13.07.2015 Views

o mundo da vida do ser hanseniano - Instituto Lauro de Souza Lima

o mundo da vida do ser hanseniano - Instituto Lauro de Souza Lima

o mundo da vida do ser hanseniano - Instituto Lauro de Souza Lima

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE EDUCAÇÃOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOCURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃOO MUNDO DA VIDA DO SER HANSENIANO:SENTIMENTOS E VIVÊNCIASDis<strong>ser</strong>tação apresenta<strong>da</strong> como requisito parcial para obtenção <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> Mestreem Educação <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação <strong>da</strong> Pontifícia Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica<strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> SulLETÍCIA MARIA EDTOrienta<strong>do</strong>ra: Profª Dra. Berta Weil FerreiraPorto Alegre, julho <strong>de</strong> 2000


DADOS INTERNACIONAS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)E34m Eidt, Leticia MariaO <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong> : sentimentose vivências / Leticia Maria Eidt . — Porto Alegre,2000.252f.Diss. (Mestra<strong>do</strong>) - Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, PUCRS.1.Educação 2. Educação e Saú<strong>de</strong> 3.Lepra - AspectosPsicológicos 4.Hanseníase - Relações Interpessoais5.Fenomenologia I.TítuloCDD370372.37616.998142.7Bibliotecária Responsável:Neiva VieiraCRB10/563


BANCA EXAMINADORAProfª Dra. Berta Weil FerreiraProfs Dra. Mirian Sirley ComiottoProf. Dr. Jair Ferreira


AGRADECIMENTO ESPECIALÀ Prof. Dra. Mirian Sirley Comiotto, pelo incentivoe apoio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong>ste projeto.A Prof. Dra. Berta Ferreira, pela acolhi<strong>da</strong> eorientação no transcorrer <strong>de</strong>sta caminha<strong>da</strong>.


RECONHECIMENTO A Deus, pela minha vi<strong>da</strong> e pelo meu jeito humano<strong>de</strong> <strong>ser</strong>; Ao meu pai Arthur, que com seu amor e suamaneira <strong>de</strong> <strong>ser</strong> ensinou-me a importância <strong>da</strong>valorização <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano; A Profª. Dra. Olga Rosaria Eidt, minha mãe tãoqueri<strong>da</strong> e especial, pelas dicas valiosas para estadis<strong>ser</strong>tação e, sobretu<strong>do</strong>, pela amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> mãe; Ao Manoel, meu companheiro tão ama<strong>do</strong>, que noseu jeito alegre <strong>de</strong> viver ensinou-me como é bomcurtir a vi<strong>da</strong> um dia <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez; A pequenina Ana Letícia, minha filha queri<strong>da</strong> eratão maior <strong>de</strong> viver, a certeza <strong>de</strong> que os brevesmomentos <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s a esta dis<strong>ser</strong>taçãocontribuirão para os muitos momentos que ain<strong>da</strong>teremos juntas; Ao meu irmão José Arthur, pela alegria <strong>de</strong> tê-locomo meu irmão e pelas assessorias nocomputa<strong>do</strong>r.


AGRADECIMENTOSÀ Coor<strong>de</strong>nação e aos professores <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong>Pós-Graduação em Educação <strong>da</strong> PUCRS pelosensinamentos recebi<strong>do</strong>s; A chefia, aos colegas e funcionários <strong>do</strong>Ambulatório <strong>de</strong> Dermatologia Sanitária <strong>da</strong>Secretaria <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> e <strong>do</strong> Meio Ambiente <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, pelo apoio narealização <strong>de</strong>ste projeto; Aos estima<strong>do</strong>s mestres César Bernardi, RobertoGervini e Joel Schwartz, pelo aprendiza<strong>do</strong> <strong>da</strong>Dermatologia e <strong>da</strong> Hanseníase; Ao Prof Dr. Jair Ferreira pela assessoria nacomplementação bibliográfica; Aos pacientes participantes <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, pelasinceri<strong>da</strong><strong>de</strong> em compartilhar suas vivências; À Profª. Celina e às funcionárias <strong>da</strong> Secretaria<strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Educação,pela acolhi<strong>da</strong>; As tias Regina e Erna, pela aju<strong>da</strong> no cui<strong>da</strong><strong>do</strong><strong>de</strong> minha filha; Aos meus amigos, pela compreensão <strong>do</strong>smomentos <strong>de</strong> ausência nos encontros <strong>da</strong> turma.


SUMÁRIORESUMO .............................................................................................10ABSTRACT......................................................................................... 14RESUMEN..............................................................................................181 INTRODUÇÃO ........................................................................... 232 COMPREENDENDO A HANSENÍASE COMO DOENÇA ..............272.1 AGENTE ETIOLÓGICO .................................................................................282.2 PATOGENIA E TRANSMISSÃO ...................................................................292.3 EPIDEMIOLOGIA...........................................................................................302.4 DIAGNÓSTICO ..............................................................................................312.4.1 Exame Clínico ................................................................................... 322.4.2 Pesquisa <strong>de</strong> Sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> Cutânea ........................................................332.4.3 Exame Baciloscópico................................................................................342.4.4 Exame Histopatológico ........................................................................ 352.4.5 Teste <strong>de</strong> Mitsu<strong>da</strong> .......................................................................................352.5 CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DA HANSENÍASE E MANIFESTAÇÕESCUTÂNEAS .........................................................................................................362.5.1 Hanseníase In<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> ....................................................................... 372.5.2 Hanseníase Tuberculói<strong>de</strong> .........................................................................372.5.3 Hanseniase Dimorfa .................................................................................. 382.5.4 Hanseniase Virchowiana .......................................................................... 382.6 COMPROMETIMENTO NERVOSO PERIFÉRICO ........................................ 392.7 COMPROMETIMENTO SISTÉMICO .............................................................412.8 SURTOS REACIONAIS ................................................................................. 422.9 TRATAMENTO .............................................................................................. 422.10 PROFILAXIA................................................................................................ 44


83 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA................................................... 473.1 DEFININDO A ÁREA TEMÁTICA A SER ESTUDADA .................................473.2 QUESTÕES NORTEADORAS DA INVESTIGAÇÃO ....................................483.3 O LOCAL E OS SUJEITOS DA PESQUISA..................................................483.4 COLETA DAS INFORMAÇÕES.....................................................................503.5 OPÇÃO METODOLÓGICA............................................................................533.6 ANÁLISE UTILIZADA PARA A COMPREENSÃO DO FENÔMENO ............563.7 NOMINANDO OS PARTICIPANTES DA CAMINHADA ................................594 DESVELANDO OS SIGNIFICADOS: ESSÊNCIASFENOMENOLÓGICAS E SUAS DIMENSÕES.............................654.1 A DIFÍCIL TRAJETÓRIA DO DIAGNÓSTICO PRECISO AO INÍCIO DOTRATAMENTO CORRETO ......................................................................... 674.1.1 A Hanseníase como Doença Bíblica: Desconhecimento <strong>da</strong>Hanseníase como Doença Atual............................................................. 684.1.2 Do Impacto <strong>do</strong> Diagnóstico Confirma<strong>do</strong> ao Assumir-se comoHanseniano............................................................................................... 744.1.3 A Procura <strong>de</strong> Recursos Médicos: <strong>da</strong>s Dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s Encontra<strong>da</strong>saté o Início <strong>do</strong> Tratamento Atual............................................................. 854.2 SER (HUMANO) HANSENIANO: SENTIMENTOS COMOCARACTERISTICA ESSENCIAL................................................................ 964.2.1 O que Significa ter Hanseníase ......................................................................994.2.2 Sentimentos Dicotômicos Emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa Vivência .............................. 1044.3 SOBRE O INTRAPESSOAL: A RELAÇÃO MAIS VERDADEIRACOMIGO MESMO...................................................................................... 1194.3.1 Conviven<strong>do</strong> com o Preconceito e a Discriminação................................... 1204.3.2 Conviven<strong>do</strong> com as Seqüelas Físicas........................................................ 1264.3.3 Reencontran<strong>do</strong>-se: <strong>da</strong> Per<strong>da</strong> ao Resgate <strong>da</strong> Auto-Estima........................ 1334.4 COMUNIDADE, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO ................................1394.4.1 Família: <strong>do</strong> Apoio ao Rechaço ..................................................................... 1434.4.2 Amigos: <strong>do</strong> Apoio <strong>de</strong> Alguns ao Aban<strong>do</strong>no <strong>da</strong> Maioria ............................ 1534.5 O CORPO COMO O ESPELHO DO ESTIGMA ............................................1564.5.1 Sobre a Ocultação <strong>da</strong> Doença e <strong>do</strong> Corpo: Contar a Ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ouOcultar a Hanseníase?............................................................................... 1594.5.2 Auto-Segregação <strong>do</strong> Corpo..........................................................................1684.6 SOBRE AS EQUIPES DE SAÚDE................................................................1724.6.1 A Percepção sobre os Profissionais <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> ..........................................1734.6.2 O Desejo <strong>de</strong> Como Ser Trata<strong>do</strong>....................................................................1784.7 EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE EM HANSENÍASE .......................................1884.7.1 Sobre o Doente e sua Doença: o Compartilhar <strong>de</strong> Informações............... 1924.7.2 Incentivan<strong>do</strong> o Autocui<strong>da</strong><strong>do</strong> ....................................................................... 1984.7.3 A Convivência com o Hanseniano: Orientação aos Familiares e àComuni<strong>da</strong><strong>de</strong>................................................................................................... 204


95 REFLEXÕES EMERGIDAS DESTA TRAJETÓRIA........................................211ANEXOS............................................................................................................. 228REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 243


RESUMOA proposta <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> foi a <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r, por meio <strong>de</strong> umaabor<strong>da</strong>gem fenomenológica, os sentimentos e vivências <strong>de</strong> <strong>hanseniano</strong>s comrelação a sua <strong>do</strong>ença.A investigação teve o objetivo <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar o significa<strong>do</strong> <strong>da</strong>Hanseníase na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s pacientes, as repercussões <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença sobre as relaçõesintra e interpessoais, a elaboração <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, as implicações em seutrabalho, as percepções <strong>da</strong>s distintas fases <strong>do</strong> tratamento e os sentimentosimplica<strong>do</strong>s neste processo.Este estu<strong>do</strong> se realizou no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998 a<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre — RS. O locus <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> foi oAmbulatório <strong>de</strong> Dermatologia Sanitária, <strong>da</strong> Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e Meio Ambiente<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul. Participaram <strong>de</strong>sta pesquisa onze <strong>do</strong>entes comHanseníase, em acompanhamento no Ambulatório, <strong>de</strong> ambos os sexos,


11in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> nível sócioeconômico, <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> instrução e <strong>da</strong> profissão,abrangen<strong>do</strong> a faixa etária <strong>do</strong>s 22 aos 76 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>.Nesta pesquisa foi utiliza<strong>da</strong> a abor<strong>da</strong>gem fenomenológica, sen<strong>do</strong> acoleta <strong>de</strong> informações realiza<strong>da</strong> por meio <strong>de</strong> entrevista dialoga<strong>da</strong> e semiestrutura<strong>da</strong>,conten<strong>do</strong> uma questão básica nortea<strong>do</strong>ra: O que significa paravocê ter Hanseníase?As informações coleta<strong>da</strong>s foram analisa<strong>da</strong>s pelo méto<strong>do</strong>fenomenológico, proposto por Giorgi (1985 e 1997) e Comiotto (1992). Destaanálise, emergiram sete essências fenomenológicas e suas respectivasdimensões:A difícil trajetória <strong>do</strong> diagnóstico preciso ao início <strong>do</strong>tratamento correto: A Hanseníase como <strong>do</strong>ença bíblica:<strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong> Hanseníase como <strong>do</strong>ença atual. Do impacto<strong>do</strong> diagnóstico confirma<strong>do</strong> ao assumir-se como <strong>hanseniano</strong>. Àprocura <strong>de</strong> recursos médicos: <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s até oinício <strong>do</strong> tratamento atual.Ser (humano) <strong>hanseniano</strong>: sentimentos como característicaessencial: O que significa ter Hanseníase. Sentimentosdicotômicos emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta vivência. Sobre o intrapessoal: a relação mais ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira comigomesmo:Conviven<strong>do</strong> com o preconceito e a discriminação.


12Conviven<strong>do</strong> com as seqüelas físicas. Reencontran<strong>do</strong>-se: <strong>da</strong>per<strong>da</strong> ao resgate <strong>da</strong> auto-estima.Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, preconceito e discriminação: Família: <strong>do</strong>apoio ao rechaço. Amigos: <strong>do</strong> apoio <strong>de</strong> alguns ao aban<strong>do</strong>no <strong>da</strong>maioria.O corpo como espelho <strong>do</strong> estigma: Sobre a ocultação <strong>da</strong><strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> corpo: contar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ou ocultar a Hanseníase.Auto-segregação <strong>do</strong> corpo.Sobre as equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>: A percepção sobre osprofissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> como <strong>ser</strong> trata<strong>do</strong>.Educação para a saú<strong>de</strong> em Hanseníase: Sobre o <strong>do</strong>entee sua <strong>do</strong>ença: o compartilhar <strong>de</strong> informações. Incentivan<strong>do</strong> oauto- cui<strong>da</strong><strong>do</strong>. A convivência com o <strong>hanseniano</strong>: orientação aosfamiliares e à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.Do contexto estu<strong>da</strong><strong>do</strong> emergiu a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>: incentivar ações <strong>de</strong>smistifican<strong>do</strong> a Hanseníase como<strong>do</strong>ença <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, "bíblica" e incurável; elaborar programas <strong>de</strong> educação continua<strong>da</strong> e promovertreinamentos para os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;- oportunizar vivências e orientações aos futuros profissionais<strong>da</strong> saú<strong>de</strong> durante a facul<strong>da</strong><strong>de</strong> e cursos <strong>de</strong> especialização sobre a


13importância <strong>da</strong> relação humana que se estabelece com o<strong>hanseniano</strong>; reforçar, durante a formação <strong>do</strong> médico, o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>Dermatologia e <strong>da</strong> Hanseníase;proporcionar aos <strong>hanseniano</strong>s uma abor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> tratamentomais humana, valorizan<strong>do</strong> seus sentimentos; suas vivências esua singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> como pessoa;elaborar programas <strong>de</strong> educação para a saú<strong>de</strong> em Hanseníase,visan<strong>do</strong> compartilhar informações sobre a <strong>do</strong>ença com os<strong>hanseniano</strong>s e estimular o autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>;proporcionar à família <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong> momentos <strong>de</strong> diálogo eesclarecimento <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>s; promover campanhas educativas junto aos meios <strong>de</strong>comunicação, visan<strong>do</strong> esclarecer à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> assuntosreferentes à transmissão, clínica, tratamento e curabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>Hanseníase;promover palestras sobre a Hanseníase em escolas <strong>da</strong> re<strong>de</strong>priva<strong>da</strong> e pública.


ABSTRACTThe proposal of this study was to un<strong>de</strong>rstand, throughphenomenological analysis, the feelings and experiences of the leprous withregard to his/her illness.The inquiry had the objective to evi<strong>de</strong>nce the meaning of leprosy inthe life of patients, the repercussions of the illness on the intra and interpersonalrelations, the elaboration life projects, the implications in their work, theperceptions of the different phases in the management and the feelings implied inthis process.This study was carried out in the period from December 1998 untilDecember 1999, in the city of Porto Alegre-RS. The locus of the study was theSanitary Dermatology Clinic of Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul's Health and EnvironmentSecretariat. The participants in the research consisted of eleven sick people withleprosy being supervised in the clinic, of both sexes, regardless of their partner's


15economic level, instruction <strong>de</strong>gree and profession, with ages ranging from 22 to 76years.In this research, a phenomenological analysis was used, the collectionof information being carried out by means of dialogued and half- structuredinterview, having a basic guiding question: What <strong>do</strong>es having leprosy mean to you?The information collected had been analyzed by thephenomenological method consi<strong>de</strong>red by Giorgi (1985 and 1997) and Comiotto(1992). From this analysis seven phenomenological essences and their respectivedimensions emerged:The difficult path from the necessary diagnosis to the beginningof the correct management: Leprosy as a biblical illness: unfamiliarity of leprosyas a current illness. The impact of diagnosis confirmation when the patient admits tobe leprous. The seek for medical features: from difficulties found until the beginningof current management.Being (human) leprous: feelings as essential characteristic: Whatit means to have leprosy. Gave rise to dichotomic feelings from this experience.About the intrapersonal: the relation that is exactly the truest tome: Coexisting prejudice and discrimination. Coexisting physical sequels. Refindingthemselves: from the loss of self-esteem to its rescue.


16Community, prejudice and discrimination: Family: from support torejection. Friends: from the support of some to the aban<strong>do</strong>nment of the majority.The body as a mirror of the stigma: On the occultation of theillness and the body: to tell the truth or to occult leprosy. Self-segregation of thebody.<strong>de</strong>sire of being treated.About health teams: The perception on health professionals. TheHealth education in leprosy: About the sick person and its illness:sharing information. Stimulating care. Family life with the leprous: ready for thefamily and community.From the context studied has emerged the necessity of: stimulatingactions eluci<strong>da</strong>ting that leprosy is not a "biblical", incurable illness from the past;elaborating continued education programs and promoting training for healthprofessionals; creating opportunities of experiences and orientation for futurehealth professionals during college and specializing courses, about the importanceof the human relation that's established with the leprous; strengthening, duringmedical education, the study of Dermatology; providing the leprous boarding withmore human management, valuing his/her feelings, elaboration of educationalprograms for health in leprosy, aiming at sharing information about the illness withthe leprous and to stimulate self-care; providing the leprous's family with momentsof dialogue and <strong>do</strong>ubt clarification; promotion of educative campaigns on themedia, aiming to clarify to the community referential subjects to the transmission,


17clinic, management and curability of leprosy; Promotion of lectures about leprosyin schools of the private and public systems.


RESUMENLa propuesta <strong>de</strong> este estudio fue compren<strong>de</strong>r, a través <strong>de</strong> unabor<strong>da</strong>je fenomenológico, los sentimientos y viven<strong>da</strong>s <strong>de</strong> <strong>hanseniano</strong>s conrelación a su enferme<strong>da</strong>d.La investigación tuvo el objetivo <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar el significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> laHanseniasis en la vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> los pacientes, Ias repercusiones <strong>de</strong> la enferme<strong>da</strong>dsobre las relaciones intra e interpersonales, Ia elaboración <strong>de</strong> proyectos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>,Ias influencias en su trabajo, Ias percepciones <strong>de</strong> Ias distintas fases <strong>de</strong>ltratamiento y los sentimientos presentes en ese proceso.Este estudio se realizó en el perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> diciembre <strong>de</strong> 1998 adiciembre <strong>de</strong> 1999, en Ia ciu<strong>da</strong>d <strong>de</strong> Porto Alegre, Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul.El locus <strong>de</strong> este estudio fue el Ambulatorio <strong>de</strong> Dermatologia Sanitaria <strong>de</strong> laSecretaria <strong>de</strong> Salud y Medio Ambiente <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul. Losparticipantes <strong>de</strong> Ia investigación constituyeron un número <strong>de</strong> once enfermoscom Hanseniasis com acompañamiento ambulatorial, <strong>de</strong> ambos sexos,


19in<strong>de</strong>pendientemente <strong>de</strong>l nível socioeconômico, <strong>de</strong>l gra<strong>do</strong> <strong>de</strong> instrucción y <strong>de</strong> Iaprofesión, to<strong>do</strong>s entre 22 y 76 años <strong>de</strong> e<strong>da</strong>d.En esta investigación fue utiliza<strong>do</strong> el abor<strong>da</strong>je fenomenológico,sien<strong>do</strong> la colecta <strong>de</strong> informaciones realiza<strong>da</strong> por medio <strong>de</strong> Ia entrevista dialoga<strong>da</strong>y semiestructura<strong>da</strong>, contenien<strong>do</strong> una pregunta básica nortea<strong>do</strong>ra: Qué significapara usted tener Hanseniasis?Las informaciones recogi<strong>da</strong>s fueron analisa<strong>da</strong>s según el méto<strong>do</strong>fenomenológico propuesto por GIORGI (1987, 1997) y COMIOTTO (1992). Deeste análisis emergieron siete esencias fenomenológicas y sus respectivasdimensiones:La difícil trayectoria <strong>de</strong>i diagnóstico preciso al comienzo <strong>de</strong>ltratamiento correcto: La Hanseniasis como enferme<strong>da</strong>d bíblica:<strong>de</strong>sconocimiento <strong>de</strong> la Hanseniasis como enferme<strong>da</strong>d actual. Del impacto <strong>de</strong>ldiagnóstico confirma<strong>do</strong> al asumirse como <strong>hanseniano</strong>, la búsque<strong>da</strong> <strong>de</strong> recursosmédicos: <strong>de</strong> Ias dificulta<strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s hasta el inicio <strong>de</strong>l tratamiento actual.Ser (humano) <strong>hanseniano</strong>: sentimientos como característicaesencial: Lo que significa tener Hanseniasis. Sentimientos dicotómicosemana<strong>do</strong>s <strong>de</strong> esa vivencia.Sobre lo intrapersonal: a relación mas ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ra conmigomismo: convivien<strong>do</strong> con el prejuicio y la discriminación. Convivien<strong>do</strong> con Iassecuelas físicas. Reencontrán<strong>do</strong>se: <strong>de</strong> la perdi<strong>da</strong> al rescate <strong>de</strong> la autoestima.


20Comuni<strong>da</strong>d, prejuicio y discriminación: Familia: <strong>de</strong>l apoyo alrechazo. Amigos: <strong>de</strong>l apoyo <strong>de</strong> algunos al aban<strong>do</strong>no <strong>de</strong> la mayoria.El cuerpo como espejo <strong>de</strong>l estigma: Sobre el ocultar laenferme<strong>da</strong>d y el cuerpo; contar Ia ver<strong>da</strong>d u ocultar Ia Hanseniasis.Autosegregación <strong>de</strong>l cuerpo.Sobre los equipos <strong>de</strong> la salud: La percepción sobre losprofesionales <strong>de</strong> la salud. El <strong>de</strong>seo <strong>de</strong> como <strong>ser</strong> trata<strong>do</strong>.Educación para la salud en Hanseniasis: Sobre el enfermo y suenferme<strong>da</strong>d. El compartir Ias informaciones. Incentivan<strong>do</strong> el autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>. Laconvivencia con el <strong>hanseniano</strong>. Orientación a los familiares y a Ia comuni<strong>da</strong>dDel contexto estudia<strong>do</strong> surgió la necesi<strong>da</strong>d <strong>de</strong>:Incentivar acciones <strong>de</strong>smistifican<strong>do</strong> la Hanseniasis comoenferme<strong>da</strong>d <strong>de</strong>l pasa<strong>do</strong>, "bíblica" e incurable;Elaborar programas <strong>de</strong> educación continua<strong>da</strong> y promover cursos <strong>de</strong>perfeccionamiento para los profesionales <strong>de</strong> la salud;Oportunizar viven<strong>da</strong>s y orientaciones a los futuros profesionales <strong>de</strong>la salud, en la facultad y cursos <strong>de</strong> especialización, sobre la importancia <strong>de</strong> larelación humana que se establece con el <strong>hanseniano</strong>;Dermatologia;Reforzar, durante la formación <strong>de</strong>l médico, el estudio <strong>de</strong> la


21Proporcionar a los <strong>hanseniano</strong>s um abor<strong>da</strong>je <strong>de</strong> tratamiento mashumano, valorizan<strong>do</strong> sus sentimientos;Elaborar programas <strong>de</strong> educación para la salud en Hanseniasis,buscan<strong>do</strong> compartir informaciones sobre la enferme<strong>da</strong>d con los <strong>hanseniano</strong>s yestimular el autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>;Proporcionar a Ia família <strong>de</strong>l <strong>hanseniano</strong> momentos <strong>de</strong> diálogo yaclaraciones <strong>de</strong> du<strong>da</strong>s;Promover campañas educativas en los medios <strong>de</strong> comunicación,buscan<strong>do</strong> informar a Ia comuni<strong>da</strong>d sobre asuntos referi<strong>do</strong>s a la transmisión,clínica, tratamiento y curabili<strong>da</strong>d <strong>de</strong> la Hanseniasis;priva<strong>da</strong> y pública.Promover conferencias sobre la Hanseniasis em escuelas <strong>de</strong> la red


1 INTRODUÇÃOA Hanseníase (Lepra, Mal <strong>de</strong> Hansen) é uma <strong>do</strong>ença infectocontagiosa<strong>de</strong> evolução crônica, existente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos bíblicos e que contémconsigo marcas sociais e culturais in<strong>de</strong>léveis até os dias atuais. Se não for trata<strong>da</strong>a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> e precocemente po<strong>de</strong> evoluir para incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas graves,inestéticas e mutilantes, repercutin<strong>do</strong> na existência <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente em sua família, emseu ambiente profissional e na comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em que vive. Esta <strong>do</strong>ença é causa<strong>da</strong>por um microorganismo chama<strong>do</strong> Mycobacterium leprae, i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> em 1873,por Amauer Hansen, e manifesta-se, principalmente, por lesões cutâneas elesões nervosas, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> também ocorrer lesões viscerais. O diagnóstico <strong>de</strong>Hanseníase é feito pelo exame <strong>de</strong>rmato-neurológico <strong>do</strong> paciente e, quan<strong>do</strong>necessário, com o auxílio <strong>de</strong> exames laboratoriais complementares, tais comobaciloscopia e biópsia <strong>de</strong> pele.Atualmente, o tratamento <strong>do</strong> Mal <strong>de</strong> Hansen é feito em nívelambulatorial, utilizan<strong>do</strong>-se a combinação <strong>de</strong> quimioterápicos sistêmicos. É achama<strong>da</strong> Poliquimioterapia (PQT). No passa<strong>do</strong>, entretanto, os <strong>do</strong>entes eram


24interna<strong>do</strong>s em Hospitais Colônias (Leprosários), numa tentativa <strong>de</strong>, com esteisolamento familiar e social <strong>de</strong> quase sempre longa duração, evitar o contágio e adisseminação <strong>da</strong> Hanseníase, uma vez que não existiam medicações eficazespara o seu tratamento e sua cura.Existente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os mais remotos tempos, a Hanseníase segue sen<strong>do</strong>um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública no Brasil e no <strong>mun<strong>do</strong></strong>.Conforme Talhari e Neves (1997), o Brasil ocupa o segun<strong>do</strong> lugarmundial em número <strong>de</strong> casos absolutos <strong>de</strong> Hanseníase, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> apenas para aÍndia. Na América Latina, ocupamos o incômo<strong>do</strong> primeiro lugar em número <strong>de</strong>casos registra<strong>do</strong>s.Segun<strong>do</strong> Lombardi (1999), a taxa <strong>de</strong> prevalência <strong>de</strong> casos <strong>de</strong>Hanseníase, no Brasil, no ano <strong>de</strong> 1998, foi <strong>de</strong> 4,54 <strong>do</strong>entes por 10.000 habitantese foram registra<strong>do</strong>s 44.000 casos novos. Neste mesmo ano, havia 75.000 <strong>do</strong>entes<strong>de</strong> Hanseníase em nosso País.De acor<strong>do</strong> com Pereira (1999), nos últimos <strong>de</strong>z anos, mais <strong>de</strong>350.000 casos novos <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença foram notifica<strong>do</strong>s no Brasil. Para este autor, estamoléstia é endêmica em to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s brasileiros, sen<strong>do</strong> as Regiões Norte,Nor<strong>de</strong>ste e Centro-Oeste <strong>do</strong> País as que apresentam maior número <strong>de</strong> <strong>do</strong>entes.No Brasil, existe o Programa <strong>de</strong> Controle <strong>da</strong> Hanseníase, sobsupervisão <strong>do</strong> Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, que segue normas <strong>da</strong> Organização Mundial <strong>da</strong>Saú<strong>de</strong> (OMS) para o manejo e tratamento <strong>de</strong>sta moléstia.


25O Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul atingiu a meta <strong>de</strong> eliminação <strong>da</strong> Hanseníasecomo problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, proposta pela OMS, no ano <strong>de</strong> 1995. Para estarenoma<strong>da</strong> Organização, enten<strong>de</strong>-se por eliminação a redução <strong>da</strong>s taxas <strong>de</strong>prevalência para índices inferiores a um <strong>do</strong>ente para ca<strong>da</strong> 10.000 habitantes. Noano <strong>de</strong> 1998, a taxa <strong>de</strong> prevalência no nosso Esta<strong>do</strong> foi <strong>de</strong> 0,47.Mesmo com esses <strong>da</strong><strong>do</strong>s anima<strong>do</strong>res, não po<strong>de</strong>mos incidir no erro<strong>de</strong> pensar que a Hanseníase não mais existe no nosso Esta<strong>do</strong>. Atingir a meta <strong>de</strong>eliminação, proposta pela OMS, não significa que conseguimos a erradicação<strong>de</strong>sta moléstia. Conforme Talhari, "eliminar não significa eradicar ou terminar coma Hanseníase por <strong>de</strong>creto" (1994, p.214). Para Ferreira (1999), necessita-setambém conhecer a magnitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos ain<strong>da</strong> não <strong>de</strong>scobertos, ou seja, aprevalência oculta. Sobre este tema também refere-se Saul (apud: Talhari eNeves, 1997, epígrafe): "la Lepra es una enferme<strong>da</strong>d en la que poco se piensaporque se cree que ya no existe mas o se tienne una i<strong>de</strong>a equivoca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cómo esen reali<strong>da</strong>d. Es un problema <strong>de</strong> salud publica..."Há muitos trabalhos e livros sobre Hanseníase, pois comocomentamos, trata-se <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública. São trabalhos, contu<strong>do</strong>,na sua gran<strong>de</strong> maioria, que abor<strong>da</strong>m questões como incidência, prevalência,eficácia terapêutica <strong>da</strong> poliquimioterapia entre outras. São trabalhospre<strong>do</strong>minantemente quantitativos e normativos que pouco evi<strong>de</strong>nciam ou analisama questão <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano <strong>hanseniano</strong> e seus sentimentos. Trata-se <strong>de</strong>estu<strong>do</strong>s que não aprofun<strong>da</strong>m a questão humana <strong>da</strong> Hanseníase, os


26sentimentos <strong>de</strong>stes pacientes ou as experiências vivencia<strong>da</strong>s nesta trajetóriaexistencial.Como médica <strong>de</strong>rmatologista em função assistencial e <strong>de</strong> ensino,como preceptora <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Residências Médicas Integra<strong>da</strong>s, <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> Pública, no Ambulatório <strong>de</strong> Dermatologia Sanitária, <strong>da</strong> Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>e <strong>do</strong> Meio Ambiente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, centro <strong>de</strong> referênciaestadual para o tratamento <strong>da</strong> Hanseníase, tenho prioriza<strong>do</strong> em nossas consultasmomentos interativos com os <strong>do</strong>entes, oportunizan<strong>do</strong> conversas sobre asemoções e vivências que eles experimentam consigo mesmos e com os outrosem seus relacionamentos familiares, sociais e profissionais.Dessas revelações surgi<strong>da</strong>s, fruto <strong>de</strong> seus enfrentamentoscotidianos, criaram-se em meu <strong>ser</strong> pessoal e profissional razões para este estu<strong>do</strong>.A partir <strong>da</strong>s vivências e <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes e <strong>de</strong> seusfamiliares, surgi<strong>da</strong>s <strong>de</strong>sta trajetória <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> em <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>, ocorreu-me <strong>ser</strong>possível adquirir, trocar e construir novos saberes que pu<strong>de</strong>ssem contribuir paraum atendimento mais humano ao <strong>do</strong>ente com Hanseníase.E assim começa a minha busca, realizan<strong>do</strong> uma investigaçãoqualitativa, numa tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelar os sentimentos e vivências <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>entescom Hanseníase e trazer à aca<strong>de</strong>mia os conhecimentos emergi<strong>do</strong>s <strong>de</strong>stapesquisa.


2 COMPREENDENDO A HANSENÍASE COMO DOENÇAA Hanseníase (Lepra, Mal <strong>de</strong> Hansen, Doença <strong>de</strong> Hansen) é uma<strong>do</strong>ença infecto-contagiosa crônica, existente e estigmatizante <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os temposbíblicos e que comporta um preconceito gran<strong>de</strong> até os dias atuais, embora sejacurável.Acomete, principalmente, pele e nervos periféricos, mas qualquerórgão <strong>do</strong> corpo humano, com exceção <strong>do</strong> sistema nervoso central, po<strong>de</strong> <strong>ser</strong>acometi<strong>do</strong>. Se não for trata<strong>da</strong> precoce e a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>mente, po<strong>de</strong> evoluir para<strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas graves, por causa <strong>do</strong> comprometimento <strong>de</strong> nervosperiféricos, geran<strong>do</strong> auto-segregação <strong>do</strong> paciente <strong>de</strong> seu ambiente familiar, sociale profissional.


282.1 AGENTE ETIOLÓGICOA Hanseníase é causa<strong>da</strong> pelo Mycobacterium leprae, também<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> bacilo <strong>de</strong> Hansen, que apresenta tropismo principalmente por célulascutâneas e nervosas periféricas (Azulay e Azulay, 1997; Bechelli e Curban, 1988;Cucé e Neto, 1990; Jopling e McDougall, 1991; Brasil Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1994;Sampaio, Castro e Rivitti, 1983 e Talhari e Neves, 1997).Trata-se <strong>de</strong> uma micobactéria, com a forma <strong>de</strong> bastonete reto ouligeiramente encurva<strong>do</strong>, i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> por Gerhardt Amauer Hansen em 1873 (Cucée Neto, 1990). Atinge, principalmente, pele e nervos periféricos, mas po<strong>de</strong> atingirpraticamente to<strong>do</strong>s os órgãos e sistemas em que haja macrófagos, excetuan<strong>do</strong>seo sistema nervoso central (Azulay e Azulay, 1997).Ao exame baciloscópico, os bacilos po<strong>de</strong>m apresentar-seuniformemente cora<strong>do</strong>s (sóli<strong>do</strong>s), irregularmente cora<strong>do</strong>s (fragmenta<strong>do</strong>s) ougranulosos. O aspecto irregular e granuloso parece indicar sofrimento bacilar,sen<strong>do</strong> ob<strong>ser</strong>va<strong>do</strong> em <strong>do</strong>entes em tratamento por ação medicamentosa (Talhari eNeves, 1997).Não cresce em meios <strong>de</strong> culturas artificiais, mas é inoculável emca<strong>mun<strong>do</strong></strong>ngo e em certos tatus, reproduzin<strong>do</strong> neles <strong>do</strong>ença comparável à humana(Azulay e Azulay, 1997). Como não é possível cultivá-lo, não há como produzir,até o presente momento, vacinas especificas contra esta moléstia.


292.2 PATOGENIA E TRANSMISSÃOO perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> incubação, ou seja, o tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> entre o contatocom o bacilo <strong>de</strong> Hansen e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s sintomas é longo. Estima-sealgo entre <strong>do</strong>is e sete anos, com média entre três e cinco anos (Brasil Ministério<strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1994 e Talhari e Neves, 1997).A principal fonte <strong>de</strong> infecção é o homem, através <strong>da</strong>s formascontagiantes <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença (dimorfa e virchowiana), uma vez que somente elas sãocapazes <strong>de</strong> eliminar bacilos para o meio exterior, pois possuem carga bacilar emquanti<strong>da</strong><strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável nas mucosas e na <strong>de</strong>rme.A transmissão se faz pelo contato direto, embora haja a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> se processar por méto<strong>do</strong> indireto (objetos contamina<strong>do</strong>s, vetores). As principaisfontes <strong>de</strong> infecção são as mucosas <strong>da</strong>s vias aéreas superiores e os hansenomasulcera<strong>do</strong>s, mas também são <strong>de</strong>scritos o leite materno, a urina e as fezes. O papel<strong>de</strong> insetos, atuan<strong>do</strong> como vetores, é discutível (Talhari e Neves, 1997).As vias aéreas superiores são consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s a principal porta <strong>de</strong>entra<strong>da</strong> <strong>do</strong> bacilo <strong>de</strong> Hansen. A inoculação também po<strong>de</strong> ocorrer por via cutâneaquan<strong>do</strong> existem lesões ulcera<strong>da</strong>s ou traumáticas na pele (Brasil Ministério <strong>da</strong>Saú<strong>de</strong>, 1994).Após atravessar a barreira tegumentar, o M. leprae aloja-se nosgânglios linfáticos. Deles partem êmbolos micobacterianos que vão alojar-se na


30pele, nervos periféricos e/ou órgãos. Conforme a imuni<strong>da</strong><strong>de</strong> celular <strong>do</strong> paciente, a<strong>do</strong>ença po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>senvolver-se <strong>de</strong> forma mais bran<strong>da</strong> ou mais grave. Existe umacorrelação bem níti<strong>da</strong> entre as formas clinicas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e o esta<strong>do</strong> imunológico<strong>do</strong> <strong>do</strong>ente (Azulay e Azulay, 1997; Talhari e Neves, 1997).Fato importante a ressaltar sobre a Hanseníase é que, mesmoconviven<strong>do</strong> com <strong>do</strong>entes <strong>da</strong>s formas contagiantes dimorfa e virchowiana, amaioria <strong>da</strong>s pessoas não a<strong>do</strong>ece. Estima-se que 90% <strong>da</strong>s pessoas tenha <strong>de</strong>fesanatural contra o M. leprae (Talhari e Neves, 1997).Essa resistência natural <strong>do</strong> indivíduo parece ter uma predisposiçãogenética. Rotberg, pesquisa<strong>do</strong>r brasileiro, chamou <strong>de</strong> fator N (natural) a um fatorque existiria congenitamente na maioria <strong>do</strong>s indivíduos (85 a 90% <strong>da</strong> população)e que estaria relaciona<strong>da</strong> à resistência. Os não porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> fator N cairiam namargem anérgica <strong>de</strong> Rotberg (10 a 15%), aon<strong>de</strong> estariam aqueles que<strong>de</strong>senvolveriam as formas graves <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença (Azulay e Azulay, 1997).2.3 EPIDEMIOLOGIAA Hanseníase não tem predileção por sexo ou raça. Algunstrabalhos apontam para um maior número <strong>de</strong> casos masculinos <strong>de</strong>scritos, masisto po<strong>de</strong> traduzir maior movimentação e oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> profissional <strong>do</strong>s homens.além <strong>de</strong> um exame físico menos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>so nas mulheres. Em comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s emque não existem tabus sociais, e a movimentação <strong>da</strong>s mulheres é similar a <strong>do</strong>s


31homens, e não existem diferenças no exame médico realiza<strong>do</strong>, não sãoencontra<strong>da</strong>s variações por sexo no número total <strong>de</strong> <strong>do</strong>entes (Talhari e Neves,1997).Essa moléstia não tem uma distribuição geográfica uniforme, existin<strong>do</strong>diferenças em nível continental, nacional e local, mas to<strong>do</strong>s os países com maiorescoeficientes <strong>de</strong> prevalência se encontram em regiões menos <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s:América Latina, África e Ásia.Para Bechelli e Curban (1988), no meio familiar (contatosintra<strong>do</strong>miciliares) o contágio ocorre cinco a oito vezes mais freqüentemente <strong>do</strong> queno meio extra<strong>do</strong>miciliar. Os casos em menores <strong>de</strong> um ano são raros. A curaespontânea <strong>da</strong> Hanseníase na infância não é incomum.2.4 DIAGNÓSTICOEm se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> evolução insidiosa e <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> potencial incapacitante, o diagnóstico precoce é <strong>de</strong>fun<strong>da</strong>mental importância e <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> o primeiro objetivo <strong>da</strong>sações <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> Hanseníase (Brasil Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,1994, p.17).A anamnese, o exame clínico cui<strong>da</strong><strong>do</strong>so <strong>da</strong>s lesões cutâneas e apesquisa <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> nervosa periférica permitem. quase sempre, odiagnóstico <strong>da</strong> Hanseníase. To<strong>da</strong> superfície cutânea <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> examina<strong>da</strong>.


32Entretanto, existem exames que po<strong>de</strong>m <strong>ser</strong> usa<strong>do</strong>s como auxiliaresno diagnóstico <strong>de</strong>ssa moléstia. Os mais usa<strong>do</strong>s são o exame baciloscópico e oexame histopatológico, que <strong>ser</strong>ão relata<strong>do</strong>s a seguir. Convém citar, ain<strong>da</strong>, aexistência <strong>do</strong>s testes <strong>da</strong> histamina e pilocarpina que, não sen<strong>do</strong> mais utiliza<strong>do</strong>s narotina diagnóstica, não <strong>ser</strong>ão especifica<strong>do</strong>s. O teste <strong>de</strong> Mitsu<strong>da</strong> era usa<strong>do</strong> atérecentemente, há cerca <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos, e auxiliava na classificação <strong>da</strong>s formasclinicas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Ressalta-se a superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> diagnóstico clinico, mediante exame<strong>de</strong>rmato-neurológico, sobre os exames laboratoriais complementares (BrasilMinistério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1994).Para Yamashita et al. (1996), o diagnóstico <strong>da</strong> Hanseníase baseia- senos sinais clínicos e nos acha<strong>do</strong>s laboratoriais, porém, nenhum exame laboratorialatualmente utiliza<strong>do</strong> po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> completo, isto 6, capaz <strong>de</strong> diagnosticare classificar a forma clinica <strong>da</strong> Hanseníase.2.4.1 Exame ClínicoAs manifestações cutâneas <strong>da</strong> Hanseníase são polimorfas, ou seja,varia<strong>da</strong>s. Conforme a forma clinica <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença (in<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>, tuberculói<strong>de</strong>,dimorfa ou virchowiana), teremos diferentes lesões cutâneas. Elas <strong>ser</strong>ãoabor<strong>da</strong><strong>da</strong>s no item classificação clínica <strong>da</strong> Hanseníase e manifestaçõescutâneas.


332.4.2 Pesquisa <strong>de</strong> Sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> CutâneaA sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> normal <strong>da</strong> pele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> integri<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s nervos e<strong>da</strong>s finas terminações nervosas periféricas, encontra<strong>da</strong>s sob a pele. É <strong>de</strong>fun<strong>da</strong>mental importância para a pre<strong>ser</strong>vação <strong>da</strong> integri<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> função <strong>do</strong>s olhos,mãos e pés (Brasil Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1994).Na Hanseníase há per<strong>da</strong> <strong>de</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> térmica, por primeiro, aseguir, <strong>da</strong> <strong>do</strong>lorosa e, por fim, <strong>da</strong> tátil, acarretan<strong>do</strong> hipo ou anestesia cutânea.Sempre <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> pesquisa<strong>da</strong> a área com suspeita <strong>de</strong> lesão, comparan<strong>do</strong>-se comoutra área <strong>de</strong> pele normal.2.4.2.1 Sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> TérmicaToca-se com um chumaço <strong>de</strong> algodão, embebi<strong>do</strong> em éter, a pele sãe a área suspeita. O éter aplica<strong>do</strong> sobre a pele causa a sensação <strong>de</strong> frio. Nasáreas suspeitas <strong>de</strong> lesão o paciente refere como "menos frio" (hipoestesia) ouausência <strong>de</strong> frio (anestesia).2.4.2.2 Sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> DolorosaÉ verifica<strong>da</strong> por meio <strong>de</strong> uma agulha <strong>de</strong> injeção, tocan<strong>do</strong>-se a pontae o cabo <strong>da</strong> mesma. Também po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> utiliza<strong>do</strong> um alfinete, tocan<strong>do</strong>-se com a


34ponta ou a cabeça <strong>do</strong> mesmo. 0 paciente <strong>de</strong>ve informar qual a parte <strong>do</strong>instrumento está sen<strong>do</strong> toca<strong>da</strong> sobre sua pele.2.4.2.3 Sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> Tátil:Toca-se a pele com um chumaço fino <strong>de</strong> algodão seco e solicita-seao paciente que respon<strong>da</strong> quan<strong>do</strong> sentir. Muitas vezes, este teste po<strong>de</strong> <strong>ser</strong>normal, embora a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> térmica e <strong>do</strong>lorosa já estejam altera<strong>da</strong>s, pois asensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> tátil é a última a <strong>ser</strong> aboli<strong>da</strong>.2.4.3 Exame BaciloscópicoA baciloscopia <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> realiza<strong>da</strong> em to<strong>do</strong>s os pacientes comsuspeita clinica <strong>de</strong> Hanseníase, mas nem sempre evi<strong>de</strong>ncia-se o M. leprae naslesões hansênicas ou em outros sítios <strong>de</strong> coleta.A pesquisa <strong>do</strong> bacilo <strong>de</strong> Hansen é feita na linfa coleta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s áreassuspeitas, após compressão isquémica <strong>do</strong> local e pequena incisão <strong>da</strong> pele combisturi. A linfa coleta<strong>da</strong> é cora<strong>da</strong> pela técnica <strong>de</strong> Ziehl-Neelsen e ao microscópioóptico ob<strong>ser</strong>va-se, ou não, a presença <strong>do</strong>s bacilos cora<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vermelho pelocorante fucsina.


35Nas formas clínicas In<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> e Tuberculói<strong>de</strong> a baciloscopia énegativa, ou seja, não se ob<strong>ser</strong>vam bacilos <strong>de</strong> Hansen e não há risco <strong>de</strong>stasformas contagiarem. As formas Dimorfa e Virchowiana são positivas e, por isto,são as responsáveis pela transmissão <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.2.4.4 Exame HistopatológicoNa classificação <strong>do</strong> paciente <strong>de</strong> Hanseníase, quanto à forma clínica,<strong>de</strong>verão <strong>ser</strong> utiliza<strong>do</strong>s os critérios clínicos e baciloscópicos. Quan<strong>do</strong> houvernecessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o exame histopatológico po<strong>de</strong>rá <strong>ser</strong> usa<strong>do</strong> para eluci<strong>da</strong>çãodiagnóstica, ten<strong>do</strong>-se sempre em vista que a clínica é soberana.Após coleta <strong>de</strong> pequeno fragmento <strong>de</strong> pele por técnica <strong>de</strong> biópsiacom punch ou bisturi, este é envia<strong>do</strong> para laboratório que processa a lâmina para<strong>ser</strong> examina<strong>da</strong> ao microscópio óptico. Conforme a forma clínica <strong>da</strong> Hanseníase,teremos diferentes acha<strong>do</strong>s histopatológicos característicos.2.4.5 Teste <strong>de</strong> Mitsu<strong>da</strong>O teste <strong>de</strong> Mitsu<strong>da</strong>, realiza<strong>do</strong> mediante injeção intradérmica <strong>de</strong> 0,1 ml<strong>de</strong> antígeno lepromínico, indica a <strong>de</strong>fesa imunológica <strong>do</strong> paciente ao bacilo <strong>de</strong>Hansen. Seu valor é prognóstico e não diagnóstico. Baseia-se em uma reaçãoimunológica retar<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>do</strong> tipo celular <strong>de</strong> alta especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> para o M. leprae.


36Pacientes Mitsu<strong>da</strong> positivos, ou seja, que formam lesão no local <strong>da</strong>injeção (pápula eritematosa ou úlcera) apresentam boa <strong>de</strong>fesa imunológica e,mesmo que a<strong>do</strong>eçam, evoluirão para formas benignas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Os pacientesMitsu<strong>da</strong> negativos (sem reação local) têm chances <strong>de</strong> evoluírem para as formasgraves <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença (dimorfa e virchowiana). A leitura <strong>do</strong> local <strong>da</strong> inoculação <strong>de</strong>verá<strong>ser</strong> realiza<strong>da</strong> entre a terceira e a quarta semanas após a injeção (Brasil Ministério<strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1994).2.5 CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DA HANSENÍASE EMANIFESTAÇÕES CUTÂNEASApós o contato inicial com o M. leprae, o paciente <strong>de</strong>senvolve a formainicial <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, a Hanseníase In<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>. Conforme o esta<strong>do</strong> imunológico <strong>do</strong>paciente, esta forma inicial po<strong>de</strong>rá progredir para uma forma benigna e nãocontagiante <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença (Hanseníase Tuberculói<strong>de</strong>) ou evoluir para o pólo maligno(Hanseníase Virchowiana). Entre os <strong>do</strong>is pólos <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença existe a forma dimorfa,instável no sistema imunológico e nas características clinicas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Conforme menciona<strong>do</strong>, as lesões cutâneas <strong>de</strong> Hanseníase po<strong>de</strong>m<strong>ser</strong> varia<strong>da</strong>s. Po<strong>de</strong>m aparecer manchas hipocrômicas (esbranquiça<strong>da</strong>s) oueritematosas (avermelha<strong>da</strong>s), lesões eleva<strong>da</strong>s <strong>do</strong> tipo pápulas, nódulos outubérculos, infiltração difusa <strong>da</strong> pele, lesões foveolares(pele <strong>do</strong>ente e sadia


37intercala<strong>da</strong>s, lembran<strong>do</strong> formato <strong>de</strong> queijo suíço), anidrose (diminuição <strong>da</strong>su<strong>do</strong>rese) com conseqüente xero<strong>de</strong>rmia (pele ressequi<strong>da</strong>), ma<strong>da</strong>rose e alopecia(rarefação <strong>do</strong>s pôlos), acompanha<strong>da</strong>s <strong>de</strong> alteração <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> cutânea <strong>do</strong>tipo anestesia ou hipoestesia.2.5.1 Hanseníase In<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>É a forma inicial <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e dura, em média, <strong>de</strong> um a cinco anos.Caracteriza-se por manchas hipocrômicas, únicas ou múltiplas, com alteração <strong>da</strong>sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> tipo hipoestesia. Po<strong>de</strong> haver rarefação pilosa e anidrose.Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa imunológica <strong>do</strong> paciente, verifica<strong>da</strong> por meio<strong>do</strong> Teste <strong>de</strong> Mitsu<strong>da</strong>, a <strong>do</strong>ença evoluirá para uma forma benigna Tuberculói<strong>de</strong> oua cura espontânea (boa imuni<strong>da</strong><strong>de</strong>) ou se as <strong>de</strong>fesas naturais não forem boas,para as formas graves Dimorfa ou Virchowiana. Conforme Bernardi et al."indivíduos com alto grau <strong>de</strong> resistência são capazes <strong>de</strong> abortar a infecção e não<strong>de</strong>senvolvera Hanseníase <strong>do</strong>ença"(1981, p.133).2.5.2 Hanseníase Tuberculói<strong>de</strong>Lesões eritematosas ou hipocrômicas com as bor<strong>da</strong>s discretamentepapulosas (eleva<strong>da</strong>s) são encontra<strong>da</strong>s na forma Tuberculói<strong>de</strong>. Por vezes, o


38centro <strong>da</strong> lesão está aparentemente poupa<strong>do</strong>, mostran<strong>do</strong> a evolução centrifuga <strong>do</strong>processo. Hipo ou anestesia, anidrose e rarefação pilosa são encontra<strong>da</strong>s. Sãolesões pouco numerosas e bem <strong>de</strong>limita<strong>da</strong>s, pois o sistema imunológico celularcompetente não permite a disseminação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.2.5.3 Hanseníase DimorfaApresenta lesões intermediárias entre as formas Tuberculói<strong>de</strong> eVirchowiana <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. A lesão característica é a lesão foveolar.Seu caráter instável, pois o sistema imunológico <strong>do</strong> paciente nestaforma <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença também não é bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>, faz com que apresente lesõessemelhantes ás tuberculói<strong>de</strong>s (bem <strong>de</strong>limita<strong>da</strong>s e pouco numerosas) ou àsvirchowianas (lesões numerosas e dissemina<strong>da</strong>s, nódulos e infiltração difusa <strong>da</strong>pele).2.5.4 Hanseníase VirchowianaÉ a forma dissemina<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, pois o sistema imunológicocelular <strong>do</strong> paciente não é competente o suficiente para impedir a disseminação <strong>do</strong>bacilo <strong>de</strong> Hansen.


39Ob<strong>ser</strong>va-se infiltração difusa <strong>da</strong> pele com numerosas lesõe<strong>ser</strong>itematosas e acastanha<strong>da</strong>s mal<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s. Lesões nodulares e tubérculos difusossão encontra<strong>do</strong>s. Há infiltração difusa <strong>da</strong> face e pavilhões auriculares,ocasionan<strong>do</strong> a per<strong>da</strong> <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> pêlos <strong>do</strong>s cílios e supercílios (ma<strong>da</strong>rose), quedão à face um aspecto peculiar chama<strong>do</strong> fa<strong>de</strong>s leonina.A Hanseníase Virchowiana é uma <strong>do</strong>ença sistêmica commanifestações viscerais importantes. Po<strong>de</strong>m <strong>ser</strong> comprometi<strong>do</strong>s, entre outros, osolhos, os testículos e os rins.2.6 COMPROMETIMENTO NERVOSO PERIFÉRICOA Hanseníase não é apenas uma <strong>do</strong>ença <strong>da</strong> pele, mastambém uma <strong>do</strong>ença <strong>do</strong>s nervos periféricos (Brasil Ministério<strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1994, p.17).O comprometimento <strong>de</strong> nervos periféricos pelo M. leprae afeta tantosua função sensitiva quanto motora. A partir <strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>de</strong>stas funções, surgem asincapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas importantes e, por vezes, mutilantes, que levam o <strong>do</strong>ente aisolar-se socialmente ou a <strong>ser</strong> isola<strong>do</strong> e discrimina<strong>do</strong> em seu ambiente familiar,social e profissional.As lesões nervosas po<strong>de</strong>m ocorrer em qualquer forma <strong>de</strong>Hanseníase, exceto na In<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>. Lesões <strong>de</strong> instalação súbita, precoces eassimétricas são, geralmente, características <strong>da</strong> Hanseníase Tuberculói<strong>de</strong> e


40Hanseníase Dimorfa que ten<strong>de</strong>m ao pólo tuberculói<strong>de</strong>. Na HanseníaseVirchowiana a instalação <strong>da</strong>s lesões nervosas é geralmente insidiosa e simétrica.O nervo comprometi<strong>do</strong> apresenta-se espessa<strong>do</strong> e <strong>do</strong>lorosopalpação. Conforme Martins (1995), os nervos atingi<strong>do</strong>s com mais freqüência são:cubital e mediano nos braços, ciático-popliteo externo e tibial posterior naspernas, retro-auricular no pescoço e facial e trigêmio no rosto.Conforme Sampaio, Castro e Rivitti (1983), <strong>do</strong> acometimento neuralresulta variável quadro sintomático: neuralgias, atrofia <strong>do</strong>s músculos interósseos<strong>da</strong>s mãos (garra cubital), mal perfurante plantar (por per<strong>da</strong> <strong>de</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>plantar), atrofia <strong>da</strong> musculatura anterolateral <strong>da</strong> perna (pé caí<strong>do</strong> e marchaescarvante), panarício analgésico, lagoftalmo (pálpebras entreabertas porparalisia <strong>do</strong> orbicular <strong>da</strong> pálpebra), ectrópio (eversão <strong>da</strong> pálpebra), úlceras <strong>de</strong>córnea (por per<strong>da</strong> <strong>de</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> corneana por causa <strong>do</strong> acometimento notrigémio) e alterações tróficas <strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>s com conseqüente reabsorçãoóssea progressiva <strong>da</strong>s falanges, que são reduzi<strong>da</strong>s a cotos.


412.7 COMPROMETIMENTO SISTÊMICOA Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença sistêmica, isto é, não se limitaa comprometer apenas pele e nervos periféricos. Envolvenumerosas localizações orgânicas, incluin<strong>do</strong> mucosa <strong>do</strong>trato respiratório alto, vísceras ab<strong>do</strong>minais, linfono<strong>do</strong>s,medula óssea e testículos (Fleury, apud Talhari e Neves,1997, p.'77).Na Hanseníase In<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> e Tuberculói<strong>de</strong>, a infecção fica restritaa pele e nervos periféricos, visto que o sistema imunológico <strong>do</strong> paciente nãopermite a disseminação <strong>do</strong> bacilo <strong>de</strong> Hansen a outros locais. Ocasionalmente, oslinfono<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m <strong>ser</strong> acometi<strong>do</strong>s.Na Hanseníase Dimorfa e Virchowiana, além <strong>do</strong> comprometimento<strong>da</strong> pele, <strong>de</strong> nervos periféricos e <strong>de</strong> linfono<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong> haver invasão <strong>de</strong> mucosas(oral, nasal e faringeana), globo ocular, fíga<strong>do</strong>, baço, rins, testículos e supra-renal.A falta <strong>de</strong> resistência .6 proliferação bacilar permite a sua disseminação.Esse enfoque sistêmico <strong>da</strong><strong>do</strong> à Hanseníase merece atenção, pois oacometimento <strong>de</strong> certos órgãos po<strong>de</strong> comprometer, significativamente, a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>relação <strong>do</strong> paciente.O comprometimento <strong>do</strong>s testículos po<strong>de</strong> levar à esterili<strong>da</strong><strong>de</strong>,impotência e alteração <strong>do</strong>s caracteres sexuais secundários (ginecomastia eredistribuição <strong>do</strong>s pêlos corporais). Em relação .6 laringe, po<strong>de</strong> haver alterações<strong>da</strong> fonação e <strong>da</strong> respiração. Os rins, se acometi<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>m entrar em falência eocorrer insuficiência renal, com necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento dialítico.O comprometimento ósseo po<strong>de</strong> levar à <strong>de</strong>struição <strong>do</strong> septo nasal, com o


42<strong>de</strong>sabamento <strong>do</strong> nariz (nariz em sela). O acometimento <strong>do</strong>s olhos po<strong>de</strong> levar àcegueira.2.8 SURTOS REACIONAISA Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> evolução crônica, mas po<strong>de</strong> <strong>ser</strong>intercala<strong>da</strong> por episódios agu<strong>do</strong>s, chama<strong>do</strong>s surtos reacionais, que guar<strong>da</strong>mrelação com a imuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> paciente.Em vigência <strong>do</strong> surto reacional po<strong>de</strong> haver agravamento <strong>da</strong>s lesõespré-existentes, surgimento <strong>de</strong> novas lesões <strong>de</strong> caráter inflamatório, eritemano<strong>do</strong>so hansênico (lesões nodulares e eritematosas <strong>do</strong>lorosas ), Fenômeno <strong>de</strong>Lúcio (vasculite <strong>do</strong>s vasos dérmicos) e comprometimento renal, testicular e ocularentre outros.2.9 TRATAMENTONo passa<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> não existiam medicações eficazes para otratamento e cura <strong>da</strong> Hanseníase, os pacientes eram "recolhi<strong>do</strong>s e isola<strong>do</strong>s" emHospitais-colônias (leprosários). Eram afasta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> suasfamílias, numa tentativa <strong>de</strong> diminuir as chances <strong>de</strong> contágio e <strong>de</strong> propagação <strong>da</strong>moléstia.


43Atualmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 50, o tratamento <strong>de</strong>sta moléstia éfeito em nível ambulatorial. Conforme Ferreira, Bernardi e Gerbase (1983), ointernamento compulsório <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase foi aboli<strong>do</strong> por lei em to<strong>do</strong>o Brasil no ano <strong>de</strong> 1954. Nogueira et al. (1995) comentam sobre as mu<strong>da</strong>nças naspolíticas <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença que efetivaram a extinção <strong>do</strong> isolamentocompulsório, a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60.Com o fim <strong>do</strong> isolamento compulsório, os <strong>do</strong>entes po<strong>de</strong>riam sair <strong>do</strong>sasilos, se assim o quisessem, e o tratamento po<strong>de</strong>ria <strong>ser</strong> feito em centros <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>. Porém, após déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> segregação, muitos escolheram continuar nos"leprosários", simplesmente, porque não tinham para aon<strong>de</strong> voltar e nem como sesustentar na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> "sadia" com o dinheiro <strong>da</strong> aposenta<strong>do</strong>ria que recebiam(Monteiro, 1987).No início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 80, a Organização Mundial <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> passoua recomen<strong>da</strong>r o esquema poliquimioterápico (PQT), com esquema terapêuticoapropria<strong>do</strong> a ca<strong>da</strong> forma clínica <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. No Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, a PQT foiimplementa<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> 1992.São três as medicações que fazem parte <strong>do</strong> esquemapoliquimioterápico: <strong>da</strong>psona, clofazimina e rifampicina. Os pacientes recebemuma <strong>do</strong>se supervisiona<strong>da</strong> mensal nos <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e levam para casamedicação para uso diário (<strong>do</strong>se auto-administra<strong>da</strong>).Os <strong>do</strong>entes <strong>da</strong>s formas In<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> e Tuberculói<strong>de</strong> usam<strong>da</strong>psona e rifampicina, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> completar o total <strong>de</strong> seis <strong>do</strong>ses supervisiona<strong>da</strong>s.


44Os pacientes <strong>da</strong>s formas Dimorfa e Virchowiana recebem <strong>da</strong>psona, rifampicina eclofazimina e <strong>de</strong>verão completar 24 <strong>do</strong>ses supervisiona<strong>da</strong>s.No tratamento <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s reacionais. o POT <strong>de</strong>verá <strong>ser</strong> manti<strong>do</strong> eacrescenta-se a tali<strong>do</strong>mi<strong>da</strong> e/ou a prednisona. A tali<strong>do</strong>mi<strong>da</strong> (100-300 mg/dia) éusa<strong>da</strong> para tratamento <strong>da</strong>s reações <strong>do</strong> tipo eritema no<strong>do</strong>so hansênico, exceto emmulheres em i<strong>da</strong><strong>de</strong> fértil, em razão <strong>do</strong> risco <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z com conseqüentemalformação fetal. Nos <strong>de</strong>mais casos, é usa<strong>da</strong> a prednisona (1-2 mg/kg/dia) eposterior regressão gradual até a suspensão <strong>da</strong> droga.O tratamento <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> inicia<strong>do</strong> o mais precocemente possível, a fim<strong>de</strong> evitar o aparecimento <strong>de</strong> casos contagiantes, quebran<strong>do</strong>, portanto, a ca<strong>de</strong>iaepi<strong>de</strong>miológica e impedir a instalação <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s física, que muitocontribuem para os <strong>de</strong>sajustes sociais, profissionais e psicológicos.O acompanhamento fisioterápico faz-se necessário para prevenir ediminuir incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s física. O tratamento cirúrgico, para <strong>de</strong>scompressãonervosa e correção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s física já instala<strong>da</strong>s. po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> necessário.2.10 PROFILAXIAA profilaxia <strong>da</strong> Hanseníase visa ao controle <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. No passa<strong>do</strong>,era feita <strong>de</strong> forma errônea e estigmatizante, com separação <strong>de</strong> famílias e <strong>do</strong>s


filhos <strong>de</strong> <strong>do</strong>entes. Hoje, procura tornar o paciente um alia<strong>do</strong> <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Os enormes preconceitos e as barreiras culturaismilenares, existentes em relação à enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>, constituemforte obstáculo profilaxia, pela não aceitação <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente nacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e pelos ultrapassa<strong>do</strong>s conceitos <strong>do</strong> povo emrelação a <strong>do</strong>ença (Talhari e Neves, 1997, p.151).A mu<strong>da</strong>nça <strong>do</strong> nome lepra para Hanseníase buscou afastar asfantasias e os preconceitos sobre a moléstia. To<strong>da</strong>s as pessoas envolvi<strong>da</strong>s com a<strong>do</strong>ença <strong>de</strong>vem divulgar, sempre que possível, os novos e atuais conceitos sobre aHanseníase: <strong>do</strong>ença curável, <strong>de</strong> baixa contagiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e contra a qual a maioria <strong>da</strong>população tem <strong>de</strong>fesas imunológicas naturais.45Basicamente, a profilaxia <strong>ser</strong>á alcança<strong>da</strong> mediante diagnósticoprecoce, tratamento, educação sanitária e acompanhamento <strong>do</strong>s familiares <strong>do</strong>s<strong>do</strong>entes.Para realização <strong>do</strong> diagnóstico precoce, algumas atitu<strong>de</strong>s sãonecessárias: conhecimento <strong>da</strong>s áreas endêmicas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e priorização <strong>do</strong>trabalho nessas regiões, divulgação <strong>de</strong> informações corretas sobre a <strong>do</strong>ençapopulação, treinamento <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, exames <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> eacompanhamento <strong>do</strong>s familiares <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ente.Os contatos intra<strong>do</strong>miciliares (que resi<strong>de</strong>m sob o mesmo teto hámenos <strong>de</strong> cinco anos) <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as formas clinicas <strong>da</strong> Hanseníase<strong>de</strong>verão <strong>ser</strong> examina<strong>do</strong>s. Após feito o exame clinico <strong>do</strong>s familiares, eles <strong>ser</strong>ão


46encaminha<strong>do</strong>s para tratamento, caso estejam <strong>do</strong>entes, ou libera<strong>do</strong>s com acorrespon<strong>de</strong>nte orientação sobre a <strong>do</strong>ença: perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> incubação, transmissão,sinais e sintomas e retorno ao <strong>ser</strong>viço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sempre que necessário.Além <strong>da</strong>s orientações, os contatos intra<strong>do</strong>miciliares <strong>de</strong>verão <strong>ser</strong>encaminha<strong>do</strong>s para realização <strong>da</strong> vacina BCG. Esta vacina, também usa<strong>da</strong> contraa Tuberculose, aumenta a resistência <strong>da</strong>s pessoas contra a Hanseníase. Devem<strong>ser</strong> aplica<strong>da</strong>s duas <strong>do</strong>ses <strong>da</strong> vacina BCG, por via intradérmica, com intervalo <strong>de</strong>seis meses entre as <strong>do</strong>ses.A equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve preparar-se não apenas para ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>assistência individual ao <strong>do</strong>ente, mas também para <strong>de</strong>senvolver a práticaeducativa com os pacientes, seus familiares e com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.


3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA3.1 DEFININDO A ÁREA TEMÁTICA A SER ESTUDADAComo referimos, anteriormente, por <strong>ser</strong> a Hanseníase um problema<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública, há muitos trabalhos abor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> questões como incidência,prevalência, clínica e eficácia terapêutica <strong>da</strong> poliquimioterapia entre outras. Mas,na sua maioria, são trabalhos <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logia quantitativa e com fins normativos,que pouco evi<strong>de</strong>nciam a questão <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano <strong>hanseniano</strong> e sua trajetóriaexistencial.Nesse senti<strong>do</strong>, propus-me a investigar a seguinte área temática:Hanseníase.Compreensão <strong>do</strong>s sentimentos e vivências <strong>do</strong>s pacientes com


483.2 QUESTÕES NORTEADORAS DA INVESTIGAÇÃOQuais os sentimentos e as vivências <strong>do</strong> paciente <strong>de</strong> Hanseníasequanto:à representação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença em sua vi<strong>da</strong>;às repercussões <strong>da</strong> Hanseníase em suas relações intra einterpessoais;à elaboração <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>;às implicações em seu exercício profissional;às percepções <strong>da</strong>s distintas fases <strong>do</strong> tratamento;aos sentimentos implica<strong>do</strong>s no processo <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e <strong>da</strong> cura.3.3 O LOCAL E OS SUJEITOS DA PESQUISAEsta investigação foi realiza<strong>da</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998 a<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, no Ambulatório <strong>de</strong> Dermatologia Sanitária (ADS), <strong>da</strong>Secretaria <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> e <strong>do</strong> Meio Ambiente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul,situa<strong>do</strong> na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre. O consentimento para a realização <strong>de</strong>stainvestigação consta <strong>do</strong> Anexo A. Este <strong>ser</strong>viço é centro <strong>de</strong> referência noatendimento ao <strong>hanseniano</strong> em nosso Esta<strong>do</strong>. Presta atendimento aos pacientes


49<strong>de</strong> nossa ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> municípios <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, <strong>de</strong> outros Esta<strong>do</strong>sbrasileiros e <strong>de</strong> países vizinhos ao nosso. No ADS ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>senvolvem-seprogramas <strong>de</strong> Residência médica na área <strong>de</strong> Dermatologia, na área <strong>da</strong>Enfermagem e <strong>da</strong> Psicologia, to<strong>do</strong>s cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s pelo Ministério <strong>de</strong> Educação.Integram a equipe: uma médica <strong>de</strong>rmatologista, uma bioquímica, um auxiliar <strong>de</strong>enfermagem e os profissionais em treinamento <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Residência. Aterapêutica é realiza<strong>da</strong> em nível ambulatorial, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os critérios <strong>do</strong>programa <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> Hanseníase, <strong>do</strong> Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> e <strong>da</strong> OrganizaçãoMundial <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS).Participaram <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> onze pacientes em acompanhamento paraHanseníase no ADS, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> sexo, <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> procedência, <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>civil, <strong>do</strong> nível sócioeconômico, <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> escolari<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> profissão. A i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>sparticipantes ficou compreendi<strong>da</strong> entre 22 e 76 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>.Verifiquei que já na 10ª entrevista as informações tornavam-<strong>ser</strong>epetitivas, saturan<strong>do</strong> os <strong>da</strong><strong>do</strong>s. Esta condição é critério <strong>de</strong> suficiência <strong>de</strong> amostrana pesquisa qualitativa. A princípio, então, o estu<strong>do</strong> incluía <strong>de</strong>z sujeitos, masacrescentei uma participante a mais, pois ela veio à consulta, falan<strong>do</strong>insistentemente <strong>de</strong> suas vivências, como se pedisse para <strong>ser</strong> ouvi<strong>da</strong>, queren<strong>do</strong>dividir sua história. Não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ouvi-la.A a<strong>de</strong>são <strong>do</strong>s participantes ao estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>u-se <strong>de</strong> forma voluntária,mediante convite verbal feito individualmente por esta pesquisa<strong>do</strong>ra, a ca<strong>da</strong> um<strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. Eles, ao concor<strong>da</strong>rem em participar <strong>da</strong> pesquisa, assinaram


50um termo <strong>de</strong> consentimento informa<strong>do</strong>, permitin<strong>do</strong> a utilização e a divulgação <strong>do</strong>srelatos coleta<strong>do</strong>s por meio <strong>da</strong>s entrevistas, respeitan<strong>do</strong>-se as recomen<strong>da</strong>çõessobre ética em pesquisa (Brasil Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 1997).3.4 COLETA DAS INFORMAÇÕESA consciência <strong>de</strong> si há que <strong>ser</strong> a consciência que o clientetem <strong>de</strong> sua maneira <strong>de</strong> estar no <strong>mun<strong>do</strong></strong> e <strong>de</strong> se posicionarface às situações, consciência que <strong>de</strong>verá po<strong>de</strong>r emergir <strong>da</strong>entrevista fenomenológica por uma compreensão profun<strong>da</strong>(Carvalho, 1987, p.31).O instrumento utiliza<strong>do</strong> para o <strong>de</strong>svelamento <strong>do</strong> fenômeno emestu<strong>do</strong>, sentimentos e vivências em <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>, foi a entrevista <strong>de</strong> basefenomenológica, dialoga<strong>da</strong> e semi-estrutura<strong>da</strong>, na qual foram coleta<strong>da</strong>s asinformações com ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s participantes.De acor<strong>do</strong> com Martins e Bicu<strong>do</strong>, a entrevista é "a únicapossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que se tem <strong>de</strong> obter <strong>da</strong><strong>do</strong>s relevantes sobre o <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>respon<strong>de</strong>nte" (1989, p.54).Busquei uma atitu<strong>de</strong> dialogal, como refere Capalbo, "<strong>de</strong> acolhimentoao outro em suas opiniões, idéias e sentimentos, procuran<strong>do</strong> colocar-se naperspectiva <strong>do</strong> outro para compreen<strong>de</strong>r e ver como o outro se sente ou pensa"(1979, p.35).


51Para Carvalho (1987), a entrevista fenomenológica procuracompreen<strong>de</strong>r o pensamento <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>, penetran<strong>do</strong> em seu <strong>mun<strong>do</strong></strong>, em suapresença e em sua vi<strong>da</strong>, impregnan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s seus gestos e <strong>de</strong> to<strong>da</strong> sua forma <strong>de</strong>relatar suas vivências com relação a sua <strong>do</strong>ença.Em comum acor<strong>do</strong>, entrevista<strong>do</strong>s e pesquisa<strong>do</strong>ra optaram peloregistro <strong>da</strong>s entrevistas por meio <strong>de</strong> gravação. A to<strong>do</strong>s os pacientes foi enfatiza<strong>da</strong>a questão <strong>do</strong> sigilo sobre os assuntos conversa<strong>do</strong>s, pre<strong>ser</strong>van<strong>do</strong> o caráter ético<strong>da</strong>s confidências. As entrevistas grava<strong>da</strong>s, mediante consentimento por escrito <strong>do</strong>spacientes (Anexo B), foram posteriormente transcritas e submeti<strong>da</strong>s à análise,utilizan<strong>do</strong>-se os passos <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> fenomenológico.A entrevista, conforme Assumpção (1977), não é apenas uma meracoleta <strong>de</strong> informações nem apenas uma passiva ob<strong>ser</strong>vação <strong>de</strong> comportamentos,mas é essencialmente um engajamento interpessoal. A partir <strong>de</strong>ste princípio ficaevi<strong>de</strong>nte a interação entre <strong>do</strong>is <strong>ser</strong>es, em que alguém dá algo <strong>de</strong> si e em quealguém procura se expressar, à medi<strong>da</strong> que sente a presença <strong>do</strong> outro. Estainteração po<strong>de</strong> surgir <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expressão verbal e <strong>da</strong> não verbal. O entrevista<strong>do</strong>r<strong>de</strong>verá analisar não só a linguagem verbal, mas também a linguagem não verbal,os ritmos, as entonações, os silêncios.É, pois, na interação entre entrevista<strong>do</strong> e entrevista<strong>do</strong>r que vamos<strong>de</strong>scobrir quanto o entrevista<strong>do</strong> traz suas lembranças <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> passa<strong>da</strong> e <strong>do</strong>momento presente, quanto se põe, ou não, diante <strong>do</strong> outro, e vislumbrar oprocesso <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo entrevista<strong>do</strong>. Desta forma, procurei assumir uma


52atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> empatia, engajan<strong>do</strong>-me com o paciente a ca<strong>da</strong> palavra, ca<strong>da</strong> gesto eca<strong>da</strong> emoção. Minha atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento foi permitin<strong>do</strong> o <strong>de</strong>svelamento <strong>do</strong>fenômeno.Na entrevista fenomenológica não se busca uma linguagem que sejaa soma <strong>de</strong> pensamentos e idéias, mas busca-se uma linguagem que seja a "falaoriginária" (Carvalho, 1987). Para esta psicóloga, compreen<strong>de</strong>r o pensamento <strong>do</strong>cliente, enquanto se entrevista, é também enten<strong>de</strong>r o silêncio que se fazcomunicação e que é discurso e estilo. Este silêncio não é cassação <strong>da</strong> palavra,mas imersão no <strong>ser</strong>. Este silêncio po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> um reapren<strong>de</strong>r a vi<strong>da</strong>.Durante as entrevistas, com duração média <strong>de</strong> uma hora, houvemomentos <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> emoções e momentos <strong>de</strong> silêncio, que permitiram reflexãoprofun<strong>da</strong> sobre o fenômeno. Procurei manter-me em sintonia com os entrevista<strong>do</strong>s,a fim <strong>de</strong> possibilitar comunicação e compreensão, pois "embora, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>escutemos o que uma pessoa diz, também prestamos atenção ao que ela não diz,e <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> escutamos seus gestos, posturas e tom <strong>de</strong> voz" (Keen, 1979,p.29).A coleta <strong>de</strong> <strong>da</strong><strong>do</strong>s foi, então, realiza<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> entrevista <strong>de</strong>cunho fenomenológico como possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> recolher os sentimentos e asvivências <strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>. Ao entrevistá-los, enunciou-se a seguinte questãonortea<strong>do</strong>ra:O que significa para você ter Hanseníase?


533.5 OPÇÃO METODOLÓGICA"O fenomenólogo não procura saber, como faz o lógico. sobquais condições um juízo é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro... o fenomenólogopergunta apenas qual o significa<strong>do</strong>..". (Giles, apud Ribeiro,1991, p.7)A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir sobre os significa<strong>do</strong>s que têm ossentimentos e as vivências <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s com relação a sua <strong>do</strong>ença, levou-mea optar por uma meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> pesquisa qualitativa com abor<strong>da</strong>gemfenomenológica, a fim <strong>de</strong> conduzir-me à compreensão <strong>de</strong>ste fenômeno. ConformeCapalbo, a Fenomenologia é uma ciência eidética que proce<strong>de</strong> por <strong>de</strong>scrição enão por <strong>de</strong>dução. A mesma autora acrescenta que buscamos a essência (ei<strong>do</strong>s):°A visão <strong>da</strong>s essências é uma instituição, isto é, um ato <strong>de</strong> conhecimento direto,sem intermediários, que nos põe em presença, num face-a-face, ao objeto empessoa" (1973, p.14).Deixei to<strong>do</strong> pré-conhecimento e teorias "entre parênteses", ou seja,<strong>de</strong> la<strong>do</strong>, para não haver interferência sobre o fenômeno em estu<strong>do</strong>. Desta forma,o méto<strong>do</strong> fenomenológico permite <strong>de</strong>screver o fenômeno tal qual como ele ocorre,tal qual como o sujeito o experiencia e o vive.Na área médica, a abor<strong>da</strong>gem qualitativa é incipiente e surge a partir<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, senti<strong>da</strong> por alguns profissionais, <strong>de</strong> buscar novas abor<strong>da</strong>genspossibilita<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> contemplar holisticamente o <strong>ser</strong> humano em seus estu<strong>do</strong>s.A<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> uma atitu<strong>de</strong> fenomenológica como pesquisa<strong>do</strong>ra, procurei<strong>de</strong>ixar o fenômeno aparecer com as características que ele se mostrou, isto é,


54<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> que suas essências se manifestassem sem transformar ou alterar a suaoriginali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dentro <strong>de</strong>sta perspectiva fenomenológica, voltei-me <strong>de</strong> formagradual ao fenômeno, aprofun<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-me no seu conhecimento e <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-melevar para aon<strong>de</strong> ele me conduzia.Fui <strong>de</strong>linean<strong>do</strong> o caminho durante a caminha<strong>da</strong> e conviven<strong>do</strong> com ainsegurança própria <strong>de</strong> uma pesquisa que estava aberta para acolher asmodificações que se fizessem necessárias.Escolhi realizar este estu<strong>do</strong> com base na Fenomenologia, pois elavolta-se para a compreensão <strong>do</strong>s fenômenos, tal qual como se apresentam naconsciência <strong>do</strong> <strong>ser</strong>. Com um retorno permanente ao mesmo fenômeno, procura umaprofun<strong>da</strong>mento ca<strong>da</strong> vez maior e <strong>de</strong> forma gradual, porém nunca <strong>de</strong>finitiva, a fim<strong>de</strong> <strong>de</strong>svelar seus significa<strong>do</strong>s para quem os vive. Desta forma, o fenômeno seapresenta tal como ele é.A <strong>de</strong>finiçãopela escolha <strong>de</strong>sse méto<strong>do</strong> ocorreu, apoia<strong>da</strong> emdisciplinas acadêmicas, que freqüentei no Curso <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong>, dirigi<strong>da</strong>s àFenomenologia como ciência e ao seu méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> investigação, acresci<strong>da</strong> <strong>de</strong>estu<strong>do</strong>s e discussões em grupo sobre esta mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisa qualitativa esua relevância para <strong>de</strong>svelar o objeto <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>.A Fenomenologia ensina como conseguir a vivência <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,pela <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> fenômeno por quem a experiência. Para Ribeiro,"a Fenomenologia é possui<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> um dinamismo intelectual, <strong>de</strong> uma riqueza


55admirável..." (1991, p.16). A Fenomenologia <strong>de</strong>seja apenas penetrar na essência,no ei<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s coisas.Moraes (1993) <strong>de</strong>screve a Fenomenologia como um esforço <strong>de</strong>retorno à experiência original, priorizan<strong>do</strong> o <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>da</strong> experiência e <strong>do</strong> irrefleti<strong>do</strong>.Merleau-Ponty afirma <strong>ser</strong> "a Fenomenologia o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s essências,mas é além disso, uma filosofia que re-situa as essências <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> existência..."(1975, p.7)Aliás, como <strong>de</strong>screve o próprio Hus<strong>ser</strong>l (apud Ribeiro, 1991), aFenomenologia como revelação <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> repousa sobre si mesma, ou melhor,fun<strong>da</strong>menta-se em si mesma. Assim, é um diálogo e uma reflexão e, na mesmamedi<strong>da</strong> em que se mantém fiel a uma intenção, ela não saberá jamais para aon<strong>de</strong>vai. A Fenomenologia é inacaba<strong>da</strong>. Crescen<strong>do</strong> na fun<strong>da</strong>mentação, lega<strong>da</strong> por estefenomenólogo, encontramos que a Fenomenologia é uma ciência teórica erigorosa, pois é <strong>do</strong>ta<strong>da</strong> <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mentos absolutos. É uma ciência <strong>da</strong>ssignificações.A Fenomenologia é uma ciência a priori e universal. A priori, porque<strong>de</strong>screve essências e universal, porque se refere a to<strong>da</strong>s as vivências. AFenomenologia não se orienta pelos fatos, mas pela reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> consciência(Ribeiro, 1991).Fazer pesquisa com base na Fenomenologia é um <strong>de</strong>safio, pois"consisteem <strong>de</strong>linear o caminho durante a caminha<strong>da</strong>, em saber conviver com a


56insegurança <strong>de</strong> uma pesquisa aberta, para modificações no próprio curso <strong>de</strong> suarealização" (Moraes, 1993, p.21).Esta constatação soma - se aos motivos <strong>da</strong>minha escolha por este méto<strong>do</strong>.3.6 ANÁLISE UTILIZADA PARA A COMPREENSÃO DOFENÔMENOPara chegar às essências <strong>do</strong> fenômeno em estu<strong>do</strong>, procurei, commuita <strong>de</strong>dicação e rigor científico, analisar as entrevistas, seguin<strong>do</strong> os passos <strong>do</strong>Méto<strong>do</strong> fenomenológico, proposto por Giorgi (1985 e 1997), acresci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> umsexto passo, proposto por Comiotto (1992), <strong>de</strong>scritos a seguir.1º Passo: COLETA DE INFORMAÇÕES VERBAISEsse passo, indica<strong>do</strong> por Giorgi (1997), ao reestu<strong>da</strong>r o méto<strong>do</strong> quepropu<strong>ser</strong>a, anteriormente, refere - se à coleta <strong>da</strong>s informações por meio <strong>de</strong>entrevistas, <strong>de</strong>poimentos ou ambos. Esta etapa já era utiliza<strong>da</strong> por Comiotto(1992). Antece<strong>de</strong>, pois, aos <strong>de</strong>mais passos propostos sucessivamente: o senti<strong>do</strong><strong>do</strong> to<strong>do</strong>, as uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>, a transformação <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>significa<strong>do</strong> e a síntese <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> (Giorgi, 1985).2° Passo: SENTIDO DO TODOApós atranscrição <strong>da</strong>s falas, feita integralmente e com to<strong>da</strong>fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>, grava<strong>da</strong>s em fitas magnéticas, procurei ouvir, diversas vezes, as


57gravações, ao mesmo tempo em que lia as transcrições. Desta forma, fui meimpregnan<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> pelos entrevista<strong>do</strong>s, com o objetivo <strong>de</strong> captar osenti<strong>do</strong> <strong>do</strong> to<strong>do</strong> <strong>da</strong> vivência <strong>do</strong> fenômeno para os <strong>hanseniano</strong>s. Consi<strong>de</strong>rei muitoimportante esta etapa, pois pu<strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar no <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> pelos sujeitos, expressopor suas verbalizações, seus silêncios, seus sentimentos e suas reticências.3° Passo: DISCRIMINAÇÃO DAS UNIDADES DE SIGNIFICADOApós obter o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> to<strong>do</strong>, iniciei a redução fenomenológica, peladiscriminação <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>. Assim, após várias releituras <strong>da</strong>stranscrições, fui dividin<strong>do</strong> o texto em uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>, conforme o conteú<strong>do</strong><strong>da</strong> entrevista fosse mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>.As uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> foram separa<strong>da</strong>s por uma barra (/) enumera<strong>da</strong>s em or<strong>de</strong>m crescente. Desta forma, o texto foi fragmenta<strong>do</strong> para po<strong>de</strong>rcaptar o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s forneci<strong>do</strong>s pelos entrevista<strong>do</strong>s.Para Hennemann,a redução fenomenológica torna as <strong>de</strong>scrições <strong>da</strong>sexperiências consistentes conforme nós as vivemos, poischegamos ao nível <strong>do</strong> fenômeno. Quan<strong>do</strong> estamos presentesno reino <strong>da</strong> experiência, po<strong>de</strong>mos intuir diretamente aestrutura <strong>do</strong> fenômeno mediante a evidência emergi<strong>da</strong> <strong>da</strong>experiência como fenômeno (1990, p.91).Importante salientar que, nessa etapa, a linguagem original, utiliza<strong>da</strong>pelo entrevista<strong>do</strong>, foi manti<strong>da</strong> sem qualquer alteração.


58Essa releitura e i<strong>de</strong>ntificação simultânea <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>auxiliaram na compreensão <strong>da</strong>s transcrições em que o fenômeno foi se<strong>de</strong>svelan<strong>do</strong>.4° Passo: TRANSFORMAÇÃO DAS UNIDADES DE SIGNIFICADOEM LINGUAGEM DO PESQUISADORNessa fase foram feitas as transformações <strong>da</strong> linguagem ingênua <strong>do</strong>ssujeitos em linguagem científica. Desta forma, foi possível penetrar nos aspectosessenciais <strong>do</strong> fenômeno, que se <strong>de</strong>svelava, reescreven<strong>do</strong> as falas com suasestruturas <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>, respeitan<strong>do</strong> o discurso original. Discurso, nestainvestigação, correspon<strong>de</strong> às entrevistas <strong>do</strong>s sujeitos. Conforme Ricouer (1990),refere-se a uma manifestação <strong>da</strong> linguagem pela qual a pessoa se mostra comsignifica<strong>do</strong>s expressos pelo que pensa, sente e <strong>de</strong>seja. Para alcançar esteobjetivo, mantive a transcrição na primeira pessoa, falan<strong>do</strong> como se fosse osujeito.5° Passo: SÍNTESE DAS UNIDADES DE SIGNIFICADONessa etapa, to<strong>da</strong>s as uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> foram sintetiza<strong>da</strong>s emum texto claro e objetivo, procuran<strong>do</strong> atingir as essências <strong>do</strong> fenômeno. Estasessências correspon<strong>de</strong>ram à própria experiência vivi<strong>da</strong> pelos <strong>ser</strong>es <strong>hanseniano</strong>s,evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> o fenômeno como objetivo <strong>de</strong> análise.


59Para Giorgi, "... o conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong> Fenomenologia é constituí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong> experiência, seus significa<strong>do</strong>s para o sujeito e, mais particularmente, aessência <strong>do</strong>s fenômenos" (1985, p.10).Ocorre, como diz Comiotto (1992), uma <strong>de</strong>scrição harmoniosa econsistente que equivale à própria experiência vivi<strong>da</strong> pela pessoa.6° Passo: DIMENSÕES FENOMENOLÓGICASAos cinco passos, propostos por Giorgi (1985 e 1997), acrescentouseum sexto passo, proposto por Comiotto (1992), que são as dimensõesfenomenológicas. Esta pesquisa<strong>do</strong>ra e professora propõe a redução <strong>da</strong> redução,objetivan<strong>do</strong> a apreensão <strong>da</strong>s essências <strong>do</strong> fenômeno. Segun<strong>do</strong> esta autora, é pormeio <strong>da</strong>s dimensões que as essências se <strong>de</strong>svelam, pois elas são partesconstitutivas <strong>da</strong>s essências. Portanto, neste trabalho, elaborei a síntese <strong>de</strong> ca<strong>da</strong>uma <strong>da</strong>s onze entrevistas. A seguir, busquei <strong>de</strong>stacar as essências que foramsurgin<strong>do</strong>, aproximan<strong>do</strong> as várias dimensões <strong>de</strong> um mesmo fenômeno.3.7 NOMINANDO OS PARTICIPANTES DA CAMINHADAOnze <strong>hanseniano</strong>s trilharam este caminho para <strong>de</strong>svelar o fenômenoem estu<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> cinco homens e seis mulheres. Da<strong>do</strong>s referentes ao nomepróprio, à profissão e à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> origem <strong>ser</strong>ão omiti<strong>do</strong>s, perceben<strong>do</strong> a


60importância ética <strong>de</strong> resguar<strong>da</strong>r a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s participantes e por <strong>ser</strong>em<strong>de</strong>snecessárias estas informações ao méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> investigação a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>.A escolha <strong>do</strong>s nomes <strong>do</strong>s participantes, <strong>de</strong>sta caminha<strong>da</strong>, surgiu apartir <strong>da</strong> lembrança <strong>da</strong> Hanseníase como <strong>do</strong>ença bíblica, feita tanto pelosentrevista<strong>do</strong>s como pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em geral.Fazen<strong>do</strong> uma revisão histórica <strong>da</strong> Hanseníase, <strong>de</strong>scobri a existência<strong>de</strong> antigos leprosários e educandários com nomes <strong>de</strong> santos e outros nomesliga<strong>do</strong>s à religião cristã. Estas instituições localizam-se em vários Esta<strong>do</strong>sbrasileiros. Ocorreu-me, então, a idéia <strong>de</strong> retirar as nominações "Santo", "São" e"Santa" e nominar assim os entrevista<strong>do</strong>s, com o objetivo <strong>de</strong> permitir aaproximação com o <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>.Na <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong>s essências e suas dimensões, o número ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>snomes <strong>do</strong>s participantes, escritos entre parênteses, referem-se à i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>sparticipantesJULIÃO: o asilo <strong>de</strong> São Julião localiza-se no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Mato Grosso,a <strong>do</strong>ze quilômetros <strong>de</strong> Campo Gran<strong>de</strong>. Foi inaugura<strong>do</strong> em 5/8/41. 0 entrevista<strong>do</strong>Julião, com 49 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, iniciou com sintomas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença em 1991 e está emacompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1992. Já fez <strong>do</strong>is tratamentos, poisteve recidiva <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Resi<strong>de</strong> em Porto Alegre há trinta anos.ÂNGELO: o asilo <strong>de</strong> Santo Angelo localiza-se no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> SãoPaulo, no município <strong>de</strong> Mogi <strong>da</strong>s Cruzes, a quarenta e seis quilômetros <strong>da</strong> capital.


61O participante Ângelo tem 38 anos e resi<strong>de</strong> em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> distante cerca <strong>de</strong>oitenta quilômetros <strong>de</strong> Porto Alegre. Realizan<strong>do</strong> seu segun<strong>do</strong> tratamento, porrecidiva. Apresenta seqüelas faciais importantes <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e faz surtos repeti<strong>do</strong>s<strong>de</strong> eritema no<strong>do</strong>so. Sintomas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença iniciaram em 1993 e está emacompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.FRANCISCO DE ASSIS: o asilo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Assis localizaseno Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais, a seis quilômetros <strong>de</strong> Bambuí, a oeste <strong>de</strong>steEsta<strong>do</strong>. Construí<strong>do</strong> em 1936. Asilo <strong>de</strong> mesmo nome existe em Natal, no RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte. O entrevista<strong>do</strong> Francisco <strong>de</strong> Assis, com 49 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>,resi<strong>de</strong> em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, cerca <strong>de</strong> cem quilômetros <strong>de</strong> Porto Alegre e já completouseu tratamento. Por comprometimento <strong>de</strong> laringe pela Hanseníase precisou fazertraqueostomia no início <strong>do</strong> tratamento. Os primeiros sintomas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença surgiramem 1993. Em acompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.FÉ: o asilo <strong>de</strong> Santa Fé situa-se a seis quilômetros <strong>de</strong> TrêsCorações, ao sul <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais. A participante Fé, com 66 anos <strong>de</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong>, chegou ao ADS somente após seu mari<strong>do</strong> ter i<strong>do</strong> primeiro conhecer o<strong>ser</strong>viço e conversar a respeito <strong>de</strong> seu problema com a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Filha <strong>de</strong>mãe hanseniana, recor<strong>da</strong>va-se <strong>da</strong> mãe sen<strong>do</strong> "arranca<strong>da</strong>" <strong>de</strong> casa para <strong>ser</strong>interna<strong>da</strong> em um leprosário, por isto, tinha tanto me<strong>do</strong> <strong>de</strong> ir consultar, poispensava que o mesmo aconteceria com ela. Resi<strong>de</strong> em Porto Alegre, mas énatural <strong>de</strong> outro Esta<strong>do</strong> <strong>da</strong> Região Sul <strong>do</strong> Brasil. Apresenta seqüelas físicasimportantes <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, com comprometimento facial e <strong>do</strong>s membros inferiores.


62As primeiras manifestações <strong>da</strong> Hanseníase surgiram em 1995. Emacompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1997.MARTA: o asilo <strong>de</strong> Santa Marta localiza-se no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Goiás, a<strong>do</strong>ze quilômetros <strong>de</strong> Goiânia. A entrevista<strong>da</strong> Marta tem 65 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> e járealizou outros <strong>do</strong>is tratamentos para Hanseníase, fazen<strong>do</strong> atualmente o terceiropor nova recidiva <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Resi<strong>de</strong> em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Gran<strong>de</strong> Porto Alegre,distante vinte quilômetros <strong>da</strong> Capital. Neste terceiro tratamento está apresentan<strong>do</strong>comprometimento <strong>do</strong>s membros inferiores que está atrapalhan<strong>do</strong> sua<strong>de</strong>ambulação. Iniciou com as primeiras manifestações <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença em 1955. Emacompanhamento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1994 no ADS.ANTÔNIO: o asilo <strong>de</strong> Santo Antônio localiza-se no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Maranhão, no bairro <strong>de</strong> Cutim Gran<strong>de</strong> a oito quilômetros <strong>de</strong> São Luiz. Oparticipante Antônio, com 76 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, esteve interna<strong>do</strong> em Itapuã e fugiu,aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> seu primeiro tratamento, pois não suportou os "horrores"vivencia<strong>do</strong>s neste hospital. Após <strong>de</strong>senvolver seqüelas físicas importantes nosmembros inferiores e superiores, retornou para tratamento em nível ambulatorialno ADS. Natural <strong>de</strong> uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> interior distante cerca <strong>de</strong> noventa quilômetros<strong>de</strong> Porto Alegre, resi<strong>de</strong> na Capital. Em acompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1986.MARIA: o educandário <strong>de</strong> Santa Maria localiza-se no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio<strong>de</strong> Janeiro, em Jacarepaguá, a trinta quilômetros <strong>da</strong> capital. A participante Mariatem 62 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, era filha <strong>de</strong> mãe hanseniana, mas viveu com sua famíliaa<strong>do</strong>tiva até início <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença. Embora tivesse indicação <strong>de</strong> tratamento


63ambulatorial, na época pediu para <strong>ser</strong> interna<strong>da</strong> em Itapuã, pois não tinha paraon<strong>de</strong> ir. Natural <strong>de</strong> uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> interior, a 150 quilômetros <strong>de</strong> Porto Alegre,resi<strong>de</strong> na Capital. De um jeito muito especial e único soube viver a Hanseníase,diferente <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais entrevista<strong>do</strong>s. Em acompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1960.ROQUE: o asilo <strong>de</strong> São Roque localiza-se no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Paraná, nomunicípio <strong>de</strong> Piraquara, a vinte e cinco quilômetros <strong>de</strong> Curitiba. O entrevista<strong>do</strong>Roque, com 29 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, está fazen<strong>do</strong> seu segun<strong>do</strong> tratamento por recidiva<strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Resi<strong>de</strong> em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Gran<strong>de</strong> Porto Alegre que dista vintequilômetros <strong>da</strong> Capital. Apresenta alterações corporais pela <strong>do</strong>ença e faz surtos <strong>de</strong>eritema no<strong>do</strong>so. Em acompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1995.TEREZA: o asilo <strong>de</strong> Santa Tereza localiza-se no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> SantaCatarina, no município <strong>de</strong> São José, a vinte e quatro quilômetros <strong>de</strong> Florianópolis.Inaugura<strong>do</strong> em 11/3/40. A participante Tereza tem 50 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, é natural <strong>de</strong>outro Esta<strong>do</strong> <strong>da</strong> Região Sul <strong>do</strong> País e resi<strong>de</strong> em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Gran<strong>de</strong> PortoAlegre, distante vinte quilômetros <strong>da</strong> Capital. Fazen<strong>do</strong> seu segun<strong>do</strong> tratamento porrecidiva <strong>da</strong> Hanseníase, até hoje seu mari<strong>do</strong> e filhos não sabem que temHanseníase. Manifestações <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença surgiram em 1964. Em acompanhamentono ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1982.IZABEL: o asilo <strong>de</strong> Santa Izabel localiza-se em Minas Gerais, nomunicípio <strong>de</strong> Santa Quitéria, a quarenta e oito quilômetros <strong>de</strong> Belo Horizonte. Aentrevista<strong>da</strong> Izabel tem 48 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> e resi<strong>de</strong> em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Gran<strong>de</strong>


64Porto Alegre, cerca <strong>de</strong> vinte quilômetros <strong>da</strong> Capital. Primeiras manifestações <strong>da</strong><strong>do</strong>ença há 23 anos. Em acompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1998.CLARA: não há relatos <strong>de</strong> asilos ou educandários com o nome <strong>de</strong>Santa Clara, mas como esta paciente solicitou <strong>ser</strong> entrevista<strong>da</strong> e muito contribuiupara "clarear" e <strong>de</strong>svelar o fenômeno em estu<strong>do</strong>, resolvi chamá-la assim. Aparticipante Clara, com 22 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, é natural <strong>de</strong> uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> interior,distante cerca <strong>de</strong> trezentos e quarenta quilômetros <strong>de</strong> Porto Alegre e resi<strong>de</strong> naCapital gaúcha há <strong>do</strong>is anos. Manifestações <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença surgiram em 1984. Emacompanhamento no ADS <strong>de</strong>s<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998. Apesar <strong>de</strong> jovem, apresentagraves seqüelas físicas nas mãos e nos pés.


4 DESVELANDO OS SIGNIFICADOS: ESSÊNCIASFENOMENOLÓGICAS E SUAS DIMENSÕESChegar às essências é igualmente atingir o <strong>mun<strong>do</strong></strong> como está"aí" antes <strong>da</strong> reflexão (Paviani, 1990, p.28).Chegar às essências fenomenológicas e suas dimensões foi umcaminho <strong>de</strong> reflexão e muito aprendiza<strong>do</strong>, no qual procurei apreen<strong>de</strong>r ossignifica<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>s pelos pacientes ao fenômeno "ter Hanseníase". Destaforma, após a realização <strong>da</strong>s entrevistas e <strong>da</strong> sua análise, emergiram as seguintesessências fenomenológicas e suas dimensões constitutivas:4.1 A difícil trajetória <strong>do</strong> diagnóstico preciso ao início <strong>do</strong>tratamento correto4.1.1 A Hanseníase como <strong>do</strong>ença bíblica: <strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong>Hanseníase como <strong>do</strong>ença atual4.1.2 Do impacto <strong>do</strong> diagnóstico confirma<strong>do</strong> ao assumir-se como<strong>hanseniano</strong>


664.1.3 A procura <strong>de</strong> recursos médicos: <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>saté o início <strong>do</strong> tratamento atual4.2 Ser (humano) <strong>hanseniano</strong>: sentimentos como característicaessencial4.2.1 O que significa ter Hanseníase4.2.2 Sentimentos dicotômicos emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta vivência4.3 Sobre o intrapessoal: a relação mais ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira comigomesmo4.3.1 Conviven<strong>do</strong> com o preconceito e a discriminação4.3.2 Conviven<strong>do</strong> com as sequelas físicas4.3.3 Reencontran<strong>do</strong>-se: <strong>da</strong> per<strong>da</strong> ao resgate <strong>da</strong> auto-estima4.4 Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, preconceito e discriminação4.4.1 Família: <strong>do</strong> apoio ao rechaço4.4.2 Amigos: <strong>do</strong> apoio <strong>de</strong> alguns ao aban<strong>do</strong>no <strong>da</strong> maioria4.5 O corpo como espelho <strong>do</strong> estigma4.5.1 Sobre a ocultação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> corpo: contar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ouocultar a Hanseníase?4.5.2 Auto-segregação <strong>do</strong> corpo4.6 Sobre as equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>4.6.1 A percepção sobre os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>4.6.2 O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> como <strong>ser</strong> trata<strong>do</strong>


674.7 Educação para a saú<strong>de</strong> em Hanseníase4.7.1 Sobre o <strong>do</strong>ente e sua <strong>do</strong>ença: o compartilhar <strong>de</strong> informações4.7.2 Incentivan<strong>do</strong> o autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>4.7.3 A convivência com o <strong>hanseniano</strong>: orientação aos familiares e àcomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>4.1 A DIFÍCIL TRAJETÓRIA DO DIAGNÓSTICO PRECISO AOINÍCIO DO TRATAMENTO CORRETOA Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença conheci<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios <strong>da</strong>humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. Encontramos na Bíblia Sagra<strong>da</strong> passagens sobre esta moléstia enarrações sobre o "tratamento social" <strong>da</strong><strong>do</strong> ao leproso <strong>da</strong>quela época.Na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, entretanto, continua sen<strong>do</strong> lembra<strong>da</strong> como uma<strong>do</strong>ença bíblica, pois gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em geral e <strong>do</strong>s profissionais <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecem sua existência. Este <strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong> Hanseníase como<strong>do</strong>ença atual e a falta <strong>de</strong> informação sobre seu contágio e suas manifestaçõesclínicas contribuem para seu diagnóstico tardio, início <strong>do</strong> tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>após muito tempo <strong>da</strong>s primeiras manifestações clínicas e conseqüente instalação<strong>de</strong> <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas.


684.1.1 A Hanseníase como Doença Bíblica: Desconhecimento <strong>da</strong>Hanseniase como Doença AtualQuan<strong>do</strong> um homem for atingi<strong>do</strong> pela lepra, <strong>ser</strong>á conduzi<strong>do</strong>ao sacer<strong>do</strong>te que o examinará. Se houver na sua pele umtumor branco... é lepra invetera<strong>da</strong> na pele <strong>de</strong> seu corpo: osacer<strong>do</strong>te o <strong>de</strong>clarará impuro... (Levìtico, I 3 :9-11)A lembrança <strong>da</strong> Hanseníase como <strong>do</strong>ença bíblica é forte, uma vezque as passagens conti<strong>da</strong>s na Bíblia Sagra<strong>da</strong> são marcantes e, por que nãodizer, atemorizantes. Há relatos <strong>da</strong> discriminação aos leprosos que vagavamcarregan<strong>do</strong> uma sineta para avisar sobre sua chega<strong>da</strong>. Ao ouvir o barulho <strong>da</strong>sineta a população se afastava <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes.Existem outros textos, ain<strong>da</strong>, falan<strong>do</strong> sobre purificação e cura <strong>de</strong>leprosos, reis atingi<strong>do</strong>s pela lepra como castigo por atos pratica<strong>do</strong>s que feriam aDeus, leis a respeito <strong>da</strong> lepra, isolamento <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes e o que fazer quan<strong>do</strong> elaatingia as casas e as vestes. São narrações ricas em <strong>de</strong>talhes.Corroboran<strong>do</strong> a afirmação supracita<strong>da</strong>, lembro uma passagem <strong>do</strong>LIVRO DAS CRÔNICAS (cap.26, versículo 21), em que a lepra foi envia<strong>da</strong> ao reipor atos impuros que ele havia pratica<strong>do</strong> no Templo <strong>do</strong> Senhor: "O rei Ozias ficouleproso até a morte. Como tal viveu numa casa isola<strong>da</strong>. Estava excluí<strong>do</strong> <strong>da</strong> casa<strong>do</strong> Senhor..."Em Mateus (cap.10, versículo 8), encontramos sobre a escolha <strong>do</strong>s<strong>do</strong>ze apóstolos e sobre a missão que <strong>de</strong>veriam cumprir: "Curai os <strong>do</strong>entes,ressuscitai os mortos, purificai os leprosos ..."


69Em meu atendimento diário aos <strong>hanseniano</strong>s, no Ambulatório <strong>de</strong>Dermatologia Sanitária, ob<strong>ser</strong>vo a lembrança bíblica <strong>da</strong> Hanseníase, trazi<strong>da</strong> pelospróprios <strong>do</strong>entes.Antônio (76) vivenciou essa colocação e diz:Quan<strong>do</strong> se falava <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, as primeiras idéias quevinham eram aquelas conti<strong>da</strong>s na Bíblia. Eramver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras barbari<strong>da</strong><strong>de</strong>s sobre a lepra e sobre otratamento preconceituoso <strong>da</strong><strong>do</strong> aos leprosos.Situação semelhante apareceu na fala <strong>de</strong> Julião (49): "Eu até nemgosto <strong>de</strong> falar o nome <strong>de</strong>ssa <strong>do</strong>ença, pois lembro-me <strong>de</strong> passagens <strong>da</strong> Bíbliaem que os <strong>do</strong>entes tinham <strong>de</strong> sair à rua, dizen<strong>do</strong> <strong>ser</strong>em leprosos".Tereza (50) lembra <strong>do</strong> <strong>ser</strong>mão proferi<strong>do</strong>, recentemente, em umamissa, <strong>da</strong> qual ela e a mãe participavam, e <strong>da</strong> correlação feita entre a <strong>do</strong>ença e aBíblia: "Faz uns quinze dias, eu e minha mãe estávamos na missa e o <strong>ser</strong>mão<strong>do</strong> padre foi sobre Hanseníase. Ele primeiro comentou sobre as passagensbíblicas referentes à lepra e <strong>de</strong>pois falou sobre o nome <strong>de</strong>sta moléstia naatuali<strong>da</strong><strong>de</strong>."E continua, dizen<strong>do</strong>:Enquanto o padre ia falan<strong>do</strong> eu me lembrava <strong>de</strong> filmessobre a lepra e sobre o tratamento <strong>da</strong><strong>do</strong> aos leprosos nopassa<strong>do</strong>. As pessoas ficavam isola<strong>da</strong>s <strong>de</strong> suas famílias eficavam aban<strong>do</strong>na<strong>da</strong>s até morrer, pois não existiatratamento eficaz. Pe<strong>da</strong>ços <strong>do</strong> corpo iam cain<strong>do</strong> e os<strong>do</strong>entes ficavam mutila<strong>do</strong>s. A comi<strong>da</strong> era aban<strong>do</strong>na<strong>da</strong> emum local para <strong>de</strong>pois os <strong>do</strong>entes buscarem. Era horrível!


70Percebi, na fala <strong>de</strong> Tereza (50), como é forte a lembrança <strong>da</strong>Hanseníase como uma <strong>do</strong>ença bíblica e <strong>de</strong> antigamente, levan<strong>do</strong> ao seuesquecimento como <strong>do</strong>ença <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. É freqüente para mim, não só na minhaprática médica, mas também nas reuniões com colegas, ouvir comentários <strong>de</strong>filmes antigos sobre a Hanseníase e lembranças <strong>de</strong>sta moléstia como <strong>do</strong>ença <strong>do</strong>passa<strong>do</strong>.Nesse senti<strong>do</strong>, Izabel (48) comenta:Meu rosto ficava incha<strong>do</strong>, <strong>de</strong>scarnan<strong>do</strong> e vertia água. Eufalava para o meu companheiro que eu parecia uma leprosa,mas não imaginava que eu po<strong>de</strong>ria realmente ter esta<strong>do</strong>ença. Eu dizia isto, brincan<strong>do</strong>, pois para mim lepra eracoisa <strong>de</strong> antigamente e eu s6 conhecia <strong>de</strong> filmes antigos.Conforme Oliveira e Romanelli (1998), acrescenta-se a essepensamento, <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>sconhecimento que continua envolven<strong>do</strong>a <strong>do</strong>ença, bem como a escassez <strong>de</strong> informações a respeito <strong>da</strong> Hanseníase.Clara (22) também se refere à Hanseníase como <strong>do</strong>ença bíblica efala: "Esta <strong>do</strong>ença é lembra<strong>da</strong> como nos tempos <strong>da</strong> Bíblia, em que porinexistência <strong>de</strong> tratamento os <strong>do</strong>entes ficavam sem pe<strong>da</strong>ços <strong>de</strong> seuscorpos".A Hanseníase, porém, continua sen<strong>do</strong> <strong>do</strong>ença <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, tantoque o Brasil ocupa o incômo<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> lugar mundial em prevalência <strong>de</strong> casos <strong>da</strong>Hanseníase. No Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, conforme <strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong> Secretaria Estadual <strong>da</strong>


71Saú<strong>de</strong> (1999), a Hanseníase encontra-se elimina<strong>da</strong> como problema <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>Pública, ou seja, há menos <strong>de</strong> um <strong>do</strong>ente para ca<strong>da</strong> <strong>de</strong>z mil habitantes.Entretanto, eliminação não significa erradicação e, porconseguinte, a Hanseníase ain<strong>da</strong> existe em nosso Esta<strong>do</strong>, mas não élembra<strong>da</strong>. Este ostracismo a que a Hanseníase foi remeti<strong>da</strong> po<strong>de</strong> levar ao<strong>de</strong>sconhecimento e à <strong>de</strong>sinformação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença por parte <strong>do</strong>s profissionais <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> leiga, até porque as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s sanitárias <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong>investir em campanhas <strong>de</strong> esclarecimento e prevenção. Este aspecto <strong>do</strong><strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> Hanseníase esteve presente em algumasentrevistas.No discurso <strong>de</strong> Ângelo (38), torna-se evi<strong>de</strong>nte o <strong>de</strong>sconhecimento<strong>da</strong> existência <strong>de</strong>ssa moléstia: "Antes <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ecer, no ano <strong>de</strong> 1991, nós nãoconhecíamos nem sabíamos o que era a Hanseníase."Antônio (76) também abor<strong>da</strong> esta questão <strong>de</strong> não conhecer aHanseníase ou pessoas <strong>do</strong>entes: "Fui cria<strong>do</strong> no interior <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sule jamais conheci alguém <strong>do</strong>ente, fossem amigos ou familiares."Feliciano e Kovacs (1996) constataram que os pacientes, além <strong>de</strong><strong>de</strong>sconhecerem a Hanseníase, tinham informações incorretas sobre a <strong>do</strong>ença.Para estas autoras, a falta <strong>de</strong> informações sobre a Hanseníase levou os pacientesa a<strong>do</strong>tarem medi<strong>da</strong>s ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s para conter o avanço <strong>da</strong> moléstia.


72Segun<strong>do</strong> Vlassoff, Khot e Rao (1996), um <strong>do</strong>s maiores obstáculos aotratamento <strong>da</strong> Hanseníase é a falta <strong>de</strong> conhecimento <strong>do</strong>s sinais <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Essa falta <strong>de</strong> informações sobre as manifestações clínicas <strong>da</strong>Hanseníase foi vivencia<strong>da</strong> por Izabel (48): "Do púbis até o umbigo eu perdito<strong>do</strong>s os pelos. Eu <strong>de</strong>veria saber que era <strong>da</strong> Hanseníase, mas não associei aque<strong>da</strong> <strong>do</strong>s pêlos com a <strong>do</strong>ença. Achei que fosse por estar entran<strong>do</strong>,precocemente, na menopausa ou por estar envelhecen<strong>do</strong>."Percebi, também, na fala <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, a presença <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>s efalta <strong>de</strong> informações corretas a respeito <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> Hanseníase, seucontágio e sua disseminação.Antônio (76) <strong>de</strong>ixa transparecer a <strong>de</strong>sinformação sobre a forma comopo<strong>de</strong>ria ter-se <strong>da</strong><strong>do</strong> a contaminação. Achava ele que po<strong>de</strong>ria <strong>ser</strong> pela relaçãosexual: "Não sei como fui pegar essa <strong>do</strong>ença. Nunca havia feito sexo comoutras mulheres, pois só conhecia a minha primeira esposa, naquela época."Francisco <strong>de</strong> Assis (48) tinha outra idéia a respeito: "Achava quepo<strong>de</strong>ria ter pega<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma árvore, pois sei <strong>de</strong> várias pessoas com coceiraapós terem se encosta<strong>do</strong> na aroeira".Situação semelhante <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinformação sobre a transmissão <strong>da</strong><strong>do</strong>ença vivenciou Marta (65): "Cheguei a <strong>de</strong>sconfiar <strong>da</strong> água <strong>de</strong> cisternas quebebíamos, mas eu nunca soube <strong>de</strong> on<strong>de</strong> veio isso".


73Brand, ao abor<strong>da</strong>r sobre esse assunto, refere: “Precisamos sabermais sobre a transmissão <strong>da</strong> Hanseníase" (1993, p.21).Rodrigues et aI. (1993) fazem uma revisão sobre algumas dúvi<strong>da</strong>s ecrenças <strong>de</strong> pacientes sobre prováveis fontes <strong>de</strong> infecção pelo M. Ieprae. Estesautores comentam que gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> <strong>hanseniano</strong>s admitem a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> que o uso <strong>da</strong> carne <strong>de</strong> tatu na sua alimentação possa <strong>ser</strong> meio <strong>de</strong> transmissão<strong>da</strong> Hanseníase, fato este não comprova<strong>do</strong> até o momento.Segun<strong>do</strong> Talhari (1994), admite-se que a transmissão <strong>da</strong> Hanseníaseseja através <strong>do</strong> contato íntimo e prolonga<strong>do</strong> com <strong>do</strong>entes bacilíferos não trata<strong>do</strong>s,ou seja, a transmissão se faz a partir <strong>de</strong> outras pessoas que tenham a <strong>do</strong>ença nasformas contagiantes.Para Feliciano e Kovacs (1997), torna-se evi<strong>de</strong>nte a escassez <strong>de</strong>informações sobre a transmissão <strong>da</strong> Hanseníase, pois a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>sporta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Hanseníase não sabe como a <strong>do</strong>ença é adquiri<strong>da</strong>. Tal fato facilita apropagação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e a instalação ou agravamento <strong>da</strong>s suas conseqüênciasfísicas e sociais.


744.1.2 Do Impacto <strong>do</strong> Diagnóstico Confirma<strong>do</strong> ao Assumir-secomo HansenianoPercebi, pela fala <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, como o <strong>de</strong>sconhecimento e afalta <strong>de</strong> informações sobre a Hanseníase contribuem para o diagnóstico tardio<strong>de</strong>sta moléstia. Pu<strong>de</strong> perceber, ain<strong>da</strong>, que o <strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong> provável fonte<strong>de</strong> contágio, também contribui para esta dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> diagnóstica.Dentre os entrevista<strong>do</strong>s, apenas duas pacientes conheciam outraspessoas com Hanseníase no seu convívio diário. Elas eram filhas <strong>de</strong> mãeshansenianas e a partir <strong>de</strong>las contraíram a <strong>do</strong>ença. Os <strong>de</strong>mais não sabiam ou nãotinham certeza <strong>de</strong> quem po<strong>de</strong>riam ter contraí<strong>do</strong> a moléstia.Em estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> por Oliveira e Romanelli (1998), a maioria <strong>do</strong>sporta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Hanseníase <strong>de</strong>sconhecia o foco inicial <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença. Entreaqueles que conheciam a fonte <strong>de</strong> contágio, os familiares consangüíneos (pai,mãe, avós e tios) foram aponta<strong>do</strong>s como transmissores <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Percebe-se na fala <strong>de</strong> Fé (66), que ela sabia <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>contágio por sua mãe, tanto que ela e seus familiares foram examina<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong><strong>do</strong> início <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença materna: "Durante minha a<strong>do</strong>lescência, minha mãe esteveinterna<strong>da</strong> em um leprosário... por <strong>do</strong>is anos. No perío<strong>do</strong> em que esteveinterna<strong>da</strong> to<strong>da</strong> a nossa família foi examina<strong>da</strong> ..."Maria (62)também passou por experiência semelhante. Viven<strong>do</strong> comsua família a<strong>do</strong>tiva, ela sabia <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> haver si<strong>do</strong> contamina<strong>da</strong> pela


75mãe biológica e recor<strong>da</strong>-se <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> foi examina<strong>da</strong> pela primeira vez. Ela nos diz:... chega a noticia <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença <strong>da</strong> minha mile biológica, elaestava com Hanseníase. Fui leva<strong>da</strong> a uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> vizinhapara exames e constataram que eu não tinha na<strong>da</strong>, mas apreocupação passou a existir.., O contágio foi através <strong>da</strong>minha mile legítima...Nogueira (1996) refere que to<strong>da</strong>s as pessoas resi<strong>de</strong>ntes no mesmo<strong>do</strong>micilio <strong>de</strong> um <strong>do</strong>ente são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como sen<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> risco paraa<strong>do</strong>ecer, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> <strong>ser</strong> submeti<strong>do</strong>s a um exame <strong>de</strong>rmato-neurológico e manti<strong>do</strong>s emvigilância por um perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre <strong>do</strong>is e cinco anos, por causa <strong>do</strong>longo perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> incubação <strong>do</strong> bacilo <strong>de</strong> Hansen.Situação <strong>de</strong> incerteza, quanto a sua provável fonte <strong>de</strong> contágio,vivenciou Tereza (50). Ela nos fala:Ate hoje eu não tenho certeza como peguei Hanseníase.Meus pais nunca tiveram nenhuma <strong>do</strong>ença, mas minha mile<strong>de</strong>sconfia <strong>de</strong> uma amiga <strong>da</strong> familia, com lesões <strong>de</strong> pele, ques6 recentemente soubemos tratar-se <strong>de</strong> Hanseníase. Eu eramuito apega<strong>da</strong> a ela e ficava muito tempo em sua casa. Meuprovável contágio ocorreu quan<strong>do</strong> eu tinha sete ou oito anos eain<strong>da</strong> morávamos em outro Esta<strong>do</strong> <strong>da</strong> Regi<strong>do</strong> Sul.To<strong>da</strong>via, conforme minha prática diária no atendimento aos pacientes,a gran<strong>de</strong> maioria não <strong>de</strong>scobre a fonte <strong>de</strong> contágio <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Percebi isto nodiscurso <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais <strong>do</strong>entes<strong>do</strong>ença".Julião (49) refere : " Eu nunca <strong>de</strong>scobri como peguei essa


76esta <strong>do</strong>ença...Francisco <strong>de</strong> Assis (48) <strong>de</strong>sabafa: "Eu nunca <strong>de</strong>scobri <strong>de</strong> on<strong>de</strong> veiona ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, eu não sei <strong>de</strong> quem peguei Hanseníase..."Também percebe - se na fala <strong>de</strong> Antônio (76) o mesmo<strong>de</strong>sconhecimento sobre seu contágio: "Nunca <strong>de</strong>scobri <strong>de</strong> quem pegueiHanseníase."Marta (65) manifesta-se com a mesma expressão antes cita<strong>da</strong>e ain<strong>da</strong> acrescenta: "Na minha familia não havia casos e na lista que meapresentaram <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> eu não conhecia ninguém."Roque (29), ao falar sobre essa vivência, expressa-se <strong>de</strong> formamuito clara: "Nunca <strong>de</strong>scobri como ou <strong>de</strong> quem peguei essa <strong>do</strong>ença".lzabel (48) também expressou seu d esconhecimento sobre a fonte<strong>de</strong> contágio:Nunca <strong>de</strong>scobri como peguei Hanseníase. Ate os<strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> morei em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> interior<strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul e <strong>de</strong>pois vim para o local aon<strong>de</strong>moro ate hoje, na gran<strong>de</strong> Porto Alegre. Eu me recor<strong>do</strong> <strong>de</strong>ter contato, nestas duas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, com pessoas porta<strong>do</strong>ras<strong>de</strong> <strong>do</strong>enças <strong>de</strong> pele, mas <strong>de</strong>sconheço que fosseHanseníase. Elas tinham lesões <strong>de</strong> pele diferentes <strong>da</strong>sminhas e me diziam <strong>ser</strong> por causas alérgicas ecirculatórias.Clara (22) fala sobre a incerteza <strong>de</strong> sua fonte <strong>de</strong> contágio:Investigamos na familia e não <strong>de</strong>scobrimos nenhum caso.Havia uma tia paterna com lesões <strong>de</strong> pele, mas<strong>de</strong>scobrimos não <strong>ser</strong> Hanseníase. Do la<strong>do</strong> materno, nãopu<strong>de</strong>mos seguir investigan<strong>do</strong>, pois como minha avó per<strong>de</strong>uos pais muito pequena ela foi cria<strong>da</strong> por outras pessoas enão tivemos como localizar familiares <strong>de</strong> geraçõesanteriores... A hipótese mais provável <strong>de</strong> contágio, no


77meu caso, foi <strong>de</strong> contaminação intra-uterina... Mas istonunca foi confirma<strong>do</strong>.Outro aspecto, abor<strong>da</strong><strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s, foi sobre aevolução insidiosa <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, contribuin<strong>do</strong> para seu diagnóstico tardio. Sabe-se<strong>ser</strong> a Hanseníase uma <strong>do</strong>ença com perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> incubação bastante longo, emmédia, <strong>do</strong>is a cinco anos. Por vezes, as primeiras manifestações <strong>da</strong> <strong>do</strong>ençaocorrem até <strong>de</strong>z ou quinze anos após o contágio inicial.Talhari (1994) refere <strong>ser</strong> o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> incubação <strong>da</strong> Hanseníaseestima<strong>do</strong> entre três e sete anos. Porém, conforme este autor, existem casos emque o tempo <strong>de</strong> incubação é inferior ou ultrapassa este perío<strong>do</strong>.Feliciano e Kovacs (1996) comentam, em seu trabalho, a questão <strong>do</strong>inicio <strong>do</strong>s sintomas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença anos antes <strong>de</strong> <strong>ser</strong> feito o diagnóstico <strong>da</strong>Hanseníase.Para Ferreira (1999), algumas <strong>da</strong>s características <strong>da</strong> Hanseníase,tais como seu inicio oligossintomático, fazem com que muitos casos <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong><strong>ser</strong> diagnostica<strong>do</strong>s ou somente o sejam após anos <strong>de</strong> atraso.Sobre isso nos fala Roque (29):Há muito tempo atrás, quase <strong>de</strong>z anos, iniciaram umaspequenas feri<strong>da</strong>s nas pernas e nos pés, mas eu não <strong>de</strong>iatenção, pois elas não me incomo<strong>da</strong>vam... Estas lesões,inicialmente, discretas e in<strong>do</strong>lores, foram se agravan<strong>do</strong>.Aumentaram em número e ficaram mais profun<strong>da</strong>s e<strong>do</strong>lori<strong>da</strong>s. Fazia os curativos nestas úlceras, mas elasnão cicatrizavam.


78Para Maria (62), o tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong> entre a noticia <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença <strong>da</strong> mãebiológica e o inicio <strong>do</strong>s sintomas <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença foram <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> cinco ou seisanos. Ela conta:... a <strong>do</strong>ença estava a<strong>do</strong>rmeci<strong>da</strong> em mim. Após a morte <strong>do</strong>meu avô, minhas <strong>de</strong>fesas imunológicas diminuíram esurgiram as primeiras manifestações: os pis ficarame<strong>de</strong>macia<strong>do</strong>s e as sobrancelhas caíram. Voltei a fazer osmimes e o diagnóstico foi confirma<strong>do</strong> através <strong>da</strong> biópsia<strong>de</strong> pele feita na minha perna.i<strong>da</strong><strong>de</strong>, relata:Tereza (50), cujo provável contágio ocorreu aos sete ou oito anos <strong>de</strong>... os primeiros sintomas <strong>da</strong> Hanseníase só semanifestaram quan<strong>do</strong> eu tinha quinze anos. Os pêlos <strong>do</strong>scílios, <strong>da</strong>s sobrancelhas, <strong>do</strong>s bravos e <strong>da</strong>s pernas foramcain<strong>do</strong> lentamente Neste mesmo perío<strong>do</strong>, eu tive tifo efiquei hospitaliza<strong>da</strong> muito mal. Dis<strong>ser</strong>am-me que a que<strong>da</strong><strong>do</strong>s pelos era por causa <strong>da</strong> febre alta <strong>do</strong> tifo, mas imaginoque já era o início <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Clara (22) relata comentários <strong>de</strong> sua avó sobre o inicio <strong>de</strong> seusprimeiros sintomas: "Conforme minha avó, as primeiras manifestaçõesclinicas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença teriam surgi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> eu tinha três meses <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.Inicialmente, apresentava uma mancha avermelha<strong>da</strong> no peito e após a pelecomeçou a <strong>de</strong>scarnar".E prossegue falan<strong>do</strong> "Eu me recor<strong>do</strong> <strong>de</strong> haver inicia<strong>do</strong> comproblemas a partir <strong>do</strong>s sete anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> machuquei meu pé comum prego e não senti... Desenvolvi uma infecção muito feia e quase perdimeu pé".


79E comenta sobre o momento <strong>do</strong> diagnóstico: "Somente um anoapós esse episódio fui receber o diagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase. Isto foi em1984".Francisco <strong>de</strong> Assis (48), que iniciou com os primeiros sintomasquatro anos antes <strong>do</strong> diagnóstico, também relata em sua entrevista este aspecto:Os primeiros sinais <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença foram umas manchinhasvermelhas na pele, que nunca me incomo<strong>da</strong>ram, e <strong>do</strong>resarticulares leves. Mais tar<strong>de</strong>, comecei a ter falta <strong>de</strong> ar,que foi pioran<strong>do</strong>, progressivamente. Não conseguiaalmoçar e nem <strong>do</strong>rmir direito... Esta dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>respiratória obrigou-me a aceitar a colocação <strong>de</strong> umatraqueostomia...Antônio (76) também relata:Eu não sei em qual ano realmente a<strong>do</strong>eci, pois quan<strong>do</strong>fui a primeira consulta, em 1950, os médicos meinformaram que eu po<strong>de</strong>ria estar <strong>do</strong>ente, muitos anosantes, mesmo sem ter percebi<strong>do</strong>. No inicio eu tinhaapenas uma pequena mancha azula<strong>da</strong> na coxa esquer<strong>da</strong>próximo ao joelho.Desvela-se, na fala <strong>de</strong>sses entrevista<strong>do</strong>s, outro aspecto <strong>da</strong>Hanseníase, o <strong>de</strong> que ela po<strong>de</strong> estar se manifestan<strong>do</strong> anos antes <strong>do</strong> pacientesentir os sintomas, ou seja, ela evolui, silenciosamente, sem incomo<strong>da</strong>r o<strong>hanseniano</strong>.Brand (1993) enfatiza que, na ausência <strong>de</strong> <strong>do</strong>r, os pacientesfreqüentemente <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ir ao médico e <strong>de</strong> relatar seus problemas, sen<strong>do</strong>necessário treinar pessoal <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> para <strong>de</strong>tectar os sintomasrelaciona<strong>do</strong>s à Hanseníase.


80Se, algumas vezes, a Hanseníase <strong>de</strong>senvolve-se semmanifestações ou incômo<strong>do</strong>s para o <strong>do</strong>ente, outras, po<strong>de</strong> iniciar sob a forma <strong>de</strong>reação, com e<strong>de</strong>ma importante <strong>da</strong>s mks, braços, pernas, pés e face,acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>do</strong>r importante, nódulos e neurites. Sao os chama<strong>do</strong>s surtosreacionais. Conforme Vieira et al. (1993), sintomas sistêmicos, tais como febre,mal-estar e artralgia acompanham com freqüência os surtos reacionais,comprometen<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> geral <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente.No <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Julião (49), que teve neurites <strong>de</strong> repetição esurtos <strong>de</strong> eritema no<strong>do</strong>so hansênico, este aspecto está presente:Eu trabalhava em obras, como pedreiro, e entãosurgiram as <strong>do</strong>res nas pernas e nos pés, o e<strong>de</strong>ma nostornozelos, as cãibras, as <strong>do</strong>rmencias e osformigamentos nestes locais. Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>scansava, umpouco, a <strong>do</strong>r aliviava, acalmava. Depois <strong>de</strong> um ano foiinicia<strong>do</strong> o tratamento...Ângelo (38), também acometi<strong>do</strong> por eritema no<strong>do</strong>so hansênico, diz:Eu sentia muitas <strong>do</strong>res nas pernas, até hoje ain<strong>da</strong> sinto,e os meus pés ficavam incha<strong>do</strong>s. Para um homem gritaré difícil, mas houve tempos que eu gritava, dia e noite,<strong>de</strong> <strong>do</strong>r. Eu <strong>do</strong>rmia no máximo uma hora por dia nestaépoca. Não comia quase na<strong>da</strong> e não chegava a pesartrinta quilos, pois não tinha condições <strong>de</strong> me alimentar.Até eu ficava admira<strong>do</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> no qual meencontrava. Foram <strong>do</strong>is anos neste sofrimento.Como to<strong>do</strong>s esses sintomas são comuns a várias patologiasclinicas, ou seja, não são patognomônicas <strong>da</strong> Hanseníase, mesmo na presença<strong>de</strong> surtos reacionais, o diagnóstico <strong>de</strong>sta enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> passar <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong>.


81Este aspecto esteve presente em algumas <strong>da</strong>s entrevistas, pois alguns <strong>do</strong>entesreceberam outros diagnósticos, antes <strong>de</strong> saberem ter Hanseníase.Para Marta, hoje com sessenta e cinco anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, o primeirodiagnóstico <strong>da</strong><strong>do</strong> foi <strong>de</strong> alergia. Ela nos conta: "Eu tinha vinte anos quan<strong>do</strong>surgiram os primeiros nódulos. O primeiro médico consulta<strong>do</strong> informoutratar-se <strong>de</strong> alergia..."Para Fé (66), o primeiro diagnóstico <strong>da</strong><strong>do</strong> foi o <strong>de</strong> varizes, pois tinhaúlceras nas pernas. Ela nos conta:Uma vez, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> aon<strong>de</strong> meu filho e minha noramoram, eu me queimei, fiz bolha no local e não <strong>ser</strong>aComecei achar que havia algo <strong>de</strong> anormal comigo e a<strong>de</strong>sconfiar, pois, ás vezes, eu me queimava no forno enão sentia na<strong>da</strong>... Consultei, pela primeira vez, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>les... Foi inicia<strong>do</strong> tratamento para varizes...No <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Izabel (48), também fica níti<strong>da</strong> a questão <strong>do</strong>diagnóstico tardio <strong>da</strong> Hanseníase, seja por <strong>de</strong>sconhecimento e <strong>de</strong>sinformaçãosobre a <strong>do</strong>ença, seja pela evolução arrasta<strong>da</strong> <strong>da</strong> moléstia:Comecei a ter problemas <strong>de</strong> pele há vinte e três anos,quan<strong>do</strong> nasceu meu último filho... Foram quase <strong>do</strong>isanos para <strong>de</strong>scobrir o que eu realmente tinha. ...eusempre esperava passar a fase mais flori<strong>da</strong> e ativa <strong>da</strong><strong>do</strong>ença para só <strong>de</strong>pois ir consultar... quan<strong>do</strong> chegava atéos médicos os sintomas haviam <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong> e não erapossível fazer o diagnóstico.Uma vez feito o diagnóstico, os pacientes viram-se ante a certeza <strong>de</strong>ter Hanseníase e, para alguns <strong>de</strong>les, foi um gran<strong>de</strong> choque, expressan<strong>do</strong> <strong>de</strong>


82várias maneiras seus sentimentos <strong>de</strong> angústia, <strong>de</strong>sespero, finitu<strong>de</strong>, incerteza esofrimento.Percebe-se, na fala <strong>de</strong> Izabel (48), o choque vivencia<strong>do</strong> por ela nomomento <strong>do</strong> diagnóstico: "No dia que me dis<strong>ser</strong>am que eu tinha Hanseníasefoi como se me dissessem: ‘Tu estás com AIDS, tu estás con<strong>de</strong>na<strong>da</strong>’. Pormim, eu acho que tinha <strong>de</strong>sisti<strong>do</strong> <strong>de</strong> viver neste dia!"Sobre isso, cito Job e Path (1989). Estes autores constataram que aspessoas preferiam contrair AIDS <strong>do</strong> que Hanseníase. Não há dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> que aignorância a respeito <strong>de</strong>sta moléstia é o principal fator responsável por estareação. Contu<strong>do</strong>, é importante salientar que as <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s causa<strong>da</strong>s pelocomprometimento neural são as gran<strong>de</strong>s responsáveis por este horror e me<strong>do</strong> <strong>da</strong><strong>do</strong>ença. Um horror e me<strong>do</strong> quase universais.Izabel (48) continua, dizen<strong>do</strong>:Quan<strong>do</strong> recebi o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cremes <strong>de</strong> investigação,parecia que não estava escrito em português, pois eu nãoentendia na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que estava escrito. Eu fiquei muitoagita<strong>da</strong> e nervosa, não sabia o que fazer ou o que dizer.Sai <strong>do</strong> hospital chutan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>. Isto foi em 1998!Experiência semelhante viveu Marta (65): "Eu era noiva quan<strong>do</strong>a<strong>do</strong>eci, pela primeira vez em 1955 e estava com o casamento marca<strong>do</strong>.Entreguei a aliança, pois para mim a vi<strong>da</strong> estava acaba<strong>da</strong>, mas meu noivoficou comigo."


83Para Marta (65), o processo <strong>do</strong> diagnóstico, posterior a 1955, foimais complica<strong>do</strong>, pois estava vivencian<strong>do</strong> este processo pela terceira vez. Elaain<strong>da</strong> não tinha cura<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as feri<strong>da</strong>s internas <strong>do</strong> primeiro tratamento quan<strong>do</strong>foram diagnostica<strong>da</strong>s as recidivas nos anos <strong>de</strong> 1994 e 1999. Ela fala: "Quan<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ença retornou, pela segun<strong>da</strong> vez, em 1994, eu achei que iria reviver to<strong>do</strong> opesa<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>... Foi difícil por causa <strong>da</strong>s vivências passa<strong>da</strong>s."Francisco <strong>de</strong> Assis (48) diz: "Quan<strong>do</strong> soube que estava comHanseníase foi um gran<strong>de</strong> susto... pois eu tinha ouvi<strong>do</strong> falar que esta <strong>do</strong>ençaera incurável e ficava imaginan<strong>do</strong> que ficaria to<strong>do</strong> <strong>de</strong>forma<strong>do</strong> e mutila<strong>do</strong>.Fiquei preocupa<strong>do</strong> mesmo."Fé (66) quan<strong>do</strong> consultou um médico especialista <strong>de</strong> outro Esta<strong>do</strong> <strong>da</strong>Região Sul <strong>do</strong> Brasil, negava o diagnóstico:Achava que não tinha a <strong>do</strong>ença... Aos poucos, fuireconhecen<strong>do</strong> os sintomas <strong>da</strong> Hanseníase semanifestan<strong>do</strong> em mim ... Termina<strong>da</strong> a consulta, euretornei para casa "pisan<strong>do</strong> em ovos", multo fragiliza<strong>da</strong>.Estava <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong> por confirmar que estava mesmocom Hanseníase.No dizer <strong>de</strong> Julião (49), também <strong>de</strong>svela-se este choque <strong>do</strong>diagnóstico <strong>da</strong> Hanseníase. Ele diz: "No começo foi um gran<strong>de</strong> impacto."Nas falas, percebem-se os sentimentos que emergem pelosignifica<strong>do</strong> e a repercussão <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>,conforme Feliciano e Kovacs (1996), a confirmação <strong>do</strong> diagnóstico e o inicio <strong>do</strong>tratamento representam um gran<strong>de</strong> impacto para os <strong>hanseniano</strong>s, que começam.


então, a sentir-se realmente <strong>do</strong>entes. A certeza <strong>do</strong> diagnóstico significa umamu<strong>da</strong>nça <strong>do</strong>lorosa e difícil para uma situação in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>: <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>.84Segun<strong>do</strong> Andra<strong>de</strong> (1993), é árduo <strong>ser</strong> <strong>do</strong>ente, principalmente,<strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase, pois a aceitação social é muito difícil.Para a maioria <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, o diagnóstico provocou umimpacto emocional intenso e negativo, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> transparecer sofrimento eincertezas influencia<strong>do</strong>s pela trajetória histórica continua <strong>da</strong> Hanseníase,carrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> estigma.Ain<strong>da</strong> sobre o momento <strong>do</strong> diagnóstico, outra situação relevante eantagônica apareceu no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria (62), que vinha <strong>de</strong> uma situaçãofamiliar <strong>de</strong> rejeição e aban<strong>do</strong>no, por parte <strong>de</strong> seus pais biológicos. Quan<strong>do</strong>recebeu o diagnóstico, sua familia a<strong>do</strong>tiva não a rejeitou <strong>de</strong> to<strong>do</strong>, mas tambémnão a apoiou e nem a aceitou como antes. Como não tinha para on<strong>de</strong> ir e nãoconseguia mais viver no convívio <strong>de</strong> sua familia a<strong>do</strong>tiva, ela nos conta:O diagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase foi <strong>da</strong><strong>do</strong> em 1954 e resolvifazer <strong>de</strong>le uma "saí<strong>da</strong>" para mim.., pedi ao médico queme internasse em Itapuã. Sabia que não teria volta e queprecisaria construir meu <strong>mun<strong>do</strong></strong> por lá. Foi a Úniicamaneira encontra<strong>da</strong> <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.Maria (62) diz, com um tom <strong>de</strong> vitória: "Graças a Deus, eu soubefazer <strong>da</strong> Hanseníase um aprendiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>."Pu<strong>de</strong> perceber, pelos <strong>de</strong>poimentos que o diagnóstico <strong>da</strong> <strong>do</strong>ençateve repercussões diferentes entre os entrevista<strong>do</strong>s. Para a gran<strong>de</strong> maioria foi


85uma vivência <strong>do</strong>lorosa e difícil e apenas para uma <strong>da</strong>s pacientes ele surgiu comouma luz no final <strong>do</strong> túnel.Para Monteiro (1987), o isolamento compulsório <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, ao qualo <strong>do</strong>ente porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Hanseníase era arremeti<strong>do</strong>, muito contribuiu para reforçar oconceito <strong>de</strong> marginali<strong>da</strong><strong>de</strong> existente. Sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> a margem <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,solidificou-se uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> para o <strong>do</strong>ente: "o leproso".4.1.3 A Procura <strong>de</strong> Recursos Médicos: <strong>da</strong>s Difícul<strong>da</strong><strong>de</strong>sEncontra<strong>da</strong>s até o Início <strong>do</strong> Tratamento AtualUma vez feito o diagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase, o tratamento <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong>inicia<strong>do</strong> <strong>de</strong> imediato. Avelleira e Nery (1998) <strong>de</strong>ixam claro que o objetivo maior <strong>do</strong>tratamento é a interrupção <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia epi<strong>de</strong>miológica <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, o mais precocepossível, a fim <strong>de</strong> evitar o aparecimento <strong>da</strong>s incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas. O esquematerapêutico <strong>de</strong>verá <strong>ser</strong> o mais potente e eficaz, evitan<strong>do</strong> o aparecimento <strong>de</strong>resistência microbiana.Contu<strong>do</strong>, infelizmente, em alguns casos os pacientes enfrentaramver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira "via sacra" até conseguirem <strong>da</strong>r inicio ao tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>. Sãomuitos os fatores evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s neste caminho: dúvi<strong>da</strong>s diagnosticas, <strong>de</strong>spreparo<strong>do</strong>s <strong>ser</strong>viços e <strong>do</strong>s profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, questões administrativas e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> transporte <strong>do</strong>s pacientes entre outros.


86Andra<strong>de</strong> (1995) aponta algumas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s referentes aospresta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>ser</strong>viços para <strong>da</strong>rem inicio ao tratamento <strong>da</strong> Hanseníase: falta <strong>de</strong>motivação, multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ações, pouca interação entre os <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,rotativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> pessoal, falta <strong>de</strong> conhecimento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, <strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong>snormas e a não credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na cura <strong>da</strong> Hanseníase.Roque (29) inicia, dizen<strong>do</strong>: "Consultei, pela primeira vez, com ummédico <strong>de</strong> minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e fui informa<strong>do</strong> <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria <strong>ser</strong> Hanseníase. Fiz otratamento proposto, mas continuei pioran<strong>do</strong>."Sem ob<strong>ser</strong>var melhora, resolve:Decidi sair <strong>de</strong> minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong> à procura <strong>de</strong> recursosmédicos e vim consultar em um hospital <strong>de</strong> Porto Alegre.Fui examina<strong>do</strong>, constataram a diminuição <strong>da</strong>sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> nervosa nas minhas pernas e confirmaram odiagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase... Referenciaram-me aomedico <strong>de</strong> minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, com quem eu já estavaconsultan<strong>do</strong>, para ele iniciar o tratamento especifico.Angelo (38) também expressa sua trajetória:O primeiro tratamento que me <strong>de</strong>ram foi para trombosenas pernas, após ter consulta<strong>do</strong> em vários lugares. Euquase morri com os remédios e foi, então, que <strong>de</strong>cidiparar com tu<strong>do</strong>. Eu não sabia qual era a minha <strong>do</strong>ença eprecisava confiar nos médicos com mais conhecimentos<strong>do</strong> que eu. Como eu não melhorava com os tratamentosanteriores, eu estava <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> a parar com os remédios ea me isolar. Foi o que eu fiz por uns tempos. Eu nãoqueria mais saber <strong>de</strong> na<strong>da</strong>.Continua, dizen<strong>do</strong>:Foram muitas as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s até iniciar o tratamentoaqui no Ambulatório. Os médicos <strong>da</strong> minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s vizinhas,


87mesmo saben<strong>do</strong> <strong>da</strong> existência <strong>de</strong>ssa <strong>do</strong>ença, <strong>de</strong>morarampara encaminhar-me a Porto Alegre. Primeiro consultei emum hospital e fiquei fazen<strong>do</strong> exames por seis meses sóentão me encaminharam para cá.Através <strong>de</strong> sua fala, percebi que as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s por essepaciente, para conseguir iniciar seu tratamento, <strong>de</strong>svelam causas organizacionais eburocráticas <strong>do</strong>s <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que incluíram a <strong>de</strong>mora na realização <strong>de</strong>exames, no preenchimento <strong>de</strong> papéis e na falta <strong>de</strong> encaminhamento médico,enquanto sua <strong>do</strong>ença fosse progredin<strong>do</strong>.Para Nogueira (1996), a eliminação <strong>da</strong> Hanseníase, mediantetratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, parece <strong>ser</strong> viável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os graves problemas que ain<strong>da</strong>temos, como organização <strong>de</strong> <strong>ser</strong>viços, sejam soluciona<strong>do</strong>s.No final, Ângelo (38) <strong>de</strong>sabafa, transparecen<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong>s<strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> vivencia<strong>da</strong> e as tristezas, limitações e per<strong>da</strong>s que permanecemem sua vi<strong>da</strong>:Nós procuramos solução em tu<strong>do</strong> quanto foi canto e nãoconseguimos em lugar nenhum... Foi difícil paraconseguir chegar aqui! Se naquela época eu tivesseinicia<strong>do</strong> o tratamento, o meu problema estariasoluciona<strong>do</strong> e eu ain<strong>da</strong> estaria trabalhan<strong>do</strong>. "Eu estariaviven<strong>do</strong> outra vi<strong>da</strong>". O que me prejudicou foi ter fica<strong>do</strong>to<strong>do</strong> esse tempo sem o tratamento certo.Por experiência semelhante passou Fé (66):Foi inicia<strong>do</strong> tratamento para varizes, mas não meorientaram para repousar, tomar remédios ou fazercurativos. Eu achava isto estranho, mas pensava que omédico, com seus conhecimentos, é quem <strong>de</strong>veriaver que eu tinha Hanseníase e não eu. Durante


88<strong>do</strong>is anos, viajava, mensalmente, para consultar... Depois<strong>de</strong> um tempo sem melhoras, minha nora levou-me a outromédico...Procuran<strong>do</strong> por aju<strong>da</strong>, Fé (66) continua:Desespera<strong>da</strong>, cheguei a procurar um curan<strong>de</strong>iro. Não seise era espirita ou macumbeiro, mas eu queria alguém queme aju<strong>da</strong>sse e me curasse. Ven<strong>do</strong> que eu não melhorava,meu mari<strong>do</strong> ficava <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>, ca<strong>da</strong> vez que eu ia aocuran<strong>de</strong>iro, pois ele sabia não <strong>ser</strong> a solução para o meuproblema.Conforme Cerro (1989), as enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s crônicas e <strong>de</strong> tratamentoprolonga<strong>do</strong>, como a Hanseníase, po<strong>de</strong>m gerar <strong>de</strong>sânimo nos <strong>do</strong>entes. Elesper<strong>de</strong>m a confiança na Medicina e, por vezes, tornam-se vitimas <strong>de</strong> profissionaisinescrupulosos ou <strong>de</strong> curan<strong>de</strong>iros.Nas falas inconforma<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Ângelo (38) e Fé (66) pu<strong>de</strong> perceber,novamente, além <strong>da</strong> difícil caminha<strong>da</strong> até o inicio <strong>do</strong> tratamento correto, a questão<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconhecimento médico <strong>do</strong>s sintomas <strong>da</strong> Hanseníase. Este mesmo<strong>de</strong>sconhecimento esteve presente, anteriormente, nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> outrospacientes.Clara (22) relate a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> para conseguir iniciar seu tratamento:"Como esta <strong>do</strong>ença é muito escondi<strong>da</strong>, os médicos não queriam acreditarque eu pu<strong>de</strong>sse tê-la. Por este motivo, recebi vários tratamentos para alergia,que <strong>de</strong> na<strong>da</strong> me adiantaram".Também sobre a <strong>de</strong>mora para iniciar o tratamento especifico, contaTereza (50):


89A pele ficava muito ressequi<strong>da</strong> e avermelha<strong>da</strong>, tipo umaalergia. Como eu trabalhava com líqui<strong>do</strong>s irritantes,usa<strong>do</strong>s para a cromagem <strong>de</strong> metais, fiz váriostratamentos para alergia, até que um especialistaconstatou a diminuição <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na minha pele efui encaminha<strong>da</strong> para um posto <strong>de</strong> bairro, em PortoAlegre, para iniciar tratamento...Julião (49) acrescenta: "Depois <strong>de</strong> um ano foi inicia<strong>do</strong> otratamento para Hanseníase aqui no Ambulatório. Antes, eu já tinha feito umaconsulta particular, em outro hospital, e o médico havia me alerta<strong>do</strong> que eraLepra e que eu não po<strong>de</strong>ria mais trabalhar."Hanseníase, expressa:Marta (65), em tratamento pela terceira vez, por recidiva <strong>da</strong>Demorei muito para iniciar o segun<strong>do</strong> tratamento.., comoas baciloscopias estavam sempre negativas, quan<strong>do</strong>chegava a fazer as biópsias, para confirmar o diagnóstico<strong>da</strong> recidiva, a <strong>do</strong>ença havia avança<strong>do</strong> bastante. Disto eutenho me<strong>do</strong>.Consi<strong>de</strong>ro importante reforçar o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Marta (65) e lembrarque o diagnóstico <strong>da</strong> Hanseníase é iminentemente clinico. Os exameslaboratoriais são auxiliares, mas, sozinhos, não fazem o diagnóstico. É <strong>de</strong> sumaimportância valorizar as queixas e os sintomas relata<strong>do</strong>s pelos pacientes. Épreciso acreditar naquilo que eles nos expressam.Yamashita et al. (1996) afirmam <strong>ser</strong> preciso reconhecer opolimorfismo <strong>da</strong> Hanseníase, tanto <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista clinico como laboratorial.diagnóstico <strong>de</strong>sta enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> baseia-se nos sinais clínicos e nos acha<strong>do</strong>s


90laboratoriais, porém, nenhum exame laboratorial atualmente utiliza<strong>do</strong> po<strong>de</strong> <strong>ser</strong>completo e capaz <strong>de</strong> diagnosticar a Hanseníase.Outro aspecto relevante, que constatei no relato <strong>do</strong>s pacientes, foisobre as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s para seguir o tratamento, após o seu inicio. Osentrevista<strong>do</strong>s comentam sobre os efeitos adversos <strong>da</strong>s medicações, sobre otempo prolonga<strong>do</strong> <strong>do</strong> tratamento, sobre as recidivas e sobre a aparência <strong>de</strong> <strong>ser</strong><strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase.A partir <strong>de</strong> 1942, com o advento <strong>da</strong> sulfona (<strong>da</strong>psona), abre-se umanova era na história <strong>da</strong> Hanseníase. Conforme Santos et al. (1996), a <strong>do</strong>psona,inicialmente usa<strong>da</strong> no tratamento <strong>de</strong> infecções estreptocóccicas, passa a <strong>ser</strong>emprega<strong>da</strong> com sucesso na terapia <strong>de</strong>ssa moléstia. Surge, então, existir umaMedicação eficaz no combate ao M. Leprae e ocorre profun<strong>da</strong> modificação notratamento <strong>da</strong> Hanseníase, até então, basea<strong>do</strong> no isolamento e segregação <strong>do</strong>spacientes. Porém, não havia critérios, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> o tempo <strong>de</strong> tratamento, e osDoentes usavam-na por perío<strong>do</strong> in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>. Constatou-se, mais tar<strong>de</strong>, queVários pacientes <strong>de</strong>senvolveram resistência a esta medicação, pois era usa<strong>da</strong>isola<strong>da</strong>mente.Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70, o tratamento <strong>da</strong> Hanseníase passa a <strong>ser</strong> feito,combinan<strong>do</strong>-se duas drogas, objetivan<strong>do</strong> evitar a resistência medicamentosa e aduração <strong>do</strong> tratamento variava entre cinco e <strong>de</strong>z anosAvelleira e Nery (1998) recor<strong>da</strong>m a recomen<strong>da</strong>ção feita pelaOrganização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, no ano <strong>de</strong> 1976, para que se utilizasse um


97Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a intervenção no processo <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença <strong>de</strong>ve incluiro diagnóstico, o tratamento e a reabilitação, o entendimento <strong>da</strong> cura <strong>de</strong>veriaimplicar completa restauração <strong>da</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, gera<strong>da</strong> pela Hanseníase, tanto físicaquanto emocional.Assim sen<strong>do</strong>, contrair Hanseníase não é apenas contrair uma<strong>do</strong>ença, que afete a pele e os nervos periféricos, mas é assumir uma novai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>.Para Nunes,<strong>ser</strong> tuberculoso, <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong> ou leproso, <strong>ser</strong> aidético é,com certeza, muito pior <strong>do</strong> que estar com tuberculose, comHanseníase ou com AIDS, até mesmo por que quan<strong>do</strong> sediz: 'fulano leproso", está se atribuin<strong>do</strong> a ele um esta<strong>do</strong>permanente. Não se compara com "fulano está comHanseníase", que atribui a ele um esta<strong>do</strong> passageiro (1993,p.2).Essa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> não atinge apenas a parte física <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente, mas atotali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano. Por tanto, o combate á Hanseníase <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong>acompanha<strong>do</strong> pela cura <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente na sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong> e não apenas pelaeliminação <strong>do</strong> seu agente causa<strong>do</strong>r.Segun<strong>do</strong> Oliveira (1990), as lesões <strong>de</strong>formantes <strong>da</strong> Hanseníasetrazem consi<strong>de</strong>ráveis prejuízos, não só no aspecto físico, mas também nopsicológico, social, moral e econômico.Lombardi et al. referem que


98ao elegermos a Hanseníase como priori<strong>da</strong><strong>de</strong> em nossoquadro atual <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, é relevante notar que além<strong>do</strong> impacto <strong>do</strong>s números <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar, por um la<strong>do</strong>,a enorme repercussão psicológica, social e econômicagera<strong>da</strong> pelas incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas que a <strong>do</strong>ença, nãooportunamente, diagnostica<strong>da</strong> e convenientemente trata<strong>da</strong>,po<strong>de</strong> provocar (1990, p.11)Existem muitos trabalhos quantitativos sobre Hanseníase, pois comojá dissemos, trata-se <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública em nível mundial.Entretanto, estu<strong>do</strong>s referentes ao <strong>ser</strong> (humano) <strong>hanseniano</strong> e os sentimentos porele vivencia<strong>do</strong>s, neste processo, são escassos.Mas o que são sentimentos, afinal? Para Viscott, "os sentimentos sãonossas reações ao <strong>mun<strong>do</strong></strong> que nos ro<strong>de</strong>ia. É a maneira que sentimos estar vivos...Sem sentimento não há existência, não há vi<strong>da</strong>" (1978, p.23).Segun<strong>do</strong> Ulich (1985), os sentimentos são vivências afetivas, que<strong>de</strong>vem <strong>ser</strong> compartilha<strong>da</strong>s, pois ao compartilhar sentimentos, geralmente, ocorreuma proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> interpessoal maior.Para conhecer e compreen<strong>de</strong>r melhor esses sentimentos, fui aoencontro <strong>do</strong>s pacientes, os atores principais <strong>de</strong>ste fenômeno em <strong>de</strong>svelamento.Apenas eles, viven<strong>do</strong> a Hanseníase, diariamente, po<strong>de</strong>m expressar o que elasignifica e quais os sentimentos emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta vivência.


994.2.1 O que Significa ter HanseníaseEstu<strong>do</strong>s referentes ao significa<strong>do</strong> <strong>da</strong> Hanseníase na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s<strong>hanseniano</strong>s ain<strong>da</strong> são insuficientes. Talvez isto ocorra pela pouca valorização epela falta <strong>de</strong> manejo, por parte <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, em abor<strong>da</strong>r os pacientessobre esse assunto.Oliveira (1990) refere que o diagnóstico <strong>da</strong> Hanseníase,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> sua forma clinica ou estágio evolutivo, significa para o indivíduonão só uma <strong>do</strong>ença <strong>de</strong>rmatológica, mas essencialmente equivale saber queneste momento to<strong>do</strong> o <strong>ser</strong> "é" <strong>hanseniano</strong>. Sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> psicofísica, social,pessoal, familiar e econômica, ou seja, to<strong>da</strong> sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong> estará enferma.Conforme Kaufmann, Mariam e Neville, "ter a Hanseníase nãoconsiste só numa simples diferença', mas representa uma modificaçãover<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente substancial, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> duma pessoa" (1981, p. 47). Essas autorasseguem, dizen<strong>do</strong> que "ter a Hanseníase significa mu<strong>da</strong>nças físicas e sociais que,por sua vez, po<strong>de</strong>m causar modificações no plano pessoal <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>" (ibid., p.48).Vários foram os significa<strong>do</strong>s, <strong>da</strong><strong>do</strong>s pelos pacientes, sobre terHanseníase. To<strong>do</strong>s eles vieram acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> muito sentimento e emoção.Julião (49) apresenta o que sente sobre ter Hanseníase:A Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> <strong>de</strong>sesperar... 0 pacienteque tem essa <strong>do</strong>ença precisa <strong>de</strong> apoio, porque aHanseníase é bandi<strong>da</strong>. Ela te <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>sanima<strong>do</strong> e se apessoa não se cui<strong>da</strong>r ela te mata... por duas vezes, fuipara o lugar on<strong>de</strong> fazia minhas pescarias para não voltarmais. Eu estava apavora<strong>do</strong>.


100Corroboran<strong>do</strong> a afirmação cita<strong>da</strong>, Oliveira e Romanelli ( 1998)comentam sobre a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio e incentivo ao porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Hanseníase.Julião (49) continua:Às vezes, eu fico imaginan<strong>do</strong> se não foi uma praga queme man<strong>da</strong>ram por coisas erra<strong>da</strong>s feitas no passa<strong>do</strong>. Eufui muito magoa<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> jovem, <strong>do</strong>rmia com os olhos"abertos" com me<strong>do</strong> que batessem em mim e ouviaquan<strong>do</strong> me praguejavam, dizen<strong>do</strong> que eu não prestava.Por isto, penso que a Hanseníase possa <strong>ser</strong> uma pragaque me atingiu.E finaliza sua entrevista, dizen<strong>do</strong>: "Ter Hanseníase é uma luta quea gente não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sanimar para não sair per<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, tem que lutar semprepara ganhar. E eu estou conseguin<strong>do</strong>!"Percebo, pelas falas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s e pelo acompanhamentodiário com os pacientes <strong>hanseniano</strong>s como é forte a associação entre Hanseníasee praga ou castigo. Para reforçar esta associação cito Oliveira e Romanelli(1998). Estes autores comentam sobre o apego à religião para se livrar <strong>do</strong>"castigo" <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Corroboran<strong>do</strong> a afirmação anterior, Cerro (1989) resgata exemplos<strong>da</strong> Bíblia, mencionan<strong>do</strong> a Hanseníase como castigo divino e comparan<strong>do</strong> opeca<strong>do</strong> como a "lepra <strong>da</strong> alma". Esta idéia <strong>de</strong> praga ou <strong>de</strong> castigo também fez-sepresente na fala <strong>de</strong> Marta (65) quan<strong>do</strong> ela se recor<strong>da</strong> <strong>do</strong> inicio <strong>do</strong> seu primeirotratamento, há quase 25 anos. Ela diz:Antigamente, esta <strong>do</strong>ença era maldita mesmo e meuspais achavam que uma praga havia caí<strong>do</strong> sobre a nossafamília


101quan<strong>do</strong> eu a<strong>do</strong>eci. No momento que eu recebi to<strong>da</strong> estacarga em cima <strong>de</strong> mim, eu achei que era o fim <strong>da</strong> minhavi<strong>da</strong>... Sentia que minha vi<strong>da</strong> estava termina<strong>da</strong> quan<strong>do</strong>soube estar <strong>do</strong>ente e que <strong>de</strong>veria ficar afasta<strong>da</strong> <strong>de</strong>to<strong>do</strong>s..Esses significa<strong>do</strong>s <strong>da</strong><strong>do</strong>s por Marta (65) referem-se ao fato que,durante seu primeiro tratamento, em 1955, para não <strong>ser</strong> interna<strong>da</strong> no HospitalColônia Itapuã ela <strong>de</strong>veria ficar reclusa em casa, fazen<strong>do</strong> seu tratamento: "Meupai fez <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> para eu não <strong>ser</strong> interna<strong>da</strong> no Hospital, então, eu tinha <strong>de</strong>ficar presa e isola<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa".Sobre isso falavam Campos, Bechelli e Rotberg:O isolamento <strong>do</strong>miciliário é um complemento <strong>do</strong> isolamentonosocomial. Certos e <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s casos, quer por umasituação social, quer por sua situação clínica, po<strong>de</strong>m <strong>ser</strong>isola<strong>do</strong>s em <strong>do</strong>micílio. Este isolamento, to<strong>da</strong>via, necessita <strong>de</strong>um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> número <strong>de</strong> requisitos indispensáveis a suaeficiência. Ele não <strong>de</strong>ve constituir uma maneira <strong>de</strong>sonegação ao isolamento hospitalar, mas sim comportar-secomo ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro isolamento hospitalar, sujeito ao mesmorigor e disciplina (1994, p.320).Ângelo (38), passan<strong>do</strong> por dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s financeiras para sustentarsua família, pois foi <strong>de</strong>miti<strong>do</strong> e não conseguem mais emprego por causa <strong>da</strong>Hanseníase, <strong>de</strong>sabafa: "A Hanseníase foi um fracasso para nós, um gran<strong>de</strong>fracasso..."Nesse senti<strong>do</strong>, Oliveira e Romanelli (1998) enfatizam que oreconhecimento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, por parte <strong>do</strong>s pacientes, significa uma ameaça aopapel <strong>de</strong> prove<strong>do</strong>r <strong>da</strong> sobrevivência familiar.


102O significa<strong>do</strong> <strong>da</strong><strong>do</strong> por Francisco <strong>de</strong> Assis (48) foi um poucodiferente. Durante seu tratamento, em razão <strong>do</strong> comprometimento <strong>da</strong> laringe pela<strong>do</strong>ença e conseqüente progressão para dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> respiratória importante, houvenecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uma traqueostomia. Para ele, ter Hanseníase significouver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro pânico, por causa <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> colocação <strong>da</strong> cânula <strong>de</strong>traqueostomia:Ficava <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong> ao imaginar um "aparelho",pendura<strong>do</strong> no meu pescoço... Foi sofri<strong>do</strong> para mim. Tinhanecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> caminhar pelo meu terreno, pela vila eoutros lugares, tamanha era minha ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> diante <strong>de</strong>sta<strong>do</strong>ença.Outro significa<strong>do</strong> <strong>da</strong><strong>do</strong> pelos pacientes foi o <strong>da</strong> Hanseníase como<strong>do</strong>ença fatal. Neste senti<strong>do</strong>, fala Roque (29): "Quem tem Hanseníase precisa secui<strong>da</strong>r, senão po<strong>de</strong> morrer. Ela é uma <strong>do</strong>ença contagiosa grave, não é comouma simples tosse ou resfria<strong>do</strong>. Se não procurar tratamento, se não for aomédico ... a gente morre."Essa mesma idéia tinha lzabel (48). Ela diz:Eu também pensei que ter Hanseníase fosse gravemesmo, ain<strong>da</strong> mais após ter acompanha<strong>do</strong> pessoas,morren<strong>do</strong> com seqüelas <strong>de</strong>sta <strong>do</strong>ença em hospitais poron<strong>de</strong> já passei fazen<strong>do</strong> visitas a conheci<strong>do</strong>s. Talvez, nãoseja tão complica<strong>do</strong>, mas também não é fácil.A Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> evolução crônica, mas que po<strong>de</strong> <strong>ser</strong>intercala<strong>da</strong> por episódios reacionais agu<strong>do</strong>s, levan<strong>do</strong> ao comprometimentosistêmico <strong>de</strong> vários órgãos. Se não houver manejo a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong>stas reações, po<strong>de</strong>haver agravamento <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> geral <strong>do</strong>s pacientes.


103Ain<strong>da</strong> para lzabel (48), a Hanseníase apareceu como significa<strong>do</strong> <strong>de</strong>sujeira: "Suja, é assim que eu me sinto, ten<strong>do</strong> Hanseníase. Parece que euestou suja por <strong>de</strong>ntro e por fora."Antônio (76), que fez seu primeiro tratamento na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 50,interna<strong>do</strong> em Itapuã, <strong>de</strong>sabafa:Não há palavras que consigam expressar tu<strong>do</strong> o que eupassei e presenciei durante a internação no HospitalColônia Itapuã. Naquele tempo, ter Hanseníase erahorrível. Só eu que passei por aquilo é que sei o que foi,tanto que após seis meses <strong>de</strong> internação eu <strong>de</strong>sisti..,então, eu fugi!Para Clara (22), apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong> discriminação sofri<strong>da</strong>, no inicio <strong>de</strong> sua<strong>do</strong>ença, durante a infância, ter Hanseníase significou tornar-se uma pessoa maishumana. Sobre isto ela comenta:Se fosse para mu<strong>da</strong>r alguma coisa na minha vi<strong>da</strong>, se eutivesse esta chance, eu continuaria exatamente igual.Sabe por quê? Porque ten<strong>do</strong> Hanseníase eu aprendi a <strong>ser</strong>mais humana com as outras pessoas (choro). Será que eu<strong>ser</strong>ia capaz <strong>de</strong> ver e aju<strong>da</strong>r a pessoa <strong>do</strong> próximo se eu nãofosse <strong>do</strong>ente? Talvez eu não conversasse com umaidético nem socorresse alguém caí<strong>do</strong> na rua.Esses sentimentos, vivencia<strong>do</strong>s por Clara (22), são relata<strong>do</strong>s porWang (1997), que verificou a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> valores, ocorri<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entescom Hanseníase, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> o sentir-se útil e prestativo como uma conseqüência<strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.


104<strong>Lima</strong> (1995) cita o sofrimento vivencia<strong>do</strong> pelos <strong>do</strong>entes,principalmente por aqueles marcialmente afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> convívio familiar peloisolamente compulsório.Como pessoa e profissional que sou, percebi que a Hanseníasecontinua sen<strong>do</strong> uma experiência existencial difícil e <strong>do</strong>lorosa, provocan<strong>do</strong>transformações na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s. È necessário, pois, que se discutam ossignifica<strong>do</strong>s e conseqüências <strong>de</strong>sta enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> para seus porta<strong>do</strong>res,permitin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta maneira, o planejamento <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> apoio ao <strong>do</strong>ente comHanseníase, conducentes as sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s existenciais e terapêuticas.Não é possível captar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sem ter em conta ossentimentos. As abstrações <strong>do</strong> intelecto e a razão têmimportância, porém, quan<strong>do</strong> elas per<strong>de</strong>m o contato comos sentimentos, abrem o caminho para os atos<strong>de</strong>sumanos e <strong>de</strong>strutivos. Quan<strong>do</strong> per<strong>de</strong>mos o contatocom os nossos sentimentos, per<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> vez o contatocom nossas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais humanas (Viscott,1978,p.17).4.2.2 Sentimentos Dicotômicos Emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa VivênciaFalar em sentimentos é falar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, pois tu<strong>do</strong> o que fazemos épermea<strong>do</strong> por sentimentos. Passamos por momentos <strong>de</strong> alegria, <strong>de</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> e<strong>de</strong> prazer, assim como por momentos <strong>de</strong> tristeza, angústia e solidão...O <strong>ser</strong> humano passa por constantes transformações, ao longo <strong>de</strong> suavi<strong>da</strong>, nos aspectos emocional, físico, profissional ou social. Ele busca viver a vi<strong>da</strong>em plenitu<strong>de</strong> e atingir a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> seu eu.


105Os <strong>de</strong>poimentos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s são repletos <strong>de</strong> sentimentos comrelação a si mesmos e àqueles que os cercam. Infelizmente, ob<strong>ser</strong>vei que o<strong>do</strong>ente nem sempre tem oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> para expressar seus sentimentos como umapessoa que encontrou, na factivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong>, uma <strong>do</strong>ença com estigma tãoacentua<strong>do</strong>, como é o caso <strong>da</strong> Hanseníase.Para Oliveira (1990), o continuo aperfeiçoamento técnico, ao qual osmembros <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> são submeti<strong>do</strong>s, resume-se ao cumprimento <strong>de</strong>tarefas sem maiores envolvimentos com a pessoa <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>.É necessário, pois, que, além <strong>do</strong> aperfeiçoamento técnico e cientifico,invista-se na valorização <strong>do</strong>s sentimentos <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>entes, oportunizan<strong>do</strong>situações que permitam a exteriorização <strong>de</strong>stes sentimentos.Segun<strong>do</strong> Ulich, "levar a sério os sentimentos significa levar a sérioaos <strong>de</strong>mais e também a nós mesmos, enquanto pessoas" (1985, p.9). Muitos sãoos sentimentos, emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta vivência, mas to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s, semexceção, relataram ter senti<strong>do</strong> me<strong>do</strong> em alguma fase <strong>do</strong> fenômeno terHanseníase. Os diversos "me<strong>do</strong>s" senti<strong>do</strong>s estão relaciona<strong>do</strong>s com a evolução <strong>da</strong><strong>do</strong>ença, com o "<strong>ser</strong>" <strong>hanseniano</strong>, com os familiares e com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em quevivem.Marta (65), logo no inicio <strong>do</strong> seu primeiro tratamento, queimava to<strong>do</strong>o seu lixo para não ter risco <strong>de</strong> transmitir a <strong>do</strong>ença aos outros: "Fiz isto até asbaciloscopias negativarem. Tenho receio <strong>de</strong> ter contagia<strong>do</strong> alguém, no


106perío<strong>do</strong> anterior ao diagnóstico, quan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> não sabia <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e nãoestava em tratamento."Além <strong>do</strong> me<strong>do</strong> <strong>de</strong> contagiar outras pessoas, <strong>de</strong>svela-se na fala <strong>de</strong>Marta (65) um certo sentimento <strong>de</strong> culpa, por algo que possa ter aconteci<strong>do</strong> nopassa<strong>do</strong> e fugi<strong>do</strong> ao seu controle.Sentimento semelhante vivencia Roque (29):Eu tenho me<strong>do</strong> <strong>de</strong> transmitir a Hanseníase para os outros,mesmo saben<strong>do</strong> que estan<strong>do</strong> em tratamento não contagioninguém. Por causa disto, uso pre<strong>ser</strong>vativo quan<strong>do</strong> tenhorelações com a minha esposa, para não ter risco <strong>de</strong>contaminá-la. Jamais me per<strong>do</strong>aria se eu a contagiasse.Julião (49), que teve muitos surtos reacionais durante seu tratamento,expressa seus sentimentos: "Quan<strong>do</strong> tenho estas minhas reações, neurites evermelhões pelo corpo, eu procuro não ficar perto <strong>da</strong>s pessoas, <strong>da</strong> minhafamília e <strong>do</strong> meu netinho, pois tenho me<strong>do</strong> <strong>de</strong> transmitir a <strong>do</strong>ença. E eu não<strong>de</strong>sejo a Hanseníase para ninguém!".Para Ulich (1985), o me<strong>do</strong> po<strong>de</strong> aparecer como manifestação <strong>de</strong>tensão emocional e <strong>de</strong>fine-se pelos componentes <strong>de</strong> incerteza, ameaça e<strong>de</strong>samparo. Ain<strong>da</strong>, segun<strong>do</strong> este autor, se partirmos <strong>de</strong> nossas vivências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>cotidiana, ob<strong>ser</strong>vamos que os motivos <strong>de</strong> tensão emocional po<strong>de</strong>m <strong>ser</strong> numerosose diversos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> sentimentos individuais, valores próprios e normasculturais.


107Helene e Rocha (1998), em estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> com o objetivo <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificar as preocupações e as mu<strong>da</strong>nças <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s em relação Afamília, aos amigos, ao emprego e a si próprios, após o diagnóstico <strong>da</strong>Hanseníase, constataram o receio <strong>de</strong>stes em transmitir a <strong>do</strong>ença a outraspessoas, principalmente, familiares.Outro sentimento, vivencia<strong>do</strong> pelos pacientes, é o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> que aspessoas <strong>de</strong>scubram a Hanseníase e <strong>ser</strong> motivo <strong>de</strong> pia<strong>da</strong>s ou <strong>ser</strong> aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>pelos filhos ama<strong>do</strong>s.Sobre isso, fala-nos Antônio (76): "... eu tenho me<strong>do</strong> <strong>de</strong> contar Aspessoas sobre a minha <strong>do</strong>ença, pois to<strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> tem receio <strong>de</strong> contraí-la...Mas o pior sentimento A o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> que os outros <strong>de</strong>scubram."E, lembran<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> passagens bíblicas sobre a lepra e sobre asbarbari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> tratamento preconceituoso <strong>da</strong><strong>do</strong> aos leprosos, continua: "... issome assustava muito e eu ficava com me<strong>do</strong>".Sobre o me<strong>do</strong> que <strong>de</strong>scobrissem sua <strong>do</strong>ença, Marta (65) recor<strong>da</strong>-se<strong>do</strong> receio <strong>do</strong> pai: "Ele tinha pavor que os sócios e os amigos <strong>de</strong>scobrissemsobre a minha <strong>do</strong>ença."Os filhos <strong>de</strong> Roque (29) não sabem sobre sua <strong>do</strong>ença. Ele conta:"Estou esperan<strong>do</strong> meus filhos crescerem mais para po<strong>de</strong>rem enten<strong>de</strong>r.Tenho receio <strong>de</strong> que, se contar, agora, eles fiquem com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> mim e seafastem".


108Desvela-se nas falas <strong>de</strong> Antônio (76), Marta (65) e Roque (29) ome<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong> <strong>de</strong>scoberto como <strong>do</strong>ente, levan<strong>do</strong> também à ocultação <strong>do</strong>ssentimentos vivencia<strong>do</strong>s.De acor<strong>do</strong> com Comiotto (1992), as pessoas privam-se <strong>de</strong>manifestar seus sentimentos pelo temor <strong>de</strong> não <strong>ser</strong>em aceitas ou <strong>de</strong> <strong>ser</strong>emrechaça<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> <strong>ser</strong>em discrimina<strong>da</strong>s ou receberem <strong>de</strong>sprezo social. Isto significa,segun<strong>do</strong> Hamachek (1979), que quan<strong>do</strong> reprimimos nossos sentimentos internosnão os estamos escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, apenas, <strong>de</strong> outras pessoas, mas estamosescon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, também, <strong>de</strong> nós mesmos.Ain<strong>da</strong> sobre os me<strong>do</strong>s vivencia<strong>do</strong>s, Izabel (48) manifesta seu receio<strong>de</strong> que a discriminação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> recaia sobre seus filhos e netas. Sobre asnetas, ela diz:Uma <strong>de</strong>las já tem namoradinho, por isto não lhe contei, afim <strong>de</strong> evitar que seja discrimina<strong>da</strong> ... a menorzinha estána creche e evito <strong>da</strong>r explicações para as aten<strong>de</strong>ntes. Jápensou se chegam a discriminar minha neta que não temna<strong>da</strong> a ver com isto? Eles po<strong>de</strong>riam dizer que não há maisvagas para ela na creche.Ain<strong>da</strong> sobre o me<strong>do</strong> que a discriminação atinja seus familiares,Izabel (48) comenta sobre o trabalho <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus filhos: "A <strong>do</strong>na <strong>da</strong> pa<strong>da</strong>riaaon<strong>de</strong> ele trabalha ficou me perguntan<strong>do</strong> sobre a minha pele e qualtratamento estava fazen<strong>do</strong>... se contasse a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria <strong>ser</strong> expulsa <strong>da</strong>pa<strong>da</strong>ria e não sei se o meu filho não <strong>ser</strong>ia <strong>de</strong>miti<strong>do</strong>".Sentimento semelhante viveu Clara (22):


109Um <strong>do</strong>s motivos que eu não saio falan<strong>do</strong> para os outrossobre a Hanseníase, e fico inventan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sculpas sobreminhas lesões, é para evitar que os meus filhos sofram adiscriminação que eu sofri. Deus livre meus filhos <strong>de</strong>steconstrangimento.Feliciano e Kovacs (1996) comentam sobre o sigilo que os <strong>do</strong>entesfazem sobre sua <strong>do</strong>ença, na tentativa <strong>de</strong> neutralizar as conseqüências sociais <strong>do</strong>rechaço, que po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> extensivo aos familiares <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s.Brasil Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> (1993) ressalta um item, na Portaria n°.814/GM, asseguran<strong>do</strong> o atendimento <strong>de</strong> crianças filhas <strong>de</strong> <strong>hanseniano</strong>s nosprogramas materno-infantis, sem nenhuma discriminação, ou seja, o me<strong>do</strong> que ospacientes sentem <strong>da</strong> discriminação, atingin<strong>do</strong> seus familiares, é real e há leis,tentan<strong>do</strong> evitar que isto ocorra.E os me<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s continuam. A per<strong>da</strong> <strong>do</strong> emprego, sejapor <strong>de</strong>missão, seja por dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas para seguir trabalhan<strong>do</strong>, gera um me<strong>do</strong>gran<strong>de</strong> nos pacientes <strong>de</strong> Hanseníase: o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> não conseguir sustentar suafamília.Oliveira e Romanelli (1998), realizan<strong>do</strong> um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> gênero sobreos efeitos <strong>da</strong> Hanseníase sobre homens e mulheres, constataram <strong>ser</strong>em oshomens mais preocupa<strong>do</strong>s com as questões econômicas, liga<strong>da</strong>s ao emprego,gera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sustento familiar. Esta situação foi vivencia<strong>da</strong> por Ângelo (38). Demiti<strong>do</strong><strong>da</strong> indústria aon<strong>de</strong> trabalhava por causa <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e em beneficio por auxilio<strong>do</strong>ença, no INSS, ele fala sobre seu me<strong>do</strong> e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s em sustentar suafamilia: "Des<strong>de</strong>, então, só a minha mulher estátrabalhan<strong>do</strong>, pois fiquei


110<strong>de</strong>semprega<strong>do</strong> e não tive como sustentar a minha família. Eu tinha umasproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s que já vendi para garantír nosso sustento..."Por experiência semelhante passou Roque (29), que conseguiu seaposentar pelo INSS, mas o dinheiro recebi<strong>do</strong> era insuficiente para o sustento <strong>da</strong>família:O benefício pago pelo INSS é <strong>de</strong> apenas um saláriomínimo cerca <strong>de</strong> seis vezes menos o que eu recebia nafirma. Fiquei <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>, afinal, tinha <strong>de</strong>spesas parapagar... Minha esposa passou a trabalhar fora e eu fuifazer biscates, então, conseguimos equilibrar asfinanças.Outro me<strong>do</strong>, vivencia<strong>do</strong> pelos pacientes, é com relação ao avanço <strong>da</strong><strong>do</strong>ença e ao aparecimento ou piora <strong>de</strong> <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas.Marta (65), em tratamento pela terceira vez, tem ob<strong>ser</strong>va<strong>do</strong> que a<strong>do</strong>ença está progredin<strong>do</strong> e, junto com ela, estão surgin<strong>do</strong> algumas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>spara locomover-se: "Sei que <strong>da</strong>qui em diante terei que cui<strong>da</strong>r muito, pois asseqüelas me assustam". E, num tom <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabafo, continua: "... tenho muitome<strong>do</strong> <strong>da</strong>s recidivas e <strong>da</strong> piora <strong>da</strong>s seqüelas".Francisco <strong>de</strong> Assis (48), sentin<strong>do</strong> que sua <strong>do</strong>ença progredia e queprecisaria fazer traqueostomia, relata: "Eu tive me<strong>do</strong>, muito me<strong>do</strong>".Oliveira (1990), entrevistan<strong>do</strong> pacientes porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiênciasfísicas pela Hanseníase, registrou me<strong>do</strong>s revela<strong>do</strong>s pelos entrevista<strong>do</strong>s. Me<strong>do</strong> <strong>do</strong>aban<strong>do</strong>no, <strong>do</strong> <strong>de</strong>sprezo, <strong>da</strong> mutilação, <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, <strong>da</strong> rejeição e <strong>da</strong> solidão.


111Mas <strong>ser</strong>á que somente os pacientes já porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>sfísicas apresentam estes sentimentos? Com certeza não, pois, infelizmente, elestambém são compartilha<strong>do</strong>s pelos <strong>hanseniano</strong>s que não apresentam seqüelas.Soman<strong>do</strong>-se a estes me<strong>do</strong>s diversos, outros sentimentos foramvivencia<strong>do</strong>s pelos entrevista<strong>do</strong>s. Tristeza, rejeição, culpa, inconformismo por tera<strong>do</strong>eci<strong>do</strong>, raiva, ódio, vergonha, solidão, angústia e tantos outros. Talvez euesqueça <strong>de</strong> nominar alguns <strong>de</strong>les, mas isto não significa que eles não existam ouque não tenham si<strong>do</strong> vivencia<strong>do</strong>s.Sentimento <strong>de</strong> vergonha foi vivencia<strong>do</strong> por lzabel (49), que reconheceter dificulta<strong>do</strong> o diagnóstico para o médico, visto que s6 saia <strong>de</strong> casa paraconsultar quan<strong>do</strong> os sintomas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença amenizavam. Ela diz: "Eu não ia aomédico, pois tinha vergonha <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> casa com o rosto <strong>de</strong>forma<strong>do</strong> e asorelhas incha<strong>da</strong>s... Parecia que eu havia si<strong>do</strong> to<strong>da</strong> mordi<strong>da</strong> e chupa<strong>da</strong>".E continua, dizen<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> comenta que não faz mais questão <strong>de</strong>sair <strong>de</strong> casa ou <strong>de</strong> ter namora<strong>do</strong>s ou amigos: "Eu tento me escon<strong>de</strong>r e sintovergonha <strong>de</strong> mim". Esta vergonha também foi vivencia<strong>da</strong> por Clara (22): "... nãosaia muito <strong>de</strong> casa com vergonha <strong>da</strong> minha pele to<strong>da</strong> mancha<strong>da</strong>".Segun<strong>do</strong> Oliveira e Romanelli (1998), as mulheres manifestamvergonha <strong>de</strong> <strong>ser</strong>em aponta<strong>da</strong>s como "leprosas", com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> rejeição social.Vergonha e constrangimento, também, foram vivencia<strong>do</strong>s porÂngelo (38). Ele diz: "Em um grupo <strong>de</strong> pessoas sadias e normais eu fico


112meio <strong>de</strong> canto e com vergonha <strong>de</strong> me aproximar. Também fico constrangi<strong>do</strong>com as pia<strong>da</strong>s feitas a meu respeito". E segue, dizen<strong>do</strong>: "Eu fico um poucochatea<strong>do</strong> em ter Hanseníase e, o que eu mais queria era ficar bom e po<strong>de</strong>rtrabalhar, novamente".To<strong>do</strong>s essessentimentos surgem a partir <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> <strong>do</strong><strong>hanseniano</strong>, um <strong>mun<strong>do</strong></strong> real e concreto. Um <strong>mun<strong>do</strong></strong> compartilha<strong>do</strong> com osfamiliares, com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, com as equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Para Yamanouchi et al. (1993), o <strong>hanseniano</strong> ain<strong>da</strong> apresenta, emrelação a sua <strong>do</strong>ença, um misto <strong>de</strong> vergonha, me<strong>do</strong> e ignorância.Oliveira (1990) refere que os <strong>hanseniano</strong>s revelam, ao mesmotempo, sentimentos <strong>do</strong> tipo vergonha, raiva, revolta, tristeza, mágoa e culpa. Ospacientes referiram vergonha em razão <strong>do</strong> seu aspecto "horripilante".Sentimento <strong>de</strong> culpa pelas <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, apresenta<strong>da</strong>s naatuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, foi vivencia<strong>do</strong> por Antônio (76). Ele recor<strong>da</strong> que fugiu <strong>de</strong> ltapuã paranunca mais voltar, pois não agüentava os horrores que presenciava, 16, nohospital: "Talvez, este tenha si<strong>do</strong> o meu erro, pois a <strong>do</strong>ença continuouprogredin<strong>do</strong> e, hoje, tenho várias seqüelas".Além <strong>de</strong>sse sentimento <strong>de</strong> culpa, Antônio (76) recor<strong>da</strong>-se <strong>do</strong> pavorvivi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> chegou ao hospital: "... fiquei apavora<strong>do</strong> ao ver o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>mutilação <strong>do</strong>s outros <strong>do</strong>entes interna<strong>do</strong>s..."


113Esse sentimento <strong>de</strong> culpa, também foi vivencia<strong>do</strong> por Julião (49),pois acha que sua família não está em melhores condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> por erros seus,cometi<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong>. Ele diz: "Eu sei que Deus faz as coisas pelo la<strong>do</strong> certo,mas nós somos pessoas trabalha<strong>do</strong>ras e penso que a minha família podiaestar melhor <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. As vezes, sinto-me culpa<strong>do</strong> por causa disto".Após enfrentar o impacto <strong>do</strong> diagnóstico <strong>da</strong> Hanseníase, os<strong>hanseniano</strong>s buscam, por meio <strong>de</strong> questionamentos, o porquê <strong>de</strong> estar comHanseníase e o quê foi feito <strong>de</strong> erra<strong>do</strong> no passa<strong>do</strong> para terem si<strong>do</strong> acometi<strong>do</strong>s poresta moléstia.Clara (22) sentiu-se culpa<strong>da</strong> pela separação <strong>de</strong> seu primeiro mari<strong>do</strong>.Durante seu primeiro casamento, ela esteve muito <strong>do</strong>ente por causa <strong>do</strong>s surtosreacionais e isto foi motivo <strong>de</strong> gastos financeiros para o ex-mari<strong>do</strong>: "... acabei meconscientizan<strong>do</strong> que eu era mesmo culpa<strong>da</strong>, pois era muito rebel<strong>de</strong>, eacabamos nos separan<strong>do</strong>".Outros sentimentos <strong>de</strong>svelaram-se nas entrevistas Falan<strong>do</strong>, umpouco, sobre a raiva e o ódio que sente, Izabel (48) expressa:Antes <strong>de</strong>ssa <strong>do</strong>ença eu era muito alegre, era extroverti<strong>da</strong>,gostava <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçar, <strong>de</strong> namorar e <strong>de</strong> brincar. Agora eusinto muita raiva <strong>de</strong> mim e <strong>da</strong>s pessoas que convivem ouque não convivem comigo. Eu não sei explicar muitobem. Imagino que este sentimento veio junto com a<strong>do</strong>ença, pois eu não tinha este ódio <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim.Roque (29), não aceitan<strong>do</strong> que alguém com <strong>do</strong>ença contagiosa nãotivesse se trata<strong>do</strong> e ain<strong>da</strong> o tivesse contamina<strong>do</strong>, manifesta sua revolta: "... se eu


114<strong>de</strong>scobrisse, acho que mataria essa pessoa sem pena por ela ter mecontamina<strong>do</strong>."Sobre essa revolta, manifesta<strong>da</strong> por Roque (29), Oliveira eRomanelli (1998) constataram que os homens representaram o impacto <strong>do</strong>diagnóstico com revolta e raiva, além <strong>de</strong> preocupação, nervosismo, <strong>de</strong>sconfiançae me<strong>do</strong>.Ele continua, dizen<strong>do</strong>: "Sinto-me angustía<strong>do</strong>, agonia<strong>do</strong> e<strong>de</strong>primi<strong>do</strong>, pensan<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> essa <strong>do</strong>ença realmente vai terminar.., sofro emsilêncio e sozinho". Tais sentimentos e questionamentos feitos por Roque (29)<strong>de</strong>vem-se ao fato <strong>de</strong> estar fazen<strong>do</strong> seu segun<strong>do</strong> tratamento, pois teve recidiva <strong>da</strong><strong>do</strong>ença.Por sentimentos semelhantes passou Francisco <strong>de</strong> Assis (48)quan<strong>do</strong> soube <strong>do</strong> diagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase: "Fiquei muito magoa<strong>do</strong> etriste...".Clara (22), apesar <strong>de</strong> jovem, apresenta sequelas físicas na <strong>do</strong>ençana mão e pé. Apesar <strong>de</strong> já haver completa<strong>do</strong> o tratamento com as medicações <strong>da</strong>poliquimioterapia (PQT), ela fala <strong>de</strong> seus sentimentos na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>: "Apesar <strong>do</strong>tratamento feito, eu não me sinto bem e não me sinto cura<strong>da</strong>, pareço estarsempre <strong>do</strong>ente. Eu quero esquecer que eu tenho Hanseníase, mas nãoconsigo. Sinto uma aflição interior muito gran<strong>de</strong>".


115E prossegue, falan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua mágoa: "Eu não sei se foi opreconceito <strong>da</strong>s pessoas ou o quê que me <strong>de</strong>ixou tão magoa<strong>da</strong>. Eu nãotenho raiva <strong>de</strong> ninguém, mas eu sinto tu<strong>do</strong> o que me fizeram".Poucos são os autores que falam a respeito e muitos são ossentimentos vivi<strong>do</strong>s pelos <strong>hanseniano</strong>s. Ramanathan et al. (1991) constataramansie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>pressão nos pacientes com <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas. Estessentimentos diminuíram após cirurgia corretiva e assistência psiquiátrica. Estaconstatação também foi feita por Bharath et al. (1997), que relataram a ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>e a <strong>de</strong>pressão como os sintomas emocionais mais comuns entre os pacientescom Hanseníase.São muitos os pacientes que se <strong>de</strong>param com o sentimento <strong>de</strong>tristeza quan<strong>do</strong> recebem o diagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase. Alguns <strong>de</strong>les, entretanto,sentem tristeza extrema e <strong>de</strong>pressão, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> apresentar idéias <strong>de</strong> suicídioFalan<strong>do</strong> sobre sua tristeza em <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>, Julião (49) recor<strong>da</strong>se<strong>da</strong> <strong>de</strong>pressão que teve e <strong>da</strong>s idéias <strong>de</strong> suicídio. Ele diz: "Esta <strong>do</strong>ença te <strong>de</strong>ixa<strong>de</strong>sanima<strong>do</strong> e se a pessoa não se cui<strong>da</strong>r ela se mata... Eu estava mal e, porduas vezes, fui para o lugar em que fazia as minhas pescarias para nãovoltar mais. Eu estava apavora<strong>do</strong>. ... Uns anos atrás eu tive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>...(silêncio)."Também, sobre sua tristeza extrema, fala Clara (22): "Têm diasque eu tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> morrer, que acor<strong>do</strong> triste com a vi<strong>da</strong> e na<strong>da</strong> temsenti<strong>do</strong>... Se não fosse pelos meus filhos eu já teria <strong>da</strong><strong>do</strong> um fim na minha


116vi<strong>da</strong>, poís eu estava muito <strong>de</strong>primi<strong>da</strong>. Se hoje eu continuo a viver é por causa<strong>de</strong>les (choro)".Ulich (1985) <strong>de</strong>fine <strong>de</strong>pressão ou esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>pressivo como umasíndrome ou conjunto <strong>de</strong> sintomas que, em razão <strong>da</strong> diminuição <strong>do</strong> bem estarpsíquico e <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> agir, constituem um transtorno psíquico. Para esteautor, manifestam-se na <strong>de</strong>pressão a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver, sentimentos <strong>de</strong>menos-valia e outros transtornos.Durante seu primeiro tratamento, aos quinze anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, Tereza(50) teve ferimentos, várias vezes, nos pés e, apesar <strong>do</strong>s remédios em uso,continuava sem recuperar a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Alfinetes, pregos e percevejos furavamseus pés: "O que me <strong>de</strong>ixou muito chatea<strong>da</strong>, lembro-me até hoje, é que eu jáestava em tratamento há anos e mesmo assim não recuperava asensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Eu não sentia na<strong>da</strong> nos pés".E, quan<strong>do</strong> recor<strong>da</strong> sobre o inicio <strong>da</strong> Hanseníase, <strong>de</strong>sabafa: "Nosanos iniciais <strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença eu me sentia muito triste e quase nãoconversava com as pessoas. Nem com os meus pais eu falava muito, mesmoque fosse sobre a Hanseníase. Eu me sentia perdi<strong>da</strong>".Sobre o recomeço <strong>do</strong> tratamento, há um ano e meio, Tereza (50)fala: "Quan<strong>do</strong> fiquei saben<strong>do</strong> <strong>da</strong> recidiva <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>repetir o tratamento, veio to<strong>da</strong> aquela lembrança <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e <strong>do</strong> inicio <strong>da</strong><strong>do</strong>ença. Voltou o <strong>de</strong>sespero!".


117Recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se sobre um <strong>ser</strong>mão que assistiu, recentemente, Tereza(50) expressa seu inconformismo em ter a<strong>do</strong>eci<strong>do</strong>: "Ficava me perguntan<strong>do</strong> ses6 eu teria Hanseníase entre to<strong>do</strong>s os que assistiam a missa".Esse inconformismo também faz-se presente no dizer <strong>de</strong> Francisco<strong>de</strong> Assis (48). Quan<strong>do</strong> recor<strong>da</strong> que ele e seus colegas <strong>de</strong> trabalho usavam to<strong>do</strong>so mesmo vestiário, ele diz: "...também não sei por que s6 eu fui ficar <strong>do</strong>ente.Essa <strong>do</strong>ença foi <strong>da</strong>r s6 em mim. Os outros estão to<strong>do</strong>s com a pele limpa".E complementa, dizen<strong>do</strong>: "Foi sofri<strong>do</strong> para mim. Tinhanecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> caminhar... tamanha era a minha ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>".Clara (22) também fala <strong>de</strong> seu inconformismo em ter Hanseníase:"Às vezes, fico olhan<strong>do</strong> para o meu irmão, ele é tão perfeito e tão normal, efico me perguntan<strong>do</strong> porque s6 eu fui a<strong>do</strong>ecer".Referente a este inconformismo em ter Hanseníase, Izabel (48)recor<strong>da</strong> <strong>do</strong> impacto, causa<strong>do</strong> pelo diagnóstico, e diz: "Meu companheiro estavame esperan<strong>do</strong> e tentou me acalmar, mas eu não me conformava com a idéia".E segue, expressan<strong>do</strong>: "Uma <strong>da</strong>s coisas que mais me assustamnão é só o ficar <strong>do</strong>ente, mas é o ficar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s outros... acho que ficar<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s outros é a coisa mais triste <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong>".


118Corroboran<strong>do</strong> o dizer supracita<strong>do</strong> cito Oliveira: "A vergonha <strong>da</strong><strong>de</strong>pendência é um sentimento liga<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> à per<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, fatomarcante para os pacientes" (1990, p.20). Para esta autora, isto também po<strong>de</strong>significar um sentimento <strong>de</strong> inutili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Outros sentimentos emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta vivência estão relaciona<strong>do</strong>srejeição e ao isolamento. Maria (62), quan<strong>do</strong> recebeu a confirmação <strong>de</strong> seudiagnóstico, refere: "... era rejeita<strong>da</strong> pela mãe a<strong>do</strong>tiva, a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> local meevitava e ain<strong>da</strong> precisava ficar isola<strong>da</strong> em minha própria casa... Não aceitavao tratamento nem as medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> isolamento impostas a mim. Não podia sair<strong>do</strong> quarto nem ir aos bailes ou cinema Isto não era vi<strong>da</strong> ..."Marta (65), recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> sua prisão <strong>do</strong>miciliar, durante seuprimeiro tratamento, em 1954, <strong>de</strong>sabafa: "Na época <strong>de</strong> praia, quan<strong>do</strong> to<strong>da</strong> afamília viajava, eu ficava em casa com uma tia velha. Era uma tia avó muitoqueri<strong>da</strong>, mas eu me sentia aban<strong>do</strong>na<strong>da</strong>... sofria <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa".Outros sentimentos ain<strong>da</strong> emanaram, a partir <strong>de</strong>ste fenômeno. Marta(65) segue, lembran<strong>do</strong> <strong>do</strong> pavor senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>, apesar <strong>de</strong> ter-se cui<strong>da</strong><strong>do</strong>,engravi<strong>do</strong>u <strong>do</strong> primeiro filho: "Entrei em pânico, pois não sabia o que fazer nemse teria <strong>de</strong> abortar. O médico tranqüilizou-me e o tratamento foi interrompi<strong>do</strong>ao final <strong>da</strong> gestação... Meu filho nasceu saudável".Conforme revisão, feita por Pinto (1995), sobre a evolução <strong>da</strong>Hanseníase, através <strong>do</strong>s tempos, a segregação e o confinamento impostos aos


119<strong>hanseniano</strong>s vão suscitar, ain<strong>da</strong> por muito tempo, o surgimento <strong>de</strong> sentimentosambíguos por causa <strong>de</strong>ste processoMuitos são os sentimentos relata<strong>do</strong>s e vivencia<strong>do</strong>s, difícil, porém, éconseguir escrevê-los em um papel, sob forma <strong>de</strong> texto, pois um papel não vive,não sente e não consegue transmitir tu<strong>do</strong> o que eles, realmente, expressam.Ca<strong>da</strong> vez que aten<strong>do</strong> a um paciente com Hanseníase ou queescuto, novamente, as fitas com as entrevistas <strong>de</strong>ste trabalho, sensibilizo-memais, mais e mais... Espero po<strong>de</strong>r transmitir, <strong>de</strong> alguma forma, o grito <strong>de</strong> alerta eo pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> socorro <strong>de</strong>stes <strong>ser</strong>es (humanos) <strong>hanseniano</strong>s.4.3 SOBRE O INTRAPESSOAL: A RELAÇÃO MAISVERDADEIRA COMIGO MESMOA Hanseníase gera várias mu<strong>da</strong>nças na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oaceitar-se como <strong>do</strong>ente até a convivência com o preconceito e a discriminação,com seqüelas físicas e emocionais. Passar por to<strong>da</strong>s estas mu<strong>da</strong>nças exige,primeiramente, o encontro com o seu eu pessoal, com o seu "self.Para Hamachek, o "self' <strong>de</strong> uma pessoa:é a soma total <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar comopertencente a si mesma. O "self" inclui, entre outras coisas,um sistema <strong>de</strong> idéias, atitu<strong>de</strong>s, valores e compromissos. O"self" é o ambiente subjetivo total <strong>de</strong> uma pessoa; é ocentro <strong>de</strong> experiência e significância distintas. O"self" constitui o <strong>mun<strong>do</strong></strong> interior <strong>de</strong> uma pessoa como


120distinto <strong>mun<strong>do</strong></strong> externo consistente <strong>de</strong> outras pessoas ecoisas (1979, p3).Para Radünz (1999), o "self" é tu<strong>do</strong> aquilo que o <strong>ser</strong> humano é e tu<strong>do</strong>o que diz respeito ao que ele <strong>de</strong>nomina "eu".O <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase está com o seu "self altera<strong>do</strong>, pois precisaressignificar-se como <strong>ser</strong> (humano) <strong>hanseniano</strong>, conviver com atitu<strong>de</strong>sdiscriminatórias, impostas pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que faz parte e a<strong>da</strong>ptar-se a umanova imagem corpora! que se altera, esteticamente, por redistribuição <strong>de</strong> gorduracorporal, per<strong>da</strong> <strong>do</strong>s pêlos ou surgimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas. Tu<strong>do</strong> isto,também, acaba por interferir na sua auto-estima.4.3.1 Conviven<strong>do</strong> com o Preconceíto e a DiscriminaçãoO preconceito ao <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase atinge a esfera pessoal etambém profissional, pois ele ob<strong>ser</strong>va as mu<strong>da</strong>nças <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas <strong>da</strong> suaconvivência e <strong>de</strong> seu ambiente <strong>de</strong> trabalho.Para Hamachek, o "self" <strong>de</strong> uma pessoa cresce <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umcontexto social. Segun<strong>do</strong> este autor,"a interação social surge como um meto <strong>de</strong> troca mediante oqual afiamos as nossas percepções <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> exterior,<strong>de</strong>senvolvemos as nossas habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s interpessoais eadquirimos atitu<strong>de</strong>s a respeito <strong>de</strong> nós mesmos" (1979, p.16).


121Entretanto, sen<strong>do</strong> isola<strong>do</strong> por uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> preconceituosa eignorante a respeito <strong>da</strong> Hanseníase, esta interação social <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir,contribuin<strong>do</strong> para alterações no "self” <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>.Percebi, pelos <strong>de</strong>poimentos e no atendimento diário aos <strong>hanseniano</strong>s,que são claros o preconceito e a discriminação vivencia<strong>do</strong>s por eles.Izabel (48):Sobre a atitu<strong>de</strong> <strong>da</strong>s pessoas, quan<strong>do</strong> souberam <strong>da</strong> Hanseníase, falaIncomo<strong>da</strong> muito o preconceito <strong>da</strong>s pessoas. Elaspassaram a me olhar diferente e <strong>de</strong> longe... Elas nãochegam perto <strong>de</strong> mim e procuram falar o mínimo possívelcomigo, como se o simples fato <strong>de</strong> olhar já transmitisseHanseníase. A minha casa vivia cheia <strong>de</strong> visitas e <strong>de</strong> umahora para outra os vizinhos nem me cumprimentam mais.Eu tinha amigos que não saiam <strong>da</strong> minha casa e elesnunca mais foram me visitar. Para amiza<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vinte outrinta anos <strong>de</strong> duração, subitamente, acabarem, eu sóposso imaginar que foi por causa <strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença.Ninguém chega perto <strong>de</strong> mim, pelo menos a maioria <strong>do</strong>smeus amigos se afastaram e não chegam perto mesmo.As amigas com melhor situação econômica nem metelefonam.E quan<strong>do</strong> se refere as suas irmãs, ela <strong>de</strong>sabafa:... isso dói dizer, mas no meu caso a discriminação maiorcomeçou na própria família... Logo no inicio <strong>da</strong> minha<strong>do</strong>ença, eu estava na casa <strong>de</strong> minha irmã e <strong>de</strong>sarrumei ocabelo ao vestir uma blusa... Pedi um pente empresta<strong>do</strong> eela procurou pela casa to<strong>da</strong> até encontrar um bem velhoque eu pu<strong>de</strong>sse usar. Deu-me ele, dizen<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>riaficar para mim <strong>de</strong> "presente". Se precisasse <strong>de</strong> uma roupaempresta<strong>da</strong> a história se repetia... Percebia o me<strong>do</strong> <strong>de</strong>mim e <strong>de</strong> contrair a <strong>do</strong>ença, por isto, ganhava tantos"presentes" velhos. Até as visitas a minha casa mu<strong>da</strong>ram.Antes eram horas <strong>de</strong> convívio, agora, não passam <strong>de</strong> <strong>de</strong>zou quinze minutos ca<strong>da</strong> visita. É impossível não notar adiferença.


122Vivências como as <strong>de</strong> lzabel (48), sentin<strong>do</strong> a maneira diferente <strong>de</strong> <strong>ser</strong>trata<strong>da</strong>, após a divulgação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, são comuns entre os <strong>hanseniano</strong>s. Estasatitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discriminação afetam o "eu" pessoa! <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s.Antônio (76) também vivenciou essa discriminação e distanciamento<strong>do</strong>s conheci<strong>do</strong>s e colegas <strong>de</strong> <strong>ser</strong>viço: "Em ci<strong>da</strong><strong>de</strong> pequena as notícias corremrápi<strong>do</strong> <strong>de</strong>mais. Quan<strong>do</strong> souberam que eu tinha lepra, por mais que aspessoas tentassem não <strong>de</strong>monstrar, eu sentia que elas me evitavam".criança:Clara (22) recor<strong>da</strong>-se <strong>do</strong> inicio <strong>do</strong> seu tratamento quan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> eraJunto com o diagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase começou opreconceito <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> minha própria família. Apóssaberem <strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença, a maioria <strong>do</strong>s parentes seafastou <strong>de</strong> mim, inclusive a minha própria mãe. Um <strong>do</strong>smeus tios não <strong>de</strong>ixava nem a sua namora<strong>da</strong> brincarcomigo.residia ela <strong>de</strong>sabafa:E, lembran<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> preconceito <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> na qualDurante minha infância e a<strong>do</strong>lescência também fui muitodiscrimina<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Primeiro,não queriam me aceitar na escola pública, mas meu avôinterveio e pu<strong>de</strong> continuar estu<strong>da</strong>n<strong>do</strong>. Claro, que eramotivo <strong>de</strong> pia<strong>da</strong>s e recebia apeli<strong>do</strong>s varia<strong>do</strong>s, mas seguiestu<strong>da</strong>n<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> tinha uns <strong>de</strong>z anos, fui impedi<strong>da</strong> <strong>de</strong>freqüentar o clube, nesta mesma ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois<strong>de</strong>scobriram que eu tinha Hanseníase. Mesmo eu estan<strong>do</strong>em tratamento e eles saben<strong>do</strong> que não havia risco <strong>de</strong>contaminação, impediram-me <strong>de</strong> freqüentar a piscina.


123Situação semelhante foi vivencia<strong>da</strong> por Fé (66). Ela se recor<strong>da</strong> <strong>da</strong>mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>, ob<strong>ser</strong>va<strong>da</strong> no comportamento <strong>da</strong>queles que conviviam comela: "Os parentes e amigos <strong>da</strong> minha nora sempre me cumprimentavam combeijos e abraços. A partir <strong>da</strong>quele momento s6 me cumprimentavamverbalmente e <strong>de</strong> longe. Minha nora já havia conta<strong>do</strong> para to<strong>do</strong>s".Marta (65), reconhecen<strong>do</strong> a presença <strong>de</strong> brigas por negócios <strong>de</strong>família <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong>, fala <strong>da</strong> discriminação feita por sua sogra contra ela e,indiretamente, contra sua família, quan<strong>do</strong> ela saiu, contan<strong>do</strong> para as pessoassobre a Hanseníase: "Até hoje eu não sei porque ela queria nos excluir <strong>de</strong>tu<strong>do</strong>. Ela usou a minha <strong>do</strong>ença para nos prejudicar".Mas a discriminação e o preconceito não existem apenas em nivel <strong>de</strong>relacionamento interpessoal. Também em nivel profissional o <strong>hanseniano</strong> vivenciaestas atitu<strong>de</strong>s.Roque (29) recor<strong>da</strong>-se <strong>de</strong> seu chefe, perguntan<strong>do</strong> sobre suas saí<strong>da</strong>sfreqüentes para consultar e sobre qual <strong>ser</strong>ia sua <strong>do</strong>ença, até que foi <strong>de</strong>miti<strong>do</strong>:"Alegaram que a empresa não precisava mais <strong>do</strong>s meus <strong>ser</strong>viços, mas eu<strong>de</strong>sconfio que foi por causa <strong>da</strong>s minhas i<strong>da</strong>s freqüentes ao médico e porqueeles <strong>de</strong>scobriram sobre a Hanseníase".Situação semelhante <strong>de</strong> per<strong>da</strong> <strong>do</strong> emprego foi vivencia<strong>da</strong> porAngelo (38):Trabalhava bem num dia e no outro precisava voltar aomédico e repousar. Então, eles me <strong>de</strong>mitiram... A vi<strong>da</strong>ficou difícil para


124mint, pois eu fiquei sem emprego e praticamenteisola<strong>do</strong>... Mesmo, sen<strong>do</strong> um profissional conheci<strong>do</strong>, elesolham para mim e li<strong>do</strong> me contratam para trabalhar porcausa <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, <strong>da</strong> minha aparência física e <strong>do</strong> me<strong>do</strong> <strong>do</strong>contágio.E quan<strong>do</strong> se recor<strong>da</strong> <strong>da</strong> esposa, tentan<strong>do</strong> conseguir-lhe empregotemporário na praia, <strong>de</strong>sabafa: "Quan<strong>do</strong> eles me olharem e virem que estou<strong>de</strong>forma<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>ença vai <strong>ser</strong> difícíl garantir a vaga, mesmo assim voutentar".Conforme Chaturvedi e Kartikeyan (1990), a maioria <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes <strong>de</strong>Hanseníase havia perdi<strong>do</strong> o emprego após o surgimento <strong>da</strong>s <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicascausa<strong>da</strong>s pela <strong>do</strong>ença.Em estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> por Oliveira e Romanelli (1998), alguns homensrelataram dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s no trabalho com o aparecimento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Além <strong>da</strong>smanifestações físicas, a indisposição e a preocupação limitaram sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>produtiva que, associa<strong>da</strong>s á ausência mensal ao trabalho para o tratamento,colocaram em risco a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> emprego. Assim, muitos preferiram ocultara <strong>do</strong>ença para não <strong>ser</strong>em <strong>de</strong>spedi<strong>do</strong>s.Comumente, o i<strong>de</strong>al corporal <strong>de</strong> uma pessoa se ajusta aos padrõesculturais prevalecentes <strong>do</strong> que seja ou não uma aparência agradável. As pessoasreagem não apenas ao que dizemos e fazemos, mas também a nossa aparênciaPara Hamachek (1979), a parte mais tangível <strong>do</strong> nosso "self é ocorpo físico. Nossa aparência física é a característica pessoal acessível aosoutros em quase to<strong>da</strong>s as interações sociais.


125Ângelo (38) e tantos outros <strong>do</strong>entes, <strong>de</strong>forma<strong>do</strong>s pela Hanseníase,apresentam características corporais que permitem sua i<strong>de</strong>ntificação como<strong>hanseniano</strong>s. Este aspecto "<strong>do</strong>ente" é uma <strong>da</strong>s causas <strong>do</strong> preconceito e <strong>da</strong>discriminação sofri<strong>do</strong>s por estas pessoas.Maria (62) recor<strong>da</strong>-se <strong>da</strong> época que esteve interna<strong>da</strong> em Itapuã e,lembran<strong>do</strong>-se <strong>da</strong>s peças <strong>de</strong> teatro que os <strong>do</strong>entes faziam, diz: "Nasapresentações <strong>da</strong>s pegas teatrais, a população sadia <strong>da</strong> vila fícava nomezanino e os <strong>do</strong>entes internos na platéia <strong>do</strong> teatro, mas respirávamos omesmo ar".Outro aspecto vivencia<strong>do</strong> foi o preconceito por parte <strong>do</strong>sprofissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Clara (22), certo perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>, teveacompanhamento psiquiátrico, mas quan<strong>do</strong> contou sobre a Hanseníase para amédica, ela se recor<strong>da</strong> <strong>da</strong> reação <strong>de</strong>la:Enquanto eu falava apenas <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> ela me ouviacom tranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong>, até porque ela recebia para isto. Apóster conta<strong>do</strong> sobre a minha aflição em <strong>ser</strong> <strong>do</strong>ente <strong>de</strong>Hanseníase e <strong>do</strong>s sentimentos surgi<strong>do</strong>s por causa <strong>da</strong><strong>do</strong>ença, eu ob<strong>ser</strong>vei mu<strong>da</strong>nça no seu comportamento.Ela passou a não ter horários para me aten<strong>de</strong>r e ain<strong>da</strong>encaminhou-me para outro colega...E quan<strong>do</strong> teve seus filhos, em hospitais <strong>de</strong> Porto Alegre, ela fala:Quan<strong>do</strong> eles nasceram, em hospitais aqui <strong>de</strong> PortoAlegre, também fui discrimina<strong>da</strong> por causa <strong>da</strong>Hanseníase. Meu mari<strong>do</strong> diz que e besteira <strong>da</strong> minhacabeça, mas a gente sente quan<strong>do</strong> é trata<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneiradiferente. As enfermeiras quase não conversavamcomigo e quan<strong>do</strong> chegavam perto já diziam que eu tinhaaquele outro probleminha.


126Ferreira et al. (1989) relatam a questão <strong>do</strong> estigma por parte <strong>do</strong>profissional médico, aos <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase, que muitas vezes eramconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s contagiosos, incuráveis e inaptos ás relações sociais.Enfrentar a Hanseníase, <strong>do</strong>ença carrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> estigma <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osprimórdios <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> não é fácil, pois os sintomas, as <strong>do</strong>res e as<strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas afetam a vi<strong>da</strong> pessoal e <strong>de</strong> relação <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>. Se,entretanto, a <strong>do</strong>ença vier acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> preconceito e discriminação por parte<strong>da</strong>queles que convivem com o <strong>do</strong>ente, diariamente, mais difícil ain<strong>da</strong> <strong>ser</strong>á a cura ea reabilitação <strong>da</strong>queles que sofrem <strong>de</strong>sta e com esta moléstia.4.3.2 Conviven<strong>do</strong> com as Seqüelas FísicasA Hanseníase <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> por <strong>do</strong>is aspectos: como uma<strong>do</strong>ença contagiosa e como uma <strong>do</strong>ença capaz <strong>de</strong> provocar <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicasinestéticas e incapacitantes.Apesar <strong>da</strong> diminuição <strong>da</strong> prevalência <strong>da</strong> Hanseníase, após aintrodução <strong>da</strong> poliquimioterapia, a situação referente As <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e àsincapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas continuam inaltera<strong>da</strong>s. Para um paciente com seqüelas, acura completa <strong>de</strong> sua moléstia só ocorrerá após a sua correção cirúrgica erespectivo suporte emocional.


127E importante consi<strong>de</strong>rar que os <strong>da</strong><strong>do</strong>s sobre incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s sãoobti<strong>do</strong>s <strong>da</strong> prevalência <strong>de</strong> casos ativos <strong>de</strong> Hanseníase. Com a redução <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><strong>de</strong> tratamento com a poliquimioterapia, os pacientes <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s cura<strong>do</strong>s não maissão avalia<strong>do</strong>s e, por isto, não mais constam <strong>do</strong>s registros oficiais.Por tal razão, po<strong>de</strong>mos inferir que o problema <strong>de</strong> existência <strong>de</strong>pacientes com <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> mais grave <strong>do</strong> que pensamos, pois estariaocorren<strong>do</strong> subnotificação <strong>da</strong>s incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, por parte <strong>do</strong>s órgãos quecontrolam os <strong>da</strong><strong>do</strong>s epi<strong>de</strong>miológicos.Conforme Virmond (1995), uma que<strong>da</strong> na prevalência <strong>da</strong> Hanseníasee uma diminuição <strong>da</strong> proporção <strong>de</strong> casos novos com incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s não significauma diminuição na prevalência <strong>da</strong>s seqüelas físicas.Ain<strong>da</strong> que o diagnóstico precoce e o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> tratamento tenhamreduzi<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> pacientes seqüela<strong>do</strong>s, o potencial incapacitante <strong>da</strong>Hanseníase é fato concreto e po<strong>de</strong>mos esperar um número importante <strong>de</strong> pacientescura<strong>do</strong>s com chances <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas mesmo após a alta porcura.Marta (65), que após completar seu primeiro tratamento nãoapresentava <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, hoje, fazen<strong>do</strong> seu terceiro tratamento referesentir seu pé, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> os movimentos. Ela diz:O meu pai já está com a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> altera<strong>da</strong> e isto temme prejudica<strong>do</strong>. Também estou ten<strong>do</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s paramovimentá- lo e estes sintomas eu não tinha quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>início <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.


128Para caminhar, eu já estou com dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e, se piorarmuito, não po<strong>de</strong>rei mais dirigir.Ela continua:Sou caprichosa, tomo meus remédios corretamente enão falho nem um dia. Tenho me<strong>do</strong> <strong>de</strong> parar otratamento e as seqüelas piorarem. Isto me preocupamuito, ain<strong>da</strong> mais que tenho senti<strong>do</strong> piora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> otérmino <strong>do</strong> primeiro tratamento, quan<strong>do</strong> recebi alta porcura.E, ain<strong>da</strong>, fala o que sente na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>:tipo um formigamento e o pé está instável. Sinto comose tivesse caminhan<strong>do</strong> em algo oco... Não tenho maisfirmeza no pé e já me aconteceu <strong>de</strong> cair várias vezes.Também sinto este formigamento nos bravos e naspernas. Faço massagem com óleo para ver se melhora,mas penso que não vou mais recuperar a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>normal <strong>de</strong> antes.Em consulta recente com esta paciente, ela refere estar muitopreocupa<strong>da</strong>, pois percebe que seu pé esta atrofian<strong>do</strong>, apesar <strong>do</strong> tratamento emcurso. Orientei algunsexercícios simples para os movimentos <strong>do</strong> pé eencaminhei-a para o fisioterapeuta, pois, infelizmente, não temos este profissionalna equipe <strong>do</strong> ambulatório.apresenta:Clara (22) <strong>de</strong>sabafa quan<strong>do</strong> fala a respeito <strong>da</strong>s seqüelas quePor causa <strong>do</strong> <strong>de</strong>scui<strong>do</strong> <strong>de</strong> minha mãe, hoje em dia, euapresento algumas seqüelas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Minha mão éatrofia<strong>da</strong> e meu pé tem úlceras plantares abertasesporadicamente. Para mim, estas cicatrizes significamo mesmo que a <strong>do</strong>ença em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>sprecisam <strong>ser</strong> manti<strong>do</strong>s. Estas seqüelas físicas chamama atenção <strong>da</strong>s pessoas, que ficam me olhan<strong>do</strong>.


129Hanseníase, fala:Tereza (50), recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> seu primeiro tratamento paraNas pernas fiquei com cicatrizes <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às úlceras e nosbraços vivia me queiman<strong>do</strong> no fogão e fazen<strong>do</strong> bolhas,pois não tinha sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao calor ou à <strong>do</strong>r. Quan<strong>do</strong>eu já estava em tratamento, lembro-me <strong>de</strong> uma vez quecheguei no <strong>ser</strong>viço com o pé sangran<strong>do</strong>. Estava usan<strong>do</strong>um sapato novo e uma tarrachinha havia perfura<strong>do</strong> omeu pé. Caminhei uma distância enorme e não senti omachuca<strong>do</strong>, pois meus pés eram anestesia<strong>do</strong>s.Na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, Tereza (50) esta aposenta<strong>da</strong> pelo INSS, por causa <strong>da</strong>neuropatia hansênica que resultou em anestesia <strong>do</strong>s pés e atrofia <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suasmãos: "Algumas pessoas pensam que eu recebo este benefício por causa<strong>da</strong>s alergias que eu tinha quan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> trabalhava na firma. Elas pensamque a atrofia <strong>da</strong> minha mão esquer<strong>da</strong> seja por causa <strong>da</strong> força necessária paracosturar o couro.Para Oliveira e Romanelli (1998), as mulheres se preocupam com as<strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, uma vez que as lesões incapacitantes, provenientes <strong>da</strong>Hanseníase, além <strong>de</strong> tornarem visível a <strong>do</strong>ença, po<strong>de</strong>m contribuir, dificultan<strong>do</strong>ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> cotidiano e tarefas <strong>do</strong>mésticas.Algumas vezes, as sequelas físicas causa<strong>da</strong>s pela Hanseníase nãosão visíveis, porque o <strong>do</strong>ente não tem <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong> física, mas falta-lhe força nasmãos e pés, impedin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> realizar seu trabalho e ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s diárias.Julião (49), alivia<strong>do</strong> por não ter <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, comenta: "EuSempre fui trabalha<strong>do</strong>r, nunca tive preguiça e, então, comecei a <strong>de</strong>sanimar e


130a per<strong>de</strong>r as forças. O meu corpo é perfeito, graças a Deus, eu não tenhonenhum <strong>de</strong>feito físico, mas eu não tenho força muscular".E sobre as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> cotidiano, comenta:Agora eu não sou mais 70% <strong>do</strong> que eu era. Não possocorrer, jogar futebol, an<strong>da</strong>r <strong>de</strong> bicicleta, cortar lenha,pescar ou trabalhar, pois as pernas não obe<strong>de</strong>cem ao meucoman<strong>do</strong>. Eu gosto <strong>de</strong> trabalhar, não sou preguiçoso, sóque, agora, tenho que fazer tu<strong>do</strong> bem <strong>de</strong>vagar e na lenta.Até para varrer o pátio ou fazer <strong>ser</strong>viços <strong>da</strong> casa tem que<strong>ser</strong> por etapas, pois se eu fizer tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma vez só fico<strong>do</strong>lori<strong>do</strong> e imprestável no dia seguinte, não dá para fazer.Roque (29) também vivenciou situação semelhante:Hoje em dia, eu não consigo trabalhar em <strong>ser</strong>viçospesa<strong>do</strong>s. Os pés ficam incha<strong>do</strong>s, as pernas <strong>do</strong>em e aminha pele fica cheia <strong>de</strong> caroços avermelha<strong>do</strong>s. Estasreações me atrapalham muito, o mal-estar é gran<strong>de</strong>. Eu nãoposso, mesmo, fazer força. Fico pensan<strong>do</strong> se o resto <strong>da</strong>minha vi<strong>da</strong> vai <strong>ser</strong> assim, sem po<strong>de</strong>r fazer na<strong>da</strong>.E segue, falan<strong>do</strong>, consciente <strong>de</strong> que estas seqüelas permanecerão:Sei que algumas seqüelas não <strong>de</strong>saparecerão. Não tenhoboa sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> nas mãos, posso me queimar e nãosinto. Só vou ver que me machuquei no dia seguinte,quan<strong>do</strong> aparecem as bolhas. Nos pés recuperei um pouco<strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas sinto <strong>do</strong>res e <strong>do</strong>rmência.Ângelo (38) apresenta comprometimento e alteração <strong>da</strong> estrutura <strong>do</strong>nariz. Por causa <strong>da</strong> Hanseníase, ele ficou com o chama<strong>do</strong> "nariz em sela" etambém tem dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> realizar tarefas cotidianas, pois sente <strong>do</strong>res nas


131pernas. Ele diz: "... ain<strong>da</strong> tenho <strong>do</strong>res nas pernas e muito cansaço. Se fossepara voltar a trabalhar em uma firma, eu não agüentaria ficar em pé..."E continua, dizen<strong>do</strong>: "Houve uma época que eu jogava váriasparti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> futebol sem cansar, mas, agora, não consigo mais. Sintocansaço e <strong>do</strong>res nas pernas até para caminhar ou an<strong>da</strong>r <strong>de</strong> bicicleta.Antigamente, a <strong>do</strong>r aliviava após um banho, mas, hoje, não alivia mais".A Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença carrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> estigma, preconceito etabus que, infelizmente, persistem até os dias <strong>de</strong> hoje, acarretan<strong>do</strong> <strong>da</strong>nosconsi<strong>de</strong>ráveis ao <strong>do</strong>ente, tanto físicos quanto emocionais.Oliveira (1990) refere que quan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>ença vem acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong>lesões visíveis e <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o <strong>hanseniano</strong> passa a ter <strong>de</strong>svantagens físicas erestrições funcionais que <strong>de</strong>spertam a curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> outras pessoas.Antônio (76), que aban<strong>do</strong>nou seu primeiro tratamento quan<strong>do</strong> tinhaapenas uma mínima lesão na coxa, hoje, tem dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s importantes para<strong>de</strong>senvolver tarefas <strong>do</strong> dia a dia, pois tem graves <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas nas mãos enos pés. Ele comenta:... A pele, os cabelos, as mãos e os pés eram perfeitos,como os <strong>de</strong> outra pessoa qualquer... <strong>de</strong>pois, não seiprecisar exatamente quan<strong>do</strong>, as mãos foram atrofian<strong>do</strong>,os <strong>de</strong><strong>do</strong>s encurtan<strong>do</strong> e endurecen<strong>do</strong>. Hoje as minhas"li<strong>do</strong>s não seguram mais na<strong>da</strong>, prego, martelo, chaves,talheres. Para comer já está difícil e para escrever onome, então, é uma briga. Só funcionam os trêsprimeiros <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong> mão esquer<strong>da</strong> e eles ain<strong>da</strong> não sãoperfeitos. Silo <strong>do</strong>rmentes. Sei que minhas mãos nãovoltarão mais ao normal.


132Vieira (1997) comenta sobre a importância <strong>da</strong> realização <strong>do</strong>diagnóstico <strong>da</strong>s incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas e <strong>da</strong> utilização <strong>de</strong> técnicas simples <strong>de</strong>prevenção, visan<strong>do</strong> contribuir para a orientação e o tratamento <strong>do</strong>s pacientes comHanseníase.Tal fato é <strong>de</strong> suma importância para evitar que se chegue asituações como as vivencia<strong>da</strong>s por Antônio (76), que segue falan<strong>do</strong> sobre a sua<strong>de</strong>pendência atual <strong>da</strong> esposa para fazer praticamente tu<strong>do</strong>:Evito sobrecarregá-la, mas é preciso que ela faça quasetu<strong>do</strong> para mim: os curativos, aplicação <strong>do</strong> colírio,abotoar a camisa, colocar minhas meias e calça<strong>do</strong>s...Então, eu procuro aju<strong>da</strong>r no que posso, mas só consigo,mesmo, é varrer a calça<strong>da</strong> e arrumar o lixo para ocaminhão levar.Percebi, pelos <strong>de</strong>poimentos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, que a convivênciacom as seqüelas exige várias a<strong>da</strong>ptações pessoais, tanto físicas quantoemocionais, à nova condição física. 0 i<strong>de</strong>al <strong>ser</strong>ia po<strong>de</strong>r preveni-las, mas nemsempre isto é possível, pois a Hanseníase po<strong>de</strong> seguir seu curso incapacitante,apesar <strong>da</strong> correta terapêutica instituí<strong>da</strong>.Resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pesquisas, abor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s diárias <strong>do</strong>s<strong>hanseniano</strong>s em conviver com suas seqüelas são muito escassos, mas penso quea partir <strong>da</strong>s vivências <strong>de</strong>stes entrevista<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>ria <strong>ser</strong> <strong>da</strong><strong>da</strong> a parti<strong>da</strong> em ouviroutros <strong>do</strong>entes e procurar compreendê-los e auxiliá-los.Segun<strong>do</strong> Brasil Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> (1993), to<strong>do</strong>s os pacientes <strong>de</strong>Hanseníase, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente, <strong>da</strong> forma clinica, <strong>de</strong>veriam <strong>ser</strong> avalia<strong>do</strong>s no


133momento <strong>do</strong> diagnóstico e, no mínimo, uma vez ao ano, classifica<strong>do</strong>s quanto aograu <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas como seguir tal norma se nem to<strong>da</strong> a população temacesso aos <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e chegam para tratamento já em estágio avança<strong>do</strong><strong>da</strong> <strong>do</strong>ença?Virmond (1995) relata, pela sua experiência, adquiri<strong>da</strong> com arecuperação <strong>de</strong> <strong>do</strong>entes seqüela<strong>do</strong>s, que a prevenção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e areabilitação assumem papel prepon<strong>de</strong>rante, uma vez que a incidência <strong>da</strong>s<strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas diminuiu muito pouco.4.3.3 Reencontran<strong>do</strong>-se: <strong>da</strong> Per<strong>da</strong> ao Resgate <strong>da</strong> Auto-EstimaPor to<strong>do</strong>s os conflitos pelos quais passa o <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase,discriminação, preconceito, per<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> laborativa e modificação <strong>do</strong>corpo com o aparecimento <strong>da</strong>s seqüelas físicas, a auto-estima também se altera.Estima, conforme o Novo Dicionário <strong>da</strong> Língua Portuguesa, <strong>de</strong>Aurélio Buarque <strong>de</strong> Holan<strong>da</strong>, significa um sentimento <strong>da</strong> importância ou <strong>do</strong> valor<strong>de</strong> alguém ou alguma coisa, além <strong>de</strong> significar apreço, consi<strong>de</strong>ração e respeito.Para Hamachek (1979), a auto-estima é como nos sentimos arespeito <strong>de</strong> nós mesmos. Portanto, auto-estima é o conjunto <strong>de</strong> idéias esentimentos que possuímos a respeito <strong>do</strong> que imaginamos <strong>ser</strong>. Refere-se ao queadmiramos e valorizamos em nós mesmos.


134Na minha pratica diária <strong>de</strong> atendimento aos <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase,percebo que eles chegam para as consultas cabisbaixos e retraí<strong>do</strong>s, sentin<strong>do</strong>-se<strong>de</strong>svaloriza<strong>do</strong>s.Fé (66) quan<strong>do</strong> chegou ao ambulatório, acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> seumari<strong>do</strong>, estava magoa<strong>da</strong> e ressenti<strong>da</strong> por suas vivências anteriores: a rejeição <strong>de</strong>um <strong>de</strong> seus fílhos, <strong>da</strong> nora e <strong>do</strong>s netos e a discriminação <strong>de</strong> amigos. Ela diz: "Eunão quis fazer drama, pois já estava feri<strong>da</strong>, mesmo, por <strong>de</strong>ntro... Sentia-mecomo um ratinho".E continua, dizen<strong>do</strong> com muita emoção:Além <strong>do</strong> <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> ter a <strong>do</strong>ença, há o jeito <strong>de</strong> tratar os<strong>do</strong>entes: como um lixo, como um trapo, como uma coisaque não <strong>ser</strong>ve mais à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isto acabou comigo. Fuime <strong>de</strong>sgostan<strong>do</strong> e largan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>. Por muito tempo nãoquis saber <strong>de</strong> na<strong>da</strong>, <strong>de</strong> tão <strong>de</strong>cepciona<strong>da</strong> estava comtu<strong>do</strong> pelo qual havia passa<strong>do</strong>. Eu estava me sentin<strong>do</strong> umlixo. Sentia-me como algo que havia apodreci<strong>do</strong> e estavaaban<strong>do</strong>na<strong>da</strong> em um canto, sem mais utili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Izabel (48) viveu situação semelhante. Ela fala com muitosentimento: "Quan<strong>do</strong> a gente recebe a notícia <strong>de</strong> que está com Hanseníase, agente se sente uma coisa suja, um lixo ou até menos <strong>do</strong> que um lixo".E prossegue, dizen<strong>do</strong>:A gente fica magoa<strong>da</strong> e vai se enfian<strong>do</strong> numa conchinha.Eu acho que a maioria <strong>da</strong>s pessoas se sentem, assim,pois eu converso muito com outros <strong>do</strong>entes aqui. Aminha vonta<strong>de</strong> era <strong>de</strong> me escon<strong>de</strong>r no mato, pois achoque este <strong>ser</strong>ia o único lugar aon<strong>de</strong> eu iria realmente mesentir bem. Eu gostaria <strong>de</strong> ficar algum tempo em contatocom a natureza e os bichinhos, para ver se eu recuperoum pouco <strong>de</strong> mim.


135Percebi, nas falas <strong>de</strong> Izabel (48) e <strong>de</strong> Fé (66), o isolamentoemocional, vivencia<strong>do</strong> pelos <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase, pois eles <strong>de</strong>sanimam-secom as atitu<strong>de</strong>s <strong>da</strong>s pessoas que os cercam.Conforme Hamachek:no isolamento emocional, o indivíduo tenta reduzir suasnecessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e receios ao se retrair numa espécie <strong>de</strong>"concha". Como conseqüência <strong>de</strong> mágoas prece<strong>de</strong>ntes e<strong>de</strong>sapontamentos anteriores, às vezes, apren<strong>de</strong>mos a nosentrincheirar... (1979, p.29)Esse autor prossegue, dizen<strong>do</strong> que convenientemente <strong>do</strong>sa<strong>do</strong>, oisolamento emocional é uma <strong>de</strong>fesa importante contra o excesso <strong>de</strong> mágoas e<strong>de</strong>sapontamentos. Entretanto, quan<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> a ponto <strong>da</strong> pessoa se "tornar umailha em si mesma" po<strong>de</strong> comprometer a vi<strong>da</strong> emocional <strong>da</strong>s pessoas.Roque (29), conviven<strong>do</strong> com as mu<strong>da</strong>nças provoca<strong>da</strong>s pela <strong>do</strong>ençaem seu corpo, <strong>de</strong>sabafa: "Agora estou gor<strong>do</strong>, as mamas aumentaram, s6tenho pêlos na cabeça e minhas pernas estão cheias <strong>de</strong> cicatrizes. Com a<strong>do</strong>ença, passei a sentir nojo <strong>de</strong> mim".Clara (22) vivencia processo semelhante:Fico magoa<strong>da</strong> quan<strong>do</strong> me olho no espelho e não gosto<strong>do</strong> que vejo: "eu" <strong>de</strong>forma<strong>da</strong> pela <strong>do</strong>ença. A mão é torta,a pele é mancha<strong>da</strong> e o pé é <strong>de</strong>feituoso. Eu me sintomuito mal, mas é uma coisa só minha. 0 problema soueu e não os outros (choro)... Eu não consigo aceitar aHanseníase... Eu me sinto diferente (choro). Não sei sevou conseguir curar isto. Não tem remédio que alivieesta agonia... Mas eu quero chegar aqui, um dia, e dizerque não sinto mais na<strong>da</strong> nem sinto nojo <strong>de</strong> mim, pois eunão sou nenhum bicho gosmento.


136Como nos sentimos, acerca <strong>de</strong> nós mesmos, está relaciona<strong>do</strong> formacomo nos sentimos a respeito <strong>de</strong> nossos corpos. A aparência física <strong>de</strong>sempenhaum papel importante sobre como nos sentimos e como os outros reagem a nós. Aaparência pessoal é importante em to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>da</strong>s nossas vi<strong>da</strong>s.Segun<strong>do</strong> Hamachek (1979), a aparência física é importante para o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> nossa auto-estima, pois <strong>de</strong>sempenha um papel na<strong>de</strong>terminação <strong>da</strong> natureza <strong>de</strong> respostas que as pessoas trocam entre si. Esteautor ressalta, entretanto, que a aparência física é apenas um <strong>do</strong>s muitos<strong>de</strong>terminantes <strong>da</strong> auto-estima.O <strong>hanseniano</strong>, perceben<strong>do</strong> seu corpo altera<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>ença, comfreqüência vivencia situações, como a vivi<strong>da</strong> por Roque (29), <strong>de</strong> sentir-seinferioriza<strong>do</strong>.Situação diferente <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais entrevista<strong>do</strong>s foi vivencia<strong>da</strong> por Maria(62). Vin<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma família a<strong>do</strong>tiva, que após sua <strong>do</strong>ença não a rejeitava, mastambém não a aceitava <strong>de</strong> to<strong>do</strong>, ela precisou, por seu passo, reconstruir-se. E ocaminho encontra<strong>do</strong> por ela foi pela internação em ltapuã, que ela mesma solicitouao seu médico:Para mim tu<strong>do</strong> era festa, ain<strong>da</strong> mais se compara<strong>do</strong> a vi<strong>da</strong>anterior que eu havia leva<strong>do</strong>... Hoje me <strong>do</strong>u conta que fuiuma pessoa boa e que acrescentei algo <strong>de</strong> bom para ohospital, pois eu sempre tinha uma risa<strong>da</strong> para <strong>da</strong>r ouuma pia<strong>da</strong> para contar e alegrar o ambiente.


137Aquilo que postulamos como nossos níveis pessoais <strong>de</strong> aspiraçãotambém é importante para nossos sentimentos <strong>de</strong> auto-estima, pois aju<strong>da</strong> aestabelecer o que consi<strong>de</strong>ramos sucesso ou fracasso.Conforme Hamachek (1979), embora o nível <strong>de</strong> aspiração <strong>de</strong> ca<strong>da</strong>pessoa <strong>de</strong>termine, em gran<strong>de</strong> parte, o que ela interpreta como êxito ou fracassoe, portanto, aumente ou diminua sua auto-estima, outro fator que merece <strong>ser</strong>consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> é a história prévia <strong>de</strong> êxitos ou <strong>de</strong> fracassos.Para Maria (62), a Hanseníase surgiu como uma "saí<strong>da</strong>" e sua i<strong>da</strong>para ltapuã permitiu a reconstrução <strong>do</strong> seu eu e <strong>de</strong> sua auto-estima. Era nohospital que ela, realmente, sentia-se feliz, era o espaço que ela haviaconquista<strong>do</strong> para si sem a interferência <strong>de</strong> ninguém.A maioria <strong>do</strong>s pacientes com Hanseníase, to<strong>da</strong>via, vive a <strong>do</strong>ençacomo um fracasso em suas vi<strong>da</strong>s e como uma coisa ruim que lhes aconteceu,repercutin<strong>do</strong> na diminuição <strong>da</strong> auto-estima. Surge, então, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>resgatar esta auto-estima perdi<strong>da</strong> e abala<strong>da</strong>. Receben<strong>do</strong> os pacientes comdigni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhes apoio, é possível atingir este objetivo. Percebo isto naminha vivência diária com eles.Quan<strong>do</strong> fala sobre o tratamento recebi<strong>do</strong> na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, Tereza (50)reconhece: "Além <strong>de</strong> estar melhoran<strong>do</strong>, fisicamente, eu recuperei a autoestimae a confiança em mim mesma. Agora já posso conversar com aspessoas e trabalhar, ven<strong>de</strong>n<strong>do</strong> roupas, sem traumas".


138E segue, contan<strong>do</strong>:Ultimamente, eu ate aceito melhor a recidiva <strong>da</strong>Hanseníase, pois tive mais esclarecimentos sobre a<strong>do</strong>ença. Agora, eu não me sinto tão perdi<strong>da</strong>. Hoje, eu jánão sinto tanta angústia nem tristeza. Esporadicamente,lembro <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e fico um pouco <strong>de</strong>primi<strong>da</strong>, masagora sinto-me bem melhor e tenho facili<strong>da</strong><strong>de</strong> para merelacionar com as pessoas.Fé (66), que antes <strong>de</strong> ir consultar no ADS man<strong>do</strong>u seu mari<strong>do</strong> paraconhecer o atendimento no ambulatório, diz: "to<strong>da</strong>s estas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> respeito àpessoa fizeram-me sentir valoriza<strong>da</strong> novamente".Ela ain<strong>da</strong> comenta que está se reencontran<strong>do</strong> também na sua fé eentre outras pessoas: "Estou participan<strong>do</strong> <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> oração... Eles sãocomo uma família e sinto-me bem entre eles. Eu pensei que não iria maisachar ambiente no qual me sentisse bem".E diz em tom vitorioso: "A transformação e a mu<strong>da</strong>nça interiorpela qual passei foi <strong>de</strong> 100% para melhor. Se eu estivesse pagan<strong>do</strong> cemReais por uma consulta particular, eu não teria melhora<strong>do</strong> tanto e não <strong>ser</strong>ia apessoa que sou hoje. Como isto foi bom!"Para Izabel (48), é muito importante a maneira como o <strong>hanseniano</strong> étrata<strong>do</strong> para a recuperação <strong>da</strong> auto-estima: "Com a recepção que encontro,aqui, no Ambulatório, a gente se sente ama<strong>da</strong> e acaricia<strong>da</strong>. Isto é o maisimportante para a gente, é o que nos leva para a frente e levanta a moral".


139Para Roque (29), a melhora física está <strong>ser</strong>vin<strong>do</strong> para melhorar seuemocional e ele diz: "Estar vencen<strong>do</strong> a Hanseníase é uma gran<strong>de</strong> vitória paramim. Eu me sinto um vitorioso".4.4 COMUNIDADE, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃONenhuma moléstia tem sobrepuja<strong>do</strong> a lepra, pelo tempo afora, como causa <strong>de</strong> infelici<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajustamento.Moléstia que se manifesta <strong>de</strong> maneira dura<strong>do</strong>ura na pele,alteran<strong>do</strong> profun<strong>da</strong>mente a face, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a prejudicar oque mais toca a vai<strong>da</strong><strong>de</strong> humana, tornan<strong>do</strong> o seu porta<strong>do</strong>rum indivíduo asqueroso e repugnante (Maurano, 1944,p.87).Nenhuma pessoa vive no mais completo isolamento sem <strong>ser</strong>influencia<strong>da</strong> pelo meio no qual vive e pelas pessoas que a ro<strong>de</strong>iam.Normalmente, ela vive num contexto social que po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> a família ou um grupo <strong>de</strong>amigos com os quais se relaciona intimamente.O <strong>hanseniano</strong> vive in<strong>ser</strong>i<strong>do</strong> em um contexto familiar e social e, porconseguinte, sob regras sociais. Da crença <strong>de</strong> sua contagiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> suaincurabili<strong>da</strong><strong>de</strong> nasceu o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> contrair a <strong>do</strong>ença e sofrer to<strong>do</strong>s os males queela representa, <strong>de</strong>ntre os quais o <strong>de</strong> ficar estigmatiza<strong>do</strong>. Dai a repulsa que ain<strong>da</strong>causa e o rigor imposto ao <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> HanseníaseCunha (1997) ressalta que a Hanseníase sempre foi uma <strong>do</strong>ençapreocupante para a saú<strong>de</strong> pública e que, antes mesmo <strong>de</strong> <strong>ser</strong> classifica<strong>da</strong> como


140enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> era <strong>de</strong>scrita como "impureza <strong>de</strong> espirito", em algunstextos bíblicos, já se evi<strong>de</strong>nciava como um problema mais social <strong>do</strong> que físico.lnfelizmente, apesar <strong>do</strong>s atos educacionais realiza<strong>do</strong>s em diversospaíses, em muitas partes <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> ain<strong>da</strong> existe preconceito e discriminaçãocontra o <strong>hanseniano</strong>.Para Monteiro,Hanseníase se constitui numa <strong>do</strong>ença cujas característicasespecificas a tornaram diferente <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais. O estigma que aenvolve contribuiu para que, através <strong>do</strong>s tempos, o "Ieproso”fosse i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> porta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> perigo e <strong>da</strong> morte,justifican<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s discriminatórias (1987, p. 1 ).A Hanseníase, na sua marcha invasora pelo organismo, vaiacarretan<strong>do</strong> uma série <strong>de</strong> perturbações físicas graves. Contu<strong>do</strong>, a vitali<strong>da</strong><strong>de</strong>orgânica não se ressente <strong>de</strong>sta ruína exterior por longo tempo e o <strong>do</strong>ente vivequase sempre sem transtornos. A não <strong>ser</strong> que apresente surtos reacionais agu<strong>do</strong>s,o <strong>hanseniano</strong> sofre mais moral <strong>do</strong> que fisicamente.Carvalho (1932) fala sobre as regras impostas aos leprosos nopassa<strong>do</strong>. Este autor comenta que os leprosos tinham <strong>de</strong> trazer a cabeça coberta ean<strong>da</strong>r com calça<strong>do</strong>s para não infectarem os caminhos por aon<strong>de</strong> passavam.Deveriam avisar <strong>de</strong> sua passagem por meio <strong>de</strong> campainhas ou <strong>de</strong> matracas, paraque os habitantes sadios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> se afastassem e não se contaminassem. Eralhesproibi<strong>do</strong> ir lavar suas roupas em lugares públicos, <strong>de</strong> uso comum, assim comosó podiam passar à beira <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s sem entrar nas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Sofriam


141castigos se entrassem nos moinhos e pa<strong>da</strong>rias ou se tocassem nos alimentosexpostos. Quan<strong>do</strong> pretendiam comprá-los, nos merca<strong>do</strong>s e ven<strong>da</strong>s, <strong>de</strong>veriamapontá-los e toca-los com uma vara longa com que an<strong>da</strong>vam muni<strong>do</strong>sNão podiam exercer qualquer profissão em que fosse necessário omanuseio <strong>de</strong> alimentos, roupas ou outros objetos que <strong>ser</strong>iam usa<strong>do</strong>s por pessoassadias. Era-lhes proibi<strong>da</strong>, especialmente, a profissão <strong>de</strong> açougueiros.Os <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase também eram proibi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> comer ou<strong>do</strong>rmir com pessoas sadias, além <strong>de</strong> se <strong>ser</strong>virem nas tabernas e estalagens.Durante algum tempo, não lhes era permiti<strong>do</strong> se casarem com cônjuges que nãofossem também <strong>do</strong>entes.Após a morte <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>entes, as suas casas, móveis e roupas eramqueima<strong>do</strong>s e seus filhos, se fossem sãos, ficavam em lugares cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s pelacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> local. Em muitos países, os <strong>hanseniano</strong>s eram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s "mortos,civilmente" e não podiam pleitear justiça, contratar <strong>ser</strong>viços, ven<strong>de</strong>r produtos enem <strong>de</strong>ixar her<strong>de</strong>iros.Para que a população <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s em que viviam se precavesse <strong>da</strong>chega<strong>da</strong> <strong>do</strong>s leprosos, eles eram obriga<strong>do</strong>s a usar uma indumentária especial.Não s6 <strong>de</strong>viam an<strong>da</strong>r calça<strong>do</strong>s, mas tinham que ter uma atadura ou pano em volta<strong>da</strong> cabeça, que <strong>de</strong>veria <strong>ser</strong>, também, coberta por um chapéu ou capuz. Sobre ocorpo <strong>de</strong>veriam usar uma túnica ou hábito <strong>de</strong> cor par<strong>da</strong>, castanha ou negra e, emalguns países, <strong>de</strong>veriam ter sinais expostos sob a forma <strong>de</strong> mão ou <strong>de</strong> "L"(Maurano, 1944).


142Carvalho diz que "os filhos <strong>do</strong>s leprosos não podiam <strong>ser</strong> batiza<strong>do</strong>scomo as outras crianças pelo risco <strong>de</strong> poluírem as águas <strong>da</strong> pia batismal. A criançaera afasta<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneira que a água lança<strong>da</strong> não caísse sobre a pia" (1932, p.10).Este mesmo autor comenta que os leprosos não podiam <strong>ser</strong> enterra<strong>do</strong>s noscemitérios comuns e muito menos entrar nas igrejas e estar em contato com aspessoas sãs.Na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, talvez não tenhamos essas regras tão pronuncia<strong>da</strong>s,mas os <strong>do</strong>entes continuam a sofrer com o tratamento social que recebem, pois sãodiscrimina<strong>do</strong>s e isola<strong>do</strong>s <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.Conforme Rao et al. (1996), é importante reconhecermos que as taxas<strong>de</strong> prevalência <strong>da</strong> Hanseníase estão diminuin<strong>do</strong> após a introdução <strong>da</strong>poliquimioterapia (PQT), porém, a sua redução isola<strong>da</strong> não é suficiente para adiminuição <strong>da</strong>s conseqüências sociais vivi<strong>da</strong>s pelos <strong>hanseniano</strong>s.Para Lombardi e Ferreira (1990) a Hanseníase é altamenteincapacitante <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nivel físico, pelas seqüelas e incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas queprovoca, passan<strong>do</strong> pelo nivel psicológico, com graves repercussões na vi<strong>da</strong> familiare conjugal, e in<strong>do</strong> até o nivel social, <strong>da</strong><strong>da</strong> a discriminação <strong>de</strong> que são vitimas essespacientes, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao estigma que envolve a <strong>do</strong>ença.


1434.4.1 Família: <strong>do</strong> Apoio ao RechaçoA família é a instituição social mais antiga que conhecemos. Através<strong>da</strong> evolução humana, ela sofreu gran<strong>de</strong>s transformações, <strong>de</strong>correntes,principalmente, <strong>do</strong>s fatores social e econômico. É <strong>de</strong> suma importância consi<strong>de</strong>raro <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase como parte <strong>da</strong> família a que ele pertence.To<strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano nasce, cresce e vive, ao longo <strong>de</strong> sua existência,imerso numa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações, forma<strong>da</strong> por laços familiares, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> comoca<strong>da</strong> indivíduo percebe e interage com sua família.Muitas tentativas <strong>de</strong> conceituar família têm si<strong>do</strong> feitas porantropólogos, sociólogos, historia<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>res. Entretanto, ain<strong>da</strong> não existeuma <strong>de</strong>finição consensual <strong>de</strong> família.Para Castiel (1993), família é um grupo social caracteriza<strong>do</strong> porcomum residência, colaboração econômica e reprodução. lnclui <strong>do</strong>is adultos, quemantêm relações sexuais, aprova<strong>da</strong>s socialmente, e um ou mais filhos pelos quaissão responsáveis pela alimentação, educação, afeto e carinho.Conforme Uchoa et al., a função básica e universal <strong>da</strong> família <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> campo biológico e se esten<strong>de</strong> ao nível cultural e social:Compreen<strong>de</strong>m, entre outras, a satisfação, socialmenteaprova<strong>da</strong> <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s sexuais, assim comoeconômica, constituin<strong>do</strong>-se, nesse senti<strong>do</strong>, em uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong>cooperativa que se encarrega <strong>da</strong> sobrevivência, <strong>do</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong>e <strong>da</strong> educação <strong>do</strong>s filhos (1988, p.2).


144Ain<strong>da</strong>, segun<strong>do</strong> esses autores, a família é forma<strong>da</strong> por mari<strong>do</strong>,esposa e filhos, nasci<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ste matrimônio, sen<strong>do</strong> possível que outros parentesvivam neste grupo. São membros uni<strong>do</strong>s por lagos legais, por direitos e obrigaçõeseconômicas e religiosas e por vínculos emocionais como amor, afeto, respeito etemor.Segun<strong>do</strong> Giffin (1994), a família é uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em queas pessoas estão liga<strong>da</strong>s por laços afetivos e por interesses comuns, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>qual se dá a estruturação <strong>da</strong> reprodução e <strong>da</strong> produção. Quan<strong>do</strong> um <strong>de</strong> seusmembros é ameaça<strong>do</strong> por uma <strong>do</strong>ença, é nela que encontrará suporte paraenfrentar o sofrimento.Em termos funcionais, Kaufmann, Mariam e Neville (1981) consi<strong>de</strong>rama família como uma relação dura<strong>do</strong>ura entre pais e filhos cuja finali<strong>da</strong><strong>de</strong> consisteem proteger e criar socialmente estes filhos, além <strong>de</strong> facilitar o convívio entre osseus membros.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> família a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio <strong>do</strong>diagnóstico, ela <strong>de</strong>veria atuar como ponto <strong>de</strong> apoio ao <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase.Entretanto, algumas famílias, por não saberem como agir nestes momentos,acabam cobran<strong>do</strong> atitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes ou aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong>-os, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-os ain<strong>da</strong>mais fragiliza<strong>do</strong>s e dificultan<strong>do</strong> sua recuperação.A Hanseníase ocasiona alterações e transtornos, não só na vi<strong>da</strong>pública, mas também na esfera priva<strong>da</strong>, acarretan<strong>do</strong> conseqüências negativas navi<strong>da</strong> afetiva.


145Para Oliveira e Romanelli (1998), a instabili<strong>da</strong><strong>de</strong> emocional <strong>do</strong>spacientes <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> crise, provocan<strong>do</strong> tensões e modificaçõesfísicas, psicológicas e sociais, resultan<strong>do</strong> na <strong>de</strong>sestabilização <strong>do</strong> relacionamentofamiliar.As vivências <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s no seu ambiente familiar foram muitomarcantes. Alguns encontraram o apoio extremo e incondicional <strong>do</strong>s cônjuges,filhos e familiares e outros vivenciaram o mais completo aban<strong>do</strong>no.Sobre o apoio recebi<strong>do</strong>, Francisco <strong>de</strong> Assis (48), recor<strong>da</strong>-se <strong>da</strong>reação <strong>de</strong> sua esposa e filha: "... elas me <strong>de</strong>ram muita força. A princípio,ficaram um pouco nervosas, pois po<strong>de</strong>riam <strong>ser</strong> contagia<strong>da</strong>s e <strong>de</strong>senvolver a<strong>do</strong>ença, mas até agora não tiveram na<strong>da</strong>... Minha esposa cui<strong>da</strong> muito <strong>de</strong>mim...".Por situação semelhante <strong>de</strong> apoio, por parte <strong>de</strong> sua família, passouJulião (49). Ele se recor<strong>da</strong> <strong>do</strong> apoio <strong>de</strong> sua esposa e diz: "Casei-me em 1975 e aminha esposa é um bilhete premia<strong>do</strong> que eu tenho... ela pe<strong>de</strong> que eu não faça<strong>ser</strong>viços pesa<strong>do</strong>s em casa, então, eu aju<strong>do</strong> na louça e arrumações levesquan<strong>do</strong> posso".Julião (49) segue, falan<strong>do</strong> sobre o apoio que recebe <strong>de</strong> seu filho: "0meu filho se oferece para fazer os <strong>ser</strong>viços e arrumações lá <strong>de</strong> casa, pois elesabe que se eu fizer força tenho fortes <strong>do</strong>res no dia seguinte..."


146E, <strong>de</strong> maneira muito afetiva, fala <strong>de</strong> seu neto <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>,que o apóia <strong>da</strong> forma que só uma criança sabe fazer: "E tem o meu neto, umguri fora <strong>de</strong> série que me 'puxa' e me incentiva muito".Ob<strong>ser</strong>va-se, <strong>de</strong>ssa forma, a importância <strong>do</strong> apoio recebi<strong>do</strong> <strong>da</strong> famíliapara o <strong>hanseniano</strong>. Segun<strong>do</strong> Oliveira e Romanelli (1998), em face <strong>da</strong> instabili<strong>da</strong><strong>de</strong>emocional, provoca<strong>da</strong> pela Hanseníase, o apoio <strong>do</strong> cônjuge, <strong>do</strong>s filhos, pais eirmãos é importante no enfrentamento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Também sobre o apoio recebi<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua família fala Antônio (76).Ele conta <strong>do</strong> apoio que recebeu <strong>de</strong> seus pais e irmãos para cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> seus filhos,ain<strong>da</strong> pequenos, quan<strong>do</strong> esteve interna<strong>do</strong> em ltapuã, pois, nesta época, já estavasepara<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua primeira esposa:Não tive problemas com minha família. To<strong>do</strong>s ficaramsaben<strong>do</strong> <strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença e nosso relacionamento nãose alterou. Meus pais e meus irmãos nunca<strong>de</strong>monstraram <strong>de</strong>safeto comigo e muito me aju<strong>da</strong>ram,tanto que criaram meus filhos, pois eu já estavasepara<strong>do</strong> <strong>da</strong> mãe <strong>de</strong>les.E quan<strong>do</strong> fala <strong>de</strong> sua atual esposa faz um relato emociona<strong>do</strong>:estamos juntos há quarenta anos, mas no inicio eu li<strong>do</strong>contei para ela sobre a Hanseníase, com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong>aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> ela soube, na<strong>da</strong> mu<strong>do</strong>u entre nós.Ela podia até me rejeitar por isto, mas não aconteceuna<strong>da</strong> disto... Ela me dá muita força.Ângelo (38) sempre recebeu apoio <strong>de</strong> sua família. Ele fala <strong>da</strong>importância <strong>do</strong> incentivo, recebi<strong>do</strong> <strong>de</strong> seus irmãos e cunha<strong>do</strong>s: "Meus irmãos emeus cunha<strong>do</strong>s me apoiaram muito, senão teria si<strong>do</strong> mais difícil...".


147E segue, falan<strong>do</strong> sobre sua esposa e filhos, que também aju<strong>da</strong>m acontrolar suas medicações:A esposa e os filhos sempre me aju<strong>da</strong>ram, inclusive notratamento. O mais velho controla muito para eu nãoesquecer a Tali<strong>do</strong>mi<strong>da</strong> em local que as pessoas possampegá-la. Ele me orienta e me aju<strong>da</strong> muito. Quan<strong>do</strong> euestava acama<strong>do</strong> e gritava <strong>de</strong> <strong>do</strong>r nas pernas era elequem me cui<strong>da</strong>va.Xiang-Sheng et al. (1997) evi<strong>de</strong>nciaram essas questões e relatarama importância <strong>do</strong> encorajamento <strong>da</strong> família para o tratamento e a<strong>de</strong>são aosmedicamentos por parte <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes. Para estes autores, a família <strong>de</strong>sempenhaimportante papel no combate à Hanseníase, sen<strong>do</strong> a educação para a saú<strong>de</strong> ocaminho necessário para envolvê-la neste processo.Percebi, no relato <strong>de</strong>sses entrevista<strong>do</strong>s, a importância <strong>da</strong>participação e <strong>do</strong> apoio <strong>da</strong> família na recuperação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes. Com o apoiorecebi<strong>do</strong> eles se sentem protegi<strong>do</strong>s.Mosquera evi<strong>de</strong>ncia esta função <strong>de</strong> proteção <strong>da</strong> família:Os membros <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> família se protegem, mutuamente,cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong>- se uns <strong>do</strong>s outros, no caso <strong>de</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> ouaci<strong>de</strong>nte, aju<strong>da</strong>n<strong>do</strong>- se contra o perigo <strong>do</strong> exterior epreparan<strong>do</strong> alimentos e situações <strong>de</strong> conforto que aumentamo nível econômico e social <strong>do</strong> grupo (1979, p.142).o apoio <strong>de</strong> seus mari<strong>do</strong>s.Ain<strong>da</strong> sobre o apoio recebi<strong>do</strong>, Fé (66) e Marta(65) comentam sobreFé (66) fala <strong>da</strong> <strong>de</strong>dicação e <strong>do</strong> apoio recebi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong>:


148Ele sempre foi um mari<strong>do</strong> muito <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>. Minha <strong>do</strong>ençanão nos afastou e ele sempre me apoiou. Esteve semprejunto comigo, sofren<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>cepções pelas quaispassei. Mari<strong>do</strong> como este vai <strong>ser</strong> difícil encontrar igual.São quarenta e nove anos <strong>de</strong> convivência... Na pior época<strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença ele era o "<strong>do</strong>no <strong>de</strong> casa". Fazia <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>para me agra<strong>da</strong>r.Sobre o apoio recebi<strong>do</strong> <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, no inicio <strong>da</strong> Hanseníase, tambémfala Marta (65): "Meu noivo, hoje mari<strong>do</strong>, ficou comigo, na época, mas a gentenão se tocava nem se beijava... Primeiro, foi muito difícil quan<strong>do</strong> ele soube <strong>da</strong><strong>do</strong>ença, mas ele sempre me apoiou".Ob<strong>ser</strong>va-se na fala <strong>da</strong>s entrevista<strong>da</strong>s que o apoio e o carinhorecebi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> seus companheiros foram muito importantes. Sentir o companheiropróximo, transmitin<strong>do</strong> confiança, afeto e valorizan<strong>do</strong> o la<strong>do</strong> humano <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>são atitu<strong>de</strong>s que contribuem para vencer a <strong>do</strong>ença.Outra situação vivencia<strong>da</strong> pelos participantes foi a <strong>do</strong> apoio recebi<strong>do</strong>por parte <strong>do</strong>s familiares que foram comunica<strong>do</strong>s sobre a <strong>do</strong>ença, pois <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais a<strong>do</strong>ença foi oculta<strong>da</strong>.Tereza (50), cujo mari<strong>do</strong> e filhos não sabem <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, diz:Apenas meus pais e meus irmãos sabem sobre aHanseníase. Nas somos sete irmãos e, nem os cônjuges,nem os filhos ou os sobrinhos sabem <strong>de</strong> na<strong>da</strong>. Fizemosum pacto e o segre<strong>do</strong> é manti<strong>do</strong> entre a gente. Nenhumapessoa fora <strong>de</strong> nossa família sabe, nenhum amigo... Osmeus irmãos conversam muito comigo e até hoje me dãomuito apoio.Roque (29) conta que apenas sua mãe e esposa sabem sobre aHanseníase. Seus irmãos não foram avisa<strong>do</strong>s, pois ele ficou com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> contar-


149lhes e <strong>ser</strong> isola<strong>do</strong> por eles. Sobre o apoio recebi<strong>do</strong> <strong>da</strong> esposa ele comenta:"Quan<strong>do</strong> ela soube <strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença, ela reagiu me <strong>da</strong>n<strong>do</strong> muito apoio. Noinício, ela vinha comigo as consultas e ain<strong>da</strong> hoje me pergunta se tomei osremédios, e me lembra <strong>de</strong> evitar o sol que tanto me prejudica".Dessa forma, torna-se importante a família perceber asnecessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>. Compartilhan<strong>do</strong>-se os sentimentos eosquestionamentos que surgem neste momento <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença, toma-se menosdifícil para o <strong>hanseniano</strong> trilhar seu caminho <strong>de</strong> recuperação.Entretanto, infelizmente, não é só apoio que os <strong>hanseniano</strong>srecebem neste momento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Alguns <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s receberam o apoio<strong>de</strong> alguns familiares, mas foram aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s pelos <strong>de</strong>mais.Marta (65), além <strong>do</strong> apoio recebi<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong>, fala com orgulho<strong>do</strong> apoio recebi<strong>do</strong> <strong>de</strong> seus filhos:tristeza:Meus filhos, tenho quatro, não souberam <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença logo<strong>de</strong> inicio. Contei s6 após algum tempo, quan<strong>do</strong> elestinham uns quinze ou <strong>de</strong>zesseis anos. Quan<strong>do</strong>recomecei o tratamento, em 1994 e 1999, voltamos aconversar. Eles sempre me apoiaram e me <strong>de</strong>ram muitaforça. A filha mais nova, que é auxiliar <strong>de</strong> enfermagem, équem me aju<strong>da</strong> mais. Ela faz os curativos no pé, paramim...Mas quan<strong>do</strong> comenta <strong>da</strong> família <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong>, ela fala em tom <strong>de</strong>Da família <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong> apenas uma cunha<strong>da</strong> sempreme aceitou e foi um pouco minha mãe. Até hoje nosencontramos. Os <strong>de</strong>mais, não sei se por causa <strong>da</strong>Hanseníase ou se por antipatia,


150não eram muito amistosos comigo. Quan<strong>do</strong> fiquei <strong>do</strong>ente,minha sogra, que nunca fora muito minha amiga, numprimeiro momento, me apoiou. Mas após brigas na família<strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong>, ela foi em vários conheci<strong>do</strong>s e amigosmeus contar sobre a minha <strong>do</strong>ença...Esta situação dicotômica também foi vivencia<strong>da</strong> por Fé (66). Seumari<strong>do</strong> e seus filhos, aqui <strong>de</strong> Porto Alegre, sempre apoiaram e incentivaram. Sobreisto ela fala: "Os filhos aqui <strong>de</strong> Porto Alegre sempre me apoiaram. Eles ficaramfelizes e tranqüilos quan<strong>do</strong> souberam <strong>do</strong> início <strong>do</strong> meu tratamento".Mas quan<strong>do</strong> se recor<strong>da</strong> <strong>da</strong> reação <strong>do</strong> filho e <strong>da</strong> nora, que moram emoutro Esta<strong>do</strong> <strong>da</strong> Região Sul, ela <strong>de</strong>sabafa com tristeza:Custei a aceitar a rejeição <strong>de</strong>sse filho... Não é rancor o meusentimento, mas uma mágoa <strong>de</strong> mãe... No momento emque eu mais precisei <strong>de</strong> apoio.., só ficou me questionan<strong>do</strong>porque eu nunca havia conta<strong>do</strong> sobre a <strong>do</strong>ença <strong>da</strong> avô eporque eu ain<strong>da</strong> não havia começa<strong>do</strong> o tratamento. Nempara encaminhar os exames para o laboratório minha norateve boa vonta<strong>de</strong>. Foram dias,, até levar os exames, istoque eram feitos no hospital em que ela trabalhava. Nãohavia boa vonta<strong>de</strong> nem para aju<strong>da</strong>r... Com a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>les<strong>de</strong>cidi voltar para Porto Alegre, em busca <strong>de</strong> paz etranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Chegava <strong>de</strong> tanta humilhação.Esse aspecto <strong>de</strong> cobrança <strong>do</strong> filho <strong>de</strong> Fé (66) <strong>do</strong> porquê nunca haviasi<strong>do</strong> informa<strong>do</strong> sobre a <strong>do</strong>ença, anteriormente, foi constata<strong>do</strong> por Oliveira eRomanelli (1998). Estes autores ob<strong>ser</strong>varam que por viver em um clima <strong>de</strong> incertezaquanto é transmissão <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença para os filhos, elas preferem ocultar a <strong>do</strong>ença. Daia revolta e <strong>de</strong>cepção <strong>de</strong>les quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>scobrem que as mães estão <strong>do</strong>entes.


151Vivência semelhante teve Izabel (48). Ela fala <strong>do</strong> apoio recebi<strong>do</strong> <strong>de</strong>seus filhos e <strong>do</strong> rechaço <strong>de</strong> seu companheiro. Sobre o incentivo <strong>do</strong>s filhos ela fala:"Tenho três filhos, uma moça e <strong>do</strong>is rapazes, to<strong>do</strong>s já cresci<strong>do</strong>s, com famíliae filhos... Eles sabem <strong>do</strong> meu tratamento e me dão muita força... Eles sepreocupam comigo".E, com tristeza, prossegue, falan<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu ex-companheiro:Ele era muito inteligente, mas acredito que tenha feito isto atépor ciúmes, pois minha pele começou a ficar com umbronzea<strong>do</strong>, inicialmente, bonito, e eu chamava a atenção <strong>de</strong>outros homens... Dizia que tinha nojo <strong>da</strong> minha pele e quenão queria mais nem conversar comigo. Em segui<strong>da</strong>, nosseparamos.Sobre essa separação, vivencia<strong>da</strong> por Izabel (48), Le Grand (1997)refere <strong>ser</strong>em as mulheres mais atingi<strong>da</strong>s pelo isolamento e separação <strong>de</strong> seuscônjuges.Clara (22) recebeu apoio <strong>de</strong> seus avós, <strong>de</strong> uma tia e <strong>de</strong> seu atualmari<strong>do</strong>. Dos <strong>de</strong>mais, incluin<strong>do</strong> seus tios e sua mãe, ela recebeu apenasdistanciamento. De sua avó, ela fala com carinho:Des<strong>de</strong> pequena ela sempre me apoiou e me incentivou.Nunca <strong>de</strong>monstrou nojo e aju<strong>da</strong>va nos curativos <strong>do</strong> meupé. Já que eu não podia freqüentar a piscina, ela melevava para a praia to<strong>do</strong>s os anos. Como eu brincavamuito sozinha, pois vivia isola<strong>da</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, minha avópresenteava-me com brinque<strong>do</strong>s, jogos e papel <strong>de</strong> cartapara colecionar... Até hoje, ela é a única pessoa <strong>da</strong> família<strong>de</strong> quem eu realmente gosto <strong>de</strong> abraçar e <strong>de</strong> beijar. Eu sóme sinto bem e à vonta<strong>de</strong> é na casa <strong>de</strong>la...


152Do avô, ela lembra: "Meu avô, quan<strong>do</strong> eu a<strong>do</strong>eci, era militar <strong>da</strong>sForças Arma<strong>da</strong>s. Ele me levava para passear no clube <strong>do</strong>s oficiais, aon<strong>de</strong>tomávamos banhos <strong>de</strong> açu<strong>de</strong> e fazíamos piqueniques".E continua, falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> apoio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas tias: "Além <strong>de</strong> minhaavô, havia uma tia que também me cui<strong>da</strong>va e chegava perto <strong>de</strong> mim. Ela eraenfermeira e aju<strong>da</strong>va nos curativos".Clara (22) ain<strong>da</strong> fala <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> atual e <strong>de</strong> seus filhos:Meu mari<strong>do</strong> é muito bom para mim e sempre me aju<strong>do</strong>u.Ele não tem nojo <strong>de</strong> mim nem preconceito e, quan<strong>do</strong>preciso, aju<strong>da</strong> a fazer os curativos no meu pé (choro).Estamos casa<strong>do</strong>s há cinco anos e sinto-me privilegia<strong>da</strong>em tê-lo como meu companheiro... Meus filhos nasceram<strong>de</strong>ste meu segun<strong>do</strong> casamento. O menino tem três anos ea menina tem <strong>do</strong>is... e, mesmo sem saber, eles me aju<strong>da</strong>mmuito. Tu<strong>do</strong> vale a pena quan<strong>do</strong> a gente escuta um "eu teamo muito". É sincero. Eles me abraçam e me beijam(choro) sem preconceito, <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> coraçãozinho <strong>de</strong>les.Quan<strong>do</strong> eu pioro, ales também aju<strong>da</strong>m a me cui<strong>da</strong>r.Pensativa, ain<strong>da</strong> se recor<strong>da</strong> <strong>do</strong> rechaço <strong>de</strong> alguns familiares:A minha mãe nunca aceitou a minha <strong>do</strong>ença. Ela tinhapreconceito e não chegava perto <strong>de</strong> mim nem para aju<strong>da</strong>rnos curativos. Não tinha paciência e não me <strong>da</strong>va osremédios (choro) quan<strong>do</strong> eu era pequena... Meu exmari<strong>do</strong>passou a reclamar <strong>do</strong>s gastos com a farmácia e abrigar comigo, dizen<strong>do</strong> que nenhum outro homem meaceitaria por causa <strong>da</strong> Hanseníase, somente ele.Desvela-se nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong>sses entrevista<strong>do</strong>s que nãoreceberam apoio <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os seus familiares, que a família, por vezes, não estáprepara<strong>da</strong> para enfrentar a Hanseníase junto com o <strong>hanseniano</strong>. Nestes casos,


153parece existir uma lacuna gran<strong>de</strong> entre o paciente e seus familiares. Talvez, sefosse <strong>da</strong><strong>da</strong> a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> a estes familiares <strong>de</strong> <strong>ser</strong>em ouvi<strong>do</strong>s sobre seusquestionamentos e seus me<strong>do</strong>s, este aban<strong>do</strong>no não teria aconteci<strong>do</strong>. A familia <strong>do</strong><strong>hanseniano</strong> também parece precisar <strong>de</strong> orientação e <strong>de</strong> apoio.4.4.2 Amigos: <strong>do</strong> Apoio <strong>de</strong> Alguns ao Aban<strong>do</strong>no <strong>da</strong> MaioriaAmigo é coisa pra se guar<strong>da</strong>r <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> peito(Milton Nascimento).As situações vivencia<strong>da</strong>s pelos entrevista<strong>do</strong>s com relação aos amigosvariaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o apoio até o isolamento e aban<strong>do</strong>no.Marta (65) fala <strong>do</strong> apoio recebi<strong>do</strong> <strong>de</strong> duas amigas, irmãs gêmeas,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu primeiro tratamento até os dias atuais. Ela comenta que, além <strong>do</strong> seumari<strong>do</strong>, foram estas amigas que realmente a apoiaram:Apoio, mesmo, eu recebi <strong>de</strong> duas amigas, elas são gêmeas,que são como irmãs... A mãe <strong>de</strong>las era muito esclareci<strong>da</strong> efoi uma segun<strong>da</strong> mãe para mim... As gêmeas sempre meapoiaram... Ate hoje temos contato e nos relacionamos muitobem. O apoio <strong>de</strong>las sempre me aju<strong>do</strong>u, pois nossa amiza<strong>de</strong>sempre esteve acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>.Para Oliveira e Romanelli (1998), no momento <strong>do</strong> diagnóstico, asmulheres com Hanseníase contaram, mesmo, foi com a aju<strong>da</strong> e o apoio <strong>de</strong> outrasmulheres, na figura <strong>de</strong> mãe ou <strong>de</strong> irmã. Esta situação foi vivencia<strong>da</strong> por Marta (65).


154Por experiência semelhante, <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong> amigos e conheci<strong>do</strong>s,passou Julião (49). Ele comenta:To<strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> me dá apoio. Os meus amigos e também opastor lá <strong>da</strong> igreja... são pessoas que se preocupamcomigo. Os meus amigos, quan<strong>do</strong> eu não tinha dinheiro,pois não tinha forças para trabalhar e sentia <strong>do</strong>res,conversavam comigo e se ofereciam para me aju<strong>da</strong>rfinanceiramente. O pastor que, muitas vezes, seguravaminha cabeça em seu ombro amigo, enquanto euchorava... sempre me apoiou e me incentivou com suaspalavras e leituras <strong>da</strong> Bíblia. Eu o consi<strong>de</strong>ro um amigo.E, alivia<strong>do</strong>, finaliza: "Eu, graças a Deus, sempre recebi apoio <strong>de</strong>to<strong>da</strong>s as pessoas que recebi e contei sobre a <strong>do</strong>ença. Isto sempre me aju<strong>do</strong>umuito".Francisco <strong>de</strong> Assis (48) também teve essa vivência e diz: "Osamigos continuaram me visitan<strong>do</strong> e as crianças a vir no meu colo sem queseus pais as proibissem".Para Feliciano e Kovacs (1997), a re<strong>de</strong> social <strong>de</strong> apoio, forma<strong>da</strong> peloconjunto <strong>de</strong> relações entre pessoas (familiares, amigos, vizinhos entre outros) quefornecem aju<strong>da</strong> para que o indivíduo enfrente as situações <strong>do</strong> cotidiano,representa uma referência importante para o <strong>do</strong>ente com Hanseníase por guar<strong>da</strong>rintima relação com os seus valores e normas.Antônio (76) fala sobre seus amigos na época em que iniciou oprimeiro tratamento e fugiu <strong>do</strong> Hospital Colônia ltapuã: "Com os amigos <strong>da</strong> épocanunca tive problemas. Como logo após a minha fuga recomecei a trabalhar,tu<strong>do</strong> foi meio esqueci<strong>do</strong> e eles não se preocuparam comigo". Na


155atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, Antônio (76) não comenta com amigos ou conheci<strong>do</strong>s sobre aHanseníase, com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong> discrimina<strong>do</strong>.Também viven<strong>do</strong> esse me<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong> discrimina<strong>do</strong> por causa <strong>da</strong>Hanseníase, Maria (62), Roque (29), Tereza (50) e Fé (66) não contaram paraseus amigos sobre a <strong>do</strong>ença.Izabel (48), cujo ex-companheiro contou para as pessoas sobre aHanseníase, tem apenas <strong>do</strong>is amigos, na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois os <strong>de</strong>mais aaban<strong>do</strong>naram. Sobre isto, ela fala:Eu tenho uma única amiga que não tem me<strong>do</strong> <strong>de</strong> mim ou<strong>da</strong> Hanseníase. Ela continua se relacionan<strong>do</strong>normalmente comigo e passa horas na minha casa... Umamigo que ain<strong>da</strong> me visita, mesmo que sejaesporadicamente, é homossexual e totalmenteneurótico... e passa o tempo inteiro lavan<strong>do</strong> as mãos...Essa dicotomia apoio-rechaço também foi vivencia<strong>da</strong> por Ângelo(38):Quan<strong>do</strong> apareceram as lesões na pele, muitos amigos seafastaram. Alguns não se retiraram, totalmente, masficaram meio <strong>de</strong> la<strong>do</strong>. Graças a Deus, tenho gran<strong>de</strong>s ever<strong>da</strong><strong>de</strong>iros amigos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio tentaram meaju<strong>da</strong>r, inclusive, tentan<strong>do</strong> conseguir trabalho para mim.Ate hoje eles me dão muita força.Dessa forma, percebe-se <strong>ser</strong> o apoio afetivo e social um <strong>do</strong>scomponentes fun<strong>da</strong>mentais no caminho <strong>da</strong> reabilitação. É necessário um vínculo<strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s que seja receptivo e transmita sentimentos <strong>de</strong> afeição, simpatia eestima.


1564.5 O CORPO COMO O ESPELHO DO ESTIGMANão é ao objeto físico que o corpo po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> compara<strong>do</strong>, masantes obra <strong>de</strong> arte... É nesse senti<strong>do</strong> que o nosso corpo écomparável obra <strong>de</strong> arte. Ele é um nó <strong>de</strong> significações vivase não a lei <strong>de</strong> um certo número <strong>de</strong> termos co-variantes(Merleau-Ponty, 1996, p.210).O corpo assume papel central no processo <strong>de</strong> relação interpessoal,pois <strong>ser</strong>ve como meio <strong>de</strong> comunicação. O <strong>hanseniano</strong> percebe o seu corpomutila<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>ença e, por isto, com freqüência, isola-se ou é isola<strong>do</strong> <strong>do</strong> seuambiente familiar, social e profissional.Para Merleau-Ponty, "a percepção não é uma ciência <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong>,nem mesmo é um ato, uma toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>libera<strong>da</strong>; ela é o fun<strong>do</strong> sobre oqual to<strong>do</strong>s os atos se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>m e é pressuposta por eles" (1975, p.5). Estefenomenólogo fala também que "<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu não posso ter acesso direto aopsiquismo <strong>do</strong> outro, é necessário, pois, admitir que não o sinto senãoindiretamente por intermédio <strong>de</strong> suas aparências corporais" (apud. Assumpção,1977, p.66).Segun<strong>do</strong> Bakirtzief (1994), é importante compreen<strong>de</strong>r a questão <strong>do</strong>comportamento <strong>do</strong> paciente diante <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença, bem como o estigmasocialmente construi<strong>do</strong>.Segun<strong>do</strong> Cerro (1989), to<strong>da</strong>s as enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> pele sãoestigmatizantes, mas aquelas que afetam as zonas <strong>de</strong>scobertas e sãocontagiosas, como é o caso <strong>da</strong> Hanseníase, geram um estigma maior. Ain<strong>da</strong>,


157para este autor, o estigma <strong>da</strong> Hanseníase tem quatro componentes: o físico, opsicológico, o moral e o social.Reforçan<strong>do</strong> esse pensamento, Al-Qubati e Al-Kubati (1997) citamque o estigma, associa<strong>do</strong> à Hanseníase e outras <strong>do</strong>enças <strong>de</strong>rmatológicas, po<strong>de</strong><strong>ser</strong> combati<strong>do</strong> com a educação para a saú<strong>de</strong> e a capacitação <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>.Outras vezes, to<strong>da</strong>via, mesmo que o <strong>hanseniano</strong> não <strong>de</strong>monstrenenhum sinal <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que o meio social no qual vive<strong>de</strong>scobre sobre a Hanseníase, ele passa a <strong>ser</strong> marginaliza<strong>do</strong> e segrega<strong>do</strong>.A discriminação e a rejeição ocorrem por parte <strong>da</strong>queles que<strong>de</strong>sconhecem o que é a Hanseníase e <strong>de</strong>ixam profun<strong>da</strong>s marcas nos sentimentos<strong>do</strong>s <strong>ser</strong>es humanos <strong>hanseniano</strong>s.Mesmo nos dias atuais, apesar <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os progressos noconhecimento e no tratamento, a Hanseníase continua a evocar me<strong>do</strong> napopulação, em geral, e entre os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Conforme Goffman (1982), o termo estigma foi cila<strong>da</strong> pelos gregospara se referir a sinais corporais que i<strong>de</strong>ntificassem algo <strong>de</strong> extraordinário ou algoruim sobre o status moral <strong>de</strong> quem os apresentava. Os sinais eram feitos comcortes ou fogo e avisavam <strong>ser</strong> o porta<strong>do</strong>r um escravo, um criminoso ou um trai<strong>do</strong>r,uma pessoa marca<strong>da</strong> e ritualmente "poluí<strong>da</strong>", a <strong>ser</strong> evita<strong>da</strong> nos lugares públicos.


158Para Gandra Júnior (s.d.), estigma é a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> que possuemcertas categorias culturais ou sociais <strong>de</strong> funcionarem como sinal <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>r<strong>de</strong> uma emoção, que se manifesta numa conduta <strong>de</strong> afastamento imediato.O termo estigma, assim, é usa<strong>do</strong> como referência a um atributoprofun<strong>da</strong>mente <strong>de</strong>preciativo. Deixamos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar alguém comum e total,reduzin<strong>do</strong>-o a um <strong>ser</strong> estraga<strong>do</strong>, diminuí<strong>do</strong>, <strong>de</strong>feituoso e fraco, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> esrealguém evita<strong>do</strong> pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Conforme Rotberg, Hanseníase não é hereditária, mas o estigma <strong>de</strong>lepra' 6, e po<strong>de</strong> atingir até a segun<strong>da</strong> geração <strong>de</strong> um leproso" (1977, p.16).Também, para este autor, a Hanseníase é a mais polimorfa <strong>da</strong>s <strong>do</strong>enças, poisapresenta sintomas muito varia<strong>do</strong>s. Um sintoma, porém, nunca <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> estarpresente em to<strong>do</strong>s os casos: o estigma. "A lepra é tão inseparável <strong>do</strong> estigmaquanto o estigma <strong>da</strong> lepra"(lbid., p.16).Para Awofeso (1996), as alterações corporais conseqüentesHanseníase, <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas <strong>de</strong> face, olhos e extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, contribuem parao estigma que leva ao isolamento social <strong>do</strong> paciente.Segun<strong>do</strong> Oliveira et al. (1997), a <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> Hansen é uma moléstiacom alto potencial <strong>de</strong> incapacitação física e <strong>de</strong> estigmatização, por causa <strong>da</strong>sseqüelas que ela produz.


159Conforme Gershon e Srinivasan (1992), a Hanseníase origina <strong>do</strong>istipos <strong>de</strong> estigmatização: um <strong>da</strong> própria <strong>do</strong>ença e <strong>da</strong>s <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicascausa<strong>da</strong>s por ela e, outro próprio <strong>do</strong> ostracismo social imposto ao <strong>hanseniano</strong>.O estigma <strong>da</strong> Hanseníase é fato real nos dias atuais, fazen<strong>do</strong>-sepresente, por vezes, até mesmo antes <strong>da</strong> confirmação diagnóstica e <strong>da</strong>smanifestações físicas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.É necessário interesse em lutar contra o estigma imposto ao<strong>hanseniano</strong>. Será preciso compreen<strong>de</strong>r que as lesões físicas <strong>da</strong> Hanseníasepo<strong>de</strong>m <strong>ser</strong> graves, mas não po<strong>de</strong>mos esquecer que os prejuízos sociais e moraiscausa<strong>do</strong>s por esta moléstia são ain<strong>da</strong> maiores.4.5.1 Sobre a Ocultação <strong>da</strong> Doença e <strong>do</strong> Corpo: Contar a Ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ou Ocultar a Hanseníase?Muitos são os sentimentos vivencia<strong>do</strong>s pelos <strong>hanseniano</strong>s, mas, comcerteza, as modificações corporais, surgi<strong>da</strong>s com a <strong>do</strong>ença e a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>explicações continuas sobre elas, levam o <strong>do</strong>ente com Hanseníase a ocultar seucorpo e sua <strong>do</strong>ença.Os pacientes entrevista<strong>do</strong>s manifestaram <strong>de</strong>sconforto pela alteração<strong>da</strong> aparência, <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong>s efeitos <strong>da</strong>s medicações e <strong>da</strong> própria evolução <strong>da</strong>


160<strong>do</strong>ença. Muitas vezes, a aparência provoca atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> especulação, curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>e preconceito entre as pessoas <strong>do</strong> convívio <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>.Roque (29) se recor<strong>da</strong> <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> surgiram as primeirasmanifestações <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença em sua pele, na época em que ain<strong>da</strong> trabalhava, e <strong>de</strong>como tentava escondê-las <strong>do</strong>s colegas <strong>de</strong> <strong>ser</strong>viço e <strong>do</strong> seu gerente:No meu <strong>ser</strong>viço eu sempre an<strong>da</strong>va <strong>de</strong> camisa <strong>de</strong> mangacompri<strong>da</strong> e calva <strong>de</strong> pijama por baixo <strong>do</strong> macacão <strong>da</strong>firma para escon<strong>de</strong>r as lesões <strong>da</strong> minha pele. Mesmo noverão eu nunca an<strong>da</strong>va <strong>de</strong> roupa curta. Lembro-me <strong>de</strong>uma vez, quan<strong>do</strong> fomos fazer uma entrega na praia, e ogerente insistiu para que eu colocasse uma bermu<strong>da</strong> efosse aproveitar o mar. Eu não quis e fiquei inventan<strong>do</strong><strong>de</strong>sculpas.Desvela-se, na fala <strong>de</strong> Roque (29), o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong> <strong>de</strong>scoberto como<strong>hanseniano</strong> e o receio <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o emprego em <strong>de</strong>corrência disto. Este paciente,<strong>de</strong> fato, após algum tempo <strong>de</strong> tratamento, foi <strong>de</strong>miti<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu emprego.Segun<strong>do</strong> Yamanouchi et al., "o estigma <strong>da</strong> lepra é retrata<strong>do</strong> aqui: é o<strong>do</strong>ente que escon<strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença por me<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão ou discriminação" (1993,p.399).Sobre isso falam Oliveira e Romanelli: "Alguns homens relataramdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s no trabalho com o aparecimento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença... Assim, muitospreferiram ocultar sua <strong>do</strong>ença, para não <strong>ser</strong>em <strong>de</strong>spedi<strong>do</strong>s" (1998, p.57).E, falan<strong>do</strong> sobre as pia<strong>da</strong>s que seus amigos fazem sobre suaspernas que não têm pêlos, Roque continua: "...como eu não tenho pêlos nas


161pernas eles ficam brincan<strong>do</strong> e dizen<strong>do</strong> que eu me <strong>de</strong>pilo. Levo na brinca<strong>de</strong>ira,mas mostro muito o meu corpo".E, sobre as cicatrizes nas pernas, ele fala:Em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong>s cicatrizes <strong>da</strong>s pernas não tenho coragem<strong>de</strong> usar calças curtas na presença <strong>de</strong> outras pessoas, poistenho vergonha e não gosto <strong>de</strong> ficar <strong>da</strong>n<strong>do</strong> explicações...Meus amigos acham muito estranho eu usar calças compri<strong>da</strong>sno verão, mas não gosto que ninguém, nem os meus filhos,vejam as minhas pernas...Corroboran<strong>do</strong> o <strong>de</strong>poimento anterior, Oliveira e Romanelli (1998)constataram que os porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Hanseníase procuram evitar situações em queseja necessário <strong>da</strong>r explicações sobre seu corpo, numa tentativa <strong>de</strong> ocultar odiagnóstico <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Situação semelhante <strong>de</strong> ocultação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença viveu Marta (65). Emacompanhamento psiquiátrico para <strong>de</strong>pressão, ela s6 contou para seu médicosobre a Hanseníase quan<strong>do</strong> teve a recidiva:Eu não havia conta<strong>do</strong> na<strong>da</strong> para o meu psiquiatra sobre oprimeiro tratamento, pois isto era um tabu que eu queriaesquecer. Quan<strong>do</strong> reiniciei o segun<strong>do</strong> tratamento é queeu lhe contei, pois tinha to<strong>da</strong> a parte <strong>da</strong> interação entre osmedicamentos para manejar.Tereza (50), casa<strong>da</strong> há trinta e um anos, até hoje escon<strong>de</strong> aHanseníase <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong> e filhos. Ela expõe sua vivência:


162... nem meu mari<strong>do</strong>, nem meus <strong>do</strong>is filhos sabem <strong>do</strong> meutratamento passa<strong>do</strong> e atual <strong>da</strong> Hanseníase... Até, hoje,eles acham que venho consultar por causa <strong>da</strong> úlcera <strong>da</strong>perna. Esta é a minha <strong>de</strong>sculpa para as consultasfreqüentes e o tratamento continuo e prolonga<strong>do</strong>...Tempos atrás, tive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar para eles, mas aíteriam as noras e também os netos para contar, então,resolvi continuar com o meu segre<strong>do</strong>.Quan<strong>do</strong> iniciou o segun<strong>do</strong> tratamento, por causa <strong>da</strong> recidiva <strong>da</strong>Hanseníase, Tereza (50) ficou muito apreensiva, pensan<strong>do</strong> como faria para seguir,escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a Hanseníase <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s filhos, agora, já adultos: "Tivereceio <strong>de</strong> que eles <strong>de</strong>scobrissem sobre a Hanseníase".Tereza (50), além <strong>de</strong> ocultar a <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong> e seus filhos,preocupa-se, também, em disfarçar os remédios que toma. Ela fala:Como meu mari<strong>do</strong> e filhos não sabem sobre otratamento <strong>da</strong> Hanseníase, preocupo-me também emdisfarçar os remédios que tomo... Como eles jáestiveram consultan<strong>do</strong> aqui e viram os cartazes sobre a<strong>do</strong>ença e os <strong>de</strong>senhos <strong>da</strong>s cartelas com os remédios,para que eles não reconheçam os medicamentos, euseparei os comprimi<strong>do</strong>s brancos <strong>do</strong>s marrons, ai nãotem perigo.E quan<strong>do</strong> se lembra <strong>do</strong>s machuca<strong>do</strong>s que sofria, em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong>anestesia cutânea, provoca<strong>da</strong> pela Hanseníase, ela <strong>de</strong>sabafa:Ca<strong>da</strong> vez que eu me machucava e ain<strong>da</strong> precisava ficarinventan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sculpas para contar aos outros, eu iafican<strong>do</strong> mais <strong>de</strong>primi<strong>da</strong> e <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>... Evitava entrarem <strong>de</strong>talhes, ate para não confundir o que havia conta<strong>do</strong>e menti<strong>do</strong> na vez anterior. Não sabia o que falar nemcomo explicar, então, eu não comentava sobre aHanseníase.


163E, sobre as feri<strong>da</strong>s nas pernas Tereza(50) fala: "Para evitar ficar<strong>da</strong>n<strong>do</strong> explicações sobre os curativos, até no verão eu an<strong>do</strong> <strong>de</strong> calçacompri<strong>da</strong>, assim, ninguém vê as minhas pernas".Segun<strong>do</strong> Claro (1995), as mulheres <strong>de</strong>monstram preocupaçãoquanto à estética e o me<strong>do</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>, sentin<strong>do</strong>-se feias e com vergonha <strong>de</strong>suatransformação, preferin<strong>do</strong> ocultar seu problemas com <strong>de</strong>sculpas ou,simplesmente, se escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>. Elas acabam por ocultar a <strong>do</strong>ença, crian<strong>do</strong><strong>de</strong>sculpas e esquivan<strong>do</strong>-se <strong>da</strong>s perguntas.Apenas seus pais e irmãos sabem sobre a sua <strong>do</strong>ença e <strong>de</strong> suasduas irmãs. Quan<strong>do</strong> sua tia também a<strong>do</strong>eceu pela Hanseníase, o segre<strong>do</strong>permaneceu:Minha tia esteve muito mal, chegou a ficar hospitaliza<strong>da</strong>,em Porto Alegre, mas nós nunca contamos para ela quenós também tínhamos Hanseníase. Talvez, ela <strong>de</strong>sconfieou até tenha certeza, pois <strong>de</strong> tanto conviver com a<strong>do</strong>ença a gente apren<strong>de</strong> a reconhecer outros <strong>do</strong>entes,mas nós nunca contamos na<strong>da</strong>.Antônio (76), apresentan<strong>do</strong> <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s importantes nas mãos enos pés, evita aten<strong>de</strong>r aos clientes na pequena loja <strong>da</strong> família. Ele comenta:Eu não aten<strong>do</strong> na loja, pois não consigo segurar o lápispara fazer uma conta nem mexer com dinheiro para fazertroco... Evito situações em que preciso <strong>da</strong>r explicaçõessobre minhas <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s... Hoje, a maior dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>que encontro é ficar inventan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sculpas... Tenho quementir, pois sen<strong>do</strong> as pessoas são capazes <strong>de</strong> saircorren<strong>do</strong>, se eu contar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.


164E falan<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu receio <strong>de</strong> <strong>ser</strong> <strong>de</strong>scoberto como <strong>hanseniano</strong> porseus amigos ou conheci<strong>do</strong>s, diz: "Eu sempre escondia, e continuo a escon<strong>de</strong>r,que tive Hanseníase, pois <strong>do</strong> contrário as pessoas não querem nem falarcomigo. Sou <strong>da</strong> opinião <strong>de</strong> que não se <strong>de</strong>ve dizer a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sempre".Helene e Rocha (1998) relatam que o aparecimento <strong>do</strong>s sinais <strong>da</strong>Hanseníase, segun<strong>do</strong> os pacientes, po<strong>de</strong>m provocar reações discriminatórias porparte <strong>da</strong>s outras pessoas, levan<strong>do</strong> os pacientes a ocultar a <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> seusamigos.Conforme Ferreira,... em muitas culturas o estigma ain<strong>da</strong> envolve a <strong>do</strong>ença,fazen<strong>do</strong> com que muitos pacientes, mesmo perceben<strong>do</strong><strong>ser</strong>em porta<strong>do</strong>res, evitem procurar os <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>em busca <strong>de</strong> confirmação <strong>do</strong> diagnóstico e <strong>de</strong> tratamentopara não <strong>ser</strong>em reconheci<strong>do</strong>s como <strong>do</strong>entes <strong>de</strong>Hanseníase (1999, p.8).Segun<strong>do</strong> Oliveira (1990), a Hanseníase é uma <strong>do</strong>ençaextremamente carrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> estigma, preconceito e tabus que, infelizmente,persistem até os dias <strong>de</strong> hoje, acarretan<strong>do</strong> <strong>da</strong>nos consi<strong>de</strong>ráveis ao <strong>do</strong>ente quesofre pressões sociais pela rejeição e repulsa, levan<strong>do</strong> os indivíduos porta<strong>do</strong>res aocultarem seu problema, para não <strong>ser</strong>em i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong>O <strong>hanseniano</strong>, ao receber o diagnóstico <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença, vivenciaduas situações interliga<strong>da</strong>s. A primeira é a confirmação <strong>de</strong> <strong>ser</strong> porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma<strong>do</strong>ença envolta por estigmas e a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar o seu tratamento. A


165segun<strong>da</strong> é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre revelar ou ocultar a Hanseníase <strong>de</strong> seus familiares eamigos, uma vez que não se sabe a reação que eles terão.Desvela-sena fala <strong>do</strong>s participantes, <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, a dúvi<strong>da</strong>vivencia<strong>da</strong> <strong>de</strong> contar, ou não, sobre a <strong>do</strong>ença a amigos e familiares.Clara (22) comenta sobre sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não contar para as pessoassobre sua <strong>do</strong>ença: "Decidi a<strong>do</strong>tar uma postura hipócrita em um <strong>mun<strong>do</strong></strong>hipócrita. Os poucos que sabem sobre a Hanseníase se dão comigo, então,são meus amigos mesmo. E os que não sabem, vamos <strong>de</strong>ixar em segre<strong>do</strong>(risos)".E sobre a família <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong>, ela diz: "Como os familiares <strong>de</strong>lesão um pouco preconceituosos, <strong>de</strong>cidimos não contar na<strong>da</strong> sobre aHanseníase. Quan<strong>do</strong> estou pior, invento <strong>de</strong>sculpas, dizen<strong>do</strong> ter problemascirculatórios e uso roupas compri<strong>da</strong>s para disfarçar".Maria (62) chegou a contar sobre a <strong>do</strong>ença a um <strong>de</strong> seuscompanheiros, mas <strong>de</strong>pois resolveu ocultar <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais. Ela fala: "Dos meuscompanheiros apenas um soube <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e passou a vi<strong>da</strong> inteira, pensan<strong>do</strong>que iria morrer. Decidi não mais contar, pois o pânico gera<strong>do</strong> era muitogran<strong>de</strong>".Também, comentan<strong>do</strong> sobre seus filhos, já adultos, e netos que nãosabem sobre a Hanseníase, Maria (62) diz: "Meus filhos até hoje não sabemque eu tive Hanseníase ou que estive interna<strong>da</strong> em ltapuã. Também não


166contei para os netos. Por que contar? Será que eles enten<strong>de</strong>riam ou tambémme aban<strong>do</strong>nariam?".Comentan<strong>do</strong> sobre a família, Roque (29) diz não ter conta<strong>do</strong> parato<strong>do</strong>s e justifica-se: "Da minha família, apenas a mãe sabe. Não comento comos meus irmãos, pois eles são muito medrosos e fico imaginan<strong>do</strong> que eles seafastariam <strong>de</strong> mim".Roque (29) prossegue, falan<strong>do</strong> sobre os amigos, que não sabem <strong>da</strong>Hanseníase:Eu gosto muito <strong>de</strong> ter amigos e fazer novas amiza<strong>de</strong>s,mas entre os meus amigos ninguém sabe sobre a minha<strong>do</strong>ença ou sobre o meu tratamento. Tenho me<strong>do</strong> que elesse afastem <strong>de</strong> mim, me coloquem algum apeli<strong>do</strong> oufiquem fazen<strong>do</strong> pia<strong>da</strong>s. Tenho receio que a intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> e aamiza<strong>de</strong> que temos se modifique e acabe.Conforme Yamanouchi et al. (1993), os <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníaseacabam por omitir o diagnóstico <strong>do</strong>s familiares e amigos com me<strong>do</strong> <strong>da</strong> rejeição e<strong>da</strong> discriminação.lzabel (48) vivenciou situação um pouco diferente. Ela estava<strong>de</strong>cidi<strong>da</strong> a não contar para seus amigos e sofreu com a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seucompanheiro: "Eu nunca falei para os meus amigos sobre a Hanseníase, masmeu companheiro que, inicialmente, me <strong>de</strong>u força para iniciar o tratamento,falou para as pessoas e falou muito mal..."Para Marta (65), quem queria ocultar a <strong>do</strong>ença era o seu pai, comreceio <strong>de</strong> <strong>ser</strong> excluí<strong>do</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou <strong>da</strong> interferência nos negócios. Entretanto,


167sua sogra que, inicialmente, a apoiara, contou para conheci<strong>do</strong>s e amigos sobre aHanseníase. Ela <strong>de</strong>sabafa: " Este foi o começo <strong>da</strong> Hanseníase para mim. Aatitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> minha sogra me <strong>de</strong>ixou uma pessoa marca<strong>da</strong> e criou umadificul<strong>da</strong><strong>de</strong> gran<strong>de</strong> com meu pai, pois ele queria ocultar a <strong>do</strong>ença".Julião (49) diz que: "A maioria <strong>do</strong>s meus conheci<strong>do</strong>s e amigossabem que eu tenho Hanseníase. Outros não sabem e pensam que eu estouassim por causa <strong>da</strong> força que fazia no trabalho e nas pescarias".Pela <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong>s vivências singulares <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, acresci<strong>da</strong><strong>de</strong> minha experiência <strong>de</strong> atendimento médico diário a estes pacientes, percebo asdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s vivencia<strong>da</strong>s em <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>. É gran<strong>de</strong> o preconceito e o estigmaimputa<strong>do</strong>s aos <strong>do</strong>entes, conduzin<strong>do</strong>-os a atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ocultamento <strong>da</strong> Hanseníase.Eles percebem o corpo, em suas vi<strong>da</strong>s, como um lugar <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença, interferin<strong>do</strong> nasua auto-imagem, em sua maneira <strong>de</strong> estar no <strong>mun<strong>do</strong></strong> e em suas vi<strong>da</strong>s <strong>de</strong>relação familiar, social e profissional. Conforme Merleau-Ponty, fenomenólogo<strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> percepção e <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong><strong>de</strong>, "o corpo próprio está no<strong>mun<strong>do</strong></strong> como o coração no organismo: ele mantém continuamente em vi<strong>da</strong> oespetáculo visível, ele o anima e o nutre interiormente, ele forma com ele umsistema" (1996, p.235).


1684.5.2 Auto-Segregação <strong>do</strong> CorpoEm pacientes com Hanseníase a <strong>do</strong>ença em si não <strong>ser</strong>ia omaior problema, mas o estigma presente tanto no interior <strong>da</strong>própria pessoa, quanto no meio externo, é o que propiciariasentimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sesperança, <strong>de</strong>samparo e isolamento(Polastro, 1999, p.18).Segregar significa separar, afastar, isolar. Segregação é o ato ouefeito <strong>de</strong> segregar ou segregar-se.Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> amigos, <strong>de</strong> familiares e <strong>da</strong>comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual o <strong>hanseniano</strong> vive, com freqüência, ele acaba por isolar-se<strong>da</strong>s pessoas. Vários são os motivos para esta auto-segregação, vivencia<strong>da</strong> pelos<strong>do</strong>entes com Hanseníase.Tereza (50), dividin<strong>do</strong> sua <strong>do</strong>ença apenas com seus pais e seusirmãos, nem seu mari<strong>do</strong>, nem seus filhos sabiam sobre seu tratamento, conta suavivência. Ela isolava-se com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> que lhe perguntassem sobre a <strong>do</strong>ença:Procurava ficar afasta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas, pois quan<strong>do</strong> euchegava em algum lugar eu sempre tinha a sensação <strong>de</strong>que estavam me olhan<strong>do</strong> porque conheciam a <strong>do</strong>ença eporque sabiam que eu tinha Hanseníase. Era muito<strong>de</strong>sconfia<strong>da</strong> e vivia retraí<strong>da</strong>, achan<strong>do</strong> que iriam meperguntar alguma coisa a qualquer momento.Oliveira e Romanelli (1998) constataram que as alterações corporais,causa<strong>da</strong>s pela Hanseníase, levam o <strong>hanseniano</strong> a ocultar o seu diagnóstico comouma reação <strong>de</strong> auto-estigmatização, com pre<strong>do</strong>minância â estigmatização social.


169Roque (29) não contou sobre a Hanseníase para seus amigos, poisimaginava que a amiza<strong>de</strong> modificar-se-ia e ain<strong>da</strong> <strong>ser</strong>ia isola<strong>do</strong>. Ele fala: "Então,antes que isto acontecesse, eu me afastei <strong>de</strong>les".O paciente com Hanseníase é uma pessoa socialmente marca<strong>da</strong>,pois nela recaem séculos <strong>de</strong> preconceitos e <strong>de</strong> me<strong>do</strong>s, fun<strong>da</strong>menta<strong>do</strong>s naignorância e na incompreensão, contribuin<strong>do</strong> para a sua auto-rejeição e autosegregação.Yamanouchi et al., referin<strong>do</strong>-se às vivências <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s, citaque "o triste fato é que, muitas vezes, antes <strong>de</strong> a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> rejeitar o indivíduo,este rejeita a si próprio" (1993, p. 396).Clara (22), recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> era criança comenta:... se alguma criança viesse brincar comigo, apanhava <strong>de</strong>sua mãe. Por causa disto, eu vivia sozinha, achan<strong>do</strong> queprejudicava as outras pessoas. Havia coloca<strong>do</strong> na minhacabeça que precisava ficar quieta no meu canto.E, sobre como se sente, na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ela fala:Talvez, seja bobagem minha, mas eu me sinto diferente<strong>da</strong>s outras pessoas. Meu mari<strong>do</strong> diz que além <strong>do</strong>s outrosme excluírem eu própria me excluo. Parece estar escritona minha testa que eu tenho Hanseníase, como se to<strong>do</strong><strong>mun<strong>do</strong></strong> soubesse disto. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o preconceitomaior está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim e não nas pessoas. Eu tenhopreconceito <strong>de</strong> mim mesma.Situação semelhante <strong>de</strong> isolar-se <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais vivenciou Izabel (48),após ter si<strong>do</strong> discrimina<strong>da</strong> e isola<strong>da</strong> por seus amigos: "Então, eu comecei a me


170fechar no meu <strong>mun<strong>do</strong></strong>. Agora, talvez, eu tenha me fecha<strong>do</strong> mais para mim <strong>do</strong>que para as próprias pessoas. Eu não faço questão <strong>de</strong> ir à casa <strong>de</strong> ninguém,nem <strong>de</strong> ter amigos ou namora<strong>do</strong>s".Quan<strong>do</strong> seu filho lhe pergunta e, ao mesmo tempo, estimula para queela saia ou tenha namora<strong>do</strong>s, lzabel (48) diz:Então eu explico para ele que tenho vergonha <strong>de</strong> tirar aroupa na frente <strong>de</strong> algum homem, pois não tenho maispêlos na regi<strong>do</strong> pubiana. Mesmo que este homem nãosaiba <strong>da</strong> Hanseníase, pois ele po<strong>de</strong>ria pensar que eu me<strong>de</strong>pilo, para mim é como se soubesse. Por isto, acho quenunca mais vou ter namora<strong>do</strong>s.Ângelo (38) fala <strong>de</strong> sua vivencia: "Em um grupo <strong>de</strong> pessoas sadiase normais eu fico meio <strong>de</strong> canto e com vergonha <strong>de</strong> me aproximar..."Segun<strong>do</strong> Claro "a auto-estigmatização é uma reação psicológica <strong>de</strong>intensa auto<strong>de</strong>preciação que até certo ponto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s <strong>da</strong>s outraspessoas, porque se fun<strong>da</strong>menta no mo<strong>do</strong> como o próprio indivíduo se v6, ou seja,na sua auto-imagem" (1995, p.86).Conforme Yamanouchi et al. (1993), os sentimentos vivencia<strong>do</strong>s pelo<strong>hanseniano</strong>, durante sua <strong>do</strong>ença, entre eles, a vergonha, muitas vezes, originamum complexo <strong>de</strong> auto-rejeição, o que contribui para torná-lo uma pessoamarginaliza<strong>da</strong> e rejeita<strong>da</strong>.Fé (66), após <strong>ser</strong> discrimina<strong>da</strong> e isola<strong>da</strong> por alguns familiares eamigos, <strong>de</strong>sabafa seu me<strong>do</strong>: "Eu não tinha coragem <strong>de</strong> sair nem <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer aesca<strong>da</strong> <strong>do</strong> meu prédio. Eu passei três anos sem igreja, sem amigos, sem


171na<strong>da</strong>... Quan<strong>do</strong> chegava em algum lugar e as pessoas começavam a meolhar, eu já não voltava mais..."Para Arvello, "existe um me<strong>do</strong> que tem origem no começo <strong>do</strong>stempos e que tem sua profun<strong>da</strong> e po<strong>de</strong>rosa raiz na enorme capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>formante <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e no estigma social que a acompanha" (1997, p.35).Seguin<strong>do</strong> tal pensamento, Polastro (1999) refere que tal me<strong>do</strong>, em geral, po<strong>de</strong>levar as pessoas com Hanseníase ao processo <strong>de</strong> exclusão social e <strong>de</strong> autoisolamento,por causa <strong>da</strong>s seqüelas <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong>s pela <strong>do</strong>ença e pelo estigma.A auto-segregação, vivencia<strong>da</strong> pelos <strong>hanseniano</strong>s, altera sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>relação, pois eles se privam <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s e outros relacionamentos, tãoimportantes para as pessoas. Por vezes, é possível recuperar este convíviosocial, mas, outras vezes, os pacientes se isolam mais, mais e mais...Capalbo, ao <strong>de</strong>screver consi<strong>de</strong>rações sobre o méto<strong>do</strong>fenomenológico aplica<strong>do</strong> à área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, enfatiza que "... os <strong>do</strong>entes brasileiros,qualquer que seja a sua <strong>do</strong>ença, expressam na sua mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> over a sua<strong>do</strong>ença, em to<strong>do</strong>s os seus condicionamentos culturais e sociais" (1994, p.74).Talvez, possamos compreen<strong>de</strong>r melhor os conflitos existenciais,vivencia<strong>do</strong>s pelos entrevista<strong>do</strong>s, se refletirmos sobre o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo navi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas e como articular e harmonizar, em nossa prática médica, asdiferentes percepções <strong>de</strong> corpo que nos trazem.Os corpos são objetos para contemplação externa; elesenfrentam o <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> fora... Qual é a topografía emocionale existencial


172pele e <strong>do</strong>s ossos?... E como as pessoas pensavam em seuscorpos, seus incômo<strong>do</strong>s e suas <strong>do</strong>res quan<strong>do</strong> ficavam<strong>do</strong>entes? O corpo é o sistema <strong>de</strong> comunicação primário, masos historia<strong>do</strong>res prestam pouca atenção a seus código-chave(Burke, apud. Santini, 1999, p.7).4.6 SOBRE AS EQUIPES DE SAÚDEO que se <strong>de</strong>seja combater não é o <strong>do</strong>ente, mas a <strong>do</strong>ença queele tem (Mesquita, 1977, p.38).No combate à Hanseníase são necessárias ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> capacitação<strong>do</strong>s profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para suspeição, diagnóstico e tratamento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença,além <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s educativas para prevenção.Por <strong>ser</strong> uma <strong>do</strong>ença com amplo espectro <strong>de</strong> apresentação clínica eacometimento <strong>de</strong> inúmeros órgãos, a Hanseníase se caracteriza como uma <strong>do</strong>ençamultidisciplinar, que envolve, principalmente. o <strong>de</strong>rmatologista, em razão <strong>da</strong>exuberância <strong>de</strong> suas manifestações clínicas.Contu<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s os membros <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem estar aptospara acompanhar o <strong>hanseniano</strong>. Fisioterapeutas, enfermeiros, auxiliares <strong>de</strong>enfermagem, bioquímicos, assistentes sociais, médicos generalistas eespecialistas entre outros <strong>de</strong>vem estar, continuamente, atualiza<strong>do</strong>s e trabalhan<strong>do</strong>em conjunto.


173Além <strong>da</strong> continua atualização técnico-científica <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> enfoca<strong>do</strong> o aspecto <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano que está em acompanhamento. Osprofissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisam saber reconhecer, compreen<strong>de</strong>r e trabalhar comos sentimentos e vivências experiencia<strong>do</strong>s nesse processo, contribuin<strong>do</strong>, assim,para a humanização <strong>do</strong> atendimento ao <strong>hanseniano</strong>.Para Ferro e Fonseca (1987), o sucesso <strong>do</strong>s programas <strong>de</strong> controle<strong>da</strong> Hanseníase só <strong>ser</strong>á possível quan<strong>do</strong> o médico, o enfermeiro, o assistentesocial, o aten<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>mais auxiliares que trabalham direta ou indiretamente comos clientes proporcionarem ambiente propício para promoção e manutenção <strong>da</strong>saú<strong>de</strong>, valorizan<strong>do</strong> os clientes como pessoas e não como "casos clínicos".É preciso levar em conta as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s humanas <strong>do</strong>s própriospacientes. Lembran<strong>do</strong> Merleau-Ponty, "to<strong>do</strong> o universo <strong>da</strong> ciência está construí<strong>do</strong>sobre o <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> e, se queremos pensar rigorosamente a ciência, apreciarexatamente seu senti<strong>do</strong> e alcance, teremos que primeiro <strong>de</strong>spertar estaexperiência <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong>le que esta é a expressão segun<strong>da</strong>" (1975, p.8).4.6.1 A Percepção sobre os Profissionais <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>Para o correto diagnóstico <strong>da</strong> Hanseníase faz-se necessário, antes<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, pensar que ela continua existin<strong>do</strong> como <strong>do</strong>ença. Mas saber <strong>de</strong> suaexistência, apenas, não basta, é preciso ter ciência <strong>de</strong> sua transmissão,


174reconhecer suas manifestações clínicas, fazer seu diagnóstico e seu manejoterapêutico, interagin<strong>do</strong> com o paciente. Estas responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong> uma maneiramais direta, mas não exclusiva, pertencem aos profissionais e aos <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, que necessitam <strong>de</strong> contínua atualização sobre a Hanseníase. To<strong>da</strong>via,algumas vezes, os profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> enfrentam dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para concretizarseu diagnóstico, pois falta-lhes informações e conhecimentos a respeito <strong>de</strong>stamoléstia.Fé (66) consultou, pela primeira vez, em outro Esta<strong>do</strong> <strong>da</strong> Região Sul<strong>do</strong> País. Embora reconhecen<strong>do</strong> os sintomas <strong>da</strong> Hanseníase, manifestan<strong>do</strong>-se noseu corpo, esperou pelo parecer médico. Ela diz:Uma vez, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> em que meu filho e minha noramoram, eu me queimei, fiz bolha no local e não senti.Comecei achar que havia algo <strong>de</strong> anormal comigo e a<strong>de</strong>sconfiar, pois, às vezes, eu me queimava no forno enão sentia na<strong>da</strong>... Consultei, pela primeira vez, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>les... Foi inicia<strong>do</strong> tratamento para varizes... Pensavaque o médico, com seus conhecimentos, é quem <strong>de</strong>veriaver que eu tinha Hanseníase e não eu.Na fala <strong>de</strong> Marta (65), também se <strong>de</strong>svela esta questão <strong>da</strong> <strong>de</strong>ficiência<strong>de</strong> treinamento <strong>do</strong>s profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. Antes <strong>de</strong> receber o diagnóstico correto<strong>de</strong> Hanseníase, ela havia recebi<strong>do</strong> tratamento para outras patologias. Perceben<strong>do</strong>se<strong>de</strong>ste <strong>de</strong>sconhecimento, ela reconhece a importância <strong>da</strong> educação continua<strong>da</strong>aos profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. Ela comenta:O primeiro médico consulta<strong>do</strong> informou tratar-se <strong>de</strong>alergia... Demorei para iniciar o tratamento, pois osmédicos não tinham conhecimento <strong>da</strong> Hanseníase. Pensoque se houvesse maior esclarecimento <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença a estesprofissionais <strong>ser</strong>ia muito bom, pois as pessoasreceberiam uma aju<strong>da</strong> melhor.


175O treinamento <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> permite o diagnósticoprecoce e o início imediato <strong>do</strong> tratamento específico para Hanseníase,contribuin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta forma, na prevenção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas.Lopes et al. (1997) constataram a ausência <strong>de</strong> conhecimentoscientíficos atuais sobre diagnóstico, tratamento e cura <strong>da</strong> Hanseníase entre osmembros <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Estes autores também enfatizam a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> socialização <strong>do</strong> conhecimento científico atual sobre a <strong>do</strong>ença.Segun<strong>do</strong> Andra<strong>de</strong>, "faz-se necessário viabilizar a capacitação eatualização contínua <strong>de</strong> recursos humanos, com cursos <strong>de</strong> curta duração e fácilconteú<strong>do</strong>" (1995, p.57).Os <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, em to<strong>do</strong>s os níveis <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, apesar<strong>da</strong> ênfase na re<strong>de</strong> básica como porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> <strong>do</strong> sistema, precisam estarhabilita<strong>do</strong>s para diagnosticar e tratar os casos <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. E a maneira maisobjetiva para que isto seja concretiza<strong>do</strong> é por meio <strong>da</strong> educação continua<strong>da</strong>. NoAmbulatório <strong>de</strong> Dermatologia Sanitária, mediante esta atualização constante,informações corretas e precisas sobre a <strong>do</strong>ença e exames diagnósticos a <strong>ser</strong>emsolicita<strong>do</strong>s são compartilha<strong>da</strong>s com os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ao mesmo tempoem que se enfatiza e se viven<strong>da</strong> o acolhimento e a educação <strong>do</strong> paciente e <strong>de</strong> suafamília.Desvela-se, na fala <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Assis (48), o <strong>de</strong>sconhecimentomédico <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e a <strong>de</strong>sinformação sobre os corretos exames diagnósticos a<strong>ser</strong>em solicita<strong>do</strong>s. Elefala: "No inicio, apesar <strong>do</strong>s exames realiza<strong>do</strong>s, os


176médicos não <strong>de</strong>scobriram o que eu tinha. Cheguei a consultar com<strong>de</strong>rmatologista na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual moro, mas nunca apareceu na<strong>da</strong> nosexames <strong>de</strong> sangue."Sobre isso, falam Feliciano e Kocavs (1996). Para estas autoras, o<strong>de</strong>spreparo <strong>do</strong>s profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> leva à formulação <strong>de</strong> hipótesesdiagnosticas incorretas e à solicitação <strong>de</strong> exames laboratoriais <strong>de</strong>snecessáriosque <strong>de</strong> na<strong>da</strong> <strong>ser</strong>vem para o diagnóstico <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Izabel (48) reconhece que dificultou o diagnóstico <strong>da</strong> Hanseníasepara os médicos, pois tinha vergonha <strong>de</strong> ir consultar quan<strong>do</strong> estava na fase maisativa <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Mas acrescenta que, além <strong>de</strong>ste fator, ob<strong>ser</strong>vava "... o<strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> alguns médicos sobre esta <strong>do</strong>ença".Como apresenta problemas cardíacos e pulmonares associa<strong>do</strong>s,Izabel (48) também consulta com especialistas <strong>de</strong> outras áreas. Novamente, esteaspecto <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconhecimento médico <strong>da</strong> Hanseníase <strong>de</strong>svela-se na sua fala:"Uma vez meu cardiologista disse que po<strong>de</strong>ria haver várias causas para asminhas <strong>do</strong>res e inchaços, mas ele não sabia dizer exatamente o que era..."Desvela-se, na fala <strong>de</strong> Izabel (48), a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> capacitar osprofissionais <strong>da</strong> re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para o diagnóstico precoce <strong>da</strong> Hanseníase,permitin<strong>do</strong> o início imediato <strong>de</strong> seu tratamento.Conforme Andra<strong>de</strong> (1995), faz-se necessária a participação <strong>de</strong>médicos generalistas e <strong>de</strong> outros profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> no diagnóstico precoce e


177tratamento <strong>da</strong> Hanseníase. E, para alcançar este objetivo, é importante a educaçãocontinua<strong>da</strong> <strong>de</strong>stes profissionais.Percebo, na minha vivência diária <strong>de</strong> atendimento aos <strong>hanseniano</strong>s, aimportância <strong>da</strong> participação <strong>de</strong> profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s diferentespara o diagnóstico e acompanhamento <strong>de</strong>stes <strong>do</strong>entes. Percebo, até mesmo, <strong>ser</strong>necessário iniciar otreinamento <strong>de</strong>stes profissionais <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s instituiçõesacadêmicas.Para Oliveira e Romanelli (1998), por se tratar <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença quenão requer tecnologia sofistica<strong>da</strong> para o seu diagnóstico, a Hanseníase acaba,fican<strong>do</strong> em segun<strong>do</strong> plano, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s instituições responsáveis pela formação <strong>de</strong>profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Pareceu-me claro, durante as entrevistas, a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> vivencia<strong>da</strong>pelos <strong>hanseniano</strong>s em ter concretiza<strong>do</strong> o diagnóstico, acarretan<strong>do</strong> várias situaçõesconstrange<strong>do</strong>ras até chegar a um profissional capaz <strong>de</strong> confirmá-lo.Conforme Brand, não po<strong>de</strong>mos <strong>da</strong>r a impressão, aos <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong> que não há mais necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> atualização nempesquisas para preencher a enorme lacuna <strong>de</strong> conhecimentos que existe sobre aHanseníase. "Em uma <strong>de</strong>stas lacunas po<strong>de</strong>ria estar a informação que até mesmoaceleraria nossa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> nos livrarmos <strong>de</strong>sta <strong>do</strong>ença. Em outra lacunapo<strong>de</strong>ria estar a informação, que por sua falta, po<strong>de</strong>ria frustrar nossas esperanças<strong>de</strong> sucesso" (1993, p.21).


1784.6.2 O Desejo <strong>de</strong> Como Ser Trata<strong>do</strong>Antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, a atenção médica como uma forma <strong>de</strong> relaçãoentre pessoas é provi<strong>da</strong> <strong>do</strong> atributo mágico <strong>da</strong> afeição pelacondição humana, prenhe <strong>de</strong> respeito e carinho pelosemelhante e repousa no preceito basilar <strong>do</strong> cristianismo:"ama a teu próximo como a ti mesmo" (Gomes, 1999, p.8).Os pacientes <strong>de</strong> Hanseníase, além <strong>do</strong>s sentimentos vivencia<strong>do</strong>sdurante este processo, <strong>do</strong>s sintomas e <strong>da</strong>s relações com ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s cotidianas,com amigos e com a família, <strong>de</strong>param-se com os <strong>ser</strong>viços e os profissionais <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> aon<strong>de</strong> <strong>de</strong>verão seguir seu tratamento.Percebo, mediante atendimento diário aos <strong>hanseniano</strong>s, a urgência<strong>de</strong> <strong>ser</strong>viços humaniza<strong>do</strong>s no acompanhamento a estes <strong>do</strong>entes. Não é só acompetência técnica que se faz necessária, mas o respeito ao <strong>ser</strong> humano quechega fragiliza<strong>do</strong> com tu<strong>do</strong> pelo que está passan<strong>do</strong>.A construção <strong>do</strong> pensamento científico, na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, emespecial, na Medicina, provocou um distanciamento <strong>do</strong> profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> emrelação ao seu cliente, um <strong>ser</strong> humano vivo e com capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fala. Os aparatostecnológicos passaram a ter priori<strong>da</strong><strong>de</strong>, em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> relação interpessoal,provocan<strong>do</strong> um distanciamento <strong>da</strong> pessoa <strong>do</strong>ente e a valorização <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Os pacientes, ao se sentirem acolhi<strong>do</strong>s pela equipe, expressam aimportância <strong>do</strong> carinho, <strong>do</strong> respeito e <strong>da</strong> valorização <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano, como parteindispensável para recuperação e manutenção <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong>.


179A chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> Fé (66) ao Ambulatório <strong>de</strong> Dermatologia Sanitária(ADS) foi por intermédio <strong>de</strong> seu mari<strong>do</strong>. Traumatiza<strong>da</strong> por vivências antigas,lembran<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> sua mãe, sen<strong>do</strong> "arranca<strong>da</strong>" <strong>de</strong> casa para tratamento emleprosário, ela não tinha coragem <strong>de</strong> comparecer ao <strong>ser</strong>viço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, poisachava que também <strong>ser</strong>ia retira<strong>da</strong> <strong>de</strong> casa e afasta<strong>da</strong> <strong>de</strong> sua família. Antes <strong>de</strong> irconsultar, seu mari<strong>do</strong> foi conhecer o ADS e informar-se sobre como era otratamento na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Fé (66) havia passa<strong>do</strong> por experiência <strong>de</strong> atendimentoem outros locais e ficava ca<strong>da</strong> vez mais <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong> e <strong>de</strong>primi<strong>da</strong> quan<strong>do</strong> iaconsultar:eu já havia consulta<strong>do</strong>, em outro local, mas o médicotinha me assusta<strong>do</strong> e fora muito grosseiro e estúpi<strong>do</strong>.Parecia que estava li<strong>da</strong>n<strong>do</strong> com um bicho ou com umacoisa... Eu já havia i<strong>do</strong> a muitos médicos e eles só me<strong>de</strong>ixavam pior e mais <strong>de</strong>primi<strong>da</strong>. Desenvolvi ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iropavor. Pensava comigo: Morro, mas não vou aosmédicos.E continua, dizen<strong>do</strong>:Um dia, passan<strong>do</strong> aqui em frente, eu e meu mari<strong>do</strong>ficamos nos questionan<strong>do</strong> se haveria atendimento paraHanseníase. Meu mari<strong>do</strong> veio antes conhecer o <strong>ser</strong>viço,foi bem recebi<strong>do</strong> e enviaram reca<strong>do</strong> para que eu viessesem me<strong>do</strong>. Deste dia em diante a minha vi<strong>da</strong> começou amu<strong>da</strong>r. Não foi só o tratamento físico, mas a maneirahumana como nós fomos recebi<strong>do</strong>s.A vivência <strong>de</strong> Fé (66) transparece a importância <strong>do</strong> tratamentohumano ao paciente com Hanseníase. Emociona<strong>da</strong>, ela fala:Agra<strong>de</strong>ço a Deus por ter encontra<strong>do</strong> este ambulatório eesta equipe. O que é feito aqui é <strong>de</strong> coração. Sou trata<strong>da</strong>como gente, com carinho, com amor. E disto que aspessoas estão precisan<strong>do</strong>, principalmente, nesta <strong>do</strong>ença.A cura maior está aí. No carinho.


180no amor e na valorização <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano. Isto é o maisimportante. Eu só posso é agra<strong>de</strong>cer por <strong>ser</strong> a pessoa quesou, por ter volta<strong>do</strong> à vi<strong>da</strong>! Agra<strong>de</strong>ço esta acolhi<strong>da</strong>, que me<strong>de</strong>volveu à vi<strong>da</strong>, pois eu já não tinha mais esperanças <strong>de</strong>encontrar coisas boas pela frente e eu encontrei.Qualquer programa <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> Hanseníase que não busque acura <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente no seu to<strong>do</strong>, buscan<strong>do</strong> também a "recuperação" <strong>de</strong> seussentimentos, estará, apenas, matan<strong>do</strong> o bacilo <strong>de</strong> Hansen e não curan<strong>do</strong> aHanseníase.O profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve procurar um caminho que possibilite acompreensão <strong>do</strong> paciente <strong>de</strong> Hanseníase como um <strong>ser</strong> humano com sentimentos eemoções.Conforme Duarte (1999), os pacientes <strong>de</strong> Hanseníase não <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong>consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como sen<strong>do</strong> números ou fichas, mas <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong> trata<strong>do</strong>s comopessoas que são.Para Gomes (1999), a relação <strong>do</strong> médico com o paciente vem a <strong>ser</strong>um momento agu<strong>do</strong> cuja base é a fraterni<strong>da</strong><strong>de</strong>. A simples atenção revela-se umbálsamo para a natureza humana, mas, muito mais, se acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> afeição e<strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Percebe-se, no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Clara (22), o reforço <strong>de</strong>sta citação:"Algumas vezes, um simples abraço e uma conversa aju<strong>da</strong>m muito e, nemisto, a gente tinha (choro)".


181Oliveira ressalta a importância <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> saber aju<strong>da</strong>r opaciente a enfrentar seus conflitos, temores, dúvi<strong>da</strong>s, tensões, <strong>de</strong>sesperos e, atémesmo, o seu próprio preconceito quanto à <strong>do</strong>ença. Para esta autora, "o sucessoDe to<strong>da</strong> a trajetória <strong>do</strong> tratamento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá muito <strong>do</strong> relacionamento com aequipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>" (1990, p.17).Por experiência semelhante <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e falta <strong>de</strong> acolhi<strong>da</strong>Passou Roque (29) que, já havia consulta<strong>do</strong> em outros locais e sentia-se<strong>de</strong>srespeita<strong>do</strong> como paciente e como pessoa. Lembran<strong>do</strong>-se sobre um <strong>de</strong>stesatendimentos anteriores, ele diz: "... inclusive tiraram algumas fotos <strong>de</strong> mim,mas até hoje eu não sei por qua, pois não me explicaram..."Roque (29) segue, falan<strong>do</strong> sobre sua vivência anterior e atual:Na minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, eu não era bem atendi<strong>do</strong>... cheguei aficar três meses em atraso com o tratamento... Deigraças a Deus quan<strong>do</strong> fui encaminha<strong>do</strong> para fazertratamento aqui... Aqui, sou bem recebi<strong>do</strong> e bematendi<strong>do</strong>... sou trata<strong>do</strong> com respeito e digni<strong>da</strong><strong>de</strong>.Por situação semelhante passa Ângelo (38), resi<strong>de</strong>nte em umaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Ele vem mensalmente às consultas, em PortoAlegre, motiva<strong>do</strong> pela melhora que apresentae pelo tratamento humaniza<strong>do</strong>recebi<strong>do</strong>: "Quan<strong>do</strong> me encaminharam para cá, foi um céu aberto, foi umcaminho..."E quan<strong>do</strong> foi atendi<strong>do</strong> por médicos estagiários, no ADS, eleimaginou que trocaria <strong>de</strong> equipe e, preocupa<strong>do</strong>, expressou: "As outras médicas


182enten<strong>de</strong>m muito <strong>de</strong> papel e <strong>de</strong> normas <strong>do</strong> tratamento, mas não sabem sobreo que nós sentimos como <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase".Percebe-se, no <strong>de</strong>poimento <strong>do</strong>s pacientes, a importância <strong>do</strong>tratamento humaniza<strong>do</strong> e a questão <strong>do</strong> respeito ao <strong>ser</strong> humano <strong>hanseniano</strong>. Além<strong>de</strong> competência técnica, os <strong>do</strong>entes buscam por um tratamento humano e afetivo.Andra<strong>de</strong> (1995) refere que os <strong>ser</strong>viços que participam <strong>do</strong> Programa<strong>de</strong> Controle <strong>da</strong> Hanseníase vêm passan<strong>do</strong> por uma per<strong>da</strong> acelera<strong>da</strong> <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> atenção aos pacientes.Conforme Oliveira,o profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter conhecimento sobre osproblemas que envolvem a questão social <strong>da</strong>Hanseníase e <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>; <strong>de</strong>ve estar livre <strong>de</strong>preconceitos e predisposto a aju<strong>da</strong>r transmitin<strong>do</strong>segurança, confiança, apoio, amiza<strong>de</strong>; <strong>de</strong>ve estar atentopara captar qualquer alteração <strong>do</strong> seu esta<strong>do</strong> físico emental (1990, p.22).Desvela-se, na fala <strong>de</strong> Izabel (48), a importância <strong>do</strong> carinho, <strong>do</strong>envolvimento e <strong>da</strong> atenção por parte <strong>da</strong> equipe:Com a recepção, neste ambulatório, a gente se senteama<strong>da</strong> e acaricia<strong>da</strong>. Isto é o mais importante, é o que nosleva para frente... Muitas vezes, eu tive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>sistir <strong>do</strong> tratamento, mas quan<strong>do</strong> pensava que a equipepo<strong>de</strong>ria ficar chatea<strong>da</strong> e preocupa<strong>da</strong> comigo eu não<strong>de</strong>sistia. E sei que muitos outros <strong>do</strong>entes nunca<strong>de</strong>sistiram por este mesmo motivo... Então, eu digo que ocarinho foi o melhor remédio que encontramos.A atenção ao paciente vem a <strong>ser</strong> um atributo <strong>de</strong> magia eencantamento essencial na arquitetura <strong>da</strong> relação médico-paciente. O interesse, a


183<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> entusiasmo com o relato e com a situação <strong>do</strong> paciente aju<strong>da</strong>m noalívio <strong>da</strong>s aflições e no processo <strong>de</strong> cura.Anan<strong>da</strong>raj (1995) aponta a Hanseníase como fator interferin<strong>do</strong> navi<strong>da</strong> social e psicológica <strong>do</strong> paciente, conduzin<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sajustes. Estes fatores<strong>de</strong>vem <strong>ser</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s para possibilitar um tratamento mais compreensivo eafetivo.Tereza (50) também expõe seu sentimento sobre a importância <strong>do</strong>tratamento humano recebi<strong>do</strong>:Agora já me sinto melhor, não só física comoemocionalmente... Aqui, no ambulatório, eu posso sentare conversar sem pressa, muito diferente <strong>do</strong>s outroslocais aon<strong>de</strong> consultei anteriormente... até chegar aqui euconsultei com outros médicos que nem me olhavam emuito menos tocavam em mim. Eu costumava brincar edizer que eles já me esperavam com a receita pronta...Hoje em dia, a força maior para eu seguir tratan<strong>do</strong> vem<strong>da</strong>qui.Antônio (76) fala sobre seu segun<strong>do</strong> tratamento, feito em nívelambulatorial, e recor<strong>da</strong>-se <strong>da</strong> época <strong>de</strong> interno, em Itapuã: "Fui atendi<strong>do</strong> por ummédico muito esforça<strong>do</strong> e interessa<strong>do</strong> em me aju<strong>da</strong>r... Que diferença entreeste tratamento recebi<strong>do</strong> e aquele que havia si<strong>do</strong> <strong>da</strong><strong>do</strong> em Itapuã".Esse interesse <strong>de</strong> <strong>ser</strong> aju<strong>da</strong><strong>do</strong> também é senti<strong>do</strong> por Julião (49), quemanifesta seu reconhecimento pelo apoio que recebe e a importância <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rconversar durante as consultas:A gente já conversa faz tempo... tu<strong>do</strong> o que acontece comigoeu conto, o que eu sinto e os meus sentimentos..., às vezes,eu conto coisas que nem a minha família sabe... eu e minhaesposa sempre


184nos lembramos <strong>de</strong> rezar por vocês que muito têm feito pormim e pelos outros pacientes.Aparece na fala <strong>de</strong> Julião (49) a importância <strong>da</strong> confiança no seumédico e a certeza <strong>do</strong> sigilo sobre o que é trata<strong>do</strong> durante as consultas. O sigilomédico é essencial para uma boa relação médico-paciente e reflete respeito ao<strong>ser</strong> humano.Sobre isso fala Gomes: "o sigilo é um ponto critico na relaçãomédico-paciente que presume respeito incondicional à confidência, sen<strong>do</strong> omédico o <strong>de</strong>positário fiel e digno <strong>da</strong> confiança a priori" (1999, p.8).<strong>de</strong>sabafa:Marta (65), passan<strong>do</strong> pelo seu terceiro tratamento para Hanseníase,Aqui eu sinto que to<strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> quer aju<strong>da</strong>r e isto é bom. Éuma gran<strong>de</strong> forca. Em outros postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é tãodiferente. tão impessoal.. Há outros médicos que não seinteressavam por mim, só lhes interessava o meui examenegativo. Não interessava o que eu estava sentin<strong>do</strong>. Aminha vin<strong>da</strong> para cá foi um lugar <strong>de</strong> socorro. Agora eu seique estou no lugar certo. Se vai haver aju<strong>da</strong>, <strong>ser</strong>á aqui.Percebi, na fala <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> apoio integralao <strong>ser</strong> humano <strong>hanseniano</strong>. Desvela-se, nos <strong>de</strong>poimentos, que apenas otratamento medicamentoso e físico não é suficiente.Para Oliveira e Romanelli (1998), os <strong>hanseniano</strong>s <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong>Abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s pelos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, permitin<strong>do</strong> que eles exteriorizem suas


185preocupações, uma vez que a <strong>do</strong>ença leva a uma instabili<strong>da</strong><strong>de</strong> emocional,<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>an<strong>do</strong> crises e provocan<strong>do</strong> tensões.Como se <strong>de</strong>svelou nos <strong>de</strong>poimentos, os pacientes abor<strong>da</strong>ram aimportância <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r conversar durante as consultas. Mas, além disto, váriosentrevista<strong>do</strong>s abor<strong>da</strong>ram a importância <strong>do</strong> momento <strong>da</strong> entrevista como umachance <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabafo e reflexão.Julião (49), recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>da</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> que tem <strong>de</strong> conversardurante as consultas comenta: "... quero dizer que mesmo ten<strong>do</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> conversar durante as nossas consultas, este momento foi como um<strong>de</strong>sabafo para mim, foi muito importante. Esta conversa me aju<strong>do</strong>u a botarminha cabeça no lugar".Tereza (50) diz:Esta entrevista foi muito importante para mim, pois me<strong>de</strong>ixou alivia<strong>da</strong>. Fazia muito tempo que eu não <strong>de</strong>sabafavacom alguém... Eu consegui conversar e colocar para foracoisas que há muito tempo estavam tranca<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>mim... Hoje, eu saio muito mais leve <strong>da</strong>qui, com certeza.Izabel (48), após dizer tu<strong>do</strong> o que sentia, fala alivia<strong>da</strong> ao final <strong>de</strong> suaentrevista: "Acho que é isso que eu sinto e eu precisava dizer estas coisasto<strong>da</strong>s que conversamos. Isto foi bom para mim, foi um alívio po<strong>de</strong>r<strong>de</strong>sabafar".Roque (29) expressa o significa<strong>do</strong> que o momento <strong>de</strong>sta entrevistateve para ele: "Eu agra<strong>de</strong>ço muito por esta conversa, coloquei para fora algo


186que estava tranca<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim há anos. Sinto-me mais leve e alivia<strong>do</strong>.Espero sempre ter a chance <strong>de</strong> conversar".durante a entrevista:Clara (22) também fala sobre a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r conversarPor fim, gostaria <strong>de</strong> dizer que esta entrevista foi muitoimportante para mim. Estou me sentin<strong>do</strong> bem mais leve,pois consegui colocar para fora os “fantasmas" queestavam guar<strong>da</strong><strong>do</strong>s, há muito tempo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim.Estou me sentin<strong>do</strong> muito melhor. Estou ótima. Quemsabe, agora, eu consiga seguir com o meu tratamentosem ter preconceito <strong>de</strong> mim mesma. Muito obriga<strong>da</strong>, foimaravilhoso. Eu a<strong>do</strong>rei po<strong>de</strong>r conversar.Transparece niti<strong>da</strong>mente que o <strong>hanseniano</strong>, como membro <strong>da</strong>equipe que o trata, tem direito à confiança, ao respeito e ao acolhimento.Para Schützenberger (1993), é difícil para o médico aban<strong>do</strong>nar opo<strong>de</strong>r que ele tem e compartilhar o seu saber com o <strong>do</strong>ente, tomá-lo comoparceiro nas <strong>de</strong>cisões, ouvi-lo, longamente, e levar em conta suas falas. É difíciltambém achar tempo para falar e para explicar. Entretanto, tão importante quantoo diagnóstico, o prognóstico e as estatísticas, é o <strong>ser</strong> humano que está em busca<strong>de</strong> uma palavra amiga.Kaufmann, Mariam e Neville (1981) <strong>de</strong>stacam <strong>ser</strong> <strong>de</strong> importância queos profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> saibam ouvir o <strong>do</strong>ente com Hanseníase e estejamprepara<strong>do</strong>s a escutar o que ele tem a dizer e o que sente. E isto precisa <strong>ser</strong>pensa<strong>do</strong> e leva<strong>do</strong> em conta, pois nos <strong>de</strong>poimentos, ao referirem sobre a relaçãoprofissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e paciente, os entrevista<strong>do</strong>s falaram <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um


187atendimento mais humano, mais afetivo e mais sincero. Estas atitu<strong>de</strong>s, napercepção <strong>de</strong>les, influenciam a a<strong>de</strong>rência ao tratamento e ao ambulatório. Nãopo<strong>de</strong>mos esquecer que por trás <strong>de</strong> qualquer <strong>do</strong>ença está um <strong>ser</strong> humanofragiliza<strong>do</strong>, necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong> apoio e <strong>de</strong> carinho.Quan<strong>do</strong> as pessoas vivenciam situações <strong>de</strong> ameaça a suaintegri<strong>da</strong><strong>de</strong> física ou emocional costumam ficar fragiliza<strong>da</strong>s e, às vezes, não sesentem capazes <strong>de</strong> resolver solitariamente seus conflitos. A disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>trocar conhecimentos e <strong>de</strong>svelar sentimentos contribuem para a superação <strong>de</strong>stasituação <strong>de</strong> conflito.O resgate <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> cliente implica o reconhecimento <strong>de</strong>sua subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em interação com o profissional que o aten<strong>de</strong>. Acolher o saber eo sentir <strong>do</strong> cliente, por meio <strong>de</strong> uma escuta ativa, é condição básica para umatendimento humaniza<strong>do</strong>.As palavras <strong>de</strong> Nunes, proferi<strong>da</strong>s no Congresso Internacional <strong>de</strong>Hanseníase, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, no ano <strong>de</strong> 1993, expressam as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>do</strong>s pacientes:A Hanseníase tem cura, mas os medicamentos nãocuram sozinhos. Se não adicionarmos a ca<strong>da</strong> comprimi<strong>do</strong>uma <strong>do</strong>sezinha <strong>da</strong> nossa vonta<strong>de</strong>, <strong>do</strong> nossocompromisso, <strong>do</strong> nosso amor, eles são inócuos ouvenenosos. Aliás, o amor ain<strong>da</strong> continua sen<strong>do</strong> o melhorremédio para to<strong>do</strong>s os males <strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejatraduzi<strong>do</strong> em trabalho, em humil<strong>da</strong><strong>de</strong>, em ética, emcompromisso, em justiça... A Hanseníase também se curacom amor. Com muito, muito amor.


1884.7 EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE EM HANSENÍASEA educação sanitária <strong>de</strong>sempenha papel relevante nocombate à Hanseníase. Apresentan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> formarealista, contribui para seu tratamento correto e aju<strong>da</strong> a<strong>de</strong>sfazer preconceitos e estigmas a ela liga<strong>do</strong>s. Promove areintegração social <strong>do</strong> paciente, orienta-o no tratamento eensina os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s a <strong>ser</strong>em ob<strong>ser</strong>va<strong>do</strong>s pelos que lhes sãopróximos (Ferro e Fonseca, 1987, p.343).Para o sucesso <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> Hanseníase, énecessária a Educação para a Saú<strong>de</strong> ou Educação Sanitária. Sem ela, não épossível a prevenção, o tratamento e as medi<strong>da</strong>s que visam impedir oaparecimento ou agravamento <strong>da</strong>s incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas.Consi<strong>de</strong>ra-se que a educação para a saú<strong>de</strong>, enquanto práticatransforma<strong>do</strong>ra, precisa <strong>ser</strong> inerente a to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nocontrole <strong>da</strong> Hanseníase, nas relações que se estabelecem entre os usuários e are<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong>viços.A educação para a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve contar com a participação <strong>do</strong> pacienteou <strong>de</strong> seus representantes, <strong>do</strong>s familiares e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, nas <strong>de</strong>cisões que lhesdigam respeito, bem como na busca ativa <strong>de</strong> casos novos e no diagnósticoprecoce, no tratamento, na prevenção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, no combate aoestigma e na manutenção <strong>do</strong> paciente em seu meio social. Por meio <strong>da</strong> educaçãopara e saú<strong>de</strong> é possível a construção e reconstrução <strong>de</strong> saberes entre as equipes<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, clientes, familiares e grupos <strong>de</strong> população.


189A educação para a saú<strong>de</strong> é a educação para a vi<strong>da</strong> individual,familiar e comunitária saudável, faz parte <strong>da</strong> educação no seu to<strong>do</strong>, é a Educaçãoem si mesma.Saviani (1986) compreen<strong>de</strong> a educação como um processo que visaà promoção <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano. Significa tornar o <strong>ser</strong> humano ca<strong>da</strong> vez mais capaz<strong>de</strong> conhecer os elementos <strong>de</strong> sua situação para intervir nela, transforman<strong>do</strong>-a nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ampliação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> comunicação e <strong>da</strong> colaboração entre <strong>ser</strong>eshumanos.Para Martins,O termo Educação, no senti<strong>do</strong> original (ex-ducere), indica sair<strong>de</strong> um esta<strong>do</strong> ou condição para outro. Refere-se, portanto, auma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que tem o humano <strong>de</strong> se colocar num<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> caminho, o que envolve um ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>,enquanto forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão entre vários impulsos. Não indicauma forma rígi<strong>da</strong> que se impõem ao humano, mas supõe anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> que este homem tem <strong>de</strong> "con-viver com o outro", estabelecen<strong>do</strong> para isso relações sociais, culturais e <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r (1992, p21).Conforme Marcon<strong>de</strong>s (apud Ferro e Fonseca, 1987), a educaçãoSanitári a po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como o processo pelo qual os indivíduos mu<strong>da</strong>m ouadquirem conhecimentos, atitu<strong>de</strong>s ou comportamentos conducentes à saú<strong>de</strong>Nesta mesma abor<strong>da</strong>gem, Hermout (1969) cita a educação sanitária como asoma <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as impressões que influem favoravelmente nos hábitos, condutase conhecimentos <strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a saú<strong>de</strong> tanto individual como coletiva.


190Segun<strong>do</strong> Rochón (1996), educação para a saú<strong>de</strong> é to<strong>da</strong> aquelacombinação <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong>, <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a facilitar as trocasvoluntárias <strong>de</strong> comportamentos saudáveis.Para Mosquera e Stóbaus, conceitua<strong>do</strong>s professores nesta área, "aeducação para a saú<strong>de</strong> é a educação para uma vi<strong>da</strong> mais saudável, tanto <strong>do</strong> indivíduo,como <strong>da</strong> família e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>" (1984, p.33).As medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Educação para a Saú<strong>de</strong> em Hanseníase <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong>dirigi<strong>da</strong>s às equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, aos <strong>do</strong>entes, aos familiares <strong>de</strong>stes <strong>do</strong>entes, àcomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e ao público em geral. Conforme (Cristofolini, 1982), estas medi<strong>da</strong>svisam:incentivar o comparecimento voluntário <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes e seuscomunicantes aos Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>;eliminar falsos conceitos relativos à contagiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, àincurabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> moléstia e à obrigatorie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> internação eisolamento <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente;informar quanto aos principais sinais e sintomas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença,quanto àimportância <strong>do</strong> tratamento precoce e quanto àpossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas;estimular a presença <strong>do</strong> paciente aos Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e suaa<strong>de</strong>são ao tratamento;


191- tornar públicos os Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> que prestam atendimento àHanseníase.A educação para a saú<strong>de</strong>, no controle <strong>da</strong> Hanseníase, <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong><strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma a garantir a participação real <strong>do</strong> paciente, <strong>de</strong> seusfamiliares, <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em que o <strong>do</strong>ente vive e <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> queparticipa no controle <strong>de</strong>sta moléstia.Segun<strong>do</strong> Neville (1972), a Educação para a Saú<strong>de</strong> é,essencialmente, umtrabalho <strong>de</strong> equipe e somente <strong>ser</strong>á eficaz se to<strong>da</strong> a equipeestiverconsciente <strong>de</strong> sua importância e se ela não for encara<strong>da</strong> apenas comoassunto para uma aula formal. Ela <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> aplica<strong>da</strong> sempre que se apresentaruma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.A equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> necessita estar prepara<strong>da</strong> para a execução <strong>de</strong>Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s preventivas básicas e terapêuticas e junto <strong>de</strong>senvolver a práticaeducativa com os pacientes e com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, manten<strong>do</strong> sempre uma linha <strong>de</strong>atuação coerente, reflexiva e participativa.Os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que prestam atendimento ao cliente comHanseníase, têm a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> incluir práticas <strong>de</strong> prevenção nas própriasativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s assistenciais já existentes nos <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, assim,promover um trabalho preventivo e humaniza<strong>do</strong>, ajusta<strong>do</strong> às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>sIndividuais<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> <strong>hanseniano</strong> e às propostas programáticas <strong>do</strong> Ministério <strong>da</strong>Saú<strong>de</strong>.


192Ga<strong>do</strong>tti (1993), citan<strong>do</strong> Freire, <strong>de</strong>screve que a educação para <strong>ser</strong>consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> emancipatória necessita propor e criar, mediante seu processo, aconsciência crítica que proporciona as transformações e as mu<strong>da</strong>nças. Istosignifica integrar o <strong>ser</strong> humano no contexto social como alguém livre, como umsujeito ativo e com capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> gera<strong>do</strong>ra e renova<strong>do</strong>ra.4.7.1 Sobre o Doente e sua Doença: o Compartilhar <strong>de</strong>InformaçõesQualquer programa <strong>de</strong> combate à Hanseníase que não incluacampanha informativa à população, é paliativo, é incompleto eineficaz (Nunes, 1993, p.3).O processo <strong>de</strong> educação para a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve iniciar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento<strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong> ao <strong>ser</strong>viço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Envolver o paciente no seuprocesso <strong>de</strong> cura é essencial para o sucesso <strong>do</strong> tratamento. Um <strong>do</strong>s caminhospossíveis para isto é pela troca <strong>de</strong> informações corretas sobre a <strong>do</strong>ença, suaevolução e seu tratamento.Sen<strong>do</strong> assim, to<strong>do</strong> paciente tem o direito <strong>de</strong> <strong>ser</strong> informa<strong>do</strong> sobre sua<strong>do</strong>ença e seu tratamento, <strong>de</strong> forma clara e objetiva. Entretanto, isto pareceu não<strong>ser</strong> consenso na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, pois, enquanto alguns profissionais mantiveramseus pacientes esclareci<strong>do</strong>s, para outros, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> mostrou-se diferente.


193A educação é um processo que <strong>de</strong>ve existir, permanentemente, naárea <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> como fator fun<strong>da</strong>mental para mu<strong>da</strong>nças significativas na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>spacientes e crescimento profissional.Desvela-se, na fala <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, que alguns tiveram dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>em obter informação sobre sua <strong>do</strong>ença e tratamento. Para outros, estasinformações fluíram com mais naturali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Essa situação <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> informação foi vivencia<strong>da</strong> por Roque (29).Seu tratamento foi inicia<strong>do</strong> em um <strong>ser</strong>viço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> outra ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Gran<strong>de</strong>Porto Alegre. Sobre isto ele comenta: "Não recebi maiores informações sobre a<strong>do</strong>ença ou sobre o tratamento, só me informaram que tomaria remédios poruns <strong>do</strong>is anos e que precisaria ir mensalmente ao posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> retirar asmedicações".É importante informar e orientar o paciente sobre seu diagnóstico eseu tratamento. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> nível sócioeconômico e cultural, a pessoa <strong>de</strong>ve<strong>ser</strong> informa<strong>da</strong> <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença e conhecer o diagnóstico é seu direito.Tereza (50), ao falar <strong>do</strong> início <strong>de</strong> seu primeiro tratamento, há anos,abor<strong>da</strong> outro aspecto importante na educação para a saú<strong>de</strong>: o <strong>da</strong> a<strong>de</strong>quação <strong>da</strong>linguagem ao nível <strong>de</strong> compreensão e <strong>de</strong> entendimento <strong>do</strong> paciente. Ela diz: "Nareali<strong>da</strong><strong>de</strong> eu não sabia o que significava ter Hanseníase, ou porque nuncahavia recebi<strong>do</strong> orientações, ou porque era muito jovem e não entendia o queexplicavam aos meus pais".


194In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> nível sóciocultural, a linguagem <strong>da</strong>s informações<strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> simples e clara para que o <strong>hanseniano</strong> possa apreen<strong>de</strong>r com maiorclareza os conhecimentos necessários para li<strong>da</strong>r com sua <strong>do</strong>ença.Conforme Rodrigues et aI. (1997), a partir <strong>do</strong> diagnóstico, o paciente<strong>de</strong>verá <strong>ser</strong> informa<strong>do</strong>, orienta<strong>do</strong> e esclareci<strong>do</strong> sobre a patologia que apresenta. Emto<strong>do</strong>s os momentos, <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong> valoriza<strong>do</strong>s seus conhecimentos e suas crenças,procuran<strong>do</strong> a<strong>de</strong>quá-los aos conceitos atuais. Esta autora ain<strong>da</strong> enfatiza que to<strong>do</strong>sos profissionais <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>verão estar aptos para participar <strong>de</strong>steprocesso <strong>de</strong> compartilhar informações, utilizan<strong>do</strong> a mesma linguagem, permitin<strong>do</strong> oreforço <strong>da</strong>s informações e o esclarecimento <strong>do</strong> questionamento <strong>do</strong>s pacientes.Para Lessa (1996), a educação é importante no controle <strong>da</strong>Hanseníase e <strong>de</strong>ve-se levar em conta os conhecimentos, as opiniões e as práticas<strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes em relação a sua <strong>do</strong>ença. Desta forma, é possível a<strong>de</strong>quar alinguagem <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> a <strong>do</strong>s pacientes.Freire e Betto, ao relatar uma experiência em um posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,fizeram uma crítica aos recursos pe<strong>da</strong>gógicos utiliza<strong>do</strong>s pelos profissionais <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> <strong>da</strong>quele posto. Estes profissionais. quan<strong>do</strong> esclareciam <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><strong>do</strong>ença, faziam-no em linguagem abstrata, enquanto a linguagem <strong>do</strong> meio popular"... não é conceitual, é concreta, é visual" (1987, p.60).


195Segun<strong>do</strong> esses autores, to<strong>do</strong>s os profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> precisamsaber fazer a leitura <strong>da</strong> manifestação cultural popular, a fim <strong>de</strong> que a educaçãopara a saú<strong>de</strong> tenha sucesso.Os pacientes sentem falta <strong>de</strong> orientação a respeito <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença eprocuram por ela. Estas orientações contribuem para o entendimento <strong>da</strong>Hanseníase e para a continuação <strong>do</strong> tratamento.Percebe-se, na fala <strong>de</strong> Izabel (48), a importância <strong>da</strong> informação,contribuin<strong>do</strong> para a continuação <strong>do</strong> tratamento:No início <strong>do</strong> tratamento, procurei informações sobre aHanseníase em dicionários e livros <strong>de</strong> Medicina. Descobrivários nomes e sinônimos <strong>da</strong><strong>do</strong>s à <strong>do</strong>ença. Quan<strong>do</strong> lisobre a progressão <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença para <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas,retornei para o tratamento que eu havia aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>.Desvela-se, no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Izabel (48), a importância <strong>da</strong>educação na aceitação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> tratamento. Ten<strong>do</strong> acesso a informaçõessobre a Hanseníase, saben<strong>do</strong> <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> prevenção <strong>da</strong>s seqüelas físicas<strong>da</strong> <strong>do</strong>ença com as medicações e, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a terapêutica, os pacientesprosseguem no tratamento. Sobre isto, falam Ferro e Fonseca (1987). Para estesautores, a educação possui papel relevante junto às <strong>de</strong>mais ações <strong>de</strong> controle <strong>da</strong>Hanseníase, pois por meio <strong>de</strong>la as pessoas aceitam ou não, informações sobre a<strong>do</strong>ença e mu<strong>da</strong>m ou adquirem atitu<strong>de</strong>s diante o problema <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.


196Reconhecen<strong>do</strong> a importância <strong>de</strong> receber esclarecimentos sobre a<strong>do</strong>ença, Tereza (50) fala sobre sua vivência no momento atual, fazen<strong>do</strong> otratamento <strong>da</strong> recidiva <strong>da</strong> Hanseníase:Nos outros lugares aon<strong>de</strong> consultei não conversavamcomigo nem me orientaram sobre o que era a <strong>do</strong>ença,como iria me sentir ou sobre como <strong>de</strong>veria me cui<strong>da</strong>r.Não sei se é porque estou prestan<strong>do</strong> mais atenção noque está acontecen<strong>do</strong> comigo ou se é porque estou maisorienta<strong>da</strong>, mas noto que com este novo tratamento,inicia<strong>do</strong> em 1998, eu estou, realmente, melhoran<strong>do</strong>.Nunca mais queimei as mãos e os braços ou machuqueios pés. Credito esta melhora tanto aos remédios quanto àoportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> que tenho <strong>de</strong> esclarecer dúvi<strong>da</strong>s.É preciso que os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> reconheçam a importância <strong>da</strong>participação <strong>do</strong> cliente no seu tratamento. E para que isto ocorra é necessáriorespon<strong>de</strong>r às dúvi<strong>da</strong>s que surgem com informações corretas e claras sobre a<strong>do</strong>ença, suas manifestações e sua evolução.Nesse senti<strong>do</strong>, Virmond (1995) enfatiza que ações educativas sãoaquelas que permitem o estabelecimento <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> relação entre o agente<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e o paciente, levan<strong>do</strong> ao intercâmbio <strong>de</strong> conhecimentos sobre aHanseníase. Desta forma, to<strong>da</strong> vez que o <strong>hanseniano</strong> <strong>de</strong>tectar em si algumaalteração, própria <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, ele irá em busca <strong>de</strong> auxílio.E isto está acontecen<strong>do</strong> com Tereza (50). Ao reiniciar o tratamento,ela recebeu informações sobre como se cui<strong>da</strong>r e prevenir o aparecimento <strong>de</strong>seqüelas. Quan<strong>do</strong> ob<strong>ser</strong>va algo diferente em seu organismo, ela procura auxíliomédico. Executan<strong>do</strong> estas orientações ela está evitan<strong>do</strong> as lesões conseqüentes àneuropatia hansênica.


197Assim como Tereza, Ângelo (38) recebeu informações sobre aHanseníase e expressa, em seu <strong>de</strong>poimento, sua satisfação: "Eu só tenho aagra<strong>de</strong>cer. Aqui, sempre recebi o melhor tratamento e orientações sobre a<strong>do</strong>ença. Aqui, eu encontrei gran<strong>de</strong>s profissionais".Clara (22) fala <strong>da</strong> informação recebi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s médicos quan<strong>do</strong> iniciouseu tratamento: "Fui informa<strong>da</strong> que esta <strong>do</strong>ença é causa<strong>da</strong> por ummicrorganismo que, após o contágio inicial, po<strong>de</strong> levar anos para semanifestar".E segue, falan<strong>do</strong> <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> divulgar mais <strong>da</strong><strong>do</strong>s sobre aHanseníase: "Falta divulgação <strong>de</strong> informações sobre a Hanseníase. Assimcomo falam sobre AIDS, câncer e outras <strong>do</strong>enças, <strong>de</strong>veriam fazercampanhas <strong>de</strong> esclarecimento, também, sobre a <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> Hansen".Percebi, na fala <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilharinformações e esclarecer aspectos relativos à <strong>do</strong>ença, ao seu tratamento e aoscui<strong>da</strong><strong>do</strong>s necessários à prevenção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Acredito que, uma vezinicia<strong>do</strong> o processo educativo, o profissional <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> o faz com aintencionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> promover esclarecimentos e, estan<strong>do</strong> aberto aquestionamentos, o processo <strong>de</strong> aprendizagem ocorre, manifestan<strong>do</strong>-se ematitu<strong>de</strong>s e comportamentos favoráveis ao autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>. Neste caminhar, a citação<strong>de</strong> Selli sedimenta a parceria necessária:A bioética enfatiza a importância <strong>da</strong> co-responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>na toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão que envolve a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um <strong>ser</strong>humano, o agir


198cauteloso, pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, <strong>de</strong>nota responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> erespeito ao administrar uma situação em beneficio <strong>do</strong>paciente (1997, p.139).4.7.2 Incentivan<strong>do</strong> o AutoCui<strong>da</strong><strong>do</strong>Durante o acompanhamento <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase, ca<strong>da</strong>passo <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> discuti<strong>do</strong> e esclareci<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma que o paciente possa enten<strong>de</strong>r ocomo e o porquê <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária ao seu tratamento.Para Rodrigues et al. (1997), essas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>verão <strong>ser</strong>realiza<strong>da</strong>s junto ao paciente, orientan<strong>do</strong>-o como prevenir ou tratar as alteraçõesque porventura possam apresentar, estimulan<strong>do</strong>, assim, o autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>.Orem (apud. George) <strong>de</strong>fine o autocui<strong>da</strong><strong>do</strong> como:Uma prática <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, inicia<strong>da</strong> e executa<strong>da</strong> pelosindivíduos em seu próprio beneficio, para amanutenção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>do</strong> bem-estar. Oautocui<strong>da</strong><strong>do</strong>, efetivamente executa<strong>do</strong>, contribui <strong>de</strong>maneiras especificas para a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> estruturahumana, para o funcionamento <strong>da</strong> pessoa e para oseu <strong>de</strong>senvolvimento (1993, p.91).O autocui<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> visto como uma construção <strong>da</strong> própriapessoa. Esta pessoa <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> o objeto <strong>de</strong> suas ações.Para se cui<strong>da</strong>r, antes <strong>de</strong> mais na<strong>da</strong>, é preciso se conhecer, saber <strong>de</strong>suas limitações e <strong>de</strong> suas potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Re<strong>de</strong>scobrir o próprio corpo, conhecêlo,percebê-lo, reconhecer sua força e seu po<strong>de</strong>r, é ter contato com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>cui<strong>da</strong>r.


199Sobre isso, fala Julião (49):As pessoas que têm esta <strong>do</strong>ença precisam se cui<strong>da</strong>r, jáfaz seis anos que eu <strong>de</strong>scobri isto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu iniciei otratamento... Além disto, tem que evitar o sol paradiminuir as reações e fazer os exercícios <strong>de</strong> fisioterapia,também, pois melhoram o movimento <strong>da</strong>s mãos e <strong>do</strong>spés. O principal é se cui<strong>da</strong>r. É preciso ter paciência e secui<strong>da</strong>r.Desvela-se, na fala <strong>de</strong> Julião (50), a consciência assumi<strong>da</strong> por ele<strong>da</strong> importância <strong>do</strong> autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>, como forma <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> complicações, e <strong>da</strong>necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> passar sua experiência e seu "reca<strong>do</strong>" a outros <strong>do</strong>entes.Clara (22) recor<strong>da</strong>-se que seu médico ensinou-lhe os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong>limpeza nos pés para prevenir a abertura <strong>de</strong> novas úlceras plantares:Até hoje sigo fazen<strong>do</strong> os curativos no meu pé <strong>da</strong> maneiracomo o médico me ensinou e também uso calça<strong>do</strong>s epalmilhas ortopédicas Desta forma, evito as úlceras e omau cheiro <strong>do</strong>s curativos. Reconheço a importância <strong>de</strong>me auto-cui<strong>da</strong>r, seja fazen<strong>do</strong> os curativos, seja toman<strong>do</strong>os remédios Houve épocas em que eu não me cui<strong>da</strong>va,na esperança <strong>de</strong> que o meu pé ficasse bom sozinho, mas,nestas ocasiões, eu sempre piorava.Para Rodrigues et al. (1997), as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong>verão<strong>ser</strong> executa<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> ênfase àquelas que forem passíveis <strong>de</strong> <strong>ser</strong> realiza<strong>da</strong>s no<strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> paciente, estimulan<strong>do</strong>-o, ain<strong>da</strong>, a compartilhar estas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s comoutros indivíduos em sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.Kathe e Naik (1998) verificaram que os <strong>do</strong>ente porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> úlcerasplantares, têm consciência <strong>da</strong>s suas causas (insensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> cutânea etraumatismo) e <strong>da</strong> importância <strong>do</strong> tratamento e <strong>do</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong>stas lesões,


200referin<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> a importância <strong>da</strong> educação e <strong>da</strong> participação <strong>do</strong>s familiares para oseu manejo e cura.Izabel (48) também fala sobre a importância <strong>de</strong> prevenir as<strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, causa<strong>da</strong>s pela <strong>do</strong>ença, enfatizan<strong>do</strong> que elas po<strong>de</strong>m gerardificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para o <strong>hanseniano</strong>: "Se não cui<strong>da</strong>r e não fizer o tratamento,corretamente, a <strong>do</strong>ença po<strong>de</strong> evoluir para seqüelas físicas importantes,atrapalhan<strong>do</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s diárias e a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas".O surgimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, provenientes <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong><strong>do</strong>ença, contribuem para o estigma <strong>da</strong> Hanseníase e o preconceito ao <strong>hanseniano</strong>.Segun<strong>do</strong> Cristofolini (1982), se a Hanseníase fosse só moléstiacutânea, mesmo sen<strong>do</strong> contagiosa, não teria a importância que tem. A partir <strong>da</strong>s<strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> face, <strong>da</strong>s mãos e <strong>do</strong>s pés, surgi<strong>da</strong>s secun<strong>da</strong>riamente aocomprometimento <strong>do</strong>s nervos periféricos, é que se <strong>de</strong>senvolvem os tabus e ospreconceitos relativos à Hanseníase.Para essa autora, enquanto o paciente e seus familiares não seconscientizarem <strong>da</strong> importância <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s na prevenção <strong>de</strong><strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e não introduzirem na vi<strong>da</strong> diária as técnicas <strong>de</strong> prevenção, aeducação para a saú<strong>de</strong> não terá alcança<strong>do</strong> seus objetivos.


201Conforme Oliveira et al. (1997), a Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença com altopotencial <strong>de</strong> seqüelas e estigmatização, sen<strong>do</strong> necessário o treinamento <strong>do</strong>spacientes para o seu autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>.Orientar medi<strong>da</strong>s preventivas e apenas falar sobre a importância <strong>do</strong>autocui<strong>da</strong><strong>do</strong> não basta. E necessário que o <strong>do</strong>ente com Hanseníase assuma o seuautocui<strong>da</strong><strong>do</strong>. Mas percebo na nossa experiência que alcançar esta proposta muitasvezes toma-se um caminho <strong>de</strong>mora<strong>do</strong> que requer estímulo e supervisão constante.Marta (65), com receio <strong>de</strong> suas duas recidivas e com me<strong>do</strong> <strong>de</strong>agravar a insensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s pernas, reforça a importância <strong>de</strong> tomar asmedicações„ corretamente, como uma forma <strong>de</strong> assumir seu autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>. Ela diz:"Sou caprichosa, tomo meus remédios corretamente e não falho nem umdia".O <strong>do</strong>ente com Hanseníase precisa <strong>ser</strong> conscientiza<strong>do</strong> que ao tomarseus comprimi<strong>do</strong>s para matar o bacilo <strong>de</strong> Hansen, ele não está apenas,procuran<strong>do</strong> eliminar algo que está agredin<strong>do</strong> o seu corpo, mas está contribuin<strong>do</strong>para eliminar uma <strong>do</strong>ença que mutila, discrimina e acompanha a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> hámilênios. O que se busca é a participação ativa <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente no seu tratamento.Antônio (76), após ter fugi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Hospital Itapuã e aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> seuprimeiro tratamento, evoluiu para seqüelas importantes nas mãos e nos pés. Nopassa<strong>do</strong>, ele havia si<strong>do</strong> isola<strong>do</strong>, compulsoriamente, <strong>de</strong> sua família e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Quan<strong>do</strong> reiniciou o tratamento em nível ambulatorial, anos <strong>de</strong>pois,


202recebeu informações e assumiu seu auto-cui<strong>da</strong><strong>do</strong>: "Des<strong>de</strong>, então, quan<strong>do</strong>assumi que iria me cui<strong>da</strong>r, sigo à risca as orientações e o tratamento que medão".Para Had<strong>da</strong>d e Pedrazzani (1997), as ações educativas, dirigi<strong>da</strong>s àprevenção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s em porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Hanseníase, <strong>de</strong>vem ter uma visãomais global e levar em conta os fatores relaciona<strong>do</strong>s ao isolamento e àmarginalização, aos quais os <strong>hanseniano</strong>s eram submeti<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong>.Além disso, conforme Ferro e Fonseca (1987), a educação para asaú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> dirigi<strong>da</strong>, inicialmente, ao próprio <strong>do</strong>ente. Ele precisa <strong>ser</strong> esclareci<strong>do</strong><strong>da</strong> importância <strong>de</strong> assumir-se diante <strong>da</strong> Hanseníase e não menosprezar seussintomas. Precisa ter consciência <strong>da</strong> importância <strong>do</strong> tratamento.Francisco <strong>de</strong> Assis (48) fala sobre os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s exigi<strong>do</strong>s durante operío<strong>do</strong> em que estava traqueostomiza<strong>do</strong>: "A cânula <strong>de</strong> traqueostomia exigiaalguns cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> limpeza para que eu pu<strong>de</strong>sse respirar bem... Havia umapreocupação em evitar que entrasse água ou poeira no local..."Outro aspecto abor<strong>da</strong><strong>do</strong> foi o <strong>do</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong> em guar<strong>da</strong>r as medicaçõesem local seguro, para evitar o acesso por parte <strong>de</strong> outras pessoas. Sobre isto, falaRoque (29): "... fiz uma caixa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com ca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>, aon<strong>de</strong> guar<strong>do</strong> meusremédios. Deixo em local escondi<strong>do</strong>, na minha casa, e só eu tenho a chave. Euma precaução".


203E segue, falan<strong>do</strong> sobre a importância <strong>do</strong> autocui<strong>da</strong><strong>do</strong> e <strong>da</strong> realização<strong>do</strong> tratamento: "Além disto, cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> mim, eu também estou cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong>soutros, pois evito transmitir a <strong>do</strong>ença".Desvela-se, na fala <strong>de</strong> Roque (29), a consciência assumi<strong>da</strong> <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r<strong>de</strong> si próprio (autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>) como uma forma <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r <strong>do</strong>s outros, pela prevenção<strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Conforme Mosquera (1980), o indivíduo auto-educa<strong>do</strong> para a saú<strong>de</strong>é, antes <strong>de</strong> mais na<strong>da</strong>, um elemento social <strong>de</strong> alto nível, que procura não só o seubenefício, mas o <strong>de</strong> uma coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Os pacientes <strong>de</strong>svelaram-se como responsáveis e esforça<strong>do</strong>s namanutenção <strong>do</strong> autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>, construin<strong>do</strong> suas experiências criativas econhecimentos próprios as suas singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, às vezes, compartilha<strong>da</strong>s comoutros colegas <strong>hanseniano</strong>s.


2044.7.3 A Convivência com o Hanseniano: Orientação aosFamiliares e à Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>A saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> encara<strong>da</strong> como algo que se faz com aparticipação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. Assim sen<strong>do</strong>, a saú<strong>de</strong> não é algo quepossa <strong>ser</strong> <strong>da</strong><strong>do</strong> apenas por um órgão <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>... Precisa <strong>de</strong>um engajamento ativo <strong>da</strong> população para alcançar sucesso(Ferro e Fonseca, 1987, p.344).Os pacientes <strong>de</strong> Hanseníase não sofrem apenas pela sua <strong>do</strong>ença,mas sofrem por causa <strong>da</strong> rejeição <strong>de</strong> seus familiares e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> a quepertencem.A educação para a saú<strong>de</strong>, em Hanseníase, <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> dirigi<strong>da</strong> tambémaos familiares e à socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em geral, esclarecen<strong>do</strong>-lhes sobre a <strong>do</strong>ença,eliminan<strong>do</strong> tabus e falsos conceitos a respeito <strong>da</strong> moléstia, pois o meio social teminfluência na atitu<strong>de</strong> pessoal <strong>do</strong> paciente para com sua enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Conforme Yamanouchi et al. (1993), existe o preconceito latente, nasocie<strong>da</strong><strong>de</strong>, em relação à Hanseníase e ao <strong>hanseniano</strong>, sen<strong>do</strong> necessário maiorestímulo às campanhas <strong>de</strong> conscientização popular, a fim <strong>de</strong> que o <strong>hanseniano</strong>não seja mais discrimina<strong>do</strong> e possa, assim, viver normalmente. Para estesautores, a Hanseníase, antes <strong>de</strong> <strong>ser</strong> um problema restrito à medicina, é umproblema <strong>de</strong> caráter sociocultural.Para Lombardi et aI. (1990) medi<strong>da</strong>s gerais volta<strong>da</strong>s para acomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, através <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> educação para a saú<strong>de</strong>, são fun<strong>da</strong>mentaispara o controle <strong>da</strong> Hanseníase.


205Faz parte <strong>do</strong> programa <strong>de</strong> controle <strong>da</strong> Hanseníase o exame e oacompanhamento <strong>do</strong>s familiares <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes em tratamento. Deverão <strong>ser</strong>examina<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s aqueles que resi<strong>de</strong>m com o <strong>do</strong>ente, nos últimos cinco anos. Sãoos chama<strong>do</strong>s contatos intra<strong>do</strong>miciliares ou comunicantes.Além <strong>do</strong> exame físico, to<strong>do</strong>s os comunicantes <strong>de</strong>verão <strong>ser</strong> orienta<strong>do</strong>ssobre os sinais clínicos <strong>da</strong> Hanseníase e encaminha<strong>do</strong>s para fazerem duas <strong>do</strong>ses<strong>de</strong> vacina BCG. Está vacina, usa<strong>da</strong> para imunização contra a tuberculose, aumentaas <strong>de</strong>fesas imunológicas, diminuin<strong>do</strong> as chances <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver Hanseníase.Conforme Foss (1999), uma vez confirma<strong>do</strong> o diagnóstico <strong>do</strong>paciente, seus comunicantes <strong>de</strong>verão <strong>ser</strong> examina<strong>do</strong>s, ob<strong>ser</strong>van<strong>do</strong>-se <strong>ser</strong>eceberam vacinação BCG intradérmica.Sobre o exame <strong>de</strong> seus irmãos, fala Fé (66): "... to<strong>da</strong> a nossafamília foi examina<strong>da</strong> e ninguém tinha na<strong>da</strong>. Somos oito irmãos. Mesmo<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casa<strong>do</strong>s, nós éramos acompanha<strong>do</strong>s".Antônio (76) fala <strong>do</strong> exame <strong>de</strong> seus filhos quan<strong>do</strong> esteve interno emItapuã: "Tenho um casal <strong>de</strong> filhos... quan<strong>do</strong> crianças foram examina<strong>do</strong>s enunca tiveram na<strong>da</strong>".Maria (62), nunca contou para seus filhos e aos seus sobre a <strong>do</strong>ença,mas preocupou-se em que to<strong>do</strong>s fossem examina<strong>do</strong>s. Ela diz: "To<strong>do</strong>s foramexamina<strong>do</strong>s e nunca tiveram na<strong>da</strong>".


206Marta (65) recor<strong>da</strong> <strong>da</strong> vacinação <strong>de</strong> seus filhos. Ela diz: "Após onascimento, to<strong>do</strong>s os meus filhos receberam <strong>do</strong>ses maciças <strong>de</strong> BCG. Era sóo que havia para fazer, então".Conforme Ferro e Fonseca (1987), os familiares <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente <strong>de</strong>vemreceber esclarecimentos sobre a Hanseníase. Devem ter conhecimento <strong>do</strong>s riscos<strong>de</strong> contagiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong>em examina<strong>do</strong>s, periodicamente, emespecial, se aparecerem lesões suspeitas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Andra<strong>de</strong> et aI. (1998) referem a importância <strong>de</strong> campanhas para apromoção <strong>de</strong> conhecimentos sobre a Hanseníase, <strong>de</strong> forma a estimular osporta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> sinais e sintomas sugestivos <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença a se apresentaremvoluntariamente aos postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Referin<strong>do</strong>-se aos seus filhos, Ângelo (38) sabe <strong>da</strong> importância <strong>de</strong><strong>ser</strong>em examina<strong>do</strong>s, mas <strong>de</strong>sabafa: "Eu gostaria <strong>de</strong> trazê-los para <strong>ser</strong>emexamina<strong>do</strong>s aqui, mas, no momento, não tenho condições financeiras parapagar passagem para eles, e não gosto <strong>de</strong> ficar pedin<strong>do</strong> aos outros".Desvela-se, na fala <strong>de</strong> Ângelo (38), a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer umlevantamento <strong>do</strong>s problemas sociais e econômicos que o paciente enfrenta,objetivan<strong>do</strong>, com isto, a aju<strong>da</strong> necessária para sua solução.


207Recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> iniciou seu primeiro tratamento, em 1966,Tereza (50) lembra <strong>do</strong> exame e recomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong><strong>da</strong>s aos seus familiares:Nessa época, to<strong>do</strong>s os meus seis irmãos e os meus paisforam examina<strong>do</strong>s. Receberam orientações e fizeram avacina BCG. Algum tempo mais tar<strong>de</strong>, duas irmãs minhas<strong>de</strong>senvolveram a <strong>do</strong>ença e também iniciaram tratamentopara Hanseníase.Outro aspecto, vivencia<strong>do</strong> pelos entrevista<strong>do</strong>s foi a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>orientações aos seus familiares. Sobre isto, fala Izabel (48):Qualquer coisa que minhas irmãs sentem elas acham queestão com Hanseníase e vêm corren<strong>do</strong> aqui paraconsultar. Eu já falei para elas que não tenho risco <strong>de</strong>transmitir a <strong>do</strong>ença, mas existe uma gran<strong>de</strong> diferençaentre eu dizer e elas acreditarem.A afirmação <strong>de</strong> Izabel (48), <strong>de</strong> não haver chance <strong>de</strong> contágio por seuintermédio, <strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> que, no momento em que os pacientes recebem aprimeira <strong>do</strong>se supervisiona<strong>da</strong> <strong>da</strong> poliquimioterapia, as chances <strong>de</strong> contaminaçãoreduzem-se a quase zero.Oliveira e Romanelli (1998) relatam que com a introdução <strong>da</strong>medicação, o bacilo <strong>de</strong> Hansen <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>ser</strong> viável e, se ocorreu uma infecção, foiantes <strong>do</strong> tratamento. São <strong>da</strong><strong>do</strong>s importantes que <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong> reforça<strong>do</strong>s nas açõeseducativas <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s aos porta<strong>do</strong>res <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e aos seus comunicantes.Comunicantes são to<strong>da</strong>s aquelas pessoas que resi<strong>de</strong>m com o <strong>hanseniano</strong> hámenos <strong>de</strong> cinco anos.


208As ações educativas também <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong> direciona<strong>da</strong>s à família <strong>do</strong><strong>hanseniano</strong>, visan<strong>do</strong> à promoção <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, à prevenção e ao controle <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença,medi<strong>da</strong>s que contribuem para a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.Os <strong>ser</strong>viços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem envolver os familiares <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>no controle e tratamento <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes, <strong>de</strong>spertan<strong>do</strong>-lhes a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>autocui<strong>da</strong><strong>do</strong> e <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> (Oliveira e Romanelli, 1998).Percebi, pelas entrevistas e no atendimento diário aos <strong>hanseniano</strong>s,no ambulatório, a importância <strong>de</strong> receber, ouvir e transmitir esclarecimentos sobrea Hanseníase aos familiares <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes.Corroboran<strong>do</strong> a afirmação supracita<strong>da</strong> Simomton et al. (1987)referem que a família precisa tanto <strong>de</strong> apoio e <strong>de</strong> orientação quanto os pacientes.No combate à Hanseníase são necessárias, também, campanhaseducativas direciona<strong>da</strong>s à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em geral, que <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> convoca<strong>da</strong> paraatuar como agente neste processo. Os esclarecimentos sobre a <strong>do</strong>ença, suatransmissão e prevenção <strong>de</strong>vem <strong>ser</strong> transmiti<strong>do</strong>s, bem como a Hanseníase comouma <strong>do</strong>ença que tem cura. Além disto, informar que a persistência <strong>de</strong><strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas em um paciente cura<strong>do</strong> não significa nenhuma "ameaça" àpopulação, por isto contribui para a diminuição <strong>do</strong> preconceito ao <strong>hanseniano</strong>.Brasil Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> (1994) indica que a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, por meio<strong>do</strong>s grupos sociais que a compõem, necessita estar informa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s ações que são


209a garantia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus membros. Mediante estas ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, acomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> esclareci<strong>da</strong> sobre a <strong>do</strong>ença.Nesse senti<strong>do</strong>, Gomes (1998) refere <strong>ser</strong> a conscientização <strong>da</strong>população pela educação o caminho que possibilitará a interrupção <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>transmissão <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.Reconhecen<strong>do</strong> que o impacto <strong>da</strong>s ações <strong>de</strong> controle sobre aen<strong>de</strong>mia Hanseníase não se dá a curto prazo, o MINISTÉRIO DA SAÚDE vembuscan<strong>do</strong> medi<strong>da</strong>s que objetivem integração e maior efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s ações <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> nos <strong>ser</strong>viços que prestam assistência a esta moléstia. Entretanto, existemfatores limitantes ao sucesso <strong>de</strong>stas medi<strong>da</strong>s: falta <strong>de</strong> planejamento, escassez <strong>de</strong>verbas, <strong>de</strong>spreparo <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ausência <strong>de</strong> programas locais queincentivem a Educação para a Saú<strong>de</strong> entre outros (Brasil, op. cit.). A superação<strong>de</strong>stes fatores limitantes só <strong>ser</strong>á possível quan<strong>do</strong> se fizer presente um gran<strong>de</strong>esforço conjunto entre governantes, equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Este esforçorequer, ain<strong>da</strong>, que os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> estejam sensibiliza<strong>do</strong>s e capacita<strong>do</strong>s,tecnicamente, permitin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta forma, o controle <strong>da</strong> Hanseníase como problema<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> PúblicaConforme Gershon e Srinivasan (1992), é com a educação <strong>da</strong> famíliae <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, na qual o <strong>hanseniano</strong> está in<strong>ser</strong>i<strong>do</strong>, que conseguir-se-á removero estigma, liga<strong>do</strong> à Hanseníase, e reintegrar o <strong>do</strong>ente à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.É crucial ressaltar a importância <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s educacionais quepercebi excitatórias nas falas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. E necessária a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong>


210atitu<strong>de</strong> em relação a esta <strong>do</strong>ença, não só por parte <strong>do</strong> paciente, <strong>de</strong> seus familiarese <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas, principalmente, <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Nenhuma pregaçãosobre a curabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, o pequeno risco <strong>de</strong> contágio e a praticabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>reabilitação, terá o menor impacto sobre o paciente e o público, enquanto a própriaequipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> se recusar a tratar a Hanseníase, como qualquer outra <strong>do</strong>ença,passível <strong>de</strong> cura.É necessária mu<strong>da</strong>nça fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osenvolvi<strong>do</strong>s na <strong>do</strong>ença, isto é, os engaja<strong>do</strong>s nela: pacientes, familiares, comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>e equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> se verificar tal mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>, possível por meio<strong>de</strong> uma educação para a saú<strong>de</strong>, o controle <strong>da</strong> Hanseníase como problema <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> Pública não terá barreiras.Libâneo (1994), ao <strong>de</strong>screver a educação como uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>humana necessária à existência, qualifica-a como um fenômeno social e universal.Através <strong>da</strong> ação educativa, o meio social exerce influências sobre as pessoas eelas, ao assimilarem e recriarem estas influências, tornam-se aptas a estabelecerum vínculo ativo e transforma<strong>do</strong>r no meio social.


5 REFLEXÕES EMERGIDAS DESTA TRAJETÓRIAAs reflexões emergi<strong>da</strong>s <strong>de</strong>sta trajetória foram muitas e ca<strong>da</strong> uma<strong>de</strong>las com seu significa<strong>do</strong> especial. Chegar até elas envolveu momentos <strong>de</strong>amadurecimento, <strong>de</strong> questionamentos e <strong>de</strong> crescimento pessoal e profissional.Os sentimentos e vivências <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, experiencia<strong>do</strong>s emsuas trajetórias <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> como <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase e compartilha<strong>do</strong>s comigopor meio <strong>da</strong>s entrevistas, evi<strong>de</strong>nciaram o <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> (humano)<strong>hanseniano</strong>.A abor<strong>da</strong>gem fenomenológica, como opção à coleta e à análise <strong>do</strong>s<strong>de</strong>poimentos, levou-me à compreensão <strong>do</strong> fenômeno, vivencia<strong>do</strong> pelosentrevista<strong>do</strong>s, permitin<strong>do</strong>-me chegar as suas essências. A entrevista,fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em uma meto<strong>do</strong>logia fenomenológica, exigiu atitu<strong>de</strong> compreensivapor parte <strong>de</strong>sta pesquisa<strong>do</strong>ra e entrevista<strong>do</strong>ra. Por esta atitu<strong>de</strong> foi possível captaro <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s, tal como ele se apresenta. Valeu-me, também,como uma <strong>de</strong>scoberta profissional, pois esta abor<strong>da</strong>gem propiciou o acolhimento,


212que favorece a nossa (re)construção <strong>do</strong> estar no <strong>mun<strong>do</strong></strong> com o outro. Afenomenologia permitiu-me olhar para a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> existência <strong>do</strong> <strong>ser</strong>(humano) <strong>hanseniano</strong>, suscitan<strong>do</strong> reflexões à transformação <strong>da</strong> práxis <strong>da</strong> equipe<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.A análise <strong>da</strong>s entrevistas, utilizan<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> fenomenológico,proposto por Giorgi (1985 e 1997) e Comiotto (1992), permitiu chegar a setegran<strong>de</strong>s essências e suas respectivas dimensões, que foram <strong>de</strong>svelan<strong>do</strong> o <strong>mun<strong>do</strong></strong><strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>hanseniano</strong>.A primeira essência, A DIFÍCIL TRAJETÓRIA DO DIAGNÓSTICOPRECISO AO INÍCIO DO TRATAMENTO CORRETO, evi<strong>de</strong>nciou as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>sem se pensar na Hanseníase como <strong>do</strong>ença atual, dificultan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta maneira, oseu diagnóstico. Os transtornos enfrenta<strong>do</strong>s pelos pacientes, até o início <strong>do</strong>tratamento, também foram revela<strong>do</strong>s. Esta essência <strong>de</strong>svelou-se através <strong>da</strong>sdimensões: A Hanseníase como <strong>do</strong>ença bíblica: o <strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong>Hanseníase como <strong>do</strong>ença atual, Do impacto <strong>do</strong> diagnóstico confirma<strong>do</strong> aoassumir-se como <strong>hanseniano</strong> e d procura <strong>de</strong> recursos médicos: <strong>da</strong>sdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s até o início <strong>do</strong> tratamento atual.A forte associação e a lembrança <strong>da</strong> Hanseníase como uma <strong>do</strong>ença<strong>de</strong> antigamente, <strong>do</strong>s tempos bíblicos, leva ao esquecimento <strong>de</strong>sta moléstia como<strong>do</strong>ença <strong>do</strong>s dias atuais. A falta <strong>de</strong> conhecimentos e informações corretas arespeito <strong>da</strong> Hanseníase, por parte <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em geral, também foievi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong> pelos entrevista<strong>do</strong>s.


213Ficou claro que a maioria <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sconhecia sua fonte <strong>de</strong>contágio e eles trouxeram suposições próprias sobre a maneira <strong>de</strong> transmissão <strong>da</strong>Hanseníase. Outra situação vivencia<strong>da</strong> refere-se às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s até odiagnóstico correto, pois a <strong>do</strong>ença apresenta uma evolução insidiosa e extensamanifestação clínica, levan<strong>do</strong> a diagnósticos erra<strong>do</strong>s, antes <strong>da</strong> certeza <strong>de</strong> <strong>ser</strong>Hanseníase.As dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s vivencia<strong>da</strong>s e expressa<strong>da</strong>s como significativas pelos<strong>hanseniano</strong>s incluíram tratamentos prévios ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s e falta <strong>de</strong> profissionais <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> capacita<strong>do</strong>s, atribuí<strong>do</strong>s como causas para o início tardio <strong>do</strong> tratamento,indica<strong>do</strong> para a Hanseníase. Os entrevista<strong>do</strong>s apontaram, ain<strong>da</strong>, algumasquestões que dificultam a continuação <strong>do</strong> tratamento, tais como: parefeitosmedicamentosos, surtos reacionais e duração prolonga<strong>da</strong> <strong>do</strong> tratamento.A segun<strong>da</strong> essência, SER (HUMANO) HANSENIANO:SENTIMENTOS COMO CARACTERÍSTICA ESSENCIAL, revelou os significa<strong>do</strong>s<strong>da</strong> Hanseníase na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s e os sentimentos aflora<strong>do</strong>s nesteprocesso. Esta essência <strong>de</strong>svelou-se através <strong>da</strong>s dimensões: O que significa terHanseníase e Sentimentos dicotômicos emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta vívência.Muitos foram os significa<strong>do</strong>s <strong>da</strong><strong>do</strong>s pelos participantes <strong>de</strong>stapesquisa, à repercussão <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença em suas vi<strong>da</strong>s.A Hanseníase aflorou com os significa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação, <strong>de</strong>fracasso, <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença maldita, <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>ra e bandi<strong>da</strong>, que leva o <strong>do</strong>ente ao<strong>de</strong>sânimo e à <strong>de</strong>pressão. Surgiu também com o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> praga e castigo,


214envia<strong>do</strong>s por erros cometi<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong>, tanto pelo <strong>do</strong>ente como pela sua família.Outro significa<strong>do</strong>, <strong>da</strong><strong>do</strong> à Hanseníase, foi o <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença contagiosa grave,como se tivesse AIDS. No entanto, para uma paciente, a Hanseníase surgiu comouma saí<strong>da</strong> para a situação <strong>de</strong> rejeição, por parte <strong>de</strong> sua família a<strong>do</strong>tiva, pois elasoube viver a <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> uma forma única e especial.Muitos foram os sentimentos vivencia<strong>do</strong>s pelos entrevista<strong>do</strong>s comrelação a sua <strong>do</strong>ença. Sentimentos <strong>de</strong> vergonha, <strong>de</strong> ódio, <strong>de</strong> raiva, <strong>de</strong> culpa, <strong>de</strong>tristeza, <strong>de</strong> rejeição e <strong>de</strong> inutili<strong>da</strong><strong>de</strong> estiveram presentes nas falas <strong>de</strong> muitos <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s.Alguns <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestaram sentimento <strong>de</strong> inconformi<strong>da</strong><strong>de</strong>em haver a<strong>do</strong>eci<strong>do</strong>, enquanto seus irmãos, <strong>de</strong>mais familiares e amigos erampessoas saudáveis.Me<strong>do</strong>s diversos afloraram ante as adversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s existenciais em <strong>ser</strong><strong>hanseniano</strong>: <strong>de</strong> não sustentar a família, <strong>de</strong> <strong>ser</strong> <strong>de</strong>scoberto como <strong>hanseniano</strong>, <strong>de</strong>haver contagia<strong>do</strong> outras pessoas, <strong>de</strong> <strong>ser</strong> isola<strong>do</strong> pela família e pelos amigos, <strong>da</strong>sseqüelas físicas causa<strong>da</strong>s pela <strong>do</strong>ença, <strong>da</strong>s recidivas... Sentimento forte foi oreceio e o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> que os familiares fossem discrimina<strong>do</strong>s por causa <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença<strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>.Na terceira essência, SOBRE O INTRAPESSOAL: A RELAÇÃOMAIS VERDADEIRA COMIGO MESMO, ficaram evi<strong>de</strong>ntes questões como o abaloe a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> auto-estima, as discriminações sofri<strong>da</strong>s pelo <strong>hanseniano</strong> e asdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s encontra<strong>da</strong>s em realizar tarefas <strong>do</strong>mésticas e profissionais com as


215seqüelas físicas instala<strong>da</strong>s. Alguns <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, superan<strong>do</strong> estasdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e encontran<strong>do</strong> apoio, conseguiram recuperar sua auto-estima. Estaessência <strong>de</strong>svelou-se através <strong>da</strong>s dimensões: Conviven<strong>do</strong> com o preconceito ea discriminação. Conviven<strong>do</strong> com as seqüelas físicas. Reencontran<strong>do</strong>-se: <strong>da</strong>per<strong>da</strong> ao resgate <strong>da</strong> auto-estima.O claro preconceito, vivencia<strong>do</strong> pelos entrevista<strong>do</strong>s, manifestou-sepela per<strong>da</strong> <strong>de</strong> amigos, na per<strong>da</strong> <strong>do</strong> emprego e, também, pela separação entrecasais. Os entrevista<strong>do</strong>s perceberam a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> amigos econheci<strong>do</strong>s que, anteriormente, freqüentavam a casa <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente e após saberemsobre a Hanseníase nunca mais apareceram. Incomo<strong>da</strong>m muito o preconceito e adiscriminação na percepção <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.A <strong>de</strong>missão <strong>do</strong> trabalho, por causa <strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, atingiuos <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase. A falta <strong>de</strong> esclarecimentos sobre a <strong>do</strong>ença e sobre suacura contribuíram para tal fato. E preciso, pois, que se esclareça que aHanseníase tem cura, sim, e não inviabiliza a participação <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente em seu meio<strong>de</strong> trabalho.Seja por me<strong>do</strong>, seja por ignorância, as pessoas ten<strong>de</strong>ram a afastarse<strong>do</strong> <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase. Este sofrimento resultante po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> evita<strong>do</strong> com adivulgação <strong>de</strong> informações sobre a <strong>do</strong>ença.As seqüelas e as <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas, surgi<strong>da</strong>s com a progressão<strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, são dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s significativas enfrenta<strong>da</strong>s pelos <strong>hanseniano</strong>s nasrelações e na execução <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> cotidiano.


216A realização <strong>de</strong> tarefas simples como abotoar uma roupa, calçar umsapato ou assinar o próprio nome foram afeta<strong>da</strong>s quan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>entes per<strong>de</strong>ram asensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s mãos ou tiveram seus <strong>de</strong><strong>do</strong>s atrofia<strong>do</strong>s.O simples ato <strong>de</strong> caminhar ou dirigir um automóvel também ficouprejudica<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> os pés e as pernas foram atingi<strong>do</strong>s pelas seqüelas físicas <strong>da</strong>Hanseníase.Existem meios para prevenir ou reverter algumas <strong>de</strong>ssasincapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, mas é preciso que se invista em autocui<strong>da</strong><strong>do</strong> e técnicas simples oumais complexas <strong>de</strong> fisioterapia, pois o <strong>mun<strong>do</strong></strong> vivi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes entrevista<strong>do</strong>s<strong>de</strong>svelou que eles foram priva<strong>do</strong>s <strong>de</strong>stes recursos preventivos e <strong>de</strong> reabilitação.E clara a importância <strong>de</strong> fortalecer o "self' <strong>da</strong> pessoa acometi<strong>da</strong> pelaHanseníase. Este processo, to<strong>da</strong>via, não é fácil, pois exige a compreensão <strong>de</strong>aceitar-se como <strong>hanseniano</strong> e o apoio <strong>da</strong>queles que o cercam.Sentir-se "menos <strong>do</strong> que um lixo", "como um trapo" e "como umacoisa que não <strong>ser</strong>ve mais à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>" são sentimentos marcantes e fortes, quelevaram a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> auto-estima e fazem com que o <strong>hanseniano</strong> vá se "enfian<strong>do</strong>numa conchinha", como se quisesse ficar escondi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. Revertereste quadro nem sempre foi possível, mas alguns <strong>de</strong>les, com apoio <strong>de</strong> familiares,<strong>de</strong> amigos e <strong>de</strong> profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o momento queo <strong>hanseniano</strong> vivia, conseguiram reencontrar-se.


217Além <strong>de</strong> capacitar os médicos e os profissionais <strong>da</strong> enfermagem,pertencentes às equipes que acompanham os <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase, houvenecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> outros profissionais como psicólogos e fisioterapeutas eenfermeiros para uma abor<strong>da</strong>gem assistencial mais condizente às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>sexperiencia<strong>da</strong>s.Na quarta essência, COMUNIDADE, PRECONCEITO EDISCRIMINAÇÃO, evi<strong>de</strong>nciou-se o conflito <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s em não saber seterão o apoio <strong>de</strong> sua família e <strong>de</strong> seus amigos, uma vez que não se po<strong>de</strong> prever areação <strong>de</strong>les para com o <strong>do</strong>ente. Esta essência <strong>de</strong>svelou-se nas dimensões:Família: <strong>do</strong> apoio ao rechaço e Amigos: <strong>do</strong> apoio <strong>de</strong> alguns ao aban<strong>do</strong>no <strong>da</strong>maioria.Foi evi<strong>de</strong>nte a importância <strong>do</strong> apoio familiar para o <strong>hanseniano</strong>, nomomento em que vive a sua <strong>do</strong>ença, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o diagnóstico até completar otratamento. Atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aju<strong>da</strong> e <strong>de</strong> incentivo contribuíram para a melhora <strong>do</strong><strong>do</strong>ente em seu to<strong>do</strong> e foram fun<strong>da</strong>mentais no processo <strong>de</strong> sua cura.O apoio com a lembrança em tomar os remédios, <strong>da</strong> aju<strong>da</strong> para fazeros curativos e <strong>do</strong> oferecimento para realizar tarefas <strong>do</strong>mésticas foramsignificativas para que alguns <strong>do</strong>entes não se sentissem <strong>de</strong>sampara<strong>do</strong>s.Infelizmente, alguns <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s foram rejeita<strong>do</strong>s ediscrimina<strong>do</strong>s por seus familiares, tanto filhos, quanto irmãos, pais ou cônjuges.Alguns <strong>de</strong>les não receberam mais nem ligações telefônicas <strong>de</strong> seus filhos, comose o simples fato <strong>de</strong> falar fosse transmitir a Hanseníase.


218Além <strong>do</strong> mais, ficou clara a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, por parte <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong>, <strong>de</strong><strong>ser</strong> apoia<strong>do</strong> também por seus amigos. Este apoio po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> tanto emocional quantomaterial, pois alguns <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s receberam aju<strong>da</strong> financeira <strong>de</strong> conheci<strong>do</strong>sem perío<strong>do</strong>s cruciais <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. A aju<strong>da</strong> também manifestou-se pela tentativa <strong>de</strong>conseguir emprego para o <strong>do</strong>ente.To<strong>da</strong>via, algumas outras vezes, o <strong>hanseniano</strong> vivenciou situações <strong>de</strong>aban<strong>do</strong>no pelos seus amigos, até mesmo, sen<strong>do</strong> motivo <strong>de</strong> escárnio. É necessáriomu<strong>da</strong>r esta situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo ao <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase e uma <strong>da</strong>s maneiraspossíveis para isto é pelo esclarecimento à população.A quinta essência, O CORPO COMO ESPELHO DO ESTIGMA,<strong>de</strong>svelou-se por meio <strong>da</strong>s dimensões: Sobre a ocultação <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> corpo:contar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ou ocultar a Hanseníase e Auto-segregação <strong>do</strong> corpo.A ocultação <strong>do</strong> corpo emergiu como uma tentativa <strong>de</strong> ocultar a<strong>do</strong>ença. Os <strong>hanseniano</strong>s procuram escon<strong>de</strong>r suas lesões <strong>de</strong> pele para evitarexplicações que pu<strong>de</strong>ssem revelar a Hanseníase. Esta atitu<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>ncia o conflito,vivencia<strong>do</strong> pelos <strong>hanseniano</strong>s, em contar ou ocultar a Hanseníase para seusfamiliares e amigos.A segregação e o isolamento aos quais os <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase seimpu<strong>ser</strong>am, surgiram em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> atitu<strong>de</strong> preconceituosa <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>sua relação que os discriminam.


219A sexta essência, SOBRE AS EQUIPES DE SAÚDE, <strong>de</strong>svelou-secom as dimensões: A percepção <strong>do</strong>s profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>como <strong>ser</strong> trata<strong>do</strong>.Foram evi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong>s, espontaneamente, as percepções que os<strong>hanseniano</strong>s têm sobre os profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> e como percebem seusconhecimentos e atitu<strong>de</strong>s sobre a Hanseníase. Experienciaram que, algumasvezes, faltava a estes profissionais informações e conhecimentos sobre a <strong>do</strong>ença,geran<strong>do</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s no diagnóstico e na conduta terapêutica.Desvelou-se ain<strong>da</strong> a importância <strong>do</strong> tratamento humaniza<strong>do</strong>, <strong>do</strong>respeito ao <strong>ser</strong> humano, <strong>do</strong> apoio ao <strong>hanseniano</strong> e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rconversar e <strong>de</strong>sabafar durante o atendimento pelos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Percebi, em suas falas, a busca <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> como <strong>ser</strong> trata<strong>do</strong>,centra<strong>do</strong> no existir <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les.Ressalta-se a importância <strong>de</strong> se investir em treinamento e educaçãocontinua<strong>da</strong> <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Além <strong>da</strong> atualização técnico-científica, umaabor<strong>da</strong>gem mais humaniza<strong>da</strong> <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> contempla<strong>da</strong>.A sétima essência, EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE EMHANSENÍASE, <strong>de</strong>svelou-se pelas dimensões: Sobre o <strong>do</strong>ente e sua <strong>do</strong>ença: ocompartilhar <strong>de</strong> informações, Incentivan<strong>do</strong> o autocuí<strong>da</strong><strong>do</strong> e A convivêncíacom o <strong>hanseniano</strong>: orientação aos familiares e à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.


220Desvela-se a significância <strong>de</strong> compartilhar informações sobre a<strong>do</strong>ença e sobre o tratamento com o <strong>hanseniano</strong>, permitin<strong>do</strong> que ele participe,ativamente, no seu processo <strong>de</strong> cura e contribua com seu saber e suasexperiências para o crescimento <strong>do</strong> profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Isto, tanto po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> feitopor meio <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s educativas teórico-práticas como, informalmente, duranteas consultas com o <strong>hanseniano</strong>.Alguns pacientes foram em busca <strong>de</strong> informações em enciclopédiase livros <strong>de</strong> Medicina, pois reconhecem a falta <strong>de</strong> divulgação nos meios <strong>de</strong>comunicação, fazen<strong>do</strong> um comparativo com câncer, AIDS e outras <strong>do</strong>ençastransmissíveis que, continuamente, são lembra<strong>da</strong>s em noticiários e jornais e têmsuficiente material esclarece<strong>do</strong>r e educativo.Evi<strong>de</strong>nciou-se a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> receberem orientaçõesincentiva<strong>do</strong>ras ao autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>, possibilitan<strong>do</strong> a diminuição <strong>da</strong> instalação <strong>de</strong>incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas e a compreensão <strong>do</strong> tratamento em an<strong>da</strong>mento.Desvelou-se, mais, a urgência <strong>de</strong> esclarecimentos aos familiares <strong>do</strong>s<strong>do</strong>entes e <strong>de</strong> campanhas educativas, dirigi<strong>da</strong>s à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> qual o<strong>hanseniano</strong> faz parte, contribuin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta forma, para a diminuição <strong>do</strong> estigmaexistente com relação à Hanseníase e ao preconceito com o <strong>hanseniano</strong>.Além disso, questões relativas à prevenção <strong>da</strong> Hanseníase, taiscomo exame <strong>de</strong> comunicantes e vacinação BCG, estiveram presentes na fala <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s.


221Do contexto estu<strong>da</strong><strong>do</strong>, emergiu a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>:Incentivar ações <strong>de</strong>smistifican<strong>do</strong> a Hanseníase como <strong>do</strong>ença <strong>do</strong>passa<strong>do</strong>, "bíblica" e incurável;No combate à Hanseníase são necessárias campanhas educativas afim <strong>de</strong> esclarecermos à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, em geral, e às equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que estamoléstia tem cura, sen<strong>do</strong> o tratamento feito em nível ambulatorial sem anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> isolar e internar o <strong>hanseniano</strong>.Para escapar <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r antieducativo <strong>da</strong>s palavras "lepra" e"leproso", vários autores sugeriram, por volta <strong>do</strong>s anos 70, a terminologiaHanseníase ou <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> Hansen. E necessário usar esta "nova" terminologia,pois a palavra "lepra" é um rótulo que anula qualquer tentativa <strong>de</strong> educação eapresenta po<strong>de</strong>rosa carga emocional <strong>de</strong> rejeição e <strong>de</strong> preconceito.E preciso reforçar que a Hanseníase é uma <strong>do</strong>ença infectocontagiosa,presente no dias atuais, passível <strong>de</strong> tratamento e <strong>de</strong> cura. Por suavez, Lepra é um termo pejorativo que dificulta a educação. Elaborar programas <strong>de</strong> educação continua<strong>da</strong> e promovertreinamentos para os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, usan<strong>do</strong> umape<strong>da</strong>gogia participativa em que os <strong>do</strong>entes com Hanseníasecontribuam no <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong>stes caminhos.


222Os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisam estar, continuamente,atualiza<strong>do</strong>s, possibilitan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta maneira, melhor atendimento, diagnósticoprecoce e tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> aos pacientes com Hanseníase.O treinamento <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s aqueles que prestam atendimento ao<strong>hanseniano</strong>, tais como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos,assistentes sociais e auxiliares, <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong> simples e eficaz. Palestras, cursos,reuniões científicas, seminários, ateliê <strong>de</strong> vivências e material bibliográfico po<strong>de</strong>m<strong>ser</strong> utiliza<strong>do</strong>s. A participação em congressos científicos também <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong>estimula<strong>da</strong> e proporciona<strong>da</strong>.Os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisam estar prepara<strong>do</strong>s para apoiaremocionalmente o cliente, facilitar a expressão <strong>do</strong>s sentimentos <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>s,i<strong>de</strong>ntificar crenças, valores e atitu<strong>de</strong>s acerca <strong>da</strong> Hanseníase, favorecer o fim <strong>de</strong>estigmas, mitos e preconceitos, relaciona<strong>do</strong>s à Hanseníase, utilizar linguagemcompatível com a cultura <strong>do</strong> cliente, trocar informações sobre a Hanseníase, suatransmissão, prevenção e tratamento e estimular ao autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>, visan<strong>do</strong> àredução <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e seqüelas físicas ocasiona<strong>da</strong>s pela <strong>do</strong>ença.• Oportunizar vivências e orientações aos futuros profissionais <strong>da</strong>saú<strong>de</strong>, durante a facul<strong>da</strong><strong>de</strong> e cursos <strong>de</strong> especialização, sobre aimportância <strong>da</strong> relação humana que se estabelece com o<strong>hanseniano</strong>.Compartilhar com os futuros profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> a importância <strong>do</strong>respeito ao <strong>ser</strong> humano e questões <strong>de</strong> bioética como relação profissional <strong>de</strong>


223saú<strong>de</strong> — paciente, autonomia e importância <strong>do</strong> sigilo sobre os assuntosabor<strong>da</strong><strong>do</strong>s nas consultas. Reforçar, durante a formação <strong>do</strong> módico, o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>Dermatologia e <strong>da</strong> Hanseníase;Durante a Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina, o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> Dermatologia ficarestrito a poucas semanas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> currículo médico. Como a patologiaHanseníase é abor<strong>da</strong><strong>da</strong> na disciplina <strong>de</strong> Dermatologia, faz-se necessário a<strong>de</strong>quara carga horária <strong>de</strong>sta especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> que os acadêmicos <strong>de</strong> Medicinapossam dispor <strong>de</strong> tempo maior para receber informações a respeito <strong>da</strong>Hanseníase: Além disso, é necessário fornecer ao jovem estu<strong>da</strong>nte em formaçãouma motivação que o sensibilize para o envolvimento no trabalho com o<strong>hanseniano</strong>.Proporcionar aos <strong>hanseniano</strong>s uma abor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> tratamentomais humana, valorizan<strong>do</strong> seus sentimentos, suas vivências esua singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> como pessoa;Enfocar, também no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> formação acadêmica <strong>do</strong>sprofissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a importância <strong>da</strong> valorização <strong>do</strong> <strong>ser</strong> humano e <strong>de</strong> seussentimentos, apesar <strong>de</strong> vivermos em plena era tecnológica.Ao assistir o <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase, faz-se necessária umaabor<strong>da</strong>gem interativa, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> e valorizan<strong>do</strong> o que ele sabe, pensa, sente e


224experiencia em sua trajetória <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Respeitar suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e suasindividuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Permitir ao <strong>hanseniano</strong> expressar seus sentimentos durante asconsultas e proporcionar grupos <strong>de</strong> vivência aos pacientes com o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>acompanhamento psicológico <strong>de</strong> apoio, possibilita a redução <strong>do</strong> nível <strong>de</strong> estressee <strong>de</strong> ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> e a recuperação <strong>da</strong> auto-estima.No grupo, as pessoas têm a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> redimensionar suasdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s ao compartilhar dúvi<strong>da</strong>s, sentimentos, experiências conhecimentos esoli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> entre outros. Em alguns casos, esta abor<strong>da</strong>gem po<strong>de</strong> provocar alívio<strong>da</strong> tensão emocional vivencia<strong>da</strong> pelos <strong>do</strong>entes. É importante, contu<strong>do</strong>, que oprofissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> esteja atento para perceber os limites que separam asquestões a <strong>ser</strong>em abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s, em grupo ou individualmente.Os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisam estar atentos para o manejoa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>do</strong>s sentimentos emana<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ste processo e <strong>de</strong>smistificar a associaçãoexistente entre Hanseníase e culpa e punição. É necessário, também, permitir ao<strong>do</strong>ente o tempo que seja necessário para ele expressar seus sentimentos edúvi<strong>da</strong>s.• Elaborar programas <strong>de</strong> educação para a saú<strong>de</strong> em Hanseníase,visan<strong>do</strong> compartilhar informações sobre a <strong>do</strong>ença com os<strong>hanseniano</strong>s e estimular o autocui<strong>da</strong><strong>do</strong>;


225Abor<strong>da</strong>mos a importância <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente participar, ativamente, <strong>de</strong> seutratamento e <strong>de</strong> seu processo <strong>de</strong> cura. Para atingir este objetivo, faz-se necessáriocompartilhar informações relativas à <strong>do</strong>ença com os <strong>hanseniano</strong>s. Deve-se falar,em linguagem acessível a sua compreensão, sobre suas dúvi<strong>da</strong>s e acrescentar,conforme o momento apropria<strong>do</strong>, questões relativas à transmissão, àsmanifestações clínicas, ao diagnóstico, ao tratamento, à profilaxia e a prevenção<strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas <strong>da</strong> Hanseníase. Desta forma, estimula-se o <strong>do</strong>ente aoautocui<strong>da</strong><strong>do</strong> e à manutenção <strong>de</strong> suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s existencíais.Essas informações po<strong>de</strong>m <strong>ser</strong> transmiti<strong>da</strong>s por meio <strong>de</strong> palestras oudurante campanhas, mas também, informalmente, em ca<strong>da</strong> consulta que opaciente compareça. Permitin<strong>do</strong> que o <strong>hanseniano</strong> expresse suas dúvi<strong>da</strong>s,po<strong>de</strong>mos orientá-lo melhor.• Proporcionar à família <strong>do</strong> <strong>hanseniano</strong> momentos <strong>de</strong> diálogo, <strong>de</strong>esclarecimento <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>s e <strong>de</strong> participação no processo <strong>de</strong>recuperação <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente;Abrir espaços, visan<strong>do</strong> integrar a família <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente no seutratamento e proporcionar educação em saú<strong>de</strong> que inclua informações sobre a<strong>do</strong>ença: transmissão, manifestações clínicas, tratamento e prevenção, além <strong>da</strong>participação, convivência, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e tantos outros acréscimos quantos foremnecessários.Reforçar, compreensivamente, a importância <strong>do</strong> exame <strong>do</strong>sComunicantes e <strong>da</strong> vacina BCG, como forma <strong>de</strong> prevenção <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Facilitar o


226comparecimento <strong>do</strong>s familiares ao <strong>ser</strong>viço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para esclarecimentos <strong>de</strong> suasdúvi<strong>da</strong>s e exames necessários.Promover campanhas educativas e abertas junto aos meios <strong>de</strong>comunicação, visan<strong>do</strong> esclarecer à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> assuntosreferentes à transmissão, clínica, tratamento e curabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>Hanseníase;Envolver a mídia na divulgação <strong>de</strong> informações corretas e nãosensacionalistas sobre a Hanseníase, procuran<strong>do</strong> <strong>de</strong>sestigmatizá-la.Promover palestras sobre a Hanseníase em escolas <strong>da</strong> re<strong>de</strong>priva<strong>da</strong> e públicaEssas palestras, direciona<strong>da</strong>s a alunos, pais, professores efuncionários <strong>da</strong>s escolas, <strong>de</strong>vem abor<strong>da</strong>r <strong>de</strong> maneira simples e objetiva temasrelaciona<strong>do</strong>s à Hanseníase, possibilitan<strong>do</strong> o esclarecimento <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong>stapopulação e valorizan<strong>do</strong> a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e as experiências prévias intra-familiarese comunitárias, quan<strong>do</strong> presentes.Ao encerrar estas reflexões, mesmo sem a pretensão <strong>de</strong> esgotar ofenômeno, pois percebo-o como inesgotável, acredito ter contribuí<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>significativo, para tomar o atendimento ao <strong>hanseniano</strong> um pouco mais humano.Muito, porém, ain<strong>da</strong> há <strong>de</strong> <strong>ser</strong> feito em prol <strong>da</strong> digni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>do</strong> respeito ao <strong>ser</strong>humano <strong>hanseniano</strong>.


227Talvez, seja o começo <strong>de</strong> um novo começo...I took the turn and turned tobegin a new beginningstill looking for the answerI cannot find the finishit's either this or that wayit's one way or the otherit should be one directionit should be one reflectionthe turn I have just takenthe turn that I was makingI might be just beginningI might be near the end.(ENYA)Eu <strong>de</strong>i a volta e voltei-me paraIniciar um novo começoAin<strong>da</strong> procuran<strong>do</strong> a respostaEu não pu<strong>de</strong> encontrar o fimÉ <strong>de</strong>sta ou <strong>da</strong>quela formaDe uma maneira ou <strong>de</strong> outraDeveria <strong>ser</strong> uma direçãoDeveria <strong>ser</strong> uma reflexãoA volta que eu acabei <strong>de</strong> <strong>da</strong>rA volta que eu-estava fazen<strong>do</strong>-Eu po<strong>de</strong>ria estar somenteinician<strong>do</strong>Eu po<strong>de</strong>ria estar perto <strong>do</strong> fim.


Porto Alegre, 01 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998.Ilmo. Sr.Dr. João Ta<strong>de</strong>u Freitas <strong>da</strong> CostaM.D. Chefe <strong>do</strong> ADS/SSMASr. Chefe:Venho por meio <strong>de</strong>sta solicitar a V.Sa. autorização para a viabilização <strong>do</strong>projeto <strong>de</strong> pesquisa anexo, para a realização <strong>da</strong> dis<strong>ser</strong>tação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> <strong>da</strong> PontifíciaUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul — Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação emEducação, que visa estu<strong>da</strong>r os sentimentos e vivências <strong>do</strong>s pacientes porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong>Hanseníase com relação a sua <strong>do</strong>ença, cujos pacientes são atendi<strong>do</strong>s no Serviço <strong>de</strong>Hanseníase <strong>de</strong>ste ambulatório.No aguar<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua liberação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já agra<strong>de</strong>ço.Atenciosamente,Mestran<strong>da</strong> Leticia Maria Eidt


DECLARAÇÃOEu, ...........................................................<strong>de</strong>claro estar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> em participar<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> "Sentimentos e Vivências <strong>do</strong>s Pacientes Porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Hanseníase comRelação a sua Doença". Estou ciente e concor<strong>do</strong> com a gravação <strong>de</strong>sta entrevista, comoforma <strong>de</strong> registro <strong>do</strong>s mesmos, para posterior estu<strong>do</strong> pela Mestran<strong>da</strong> Letícia Maria Eidt,aluna <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Educação <strong>da</strong> PUCRS, Porto Alegre.


SÍNTESE DA ENTREVISTA COM CLARAApesar <strong>do</strong> tratamento feito, eu não me sinto cura<strong>da</strong> e não me sinto bem.Pareço estar sempre <strong>do</strong>ente. Eu quero esquecer que eu tenho Hanseníase, mas nãoconsigo. Sinto uma aflição interior muito gran<strong>de</strong>.Nunca <strong>de</strong>scobri, ao certo, como ou <strong>de</strong> quem peguei Hanseníase.Investigamos na família e não encontramos nenhum caso. Havia uma tia paterna comlesões <strong>de</strong> pele, mas <strong>de</strong>scobrimos não <strong>ser</strong> Hanseníase. No la<strong>do</strong> materno não pu<strong>de</strong>mosseguir investigan<strong>do</strong>, pois como minha avó per<strong>de</strong>u os pais muito pequena, ela foi cria<strong>da</strong>por outras pessoas e não tivemos como localizar familiares <strong>de</strong> gerações anteriores.Fui informa<strong>da</strong> pelos médicos que esta <strong>do</strong>ença é causa<strong>da</strong> por ummicrorganismo que, após o contágio inicial, po<strong>de</strong> levar anos para se manifestar. Ahipótese mais provável <strong>de</strong> contágio, no meu caso, foi <strong>de</strong> contaminação intra-uterina,enquanto minha mãe estava me esperan<strong>do</strong>. Mas isto nunca foi confirma<strong>do</strong>.Conforme minha avó, as primeiras manifestações clínicas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença teriamsurgi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> eu tinha três meses <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Inicialmente, apresentava uma manchaavermelha<strong>da</strong> no peito e após a pele passou a <strong>de</strong>scamar.Eu me recor<strong>do</strong> <strong>de</strong> haver inicia<strong>do</strong> com problemas a partir <strong>do</strong>s sete anos <strong>de</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> machuquei meu pé com um prego e não senti. Como era cria<strong>da</strong> pela minhamãe, nesta época, e ela não se preocupava comigo, <strong>de</strong>senvolvi uma infecção muito feia equase perdi meu pé.Somente um ano após este episódio fui receber o diagnóstico <strong>de</strong>Hanseníase. Isto foi em 1984. Como esta <strong>do</strong>ença é muito escondi<strong>da</strong>, os médicos nãoqueriam acreditar que eu pu<strong>de</strong>sse tê-la. Por este motivo, recebi vários tratamentos paraalergia, que <strong>de</strong> na<strong>da</strong> me adiantaram.


235Essa <strong>do</strong>ença é lembra<strong>da</strong> como nos tempos <strong>da</strong> Bíblia, em que porinexistência <strong>de</strong> tratamento, os <strong>do</strong>entes ficavam sem pe<strong>da</strong>ços <strong>de</strong> seus corpos. Faltadivulgação <strong>de</strong> informações sobre a Hanseníase. Assim como falam sobre AIDS, câncer eoutras <strong>do</strong>enças, <strong>de</strong>veriam fazer campanhas <strong>de</strong> esclarecimento também sobre a <strong>do</strong>ença<strong>de</strong> Hansen.Junto com o diagnóstico <strong>de</strong> Hanseníase, começou o preconceito <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>minha própria família. Após saberem <strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença, a maioria <strong>do</strong>s parentes se afastou<strong>de</strong> mim, inclusive minha própria mãe. Um <strong>do</strong>s meus tios não <strong>de</strong>ixava nem sua namora<strong>da</strong>brincar comigo.A minha mãe nunca aceitou a minha <strong>do</strong>ença. Ela tinha preconceito e nãochegava perto <strong>de</strong> mim nem para aju<strong>da</strong>r nos curativos. Não tinha paciência e não me <strong>da</strong>vaos remédios (choro) quan<strong>do</strong> eu era pequena, mas eu não tenho raiva <strong>de</strong>la.Quan<strong>do</strong> eu fiquei mocinha, ela ia logo dizen<strong>do</strong> para os meus namora<strong>do</strong>sque eu era leprosa e que os pe<strong>da</strong>ços <strong>do</strong> meu corpo iriam cair por causa <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Elanão usava a palavra Hanseníase. Ela dizia Lepra, que era para chocar mais. Eu morria <strong>de</strong>vergonha quan<strong>do</strong> ela dizia isto, por isto quase não levava meus amigos na minha casa,pois sabia <strong>do</strong> que ela era capaz.To<strong>do</strong>s os meus objetos eram guar<strong>da</strong><strong>do</strong>s separa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais em casa.Material <strong>de</strong> manicure, <strong>de</strong> curativo, aparelho <strong>de</strong> <strong>de</strong>pilar, etc. Não podia lavar minhasroupas junto com as <strong>do</strong>s outros e me diziam que era por causa <strong>do</strong> "meu probleminha".Tu<strong>do</strong> era lava<strong>do</strong> separa<strong>do</strong>, inclusive, os lençóis e os cobertores. Eu percebia tu<strong>do</strong>,mesmo sen<strong>do</strong> jovem.Certa vez, quan<strong>do</strong> vim consultar em um hospital, aqui, em Porto Alegre,fiquei hospe<strong>da</strong><strong>da</strong> na casa <strong>de</strong> uma tia. Quan<strong>do</strong> o médico solicitou que os familiares fossempara avaliação, ela negou-se e ain<strong>da</strong> ficou me culpan<strong>do</strong>, caso seus filhos viessem aa<strong>do</strong>ecer. Fiquei muito magoa<strong>da</strong> por isto, pois ela não queria me aju<strong>da</strong>r.


236Durante minha infância e a<strong>do</strong>lescência também fui muito discrimina<strong>da</strong> pelasocie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual residia. Primeiro, não queriam me aceitar na escola pública,mas meu avô interveio e pu<strong>de</strong> continuar estu<strong>da</strong>n<strong>do</strong>. Claro, que era motivo <strong>de</strong> pia<strong>da</strong>s erecebia apeli<strong>do</strong>s varia<strong>do</strong>s, mas segui estu<strong>da</strong>n<strong>do</strong>.Quan<strong>do</strong> tinha uns <strong>de</strong>z anos, fui impedi<strong>da</strong> <strong>de</strong> freqüentar o clube <strong>de</strong>stamesma ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois <strong>de</strong>scobriram que eu tinha Hanseníase. Mesmo eu estan<strong>do</strong> emtratamento e eles saben<strong>do</strong> que não havia risco <strong>de</strong> contaminação, impediram-me <strong>de</strong>freqüentar a piscina.Além disso, se alguma criança viesse brincar comigo apanhava <strong>de</strong> sua mãe.Por causa disto eu vivia sozinha, achan<strong>do</strong> que prejudicava as outras pessoas. Haviacoloca<strong>do</strong> na minha cabeça que precisava ficar quieta no meu canto. Além <strong>do</strong> mais, nãosaia muito <strong>de</strong> casa com vergonha <strong>da</strong> minha pele to<strong>da</strong> mancha<strong>da</strong>.Como minha mãe não me cui<strong>da</strong>va direito e, praticamente, havia meaban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, fui cria<strong>da</strong> pela minha avó. Se ela não tivesse me cui<strong>da</strong><strong>do</strong> imagino que euestaria pior.Des<strong>de</strong> pequena, ela sempre me apoiou e sempre me incentivou. Nunca<strong>de</strong>monstrou nojo <strong>de</strong> mim e me aju<strong>da</strong>va nos curativos <strong>do</strong> meu pé. Já que eu não podiafreqüentar a piscina, ela me levava para a praia to<strong>do</strong>s os anos. Como brincava muitosozinha, pois vivia isola<strong>da</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, minha avó presenteava-me com brinque<strong>do</strong>s, jogos epapel <strong>de</strong> carta para colecionar. Ela se preocupava com meus estu<strong>do</strong>s e eu fazia aulas <strong>de</strong>violão, ginástica e teatro. Sempre fui muito inteligente e recebia notas altas no colégio.Ela tentava me unir com a minha mãe e dizia para eu per<strong>do</strong>á-la, pois elanão fazia as coisas por mal e tentava me aju<strong>da</strong>r. Mas não <strong>da</strong>va certo, pois minha mãe erameio louca mesmo. Ela sempre esteve comigo em to<strong>do</strong>s os momentos <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>:Até hoje, minha avó é a única pessoa <strong>da</strong> família <strong>de</strong> quem eu realmentegosto <strong>de</strong> abraçar e <strong>de</strong> beijar. Eu só me sinto bem e à vonta<strong>de</strong> é na casa <strong>de</strong>la e nosfalamos por telefone, to<strong>do</strong>s os dias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a minha mu<strong>da</strong>nça para Porto Alegre.


237Eu sei que preciso me preparar, emocionalmente, para viver sem ela, poisum dia to<strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> morre. Mas nós ain<strong>da</strong> somos muito liga<strong>da</strong>s, principalmente após tu<strong>do</strong>pela qual passamos juntas.Meu avô, quan<strong>do</strong> eu a<strong>do</strong>eci, era oficial <strong>do</strong> exército. Ele me levava parapassear no clube <strong>do</strong>s oficiais, aon<strong>de</strong> tomávamos banhos <strong>de</strong> açu<strong>de</strong> e fazíamospiqueniques. Vovô não gostava <strong>de</strong> falar sobre a Hanseníase, não sei se por vergonha ouse para evitar explicações.Além <strong>de</strong> minha avó, havia uma tia que também me cui<strong>da</strong>va e chegavaperto <strong>de</strong> mim Ela era enfermeira e me aju<strong>da</strong>va nos curativos.Por causa <strong>do</strong> <strong>de</strong>scui<strong>do</strong> <strong>de</strong> minha mãe, hoje em dia, eu apresento algumasseqüelas <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Minha mão é atrofia<strong>da</strong> e meu pé tem úlceras plantares abertas,esporadicamente. Para mim, estas cicatrizes são a mesma coisa como se a <strong>do</strong>ençaestivesse em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s precisam <strong>ser</strong> manti<strong>do</strong>s. Estas seqüelas físicaschamam a atenção <strong>da</strong>s pessoas, que ficam me olhan<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> eu fiz fisioterapia, aminha mão até ficou retinha e como a outra, mas eu perdi o tato. Então, parei com osexercícios, pois precisava ter sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na mão para cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> meus filhos.Até hoje, sigo fazen<strong>do</strong> os curativos no meu pé, <strong>da</strong> maneira como o médicome ensinou e, também, uso calça<strong>do</strong>s e palmilhas ortopédicas. Desta forma evito asúlceras plantares e- o mau cheiro <strong>do</strong>s curativos. Mesmo assim, ao botar uma- sandáliaaberta as pessoas ficam olhan<strong>do</strong> o meu pé, pois ele é diferente e chama atenção.Reconheço a importância <strong>de</strong> me autocui<strong>da</strong>r, seja fazen<strong>do</strong> os curativos, sejatoman<strong>do</strong> os remédios. Houve épocas em que eu não me cui<strong>da</strong>va, na esperança <strong>de</strong> que omeu pé ficasse bom sozinho, mas nestas ocasiões eu sempre piorava.A ocasião em que eu estive pior foi durante o meu primeiro casamento.Além <strong>do</strong> pé haver piora<strong>do</strong>, eu tive problemas circulatórios e to<strong>do</strong> o meu corpo foi atingi<strong>do</strong>pela reação-, obrigan<strong>do</strong>-me a fazer repouso A <strong>do</strong>r era gran<strong>de</strong> e os remédios não meaju<strong>da</strong>vam a melhorar.


238Meu ex-mari<strong>do</strong> passou a reclamar <strong>do</strong>s gastos com a farmácia e a brigarcomigo, dizen<strong>do</strong> que nenhum outro homem me aceitaria por causa <strong>da</strong> Hanseníase,somente ele. Para tentar salvar meu casamento eu até procurei aju<strong>da</strong> com um psiquiatra,mas acabei me. conscientizan<strong>do</strong> <strong>de</strong> que eu era mesmo culpa<strong>da</strong>, pois era muito rebel<strong>de</strong>, eacabamos nos separan<strong>do</strong>. Após a separação, como meu ex-mari<strong>do</strong> continuava a meprocurar e a me incomo<strong>da</strong>r, <strong>de</strong>cidi ir morar e trabalhar em outra ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>,foi uma experiência <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.Durante este perío<strong>do</strong> <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> também fui discrimina<strong>da</strong> pela psiquiatraque me acompanhava. Enquanto eu falava apenas <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> ela me ouvia comtranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong>-, até` porque ela recebia para isto: Após ter contato sobre a minha aflição<strong>de</strong><strong>ser</strong> <strong>do</strong>ente <strong>de</strong> Hanseníase e <strong>do</strong>s sentimentos surgi<strong>do</strong>s por causa <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, euob<strong>ser</strong>vei mu<strong>da</strong>nça <strong>do</strong> seu comportamento. Ela passou a não ter horários para me aten<strong>de</strong>re ain<strong>da</strong> encaminhou-me para outro colega, mesmo eu pedin<strong>do</strong> para continuar com ela, atéporque não queria contar to<strong>da</strong> a minha história novamente.Meu atual mari<strong>do</strong> é muito bom para mim e sempre me aju<strong>do</strong>u. Ele não temnojo <strong>de</strong> mim nem preconceito e, quan<strong>do</strong> preciso, aju<strong>da</strong> a fazer os curativos no meu pé(choro). Estamos casa<strong>do</strong>s há cinco anos e sinto-me privilegia<strong>da</strong> em tê-lo como meucompanheiro.Ele também tem problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, sofre <strong>de</strong> epilepsia, e eu cui<strong>do</strong> <strong>de</strong>lesempre que ele precisa. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> nós nos cui<strong>da</strong>mos mutuamente. Ele é pedreiro etrabalha como um faz-tu<strong>do</strong> em um motel. Como trabalha <strong>da</strong> manhã à noite, nossos filhostêm mais contata comigo <strong>da</strong> que com. ele.Como os familiares <strong>de</strong>le são um pouco preconceituosos, <strong>de</strong>cidimos nãocontar na<strong>da</strong> sobre a Hanseníase. Quan<strong>do</strong> estou pior, invento <strong>de</strong>sculpas, dizen<strong>do</strong> terproblemas circulatórios e uso roupas compri<strong>da</strong>s para disfarçar.Decidi a<strong>do</strong>tar uma postura hipócrita em um <strong>mun<strong>do</strong></strong> hipócrita. Os poucos quesabem sobre a Hanseníase se dão comigo, então, são meus amigos mesmo. E os quenão sabem ; vamos <strong>de</strong>ixar eles sem saber na<strong>da</strong>, vamos <strong>de</strong>ixar em segre<strong>do</strong> (risos).


239Meus filhos nasceram <strong>de</strong>ste meu segun<strong>do</strong> casamento, o menino tem trêsanos e a menina tem <strong>do</strong>is. Quan<strong>do</strong> eles nasceram, em hospitais aqui <strong>de</strong> Porto Alegre,também fui discrimina<strong>da</strong> por causa <strong>da</strong> Hanseníase. Meu mari<strong>do</strong> diz que é besteira <strong>da</strong>minha cabeça, mas a gente sente quan<strong>do</strong> é trata<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneira diferente. As enfermeirasquase não conversavam comigo e quan<strong>do</strong> chegavam perto já diziam que eu tinha aqueleoutro "probleminha".Esses filhos são a base <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> São eles que me fazem ficar melhor,ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> me curar e são o estímulo para seguir viven<strong>do</strong>. Às vezes, eu fico braba erebel<strong>de</strong> e quero aban<strong>do</strong>nar tu<strong>do</strong>, mas por eles eu sigo me cuí<strong>da</strong>n<strong>do</strong>.Têm días que eu tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> morrer, que eu acor<strong>do</strong> triste com a ví<strong>da</strong>e na<strong>da</strong> tem senti<strong>do</strong>, mas quan<strong>do</strong> eu olho para eles eu volto para a vi<strong>da</strong>. Se não fosse poreles eu já teria <strong>da</strong><strong>do</strong> um fim na minha vi<strong>da</strong>, pois eu estava muito <strong>de</strong>primi<strong>da</strong>. Se hoje eucontinuo a viver é por causa <strong>de</strong>les (choro). Tu<strong>do</strong> vale a pena quan<strong>do</strong> a gente escuta um"eu te amo mãe". E sincero. Eles me abraçam e me beijam (choro) sem preconceito, <strong>do</strong>fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> coraçãozinho <strong>de</strong>les. Quan<strong>do</strong> eu pioro, eles também aju<strong>da</strong>m a me cui<strong>da</strong>r.Quero ter a chance <strong>de</strong> educá-los e <strong>de</strong> criá-los. Quero <strong>ser</strong> muito amiga <strong>do</strong>smeus filhos e ter o contato mãe-filho que eu não tive. Quero que eles tenham um pai queeu também não tive, pois o meu separou-se <strong>de</strong> minha mãe e <strong>de</strong>pois faleceu.Quan<strong>do</strong> eu era menor, eu nunca pensei ter minha família um dia, pois nãome imaginava casa<strong>da</strong>. Quan<strong>do</strong> começaram os namora<strong>do</strong>s, nem pensava em filhos, poisficava imaginan<strong>do</strong> os nenês, nascen<strong>do</strong> <strong>do</strong>entes como eu. Depois <strong>de</strong> muito conversar comos médicos e as enfermeiras, certificaram-me <strong>de</strong> que eles não nasceriam comHanseníase e eu resolvi ter filhos. Agora eu sei como é bom ter uma família.Como é bom sentir-me responsável pelo cui<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>do</strong>s meus filhos, pois euimaginava que eu iria <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r para sempre <strong>do</strong>s outros e não <strong>ser</strong>ia útil para na<strong>da</strong> Atépara amamentar eu esquecia-me <strong>da</strong> <strong>do</strong>r <strong>do</strong> seio racha<strong>do</strong>, tamanha era a minha felici<strong>da</strong><strong>de</strong>.Era um momento muito bonito. No parto, eu também não senti <strong>do</strong>r, pois sabia que elesnasceriam saudáveis. Eu amadureci muito após o nascimento <strong>do</strong>s meus filhos.


240Eu espero ver meus filhos cresci<strong>do</strong>s, bem cria<strong>do</strong>s e bem sadios. Quero queeles sejam boas pessoas e que cresçam amigos e humanos. Além <strong>do</strong> mais, preten<strong>do</strong>continuar casa<strong>da</strong> com o pai <strong>de</strong>les e <strong>ser</strong> uma boa mãe, pois, às vezes, sou meio braba emuito gritona. Também vou esperar pelos netos.Preten<strong>do</strong> voltar a trabalhar, até para facilitar os estu<strong>do</strong>s para meus filhos.Antes, porém, quero cursar Contabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ou Computação, gosto <strong>de</strong>stas áreas.Eu <strong>de</strong>sejo continuar a ter alegrias com os meus filhos e, assim, acabar como preconceito que eu tenho <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim(choro). Ven<strong>do</strong> eles eu vejo coisas boas naminha vi<strong>da</strong>. Eu apostei tu<strong>do</strong> neles e espero melhorar a ca<strong>da</strong> dia por eles e para eles. Eufaço força para me cui<strong>da</strong>r e me enfeitar até para <strong>ser</strong>vir <strong>de</strong> exemplo para eles. Fazen<strong>do</strong> umresumo <strong>da</strong> minha pessoa, apesar <strong>de</strong> não <strong>ser</strong> perfeita e ter os meus <strong>de</strong>feitos, eu me achoboa mãe e boa esposa.Ao longo <strong>do</strong>s tempos, eu fui apren<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a li<strong>da</strong>r comigo e com a minha<strong>do</strong>ença, mas nunca me aceitei e sempre fui rebel<strong>de</strong> e recalca<strong>da</strong>. Não sei se na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>adiantaria procurar por aju<strong>da</strong> psicológica. Minha mãe diz que eu não tenho na<strong>da</strong> e ficoinventan<strong>do</strong> mo<strong>da</strong> para chamar atenção, mas isto não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.Talvez, seja bobagem minha, mas eu me sinto diferente <strong>da</strong>s outraspessoas. Meu mari<strong>do</strong> diz que além <strong>do</strong>s outros me excluírem eu própria me excluo. Pareceestar escrito <strong>da</strong> minha testa que eu tenho Hanseníase, como se to<strong>do</strong> <strong>mun<strong>do</strong></strong> soubessedisto. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o preconceito maior está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim e não nas pessoas. Eu tenhopreconceito <strong>de</strong> mim mesma.Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, eu não me aceito como hanseniana e, enquanto eu nãoaceitar a minha <strong>do</strong>ença, eu não vou me sentir bem. Se os outros me viram o rosto, se nãoquerem falar comigo ou chegar perto <strong>de</strong> mim, isto nem me atinge tanto. Fico magoa<strong>da</strong> équan<strong>do</strong> me olho no espelho e não gosto <strong>do</strong> que vejo: "eu" <strong>de</strong>forma<strong>da</strong> pela Hanseníase. Amão é torta, a pele é mancha<strong>da</strong> e o pé é <strong>de</strong>feituoso. Eu me sinto muito mal, mas é umacoisa só minha. 0 problema sou eu e não os outros (choro).


241Às vezes, fico olhan<strong>do</strong> para o meu irmão, ele é tão perfeito e tão normal, efico me perguntan<strong>do</strong> porque só eu fui a<strong>do</strong>ecer.Eu não consigo aceitar a Hanseníase. Eu queria ter o pé normal, nãoprecisar usar palmilha nem tomar tantos remédios. Eu sei que há <strong>do</strong>enças piores <strong>do</strong> que aminha e pessoas mais <strong>do</strong>entes <strong>do</strong> que eu, mas é difícil aceitar. Eu me sinto diferente(choro). Não sei se vou conseguir curar isto. Não tem remédio que alivie esta agonia.Talvez, com o tempo, e ocupan<strong>do</strong>-me com os estu<strong>do</strong>s ou com um trabalhopasse essa aflição interior. Eu sinto que estou melhoran<strong>do</strong>, mas eu quero chegar um dia,aqui, e dizer que não sinto mais na<strong>da</strong> nem sinto nojo <strong>de</strong> mim, pois eu não sou nenhumbicho gosmento. É preciso <strong>da</strong>r tempo ao tempo.Eu não sei se foi o preconceito <strong>da</strong>s pessoas ou o quê que me <strong>de</strong>ixou tãomagoa<strong>da</strong>. Eu não tenho raiva <strong>de</strong> ninguém, mas eu sinto tu<strong>do</strong> o que me fizeram Eu sintoaté pena <strong>de</strong>stas pessoas que me discriminaram, pois, na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, elas não são beminstruí<strong>da</strong>s e em ver<strong>da</strong><strong>de</strong> fazem mal a si próprias. Eu já per<strong>do</strong>ei a to<strong>do</strong>s eles, até porque eunão sei se não faria o mesmo para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r meus filhos, se estivesse no lugar <strong>de</strong>les.Mas, apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, eu sou feliz. Sou conforma<strong>da</strong>. Eu tenho mais aagra<strong>de</strong>cer <strong>do</strong> que a pedir. Eu tenho a minha avó e a minha tia que muito me apoiaram.Tenho meu mari<strong>do</strong> e meus filhos que são a minha família. E ain<strong>da</strong> tem a minha mãe, quese não foi boa para mim, ao menos está sen<strong>do</strong> boa avó para os meus filhos.Se fosse para mu<strong>da</strong>r alguma coisa na minha vi<strong>da</strong>, se eu tivesse estachance, eu continuaria exatamente igual. Sabe por quê? Porque ten<strong>do</strong> Hanseníase euaprendi a <strong>ser</strong> mais humana com as outras pessoas (choro). Será que eu <strong>ser</strong>ia capaz <strong>de</strong>ver e aju<strong>da</strong>r a pessoa <strong>do</strong> próximo se eu não fosse <strong>do</strong>ente? Talvez, eu não conversassecom um aidético nem socorresse alguém caí<strong>do</strong> na rua. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que eu passei,eu me acho muito humana e quan<strong>do</strong> eu aju<strong>do</strong> os outros eu acabo esquecen<strong>do</strong> <strong>do</strong> meuproblema.Por isso eu digo, se <strong>de</strong>sse para mu<strong>da</strong>r eu gostaria <strong>de</strong> continuar tu<strong>do</strong> igual. Aparte boa <strong>da</strong> minha <strong>do</strong>ença é que eu não sou preconceituosa com ninguém. Se eu pu<strong>de</strong>r


242aju<strong>da</strong>r, eu aju<strong>do</strong>. Algumas vezes, um simples abraço e uma conversa aju<strong>da</strong>m muito e nemisto a gente tinha (choro).Um <strong>do</strong>s motivos que eu não saio falan<strong>do</strong> para os outros sobre aHanseníase e fico inventan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sculpas sobre minhas lesões é para evitar que os meusfilhos sofram a discriminação que eu sofri. Deus livre meus filhos <strong>de</strong>ste constrangimento.Cui<strong>do</strong> muito e ob<strong>ser</strong>vo a pele <strong>de</strong>les, além <strong>do</strong> mais já os trouxe para consulta e eles nãotem na<strong>da</strong>. Quan<strong>do</strong> eles forem maiores, se for preciso, eu conto para eles sobre a minha<strong>do</strong>ença.Eu ain<strong>da</strong> gostaria <strong>de</strong> falar sobre o atendimento que tenho aqui. Além <strong>da</strong>consulta módica, eu tenho a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar e isto aju<strong>da</strong> muito. Eu ob<strong>ser</strong>vocomo a equipe cui<strong>da</strong> bem <strong>da</strong> gente, aqui. Por fim gostaria <strong>de</strong> dizer que esta entrevista foimuito importante para mim. Estou me sentin<strong>do</strong> bem mais leve, pois consegui colocar parafora os "fantasmas" que estavam guar<strong>da</strong><strong>do</strong>s, há muito tempo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim Estou mesentin<strong>do</strong> muito melhor, estou ótima. Quem sabe, agora, eu consiga seguir com o meutratamento sem ter preconceito <strong>de</strong> mim Muito obriga<strong>da</strong>, foi maravilhoso Eu a<strong>do</strong>rei po<strong>de</strong>rconversar.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAL-QUBATI, Yasin; AL-KUBATI, Abdul Samad. Dermatologists combat leprosyin Yemen. In: International Journal of Dermatology, 36, 920-922, 1997.ANANDARAJ, H. Measurement of <strong>de</strong>habilitation in patients of leprosy — ascale. In: Indian. J. Leprosy, v.67, n.2, p.153-160, Apr-Jun, 1995.ANDRADE, Maril<strong>da</strong>. O <strong>ser</strong> enfermeiro assitin<strong>do</strong> ao porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> hanseníase— incursão na vivência fenomenológica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, Dis<strong>ser</strong>tação(Mestra<strong>do</strong> em Educação), Escola <strong>de</strong> Enfermagem Ana Nery, 1993.ANDRADE, Vera Lúcia Gomes <strong>de</strong>. A urbanização <strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong>hanseníase. In: Hansenologia Internationalis, (2): 51-59, <strong>de</strong>z., 1995.ANDRADE, Vera et al. Campanha <strong>de</strong> eliminação <strong>da</strong> hanseníase combina<strong>da</strong>com vacina antipoliomielite. Rio <strong>de</strong> Janeiro. In: Anais Brasileiros <strong>de</strong>Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 73(2):159-165, mar./abr., 1998.ARVELLO, J.J Prevenção <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas e reabilitação emHanseníase. In: DUERKSEN, F.; VIRMOND, M. Cirurgia repara<strong>do</strong>ra ereabilitação em hanseníase. Bauru: Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Dr. Reynal<strong>do</strong>Quagliato, <strong>Instituto</strong> <strong>Lauro</strong> <strong>de</strong> <strong>Souza</strong> <strong>Lima</strong>, 1997, p.35-58.ASSUMPÇÃO, Maria Luiza. Estruturação <strong>da</strong> entrevista psicológica. SãoPaulo: Atlas, 1977.AVELLEIRA, João Carlos Regazzi; NERY, José Augusto. O tratamento <strong>da</strong>Hanseníase. In: Rio Dermatológico — publicação oficial <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong>Brasileira <strong>de</strong> Dermatoogia — regional RJ. Ano 2, n.3, set., 1998.AWOFESO, N. Stigma and socio-economic reintegration of leprosy sufferers inNigeria. In: Acta Leprol., v.10, n.2, p.89-91, 1996.


244AZULAY, Rubem David e AZULAY, David Rubem. Dermatologia. 2. ed. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Guanabara Koogan, 1997.BAKIRTZIEF, Zoica. Águas passa<strong>da</strong>s que movem moinhos: asrepresentações sociais <strong>da</strong> hanseníase. Dis<strong>ser</strong>tação (Mestra<strong>do</strong> emPsicologia Social). São Paulo: Pontifícia Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> SãoPaulo, 1994.BECHELLI, Luiz Marino; CURBAN, Guilherme V. Compêndio <strong>de</strong><strong>de</strong>rmatologia. 6. ed. São Paulo: Atheneu, 1988:BERNARDI, César et al. Leprosy classification for use in control programs. In:Hansen. Int, 6(2): 130-135, 1981.BHARATH, S. et al. Psychiatric morbidity in leprosy and psoriasis — acomparative study. In: Indian J. Lepr. 69(4), 341-346, 1997.BÍBLIA SAGRADA. 82 ed. São Paulo: Editora Ave Mana Lt<strong>da</strong>, 1992.BRAND, Paul W. Conferência Inaugural <strong>do</strong> 14 ° Congresso Internacional <strong>de</strong>Hanseníase. In: Hans. Int., 18(1/2): 17-21, 1993.BRASIL MINISTÉRIO DA SAÚDE, Portaria no. 814/GM <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1993.BRASIL MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fun<strong>da</strong>ção Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. CentroNacional <strong>de</strong> Epi<strong>de</strong>miologia. Coor<strong>de</strong>nação Nacional <strong>de</strong> DermatologiaSanitária. Guia <strong>de</strong> Controle <strong>da</strong> Hanseníase. 2. ed. Brasília, 1994.BRASIL. Resolução no. 196, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1996. Dispõe sobre asdiretrizes e normas regulamenta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> pesquisa envolven<strong>do</strong> <strong>ser</strong>eshumanos. In: BRASIL, Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Conselho Nacional <strong>de</strong>Pesquisa. Brasília, 1997.CAMPBELL, Gladis et al. Envolvimento hepático na reação hanseênica: estu<strong>do</strong><strong>de</strong> vinte pacientes. In: Anais Brasileiros <strong>de</strong> Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro,69(1): 7-14, jan.-fev., 1994.CAMPOS, Nelson <strong>de</strong> <strong>Souza</strong>; BECHELLI, Luiz Marino; ROTBERG Abraão.Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> leprologia — v.5. epi<strong>de</strong>miologia e profilaxia. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Ministério <strong>da</strong> Educação e Saú<strong>de</strong>/ Departamento Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>/Serviço Nacional <strong>de</strong> Lepra, 1944.CAPALBO, Creusa. Fenomenologia e ciências humanas. Rio <strong>de</strong> Janeiro:J.Ozon Editor, 1973.___. Meto<strong>do</strong>logia <strong>da</strong>s ciências sociais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Antares, 1979.___.Consi<strong>de</strong>rações sobre o méto<strong>do</strong> fenomenológico e a enfermagem. In: R.Enferm. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v.2 n°.2, p.192-197, 1994.


245CARVALHO, Anésia <strong>de</strong> <strong>Souza</strong>. Meto<strong>do</strong>logia <strong>da</strong> entrevista: uma abor<strong>da</strong>gemfenomenológica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Agir, 1987.CARVALHO, Augusto <strong>da</strong> Silva. História <strong>da</strong> lepra em Portugal. Porto: [s.n.],1932.CASTIEL, Simone. Notas acerca <strong>da</strong>s transformações <strong>da</strong> família e <strong>do</strong>casamento — contribuições <strong>da</strong> história social. [s.l.]: Ceapia, 1993.CERRO, Gonzalez Del. Estigma y lepra. In: Revista Argentina <strong>de</strong>Dermatologia. V.70, n.1, Enero-Marzo, 1989, p.36-43.CHATURVEDI, R.M.; KARTIKEYAN, S. Employment status of leprosy patientswith <strong>de</strong>formities in a suburban slum. In: Ind. J. Lepr., 62(1): 109-112, 1990CLARO, L.B.L. Hanseníase: representações sobre a <strong>do</strong>ença. Rio <strong>de</strong> Janeiro,Fiocruz, 1995.COMIOTTO, Mirian Sirley. Adultos médios: sentimentos e trajetória <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.Estu<strong>do</strong> fenomenológico e proposta <strong>de</strong> auto-educação. Porto Alegre,UFRGS, Tese. (Doutora<strong>do</strong> em Ciências Humanas e Educação). Facul<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> Educação, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, 1992.CRISTOFOLINI, Lúcia. Prevenção <strong>de</strong> Incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s na Hanseníase. In:Reabilitação em hanseníase. 4.ed. São Paulo: Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Dr.Reynal<strong>do</strong> Quagliato <strong>do</strong> Hospital <strong>Lauro</strong> <strong>de</strong> <strong>Souza</strong> <strong>Lima</strong> <strong>de</strong> Bauru, 1982.CUCÉ, Luiz Carlos e Neto, Cyro Festa. Manual <strong>de</strong> <strong>de</strong>rmatologia. Rio <strong>de</strong>Janeiro e São Paulo: Atheneu, 1990.CUNHA, Ana Zoé Schilling. Hanseníase: a história <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>pública. Dis<strong>ser</strong>tação (Mestra<strong>do</strong> em Desenvolvimento Regional).Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Cruz <strong>do</strong> Sul, 1997.DUARTE, Sebastiana Gonçalves. O perfil <strong>do</strong> porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> hanseníase e suaconvivência familiar e social. Bauru: Instituição Tole<strong>do</strong> <strong>de</strong> ensino, 1999.Monografia (Graduação) — Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Serviço Social <strong>de</strong> Bauru, 1999.ENNES, Sandra Bittencourt Padilha. Poliquimioterapia no tratamento <strong>da</strong>hanseníase. Reações às drogas utiliza<strong>da</strong>s. In: Anais Brasileiros <strong>de</strong>Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 68(6): 370, 1993.FELICIANO, Katia Virgínia <strong>de</strong> Oliveira; KOVACS, Maria Helena. Hanseníase,estigma e invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. In: Saú<strong>de</strong> em Debate. Londrina, 52: 42-49, set.,1996.


246. Opiniões sobre a <strong>do</strong>ença entre membros <strong>da</strong> re<strong>de</strong> social <strong>de</strong> pacientes <strong>de</strong>Hanseníase no Recife. In: Revista Panamericana Salud Publica/ Pan AmPublic Health. 1(2), 1997.FERREIRA, Jair; BERNARDI, César; GERBASE, Antônio. Controle <strong>da</strong>hanseníase num sistema integra<strong>do</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. In: Boletin <strong>de</strong> Ia OficinaSanitaria Panamericana. 95(6), 507-515, 1983.FERREIRA, Jair et al. O estigma <strong>do</strong> médico em relação aos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong>hanseníase no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1949 a 1988.Porto Alegre: UFRGS, 1989 (mimeo).FERREIRA, Jair. Vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res epi<strong>de</strong>miológicos utiliza<strong>do</strong>s paraavaliar <strong>de</strong> forma indireta a magnitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> hanseníase. Porto Alegre:UFGRS, 1999. 145 p. Tese (Doutora<strong>do</strong>) Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina. Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação emMedicina: Clínica Médica, 1999.FERRO, Edson Ribeiro; FONSECA, Pedro Henrique Miran<strong>da</strong>. A educaçãosanitária na luta contra a Hanseníase. In: Arquivos Brasileiros <strong>de</strong>Medicina. v.61, n.5, set.-out., 1987.FOSS, Norma Tiraboschi. Hanseníase: aspectos clínicos, imunológicos eterapêuticos. Anais Brasileiros <strong>de</strong> Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 74(2):113119, 1999.FRANCO, Araújo. Dicionário Inglês-Português e Português-Inglês. 26.ed.Rio <strong>de</strong> Janeiro, Porto Alegre e São Paulo: Globo, 1962.FREIRE, Paulo; BETTO, Frei. Uma escola chama<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Depoimentos aorepórter Ricar<strong>do</strong> Kotscho. São Paulo: Ática, 1987.GADOTTI, M.; GUTIERREZ, F. Educação comunitária e economia popular.São Paulo: Cortez, 1993.GANDRA JÚNIOR, Domingos <strong>da</strong> Silva. A Lepra — uma introdução ao estu<strong>do</strong><strong>do</strong> fenômeno social <strong>da</strong> estigmatização. Minas Gerais, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong> Minas Gerais. Tese. (Doutora<strong>do</strong> em Antropologia). [s.d.].GERSHON, W.; SRINIVASAN, G.R. Community-based rehabilitation: anevaluation study. In: Lepr. Ver., 63(1), p.51-59, 1992.GIFFIN, K Esfera <strong>de</strong> reprodução em uma visão masculina: consi<strong>de</strong>raçõessobre a articulação <strong>da</strong> produção e <strong>da</strong> reprodução, <strong>de</strong> classe e <strong>de</strong> gênero. In:Revista <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública. 4: 23-40, 1994.GIORGI, Ama<strong>de</strong>o. Phenomenology and psycological research. Pittsburgh:Duquese University Press, 1985.


247_. Phenomenological method as a qualitive research procedure. In: Journal ofPhenomenological Psycology, n.28, ano 2, p.248, 1997.GOFFMAN, Edwin. Estigma: notas sobre a manipulação <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>teriora<strong>da</strong>. [s.I.]: Zahar Editores, 1982.GOMES, Antônio Carlos Bastos. Hanseníase no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul — situaçãoatual. In: Jornal <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Dermatologia Secção RS.ano 8, n.30, p.5, <strong>de</strong>z. 1998.GOMES, Júlio Cézar Meirelles. A bioética e a relação médico-paciente. In:MEDICINA CONSELHO FEDERAL — Órgão oficial <strong>do</strong> Conselho Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong> Medicina. Brasilia, p.8-9, setembro, 1999.HADDAD, S.C.; PEDRAZZANI, E.S. As concepções que embasam a educaçãoem saú<strong>de</strong> na hanseníase e a educação especial: algumas correlações. In:Hansen. Int., 22(1): 81, 1997.HAMACHEK, Dom E. Encontros com o self. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Interamericana, 1979.HELENE, Lúcia Maria Frazo; ROCHA, Marly Theoto. I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> algunsproblemas psicossociais em porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> hanseníase utilizan<strong>do</strong> paraanálise os recursos <strong>de</strong> informática. In: Revista <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Enfermagem<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. 32 (3): 199-207, 1998.HENNEMANN, Mírian Sirley. Fenomenologia e psicologia em Ama<strong>de</strong>o Giorgi.Seminário sobre pesquisa fenomenológica nas Ciência Humanas e Sociais.Anais ANPESS/CBCSS, 1990.HERMOUT, H. Noções básicas <strong>de</strong> leprologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ministério <strong>da</strong>Saú<strong>de</strong>, 1969.JOB, Charles; PATH, F.R.C. Nerve <strong>da</strong>mage in leprosy. In: Int. J. Lepr., 57(2),p.532-539, 1989.JOPLING, W.H.; McDOUGALL, A.C. Manual <strong>de</strong> hanseníase. 4. ed., Rio <strong>de</strong>Janeiro: Atheneu, 1991.KATHE, V.J.; NAIK, S.S. leprosy patients' attitu<strong>de</strong> towards their chronic andrecurring ulcers. In: Indian J. Lepr. 70(3):326-327, 1998.KAUFMANN, Alicia; MARIAM, Senkenesh Gebre; NEVILLE, Jane. Manualprático para trabalha<strong>do</strong>res <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. [s.I.]: Associazione Italiana Amid diRaoul Follereau, 1981.KEEN, Ernest. Introdução à psicologia fenomenológica. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Interamericana, 1979.


248LE GRAND, Aman<strong>da</strong>. Women and Leprosy: a review. In: Lepr. Rev., 68, p.203-211, 1997.LESSA, Zenai<strong>de</strong> Lázara. Hanseníase e educação em Hanseníase: controleentre o conhecimento científico, empírico e teológico. In: Hansen. Int,21(1):77-89, 1996.LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.LIMA, Sidney <strong>de</strong> <strong>Souza</strong>. Hanseníase x Varíola. In: Atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>sDermatológicas, v.1, n.2, jul./ago./set., 1995.LOMBARDI, Clóvis. Eliminação <strong>da</strong> hanseníase <strong>da</strong>s Américas. In: HanseníaseHoje — Boletim <strong>da</strong> Organização Pan-Americana <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> e <strong>da</strong>Organização Mundial <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. n.7, <strong>de</strong>z.1999.LOMBARDI, Clóvis et al. Hanseníase, epi<strong>de</strong>miologia e controle. São Paulo:Imprensa Oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, 1990.LOMBARDI, Clóvis; FERREIRA, Jair. História natural <strong>da</strong> hanseníase. In:LOMBARDI, Clóvis et al. Hanseníase, epi<strong>de</strong>miologia e controle. SãoPaulo: Imprensa Oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, 1990.LOPES, A. et al. A educação em saú<strong>de</strong> na construção e reconstrução <strong>de</strong>conhecimentos <strong>de</strong> "lepra" A Hanseníase. In: Hansen. Int., 22(1): 61, 1997.MARTINS, Carlos Fernan<strong>de</strong>s. Exame palpatório <strong>de</strong> nervos periféricos(espessa<strong>do</strong>s na hanseníase) e suas vias anatômicas. In: Anais Brasileiros<strong>de</strong> Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 7-(3): 247-250, maio/jun, 1995.MARTINS, Joel. Um enfoque fenomenológico <strong>do</strong> currículo: educação comopolesis. Organização <strong>do</strong> texto Vitória Helena Cunha Esposito. São Paulo:Cortez, 1992.MARTINS, Joel; BICUDO, Maria Apareci<strong>da</strong> Viggiani. A pesquisa qualitativaem psicologia. Fun<strong>da</strong>mentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes,1989.MAURANO, Flávio. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> leprologia v.l — História <strong>da</strong> Lepra no Brasil esua distribuição geográfica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: SNL, 1944.MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia <strong>de</strong> la percepcion. Barcelona:Península, 1975.____. Fenomenologia <strong>da</strong> percepção. 1.ed., 2 tiragem. São Paulo: MartinsFontes, 1996.


249MESQUITA, A. Petrarca <strong>de</strong>. Hanseníase — Conceituação atual. In: A <strong>do</strong>ençaHanseníase — periódico <strong>de</strong> combate ao leprostigma. São Paulo:<strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> — Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1(1), p.38-39,1977.MINISTÉRIO DA SAÚDE — DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE.Manual <strong>de</strong> Leprologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Serviço Nacional <strong>de</strong> Lepra, 1960.MONTEIRO, Yara Nogueira. Hanseníase: história e po<strong>de</strong>r no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> SãoPaulo. In: Hansen. Int., 12(1):1-7, 1987.MORAES, Roque. Fenomenologia: uma introdução. In: Revista Educação.Porto Alegre: ano XVI, n.24, 1993, p.15-24.MOSQUERA, J.J.M. As ilusões e os problemas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Porto Alegre: Sulina,1979.____Educação: novas perspectivas. 3.ed. São Paulo: Sulina, 1980.MOSQUERA, Juan Jose Mourino; STOBAUS, Claus Dieter. Educação para asaú<strong>de</strong>. Desafio para Socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s em Mu<strong>da</strong>nça. 2.ed. Porto Alegre: D.C.Luzzatto, 1984.NEVILLE, P.J. Educação sanitária na profilaxia <strong>da</strong> hanseníase. Rio <strong>de</strong>Janeiro: CERPHA-DNL,1972.NOGUEIRA, Wagner. Eliminação <strong>da</strong> hanseníase <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização <strong>do</strong>s<strong>ser</strong>viços. In: Jornal Dermatológico, ano XI, n.76, ago., 1996.NOGUEIRA, Wagner et al. Perspectivas <strong>de</strong> eliminação <strong>da</strong> Hanseníase. In:Hansenologia Internationalis. 20(1):19-28, jan.-jun., 1995.NUNES, Francisco Augusto Vieira. Leproso: uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> perversa.Trabalho apresenta<strong>do</strong> no Congresso Internacional <strong>de</strong> Hanseníase, Flóri<strong>da</strong>(USA), 1993. (mimeo).OLIVEIRA, Maria Helena Pessini. Reações emocionais <strong>do</strong>s <strong>hanseniano</strong>sporta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>de</strong>formi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas. In: Hansen. int., 15(1-2), p.16-23, 1990.OLIVEIRA, Maria Lei<strong>de</strong> et al. Cura <strong>da</strong> pessoa com hanseníase: relação com aevolução <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> física. In: Hansen. Int., 22(1), p.110,1997.OLIVEIRA, Maria Helena Pessini; ROMANELLI, Geral<strong>do</strong>. Os efeitos <strong>da</strong>Hanseníase em homens e mulheres: um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> gênero. In: Ca<strong>de</strong>rnos<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública. Rio <strong>de</strong> Janeiro: 14(1):51-60, jan-mar, 1998.OREM, D.E. In: GEORGE, J.B. Teorias <strong>de</strong> enfermagem. Porto Alegre: ArtesMédicas, 1993.


250PAVIANI, Jayme. Merleau-Ponty: A fenomenologia e as Ciências <strong>do</strong> homem.Seminário sobre pesquisa fenomenológica nas Ciências Humanas eSociais. Anais ANPESS/CBCISS, 1990.PEREIRA, Gerson Fernan<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s. Características <strong>da</strong> Hanseníase noBrasil: situação e tendência no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1985 a 1996. Dis<strong>ser</strong>tação(Mestra<strong>do</strong>), 1999.PINTO, Paulo Gabriel Hiler <strong>da</strong> Rocha. O estigma <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>: a lepra durante aI<strong>da</strong><strong>de</strong> Média. In: PHYSIS — Revista <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Coletiva. v.5, n.1, 1995.POLASTRO, Josiane Eglé. Uma análise <strong>do</strong> programa <strong>de</strong> educação emsaú<strong>de</strong> com relação à questão <strong>do</strong> estigma e auto-estigma emhanseníase. Bauru: <strong>Instituto</strong> <strong>Lauro</strong> <strong>de</strong> <strong>Souza</strong> <strong>Lima</strong>, 1999. Monografia(programa <strong>de</strong> aprimoramento profissional) — Área <strong>de</strong> Psicologia, 1999.RADÜNZ, Vera. Cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong> e se cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong>. Fortalecen<strong>do</strong> o self <strong>do</strong> clienteoncológico e o self <strong>da</strong> enfermeira. Goiânia: AB, 1999.RAMANATHAN, U. et al. Psychosocial aspects of <strong>de</strong>formed leprosy patientsun<strong>de</strong>rgoing surgical correction. In: Lepr. Rev., 62(4), p.402-409, 1991.RAO, S. et al. Gen<strong>de</strong>r diferentials in the social impact of leprosy. In: Lepr. Rev.,v.67, n.3, p.190-199, September, 1996.RIBEIRO, João. Fenomenologia. São Paulo: Pancoast, 1991.ROCHÓN, Alain. Educacion para la salud. Barcelona: Masson, 1996.RODRIGUES, Acácia <strong>de</strong> Lucena et al. Manual <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong>incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Brasília: Fun<strong>da</strong>ção Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, 1997.RODRIGUES, S. et al. Tatu e Hanseníase. In: Anais Brasileiros <strong>de</strong>Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 68(6): 340-345, 1993.ROTBERG, Abraão. A antiga, permanente e po<strong>de</strong>rosa anti-educação com apalavra "lepra" e sua frustração através <strong>de</strong> nova terminologia. In: A <strong>do</strong>ençaHanseníase — periódico <strong>de</strong> combate ao leprostigma. São Paulo:<strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> — Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1(1), p.26-33,1977.SAMPAIO, Sebastião A. P.; CASTRO, Rau<strong>mun<strong>do</strong></strong> M.; RIVITTI, Evandro A.Dermatologia básica. 3. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1983.SANTINI. Percepções <strong>do</strong> corpo na enfermagem. In: X Seminário Nacional <strong>de</strong>Pesquisa em Enfermagem. Grama<strong>do</strong>, RS, p.7, 1999.


251SANTOS, Soraya Nemes Maruques Barbosa et al. Variação <strong>da</strong> concentração<strong>da</strong> hemoglobina em <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> Hanseníase trata<strong>do</strong>s com sulfona. In: AnaisBrasileiros <strong>de</strong> Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: 69(4):281-284, jul./ago.,1994.___.Agranulocitose induzi<strong>da</strong> pelo uso <strong>da</strong> <strong>da</strong>psona em pacientes comhanseníase tuberculói<strong>de</strong>. In: Anais Brasileiros <strong>de</strong> Dermatologia, Rio <strong>de</strong>Janeiro, 71 (supl. 1): 16-18, mar./abr., 1996.SAVIANI, Dermeval. Educação: <strong>do</strong> senso comum à consciência filosófica. SãoPaulo: Cortez, 1986.SCHÜTZENBERGER, A. A. Quero sarar — o caminho <strong>da</strong> cura. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Vozes, 1993.SELLI, Lucil<strong>da</strong>. Beneficiência, autonomia e justiça: implicações para o fazer<strong>de</strong> enfermagem. Porto Alegre-UFRGS, 1997. Dis<strong>ser</strong>tação (Mestra<strong>do</strong>emEnfermagem) — Escola <strong>de</strong> Enfermagem <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul e Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina, 1997.SIMONTON, O. C. et al. Com a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> novo. São Paulo: Summum Editorial,1987.TALHARI, Sinésio. Hanseníase: situação atual. In: Anais Brasileiros <strong>de</strong>Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 69(3): 209-215, mai./jun., 1994.TALHARI, Sinésio; NEVES, René Gani<strong>do</strong>. Hanseníase. 3 ed. Manaus: GráficaTropical, 1997.UCHOA, G.M. et al. Familia y educacion: Praticas Educativas <strong>de</strong> los Padres ysocialización <strong>de</strong> to hijos. Barcelona: Editorial Labor, 1988.ULICH, Dieter. El Sentimiento — introducción a la psicologia <strong>de</strong> Ia emoción.Barcelona: Editorial Her<strong>de</strong>r, 1985.VIEIRA, Leila Maria Macha<strong>do</strong> et al. Alguns aspectos clínicos <strong>da</strong> reação tipo IIem pacientes <strong>hanseniano</strong>s submeti<strong>do</strong>s à poliquimioterapia. In: AnaisBrasileiros <strong>de</strong> Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro 68(6): 383-389, 1993.VIEIRA, C.S.A et al. Assistência <strong>de</strong> enfermagem no controle <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong>incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas a pacientes com Hanseníase: relato <strong>de</strong> experiência.In: Hansen. Int., 22(1): 57, 1997.VIRMOND, Marcos. A Hanseníase como <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> baixa prevalência. In:Hansen. Int., 20(2): 27-37, 1995.VISCOTT, David. El lenguaje <strong>de</strong> los sentimientos. Buenos Aires: Emecé,1978.


252VLASSOFF, Carol; KHOT, Seemantinee; RAO, Shoba. Double jeopardy: womwnand leprosy in India. In: Wld. Hlth. Statist. Quart 49:120=126, 1996:WANG, Ching-Eng Hsieh. Quality of life and health for persons living withleprosy. In: Nursing Science Quarterly. 10(3):144-145, 1997.XIANG-SHENG, Chen et al. Na investigation of attitu<strong>de</strong>s, beliefs and behaviouof leprosy patients, family members and PHC workers tiwards multidrugtherapy in Yangzhou and Dongtai Districts of China. In: Lepr. Ver. 68: 155-161, 1997.YAHR, Maurício Goihman: Successful, treatment of multiple drug resistencewith ofloxacin in a leprosy patient. In: International Journal ofDermatology, v.34, n.9, September, 1995.YAMANOUCHI, Ana Azussa et al. Hanseníase e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>: um problemasempre atual. In: Anais Bras. Dermatol. Rio <strong>de</strong> Janeiro, (6), p.396-404,1993.YAMASHITA, Jane Tomimori et al. Hanseníase: novos méto<strong>do</strong>s e recursosdiagnósticos. In: Anais Brasileiros <strong>de</strong> Dermatologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro,71(4): 343-349, jul./ago., 1996.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!