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A transição do trabalho escravo ao trabalho livre ... - Diversitas - USP

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A <strong>transição</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> <strong>ao</strong><strong>trabalho</strong> <strong>livre</strong> no Grande ABC e osfluxos populacionais: 1880/1920Káti;ristina KeruEntre o mar e o planaltoNo Brasil, durante to<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> de ocupação da Colônia, a CoroaPortuguesa teve como alia<strong>do</strong>s os jesuítas, ten<strong>do</strong> estes, busca<strong>do</strong> inserir oíndio no processo produtivo, embora esse intento não tenha se concretiza<strong>do</strong>por inteiro. A ação jesuítica, entretanto, foi alternativa de assimilação dacultura indígena, em contraponto à posição <strong>do</strong> colono que optou, na maioriadas vezes, pelo extermínio. No litoral, os freqüentes ataques indígenas,no princípio da ocupação das terras brasileiras pelos europeus, inviabilizavaas atividades produtivas, tornan<strong>do</strong>, assim, a penetração no Planalto vantajosa,tanto para a economia colonial como para a nova fonte de mão-deobraescrava que se vislumbrava.Assim, ainda em 1553, se deu a instalação da Vila de Santo André daBorda <strong>do</strong> Campo, com João Ramalho e um grupo de colonos. Somente umano mais tarde foi funda<strong>do</strong> o Colégio de São Paulo de Piratininga, quan<strong>do</strong>,através <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> Padre Manuel da Nóbrega, se propagou a fé <strong>ao</strong>s sertões,particularmente <strong>ao</strong>s índios Carijós, que também eram o principal alvo<strong>do</strong>s colonos.A disputa entre jesuítas e colonos foi, no entanto, colocada num segun<strong>do</strong>plano, quan<strong>do</strong> centralizou-se forças na resistência <strong>ao</strong>s ataques tamoios,que perduraram por toda a década de 1550. Pela localização geográfica, dedifícil proteção, o governa<strong>do</strong>r Mem de Sá optou pela extinção da vila eremoção de seus mora<strong>do</strong>res para junto <strong>ao</strong> Colégio, em São Paulo. Emboranão se tenha ainda a localização exata da extinta Vila de Santo André daRnr~~ ~n r~mnn- ~Iulln~ hi~rnri~~nrp~ ~tP~t~m tpr p~t~~n " vil" n" ~rp" ri"


atual região ocupada pela cidade de Santo André. Manteve-se viva na memóriaa idéia de que Santo André hoje, seria uma descendente direta da vilafundada por João Ramalho."Succederam-se dias, annos e séculos, da fundação desta localidadepor João Ramalho, neste pedaço de pátria, com a denominação deSanto André, alli na Borda <strong>do</strong> Campo, onde começou a creçer aprimeira povoação, a vida de um grande porvir, impulsionan<strong>do</strong> essedesejo o seu funda<strong>do</strong>r a ponto de que não fôra as desavenças havidascom os Padres Jesuítas, q'protegi<strong>do</strong>s pelo governo <strong>do</strong> Reino, fundaramSão Paulo de Piratininga, onde hoje se ergue a grande Capital,ter-se-ia esta ergui<strong>do</strong> hoje neste seu recanto." (O MONITOR, SãoBernar<strong>do</strong>, 04/08/1904)78Assim, a história teria rouba<strong>do</strong>, com a extinção da vila, o destino grandiosoque lhe competia, deixan<strong>do</strong>-o para a cidade de São Paulo. De qualquermaneira, no ano de 1560, Santo André perdeu seu status de vila e passou aser designada como 'bairro rural da Borda <strong>do</strong> Campo' da cidade de SãoPaulo. A região abrangia as atuais cidades de Santo André, Diadema e SãoBernar<strong>do</strong> (da Serra <strong>do</strong> Mar até Rudge Ramos). Sen<strong>do</strong> que somente no séculoXVIII, com a fundação das capelas de Nossa Senhora da Conceição e SãoBernar<strong>do</strong>, a região passaria a ser um único bairro, Nossa Senhora da Conceiçãode Guacuri e São Bernar<strong>do</strong>.Isso veio a estimular uma historiografia que deixa como a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> estestrês séculos, registra<strong>do</strong> como perío<strong>do</strong> de pouca importância histórica.Assim, quan<strong>do</strong> no século XVIII, essa sociedade ganha novos contornosorganizacionais, sua memória também recebe novo impulso, relegan<strong>do</strong> àobscuridade to<strong>do</strong> um perío<strong>do</strong> de relações entre São Paulo e o mar, no seucotidiano de comercialização e transporte. Tal passa<strong>do</strong>, sem grandes personagensilustres, fatos marcantes ou mudanças significativas, foi ti<strong>do</strong> comoincipiente, sem ser digno de maiores relatos. Seus personagens, nacionais,estrangeiros, índios, instala<strong>do</strong>s pelos caminhos forman<strong>do</strong> pousos, pratican<strong>do</strong>cultura de subsistência ou extrativista, foram apaga<strong>do</strong>s da memória daregião, da mesma maneira que selecionou-se o processo de imigração paracaracterizar a população, enquanto foram apaga<strong>do</strong>s seus personagens negrosdas fazendas da região.


Diadema nasceu no Grande ABC: História Re!rospectiva da C!~~e _VermelhaAs terras situadas entre São Paulo e a Serra <strong>do</strong> Mar foram logo de imediatosen<strong>do</strong> requisitadas por sesmarias, sem que se tenha forma<strong>do</strong>, no entanto,algum núcleo significativo. O povoamento da região se daria por um processoconstante, porém, lento. A ocupação das terras, a partir <strong>do</strong> séculoXVI, pode ser rastreada através de inventários, escrituras ou sesmarias, emesmo com tais lacunas, pode-se ter uma idéia <strong>do</strong> lento processo de povoamentoou tomada de posse dessas terras. A <strong>do</strong>cumentação encontrada ecoletada por Wanderley <strong>do</strong>s Santos I , comprova a utilização da terra parafazendas de subsistência ou criação de ga<strong>do</strong>, numa área de escassa populaçãomas de boa localização, entre a Serra <strong>do</strong> Mar e o Planalto.São Paulo definiria sua comunicação por terra. Caminhos partiam davila, estimula<strong>do</strong>s pelo crescimento <strong>do</strong> comércio e, deste mo<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> que <strong>ao</strong>longo deles se encontrava, havia também de se desenvolver. Hospedarias,pastagens e ranchos cresciam com o movimento cada vez maior de viajantese merca<strong>do</strong>rias, crian<strong>do</strong>-se até empresas de transporte para condução de passageirosentre Santos e São Paulo pelo velho Caminho <strong>do</strong> Mar.A estrada <strong>do</strong> Oratório, como ficou conhecida, foi o primeiro caminhoque ligava a Serra <strong>do</strong> Mar a São Paulo. Passava pela Vila de Santo André daBorda <strong>do</strong> Campo rumo <strong>ao</strong> rio Tamanduateí, Utinga, Sapopemba, Tatuapé,etc. Esse caminho caiu em desuso ainda em 1560, devi<strong>do</strong> a uma nova varianteque interligava a Borda <strong>do</strong> Campo e o Ipiranga.79


80o Caminho <strong>do</strong> Padre Anchiera cruzava toda a região bernardense, ligan<strong>do</strong>diretamente a Serra <strong>do</strong> Mar <strong>ao</strong> Ipiranga. Inicia<strong>do</strong> em 1560, sen<strong>do</strong> sempremuito utiliza<strong>do</strong>, geran<strong>do</strong> consequentemente alguma preocupação na suamanutenção. Durante os séculoseguintes, os reparos ocorriam somente quan<strong>do</strong>se sabia da chegada de alguma autoridade. Os atoleiros foram venci<strong>do</strong>s <strong>ao</strong>spoucos com aterros nos trechos mais críticos. Faltava assim vencer a serra, suaaspereza e sinuosidade. Tal problema só se resolveu com a Calçada de Lorena,concluída em 1790, asseguran<strong>do</strong> a rota de comércio e de movimentação.Muitos caminhos cortavam a região, como o chama<strong>do</strong> Caminho Velho,que saía de Piassaguera para Santo Amaro e São Paulo. O caminho <strong>do</strong>Caaguaçu, ou talvez, o caminho <strong>do</strong> Sapopemba, localiza<strong>do</strong> entre o atualbairro de Santo Amaro até Rio Grande da Serra, por onde chegava o ga<strong>do</strong>de Moji das Cruzes. Ou ainda, numa região próxima de Pilar, existira achamada trilha <strong>do</strong>s Tupiniquins, sinal da primeira penetração na região,anterior <strong>ao</strong> caminho de Anchieta.O Caminho <strong>do</strong> Carro, numa ampla região cruzan<strong>do</strong> a Vila Mariana,existiu com essa designação desde o fim <strong>do</strong> XVIII, sen<strong>do</strong> considera<strong>do</strong> durantemuito tempo como divisa entre São Paulo e Santo Amaro. Começavano Largo da Pólvora, Liberdade, subin<strong>do</strong> até a atual rua Vergueiro, ruaParaíso, Domingos de Moraes e rua Luís Gois. Já no bairro da Saúde, haviaum pequeno córrego e uma velha casa onde se tem notícia de que carreirose tropeiros descansavam os animais e faziam pouso. Sain<strong>do</strong> de Santo Amaro,havia um outro caminho, na altura da atual Rua Correia Dias seguin<strong>do</strong> atéSão João Clfmaco, in<strong>do</strong> dar no mar, e ainda, a estrada <strong>do</strong> Capitão Cursinoatravessand o atual Jardim da Saúde e o bairro de Vila Moraes chegan<strong>do</strong><strong>ao</strong> Arraial <strong>do</strong> Curral Grande (Vila Conceição e depois Diadema) que davanovos caminhos a Santo Amaro e São Bernar<strong>do</strong>.A região sempre se caracterizou por grande mobilidade. Os caminhos detropeiros e canoeiros penetravam por toda essa área, e suas famílias, dealguma maneira, permaneciam nessas terras, divididas em três grandes bairros,Borda <strong>do</strong> Campo (atual São Bernar<strong>do</strong>) bairro de São Caetano e bairro deCaaguaçu (atual São Bernar<strong>do</strong>, Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires). Umaárea era de campo, no vale <strong>do</strong> Rio <strong>do</strong>s Meninos, dedicada à criação de ga<strong>do</strong>, eoutra, de mata, com fazendas agrícolas de subsistência e mão-de-obra escrava.~


)iadema nasceu na Grande ABC: História Retrospectivo<strong>do</strong> Cidade VermelhoNo século XVIII, os poucos fazendeiros aban<strong>do</strong>naram a região para seestabelecer no Vale <strong>do</strong> Paraíba. Muitas destas terras foram <strong>do</strong>adas a ordemde São Bento, que acabou por formar duas fazendas, a de São Caetano(bairro <strong>do</strong> Tijucussu) e São Bernar<strong>do</strong>, que mais tarde se des<strong>do</strong>brou emfazenda Jurubatuba. Os beneditinos, fora <strong>do</strong>s palcos de relações sociais daescravidão na época, montaram uma fazenda industrial com mão-de-obraindígena, sen<strong>do</strong> que só chegariam os <strong>escravo</strong>s negros na segunda metade <strong>do</strong>século XVIII.Os caminhos, neste perío<strong>do</strong>, mantinham uma grande circulação de carrosde bois e tropas de cargueiros, viajantes e negros vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> litoral, paraas fazendas de café <strong>do</strong> interior paulista. Tais caminhos não passavam, muitasvezes, de picadas no mato, feitas há tempos, por homens à procura deouro e índios para escravizar. A aparência se mantinha pela passagem <strong>do</strong>sque a utilizavam. Sem pontes, tais caminhos eram penosamente percorri<strong>do</strong>s,atravessan<strong>do</strong> a na<strong>do</strong> os trechos baixos <strong>do</strong>s córregos ou acompanhan<strong>do</strong>longamente a sua margem.Só a partir de 1840 é que os caminhos começaram a receber algumasmelhorias, que foram sen<strong>do</strong> feitas através de Serviços Públicos, quan<strong>do</strong> ogoverno passou a se voltar mais para tais questões. O desenvolvimento estavaatrela<strong>do</strong> às melhorias <strong>do</strong>s trajetos. Novos caminhos eram necessáriospara encurtamento das distâncias, no transporte <strong>do</strong>s produtos agrícolas,comerciais e industriais, bem como, era vital a conservação mínima e reparosnas estradas já existentes.As estradas se mantinham sempre sob condições muito ruins, desde osprimeiros viajantes que descreviam os intermináveis atoleiros, <strong>ao</strong>s carroceirosque reclamavam no começo deste século, <strong>do</strong> péssimo esta<strong>do</strong> das estradas naregião. O aumento da população <strong>livre</strong>, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> início da chegada daslevas de imigrantes, fez com que o processo de incremento das estradas ecaminhos também se ampliasse. O transporte sempre foi uma preocupaçãomuito relevante na organização destes novos grupos, tanto para seu própriodeslocamento como para escoamanto de suas merca<strong>do</strong>rias.Bl"Os habitantes desta zona só o que desejam, aliás com toda a justiça,é facilidade de comunicação, rápida e barata, para o seu de-;envolvimento progressivo." (O PROGRESSO, São Bernar<strong>do</strong>, -I5/1911)


ni"d@m" nC!'t"PIJ n" Grc"dp 4RC, His+nrin RAtrns,,~r+iun dn Ci~nd@ V~rmplhcNão só a quantidade e qualidade destes caminhos se impunha em taispreocupações, mas também a disponibilidade de tais vias, visto que muitasvezes elas despareciam em atoleiros, se fechavam pelo mato ou se confundiamdentro de terras particulares. Alguns colonos, que possuíam lotes emlocais estratégicos, eram acusa<strong>do</strong>s de interromper a passagem através deseus terrenos ou de exigir tributos por ela. Mesmo em estradas tidas comopúblicas, isso ocorria com certa freqüência, como o abaixo assina<strong>do</strong> noLivro de Atas das Sessões da Câmara Municipal de São Bernar<strong>do</strong>, em agostode 1901, de mora<strong>do</strong>res de Ribeirão Pires reclaman<strong>do</strong> de José Gaelo, queexigia uma mensalidade para os que transitavam na estrada que seguia até a'capela', à qual os abaixo assina<strong>do</strong>s declaram ser pública.82"O jornal O Progresso, órgão em apoio <strong>ao</strong> prefeito, afirmava ser impossívelsolucionar os problemas das péssimas condições das estradas,devi<strong>do</strong> as forças climáticas da regiões, ou seja, grandes chuvas.O problema, por muitos mandatos, esteve longe de soluções, sóreceben<strong>do</strong> recursos para melhotias trechos de estradas com uma importânciamuito maior, como o caso da estrada <strong>do</strong> "V átios carroceirospedem-nos que sejamos o porta-voz de suas justas queixas, por issoque a estrada que vae à colônia <strong>do</strong> Rio Grande não permite transitar[...]"(O PROGRESSO, São Bernar<strong>do</strong>, 03/03/1912).o desenvolvimento de várias regiões da cidade estava condiciona<strong>do</strong> <strong>ao</strong>trajeto desses caminhos, assim como também sua conseqüente degradaçãoquan<strong>do</strong> o foco de interesse passou para as áreas cortadas pela linha férrea.Na segunda metade <strong>do</strong> século XIX, a estrada de ferro marcaria o começo deum processo constante de decadência das tropas e seus caminhos, bem comodas áreas e pessoas que a esse movimento deviam sua vitalidad~.São Bernar<strong>do</strong>, antes da estrada de ferro, era passagem obrigatória entreSantos e São Paulo, entre eles, muitos viajantes relaciona<strong>do</strong>s com o alferesFranco Martins Bonilha, rico proprietário daquela freguesia, e <strong>do</strong>no da maiorfábrica de chá da província.O estabelecimento da estrada de ferro, em 1867, fez com que muitoscaminhos caíssem em desuso, fican<strong>do</strong> quase aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> o Caminho <strong>do</strong>Mar. Diminuí<strong>do</strong> o movimento que anteriormente faziam tropeiros e negociantesde diferentes partes da Província, ficou determina<strong>do</strong> a decadênciamomentânea de regiões, como por exemplo, Ipiranga e São Bernar<strong>do</strong>. A fer-


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivada Cidade Vermelharoviana região não causou de imediato o impacto espera<strong>do</strong>, embora tenhamseforma<strong>do</strong> núcleos significativos <strong>ao</strong> re<strong>do</strong>r das estações. Um número muitopequeno de trens suburbanos e de ligação à outras cidades mais distantes, fezcom que não houvesse uma generalização <strong>do</strong>s deslocamentos. A dificuldadede transporte, de um mo<strong>do</strong> geral, teria retarda<strong>do</strong> a expansão da cidade que sóse daria em função <strong>do</strong> crescente aumento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong>.83o merca<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong>São Paulo, nos seus primeiros séculos de vida, embora tenha ti<strong>do</strong> umafraca mineração e agricultura, intensificou seu merca<strong>do</strong> interno, valoriza<strong>do</strong>pelo comércio de ga<strong>do</strong> e de <strong>escravo</strong>s índios caprura<strong>do</strong>s no sertão com destinoàs áreas de plantio <strong>do</strong> litoral. Os índios sabiam melhor que ninguémcriar trilhas de penetração para o interior ou beiran<strong>do</strong> o litoral, saben<strong>do</strong>escolher os melhores caminhos, servin<strong>do</strong> como guias indispensáveis <strong>ao</strong>sbandeirantes e monçoneiros.Se, num primeiro momento, a agricultura não pareceu motivar a economiapaulista, o comércio se diversificou bastante. A descoberta <strong>do</strong> ouro nasMinas, apesar de esvaziar boa parte da população paulista, colocou São


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha84Paulo, já em 1800, como fornece<strong>do</strong>r de animais de carga, alimentos, couroe objetos para a região aurífera que investia .u~icamente na mineração. Aproximidade com o mar daria a São Paulo o caráter de intermediário, utilizan<strong>do</strong>-secada vez mais das rotas que cruzavam a região <strong>do</strong> atual ABC.Lucraria muito com isso na agricultura e transporte das merca<strong>do</strong>rias, baseadano consumo das minas.Estimulou-se o desenvolvimento da produção de milho, de feijão, dearroz, de farinhas, de azeites de mamo na e amen<strong>do</strong>im, de toucinho e carnesde porco, para atender a esse comércio. Nas regiões de mata, bairro <strong>do</strong>Caaguaçu e Oratório, próximas à serra, haviam grandes fazendeiros combom número de <strong>escravo</strong>s na agricultura. No entanto, na região de ,campo,mais tarde conhecida como São Bernar<strong>do</strong>, a caminho de São Paulo, haviapequenos sítios com poucos braços <strong>escravo</strong>s, especializa<strong>do</strong>s na criação dega<strong>do</strong>, com um grande movimento de carros de boi que transportavam lenhae madeira para a cidade.No início <strong>do</strong> século XIX, uma nova população se formaria com o ingressode um número mais significativo de negros e europeus, como também,seria esse o momento quan<strong>do</strong> fazendeiros, em busca de um maior controlede seus produtos serra abaixo, se fixariam na região. Santos seria o únicoporto que mantinha comércio direto com a cidade de Porto, Lisboa e asilhas portuguesas. Cananéia e Paranaguá, neste momento, não eram portosutilizáveis pela longa distância a que se encontravam. Os produtos escoa<strong>do</strong>snos portos cita<strong>do</strong>s são, segun<strong>do</strong> D'Orbogny em 1826, farinha, couro, carneseca, mate e chá."Embora afasta<strong>do</strong> apenas <strong>do</strong>ze léguas de São Paulo, Santos é delesepara<strong>do</strong> pela alta cordilheira Marítima, de maneira que tal distância,multiplicada pelos obstáculos, corresponde à cerca de setentaléguas.[...] íngreme e escarpada, só é acessível a mulas. Para se transportara merca<strong>do</strong>ria a tais alturas, tem-se de dividi-Ia em pequenosvolumes, pois, de outro mo<strong>do</strong>, o transporte só poderia fazer-se por.,um custo enorme.Apesar de pouco populosa, a região <strong>do</strong> ABC abrigou em sua história umcontingente de mão-de-obra escrava, tanto indígena quanto negra, sen<strong>do</strong>que em momentos específicos de sua ocupação, isso se deu em maior oumenor escala. Os negros de ganho, da capital paulista, também tiveram


elações com a economia da região <strong>do</strong> ABC e nos caminhos para Santos.Esta particularidade fez com que ocorresse um relacionamento estreito como merca<strong>do</strong> interno paulistano. Os maiores agrupamentos de <strong>escravo</strong>s sedariam nas fazendas beneditinas de São Caetano e São Bernar<strong>do</strong>.Muitas gerações de <strong>escravo</strong> se reproduziam naquelas fazendas, crian<strong>do</strong>laços de parentesco e similaridade na estrutura familiar, devi<strong>do</strong> <strong>ao</strong> fato detais fazendas terem, por longo perío<strong>do</strong>, permaneci<strong>do</strong> como terras de padresbeneditinos, sem que tivessem si<strong>do</strong> vendidas. No século XIX, com a diminuição<strong>do</strong> número de abades, já proibi<strong>do</strong>s por novos noviça<strong>do</strong>s, estreitouseas relações <strong>do</strong> próprio abade com seus <strong>escravo</strong>s.O aumento <strong>do</strong> tributo <strong>escravo</strong> encareceu bastante sua força de <strong>trabalho</strong>,crian<strong>do</strong> dificuldades <strong>ao</strong>s beneditinos para a manutenção da concorrênciana comercialização <strong>do</strong>s tijolos da fazenda. Assim, com o intuito de aumentara produção, tentaram mudanças na disciplina <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, readequan<strong>do</strong>o tempo útil e reagrupan<strong>do</strong> os <strong>escravo</strong>s que moravam dispersos pela fazenda,a se estabelecerem próximos às olarias e fornos, pretenden<strong>do</strong> uma economiade tempo. Além disso, <strong>ao</strong> que parece, seus <strong>escravo</strong>s estavam mais dedica<strong>do</strong>s<strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong> das roças, onde os beneditinos permitiam que se trabalhasse<strong>ao</strong>s <strong>do</strong>mingos, fins de tarde e dias santos, para acúmulo de um pecúlioque poderia lhes servir para compra de alforria.Os beneditinos mantinham diferentes oficinas em suas fazendas, abadiase olarias. Os <strong>escravo</strong>s podiam especializar-se adquirin<strong>do</strong> um saber que iamuito além da lida com a lavoura. Muitos ex-<strong>escravo</strong>s podiam com esseconhecimento continuar trabalhan<strong>do</strong> para os mosteiros, mesmo após sualibertação. Embora esse fato não possa representar um avanço nas relaçõesentre brancos e negros, ocorridas na região, coloca uma das particularidadesentre os <strong>escravo</strong>s e os beneditinos neste momento.As fazendas produziam mandioca, arroz, feijão, milho e amen<strong>do</strong>im paraazeite, algum ga<strong>do</strong> e pequenos animais. A produção da olaria de São Caetanoera comercializada com a cidade de São Paulo, através <strong>do</strong> rio Tamanduateí,que mantém esse nome desde a segunda metade <strong>do</strong> século XIX. Nos séculosXVI, XVII, XVIII e XIX o que se chamava rio Tamanduateí é o atualRin ~n~ M..ninn~as


"No extremo <strong>do</strong> Beco das Barbas (ladeira Porto Geral) havia umporto onde atracavam as canoas que conduziam merca<strong>do</strong>rias dasro~ ribeirinhas e das olarias da fazenda de São Caetano. Era oporto mais importante <strong>do</strong> Tamanduateí, e vivia por isso cheio detropas, de merca<strong>do</strong>res e de <strong>escravo</strong>s."386A fazenda São Caetano pertenceu a ordem de São Bento entre 1631 e1877. Havia uma pequena capela onde eram batiza<strong>do</strong>s os <strong>escravo</strong>s,construída em 1720 e reformada em 1772, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> demolida em 1883para a construção, pelos colonos italianos que lá residiam, da atual MatrizVelha. O local, antigamente chama<strong>do</strong> de Pateo de São Caetano é hoje apraça Ermelin<strong>do</strong> Matarazzo, <strong>ao</strong> la<strong>do</strong> da fábrica Matarazw.As antigas terras <strong>do</strong> Tijucussu, ou em tupi "Grande Lamaçal" ou "BarreiroGrande", cobriam o atual rio <strong>do</strong>s Meninos e o Ribeirão <strong>do</strong> Moinho Velho,na Vila Carioca e Sacomã. Ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> separadas <strong>do</strong> Núcleo Colonial SãoCaetano com a criação <strong>do</strong> município de São Bernar<strong>do</strong> em 1889.No século XVIII a fazenda São Caetano compreendia a área entre o atualcórrego <strong>do</strong> Moinho e o ribeirão <strong>do</strong> Moinho Velho já em São Paulo. A áreada atual Vila Barcelona, bairro Santa Maria, Cerâmica, Vila São José e centrode São Caetano formaram uma faixa rural denominada como Bairro deSão Caetano, fora <strong>do</strong> Núcleo Colonial. Aí moravam posseiros, arrendatários,tropeiros e mestiços.O número de <strong>escravo</strong>s na região cresceu com o estabelecimento da fazendaSão Caetano. Em 1730 eram somente 17, sen<strong>do</strong> que em 1826 onúmero cresceria para mais de 50, devi<strong>do</strong> às atividades da fazenda. Noinício, trabalhava-se basicamente com criação de ga<strong>do</strong> na Fazenda <strong>do</strong>Tijucussu, mas em 1730, já com o nome de Fazenda São Caetano <strong>do</strong>Tijucuçu, iniciou-se a fabricação de telhas e tijolos, com a construção deforno e olaria. O processo foi se modernizan<strong>do</strong> e crescen<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> ocupa<strong>do</strong>a olaria a área entre a atual Matriz Velha e o Rio <strong>do</strong>s Meninos. A produçãode tijolos de alvenaria ampliou-se para lajotas, ladrilhos, telhas e telhõespara canalização de água.Em louça vidrada eram produzi<strong>do</strong>s pratos, panelas, potes, bacias ealguidares, além de obras-de-arte. To<strong>do</strong> o <strong>trabalho</strong> técnico da cerâmica er<strong>ao</strong>rienta<strong>do</strong> por um mestre oleiro, <strong>livre</strong> e assalaria<strong>do</strong>. O <strong>trabalho</strong> era realiza<strong>do</strong>por <strong>escravo</strong>s e escravas, entre os quais alguns aprendizes de oleiro. O traba-


~Diadema nasceu na Grande ABC: História Retrasoectiva da Cidade Vermelhalho das olarias se manteve em São Caetano por mais 250 anos. O mesmobarro que serviu <strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s negros na fazenda São Caetano nos séculosXVI ou XIX, serviria a <strong>trabalho</strong> e sustento de imigrantes, já neste século.Ao <strong>escravo</strong> também cabia remar pelo Tamanduateí até o Porto Geral (hoje,rua 25 de Março), levan<strong>do</strong> em canoa sua produção. Soman<strong>do</strong> <strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>ga<strong>do</strong>, cerâmica e transporte, a agricultura na fazenda manteve uma grandehorta e pomar atrás da casa grande. Também o cultivo de milho, feijão emandioca; corte de lenha, extração de madeira, extração de pedras para cantaria,eram atividades importantes na região.A fazenda São Bernar<strong>do</strong> remonta sua história em terras adquiridas em1637, parte dela de mata e outra de campo. Estava localizada à margem <strong>do</strong>Caminho <strong>do</strong> Mar, sen<strong>do</strong> inicialmente voltada à agricultura e pecuária.Manteve um número de 30 <strong>escravo</strong>s até 1825, quan<strong>do</strong> esse número caiupela metade. Em 1831 a Câmara de São Paulo já dizia ser aquele terreno deutilidade pública, quan<strong>do</strong> já era comum a invasão das terras de campo dafazenda <strong>do</strong> Mosteiro de São Bento em São Bernar<strong>do</strong>. As matas tambémestavam sen<strong>do</strong> invadidas por negociantes de lenha e madeira, empurran<strong>do</strong>os beneditinos e seus <strong>escravo</strong>s mata adentro. De um mo<strong>do</strong> geral a populaçãoera pobre, sen<strong>do</strong> que por volta de 1840, menos da metade de seusmora<strong>do</strong>res eram brancos, e a maioria dividia-se entre negros, par<strong>do</strong>s, mestiçose <strong>escravo</strong>s.Luiz Gonzaga Piratininga Júnior, no seu livro Dietdrio <strong>do</strong>s Escravos deSão Bento, descreve com farta <strong>do</strong>cumentação, o viver cotidiano desses <strong>escravo</strong>s,através de registros nos livros das abadias, resgata<strong>do</strong>s por seus pró-.."'\'! prios antepassa<strong>do</strong>s.O grande volumede informaçõesnos mostra asparticularidadesda escravidão nasfazendas, permitin<strong>do</strong>uma visãodiferenciada deentendimento daree:ião.R7


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade VermelhaOs <strong>escravo</strong>s da fazenda São CaetanQ e São Bernar<strong>do</strong> viveram sob a pressãomoral de uma escravidão junto à igreja, cobrin<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o calendáriolitúrgico, poden<strong>do</strong> ter realizadas proclamas e editais de seus casamentos efeitos seus sepultamentos, muitas vezes, dentro da própria capela. Wanderley<strong>do</strong> Santos coloca que, embora o negro que viveu nas senzalas de São Bentotenha se solidariza<strong>do</strong> o quanto pode, teve de viver constantemente sobre apersistente tentativa de eliminação de seus valores, passan<strong>do</strong> a sobrevivercomo outros tantos, em condição inferior, mesmo após sua libertação.De qualquer maneira, com essa rebeldia <strong>do</strong>s <strong>escravo</strong>s da fazenda SãoCaetano, que não se submetiam a esse novo arranjo da ordem, os beneditinosforam toman<strong>do</strong>, nos seguintes anos, atitudes de reordenação possível, peranteseus trabalha<strong>do</strong>res, anteven<strong>do</strong> o enfraquecimento da própria escravidão.Após a rebelião <strong>do</strong>s <strong>escravo</strong>s das olarias da fazenda São Caetano, aOrdem de São Bento decide libertar todas as escravas com mais de 5 filhos;mais tarde, todas as crianças que nascessem a partir daquela data, sen<strong>do</strong> quetodas as fazendas beneditinas no Brasil libertaram seus <strong>escravo</strong>s em 1871,muito antes da Lei Aurea.88 "Neste ano, então, os <strong>escravo</strong>s revoltam-se por que queriam apenastrabalhar na roça. Veio um monge <strong>do</strong> Rio de Janeiro, professor <strong>do</strong>colégio D. Pedro 11 e fez uma inspeção onde concluiu que não podemais haver escravidão quan<strong>do</strong> o indivíduo começa a afirmar quenão vai trabalhar mais como <strong>escravo</strong>. Era necessário reprimir a revolt<strong>ao</strong>u acabar com a escravidão."4José de Souza Martins cita como os beneditinos criaram nestas fazendasuma sociedade de três ordens: a <strong>do</strong>s monges, <strong>do</strong>s negros <strong>escravo</strong>s e umaterceira <strong>do</strong>s bastar<strong>do</strong>s, índios, mestiços, sedimentadas em relações cheias decontradições e peculiaridades para a época. Tal particularidade não foi afetada,de imediato, com o início da vinda <strong>do</strong>s estrangeiros, no relacionamentocom alguns <strong>do</strong>s serviçais negros ou mulatos. Porém, a medida que asabadias voltaram progressivamente à vivência monástica, foi desaparecen<strong>do</strong>essa figura <strong>do</strong> ex-<strong>escravo</strong>.A implantação <strong>do</strong>s Núcleos Coloniais em São Caetano e São Bernar<strong>do</strong>,em 1877 inibiria, mais uma vez a escravidão, pois em tais núcleos_ficavaproibida a escravidão. Os núcleos abrangeriam as duas antigas fazendas deSão Caetano e São Bernar<strong>do</strong> e também a de Francisco Martins Bonilha. A


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelhaescravidão permaneceu enfraquecida no Caaguaçu, Oratório, Rio Grande ena região que seria depois Santo Amaro, na mata.Quan<strong>do</strong> falamos da adaptação <strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>livre</strong>, vemos as novas condiçõesque se colocaram, ou antes, se impuseram, diferencian<strong>do</strong> o tratamento que sedaria <strong>ao</strong>s novos grupos de trabalha<strong>do</strong>res que surgiam. Um grande número demestiços eram ti<strong>do</strong>s como bastar<strong>do</strong>s, viven<strong>do</strong> em grande parte como agrega<strong>do</strong>snas fazendas, sem direitos e sem registros. Fazendeiros da região, duranteo século XVIII, tentaram arregimentar tais homens, ti<strong>do</strong>s como vadios, paraserviços públicos. Há, sem dúvida, um grande contingente de mão-de-obranacional disponível, porém esta não está organizada para o <strong>trabalho</strong>.Segun<strong>do</strong> o Congresso Agrícola de 1878, necessitavam-se de leis, políciae magistra<strong>do</strong>s para organizar esse mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> que, segun<strong>do</strong> o Congresso,se desvirtuava na 'preguiça, vagabundagem e in<strong>do</strong>lêncià <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>rnacional, numa noção muito anterior a essa data. O <strong>escravo</strong> passariaa ser definitivamente desqualifica<strong>do</strong>, carregan<strong>do</strong> a pecha da in<strong>do</strong>lência einaptidão <strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong> disciplina<strong>do</strong> nos moldes pretendi<strong>do</strong>s por uma elite,que tinha em si própria a caracterização da ociosidade.O <strong>escravo</strong> passa a ser, no momento <strong>do</strong> projeto imigrantista, um entraveno processo de acumulação que vislumbram, embora tenha servi<strong>do</strong> de baseda economia, por quase 300 anos. Pode-se dizer, de um mo<strong>do</strong> geral, quetoda burguesia <strong>do</strong> século XIX, bem como, a própria igreja, teve dificuldadeem incorporar regras disciplinares no <strong>trabalho</strong> capitalista, pela recusa naaceitação desses trabalha<strong>do</strong>res da noção de tempo útil. A ótica é sempre a<strong>do</strong> lucro e da acumulação, sen<strong>do</strong> que89"... se a ociosidade era interpretada como entrave para o progressomaterial e para a realização da liberdade, os projetos acalenta<strong>do</strong>spelos proprietários [não só de terras] colocavam em risco as condiçõesde vida de homens <strong>livre</strong>s e pobres e de pequenos recursos"s.Estes resistiram sustentan<strong>do</strong> SU autonomia para não se atrelarem às necessidadesda vida e <strong>do</strong> labor, não submisso <strong>ao</strong> controle político e econômico<strong>do</strong>ssetores sociais que concentravam riquezas. Os trabalha<strong>do</strong>res <strong>livre</strong>s e<strong>escravo</strong>s libertos no ABC mantiveram-se à margem <strong>do</strong> processo de estabelecimento<strong>do</strong>s núcleos coloniais, que privilegiou unicamente o imigranteeuropeu. O merca<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong> urbano possibilitava <strong>ao</strong> <strong>escravo</strong> certa cons-


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivo <strong>do</strong> Cidade Vermelho -90ciência daquilo que lhe era imposto, bem como, ampliava seus limites atravésde um ap.rendiza<strong>do</strong> social. Até 1870, a cidade cresceria lentamente e suaeconomia tardava a desenvolver-sem uma especificidade urbana.O <strong>escravo</strong> estava dentro de um grupo social heterogêneo, aquele queagregava os despossuí<strong>do</strong>s, os que estavam a margem <strong>do</strong> poder econômicoe político, sen<strong>do</strong> que o negro de ganho era o que prevalecia dentro daeconomia urbana gerada pelo <strong>escravo</strong>. Além dele, destacam-se órfãostutela<strong>do</strong>s, diaristas, colonos imigrantes presos por contrato, agrega<strong>do</strong>s,africanos <strong>livre</strong>s, libertos condicionais, ingênuos, libertos da guerra <strong>do</strong>Paraguai, etc. 6Alguns traços, vistos nos <strong>escravo</strong>s de São Paulo, podem ser projeta<strong>do</strong>snos <strong>escravo</strong>s <strong>do</strong>s arre<strong>do</strong>res rurais da cidade. São Paulo sempre buscou obranqueamento de sua população, o que acentuou ainda mais as diferençassócio-raciais, não permitin<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s negros espaço de expressão e sobrevivência.No tipo de escravidão urbana não havia ritmos coletivos, nem tampoucograndes plantações de latifúndio, sen<strong>do</strong> que a concorrência, no merca<strong>do</strong> de<strong>trabalho</strong>, estimulava, mais uma luta individual e pessoal.Não somente os <strong>escravo</strong>s especializa<strong>do</strong>s eram os que usufruíam da liberdadede ir e vir e de uma remuneração direta ou indireta, havia também tropeiros,carreiros, vende<strong>do</strong>res ambulantes que trabalhavam nas ruas, nos merca<strong>do</strong>s enos Campos <strong>ao</strong> re<strong>do</strong>r da cidade. Assim, pode-se ver que, mesmo numa pequenaproporção, este <strong>escravo</strong> integrou-se à sociedade urbana paulista, enquantoconsumi<strong>do</strong>r e produtor, através <strong>do</strong> uso de capitais líqui<strong>do</strong>s.No ABC uma visão bastante diferenciada de escravidão, nas suas relaçõessociais, é desenvolvida pelos beneditinos, numa sociedade particularque permaneceu por três séculos, quan<strong>do</strong>, em 1877, tais fazendas foramdesapropriadas pelo Império.?"Enquanto o europeu é considera<strong>do</strong> um trabalha<strong>do</strong>r já forma<strong>do</strong>...Concorrem para dificultar o processo de adequação <strong>do</strong>s elementosnacionais <strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong> agrícola qualidades adquiridas ou inerentes acondição de vida de cada um (brutalização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>, iné,rciae vícios <strong>do</strong> agrega<strong>do</strong> e a resistência à vida sedentária <strong>do</strong> índio ...)Configurações sociais bastante sedimentadas, responden<strong>do</strong> as nece~sidadeseconômico-político-ideológicas, expressam a persistência darealidade de vida da formação social apesar <strong>do</strong> surgimento de umnovo componente - o trabalha<strong>do</strong>r <strong>livre</strong>."8


Numa sociedade em transformação, as leis de locação de serviços, que sederam em 1879, carregavam consigo a trajet6ria de leis anteriores que assustentavam. Uma lei, em setembro de 1830, teria sua forte ligação com ofavorecimento da imigração, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> criada seis meses ap6s a proibiçãolegal <strong>do</strong> tráfico. Embora nesse perío<strong>do</strong> não haja falta de mão-de-obra escrava,a nova lei não dá conta de organizar o <strong>trabalho</strong> no país ou ainda servirde incentivo real para a imigração. A lei de 1830 acena apenas para a <strong>transição</strong>,onde se vê o <strong>trabalho</strong> <strong>livre</strong> dentro <strong>do</strong> escravismo. Ela apenas legitima e91acomoda uma já dada realidade social, detonan<strong>do</strong> o processo de diferenciação<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r nacional.Já em 1837, vê-se a intensificação da pressão inglesa contra o tráficoilegal, dan<strong>do</strong>-se ênfase às sanções legais a que ficava sujeito o trabalha<strong>do</strong>restrangeiro, no caso de quebra de contrato. Tal lei já está integrada à políticaefetiva de atração <strong>do</strong> imigrante, quan<strong>do</strong> aumenta a fiscalização <strong>ao</strong> tráficoe se coloca a necessidade de povoamento no sul <strong>do</strong> país. Ela colocará asbases de to<strong>do</strong>s os contratos seguintes.A Lei de Locação de Serviços de 1879, permanecen<strong>do</strong> até 1890, revogaráas duas anteriores e valerá <strong>ao</strong> mesmo tempo <strong>ao</strong> trabalha<strong>do</strong>r nacional e


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelhaestrangeiro, servin<strong>do</strong> de garantia e atração <strong>do</strong> imigrante, embora sempre osinteresses <strong>do</strong>s fazendeiros estivessem prioriza<strong>do</strong>s. Ao trabalha<strong>do</strong>r nacionalesperava-se uma organização de seu <strong>trabalho</strong>, garantin<strong>do</strong> seus serviços demaneira regular e que respeitassem seus contratos."... os anos finais da década de 70 tem a sua significação especIal,pois permitiram que se vislumbrasse de mo<strong>do</strong> m~is efetivo nas duasmedidas Uma alternativa possível para a ttansição<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> escra:.vo para o <strong>trabalho</strong> <strong>livre</strong>"992A década de 80 poderia bem ser exemplificada por um momento em quea estruturação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong> <strong>livre</strong> se efetiva, culminan<strong>do</strong> no finalda década com a atração <strong>do</strong> imigrante e sua escolha como o trabalha<strong>do</strong>rideal para as terras paulistas. São Paulo importaria para o resto <strong>do</strong> país umprojeto imigrantista, que, demorou para ser defini<strong>do</strong>.Caminha-se, assim, na direção da substituição <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r <strong>escravo</strong> pelo<strong>livre</strong>, processo este, que mesmo respeitan<strong>do</strong> seus fluxos e refluxos, chega <strong>ao</strong>final <strong>do</strong> século XIX, em grande parte concretiza<strong>do</strong>. Neste caminho coexistiram,formas de <strong>trabalho</strong> <strong>livre</strong> com trabalha<strong>do</strong>res nacionais e imigrantes, serviço<strong>escravo</strong> e diferentes formas de parceria, arrendamentos, etc. Homensque mesclaram-se no cultivo da terra, sen<strong>do</strong> que a to<strong>do</strong>s foi igualmente nega<strong>do</strong>o direito pleno da posse de terra. Na cidade de São Paulo, o processo deimigração se daria com características diferenciadas no campo, nos centrosurbanos e nos núcleos coloniais, como se verá mais adiante.Sen<strong>do</strong> ainda maioria na lavoura brasileira, a mão-de-obra escrava iniciaráum processo mais sistemático de resistência em São Paulo, a partir de1870, coincidin<strong>do</strong> com a revolta <strong>do</strong>s <strong>escravo</strong>s na fazenda de São Caetano.São fugas em massa que <strong>ao</strong>s poucos desorganizariam o <strong>trabalho</strong> nas fazendas,o que levaria os fazendeiros a uma desejável acomodação da ordemda produção. A partir da premissa que a ordem escravista entrara emdecadência, tais fugas tomam uma conotação não mais esporádica e aleatória,mas uma dimensão mais consistente. São Paulo seria o principal focodessas revoltas, e estas se tornariam mais eficientes, num processo acelera<strong>do</strong>e crescente até 1887.A permanente necessidade de mão-de-obra na cidade de São Paulo fezcom que o merca<strong>do</strong> absorvesse os fugitivos, assegura<strong>do</strong>s em alguma medida


nos centros urbanos. Aos <strong>escravo</strong>s africanos era espera<strong>do</strong> um perfeito ajuste<strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong>, para tanto valeu-se, como se sabe, de <strong>do</strong>is fatores distintos. Porum la<strong>do</strong> aplicava-se a violência como mecanismo de disciplinização, apoia<strong>do</strong>na imposição de um poder que pouco a pouco se desgastava. De outro,meios mais sutis, como os mecanismos de controle social e moral aplica<strong>do</strong>sde maneira plena pela Igreja.Se o processo de abolição se impunha e se encaminhava, não o foi com aajuda <strong>do</strong>s fazendeiros paulistas, que resistiram à toda espécie de pressão a queforam submeti<strong>do</strong>s. Os fazendeiros republicanos só aderem <strong>ao</strong> movimento,ainda com receios, quan<strong>do</strong> este se mostrou inevitável e o próprio projetoimigrantista já estava coloca<strong>do</strong> como solução, sob as expensas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.A partir <strong>do</strong>s primeiros fluxos de imigrantes, houve sempre muitas e diferentesmaneiras, de ambas as partes, em se adaptar à nova ordem e políticaimigratória. As conjunturas mudavam e juntamente a elas, as soluções dadas<strong>ao</strong>s contratos também se alteravam, bem como à acomodação dessenovo grupo às terras brasileiras, sua própria arregimentação na Itália e suafixação nas fazendas.A trajetória desses imigrantes, em solo brasileiro, tomavam rumos diferencia<strong>do</strong>s.Muitos se encaminhavam diretamente para o cafezal, porém,trocavam de fazendas freqüentemente, migravam para outras cidades comomão-de-obra barata na indústria nascente, ou se estabeleciam como artesãos.Muitos voltariam à terra natal, alguns com, outros sem, o tão sonha<strong>do</strong>pecúlio acumula<strong>do</strong> nas terras brasileiras.O Congresso Operário de 1912 aconselha um contato maior com ospaíses de origem, para obtenção de maiores informações e o término definitivo<strong>do</strong>s intermediários.93"consideran<strong>do</strong> que os trabalha<strong>do</strong>res, como vítimas principais dessamá organização, são obriga<strong>do</strong>s a se transportarem de um país par<strong>ao</strong>utro, impeli<strong>do</strong>s pelas crises de desocupação provocadas pela ganância<strong>do</strong> capitalismo, e em busca de <strong>trabalho</strong>;[...] não encontran<strong>do</strong>, <strong>ao</strong>aportar aqui, elemento algum de defesa, cheios de necessidades[...]"IOSe a imigração italiana para São Paulo, hoje nos parece tão óbvia, sepensa<strong>do</strong> naquele momento, percebe-se que assim não o foi para osimigrantistas. Um ideal de trabalha<strong>do</strong>r se delineava bem distante <strong>do</strong> que


Diadema nasceu na Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelhaparecia ser o povo italiano ou meridional. A ambição estava nos povos <strong>do</strong>norte europeu, plenamente aptos e disciplina<strong>do</strong>s <strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong>."No decorrer de minha permanência em São Paulo[1860] fui visita<strong>do</strong>por grande número de colonos suíços, que tinham aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>seus contratos de parceria depois de haverem pago as dívidas contraídasou de se haverem delas esquiva<strong>do</strong> por meio de fuga[...] To<strong>do</strong>s semostravam muito satisfeitos com os ofícios que então exerciam; unsjá haviam conquista<strong>do</strong> posição econômica estável, outros lutavam aindacontra grandes adversidades, mas sentiam-se homens <strong>livre</strong>s."!!o trabalha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> norte europeu fez parte <strong>do</strong>s imigrantes vin<strong>do</strong>s paraSão Paulo logo nas primeiras décadas <strong>do</strong> século XIX, na maioria <strong>do</strong>s casossob o sistema de <strong>trabalho</strong> de parceria. Muitos deles como mão-de-obra,estan<strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong>s principalmente em Santo Amaro e Itapecerica, conformerelata Tschudi, viajante suíço, que visitou o Brasil em 1860.94"No dia 2 de setembro [1860], saí bastante tarde de São Paulo,visitei o engenheiro Wieland em São Bernar<strong>do</strong>, que trabalhava naconstrução da via férrea e cheguei <strong>ao</strong> alto da serra de Cubatão, noalbergue Sansalá, debaixo de nevoeiro denso e forte chuva. O <strong>do</strong>no<strong>do</strong> albergue, no qual se obtém por eleva<strong>do</strong>s preços boa comida eaposentos medianos, era um suíço chama<strong>do</strong> Jean Perraud.Conseguiraamealhar boa fortuna mas era pessoa rude e violenta. [...]A estradaserra abaixo era um mar de lama.[...] Sob uma chuva torrencial,cheguei à Santos, à uma hora, nadan<strong>do</strong>, antes que cavalgan<strong>do</strong>. Doisdias mais tarde, embarquei no Piratininga, que depois de uma vagarosaviagem de 22 horas, me deixou no porto <strong>do</strong> Rio de Janeiro."12No ABC, os primeiros a se estabelecerem ocupam funções variadas, destacan<strong>do</strong>-seas pousadas, tão citadas pelos viajantes <strong>do</strong> século XVIII e XIX.Outros alemães viriam mais próximos à virada <strong>do</strong> século, provenientes jáde outras regiões <strong>do</strong> país, organizan<strong>do</strong>-se em economias rurais de pequenoporte. A 'ação benéfica' exercida pelos alemães por toda a região, se caracterizoupelo incremento na produção de bens caseiros e da pequena indústria,corno o cultivo de legumes, apicultura e laticínios, sen<strong>do</strong> tais produtoscomercializa<strong>do</strong>s pelos próprios "parceiristas". No entanto, seria urna vantajosapolítica imigrantista firmada entre os <strong>do</strong>is países que colocaria o trabalha<strong>do</strong>ritaliano, corno mão-de-obra real, aceito mais no perío<strong>do</strong> de 1877.


Diadema nasceu na Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha--Depois disso não se colocou mais a discussão da inadaptabilidade <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>ritaliano na lavoura."Finalmente a chegada [1885]. O desembarque em Santos e a viagemde trem até a Capital da Província de São Paulo. Depois, nov<strong>ao</strong>rdem: o destino 6nal era uma tal Villa de São Bernar<strong>do</strong>, diretamente<strong>ao</strong> Posto de Imigração, no sobradão da rua principal, à épocachamada Caminho <strong>do</strong> Mar[...] A região servida pela linha Jurubatubaera coberta de matas semi-virgens. Era muita vegetação rasteira. Malpodia-se caminhar. To<strong>do</strong> o <strong>trabalho</strong> estava para ser feito [...] A primeiravitória era a casa. Depoishavia mais mato a ser derruba<strong>do</strong>. Emais carvão e mais lenha para se vender. A terra era destocada, oterreno limpo. Depois começava o plantio[...]A vida era sacri6cada porque as chuvas eram constantes e as pequenasestradas e atalhos não passavam de péssimos caminhos no meio<strong>do</strong> mato. Era muito difícil o transporte da lenha, <strong>do</strong> carvão e <strong>do</strong>sprodutos das chácaras para serem vendi<strong>do</strong>s em São Paulo, nas vizinhasSão Caetano - também reduto de imigrantes italianos e - naestação de São Bernar<strong>do</strong>, hoje Santo André. Para o transporte deprodutos era preciso a colaboração <strong>do</strong>s amigos. Os carretóes, carroçase charretes encalhavam a to<strong>do</strong> instante nas estradas encharcadase barrentasr...]"1395Capital e TrabalhoA Lei de Terras de 1850 institucionalizou o não acesso <strong>do</strong> homem pobre,ou <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r <strong>livre</strong> à terra, sen<strong>do</strong> que a expropriação desses homensacarretou numa massa assalariada de trabalha<strong>do</strong>res, que venden<strong>do</strong> sua forçade <strong>trabalho</strong>, entraram definitivamente na roda <strong>do</strong> processo capitalista. Tallei esteve dentre as preocupações <strong>do</strong>s grandes proprietários de terras, ante avisão <strong>do</strong> término da mão-de-obra escrava. Assim concentraram a terra numpequeno grupo de grandes proprietários, abrin<strong>do</strong> oportunidades, emboralimitadas <strong>ao</strong> máximo, de imigrantes adquirirem lotes de terras devolutasatravés da colonização.Não se viu esforços no senti<strong>do</strong> de integrar o <strong>escravo</strong> liberto <strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong><strong>livre</strong> através de um sistema produtivo. O elemento nacional tem dificultadasua aualificacão Dara o <strong>trabalho</strong> al!rícola. através de atribuição de Qualida-


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha96des adquiridas ou àquelas inerentes à condição de vida de cada um. a capitallibera<strong>do</strong>, antes aplica<strong>do</strong> na compra de <strong>escravo</strong>s, migra em parte par<strong>ao</strong>utros setores, colocan<strong>do</strong> novas possibilidades de enriquecimento, em homensainda atrela<strong>do</strong>s à propriedade como um bem concreto. Fortunas inteirasflutuavam <strong>ao</strong> prazer da instabilidade gerada dentro desta contradição,que colocava neste mesmo homem, o velho e o novo mo<strong>do</strong> de acumulaçãode recursos. Assim, "como esmerar transformações profundas em paísonde eram manti<strong>do</strong>s os fundamentos tradicionais da situação que se pretendiaultrapassar?"14De qualquer maneira, tal capital foi em parte aplica<strong>do</strong> na rede bancária enos negócios de exportação. Crescen<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> café brasileiro nocontexto da divisão internacional <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, crescia também os meios deescoamento <strong>do</strong> produto para os portos, bem como uma priorização pelotrabalha<strong>do</strong>r qualifica<strong>do</strong>, mais condizente com o mo<strong>do</strong> de produção capitalistaque se colocava.Somente a partir de 1850, que em São Paulo iniciam-se diversas transformaçõeseconômicas e sociais, ligadas <strong>ao</strong> estabelecimento de um capitalismoindustrial <strong>ao</strong>s moldes internacionais e à superação <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>.No entanto, foi a década de 1870 que traduziu com maior clareza essascontradições. Neste momento, toda uma conjuntura econômica e social sedeu nos termos <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>livre</strong>, sen<strong>do</strong> a imigração, dentro das especificidadespaulistas, fator <strong>do</strong>minante desta economia até as primeiras décadas<strong>do</strong> século xx. Toda uma lógica sustentará a justificativa <strong>do</strong> imigrante comointeresse prioritário <strong>do</strong> setor agro exporta<strong>do</strong>r.a setor urbano é secundário na economia paulista no momento, embor<strong>ao</strong> processo de industrialização seja concomitante <strong>ao</strong> das fazendas de café.Mesmo não se colocan<strong>do</strong> de imediato, o mun<strong>do</strong> urbano paulista aparecedefinitivamente num movimento crescente. Embora essencialmente volta<strong>do</strong>para o rural, três fatores podem ser destaca<strong>do</strong>s para salientar o início daindustrialização: um deles poderia ser o excedente de capital, outro seria acrescente demanda da mão-de-obra <strong>livre</strong> e por fim a própria necessidade deaprimoramento no que se refere <strong>ao</strong> produto nuclear da economia, o café.Assim, 1870, acena no cenário industrial, com ainda incipientes atividadesvoltadas para o café. É o caso <strong>do</strong> próprio beneficiamento <strong>do</strong> produto,oouoan<strong>do</strong> mão-de-obra escrava e melhnr~ndn Sll~ ml~lid~dp nllp nnr ~11~~


Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelhavez, aumentava seu valor no merca<strong>do</strong> internacional. A indústria de sacariatambém tinha como fim o empacotamento <strong>do</strong>s grãos. Por fim a indústriamanufatureira, como um to<strong>do</strong>, se beneficiava com o novo merca<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong>nascer as primeiras fábricas de bens de consumo imediato, mais voltadaa alimentos e têxteis.O transporte e intercâmbio de merca<strong>do</strong>rias foi potencializa<strong>do</strong>, <strong>ao</strong> mesmotempo em que facilitou o deslocamento de mão-de-obra, requisito essencialna formação <strong>do</strong> novo merca<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong>. Estimulou ainda a acumulação,<strong>ao</strong> viabilizar a incorporação crescente de novas terras. O pr6prio trajeto daestrada de ferro definiria, por to<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> de São Paulo, a rede urbana,tornan<strong>do</strong> tais municípios focos irradia<strong>do</strong>res influentes de sua região.São Paulo soube relacionar uma economia de exportação plena com atividadesindustriais e urbanas, mesmo que isso não tenha si<strong>do</strong> previamentedetermina<strong>do</strong>. Dentro de uma política definida de investimento concomitante97em ambos os setores, o fato, é, que <strong>ao</strong>s poucos foi-se optan<strong>do</strong> pela produçãoe acabamentos de produtos <strong>ao</strong> invés de diretamente importá-lo. A partirde 1870, no Brasil, foram instaladas umas poucas fábricas de teci<strong>do</strong>s,marcan<strong>do</strong> no decorrer das década seguintes o crescimento desse setor, paralelamente<strong>ao</strong> próprio desenvolvimento de São Paulo e outras regiões.


"O povoa<strong>do</strong> Estação São Bernat<strong>do</strong> [futura cidade de Santo André]já iniciou o século XX com <strong>do</strong>is estabelecimentos têxteis de certovulto: "Bergman, Kowarick & Cia", fundada em 1900, produtor decasimira de lã, e, "Silva, Seabra & Cià' de fundação ainda anterior[1885], que produzia brim de algodão"15"Ouvimos dizer que <strong>do</strong>is importantes capitalistas, residentes nessemunicípio, pretendem montar nesta villa, uma grande fábrica deteci<strong>do</strong>s, si obtiverem da nossa Câmara Municipal a dispensa poralguns annos <strong>do</strong>s impostos municipais, em relação <strong>ao</strong> novo estabellecimento.[...]Parece que a nossa municipalidade não deve perdera opportunidade de mostrar-se protectora de nossa já retardadavida industrial. " (O PROGRESSO, São Bernat<strong>do</strong>, 02/07/1911)98Os empresários referi<strong>do</strong>s eram os Caputo, Setti & Slhossarck, que pedin<strong>do</strong>oficialmente à Câmara Municipal, requisitaram privilégios que opr6prio jornal julgou exagera<strong>do</strong>s. 16 A concessão de 8 a 10 anos de isençãode impostos já lhes parecia bastante suficiente, embora o jornal ainda reforcea idéia de que é essencial se chegar a um acor<strong>do</strong> entre a Câmara e taisindustriais, pois os lucros para toda a municipalidade seriam grandes. Assim,eles se baseiam no exemplo tira<strong>do</strong> de Mogi das Cruzes. Tal cidade teriaconcedi<strong>do</strong> além de um longo perío<strong>do</strong> de isenção de impostos, a pr6pria<strong>do</strong>ação <strong>do</strong>s terrenos de instalação das fábricas. Com isso, as três empresasbeneficiadas em Mogi das Cruzes, eram: Fábrica de Chapéus <strong>do</strong>s Srs. M.Vilela & Cia, Companhia Franco-Brazileira de Conserva e Cia IndustrialMogyana de Teci<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, conjuntamente, 550 operários.Em 30 de julho de 1911 é dada a concessão à indústria fabril de Caputo,Setti & Schossareck para suainstalação. Com isenção de impostos de 15anos, a fábrica de teci<strong>do</strong>s de seda, seria de grande valia <strong>ao</strong>s agricultoreslocais, enquanto fornece<strong>do</strong>res de matéria prima (sericultura}.17 O terrenotambém foi cedi<strong>do</strong> gratuitamente e a pr6pria empresa diz gozar de "protecçãoe favores <strong>do</strong>s poderes públicos". Isso lhe dava ainda maior credibilidade,servin<strong>do</strong> de estímulo <strong>ao</strong>s que se interessavam por comprar-lhes as ações. ACompanhia já dizia ter, em agosto deste ano, como capital inicial o prontofuncionamento de 25 teares de seda, pretenden<strong>do</strong> com a venda das ações<strong>do</strong>brar esse número, o que lhes garantiria em poucos anos a certeza de bonse volumosos lucros. Este processo de beneficiamento <strong>do</strong> capital priva<strong>do</strong>


Diademanasceu no Gra!y_deABC~~istória Retrospectiva da Cidade Vermelhapelo Esta<strong>do</strong> se manteve ativo e ainda hoje faz parte <strong>do</strong> processo de protecionismo<strong>ao</strong> setor industrial."O Sr. Gaspar José Pereira, capitalista residente em Santos, pretendeestabelecer em São Caetano uma importante olaria, a qual proporcionará<strong>trabalho</strong> a mais de 50 pessoas. Muito auspicioso." (O PRO-GRESSO, São Bernar<strong>do</strong>, 15/10/1911)Notícias como estas eram comuns, tanto na imprensa da época comonas discussões da elite dirigente. A expectativa era, como descrita por elespróprios, a de estabelecer-se nestas localidades uma indústria tão promissoraquanto as tecelagens que permeavam, por exemplo, to<strong>do</strong> o Brás.A concessão de impostos às novas indústrias que ocupem pelo menos 50funcionários, se dá definitivamente sob a Lei n. 95 de 16 de Setembro de991911, ísentan<strong>do</strong> taís índústrias <strong>do</strong>s ímpostos munícípaís pelo perío<strong>do</strong> deseís anos, bem como ímpostos predíaís para seus edífícíos, escritórios e depósítos.Isso víria íncenrivar efecivamente a ínstalação de novos estabelecímentosíndustriaís por toda a regíão. No entanto, esse benefícío nos ímpostossó se estendía a esse determína<strong>do</strong> grupo empresarial, quan<strong>do</strong> na mesmadata, uma leí também coloca que to<strong>do</strong> contribuínte lança<strong>do</strong> como fabricantede carvão vegetal, como sen<strong>do</strong> obrigatório o pagamento de seus ím-


Diadema nasceu no Grande AS C: História Retrospectivada Cidade Vermelhapostos, mediante a primeira íntimação <strong>do</strong>s fiscais distritais, não importan<strong>do</strong>a época <strong>do</strong> exercício.,As concessões às novas indústrias se multiplicam.O Livro de Leis citainúmeros casos logo na primeira década deste século. Mesmo que as indústriasfabristenham ti<strong>do</strong> maior destaque, pelo porte ou pelo próprio registrohistórico que as atrela a história <strong>do</strong> movimento operário, muitas outraseram instaladas no perío<strong>do</strong>. Assim, há de se dizer que no material pesquisa<strong>do</strong>não houve registro de concessões de instalações ne~das. Ao contrário, sempreeram louvadas, cada nova indústria ou estabelecimento que aqui se instalava,atraídas pela isenção de impostos, farta mão-de-obra, terrenos baratos emais privilégios que a classe dirigente podia oferecer."Brevemente, segun<strong>do</strong> nos consta, será installada em Santo André,mais uma importante Fábrica de teci<strong>do</strong>s, no grande prédio já começa<strong>do</strong>em frente à estação da estrada de ferro[...] Como se vê, SantoAndré ficará em poucos annos sen<strong>do</strong> o centro fabril mais importante<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>." (O PROGRESSO, São Bernar<strong>do</strong>, 22/10/1911)100Os privilégios, no entanto, restringiam-sea grandes empreendimentos,valorizan<strong>do</strong> o maior númeropossível de empregos que secolocariam à disposição, e o interesse<strong>do</strong> tipo de indústria para aregião. Pequenos estabelecimentospermaneciam com suas dificuldadesem pagar os impostos devi<strong>do</strong>s,como se vê pelo grande número deinadimplentes que desapareciam<strong>do</strong>s livros de registros de recolhimentode impostos sobre' indústriae profissões', que abrangia váriossetores de prestação de serviços,pequenos estabelecimentos industriaise comércio.


Oiadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha-Movimento Operário no ABCAs cidades mais industrializadas <strong>do</strong> país tiveram muitas greves sen<strong>do</strong>organizadas a partir <strong>do</strong> primeiro de maio de 1906, sen<strong>do</strong> que, o sucesso dealgumas delas estimularia outras tantas no final de 1907 e início de 1908. Ahistória operária <strong>do</strong> ABC pode ser marcada por sua primeira significativagreve, na Ipiranguinha, ainda em 1906. Empregan<strong>do</strong> 500 operários, a empresaentra em greve, no setor de tecelagem, com seus 150 homens. A grevedurou um mês, perío<strong>do</strong> em que seus proprietários puderam de algumamaneira tentar reverter a situação. Foi proibi<strong>do</strong> o acesso <strong>do</strong>s grevistas <strong>ao</strong>merca<strong>do</strong> da fábrica, bem como, foi solicita<strong>do</strong> reforço policial para São Paulo,na tentativa de reprimir o movimento.A opção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>nos da Ipiranguinha foi de demitir to<strong>do</strong>s os tecelões efechar a fábrica por tempo indetermina<strong>do</strong>. Nos últimos dias da paralisaçã osgrevistas estavam sen<strong>do</strong> presos e agredi<strong>do</strong>s pela polícia. Os operários voltaram<strong>ao</strong> <strong>trabalho</strong> somente com a ameaça <strong>do</strong>s patrões de contratar novos tecelõesem Tatuí para reabertura da fábrica. O jornal A Terra Livre, na figura deEdgard Leuenroth, encorajou to<strong>do</strong> o movimento de greve da Ipiranguinha.A greve da Ipiranguinha foi discutida no Primeiro Congresso OperárioBrasileiro de 1906, no Rio de Janeiro, onde ficaria resolvida a a<strong>do</strong>ção deum sistema federativo, garantin<strong>do</strong> a autonomia <strong>do</strong>s sindicatos ou sociedadesde resistência que reunissem diferentes categorias de operários, rejeitan<strong>do</strong>a anterior idéia de sindicatos de ofício. Apesar de maioria anarquista, oCongresso estaria, segun<strong>do</strong> Dulles, dividi<strong>do</strong> religiosa e ideologicamente,ten<strong>do</strong> como única base sólida de acor<strong>do</strong> os interesses econômicos comuns atoda classe operária. 18101"O Congresso Operário aconselha o operaria<strong>do</strong> a organizar-se emsociedades de resistência econômica, agrupamento essencial e, semaban<strong>do</strong>nar a defesa, pela ação direta, <strong>do</strong>s rudimentares direitos políticosde que necessitam as organizações econômicas, a por fora <strong>do</strong>sindicato a luta política especial de um parti<strong>do</strong> e as rivalidades queresultariam da a<strong>do</strong>ção, pela associação de resistência, de uma <strong>do</strong>utrinapolítica ou religiosa, ou de um programa eleitoral"'9Embora o Congresso de 1906 tenha estabeleci<strong>do</strong> uma forte campanhade luta pela redução da jornada de <strong>trabalho</strong>, o ABC não seria tão participativo


na greve pelas oito horas em 1907. Desestimula<strong>do</strong>s pelo pouco sucesso dagreve realizada pelos operários da Ipiranguinha, a adesão só se deu na seçãode tecelagem da Kowarick. 20John French afirma que a participação pouco efetiva <strong>do</strong> operaria<strong>do</strong> <strong>do</strong>ABC, se deu devi<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s laços que se criaram entre emprega<strong>do</strong> e emprega<strong>do</strong>r.Com características bastante próprias, a região demoraria mais tempopara organizar uma classe operária, propriamente dita. Segun<strong>do</strong> ele, desdea virada <strong>do</strong> século, a população <strong>do</strong> ABC vivia de atividades extrativas (carvoaria,serraria, olaria...) e uma produção agrícola de subsistência."Para esses trabalha<strong>do</strong>res, a idéia de luta coletiva organizada <strong>do</strong>soperários não tinha senti<strong>do</strong>. Mesmo quan<strong>do</strong> mais e mais trabalha<strong>do</strong>respassaram a um esta<strong>do</strong> de dependência, grande número delesainda estavam liga<strong>do</strong>s a seuS emprega<strong>do</strong>res por um status comumde imigrante e por uma ideologia de <strong>trabalho</strong> duro e parcimônia deque compartilhavam."21102A recessão econômica de 1908 inibiria significativamente o grande movimentode greves que se dava no país desde 1901. Os operários temiam odesemprego e os emprega<strong>do</strong>res, sem saber exatamente como reagir <strong>ao</strong> perigoda falência, utilizavam-se <strong>do</strong> aparato de repressão policial. Muitas conquistasfeitas, até então, se perderiam naquele momento.De qualquer maneira, 1908 seria o ano da organização da União Internacional<strong>do</strong>s Canteiros de Ribeirão Pires, de caráter anarquista. Esse gruposeria o melhor organiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> ABC durante toda a Primeira República. Elemarcaria o ressurgimento, em 1913, <strong>do</strong> movimento operário no ABC, emletargia entre 1909 e 1912 devi<strong>do</strong> à crise econômica, o que mostraria afragilidade da organização operária de então.Os anos de 1913 e 1914 marcam um ressurgimento no movimento operárioque teria seu apogeu no perío<strong>do</strong> de 1917 - 1919. Ribeirão Pires colocaria oABC no contexto, embora não seja este um exemplo de regra geral da organizaçãooperária na região. O caso <strong>do</strong>s canteiros de Ribeirão Pires é bastante singular,com uma militância permanente, relativo êxito econômico, estreitos laçoscom o anarquismo e um operaria<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong>. Foram também bastante representativosnos congressos operários nacionais, ocorri<strong>do</strong>s em 1913-14 e 1920.A ausência quase total <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r no processo de produção (só lhesfornecia o carvão para preparo das ferramentas), pode ter da<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s cantei-


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivada Cidade Vermelharos uma proximidade com as idéias anarquistas, de sociedades de federaçõesoperárias <strong>livre</strong>mente cooperativas. A concorrência com outras pedreirasna Grande São Paulo aumentava o poder de pressão <strong>do</strong>s canteiros atravésde greves ou diminuição de produção.Aparentemente, o fato de ser um grupo artesanal qualifica<strong>do</strong> e estávellhe proporcionou boas perspectivas dentro <strong>do</strong> movimento operário organiza<strong>do</strong>.Possuíam maiores facilidades de enfrentamento a seus emprega<strong>do</strong>rese à repressão <strong>do</strong> governo. Os operários fabris, mesmo sen<strong>do</strong> maioria entreos trabalha<strong>do</strong>res, estavam mais sujeitos a perseguição de seus líderes, dificuldadesde organização e expostos a pressão das autoridades e patrões.Os Canteiros de Ribeirão Pires eram caros <strong>ao</strong>s anarquistas, sempre cita<strong>do</strong>scomo exemplo de organização e merece<strong>do</strong>res de apoio. Respondiam <strong>ao</strong> maiscaloroso apelo desses militantes, que era pela propaganda, coesão e iniciativa,que se desencadearia na ação direta como méto<strong>do</strong> de uma revolução proletária.Esta mesma coesão era valorizada, no momento em que o anarquismo,sempre delimita<strong>do</strong> pela ação de uma minoria, via nos operários de cantariaum grupo pequeno com práticas definidas e um federalismo extrema<strong>do</strong>.Dean levanta a questão de que, no Brasil, a industrialização não contavacom o apoio de uma ideologia operacional de desenvolvimento. "Considerava-sea difusão da cultura cafeeira intrinsecamente vantajosa, chave <strong>do</strong>progresso material, e em seu favor se mobilizou o eficaz apoio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. "22Nícia Vilela Luz, em A luta pela industrialização em São Paulo, demonstraa fragilidade de uma ideologia 'industrialistà, especialmente, devi<strong>do</strong> <strong>ao</strong> carátercomplementar <strong>do</strong> setor.A industrialização tardia reflete de forma significativa no tratamento <strong>do</strong>sempresários e das autoridades às manifestações operárias. As primeiras indústriasde grande porte começam a se desenvolver a partir de 1889. Destaforma, no Brasil, no início <strong>do</strong> século XX, quan<strong>do</strong> começam a estourar asgrandes greves operárias, sen<strong>do</strong> a de julho de 1917, em São Paulo, a primeiracom grande repercussão e mobilização, os industriais se encontram frentea um problema praticamente desconheci<strong>do</strong>.103"Greve em perspectiva. Chegan<strong>do</strong> <strong>ao</strong> conhecimento <strong>do</strong> Sr. Arman<strong>do</strong>Pamplona, subdelega<strong>do</strong> de polícia da estação de São Caetano,que os operários da "Companhia Mechanica e Importa<strong>do</strong>ra" pre-:endem declarar-se em greve, s. s., como medida de prevenção, pe-


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha- ~---~- ~~--~diuhoje <strong>ao</strong> delega<strong>do</strong> geral de polícia, para ser reforça<strong>do</strong> o destacamentolocal, com mais dez praças." (Diário Popular, SP, 05/07/.1917)104Como não tinham experiência alguma em negociações, uma das primeirasatitudes foi fechar a fábrica, como o fez Ro<strong>do</strong>lpho Crespi, um <strong>do</strong>s maisimportantes industriais paulistas. Na greve de 1917, como sabemos, a políciainterviu nas negociações, sem sucesso, sen<strong>do</strong> então, formada uma comissãonegocia<strong>do</strong>ra liderada pela imprensa y'aulista. O governo não tomounenhuma atitude, a não seI: por meio <strong>do</strong>s delega<strong>do</strong>s de polícia e <strong>do</strong> secretárioda Justiça de São Paulo.O fato <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não intervir diretamente nas negociações de grevespode ser explica<strong>do</strong> a partir da verificação <strong>do</strong> poder que a produção industrialtinha perante a economia <strong>do</strong> país. No caso das greves em São Paulo, aindústria têxtil era a mais afetada, porém, esse setor não afetava a economiade forma significativa, por não atingir o setor de exportações.Patrão e operário, neste contexto cria<strong>do</strong>, não teriam necessidade de setornarem 'inimigos'. O Brasil necessitava de paciência, pois passava poruma fase de organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, não comparável com a plena expansãoda Europa. Essa concepção evolucionista de que o Brasil se tornaria nofuturo, uma grande potência econômica, tornou-se uma constante em muitostextos desta época. São Paulo parecia estar <strong>livre</strong> e distante da movimentaçãooperária que ocorria no Rio de Janeiro, porém, antes que qualquer mençãoa greve na cidade fosse feita pelo jornal, as posições de combate já estavambem definidas.A crise decorrida das sucessivas greves ameaçaria a ordem pública e oprogresso industrial, caso não houvesse um pouco de boa vontade nas negociaçõesentre operários e patrões. A greve de 1917 foi conduzida de maneiramais centralizada <strong>do</strong> que a de 1907, resistin<strong>do</strong> mais a repressão conseguin<strong>do</strong>inclusive, um canal que os levou a negociação. Os Canteiros deRibeirão Pires eram ainda exemplos a serem segui<strong>do</strong>s, embora a organizaçãoanarquista proposta seria a liga operária geográfica."OS CANTEIROS. Em São Paulo, Ribeirão Pires, Cotia e Itaquera.Em todas essas localidades continua a greve generalizada <strong>do</strong>s canteiros[...]Por esses fatos deve se avaliar as razões que obrigaram os operáriosa aban<strong>do</strong>nar o <strong>trabalho</strong>."(A PLEBE, Sp, n. 02, 16/06/1917)


Organiza-se neste momento, pela primeira vez, um movimento coesoentre os ferroviários de São Paulo, destacan<strong>do</strong>-se Paranapiacaba. No perío<strong>do</strong>mais relevante da greve, aderiram operários de São Caetano, São Bernar<strong>do</strong>,Ribeirão Pires e Paranapiacaba."Em São Caetano. Neste subúrbio da Ingleza foi constituída umasociedade de trabalha<strong>do</strong>res metallurgicos, que já tem realiza<strong>do</strong> algumasreuniões de propaganda[...]"(A PLEBE, SP, n.Ol, 09/06/1917)"Em São Caetano o movimento operário vae acentuan<strong>do</strong>-se progressivamente,pela actividade <strong>do</strong>s camaradas que constituem oSyndicato <strong>do</strong>s Lamina<strong>do</strong>res. Já passaram de 100 o número de associa<strong>do</strong>s,e to<strong>do</strong>s os dias se inscrevem novos adherentes." (A PLEBE,SP, n.02, 16/06/1917)"Os lamina<strong>do</strong>res de São Caetano estiveram em greve, na qual sahiramvitoriosos. Devi<strong>do</strong> a um desastre <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, foram despedi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>isoperários, com os quaes se declararam em greve to<strong>do</strong>s os seus companheiros.Com a readmissão <strong>do</strong>s operários foi retoma<strong>do</strong> o <strong>trabalho</strong>.(A PLEBE, SP, n. 12,01/09/1917)A greve de 1917, que se estendeu rapidamente pelo ABC e interiorpaulista, penetrou em diferentes setores no meio operário. Participaram dagreve os grupos de operários mais especializa<strong>do</strong>s e organiza<strong>do</strong>s, como oscanteiros de Ribeirão Pires, o setor fabril e metalúrgico de São Caetano eSão Bernar<strong>do</strong> e os ferroviários de Paranapiacaba. Os canteiros de RibeirãoPires que tanto serviram de exemplo <strong>ao</strong> movimento na imprensa operária,serviriam agora como um repensar da utilização da ação direta como únicomecanismo de luta, dan<strong>do</strong>-se espaço, cada vez mais, à organização e fortalecimentodas ligas e sindicatos. O grande sucesso das greves de 1917 e1919 colocaram em alertatodas as lideranças industriaise <strong>do</strong> governo paulista.Desarticula<strong>do</strong> pela intensarepressão, estaria agora,mais <strong>do</strong> que nunca, sob osolhos <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>res eda polícia.105


Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospediva da Cidade VermelhaNotas1 SANTOS, Wanderley <strong>do</strong>s, Antecedentes Históricos <strong>do</strong> ABC Paulista: 1550-1061892, São Bernar<strong>do</strong> <strong>do</strong> Campo, SECE, 1992.2 PAS SARELI , Sílvia Helena, Notas sobre a evolução urbana da Borda <strong>do</strong>Campo. O impacto daferrovia no ambiente. FAU-USp, 1990.3 SILVA BRUNO, Ernani, História e Tradiçjes da cidade de São Paulo, Ed.Hucitec, São Paulo, 1983,p. 611.4 PIRATININGA JUNIOR, Luiz Gonzaga, Dietdrio <strong>do</strong>s <strong>escravo</strong>s de SãoBento, Ed. Hucitec, São Paulo, Prefeitura de São Caetano <strong>do</strong> Sul, São Caetano<strong>do</strong> Sul, 1991.5 OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles, Imagens <strong>do</strong> ócio na construção dadisciplina <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, Revista <strong>do</strong> Colégio de Esportes, UNICAMP, 1993,p.260,6 WISSENBACH, Maria Cristina Cortez, Arranjos da sobrevivência escravana cidade de São Paulo <strong>do</strong> século XIX. Revista de História, São Paulo,<strong>USP</strong>(119), 1988, p. 103.7 MARTINS, José de Souza, In 1° Congresso da História <strong>do</strong> ABC, p. 88.8 BRESCIANI, M. S. Martins, Suprimento de mão-de-obra escrava.p.349.9 LAMOUNIER, Maria Lúcia. O <strong>trabalho</strong> sob contrato: a Lei de 1879, RevistaBrasileira de História, São Paulo, Vol.6, N .12, Mar/ Ago 1986.10 ANDRADE, Pedro de, Encontros da Classe trabalha<strong>do</strong>ra de 1906 até aConc/at-1981 Ed. Quilombo, São Paulo, p. 46.11 TSCHUDI, J.). von, Viagem às Provlncias <strong>do</strong> Rio de Janeiro e São Paulo,Ed. Itatiaia, Belo Horizonte, ED<strong>USP</strong>, São Paulo, 1980, p. 128.12 TSCHUDI, J.J von, Viagem às Provlncias <strong>do</strong> Rio de Janeiro e São Paulo,Ed. Itatiaia, Belo Horizonte, EDUSp, São Paulo, 1980, p. 218.13 STANGORLINI, Mario" As colônias <strong>do</strong> bairro Assunção, São Bernar<strong>do</strong><strong>do</strong> Campo, SECE, 1988, p. 14.

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