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Protestantismo em Revista, volume 09 (Ano 05, n.1) - Faculdades EST

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<strong>Revista</strong> eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong> (ano <strong>05</strong>, n. 01) – janeiro-abril de 2006São Leopoldo – RSPeriodicidade Quadrimestral - ISSN 1678-6408http://www3.est.edu.br/neppANAIS DOSEMINÁRIOINTERNACIONAL:RELIGIÃOnuma era deGLOBALIZAÇÃO18 a 20 de abril de 2006Escola Superior de Teologia – São Leopoldo – RS


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408 Coordenador GeralProf. Dr. Oneide BobsinConselho EditorialBerge Furre - Universidade de OsloEmil A. Sobottka - PUCRSAdriane Luísa Rodolpho – Escola Superior de TeologiaRicardo W. Rieth – Escola Superior de Teologia/ULBRAEdla Eggert - UnisinosISSN: 1678-6408Responsável por esta ediçãoOneide BobsinCapa desta ediçãoIuri Andréas ReblinRevisãoOneide Bobsin, Rogério Sávio Link e Iuri Andréas ReblinArte-gráfica do cartaz do eventoIuri Andréas ReblinEditoração Eletrônica da edição <strong>em</strong> HTMLRogério Sávio LinkEditoração Eletrônica da edição <strong>em</strong> PDFIuri Andréas ReblinEsta versão <strong>em</strong> PDF é uma edição revista da edição original.Link Desta Edição: http://www3.est.edu.br/nepp/revista/0<strong>09</strong>/ano<strong>05</strong>n1.pdf<strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> é um órgão do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP),que visa ser um canal de socialização de pesquisas de docentes e discentes da área de Teologia,Ciências das Religiões, abrangendo o espectro das Ciências Humanas e das Ciências Sociais Aplicadas,tanto de integrantes da Escola Superior de Teologia (<strong>EST</strong>) quanto de outras instituições.<strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> está sob a coordenação do Prof. Dr. Oneide Bobsin, titular da Cadeira deCiências das Religiões da <strong>EST</strong>.A revista eletrônica <strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> é uma publicação quadrimestral (jan.-abr.; mai.-ago.,set.-dez.), sendo que as três edições do ano são tradicionalmente planejadas <strong>em</strong> duas edições t<strong>em</strong>áticase uma edição livre. Comumente, a equipe de redação aceita textos até o final do segundo mês doquadrimestre e a publicação acontece normalmente na segunda quinzena do terceiro mês doquadrimestre, salvo exceções. Confira a data estipulada na grade do tópico “edições anteriores” no siteda revista.Os trabalhos deverão ser enviados para o correio eletrônico do Núcleo de Estudos e Pesquisa do<strong>Protestantismo</strong>: nepp_iepg@yahoo.com.br. Consulte as normas no site da revista. D<strong>em</strong>aisinformações e edições anteriores, acesse o site (http://www3.est.edu.br/nepp)Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 2


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408SumárioEditorial........................................................................................................................................... 5ConferênciasUm Globo <strong>em</strong> busca da sua alma: um ensaio sobre a religião numa era de globalização ........ 9Por Sturla J. StålsettSubjetividade, religiosidade cont<strong>em</strong>porânea e globalização: o caso da Igreja Universal doReino de Deus ................................................................................................................................31Por Mary Rute Gomes EsperandioIURD e as ondas carismáticas .......................................................................................................48Por Berge FurreReligião, educação e globalização: o caso norueguês..................................................................59Por Berge FurreForçar a tolerância encoraja a consciência?..................................................................................69Por Oddbjørn Leirvik [Tradução de Kathlen Luana de Oliveira e Iuri Andréas Reblin]Imposing tolerance, fostering conscience?...................................................................................80By Oddbjørn LeirvikReconsiderando os caminhos da Reconciliação: Recapitulando a “queda do muro” comteólogos da antiga Al<strong>em</strong>anha Oriental.........................................................................................90Por Kjetil Hafstad[Tradução de Marcelo Schneider]Reconsidering the Roads to Reconciliation: Looking Back at ‘die Wende’ with TheologiansFrom the Former DDR.................................................................................................................104By Kjetil HafstadViag<strong>em</strong> pelos conceitos: transe <strong>em</strong> Paris?..................................................................................117Por Adriane Luísa RodolfoAdivinhação, feitiçaria, magia e possessão no AT: suspeitas a partir da teologia f<strong>em</strong>inista .126Por Elaine G. NeuenfeldtDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 3


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Resumos das Comunicações......................................................................................................142Reduções pós-modernas: análise de uma sociedade exclusivista, inculturada <strong>em</strong>anipulada no Rio Grande do Sul (um estudo de caso)Apresentada por Adriana WeegeO imaginário religioso e as concepções de doença e cura - Alessandro BartzA prática pastoral batista à luz da pedagogia libertadora de Paulo FreireApresentada por Eliseu Roque do Espírito SantoO novo rosto do ensino de teologia no Brasil: números, normas legais eespiritualidadeApresentada por Evaldo Luis PaulyIdentidades não tão secretas: a tensão entre identidades culturais num contextoglobalizadoApresentada por Iuri Andréas ReblinPara famintos e saciados: o "self-service" pós-moderno: pistas para a dignidadehumana na globalizaçãoApresentada por Kathlen Luana de OliveiraA “evangelização midiática” na Canção NovaApresentada por Nivia Ivette Núñez de la PazA Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil frente ao dil<strong>em</strong>a do progressoe desenvolvimento da AmazôniaApresentada por Rogério Sávio LinkComo citar esta revista................................................................................................................146Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 4


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408EditorialAs dificuldades que surgiram pela falta de recursos materiais para apreparação do S<strong>em</strong>inário Internacional: Religião numa Era de Globalização, realizadoentre 18 a 20 de abril na <strong>EST</strong>, estão sendo compensadas com a publicação de suaspalestras e de suas comunicações nesta edição de <strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong>. Para onosso Núcleo de Estudos e Pesquisa – NEPP/IEPG –, o referido S<strong>em</strong>inário foi ummarco importante. Contamos com a participação presencial e por meio devideoconferências de teólogos da Faculdade de Teologia da Universidade de Oslo, osquais haviam participado de um amplo projeto de pesquisa a respeito de t<strong>em</strong>asrelacionados ao binômio Religião e Globalização.A videoconferência de abertura de nosso S<strong>em</strong>inário Internacional foi feitapelo Secretário Geral da Missão Urbana, Dr. Sturla J. Stålsett. Corresponde aoexcelente título Um globo <strong>em</strong> busca de sua alma um ótimo conteúdo que apresenta oscritérios para que determinados fenômenos religiosos se apresent<strong>em</strong> comocandidatos à alma do globo. O artigo apresenta, de forma crítica, o fundamentalismo,o neoliberalismo, o pentecostalismo/neopentecostalismo e a Teologia daLibertação/Ecumenismo, como candidatos à alma do Globo. Embora manifeste umapreferência pessoal pelo último, faz prudentes ponderações sobre as limitações decada um. Contudo, não os expõ<strong>em</strong> s<strong>em</strong> tecer considerações éticas sobre aGlobalização.Na mesma perspectiva t<strong>em</strong>ática, mas sob a interface da Teologia com aPsicologia, Mary Rute Gomes Esperandio, t<strong>em</strong>atiza o nexo entre subjetividade,religiosidade cont<strong>em</strong>porânea e globalização, a partir dos conceitos “sacrifício” e“narcisismo”. Assim, ao retomar a sua tese de doutorado, defendida no IEPG/<strong>EST</strong><strong>em</strong> fevereiro de 2006, Mary Rute traz um assunto que merece uma atenção especial,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 5


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408qual seja, a substituição do sentimento de culpa pelo de vergonha no discurso daIgreja Universal do Reino de Deus. Junto a isto, afirma que o sujeito volta-se para si epara os seus próprios interesses.No texto IURD e as ondas carismáticas, o professor Berge Furre, historiador eteólogo, analisa as diversas fases do movimento pentecostal/carismático,considerando o fenômeno da glossolalia da rua Azuza Street, Los Angeles, <strong>em</strong> 1906, eo desdobramento desse na Igreja Universal do Reino de Deus, no último quarto doséculo XX. Em seu texto, o ex-deputado do Partido Socialista da Noruega e vicepresidentedo Comitê Nobel, defende a tese de que está <strong>em</strong> marcha uma profundamudança no mundo cristão.A sua presença no S<strong>em</strong>inário Internacional lhe possibilitou a apresentação d<strong>em</strong>ais um t<strong>em</strong>a na sessão que abordou o Ensino Religioso no Sist<strong>em</strong>a Escolarbrasileiro e norueguês. Lamentamos não poder compartilhar outras contribuições dodebate, que teve a presença de professoras/es de escolas públicas. O texto doprofessor Berge fala da presença do Ensino Religioso na rede de ensino de seu país.Destaca as mudanças que vêm ocorrendo nos últimos 50 anos, quando o seu paíscomeça a responder aos desafios da presença de estrangeiros, especialmente d<strong>em</strong>uçulmanos. Por mais de 400 anos, o Ensino Religioso na rede de ensino da Noruegafoi confessional, luterano. No século XVI, a Reforma Luterana se impõe pela via daforça, substituindo o papa pelo rei luterano. Logo, ensino religioso <strong>em</strong> espaço escolarpúblico era sinônimo de catequese luterana. Berge Furre levanta questõesimportantes sobre as discussões a respeito desse assunto na Noruega. No debate,d<strong>em</strong>onstrou interesse <strong>em</strong> conhecer o sist<strong>em</strong>a brasileiro, com o objetivo de encontraralguma resposta para a discussão recente <strong>em</strong> seu país. Parece-me que saiu do debatecom mais probl<strong>em</strong>atizações. O Ensino Religioso no sist<strong>em</strong>a escolar público continuaum assunto muito complexo, aqui e <strong>em</strong> países da Europa. A secularização, tãocantada e decantada, está num debate muito aberto, b<strong>em</strong> como a presença no EnsinoReligioso no sist<strong>em</strong>a educacional público.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 6


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Mas o Ensino Religioso na escola pública não é um assunto complexo apenas<strong>em</strong> países ocidentais. O professor Oddbjørn Leirvik da Universidade de Oslo, atravésde videoconferência, o probl<strong>em</strong>atiza com o t<strong>em</strong>a Forçar a Tolerância. Em seu texto, ot<strong>em</strong>a Tolerância v<strong>em</strong> acompanhado de outros assuntos correlatos, Consciência eSolidariedade. A discussão <strong>em</strong> torno desses conceitos parece se globalizar, já que aocidentalização do mundo os fez migrar para outros espaços. O professor de teologiaLeirvik deixa o mundo dos conceitos e os busca <strong>em</strong> um campo prático, ao analisarcurrículos escolares do Egito, da Arábia Saudita, entre outros. Também revela apressão dos Estados Unidos para que o ensino do Islã seja avaliado nos paísesreferidos <strong>em</strong> seu texto.Do mesmo projeto de pesquisa sobre Religião e Globalização daUniversidade de Oslo nos vêm uma outra contribuição teológica que pontua os“caminhos da reconciliação”. Trata-se de uma pesquisa <strong>em</strong>pírica feita pelo professorKjetil Hafstad com teólogos da antiga Al<strong>em</strong>anha Oriental. Como a maioria daspesquisas <strong>em</strong>píricas, também esta trouxe uma grande surpresa. Teólogos queviveram sob um regime de delação e espionag<strong>em</strong> da vida privada não sentiramnecessidade de um acerto de contas com o passado. Se nada há do que se arrepender,por que buscar a reconciliação? As perguntas pelo futuro foram mais importantes doque o revolver de um passado. Com isso, o conceito chave “reconciliação”, b<strong>em</strong>justificado teologicamente pelo professor Kjetil, perde o sentido de referência. Mas sósabe da resposta qu<strong>em</strong> se submete a ouvir a realidade. Do contrário, os conceitossobreviv<strong>em</strong> no mundo das autoreferências.A “universalidade” de certos conceitos no campo das religiões d<strong>em</strong>onstraque o fenômeno da globalização não é tão recente assim. Uma tradição religiosa seuniversaliza quando <strong>em</strong> seu interior há referências de sentido de vida que sãocapazes de responder a perguntas de contextos distintos de onde nasceram, o quepode ser denominado de desterritorialização. Entre estes conceitos pod<strong>em</strong>os destacaro êxtase, o transe e a possessão. Na palestra que se transformou <strong>em</strong> texto, aDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 7


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408professora Adriane Luísa Rodolpho pergunta pela “viag<strong>em</strong> da alma oudeslocamento espiritual através de diversos planos de existência” entre os eckistas deParis e de outros 100 países. A viag<strong>em</strong> da alma ocorre durante sonhos econt<strong>em</strong>plações, revelando no plano objetivo uma ética individualista <strong>em</strong> decorrênciada significação das práticas como “fruto do trabalho da socialização das <strong>em</strong>oções”.A professora Elaine Neuenfeldt participou do debate sobre êxtase e transecom uma instigante análise do lugar das mulheres no espaço religioso do AntigoTestamento. Às margens da religião instituída sob o comando masculino, asmulheres se encarregavam dos espaços onde a vida se torna frágil e forte ao mesmot<strong>em</strong>po. O cuidado dos mortos e tudo o que envolve o parto ficavam sobresponsabilidade das mulheres. Na periferia do sist<strong>em</strong>a religioso oficial, mas nocentro onde a vida pulsa, a magia, a adivinhação e a feitiçaria tinham lugar. Opróprio rei vai consultar uma feiticeira (1 Samuel 28), mesmo que tenha mandadopassar um pente fino <strong>em</strong> todas essas práticas <strong>em</strong> seu reino. Pede à feiticeira que façasubir o espírito de um morto, a fim de obter uma resposta, já que os outros meiosreconhecidos fracassaram. Probl<strong>em</strong>atizando as práticas religiosas do AntigoTestamento, a professora Elaine traz para o palco da discussão os meios poucosortodoxos usados por Deus para salvar e libertar seus filhos e filhas quando a vidapessoal e política estão sob ameaças.Nosso S<strong>em</strong>inário Internacional teve um espaço para atividades culturais,b<strong>em</strong> como para as comunicações, das quais também t<strong>em</strong>os o prazer de publicar osresumos neste primeiro número de <strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> do ano de 2006.São Leopoldo, Julho de 2006.Prof. Dr. Oneide BobsinDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 8


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Um Globo <strong>em</strong> busca da sua alma: um ensaio sobre a religiãonuma era de globalização * Por Sturla J. Stålsett **IntroduçãoCaricaturas religiosasPermita-me começar com algumas reflexões sobre a conjuntura atual. Aquina Noruega, t<strong>em</strong>os experimentado recent<strong>em</strong>ente uma situação de forte atualização ereorientação do nosso t<strong>em</strong>a: o papel da religião numa era globalizada. Refiro-me àcrise política e diplomática e a forte polêmica pública e inter-religiosa que suscitarama publicação das caricaturas do profeta Maomé. Como é b<strong>em</strong> sabido, as caricaturasforam publicadas primeiro na Dinamarca <strong>em</strong> outubro do ano passado.Posteriormente, <strong>em</strong> janeiro deste ano, foram publicadas também na pequena revistanorueguesa Magazinet, correspondendo a interesses de igrejas e gruposneopentecostais dessa região. Essas caricaturas causaram uma fúria popular de umaforça imprevista, primeiro, entre os muçulmanos na Dinamarca e, posteriormente, noOriente Médio – depois de alguns meses e como resultado de uma campanha ativade alguns clérigos muçulmanos que viajaram à região para mostrar as caricaturas.Em poucos dias, no mês de fevereiro deste ano, os protestos populares haviamchegado a todos os rincões do mundo islâmico. Onze pessoas perderam suas vidas* Palestra realizada por videoconferência na abertura do S<strong>em</strong>inário Internacional: Religião numa Erade Globalização, na Escola Superior de Teologia, <strong>em</strong> São Leopoldo, RS, Brasil, ocorrida entre osdias 18 a 20 de abril de 2006.** Doutor <strong>em</strong> Teologia pela Universidade de Oslo, Noruega, Secretário Geral da Missão Urbana daIgreja Evangélica Luterana da Noruega.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 9


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408por causa dos protestos. Embaixadas, consulados e <strong>em</strong>presas da Noruega eDinamarca foram violentamente atacados.Todo esse conflito das caricaturas t<strong>em</strong> resultado na revitalização da (infame)famosa teoria do professor norte-americano Samuel P. Huntington sobre a “Clash ofCivilizations” ou Choque de Civilizações 1 . No meio deste debate está a relação entrea liberdade de expressão e o respeito aos sentimentos religiosos, <strong>em</strong> particular, aossentimentos religiosos dos “outros”.Particularmente, eu acredito que a publicação das caricaturas formaprovocações pouco sábias. A liberdade de expressão não deve ser interpretada comouma licença de ferir os sentimentos profundos dos outros, sejam sentimentosreligiosos ou de qualquer outro tipo. Qualquer liberdade implica também <strong>em</strong> umaresponsabilidade ética. Por outro lado, também houve manipulações políticas do“lado islamita” por parte de diferentes atores (os imames dinamarqueses, asautoridades sírias e egípcias, etc.) com diferentes interesses, que fizeram e faz<strong>em</strong> comque o assunto se torne ainda mais complexo. Com tudo, t<strong>em</strong>os visto uma expressãoinédita da força política da religião na nossa era globalizada. Por tudo isso, urge-nosurge perguntar profundamente: Qual será o papel legítimo da religião dentro dasociedade global? Que tipo de religiosidade o nosso mundo precisa?A propostaGostaria, pois, nesta palestra, propor uma metáfora para nossa reflexão edebate: a metáfora do globo que procura a sua alma 2 . A globalização, ainda que <strong>em</strong>processo, está doente. Até alguns de seus amigos mais íntimos estão preocupados1 HUNTINGTON, 1997.2 Uma versão preliminar desta palestra foi apresentada na UMESP, <strong>em</strong> 18 de maio de 2004, epublicada <strong>em</strong> norueguês <strong>em</strong> STÅLSETT, 2004. Agradeço a Daniel Sánchez Pereira e AndreaGunneng pela tradução do espanhol ao português e suas correções adicionais.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 10


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408com isso 3 . Ela não oferece os resultados esperados e anunciados. É preciso dar a elaum “rosto humano” 4 ; ou melhor, a globalização necessita de um sustento ético eespiritual. O globo está <strong>em</strong> busca de sua “alma”. Ele necessita de religião. Há, pois,uma d<strong>em</strong>anda para a qual se oferec<strong>em</strong> diferentes formas de religiosidade.Exist<strong>em</strong> pelo menos quatro candidatos à posição de “alma” do mundoglobalizado. O primeiro candidato é a espiritualidade implícita do neoliberalismo: omotor principal dos processos globalizantes. O segundo são as espiritualidadesfundamentalistas. O terceiro são as espiritualidades experienciais 5 e carismáticas; ouseja, os grupos (neo)pentecostais. O quarto são as espiritualidades ecumênico-liberaise liberacionistas, que propõ<strong>em</strong> o diálogo e a justiça social. Qual dessas religiosidadest<strong>em</strong> maior possibilidade de permanecer? Qu<strong>em</strong> será a mais apta para obter o papelde religiosidade ou espiritualidade globalizada?O candidato t<strong>em</strong> que responder aos seguintes critérios: Primeiro, ele t<strong>em</strong> queoferecer um ethos que possa servir como consciência crítica, ou seja, um ethos queofereça meios de se criticar e corrigir os desvios e os excessos destrutivos daglobalização atual. Essa crítica deve ser baseada <strong>em</strong> valores com capacidade deser<strong>em</strong> amplamente reconhecidos como universais e como imperativos. No papelconstrutivo, esse ethos t<strong>em</strong> que contribuir para a solução da tensão entre o local e oglobal, entre a particularidade e a universalidade, entre identidade étnica e culturalpor um lado e comunidade global por outro lado, entre o direito a ser diferente e odireito e a responsabilidade de ser tratado de igual valor. Esse é o papel profético.Segundo, o candidato t<strong>em</strong> que oferecer um pathos à comunidade global; ou seja, elet<strong>em</strong> que possuir a capacidade de criar <strong>em</strong>oções positivas. T<strong>em</strong> que gerar entusiasmo,alegria e celebração. T<strong>em</strong> que ser capaz de converter oponentes e ganhar seguidorescomprometidos. Esse é o papel carismático e missionário. Terceiro e último, o3 SOROS, 1998; STILGLITZ, 2002.4 Cf. HUMAN DEVELOPMENT REPORT, 1999: Globalization with a Human Face, UNDP.5 COX, 1994, p. 300ss. Cf. STÅLSETT (Ed.). Spirits of globalization. London: SCM Press, 2006.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 11


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408candidato t<strong>em</strong> que oferecer um cultus, ou seja, uma maneira de se relacionar com oabsoluto, com o mistério, com o sagrado. Esse é o papel sacerdotal.Em grande medida – para prosseguir com a metáfora do globo que procura asua alma – a escolha para a vaga mostra como se valoriza o probl<strong>em</strong>a de fundo naglobalização e a qual a globalização alternativa – se há alguma – aspira. Antes deavaliar os quatro candidatos segundo esses três critérios, gostaria de sustentar eaprofundar o argumento sobre a necessidade e a oportunidade da religião na era daglobalização.Necessidade de religião?A globalização está doenteÉ verdade que a globalização está doente? Pod<strong>em</strong>os tomar como ponto dereferência o importante relatório da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social daGlobalização. Essa comissão foi instituída pela Organização Internacional doTrabalho (OIT) <strong>em</strong> fevereiro de 2002 e foi dirigida pelos presidentes da Finlândia, Srª.Tarja Halonen, e da Tanzânia, Sr. Benjamin Mkapa. O relatório final dessa ComissãoMundial, que t<strong>em</strong> por título Por uma Globalização justa – Criar oportunidades para todos,foi lançado <strong>em</strong> Genebra <strong>em</strong> 24 de fevereiro de 2004.Desde o começo, o relatório diz claramente que “a trajetória atual daglobalização deve mudar” porque “são muitos poucos os que compartilham osbenefícios que dela se derivam, e são muito numerosos os que carec<strong>em</strong> de voz paracontribuir no planejamento da mesma e influenciar sob o seu curso” (§ 1).Aqui é interessante observar que se prefere falar dos “benefícios” daglobalização, na qual o probl<strong>em</strong>a é a falta de acesso a esses benefícios. Os danosdiretos desses processos não são mencionados. Ainda que dessa maneira se podeDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 12


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408detectar uma vontade de “harmonizar” um pouco a realidade. Nesse relatório nãofaltam palavras fortes a respeito do fracasso da globalização atual. Fala-se que aglobalização levou a “um aumento da exclusão e das privações” (§ 9). Através daglobalização “está se gerando enormes riquezas, as persist<strong>em</strong> os probl<strong>em</strong>asfundamentais, que são a pobreza, a exclusão e a desigualdade”. Além do mais,sublinha o relatório: “a corrupção estendeu-se” e “o terrorismo mundial ameaça associedades abertas” (§ 11).Como causa principal dessa situação, o relatório da Comissão Mundial sobrea Dimensão Social da Globalização assinala o seguinte: Há “um desequilíbrio entre aeconomia e a sociedade” que “está subvertendo a justiça social” (§ 13). Entre osmuitos ex<strong>em</strong>plos que mostram essa situação, destaca-se o fato de que “as normas quereg<strong>em</strong> o comércio mundial favorec<strong>em</strong> com freqüência os ricos e os poderosos epod<strong>em</strong> prejudicar os pobres e os fracos, que se trat<strong>em</strong> de países, <strong>em</strong>presas oucomunidades” (§ 13).Segundo a Comissão, o resultado disso é: “Os benefícios da globalização(sic!) distribuíram-se de forma desigual, tanto dentro dos países como entre eles.Existe uma polarização crescente entre ganhadores e perdedores. A fenda entrepaíses ricos e pobres aprofundou-se. Na África sub-saariana e na América Latina, nofinal de 1990, o número de pessoas que viviam na pobreza era maio que no começodessa mesma década” (§ 13).A globalização não vai b<strong>em</strong> atualmente. Não obstante, a Comissão sugereque é necessário e possível mudar essa situação, ou seja, “superar os probl<strong>em</strong>as maisurgentes, que são a pobreza, as enfermidades e a falta de educação” (§ 22). Aqui sefaz uma interessante referência a famosa citação de Mahatma Gandhi: « Na terra, hárecursos suficientes para satisfazer as necessidades de todos, mas não pode haverrecursos suficientes para satisfazer a avareza de todos» (§ 22).Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 13


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Necessidade de ética e espiritualidadeEsses “desequilíbrios persistentes e tão profundamente arraigados” naeconomia global, segundo sugere a comissão, “são inaceitáveis a partir de um pontode vista ético e são também indefensáveis a partir de um ponto de vista político” (§12). Portanto, o relatório aponta para a necessidade de “um marco ético mais sólido”(§ 37ss). Diz-se que “a governabilidade da globalização deve se basear <strong>em</strong> valoresuniversalmente compartilhados e no respeito aos direitos humanos”. E a formulaçãoque segue é muito reveladora no tocante à profundidade da crise ética relacionadacom a globalização atual. Na conclusão da comissão, “a globalização se desenvolveunum vazio ético, onde a questão do êxito ou do fracasso dos mercados tende a seconverter na norma última de comportamento e onde a atitude baseada no l<strong>em</strong>a «oganhador leva tudo» debilita a estrutura das comunidades e sociedades” (§ 37). Portanto, segue o relatório, “na atualidade existe um desejo profundamente arraigado nasociedade de reafirmar os valores éticos fundamentais da vida pública, comod<strong>em</strong>onstra, por ex<strong>em</strong>plo, a reivindicação de uma «globalização mais ética».” (§ 38).As religiões são especialmente chamadas para contribuír<strong>em</strong> nesse grandedesafio? Fala-se de espiritualidade? Nesse relatório não – ou seja, não diretamente.No entanto, o relatório inclui os grupos religiosos como atores, os quais“des<strong>em</strong>penha[m] um papel crucial na hora de configurar a evolução da globalização”(§ 53). E ao analisar a seriedade dos probl<strong>em</strong>as atuais, o relatório apela para umaatitude individual ou coletiva que, a meu modo de ver, combina um profundosentido do ser (relacionado com a pergunta pela orig<strong>em</strong>, o destino, a relação com oabsoluto, e a possibilidade de preservar ou salvar a vida ameaçada pela morte) comuma prática comprometida com certos valores e com a comunidade. Tal atitude seDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 14


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408aproxima dos aspectos centrais do que se pode entender como espiritualidade oureligiosidade 6 .Oportunidades para a religião?A religião: causa ou solução da crise no mundo globalizado?Agora é pertinente perguntar se a religião t<strong>em</strong> ou as religiões têm alegitimidade e a capacidade de contribuir positivamente nessa situação. Não são,antes b<strong>em</strong>, parte do probl<strong>em</strong>a do que a solução? Para começar, não estamos diantede um ressurgimento do fanatismo religioso, da volta à guerra santa e de umaumento do terrorismo religioso?Uma análise do mundo como a de Samuel P. Huntington e seu “choque dascivilizações” afirmaria tal objeção. As religiões, que são as bases constituintes de seteou oito civilizações no globo são principalmente causas de conflitos. Religião é,segundo Huntington, “[...] possivelmente a mais profunda diferença que possaexistir entre os povos” 7 . A fé <strong>em</strong> deuses diferentes aumenta tanto a freqüência comoa intensidade das guerras nas linhas fronteiriças entre as civilizações. As diferençasreligiosas também faz<strong>em</strong> com que as guerras sejam ainda mais violentas, segundoHuntington 8 . Em meio à luta, a identidade religiosa se torna a mais decisiva. E nadamelhor para a moral na luta que estar convencido de que “nós” lutamos contra os“ateus” 9 . Muitos vê<strong>em</strong> a guerra anti/terrorista dentro desse esqu<strong>em</strong>a6 Esta definição aberta não abrange tudo o que é espiritualidade ou religiosidade. Tal atitudetambém não é necessariamente religiosa ou espiritual, mas, certamente, espiritualidade e/oureligiosidade caberia dentro do que aqui se busca.7 “[...] possibly the most profound difference that can exist between people”, HUNTINGTON, 1997,p. 254.8 “The frequency, intensity, and violence of fault line wars are greatly enhanced by belief in differentgods”, HUNTINGTON, 1997, p. 254.9 “In the course of war, multiple identities fade and the identity most meaningful in relation to theconflict comes to dominate. That identity almost always is defined by religion. Psychologically,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 15


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408huntingtoniano. É um “choque de fundamentalismos”, se nos expressamos comoTariq Ali 10 . Segundo essa interpretação, o papel da religião seria profundamentenegativo na época da globalização.Perante essa objeção huntingtoniana, pode-se dizer que, se as religiões sãopartes do probl<strong>em</strong>a na era da globalização, elas também dev<strong>em</strong> fazer parte dasolução. Este é o argumento do teólogo católico al<strong>em</strong>ão Hans Küng: “S<strong>em</strong> paz entreas religiões não haverá paz no mundo”, afirma Küng. S<strong>em</strong> querer esconder opotencial conflitivo das religiões, também sabe que as religiões não são somentediferentes entre si, como acredita Huntington, mas também possu<strong>em</strong> muitas práticas,visões e ideais <strong>em</strong> comum. Entre essas visões comuns está o desejo de paz. Por isso,as religiões pod<strong>em</strong> e dev<strong>em</strong> contribuir de maneira construtiva, segundo Küng. Elaspossu<strong>em</strong> muitos recursos para a paz e para uma comunidade global melhor.Enquanto Huntington possui um conceito muito estático das religiões ereligiosidades (no fundo, parece que todas são fundamentalistas) Küng sabe que asreligiões são muito diversas – cada religião inclui muitas diferenças internas – edinâmicas. Elas estão <strong>em</strong> constante transformação, ainda que a maioria das religiõesprefira esconder essas transformações 11 .Muito interessante e um pouco inesperado é observar que MarkJuergensmaier também vê um papel positivo para a religião no mundo globalizado.Em seu livro Terror in the Mind of God, “Terror na Mente de Deus”, Juergensmaieranalisa o aumento do terrorismo religioso <strong>em</strong> todas as grandes religiões <strong>em</strong> época deglobalização. Ele conclui sua análise s<strong>em</strong> advogar por uma abolição da religião dapolítica 12 . Muito pelo contrário, ele acredita que é possível “curar” a política por meioda religião. Vale a pena sublinhar que Juergensmaier não é nenhum ingênuo nessareligion provides the most reassuring and supportive justification for struggle against the ‘godless’forces which are seen as threatening.” HUNTINGTON, 1997, p. 267.10 ALI, 2002.11 Cf. BARRERA RIVERA, 2001.12 JUERGENSMEYER, 2001 (2000).Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 16


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408matéria. A violência religiosa é analisada com profundidade e s<strong>em</strong> escusas.Juergensmaier não quer, por ex<strong>em</strong>plo, dizer que se trata somente de expressões defundamentalismo 13 . Não obstante, Juergnsmaier sugere que a religião podedes<strong>em</strong>penhar um papel político construtivo. Ela pode prover visões de comunidade,uma plataforma comum, um terreno neutro. Paradoxalmente, até as própriasminorias extr<strong>em</strong>istas, que utilizam a violência para propagar sua religião,manifestam que seu objetivo último é uma harmonia, uma visão de paz e b<strong>em</strong>-estar.Para poder aproveitar esse potencial, no entanto, é necessário combinar a perspectivareligiosa com valores liberais. Juergensmaier termina seu livro concluindo que serásomente através da combinação da perspectiva religiosa com valores liberais que,“de uma maneira curiosa, a cura para a violência religiosa poderá ser encontrada, <strong>em</strong>última instância, <strong>em</strong> uma apreciação renovada pela própria religião” 14 .É importante frisar que o potencial violento e conflitivo inegável das religiõesnão as desqualifica na busca por uma “alma” para o globo. Além do mais, se poderiaargumentar que estes conflitos violentos supostamente religiosos não são somenteculpa das diferenças religiosas, n<strong>em</strong> das diferenças culturais e políticas, mas tambémsão o resultado daquilo que o relatório sobre a dimensão social da globalizaçãoindica como seu mal maior: “a pobreza, a exclusão e a desigualdade,” ou seja, ainjustiça social. No fundo, encontra-se o probl<strong>em</strong>a criado ou agravado pelamodernidade globalizada, uma modernidade supostamente secularizada (ousecularizante). A questão não é que haja uma religiosidade d<strong>em</strong>asiada, mas uma faltade uma religiosidade ou de uma espiritualidade, ou melhor, uma falta do tipo decompromisso ético e pessoal que muitas vezes caracteriza uma atitude religiosa ouespiritual. Talvez, não é por acaso que a avareza (record<strong>em</strong> a função central da13 “These mov<strong>em</strong>ents are not simply aberrations but religious responses to social situations andexpressions of deeply held convictions”, JUERGENSMEYER, 2001 (2000), p. 222, cf., 6.14 “In a curious way, then, the cure for religious violence may ultimately lie in a renewedappreciatiion for religion itself” JUERGENSMEYER, 2001 (2000), p. 243.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 17


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408citação de Gandhi no relatório da Comissão) t<strong>em</strong> sido assinalada como o maior efeitodo pecado original, e como um pecado mortal, não somente no cristianismo?Alternativamente se pode insistir – como faz<strong>em</strong> os teólogos da libertaçãocomo Hugo Assmann, F. Hinkelammert e Jung Mo Sung 15 – que o probl<strong>em</strong>a não én<strong>em</strong> muita religião, n<strong>em</strong> falta de religiosidade, senão a existência de uma religiãofalsa. No fundo, esses teólogos argumentam que a crise da globalização atual revela aexistência de uma religião ou uma espiritualidade secular. A exclusão social, odes<strong>em</strong>prego e as milhões de mortes lentas por fome e desnutrição dev<strong>em</strong> serentendidas como sacrifícios humanos, o que revela a existência de um culto. Trata-sedo culto ao mercado, aos bens e às leis da competição, que, a partir de uma outraperspectiva religiosa, como a cristã, por ex<strong>em</strong>plo, é interpretado como um cultoidolátrico. Trata-se de uma religião “falsa” e disfarçada. Contra essa idolatria queconduz à morte de muitas pessoas, deve-se afirmar a fé no Deus da vida, <strong>em</strong> cujonome não se pode matar o outro, n<strong>em</strong> sequer o inimigo mortal. A cura para aenfermidade do planeta, pois, é outra religiosidade – uma religiosidade libertadora etolerante.As religiões serão escutadas?Suponhamos, no entanto, que haja uma necessidade de religião ouespiritualidade no mundo globalizado e que diferentes propostas de religiosidadeainda têm algo para oferecer com suficiente credibilidade e legitimidade. Permanecea pergunta: a religião t<strong>em</strong> – ainda entendida num sentido geral – uma palavra queserá escutada num mundo globalizado? Ou seja, terá a religião influência pública real?15 Por ex<strong>em</strong>plo, ASSMANN and HINKELAMMERT, 1989; HINKELAMMERT, 1985; MO SUNG,1992.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 18


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Esta é a pergunta principal no livro publicado já há 12 anos, mas quecontinua a ser um dos melhores textos sobre o nosso t<strong>em</strong>a 16 . Estou me referindo aolivro Religion and globalization do sociólogo da religião Peter Beyer, do Canadá. Beyersegue a linha de Niklas Luhman, defendendo a religião, principalmente, como um“certo modo de comunicação” 17 . A tese defendida por Beyer é que ainda que aglobalização estruturalmente favoreça a privatização da religião, ou seja, a religiãoconfinada à esfera individual e privatizada, o mundo globalizado também se mostracomo um campo fértil para uma renovada influência política da religião. As religiõespod<strong>em</strong> ter influência política no sentido de que pod<strong>em</strong> chegar a ser fontes deobrigação e atuação coletiva, segundo Beyer 18 . Mas, como? Principalmente –resumindo o argumento sofisticado de Beyer – ao se oferecer como recurso culturalpara outros ‘subsist<strong>em</strong>as’ na sociedade 19 . Ou seja, a influência política da religião nãoestará <strong>em</strong> propor soluções a probl<strong>em</strong>as puramente ‘religiosos’ (religious function oufunção religiosa), senão <strong>em</strong> contribuir rumo à solução de probl<strong>em</strong>as sociais, políticos,culturais, ecológicos etc. (religious performance ou atuação religiosa). O mesmo tipo deprobl<strong>em</strong>as assinalados pelo relatório da Comissão sobre a Dimensão Social daGlobalização, como, por ex<strong>em</strong>plo, “a pobreza, a exclusão e a desigualdade”.16 “What is the role of religion(s) in an age of globalisation? Does religion(s) have any publicinfluence, or is its relevance confined to the private, individual sphere? These are the key questionsthat Beyer sets out to clarify and respond to: What are the abstract possibilities in today’s world forreligion (---) to be a determinative force in social structures as processes beyond the restrictedsphere of voluntary and individual belief and practice? Even more specifically, what are thepossibilities for institutionally specialized or syst<strong>em</strong>ic religion in this regard?”, BEYER, 1994, p. 12.17 BEYER, 1994, p. 5. Em termos mais precisos: “In sum then, religion is a type of communicationbased on the immanent/transcendent polarity, which functions to lend meaning to the rootindeterminability of all meaningful human communication, and which offers ways of overcomingor at least managing this indeterminability and its consequences,” BEYER, 1994, p. 6.18 BEYER, 1994, p. 71.19 BEYER, 1994, p. 225.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 19


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Beyer distingue religião conservadora de religião liberal 20 . Trabalhando coma nomenclatura luhmanniana – entre “função religiosa” (religious function) e “atuaçãoreligiosa” (religious performance). A “função religiosa” se trata de “religião pura”, ouseja, atividade que é percebida como sendo unicamente religiosa: orações, cultos,ritos, etc. A atuação religiosa, “religious performance”, é a religião aplicada pararesolver probl<strong>em</strong>as que surg<strong>em</strong>, principalmente, <strong>em</strong> outras esferas, que não areligiosa 21 . A religião conservadora tende a concentrar-se na função religiosa,enquanto que formas liberais de religiosidade têm a ‘atuação’ como seu lado forte 22 .Beyer considera que a possibilidade da religião exercer uma influência pública na erada globalização dependende da atuação religiosa – nesse sentido específico. A funçãopuramente religiosa continuará sendo importante, mas se restringirá, com algumasexceções, a uma esfera privatizada e particularizada 23 .Renato Ortiz, por sua vez, também opina que a globalização oferece novasoportunidades nas quais a religião poderia exercer influência 24 . Para ele, um fatorimportante seria a capacidade da religião de representar e promover “o universal”. Amodernidade está baseada na idéia de valores universais. O Estado-Nação foianteriormente o lugar ideal para a realização da universalidade da modernidade 25 .Com a globalização, o peso e o poder político do Estado-Nação se vê severamentereduzido. As religiões, no entanto, por sua própria natureza, transcend<strong>em</strong> os poderesdo Estado-Nação, sugere Ortiz. Para ele, o caráter universalista da religião “lhe dáoutras possibilidades de ação; possibilidades <strong>em</strong> grande parte denegadas ao Estado-Nação”. Nisso as religiões e as companhias transnacionais têm algo <strong>em</strong> comum,20 A diferença se trata, principalmente, da crença na realidade e a atuação do diabo como forçahistórica e pessoal, BEYER, 1994, p. 84-87, e na capacidade de transformação - (cf. o “aprender aaprender” do teólogo da libertação J. L. Segundo), BEYER, 1994, p. 54 e 145. “So too in the sphereof religion, the rise of liberal, ecumenical, and now contextual theologies points to expectationstructures that stress learning over unchanging norms”. BEYER, 1994, p. 55.21 BEYER 1994, 80.22 BEYER 1994, 86.23 BEYER 1994.24 ORTIZ, 2001.25 ORTIZ, 2001, 65.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 20


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408segundo Ortiz, “por se definir<strong>em</strong> como ‘além das fronteiras’. Elas dispõ<strong>em</strong> depotencialidades que lhes são favoráveis para agir <strong>em</strong> escala globalizada” 26 .Aqui cabe a pergunta: Se a religião t<strong>em</strong> este potencial de ser uma poderosaforça de influência pública, até no âmbito político, isso quer dizer que estamosvivendo t<strong>em</strong>pos pós-secularizados, ou de-secularizados? Será esta época “a revanchede Deus”? 27 O que implicaria que a teoria ou as teorias da secularização estavamequivocadas? Estamos vivendo o retorno do sagrado, ou um re-encantamento dacultura e da política? Tanto Ortiz como Beyer assinalam que não. O assunto é muitomais complexo. Com poucas exceções, argumentos religiosos atualmente não pod<strong>em</strong>legitimar diretamente decisões políticas ou até científicas como aconteceu na prémodernidade.Nesse sentido, a secularização continua. O mundo globalizado busca asua alma, mas não será a mesma alma como na Idade Medieval. Por outro lado, acrença (quase religiosa) na teoria da secularização no sentido de que a religião naIdade Moderna gradualmente desapareceria da vida pública e política, tampoucoparece ter sustento na realidade.Qual religiosidade ou espiritualidade irá prosperar?Quatro candidatos, três critériosQue tipo de religiosidade terá melhores possibilidades de prosperar na épocada globalização? Proponho que há (pelo menos) quatro candidatos discerníveis ereais, ou seja, quatro tipos de religiosidade/espiritualidade que se oferec<strong>em</strong> para avaga como alma do globo, como religião principal <strong>em</strong> um mundo globalizado:neoliberalismo, fundamentalismo, pentecostalismo e ecumenismo liberal/liberacionista. Também sugiro três critérios para fazer a avaliação: o candidato26 ORTIZ, 2001.27 KEPEL, 1994 (1991).Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 21


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408preferido será aquele que pode oferecer um ethos, um pathos e um cultus que mostr<strong>em</strong>melhores capacidades para resolver a tensão entre universalidade e particularidade(<strong>em</strong> suas diferentes expressões), para diminuir o nível de conflito na sociedade globale servir de inspiração e guia para re-orientar o processo de globalização rumo a umasociedade mais justa e inclusiva.1) A “religiosidade” neoliberalO neoliberalismo t<strong>em</strong> a vantag<strong>em</strong> de que já está no posto. Pode-seargumentar que ele foi “a alma da globalização” durante as últimas décadas. Nãocreio que a frase forte do relatório sobre a dimensão da globalização seja exata. Diz orelatório: “A globalização se desenvolveu num vazio ético, onde a questão do êxitoou do fracasso dos mercados tende a se converter na norma última decomportamento e onde a atitude baseada no l<strong>em</strong>a «o ganhador leva tudo» debilita aestrutura das comunidades e da sociedade”. A observação é correta, mas não se tratade um vazio ético. Na realidade, essa é precisamente a ética da ideologia neoliberal. Éuma ética de procedimento, de negócio, uma ética individualista, legalista e elitista:O ganhador leva tudo – com razão, porque cumpriu as leis da competição. É um éticautilitária, neodarwiniana 28 , puramente formal, focalizando a questão dos meios maisque dos fins 29 .Pode a “religiosidade” ou a ética neoliberal contribuir para resolver a tensãoentre o universal e o particular? Sua proposta apresenta potenciais nessa direção. Acomercialização e o valor supr<strong>em</strong>o do mercado se tomam como princípios universaise universalizantes. Tudo pode, <strong>em</strong> princípio, ter validade para todos através domecanismo do mercado. Basta que se subsumeta às forças mercantis. Claro que aconfiguração atual do capitalismo global levou a uma certa ocidentalização da28 RIVERO, 2001.29 GUTIÉRREZ, 1998.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 22


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408cultura global – a “coca-colonização do McMundo” – mas um sist<strong>em</strong>a neoliberal nãot<strong>em</strong> que necessariamente funcionar assim. A capacidade e a criatividade das forçasdo mercado de comercializar qualquer produto, idéia ou identidade (se essa se deixavender com ganância) é quase infinita. Há uma imensa capacidade de diversificação.Exist<strong>em</strong> niches para tudo e para todos. Isso é o que mostra as estratégias d<strong>em</strong>arketing recentes das grandes transnacionais, analisadas muito b<strong>em</strong> tanto porNaomi Klein, <strong>em</strong> No Logo 30 , “Não Marca”, quanto por Hardt y Negri <strong>em</strong> Império 31 .Não há motivo pelo qual a Nike não pudesse, <strong>em</strong> princípio, produzir turbantes para omercado árabe. Imagino que eles gostariam disso. Haveria um potencial incrível delucro. E, qu<strong>em</strong> sabe, se a Gucci nestes dias se preparasse para produzir burcas para omercado afegão?Entr<strong>em</strong>entes, o neoliberalismo não propõe somente uma ética. Ele oferecetambém um pathos. Aqui ele t<strong>em</strong> um dos seus lados mais fortes. Sua capacidade depromover o seu ponto de vista, sua visão ideal, é muito grande. Sua indústria deentretenimento e suas agências de notícias criaram hoje expectativas de vida epadrões de consumo quase universais. Nike, Microsoft, CNN, Pepsi, David Beckham eBritney Spears têm milhões de seguidores, ou seja, consumidores e admiradores <strong>em</strong>todos os rincões do mundo e haverão de ter mais.Ligado a esse pathos do neoliberalismo atual está o seu culto. No interior deseu funcionamento, se dá uma sacralização – não dos produtos vendidos, mas simdas idéias, das visões de vida que se correlacionam com a sua marca. A marca, a“logo”, obtém valor religioso. A relação entre, por ex<strong>em</strong>plo, o tomar a vodka suecaAbsoluto e o viver uma vida longa e feliz como parece prometer o comercial, não énada racional ou óbvio, mas o contrário disso, diriam os médicos. Esta relação sópode ser estabelecida por meio da magia, do mito, do mistério. A totalização domercado que se dá na religiosidade neoliberal pode ser vista, então, como uma30 KLEIN, 2001.31 HARDT and NEGRE, 2000.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 23


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408messianização ou deificação de seus mecanismos supostamente autoreguladores. Alei da competição, eficiência e lucro são leis “divinas”. O mercado funciona porquefunciona. E se o mercado não funciona, é porque não há suficiente mercado. Assimseria a doutrina religiosa do neoliberalismo 32 .Então, esse candidato pode des<strong>em</strong>penhar também um papel de sacerdote. Oúnico probl<strong>em</strong>a é que com isso ele não soluciona o que focalizamos como o probl<strong>em</strong>afundamental da globalização, ou seja, sua exclusão social crescente. Longe de freá-lo,a religiosidade neoliberal potencializa o processo de exclusão, dando-lhelegitimidade religiosa. Ela mantém implicitamente que os excluídos são, de fato, osbodes expiatórios 33 . O “custo social” do ajuste econômico é necessário e, portanto,benéfico; mais ainda, seria o custo social que levaria a humanidade à salvação 34 . Noentanto, é justamente essa lógica que de fato subverte a globalização e agora ameaçatodo o planeta, segundo o relatório da Comissão Mundial da Dimensão Social daGlobalização. Por isso a globalização necessita mudar. É por isso que o globo agoraprecisa de uma alma nova.2) Religiosidades fundamentalistasOs fundamentalismos parec<strong>em</strong> ter uma boa conjuntura <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos deglobalização. Muitos – tanto seus adeptos quanto seus oponentes – os vêm comocandidatos óbvios à função de principal religião do mundo globalizado 35 . O ethos dasreligiosidades fundamentalistas t<strong>em</strong> o seu lado forte <strong>em</strong> seu absolutismo, <strong>em</strong> suasimplicidade e <strong>em</strong> sua certeza. Não há aqui espaço para dúvidas. Nesse sentido, eletambém sugere como solucionar a tensão entre o particular e o universal –simplesmente universalizando o particular (com o uso do poder, se for necessário).32 Veja, por ex<strong>em</strong>plo, ASSMANN and HINKELAMMERT, 1989 e MO SUNG, 1989.33 ASSMANN, 1991.34 SANTA ANA, 1986.35 HUNTINGTON, 1997.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 24


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Sendo assim, é uma visão exclusiva e excludente: só cabe aqui visão de verdadedeles. No entanto, com algumas variações, há, a princípio, a possibilidade de umaconversão de todos. No fundo, assim é que sua proposta universal se apresenta,apesar de sua particularidade radical.Aparent<strong>em</strong>ente, os fundamentalismos respond<strong>em</strong> muito b<strong>em</strong> à necessidadede reforçar sua identidade, sua diferença e sua idiossincrasia que muitas pessoas egrupos sent<strong>em</strong> sob a pressão da globalização. Não falta aqui o espírito crítico,profético. A rejeição do mal, da decadência é muito forte. O probl<strong>em</strong>a é, no entanto,que suas propostas são mutuamente excludentes, como mostra o choque defundamentalismos entre Bush e Bin Laden. Os profetas e seus deuses estão <strong>em</strong>combate mortal. O ethos dos fundamentalistas não parece ter uma saída para a crisedo mundo globalizado. Com eles, continuarão as guerras santas até o extermínio detodos.Seu pathos, igual ao pathos neoliberal, t<strong>em</strong> um potencial muito forte. Suaclareza, sua disciplina, seu absolutismo, sua vontade de matar-se a si mesmo e aosoutros por causa da verdade lhes dá um poder de convencimento aterrorizante. Sualógica é clara: Se Deus verdadeiramente está do nosso lado e a salvação é eterna paraos que segu<strong>em</strong> o caminho justo, não há porque ficar atrás. A luta não t<strong>em</strong> limites.Essa lógica é particularmente poderosa quando as alternativas se fecham. Desesperoe radicalismo fundamentalistas são irmãos muito próximos um do outro.O seu culto é culto ao único e onipotente Deus, este Deus que revelou a elessua verdade de maneira exclusiva, absoluta e suficiente. Essa verdade t<strong>em</strong> que serguardada a todo custo. Permite legitimar outra vez a lógica sacrificial operante nomundo globalizado. Só que agora é um sacrifício que se faz mais pela verdade doque pelo progresso econômico. O resultado é o mesmo: um cinismo cego frente aosofrimento do outro, do inimigo, do excluído. São considerados hereges e, portanto,merec<strong>em</strong> a morte. Na verdade, segundo essa perspectiva fundamentalista, foram osDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 25


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408próprios hereges que optaram pela morte. O culto fundamentalista se mostra, nofundo, um culto mais de morte do que de vida.3) Religiosidade pentecostalA espiritualidade experiencial-carismática também é, obviamente, uma fortecandidata ao posto de alma do globo. Há uma forte pentecostalização da religião, nãosomente no cristianismo, parece, sob a globalização. Não há sombra de dúvidas quehá alguma afinidade entre a atual configuração global e a proposta religiosapentecostal ou neopentecostal. Mas como exatamente se apresenta essa afinidade equão forte é?O ethos neopentecostal é muito parecido ao da religiosidade neoliberal. Ele ébasicamente individualista e mais preocupado com procedimentos formais do quecom conteúdos e metas ou visões de vida harmoniosa <strong>em</strong> comunidade. Sua visãocorresponde de muitas formas com a “pan-economização” geral do mundoglobalizado. É assim a tal ponto que a lógica econômica também se aplica à relaçãocom Deus. A fé é como uma inversão, uma relação de intercâmbio, um do ut des, doupara que você me dê, com Deus mesmo, um Deus que aparece como o grandeprovedor da realidade, o grande proprietário da terra.Por ser experencial e dirigido pelo que o Espírito Santo diz no momento, oethos do pentecostalismo é muito flexível, funcionando, portanto, b<strong>em</strong> para aintegração. Nesse sentido, ligado à ideologia político-econômica neoliberal, ele é umaproposta universal. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, ele mantém seu forte acento particularista,que compartilha com os fundamentalistas. Há um só Deus, um só Espírito Santo eesse é o Espírito presente e ativo nos cultos deles. Este (Espírito) obviamente lhe dá umforte pathos. A potencialidade de inspiração, de convencimento e de conversão éainda maior para os pentecostais (de todas as religiões) que para osfundamentalistas. Simplesmente, talvez, porque são mais alegres, mais levados pelaboa experiência que pelo medo da má experiência de erro e castigo. Sua vantag<strong>em</strong> é,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 26


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408sobretudo, sua combinação de flexibilidade e autoconfiança acertada. Sua proposta éfácil de se reconhecer e dá promessas de soluções individuais – e, ao mesmo t<strong>em</strong>po,medida por uma comunidade calorosa. Isto é igualmente importante: os pentecostaispromet<strong>em</strong> soluções prontas, imediatas. Eles respond<strong>em</strong>, portanto, muito b<strong>em</strong> àd<strong>em</strong>anda no t<strong>em</strong>po acelerado de globalização, onde o instante abarga e elimina todoo passado b<strong>em</strong> como o futuro 36 . O pentecostalismo é uma religião do presente, doinstante, como sublinha Paulo Barrera 37 . Essa idéia vai ao encontro de uma ideologiacrescente na era do on-line, on time-delivery, onde a vida s<strong>em</strong>pre é “ao vivo”. A isso seacrescenta o fato de que os pentecostais, e igualmente os neoliberais, também sãoespecialistas <strong>em</strong> marketing 38 , v<strong>em</strong>os que esse candidato t<strong>em</strong> seu lado forteparticularmente no pathos e no fato de apresentar continuidade compl<strong>em</strong>entar comseu sucessor, a espiritualidade neoliberal.4) Ecumenismo/teologias de libertaçãoPor último, t<strong>em</strong>os o candidato da religiosidade ecumênica, liberacionista, ouseja, uma visão religiosa comprometida com as diferentes lutas por justiça, aberta aodiálogo com outras religiões, credos e ideologias. O movimento ecumênicodistinguiu-se por muitas décadas na sua crítica profética contra opressões como oracismo, o colonialismo e o neocolonialismo, o patriarcalismo, e a destruição do meioambiente. Em nossa época, praticamente todas as organizações ecumênicas têm umprograma de estudo ou documentos básicos sobre a globalização. São, acredito s<strong>em</strong>exceção, muito críticos ao caráter neoliberal da globalização atual. A crítica de que oneoliberalismo é uma idolatria – crítica que surgiu primeiro com força entre osteólogos da libertação latino-americanos – agora t<strong>em</strong> bastante eco no movimentoecumênico.36 VIRILIO, 1997; BAUMAN, 1998.37 BARRERA RIVERA 2001.38 CAMPOS, 1997.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 27


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408A religiosidade ecumênica hoje é cada vez mais macro-ecumênica. Hoje otrabalho inter-religioso é também “dia-logos”, “dia–gnosis”, e “dia-praxis”; ou seja,procuram-se várias maneiras de se aproximar um do outro, mesmo reconhecendoque há e continuará a existir muitas discordâncias e diferenças entre as religiões.Então, o ethos dessa religiosidade ecumênica-liberacionista parece estar muito pertodaquilo que a comissão procura para re-orientar a globalização. Para usar a mesmapalavra que Beyer e Juergensmayer, trata-se de uma religiosidade “liberal”, o quecombina b<strong>em</strong> com os valores liberais. É uma religiosidade tolerante que t<strong>em</strong> acapacidade de mudar e que procura valores comuns. Ela t<strong>em</strong> uma visão do universalque não entra <strong>em</strong> conflito com particularidades verdadeiras. Além do mais, desde asua orig<strong>em</strong>, o movimento ecumênico t<strong>em</strong> trabalhado com o desafio de buscar umaunidade na qual as diferenças sejam respeitadas e na qual as identidades particularesnão se torn<strong>em</strong> desculpas para oprimir ou discriminar o outro.Essa religiosidade também toca o probl<strong>em</strong>a de fundo da globalização,<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente expressado por Gandhi: «Na terra há recursos suficientes parasatisfazer as necessidades de todos, mas não pode haver recursos suficientes parasatisfazer a avareza de todos». É a avareza que de fato é o motor principal daglobalização e uma virtude no culto do mercado, que t<strong>em</strong> que ser transformada. Aavareza de alguns leva à morte de muitos. Entretanto, como fazer isso s<strong>em</strong> cair nopuro moralismo externo? E como fazer isso de uma maneira que seja realista,humana e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, reconhecida como uma proposta religiosa?O probl<strong>em</strong>a desse candidato hoje <strong>em</strong> dia está, mais do que nada, relacionadoao pathos. Os ecumênicos não parec<strong>em</strong> ter a capacidade de convencer, de suscitargrande entusiasmo ou grandes massas de seguidores. Suas propostas talvez sejampor d<strong>em</strong>ais complexas e talvez sejam por d<strong>em</strong>ais conscientes das ambigüidades detoda tradição religiosa para poder mobilizar um trabalho missionário de certamagnitude.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 28


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Porém, pode ser que seja essa forma de religiosidade que venha assumir oposto de alma do globo. Afinal, a palavra oikoumene significa “toda a terra habitada”e o globo não abarcará tudo enquanto não se incluam, com dignidade e com direitosplenos, as pessoas que hoje são excluídas, que hoje são vítimas. A combinação davontade de diálogo e de uma crítica profética contra a exclusão pode ser decisiva.Mais provável, no entanto, é que o globo siga com várias almas, <strong>em</strong> disputainterna. A globalização nasceu com uma variedade imensa de vozes e atores e assimseguirá por muito t<strong>em</strong>po. Não obstante, a busca da dimensão religiosa ou espiritualda globalização é uma tarefa importante que haverá de nos manter ocupados pormuito t<strong>em</strong>po.ReferênciasALI, Tariq. The Clash of Fundamentalisms: Crusades, Jihads and Modernity. London: Verso,2002.ASSMANN, Hugo (Ed.). Sobre ídolos y sacrifícios: René Girard con teólogos de la liberación.San José: Departamento Ecuménico de Investigaciones, 1991.ASSMANN, Hugo, HINKELAMMERT, Franz J. A Idolatria do mercado: Ensaio sobreEconomia e Teologia, Teologia e Libertação. Petrópolis: Vozes, 1989.BARRERA RIVERA, Paulo. Tradição, transmissão e <strong>em</strong>oção religiosa. Sociologia doprotestantismo cont<strong>em</strong>porâneo na América Latina. São Paulo: Olho d'Água, 2001.BAUMAN, Zygmunt. Globalization: The Human Consequences. Cambridge: Polity Press,1998.BEYER, Peter. Religion and Globalization. London - Thousand Oaks - New Dehli: SAGEPublications, 1994.CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, T<strong>em</strong>plo e Mercado. Organização e Marketing de umEmpreendimento Neopentecostal. 2. ed. Petrópolis, São Paulo, São Bernardo do Campo:Vozes, Simpósio, UMESP, 1997.COX, Harvey. Fire from heaven: the rise of Pentecostal spirituality and the reshaping ofreligion in the twenty-first century. Reading, Mass.: Addison-Wesley Publishing Company,1994.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 29


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408GUTIÉRREZ, Germán. Ética y economía en Adan Smith y Friedrich Hayek. San José: DEI, 1998.HARDT, Michael, NEGRI, Antonio. Empire. Cambridge & London: Harvard UniversityPress, 2000.HINKELAMMERT, Franz J. La política del mercado total su teologización y nuestrarespuesta. Pasos 1 (1), 1985.HUNTINGTON, Samuel P. The Clash of Civilizations and the R<strong>em</strong>aking of World Order. Firstpublished by SIMON & SCHUSTER 1996 ed. New Dehli: Viking, 1997.JUERGENSMEYER, Mark. Terror in the Mind of God. The Global Rise of Religious Violence.Updated edition with a new preface ed. Berkeley / Los Angeles / London: University ofCalifornia Press, 2001 (2000).KEPEL, Gilles. The Revenge of God. The Resurgence of Islam, Christianity and Judaism in theModern World. Translated by A. Braley. Cambridge/Oxford: Polity Press, 1994 (1991).KLEIN, Naomi. No Logo. London: Flamingo. Original edition, 2001 (2000).MO SUNG, Jung. A idolatria do capital e a morte dos pobres. São Paulo: Paulinas, 1989._____. Deus numa economia s<strong>em</strong> coração. Pobreza e neoliberalismo: um desafio à evangelização.São Paulo: Paulinas, 1992.ORTIZ, Renato. <strong>Ano</strong>tações sobre religião e globalização. <strong>Revista</strong> Brasileira de Ciências Sociais16 (47):59-74, 2001.RIVERO, Oswaldo de. The Myth of Development. Non-Viable Economies of the 21st Century.Translated by C. E. a. J. H. Encinas, Global Issues in a Changing World. London and NewYork: Zed Books, 2001.SANTA ANA, Julio de. Costo social y sacrificio a los ídolos. Pasos 2 (6), 1986.SOROS, George. The crisis of global capitalism: Open society endangered. New York:PublicAffairs, 1998.STIGLITZ, Joseph E. Globalization and its discontents. New York: W.W. Norton & Co, 2002.STÅLSETT, Sturla J. Klode søker sjel. Et essay om religion i globaliseringen. Kirke og kultur(4): 500-518, 2004.VIRILIO, Paul. Fin de l'histoire, ou fin de la géographie? Un monde surexposé. Le MondeDiplomatique (August):17, 1997.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 30


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Subjetividade, religiosidade cont<strong>em</strong>porânea e globalização: ocaso da Igreja Universal do Reino de DeusPor Mary Rute Gomes Esperandio *Resumo:Este trabalho caracteriza-se como uma reflexão que nasce na confluência de dois campos desaber: Teologia e Psicologia. Trata-se de um estudo que t<strong>em</strong> por objetivo refletir sobre aexperiência religiosa promovida pela IURD <strong>em</strong> conexão com o modo cont<strong>em</strong>porâneo desubjetivação. Quer-se pensar a partir dessa experiência sobre os desafios que se colocam paraa Teologia e para a Psicologia no que concerne a uma prática voltada a afirmação da vida <strong>em</strong>seus movimentos de criação.Palavras-chave:subjetividade – experiência religiosa – vergonha – IURD – globalizaçãoIntroduçãoTrabalhei <strong>em</strong> minha tese de doutorado a t<strong>em</strong>ática do sacrifício, narcisismo <strong>em</strong>odo de subjetivação cont<strong>em</strong>porânea. Quero colocar <strong>em</strong> relevo a articulação dessesel<strong>em</strong>entos com a questão da subjetividade hoje, pois me parece urgente eimprescindível refletir sobre a relação entre sacrifício, subjetividade e globalização. AIgreja Universal do Reino de Deus é apresentada, aqui, como representantesignificativa do modo de religiosidade cont<strong>em</strong>porânea e da articulação dosel<strong>em</strong>entos citados.* Psicóloga. CRP 07/12747. Doutora <strong>em</strong> Teologia Prática pelo Instituto Ecumênico de Pós-Graduaçãoda Escola Superior de Teologia.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 31


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408O modo Iurdiano de religiosidade1. O prof. Berge pontuou o fenômeno da glossolalia como traço principal doPentecostalimo <strong>em</strong> sua segunda onda. Este foi um marco da principal diferença entre<strong>Protestantismo</strong> e Pentecostalismo: a doutrina do Espírito Santo. Mas na IURD, hoje,basta pedir <strong>em</strong> oração e crer que o Espírito Santo foi dado ao indivíduo. Nãoacompanha essa recepção do Espírito Santo, o fenômeno da glossolalia ou mesmo doêxtase. “Basta crer que o espírito foi dado”, “talvez seja acompanhado de uma <strong>em</strong>oção forte,mas não necessariamente, pois basta crer na promessa de Deus”, repet<strong>em</strong> os pastores. Arecepção do Espírito Santo não é dramática, ao contrário dos exorcismos.Provavelmente por influência da IURD e igrejas como ela, é que o Vaticano instituiuum curso novo sobre exorcismo. As pessoas hoje buscam explicação para a causa daderrota e fracasso da vida na esfera espiritual. Uma das explicações mais b<strong>em</strong>acolhidas na cont<strong>em</strong>poraneidade trata-se da atuação dos espíritos maus queoprim<strong>em</strong>, “trancam”, “aprisionam”, “adoec<strong>em</strong>”, envergonham e limitam asubjetividade <strong>em</strong> seus movimentos de expansão. Portanto, o papel da religião hojenão é salvar o ser humano da culpa do pecado. Mas libertar o ser humano dosespíritos que produz<strong>em</strong> a pobreza e o fracasso, soltando-o das amarras do“pensamento pequeno” para um modo de “pensar grande”, para a criação de umespírito <strong>em</strong>preendedor, com sucesso econômico e com felicidade.2. A IURD faz uma “composição” com as diversas formas de expressãoreligiosa brasileira, também <strong>em</strong> outros contextos. Mas há questões que para ela sãoinegociáveis: ela é a única que t<strong>em</strong> a oração forte, a única com poder de mudar asituação de sofrimento do indivíduo. Embora não haja exigência de se lhe terfidelidade única, sendo possível assistir às suas reuniões e freqüentar outros espaçosreligiosos, seu discurso aponta s<strong>em</strong>pre para o preço da não obediência aosmandamentos de Deus, que significa “fidelidade na freqüência à igreja, na entregados dízimos e ofertas e participação nas correntes de sacrifício”. O discursoafirmativo dos outros repertórios de fé serve-lhe para afirmar negativamente, noDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 32


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408sentido de mostrar a fraqueza, a ineficácia ou mesmo a d<strong>em</strong>onização desses outrosrepertórios, reivindicando então, para si, o lugar de mais forte, mais eficaz, maispoderosa sobre as outras, fazendo deboche, inclusive, das entidades e divindades deoutras expressões religiosas, d<strong>em</strong>onizando algumas e colocando-se, visivelmente,numa posição desejante do monopólio da fé. Em outras palavras, a cultura religiosaserve-lhe de sustentação, fornecendo-lhe matéria prima religiosa para sermanipulada. E ela opera essa matéria prima com os mesmos critérios defuncionamento capitalista, não apenas “integra” seu discurso e prática ao idealcapitalista cont<strong>em</strong>porâneo, como expressa a mesma voracidade e forma de“pensamento único” próprios da configuração social neoliberal.3. Flexibilidade teológica e litúrgica: a IURD integra <strong>em</strong> suas reuniõesel<strong>em</strong>entos s<strong>em</strong>pre novos que não necessariamente se encontram <strong>em</strong> convergênciacom as doutrinas no papel. É o que se pode perceber, por ex<strong>em</strong>plo, nos rituais de“fechamento de corpo”, uso da numerologia e “troca de anjos”, banho do descarrego(contra a inveja). Algumas práticas, como a unção com óleo, por ex<strong>em</strong>plo, baseiam-se<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plos bíblicos e ass<strong>em</strong>elham-se a grupos pentecostais. Já o batismo, conformeconsta nas Doutrinas da Igreja Universal, não se diferencia de várias denominaçõesprotestantes e pentecostais. Contudo, diferent<strong>em</strong>ente das igrejas protestantes epentecostais que o realizam apenas uma única vez, a IURD o realiza quantas vezes oindivíduo queira ser batizado. Muito <strong>em</strong>pática aos interesses e desejos que s<strong>em</strong>presão outros, s<strong>em</strong>pre são novos de seus fiéis, a IURD sabe que as <strong>em</strong>oções seconstitu<strong>em</strong> num el<strong>em</strong>ento básico de manipulação na condução da experiênciareligiosa. Assim, sua preocupação primeira parece ser a de atender a d<strong>em</strong>anda qu<strong>em</strong>anifesta as dores e as ansiedades muito próprias do modo de subjetivaçãocont<strong>em</strong>porânea – organizada sobre o narcisismo reativo que sustenta o modo deexistência capitalista.4. A IURD se auto-identifica como um Centro de Ajuda Espiritual. Ela sedespe, cada vez mais, daquilo que a caracteriza como religião ou que a identifiqueDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 33


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408com algum segmento religioso conhecido. Assim, um Centro de Ajuda Espiritual nãoorganiza cultos. Oferece reuniões. “Reuniões da felicidade”, como ela própria diz.Nessas reuniões da felicidade, trabalham-se a auto-estima, autoconfiança e b<strong>em</strong>-estar<strong>em</strong>ocional, espírito <strong>em</strong>preendedor que busca o sucesso econômico. Estes são osconteúdos que ganham centralidade. Não é mais a salvação do pecado, o êxtase<strong>em</strong>ocional pela experiência de glossolalia através do Espírito Santo. O centro dasreuniões é o próprio self com sua necessidade de gozo e de integração ao mercado.Em outras palavras, o foco das reuniões é a felicidade, b<strong>em</strong>-estar e ambição pelodinheiro. As reuniões da felicidade se caracterizam como terapêuticas. Deus é o“meio” para o culto do eu. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao teu próximocomo a ti mesmo” perde o sentido nessa forma de religiosidade. Troca-se com Deus.Ele se torna parceiro na busca individual de prazer e b<strong>em</strong>-estar. O indivíduo éincentivado a amar-se a si mesmo, lutar por seus próprios interesses, e buscar arealização de seus desejos (<strong>em</strong> geral expressos <strong>em</strong> sonhos de consumo). Assim, nãohá nas reuniões confissão de pecados, mas declaração de uma condição econômica e<strong>em</strong>ocional que não se aceita. Contudo, não se discute formas coletivas de mobilizaçãopara transformação das estruturas que causam sofrimento. Os fiéis faz<strong>em</strong> protestoscontra o Deus-pai rico que deve a seus filhos a mesma condição de riqueza. Aresistência a esse mundo injusto na distribuição de riquezas não implica <strong>em</strong> crítica aomodo como essa injustiça é produzida. Essa visão da injustiça na distribuição dariqueza leva à resistência dessa situação. Trata-se de uma resistência que reivindica(“direito de”) adaptação e integração ao status quo. Há espaço para a expressãoindignada do processo de desfiliação que atinge o indivíduo, mas tanto a indignaçãoquanto a solução que se busca é da perspectiva individual, onde cada umresponsabiliza-se apenas por si mesmo. Para lidar, então, com esse desejo deintegração ao status quo, que produz desigualdade e desfiliação, existe umatecnologia: o sacrifício.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 34


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 64085. O sacrifício representa uma troca com Deus, uma aliança, uma sociedade.O sacrifício de Cristo é interpretado como modelo de investimento, de troca deinteresses. Deus deu o seu filho para ter <strong>em</strong> troca a humanidade. T<strong>em</strong>-se, portanto,uma dívida com Deus, <strong>em</strong> razão dessa oferta divina de seu filho que foi sacrificadopara restabelecer a comunhão do ser humano com o divino. Este modelo de troca deinteresses onde se sacrifica a posse mais importante, mais significativa como uminvestimento <strong>em</strong> si, por causa do retorno que será b<strong>em</strong> maior ao da oferta realizada éa essência da religiosidade iurdiana. Prosperidade econômica, felicidade e b<strong>em</strong>-estarfísico e <strong>em</strong>ocional é a promessa certa para aquele que faz os sacrifícios.6. Esses sacrifícios que visam à libertação (do mal, do mal-estar e dosofrimento, representado pelas forças d<strong>em</strong>oníacas) intentam libertar o indivíduo,sobretudo, da vergonha de não alcançar o ideal produzido pelo modo desubjetivação capitalista.7. A IURD, organizada, então, como uma instituição que oferece uma técnica(o sacrifício) para lidar com a vergonha, distancia-se das religiões de salvação.Enfatiza, assim, a prosperidade, a felicidade, o b<strong>em</strong>-estar físico e <strong>em</strong>ocional, acapacidade de consumo. Não lida com o pecado, n<strong>em</strong> com culpa. Lida com onarcisismo, com a vergonha. Lida com a necessidade de satisfação imediata, típica dequ<strong>em</strong> sofre com o narcisismo reativo, e por isso clama por prazer. O limiar desuportabilidade de sofrimento é baixo.8. O motor que faz a técnica do sacrifício funcionar é o mesmo docapitalismo: a cupidez, a voracidade 1 Enquanto no pentecostalismo a experiência1 A palavra cupidez abarca a noção de ambição, voracidade, cobiça, avidez. E traz, também, a idéiade um desejo permanent<strong>em</strong>ente renovado de posse e, por isso, casa-se b<strong>em</strong> com o capitalismo, <strong>em</strong>sua face mais visível: o consumismo. Nietszche esclarece que cupidez e amor são duas palavrasusadas para o mesmo instinto: o de posse. E ao explicar esse instinto de posse, Nietzsche orelaciona ao desejo permanente de novidade, ao prazer de possuir que se desgasta no ato da posse,pois, ao possuir a coisa, esta é transformada <strong>em</strong> nós mesmos. Ele afirma: “o prazer que tiramos anós próprios procura manter-se transformando s<strong>em</strong>pre qualquer coisa nova <strong>em</strong> nós mesmos, éprecisamente a isso que se chama possuir. Cansar-se de uma posse é cansar-se de si próprio (pode-Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 35


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408com o Espírito Santo era central, na IURD, a centralidade passa a ser o próprio eu, os“meus” interesses, “minhas” necessidades. O sacrifício exacerba a centralidade do eucom a oferta de uma “tecnologia do eu” (noção foucaultiana que diz respeito atécnicas que permit<strong>em</strong> ao indivíduo efetuar por contra própria ou com ajuda deoutros, certo número de operações sobre o seu corpo, alma, pensamentos, conduta afim de alcançar certo estado de poder, felicidade, pureza, sabedoria ouimortalidade 2 ).9. A autonomia <strong>em</strong>ocional e a econômica são buscadas pela via da autoestima,da autoconfiança. Deus (ou a salvação) não é a finalidade última daexistência, mas sim, a prosperidade econômica, o sucesso e o poder. Deus é o meiopara a satisfação das necessidades de riqueza, de poder e de felicidade do indivíduo.Neste sentido, com uma ênfase voltada à técnica do sacrifício como investimento <strong>em</strong>si, os ensinos de Cristo são substituídos por uma educação para a auto-estima.10. A ausência de ênfase na culpa e na graça ganha consistência na idéia deque os males e sofrimentos mais diversos são causados pelos d<strong>em</strong>ônios. Assim, aresponsabilidade pessoal é bastante minimizada pela idéia de que são os d<strong>em</strong>ôniosos causadores das derrotas e dos sofrimentos. A prática do exorcismo, aliada aosacrifício, reverte a situação de sofrimento causada pelos d<strong>em</strong>ônios.A seleção dessas dez características nos ajuda a perceber o quanto aexperiência religiosa, promovida pela IURD, expressa as forças que compõ<strong>em</strong> asubjetividade hoje; os movimentos do desejo, os desassossegos, o mal-estar, ossofrimentos; e quais buscas a subjetividade elege como legítimas para dar conta dossofrimentos cont<strong>em</strong>porâneos. Elas compõ<strong>em</strong> um pano de fundo que constitu<strong>em</strong> adimensão do visível. E isto nos ajuda a pensar, também, sobre linhas menos visíveisque compõ<strong>em</strong> esse tecido e que se constitu<strong>em</strong> como saídas contrárias às da capturase também sofrer com o excesso; à necessidade de jogar fora, de dar, pode assim atribuir-se o nomelisonjeiro de 'amor')”. NIETZSCHE, 20<strong>05</strong>, p. 47.2 FOUCAULT, 1996, p. 48.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 36


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408do desejo <strong>em</strong> seu movimento de afirmação da vida num t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ao mundoglobalizado só interessa o lucro com o preço do <strong>em</strong>pobrecimento mesmo dasubjetividade e da própria vida.A subjetividade no mundo globalizadoPierre Lévy, aproveitando-se da narrativa bíblica sobre Noé e o dilúvio,associou o mundo hoje como um “segundo dilúvio”, como umoceano infinito, agitado por ondas turbilhonares – fluxos variáveiss<strong>em</strong> totalização possível <strong>em</strong> territórios d<strong>em</strong>arcáveis, s<strong>em</strong> fronteirasestáveis, <strong>em</strong> constantes rearranjos. Só que desta vez as águas nuncamais irão baixar, nunca mais haverá terra à vista, as arcas são muitase flutuam para s<strong>em</strong>pre, lotadas de noés também muitos e de todaespécie. Nunca mais os pés pousarão na paisag<strong>em</strong> estável de umaterra firme: habituar-se a 'navegar é preciso', s<strong>em</strong> um norte fixo, comoponto de vista geral sobre esta superfície tumultuada e movente. Nãohá mais apenas uma forma de realidade com seu respectivo mapa depossíveis. Os possíveis agora se reinventam e se redistribu<strong>em</strong> ot<strong>em</strong>po todo, ao sabor de ondas de fluxos, que desmancham formas derealidade e geram outras, que acabam igualmente dispersando-se nooceano, levadas pelo movimento de novas ondas. 3Num mundo assim, s<strong>em</strong> terra firme, as subjetividades são “arrancadas dosolo [...] flutuam ao sabor das conexões mutáveis do desejo com fluxos de todos oslugares e todos os t<strong>em</strong>pos, que transitam simultâneos pelas ondas eletrônicas. Filtrosingular e fluido deste imenso oceano também fluido. S<strong>em</strong> nome ou endereço fixo,s<strong>em</strong> identidade: modulações metamorfoseantes num processo s<strong>em</strong> fim, que seadministra dia-a-dia, incansavelmente” 4 . Desse modo, a subjetividade hojeexperimenta o estranhamento <strong>em</strong> grau máximo, pois é como se fôss<strong>em</strong>os todoshomeless, “s<strong>em</strong> casa”. Mas não se trata de um “s<strong>em</strong> casa” num sentido concreto,<strong>em</strong>bora uma grande parte da população no mundo hoje esteja nessa condição. Falo3 Idéia aproveitada por ROLNIK, [s.d.] Disponível na Internet:.4 ROLNIK, [s.d.] Disponível na Internet: .Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 37


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408de um estado de “<strong>em</strong> casa” ou “s<strong>em</strong> casa” que se refere a um sentimento de si, deuma “consistência subjetiva palpável” que <strong>em</strong>erge da familiaridade com um certomodo de existência, certos sentidos compartilhados, como observa Rolnyk.Viv<strong>em</strong>os uma realidade <strong>em</strong> que, ao mesmo t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> que não acreditamosmais nas verdades até então tidas como verdadeiras, e desconfiamos de quaisqueroutras verdades que se apresentam como tais, uma parte de nossa subjetividadeclama pela segurança de alguma verdade. É esta casa, então, que se organiza sobrepilares de verdade (ainda que t<strong>em</strong>porárias), que carece a humanidade globalizada. Eé aí que mora o probl<strong>em</strong>a: sab<strong>em</strong>os que não exist<strong>em</strong> mais verdades únicas ondepossamos nos agarrar. Como, então, recompor um “<strong>em</strong> casa” “neste mundo ondeterritórios nacionais, culturais, étnicos, religiosos, sociais, sexuais perderam sua aurade verdade, desnaturalizaram-se irreversivelmente, misturam-se de tudo quanto éjeito, flutuam ou deixam de existir? Como reconstituir um território neste mundomovediço? Como se virar com esta desorientação? Como reorganizar algumsentido?” 5 .Nessa busca de construção de um território existencial consistente de sentidoe na ânsia de acabar com a desestabilização que o sentimento de estar “s<strong>em</strong> casa”provoca, a subjetividade somatiza essa desestabilização, produzindo sofrimentosmuito próprios da cont<strong>em</strong>poraneidade, como por ex<strong>em</strong>plo: os ataques de pânico (nosataques de pânico, a sensação de desestabilização e fragmentação é tão grande que apessoa t<strong>em</strong> a sensação de morte e passa a ficar quase impossível se movimentar senão for acompanhada), a depressão (onde a pessoa volta-se para si mesma, e sente-seimpotente para interagir com o outro); o stress e a ansiedade.Freud já dizia que o corpo que sofre volta-se para si mesmo. Mas viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong>um t<strong>em</strong>po onde o interesse <strong>em</strong> si não é justificado apenas pelos sofrimentos. Há, hoje,todo um movimento que pod<strong>em</strong>os identificar como “culto ao corpo”. O corpo torna-5 ROLNIK, [s.d.] Disponível na Internet: .Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 38


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408se o centro de preocupações e de cuidados <strong>em</strong> excessos. E assim, v<strong>em</strong>os aproliferação das acad<strong>em</strong>ias; as novidades incessantes de produtos no mercadovoltados para esse corpo: alimentos diet/light, cirurgias estéticas e lipoesculturas,máquinas que modelam o corpo milagrosamente s<strong>em</strong> nenhum esforço; e a indústriaquímica, a farmacológica com suas drogas que anestesiam o corpo impedindo-o desofrer (mas também de sentir, ou então de sentir o êxtase nas fantasias alucinógenas).Faz parte do culto ao corpo a permanente busca de sensação de b<strong>em</strong>-estar ede felicidade. Assim, as pequenas desestabilizações detectadas pelo corpo sensívelsão decodificadas como ameaça, como perigo. E se o corpo encontra no social algoque lhe dê respaldo para significar e conter essa desestabilização, esse algo se tornaaceito, pois o que não se quer é viver a experiência de desestabilização desse corpo –que pode tomar a dimensão, inclusive, da sensação de fragmentação e de ameaça d<strong>em</strong>orte.O que se depreende desse modo cont<strong>em</strong>porâneo de relação com o corpo éque, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ele é cultuado, é, também, envergonhado, quando nãoalcança esse padrão ideal socialmente produzido de felicidade e b<strong>em</strong>-estar e desucesso econômico.Até pouco t<strong>em</strong>po atrás, a culpa era um dos traços mais fortes nos modos desubjetivação. A subjetividade se sentia culpada, por ex<strong>em</strong>plo, quando se voltava parasi mesma, desvinculando-se do coletivo onde a sua casa existencial estava ancorada.Na cont<strong>em</strong>poraneidade, o sentimento de culpa é substituído pelo sentimento defracasso e vergonha, e este não surge <strong>em</strong> função da falha <strong>em</strong> atender a expectativa dooutro (uma vez que o outro é pouco considerado). Esse sentimento nasce comoexpressão de espanto e raiva por não atender as próprias expectativas. O selffracassado diante de si próprio, pergunta-se: “Por que eu fiz isso comigo mesmo?”.Diante dessa pergunta, surge então, o sentimento de vergonha pela falha <strong>em</strong>encaixar-se com o próprio ideal. A subjetividade envergonhada não se dá conta deDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 39


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408que esse ideal que imagina como sendo seu próprio eu, e por onde se mede, é, naverdade, um ego-ideal socialmente produzido. Mas a produção social desse ideal étomada pelo indivíduo como se fosse seu <strong>em</strong> razão da ilusão de uma interioridadedesvinculada de fora.Entretanto, a subjetividade constrói sua interioridade dobrando o fora, e háum movimento “coordenado” de minimização da culpa <strong>em</strong> função doengrandecimento do eu individual e da “exigência social” da auto-estima. São váriasas instâncias que oferec<strong>em</strong> formas diversas de construção da auto-estima, quer sejapela sensação de estar de acordo com o padrão ideal de beleza socialmenteproduzido, quer seja pelos livros de auto-ajuda; quer seja pelas estratégias políticas d<strong>em</strong>arketing onde “modelos de sucesso” aparec<strong>em</strong> na mídia afirmando: “eu sou brasileiroe não desisto nunca”.O sentimento de culpa t<strong>em</strong> sido substituído, na cont<strong>em</strong>poraneidade, pelosentimento de vergonha, porque esta é uma das expressões mais b<strong>em</strong> acabadas donarcisismo reativo, onde o sujeito volta-se para si mesmo e para os seus própriosinteresses, com incapacidade de reconhecer o que não pode identificar como espelhode si mesmo.O social, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que produz o culto do eu e a vergonha de nãose encaixar nesse ego ideal, oferece explicações e tecnologias para lidar com avergonha do fracasso. Por ex<strong>em</strong>plo: 1) as razões do fracasso pod<strong>em</strong> ser de ord<strong>em</strong>física/biológica, e nesse sentido a indústria químico-farmacêutica pode resolver; 2) asrazões do fracasso pod<strong>em</strong> ser de ord<strong>em</strong> <strong>em</strong>ocional e tanto uma terapia breve(cientificamente <strong>em</strong>basada), pontual, que ataque objetivamente o probl<strong>em</strong>a, pode daruma solução rápida, quanto também as drogas anti-depressivas são recomendadas;3) as razões do fracasso pod<strong>em</strong> ser de ord<strong>em</strong> espiritual e, nesse campo, as religiõesque mais respond<strong>em</strong> a essa d<strong>em</strong>anda são as que se baseiam na Teologia daProsperidade, pois elas se voltam para a produção da felicidade (“o filho de DeusDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 40


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408não sofre”), para o sucesso econômico (“Deus, nosso Pai é rico, então seus filhostambém dev<strong>em</strong> sê-lo”) e <strong>em</strong>poderamento pessoal (“Deus, nosso Pai é poderoso e eutambém 'posso tudo naquele que me fortalece'”). Assim, a única culpa que oindivíduo poderia ter seria a de não ter uma vontade forte o suficiente para continuaro esforço <strong>em</strong> busca de soluções que venham trazer o prazer e sucesso próprios. Maspara essa falta de vontade forte, além de certos modelos de terapias e r<strong>em</strong>édios,livros e workshops de auto-ajuda exist<strong>em</strong>, também exist<strong>em</strong> as ofertas religiosas 6 . E éaqui, então, que pod<strong>em</strong>os situar a <strong>em</strong>ergência e a acolhida de uma experiênciareligiosa como a oferecida pela IURD.do sacrifícioA proposta religiosa da IURD para a subjetividade envergonhada: a práticaA IURD declara a morte de Cristo como sendo sacrificial, ou seja, elainterpreta a morte de Cristo como tendo sido uma oferta de Deus <strong>em</strong> sacrifício pararesgate da humanidade. Entretanto, este sacrifício não parece ser suficiente paraapaziguar a subjetividade. E não é suficiente porque a interpretação tradicional dosacrifício de Cristo é de que este foi realizado para apagar a culpa do pecado dahumanidade – só assim se restabelece a comunhão do ser humano com o divino.Mas, considerando que não é a culpa o traço fundamental da subjetividadecont<strong>em</strong>porânea, mas sim, a vergonha, essa interpretação parece ficar fora de lugar,perde o sentido. Assim, o “sacrifício pela culpa” (morte de Cristo para redimir o serhumano da culpa do pecado) é substituído pelo “sacrifício pela vergonha” (sacrifício<strong>em</strong> dinheiro para obter prosperidade econômica, “curando”, desse modo, a vergonhado fracasso de não se encaixar no ideal produzido no modo de subjetivaçãocapitalística). Aproveitamos essa constatação para deixar uma questão: se Cristopassa a ser uma figura secundária e não a centralidade da experiência religiosa6 ESPERANDIO, 2006, p. 273.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 41


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408iurdiana, não poderia essa forma de experiência religiosa, ser considerada como“pós-cristã”?A capacidade de mutação da IURD e sua apropriação de vários e diferentesel<strong>em</strong>entos do imaginário religioso brasileiro para compor sua oferta religiosaevidencia que ela não t<strong>em</strong> preocupação com “normas, dogmas, preceitos e dogmasdoutrinários, [pois estes] são nocivos à fé e à comunhão entre os cristãos” 7 , comoafirma Macedo. Sua preocupação, como ele próprio afirma, é oferecer “ideais capazesde trazer tranqüilidade e felicidade” 8 .A IURD parece, pois, instaurar uma nova forma de experiência religiosa que,inclusive, foge às classificações. Ela compõe sua oferta a partir da utilização dediferentes el<strong>em</strong>entos do universo religioso, resultando numa configuração s<strong>em</strong>pr<strong>em</strong>utante, porque continuamente reatualizada segundo o movimento de mutaçãotambém do campo social. Ou seja, se oferec<strong>em</strong> kits de religiosidade com prazo devalidade. Esta constatação revela que a IURD inaugura uma forma de experiênciareligiosa que está longe de ser simplesmente uma “caricatura” das linhas teológicasconhecidas.Ao fazer uma composição (mutante) com el<strong>em</strong>entos diversos e até mesmocontrapostos, a IURD oferece a possibilidade da vivência (ou o exercício) daespiritualidade, o que é diferente de uma experiência religiosa específica, nomeada,definida, no sentido de caracterizar a oferta de uma “religião”. Dessa perspectiva,pod<strong>em</strong>os entender de um outro modo a sua predileção pelo judaísmo (evidenciadono uso mais freqüente do Antigo Testamento); o descompromisso com o cristianismo(no sentido da ausência de uma pregação cristã onde Cristo é o modelo e inspiraçãopara a vida); a mistura de el<strong>em</strong>entos do catolicismo; dos cultos Afro e de princípiosda Nova Era. Sua preocupação se volta para a oferta de um modo de se experienciar7 MACEDO, 1997, p. 21.8 MACEDO, 1997, p. 21.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 42


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408a dimensão espiritual – b<strong>em</strong> ao gosto da flexibilidade e liberdade cont<strong>em</strong>porânea.Poderíamos entender isto como falta de compromisso, ausência de rigor, mas istoseria uma exigência própria de um t<strong>em</strong>po que já passou. Assim, nosso critério deavaliação se torna mais útil e mais adequado se perguntarmos até que ponto ess<strong>em</strong>odo de exercitar a espiritualidade afirma a vida <strong>em</strong> sua potência de criação eprodução de diferença, ou se apenas conserva a vida, reproduz a desigualdade e onarcisismo reativo.reativoSubjetividade antropofágica e os agenciamentos do desejo: o vetor ativo eEssa experiência religiosa oferecida pela IURD nos leva a pensar sobre aconexão entre o agenciamento do desejo na experiência de fé e o modo desubjetivação antropofágico tipicamente brasileiro. A noção de antropofagia(antropófago - “que come carne humana”) v<strong>em</strong> da prática dos índios tupis dedevorar o inimigo. Entretanto, tal devoração tinha por condição a admiração nesseoutro de sua força e/ou de suas virtudes. Criam os índios que, pela devoração,absorveriam as qualidades admiradas nesse outro. Desse modo, “ritualizava-se umacerta relação com a alteridade: selecionar seus outros <strong>em</strong> função da potência vital quesua proximidade intensificaria; deixar-se afetar por estes outros desejados a ponto deabsorvê-los no corpo, para que partículas de sua virtude se integrass<strong>em</strong> à química daalma e promovess<strong>em</strong> seu refinamento” 9 .Inspirado nessa idéia e utilizando-se do humor, Oswald de Andrade cunhouo conceito de antropofagia, <strong>em</strong> 1928, para expressar a idéia de uma “estratégia dedesejo” que escapa aos códigos predeterminados e hierárquicos, subvertendo aord<strong>em</strong> da importação e reprodução das idéias, formas e fórmulas. Ele se referia aomodo brasileiro de “digerir” a cultura européia abrasileirando-a, fazendo com que,nesse processo antropofágico, o próprio brasileiro se tornasse outro não por9 ROLNIK, [s.d.] Disponível na Internet: .Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 43


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408“imitação” e veneração do admirado, mas por alteração de si. Ele defendia, então,uma “fagia” como tática de autocriação, como abertura à alteridade e transformaçãode si. Assim, <strong>em</strong>erge, no Brasil, ao final da década de 20 e início da década de 30, oque passa a ser chamado “Movimento Antropofágico” para referir-se ao movimentoque tinha por princípio essa fórmula ética de relação com a alteridade: deglutir ooutro para diferir-se e diferenciar-se do outro.A cultura brasileira, desde sua fundação, caracteriza-se pela mistura de umamultiplicidade variável de referências, e várias são as estratégias do desejo frente aessas misturas. Assim, t<strong>em</strong>os uma elite que, fort<strong>em</strong>ente referida à sua condiçãoeuropéia, não investe na produção de uma cultura brasileira. Mas t<strong>em</strong>os também acultura popular que “se produz tradicionalmente a partir da exposição a este outrovariado com o qual se é cotidianamente confrontado, exposição forçada pelanecessidade de constituir, no novo país, um território de existência, um ‘<strong>em</strong> casa’feito da consistência do que é realmente vivido – uma questão de sobrevivênciapsíquica. O resultado é uma estética viçosa, irreverente e inventiva ” 10 . E, entre a elitee a cultura popular brasileira <strong>em</strong>erge um modo de ser que “encarna toda aheterogeneidade dinâmica da consistência sensível de que é feita a subjetividade dequalquer brasileiro, a qual se cria e recria como efeito de uma mestiçag<strong>em</strong> infinita –nada a ver com uma identidade. [...] O banquete antropofágico é feito de universosvariados incorporados na íntegra ou somente <strong>em</strong> seus mais saborosos pedaços,misturados à vontade num mesmo caldeirão” 11 , mas sobre um critério ético:selecionam-se somente os ingredientes que possibilitam a recriação de si.Assim, poderíamos afirmar que a antropofagia, enquanto estratégia dodesejo, busca a deglutição daquilo que interessa no processo de produção dediferenciação de si, s<strong>em</strong> necessariamente, assumir a identidade do outro. Rolnikcarateriza essa antropofagia oswaldiana como modo de subjetivação antropofáfico. Ela10 ROLNIK, [s.d.] Disponível na Internet: .11 ROLNIK, [s.d.] Disponível na Internet: .Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 44


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408descreve, então, como subjetividade antropofágica aquela que se define “por jamaisaderir absolutamente a qualquer sist<strong>em</strong>a de referência, por uma plasticidade paramisturar à vontade toda espécie de repertório e por uma liberdade de improvisaçãode linguag<strong>em</strong> a partir de tais misturas”. Contudo, continua, Rolnik, a subjetividadeantropofágicaatualiza-se segundo diferentes estratégias do desejo, movidas pordiferentes vetores de força, que vão de uma maior ou menorafirmação da vida até sua quase total negação. Eles se distingu<strong>em</strong>basicamente pelo modo como a subjetividade conhece e rastreia omundo, por aquilo que move sua busca de sentido e do critério que seutiliza para selecionar o que será absorvido para produzir estesentido.12É claro, todavia, que esse modo está condicionado ao grau de exposição àalteridade e depende, também, do quanto a subjetividade se permite “contaminar”pelo outro. Este modo de relação com a alteridade, onde os corpos se deixam afetarpela diferença sensível de cada um, distingue-se daquelas onde a relação depende dograu de espelhamento e de confirmação narcísica que o outro é capaz de oferecer.O modo de subjetivação antropofágica t<strong>em</strong> também a possibilidade deatualização <strong>em</strong> sua forma reativa, pois a estratégia antropofágica lida com forçasativas e reativas de narcisação. A expressão ativa seria aquela que se abre àalteridade, possibilitando a diferenciação de si e do outro, e o critério ético quecomanda tal relação seria o cuidado de si e do outro como atividades simultâneas. Jáa expressão reativa seria tanto aquela que se fecha a qualquer diferença, quanto a quese abre s<strong>em</strong> critério ético, onde o que move esse modo seria um “vale-tudo <strong>em</strong>função dos interesses do ego e não das urgências de criação de sentido colocadaspelo corpo <strong>em</strong> sua vivência coletiva, corpo <strong>em</strong> devir, marcado pela alteridade” 13 .A composição religiosa que a IURD faz revela esse traço da subjetividadeantropofágica e este é, também, um traço que favorece o enlace de muitos13 ROLNIK, [s.d.] Disponível na Internet: .Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 45


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408brasileiros/as que se identificam com essa dinâmica. Fora das fronteiras nacionais,esse mesmo traço a favorece no sentido <strong>em</strong> que ela busca adequar seu discurso aocontexto onde se encontra. Por ex<strong>em</strong>plo, nos EUA, na ausência de espíritos maus quese possa identificar, afirma-se que sua atuação se dá <strong>em</strong> forma de pensamentosnegativos, causando a depressão e desejo de suicídio.Considerações finaisA proposta sacrificial da IURD, ao ser acolhida e largamente test<strong>em</strong>unhadacomo algo que funciona, promove, ao mesmo t<strong>em</strong>po, a legitimação de sua própriamensag<strong>em</strong> (a felicidade test<strong>em</strong>unhada pelos fieis serve à instituição no sentido desua manutenção), e confirma a idéia de que os probl<strong>em</strong>as, quaisquer que sejam eles,pod<strong>em</strong> ser solucionados unicamente pela via individual e depend<strong>em</strong> apenas da “boavontade do indivíduo”, depend<strong>em</strong> apenas da crença no próprio “poder” e “vontade” derealizar. Essa proposta sacrificial também cumpre uma função social: a de manter ostatus quo e impedir uma resistência coletiva organizada, uma prevenção ao medo docaos social. Interessa àqueles que se beneficiam de uma sociedade profundamentedesigual como o Brasil, a existência de instâncias produtoras de indivíduos com altonível de auto-estima e autoconfiança, a despeito das precárias condições estruturaisde suporte da existência. O regime de verdade cont<strong>em</strong>porâneo que produz ohiperindividualismo; que desfaz a noção de culpa e cria a vergonha; que estabelececomo ideal de indivíduo aquele que é feliz, com sucesso e possui dinheiro do qualpossa se disponibilizar criou condições para a <strong>em</strong>ergência da IURD. E ela seestabelece por confirmar, reproduzir e reforçar os discursos de verdade docapitalismo.Assim, o indivíduo religioso que pauta seu modo de existência a partir damoral neoliberal, no qual se encontra subjetivado, sente como perfeitamente legítimoesse modo de religiosidade. Mais: sente-se beneficiado pela “religião” que escolheuadotar. Uma religião que, fomentando o exercício da espiritualidade e transformandoDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 46


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408a idéia tradicional de “exigências religiosas”, opaciza seu movimento de captura dodesejo.Ainda não compreend<strong>em</strong>os, suficient<strong>em</strong>ente, que a violência quecotidianamente nos assalta; a precariedade dos suportes de existência advindos dotrabalho e da propriedade social; a indiferença <strong>em</strong> relação à injustiça na distribuiçãodas riquezas produzidas; e tantos outros sofrimentos que favorec<strong>em</strong> o aparecimentodo pânico, da depressão, da falta de saúde, etc, t<strong>em</strong> íntima relação com as forçasreativas que estão <strong>em</strong> movimento através das várias instâncias que participam dosprocessos de subjetivação na cont<strong>em</strong>poraneidade. As forças reativas de narcisação(que se assentam na cupidez e no interesse <strong>em</strong> si mesmo) caracterizam o mododominante de subjetivação cont<strong>em</strong>porânea. Que grupo, que instituição, ou mesmoque tipo de religiosidade apresenta-se, hoje, com a potência de produzir modos desubjetivação que coloqu<strong>em</strong> <strong>em</strong> atividade as forças ativas e venham a produzir umanova sensibilidade, um outro modo de sentir?Urge à teologia e a psicologia, assim como outros campos de saber, refletirsobre a produção dessa nova sensibilidade e promover outros processos queproduzam subjetividades que busqu<strong>em</strong> o cuidado de si que impliqu<strong>em</strong> no cuidadodo outro, e que sejam, por isso mesmo, afirmação da vida <strong>em</strong> sua potência de criação.ReferênciasESPERANDIO, Mary R. G. Narcisismo e Sacrifício. Modo de Subjetivação e religiosidadecont<strong>em</strong>porânea. Tese de Doutorado. São Leopoldo: <strong>EST</strong>, 2006.FOUCAULT, Michel. Tecnologyas del Yo. Barcelona: Paydós Ibérica, 1996.MACEDO, Edir. A libertação da Teologia. Rio de Janeiro: Universal, 1997.NIETZSCHE, Friedric. A Gaia Ciência. São Paulo: Martin Claret, 20<strong>05</strong>.ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofágica, Disponível na Internet: Acesso <strong>em</strong> 24.10.<strong>05</strong>Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 47


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408IURD e as ondas carismáticasPor Berge Furre *Um dia <strong>em</strong> Johannesburg, Africa do Sul. Muito cedo: seis da manhã. Ocentro fica denso de micro-ônibus que chegam de todos os lados da cidade. Milharesde pessoas desc<strong>em</strong> as escadas através das largas portas entre as pesadas colunas da“Igreja Universal” e gritam a Deus que esse dia t<strong>em</strong> de ser melhor, que no dia de hojea boa vida começa. Antes de ir para o trabalho, para a loja, para a fábrica, para astendas nas ruas ... ou para nada – para o trabalho que Deus logo vai dar.Eles também chegam mais tarde e ench<strong>em</strong> o enorme salão da igreja, às 7:30,às 10, às 12:30, as 15:00, 17:00, 19:00h. O bispo Wellington, brasileiro, ou um outropastor prega, grita, berra – cantam <strong>em</strong> coral. Com intensidade enorme os pastoresmarcham de trás para frente no palco e vociferam que agora é hora de entregar aoferta! Dízimo! Os obreiros caminham entre os bancos, buscando uma pessoa queparece precisar de um exorcismo. E o pastor convida para a oração coletiva, e todosgritam a Deus, cada um no seu ritmo. A música começa e as orações acontec<strong>em</strong> <strong>em</strong>dança. O enorme salão vibra e a ginga de quatro mil pernas e braços <strong>em</strong> movimentorítmico. Eles bat<strong>em</strong> com os pés <strong>em</strong> oração – põ<strong>em</strong> o diabo no chão! E saúdam Jesuscom palmas <strong>em</strong> um grande aplauso. “Palmas para Jesus!”, diz o pastor. São muitosos freqüentadores da IURD. Na s<strong>em</strong>ana anterior eles se reuniram <strong>em</strong> um estádio –cinqüenta mil, talvez setenta mil.Vocês reconhec<strong>em</strong> alguma s<strong>em</strong>elhança com o grande t<strong>em</strong>plo no centro <strong>em</strong>Porto Alegre? Mas esta descrição não é de Porto Alegre. Estamos <strong>em</strong> Johannesburg!* Historiador norueguês. Professor de História da Igreja na Faculdade de Teologia, da Universidadede Oslo – Noruega.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 48


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Tenho seguido a IURD através de diferentes países e continentes – Brasil,Argentina, Chile, EUA, África do Sul e Portugal. E a questão que aparece s<strong>em</strong>prepara mim é: O que acontece no “mundo Cristão”? Porque IURD não está sozinha. Amesma mentalidade está dentro de outros movimentos carismáticos e ela influenciaas igrejas históricas tradicionais. IURD é uma força religiosa <strong>em</strong> muitos países. Estáela entre as forças mais fortes? É a IURD uma parte das maiores mudanças queacontec<strong>em</strong> dentro do mundo Cristão?Eu acho que dois processos hoje estão mudando a imag<strong>em</strong> do Cristianismo:1. Muitos movimentos carismáticos estão <strong>em</strong> grande expansão e abraçamtalvez cerca de 1/5 do cristianismo hoje.2. O Cristianismo movimenta-se para o sul e aumenta <strong>em</strong> números. Osmovimentos carismáticos representam a maioria dessa expansão. O oeste europeuparece ser um vácuo secularizado onde as igrejas cristãs têm um papel b<strong>em</strong> menordo que há trinta ou cinqüenta anos atrás.Quero aprofundar isso um pouco mais:Enquanto a secularização está progredindo ao norte, o mapa religiosomostra-se dramático no sul. As igrejas no norte são, proporcionalmente, minoria nomundo. A grande maioria dos cristãos vive no sul – ao sul do equador. Há muitomais anglicanos na África do que na Inglaterra, por ex<strong>em</strong>plo. O Cristianismoexpandiu-se durante um período no Sul, especialmente na África.Um escritor e professor que estudou esse processo, Philip Jenkins, naUniversidade Estadual da Pennsylvania, nos EUA, escreveu o livro “The NextCristendom” 1 . Com diversas estatísticas, ele mostra que o número de Cristãos naÁfrica explodiu especialmente nos anos de descolonização. Em 1965, um quarto do1 JENKINS, Philip. The next Christendom: The coming of global Cristianity. Oxford, 2002.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 49


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408povo africano era cristão; hoje, a metade. O número de cristãos t<strong>em</strong> ultrapassado oíndice de expansão dos muçulmanos. Mas o professor Jenkins afirma que a maioriado crescimento está dentro das igrejas “convencionais” – protestantes e católicos –nas cidades e no campo.Durante aproximadamente meio século, aconteceu uma situação s<strong>em</strong>elhantena América Latina: um forte crescimento da população fez subir o número d<strong>em</strong><strong>em</strong>bros de algumas igrejas tradicionais, como os Católicos (com exceção do Brasil,onde o número de católicos diminui). Enquanto isso, os pentecostais têm-seexpandido.E agora t<strong>em</strong>os uma outra situação: dentro do âmbito da religião que cresceno terceiro mundo, os movimentos carismáticos representam o el<strong>em</strong>ento explosivo eexpansivo.Um outro livro t<strong>em</strong> valor importante nessa área: “Fire from Heaven” 2 deHarvey Cox, professor de ciências da religião <strong>em</strong> Harward. Anteriormente, ele eraconhecido pelo livro “Religion in the Secular City” 3 com o t<strong>em</strong>a da secularizaçãototal da cidade moderna. Ele voltou agora para esse t<strong>em</strong>a de vinte anos atrás edescobriu que a situação mudou. As megacidades no terceiro mundo têm uma novaimag<strong>em</strong>: pentecostais e outros movimentos carismáticos têm penetrado nasmegacidades e são agora fatores poderosos na área religiosa e cultural,principalmente no terceiro mundo. As igrejas tradicionais protestantes e, <strong>em</strong> parte, ascatólicas estão <strong>em</strong> estagnação ou <strong>em</strong> declínio. Os pentecostais cresc<strong>em</strong>.Qual a abrangência dessas tendências e processos? Quantas pessoas segu<strong>em</strong>as melodias carismáticas? É difícil contar. Em parte, porque a maioria não éorganizada <strong>em</strong> sínodos b<strong>em</strong> ordenados. Na África – especialmente – as igrejas2 COX, Harvey. Fire from heaven: The rise of Pentecostal Spirituality and reshaping of Religion in the21st century. Reading, Mass., USA.3 COX, Harvey. Religion in the secular city. New York, 1984.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 50


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408carismáticas do tipo AIC (African Independent Churches) são totalmenteindependentes. Têm um líder carismático, mas normalmente não apresentam umaorganização tradicional. É difícil contar, também, porque os movimentoscarismáticos penetram nas igrejas históricas ou nasc<strong>em</strong> dentro delas.Jenkins calculou <strong>em</strong> 386 milhões os pentecostais e carismáticos (entre doisbilhões de cristãos no total), a maioria no terceiro mundo. Harvey Cox faz um cálculoum pouco mais geral – <strong>em</strong> 300 milhões. Mas ambos têm probl<strong>em</strong>as para definir os“limites” porque o carismatismo atua dentro de outras congregações - católicos,batistas, metodistas, luteranos, etc. Talvez seja possível estimar um número de cercade 300-400 milhões, isto é, cerca de 20% da Cristandade.De onde eles vêm? Como já disse, a maioria vive no terceiro mundo: AméricaLatina, África, partes da Ásia. A grande maioria vive <strong>em</strong> cidades – grandes cidadess<strong>em</strong> uma estrutura minima de b<strong>em</strong>-estar social adequada. A maioria pode serchamada de “Lumpenproletariat” – o proletariado mais ou menos fora da economiaformal. Imigrantes das aldeias que tentam sobreviver <strong>em</strong> favelas e cinturões d<strong>em</strong>iséria: socialmente marginalizados – provavelmente a maioria. Só alguns sãosugados pela indústria globalizada do capitalismo. Provavelmente, eles pertenc<strong>em</strong> àparte da humanidade que vive com um dólar por dia. Mas alguns estão subindo naescala social.Mas aqui nós entramos <strong>em</strong> um desvio para mostrar o ambiente históricodesse fenômeno <strong>em</strong> forma de um esqu<strong>em</strong>a:Quando apresentamos o pentecostalismo é “normal” começar <strong>em</strong> LosAngeles 1906. Mas acho que quero começar antes:1: Os movimentos de “holiness” no fim do século 18 dividiu o movimentometodista na Inglaterra e especialmente no País de Gales e EUA: uma radicalizaçãoda pregação de John Wesley. Depois da conversão do pecado v<strong>em</strong> a “santificação”:Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 51


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408os conversos tinham de viver uma vida s<strong>em</strong> pecado, uma relação santa com Deus.Embora a glossolalia – falar <strong>em</strong> línguas – estivesse presente, ela ainda não havia sidodefinida e aceita. Mas eram muitos os depoimentos de fenômenos s<strong>em</strong>elhantesdentro das ass<strong>em</strong>bléias: pessoas <strong>em</strong> estado de transe, cultos caracterizados comohisteria, caindo no chão, conversões t<strong>em</strong>pestuosas 4 .A característica do primeiro despertamento, antes de 1900, foi a santificação– caracterizada pela espontaneidade, transe e, <strong>em</strong> parte, glossolia. Foi identificadacomo “a primeira bênção” 5 .Esses fenômenos pod<strong>em</strong> ter tido suas raízes nas guerras civis da Inglaterrano século 16 e 17: grupos extáticos que quer<strong>em</strong> “virar o mundo de cabeça parabaixo” 6 . Também os quakers apresentam traços carismáticos.Talvez seja possível estabelecer uma relação entre esse movimento desantificação e condições econômicas. Na Inglaterra, a força da revolução industrialgerou probl<strong>em</strong>as econômicos com muito des<strong>em</strong>prego neste período. Esse movimento“holiness” pôde se apresentar, então, como uma forma de expressão do caos socialque onerava a Inglaterra.É possível que o fundador dos movimentos leigos na Noruega na comeca doséculo 19, Hans Nielsen Hauge, também tivesse traços carismáticos: pessoas que oencontraram contavam que ele era totalmente louco! 72. Os movimentos pentecostais seguintes muitas vezes “cultivam” o seu“mito de fundação”: um despertar <strong>em</strong> uma capela velha <strong>em</strong> Los Angeles, <strong>em</strong> AzuzaStreet <strong>em</strong> uma área negra (nos diferentes sentidos da palavra) e um hom<strong>em</strong>: William4 SYNAN, Vinson. The Holiness-Pentecostal Tradition. Cambrigde, 1971.5 SYNAN, Vinson. The Century of the Holy Spirit. Nashville, 2001.6 HILL, Cristopher. The World Turned upside down: Radical ideas during the English revolution.London, 1972.7 Há muita literatura sobre isso, <strong>em</strong> Norueguês. Em Inglês: BERGSTAD, Silas Elliot. Hans NielsenHauge and religious lay activity in Norway. New York: New York University, 1958.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 52


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Seymour. Ele nasceu <strong>em</strong> 1870, na Pennsylvania, filho de escravos. Ele era pregadoritinerante – <strong>em</strong> ass<strong>em</strong>bléias de “holiness”.Um despertamento dramático aconteceu <strong>em</strong> uma favela muito pobre <strong>em</strong> LosAngeles, <strong>em</strong> 1906, nessa capela <strong>em</strong> Azuza Street. De repente, falaram <strong>em</strong> línguas:primeiro, uma pessoa; no dia seguinte, oito e depois, muitos. Houve muito barulho,rebuliço e um caos crescente de pessoas dentro e fora da casa. Até as tabuas do chãoquebraram.Em geral: Glossolalia foi o fundamento do segundo despertamento, <strong>em</strong> 1906.Falar <strong>em</strong> línguas tornou-se a expressão da “segunda bênção” – a dádiva do EspíritoSanto vinha passo a passo.O segundo despertamento teve uma relação muito clara a uma América <strong>em</strong>parte <strong>em</strong> caos social e migração. A macrodistribuição da terra havia terminado, masos <strong>em</strong>igrantes continuavam vindo <strong>em</strong> grandes massas, b<strong>em</strong> como os escravos libertosdepois da guerra civil. Houve grande acorrida para o norte e oeste. As enormesmassas do povo migrante não pertenciam a nenhuma igreja e buscavam um novofundamento material para a vida – e foi oferecido o Espírito Santo, peloPentecostalismo.A imprensa descobriu o que estava acontecendo e produziu reportagensnoticiando uma “total loucura religiosa”. Muita gente de todos os EUA e também deoutras partes do mundo visitaram essas reuniões e voltaram para os seus lugares deorig<strong>em</strong>: o primeiro despertamento se espalhou nos EUA e na Europa e <strong>em</strong> parte daEscandinávia. “O Espírito Santo t<strong>em</strong> fogo”, era a opinião dos convertidos 8 .3. O terceiro despertamento se espalhou antes e depois da segunda guerramundial nos EUA e Europa, no Brasil, e <strong>em</strong> outros países do Terceiro mundo. A8 BLOCH-HOELL, Nils. The Pentecostal mov<strong>em</strong>ent: its origin, development and distinctive character.Oslo, 1964.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 53


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408maioria de vocês aqui já ouviu falar sobre dois pregadores suecos Daniel Berg eGunnar Vingren 9 – convertidos ao pentecostalismo <strong>em</strong> Chicago. Sentindo-sechamados por Deus para a obra missionária, vieram para o Brasil e se estabeleceramno Pará – especialmente entre imigrantes italianos. Mas o despertamento também seespalhou pela Europa nos anos seguintes à II Guerra Mundial.Nesse terceiro despertamento, falar <strong>em</strong> línguas era essencial, mas a curadivina teve um papel mais importante. “Grandes” pregadores itinerantes, com fortereputação, cruzaram fronteiras e mares, reunindo enormes ass<strong>em</strong>bléias cheias de<strong>em</strong>oção. Eles falavam de uma “terceira bênção” referindo-se à cura e ao exorcismo.Falar <strong>em</strong> línguas era um critério importante. Mas a cura foi o critério principal destaonda (ou movimento).4. Um quarto despertamento teve forma e força nas décadas de 70 e 80.Kenneth Hagin é o grande nome, e a prosperidade, o pensamento fundamental. Ohom<strong>em</strong> se faz divino e supera doença, pobreza, depressão.A Teologia da Prosperidade estabelece-se com força <strong>em</strong> partes da África, e aIURD <strong>em</strong>erge no Brasil. Os exorcismos se faz<strong>em</strong> importantes. Espíritos maus – quequebram a vida das pessoas – tornam-se parte do fundamento da “teologia daprosperidade”, mas têm raízes <strong>em</strong> práticas anteriores.Os grandes despertamentos no período entre as guerras mundiais e depois,nos EUA, no Brasil e também <strong>em</strong> outros países - a terceira onda – foram, <strong>em</strong> parte,resultantes da catástrofe militar e política da guerra. Milhares de pessoas foramsacrificadas pela guerra e pelo des<strong>em</strong>prego.As igrejas históricas não tinham resposta à guerra ou ao des<strong>em</strong>prego. O“mercado religioso” era bom para pregadores itinerantes que prometiamprosperidade material e uma vida boa. No Brasil, pobres foram para o oeste. Muitos9 SYNAN, 2001.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 54


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408<strong>em</strong>igrantes encontravam-se <strong>em</strong> condições terríveis e não encontravam sucesso eprosperidade material na economia que se estabelecia. Milhares buscaram“Ass<strong>em</strong>bléias de Deus” – milhares de pentecostais.Esse quarto despertamento – com prosperidade – surge com um perfil ondefalar <strong>em</strong> línguas é menos importante. A característica é a promessa da fé, a promessada prosperidade aqui no mundo, com dinheiro, riqueza, uma boa vida material. A féé o instrumento que torna a pessoa próspera. Deus não gosta de pobreza. Deus querque você seja rico! É importante exercitar a fé - na IURD e <strong>em</strong> outras comunidades.Pela fé é possível vencer os espíritos maus. Fe foi um instrumento divino do crente.Com fé a vida pode florescer com dinheiro, sucesso na vida econômica, na família ena saúde.A onda carismática, dos anos da década de 1980, parece como umaadaptação da situação pós-guerra fria e do capitalismo globalizado <strong>em</strong> roupag<strong>em</strong>neoliberal. A glossolalia tornou-se menos visível. As promessas de dinheiro, riquezae sucesso pela fé vieram para o centro. Os marginalizados observam que “muitos”ficam ricos – mas eles não! E eles ouv<strong>em</strong> sobre a IURD. E o IURD oferece um outrocaminho – saúde e prosperidade. Não só IURD, mas também outras “seitas”funcionam com essa mesma promessa. Entretanto, a IURD t<strong>em</strong> sido mais eficaz nessaoferta atrativa.A IURD se estabelece como a igreja dos marginalizados que buscam ali aprosperidade através da fé e exorcismos dos espíritos.Mas a breve apresentação <strong>em</strong> Johannesburg – que mencionei inicialmente –mostra que a onda carismática também t<strong>em</strong> outros el<strong>em</strong>entos – não se trata apenasde um jogo de dinheiro: no salão da grande ass<strong>em</strong>bléia há, na parede, textos <strong>em</strong>Inglês, Zulu e Xhosa. A ass<strong>em</strong>bléia era bastante s<strong>em</strong>elhante à de Porto Alegre com adiferença que <strong>em</strong> Johannesburg todos eram negros.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 55


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408E logo nos sentimos quase exatamente o mesmo que experienciamos not<strong>em</strong>plo da IURD <strong>em</strong> Porto Alegre: os mesmos movimentos dos braços, as palmas,modo de movimentar o corpo, a retórica do pregador, o seu comportamento <strong>em</strong> cena,o modo de condenar os espíritos maus, etc.Os pregadores da IURD “caçam” os espíritos maus também fora de PortoAlegre usando os nomes dos orixás de Candomblé e Umbanda: Xangô, Ogum, PretoVelho, etc. O pregador <strong>em</strong> Johannesburg não ouve os mesmos nomes de espíritosmaus, <strong>em</strong>bora os orixás do Brasil tenham raízes na África, e a atmosfera seja muitos<strong>em</strong>elhante.A IURD no Brasil condena os espíritos maus como os seus inimigosprincipais. E a IURD encontra espíritos s<strong>em</strong>elhantes na África do Sul.A maioria dos escravos que foram importados para o Brasil não era de Xhosae Zulu. Eles não foram levados das costas de África do Sul para Brasil, <strong>em</strong>bora ostraços dessa mesma mentalidade se express<strong>em</strong> de modo muito visível – traçoss<strong>em</strong>elhantes na África do Sul e Brasil.Talvez agora tenhamos algumas condições de compreender o despertamentocarismático. Ele atinge especialmente África e Brasil: os el<strong>em</strong>entos carismáticospod<strong>em</strong> ter raízes na religião pré-cristã.Tenho orientado alguns estudantes que fizeram estudos de Mestrado sobreigrejas Européias na África – católicos e protestantes. Eles, ou seus pais, têm seconvertido ao cristianismo através das pregações de missionários. Mas a velhareligião com danças, atos, liturgias não “morre”. A velha religião sobrevive nosubterrâneo e o “pastor” – o bruxo - na antiga forma de religiosidade permanece naaldeia. Se, por ex<strong>em</strong>plo, o médico branco não ajuda a pessoa ou a família doente,estes vêm para o bruxo da religião pré-cristã e buscam ajuda.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 56


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Com o processo da descolonização, os espíritos na África acordam-se denovo e acham aliados entre pessoas influenciadas pela missão cristã. Passo a passo,el<strong>em</strong>entos cristãos e africanos se encontram e se misturaram nas IgrejasIndependentes da África (IAC).As IACs têm muita força <strong>em</strong> grande parte da África . Na década de 90existiam cerca de 4.000 delas na África do Sul – 900 só na favela Soweto. EmBotswana calcula-se que 2/3 dos cristãos pertenc<strong>em</strong> a IAC 10 .As características das igrejas da África do Sul têm algumas s<strong>em</strong>elhanças comas igrejas carismáticas no Brasil, na IURD, e também nos EUA. Essas igrejas fluíramjunto com movimentos carismáticos “importados” do Brasil.Talvez o sentimento seja o de que o movimento carismático que sopra sobreo terceiro mundo seja um encontro com a religião que existia – antes da chegada dosmissionários – a religião pré-cristã? Que a descolonização t<strong>em</strong> abertura a essas forças– que a antiga religião <strong>em</strong> parte faz brotar e achar aliados?Alguns anos atrás, estive <strong>em</strong> Helsinki, Capital da Finlândia, à procura daIURD. Um bispo da IURD me escreveu, de Londres, e me contou que anteriormentehouvera um grupo ali – e me deu o endereço do local. Encontrei o local – com cercade 50 pessoas, jovens, brancos e negros. Eu fiquei entusiasmado – achei que haviadescoberto IURD na Escandinávia!!!. Mas estava errado. Que pena! A ass<strong>em</strong>bléia nãoera da IURD. Era, sim, uma comunidade missionária na Finlândia fundada pormissionários da Nigéria.Outra observação: Os grandes saltos através do mar e fronteiras parec<strong>em</strong> ser“sinais” característicos da IURD. Hoje, com modernas mídias, a IURD afirma estarestabelecida <strong>em</strong> mais de 80 paises. Mas essa capacidade de “saltar” é mais antiga –<strong>em</strong> situações mais complicadas.10 JENKINS, 2002.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 57


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Em 1906, o fundador do Pentecostalismo na Noruega, Thomas Barratt, veiopra Azuza Street <strong>em</strong> Los Angeles, e teve uma forte experiência espiritual. Durantesete horas ele ficou <strong>em</strong> êxtase no chão <strong>em</strong> Azuza Street. Depois ele voltou paraNoruega e estabeleceu a igreja pentecostal Filadélfia, <strong>em</strong> Oslo. Logo ele encontroucontatos no país vizinho – Suécia, onde os pentecostais cresceram rapidamente, aindamais do que na Noruega.Dois outros sinais característicos: IIA – eu acho – não t<strong>em</strong> nenhuma estruturad<strong>em</strong>ocrática com pastor eleito e “conselho de cúpula”. O pregador – o pastor – tomaas decisões. A comunidade pertence a ele <strong>em</strong> função de sua capacidade carismática eforça de manter o rebanho coeso. Acho que é possível perceber aqui, o “bruxo”africano – o chefe da tribo.E mais uma característica nos movimentos pentecostais AIC: <strong>em</strong> algumaspartes há líderes f<strong>em</strong>ininas – como, por ex<strong>em</strong>plo, no Candomblé.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 58


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Religião, educação e globalização: o caso norueguêsPor Berge Furre *A maioria dos países que eu conheço t<strong>em</strong> uma forma de educação religiosano seu sist<strong>em</strong>a escolar. Trata-se de países dominados pela Igreja Católica ou peloprotestantismo (com diferentes confissões) ou que têm o Islam como religiãoprincipal e outras religiões. Mas a abertura das fronteiras, provocada pela mídia epelas migrações de trabalho, opera importantes mudanças nas condições do ensinoreligioso.O que acontece na área do ensino religioso escolar quando as condiçõesmudam <strong>em</strong> direção à globalização? Quais desafios o sist<strong>em</strong>a escolar encontra na áreada religião? Quero discutir esse t<strong>em</strong>a tendo por base a experiência norueguesa.Qu<strong>em</strong> sabe “o caso Norueguês” ofereça um ex<strong>em</strong>plo útil!O contraste é espetacular entre os sist<strong>em</strong>as eclesiásticos Nórdicos (sist<strong>em</strong>a de“Igreja Estatal” – <strong>em</strong> parte, <strong>em</strong> vias de liquidação nesses países) e a situaçãobrasileira, com uma Igreja Católica dominante e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, com umapluralidade de comunidades vitais, parte delas com raízes na Europa ou EUA etambém igrejas nascidas na própria terra brasileira.Acho que tanto o Brasil quanto a Noruega, com suas estruturas diferentes,encontram condições globalizantes, cada um a seu modo:* Historiador norueguês. Professor de História da Igreja na Faculdade de Teologia, da Universidadede Oslo – Noruega.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 59


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408O velho monopólio religiosoA reforma luterana – introduzida na Noruega <strong>em</strong> 1537 - foi um resultado deguerras entre reis e poderes. Um deles venceu e instituiu a confissão luterana naNoruega. O rei ficou no lugar do Papa como o Líder Superior da Igreja. Os bisposcatólicos foram trocados por “superintendentes” luteranos.A reforma, <strong>em</strong> geral, foi realizada de modo pacifico. Os pastores puderamescolher entre aceitar a confissão luterana ou <strong>em</strong>igrar. A maioria preferiu a primeiraalternativa. Eles continuaram como pastores como anteriormente, cumprindo os“serviços eclesiásticos”: culto, batismo, confirmação, matrimônio e funeral.Mas, gradualmente, a igreja tornou-se muito centralizadora. O rei <strong>em</strong>Copenhague, a capital, indicava os pastores e promulgava regras e leis muitodetalhadas sobre o que os pastores podiam ou não podiam fazer. Os pastores eramfuncionários públicos obedientes ao rei e prestavam juramento de obediência a ele.Com a introdução do absolutismo através de um golpe, <strong>em</strong> 1660, e com ainfluência do Pietismo, o controle sobre a congregação aumentou muito mais.Participar no culto era um dever. Punição para aqueles que não iam. Comunhão –pelo menos uma vez por ano – era obrigatória. E os pastores apontavam “assessores”da congregação cuja tarefa era controlar o comportamento e a ética dos habitantes.No ano de 1736, a confirmação obrigatória foi introduzida: o pastor tinha de“catequizar” os jovens e garantir que eles foss<strong>em</strong> “confirmados” no “pacto dobatismo”. S<strong>em</strong> a confirmação do pastor, os jovens não poderiam ter trabalhoassalariado ou casar. O manual para a catequese foi a “Explicação de ErikPontoppidan” – escrito por um bispo - com 747 perguntas e respostas que os alunosprecisavam aprender.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 60


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408A escola el<strong>em</strong>entar foi introduzida <strong>em</strong> 1739 e era obrigatória para todas ascrianças. Era uma escola para todos – ricos e pobres. Aos seis anos de idade, todas ascrianças tinham que aprender a ler. O Catecismo, o livro de Pontoppidan, versículosda Bíblia e hinos eram os materiais de leitura. Aqueles que eram um pouco mais ricosaprendiam a escrever e a calcular mediante pagamento. A introdução da escola paratodos foi um projeto muito grande. Faltavam edifícios e faltavam professores. Masjovens com capacidade de escrever tinham trabalho assalariado – e a escola era“itinerante”: ia de fazenda <strong>em</strong> fazenda, naquelas que tinham uma sala do tamanhoadequado para o ensino.A princípio, a escola era uma escola de catecismo. O objetivo era que todossoubess<strong>em</strong>, pelo menos, ler e conhecer os el<strong>em</strong>entos mais centrais na fé cristã.Mas era uma escola para todos. Provavelmente esse sist<strong>em</strong>a escolar foi quases<strong>em</strong> precedentes na Europa daquela época. E, gradualmente, a escola ampliou a suabase – no ensino geral e no ensino religioso. As idéias do Iluminismo penetraram asociedade. Mais tarde, novos livros e textos incr<strong>em</strong>entaram o conteúdo do ensino.Passo a passo, o sist<strong>em</strong>a escolar foi secularizado. Novos t<strong>em</strong>as foram sendointroduzidos. Os professores eram de melhor qualidade. Mas o ensino da religião s<strong>em</strong>antinha sob o controle da Igreja: o pastor controlava o ensino <strong>em</strong> geral eespecialmente o ensino religioso – e ele era presidente do “comitê escolar” de cadaprefeitura. O ensino religioso na escola era definido como “ensino de batismo”.É importante observar que o sist<strong>em</strong>a escolar tinha metas diferentes: dar conhecimento sobre a religião cristã. assegurar a obediência do povo ao rei – no espírito pietista. ensinar o trabalho e a administração do dinheiro – na época domercantilismo.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 61


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408 edificar e unir a nação.Uma época gradualmente mais liberalO ensino religioso na escola continuava sob o princípio de ser “ensino debatismo” do século passado. Também continuava como uma disciplina muitoimportante, mas outras disciplinas passaram a ocupar, gradativamente, mais espaço.E, de 1880 até algumas décadas do séc. XX, surgiram mais conflitos sobre o conteúdoescolar.A classe média e os intelectuais estavam muito divididos entre cristãos ecríticos do Cristianismo. Cada vez mais, novos professores cultivavam idéias fora doreferencial cristão. Mas, oficialmente, o objetivo da escola era uma educação cristã.Cerca de 96% do povo eram m<strong>em</strong>bros da Igreja Luterana. Eles mandavam as criançaspara a escola, geralmente, s<strong>em</strong> reservas. O ensino religioso era uma parte da escolageral. A igreja era representada no “comitê escolar” na prefeitura. O “quadro” daescola era religioso. As crianças visitavam coletivamente o t<strong>em</strong>plo luterano nas festasde Natal e Páscoa. O ensino ainda era de confissão luterana, como o Ensino deBatismo. Orações e hinos eram parte do dia-a-dia da escola.Na década de 60 o sist<strong>em</strong>a mudou - pelo menos a princípio. Uma reformaescolar foi introduzida. O professor deixou de ser considerado como um“catequizador” – <strong>em</strong>bora o ensino religioso continuasse baseado na confissãoluterana. O parágrafo principal da lei sobre o Ensino foi mudado, através de umcompromisso entre os partidos: deixou de ter como alvo a educação cristã para seruma “educação cristã e moral...”. A escola tinha que cooperar com a família nodesenvolvimento religioso do aluno. Mas o ensino religioso ainda era uma disciplinaimportante na escola – fundamentada no luteranismo.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 62


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Questão de dispensaNos anos seguintes, na segunda metade do século XX esse compromisso foirompido. Alguns pais exigiram dispensa dessa disciplina para os seus filhos. Elesnão eram cristãos e não queriam que seus filhos tivess<strong>em</strong> um ensino cristão. Nãoforam muitos os pais que exigiram “o fim do ensino do cristianismo na escola”, maseles eram muito visíveis.A crise cultural do positivismo, a partir de 1880, e a nova força domovimento dos trabalhadores, de 1920 e seguinte, com líderes influenciados pelomarxismo, suscitaram muitas discussões e conflitos sobre o ensino religioso. Umgrupo de ateístas e agnósticos criou, depois da II Guerra Mundial, uma “Organizaçãopara Confirmação Secular”: um curso sobre ética e interesses sociais e uma cerimôniafestiva paralela à confirmação cristã. Nos anos cinqüenta foi fundada a “HumanetiskForbund” (Federação do humanismo e da ética), uma federação de pessoas críticas àIgreja. Eles queriam criar cerimônias seculares de Natal, Confirmação, casamento,enterro, etc. Agora a Humanetisk Forbund t<strong>em</strong> uma participação forte na Noruega:cerca de 17% dos jovens participam da “confirmação secular”, chamada agora de“confirmação humanista.”Um novo passo foi dado nos anos sessenta: Foi estabelecida uma novadiciplina alternativa na escola: “Livssyn” – que significa “Conceito da vida”. Trata-sede um ensino alternativo s<strong>em</strong> religião para as crianças das famílias que não eramm<strong>em</strong>bros da igreja luterana. Esse ensino alternativo foi uma realidade nas grandesescolas das maiores cidades. Mas escolas com poucos alunos nesta categoria nãotiveram essa possibilidade.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 63


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Uma sociedade unitáriaAté cerca de quarenta anos atrás a Noruega era uma sociedade muitounitária, com história, religião, língua e cultura <strong>em</strong> comum. Uma sociedade única eétnica, apenas com exceção da minoria Sami, povo indígena do norte. Neste ponto, oBrasil é um contraste. Provavelmente a Noruega foi o país mais unitário da Europa.L<strong>em</strong>bro-me muito b<strong>em</strong> o quanto era estranho ver uma pessoa negra na rua<strong>em</strong> minha cidade (Stavanger) durante a minha infância. Isso era suficiente paraacabar com o sono!Mas agora a sociedade norueguesa é muito diferente:Imigrantes a trabalho: cerca de 300.000 imigrantes da primeira geraçãomoram na Noruega agora. 64.000 são filhos de estrangeiros. 262.000 (72%) vêm deoutras partes do mundo fora da Europa e EUA – de uma populacao total de cercaquatro milhoes..Na capital, Oslo, há cerca de 20% de imigrantes.A mentalidade e a cultura estão mudando. Poucas pessoas sa<strong>em</strong> da Noruegacomo <strong>em</strong>igrantes, mas a maioria do povo cruza as fronteiras quando estão de fériasou a trabalho. A mídia mostra idéias, mentalidades, modos e interesses queatravessam as fronteiras. Mas quero destacar que a Noruega é, agora,“multireligiosa”. Os imigrantes vêm de muitos países de cultura e religiãomuçulmana. Outros vêm para a Noruega de países com muitos católicos, como AL,Filipinas, Vietnam, etc. E vêm, também, minorias de budistas, hindus, sikhares.Embora 85% do povo seja formalmente m<strong>em</strong>bro da igreja luterana, acomposição do povo é diferente. Especialmente a capital t<strong>em</strong> um cunho cosmopolita.O país – anteriormente o mais unitário na Europa – t<strong>em</strong> mudado <strong>em</strong> direção a umasociedade multicultural e multireligiosa. A capital, Oslo, t<strong>em</strong> cerca de 30 mesquitas. ÉDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 64


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408provável que mais pessoas visit<strong>em</strong> as mesquitas na sexta-feira do que cristãos asigrejas luteranas no domingo.Os Noruegueses, <strong>em</strong> geral, não são freqüentadores assíduos da igreja aosdomingos. A maioria realiza o batismo, a confirmação, etc, mas eles não costumam irao culto <strong>em</strong> um domingo “normal”. Cerca de 10% visita um culto religioso luterano<strong>em</strong> um mês. Em um domingo “normal” cerca de 3% das pessoas está nos bancos dasigrejas.Como o sist<strong>em</strong>a escolar e as autoridades políticas tratam a questão do ensinoreligioso, se a sociedade muda tão rápido e se torna pluralista, pelo menos nascidades principais?Em parte, o ensino dessa nova disciplina “Livssyn” (s<strong>em</strong> religião) foi umaoferta para crianças de pais imigrantes. Alguns muçulmanos mandaram seus filhospara o ensino alternativo e, da mesma forma, alguns, de outras religiões fora doluteranismo, também o fizeram. Mas muitos pais muçulmanos preferiram evitarambas as alternativas. Eles não queriam uma alternativa s<strong>em</strong> religião.Mas, paulatinamente, essa divisão entre ensino cristão e “conceito de vida”tornou-se probl<strong>em</strong>ática. Muitos muçulmanos preferiam um ensino cristão <strong>em</strong> vez deum ensino s<strong>em</strong> religião ou uma religião “s<strong>em</strong> Deus, s<strong>em</strong> Alá” como eles disseram.Um outro aspecto é que parece um pouco estranho que as turmas se dividamquando o t<strong>em</strong>a é ética, solidariedade, etc.O ministro de educação, Gudmund Hernes, um social-d<strong>em</strong>ocrata, criou umcomitê com a meta de criar uma disciplina que pudesse envolver todos os alunos. Elequeria afastar o ensino religioso tradicional – luterano – e o “conceito de vida”. Umanova disciplina ficou no lugar do ensino tradicional da religião. A nova disciplinatornou-se “a disciplina da escola” – não a disciplina da igreja ou de outrascomunidades. Ela incluiria conhecimento sobre outras religiões – como naDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 65


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408mat<strong>em</strong>ática, Estudos sociais, ciências naturais, etc. Na nova disciplina excluiu-se a“pregação”. O objetivo não era converter as pessoas, ou confirmar e/ou desenvolvera fé. O intuito era promover o conhecimento sobre diferentes religiões, umadisciplina que pudesse desenvolver uma compreensão da religião do outro edesenvolver a tolerância e solidariedade..Dois aspectos importantes:1. A disciplina pode trazer conhecimento sobre o cristianismo como umaparte da cultura comum a todos, também para os imigrantes, quepod<strong>em</strong> aprender sobre o país que estão escolhendo para ser sua casa.2. Filhos de pais noruegueses, através desta disciplina, obtêmconhecimento de outras religiões e assim pod<strong>em</strong> compreender melhoros alunos estrangeiros na turma.A motivação desta iniciativa foi responder a situação multicultural daNoruega. O pensamento baseou-se no entendimento de que a situação multicultural<strong>em</strong> uma era de globalização precisava ter uma resposta. O encontro religioso na rua,no trabalho, nos vizinhos t<strong>em</strong> de ter o contraponto dentro da sala de aula: a educaçãoenvolve o aprendizado e a compreensão da fé do outro, respeitar a fé do outro, comtolerância e interesse positivo. Deste modo, o objetivo era que aquela geraçãopudesse ser educada <strong>em</strong> compreensão mútua e solidariedade dentro de umasociedade onde diferentes religiões se encontram <strong>em</strong> convivência pacifica.Mas o que fazer com os el<strong>em</strong>entos da pregação que eram importantes naantiga disciplina de ensino religioso? A maioria do parlamento teve uma resposta:dar aos alunos acesso a uma fé viva – na vida e morte – é uma tarefa da igreja, dacongregação, da comunidade. Por isso, o parlamento decidiu contribuir para a igreja,com suporte econômico, com a finalidade de desenvolver o ensino, como o “ensinoDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 66


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408de batismo”, tanto dentro da igreja luterana quanto <strong>em</strong> outras igrejas. Tanto <strong>em</strong>comunidades cristãs como <strong>em</strong> “Escolas de Curan.”Nos grupos de professores que visitei, pareceu-me que essa nova disciplina –a “disciplina da escola”, que estava proporcionando conhecimento das diferentesreligiões – funcionava b<strong>em</strong> e que os professores recebiam-na b<strong>em</strong> e estavamsatisfeitos com a reforma, que foi chamada KRL (Kristendomskunnskap med religionog livssynskunnskap – Conhecimento cristão e com religião e conhecimento deconceito de vida). Os professores usam novos livros para o ensino e as criançasreceb<strong>em</strong> livros com um tom mais atual, abrindo os universos religiosos de modosdiferentes.Mas a disciplina recebia resistência de forças conservadoras da igrejaluterana, que pensavam que os alunos não aprendiam mais o cristianismo de modosatisfatório. Contudo, a resistência mais forte veio da Humanetisk Foirbund eIslamsk råd (Conselho Islâmico com representantes das mesquitas e uniões). Elesentenderam que a disciplina tinha, <strong>em</strong> seu conteúdo, el<strong>em</strong>entos contra a fé deles. Dequalquer maneira, eles não apreciam o ensino religioso na escola, ou seja, fora damesquita. Eles queriam dispensa desta disciplina para esses alunos, justificando queo ensino religioso deve ser de responsabilidade apenas dos pais. Foram à ass<strong>em</strong>bléiada ONU e pediram que a disciplina KRL fosse somente cristianismo e um poucomais. Humanetisk Forbund e um grupo de pais processaram o Estado alegando queo ensino KRL era contra os direitos humanos. Eles perderam <strong>em</strong> todas as instânciasjurídicas na Noruega e depois apelaram para o Comitê da ONU para os direitoshumanos e também para o Tribunal Europeu de direitos humanos <strong>em</strong> Strasburg.A resposta do governo foi reformar e retirar do ensino os el<strong>em</strong>entos deatividade religiosa, como pregações, hinos, leitura dos escritos sagrados. O professorteria de conferir com os pais sobre quais el<strong>em</strong>entos poderiam ser retirados. MasHumanetisk Forbund e o grupo de pais ainda não estavam satisfeitos.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 67


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408O comitê de direitos humanos de ONU foi bastante critico: levantou apossibilidade de ensinar essa disciplina de um modo objetivo e neutro e apontou queos documentos no parlamento tinham conteúdos de base cristã. O comitê foi críticoao parágrafo principal da Educação norueguesa <strong>em</strong> relação à seguinte formulação:“<strong>em</strong> cooperação e compreensão com a família dos alunos sobre a educação cristã <strong>em</strong>oral.” O comitê também observou que no debate no parlamento, a comissãoparlamentar de ensino disse que a disciplina não pode ser s<strong>em</strong> valores. O comitêpontua, ainda, as tensões dentro da própria disciplina e critica o sist<strong>em</strong>a de dispensa,pois seria um peso para os pais realizar essa dispensa <strong>em</strong> cooperação com a escola. Aconclusão foi que o sist<strong>em</strong>a do ensino religioso, também nesse modo, seria umaruptura do artigo 18(4).Da perspectiva norueguesa é compreensível que a maioria do material deensino religioso baseie-se na religião oficial da Noruega – luterana - porque é areligião da maioria. Mas seria possível para as minorias aceitar ter somente umapequena parte do ensino e do material de textos, etc?Sob a pressão da globalização e de culturas estrangeiras é natural que aNoruega tente se proteger, assim como proteger a sua cultura, que t<strong>em</strong> raízesprofundas na história norueguesa. Por outro lado, as minorias também têm a suacultura, que desejam preservar e defender.Agora, <strong>em</strong> abril deste ano, o Tribunal de Conselho Europeu <strong>em</strong> Strasburgabrirá o “caso contra a Noruega”. Ninguém sabe ainda qual será o resultado.T<strong>em</strong>os visto, portanto, que se trata de um dil<strong>em</strong>a que não é fácil solucionar eque é importante discutir.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 68


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Forçar a tolerância encoraja a consciência?Por Oddbjørn Leirvik *[Tradução: Kathlen Luana de Oliveira e Iuri Andréas Reblin]Conceitos globalizados e religião na sala de aulaA diversidade de aproximações no programa “Religião numa eraglobalizada” reflete o fato de que a globalização t<strong>em</strong> conquistado muitas áreas e seapropriado de múltiplas expressões. Uma dessas áreas é a educação escolar, da qualos ideais se tornam gradativamente parte de um discurso globalizado.Outro aspecto importante da globalização é o dos conceitos globalizados.Nas discussões atuais sobre religião e políticas, nós pod<strong>em</strong>os ver como um jogo deconceitos carregados flui agora mais ou menos livr<strong>em</strong>ente entre as culturas. Eu digodeliberadamente “mais ou menos livr<strong>em</strong>ente”, visto que o uso de conceitos estáfreqüent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong>aranhado <strong>em</strong> jogos de poder. Noções tais como tolerância,liberdade e d<strong>em</strong>ocracia não ca<strong>em</strong> do céu. Atrás dos conceitos globalizados, háagentes humanos com uma agenda de mudança. Nesse sentido, os conceitos pod<strong>em</strong>ser poderosos. Mas os conceitos tend<strong>em</strong> a viver a sua própria vida, mais ou menosindependent<strong>em</strong>ente da sua orig<strong>em</strong>. Isso implica que o significado dos conceitosglobalizados é flexível e sujeito à constante renegociação.Nos debates atuais sobre o assunto controverso da religião na escola, nóstambém achamos que certos conceitos des<strong>em</strong>penham um papel importante.Conceitos e ideais tais como “teaching for tolerance” [ensinar para a tolerância]* Oddvjørn Leirvik é professor de teologia sist<strong>em</strong>ática da Faculdade de Teologia da Universidade deOslo.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 69


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408serv<strong>em</strong> tanto para pontos comuns de referência para pessoas com agendas d<strong>em</strong>udança convergentes, mas não idênticas, quanto ao respeito da religião na escola.Em minha apresentação, eu destacarei a relevância de três conceitosparticulares para a pergunta da religião na sala de aula: tolerância, consciência esolidariedade. Tolerância já é um conceito globalizado nesse sentido. Minha sugestãoé que os outros dois conceitos globalizados – consciência e solidariedade – tambémdeveriam ser trazidos para sustentar a pergunta da religião e das éticas na escola.Embora o alcance da minha discussão venha a ser global, eu prestarei uma atençãoespecial ao contexto egípcio.TolerânciaComeçando com a noção de tolerância, tolerância é um daqueles valores quese espera que todo mundo com a ambição de ser politicamente correto na novaord<strong>em</strong> mundial professe – juntamente com “liberdade”, “direitos humanos” e“d<strong>em</strong>ocracia”. Mas a implicação exata da tolerância é s<strong>em</strong>pre contestada e facilmentev<strong>em</strong> sendo absorvida na retórica política. Nos discursos posteriores a 11/<strong>09</strong>, GeorgeW. Bush referiu-se freqüent<strong>em</strong>ente a tolerância como um dos compromissos maisprofundos da América, a ser defendido (juntamente com “pluralismo” e “progresso”)na guerra contra o terrorismo. Mas ele não está só ao invocar a tolerância. Em umrecente fatwa 1 sobre “Espírito de Tolerância no Islã”, um líder muçulmano americanoreivindica: “Muçulmanos geralmente t<strong>em</strong> sido pessoas muito tolerantes”.Historicamente, tolerância é distintamente uma noção moderna. Ela ganhouimpulso <strong>em</strong> um ponto particular na história européia. Em resposta crítica às guerrasreligiosas na Europa, a tolerância significou liberdade religiosa para os filósofos1 Nota dos Tradutores: Fatwa é uma declaração legal no Islã, <strong>em</strong>itida por um mufti ou um advogadoreligioso sobre um assunto específico.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 70


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408iluministas. No pensamento político, a tolerância foi concebida, algumas vezes,meramente como toleração [toleration] de outros credos. Mas, <strong>em</strong> uso amplo,tolerância [tolerance] significa algo mais. Como a expressão “uma pessoa tolerante”indica, tolerância é mais que políticas. É uma virtude pessoal que implica acapacidade de ser paciente com as opiniões ou práticas dos outros.Se examinarmos os documentos sobre tolerância da ONU, nós constatar<strong>em</strong>osque tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948) quanto aDeclaração dos Princípios de Tolerância da UNESCO (1995) refer<strong>em</strong>-se à tolerânciacomo uma atitude que deveria ser encorajada através da educação. A tolerância não ésomente vista como uma exigência política e legal, mas também como um devermoral relacionado à amizade. Ela s<strong>em</strong>pre significa a “apreciação da rica diversidadedas culturas do nosso mundo”.Desde os anos noventa, e particularmente após 11/<strong>09</strong>, a noção de tolerânciafoi envolvida nas discussões sobre o Islã e o Ocidente. Em consideração ao ensino datolerância, o governo dos EUA pôs uma pressão considerável sobre os Estados d<strong>em</strong>aioria muçulmana, tais como o Egito, a Arábia Saudita e o Paquistão, para revisarseus currículos sobre o ensino do Islã na escola. Observadores mais independentestambém notaram a necessidade de revisar o modo no qual o judeu, o cristão ou outroocidental é descrito nos livros escolares islâmicos predominantes. Educadoresmuçulmanos se sent<strong>em</strong> freqüent<strong>em</strong>ente espr<strong>em</strong>idos entre a pressão de fora e aresistência de líderes religiosos locais, devido aos seus esforços <strong>em</strong> fundir as noçõesislâmicas clássicas de tolerância com os amplos padrões modernos de direitoshumanos.Se alguém examinar os currículos revisados do Egito para a educação ética ereligiosa, constatará que a palavra árabe moderna para tolerância, tasamuh, figurapro<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente nos programas e nos livros escolares. Em árabe clássico, a palavratasamuh possui ricas conotações de virtudes pessoais tais como a paciência e aDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 71


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408generosidade. A inscrição de tasamuh nas moedas, como uma palavra para atolerância política, porém, é moderna. Quanto as suas implicações políticas, n<strong>em</strong>s<strong>em</strong>pre está claro se tasamuh transcende os limites tradicionais fixados pelas culturasmuçulmanas para a religiosidade e o pluralismo moral. De Leste a Oeste, estapergunta é freqüent<strong>em</strong>ente obscurecida quando a tolerância é elogiada: onde sãotraçados exatamente os limites implícitos para a tolerância?ConsciênciaComo notamos, porém, a tolerância não é só sobre políticas. Ela também t<strong>em</strong>a ver com as atitudes pessoais. Quando se discute o ensino da tolerância, ambas asdimensões – pessoal e política – do conceito deveriam ser trazidas para que ele sesustente.A fim de se esquivar de uma compreensão superficial de tolerância comouma “toleração” mais ou menos relutante dos outros, no que segue sugerirei queteaching for tolerance deveria ser unido com os esforços educacionais para fortalecer olaço da consciência através das divisões cultural e religiosa.Parece, de fato, que as pessoas jovens un<strong>em</strong> intuitivamente a noção detolerância com as qualidades pessoais – e a voz da consciência. Quando a OsloCoalition on Freedom of Religion or Belief [Coalizão de Oslo sobre a Liberdade deReligião ou Crença] (a qual possibilitou um projeto nomeado Teaching for Tolerance)convocou uma competição de redação a nível mundial para jovens e estudantes,aproximadamente todas as “Histórias de Tolerância” que foram submetidasassociaram a tolerância com relacionamentos pessoais – como um laço de consciênciaatravés de todas as barreiras. A história pr<strong>em</strong>iada retrata um cristão e um estudant<strong>em</strong>uçulmano na Nigéria que estava apto a reconciliar-se um com o outro e aaprofundar a sua amizade – depois de ter<strong>em</strong> sido separados por algum t<strong>em</strong>po porDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 72


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408causa das diferenças religiosas que eram difíceis de se vencer. Essa compreensão detolerância está <strong>em</strong> sintonia com a Declaração da UNESCO que (como vimos)relaciona a tolerância à amizade e a (liberdade de) consciência.Na história do pensamento cristão, a noção de consciência volta ao NovoTestamento, que associa a consciência com um conhecimento moral que pode sercompartilhado por judeus, cristãos, gregos e romanos. Na compreensão tardia deTomás de Aquino, a consciência humana reflete a lei natural que está escrita nocoração de todo ser humano. Esta também era a convicção dos gregos antigos: o larda consciência é o coração humano.Na linguag<strong>em</strong> ocidental européia, as palavras para consciência consist<strong>em</strong> napalavra “saber” e o prefixo “com”. Assim, a palavra inglesa con-science correspondeao latim con-scientia e ao grego syn-eidesis. Os prefixos syn- e con- indicam que,etimologicamente, consciência significa saber “com” alguém.A pergunta crítica, então, é “com qu<strong>em</strong>” nós sab<strong>em</strong>os algo que é íntimo eprofundo o bastante para ser rotulado como conhecimento consciencioso. Em minhapesquisa prévia sobre a noção de consciência, eu sugeri que a dialética inerente entre“saber por si mesmo” e “saber com o outro” é, na realidade, constitutivo da noção deconsciência. A consciência não reflete apenas convicções privadas. Ela também refletecompromissos interpessoais. Nas sociedades pluralistas, a questão que surge é se olaço interpessoal da consciência será restrito principalmente à solidariedade dentroda própria comunidade da pessoa, ou se a consciência pode criar um laço sólidoentre pessoas de crenças e convicções diferentes.Durante o século XX, o conceito de consciência se tornou completamenteglobalizado, não menos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).Aqui, a consciência é vista como uma faculdade moral que une as pessoas <strong>em</strong>“fraternidade” através das barreiras cultural e religiosa. O Artigo 1º expressa: “Todosos seres humanos nasc<strong>em</strong> livres e iguais <strong>em</strong> dignidade e direitos. Eles são dotados deDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 73


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408razão e consciência e deveriam agir <strong>em</strong> direção ao outro <strong>em</strong> um espírito defraternidade”.Contra a possível suspeita de que o referencial para a consciência só foiincluído por causa da influência ocidental, deveria ser observado que foi, narealidade, um m<strong>em</strong>bro chinês do comitê delineador que propôs um referencial para aconsciência. Na sua visão, a noção cristã ou ocidental de consciência é paralela anoção confuciana de jen. Na escrita chinesa, jen é composto pelos sinais quesignificam “ser humano” e “dois”. Assim, pode ser traduzido como “dois homensque se importam” ou “consciência da humanidade de alguém”.Assim, a Declaração associa a consciência com a fraternidade universal. Masela também reflete a compreensão moderna de consciência como uma propriedadepessoal (quase privada). Se o Artigo 1º enfatiza a dimensão social de consciência, oArtigo 18 declara a “liberdade de consciência” como um direito inviolável quedescansa com o indivíduo: “Todo mundo t<strong>em</strong> o direito à liberdade de pensamento,consciência e religião...”As palavras do árabe moderno para a consciência são damir e wijdan. Noárabe clássico, a palavra damir refere-se ao conhecimento mais profundo que não édivulgado. A partir da metade do século XIX, é atribuido a damir o significadoadicional da consciência moral, ou seja, consciência. Pela sua referência aossentimentos e pensamentos mais profundos, palavras como damir e wijdan enfatizama natureza da consciência como sendo uma propriedade individual (a qual tolerânciapolítica é suposta a proteger). Mas <strong>em</strong> alguns discursos muçulmanos modernos sobrea consciência, alguém pode achar também que damir é referida como a base de umacomunidade moral que transcende a fé que potencialmente une muçulmanos,cristãos e outras pessoas de boa vontade.Nos anos cinqüenta e sessenta (os quais eu pesquisei previamente),intelectuais muçulmanos excelentes, no Egito, falaram de “a shari'a (lei) de amor e deDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 74


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408consciência” como o laço que une Cristo e Maomé e referido igualmente a Gandhicomo “a voz da consciência no nosso t<strong>em</strong>po”. A finalidade dos seus discursosabrangia a “humanidade”. O mais ousado destes autores, Kamil Husayn, escreveuum livro <strong>em</strong> 1954 sobre o drama da Boa Sexta-feira, traduzido para o inglês comoCity of Wrong [Cidade da Injustiça]. Deixando de lado as controvérsias clássicasentre muçulmanos e cristãos, como se Cristo foi crucificado de fato ou não, ele vê aintenção para crucificar como uma expressão do drama universal da integridad<strong>em</strong>oral contra a lealdade religiosa e a racionalidade política. “Eles consideraram que arazão e a religião, da mesma maneira, colocaram sobre eles compromissos quetranscenderam as ordens da consciência”.De qualquer modo, esta aproximação universalista à consciência humanapelos intelectuais egípcios é agora história. Se nos anos cinqüenta e sessenta tantomuçulmanos quanto cristãos eram geralmente sutis para enfatizar sua identidadeegípcia compartilhada, os anos setenta viram a <strong>em</strong>ergência de enormes movimentosde renovação tanto no islã egípcio quanto no cristianismo cóptico. Em contraste coma ênfase prévia na nacionalidade s<strong>em</strong>elhante e na humanidade comum entr<strong>em</strong>uçulmanos e cristãos, os discursos públicos no Egito nas últimas décadas do séculoXX deram um peso crescente a autenticidade cóptica e muçulmana respectivamente.Processos s<strong>em</strong>elhantes tiveram lugar internacionalmente, refletindo ocrescimento global de um tipo de políticas de identidade que suger<strong>em</strong> que umapessoa é <strong>em</strong> primeiro lugar cristã, muçulmana, hindu etc. e somente <strong>em</strong> segundolugar humana.Isto também pode afetar o modo com que nós conceb<strong>em</strong>os a Regra de Ouroque pode ser vista como uma expressão <strong>em</strong>pática do aspecto da consciência dedirecionar-se ao outro. Quase universal <strong>em</strong> sua diss<strong>em</strong>inação, a Regra de Ouro éencontrada na maioria das tradições religiosas e expressada tanto negativamenteDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 75


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408quanto positivamente: “s<strong>em</strong>pre (não) trate os outros como você (não) gostaria queeles tratass<strong>em</strong> você”.Mas como a Regra de Ouro deveria ser interpretada? Ela é universal <strong>em</strong> suaextensão ou ela só requer solidariedade entre os adeptos da mesma fé? A versãomuçulmana da Regra de Ouro figura pro<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> um hadith 2 no começodo Livro da Fé de al-Bukhari: “Ninguém de vocês se tornará fiel até que ele desejepara seu irmão (li - 'akhihi) o que ele gosta para si mesmo”. O probl<strong>em</strong>a é que nagrande maioria das traduções inglesas utilizadas do al-Bukhari, um parênteserestritivo é adicionado: “até que ele deseje para seu irmão (muçulmano) o que elegosta para si mesmo”. As traduções inglesas contradiz<strong>em</strong> assim uma interpretaçãomais universal do dito de Maomé. As traduções restritivas são b<strong>em</strong> afinadas com aspolíticas de identidade prevalecentes no Leste e no Oeste que ameaçam fazer dareligião somente um marcador de bordas comunais.Solidariedade, cara a caraChegando agora ao meu terceiro conceito, solidariedade, ela se origina nosanos de 1840 e é, desse modo, mais recente que a tolerância e a consciência. Deacordo com o Dicionário Inglês Oxford, o conceito de solidariedade t<strong>em</strong> a ver com“estar perfeitamente unido ou junto a alguém… <strong>em</strong> interesses, simpatias ouaspirações”.Em um artigo recente, o teólogo e filósofo Enrique Dussel sugere que atolerância não é suficiente para se opor às atitudes intolerantes. A intolerância, dizDussel, só pode ser contraposta à solidariedade que transcende a fé. Na compreensãode Dussel, a solidariedade não é uma questão de grupo de interesse. No usomoderno recente, ela t<strong>em</strong> a ver antes com a simpatia que transcende o grupo.2 Nota dos Tradutores: Hadith são recopilações dos ditos e feitos do Profeta.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 76


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Significa responsabilidade por seus vizinhos e a prontidão para responder àvulnerabilidade dos outros, até mesmo dos inimigos. Nesse sentido, a noção desolidariedade somente confirma o significado essencial de consciência como um laçode responsabilidade que transcende o grupo.Aprendendo a solidariedade entre as crenças, no EgitoComo a educação pode, então, encorajar a consciência e criar a solidariedadeatravés das divisões religiosas e culturais? A pergunta mais crítica é provavelmentese os alunos de crenças e culturas diferentes são de fato permitidos a encarar um aooutro quando aprend<strong>em</strong> sobre religião e éticas. Na maioria dos países do mundo, aeducação ética e religiosa na escola ainda é confessional – o que significa que ascrianças são separadas quando a religião é ensinada. No caso do Egito, a educaçãoreligiosa islâmica e a cristã foram oferecidas como opções paralelas na escola públicadesde 1907. A fim de equilibrar as conseqüências restritivas da instruçãoconfessional, os currículos revisados dos anos noventa enfatizam a tolerância dooutro, os direitos humanos e a co-cidadania. Em 2001, o Egito introduziu também umnovo assunto chamado “Valores e Éticas” com a tolerância (tasamuh) como umaatitude essencial a ser promovida. Os críticos locais sugeriram que o novo assunto sófoi introduzido por causa da pressão externa. Os arquitetos por atrás do assuntoapontam para a inspiração proveniente da UNESCO, mas enfatizam também opróprio legado do Egito do pensamento ético que transcende a comunidade.Indicativo deste alvo são os livros escolares que retratam muçulmanos e cristãos <strong>em</strong>solidariedade, <strong>em</strong> defesa comum da sua pátria.O probl<strong>em</strong>a é que os livros escolares para a educação islâmica (e até certoponto, os livros escolares para a educação cristã) ainda reproduz<strong>em</strong> os estereótiposantijudeus. Em um livro escolar para a educação islâmica da quarta série, os alunoslê<strong>em</strong>: “Os judeus certamente são enganosos. Eles não respeitaram os pactos entre elesDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 77


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408e os muçulmanos, ou os direitos do vizinho. Porém, os muçulmanos mantêm ospactos e s<strong>em</strong>pre têm boas relações com seus vizinhos”. Em geral, os livros escolaresd<strong>em</strong>onstram a forte inter-relação entre os assuntos nacionais e religiosos noscurrículos egípcios. Em um parágrafo sobre os benefícios do mês de Ramadan, umalinha direta é tirada da primeira vitória histórica dos muçulmanos sobre os idólatrasa Badr na b<strong>em</strong>-sucedida Guerra de Outubro do Egito contra o Estado Judeu de Israel<strong>em</strong> 1973.Não é difícil de entender o contexto político de tais declarações: é difíciltolerar um inimigo político (Israel) que é visto amplamente por ter infringido osdireitos fundamentais de árabes e muçulmanos. Mas ir a busca da amizade entr<strong>em</strong>uçulmanos e cristãos ao custo não só de israelitas, mas de “judeus”, contradizclaramente um tipo de solidariedade que protege indivíduos vulneráveisindependente de sua afiliação política e religiosa. Pela mesma razão, aliançasconversadoras no Ocidente entre judeus e cristãos contra muçulmanos radicais nãodeveriam ser chamadas de solidariedade.A solidariedade <strong>em</strong> Dussel necessita que a natureza excludente das políticasde identidade atuais é desmascarada, também quando ela v<strong>em</strong> na forma de aliançasentre muçulmanos e cristãos ou entre cristãos e judeus. Como o ex<strong>em</strong>plo mostra,aqueles que não estão presentes na sala de aula são mais vulneráveis à exclusão doque os outros.Para reparar esses aspectos infelizes dos livros escolares egípcios, ninguémprecisa chamar o Tio Sam. Trazendo à vida o legado dos intelectuais muçulmanosegípcios, os quais há duas gerações atrás escreveram inclusivamente sobre conceitoda consciência e seu laço de solidariedade implícito, teria tido provavelmente umefeito melhor.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 78


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408ConclusãoResumindo, a visão educacional que está por trás da minha apresentaçãosugere que o teaching for tolerance implica visitar as consciências dos alunos, auxiliá-losa aprender a solidariedade que transcende a fé. Essa compreensão implica que asconsciências individuais – quando chamadas <strong>em</strong> um contexto multi-religioso –pod<strong>em</strong> formar um novo tipo de comunidade moral que desafia os limitestradicionais para a tolerância fixados pelas religiões. Se os alunos de diferentescrenças e contextos são unidos pelo laço da consciência sobre as divisões religiosas,eles ainda aceitarão as desigualdades tradicionais <strong>em</strong> direitos e oportunidades entreos diferentes grupos religiosos, entre os crentes e os incrédulos, entre os homens e asmulheres?Se b<strong>em</strong>-sucedido, a consciência baseada no ensino da tolerância podegradualmente proporcionar uma base de solidariedade entre as crenças. Mas issopode, provavelmente, somente acontecer se os alunos são encorajados a encarar um aooutro quando aprend<strong>em</strong> religião e éticas e discursam sobre tolerância religiosa naescola. Nessa perspectiva, países que igualmente não permit<strong>em</strong> ensinar religião naescola (tais como os EUA e a França), precisam estar dispostos a revisar suaspolíticas, da mesma maneira que muitos países que ensinam religião na sala de aulaprecisam estar dispostos a revisar seus currículos – <strong>em</strong> conformidade com os ideaisglobalizados.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 79


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Imposing tolerance, fostering conscience?By Oddbjørn Leirvik *Globalized concepts and religion in the classroomThe diversity of approaches in the programme “Religion in a globalised age”reflects the fact that globalization has got many arenas and takes manifoldexpressions. One of those arenas is school education, the ideals of which haveincreasingly become part of a globalized discourse.<strong>Ano</strong>ther important aspect of globalization is that of globalised concepts. Incurrent discussions about religion and politics, we can see how a set of loadedconcepts now flow more or less freely between the cultures. I deliberately say “moreor less freely”, since the use of concepts is often entangled in power plays. Notionssuch as tolerance, freedom and d<strong>em</strong>ocracy do not fall from heaven. Behindglobalized concepts, there are human agents with an agenda of change. In this sense,concepts can be powerful. But concepts tend to live their own life, more or lessindependently of their origin. This implies that the meaning of globalized concepts isflexible and liable to constant renegotiation.In current debates on the contentious issue of religion in school, we also findthat certain concepts play an important role. Concepts and ideals such as “teachingfor tolerance” serve as common points of reference for people with converging butnot identical agendas for change as regards religion in school.* Oddvjørn Leirvik is associate professor in syst<strong>em</strong>atic theomolgy at the Theological Faculty, TheUniversity in Oslo.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 80


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408In my presentation, I shall look upon the relevance of three particularconcepts for the question of religion in the classroom: tolerance, conscience andsolidarity. Tolerance is already a globalized concept in this respect. My suggestion isthat two other globalized concepts – conscience and solidarity – should also bebrought to bear upon the question of religion and ethics in school.Although my scope of my discussion will be global, I will pay specialattention to the Egyptian context.ToleranceBeginning with the notion of tolerance, tolerance is one of those values thateveryone with an ambition of being politically correct in the new world order wouldbe expected to profess – along with “freedom”, “human rights” and “d<strong>em</strong>ocracy”.But the exact implication of tolerance is always contested and easily becomesabsorbed in political rhetoric. In post 9/11 speeches, George W. Bush has oftenreferred to tolerance as one of the deepest commitments of America, to be defended(along with “pluralism” and “progress”) by the war on terrorism. But he is not alonein invoking tolerance. In a recent fatwa on “Spirit of Tolerance in Islam”, anAmerican Muslim leader claims: “Muslims have been generally very tolerant people”.Historically, tolerance is a distinctively modern notion. It gained momentumat a particular point in European history. In critical response to religious wars inEurope , tolerance for Enlightenment philosophers meant religious freedom. Inpolitical thought, tolerance has sometimes been conceived of merely as toleration ofother creeds. But in standard usage, tolerance means something more. As theexpression “a tolerant person” indicates, tolerance is more than politics. It is apersonal virtue which implies the capacity of being patient with the opinions orpractices of others.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 81


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408If we look into the UN documents on tolerance, we will find that both theUniversal Declaration of Human Rights (from 1948) and UNESCO’s Declaration ofPrinciples on Tolerance (1995) refer to tolerance as an attitude that should be fosteredby education. Tolerance is not only seen as a political and legal requir<strong>em</strong>ent but also asa moral duty related to friendship. It even means “appreciation of the rich diversityof our world’s cultures”.Since the 1990s, and particularly after 9/11, the notion of tolerance hasbecome entangled in discussions about Islam and the West. As regards toleranceeducation, he US government has put considerable pressure upon Muslim majoritystates such as Egypt , Saudi Arabia and Pakistan to revise their curricula for teachingIslam in school. More independent observers have also noted the need to revise theway in which the Jewish, Christian or Western Other is depicted in prevailing Islamictextbooks. Muslim educators feel often squeezed between the pressure from outsideand resistance from local religious leaders to their efforts at merging classical Islamicnotions of tolerance with modern standards of human rights.If one looks at Egypt’s revised curricula for ethical and religious education,one will find that the modern Arabic word for tolerance, tasamuh, figuresprominently in both syllabi and textbooks. In classical Arabic, the word tasamuhcarries rich connotations of personal virtues such as patience and generosity. Thecoining of tasamuh as a word for political tolerance, however, is modern. As for itspolitical implications, it is not always clear whether tasamuh transcends thetraditional limits set by Muslim cultures for religious and moral pluralism.In both East and West, his question is often blurred when tolerance ispraised: exactly where are the implicit limits to tolerance drawn?Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 82


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408ConscienceAs we have noted, however, tolerance is not only about politics. It has also todo with personal attitudes. When discussing tolerance education, both the personaland political dimensions of the concept should be brought to bear.In order to avoid a superficial understanding of tolerance as a more or lessunwilling “toleration” of others, in what follows I will suggest that teachingfortolerance should be linked with educational efforts at strengthening the bond ofconscience across cultural and religious divides.It se<strong>em</strong>s in fact that young people intuitively link the notion of tolerance withpersonal qualities – and the voice of conscience. When the Oslo Coalition onFreedom of Religion or Belief (which has got a project named “Teaching forTolerance”) called for a worldwide writing contest for youth and students, nearly allof the “Stories of Tolerance” that were submitted associated tolerance with personalrelationships – like a bond of conscience across all barriers . The winning storyportrays a Christian and a Muslim student in Nigeria who were able to reconcilewith each other and deepen their friendship – after having been divided for sometime over religious differences that were hard to tackle.This understanding of tolerance is in line with UNESCO’s Declaration, which(as we have seen) relates tolerance to friendship and (freedom of) conscience.In the Christian history of ideas, the notion of conscience goes back to theNew Testament which associates conscience with a moral knowledge that can beshared by Jews, Christians, Greeks and Romans. In Thomas Aquinas’ laterunderstanding, human conscience reflects the natural law that is written in the heartof every human being. This was also the conviction of the ancient Greeks: the abodeof conscience is the human heart.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 83


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408In Western European languages, words for conscience consist of a word for“knowing” and the prefix “with”. Thus the English word con-science corresponds toLatin con-scientia and Greek syn-eidesis. The prefixes syn- and con- indicate thatetymologically, conscience means knowing “with” someone.The critical question, then, is “with whom” we know something that isintimate and deep enough to be labeled conscientious knowledge. In my previousresearch on the notion of conscience, I have suggested that the inherent dialecticbetween “knowing by oneself” and “knowing with the other” is in fact constitutiveof the notion of conscience. Conscience does only reflect private convictions. It alsoreflects interpersonal obligations. In pluralist societies, the question arises of whetherthe interpersonal bond of conscience will mainly be restricted to solidarity withinone’s own community, or whether conscience can create a solid bond betweenpeople of different faiths and convictions.During the 20th century the concept of conscience has become thoroughlyglobalized, not least by the Universal Declaration of Human Rights (1948). Here,conscience is seen as a moral faculty that unites people in “brotherhood” acrosscultural and religious barriers. Article 1 says: “All human beings are born free andequal in dignity and rights. They are endowed with reason and conscience andshould act towards one another in a spirit of brotherhood”.Against the possible suspicion that the reference to conscience was includedonly because of Western influence, it should be noted that it was in fact a Chines<strong>em</strong><strong>em</strong>ber of the drafting committee who proposed a reference to conscience. In hisview, the Christian or Western notion of conscience paralleled the Confucian notionof jen. In Chinese script, jen is composed of the signs for “human being” and “two”. Itcan thus be translated as “two-man-mindedness” or “consciousness of one’s fellowmen”.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 84


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408The Declaration thus associates conscience with universal brotherhood. But italso reflects the modern understanding of conscience as a personal (almost private)property. Whereas Article 1 <strong>em</strong>phasises the social dimension of conscience, Article 18states “freedom of conscience” as an inviolable right that rests with the individual:“Everyone has the right to freedom of thought, conscience and religion ...”Modern Arabic words for conscience are damir and wijdan. In classicalArabic, the word damir refers to innermost knowledge that is not divulged. From th<strong>em</strong>iddle of the 19th century onwards, damir is given the additional meaning of moralconsciousness, i.e. conscience. By their reference to innermost feelings and thoughts,words like damir and wijdan <strong>em</strong>phasize conscience’s nature of being an individualproperty (which political tolerance is supposed to protect). But in some modernMuslim discourses on conscience, one can also find that damir is referred to as thebasis of a faith-transcending moral community that potentially unites Muslims,Christians and other people of good will.In the 1950s and 60s (which I have previously been researching), outstandingMuslim intellectuals in Egypt spoke of “the shari’a (law) of love and conscience” asthe uniting bond between Christ and Muhammad and even referred to Gandhi as“the voice of conscience in our time”. The scope of their discourses was “humanity”.The most daring of these authors, Kamil Husayn, wrote a book in 1954 about thedrama of Good Friday, translated into English as “City of Wrong ”. Putting asideclassical Muslim-Christian controversies as to whether Christ was actually crucifiedor not, he sees the intention to crucify as an expression of the universal drama ofmoral integrity versus religious loyalty and political rationality. “They consideredthat reason and religion alike laid upon th<strong>em</strong> obligations that transcended thedictates of conscience.”However, this universalist approach to human conscience by Egyptianintellectuals is now history. Whereas in the 1950s and 60s, both Muslims andDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 85


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Christians were generally keen to <strong>em</strong>phasize their shared Egyptian identity, the1970s saw the <strong>em</strong>ergence of huge revival mov<strong>em</strong>ents in both Egyptian Islam andCoptic Christianity. In contrast with the previous <strong>em</strong>phasis on the fellow nationalityand common humanity of Muslims and Christians, public discourses in Egypt in thelast decades of the 20th century have given increasing weight to Coptic and Muslimauthenticity respectively.Similar processes have taken place internationally, reflecting the globalgrowth of a type of identity politics that suggests that a person is first and for<strong>em</strong>ostChristian, Muslim, Hindu etc. and only in the second place human.This may also affect the way we conceive of the Golden Rule, which can beseen as an <strong>em</strong>pathetic expression of conscience’s other-directed aspect. Almostuniversal in its diss<strong>em</strong>ination, the Golden Rule is found in most religious traditionsand expressed either in the negative or positive: ”always treat (not) others as youwould (not) like th<strong>em</strong> to treat you.”But how should the Golden Rule be interpreted? Is it universal in its range ordoes it only call for solidarity between adherents of the same faith? The Muslimversion of the Golden Rule figures prominently in a hadith at the beginning of al-Bukhari’s Book of Faith: “No one of you will become faithful till he wishes for hisbrother (li-’akhihi) what he likes for himself.” The probl<strong>em</strong> is that in the most widelyused English translations of al-Bukhari, a narrowing parenthesis is added: “till hewishes for his (Muslim) brother what he likes for himself”. The English translationsthus contradict a more universalistic interpretation of Muhammad’s saying. Thenarrowing translations are well in tune with prevailing identity politics in both Eastand West that threaten to make religion only a marker of communal borders.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 86


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Solidarity, face to faceComing now to my third concept, solidarity, it originates from the 1840s andis thus more recent than both tolerance and conscience. According to the OxfordEnglish Dictionary, the concept of solidarity has to do with “being perfectly united orat one … in interests, sympathies or aspirations”.In a recent article, the theologian and philosopher Enrique Dussel suggeststhat tolerance is not enough to counter intolerant attitudes. Intolerance, says Dussel,can only be countered by faith-transcending solidarity. In Dussel’s understanding,solidarity is not a question of group interest. In late modern usage, it has rather to dowith group-transcending sympathy. It means responsibility for your neighbour and areadiness to respond to the vulnerability of others, even of en<strong>em</strong>ies. In this sense, thenotion of solidarity only corroborates the essential meaning of conscience as a grouptranscendingbond of responsibility.Learning interfaith solidarity, in egyptHow can education, then, foster conscience and create solidarity acrosscultural and religious divides? The most critical question is probably whether pupilsof different faiths and cultures are in fact allowed to face one another when learningabout religion and ethics. In most countries of the world, ethical and religiouseducation in school is still confessional – which means that the pupils are separatedwhen religion is taught. In the case of Egypt Islamic and Christian ReligiousEducation has been offered as parallel options in public school since 1907. In order tobalance the narrowing consequences of confessional instruction, revised curriculafrom the 1990s <strong>em</strong>phasize tolerance of the other, human rights and co-citizenship. In2001, Egypt introduced also a new subject called “Values and Ethics” with tolerance(tasamuh) as a pivotal attitude to be promoted. Local critics have suggested that theDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 87


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408new subject has only been introduced because of external pressure. The architectsbehind the subject point to inspiration coming from UNESCO but <strong>em</strong>phasize alsoEgypt’s own legacy of community-transcending ethical thinking. Indicative of thisaim, textbooks picture Muslims and Christians in solidarity, in common defense oftheir homeland.The probl<strong>em</strong> is that textbooks for Islamic Education (and to some extent,Christian Education textbooks) still reproduce anti-Jewish stereotypes. In a fourthgrade textbook for Islamic Education, the pupils read: “The Jews are certainlydeceitful. They didn’t respect the pacts between th<strong>em</strong> and the Muslims, or the rightsof the neighbour. The Muslims, however, keep the pacts and have always goodrelations with their neighbours.” In general, textbooks d<strong>em</strong>onstrate the stronginterrelation between national and religious issues in Egyptian curricula. In a sectionabout the benefits of the month of Ramadan, a direct line is drawn from the firstMuslims’ historic victory over the idolaters at Badr to Egypt’s successful OctoberWar against the Jewish state of Israel in 1973.It is not difficult to understand the political context of such stat<strong>em</strong>ents: it ishard to tolerate a political en<strong>em</strong>y (Israel) that is widely seen to have infringed uponthe fundamental rights of Arabs and Muslims. But calling for Muslim-Christianfriendship at the cost not only of Israelis but of “Jews” clearly contradicts a type ofsolidarity that protects vulnerable individuals irrespective of their political andreligious affiliation. For the same reason, conservative alliances in the West betweenJews and Christians against radical Muslims should not be called solidarity.Solidarity in Dussel’s necessitates that the excluding nature of currentidentity politics is unmasked, also when it comes in the form of Muslim-Christian orChristian-Jewish alliances. As the example shows, those who are not present in theclassroom are more vulnerable to exclusion than the others.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 88


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408To mend these unfortunate aspects of Egyptian textbooks, one needs not tocall upon Uncle Sam. Bringing alive the legacy of Egyptian Muslim intellectuals whotwo generations ago wrote inclusively on the concept of conscience and its impliedbond of solidarity, would probably have a better effect.ConclusionSumming up the educational vision underlying my presentation, I wouldsuggest that teaching for tolerance implies calling on the pupils’ consciences, helpingth<strong>em</strong> to learn faith-transcending solidarity. This understanding implies thatindividual consciences – when called upon in a multireligious context – may form anew kind of moral community that challenges traditional limits to tolerance set bythe religions. If pupils of different faiths and backgrounds become united by thebond of conscience across religious divides, will they still accept traditionalinequalities in rights and opportunities between different religious groups, betweenbelievers and unbelievers, between men and women?If successful, conscience-based tolerance education may gradually lay theground for interfaith solidarity. But that can probably only happen if pupils areallowed to face one another when learning religion and ethics and discussing religioustolerance in school. In that perspective, countries that do not even allow teachingreligion in school (such as US and France), must be willing to revise their policies,just as much as those countries who do teach religion in the classroom must bewilling to revise their curricula – in conformity with globalized ideals.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 89


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Reconsiderando os caminhos da Reconciliação: Recapitulandoa “queda do muro” com teólogos da antiga Al<strong>em</strong>anhaOrientalPor Kjetil Hafstad *[Tradução: Marcelo Schneider]Pensando sobre ReconciliaçãoUma das vantagens de se fazer teologia é que pod<strong>em</strong>os levantar grandesquestões sobre a vida s<strong>em</strong> que as pessoas se surpreendam muito – este, afinal, énosso trabalho. No mundo acadêmico, as grandes questões são freqüent<strong>em</strong>entesubstituídas por uma série de pequenas questões, porque com estas últimas seconsegue lidar de um modo científico mais seguro. Não vou tentar somente levantaruma enorme questão acerca da reconciliação, mas também permitir um exame críticodas profundas estruturas de reconciliação entre indivíduos e povos. Indagarei,humild<strong>em</strong>ente, se nosso pensamento nesta área é dominado pelos hábitos, costumesestabelecidos e tradições consolidadas e, talvez, desta forma, mantenha uma certadistância das experiências cotidianas. É possível, pelo menos <strong>em</strong> alguns casos,simplificar a própria maneira que pensamos sobre reconciliação?Estou ciente de que o simples fato de trazer esta questão à tona irá provocaralgumas objeções, b<strong>em</strong> estabelecidas no discurso moral e na pregação e práxis daigreja. Não me proponho a discutir tais objeções neste capítulo.Quero discutir itenslimitados nesta área. De início, irei apresentar somente um argumento a favor de se* Professor de Teologia Sist<strong>em</strong>ática da Faculdade de Teologia, Universidade de Oslo, Noruega. E-mail: kjetil.hafstad@teologi.uio.no.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 90


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408experimentar e testar algumas formas de reconciliação, muito mais simples do que oentendimento teológico tradicional acerca da penitência através da confissão,arrependimento, julgamento, sacrifício, perdão e reconciliação.Questionando as Estórias FundantesA Bíblia apresenta uma perspectiva antiga: estórias criam e constro<strong>em</strong>identidade. Ao contar estórias importantes, você consegue unir as pessoas –test<strong>em</strong>unha o crescimento da igreja primitiva. A igreja foi criada no processo dereunir-se para ouvir e participar das orações e liturgia - e mudou as vidas de cadavez mais pessoas. Atualmente, pod<strong>em</strong>os descrever estas mudanças como aconstrução através da formulação e reformulação das estórias fundantes sobre asquais construímos nossa comunidade e sociedade. Quero questionar uma dasestórias fundantes dominantes que tiveram um impacto imenso na construção denossa igreja e sociedade.Deixe-me iluminar o que tenho <strong>em</strong> mente ao contar uma curta história vividahá alguns anos. Através de nosso comitê de questões ecumênicas na Igreja Luteranada Noruega, fui eleito m<strong>em</strong>bro do grupo nacional de diálogo Luterano-Católico.Trabalhamos juntos por oito anos e produzimos diligent<strong>em</strong>ente uma série dedocumentos, um dos quais foi mencionado com apreço pelo Papa João Paulo IIquando este visitou a Noruega <strong>em</strong> 1989. Tiv<strong>em</strong>os muitos encontros bons e educativosna comissão. Nosso trabalho se encerrou de forma positiva, com uma limitadíssimarecomendação de intercâmbio mútuo para pregação e oração entre as igrejas. Aindaque tenhamos descoberto que, para o desenvolvimento posterior do diálogoecumênico, seria melhor que este grupo encerrasse seu trabalho. Não estávamos, naverdade, resolvendo questões, mas recriando-as!Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 91


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Tentamos entender os probl<strong>em</strong>as de comunicação entre nossas igrejasolhando para onde nossos probl<strong>em</strong>as foram definidos no passado: no t<strong>em</strong>po daReforma e da Contra-Reforma. À medida que recapitulávamos, <strong>em</strong> nosso grupo, osargumentos usados pelos reformadores e contra-reformadores, notei muitosargumentos excelentes julguei ter<strong>em</strong> sido usados pelos primeiros protestantes. Nãohavia, até então, me aprofundado nos conflitos entre nossas igrejas. Mas, quando ofiz, considerei-os muito importantes. E eu não estava muito convencido de que aigreja católica havia mudado suficient<strong>em</strong>ente através, por ex<strong>em</strong>plo, do ConcílioVaticano II. Após ter estudado de forma relativamente intensa o Concílio Vaticano II,passei a ser b<strong>em</strong> mais apreciativo. Depois de estudar as estórias fundantes de minhaigreja, entretanto, não me senti confortável com o fato de que nossa igreja irmã podia,agora, avaliar a justificação somente pela fé como uma extensão satisfatória para aparte luterana. E, é claro, nosso parceiro de diálogo, <strong>em</strong> toda sua cordialidade, achouque divisões, na compreensão de ministério na igreja, permaneciam insuperáveis.Eles não sabiam dizer se era possível afirmar que a igreja luterana t<strong>em</strong> qualquerministério no sentido próprio. O que observo agora, quando olho para trás, é que aorecontarmos e reintegrarmos nós mesmos às histórias de divisão, nos d<strong>em</strong>os boasrazões para continuarmos divididos. Quando reformulamos os probl<strong>em</strong>as decisivos,também recriamos esses probl<strong>em</strong>as.De maneira muito s<strong>em</strong>elhante, somos ensinados pela tradição a resolverprobl<strong>em</strong>as indo ao seu cerne. A estória fundante com a qual estamos trabalhando éque, somente quando iluminamos suficient<strong>em</strong>ente os núcleos reais dos nossosprobl<strong>em</strong>as, somos capazes de resolvê-los. Minha opinião é que, ao invés de aconteceristo, obt<strong>em</strong>os, é claro, mais perspectivas sobre nossos probl<strong>em</strong>as. E ao recontar amaneira como as coisas são, mergulhamos fundo nestes probl<strong>em</strong>as. Mas será queentão encontramos os caminhos para as soluções? Será que o entendimento profundodo porquê estamos juntos nesta confusão nos ajuda? A estória fundante doarrependimento diz que somente aqui, no centro crítico do conflito, na aceitação daDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 92


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408justa partilha de culpa e punição, pod<strong>em</strong>os encontrar as possibilidades para umasolução real. Freud elaborou uma alternativa secular para este processo: somenteatravés da iluminação s<strong>em</strong> restrições, luz clara sobre as causas profundas das reaçõesneuróticas, somos capazes de nos libertarmos delas. Iluminação é, <strong>em</strong> seupensamento, o ‘evangelho’ que muda atitudes e constrições aprendidas. Iluminação évista como libertadora <strong>em</strong> si mesma – da mesma forma como o evangelho somente‘funciona’ quando encontra um coração confesso e contrito.Rel<strong>em</strong>brando a República D<strong>em</strong>ocrática Al<strong>em</strong>ã (DDR)Por muitos anos, esta maneira de pensar foi auto-evidente para mim.Entretanto, recent<strong>em</strong>ente, passei não ter tanta certeza assim. Um dos fatores quecontribuíram para minha dúvida t<strong>em</strong> sido o número de discussões que tive comcolegas da antiga DDR, a antiga Al<strong>em</strong>anha Oriental. Ao longo dos anos oitenta, tive aoportunidade de ter contato freqüente com faculdades de teologia <strong>em</strong> Rostock eGreifswald, porque participei de uma rede de intercâmbio com outras faculdades deteologia nórdicas. A cada dois anos tínhamos uma conferência teológica, seja naDDR, intercalando entre Rostock e Greifswald, seja nos países nórdicos. Esta foi umadas poucas maneiras <strong>em</strong> que os acadêmicos da Al<strong>em</strong>anha Oriental eram autorizadosa visitar universidades no exterior, e uma oportunidade para nós do Norteentendermos como a teologia e a igreja sobreviviam sob o regime comunista – ecomo estes regimes funcionavam vistos de dentro. Além disso, eu cooperava comalguns funcionários de um s<strong>em</strong>inário da igreja <strong>em</strong> Berlin: TheologischesSprachenkonvikt. Partilhávamos o interesse no estudo da teologia de Karl Barth. Porsorte, pude partilhar algumas partes da m<strong>em</strong>ória comum de como a vida era naDDR, para teólogos que trabalhavam <strong>em</strong> universidades comunistas e teólogos quetrabalhavam fora da estrutura oficial e <strong>em</strong> certo conflito com o regime.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 93


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Os indivíduos que conheci nestes anos variaram de professores que tinhamconfiança no partido governante até professores à marg<strong>em</strong> ou até <strong>em</strong> certa oposiçãodireta às autoridades. Ocorreu-me a idéia de entrevistar alguns delesaproximadamente quinze anos depois da queda do muro. Selecionei dois professoresque perder<strong>em</strong> seus <strong>em</strong>pregos depois da “queda” por ter<strong>em</strong> sido acusados decooperar com a polícia secreta (Ministerium für Staatssicherheit). Os outros parceirosrepresentam maneiras diferentes de cooperação e resistência. Um foi, e ainda é,professor nos t<strong>em</strong>pos da DDR. Outro foi mantido no ensino acadêmico, mas numnível muito baixo, devido a rumores que o acusavam de ser contra o regime, mas,depois da “queda”, foi instantaneamente nomeado professor devido aos seus vastosméritos acadêmicos. Outro entrevistado era professor mesmo s<strong>em</strong> ter as qualificaçõesreconhecidas na Theologisches Sprachenkonvikt, mas, ele também, foiinstantaneamente nomeado professor na Universidade Humboldt depois da“queda”, devido aos seus excelentes méritos acadêmicos. O último parceiro era umex-professor de uma outra ‘Kirchliche Hochschule’, que foi quadro da igrejaresponsável por fechar o Ministerium für Staatsischerheit. Através disso, ele ganhoua confiança de alguns ex-oficiais da Stasi. Assim, ele, subseqüent<strong>em</strong>ente, organizouum grupo de discussão para antigos oficiais do regime e suas vítimas. Este grupoapresentou muitas de suas descobertas numa publicação chamada ‘Zwiegespräch’(conversas a dois), que foi editada entre 1991 e 1995.Uma estranha relutância <strong>em</strong> relação à reconciliaçãoEstas conversas me surpreenderam. Ninguém queria reconciliar-se com opassado. Imaginava que alguns deles – principalmente aqueles que eram vistos comoculpados – não estivess<strong>em</strong> muito interessados <strong>em</strong> reconciliação com o passado, poispoderia ser tenso d<strong>em</strong>ais trazer estes assuntos à tona novamente. Um dos livros maisfamosos sobre o t<strong>em</strong>a da reconciliação com o passado na Al<strong>em</strong>anha, nos anosDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 94


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408sessenta, foi escrito por Alexander e Margarete Mitscherlich: Die Unfähigkeit zuTrauern, sobre a incapacidade do povo al<strong>em</strong>ão de sofrer por suas própriasexperiências na II Guerra Mundial. Os autores, que trabalharam com a escola dométodo psico-analítico de Freud, fizeram o diagnóstico não de indivíduos, mas dopovo todo: eles [o povo] suprimiram suas frustrações e tornaram-se insensíveis,afirmam os autores, e esta atitude foi transferida para a geração seguinte na forma detrauma. Sua sugestão para um futuro melhor para a Al<strong>em</strong>anha foi que as pessoas sepermitam sofrer, confessar a culpa, sacrificar-se e reconciliar-se. Os al<strong>em</strong>ãesdeveriam passar por todo o processo de arrependimento.Em sintonia com esta pesquisa, eu teria esperado que, <strong>em</strong> meu diálogo comos parceiros, foss<strong>em</strong> apresentadas algumas apreensões de como lidaram com opassado depois do colapso da antiga DDR. Sim, havia muitas apreensões. Masninguém expressou a necessidade de qualquer processo de reconciliação, deixandode lado a possibilidade de se experimentar algo como uma versão al<strong>em</strong>ã da comissãopara verdade e reconciliação criada na África do Sul. Este fato pede uma análise maisapurada. Cada uma destas pessoas alcançou um estado de paz de espírito. Nãoacharam motivo algum para voltar ao passado. Olhando para trás, todosconcordaram que viveram um período tenso durante o regime. E todos estavam b<strong>em</strong>abertos para falar sobre cooperação com autoridades, experiências de traição, decooperação com a polícia secreta. Mas não estavam interessados <strong>em</strong> reabrir estasquestões. Não viam necessidade de arrependimento ou perdão.Limitações e a dificuldade de ter acesso à verdadeNão esqueçamos os limites de uma investigação como essa. Não tenhocondições de ser representativo <strong>em</strong> aspecto algum. Meus poucos parceiros de diálogoselecionados representam, é claro, atitudes diferentes am relação ao regime ediferentes tipos de carreira – todos são líderes acadêmicos, mas alguns <strong>em</strong> sintoniaDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 95


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408com o regime, alguns <strong>em</strong> oposição e um “<strong>em</strong> cima do muro”. Mas estas são históriasde vida singulares. E mais: não tive intenção alguma, durante minhas conversas, deestabelecer a verdade do que aconteceu. Somente estive interessado <strong>em</strong> ouvir o queeles estavam pensando atualmente, à medida que recapitulavam os eventos de antese de depois da “queda”. Não procurei outras fontes de informação sobre eles ou, porex<strong>em</strong>plo, do que eles eram acusados de ter<strong>em</strong> feito, seja pela Stasi, durante a eracomunista, ou depois, ao longo das assim chamadas ”Ehrenkommisionen” – ascomissões de honra. Penso que todo o processo de se restabelecer a sociedade daAl<strong>em</strong>anha Ocidental ilustra quão extr<strong>em</strong>amente duro e difícil é estabelecer a verdadedo que aconteceu. Mesmo o acesso a uma vasta quantidade de documentos dapolícia secreta não ajudou tanto quanto ao esperado. Eles pod<strong>em</strong>, de fato, ser maisum obstáculo do que uma ajuda. Exist<strong>em</strong> tantas fontes, é muito difícil lê-las nocontexto certo. Afinal, todos tinham que falar com a Stasi. Ainda que você pudesserecusar ser um espião para eles. Mas não é fácil distinguir entre as diferentescategorias na prática. A Stasi tinha o poder de registrar informações sobre umapessoa como se ele ou ela fosse uma espiã, s<strong>em</strong> o conhecimento desta pessoa. Estasinstâncias são raras, mas provocam precaução na leitura contínua dos arquivos. Aspróprias maneiras diferentes de cooperação nas quais as pessoas estavam engajadassão difíceis de entender e, <strong>em</strong> alguns casos, impossíveis, de se esclarecer nos dias dehoje. Na década de 90, muitos investigadores imaginavam que isto seria fácil.Portanto, não procuro a verdade. E não interrompi meus interlocutores <strong>em</strong>nenhum lapso de m<strong>em</strong>ória ou inverdade que eu, coincident<strong>em</strong>ente, percebesse. Meuinteresse era direcionado às reflexões que eles tinham agora, muitos anos depois,acerca da possível necessidade ou desejo de passar por um processo de reconciliação.Ninguém queria isto. E, por outro lado, todos contaram histórias diferentes dereconciliação, e de como eles conseguiam levar a vida adiante. De maneirasparecidas, cada um deles havia encontrado uma paz de espírito.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 96


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Uma “raiva por esclarecimento”Começou de maneira diferente. Logo depois da queda do muro, a mídianacional e internacional estavam ansiosas para recuperar o passado. “Foi como umaraiva por esclarecimento”, afirma Peter (todos os nomes são fictícios), que começouno Theologisches Sprachenkonvikt e foi instalado como professor na UniversidadeHumboldt depois da mudança. “As autoridades do serviço de segurança estatal(Stasi) apresentaram o material dos antigos arquivos secretos. Mas eles nãoentenderam b<strong>em</strong> como lê-los e distinguir entre o que era realidade e o que erainvenção da Stasi. Então as pessoas foram enquadradas. Nesta situação não se podiaperceber o que era real. E isso significa que hoje não há possibilidade dereconciliação”.Além disso, Peter menciona que ninguém por si mesmo declaroupublicamente que tinha colaborado com o regime. Aqueles que admitiram ter feitoisso foram todos revelados pelos documentos. “Não conheço nenhum caso ondepod<strong>em</strong>os dizer que houve reconciliação de fato”, afirma. Foi revelado que alguns deseus colegas trabalharam como espiões da Stasi e o traíram. Em alguns casos, ele tevea oportunidade de falar sobre isso e disse que isso foi bom. Mas não havia nada alémdisso. Estes antigos espiões tinham que ser expostos através de documentos. Eles nãoadmitiram isto por si mesmos. Mas, <strong>em</strong> muitos casos, Peter relata, qualquer tentativade falar “terminou de forma muito ruim”.Ainda, apesar do fracasso aparente de cada ação individual de se estabelecerjustiça e o anúncio de penas leves para a maioria dos culpados das novas acusaçõesno tribunal, Peter aprecia o que aconteceu. Com a d<strong>em</strong>ocracia, todos que foramacusados encontraram meios de defesa que ofenderam o sentimento público dejustiça – e conseguiram sair impunes. “Apesar de tudo”, afirma Peter, “aquelesjulgamentos aconteceram”. Em si mesmo, este fato era novo e isto foi uma boa coisa.O que ele poderia ter desejado nos diferentes tipos de julgamento foram “asDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 97


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408possibilidades de começar a aprender um comportamento melhor e não somenteolhar para o que havia acontecido”. A punição não é um fim <strong>em</strong> si mesmo. Éimportante permitir um novo começo depois de uma partilha aberta e honesta doque foi realidade.Olhando para trás, Peter não sente r<strong>em</strong>orso. Ele está feliz que a ditaduraacabou. Mas sente falta de alguns el<strong>em</strong>entos de sua antiga forma de viver. Hoje eledescreve isto como um sentimento de solidariedade original entre os oprimidos. Eleainda sente esse clima quando joga tênis com seus amigos daqueles t<strong>em</strong>pos, umsentimento de comunidade na privação – e ser capaz de rir disto. Não por último,piadas sobre o t<strong>em</strong>po da ditadura eram criadas a toda hora. Esta era a única maneirade se desvencilhar da pressão de um poder imenso. Após 1990, ele não ouviu maispiadas políticas. Ele também sente que há um pouco menos de necessidade de sedizer “não” ao modo <strong>em</strong> que viviam na era comunista. “Não posso declarar qu<strong>em</strong>inha vida toda não foi importante, uma pessoa não pode e não deve dizer isso”.Respeito e trabalho profissional‘Otto’ era um professor com amplos méritos acadêmicos e tinha um contatorazoavelmente bom com os colegas da Al<strong>em</strong>anha Ocidental e da Escandinávia. Comohavia sido diretor da instituição teológica, também tinha que prestar contas a Stasi. Acomissão de honra achou que isto o incriminava e o reitor lhe pediu que deixasse ocargo. Uma pensão lhe foi oferecida, assim como o direito de se chamar “professoraposentado”.Otto achou isto injusto d<strong>em</strong>ais, mas, como faltava apenas um ano para suaaposentadoria e como o tribunal tinha o poder de tirar-lhe todo o salário, ele aceitoue aposentou-se precoc<strong>em</strong>ente. Otto admite ter ficado um pouco amargurado naépoca, pois sentiu que seu caso não havia sido investigado apropriadamente eDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 98


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408avaliado individualmente, mas apenas condenado por ter tido conversas com a Stasi– o que era o caso de todas as pessoas <strong>em</strong> cargos de responsabilidade.Atualmente, ele não está interessado <strong>em</strong> voltar a este assunto. O que, paraele, fez a diferença e o ajudou a reconciliar-se com a situação foi o fato de que, logodepois de sua aposentadoria forçada, lhe ofereceram um cargo para um certoperíodo numa universidade da Al<strong>em</strong>anha Ocidental. Este engajamento foiprolongado para outros períodos. Ele também atuou como professor convidado naDinamarca e pôde continuar sua própria pesquisa. O fato de poder ter continuado adesenvolver sua atividade normal e ser respeitado como profissional, compensou ainjustiça que Otto acredita ter sofrido.‘Erich’ era um dos acadêmicos mais produtivos da Faculdade de Teologiaonde trabalhou como assistente por 35 anos. Apesar de seus méritos, não havia sidopromovido até a queda do muro, quando, instantaneamente, foi nomeado professor.Ele acha que era visto pelo Estado, devido à sua liderança na universidade comouma ovelha negra política. Por isso, não lhe era permitido viajar para o exterior. Elenão estava no ‘Reisekader’. Ele teve que desenvolver métodos de pesquisa quepudess<strong>em</strong> funcionar s<strong>em</strong> qualquer viag<strong>em</strong>, assim como um novo estilo deinvestigação de fontes e discussão com seus pares. Não era fácil trabalhar <strong>em</strong>arqueologia e história da arte desta forma. É s<strong>em</strong> amargura, todavia, que elerecapitula estes episódios. Ele não podia, é claro, evitar as autoridades, ainda que nãofosse um m<strong>em</strong>bro pro<strong>em</strong>inente da faculdade. “Todos tinham que ocupar um cargo.Logo, todos precisavam de algum parceiro político influente. Algumas coisas eramfeitas por assistentes e pela defesa civil – ou seja lá como chamavam isso.” Ele nãot<strong>em</strong> certeza se queria ter sido professor, pois isso envolveria decisões de naturezapolítica, o que não lhe atraía. A condição de ser um cientista com todos os méritostinha seu lado cômico, como o fato de sua esposa ser s<strong>em</strong>pre chamada de “a esposado professor” e coisas assim.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 99


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Quando lhe perguntei se ele havia se reconciliado com sua história, ele medisse: “Ah pfui, o que posso lhe dizer? Realizei um trabalho acadêmico, e publiqueimais do que todos os outros professores juntos”. Admite que isto pode soar comoarrogância, mas quer deixar claro que está contente com sua vida e não vênecessidade alguma de reconciliação.Estórias de EnfrentamentoEncerro por aqui. As entrevistas d<strong>em</strong>onstram muitos aspectos disto, mas,contundent<strong>em</strong>ente, apontam para a mesma direção. Todos estão relutantes quanto avoltar ao passado. Mesmo aqueles que foram subjugados, mal-tratados e traídos poramigos e colegas não quer<strong>em</strong> tribunais e julgamentos amplos lidando com estesconflitos. Não estão nada contentes com as medíocres tentativas de se lidar com opassado que aconteceram nos primeiros anos após a queda do muro. Mas o queaconteceu – da forma mais limitada possível – não foi ruim. Eles externavam umprofundo sentimento de comunidade entre aqueles que viveram atrás do muro deBerlim. Erich menciona que a história verdadeira da DDR não será ouvida nos diasde hoje. E Peter – que destacou, com a ajuda da teologia de Barth, a necessidade declarificar e iluminar <strong>em</strong> nossas vidas – também afirma: “Nós, assim como todosaqueles que viveram na Al<strong>em</strong>anha Ocidental, não tínhamos outra opção se nãomentir. E eu também menti”. A diferença, naturalmente, é o que você queria alcançarao mentir. Peter prefere que a história real, com todas as suas sombras duvidosas,apareça. Ele se compadece com todos os que partilharam suas vidas atrás do muro –e os chama de uma comunidade de solidariedade dos subjugados.Todos concordam que estão melhores agora. Não estão cientes de queprecisam cavar o passado e acabaram encontrando uma maneira muito prática delutar. Todos contam que, desenvolvendo seu trabalho normal, continuando a serprofissionais, passaram a ter vidas com as quais estão contentes. Poderíamos seguirDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 100


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408apresentando mais detalhes destas histórias de luta. Elas são, entretanto, todasparecidas. As pessoas lutam através do trabalho contínuo, procurando a companhiade amigos e colegas. Mesmo o aparent<strong>em</strong>ente mais solitário menciona, com afeição,um amigo na América. Naturalmente, ninguém sente falta dos t<strong>em</strong>pos da ditadura,mas eles também estão ansiosos para contar sobre a qualidade de vida queexperimentaram. Um deles mostra até mesmo orgulho por ter vivido num t<strong>em</strong>po <strong>em</strong>que não havia qualquer glamour, mas dignidade. Peter enfatiza que ele não poden<strong>em</strong> irá negar sua própria vida.A vida como ela aconteceEu me pergunto se as condições difíceis, como nos t<strong>em</strong>pos da antiga ditadurada Al<strong>em</strong>anha Oriental, que se seguiu à ditadura de Hitler, da qual alguns deles têmm<strong>em</strong>órias de infância, ensinaram as pessoas a apreciar<strong>em</strong> a vida cotidiana eaproveitar<strong>em</strong> todas as oportunidades que aparec<strong>em</strong>. Um dos estudantes com osquais conversei nas entrevistas contou-me sobre a vida maravilhosa nas isoladasKirchliche Sprachenkonvikt. Lá, os estudantes viviam s<strong>em</strong> os direitos dos estudantesnormais. Mas também se sentiam fora do alcance da Stasi. Não possuíam quase nada,viviam na pobreza, com dois conjuntos de blusões e calças – mas podiam discutirtextos profundos de Agostinho, Kant, Barth dia e noite. É claro que isto nãodesenvolve a habilidade de conquistar o mundo ou de ser versátil na sociedadeocidental, mas pode, talvez, fazer com que as pessoas observ<strong>em</strong> as oportunidadesatuais e adapta-las à vida como ela é.Conversando com estas pessoas diferentes, que passaram por histórias depressão, achei s<strong>em</strong>elhanças contundentes entre o desejo de encontrar o caminho àfrente na unidade e a vida e as oportunidades do presente. Estas pessoassimplesmente encontraram seu caminho, no trabalho e na comunicação. Éhumanamente impossível se estabelecer a verdade absoluta acerca do que realmenteDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 101


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408aconteceu. Ninguém nos deu a opção de fazermos isso. Peter acha impossívelencontrar a verdade – e destaca que muitas coisas que eles experimentaram durantea ditadura estão hoje tão distantes que parec<strong>em</strong> um sonho, uma nuv<strong>em</strong> passageira.Erich não sente necessidade alguma de fazer isso, pois está contente com o que lheaconteceu na vida, inclusive com as experiências negativas. Otto saiu da frustraçãode ter sido expulso e não t<strong>em</strong> l<strong>em</strong>brança de ter feito mal aos outros. Graças ao apoiode colegas, ele conseguiu superar os probl<strong>em</strong>as e segue trabalhando, mesmo depoisde ter sido enviado à força para a aposentadoria. Ouvi histórias parecidas com essados outros que entrevistei.As pessoas que conheci partilharam sua história atual acerca do queaconteceu. Isto, obviamente, não é necessariamente um relato do que realmenteaconteceu, mas um relato de como eles descrev<strong>em</strong> agora como foram capazes delevar suas vidas adiante e conviver<strong>em</strong> com o passado. Eles pertenc<strong>em</strong> a uma geraçãoque viveu a ditadura do início ao fim. Não diz<strong>em</strong> que não se arrepend<strong>em</strong> de nada.N<strong>em</strong> diz<strong>em</strong> estar<strong>em</strong> orgulhosos das maneiras com que lutaram. De forma maishumilde, apegam-se às suas vidas e, nas palavras de Neruda, “admit<strong>em</strong> estar vivos”.Não precisam ou sent<strong>em</strong> falta de reconciliação com os seus antigos inimigos ouconsigo mesmos.Reconsiderando Caminhos para a ReconciliaçãoRe-examinar o próprio conceito de reconciliação pode ser útil? Permitam-me,imediatamente, limitar o espectro. A ditadura da antiga Al<strong>em</strong>anha Oriental não foitão brutal quanto o regime nazista, n<strong>em</strong> é comparada com o antigo regime de terrorda África do Sul. Houve também incidentes brutais na Al<strong>em</strong>anha Oriental, e algunsdos artistas dissidentes pod<strong>em</strong> dar seu test<strong>em</strong>unho disso. Mas, admitindo que estesforam numa escala limitada, ainda assim estou surpreso com a total ausência danecessidade de retribuição e reconciliação entre os meus entrevistados. TentareiDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 102


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408desenvolver uma conclusão no sentido de afirmar que o modo de lutar e de lidarcom os probl<strong>em</strong>as ,que é expresso por estas histórias, soa como reconciliação <strong>em</strong> simesmo para mim, mas, evident<strong>em</strong>ente, s<strong>em</strong> sacrifício.A história tradicional de reconciliação, que é colorida pelas ordens dosmovimentos monásticos que, intencionalmente, viravam as costas para este mundo,prescreve uma longa e pedregosa estrada a ser percorrida. A história indica umavolta ao ponto original da falha, para investigar e reconstruir esta falha, a fim deresolver as coisas. Pode ser que estejamos aptos a nos reconciliar mais cedo ou maistarde, encontrando momentos de superação e tentando descobrir como a pessoa, defato, conseguiu fazer isto. Todos pod<strong>em</strong> ser surpreendidos por si mesmos ao sedescobrir<strong>em</strong> capazes de enfrentar probl<strong>em</strong>as, pois faz<strong>em</strong>os algo que realmentefunciona. Refletindo acerca do que aconteceu, estamos contando histórias queviv<strong>em</strong>os. Por isso pod<strong>em</strong>os estar aptos a ajudar nós mesmos e aos outros a enfrentaros probl<strong>em</strong>as de forma mais efetiva. Este pode ser um passo na procura de melhorese, talvez, mais simples, caminhos de reconciliação.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 103


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Reconsidering the Roads to Reconciliation: Looking Back at‘die Wende’ with Theologians From the Former DDRBy Kjetil Hafstad *Thinking about ReconciliationOne of the advantages of doing theology is that we can raise the greatquestions of life without people being much surprised – that is our job anyway. Inthe acad<strong>em</strong>ic world, the great questions are often substituted by a lot of very smallones, because small questions are possible to handle in a more secured scientific way.I will now try, not only to raise a huge question on reconciliation, but also allow for acritical examination of the deep structures of reconciliation between individuals andpeople. I will humbly ask whether our thinking on this field is dominated byestablished habits and heavy traditions, and perhaps in this way is kept at a certaindistance from everyday experiences. Is it possible, at least in some cases, to simplifythe very way we think about reconciliation?I am well aware of that only raising this question will call for a host ofobjections, well established in moral discourse and church preaching and praxis. Iwill not be able to discuss the objections in this chapter. I want to discuss limitedparts of the field. As a start I will only present an argument in favour of trying andexperiencing some ways to reconciliation, much simpler than the traditionaltheological understanding of penitence, through confession, repentance, judg<strong>em</strong>ent,sacrifice, forgiveness and reconciliation.* Kjetil Hafstad is Professor of Syst<strong>em</strong>atic Theology, Faculty of Theology, University of Oslo. E-mail:kjetil.hafstad@teologi.uio.noDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 104


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Questioning the Master StoriesThe Bible represents an age old insight: Stories create and construct identity.By telling important stories, you can unite people - witness the growth of the earlychurch. By coming together and listening and taking part in preaching and liturgy,the church was created - and changed the lives of ever more people. Today, we maydescribe these changes as construction through formulation and reformulation of th<strong>em</strong>aster stories that we build our community and society upon. I want to question oneof the dominant master stories that have had an immense impact on our constructionof church and society.Let me illuminate what I have in mind by telling a short story I experiencedsome years ago. By our committee of ecumenical questions in the NorwegianLutheran Church I was elected m<strong>em</strong>ber of the national Lutheran-Catholic dialoguegroup. We worked together for eight years and diligently produced a couple ofdocuments, one of which was actually mentioned with appreciative regard by PopeJohn Paul II, as he visited Norway in 1989. We had many good and very educatingmeetings in the commission. Our work ended in a positive, very limitedrecommendation of mutual exchange in preaching and praying between thechurches. Yet we also found that for the further development of ecumenical dialogue,this group would do better if it by then ended its work. We were in fact not solvingquestions; we were recreating th<strong>em</strong>!We had tried to understand the probl<strong>em</strong>s in communication between ourchurches by going back to where all of our probl<strong>em</strong>s were defined, the time of theReformation and the Counter-Reformation. As we retold in our group the argumentsraised by the Reformers and Counter-Reformers, I r<strong>em</strong><strong>em</strong>ber what excellentarguments I judged the first protestants to have made. I hadn’t until then really gonedeeply into the conflicts between our churches. But as I did, I found th<strong>em</strong> veryDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 1<strong>05</strong>


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408important. And I was not quite convinced that the Catholic church had changedsufficiently through, for instance, the Second Vatican Council. After living throughand studying fairly intensely the Second Vatican Council, I had earlier been muchmore appreciative. After studying the master stories of my church however, I wasuneasy with the prospect that we could accept that our sister church could nowassess justification by faith alone to a satisfactory extent for the Lutheran part. And ofcourse, our dialogue partner, in all cordiality, found that the divisions in theunderstanding of ministry in the church were still insurmountable. They wereunsure whether the Lutheran church could be said to have any ministry at all in theproper sense. What I now observe in looking back, is that by retelling andreintegrating ourselves in the stories of division, we gave ourselves good reasons forstill being divided. When we reformulate the divisive probl<strong>em</strong>s, we also recreatethese probl<strong>em</strong>s.In a very similar way, we are taught by tradition to solve probl<strong>em</strong>s by goinginto their central core. The master story we are working with is that only when wehave shed sufficient light on the real core of our probl<strong>em</strong>s, are we able to solve th<strong>em</strong>.My point is rather that by doing so, we of course obtain more insight in ourprobl<strong>em</strong>s. And by retelling the way things are, we deeply immerse ourselves in thoseprobl<strong>em</strong>s. But do we then automatically find ways to solutions? Does the deepunderstanding of why we are together in this mess help us out? The master story ofrepentance says that only here, in the critical centre of conflict, in the acceptance ofthe right distribution of guilt and blame, we may find the possibilities to a realsolution. Freud made a secular alternative to this process: only by enlightenmentwithout restriction, clear light on the deep causes of our neurotic reactions, are weable to be freed from th<strong>em</strong>. Illumination is in his thinking the ‘gospel’ that changesattitudes and learnt constrictions. Illumination is seen as liberating in itself – just asthe gospel only ‘works’ when meeting a contrite and confessing heart.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 106


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408R<strong>em</strong><strong>em</strong>bering the DDRFor many years, this way of thinking has been self-evident for me. In recentyears however, I have become more doubtful. One of the contributing factors to thisdoubt has been a number of discussions I have had with colleagues from the formerDeutsche D<strong>em</strong>okratische Republik, the former Eastern Germany. Through theeighties, I happened to stay in frequent contact with theological teachers at thetheological faculties in Rostock and Greifswald, because we participated in anexchange network with the other Nordic theological faculties. Every second year wehad a theological conference either in DDR, changing between Rostock andGreifswald, or in one of the Nordic countries. This was one of the few ways EastGerman scholars were allowed to visit universities abroad, and an opportunity for usup north to understand more of how theology and church survived under aCommunist regime – and how these regimes worked, seen from the inside. Inaddition, I was cooperating with some of the staff in the church-owned s<strong>em</strong>inary inBerlin: Theologisches Sprachenkonvikt. We shared an interest in the study of thetheology of Karl Barth. By chance, then, I was able to share some parts of thecommon m<strong>em</strong>ory of how life was in the DDR, for theologians working inCommunist universities and theologians working outside the official structure and incertain conflict with the regime.The individuals I got to know in these years ranged from teachers who hadthe confidence of the ruling party, to teachers on the fringe and also some in directopposition to the authorities. I came upon the idea of interviewing some of th<strong>em</strong>,some fifteen years after ”die Wende”. I selected two professors who had lost theirjobs after ”die Wende” because they were accused of cooperating with the secretpolice, Ministerium für Staatssicherheit. The other partners represented differentsorts of cooperation and resistance. One was a professor during the DDR-time, andstill is. One was only kept as acad<strong>em</strong>ic teacher at a very low level, because ofrumours of being antagonistic towards the regime, but after die Wende he wasDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 107


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408instantly made professor because of his broad scholarly merits. One was a teacherwithout recognized qualifications at Theologisches Sprachenkonvikt, but he too wasmade professor instantly at the Humboldt University after die Wende, on the grundsof excellent scholarly merits. The last partner was a former teacher at another‘Kirchliche Hochschule’, who had been one of those from the church who wereresponsible for closing the Ministerium für Staatsischerheit. Through this he hadwon confidence among the some former officials in Stasi. Thus he subsequentlyorganised a discussion group for former officials of the regime and their victims. Thisgroup has presented much of their common findings in a publication called‘Zwiegespräch’ (conversations of two) which was published from 1991-1995.A Strange Reluctance to ReconciliationThese conversations surprised me. Nobody wanted to go into reconciliationwith the past. I would have imagined that some of th<strong>em</strong> – mainly those who wereregarded as culprits - would not be very interested in reconciliation with the past,this being too stressful to go into again. One of the most famous books on the th<strong>em</strong>eof reconciliation with the past in Germany in the sixties was Alexander undMargarete Mitscherlich: Die Unfähigkeit zu Trauern, on the German people’sinability to grieve their own experiences of the Second World War. The authors whoworked in the psycho-analytic school of Freud, made the diagnosis, not onindividuals but on the whole people: they have suppressed their frustrations andbecome insensitive, the authors claimed, and this attitude was transferred to the nextgeneration as a trauma. Their suggestion for a better future for Germany was toallow for grief, confession of guilt, sacrifice, reconciliation. Germans were advised togo through the full process of repentance.In line with this research I would have expected that my dialogue partnerswould present some misgivings on how the past was dealt with after the collapse ofDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 108


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408former DDR. And yes, there were many misgivings. But no one expressed the needfor any process of reconciliation, let alone for making anything like a German versionof a commission for truth and reconciliation as in South Africa. This calls for scrutiny.Every one had reached peace of mind. They found no reason to go into the pastagain. Looking back, they all consented that they had a stressful time during theregime. And they were all quite open in talking about cooperation with authorities,experiences of betrayal, of cooperation with the secret police. But now they were notinterested in reopening the issues. They did not see a need for either repentance orforgiveness. They were in fact coping rather well.Limitations and the Difficult Access to TruthLet us not forget the limits of an investigation like this. It cannot berepresentative in any respect. My few selected conversation partners represent ofcourse different attitudes towards the regime and different prototypical careers – allacad<strong>em</strong>ic teachers, but some in line with the regime, some in opposition, and one inthe middle. But these are singular life stories. In addition: I had in my conversationno intention of establishing the truth of what had happened. I was only interested inhearing what they were now thinking, as they looked back on the events before andafter die Wende. I did not seek other sources of information about th<strong>em</strong> or what theywere for instance accused of having done, either by Stasi during the Communist era,or afterwards through the so-called ”Ehrenkommisionen” – the ‘honourcommissions’. I think the whole process of reestablishing East German societyillustrates how extr<strong>em</strong>ely difficult it is to establish the truth of what had happened.Even access to a vast data of documents from the secret police has not helped asmuch as was expected. They may, in fact, be more a hindrance than a help. There areso many sources, and they are so difficult to read in a correct context. After all,everyone had to talk with Stasi. Yet you could refuse to be a secret spy for th<strong>em</strong>. ButDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 1<strong>09</strong>


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408it is not easy to distinguish between the different categories in praxis. Stasi couldwrite down information from a person as if he or she were a secret spy, without theperson’s knowledge. These instances are rare, but raise caution in reading the filesstraightforwardly. The very different sorts of cooperation people were engaged inare difficult, and in some cases impossible, to clarify today. At the outset in 1990most investigators thought this would be easy.So I didn’t seek the truth. And I didn’t interrupt my partners in any m<strong>em</strong>orylapse or lie, when I coincidentally knew about it. My interest was directed towardswhat reflections they had now, many years afterwards, on the possible need for orwish to go through a process of reconciliation. No one wanted to. And on the otherhand, everybody told different stories of reconciliation, and of how they were able tocope. In rather similar ways, each one of th<strong>em</strong> had found peace of mind.A ‘Rage for Enlightenment’It started differently. Just after die Wende national and Western media werekeen on making up for the past. ”It was like a rage for enlightenment,” says ‘Peter’(all names are invented), who started at Theologisches Sprachenkonvikt and wasinstalled as professor at Humboldt University after the change. “The authorities forthe documents from the state security service (Stasi) did present material from theformer secret archives. But they didn’t understand well how to read th<strong>em</strong> and todistinguish between what was reality and what was an invention of Stasi. So peoplewere framed. In this situation you could not tell what was real. And that means thattoday there are no more possibilities for reconciliation.”In addition Peter mentions that no one by him or herself declared public thatthey had cooperated with the regime. Those who admitted doing so, had all beenrevealed through documents. ”I don’t know any case where we could say there was aDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 110


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408realized reconciliation,” he says. It was revealed that some of his colleagues hadworked as spies for Stasi, and betrayed him. In a couple of cases, he had found anopportunity to talk about it and say that it was good to be able to talk about it. Butthere wasn’t more to it than that. These former spies had to be exposed throughdocuments. They did not admit to it by th<strong>em</strong>selves. But in most cases, Peter saysabout any att<strong>em</strong>pt to talk: ”It all ended badly.”Yet, in spite of the se<strong>em</strong>ing failure of every single action for establishingjustice, and the release with fairly light sentences of most of the culprits from the fewprosecutions in court, Peter appreciates what happened. With d<strong>em</strong>ocracy everyonewho was accused, found ways of defence that offended the public feeling of justice –and they got away with it. “All the same”, Peter says, “we did have those trials.” Initself, that was new and a good thing. What he could have wished for in the differentsorts of trials, were ”possibilities to start learning better behaviour and not justlooking through what had happened.” Punishment is not an end in itself. It isimportant to allow for a new start after open and honest sharing of what has beenreality.Looking back, Peter is not filled with regret. He is happy that the dictatorshipis ended. But he misses some el<strong>em</strong>ents of their former way of life. He now describesthis as a feeling of original solidarity between the subdued. He can still feel thisclimate when he is playing tennis with his friends from former time, a feeling ofcommunity in hardship – and being able to laugh through it. Not least, since underdictatorships jokes are created all the time. That was the only way to let loose thepressure from the immense power. After 1990 he has not heard any political jokesany more. He also feels that there is little need to say no to the way they livedthrough the communist age. ”I cannot declare my whole life unimportant. Onecannot do so, and should not do so.”Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 111


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Respect and Professional Work‘Otto’ was a professor of broad scholarly merits and had quite good contactwith colleagues in West Germany and Scandinavia. As he had been a director of thetheological institution, he had to render accounts to Stasi as well. The honourcommission found that this had incriminated him and the rector asked him to giveup office. He was offered a pension and the right to call himself professor inretir<strong>em</strong>ent.Otto felt this very unfair, but as he was just under a year from retir<strong>em</strong>ent age,and because a trial in court could strip him of all his income, he accepted and wentinto retir<strong>em</strong>ent before time. He admits he was very bitter at that time because he felthis case was not investigated properly and evaluated individually, only sentencedgenerally for having had conversations with Stasi – which was the case for everyperson in positions of responsibility.Now he is not interested in going into the matter again. What for him madethe difference, and helped him to reconcile himself with the situation, was that hejust after his forced retir<strong>em</strong>ent was offered to step in for a colleague in WestGermany for a term. This engag<strong>em</strong>ent was prolonged for further terms. He was alsoinvited as guest teacher to Denmark, and was able to continue his own research.Being able to continue with his normal work and being respected as a professionalmade up for him for the injustice he felt had been done him.‘Erich’ was one of the most productive scholars in the Theological Facultywhere he served as assistant for 35 years. In spite of his merits, he was not promoteduntil after die Wende. Then he was made professor at once. He thinks he wasregarded by the state, and therefore by the leadership in the university, as a ‘blacksheep’ politically. Therefore he was not allowed to travel abroad. He was not amongthe ‘Reisekader’. He had to develop methods of research that could work withoutany travel and a style of investigating sources and discussing with peers. Working inDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 112


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Archeology and Art History, this was not easy. When he looks back, it is howeverwithout bitterness. He could of course not avoid the authorities, even though he wasnot a prominent m<strong>em</strong>ber of the faculty. ”Everyone had to fill a post and theneveryone needed a political fig leaf. Certain things were done by assistants, civildefence and whatever they called it.” He is not sure of whether he would havewanted to be a professor, because that would have involved decisions of a politicalnature, which he was not attracted to. Being a fully merited scientist in a very modestposition had its comical sides – that his wife was always greeted after the professor’swives and things like that.When I ask him whether he has reconciled himself with his history, he says:”Ah pfui, what shall I say? I have done scholarly work. And I have published morethan all the other professors put together.” He admits it might sound arrogant, but hewants to make clear that he is content with his life and does not see any need forreconciliation.Stories of CopingI break off here. The interviews d<strong>em</strong>onstrate many aspects of this, but pointr<strong>em</strong>arkably in the same direction. Everyone is reluctant to go into the past. Eventhose who were subjugated and were treated badly and were betrayed by friendsand colleagues don’t want widespread tribunals or trials treating the conflicts. Theyare not at all content with the rather feeble att<strong>em</strong>pts to deal with the past thathappened in the first years after die Wende. But what happened – limited as it was –was not bad. But they also communicate a deep feeling of community with thoseliving behind the Berlin Wall. Erich mentions that the real history of the GermanD<strong>em</strong>ocratic Republic will not be heard today. And Peter – who has underlined withthe help of Barth’s theology the need for clarity and light shed on our lives – alsosays ”We, like everyone who lived in East Germany, had no other option than to lie. IDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 113


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408did it too.” The difference is of course what you wanted to achieve by lying, he adds.Peter wants rather for the true story to come to the fore, with all its dubious shadows.And he feels compassion with all those who shared their lives behind the wall – andcalls it a community of solidarity of the subdued.Everyone consents that they are doing rather well now. They are not awarethat they need to dig into the past, and have found very practical way of coping.They all tell that by doing their normal work, continuing to be professionals, theyhave worked th<strong>em</strong>selves into lives they are content with. We could go into moredetail with the different stories of coping. They are however of a similar kind. Theycope through continuing to work, through seeking the company of friends orcolleagues. Even the se<strong>em</strong>ingly loneliest one among th<strong>em</strong> mentions with affection afriend in America. Naturally, no one misses the dictatorship, but they are also eagerto expand on and tell about the qualities of life which they experienced. One of th<strong>em</strong>was rather proud to have come through the period without any glamour but with afair amount of decency. Peter <strong>em</strong>phasises that he cannot and will not negate his ownlife.Life as it HappensI ask myself whether hard conditions as in the former dictatorship of EastGermany, following the dictatorship of Hitler from which some of th<strong>em</strong> hadchildhood m<strong>em</strong>ories, have taught people to appreciate everyday life and graspwhatever opportunities that comes along. One of the students I conversed withduring my interviews told me of a wonderful life in the isolated KirchlicheSprachenkonvikt. There, students lived without the rights of normal students. Butthey also felt out of reach of the Stasi. They owned almost nothing, living very poorlywith two sets of trousers and sweaters – but they were able to discuss profound textsof Augustine, Kant, Barth day and night. This does not, of course, foster the ability toDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 114


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408conquer the world, and to be versatile in the Western society, but perhaps to be ableto appreciate present opportunities and fit into life as it is?In talking with these different persons who all had stories of pressures to tell,I found striking similarities in a willing to find out the path ahead in unity with thelife and opportunities which are present. They simply found their way, in work andcommunication. By human standards, there are no ways to establish the truth ofwhat happened. No one gives us the option to do so. Peter thinks it is impossible tofind the truth – and r<strong>em</strong>arks that many of the things they experienced during thedictatorship are now so far away, that they se<strong>em</strong> like a dream, a driving cloud. Erichfeels no need to do so, because he is content with life as it happened, including theunpleasant experiences. Otto has worked himself out of the frustration of beingexpelled and has no m<strong>em</strong>ory of doing harm to others. Thanks to support fromcolleagues, he was able to cope and still work after having been forced intoretir<strong>em</strong>ent. I have heard similar stories from the others interviewed.The persons I met shared their current story of what happened. This is ofcourse not necessarily an account of what actually happened. But it is the account ofhow they now describe how they cope with their lives and live with their past. Theybelong to a generation that lived through the dictatorship from beginning to end.They do not say that they don’t have any regrets. They all tell about lostopportunities and of frustrations and inhuman pressure. Neither do they say thatthey are proud of their way of coping. More humbly, they stick to their lives andacknowledge that they, in Neruda’s words ”admit to having been alive”. They do notneed or miss a thorough reconciliation, neither with their former en<strong>em</strong>ies, nor withth<strong>em</strong>selves.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 115


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Reconsidering Roads to ReconciliationI wonder whether this can be helpful in re-examining the very concept ofreconciliation? Let me immediately limit the scope. The dictatorship of former EastGermany was not as brutal as the Nazi regime, and is neither to be compared withthe regime of terror in former South Africa. There were also very brutal incidents inEast Germany, as some of the dissident artists can give testimony to. But admittingthat there is such limited scope, I am still amazed that the need for retribution andreconciliation is so absent among my interviewees. I will tend to draw the conclusionthat the way of coping which is communicated by these stories looks likereconciliation to me, but evidently without sacrifice.The traditional story of reconciliation, which is coloured by the orders of th<strong>em</strong>onastic mov<strong>em</strong>ents who intentionally turned away from this world, prescribes afar more burdensome road to go. The story prescribes to return to the original pointof failure, to investigate and reconstruct that failure, in order to sort things out. Itmay be that we are able to come sooner and better to reconciliation by findingmoments of coping, and trying to find out how the person in fact managed to do so.Everyone can be surprised by him or herself being able to cope, because we dosomething that actually works. By reflecting upon what happened then, we aretelling stories we live by. Thus we may be able to help ourselves and others to bebetter at coping. This may be one step in the direction of finding better and perhapseven simpler paths to reconciliation.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 116


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Viag<strong>em</strong> pelos conceitos: transe <strong>em</strong> Paris?Por Adriane Luísa Rodolpho *O título de minha comunicação pode parecer não estar de acordo com otítulo desta Mesa Redonda; afinal, <strong>em</strong> se tratando de Gênero e Possessão, como falarsobre o transe <strong>em</strong> Paris? Acredito, entretanto, que a pluralidade das experiênciaslevantadas nestes dias de trabalho conjunto – tratando da religião numa era deglobalização – d<strong>em</strong>onstra a riqueza hermenêutica de um conceito como este dotranse. Se a diversidade de manifestações religiosas brasileiras onde o transe éidentificado é grande, pode-se aproximar ainda outra realidade, a francesa, nestepanorama complexo e fascinante. Dever de ofício, as análises comparativas são aomesmo t<strong>em</strong>po um “vício” e o fundamento mesmo da etnologia.Obviamente, as comparações têm limites e os contextos dev<strong>em</strong> serrespeitados; entretanto, buscar compreender o fenômeno do transe <strong>em</strong> umapluralidade de contextos parece ser um caminho interessante a ser trilhado. Paratanto, uma análise do próprio conceito – através de seus diferentes usos – pode ser deextr<strong>em</strong>o interesse para o refinamento de nossas análises.* Mestre <strong>em</strong> Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora<strong>em</strong> Antropologia Social e Etnologia pela École des Hautes Études <strong>em</strong> Sciences Sociales (EHESS -Paris). Bolsista Pro-Doc/CAPES junto à Escola Superior de Teologia de São Leopoldo.Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> – NEPP/<strong>EST</strong>.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 117


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Dados sobre EckankarInicialmente gostaria de apresentar-lhes alguns dados sobre o grupo junto aoqual realizei a pesquisa 1 . Trata-se do grupo Eckankar, que acompanhei durantealguns meses <strong>em</strong> seus encontros realizados <strong>em</strong> Paris. Eckankar possui umaorganização hierárquica e está presente <strong>em</strong> mais de 100 países 2 . De orig<strong>em</strong> norteamericana,Eckankar se constituiu <strong>em</strong> 1965 <strong>em</strong> torno de Paul Twitchell, consideradopelos adeptos não apenas como o fundador de uma nova religião, mas como odivulgador de uma antiga doutrina vinda da noite dos t<strong>em</strong>pos 3 . A sede central, oT<strong>em</strong>plo Eck, se localiza <strong>em</strong> Minneapolis, nos Estados Unidos. É lá que habita SriHarold Kl<strong>em</strong>pt, o atual dirigente espiritual de Eckankar. Sri Harold é consideradocomo o Mestre Eck Vivo, o Mahanta, herdeiro de uma antiga linhag<strong>em</strong> espiritual esucessor de Paul Twitchell.Cada país possui um Resa (termo <strong>em</strong> inglês para «Régional Eck SpiritualAid»), um dirigente nacional e, no caso, na França existe um casal Resa, que mora nosul do país. A França está organizada <strong>em</strong> várias regiões de Eckankar com seuscoordenadores locais: região Oeste, Norte, região Ile de France, Centro, Sudeste eSudoeste.A organização de Eckankar se constitui, portanto, <strong>em</strong> torno da instânciacentral, situada nos EUA, de instâncias nacionais, regionais e locais. A pesquisacentrou-se sobre o grupo Eckankar de Paris/Ile de France. Aliás, a organização é amesma para todas as regiões, isto é, além da coordenação nacional composta peloResa e os responsáveis nacionais dos serviços espirituais, administrativos e dos1 Pesquisa referente à tese de doutoramento: « Les Voyageurs de l’Âme. Etude Ethnologique auprès dugroupe Eckankar France - Paris » (Os Viajantes da Alma. Estudo Etnológico junto ao grupo EckankarFrança – Paris).2 Informações sobre a organização institucional do grupo pod<strong>em</strong> ser consultadas no site internet dogrupo: http://www.eckankar-français.org.3 Twitchell – através de extensa bibliografia – apresenta uma narrativa cosmológica onde a ord<strong>em</strong> douniverso é colocada ao lado de uma antropologia lato sensu, ou seja, de uma noção do hom<strong>em</strong> e deseu processo de hominização (de suas origens e de seu destino), assim como de uma teoriasoteriológica (onde são estabelecidas as possibilidades de salvação após a morte).Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 118


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408serviços de comunicação, os responsáveis regionais são encarregados destes mesmosserviços.Somos confrontados a um sist<strong>em</strong>a de valores específico quando falamos deEckankar. Trata-se de um sist<strong>em</strong>a de representações que porta <strong>em</strong> si uma visão d<strong>em</strong>undo particular, e aqui interessa, antes de tudo, perceber como as práticas e ascrenças são definidas e vividas pelos eckistas. Segundo os adeptos, Eckankar é umareligião de experiência; os fiéis são confrontados a um quadro novo e diferente daspercepções habituais do mundo. Os eckistas realizam a viag<strong>em</strong> da alma, umdeslocamento espiritual através dos diferentes planos de existência. Uma cartografiado universo é assim estabelecida, assim como uma representação especial do corpo.Eckankar é uma religião iniciática, o que significa que o corpus dosconhecimentos específicos da doutrina deve ser apreendido pouco a pouco pelosfiéis, que passam, a partir da iniciação, por várias etapas de desenvolvimentoespiritual. O manejo destes conhecimentos passa pelo aprendizado de vários códigose grades de interpretação colocadas à disposição dos eckistas, e as técnicas corporaisdes<strong>em</strong>penham um importante papel nos exercícios espirituais. Disto o papel, nadoutrina eckista, da interpretação de uma vasta gama de « sintomas » que os fiéisperceb<strong>em</strong>: as cores, os sons, as imagens observadas dev<strong>em</strong> ser explicados pelo biaiseckista.As principais práticas eckistas consist<strong>em</strong> na análise coletiva das viagens dealma efetuadas durante os sonhos e as cont<strong>em</strong>plações. Trata-se, portanto, de práticasindividuais, subjetivas e interiores. Entretanto, a leitura da significação destaspráticas é o fruto de um trabalho de socialização das <strong>em</strong>oções e de aprendizag<strong>em</strong> dosconceitos da doutrina eckista. Este trabalho se faz coletivamente, os encontroseckistas servindo a integrar as crenças e as interpretações dos acontecimentos doquotidiano. Além da difusão dos el<strong>em</strong>entos da doutrina, estes test<strong>em</strong>unhos trocadosfornec<strong>em</strong>, a si mesmo e aos outros, as “provas” da ação do Mestre Eck ou de outrosDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 119


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408el<strong>em</strong>entos da doutrina. Se o estudo e a leitura são atividades individuais, asignificação destes conceitos é organizada coletivamente, o eixo repousando sobre aoralidade e a partilha de depoimentos.A ética eckista é individualista, centrada sobre o axioma da existência daalma que conforma a identidade de cada adepto. A existência de noções paralelas ecompl<strong>em</strong>entares, tais que as vidas passadas e o carma dão a cada eckista uma gradede leitura significativa que lhe permite de ler o mundo (no passado como nopresente) e de agir sobre a sociedade no seu quotidiano.Eckankar se apresentando como a “religião da Luz e do Som de Deus”, o adeptoaprende a perceber o mundo segundo a grade de leitura de sentidos oferecida: eleaprende a ver o que é visível no imaginário eckista e a escutar os sons, significativosporque determinados por um universo de senso específico.A cosmologia eckista propõe ao menos doze planos de existência da alma;numa escala de evolução espiritual os cinco primeiros planos são considerados comoos mais próximos da matéria; os cinco níveis seguintes iniciam os planos da alma,propriamente dito, os mundos de puro espírito. Aos cinco primeiros planoscorrespond<strong>em</strong>, portanto, aos corpos físico, astral, causal, mental e etérico.PlanosPositivosPlanos daRealizaçãode DeusCanto Plano Características Som/CorHu Anami Lok Oceano de Amor e Misericórdia. Alémda linguag<strong>em</strong> humana.Huk Agam Lok Plano inacessível. Poucos penetrameste mundo.Aluk Hukikat Lok Estado mais elevado ao qual a almachega geralmenteHum Alaya Lok Mundo s<strong>em</strong> fim. A eternidade parececomeçar e acabar aquiShanti Alakh Lok Plano invisível. A alma aí encontrapaz: não deseja mais retornarSugmad Atma Lok Plano de d<strong>em</strong>arcação. Primeiro reinodo SugmadHuInstrumentos deVentoMil violõesVentaniaVentoNota de FlautaAmarelo vivoDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 120


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408PlanosNegativosPlano daRealizaçãode SiBajuAumManaKalaAlayiEtérico (Intuição)Mental (Intelecto)Causal(M<strong>em</strong>ória)Astral (Emoções)Físico (Sentidos)Última barreira entre os mundosinferiores e o Sat NamFonte de todos os ensinamentosmetafísicos, da estética, dasfilosofias, das concepçõesortodoxas de Deus. Consciênciacósmica.Plano onde são guardados asl<strong>em</strong>branças, as tramas cármicas eos arquivos akáshicos.Fonte de todos os fenômenospsíquicos: fantasmas, discosvoadores, espíritos, percepçõesextra-sensoriaisPlano <strong>em</strong> que a alma é presa dascinco paixões: vaidade, cupidez,cólera, apego e concupiscência.Zunido deAbelhasVioletaBarulho de ÁguaCorrenteEstrela Azul doMahantaSonido de SinosLaranjaRugido do MarRosaChuva ForteFontes:* Cartaz ‘Les Mondes du Eck’. Eckankar: Minneapolis , 1984.*‘Les Mondes de Dieu et de Eck’. In Twitchell, Paul. Le Carnet des Notes Spirituels, Eckankar:Minneapolis 1978.*‘Les Mondes Divins du Eck’. In Eckankar, une sagesse ancienne pour aujourd’hui, Eckankar: Minneapolis1996.O eckista pode visitar os diferentes planos da alma, ou seja, deixar o planofísico. É a alma que se desloca, o corpo resta imóvel durante este trajeto. A viag<strong>em</strong> daalma pode ser realizada durante o sono, através do sonho, ou ainda, <strong>em</strong> estado devigília quando a pessoa faz a cont<strong>em</strong>plação. De qualquer modo, são técnicasindividuais que a pessoa realiza só. Entretanto, a alma que viaja é s<strong>em</strong>preacompanhada pelo Mestre Eck (o Mestre dos Sonhos durante o sono ou o Mestre Eckquando acordados: trata-se s<strong>em</strong>pre do Mestre Eck Vivo).O Canto do Hu é fundamental <strong>em</strong> Eckankar. É a partir deste canto (pronunciase“hiou”) que a alma realiza as viagens: ela pode assim reunir-se à corrente sonorado Eck e encontrar o Mestre, que a ajudará e guiará durante o percurso entre osdiferentes planos. É a palavra principal que liga o fiel a Corrente Sonora do Eck. Apalavra Hu é cantada coletivamente durante os encontros eckistas, e utilizadaDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 121


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408individualmente durante os exercícios espirituais. O Hu corresponde ao décimo planode existência; a cada plano ou esfera corresponde uma palavra e um somcaracterístico, que o fiel deve ouvir durante a viag<strong>em</strong> da alma.O objetivo último da viag<strong>em</strong> da alma é o reencontro com o Sugmad, adivindade. No mito gnóstico de Eckankar, as almas são partes da divindade que,após a queda original, transformaram-se <strong>em</strong> pequenas centelhas divinas; nestesentido, seu destino é o reencontro final com o Sugmad. Para tanto, é necessárioantes cumprir a etapa de ascensão, e a vida é assim concebida como uma experiênciade aprendizag<strong>em</strong> e conhecimento de si. Ao eckista é prometida a liberação da lei docarma, através do desenvolvimento espiritual.Aliás, o verdadeiro mundo para o eckista é aquele dos planos da alma,superiores aos planos representados pela razão, a matéria e as opções espirituaisexistentes: o mundo aqui de baixo é uma escola, uma etapa necessária na evoluçãoespiritual do adepto, e outras etapas seguirão no futuro. O verdadeiro mundo para oeckista, portanto, não é aqui, ele se encontra <strong>em</strong> outro lugar. Este é o mundo divinoonde a alma se encontrava antes do nascimento, e <strong>em</strong> direção à qual ela retornaráapós a morte: são os planos invisíveis e superiores. A identidade da alma assimencontrada/definida é o fundamento da identidade eckista. O conhecimento destarealidade metafísica confere ao eckista a possibilidade de superar as limitaçõesimpostas aos seres humanos, quais sejam as concernentes ao nascimento e à morte.Graça às respostas que Eckankar propõe às questões fundamentais da existência, oeckista pode realizar as viagens da alma, verdadeiras experiências controladas dedeslocamento da alma. A alma da pessoa que conheceu Eckankar e se desenvolveuespiritualmente não reencarna mais; portanto, de certa maneira, ele não morrejamais: seu destino é o de se transformar num « trabalhador associado a Deus » e deefetuar o trabalho de co-criação do universo.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 122


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408A pessoa eckista participa de um mundo globalizado 4 , onde ospertencimentos étnicos ou nacionais contam menos que aqueles que identificam acomunidade que formam as almas que já conheceram as verdades espirituais. Otrânsito e o fluxo são característicos deste pertencimento religioso dinâmico, onde amobilidade se exprime através das representações do corpo e da alma: umacartografia espiritual se desenha assim, um espaço de deslocamento que só oseckistas conhec<strong>em</strong> e t<strong>em</strong> o direito de percorrer.Viag<strong>em</strong> pelos conceitos(aqui vou adicionar mais sobre histórico dos conceitos)Ora, afinal do que se trata antropologicamente, esta viag<strong>em</strong> da alma a qual oseckistas se refer<strong>em</strong>? Uma rápida retomada dos conceitos nos é oferecida por algunsautores, como Lapassade 5 e Terrin (1998). Segundo estes, a maioria dos autores – talcomo os clássicos Eliade e Lewis - não diferencia claramente os conceitos de transe eêxtase, utilizando-os geralmente como intercambiáveis. Rouget 6 (1980) propõe umadistinção a partir da fenomenologia descritiva. Neste sentido, o êxtase estariarelacionado a algumas características tais como: privação sensorial, silêncio, solidão eimobilidade (o personag<strong>em</strong> chave, aqui, é o místico) enquanto ao transecorresponderiam a superestimulação, o barulho, o movimento e sociedade doshomens (personagens correspondentes: o xamã e o possuído).Esta classificação t<strong>em</strong> o objetivo de esclarecer as diferenças existentes entreambas as formas, mas não omite o aspecto de que transe, êxtase e possessão são4 Ver Mary, André. « L’anthropologie au risque des religions mondiales » In Anthropologie et sociétés,vol. 24, n° 1, 2000, 117-135 ; Appadurai, Arjun. Après le colonialisme. Les conséquences culturelles de laglobalisation, Paris, Payot, 2001 e Bastian, J. P., Champion, F. et Rousselet, K. (sous la direction de)La globalisation du religieux. Paris, l’Harmattan, 2001.5 Lapassade, Georges. La Transe. Collection Que sais-je? Paris: Presses Universitaires de France, 1990.6 Rouget, Gilbert. La Musique et la Transe. Paris: Gallimard, 1980.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 123


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408intercambiáveis e frequent<strong>em</strong>ente se justapõ<strong>em</strong>. Assim, a possessão é um el<strong>em</strong>entoespecífico de alguns tipos de transe e, seguindo ainda Terrin, pode haver “transe epossessão; transe s<strong>em</strong> possessão e possessão s<strong>em</strong> transe”. No êxtase, a possessão estariarelacionada a uma comunhão entre o fiel e a divindade: assim seria o caso para omisticismo soufi e cristão onde o fiel “sente” a presença de Deus, mas não seconfunde com ele (“Alá está <strong>em</strong> mim”, para os derviches). No transe, a possessãocorresponde à invasão de um deus ou espírito: o fiel é tomado e ocorre umamudança visível de comportamento do médium.Gibbal (1988) propõe que o êxtase seja entendido como uma categoria dotranse; o transe teria assim a possibilidade de ser compreendido a partir de suascaracterísticas estáticas ou paroxísticas. O ex<strong>em</strong>plo escolhido por Lapassade parailustrar o transe estático descrito por Gibbal é o dos visionários de Medjugore: osjovens a qu<strong>em</strong> a Virg<strong>em</strong> aparece apresentam os mesmos estados de privaçãosensorial e sinais de experiência interior intensa.A indução do transe extático pode ser realizada utilizando-se de técnicas deconcentração, da repetição de fórmulas ou mantras, de técnicas posturais erespiratórias e de técnicas associativas, segundo Scharfstein (1973). Este autor aindarelaciona as danças estáticas e a utilização de drogas como indutores do transeestático.Retomando os dados etnográficos, num primeiro momento, a experiência dacont<strong>em</strong>plação, voluntária e induzida, l<strong>em</strong>bra-nos o assim chamado transe extático.Este se caracteriza, entre os eckistas, pela concentração e a repetição da palavra Hu, oque nos r<strong>em</strong>ete diretamente as técnicas posturais e de respiração. As técnicasassociativas aqui se refer<strong>em</strong> ao arsenal mítico proposto por Eckankar: o fiel vê o quehá para ser visto no universo eckista, e escuta aquilo que é considerado audível nest<strong>em</strong>esmo referencial.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 124


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408A experiência da viag<strong>em</strong> da alma durante o sonho é outra prática eckista,entendida pelos mesmos como guiada pelo Mestre dos Sonhos. A cont<strong>em</strong>plação, viaCanto do Hu e o sonho, são, portanto, as duas formas principais de transe que oseckistas realizam. Mas como pode ser entendida a experiência onírica? Aquipod<strong>em</strong>os aproximar as contribuições da assim chamada “anthropologie du rêve”(antropologia do sonho), desenvolvida por autores como Perrin (1992), Tedlock(1987) e Caillois e Grunebaum (1967). Retenhamos a seguinte citação:[...] Rêve et mythe à la fois s’opposent et son compl<strong>em</strong>entaires un del’autre. Rêver un mythe, c’est le mettre en acte, le transformer enexpérience et éprouver la vérité; mais, nécessair<strong>em</strong>ent significatifpuisqu’il est supposé émaner d’um monde autre, um rêve peut, <strong>em</strong>retour, contribuer à l’enrichiss<strong>em</strong>ent d’um mythe [...]. (Perrin, inBonte-Izard. Dictionnaire de l’ethnologie et de l’anthropologie.Quadrige/PUF, 1991).Sonho e mito, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se opõ<strong>em</strong> um ao outro, sãocompl<strong>em</strong>entares. “Sonhar um mito, é colocá-lo <strong>em</strong> ação, transformá-lo <strong>em</strong>experiência e sentir sua verdade; ainda, necessariamente significativo, pois quesuposto <strong>em</strong>anar do outro mundo, um sonho pode, <strong>em</strong> retorno, contribuir aoenriquecimento de um mito”.Como os dados etnográficos d<strong>em</strong>onstram, durante os test<strong>em</strong>unhos doseckistas pod<strong>em</strong>os observar que a interpretação seja do sonho ou do mito secompl<strong>em</strong>entam, à luz do compartilhar e da construção coletiva de sentido. Ossintomas percebidos individualmente são lidos e trabalhados conjuntamente, numtrabalho de bricolage, próprio do pensamento mítico. L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>os que a primeirainiciação eckista se dá no sonho, um rito de passag<strong>em</strong> onde o fiel é acompanhadopelo Mestre Eck. A elaboração cultural do estado onírico é igualmente estimulada poroutras práticas eckistas: os exercícios espirituais cotidianos têm por objetivo aguçar ossentidos aos estímulos prescritos pela cosmologia eckista, segundo a qual osdiferentes planos da consciência têm suas características detalhadas (cores, sons,paisagens, personagens).Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 125


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Adivinhação, feitiçaria, magia e possessão no AT:suspeitas a partir da teologia f<strong>em</strong>inistaPor Elaine G. Neuenfeldt *Ao discutir as práticas de magia, feitiçaria e adivinhação nos textos bíblicos,estamos perguntando pelos mecanismos e processos de intermediação entre adivindade e o povo. Esta intermediação é legítima ou não de acordo com o contexto ea época, com o grupo ou o lugar social onde esta é praticada. Por ex<strong>em</strong>plo:adivinhação é proibida <strong>em</strong> Dt 18, mas jogar as sortes através das pedras deadivinhação – Urim e Tumim – não recebe repreensão.O propósito aqui é analisar algumas práticas e perguntas pela relação com ogrupo social, a saber, as mulheres que estão por detrás destas ações.Adivinhação, feitiçaria e augúrioUma tendência corrente nos estudos de magia, adivinhação e feitiçaria nomundo do antigo Oriente Próximo, especialmente a partir dos test<strong>em</strong>unhos dostextos bíblicos, é definir estas práticas como simbólicas, entendendo este simbolismo,como meramente ilustrativo ou alegórico, ou seja, que não t<strong>em</strong> cunho político oureligioso. Em relação aos textos bíblicos, ocorre muitas vezes uma harmonização deconflitos, ou uma postura de relegar estas práticas a uma fase anterior da “evolução”da religião a um monoteísmo explícito. Toma-se a religião, <strong>em</strong> sua manifestaçãomonoteísta, como mais evoluída, mais avançada, pura <strong>em</strong> sua estruturação e* Elaine Neuenfeldt é professora de Teologia F<strong>em</strong>inista e Antigo Testamento na Escola Superior deTeologia <strong>em</strong> São Leopoldo.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 126


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408definição, enquanto que as práticas mágicas representam pensamentos primitivos,atrasados, ligados a pessoas ou grupos marginais. Outra postura defendida poralguns estudiosos é vincular as práticas mágicas unicamente à iniciativa humana,diferenciando-as dos atos que vêm da vontade de Javé 1 .A proposta adotada aqui será de perguntar pelas práticas mágicas <strong>em</strong> relaçãocom outras práticas sociais. O objetivo é não tomar cada prática de forma isolada, outomar a magia e adivinhação como fenômenos isolados, mas inseri-las na rede derelações sociais, culturais, econômicas, políticas e religiosas. Ou seja, o levantamentodos conceitos não quer identificar as características de cada prática, com o intuito deencontrar uma definição, mas é ver como os usos destes conceitos estão relacionadosao contexto, aos pré-conceitos culturais, às pressuposições dos autores, dosestudiosos e dos tradutores, entre outros fatores. É nesta configuração que é possívellocalizar e entender por que algumas práticas são condenadas <strong>em</strong> alguns textos, eacontec<strong>em</strong>, de forma legitimada, <strong>em</strong> outras situações, ou outras épocas.A condenaçãoO texto condenatório <strong>em</strong> Dt 18.9-14 está inserido num contexto que querpromover o contraste entre o povo escolhido de Deus e o povo cananeu. Observa-se aafinidade lingüística com o texto igualmente denunciador de práticas advindas “dosgentios”, <strong>em</strong> 2Rs 16.3 2 . Este texto enumera a adivinhação junto com uma série deoutras “práticas abomináveis”: sacrifício de crianças, encantamentos, necromancia,consulta aos mortos. Contudo, ficam fora outras práticas como Urim e Tummim,sonhos ou lançar as sortes, que <strong>em</strong> outros textos, fora do ambiente legal, parec<strong>em</strong> serpráticas comuns e admitidas <strong>em</strong> certos círculos.1 Joanne Kay KUEMMERLIN-MCLEAN, Divination and magic in the religion of Ancient Israel, p. 2.2 Brian B. SCHMIDT, Canaanite Magic vs. Israelite Religion: Deuteronomy 18 and the Taxonomy ofTaboo. In. MIRECKI, Paul and MEYER, Marvin. (Ed.) Magic and ritual in the Ancient World. Leiden :Brill, 2002, p. 242-259, p. 242.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 127


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Chama a atenção que o texto que segue – Dt 18.15-22 – é onde seinstitucionaliza e legitima Moisés como o único intermediário entre o divino e ohumano. Num contexto muito próximo, <strong>em</strong> Dt 17.8-13, adverte-se que as decisõesdifíceis dev<strong>em</strong> ser consultadas com sacerdotes e levitas <strong>em</strong> Jerusalém. O verbo usadopara falar desta consulta (darash) aos representantes legitimados pela instituiçãosacerdotal é o mesmo que irá falar da “consulta” aos adivinhadores. Estasinterpelações levantam a hipótese que a condenação ocorre por uma questão depoder. O ideal de um javismo puro, centralizado e a partir das instâncias oficiais,defendido pelo deuteronomista, apresenta-se como um contraponto às práticaspopulares 3 .Uma abordag<strong>em</strong> s<strong>em</strong>ântico-morfológica dos termos que são usados paradesignar as atividades de adivinhação, feitiçaria, augúrios na lista proibitiva de Dt18.9-14 auxilia na compreensão e localização social destas práticas. Ali são listadosprofissionais, cujas práticas não dev<strong>em</strong> mais ser seguidas pelo povo: qu<strong>em</strong> faz passarpelo fogo o seu filho ou a sua filha, o adivinhador, o prognosticador, o agoureiro, ofeiticeiro, o necromante, o mágico, o encantador ou qu<strong>em</strong> consulta os mortos. Umcuidado é necessário: ter <strong>em</strong> conta as diferenças de estilo, forma e gênero dos textoslegais e dos textos proféticos. Estas diferenças pod<strong>em</strong> influenciar na escolha pordeterminadas terminologias, ou uso de determinados conceitos. Os pronunciamentosproféticos, <strong>em</strong> sua maioria, foram feitos, <strong>em</strong> primeira instância, <strong>em</strong> nível oral. Estes,posteriormente foram organizados e estruturados <strong>em</strong> escritos. Este processo todoinfluência e determina a opção de terminologias e conceitos, ainda mais, se estesconceitos estão ligados com práticas <strong>em</strong> que a escrita não é determinante, como nocaso da magia, da adivinhação e da feitiçaria/bruxaria 4 .3 Thomas W. OVERHOLT, Cultural anthropology and the Old Testament, Minneapolis : Fortress, 1996,p. 69-73.4 Joanne Kay KUEMMERLIN-MCLEAN, Divination and magic in the religion of Ancient Israel, p. 84.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 128


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408este verbo já foi analisado anteriormente, constatando um significado deadivinhar, conjurar. O rei da Babilônia, conforme Ez 21. 21, se pára nas encruzilhadas,na entrada de dois caminhos para consultar oráculos e adivinhar por meio de flechas,além de interrogar os ídolos do lar (terafins) e examinar o fígado. A história deBalaão, <strong>em</strong> Nm 22-24, que é um adivinho, conforme Js 13.22, estabelece a função deadivinho dentro das práticas que são utilizadas pelo povo israelita. Ele t<strong>em</strong> poder deamaldiçoar (22.6) e abençoar (23 e 24). E cobra pelas suas adivinhações (22.7).que significa feiticeira, deriva da raiz acádica kašpu ou do substantivokišpu, quer por sua vez significa, “magia negra” 5 . O termo mekaššep significa “bruxa,feiticeira” 6 . significa aquele que amarra encantamentos, encantador. A mesmapalavra serve para designar companheiro, amigo, cúmplice, sócio. A raiz verbal significaunir, enlaçar, ligar, aliar 7 . Mas pode estar se referindo a práticas mágicas de amarrar edesamarrar nós, de enrolar ou desenrolar fios ou faixas <strong>em</strong> volta de pessoas ouobjetos, <strong>em</strong> práticas simbólicas, mágicas 8 . significa qu<strong>em</strong> consulta os mortos. O termo significa fantasma,espectro, alma penada, espírito, necromante, ocultista. Pode referir-se a espírito invocado,ou à pessoa que invoca ou consulta os espíritos 9 . O termo pode se referir a umburaco, uma cavidade no chão, como o texto de Is 29. 4 parece indicar 10 . No entanto,há várias opiniões acerca do termo. Poderia ser o espírito de um morto que descansacom ele no Sheol, ou no túmulo, que homens ou mulheres pod<strong>em</strong> invocar. Há ainda apossibilidade de ser somente o instrumento utilizado para esconjurar (exorcizar) osdefuntos, ou para praticar magia. O mais provável, entretanto, é que o termo sofre5 Frederick CRYER, Divination in Ancient Israel and its Near Eastern Environment, p. 258.6 Richard A. HENSHAW, F<strong>em</strong>ale and Male. The cultic personnel, p. 174.7 Luis Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 202-203.8 Richard A. HENSHAW, F<strong>em</strong>ale and Male. The cultic personnel, p. 171; Joanne Kay KUEMMERLIN-MCLEAN, Divination and magic in the religion of Ancient Israel, p . 83.9 Luis Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico português, p. 32.10 Harry A. HOFFNER, , p. 140-142.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 129


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408um encontro de significados, podendo significar tanto um espírito, como um objetoatravés do qual o espírito pode ser l<strong>em</strong>brado, ou ainda, a pessoa capaz de receber,intermediar e interpretar a fala do espírito. Os textos bíblicos que proíb<strong>em</strong> taispráticas reflet<strong>em</strong> essas interpretações simultâneas: Dt 18.11; Lv 20.27; 2Rs 21.6; 23.24;2Cr 33.6.Uma mulher que é dona de um espírito – 1 Sm 28 – a bruxa de EndorA necromancia é a prática de consulta aos mortos. Em 1 Sm 28 t<strong>em</strong>os umtexto paradigmático sobre a consulta aos espíritos dos mortos, que pode ajudar noentendimento da questão, <strong>em</strong>bora o texto seja único <strong>em</strong> toda a Bíblia Hebraica 11 . Ocontexto é de guerra. Os filisteus são uma ameaça concreta para Saul e seu exército.O rei está amedrontado e s<strong>em</strong> rumo. Já consultou ao Senhor por sonhos, por Urim, epelos profetas, e o silêncio foi a sua resposta. Parece que sua última alternativa éconsultar uma necromante, indo contra suas próprias leis proibitivas, como informao v.3. A “senhora dos espíritos”, ou “dona dos espíritos” (ba´alat 'ôb). Esta t<strong>em</strong> umaproximidade s<strong>em</strong>ântica com um título que recebe Samaš, a divindade solar,significando “O senhor dos espíritos dos mortos” 12 . Não há nenhum sinal indicandoque ela seja estrangeira, mas sim, israelita.A mulher t<strong>em</strong> poder para invocar qualquer espírito, conforme sua perguntano v. 11: “Qu<strong>em</strong> te farei subir?” ou “Qu<strong>em</strong> queres que eu evoque?” O ritual, com suaperformance, não é descrito. No v. 13, ela diz: “Vejo um Deus(es) (elohim) quesobe(m) da terra.”11 A análise deste texto está baseada, principalmente, nos seguintes comentários: Luiz JoséDIETRICH, Shigeyuki NAKANOSE, Francisco OROFINO. Primeiro livro de Samuel: Pedir um rei foinosso maior pecado; Athalya BRENNER, A mulher israelita; José Luís SICRE. Profetismo <strong>em</strong> Israel ;Diana Vikander EDELMAN, King Saul in the Historiography of Judah, p. 238-251.12 David Toshio TSUMURA, The interpretation of the Ugarit Funerary Text, p. 55.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 130


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408A inquirição à divindade via sonhos, pessoas, oráculos ou mortos fazia parteda experiência familiar. Grande parte destas atividades registra o envolvimento ou aparticipação de mulheres, talvez por ser a esfera doméstica o espaço onde elas s<strong>em</strong>oviam 13 .A redação deuteronomista deixa suas marcas no texto e na configuração docontexto. As práticas sincréticas levam o rei à ruína. É por causa disso que Saul édesabonado por Deus. O texto, fruto de um trabalho redacional da oficialidadecentralizadora, quer deixar claro que a pluralidade religiosa precisa ser controlada,para garantir os interesses e a autodeterminação de Israel. Essa proposta trilha numfino limite onde a palavra profética t<strong>em</strong> o seu critério de verificação definido a partirda fala/anúncio/denúncia. A palavra, o oráculo do Senhor é o meio legítimo daprofecia. Gestos, encantamentos, cheiros, fumaças, jarras, cuidado com os mortos sãodesabonados.O poder da mulher, dona de espírito, a médium, faz com que se estabeleçaum contato entre um espírito e um inquiridor vivo. E a mensag<strong>em</strong> que recebe é averdadeira palavra de Deus. Segundo o texto, sua ação não acaba na intermediaçãoentre a divindade (ou o espírito) e a pessoa angustiada que faz a consulta. Elaestabelece um acompanhamento “pós-consulta”. Como a notícia recebida afetaprofundamente o cliente, a mulher trata de restabelecer a saúde, física e <strong>em</strong>ocional dapessoa. Prepara uma farta comida para o rei e seus servos. Seria uma espécie deritual final do processo de evocação dos espíritos, ou seria nada mais do que atençãoa qu<strong>em</strong> está necessitado e angustiado, diante de tão desventurosas notícias?Outro texto que pode estar se referindo a práticas de necromancia encontrase<strong>em</strong> Is 29.4, no qual se diz que a voz sairá do chão, da terra, como a de umfantasma. A idéia de que os espíritos vêm do chão, já é encontrada na terminologia,quando ´ôb pode referir-se também a um buraco no chão. Is 28.7-22 é um texto13 Patrik MILLER, The Religion of Ancient Israel, p. 72.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 131


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408dirigido contra as profecias ilícitas, onde pod<strong>em</strong> ser encontradas referências aatividades ligadas à necromancia. Especialmente os versículos 15 e 18, nos quais adenúncia se dirige aos que fizeram alianças com a morte. Ainda, <strong>em</strong> Is 8.19, condenaseexplicitamente aqueles que buscam conselhos com necromantes, adivinhos e Is19.3 imputa aos egípcios a prática de necromancia, feitiçaria e adivinhação 14 .Outra observação é a idéia de que cada termo corresponde a uma funçãoespecífica que uma pessoa irá assumir, ou seja, que está determinando uma funçãopara uma só pessoa. A configuração social do antigo Israel está baseada no modelofamiliar, que segue a linhag<strong>em</strong> de clãs e tribos. Este modelo social implica numapequena diferenciação entre as pessoas nos diferentes níveis e espaços da estruturasocial. Neste sentido, a lógica é que uma pessoa ocupe mais que uma função social.Uma listag<strong>em</strong> b<strong>em</strong> variada de funções ligadas ao espaço religioso aparece <strong>em</strong> váriostextos bíblicos, como, visionários, profetas, sacerdotes, hom<strong>em</strong> de Deus, serviçais dot<strong>em</strong>plo, levitas, escribas, pessoas consagradas, nazireus, entre outros. Se adiferenciação social segue um modelo rural, familiar, tribal, várias destas funções sãoassumidas pela mesma pessoa. Assim, um profeta pode ser um visionário, umhom<strong>em</strong> de Deus, e, isso pode implicar <strong>em</strong> assumir funções de adivinhação, cura,proferir oráculos. Ex<strong>em</strong>plos desta configuração são Jer<strong>em</strong>ias e Ezequiel: assum<strong>em</strong>funções sacerdotais e proféticas, que, por sua vez, são exercidas de diferentesmaneiras ou jeitos, por meio de visões, oráculos, gestos simbólicos, sinais, posturascorporais etc. 15 .******************************** EXCURSO ********************************Esta mescla de funções pode ser comprovada no ambiente da feitiçaria oubruxaria na Mesopotâmia. Além de ocorrer um intercâmbio de funções, tambémocorre um trânsito de espaços.14 Jean-Michel de TARRAGÓN, Witchcraft, magic, and divination in Canaan and ancient Israel, p. 2075.15 Frederick CRYER, Divination in Ancient Israel and its Near Eastern Environment, p. 247-248.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 132


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408... a própria feitiçaria pertenceu originalmente ao nível popular decultura da Mesopotâmia e só eventualmente se tornou parte dodomínio do exorcista de t<strong>em</strong>plo. Na forma popular, a ‘bruxa’ não énecessariamente um ser mau e que faz atos ilegais, mas na realidade,pode executar vários atos mágicos (ambos feitos de formasnormativas e não-normativas de feitiçaria) <strong>em</strong> nome de outros e atémesmo contra as bruxas ‘más’. Nesta forma popular, a ‘bruxa’ pareceexibir associações com tipos de extáticos praticantes. Tais associaçõespod<strong>em</strong> b<strong>em</strong> ser significantes, porque elas recordam a junçãoocasional de possessão periférica e feitiçaria. Assim, <strong>em</strong> certascircunstâncias sociais, o mesmo indivíduo pode utilizar possessão deespírito e pode ser <strong>em</strong>pregado como um exorcista, mas então,também ser classificado como uma bruxa. 16A grande diversidade de possibilidades de traduções, com um leque amplode significados, aponta para um cuidado metodológico que deve ser tomado naanálise das práticas aqui estudadas. Muitas vezes o significados deriva do contextoou de aproximações convencionais, do que propriamente de definições exatas edescritivas das práticas 17 .Nesta diversidade de atividades, está uma ampla gama de artes mânticas,como, por ex<strong>em</strong>plo, a interpretação do “curso e da posição dos corpos celestes,eclipses do sol e da lua, o sopro do vento, o vôo dos pássaros, a expressão deanimais, b<strong>em</strong> como dos humanos, sonhos, nascimentos anômalos ou ocomportamento dos animais de sacrifício” 18 .16 Tzvi ABUSCH, Some reflections on Mesopotamian Witchcraft, p. 22 “... witchcraft itself originallybelonged to the popular level of Mesopotamian culture and only eventually became part of thedomain of the t<strong>em</strong>ple exorcist. In the popular form, the ‘witch’ is not of necessity an evil being anddoer of illegal acts but may in fact perform various magical acts (both normative and nonnormativeforms of witchcraft) on behalf of others and even against ‘evil’ witches. In this popularform, the ‘witch’ se<strong>em</strong>s to exhibit associations with ecstatic types of practioners. Such associationsmay well be significant, for they recall the occasional coalesce of peripheral possession andwitchcraft. In certain social circumstances, thus the same individual may both utilize spiritpossession and be <strong>em</strong>ployed as an exorcist but then also be labeled as a witch.”17 Joanne Kay KUEMMERLIN-MCLEAN, Divination and magic in the religion of Ancient Israel, p. 34.18 Gabriella FRANTZ-SZABÓ, Hittite witchcraft, magic, and divination, p. 2007. “ … the course andposition of heavenly bodies, eclipses of the sun and the moon, the blowing of the wind, the flight ofthe birds, the utterances of animals as well as of humans, dreams, monstrous births, or thebehavior of sacrificial animals.”Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 133


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Magia, bruxaria, feitiçaria e adivinhação são práticas atestadas na antigaMesopotâmia. O cuidado metodológico consiste numa abordag<strong>em</strong> que não tomeestas como categorias opostas, <strong>em</strong> conflitos, e que outras categorias sejam analisadas<strong>em</strong> oposição a partir destas, como politeísmo e monoteísmo, b<strong>em</strong> e mal, fé esuperstição, sacerdócio e pessoas leigas, medicina e charlatania 19 . Neste sentido, <strong>em</strong>relação à magia, pode-se afirmar que, tampouco, é possível fazer uma distinção entr<strong>em</strong>agia “branca” e “negra”. As técnicas usadas pelas bruxas eram as mesmas usadaspara invocar poderes de cura ou de destruição. A diferença consistia na maneirasecreta de atuar, <strong>em</strong> questões de uso de poderes malignos, enquanto que a defesa, ouso dos poderes para o b<strong>em</strong> e a cura, era feita abertamente 20 .No antigo Egito, as fórmulas mágicas são usualmente manifestadas por meiode simbologias, como os ditos, acompanhadas de performances rituais que envolv<strong>em</strong>certos objetos e ingredientes, que serv<strong>em</strong> como amuletos. A magia, no Egito, tinhapreferencialmente um caráter de proteção, ou de profilaxia, advinda dos Deuses 21 .O campo de operação, que contém maior quantidade de descrição de rituaismágicos no antigo Egito, pertence à esfera dos ritos funerários. São registradasinformações sobre ditos e rituais mágicos nos Textos das Pirâmides do AntigoImpério, nos Textos dos Sarcófagos do Médio Império e no Livro dos Mortos, doNovo Império 22 .Um propósito dos feitiços era transformar o defunto <strong>em</strong> outro ser, umespírito (’h), que pertencia ao mundo divino, onde todas as forças danatureza se juntavam. Esta transformação, que acontecia num mundoonde as condições de existência eram completamente diferentes, e atémesmo a comida que o defunto precisava era simbólica, eraalcançada por meio de uma vasta gama de feitiços e rituais. Muitosdestes eram executados durante cerimônias de enterro, nos quais um19 Walter FARBER, Witchcraft, magic, and divination in ancient Mesopotamian, p. 1895.20 Walter FARBER, Witchcraft, magic, and divination in ancient Mesopotamian, p. 1898.21 J. F. BORGHOUTS, Witchcraft, magic, and Divination in ancient Egypt , p. 1775-1779.22 J. F. BORGHOUTS, Witchcraft, magic, and Divination in ancient Egypt , p. 1779.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 134


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408vasto número de modos de ser e relações hipotéticas eramevocados. 23Como atestado na antiga Mesopotâmia, de forma análoga no antigo Egito, oscampos de atuação dos profissionais envolvidos nas práticas mágicas se misturam. Omágico, o protetor e o sacerdote de Sekhmet poderiam estar associados ao doutor ouaquele que cura. Da mesma forma, menções aos profissionais são encontradas nosespaços públicos, como <strong>em</strong> espaços domésticos. Mulheres sábias são nomeadas <strong>em</strong>meio a estes profissionais. Textos bíblicos test<strong>em</strong>unham a presença de mágicos eadivinhos <strong>em</strong> serviços ao faraó: Gn 41.8 traz os magos e os sábios convocados parainterpretar os sonhos do faraó, que também são mencionados <strong>em</strong> Ex 7.11 e 22. Oshartummîm, os mágicos do faraó tinham uma ligação com a casa da vida, o centro deestudos teológicos, onde a produção literária <strong>em</strong> torno da manifestação de Re eracomposta 24 .Segundo Gabriela Frantz-Szabó, no contexto cultural-religioso hitita, pod<strong>em</strong>ser detectadas duas formas de magia e feitiçaria: a assim chamada “magia negra,”que é a que causa dano e a “magia branca,” que t<strong>em</strong> caráter defensivo ou preventivo.A lei hitita punia àquelas pessoas que se envolviam com práticas mágicas maléficas.O trato da questão da feitiçaria e magia estava sob os cuidados do estado, pois asações não envolviam somente a indivíduos, mas podiam acarretar <strong>em</strong> prejuízos sobregrupos e sobre o estado mesmo 25 .Uma das profissionais mais conhecidas do mundo mágico hitita é a mulhersábia”, ou a “mulher velha”. Ela era uma espécie de sacerdotisa, não de um t<strong>em</strong>plo,23 J. F. BORGHOUTS, Witchcraft, magic, and Divination in ancient Egypt , p. 1779. “One purpose of thespells was to turn the deceased into another being, a spirit (’h), who belonged to the world of thedivine where all forces of nature came together. This transformation, which took place in a worldwhere the conditions of existence were completely different and even the food the deceasedneeded was symbolic, was achieved by means of a vast range of spells and rituals. Many of thesewere performed during burial cer<strong>em</strong>onies, in which vast numbers of hypothetical modes of beingand relationships were evoked.”24 J. F. BORGHOUTS, Witchcraft, magic, and Divination in ancient Egypt, p. 1784.25 Gabriella FRANTZ-SZABÓ, Hittite witchcraft, magic, and medicine, p. 2008.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 135


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408mas de rituais mágicos e de oráculos de sorte. Ela podia atuar <strong>em</strong> equipe, com aajuda de uma assistente hieródula, um médico, um visionário, ou um que observa ospássaros. Um ritual hitita de purificação da mulher, <strong>em</strong> período de parto conhecidocomo papanikri, dura 4 dias e já começa antes de dar à luz. Os pássaros malignos sãoobservados durante este ritual. O quarto onde a mulher dá à luz é purificado, amulher e a criança são consideradas portadoras de impurezas. A cadeira sobre a quala mulher se acocora também passa por um ritual de purificação com o sangue dedois pássaros. Também há referência a um ritual no qual óleo é passado sobre acabeça da parturiente, fazendo a limpeza ritual das mãos e da boca. com lã vermelha.Este ritual é presidido por uma parteira 26 .A adivinhação hitita é composta por sonhos, presságios e oráculos, de sorte,ou de exames das vísceras de uma ovelha. Os fenômenos da magia e adivinhaçãoestão espraiados na sociedade hitita. Estes faziam parte do mundo público e domundo privado, e eram praticados pelo povo <strong>em</strong> geral, b<strong>em</strong> como pelo rei e opessoal ligado ao palácio. Magia e feitiçaria se misturavam com as esferas religiosas <strong>em</strong>édicas, b<strong>em</strong> como dialogavam com as sociedades vizinhas, como Mesopotâmia eÁsia Menor 27 .*****************************************************************************Com as informações sobre o contexto circundante mesopotâmico, egípcio ehitita é possível estabelecer parâmetros e analogias com as práticas do antigo Israel.“Adivinhação é uma prática comum no antigo Oriente Próximo e, assim, é naturalencontrá-la no mundo fenício-cananeu, b<strong>em</strong> como num contexto mais amplo.”26 James Carrol MOYER, The concept of ritual purity among the Hitites, p.70-72; Gabriela Frantz-SZABÓ. Hittite witchcraft, magic, and medicine, p. 201127 Gabriella FRANTZ-SZABÓ. Hittite witchcraft, magic, and medicine, p. 2018.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 136


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408“Diferente dos mesopotâmicos, os hebreus e os cananeus da Palestina nãoproduziram um corpus especificamente dedicado à adivinhação” 28 .Os meios de adivinhação encontram analogias nas diferentes culturas, noantigo Oriente Próximo. O diferencial é que há pouco registro escrito destas práticasno antigo Israel. Os meios legítimos, exercidos pelos sacerdotes, foram a adivinhaçãopor meio de sorte, o efod (peça do vestuário sacerdotal), e o Urim e Tummim. Osescritores sacerdotais e deuteronomistas vão fazer a redução necessária destaspráticas, condenando as que não foram incorporadas, e legitimando outras quereceb<strong>em</strong> o aval do corpo especializado. Não dá para estabelecer um critério único,para dizer porque determinadas práticas foram incorporadas e legitimadas, e outrasrelegadas ao proibitivo. Mas, a partir dos textos bíblicos, é possível estabelecer umaligação entre práticas mágicas e adivinhação com parte do mundo e das concepçõesreligiosas no antigo Israel. É um dos meios de acesso ao mundo sobrenatural, aomundo do transcendente, do divino.Como meio de acesso, o ponto que deve ser discutido <strong>em</strong> estreita relaçãocom as proibições e condenações é a questão do controle destes meios de acesso. Ouseja, <strong>em</strong> que medida as proibições, negações e deslegitimações não respond<strong>em</strong> aquestões de poder. A polêmica se encerra num contexto de definição de identidade,onde o conflito reside <strong>em</strong> determinar qu<strong>em</strong> são os atores sociais legítimos,<strong>em</strong>poderados para exercer determinadas práticas. Ou, dizendo de forma maisconcreta, o probl<strong>em</strong>a não são as práticas, mas qu<strong>em</strong> as faz, onde elas acontec<strong>em</strong> e,conseqüent<strong>em</strong>ente, a qu<strong>em</strong> elas se dirig<strong>em</strong>.Parece que <strong>em</strong> épocas pré-exílicas algumas práticas ou profissões poderiamser consideradas compatíveis com o javismo daquela época. Já <strong>em</strong> épocas tardias,28 Jean-Michel de TARRAGON, Witchcraft, magic and divination in Canaan and Israel , p.2071.Divination is a common practice in the ancient Near east, and so it is natural to find it in thePhoenician-Canaanite world as well as in the broader context.” “Unlike the Mesopotamian, theHebrews and the Canaanites of Palestine produced no corpus specifically dedicated to divination.”Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 137


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408com a preocupação crescente pela manutenção da identidade <strong>em</strong> contexto de ameaçade misturas culturais e religiosas, que se apresentam no exílio, estas são condenadas.“Quando elas aparec<strong>em</strong>, mais tarde, <strong>em</strong> textos do dtr, ou nos textos influenciadospela ideologia do dtr, elas são retratadas como práticas ilícitas e proscritas” 29 .Pode-se conjecturar que práticas do âmbito da magia e da adivinhação sãoel<strong>em</strong>entos constitutivos da sociedade do antigo Israel. Há um movimento de relegarestas práticas ao mundo assim chamado “pagão” ou “cananeu”, enfim, aos outros,aos estrangeiros. Ao impelir estas práticas para fora do contexto cultural-religioso deIsrael, preserva-se uma retórica de afirmação e construção da identidade isolada doambiente cultural circundante. Neste sentido, ao abordar a t<strong>em</strong>ática da magia e daadivinhação na Bíblia Hebraica, deve-se ter <strong>em</strong> conta que a forma de apresentar ot<strong>em</strong>a no próprio texto, leva a uma direção que quer estabelecer categorias de controle<strong>em</strong> assuntos de pureza e contaminação 30 .As evidências textuais apontam para uma probabilidade da existência eaceitação de práticas de adivinhação <strong>em</strong> certos círculos no antigo Israel. O propósitodo controle é mais percebido <strong>em</strong> textos cujas composições sofreram interferênciasdeuteronomísticas. Os objetivos da profecia e da adivinhação são s<strong>em</strong>elhantes, poisquer<strong>em</strong> facilitar e agilizar a comunicação entre Javé, a divindade e seu povo. Maspara o escritor deuteronomista, a adivinhação não pode ser um meio legítimo, poisos canais fidedignos estão centralizados nos profetas de linha mosaica, ou ainda fazseuma associação da adivinhação com práticas estrangeiras 31 .29 Brian B. SCHMIDT, Canaanite Magic vs. Israelite Religion, p. 253. “The r<strong>em</strong>aining four, soothsaying,sorcery, divining, and charming, were not attested in pre-exilic texts. This might indicate that whilethe professions were compatible with earlier forms of Yahwism (admittedly the text are silent onthis point), they came to pose a threat to dtr ideology only by the exilic period or thereafter. Whenthey do show up in later dtr texts or texts influenced by dtr ideology, they are depicted as illicitpractices and outlawed.”30 Brian B. SCHMIDT, Canaanite Magic vs. Israelite Religion, p. 259.31 Thomas H. OVERHOT, Prophecy and divination, p. 126.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 138


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408A intermediação religiosa pode ser definida como “um processo decomunicação entre as esferas divina e humana na qual mensagens são canalizadas<strong>em</strong> ambas as direções, através de um ou mais indivíduos que são reconhecidos pelasociedade para exercer tal função” 32 . Esta definição correlaciona os profetas eadivinhadores <strong>em</strong> relação ao exercício de seu papel ou funções sociais. Ambosexerc<strong>em</strong> a intermediação, apesar de o fazer<strong>em</strong> com suas especificidades, de acordocom os aspectos culturais que são relevantes <strong>em</strong> determinadas épocas e contextos.Os textos condenatórios traz<strong>em</strong> uma característica <strong>em</strong> comum. Todos osintermediários são especialistas aos quais se recorre <strong>em</strong> busca de intermediação entreo reino sobrenatural e o terreno. Neste sentido, condenação se insere na pergunta dequais os meios são legítimos. Quais os mecanismos reconhecidos de comunicaçãocom Deus? O Dt promete que serão fornecidos os intermediários legitimados ereconhecidos: o profeta de tradição mosaica. Este será o único intermediárioreconhecido e os textos atestam isso. (Nm 12.6-8 ) 33 .Possessão no ATA idéia de possessão no AT pode ser aproximada da profecia. Textosindicam que a experiência profética pode ser descrita como uma espécie de ocupaçãode copo e de identidade por parte de um espírito. O marco para a profecia é apossessão do espírito de Deus. A “mão do Senhor” cai sobre o profeta e este épossuído pelo poder de profetizar – 1 Rs 18.46; 2 Rs 3.15, Jr 15.17; Ez 1.30. O espíritoainda pode “pairar sobre” , Nm 11.25-26; ou “revestir” alguém, Jz 6.34; Am 3.8.Há poucas referências a possessão d<strong>em</strong>oníaca no AT: Ex 22.17 –18 e Lv 19.26proíb<strong>em</strong>; no v. 31 há referência a necromancia, ou a consulta a um espírito familiar.32 Thomas H. OVERHOT, Prophecy and divination, p. 141.33 Robert R. Wilson. Profecia e sociedade no antigo Israel. São Paulo : Paulinas, 1993, p 152.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 139


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Outros textos: 1 Sm 15.23; 2 Rs 17.17; 21.6; 23.24; 2 Cr 33.6. Há diferentes concepções,significados e formas de descrever o que se pode chamar de possessão: uma delas éque é associado com doença (epilepsia); outra é com horror e arrepios – Jó 4.12-16 – oespírito faz arrepiar o cabelo e ouve-se uma voz. O espírito pode ser manifesto comociúme de marido que pensa que está sendo traído, <strong>em</strong> Nm 5.14-15; ou como espíritomentiroso que entra na boca dos profetas de Acab – 1 Rs 22.19-24.Há uma diferença notável que levanta uma suspeita que pode seraprofundada nas experiências de mulheres possuídas nos textos do AT e NT. No AT,não há referência explícita de mulheres possessas que são exorcizadas. Ao contrário,a partir de 1 Sm 28 pode-se dizer que a mulher é dona, controla ou t<strong>em</strong> o poder econhecimento de como manejar, fazer subir o espírito. Nos textos do NT asreferências a mulheres e possessão acontece s<strong>em</strong>pre onde elas são possuídas e dev<strong>em</strong>ser exorcizadas. De Madalena se diz que foram expulsos 7 d<strong>em</strong>ônios (Lc 8.2-3) ou amulher que estava presa/amarrada por Satanás há 18 anos ficando encurvada(Lc13.16); ou a menina que t<strong>em</strong> um espírito de adivinhação (At 16.16ss).Como probl<strong>em</strong>atizar esta situação dada no NT, <strong>em</strong> relação às mulheres e osespíritos d<strong>em</strong>oníacos?Estudos comparativos culturais mostram que a possessão d<strong>em</strong>oníaca éusualmente um significado pelo qual um indivíduo num papel social subordinadopode responder para e lidar com circunstâncias que não pod<strong>em</strong> ser efetivament<strong>em</strong>anejadas de outra forma. Muitas vezes estas circunstâncias <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> de conflitosintrafamiliares. Por isso, a possessão d<strong>em</strong>oníaca ocorre, na maioria das vezes, nosindivíduos mais subordinados da estrutura familiar: mulheres e crianças 34 .Então, poderia-se dizer que a situação das mulheres no contexto cultural doNT é mais difícil, mais subordinado? Por outro lado, o argumento do silêncio – não34 Stevan DAVIES L. Jesus, the healer. Possession, trance, and the origins of Christianity. New York:Continium, 1995, p. 81.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 140


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408há menção a exorcismo de mulheres no AT – não pode significar de que não exista.Mas, exorcismos de homens sim, são mencionados: Davi exorcisa o espírito mau eviolento de Saul, com música, conforme relato <strong>em</strong> 1 Sm 16.14-23; 18.10-12.O que, sim, se pode afirmar é de que quanto mais se institucionaliza o culto eas práticas religiosas tanto mais as mulheres são afastadas do manejo com o sagrado.Tanto mais as práticas das mulheres são relegadas ao espaço do proibido, do ilícito, eque no linguajar do AT pode ser também, impuro, abominação, idolatria. A questão éentão, qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> o poder de nomear. De dar nome e legitimidade às suas práticas.Qu<strong>em</strong> pode incorporar e oficializar as práticas e qu<strong>em</strong> deve fazer o que sabe, nacozinha, atrás das cortinas, no fundo das roças, nas encostas e beiras de rios. Longedo t<strong>em</strong>plo, do sacerdote e de seu deus.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 141


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Resumos das ComunicaçõesReduções pós-modernas: análise de uma sociedade exclusivista, inculturada <strong>em</strong>anipulada no Rio Grande do Sul (um estudo de caso)Comunicação apresentada por Adriana WeegeResumo:O estudo t<strong>em</strong> como objeto de pesquisa a cosmovisão sócio-religiosa, b<strong>em</strong> como o"subterrâneo" e os pressupostos psicossociais dessa cosmovisão, do povo da região norte doRio Grande do Sul, uma região bastante <strong>em</strong>pobrecida, mais especificamente de MarcelinoRamos e arredores. T<strong>em</strong> como objetivo, a princípio localizar na formação do povo, nométodo de colonização, o surgimento de uma religiosidade díspar do ponto de vista docristianismo e de expressões ímpares do ponto de vista social, b<strong>em</strong> como buscar subsídiospara defender o caráter "sui generis" desta região nos seus aspectos: humano, social ereligioso. Nas estruturas seculares e estruturas religiosas, são perceptíveis a centralização porparte de uma liderança e até mesmo o esqu<strong>em</strong>a de "coronelismo" e, ainda, o catolicismopopular é el<strong>em</strong>ento plasmático <strong>em</strong> todas as camadas e estruturas da sociedade,independent<strong>em</strong>ente de suas origens étnicas, religiosas ou sociais. A partir dessa pesquisapretende-se compreender melhor a cosmovisão religiosa da população que "bebe de todas asfontes", definir qual a orig<strong>em</strong> dessa compreensão e porque persiste, afim, de facilitar futurosprojetos no sentido de proporcionar um maior desenvolvimento humano. Traçar caminhospara valorizar as diversas formas de cultura que ali estão subdesenvolvidas (ou quaseesquecidas). A pesquisa pretende também abrir meios de integrar este microcosmo nasociedade brasileira como um todo.Palavras-chave:Religiosidade popular, colonização, coronelismo, Marcelino RamosO imaginário religioso e as concepções de doença e curaComunicação apresentada por Alessandro BartzResumo:A partir de uma descrição de um caso de doença na família, o autor levanta algumasquestões do imaginário religioso <strong>em</strong> torno da explicação da mesma, b<strong>em</strong> como as práticasfrustradas de cura, imposta pelos meios neopentecostais. Defronta-se com dois modelos deentendimento de doença, contrapondo a teologia pentecostal clássica e moderna. Numsegundo momento, o autor busca definir uma pressuposta teoria da cura, respeitando umaDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 142


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408prática religiosa de cura integral, olhando mais de perto para a caminhada na IgrejaEvangélica de Confissão Luterana no Brasil.Palavras-chave:representação religiosa, doença, cura, exorcismo, corpo, espírito, pluralismo terapêutico,possessão d<strong>em</strong>oníacaA prática pastoral batista à luz da pedagogia libertadora de Paulo FreireComunicação apresentada por Eliseu Roque do Espírito SantoResumo:O presente artigo analisa a prática pastoral batista, delimitando-a neste trabalho comopráticas e reflexões relacionadas à atividade do pastor ou pastora. Busca inspiração napedagogia libertadora de Paulo Freire para analisar quatro aspectos relacionados ao trabalhopastoral, que são: o uso da palavra, o trabalho social da Igreja, o ensino e discipulado efinalmente a relação da escatologia com a construção de um projeto de uma novahumanidade. O autor conclui que se deve buscar resultados mais qualitativos quequantitativos se o objetivo é a libertação. Isto implica numa revisão e atualização das práticasà luz da Palavra de Deus e do propósito de libertação.Palavras-chave:Libertação, batistas, pastor/pastora, PauloFreire, Pedagogia Libertadora, Teologia Pastoral,Igreja.O novo rosto do ensino de teologia no Brasil:números, normas legais e espiritualidadeComunicação apresentada por Evaldo Luis PaulyResumo:As condições objetivas para o ensino de teologia no Brasil mudaram. Ensinar teologia não émais uma atribuição privativa das denominações religiosas. O ensino da teologia no Brasil,<strong>em</strong> cursos reconhecidos, está sob o controle do sist<strong>em</strong>a federal de ensino. Quais asconseqüências da passag<strong>em</strong> do ensino de teologia do espaço privado para o público? Qual adiferença entre o ensino de teologia sob o livre-arbítrio das instituições religiosas <strong>em</strong> relaçãoao ensino sob o arbítrio determinado do Estado D<strong>em</strong>ocrático de Direito? O artigo refletesobre essa mudança no caráter do ensino da teologia brasileira. As condições políticopedagógicasasseguradas e garantidas pela inserção de poucos cursos de teologia no sist<strong>em</strong>afederal de ensino, ensejaram que o ensino da teologia brasileira – pela primeira vez <strong>em</strong> suahistória – vivenciasse a liberdade republicana da educação pública. O artigo se baseia naanálise de dados do Censo do Ensino Superior do INEPP (Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Anísio Teixeira), na avaliação política das normativas legais<strong>em</strong>anadas do sist<strong>em</strong>a federal de ensino e discute, finalmente, a possibilidade pedagógica deDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 143


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408ensinar espiritualidade. O artigo conclui fundamentando a questão pedagógica para seraprofundada pela pesquisa teológica acerca da dialética hermenêutica entre “liberdade earbitrariedade no ensino de teologia”.Palavras-chave:Ensino de teologia; teologia no sist<strong>em</strong>a federal de ensinoIdentidades não tão Secretas:a tensão entre identidades culturais num contexto globalizadoComunicação apresentada por Iuri Andréas ReblinResumo:O presente ensaio aborda a tensão entre as identidades culturais num contexto globalizado,formulando perguntas a partir da observação crítica da propagação do gênero dasuperaventura para além das fronteiras dos Estados Unidos da América. A análise dessatransposição cultural evoca a discussão sobre a influência cultural estadunidense, tentandoidentificar até que ponto essa influência, se sobrepõe ou se transforma <strong>em</strong> outros contextos.O foco dessa análise está direcionado para a superaventura no contexto brasileiro e a doiscasos específicos: o Hom<strong>em</strong>-Aranha no Japão e na Índia..Palavras-chave:Identidade Cultural, Globalização, Cultura, Super-Heróis Brasileiros, Hom<strong>em</strong>-AranhaIndianoPara famintos e saciados:o “self-service” pós-moderno — Pistas para a dignidade humana na globalizaçãoComunicação apresentada por Kathlen Luana de OliveiraResumo:A informação e a riqueza são dois critérios constituintes de pertença à globalização. Tambémos impactos sociais são visíveis no enfraquecimento das instituições coletivas – inclusive areligião – no apogeu do individualismo como referencial de normas e valores e na inegávelmarginalização das massas. No entanto, o acesso à tecnologia não é suficiente para oestabelecimento de relações solidárias. Não basta estar na globalização para conquistar acidadania. O presente artigo, além de atentar para as injustiças econômicas e sociais, visaquestionar a informação e o individualismo como atributos da dignidade humana e vai aoencontro do que Milton Santos denomina de “outra globalização”.Palavras-chave:globalização, dignidade, conhecimento, estratificação social, religiãoDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 144


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408A “evangelização midiática” na Canção NovaComunicação apresentada por Nivia Ivette Núñez de la PazResumo:O presente artigo visa resgatar el<strong>em</strong>entos históricos da Comunidade Canção Nova queapontam para a indissolúvel relação entre a evangelização e a mídia. Trata-se de umaevangelização que faz uso da mídia para atingir seus propósitos ou é uma “mídia queevangeliza”? É uma evangelização “contra-heg<strong>em</strong>ônica” ou ela v<strong>em</strong> reafirmarsimuladamente a heg<strong>em</strong>onia evangelizadora de outros t<strong>em</strong>pos?Palavras-chave:Canção Nova, Evangelização, MídiaA Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasilfrente ao dil<strong>em</strong>a do progresso e desenvolvimento da AmazôniaComunicação apresentada por Rogério Sávio LinkResumo:O presente artigo pretende trazer à discussão os conceitos de progresso e desenvolvimento,enfocando o trabalho e atuação da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil naRegião Amazônica. Esses conceitos serviram para justificar e caracterizar o trabalho da igrejanessa nova região de colonização. Quer<strong>em</strong>os ver se eles circunscrev<strong>em</strong> uma nova forma deencarar o papel da igreja no mundo ou se eles foram adotados como uma forma da igreja nãose comprometer, ao mesmo t<strong>em</strong>po, com a ditadura militar e com o mundo ecumênico.Palavras-chave:Progresso, Desenvolvimento, Novas Áreas de Colonização, IECLB, LuteranosDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 145


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>09</strong>, jan.-abr. de 2006 – ISSN 1678 6408Como citar esta revistaComo citar esta revista:<strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong>:Anais do S<strong>em</strong>inário Internacional: Religião numa era de Globalização – 18 a20 de abril de 2006 – Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, RS. São Leopoldo, v. <strong>09</strong>, jan.-abr.2006. ISSN 1678 6408 Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 30/06/2008Como citar um artigo desta revista:(Ex<strong>em</strong>plo)STÅLSETT, Sturla J.. Um Globo <strong>em</strong> busca da sua alma: um ensaio sobre a religião numa era deglobalização. <strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong>: Anais do S<strong>em</strong>inário Internacional: Religião numa era deGlobalização – 18 a 20 de abril de 2006 – Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, RS. São Leopoldo,v. <strong>09</strong>, jan.-abr. 2006, p.9-30. ISSN 1678 6408. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 30/06/2008.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 146

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