instituído.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Primeira Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao recurso de apelação, nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 06 de agosto de 2003.Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-sede recurso de apelação, em man<strong>da</strong>do de segurança, contra sentençaque julgou improcedente pedido de reconhecimento de ilegali<strong>da</strong>de einconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental –TCFA, prevista no §1º do art. 17-B <strong>da</strong> Lei 6.938/81, com a re<strong>da</strong>ção quelhe atribuiu a Lei 10.165/00, reconhecendo a existência de fato gerador<strong>da</strong> exação.Insurge-se o impetrante argüindo, sinteticamente, que, além <strong>da</strong> taxa decontrole e fiscalização ambiental não se enquadrar dentre as hipóteses deincidência <strong>da</strong> exação, a TCFA não configura ver<strong>da</strong>deiramente uma taxa,pois não está efetivamente liga<strong>da</strong> ao exercício regular do poder de polícia.Com contra-razões, subiram os autos.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 401


Parecer do Ministério Público <strong>Federal</strong> pelo desprovimento do recursode apelação.É o relatório.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: A Lei10.165/2000, visando a não incorrer nos mesmos erros na Lei 9.960/00,considera<strong>da</strong> inconstitucional pelo STF em sede de controle concentradode constitucionali<strong>da</strong>de, instituiu nova Taxa de Controle e FiscalizaçãoAmbiental – TCFA. Inseriu o art. 17-B à Lei 6.938/81, determinando ser ofato gerador o exercício regular do poder de polícia conferido ao InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis,para controle e fiscalização <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des potencialmente poluidoras eutilizadoras de recursos naturais. Assim determina:“Art. 17-B: Fica instituí<strong>da</strong> a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA,cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.”O man<strong>da</strong>do de segurança foi indeferido mediante entendimento doMM. Juízo de primeiro grau no sentido de que a Lei 10.165/00 criou umaver<strong>da</strong>deira taxa, preenchidos todos os requisitos <strong>da</strong> espécie. Tenho que aexação guerrea<strong>da</strong> deve ser manti<strong>da</strong>, porém, por fun<strong>da</strong>mentos diversos.Para tanto, tenho como necessário um estudo detalhado sobre a naturezatributária <strong>da</strong> TCFA, nos termos do art. 4º do CTN. In verbis:“Art. 4º: A natureza jurídica específica do tributo é determina<strong>da</strong> pelo fato gerador<strong>da</strong> respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:I – a denominação e demais características formais adota<strong>da</strong>s pela lei;”Os nomes empregados aos tributos criados, por critérios científicos,de segurança e de objetivi<strong>da</strong>de, devem corresponder à reali<strong>da</strong>de. Nemsempre, porém, esta recomen<strong>da</strong>ção é segui<strong>da</strong>. De na<strong>da</strong> adianta o legislador<strong>da</strong>r à enti<strong>da</strong>de que cria nome diverso <strong>da</strong>quele que ela representa, porquea mera designação não lhe mu<strong>da</strong>rá a natureza. É o fato gerador que lhedemonstrará a natureza, e sua respectiva base de cálculo.Excluo, desde logo, a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> exação cria<strong>da</strong> ter natureza de402R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


taxa, conforme foi denomina<strong>da</strong>, ou de imposto.Quanto à primeira possibili<strong>da</strong>de, aquela prevista na lei de criação eadota<strong>da</strong> pela decisão monocrática, refuto ante o fato de ter sido escolhidocomo fato gerador hipótese diversa <strong>da</strong>quelas constitucionais e legalmenteprevistas para seu cabimento. Conforme o art. 17-B <strong>da</strong> Lei 10.165/00,o aspecto material <strong>da</strong> hipótese de incidência <strong>da</strong> “taxa” é o exercíciodo poder de polícia conferido ao IBAMA para controle e fiscalização<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursosnaturais. Porém, não há a descrição de qual é a ação policial que irá serexerci<strong>da</strong>, ou qual será o serviço de utilização efetiva, ou de utilizaçãopotencial, específica e divisível. Não se enquadra, assim, no art. 77 doCTN ou no art. 145, II, <strong>da</strong> CRFB/88, pois não se vislumbra como taxade serviço, ante seu não fruimento, nem taxa de polícia, eis que não háconcreta manifestação deste poder, através do efetivo exercício de <strong>da</strong><strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de, nos limites e condições prefixados na CRFB/88. Aqui esbarraa denominação conferi<strong>da</strong> ao tributo.A espécie também não pode ser trata<strong>da</strong> como um imposto propriamentedito. Considero, na esteira doutrinária, ser suficiente ao reconhecimento<strong>da</strong> espécie <strong>da</strong> exação instituí<strong>da</strong> identificar a materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> hipótesede incidência e referibili<strong>da</strong>de de seus elementos constitutivos com aobrigação. Assim, os impostos se reconhecem por exclusão. Voltando àlei em tela, o tributo, de acordo com o art. 16 do CTN, conforme alegação<strong>da</strong> impetrante, teria como fato gerador uma situação independente dequalquer ativi<strong>da</strong>de estatal específica relativa ao contribuinte. Assim,obedecendo ao art. 154, I, <strong>da</strong> CRFB/88, para a instituição de um novoimposto, seria necessário a elaboração de uma Lei Complementar, o quenão ocorreu.Posto ser evidente o não enquadramento <strong>da</strong> exação como contribuiçãode melhoria ou empréstimo compulsório, exações que exaurem asespécies tributárias previstas na Constituição <strong>Federal</strong>, passo a apreciara possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mesma tratar-se de uma contribuição especial.Minuciosamente detalha<strong>da</strong> é a classificação <strong>da</strong>s contribuições especiaisesposa<strong>da</strong> por Leandro Paulsen (“Direito Tributário” – Constituição eCódigo Tributário à Luz <strong>da</strong> Doutrina e <strong>da</strong> Jurisprudência, Livraria doAdvogado Editora, 2001, p. 38): (1) contribuições especiais do interesse<strong>da</strong>s categorias profissionais – art. 149, CRFB/88, terceira parte; (2)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 403


contribuições especiais de intervenção no domínio econômico – art. 149,CRFB/88, segun<strong>da</strong> parte; (3) contribuições especiais sociais, dividi<strong>da</strong>sem (a) gerais – art. 149, CRFB/88, primeira parte; (b) de seguri<strong>da</strong>desocial – art. 195, I, II, III, CRFB/88; (c) de previdência e assistência dofuncionalismo público estadual, municipal e distrital – art. 149, § único,CRFB/88.Começo por aquela que me parece mais adequa<strong>da</strong>, presente no art.149 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> como contribuição de intervenção nodomínio econômico, cuja competência resta à União ou pessoa jurídica<strong>da</strong> administração pública indireta federal, nos casos em que intervémnecessariamente no sentido <strong>da</strong> realização dos princípios que informama ordem econômica, estampados nos incisos do art. 170 <strong>da</strong> CRFB/88.O Estado, assim, executa ativi<strong>da</strong>des que lhe são constitucionalmentedesigna<strong>da</strong>s em prol <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, de acordo com as competênciasconstitucionais. À União, no exercício destas ativi<strong>da</strong>des, é faculta<strong>da</strong>a instituição de cobranças. Na<strong>da</strong> aleatório ou discricionário, masnecessi<strong>da</strong>de especial <strong>da</strong> qual se vale, sendo um grupo específico quevai pagar a atuação estatal. Conforme determinação <strong>da</strong> Lei 10.165/00,o grupo é o <strong>da</strong>s empresas potencialmente poluidoras e utilizadoras derecursos naturais, a pagar pela possibili<strong>da</strong>de de afetar o meio ambiente,protegido pelo inciso VI do supramencionado art. 170.A cobrança está vincula<strong>da</strong> a uma atuação estatal, exerci<strong>da</strong> por meiode uma autarquia legalmente cria<strong>da</strong>, qual seja o IBAMA, em benefíciodo indivíduo, enquanto membro do grupo. O sujeito ativo é o IBAMA,de forma que não há, então, violação à Lei 6.938/81, in totum, ouincompatibili<strong>da</strong>de com a ativi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> pelo SISNAMA ou pelosórgãos estaduais competentes para fornecer licenciamento às enti<strong>da</strong>desque exercem ativi<strong>da</strong>des potencialmente poluidoras ou utilizadoras derecursos naturais. A instituição <strong>da</strong> TCFA é compatível com os artigos3º; 4º; 6º, e incisos; 8º; 9º, IV; 10º e §§ 3º e 4º; 11 e §1º, <strong>da</strong> Lei 6.938/81.As contribuições, assim, são vincula<strong>da</strong>s a uma atuação estatal,apenas e tão-somente, de modo indireto e mediato ao contribuinte.Não há, também, incompatibili<strong>da</strong>de com as taxas de licenciamentocobra<strong>da</strong>s supletivamente pelo IBAMA ou nas hipóteses do §4º do art.10 <strong>da</strong> Lei 6.938/81. A finali<strong>da</strong>de, por sua vez, é requisito inafastávelpara a caracterização <strong>da</strong> contribuição, e não deve ser confundi<strong>da</strong> com a404R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


destinação. Vislumbro uma ativi<strong>da</strong>de desenvolvi<strong>da</strong> em caráter geral peloIBAMA de monitoramento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des potencialmente poluidoras.Conforme se depreende <strong>da</strong> lei, a pretensa taxa é cobra<strong>da</strong> semestralmentesem que a empresa tenha necessariamente sofrido fiscalização específica.Basta, para a cobrança do valor fixado, estar a empresa operando naquelaativi<strong>da</strong>de legalmente prevista, e ter o Instituto ingerência sobre talmatéria.Ou seja, o sujeito passivo é a empresa potencialmente poluidora e ofato gerador, extraído do art. 17-C, é o mero exercício, pelo contribuinte,desta ativi<strong>da</strong>de. O controle e fiscalização destas ativi<strong>da</strong>des potencialmentepoluidoras ou utilizadoras de recursos naturais, embora constem na leinominalmente como fato gerador do tributo é, em ver<strong>da</strong>de, a finali<strong>da</strong>depara a qual é ele instituído. Entendo que se está diante de uma contribuiçãoespecial para cuja instituição tem a União competência. Trata-se desituação ensejadora <strong>da</strong> instituição de contribuição de intervenção nodomínio econômico, quando o Estado intervém como agente normativoe regulador, exercendo, na forma <strong>da</strong> lei cria<strong>da</strong>, as funções de fiscalização,incentivo e planejamento, no custeio <strong>da</strong>s metas fixa<strong>da</strong>s na OrdemEconômica. Lá, no art. 170, VI, CRFB/88, está a defesa do meio ambiente.Ressalvo que a Lei 6.938/81 (e suas posteriores alterações), ao criaro Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), estruturou-o emseis categorias distintas de órgãos, abrangendo o âmbito federal, estaduale municipal, conferindo ao IBAMA (art. 6º, IV) a efetiva execução<strong>da</strong> Política Nacional do Meio Ambiente. É norma geral (nacional) deestruturação, e não norma de cooperação, tendo sido recepciona<strong>da</strong> pelaCarta Constitucional de 1988 como lei ordinária na medi<strong>da</strong> que, forte noart. 23, VI, <strong>da</strong> CRFB/88, trata <strong>da</strong> competência comum que tem a União,assim como os Estados, o Distrito <strong>Federal</strong> e os Municípios, para editarnormas de proteção ao meio ambiente e combate à poluição em qualquerde suas formas. Não há qualquer violação ou negativa de vigência aoparágrafo único do art. 23 ou ao art. 59.Ademais, o que fez a Lei 10.165/00 foi, respeitando o princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de (art. 150, I, CRFB/88) e a competência concorrentedos entes políticos para a instituição de tributos relativos a questõesambientais (art. 24, VI, CRFB/88), criar contribuição de intervençãono domínio econômico, com suporte no art. 149 <strong>da</strong> Carta, estando talR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 405


finali<strong>da</strong>de representa<strong>da</strong> pela defesa do meio ambiente, princípio de ordemeconômica estampado no art. 170, VI, <strong>da</strong> CRFB/88.Quanto aos contribuintes e ao valor <strong>da</strong> contribuição, guar<strong>da</strong>madequação à finali<strong>da</strong>de visa<strong>da</strong>, pois são sujeitos passivos as empresascujas ativi<strong>da</strong>des estão liga<strong>da</strong>s diretamente ao ambiente e às quaisdiz respeito o monitoramento realizado. Prevê, também, que o valorvariará de acordo com o tamanho <strong>da</strong> empresa e o potencial de poluiçãoe o grau de utilização de recursos naturais de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>dessujeitas à fiscalização. Desta forma, demonstra relação de pertinênciacom a ativi<strong>da</strong>de estatal a ser desenvolvi<strong>da</strong> no sentido de defesa do meioambiente. Não há violação ao princípio constitucional do não confisco.É contribuição de intervenção no domínio econômico, com suporte noart. 149 <strong>da</strong> CRFB/88, estando tal finali<strong>da</strong>de representa<strong>da</strong> pela defesa domeio ambiente, princípio <strong>da</strong> ordem econômica estampado no art. 170, VI,CRFB/88. Assim entendi<strong>da</strong> a natureza jurídica <strong>da</strong> exação em comento,este entendimento não viola os arts. 145, II, ou 167, IV, <strong>da</strong> CRFB/88, nemomite-se na análise dos arts. 3º; 4º; 6º, IV; 7º; 8º ou 10; <strong>da</strong> Lei 6.938/81.Relembro que não se faz necessário o veículo específico <strong>da</strong> lei406R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


complementar para a instituição desta espécie de contribuição,necessi<strong>da</strong>de restrita às contribuições residuais de seguri<strong>da</strong>de social. Assimo é frente à previsão específica formula<strong>da</strong> na CRFB/88 em seu art. 195,§ 4º, quando determina que essa instituição deverá observar a técnica <strong>da</strong>competência residual <strong>da</strong> União prevista no art. 154, I.Ademais, há que se guar<strong>da</strong>r a obrigação do julgador de preservar asnormas legais quando há possibili<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r-lhes uma interpretaçãoconforme a Carta Constitucional, ao invés de extirpar-lhe do mundojurídico considerando-a completamente inconstitucional. Embora otributo criado não venha se enquadrar nos moldes conceituais <strong>da</strong> taxa,ele preenche os requisitos <strong>da</strong> contribuição. Considero, aliás, o nobreobjetivo que compreende a Lei nº 10.165/00, posto o efetivo prejuízo <strong>da</strong>sjá combali<strong>da</strong>s ações de controle e fiscalização ambientais, que, diga-se,merecem to<strong>da</strong> atenção e zelo possíveis não somente do Poder Judiciário,como de to<strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, por tratarem de questões diretamenterelaciona<strong>da</strong>s com a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, senão com a própria sobrevivência.Deve a legislação, que vem lhe proteger, receber interpretação conformeo texto constitucional, de maneira que se afaste qualquer declaração deinconstitucionali<strong>da</strong>de que impossibilite o exercício <strong>da</strong> proteção que oIBAMA realiza.Esta decisão não viola os seguintes artigos, que desde já tenho porprequestionados: 23, VI e parágrafo único; 24, VI; 59; 145, II, §1º; 150,IV; 167, IV, <strong>da</strong> CRFB/88; 4º; 16; 78 do CTN; 3º a 10º e §§ 3º e 4º; 11 e§1º; 17-B, 17-C, 17-D, 17-F, 17-G, 17-H, 17-I e 17-O, <strong>da</strong> Lei 6.938/81,que gozam de plena constitucionali<strong>da</strong>de. Ademais, todos os princípiosconstitucionais foram preservados, conforme fun<strong>da</strong>mentação supra.Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.72.03.000932-0/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> SoaresApelante: Hidráulica Indl. S/A Ind. e Com.Advogados: Drs. Romeo Piazera Junior e outrosApelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 407


Advoga<strong>da</strong>: Dra. Mariana Gomes de CastilhosEMENTATributário. Contribuição previdenciária ao FUNRURAL. Prescrição.1. Não se confundem os prazos que têm a Fazen<strong>da</strong> para cobrar osrespectivos créditos e aquele concedido ao contribuinte para repetiro indébito tributário. 2. Após a EC 8/77, perderam as contribuiçõesa natureza tributária, não mais sujeitando-se às disposições do CTN.Assim, passou a incidir a prescrição qüinqüenal determina<strong>da</strong> peloDecreto nº 20.910/32. 3. Após a CF/88, recobraram as contribuiçõesa natureza tributária. Sendo então tributos sujeitos ao lançamento porhomologação, o direito de repetição extingue-se com o decurso de cincoanos contados <strong>da</strong> homologação, expressa ou tácita, do lançamento peloFisco. Precedentes desta Corte e do STJ.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decidea Segun<strong>da</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votoe notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 13 de maio de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares: Trata-se deação ordinária, em que se postula a declaração de inexigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>contribuição destina<strong>da</strong> ao FUNRURAL, incidente sobre a folha desalários, entre janeiro de 1981 e agosto de 1989, e a compensação ourestituição dos valores indevi<strong>da</strong>mente recolhidos.Processado o feito, sobreveio sentença que extinguiu o processocom julgamento do mérito, reconhecendo a ocorrência de prescriçãoe condenando a parte autora ao pagamento <strong>da</strong>s custas processuais ehonorários advocatícios, fixados estes em R$ 500,00 (quinhentos reais).Inconforma<strong>da</strong>, apelou a parte autora, sustentando a inocorrência de408R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


prescrição em face <strong>da</strong> pretendi<strong>da</strong> aplicação do § 9º do art. 2º <strong>da</strong> LEFà repetição do indébito, pois se as enti<strong>da</strong>des previdenciárias têm trintaanos para exigir a exação previdenciária, o mesmo prazo, por força <strong>da</strong>isonomia, deveria ser concedido ao contribuinte para recuperar o quepagou indevi<strong>da</strong>mente.No mérito, argüiu a inexigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> exação frente a não-recepçãopela EC 18/65. Ademais, seria inconstitucional por ofensa aos arts. 58<strong>da</strong> CF/67 e 55 <strong>da</strong> CF/69, pois não constituíam as contribuições matériapassível de veiculação via decreto-lei. Alegou, ain<strong>da</strong>, a impossibili<strong>da</strong>dede superposição contributiva, pois, sendo empresa urbana, não poderiacontribuir para a previdência rural.Com contra-razões, subiram os autos.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares: Trata-se deapelação contra sentença que reconheceu a prescrição de parcelas decontribuições previdenciárias verti<strong>da</strong>s ao FUNRURAL entre janeiro de1981 e agosto de 1989.Argumentou a apelante que à previdência social sempre foi endereçadotratamento especial no que toca à matéria prescritiva, a exemplo <strong>da</strong>s regras<strong>da</strong> Lei nº 6.830/80 (LEF), as quais estipulam a prescrição trintenáriapara a cobrança dos créditos previdenciários. Entende a deman<strong>da</strong>nte serlegítima a extensão de tal prazo ao contribuinte para a recuperação <strong>da</strong>sexações recolhi<strong>da</strong>s indevi<strong>da</strong>mente.Sob a égide <strong>da</strong> CF/46, o sistema tributário constituía-se de poucomais que um conjunto de fontes de arreca<strong>da</strong>ção. A competência tributáriaresidual era ampla (CF/46, art. 21), inexistindo processo legislativoqualificado (lei complementar) para a criação de tributos. O planoinfraconstitucional sofria as conseqüências <strong>da</strong> ausência de sistematização.Um novo sistema tributário foi paulatinamente implantado entre1964 e 1966, cujos marcos finais foram a EC nº 18/65 – que, comalgumas alterações, incorporou-se à CF/67 – e o Código TributárioNacional. Surgiu, a partir <strong>da</strong>í, um sistema tributário que era, de fato,um sistema. O CTN criou regras gerais sobre tributação, entre elas asR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 409


elativas à prescrição, dividindo e definindo os tributos em impostos,taxas e contribuições de melhoria, manti<strong>da</strong> a exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s demaiscontribuições do art. 217. A CF/69 enumerou, dentro do sistema tributário,as contribuições previdenciárias, de intervenção no domínio econômicoe as de interesse <strong>da</strong>s categorias profissionais. Porém, com a EC nº 8/77alterou-se a natureza <strong>da</strong>s contribuições.O Min. Francisco Rezek expôs a situação <strong>da</strong>s contribuições após areferi<strong>da</strong> emen<strong>da</strong> constitucional:“Em 1977 a Emen<strong>da</strong> Constitucional 8 excluiu tais contribuições <strong>da</strong> categoria detributos, ao reformular o primeiro inciso do § 2º do art. 21, acrescentando, ao mesmotempo, novo inciso ao art. 43 – o de número X, onde as contribuições sociais se apartamdos tributos já versados no inciso I.” (com grifos no original) (RE nº 100.790-7-SP,Relator Min. Francisco Rezek, unânime, DJ 13.03.87)Não sendo tributo após a EC 8/77, não mais sujeitavam-se ao CTN ascontribuições enumera<strong>da</strong>s na referi<strong>da</strong> emen<strong>da</strong>, dentre elas a contribuiçãoprevidenciária, conforme o art. 165, XVI, <strong>da</strong> CF/69.Diante disso, a Lei n.º 6.830/80, ao prever o procedimento para acobrança <strong>da</strong> Dívi<strong>da</strong> Pública, em seu art. 2º, § 9º, determinou:“§ 9º - O prazo para a cobrança <strong>da</strong>s contribuições previdenciárias continua a ser oestabelecido no artigo 144 <strong>da</strong> Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960.”410A referi<strong>da</strong> lei, por sua vez, previa:“Art. 144. O direito de receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devi<strong>da</strong>s,prescreverá, para as instituições de previdência social, em trinta anos.”A natureza tributária <strong>da</strong>s contribuições ressurgiu com o advento <strong>da</strong>Constituição de 1988, reinseri<strong>da</strong>s no sistema tributário nacional pelo art.149 desta Carta.Portanto, depois <strong>da</strong> Lei de Execuções Fiscais e até a CF/88, aprescrição dos créditos decorrentes de contribuições previdenciáriassomente ocorria em trinta anos. To<strong>da</strong>via, a pretensão <strong>da</strong> parte de estenderao contribuinte o mesmo prazo para repetição do pretendido indébitoprevidenciário não merece acolhi<strong>da</strong>.O tratamento benéfico, porventura concedido pelo legislador àFazen<strong>da</strong> Pública, e em especial aos créditos previdenciários, decorre<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de acautelar a cobrança de valores que comporão aR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


eceita destina<strong>da</strong> a suprir as despesas do Estado. Não são situaçõesequivalentes aquela em que o ente previdenciário defende interessepúblico, consistente em recompor o patrimônio com o qual proverá osbenefícios que a lei lhe confiou, e outra em que o particular busca repetiro que, pretensamente, pagou indevi<strong>da</strong>mente. Assim, se a lei confereprerrogativa ao ente público, como prazo superior para cobrança decréditos, a dispari<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>-se na supremacia e indisponibili<strong>da</strong>de dosinteresses públicos. Sacha Calmon Navarro Coêlho recor<strong>da</strong> lição de RuiBarbosa, citando-o:“A regra <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais,na medi<strong>da</strong> em que se desigualam. Nesta desigual<strong>da</strong>de social, proporciona<strong>da</strong> àdesigual<strong>da</strong>de natural, é que se acha a ver<strong>da</strong>deira lei <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de. O mais são desvairiosde inveja, do orgulho ou <strong>da</strong> loucura. Tratar com desigual<strong>da</strong>de a iguais ou a desiguaiscom igual<strong>da</strong>de seria a desigual<strong>da</strong>de flagrante e não igual<strong>da</strong>de real.” (Manual de DireitoTributário, 2.ª ed. Ed. Forense, p. 17)Não há porque estender dispositivo destinado ao ente público quandoo particular recebe regra própria do ordenamento jurídico. Não tendo, noperíodo debatido, natureza tributária, insere-se a pretensão <strong>da</strong> apelantena previsão do Decreto nº 20.910/32, o qual, em seu art. 1º, disciplina aprescrição <strong>da</strong>s dívi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública:“Art. 1º As dívi<strong>da</strong>s passivas <strong>da</strong> União, dos Estados e dos Municípios, bem assimtodo e qualquer direito ou ação contra a Fazen<strong>da</strong> federal, estadual ou municipal, sejaqual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do ato ou fato doqual se originarem.”No âmbito jurisprudencial, a matéria encontra-se pacifica<strong>da</strong> pelaSúmula 107 do extinto TFR:“A ação de cobrança do crédito previdenciário contra a Fazen<strong>da</strong> Pública está sujeitaà prescrição qüinqüenal estabeleci<strong>da</strong> no Decreto nº 20.910, de 1932.”Portanto, os créditos existentes entre janeiro de 1981 e outubro de1988 encontram-se prescritos na forma do Decreto nº 20.910/32.Tendo em vista que a pretensão <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>nte alarga-se até agostode 1989 e que, como antecipado acima, com o advento <strong>da</strong> Carta de1988, recobraram as contribuições a natureza tributária, a prescrição<strong>da</strong>s parcelas verti<strong>da</strong>s desde novembro de 1988 sujeita-se às regrasprescricionais do CTN para o lançamento por homologação.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 411


Com efeito, o prazo prescricional para postular a restituição/compensação de créditos tributários é de 5 anos, começando a fluirsomente após a sua extinção definitiva (art. 168, I, do CTN). Nos tributossujeitos ao lançamento por homologação, a referi<strong>da</strong> extinção se dá pelahomologação fiscal – expressa ou tácita – do recolhimento antecipadopelo contribuinte. Se não houver manifestação expressa, presume-setacitamente homologado o pagamento (e, portanto, extinto o créditotributário) após cinco anos “a contar <strong>da</strong> ocorrência do fato gerador”.(art. 150, § 4º, CTN)Assim, o contribuinte que recolheu exação indevi<strong>da</strong>mente, ou amaior, tem dez anos para repetir o indébito, contados do fato gerador sea homologação for tácita. Se esta for expressa, terá cinco anos contados<strong>da</strong> homologação do lançamento.Tal entendimento encontra-se pacificado pelo Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça:“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.COMPENSAÇÃO. PIS. PRESCRIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA07/STJ. IMPROVIMENTO. A prescrição do direito de pleitear a compensação, nostributos sujeitos a lançamento por homologação, se dá após expirado o prazo de cinco412R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


anos, contados do fato gerador, acrescidos de mais cinco anos, a partir <strong>da</strong> homologaçãotácita...”. (AGA 342031/SP, STJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Falcão, DJUde 22.10.2001)É idêntico o posicionamento desta Corte:“CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PRO LABORE. LEIS 7.787/89, 8.212/91 E8.383/91. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO.LIMITE À COMPENSAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DO ENCARGO. CORREÇÃOMONETÁRIA. (...) O prazo prescricional só começa a fluir após a conclusão doprocedimento administrativo de lançamento. E em se tratando de tributo sujeito a regimede lançamento por homologação, o marco inicial do prazo prescricional é a própriahomologação, expressa ou tácita, quando efetivamente se tem por constituído o créditotributário. Sendo assim, enquanto não concretiza<strong>da</strong> a homologação do lançamento peloFisco, ou ain<strong>da</strong> não decorrido o prazo de cinco anos a que se refere o par. 4° do art.150 do Código Tributário Nacional, não há falar em prescrição, só cogitável passadoscinco anos <strong>da</strong> homologação. (...)”. (AMS nº 2000.71.04.006662-2. 2ª Turma, Rel. JuizVílson Darós, DJU 03.10.2001)“SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO – SAT – PRESCRIÇÃO –CONSTITUCIONALIDADE – GRAU DE RISCO – DECRETO REGULAMENTO.O prazo prescricional, nos casos de tributo objeto de lançamento por homologação,começa após o transcurso do prazo de cinco anos, contados <strong>da</strong> ocorrência do fato gerador,acrescido de mais cinco anos contados <strong>da</strong>quela <strong>da</strong>ta em que se deu a homologaçãotácita (...)”. (AC nº 2001.04.01.065571-2/SC, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti,DJU 17.01.2001)Logo, no caso dos autos, como a ação foi proposta em 11 de julho de2002 e a exação que se pretende repetir foi recolhi<strong>da</strong> nas competênciasde novembro de 1988 a agosto de 1989, inexistindo indício de que houvehomologação expressa do lançamento pelo Fisco, está extinto o direitode repetição postulado pela apelante.Dessa forma, decorridos mais de cinco anos <strong>da</strong> última contribuiçãoverti<strong>da</strong> antes <strong>da</strong> CF/88, bem como mais de dez anos <strong>da</strong> última parcelarecolhi<strong>da</strong> após esta Carta, referente a agosto de 1989, encontra-seprescrito o direito de repetição pleiteado pela deman<strong>da</strong>nte.Nesses termos, nego provimento à apelação.AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2003.04.01.009201-9/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> SoaresR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 413


Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alcides VettorazziAgravante: Kurten Madeiras e Casas Pré Fabrica<strong>da</strong>s Lt<strong>da</strong>.Advogados: Drs. Adriane Turin dos Santos e outrosAgrava<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advoga<strong>da</strong>: Dra. Dolizete Fátima MichelinEMENTAConstitucional e Tributário. IPI. Crédito-prêmio. Exportação.Industrial. Comerciante. Estímulos fiscais. DL. 491/69. DL 1.248/72.DL 1.724, art. 1º. DL 1.894, art. 3 o , inc I. Inconstitucionali<strong>da</strong>de. DL1.658/79. DL. 1.722/79. Extinção dos estímulos. Atos ministeriais.Invali<strong>da</strong>de. ADCT, CF/88, art. 41, par 1 o . Lei 8.402/92. Restauração.Exegese.1. O DL 491, de 05.03.69, baixado sob égide do § 2 o do art. 20<strong>da</strong> CF/67, ao prever (art. 1 o , § 2 o ) compensação do crédito-prêmio nopagamento de outros tributos federais não instituiu nova mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de deexclusão tributária (CTN: art. 175-II) a ensejar alteração do CTN pelavia qualifica<strong>da</strong> <strong>da</strong> lei complementar. Tão-só instituiu nova espécimedo gênero compensação (CTN: art. 156-II) mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de extinçãode crédito tributário. Por via transversa, o crédito-prêmio isentou, emtese, na exportação, tributos internos que não o IPI/ICM. A desoneraçãotributária na exportação era a finali<strong>da</strong>de.2. A autorização <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo artigo 1 o do DL 1.724, de 07.12.79, bemassim a do art. 3 o , I, do DL 1.894, de 16.12.81, ao Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>para suspender, aumentar, reduzir, temporária ou definitivamente,ou extinguir os incentivos fiscais, concedidos pelos artigos 1 o e 5 o doDL 491, de 05.03.69, é inconstitucional por invadir esfera reserva<strong>da</strong>,exclusivamente, à lei, nos termos do artigo 97-IV do CTN (TRF4: Arg.Inc. 90.04.11176-PR, Des. <strong>Federal</strong> Paim Falcão, DJ 10.06.92, p. 16692:TFR, AC 109.896). Declara<strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de dos DLs 1.724 (art.1 o ) e 1.894 (art. 3 o – I), os efeitos ex nunc levam a aplicar-se, à espécie,a legislação que veio a prevalecer como constitucional: os estímulosfiscais do DL 491/69 restaram extintos em 30 de junho de 1983 porforça dos comandos do DL 1.658 (art. 1 o ) mantido pelo DL 1.722 (art.3 o ), ambos de 1979, dos quais não se tem notícias tivessem sido objetode declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de pelos Altos Pretórios nacionais.414R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


3. Mesmo prestigiando precedentes do E. STJ, no sentido de havero crédito-prêmio sobrevivido ao DL 1.658 e remanescer pelo DL 1.894sem prazo determinado, resta óbice constitucional invencível insculpidono § 1º do art. 41 do ADCT. Como explicar que a manutenção dos créditossobre insumos (DL 491/69: art. 5 o ) – que também consta do DL 1.894/91,art. 1º, porém no inciso I –, tenha sido expressamente restabeleci<strong>da</strong> pelaLei 8.402/92 a pretexto de sua extinção pelo § 1 o do art. 41 do ADCT eo crédito-prêmio (DL 491/69: art. 1 o ) tenha sobrevivido ao precitado § 1 odo art. 41 do ADCT sem necessi<strong>da</strong>de expressa de seu restabelecimento,uma vez que a Lei 8.402 silenciou quanto ao crédito-prêmio?. Conclusão:tanto o crédito-prêmio como a manutenção de crédito sobre insumoseram passíveis dos efeitos do § 1 o do art. 41 do ADCT. O crédito-prêmio,porém, já estava definitivamente extinto desde 30.06.83 por força do DL1.658 com re<strong>da</strong>ção do DL 1.722 e jamais restabelecido como tal, vindoem seu lugar sucedâneos como é exemplo o crédito-presumido de IPIinstituído pela Lei 9.363/96 que desonerou, <strong>da</strong>s exportações, o PIS e aCOFINS benefício esse vigente até hoje consoante RIPI/2002, aprovadopelo Decreto 4.544, de 30.12.2002, art. 179, caput, e § 1 o .4. Agravo improvido.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aSegun<strong>da</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravoregimental, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficamfazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 17 de junho de 2003.Juiz <strong>Federal</strong> Alcides Vettorazzi, Relator p/Acórdão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares: Cui<strong>da</strong>-se deagravo de instrumento, com pedido de concessão de efeito suspensivo,interposto contra decisão que, em ação ordinária, indeferiu antecipaçãode tutela postula<strong>da</strong> para que não fosse obsta<strong>da</strong> a utilização do créditoprêmiodo IPI pela Autora, referente às exportações futuras e pretéritas,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 415


dentro do prazo prescricional de 5 (cinco) anos.A ilustre julgadora de primeiro grau entendeu descabi<strong>da</strong> a compensaçãode tributos em sede de antecipação de tutela.A Agravante sustentou, em aperta<strong>da</strong> síntese, a vigência do Decreto-Lei nº 491/69, reestabelecido o incentivo fiscal em questão pela Lei nº8.402/92.O pedido de concessão de efeito suspensivo foi deferido em parte,sendo assegurado à Agravante o direito de utilizar o crédito-prêmio deIPI relativo às operações futuras de exportação.A Fazen<strong>da</strong> Nacional interpôs agravo regimental e não apresentoucontraminuta.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares: O crédito-prêmiodo IPI foi instituído pelo Decreto-Lei 491/69, a título de incentivo àsexportações, nos seguintes termos:“Art. 1º. As empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarãoa título de estímulo fiscal, créditos tributários sobre suas ven<strong>da</strong>s para o exterior, comoressarcimento de tributos pagos internamente.§ 1º Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do valor do Impostosobre Produtos Industrializados incidente sobre as operações no mercado interno.§ 2º Feita a dedução, e havendo excedente de crédito, poderá o mesmo sercompensado no pagamento de outros impostos federais, ou aproveitado nas formasindica<strong>da</strong>s por regulamento.(...)”O Decreto-Lei 1.724/79, por sua vez, em seu artigo 1º, conferiu aoMinistro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> poderes para aumentar ou reduzir, temporária oudefinitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos1º e 5º do Decreto-Lei 491/69. Tais prerrogativas foram semelhantementeveicula<strong>da</strong>s pelo Decreto-Lei 1.894/81.Entretanto, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> declarou, em controle difuso,a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos artigos 1º do Decreto-Lei nº 1.724/79 e3º, inciso I, do Decreto-Lei nº 1.894/81, consoante os arestos que oracolaciono:“TRIBUTO - BENEFÍCIO - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. Surgem416R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


inconstitucionais o artigo 1º do Decreto-lei nº 1.724, de 7 de dezembro de 1979, eo inciso I do artigo 3º do Decreto-lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, no queimplicaram a autorização ao Ministro de Estado <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> para suspender, aumentar,reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os incentivos fiscais previstos nosartigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969.” (STF - <strong>Tribunal</strong> Pleno -RE 186359/RS - Rel. Min. Marco Aurélio - ac. por maioria - DJ de 10.05.2002, p. 53)“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. INCENTIVOS FISCAIS:CRÉDITO-PRÊMIO: SUSPENSÃO MEDIANTE PORTARIA. DELEGAÇÃOINCONSTITUCIONAL. D.L. 491, de 1969, arts. 1º e 5º; D.L. 1.724, de 1979, art.1º; D.L. 1.894, de 1981, art. 3º, inc. I. C.F./1967. I. - É inconstitucional o artigo 1º doD.L. 1.724, de 7.12.79, bem assim o inc. I do art. 3º do D.L. 1.894, de 16.12.81, queautorizaram o Ministro de Estado <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> a aumentar ou reduzir, temporária oudefinitivamente, ou restringir os estímulos fiscais concedidos pelos artigos 1º e 5º do D.L.nº 491, de 05.03.69. Caso em que tem-se delegação proibi<strong>da</strong>: CF/67, art. 6º. Ademais,matérias reserva<strong>da</strong>s à lei não podem ser revoga<strong>da</strong>s por ato normativo secundário. II.- R.E. conhecido, porém não provido (letra b).” (STF - <strong>Tribunal</strong> Pleno - RE 186623/RS - Rel. Min. Carlos Velloso - ac. por maioria - DJ de 12.04.2002, p. 66)Esta Corte já havia se manifestado, anteriormente, no mesmo sentido,inclusive acolhendo argüição de inconstitucionali<strong>da</strong>de dos dispositivoslegais em debate:“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. PRESCRIÇÃO. ESTÍMULOSFISCAIS. DEL. 1.724/79, ART. 1º, ART. 3º, INC. I, DEL 1894/81.1. (...)2. É inconstitucional. Por invadir esfera reserva<strong>da</strong> exclusivamente à lei, nos termosdo art. 97, inc. VI, do CTN/66, autorização concedi<strong>da</strong> por Decreto-lei, para o Ministro<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> suspender, aumentar, reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguiros incentivos fiscais, concedidos pelos arts. 1º e 5º do DEL 491/69”. (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,AMS 97.04.40784-0/RS, 1ª Turma, ac. unânime, Rel. Juiz Antônio Albino Ramos deOliveira, DJ 01.07.98)“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IPI. ESTÍMULOS FISCAIS. DEL.491/69. PORTARIAS PRT 78/81, PRT 89/81 E PRT 292/81, EDITADAS COM BASENO DEL 1724/69. INCONSTITUCIONALIDADE.1. A autorização <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo art. 1 do DEL 1.724/79, de 07.12.79 ao Ministério<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> para aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguiros incentivos fiscais, concedidos pelo art. 1º e art. 5º do DEL 491/69, de 05.05.69, éinconstitucional por invadir esfera reserva<strong>da</strong> exclusivamente à lei, nos termos do art.97, VI, do Código Tributário Nacional (CTN 66, conforme restou decidido pelo Plenodeste <strong>Tribunal</strong> na argüição de inconstitucionali<strong>da</strong>de na AC nº 90.04.11176-0/PR, emque foi Relator o juiz Paim Falcão.” (TRF/<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, AC nº 97.04.29244-9/RS, 2ªR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 417


Turma, Rel. Juíza Tania Escobar, ac. unânime, DJ 27.01.99)“CONSTITUCIONAL. ESTÍMULOS FISCAIS. DECRETO-LEI-491, DE 5(CINCO) DE MARÇO DE 1969, ARTIGOS 1º E 5º. INCONSTITUCIONALIDADEDO ARTIGO 1 DO DECRETO-LEI 1724, DE 7 (SETE) DE DEZEMBRO DE 1979,E DO INCISO 1 DO ARTIGO 3 DO DECRETO-LEI 1894, DE 16 DE DEZEMBRODE 1981.1. A autorização <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo artigo 1 do decreto-lei-1724, de 07.12.79, bem assim ado inciso 1 do artigo 3 do Decreto-Lei 1894, de 16 de dezembro de 1981, ao Ministro<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> para suspender, aumentar, reduzir, temporária ou definitivamente, ouextinguir os incentivos fiscais, concedidos pelos artigos 1 e 5 do Decreto-Lei-491, de5 de março de 1969, é inconstitucional por invadir esfera reserva<strong>da</strong>, exclusivamente,a lei, nos termos do artigo 97, inciso 6, do Código Tributário Nacional.2. Argüição de inconstitucionali<strong>da</strong>de acolhi<strong>da</strong>.” (TRF/<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> - Plenário - INAC nº90.04.11176-0/PR - Rel. Juiz Paim Falcão - DJ de 10.06.92, ac. por maioria, p. 16692)Seguindo tal raciocínio, Portarias Ministeriais como a de nº 176/84,que vedou a concessão de garantia <strong>da</strong> manutenção do crédito-prêmio,não poderiam ter revogado o Decreto-Lei 491/69.To<strong>da</strong>via, é de se considerar a existência do Decreto-Lei nº 1.658, de24 de janeiro de 1979, que dispunha sobre a redução gradual do benefícioem debate até sua definitiva extinção, em 30 de junho de 1983.Em que pese, desta vez, parecer que o crédito-prêmio foi extinto,pois o regramento havia sido veiculado por meio hábil (Decreto-Lei),em reali<strong>da</strong>de, tal extinção não chegou a ocorrer.É que o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, em diversos julgados, manifestouseno sentido de que o Decreto-Lei 1.894/81 restaurou o benefício fiscalsem definição de prazo. Ademais, esse Decreto tem <strong>da</strong>ta anterior àquelaprevista no Decreto-Lei nº 1.658, relativa à extinção total do benefício.Desse contexto, o que se dessume é que o Decreto-Lei 1.894/81 veioimpedir a extinção do crédito-prêmio prevista no art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei nº 1.658/79, reestabelecendo-o sem definição de prazo.A seguir, julgados do STJ no mesmo diapasão:“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO. DECRETOS-LEIS N OS 491/69, 1.724/79, 1.722/79, 1.658/79 E 1.894/81. MANDADO DESEGURANÇA PREVENTIVO. CABIMENTO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA.MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SOBRESTAMENTO DO RECURSO ESPECIALATÉ O PRONUNCIAMENTO DA CORTE SUPREMA. DESNECESSIDADE.(...)3. O STJ tem corroborado o entendimento de que com a declaração de418R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


inconstitucionali<strong>da</strong>de do Decreto-lei nº 1.724/79, os Decretos-Leis n os 1.722/79 e1.658/79, ali referidos, restaram inaplicáveis. Assim sendo, por disposição expressado Decreto-lei nº 1.894/81, impõe-se a aplicação do Decreto-lei 491/69, que restaurouo benefício do crédito-prêmio do IPI, sem qualquer definição acerca de prazo.Precedentes <strong>da</strong> 1ª Seção.4. Recursos especial parcialmente conhecido, e nesta parte, provido. Inversão dosônus sucumbenciais.” (Primeira Turma - REsp 440306/RS - Rel. Min. Luiz Fux - ac.unânime - DJ de 24.02.2003, p. 196)“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRADECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO PARAFAZER SUBIR RECURSO ESPECIAL. CRÉDITO-PRÊMIO. DECRETOS-LEIS N OS491/69, 1724/79, 1722/79, 1658/79 E 1894/81.Acórdão a quo que, com base na declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de do Decreto-Leinº 1.724/79, considerou, também, inaplicáveis os Decretos-Leis n os 1.722/79 e 1.658/79,por estarem expressamente referidos no primeiro, determinando, em conseqüência, oressarcimento dos créditos oriundos de incentivos fiscais à exportação, denomina<strong>da</strong>de crédito-prêmio de IPI, benefício restaurado pelo Decreto-Lei nº 1.894/81.Tendo sido declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de do Decreto-Lei nº 1.724/79,conseqüentemente ficaram sem efeito os Decretos-Leis n os 1.722/79 e 1.658/79, aosquais o primeiro diploma se referia. É aplicável o Decreto-Lei nº 491/69, expressamentemencionado no Decreto-Lei nº 1894/81, que restaurou o benefício do crédito-prêmiodo IPI, sem definição de prazo. Agravo regimental improvido.” (Primeira Turma -AGA nº 472816/DF - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - ac. unânime- DJ de16.12.2002, p. 282)Então, o crédito-prêmio do IPI, como se disse, foi restaurado peloDecreto-Lei 1.894/81, sem definição de prazo, nos seguintes termos:“Art. 1º Às empresas que exportarem, contra pagamento em moe<strong>da</strong> estrangeiraconversível, produtos de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno, ficaassegurado:I - o crédito do imposto sobre produtos industrializados que haja incidido naaquisição dos mesmos;II - o crédito de que trata o artigo 1º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969.§ 1º - O crédito previsto no item I deste artigo será equivalente:a) no caso de aquisição a produtor-vendedor ou a comerciante contribuinte doimposto sobre produtos industrializados, ao montante desse tributo, constante <strong>da</strong>respectiva nota fiscal;b) no caso de aquisição a comerciante não contribuinte do imposto sobre produtosindustrializados, ao resultado <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> alíquota desse tributo, vigorante na<strong>da</strong>ta <strong>da</strong> aquisição, sobre 50% (cinqüenta por cento) do valor do produto, constante <strong>da</strong>respectiva nota fiscal.§ 2º - É ve<strong>da</strong><strong>da</strong> ao produtor-vendedor a fruição dos incentivos fiscais à exportação,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 419


nas ven<strong>da</strong>s para o exterior efetua<strong>da</strong>s por outras empresas, decorrentes de suas aquisiçõesno mercado interno, na forma prevista neste artigo.Art. 2º - O artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972, passa avigorar com a seguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 3º - São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata oartigo 1º deste Decreto-lei, os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo àexportação, à exceção do previsto no artigo 1º do Decreto-lei nº 491, de 05 de marçode 1969, ao qual fará jus apenas a empresa comercial exportadora.’ ”Entretanto, como se dessume do art. 2º do Decreto-Lei 1.894/81,o benefício fiscal do crédito-prêmio de IPI não continuou vigente emrelação aos produtores-vendedores que realizassem operações deexportação.A análise <strong>da</strong> vigência do benefício guerreado, nos termos antesexpostos, passa pelo estudo, ain<strong>da</strong>, do alcance do artigo 41 do ADCTque, segundo alguns, teria revogado o benefício fiscal.Eis a re<strong>da</strong>ção do mencionado artigo:“Art. 41. Os Poderes Executivos <strong>da</strong> União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dosMunicípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor,propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medi<strong>da</strong>s cabíveis.§ 1º - Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> promulgação<strong>da</strong> Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.” (sem grifos nooriginal)Entretanto, o que se observa é que o art. 41 do ADCT não se refereao crédito-prêmio do IPI, pois aquele apenas diz respeito aos incentivosfiscais de natureza setorial, e o benefício fiscal em comento atinge todoo setor industrial no território nacional e objetiva a proteção <strong>da</strong> economiado país, não possuindo natureza setorial ou regional.Nesse sentido, os seguintes julgados:“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CRÉDITO-PRÊMIO DE IPI. ART. 1º DODL 491/69. ART. 41, PARÁG. 1º, DO ADCT. INOCORRÊNCIA DE EXTINÇÃO.INCONSTITUCIONALIDADE DO DL 1.724/79. SEM EFEITO OS DLs 1.722/79E 1.658/79. DL 1.894/81. RESTABELECIMENTO DO ART. 1º DO DL 491/69.LEGITIMIDADE. LEI 8.402/92. DESNECESSIDADE DE CONVALIDAÇÃODO CRÉDITO-PRÊMIO DE IPI, POR NÃO SER BENEFÍCIO DE NATUREZASETORIAL. COMPENSAÇÃO. EXPEDIÇÃO DE DCC. CND.1.O crédito-prêmio de IPI (art. 1º do DL 491/69) não se enquadra na hipótese do art.41, parág. 1º do ADCT, posto que alcança todos os produtos industrializados no âmbitodo território nacional, não possuindo, destarte, natureza setorial ou regional. (...) 3. A420R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


Lei 8.402/92, que convalidou incentivos fiscais concedidos antes <strong>da</strong> promulgação <strong>da</strong>atual Carta Magna, não faz alusão ao crédito-prêmio de IPI porque esse incentivo nãose enquadra na categoria (setorial) <strong>da</strong>queles benefícios cuja continui<strong>da</strong>de depen<strong>da</strong> delei convali<strong>da</strong>dora (ADCT/88, art. 41, § 1º), <strong>da</strong>í porque o art. 1º do DL 491/69 não cessoude produzir efeitos. (...)” (TRF/5ª <strong>Região</strong> - Quarta Turma - AMS nº 200083000208401/PE - Rel. Des. <strong>Federal</strong> Napoleão Maia Filho - ac. unânime - DJ de 03.06.2002, p. 427)“TRIBUTÁRIO. CREDITAMENTO DE IPI SOBRE PRODUTOS DESTINADOS ÀEXPORTAÇÃO. REVOGAÇÃO. ART-41 DO ADCT-88 DA CF-88. INOCORRÊNCIA.1. As disposições do ART-41 do ADCT-88 <strong>da</strong> CF-88, notoriamente, trataram de eliminardispari<strong>da</strong>des de tratamento relativamente a alguns setores <strong>da</strong> economia, organizando apolítica tributária. 2. Diferente, no entanto, é o tratamento a ser dispensado às ativi<strong>da</strong>desde exportação, cujo imposto é marca<strong>da</strong>mente extrafiscal, e os incentivos visam aproteger a economia do país como um todo, e não de forma setorial. 3. Ademais, aLEI-8402/92 restabeleceu os incentivos fiscais, retroagindo seus efeitos a 05.03.90, <strong>da</strong>talimite prevista no PAR-1 do citado ART-41. 4. Apelação e remessa oficial improvi<strong>da</strong>s.”(TRF/<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> - Primeira Turma - AC nº 9504042783/PR - Rel. Juiz Fábio Bittencourt<strong>da</strong> Rosa - ac. unânime - DJ de 11.02.98, p. 889)A manutenção do benefício, como se viu, ocorreu apenas em relaçãoàs empresas comerciais-exportadoras.To<strong>da</strong>via, a Lei 8.402/92 restabeleceu o benefício também em relaçãoao produtor-vendedor, por revali<strong>da</strong>r as disposições originais do Decreto-Lei 1.248/72, nos seguintes termos:“Art. 1° São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais:(...) § 1° É igualmente restabeleci<strong>da</strong> a garantia de concessão dos incentivos fiscaisà exportação de que trata o art. 3° do Decreto-Lei n° 1.248, de 29 de novembro de1972, ao produtor-vendedor que efetue ven<strong>da</strong>s de mercadorias a empresa comercialexportadora, para o fim específico de exportação, na forma prevista pelo art. 1° domesmo diploma legal. (...)” (sem grifos no original)O Decreto-Lei 1.248, por sua vez, em sua re<strong>da</strong>ção original, assimregulava a matéria:“Art. 1º As operações decorrentes de compra de mercadorias no mercado interno,quando realiza<strong>da</strong>s por empresa comercial exportadora, para o fim específico deexportação, terão o tratamento tributário previsto neste Decreto-lei.Parágrafo único. Consideram-se destina<strong>da</strong>s ao fim específico de exportação asmercadorias que forem diretamente remeti<strong>da</strong>s do estabelecimento do produtor-vendedorpara:a) embarque de exportação por conta e ordem <strong>da</strong> empresa comercial exportadora;b) depósito em entreposto, por conta e ordem <strong>da</strong> empresa comercial exportadora,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 421


sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabeleci<strong>da</strong>s emregulamento.(...)Art. 3º São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata oartigo 1º deste Decreto-lei, os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo àexportação.” (sem grifos no original)De todo o exposto, depreende-se que, atualmente, o benefício fiscaldo crédito-prêmio do IPI continua vigente tanto em relação ao produtorvendedorde mercadorias quanto às empresas comerciais-exportadoras.Por fim, cabe sinalar que, no caso em tela, o provimento deferidonão consiste em possibili<strong>da</strong>de de compensação de tributos em sedede liminar, que violaria o teor do art. 170-A do CTN. Trata-se, emreali<strong>da</strong>de, de hipótese de aproveitamento de futuros créditos de IPI, jáaceito por esta Turma, inclusive por ocasião de liminares, consoanteo aresto que ora colaciono:“IPI. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. APROVEITAMENTO.COMPENSAÇÃO. SÚMULAS 212 DO STJ E 45 DO TRF/<strong>4ª</strong>. Uma coisa éa compensação de créditos/débitos para fins de efetivação do princípio <strong>da</strong> nãocumulativi<strong>da</strong>de (art. 49 e seu § único do CTN e artigo 153, § 3, II, <strong>da</strong> Constituição); outracoisa é a compensação de valores indevi<strong>da</strong>mente recolhidos a título de um tributo, comdébitos de tributos devidos (artigo 170 do CTN). No primeiro caso o contribuinte tem odireito de compensar porque aquilo que pagou nas operações posteriores, por força <strong>da</strong> leie <strong>da</strong> Constituição, deve ser abatido do imposto devido nas operações posteriores, e issoporque o IPI (<strong>da</strong> mesma forma que o ICMS) não podem ser cumulativos. No segundocaso, o direito de compensação se dá porque o contribuinte pagou tributo indevi<strong>da</strong>menteou a maior, sendo direito seu, nos termos <strong>da</strong> lei, efetuar as compensações para quenão haja locupletamento indevido do Erário Público, em prejuízo do contribuinte.Aproveitamento há quando o IPI pago na aquisição <strong>da</strong> matéria prima é imediatamentelançado escrituralmente, em conta gráfica, e depois aproveitado no pagamento do mesmotributo devido pela saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> mercadoria industrializa<strong>da</strong>, em obediência ao princípio<strong>da</strong> não cumulativi<strong>da</strong>de. Aqui, a agravante quer é o direito de compensar os valoresrelativos ao IPI na aquisição de matérias primas isentas, não tributa<strong>da</strong>s ou sujeitas àalíquota zero que deixou de fazer ao longo dos últimos dez anos. Por evidente que talpretensão refoge do alegado aproveitamento e passa para o instituto <strong>da</strong> compensação oque resta ve<strong>da</strong>do deferir-se em liminar, a teor <strong>da</strong>s Súmulas nº 212 do Colendo STJ e nº54 desta Corte.” (TRF/<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> - Segun<strong>da</strong> Turma - AGVAG nº 1999.04.01.020958-6/RS - Rel. Juiz Vilson Darós - DJU de 06.09.2000, p. 165 – ac. unânime)Assim, dou parcial provimento ao agravo de instrumento e julgo422R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


prejudicado o agravo regimental, apenas para assegurar à Agravante odireito de utilizar o crédito-prêmio de IPI, relativo às operações futurasde exportação.É o voto.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Alcides Vettorazzi: Peço venia ao eminenteDesembargador <strong>Federal</strong> para divergir.Cui<strong>da</strong>-se de crédito-prêmio de IPI decorrente de exportações.I – Origens e terminologiaO DL 491, de 05.03.69, baixado sob égide do § 2 o do art. 20 <strong>da</strong> CF/67[“A União, mediante Lei Complementar, atendendo a relevante interessesocial ou econômico nacional poderá conceder isenções de impostosfederais, estaduais e municipais”] ao prever (art. 1 o , § 2 o ) compensaçãodo crédito-prêmio no pagamento de outros tributos federais não instituiunova mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de exclusão tributária (CTN: art. 175-II) a ensejaralteração do CTN pela via qualifica<strong>da</strong> <strong>da</strong> lei complementar. Tão-sóinstituiu nova espécime do gênero compensação (CTN: art. 156-II)mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de extinção de crédito tributário. Por via transversa, isentou,em tese, na exportação, tributos internos que não o IPI/ICM.Não se argumente que a vin<strong>da</strong> à lume de estímulos fiscais via decreto-lei –e não via lei complementar – decorra <strong>da</strong> circunstância de, à época, estar oPoder Executivo autorizado a legislar sobre to<strong>da</strong>s as matérias face recessoparlamentar (AI 5/68, art. 2 o ) e/ou de o art 11 do AI-5 haver excluído deapreciação judicial Atos Complementares, bem assim respectivos efeitos.Não prospera esse argumento porque o objetivo do crédito-prêmio era adesoneração total dos encargos tributários incidentes sobre os produtosmanufaturados objeto de exportação que não correspondiam ao IPIe ao ICM. O crédito-prêmio tem, pois, natureza tributária porquantorepresenta um crédito escritural equivalente, ao menos em teoria, aostributos pagos internamente.O crédito-prêmio era, basicamente, apurado mediante a aplicação dealíquota – máxima de quinze por cento – sobre valor, geralmente, FOB(free on board), <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> ao exterior do país em moe<strong>da</strong> estrangeiraR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 423


converti<strong>da</strong> à nacional.O crédito-prêmio distingue-se de outros dois benefícios à exportaçãona área do IPI, quais sejam, (a) imuni<strong>da</strong>de na saí<strong>da</strong> do produto doestabelecimento exportador, e (b) manutenção, em conta gráfica fiscal,do crédito sobre insumos empregados na industrialização de que resultouo produto exportado manufaturado.Os três benefícios [crédito-prêmio, imuni<strong>da</strong>de na saí<strong>da</strong> e manutençãodo crédito na entra<strong>da</strong> de insumos] dependendo <strong>da</strong>s circunstâncias podiamser auferidos ou pelo produtor-vendedor (o que adquire insumos evende produto resultante de transformação, ou seja, o industrial) ou pelocomerciante-vendedor (o que adquire produto já manufaturado no Brasil,com destino específico de exportação, e o revende sem praticar qualquermo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de industrialização), podendo-se vislumbrar na categoriacomerciante-vendedor, (a) a empresa comercial exportadora, que é atrading company, registra<strong>da</strong> na antiga CACEX (DG-3), regula<strong>da</strong> peloDL 1.248/72 e alterações, e (b) demais empresas comerciais exportadorasnão trading company.II – Crédito-prêmio x produtor-vendedor: Evolução legislativa.O crédito-prêmio atribuído ao produtor-vendedor era regulado peloart. 1 o do DL 491, de 05.03.69, em cujo art. 5 o previa a manutenção docrédito sobre insumos:“Art. 1 o – As empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturadosgozarão, a título de estímulo fiscal, créditos tributários sobre suas ven<strong>da</strong>s para o exterior,como ressarcimento de tributos pagos internamente. [crédito-prêmio]§ 1 o – Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do valor doImposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre as operações no mercadointerno....Art. 5 o – É assegura<strong>da</strong> a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo àsmatérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem efetivamenteutilizados na industrialização dos produtos exportados. [manutenção de crédito sobreinsumos].”O Decreto-Lei nº 1.658, de 24.01.79, fixou prazo para extinção docrédito-prêmio ao dispor:“Art. 1 o – O estímulo fiscal de que trata o artigo 1 o do Decreto-Lei nº 491, de 5de março de 1969, [crédito-prêmio] será reduzido gradualmente, até sua definitiva424R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


extinção.....§ 2 o – A partir de 1980, o estímulo será reduzido em 5% (cinco por cento) a 31 demarço, a 30 de junho, a 30 de setembro e a 31 de dezembro, de ca<strong>da</strong> exercício financeiro,até sua total extinção a 30 de junho de 1983”.O Decreto-Lei nº 1.722, de 03.12.79, deu nova re<strong>da</strong>ção ao § 2 o do art.1 o do DL 1.658/79, mantendo, porém, inalterado prazo para extinção:“§ 2 o – O estímulo será reduzido de vinte por cento em 1980, vinte por cento em1981, vinte por cento em 1982 e de dez por cento até 30 de junho de 1983, de acordocom ato do Ministro de Estado <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>”.O art. 1 o do DL 1.724, de 07.12.79, que viria a ser consideradoinconstitucional em face <strong>da</strong> delegação indevi<strong>da</strong>, assentou:“Art. 1 o – O Ministro de Estado <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> fica autorizado a aumentar ou reduzir,temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos1 o e 5 o do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969.Art. 2 o – Este Decreto-Lei entrará em vigor na <strong>da</strong>ta de sua publicação, revoga<strong>da</strong>sas disposições em contrário”.O DL 1.894, de 16.12.81, cujo art. 3 o -I viria também ser consideradoinconstitucional face também à delegação indevi<strong>da</strong>, dispôs acerca debenefício a comerciante-vendedor em seu artigo 1 o :“Art. 1 o – Às empresas que exportarem, contra pagamento em moe<strong>da</strong> estrangeiraconversível, produtos de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno, ficaassegurado: [ao comerciante-vendedor, não o produtor-vendedor porque se cui<strong>da</strong>de compra de produto já manufaturado, na<strong>da</strong> impedindo, porém, que o industrialcomprasse e vendesse ao exterior to<strong>da</strong>via, o que não era usual];I – o crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados que haja incidido naaquisição dos mesmos;II – o crédito de que trata o artigo 1 o do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969....Art. 3 o – O Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> fica autorizado, com referência aos incentivosfiscais de exportação, a:I – estabelecer prazo, forma e condições para sua fruição, bem como reduzi-los,majorá-los, suspendê-los ou extingui-los, em caráter geral ou setorial;”Aqui incidem dois equívocos <strong>da</strong> tese <strong>da</strong> parte autora: (I) o DL 1.894/81não restaurou o crédito-prêmio que estava ain<strong>da</strong> em plena vigência,embora só contemplasse os produtores-vendedores, ou seja, os industriais.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 425


O DL 1.894/81 estendeu o crédito-prêmio para comerciantes-vendedoresobjetivando fomentar o comércio de exportação. Não o industrial quejá era estimulado. (II) O DL 1.724 não faz referência expressa aos DLs1.858 e 1.722 e, na parte que delegou ao Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> poderespara aumentar, reduzir ou extinguir os estímulos de que tratam o art. 1 o[crédito-prêmio] e o 5 o [manutenção do crédito sobre insumos], ambos doDL 491, esta restou sem eficácia face inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> delegação.As inconstitucionali<strong>da</strong>des suso referi<strong>da</strong>s somente foram reconheci<strong>da</strong>sanos depois, razão por que, com base nos DLs 1.724 e 1.894, o Ministro <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> baixou as Portarias n os 78/81, 110/81, 270/81, 252/82 e 176/84.A de nº 252/82, em seu item I, prorrogou a <strong>da</strong>ta de extinção do estímuloem comento ao prescrever: “I – O crédito a que se trata a Portaria nº 78,de 1 o de abril de 1981, será de 11% (onze por cento) até 30 de abril de1985, extinguindo-se após essa <strong>da</strong>ta”. Administrativamente, o beneficiodo crédito-prêmio e <strong>da</strong> manutenção de crédito dos insumos perdurou atéabril de 1985.Consoante já sinalizado, esta Egrégia Corte, no julgamento <strong>da</strong>Argüição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de nº 90.04.11176-PR, reconheceu ainconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 1 o do DL 1.724 e do inciso I do art. 3 o doDL 1.894 em acórdão assim ementado:“CONSTITUCIONAL. ESTÍMULOS FISCAIS. DECRETO-LEI 491 DE 5(CINCO) DE MARÇO DE 1969. ARTIGOS 1 E 5. INCONSTITUCIONALIDADE DOARTIGO 1 DO DECRETO-LEI 1.724, DE 7 (SETE) DE DEZEMBRO DE 1979, EDO INCISO I DO ARTIGO 3 DO DECRETO 1.894 DE 16 DE DEZEMBRO DE 1981.1. A autorização <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo artigo 1 do Decreto-Lei 1.724, de 07.12.79, bem assima do inciso I do artigo 3 o do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, aoMinistro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> para suspender, aumentar, reduzir, temporária ou definitivamente,ou extinguir os incentivos fiscais, concedidos pelos artigos 1 o e 5 o do Decreto-Lei nº 491,de 5 de março de 1969, é inconstitucional por invadir esfera reserva<strong>da</strong>, exclusivamente,à lei, nos termos do artigo 97, inciso VI, do Código Tributário Nacional.2. Argüição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de acolhi<strong>da</strong>.” (Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paim Falcão,DJ 10.06.92, p. 16692)Nessa linha precedente do antigo TFR. (AC 109.896, Rel. Min.Pádua Ribeiro)Dessarte, declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos Decretos-Leis 1.724(art. 1 o ) e 1.894 (art. 3 o –I), os efeitos ex nunc levam a aplicar-se à espéciea legislação que veio a prevalecer como constitucional: os estímulos426R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


fiscais do DL 491/69 restaram extintos em 30 de junho de 1983 porforça dos comandos do Decreto-Lei nº 1.658 (art. 1 o ) mantido pelo DL1.722 (art. 3 o ), ambos de 1979, dos quais até hoje não se tem notíciaalgum Pretório lhes tenha reconhecido inconstitucionali<strong>da</strong>de. A aparenterevogação, face ao DL 1.724, por haver este delegado poderes ao Ministro<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> para aumentar, reduzir ou extinguir o crédito-prêmio, quedousem eficácia face reconhecimento <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> delegação.Ain<strong>da</strong> que não houvesse sobrevivido os DL 1.658 e 1.722, osbenefícios dos arts. 1 o e 5 o do DL 491 estariam fulminados desde05.10.90 pelos efeitos do § 1 o do art. 41 do ADCT-CF/88. Tanto assim é,que a manutenção do crédito (art. 5 o do DL 491/69) foi expressamenterestabeleci<strong>da</strong> pelo art. 1 o – II, <strong>da</strong> Lei 8.402/92, de 08.01.92, com efeitosretroativos a 05.10.90 (art. 2 o ). Quanto ao crédito-prêmio, a Lei 8.402não o restabeleceu tanto que o Executivo anotou no sítio planalto.gov.br à margem do art. 1 o do DL 491/69 ter sido este extinto pelo DL1.658/79, o que está em perfeita harmonia com a jurisprudência destaColen<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Turma que assim tem decidido a exemplo <strong>da</strong> AC96.04.02489-2, j. 26.03.2002, relator Juiz <strong>Federal</strong> Alcides Vettorazzi. Háoutros precedentes reconhecendo extinção pelo DL 1.658 nesta E. Corte.III – Crédito-prêmio x comerciante-vendedor: evolução legislativaEditado o DL 491 em 1969 beneficiando o industrial produtorvendedor,três anos após foi a vez dos comerciantes-vendedores, maisespecificamente as trading companies, obterem incentivos creditíciose fiscais, estes, no âmbito do IPI, elencados no DL 1.248, de 29.12.72:“ Art. 1º As operações decorrentes de compra de mercadorias no mercado interno,quando realiza<strong>da</strong>s por empresa comercial exportadora [trading company], para o fimespecífico de exportação, terão o tratamento tributário previsto neste Decreto-lei.Parágrafo único. Consideram-se destina<strong>da</strong>s ao fim específico de exportação asmercadorias que forem diretamente remeti<strong>da</strong>s do estabelecimento produtor-vendedorpara:a) embarque de exportação por conta e ordem <strong>da</strong> empresa comercial exportadora;b) depósito em entreposto, por conta e ordem <strong>da</strong> empresa comercial exportadora,sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabeleci<strong>da</strong>s emregulamento.(...)Art. 3º REDAÇÃO ORIGINAL:. São assegura<strong>da</strong>s ao produtor-vendedor, nasoperações de que trata o artigo 1º deste Decreto-lei [ven<strong>da</strong> à trading-companyR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 427


observa<strong>da</strong>s as condições do p.u. do art. 1 o do DL 1.248] os benefícios fiscais concedidospor lei para incentivo à exportação [isenção de IPI do estabelecimento produtor atéa trading, crédito pelos insumos e crédito-prêmio]. REDAÇÃO DADA PELO DL1.894/81: São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata o artigo1º deste Decreto-lei, [ven<strong>da</strong> à trading-company observa<strong>da</strong>s as condições do p.u. do art.1 o do DL 1.248] os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo à exportação,[isenção de IPI do estabelecimento produtor até a trading, crédito pelos insumos ecrédito-prêmio] à exceção do previsto no artigo 1º [crédito-prêmio] do Decreto-Lei nº491, de 05 de março de 1969, ao qual fará jus apenas a empresa comercial exportadora.”Ressalvava, pois, a re<strong>da</strong>ção original do DL 1.248/72, no art. 3 o ,ao produtor-vendedor os benefícios do DL 491/69 nas exportaçõesindiretas ao exterior do país, quais sejam (a) a isenção do IPI na saí<strong>da</strong>do estabelecimento até o estabelecimento <strong>da</strong> trading, (b) manutenção docrédito do IPI sobre insumos, e (c) o crédito-prêmio.Elastecendo os estímulos fiscais concedidos às tradings companies, oDL 1.894/81 estendeu a todo comerciante-vendedor, – i.é., a qualquerempresa comercial [trading company ou não] – que adquirisse, nomercado interno, produto já manufaturado, no Brasil, e o exportasse aoexterior do país contra pagamento em moe<strong>da</strong> estrangeira – nos seguintestermos:“Art. 1º Às empresas que exportarem, contra pagamento em moe<strong>da</strong> estrangeiraconversível, produtos de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno, ficaassegurado:I - o crédito do imposto sobre produtos industrializados [manutenção crédito sobreinsumos] que haja incidido na aquisição dos mesmos;Il - o crédito de que trata o artigo 1º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969[crédito-prêmio].§ 1º - O crédito previsto no item I deste artigo será equivalente:a) no caso de aquisição a produtor-vendedor ou a comerciante contribuinte doimposto sobre produtos industrializados, ao montante desse tributo, constante <strong>da</strong>respectiva nota fiscal;b) no caso de aquisição a comerciante não contribuinte do imposto sobre produtosindustrializados, ao resultado <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> alíquota desse tributo, vigorante na<strong>da</strong>ta <strong>da</strong> aquisição, sobre 50% (cinqüenta por cento) do valor do produto, constante <strong>da</strong>respectiva nota fiscal.§ 2º - É ve<strong>da</strong><strong>da</strong> ao produtor-vendedor a fruição dos incentivos fiscais à exportação,nas ven<strong>da</strong>s para o exterior efetua<strong>da</strong>s por outras empresas, decorrentes de suas aquisiçõesno mercado interno, na forma prevista neste artigo.Art. 2º - O artigo 3º do Decreto-lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972, passa a428R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


vigorar com a seguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 3º - São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata oartigo 1º deste Decreto-lei, os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo àexportação, à exceção do previsto no artigo 1º do Decreto-lei nº 491, de 05 de marçode 1969, ao qual fará jus apenas a empresa comercial exportadora.”É dizer:a) o comerciante-vendedor, na figura <strong>da</strong> empresa comercialexportadora (trading company), passou a ser beneficiário do créditoprêmio(DL 491/69, art. 1 o ) que antes, na re<strong>da</strong>ção original do DL 1.248,pertencia ao produtor-vendedor;b) as demais espécies de empresa comercial exportadora (não tradingcompany), que não tinham, passaram a ter direito ao crédito-prêmioaludido na alínea anterior;c) ao produtor-vendedor não restou mais nenhum incentivo fiscal naven<strong>da</strong> a comerciante-vendedor com fim específico de exportação, ouseja, na exportação indireta (art. 1 o , § 2 o , do DL 1.894/81). Na exportaçãodireta, ao produtor-vendedor continuou manti<strong>da</strong> manutenção de créditopelos insumos e imuni<strong>da</strong>de pela saí<strong>da</strong> e crédito-prêmio conforme jáprevia o ordenamento.Mas, como já frisado na análise dos benefícios do produtor-vendedor,os benefícios insculpidos no art. 1 o (crédito-prêmio) e 5 o (manutençãodo crédito pelos insumos) do DL 491/69 foram extintos em 30 de junhode 1983 consoante DL 1.658/79.Ad argumentandum, de outro giro, os benefícios foram extintosem 5 de outubro de 1990 por força do art. 41, § 1 o , do ADCT-CF/88(“Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>promulgação <strong>da</strong> Constituição, os incentivos que não forem confirmadosem lei”).Seja pelo DL 1.658, seja pelo § 1 o do art. 41 do ADCT, a Lei 8.402,de 08.01.92, restabeleceu, com efeitos retroativos a 05.10.90, algunsincentivos fiscais, como abaixo se vê:“Art. 1° São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais:...II – manutenção e utilização do Imposto sobre Produtos Industrializados relativoaos insumos empregados na industrialização de produtos exportados, de que trata oart. 5 o [manutenção pelo produtor-vendedor do crédito sobre insumos] do Decreto-LeiR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 429


nº 491, de 5 de março de 1969;III – crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre bens defabricação nacional, adquiridos no mercado interno [manutenção de crédito pelocomerciante-vendedor que adquire produto já manufaturado] e exportados de que tratao art. 1 o , inciso I, do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981;...§ 1º É igualmente restabeleci<strong>da</strong> a garantia de concessão dos incentivos fiscaisà exportação de que trata o art. 3º do Decreto-Lei nº 1.248, de 29 de novembro de1972, ao produtor-vendedor que efetue ven<strong>da</strong>s de mercadorias a empresa comercialexportadora, [trading company] para o fim específico de exportação, na forma previstapelo art. 1º do mesmo diploma legal....Art. 2 o Os efeitos do disposto no artigo anterior retroagem a 5 de outubro de 1990.”.O § 1 o do art. 1 o <strong>da</strong> Lei 8.402/92 não esclarece se se refere ao art. 3 o doDL 1.248/72 na re<strong>da</strong>ção original ou na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo DL 1.894/81.A se entender deva prevalecer re<strong>da</strong>ção original do art. 3 o do DL1.248/72, – entendimento que não adoto porquanto nosso ordenamentonão admite repristinação –, então ao produtor-vendedor caberá (a) ocrédito-prêmio, (b) a manutenção do crédito pelos insumos, e (c) isençãode IPI na saí<strong>da</strong> do estabelecimento industrial até a empresa comercial.A se entender que o § 1 o do art. 1 o <strong>da</strong> Lei 8.402/92 se refere à re<strong>da</strong>çãodo art. 3 o do DL 1.248/72 na re<strong>da</strong>ção vigente à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> Lei 8.402, ouseja, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo DL 1.894/81, – entendimento que adoto–, então ao produtor-vendedor caberá, na ven<strong>da</strong> interna – com destinoespecífico de exportação – para empresa comercial exportadora, apenas(a) manutenção do crédito pelos insumos, e (b) isenção de IPI na saí<strong>da</strong>do estabelecimento industrial até a empresa comercial exportadora[trading company]. O crédito-prêmio permaneceria com o comerciantevendedor,por força do DL 1.894 até 05.10.90, mas a Lei 8.402 não orestabeleceu nem ao comerciante-vendedor porque, se assim o quisesse,teria inserido inciso próprio no elenco do artigo 1 o <strong>da</strong> Lei 8.402 a exemplodo que fez para garantir direito a crédito na aquisição no mercado internopor qualquer empresa comercial, não trading company, que adquirisseproduto e o exportasse ao exterior. (inc.II do art. 1 o <strong>da</strong> Lei 8.402/92)IV – ConclusãoFace ao exposto razoável é concluir que:a) o art. 1 o do DL 1.658, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo DL 1.722, previu a430R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003


extinção do crédito-prêmio [DL 491/69: art. 1º] para 30 de junho de 1983e não foi objeto de restabelecimento pela Lei 8.402/92. Já o benefício <strong>da</strong>manutenção de crédito sobre insumos [DL 491/69: art. 5 o ] não foi extintopelo DL 1.658, mas o foi pelo § 1 o do art. 41 do ADCT-CF/88, tendo,to<strong>da</strong>via, sido restabelecido pelo inciso II do art. 1 o <strong>da</strong> Lei 8.402/92 comefeitos retroativos a 05.10.90;b) a se entender que o DL 1.724 teria revogado o DL 1.658estendendo o benefício do crédito-prêmio sem definição de prazo, parecelógico admitir que tanto o art. 1 o , como o art. 5 o , ambos do DL 491, teriamsido revogados pelo § 1 o do art. 41 do ADCT porque, do contrário, comoadmitir o restabelecimento, pela Lei 8.402, <strong>da</strong> manutenção do créditosobre insumos (DL 491:art.5 o ) se esse artigo – 5 o – não constou do DL1.658 para ser extinto em 30.06.83? Tanto a manutenção de créditosobre insumos como o crédito-prêmio visam a beneficiar um únicosetor, o exportador, ressaindo ilógico tenha o § 1 o do art. 41 do ADCTtido eficácia para o segmento do comerciante-vendedor (comerciante) e,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 53-432, 2003 431


432R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIO-NALIDADER. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 433


434R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENO AI Nº 2002.04.01.018302-1/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson FloresLenzAgravante: União <strong>Federal</strong>Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos AnjosAgravados: Augusta de Souza <strong>da</strong> Silva e outrosAdvogados: Drs. Marcelo Lipert e outrosEMENTAConstitucional e Processual Civil. Medi<strong>da</strong> provisória nº 2.180-35/2001. Inconstitucionali<strong>da</strong>de.1. Suscita<strong>da</strong> em algum processo a questão <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>dede determina<strong>da</strong> lei ou ato normativo, é dever do Judiciário procederao seu exame.É a lição clássica de Thomas Cooley, in The General Principles ofConstitutional Law, 2ª ed., Little, Brown and Company, Boston, 1891,pp. 151/2, verbis: “The business of the courts is, to apply the law of theland in such controversies as may arise and be brought before them. (...)But the judiciary, in seeking to ascertain what the law is which must beapplied in any particular controversy, may possibly find that the willof the legislature, as expressed in the Constitution, are in conflict, andthe two cannot stand together. In such a case, as the legislative powerR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 435


is conferred by the Constitution, it is manifest that the delegate hasexceeded his authority; the trustee has not kept within the limits of histrust. The excess is therefore inoperative, and it is the duty of the courtto recognize and give effect to the Constitution as the paramount law,and, by refusing to enforce the legislative enactment, practically nullifyit. The obligation to perform this duty, whenever the conflict appears,is imperative”.Dispõe o art. 1º -D <strong>da</strong> Lei nº 9.494/97, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelaMedi<strong>da</strong> Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, verbis: “Não serãodevidos honorários advocatícios pela Fazen<strong>da</strong> Pública nas execuçõesnão embarga<strong>da</strong>s.”Com efeito, é cristalina a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisórianº 2.180-35/2001, eis que a matéria nela versa<strong>da</strong> – o descabimento decondenação em honorários advocatícios nas execuções não-embarga<strong>da</strong>s– não configura a hipótese prevista no art. 62 <strong>da</strong> CF/88, ou seja, caso derelevância e urgência a legitimar a sua edição.A apreciação dos pressupostos de edição de Medi<strong>da</strong>s Provisórias podeser feito pelo Judiciário, consoante jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>, em situações excepcionais, quando é manifesto – como no casodos autos – o não atendimento do man<strong>da</strong>mento constitucional. (ADIn nº1.753-DF, rel. Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, in RTJ 172/32; voto do Min.Celso de Mello, in RTJ 176/149-154)Nesse sentido, igualmente, inclina-se a melhor doutrina, conformeo magistério autorizado de Livio Paladin, expresso no artigo intituladoIn Tema di Decreti-Legge, publicado na Rivista Trimestrale di DirittoPubblico, Anno VIII, 1958, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, p. 554,nota 67, verbis: “(...) Per detto motivo, e soprattutto in vista dell’esistentecontrollo della Corte costituzionale sulla legittimità delle leggi e degli atticon forza di legge, un importante dottrina (Giugni, La nuova Costituzionecit., pag. 217; Biscaretti Di Ruffia, Diritto costituzionale cit., pag. 410;Mortati, Istituzioni cit., pagg. 549-550) ritiene che debba oggi ammttersiun sin<strong>da</strong>cato giurisdizionale sulla sussistenza delle premesse giustificativedei decreti-legge.”Da mesma forma, a lição de Maryse Baudrez, em trabalho intitulado“Décrets-lois réitérés en Italie: L’exaspération mesurée de la Courconstitutionnelle en 1996”, publicado na Revue Française de Droit436R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


Constitutionnel, Presses Universitaires de France, 1997, nº 32, p. 760,verbis: “En 1995, <strong>da</strong>ns une décision largement commentée en doctrineen raison de la ‘révolution’ de sa portée en matière de contrôle desdécrets-lois, la Cour Constitutionnelle a conclu au vice in procedendode la loi de conversion d’un décret-loi adopté en violation de 1’article77 C., car le 1égislateur parlementaire a apprécié ‘de façon erronée’l’existence des conditions de validité du décret-loi et a converti en loi,un acte qui ne pouvait légitimement être converti en loi”.No caso em exame, é manifesta a contrarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisórianº 2.164-41/2001, à letra e ao espírito <strong>da</strong> Constituição, em seu art. 62, poisa matéria nela trata<strong>da</strong> não se reveste <strong>da</strong> urgência e relevância exigi<strong>da</strong>spela Lei Maior para a edição de uma Medi<strong>da</strong> Provisória.Benignius leges interpretan<strong>da</strong>e sunt, quo voluntas eorum conservetur.(Celso, Dig. 1.3, 18)Pertinente, aqui, recor<strong>da</strong>r as palavras de Benoit Jeanneau, verbis: “...si le droit applicable s’étend, au-delà de la répartition des compétencesétatiques, jusqu’à l’esprit de la Constitution et aux principes dephilosophie politique qui sous-tendent le régime tout entier, alors lecontrô1e de la constitutionnalité des lois constitue pour les citoyens uneréelle garantie”. (In Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 2ªed., Dalloz, 1968, p. 60, “c”)2. Incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de que se julga procedente.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos entre as partes acima indica<strong>da</strong>s, decide aCorte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria,julgar procedente o incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de nos termos dorelatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 22 de maio de 2003.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Trata-se de Incidente de Inconstitucionali<strong>da</strong>de suscitado perante a 3ªR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 437


Turma desta Corte, onde se sustenta violação do art. 1º-D <strong>da</strong> Lei nº9.494/97, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.180-35, de24.08.2001, ao art. 62 <strong>da</strong> CF/88.O aresto contém a seguinte ementa, verbis:“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DEDECLARAÇÃO. ART. 535, II, DO CPC. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.180-35/2001.INCONSTITUCIONALIDADE.1. Suscita<strong>da</strong> em algum processo a questão <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de de determina<strong>da</strong>lei ou ato normativo, é dever do Judiciário proceder ao seu exame.É a lição clássica de Thomas Cooley, in The General Principles Of ConstitutionalLaw, 2ª ed., Little, Brown and Company, Boston, 1891, pp. 151/2, verbis: ‘The businessof the courts is, to apply the law of the land in such controversies as may arise and bebrought before them. (...) But the judiciary, in seeking to ascertain what the law is whichmust be applied in any particular controversy, may possibly find that the will of thelegislature, as expressed in the Constitution, are in conflict, and the two cannot standtogether. In such a case, as the legislative power is conferred by the Constitution, it ismanifest that the delegate has exceeded his authority; the trustee has not kept withinthe limits of his trust. The excess is therefore inoperative, and it is the duty of the courtto recognize and give effect to the Constitution as the paramount law, and, by refusingto enforce the legislative enactment, practically nullify it. The obligation to performthis duty, whenever the conflict appears, is imperative’.Dispõe o art. 1º -D <strong>da</strong> Lei nº 9.494/97, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Medi<strong>da</strong> Provisórianº 2.180-35, de 24.08.2001, verbis: ‘Não serão devidos honorários advocatícios pelaFazen<strong>da</strong> Pública nas execuções não embarga<strong>da</strong>s.’Com efeito, é cristalina a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.180-35/2001, eis que a matéria nela versa<strong>da</strong> – o descabimento de condenação em honoráriosadvocatícios nas execuções não embarga<strong>da</strong>s – não configura a hipótese prevista no art.62 <strong>da</strong> CF/88, ou seja, caso de relevância e urgência a legitimar a sua edição.A apreciação dos pressupostos de edição de Medi<strong>da</strong>s Provisórias pode ser feitopelo Judiciário, consoante jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em situaçõesexcepcionais, quando é manifesto – como no caso dos autos – o não atendimento doman<strong>da</strong>mento constitucional. (ADIn nº 1.753-DF, rel. Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, in RTJ172/32; voto do Min. Celso de Mello, in RTJ 176/149-154)Nesse sentido, igualmente, inclina-se a melhor doutrina, conforme o magistérioautorizado de Livio Paladin, expresso no artigo intitulado In Tema di Decreti-Legge,publicado na Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, Anno VIII, 1958, Dott. A. GiuffrèEditore, Milano, p. 554, nota 67, verbis: ‘(...) Per detto motivo, e soprattutto in vistadell’esistente controllo della Corte costituzionale sulla legittimità delle leggi e degliatti con forza di legge, un importante dottrina (Giugni, La nuova Costituzione cit., pag.217; Biscaretti Di Ruffia, Diritto costituzionale cit., pag. 410; Mortati, Istituzioni cit.,pagg. 549- 550) ritiene che debba oggi ammttersi un sin<strong>da</strong>cato giurisdizionale sullasussistenza delle premesse giustificative dei decreti-legge.’438R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


Da mesma forma, a lição de Maryse Baudrez, em trabalho intitulado ‘Décretsloisréitérés en Italie: L’exaspération mesurée de la Cour constitutionnelle en 1996’,publicado na Revue Française de Droit Constitutionnel, Presses Universitaires deFrance, 1997, nº 32, p. 760, verbis: ‘En 1995, <strong>da</strong>ns une décision largement commentéeen doctrine en raison de la ‘révolution’ de sa portée en matière de contrôle des décretslois,la Cour Constitutionnelle a conclu au vice in procedendo de la loi de conversiond’un décret-loi adopté en violation de 1’article 77 C., car le 1égislateur parlementairea apprécié ‘de façon erronée’ l’existence des conditions de validité du décret-loi et aconverti en loi, un acte qui ne pouvait légitimement être converti en loi’.No caso em exame, é manifesta a contrarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.164-41/2001, à letra e ao espírito <strong>da</strong> Constituição, em seu art. 62, pois a matéria nela trata<strong>da</strong>não se reveste <strong>da</strong> urgência e relevância exigi<strong>da</strong>s pela Lei Maior para a edição de umaMedi<strong>da</strong> Provisória.Benignius leges interpretan<strong>da</strong>e sunt, quo voluntas eorum conservetur. (Celso, Dig.1. 3, 18)Pertinente, aqui, recor<strong>da</strong>r as palavras de Benoit Jeanneau, verbis: ‘... si le droitapplicable s’étend, au-delà de la répartition des compétences étatiques, jusqu’àl’esprit de la Constitution et aux principes de philosophie politique qui sous-tendentle régime tout entier, alors le contrô1e de la constitutionnalité des lois constitue pourles citoyens une réelle garantie’. (In Droit Constitutionnel et Institutions Politiques,2ª ed., Dalloz, 1968, p. 60, ‘c’)2. Embargos de declaração conhecidos e providos, suscitando-se o Incidente deArgüição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de.”O douto MPF opinou pela procedência do Incidente deInconstitucionali<strong>da</strong>de.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Em seu elaborado parecer, às fls. 88/97, concluiu, com inteiro acerto, odouto MPF, em pronunciamento do culto Procurador-Chefe <strong>da</strong> PRR/<strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, verbis:“Trata-se de Incidente de Inconstitucionali<strong>da</strong>de, suscitado perante a 3ª Turmadesta Corte, onde se sustenta a contrarie<strong>da</strong>de do art. 1º-D, <strong>da</strong> MP nº 2.180-35, de24.8.2001 (alterou a Lei nº 9.494/97, acrescentando-lhe alguns artigos) com o art. 62<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988.É de ser acolhido o presente Incidente de Inconstitucionali<strong>da</strong>de.O Juiz Leandro Paulsen, nos autos do Incidente de Argüição de Inconstitucionali<strong>da</strong>dena AC nº 2000.72.05.002704-4, a fls. 149/150, questionou o requisito <strong>da</strong> urgência:‘Inobstante a excepcionali<strong>da</strong>de do controle <strong>da</strong> relevância e urgência autorizadorasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 439


<strong>da</strong> edição de Medi<strong>da</strong>s Provisórias, o STF, quando do julgamento <strong>da</strong> ADIN 1.753-2/DF, disse <strong>da</strong> evidência <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> MP que aumentara o prazo parao ajuizamento de ação rescisória pela União, deixando claro que não seria possívelvislumbrar tais requisitos na alteração de norma processual que vigorava desde 1973.A situação é idêntica, pois o prazo de 10 dias para que a Fazen<strong>da</strong> Pública oponhaembargos consta <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção original do CPC, desde 1973.Não há como vislumbrar a concorrência do requisito <strong>da</strong> urgência, mormente quandojá resta certo que a urgência justificadora <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de legislativa do Executivo tem deser de tal monta que se evidencie como ver<strong>da</strong>deiro estado de necessi<strong>da</strong>de legislativodecorrente de circunstância fática ou jurídica de difícil previsão que exija a toma<strong>da</strong>de providência de efeito imediato, que não possa aguar<strong>da</strong>r os prazos do procedimentolegislativo de urgência, conforme, aliás, resta positivado no Decreto 2.954/99.’Já a Desembargadora <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria referiu, no mesmo feito,à fl. 153, que ‘O STF já decidiu, em diversas ocasiões (ADIMC 162/DF, Rel. Min.Moreira Alves, DJ 19.09.97, p. 45.525; ADIMC 2150/DF, Rel. Min Ilmar Galvão, DJ28.04.2000, p. 71; ADI 1647/PA, Rel. Min. Cartos Velloso, DJ 26.03.99, p. 1), queos requisitos de relevância e urgência para edição de medi<strong>da</strong> provisória são questõesde índole política, sujeitas, portanto, à apreciação discricionária do Chefe do PoderExecutivo, bem como do Poder Legislativo, não cabendo, salvo os casos de excessode poder, seu exame pelo Poder Judiciário’.440O artigo atacado foi inserido no sistema jurídico pela MP nº 2.180-35, de 24.08.2001:‘MP 2.180-35, de 24.08.2001 Publica<strong>da</strong> no DOU de 27.08.2001Acresce e altera dispositivos <strong>da</strong>s Leis nos 8.437, de 30 de junho de 1992; 9.028, de12 de abril de 1995; 9.494, de 10 de setembro de 1997; 7.347 de 24 de julho de 1985;8.429, de 2 de junho de 1992; 9.704, de 17 de novembro de 1998, do Decreto-Lei nº5.452, de 1º de maio de 1943; <strong>da</strong>s Leis n os 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e 4.348, de26 de junho de 1964 e dá outras providências. (site www.planalto.gov.br, em 26.06.2002)No artigo 4º consta: ‘A Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, passa a vigoraracresci<strong>da</strong> dos seguintes artigos: (..) Art.1º-D. ‘Não serão devidos honoráriosadvocatícios pela Fazen<strong>da</strong> Pública nas execuções não embarga<strong>da</strong>s’.O Juiz Leandro Paulsen, na referi<strong>da</strong> Argüição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de na AC nº2000.72.05.002704-4, fez referência ao Decreto nº 2.954/99, já revogado pelo Decreto4.176/02, dos quais extraímos os trechos abaixo colacionados:‘DECRETO Nº 2. 954, DE 29 DE JANEIRO DE 99Republicado no D.O.U de 24.02.99Estabelece regras para a re<strong>da</strong>ção de atos normativos de competência dos órgãosdo Poder Executivo.Condições para Edição de Medi<strong>da</strong> ProvisóriaArt. 32. Somente serão apreciados pela Presidência <strong>da</strong> República projetos demedi<strong>da</strong> provisória se caracterizado estado de necessi<strong>da</strong>de legislativo decorrente decircunstância fática ou situação jurídica de difícil previsão. (substituído)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


Art. 32. As propostas legislativas, sempre apresenta<strong>da</strong>s sob a forma de anteprojetosde lei, que contenham sugestão de edição de medi<strong>da</strong> provisória, somente serão aprecia<strong>da</strong>scom essa finali<strong>da</strong>de pela Presidência <strong>da</strong> República, quando devi<strong>da</strong>mente demonstra<strong>da</strong>sa relevância e a urgência que caracterizem estado de necessi<strong>da</strong>de legislativo decorrentede circunstância fática ou jurídica de difícil previsão.(Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Decreto nº 3.495, de 30.05.2000)§ 1º O estado de necessi<strong>da</strong>de legislativo caracteriza-se pela exigência ouindispensabili<strong>da</strong>de de toma<strong>da</strong> de providência de índole legislativa com efeito imediato,sob pena de se verificarem prejuízos de ordem administrativa, econômica, social oude segurança pública.§ 2º Não serão disciplina<strong>da</strong>s por medi<strong>da</strong>s provisórias matérias que possam seraprova<strong>da</strong>s dentro dos prazos estabelecidos pelo procedimento legislativo de urgênciaprevisto na Constituição.§ 3º Caso se verifique retardo ou demora na apreciação de projetos de lei de iniciativado Poder Executivo, poderá o órgão competente, configura<strong>da</strong> a urgência, propor aedição de medi<strong>da</strong> provisória também na hipótese do parágrafo anterior. (substituído)§ 3º Caso se verifique retardo ou demora na apreciação de projetos de lei deiniciativa do Poder Executivo, poderá o órgão competente, configura<strong>da</strong>s a relevânciae a urgência, propor a edição de medi<strong>da</strong> provisória. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Decreto nº3.495, de 30.05.2000)§ 4º O proponente deverá verificar se a proposta não esbarra na ve<strong>da</strong>ção constitucionalde se editar medi<strong>da</strong> provisória regulamentando artigo <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, cuja re<strong>da</strong>çãotenha sido altera<strong>da</strong> por meio de emen<strong>da</strong> constitucional promulga<strong>da</strong> a partir de 1995.DECRETO Nº 4.176, DE 28 DE MARÇO DE 2002Estabelece normas e diretrizes para a elaboração, a re<strong>da</strong>ção, a alteração, aconsoli<strong>da</strong>ção e o encaminhamento ao Presidente <strong>da</strong> República de projetos de atosnormativos de competência dos órgãos do Poder Executivo <strong>Federal</strong>, e dá outrasprovidências.‘Projeto de Medi<strong>da</strong> ProvisóriaArt. 39. Os projetos de medi<strong>da</strong> provisória somente serão apreciados pela Presidência<strong>da</strong> República quando devi<strong>da</strong>mente demonstra<strong>da</strong>s a relevância e a urgência <strong>da</strong> matériaobjeto <strong>da</strong> proposta.Art. 40. Não será disciplina<strong>da</strong> por medi<strong>da</strong> provisória matéria:I - relativa a:a) nacionali<strong>da</strong>de, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;b) direito penal, processual penal e processual civil;c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantiade seus membros; ed) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais esuplementares, ressalva<strong>da</strong> a hipótese de abertura de crédito extraordinário, prevista noart. 167, § 3º, <strong>da</strong> Constituição;II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquerR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 441


outro ativo financeiro;III - reserva<strong>da</strong> a lei complementar;IV - já disciplina<strong>da</strong> em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendentede sanção ou veto do Presidente <strong>da</strong> República; eV - que possa ser aprova<strong>da</strong> dentro dos prazos estabelecidos pelo procedimentolegislativo de urgência previsto na Constituição.§ 1º Caso se verifique demora na apreciação de projetos de lei de iniciativa do PoderExecutivo, poderá o órgão competente, configura<strong>da</strong>s a relevância e a urgência, propora edição de medi<strong>da</strong> provisória.§ 2º É ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a adoção de medi<strong>da</strong> provisória na regulamentação de artigo <strong>da</strong>Constituição cuja re<strong>da</strong>ção tenha sido altera<strong>da</strong> por meio de emen<strong>da</strong> promulga<strong>da</strong> a partirde lº de janeiro de 1995 até 11 de setembro de 2001. (...)Revogações.Art. 64. Ficam revogados os Decretos n os 2.954, de 29 de janeiro de 1999; 3.495,de 30 de maio de 2000; 3.585, de 5 de setembro de 2000; 3.723, de 10 de janeiro de2001, e 3.930, de 19 de setembro de 2001. - grifos nossos (site www.planalto.gov.br, em 10.04.2003).O Decreto revogado, vigente na época <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória ataca<strong>da</strong>, jácaracterizava o estado de necessi<strong>da</strong>de legislativo (art. 32 e parágrafo 1º). Parece-nosevidente a improprie<strong>da</strong>de do meio utilizado pelo Poder Executivo, visto que ausentenão só o requisito <strong>da</strong> urgência como o <strong>da</strong> relevância. Talvez pelas severas críticas játeci<strong>da</strong>s contra a má utilização <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s provisórias, considerando-se inclusive asdeman<strong>da</strong>s judiciais acerca <strong>da</strong>s mesmas, o novo Decreto já explicita as matérias quenão serão objeto <strong>da</strong>s mesmas, dentre elas a processual civil.Dentre alguns julgados do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> acerca do assunto, podemoscitar alguns posicionamentos, na esteira do pensamento que o Parquet adota em relaçãoà matéria sub judice:‘Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o artigo 62 <strong>da</strong> Constituição,como pressupostos para a edição de Medi<strong>da</strong>s Provisórias, decorrem, em princípio, dojuízo discricionário de oportuni<strong>da</strong>de e de valor do Presidente <strong>da</strong> República, mas admitemo controle judiciário quando ao excesso do poder de legislar (...)’. ADIMC 162/DF,Rel. Min. Moreira Alves, j. 14.12.89, Pleno, DJ 19.09.97, p. 45525.‘(...) II. - Requisitos de urgência e relevância: caráter político: em princípio, a suaapreciação fica por conta dos Poderes Executivo e Legislativo. To<strong>da</strong>via, se tais requisitos- relevância e urgência – evidenciarem-se improcedentes, no controle jurisdicional, o<strong>Tribunal</strong> deverá decidir pela ilegitimi<strong>da</strong>de constitucional <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> provisória.’ - ADI1647/PA, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 02.12.98, Pleno, DJ 26.03.99, p. 00001.‘Requisitos de urgência e relevância: caráter político: em princípio, a sua apreciaçãofica por conta dos Poderes Executivo e Legislativo, a menos que a relevância ou aurgência evidenciar-se improcedente.’ - ADMC 1397/DF, rel. Min. Carlos Velloso, j.442R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


28.04.97, Pleno, DJ 27.06.97, p. 30224.‘1.Medi<strong>da</strong> provisória: excepcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> censura jurisdicional <strong>da</strong> ausênciados pressupostos de relevância e urgência à sua edição: raia, no entanto, pela irrisãoa afirmação de urgência para as alterações questiona<strong>da</strong>s à disciplina legal <strong>da</strong> açãorescisória, quando, segundo a doutrina e a jurisprudência, sua aplicação à rescisãode sentenças já transita<strong>da</strong>s em julgado, quanto a uma delas - a criação de novo casode - rescindibili<strong>da</strong>de - é pacificamente inadmissível e quanto à outra - a ampliação doprazo de decadência - é pelo menos duvidosa. 2. A igual<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s partes é imanenteao procedural due process of law, quando uma <strong>da</strong>s partes é o Estado, a jurisprudênciatem transigido com alguns favores legais que, além <strong>da</strong> vetustez, tem sido reputadosnão arbitrários por visarem a compensar dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> defesa em juízo <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>despúblicas; se, ao contrário, desafiam a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de,caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso <strong>da</strong>s inovaçõesdiscuti<strong>da</strong>s, de favorecimento unilateral aparentemente não explicável por diferençasreais entre as partes e que, soma<strong>da</strong>s a outras vantagens processuais <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública,agravam a conseqüência perversa de retar<strong>da</strong>r sem limites a satisfação do direito doparticular já reconhecido em juízo.’ ADIMC 1753/DF, rel. Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence,j. 16.04.98, Pleno, DJ 12.06.98, p. 00051.De nossos doutrinadores, podemos trazer algumas lições:‘Historicamente, não há dúvi<strong>da</strong>s de que o antecedente imediato <strong>da</strong>s atuais medi<strong>da</strong>sprovisórias é o antigo decreto-lei previsto na constituição anterior, e instrumentolegislativo larga e abusivamente utilizado pelo Presidente <strong>da</strong> República, que detinha acompetência para sua edição. Porém, o modelo utilizado foi a Constituição <strong>da</strong> RepúblicaItaliana, 27.12.47. (art. 77)Apesar dos abusos efetivados com o decreto-lei, a prática demonstrou a necessi<strong>da</strong>dede um ato normativo excepcional e célere, para situações de relevância e urgência.Pretendendo regularizar esta situação e buscando tomar possível e eficaz a prestaçãolegislativa do Estado, o legislador constituinte de 1988 previu as chama<strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>sprovisórias, espelhando-se no modelo italiano.’ - Alexandre de Moraes, DireitoConstitucional, Atlas, 9ª edição, 2001, pp. 534/535.‘A urgência, complementando o sentido <strong>da</strong>do à relevância, diz respeito ao queé inadiável, é a iminência do risco ou do <strong>da</strong>no, o perigo imediato. É preciso, para aconfiguração <strong>da</strong> competência para editar medi<strong>da</strong>s provisórias, que a atuação do PoderExecutivo seja indispensável e imediatamente necessária, sob pena de não ser urgente.De fato, presente a urgência (juntamente com a relevância), o Poder Executivo temo dever, e não a facul<strong>da</strong>de, de agir.Pode-se dizer que, relativamente ao conceito de urgência, tem-se três elementos: (1)uma situação que deman<strong>da</strong> atuação indispensável e imediatamente necessária do PoderExecutivo; (2) a atuação do Poder Executivo não se compatibiliza com os instrumentosque abreviam o processo legislativo (menos de 45 dias); (3) admiti<strong>da</strong> a urgência ea relevância, o conteúdo do ato não pode contrariar princípios constitucionais queresguar<strong>da</strong>m, em situações específicas, a segurança jurídica e a democracia (existênciaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 443


de normas constitucionais que regulam situações específicas de urgência, instituindoo documento a ser utilizado).Por tudo isso, verifica-se que deve haver uma situação de fato, concreta, aferível,real que implique risco ou prejuízo.’ (Janine Malta Massu<strong>da</strong>, Medi<strong>da</strong>s Provisórias: osfenômenos na reedição, Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, pp.55/56)‘A urgência indica as hipóteses em que o Estado é confrontado com situaçõesextraordinárias, e em que a utilização dos instrumentos ordinários de atuação, implicaprejuízo pelo retar<strong>da</strong>mento. A urgência aparece como motivo determinante do dever deação imediata do Poder Executivo que precisa reduzir, ao máximo, o tempo entre o atoexecutivo e a sua entra<strong>da</strong> em vigor. A situação impõe atuação urgente do Poder Executivoque não encontra, nos instrumentos ordinários de atuação, meios de evitar <strong>da</strong>nos peloretar<strong>da</strong>mento.’ (Humberto Bergmann Ávila, Medi<strong>da</strong> Provisória na Constituição de1988, Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, pp. 82/83)‘Urgência: Do latim ugentia, de urgere (urgir, estar iminente), exprime a quali<strong>da</strong>dedo que é urgente, isto é, premente, é imperioso, é de necessi<strong>da</strong>de imediata, não deveser protelado, sob pena de provocar, ou ocasionar um <strong>da</strong>no, ou um prejuízo.Assim, a urgência assinala o estado <strong>da</strong>s coisas que se devam fazer imediatamente,por imperiosa necessi<strong>da</strong>de, e para que se evitem males, ou per<strong>da</strong>s, conseqüentes demaiores delongas ou protelações.Juridicamente, a justificativa <strong>da</strong> urgência provém, invariavelmente, não somente<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> leitura <strong>da</strong>s coisas, como do receio, ou do temor, de que qualquerdemora, ou tar<strong>da</strong>nça, possa trazer prejuízos.Assim, relevância pode ser Biologicamente decodifica<strong>da</strong> como insuperável,importante, e urgência, como inadiável.’ (Marcelo Figueiredo, A Medi<strong>da</strong> Provisóriana Constituição, Atlas, 1991, p. 24)Com efeito, a medi<strong>da</strong> provisória encontra-se inseri<strong>da</strong> no arcabouço constitucionalbrasileiro sob o pálio <strong>da</strong> excepcionali<strong>da</strong>de. Somente situações extraordinárias justificama subversão do secular princípio <strong>da</strong> separação dos poderes, outorgando ao Executivo,ain<strong>da</strong> que em caráter provisório, o poder de ditar a lei. Assim, forçoso é concluir,sem titubeio, que a interpretação de tal instituto, seja em tese, seja na análise do casoconcreto, impõe exame restritivo.Elencou o legislador constitucional, como pressupostos de vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>sprovisórias, os conceitos <strong>da</strong> relevância e <strong>da</strong> urgência <strong>da</strong> matéria por elas alcança<strong>da</strong>.Ora, ‘relevância’ e ‘urgência’ não constituem conceitos jurídicos indeterminados, oucláusulas abertas, que permitam exegese livre, ain<strong>da</strong> que imbuí<strong>da</strong> do nobre fim dea<strong>da</strong>ptar a lei à sua função social. Logo, em se tratando de medi<strong>da</strong> provisória, <strong>da</strong><strong>da</strong> asua natureza jurídica excepcional, matéria relevante será somente aquela que justifiquetamanha inversão <strong>da</strong> ordem constitucional: outorgar ao Executivo a competência paralegislar. Urgente, por sua vez, será a situação que não poderá aguar<strong>da</strong>r as delongas doprocesso legislativo ordinário, sob pena de hiperbólico prejuízo ao interesse público.Arrastando tais considerações óbvias ao caso concreto, salta aos olhos maisdesavisados que a modificação promovi<strong>da</strong> pelo dispositivo atacado afronta qualquerdos dois requisitos constitucionais. Que urgência existe em extirpar a verba honorária,444R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


no processo de execução, que há muito convive harmoniosamente com o sistema legalnacional? Qual a grave lesão que poderia advir à Fazen<strong>da</strong> Pública a ponto de a pretendi<strong>da</strong>alteração legal não poder aguar<strong>da</strong>r o trâmite legislativo ordinário?Por todo o acima exposto, parece-nos descabi<strong>da</strong> a utilização <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> provisóriasem que estejam configura<strong>da</strong>s a relevância e urgência previstas no dispositivoconstitucional.O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em julgamento recente, voltou a analisar a matéria:‘Invasão de Terras, Reforma Agrária. Movimentos Sociais Organizados(Transcrições) ADI (MC) 2.213-DF (v. Informativo 262)RELATOR: MIN. CELSO DE MELLOE M E N T A.AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO DO ABUSOPRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - POSSIBILIDADEDE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DAURGÊNCIA E DA RELEVÂNCIA (CF, ART. 62, CAPUT) - REFORMA AGRÁRIA -NECESSIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEIS RURAISPRIVADOS E DE PRÉDIOS PÚBLICOS - INADMISSIBILIDADE - ILICITUDEDO ESBULHO POSSESSÓRIO - LEGITIMIDADE DA REAÇÃO ESTATAL AOSATOS DE VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA - RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DEDELIBAÇÃO, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000,REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 - INOCORRÊNCIADE NOVA HIPÓTESE DE INEXPROPRIABILIDADE DE IMÓVEIS RURAIS -MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE DESTINA, TÃO-SOMENTE, A INIBIR PRÁTICASDE TRANSGRESSÃO À AUTORIDADE DAS LEIS E À INTEGRIDADE DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEINSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA QUANTO A UMA DAS NORMAS EMEXAME - INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO GENÉRICA - CONSEQÜENTEINCOGNOSCIBILIDADE PARCIAL DA AÇÃO DIRETA - PEDIDO DE MEDIDACAUTELAR CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, INDEFERIDO.POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOSCONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM AEDIÇAO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.A edição de medi<strong>da</strong>s provisórias, pelo Presidente <strong>da</strong> República, para legitimar-sejuridicamente, depende, dentre outros requisitos, <strong>da</strong> estrita observância dos pressupostosconstitucionais <strong>da</strong> urgência e <strong>da</strong> relevância (CF, art. 62, caput).Os pressupostos <strong>da</strong> urgência e <strong>da</strong> relevância, embora conceitos jurídicosrelativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliaçãodiscricionária do Presidente <strong>da</strong> República, estão sujeitos, ain<strong>da</strong> que excepcionalmente,ao controle do Poder judiciário, porque compõem a própria estrutura constitucionalque disciplina as medi<strong>da</strong>s provisoras, qualificando-se como requisitos legitimadorese juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, <strong>da</strong>competência normativa primária que lhe foi outorga<strong>da</strong>, extraordinariamente, pelaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 445


Constituição <strong>da</strong> República. Doutrina. Precedentes.A possibili<strong>da</strong>de de controle jurisdicional mesmo sendo excepcional apóia-se nanecessi<strong>da</strong>de de impedir que o Presidente <strong>da</strong> República, ao editar medi<strong>da</strong>s provisórias,inci<strong>da</strong> em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional, pois osistema de limitação de poderes não permite que práticas governamentais abusivasvenham a prevalecer sobre os postulados constitucionais que informam a concepçãodemocrática de Poder e de Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registraro exercício anômalo e arbitrário <strong>da</strong>s funções estatais.UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - INADMISSIBILIDADE- PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - COMPETÊNCIAEXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.A crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivosPresidentes <strong>da</strong> República, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica,em razão do fato de a utilização excessiva <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s provisórias causar profun<strong>da</strong>sdistorções que se projetam no plano <strong>da</strong>s relações políticas entre os Poderes Executivoe Legislativo.Na<strong>da</strong> pode justificar a utilização abusiva de medi<strong>da</strong>s provisórias, sob pena de oExecutivo - quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessi<strong>da</strong>de e relevânciamaterial - investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertenceao Congresso Nacional vindo a converter-se, no âmbito <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de estatal, eminstância hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime<strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des públicas e sérios reflexos sobre o sistema de checks and balances, arelação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes <strong>da</strong> República.Cabe ao Poder judiciário, no desempenho <strong>da</strong>s funções que lhe são inerentes, impedirque o exercício compulsivo <strong>da</strong> competência extraordinária de editar medi<strong>da</strong> provisóriaculmine por introduzir, no processo institucional brasileiro, em matéria legislativa,ver<strong>da</strong>deiro cesarismo governamental, provocando, assim, graves distorções no modelopolítico e gerando sérias disfunções comprometedoras <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de do princípioconstitucional <strong>da</strong> separação de poderes. (... )’Informativo nº 301 (17 a 21 de março de 2003) - site www. stf.gov. br.Com efeito, essa é a melhor exegese do art. 62 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988,a que melhor atende à sua finali<strong>da</strong>de e ao próprio espírito <strong>da</strong> Constituição, o que nãodeve ser desprezado pelo intérprete.Por conseguinte, o art. 1º-D, <strong>da</strong> MP 2.180-35, que alterou a Lei nº 9.494/97, por terviolado o art. 62 <strong>da</strong> CF, eivado está de visceral inconstitucionali<strong>da</strong>de.Ante o exposto, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pela declaração deinconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 1º-D, <strong>da</strong> MP 2.180-35 (acrescido à Lei nº 9.494/97), porviolar o disposto no art. 62, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.”446Correto o parecer.Suscita<strong>da</strong> em algum processo a questão <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


determina<strong>da</strong> lei ou ato normativo, é dever do Judiciário proceder ao seuexame.É a lição clássica de Thomas Cooley, in The General Principles ofConstitutional Law, 2ª ed., Little, Brown and Company, Boston, 1891,pp. 151/2, verbis:“The business of the courts is, to apply the law of the land in such controversies asmay arise and be brought before them. (...) But the judiciary, in seeking to ascertainwhat the law is which must be applied in any particular controversy, may possibly findthat the will of the legislature, as expressed in the Constitution, are in conflict, and thetwo cannot stand together. In such a case, as the legislative power is conferred by theConstitution, it is manifest that the delegate has exceeded his authority; the trusteehas not kept within the limits of his trust. The excess is therefore inoperative, and it isthe duty of the court to recognize and give effect to the Constitution as the paramountlaw, and, by refusing to enforce the legislative enactment, practically nullify it. Theobligation to perform this duty, whenever the conflict appears, is imperative”.Dispõe o art. 1º-D <strong>da</strong> Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com are<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, verbis:“Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazen<strong>da</strong> Pública nasexecuções não embarga<strong>da</strong>s.”Com efeito, é cristalina a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisórianº 2.180-35/2001, eis que a matéria nela versa<strong>da</strong> – o descabimentode condenação em honorários advocatícios pela Fazen<strong>da</strong> Pública nasexecuções não embarga<strong>da</strong>s – não configura a hipótese prevista no art. 62<strong>da</strong> CF/88, ou seja, caso de relevância e urgência a legitimar a sua edição.A apreciação dos pressupostos de edição de Medi<strong>da</strong>s Provisórias podeser feito pelo Judiciário, consoante jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>, em situações excepcionais, quando é manifesto – como no casodos autos – o não atendimento do man<strong>da</strong>mento constitucional. (ADIn nº1.753-DF, rel. Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, in RTJ 172/32; voto do Min.Celso de Mello, in RTJ 176/149-154)Nesse sentido, igualmente, inclina-se a melhor doutrina, conformeo magistério autorizado de Livio Paladin, expresso no artigo intituladoIn Tema di Decreti-Legge, publicado na Rivista Trimestrale di DirittoPubblico, Anno VIII, 1958, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, p. 554,nota 67, verbis:“(...) Per detto motivo, e soprattutto in vista dell’esistente controllo della Cortecostituzionale sulla legittimità delle leggi e degli atti con forza di legge, un importanteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 447


dottrina (Giugni, La nuova Costituzione cit., pag. 217; Biscaretti Di Ruffia, Dirittocostituzionale cit., pag. 410; Mortati, Istituzioni cit., pagg. 549- 550) ritiene chedebba oggi ammttersi un sin<strong>da</strong>cato giurisdizionale sulla sussistenza delle premessegiustificative dei decreti-legge.”Da mesma forma, a lição de Maryse Baudrez, em trabalho intitulado“Décrets-lois réitérés en Italie: L’exaspération mesurée de la Courconstitutionnelle en 1996”, publicado na Revue Française de DroitConstitutionnel, Presses Universitaires de France, 1997, nº 32, p. 760,verbis:“En 1995, <strong>da</strong>ns une décision largement commentée en doctrine en raisonde la ‘révolution’ de sa portée en matière de contrôle des décrets-lois, la CourConstitutionnelle a conclu au vice in procedendo de la loi de conversion d’un décretloiadopté en violation de 1’article 77 C., car le 1égislateur parlementaire a apprécié‘de façon erronée’ l’existence des conditions de validité du décret-loi et a converti enloi, un acte qui ne pouvait légitimement être converti en loi”.A respeito, pertinente o ensinamento colhido no voto do EminenteMinistro Celso de Mello proferido quando do julgamento <strong>da</strong> ADIn nº293, verbis:“As medi<strong>da</strong>s provisórias, cuja edição resulta do exercício pelo Presidente <strong>da</strong>República, de competência constitucional extraordinária – conforme pude observarquando atuei na Consultoria Geral <strong>da</strong> República, em Nota de análise deste instituto,dirigi<strong>da</strong> a seu ilustre titular, o eminente jurista Dr. Saulo Ramos, o qual, a partir dela,desenvolveu estudo magnífico sobre o tema – representam a expressão concreta de umpoder cautelar geral deferido ao Chefe do Poder Executivo <strong>da</strong> União.O que justifica a edição dessa espécie normativa, com força de lei, em nosso direitoconstitucional – e do qual extraio algumas <strong>da</strong>s passagens subseqüentes deste Voto – é aexistência de um estado de necessi<strong>da</strong>de, que impõe ao Poder Público a adoção imediatade providências de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias delegiferação, em face do próprio periculum in mora que fatalmente decorreria do atraso naconcretização <strong>da</strong> prestação legislativa (Paolo Biscaretti di Ruffia, Diritto Costituzionale,vol. I, págs. 622/623, nº 257, 2ª ed., 1949, Eugenio Jovene, Napoli).A outorga constitucional, ao Presidente <strong>da</strong> República, desse poder de cautela,representa um meio juridicamente idôneo e apto a impedir, na esfera <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>desnormativas estatais, a consumação do periculum in mora, e a tornar possível, emconseqüência, a útil e eficaz prestação legislativa do Estado.O que legitima o Chefe do Poder Executivo <strong>da</strong> União a antecipar-se, cautelarmente,ao processo legislativo ordinário, editando as medi<strong>da</strong>s provisórias pertinentes, é, pois,o fun<strong>da</strong>do receio, por ele exteriorizado, de que o retar<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> prestação legislativacause grave lesão, de difícil reparação ao interesse público.É inquestionável que as medi<strong>da</strong>s provisórias traduzem, no plano <strong>da</strong> organização do448R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


Estado e na esfera <strong>da</strong>s relações institucionais entre os Poderes Executivo e Legislativo,um instrumento de uso excepcional. A emanação destes atos, pelo Presidente <strong>da</strong>República, configura, em função <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> mesma que se revestem, momentâneaderrogação ao princípio constitucional <strong>da</strong> separação dos poderes.Para prevenir eventuais abusos ou práticas arbitrárias, a Constituição do Brasilestabeleceu garantias formais de controle dessa ativi<strong>da</strong>de presidencial, que consistemem quatro pontos essenciais: (a) convocação extraordinária do Congresso nacional,quando em recesso, (b) imediata apresentação ao Congresso Nacional, pelo Executivo,<strong>da</strong> medi<strong>da</strong> provisória por este edita<strong>da</strong>, visando à sua conversão em lei, (c) per<strong>da</strong> deeficácia ex tunc do ato não convertido em lei e (d) possibili<strong>da</strong>de de controle jurisdicionalde constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mesma medi<strong>da</strong> provisória, mediante o exercício <strong>da</strong> jurisdiçãodifusa ou concentra<strong>da</strong> – esta já expressamente admiti<strong>da</strong> pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,em decisão unânime e proferi<strong>da</strong> no julgamento <strong>da</strong> ADIn 37-3-DF (medi<strong>da</strong> cautelar),de que foi relator o eminente Ministro Francisco Rezek. (DJ, de 23.06.89)O que se pretende evitar com este sistema de garantias, é que o exercícioindiscriminado dessa excepcional competência do Poder Executivo se converta numaprática legiferante ordinária e substitutiva dos procedimentos comuns de formação<strong>da</strong>s leis.Os pressupostos constitucionais legitimadores dessa ver<strong>da</strong>deira ação cautelarlegislativa – relevância <strong>da</strong> matéria e urgência na sua positivação – submetem-se, numprimeiro momento, ao juízo político e à avaliação discricionária do Presidente <strong>da</strong>República.O Chefe do Executivo <strong>da</strong> União concretiza, na emanação <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s provisórias,um direito potestativo, cujo exercício – presentes razões de urgência e relevância – sóa ele compete decidir. Isto sem prejuízo, obviamente, de igual competência do PoderLegislativo, a ser exerci<strong>da</strong> a posteriori e, quando tal se impuser, dos próprios Tribunaise Juízes.Esse poder cautelar geral – constitucionalmente deferido ao Presidente <strong>da</strong> Repúblicareveste-se de natureza política e de caráter discricionário. É ele, o Chefe de Estado, oárbitro inicial <strong>da</strong> conveniência, necessi<strong>da</strong>de, utili<strong>da</strong>de e oportuni<strong>da</strong>de de seu exercício.Essa circunstância, contudo, não subtrai ao Judiciário o poder de apreciar e valorar,até, se for o caso, os requisitos constitucionais de edição <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s provisórias. Amera possibili<strong>da</strong>de de avaliação arbitrária <strong>da</strong>queles pressupostos, pelo Chefe do PoderExecutivo, constitui razão bastante para justificar o controle jurisdicional.O reconhecimento de imuni<strong>da</strong>de jurisdicional, que pré-excluísse de apreciaçãojudicial o exame de tais pressupostos – caso admitido fosse – implicaria emconsagrar, de modo inaceitável, em favor do Presidente <strong>da</strong> República, uma ilimita<strong>da</strong>expansão de seu poder para editar medi<strong>da</strong>s provisórias, sem qualquer possibili<strong>da</strong>dede controle, o que se revelaria incompatível com o nosso sistema constitucional.”(in RTJ 146/711)Nesse sentido, inclusive, manifestou-se, recentemente, a CorteConstitucional <strong>da</strong> Itália, alterando a sua jurisprudência, como refereR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 449


Alfonso Celotto, verbis:“Negli ultimi mesi, tuttavia, la Corte – sotto la spinta della prassi sempre piùdegenerata e delle sollecitazioni, anche cercate, della dottrina – ha cominciato amodificare il proprio indirizzo, tentando – finalmente – di arginare l’abuso del decretolegge,anche mediante un controllo sui pressupposti.Dapprima nella ormai notissima sent. 27 gennaio 1995, n. 29, la Consulta háammesso – in linea di principio e solo teorica – la sin<strong>da</strong>cabilità dei presupposti deldecreto-legge, quanto meno nei casi di ‘evidente mancanza’, anche dopo la conversionein legge, evidenziando che quest’ultima non ‘sana’ i vizi propri del decreto, ma ne vieneanzi inficiata, accedendo cosi alla posizione di quanti avevano cercato di ricostruireil difetto della straordinaria necessità ed urgenza quale vizio formale, attinente alprocedimento di conversione e come tale trasmissibile alla stessa legge di conversione.In tale ottica appare importante anche la precisazione – per quanto contenuta semprein un obter dictum – che il controllo del Parlamento in sede di conversione consistein una ‘valutazione del tutto diversa... di tipo prettamente politico, che non impediscequindi il controllo <strong>da</strong> parte della Corte costituzionale’.Questo innovativo filone è stato ripreso, nella successiva sent. 10 maggio 1995,n. 161, ove la Corte – per la prima volta – ha esercitato concretamente il sin<strong>da</strong>catosull’esistenza e sull’adeguatezza dei presupposti della necessità ed urgenza di undecreto-legge, pur ritenendo che non ve ne fosse ‘evidente mancanza’ nel caso di specie.(...) Per tale via, conseguentemente, si è arrivati ad un sostanziale ampliamento delleforme di accesso al giudizio costituzionale, proprio al fine di voler tamponare i rischiconnessi ‘al dilagare della decretazione d’urgenza’.” (In “L’ABUSO DEL DECRETO-LEGGE”, CEDAM, 1997, v. I, pp. 416/20)Outra não é a orientação de Alessandro Pizzorusso, in “I DECRETI-LEGGE NON CONVERTITI”, Dott. A. Giuffrè Editore, 1996, p. 25.Ora, no caso em exame, é manifesta a contrarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong>Provisória nº 2.180-35/2001, à letra e ao espírito <strong>da</strong> Constituição, em seuart. 62, pois a matéria nela trata<strong>da</strong> não se reveste <strong>da</strong> urgência e relevânciaexigi<strong>da</strong>s pela Lei Maior para a edição de uma Medi<strong>da</strong> Provisória.Benignius leges interpretan<strong>da</strong>e sunt, quo voluntas eorum conservetur.(Celso, Dig. 1. 3, 18)Pertinente, aqui, recor<strong>da</strong>r as palavras de Benoit Jeanneau, verbis:“... si le droit applicable s’étend, au-delà de la répartition des compétences étatiques,jusqu’à l’esprit de la Constitution et aux principes de philosophie politique quisous-tendent le régime tout entier, alors le contrô1e de la constitutionnalité des loisconstitue pour les citoyens une réelle garantie”. (In Droit Constitutionnel et InstitutionsPolitiques, 2ª ed., Dalloz, 1968, p. 60, “c”)450R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003


Por esses motivos, julgo procedente o presente incidente deinconstitucionali<strong>da</strong>de, declarando a contrarie<strong>da</strong>de do art.1º-D <strong>da</strong> Lei nº9.494/97, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.180-35/2001,por violar o art.62 <strong>da</strong> CF/88.É o meu voto.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 433-452, 2003 451


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ÍNDICE NUMÉRICOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 453-456, 2003 453


454R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 453-456, 2003


DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL2000.70.00.008179-8/PR. (AC) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler....................................572001.70.01.000090-8/PR. (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti.......................................872001.70.08.003515-8/PR. (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti.......................................932001.71.10.003554-9/RS. (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.............982002.04.01.015310-7/RS. (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.............. 1112002.04.01.035946-9/PR. (AC) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Barth Tessler..................................1362002.04.01.055891-0/RS. (MS) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas.........................................1592002.71.00.014251-8/RS. (AMS) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon......................1682002.72.00.010816-1/SC. (AMS) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon......................173DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL2000.04.01.101306-0/SC. (ACR)2001.04.01.037292-5/RS. (EDACR)2002.04.01.041623-4/PR. (MS)2002.04.01.041639-8/SC. (RSE)2002.71.00.009434-2/RS. (ACR)2002.71.05.001909-1/RS. (RSE)2003.04.01.004105-0/RS. (HC)2003.04.01.007173-9/RS. (HC)2003.04.01.009689-0/RS. (HC)2003.04.01.009701-7/RS. (HC)Rel. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro.............................179Rel. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva...............................187Rel. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa..........................194Rel. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho...................................203Rel. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro.............................210Rel. Des. <strong>Federal</strong> Volkmer de Castilho...................................259Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado..................264Rel. Des. <strong>Federal</strong> José Germano <strong>da</strong> Silva...............................268Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado..................275Rel. Des. <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa..........................278DIREITO PREVIDENCIÁRIO2000.04.01.112163-4/RS. (AC)2000.04.01.136558-4/SC. (AC)2001.04.01.025230-0/RS. (EIAC)2001.70.00.029769-6/PR. (AMS)2001.70.04.000958-6/PR. (AC)Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira................289Rel. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira............297Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira................306Rel. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira............313Rel. Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro..............................................321DIREITO PROCESSUAL CIVIL95.04.33984-0/RS. (EIAR)2002.04.01.057193-8/PR. (AG)2002.04.01.041499-7/PR. (AG)2003.04.01.007609-9/PR. (CC)2003.04.01.008084-4/PR. (AG)Rel. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde.......................329Rel. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>..................334Rel. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde.......................338Rel. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose..........................................343Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria.............................348R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 453-456, 2003 455


DIREITO TRIBUTÁRIO2000.71.00.011790-4/RS. (AC)2001.72.05.007824-0/SC. (AC)2002.04.01.037947-0/SC. (AG)2002.04.01.043276-8/RS. (AC)2002.72.00.001305-8/SC. (AC)2002.72.00.011624-8/SC. (AMS)2002.72.03.000932-0/SC. (AC)2003.04.01.009201-9/PR. (AG)Rel. Des. <strong>Federal</strong> Surreaux Chagas.........................................353Rel. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares..........................363Rel. Des. <strong>Federal</strong> Wellington Mendes de Almei<strong>da</strong>..................379Rel. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós...............................................386Rel. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós...............................................393Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria.............................400Rel. Des. <strong>Federal</strong> Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares..........................407Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Alcides Vettorazzi........................................413ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE2002.04.01.018302-1/RS. (INAG)Rel. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz..............435456R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 453-456, 2003


ÍNDICE ANALÍTICOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 457


458R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


AABUSO DE PODERVide MANDADO DE SEGURANÇAAÇÃO CIVIL PÚBLICAAcumulação. Ação judicial. Identi<strong>da</strong>de. Rito ordinário. Possibili<strong>da</strong>de.Ação de indenização. Bacen (Banco Central do Brasil). Omissão. Fiscalização.Consórcio. Responsabili<strong>da</strong>de subsidiária. Prejuízo. Consorciado. Pendência.Julgamento. Liqui<strong>da</strong>ção de sentença.Improbi<strong>da</strong>de administrativa. Condenação. Co-réu. Per<strong>da</strong>. Cargo público. Multa.Omissão. Decretação. Liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial. Empresa.Sindicância. Objetivo. Instauração. Processo administrativo-disciplinar. Observância.Princípio do contraditório. Desnecessi<strong>da</strong>de.Interesse de agir. Ministério Público <strong>Federal</strong>. Existência. Interesse social.............136Liminar. Cumprimento. Termo inicial. Intimação.Serviço de telecomunicação. Cobrança. Tarifa. Diversi<strong>da</strong>de. Município. Proximi<strong>da</strong>de.Impossibili<strong>da</strong>de.Descumprimento de ordem judicial. Advertência. Possibili<strong>da</strong>de. Pena. Crime dedesobediência.Multa. Destinação....................................................................................................338Vide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEAÇÃO COLETIVAVide PROCURAÇÃOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 459


AÇÃO POPULARCabimento. Nuli<strong>da</strong>de. Concorrência pública. Objeto. Prestação de serviço.Movimentação. Armazenagem. Mercadoria. Posto aduaneiro. Zona secundária.Petição inicial. Parciali<strong>da</strong>de. Inépcia. Motivo. Exclusão. Lide. Acusação. Co-réu.Inexistência.Preclusão. Inocorrência. Possibili<strong>da</strong>de. Avaliação. Condição <strong>da</strong> ação. Pressupostoprocessual. Ex officio.Legitimi<strong>da</strong>de ativa. Ci<strong>da</strong>dão. Impugnação. Ato lesivo. Inobservância. Princípio <strong>da</strong>isonomia. Princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de. Litigância de má-fé. Inocorrência.Nuli<strong>da</strong>de. Sentença. Cerceamento de defesa. Intimação pessoal. Ente público. Prejuízo.Inexistência.Decisão. <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União. Efeito vinculante. Justiça <strong>Federal</strong>. Inexistência.Controle judicial. Garantia constitucional................................................................. 57AÇÃO RESCISÓRIAVide LEGITIMIDADE PASSIVAADVOGADORegistro provisório - Vide TEMPO DE SERVIÇOAPOSENTADORIA POR IDADEVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOAPOSENTADORIA POR INVALIDEZVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOAPOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOVide SERVIDOR PÚBLICOAPTIDÃO FÍSICAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEVide MEDIDA PROVISÓRIAARRENDAMENTOTerra indígena - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONALATIVIDADE RURALMenor de catorze anos – Vide TEMPO DE SERVIÇO460BR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOAposentadoria por i<strong>da</strong>de. Trabalhador rural. Bóia-fria. Descaracterização.Trabalhador urbano. Quali<strong>da</strong>de. Empregador. Recolhimento. Contribuiçãoprevidenciária. Cumprimento. Período de carência. Preenchimento de requisito. I<strong>da</strong>de.Posteriori<strong>da</strong>de. Per<strong>da</strong>. Condição. Segurado. Irrelevância.Termo inicial. Data. Requerimento.Honorários. Advogado.Correção monetária. Juros....................................................................................... 321Aposentadoria por invalidez. Cancelamento de benefício. Descabimento.Exercício. Man<strong>da</strong>to eletivo. Prova. Aptidão física. Inexigibili<strong>da</strong>de.Man<strong>da</strong>do de segurança. Concessão..........................................................................313Aposentadoria por tempo de serviço – Vide SERVIDOR PÚBLICOPensão por morte. Avô paterno. Guar<strong>da</strong> de menor. Neta. Comprovação. Dependênciaeconômica. ECA (Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente).Termo inicial. Data. Óbito.Pessoa designa<strong>da</strong>. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Dependente. Direitoadquirido.Alteração. Legislação. Inaplicabili<strong>da</strong>de................................................................... 289Pensão por morte. Marido. Trabalhador rural. Bóia-fria. Trabalho. Vinculação. Ativi<strong>da</strong>debásica. Empresa rural. Caracterização. Vínculo empregatício.Prova. Exercício. Ativi<strong>da</strong>de agrícola. Recolhimento. Contribuição previdenciária.Inexigibili<strong>da</strong>de.Correção monetária. Incidência.Custas. Redução. Possibili<strong>da</strong>de.Honorários. Advogado. Base de cálculo. Prestação venci<strong>da</strong>.Remessa oficial. Descabimento...............................................................................297Vide TEMPO DE SERVIÇOBOA-FÉVide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)BÓIA-FRIAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOCR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 461


CANCELAMENTO DE BENEFÍCIOVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOCARGO PÚBLICOInvestidura – Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVAPer<strong>da</strong> - Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICACDC (CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO AOCONSUMIDOR)Vide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSOVide HABEAS CORPUSCOMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIOIPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Produto manufaturado. Exportação.Comércio. Indústria. Incentivo fiscal. Extinção.Decreto-lei. Autorização. Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>. Inconstitucionali<strong>da</strong>de................413Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIALCOMPETÊNCIA JURISDICIONALJustiça <strong>Federal</strong>. Agricultor. Cárcere privado. Extorsão. Resultado. Morte. Agente docrime. Índio. Cobrança. Percentual. Produto agrícola. Arren<strong>da</strong>mento. Terra indígena.Prejuízo. Interesse. Comuni<strong>da</strong>de indígena. Proteção. União <strong>Federal</strong>. .................... 203Justiça <strong>Federal</strong>. Crime contra o meio ambiente. Cultivo. Produto agrícola. Modificação.Composição.Impacto ambiental. Saúde. Desconhecimento.Interesse público. Necessi<strong>da</strong>de. Cultivo. Autorização. União <strong>Federal</strong>.................... 259Vara <strong>Federal</strong>. Valor <strong>da</strong> causa. Superiori<strong>da</strong>de. Limite máximo. Juizado Especial Cível.Pessoa física. Sujeito passivo. Relação processual. Litisconsórcio. Discussão.Prejudiciali<strong>da</strong>de ....................................................................................................... 343Vide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEVide LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIALVide TRÁFICO DE ENTORPECENTECOMUNIDADE INDÍGENA462R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONALCONCORRÊNCIA PÚBLICAVide AÇÃO POPULARCONCURSO PÚBLICOVide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEVide RESPONSABILIDADE OBJETIVACONSELHO REGIONALVide REGISTRO PROFISSIONALCONSÓRCIOVide AÇÃO CIVIL PÚBLICACONTAGEM RECÍPROCAVide TEMPO DE SERVIÇOCONTRATO DE GAVETAVide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)CONTRIBUIÇÃOIntervenção no domínio econômico – Vide ENERGIA ELÉTRICAIntervenção no domínio econômico – Vide TAXACONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAFunrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural). Repetição do indébito.Improcedência.Prescrição. Pagamento indevido. Período. Posteriori<strong>da</strong>de. Constituição <strong>Federal</strong>.Natureza jurídica. Tributo. Inexistência. Homologação do lançamento.Prescrição trintenária. Inaplicabili<strong>da</strong>de.................................................................... 407Vide TEMPO DE SERVIÇOCONTRIBUIÇÃO SOCIALR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 463


Incidência. Folha de salários. Legitimi<strong>da</strong>de passiva. Litisconsórcio necessário. INCRA(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). INSS (Instituto Nacional doSeguro Social).Compensação de crédito tributário. Restituição de tributo. Matriz. Filial. Impossibili<strong>da</strong>de.Prescrição. Prazo.Correção monetária. Índice oficial. Juros.Custas. Autarquia. Pagamento. Necessi<strong>da</strong>de.Honorários. Advogado............................................................................................. 363CONTROLE JUDICIALVide AÇÃO POPULARCORREÇÃO MONETÁRIAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOVide ISENÇÃO TRIBUTÁRIAVide PENA DE MULTACRIME CONTINUADOVide TRÁFICO DE ENTORPECENTECRIME CONTRA O MEIO AMBIENTEVide COMPETÊNCIA JURISDICIONALCRIME DE DESOBEDIÊNCIADescumprimento de ordem judicial – Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICACRIME FORMALVide TRANCAMENTO DE INQUÉRITOCRIME HEDIONDOEquiparação – Vide TRÁFICO DE ENTORPECENTECRIME PERMANENTEVide MOEDA FALSACURRÍCULO MÍNIMOVide ENSINO SUPERIORD464R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


DANO MATERIALVide RESPONSABILIDADE OBJETIVADANO MORALVide RESPONSABILIDADE OBJETIVADÉCIMOSAposentadoria por tempo de serviço - Vide SERVIDOR PÚBLICODECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADELei. Provimento de cargo público. Ascensão funcional. Violação de dispositivo legal.Exigência. Concurso público.Efeito jurídico. Nomeação. Manutenção. Fato consumado. Posteriori<strong>da</strong>de. Período.Dez anos. Princípio <strong>da</strong> segurança jurídica. Aplicabili<strong>da</strong>de.Competência jurisdicional. Juiz federal. Estado. Efetivo exercício. Servidor público.Ato administrativo. Sede. Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais). Distrito <strong>Federal</strong>. Irrelevância.Legitimi<strong>da</strong>de ativa. Ministério Público. Defesa. Ordem jurídica. Interesse social. Direitoindividual homogêneo.Ação judicial. Abrangência. Totali<strong>da</strong>de. Território nacional. Desnecessi<strong>da</strong>de. Violação.Princípio <strong>da</strong> isonomia. Inocorrência.Citação. Litisconsorte passivo. Necessi<strong>da</strong>de.Ação civil pública. Prescrição. Inaplicabili<strong>da</strong>de...................................................... 111DENUNCIAÇÃO CALUNIOSAVide HABEAS CORPUSDEPENDÊNCIA ECONÔMICAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIODESCONSTITUIÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVOVide LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIALDESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIALVide AÇÃO CIVIL PÚBLICADESPESA EXTRAORDINÁRIAVide ENERGIA ELÉTRICADIREITO ADQUIRIDOMonografia – Vide ENSINO SUPERIORVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 465


Vide ISENÇÃO TRIBUTÁRIAVide SERVIDOR PÚBLICODIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEOVide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEDOSIMETRIA DA PENAVide TRÁFICO DE ENTORPECENTEECA (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE)Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOEFEITO SUSPENSIVOMan<strong>da</strong>do de segurança – Vide SERVIDOR PÚBLICOEMBARGOS À EXECUÇÃOVide MEDIDA PROVISÓRIAEMPRÉSTIMO COMPULSÓRIOVide PROCURAÇÃOESCUTA TELEFÔNICAVide TRÁFICO DE ENTORPECENTE466EENERGIA ELÉTRICACobrança. Sobretarifa. Destinação. Despesa extraordinária. Evento futuro. Eventoincerto. Ilegali<strong>da</strong>de.Natureza jurídica. Preço público. Taxa. Contribuição. Intervenção no domínioeconômico. Impossibili<strong>da</strong>de. Enquadramento.........................................................379ENSINO SUPERIORCurrículo mínimo. Monografia. Exigibili<strong>da</strong>de. Direito adquirido. Aluno. Inexistência.Universi<strong>da</strong>de. Autonomia. Fixação. Disciplina escolar...........................................168ERRO DE TIPOVide TRÁFICO DE ENTORPECENTEERRO MATERIALVide TRÁFICO DE ENTORPECENTER. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


EXECUÇÃO FISCALVide LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIALEXECUÇÃO PROVISÓRIAPena de reclusão. Multa. Possibili<strong>da</strong>de.Recurso especial. Efeito suspensivo. Inexistência.Princípio <strong>da</strong> presunção de inocência. Violação. Inocorrência.................................264EXPORTAÇÃOVide COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIOFALSIDADE IDEOLÓGICAVide TRANCAMENTO DE INQUÉRITOFILIALVide CONTRIBUIÇÃO SOCIALFOLHA DE SALÁRIOSVide CONTRIBUIÇÃO SOCIALGUARDA DE MENORVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOFGHHABEAS CORPUSConcessão. Regime aberto. Período. Pendência. Julgamento. Agravo. Execução penal.Réu. Cumprimento. Pena. Regime fechado.Unificação de penas. Pena privativa de liber<strong>da</strong>de. Pena restritiva de direitos. Decisão.Trânsito em julgado. Admissibili<strong>da</strong>de.Substituição <strong>da</strong> pena. Reversão. Impossibili<strong>da</strong>de.................................................... 268Trancamento de inquérito. Concessão. Coação no curso do processo. Atipici<strong>da</strong>de.Denunciação caluniosa. Inocorrência.Supermercado. Irregulari<strong>da</strong>de. Trabalho. Empregado. Fornecedor.Autuação fiscal. Processo administrativo. Manutenção. Multa. Representação.Ministério do Trabalho.Fiscal do trabalho. Apresentação. Notitia criminis. Ministério Público <strong>Federal</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 467


Requisição. Inquérito policial.................................................................................. 278HONORÁRIOSAdvogado – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOAdvogado - Vide MEDIDA PROVISÓRIAIIBAMA (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOSRECURSOS NATURAIS)Vide TAXAIDADEConcurso público – Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVAILEGALIDADESobretarifa – Vide ENERGIA ELÉTRICAIMPOSTO DE RENDAVide ISENÇÃO TRIBUTÁRIAIMPROBIDADE ADMINISTRATIVAVide AÇÃO CIVIL PÚBLICAIMUNIDADE TRIBUTÁRIAInexistência. ECT (Empresa de Correios e Telégrafos). Pessoa jurídica de direitoprivado.Município. Cobrança. Taxa. Legitimi<strong>da</strong>de.Prescrição. Crédito tributário. Inocorrência.Recurso voluntário. Processo administrativo. Suspensão do crédito tributário. Suspensãodo prazo. Prescrição.................................................................................................393INCENTIVO FISCALVide COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIOINDENIZAÇÃOVide RESPONSABILIDADE OBJETIVAÍNDIOVide COMPETÊNCIA JURISDICIONALINQUÉRITO POLICIAL468R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


Vide HABEAS CORPUSVide TRÁFICO DE ENTORPECENTEINTERESSE PÚBLICOVide COMPETÊNCIA JURISDICIONALINVESTIGAÇÃO CRIMINALVide MANDADO DE SEGURANÇAIPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)Vide COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIOISENÇÃO TRIBUTÁRIAImposto de Ren<strong>da</strong>. Ganho de capital. Alienação. Ações. Posteriori<strong>da</strong>de. Cinco anos.Direito adquirido. Benefício fiscal.Lançamento tributário. Nuli<strong>da</strong>de.Repetição do indébito. Correção monetária.Prescrição. Inocorrência.Honorários. Advogado. Base de cálculo. Valor <strong>da</strong> condenação............................... 353JUIZ FEDERALVide TEMPO DE SERVIÇOJUIZADO ESPECIAL CÍVELValor <strong>da</strong> causa - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONALJUÍZO DEPRECADOCompetência jurisdicional - Vide LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIALLEGITIMIDADE ATIVAVide AÇÃO POPULARVide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADELEGITIMIDADE PASSIVAJLR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 469


Sindicato. Substituto processual. Ação rescisória. Procedência. Ação coletiva.Litisconsórcio necessário. Descabimento................................................................ 329LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE PROFISSÃOVide REGISTRO PROFISSIONALLIBERDADE DE EXPRESSÃOVide REGISTRO PROFISSIONALLIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIALSuspensão do processo. Execução fiscal. Penhora. Garantia. Execução.Vício formal. Desconstituição de título executivo. Competência jurisdicional. Juízodeprecado.................................................................................................................334LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIOVide LEGITIMIDADE PASSIVALITISCONSORTE PASSIVOCitação – Vide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEMMANDADO DE SEGURANÇACassação. Ato judicial. Denegação.Juiz. Sustação. Remessa. Informação. Polícia <strong>Federal</strong>. Destinação. Receita <strong>Federal</strong>.Processo administrativo-fiscal. Necessi<strong>da</strong>de. Observância. Sigilo bancário.Ministério Público <strong>Federal</strong>. Alegação. Prejuízo. Investigação criminal. Descabimento.Erro grosseiro. Abuso de poder. Inexistência........................................................... 194Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVAVide SERVIDOR PÚBLICOMANDATO ELETIVOVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOMATRIZVide CONTRIBUIÇÃO SOCIALMEDIDA PROVISÓRIAArgüição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Procedência. Requisito. Matéria urgente. Matéria470R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


elevante. Descumprimento.Fazen<strong>da</strong> Pública. Embargos à execução. Inocorrência.Honorários. Advogado. Cabimento..........................................................................435MEIO AMBIENTEVide TAXAMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALInteresse de agir - Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICAVide HABEAS CORPUSVide MANDADO DE SEGURANÇAMOEDA FALSAMoe<strong>da</strong> estrangeira. Guar<strong>da</strong>. Roubo qualificado.Argüição de nuli<strong>da</strong>de. Improcedência. Regulari<strong>da</strong>de. Prisão em flagrante. Crimepermanente.Prova testemunhal. Depoimento. Agente de polícia. Realização. Flagrante. Possibili<strong>da</strong>de.Extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de. Prescrição <strong>da</strong> pretensão punitiva. Extensão. Decisão judicial.Co-réu...................................................................................................................... 179MONOGRAFIAVide ENSINO SUPERIORMULTASupermercado - Vide HABEAS CORPUSMUNICÍPIOTaxa – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIAMÚSICOVide REGISTRO PROFISSIONALNATUREZA JURÍDICASobretarifa – Vide ENERGIA ELÉTRICAOMISSÃOPrescrição - Vide PENA DE MULTANOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 471


PAGAMENTO INDEVIDORepetição do indébito - Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAPEDIDO DE RECONSIDERAÇÃOEfeito suspensivo - Vide SERVIDOR PÚBLICOPPENA DE MULTANecessi<strong>da</strong>de. Proporcionali<strong>da</strong>de. Totali<strong>da</strong>de. Pena.Embargos de declaração. Efeito infringente. Descabimento.Prescrição. Exame. Omissão. Inexistência.Acórdão recorrido. Alteração. Termo inicial. Decorrência. Excesso de prazo. Açãopenal. Atraso. Denúncia. Reconsideração. Irregulari<strong>da</strong>de.Princípio <strong>da</strong> insignificância. Inaplicabili<strong>da</strong>de. Valor. Débito. Superiori<strong>da</strong>de. Limitelegal. Necessi<strong>da</strong>de. Correção monetária.................................................................. 187PENA DE RECLUSÃOVide EXECUÇÃO PROVISÓRIAPENHORAVide LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIALPENSÃO POR MORTEVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOPERÍODO DE CARÊNCIAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOPESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADOVide IMUNIDADE TRIBUTÁRIAPETIÇÃO INICIALInépcia – Vide AÇÃO POPULARPODER DE POLÍCIAVide TAXAPRECLUSÃOEx officio - Vide AÇÃO POPULAR472R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


PREÇO PÚBLICOVide ENERGIA ELÉTRICAPRESCRIÇÃOAção civil pública – Vide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEVide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAVide CONTRIBUIÇÃO SOCIALVide IMUNIDADE TRIBUTÁRIAVide ISENÇÃO TRIBUTÁRIAVide PENA DE MULTAPRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVAVide MOEDA FALSAPRESCRIÇÃO QÜINQÜENALVide RESPONSABILIDADE OBJETIVAPRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADEJuiz - Vide TRÁFICO DE ENTORPECENTEPRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAVide PENA DE MULTAPRINCÍPIO DA ISONOMIAVide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEPRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIAVide EXECUÇÃO PROVISÓRIAPRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICAVide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEPRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIOSindicância - Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICAR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 473


PRISÃO EM FLAGRANTECrime permanente – Vide MOEDA FALSAPRISÃO PREVENTIVAVide TRÁFICO DE ENTORPECENTEPROCURAÇÃOReconhecimento de firma. Expedição. Alvará judicial. Levantamento de depósito.Empréstimo compulsório. Combustível. Possibili<strong>da</strong>de.Precedente. Irregulari<strong>da</strong>de. Título executivo. Procedência. Ação coletiva. Ajuizamento.Associação. Defesa do consumidor. Objetivo. Garantia. Prestação jurisdicional.Custas. Adiantamento. Devolução. Necessi<strong>da</strong>de. Petição. Juízo a quo. Inadmissibili<strong>da</strong>de.Supressão de instância.............................................................................................348PRODUTO AGRÍCOLAModificação - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONALPROVIMENTO DE CARGO PÚBLICOVide DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEQUINTOSAposentadoria por tempo de serviço - Vide SERVIDOR PÚBLICORECONHECIMENTO DE FIRMAVide PROCURAÇÃORECURSO ESPECIALVide EXECUÇÃO PROVISÓRIAREGIME ABERTOVide HABEAS CORPUSREGIME DE CUMPRIMENTO DA PENAVide TRÁFICO DE ENTORPECENTEREGIME DE ECONOMIA FAMILIARVide TEMPO DE SERVIÇO474 REGISTRO PROFISSIONALQRR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


Conselho regional. Músico. Inexigibili<strong>da</strong>de.Direito constitucional. Liber<strong>da</strong>de de exercício de profissão. Liber<strong>da</strong>de de expressão.Artista.Constituição federal. Revogação. Lei. Exigência. Inscrição...................................173REMUNERAÇÃOConcurso público - Vide RESPONSABILIDADE OBJETIVAREPETIÇÃO DO INDÉBITOVide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAVide ISENÇÃO TRIBUTÁRIAVide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)REQUISITODescumprimento – Vide MEDIDA PROVISÓRIARESPONSABILIDADE OBJETIVAUnião <strong>Federal</strong>. Inexistência.Indenização. Dano material. Dano moral. Contagem. Tempo de serviço. Descabimento.Concurso público. Ilegali<strong>da</strong>de. Exigência. Limite máximo. I<strong>da</strong>de.Man<strong>da</strong>do de segurança. Reconhecimento. Direito. Nomeação.Investidura. Cargo público. Ato complexo. Remuneração. Dependência. Efetivoexercício.Prescrição qüinqüenal. Interrupção de prazo. Notificação. Impetrado. Termo inicial.Trânsito em julgado. Sentença. Man<strong>da</strong>do de segurança............................................98SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃOMunicípio – Vide AÇÃO CIVIL PÚBLICASSERVIDOR PÚBLICOAposentadoria por tempo de serviço. Proventos integrais. Concessão. Direito adquirido.Preenchimento de requisito. Tempo de serviço. Anteriori<strong>da</strong>de. Emen<strong>da</strong> Constitucional.Incorporação de vantagens pessoais. Quintos. Décimos. Possibili<strong>da</strong>de.Parecer. <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União. Inaplicabili<strong>da</strong>de. Prevalência. Constituição<strong>Federal</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 475


Man<strong>da</strong>do de segurança. Tempestivi<strong>da</strong>de. Termo inicial. Conhecimento. Decisão.Indeferimento. Pedido de reconsideração. Efeito suspensivo. Previsão legal. RegimeJurídico Único.......................................................................................................... 159SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)Mútuo. Repetição do indébito. Violação. Boa-fé. Mutuário.CDC (Código de Defesa e Proteção ao Consumidor). Aplicabili<strong>da</strong>de.Quitação. Desconto. Cobrança. Complementação. Impossibili<strong>da</strong>de. Pagamentoindevido. Restituição em dobro.................................................................................87Mútuo. Transferência. Contrato de gaveta. Prestação venci<strong>da</strong>. Valor residual. Reajuste.Categoria profissional.CDC (Código de Defesa e Proteção ao Consumidor). Aplicabili<strong>da</strong>de. Necessi<strong>da</strong>de.Prova. Ilegali<strong>da</strong>de. Contrato.Boa-fé. Abrangência. Diversi<strong>da</strong>de. Partes processuais..............................................93SIGILO BANCÁRIOVide MANDADO DE SEGURANÇASINDICATOVide LEGITIMIDADE PASSIVASUBSTITUIÇÃO DA PENAVide HABEAS CORPUSSUPERMERCADOAutuação fiscal - Vide HABEAS CORPUSTTAXAControle. Fiscalização. Meio ambiente. Cobrança. Constitucionali<strong>da</strong>de.Sujeito ativo. Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais).Sujeito passivo. Empresa. Dano potencial. Poluição.Natureza tributária. Contribuição. Intervenção no domínio econômico. Irrelevância.Denominação. Fato gerador. Poder de polícia......................................................... 400Vide ENERGIA ELÉTRICAVide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA476R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


TEMPO DE SERVIÇOReconhecimento. Ativi<strong>da</strong>de rural. Menor de catorze anos. Regime de economia familiar.Contagem recíproca. Possibili<strong>da</strong>de. Benefício previdenciário. Aposentadoria por tempode serviço................................................................................................................. 306Reconhecimento. Certidão. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Juiz federal.Exercício de função. Advogado. Registro provisório. OAB (Ordem dos Advogados doBrasil).Contribuição previdenciária. Recolhimento. Dispensa............................................ 386TÍTULO EXECUTIVOVide PROCURAÇÃOTRÁFICO DE ENTORPECENTEMercado internacional. Mercado interno. Crime de ação múltipla. Crime continuado.Configuração.Competência jurisdicional. Justiça <strong>Federal</strong>. Fixação. Ajuizamento. Ação judicial.Princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de. Observância. Juiz. Acompanhamento. Internet.Deslocamento. Droga. Necessi<strong>da</strong>de. Verificação. Pressuposto processual. Prisãopreventiva.Inquérito policial. Procedimento administrativo. Princípio do contraditório.Inaplicabili<strong>da</strong>de.Desmembramento do processo. Possibili<strong>da</strong>de. Réu. Domicílio estrangeiro. Cerceamentode defesa. Inocorrência.Escuta telefônica. Autorização. Juiz.Erro de tipo. Contrabando. Pedra preciosa. Inexistência.Erro material. Memorial. Ministério Público. Quanti<strong>da</strong>de. Droga. Autoria do crime.Dosimetria <strong>da</strong> pena. Espécie. Quanti<strong>da</strong>de. Droga. Aumento. Pena-base.Regime de cumprimento <strong>da</strong> pena. Totali<strong>da</strong>de. Regime fechado. Progressão de regime.Descabimento. Equiparação. Crime hediondo.........................................................210TRANCAMENTO DE INQUÉRITODescabimento. Falsi<strong>da</strong>de ideológica. Tipici<strong>da</strong>de.Crime formal. Ocorrência. Prejuízo efetivo. Irrelevância. Possibili<strong>da</strong>de. Conferência.Dados. Investigação. Posteriori<strong>da</strong>de........................................................................ 275Vide HABEAS CORPUSTRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃOEfeito vinculante – Vide AÇÃO POPULARR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003 477


UUNIFICAÇÃO DE PENASVide HABEAS CORPUSVALOR RESIDUALVide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)VÍNCULO EMPREGATÍCIOBóia-fria – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOV478R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 457-478, 2003


ÍNDICE LEGISLATIVOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003 479


480R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003


ADCT/88Artigo 41................................................................................................................. 413Código de Processo CivilArtigo 202............................................................................................................... 334Artigo 244................................................................................................................. 57Artigo 249................................................................................................................. 57Artigo 333................................................................................................................. 93Artigo 475............................................................................................................... 297Artigo 535............................................................................................................... 187Artigo 747............................................................................................................... 334Código de Defesa do ConsumidorArtigo 42................................................................................................................... 87Artigo 95................................................................................................................. 136Código de Processo PenalArtigo 80................................................................................................................. 210Artigo 566............................................................................................................... 210Artigo 637............................................................................................................... 264Código PenalArtigo 49................................................................................................................. 187Artigo 69................................................................................................................. 268Artigo 157............................................................................................................... 179Artigo 289............................................................................................................... 179Artigo 299............................................................................................................... 275Artigo 339............................................................................................................... 278Artigo 344............................................................................................................... 278Código Tributário NacionalR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003 481


Artigo 4º.................................................................................................................. 400Artigo 77................................................................................................................. 393Artigo 151............................................................................................................... 393Artigo 168............................................................................................................... 363Constituição <strong>Federal</strong>/1988Artigo 5º...................................................................................................... 57/173/313Artigo 37..................................................................................................................111Artigo 62................................................................................................................. 435Artigo 109........................................................................................................ 203/259Artigo 149............................................................................................................... 400Artigo 170............................................................................................................... 400Artigo 173............................................................................................................... 393Artigo 195............................................................................................................... 363Artigo 197............................................................................................................... 136Artigo 207............................................................................................................... 168Decreto nº 20.910/32 ............................................................................................. 407Decreto nº 98.893/90 ..............................................................................................111Decreto-Lei nº 491/69 ........................................................................................... 413Decreto-Lei nº 1.510/76Artigo 4º.................................................................................................................. 353Decreto-Lei nº 1.658/79 ........................................................................................ 413Decreto-Lei nº 1.722/79 ........................................................................................ 413Decreto-Lei nº 1.724/79 ........................................................................................ 413Decreto-Lei nº 1.894/81 ........................................................................................ 413Decreto-Lei nº 2.019/83 ........................................................................................ 386Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 8/77 ........................................................................... 407Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98 ......................................................................... 386Artigo 3º.................................................................................................................. 159Lei nº 3.857/60482 Artigo 16................................................................................................................. 173R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003


Artigo 18................................................................................................................. 173Lei nº 4.717/65Artigo 1º.................................................................................................................... 57Lei n° 6.024/74 ...................................................................................................... 334Lei n° 6.368/76Artigo 12................................................................................................................. 210Artigo 14................................................................................................................. 210Artigo 18................................................................................................................. 210Lei nº 6.899/81 ...................................................................................................... 297Lei nº 6.938/81Artigo 17–B............................................................................................................ 400Lei nº 7.347/85Artigo 11................................................................................................................. 338Lei nº 7.713/88 ...................................................................................................... 353Lei nº 7.957/89 .......................................................................................................111Lei nº 8.038/90Artigo 27................................................................................................................. 264Lei nº 8.069/90Artigo 33................................................................................................................. 289Lei nº 8.072/90Artigo 2º ................................................................................................................. 210Artigo 8º ................................................................................................................. 210Lei nº 8.112/90Artigo 106 .............................................................................................................. 159Lei nº 8.212/91 ...................................................................................................... 363Artigo 12 ................................................................................................................ 297Lei nº 8.213/91Artigo 11................................................................................................................. 306Artigo 16................................................................................................................. 289R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003 483


Artigo 26................................................................................................................. 297Artigo 46................................................................................................................. 313Artigo 55................................................................................................................. 306Artigo 74................................................................................................................. 289Artigo 142............................................................................................................... 321Lei nº 8.383/91Artigo 66................................................................................................................. 363Lei nº 8.429/92Artigo 11................................................................................................................. 136Artigo 12................................................................................................................. 136Lei nº 8.666/93Artigo 44................................................................................................................... 57Artigo 48................................................................................................................... 57Lei nº 8.974/95Artigo 13................................................................................................................. 259Lei nº 9.008/95Artigo 1º.................................................................................................................. 338Lei nº 9.296/96 ..................................................................................................... 210Lei nº 9.528/97 ...................................................................................................... 289Lei nº 9.868/99Artigo 27..................................................................................................................111Lei nº 10.165/2000 ................................................................................................ 400Lei nº 10.259/2001Artigo 2º.................................................................................................................. 343Artigo 3º.................................................................................................................. 343Lei nº 10.438/2002Artigo 1º.................................................................................................................. 379Artigo 2º.................................................................................................................. 379Lei Complementar nº 105/2001Artigo 6º.................................................................................................................. 194484 Lei Complementar nº 156/97-SC ........................................................................ 297R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003


Lei Complementar nº 161/97-SC ........................................................................ 297Portaria nº 1.886/94Artigo 16................................................................................................................. 168Súmula nº 64 do TRF-<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> ......................................................................... 348Súmula nº 544 do STF ......................................................................................... 353R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003 485


486R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 14, n. 49, p. 479-486, 2003

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