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Televisão e Poder na leitura de Muniz Sodré - Contemporânea

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N10 | 2008.130O caso da televisãoSodré estuda a televisão relacio<strong>na</strong>da à idéia <strong>de</strong> sistema ou código, imbricadaa outros dispositivos inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. É um complexo institucio<strong>na</strong>lizado<strong>de</strong> meios <strong>de</strong> informação tecnocultural regido pelo capital trans<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,polarizando a relação entre emissor e receptor. O autor não concebe a televisãocomo um dispositivo <strong>de</strong> manipulação, através do qual agiria um Big Brother. Atelevisão não exerce po<strong>de</strong>r, mas é parte <strong>de</strong> uma teleorganização e, relacio<strong>na</strong>da aisto, é chamada <strong>de</strong> macrotelevisão.Para fundamentar seu conceito <strong>de</strong> televisão, o autor faz um diálogo comM. McLuhan, em O monopólio da fala. Sodré discorda <strong>de</strong>le quando afirma quea televisão não é um sistema, mas um medium in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, cujo po<strong>de</strong>r ouinfluência se explicaria por sua <strong>na</strong>tureza eletromagnética (efeito tecnológico), oque significaria colocar-se no interior <strong>de</strong> seu código. O mérito <strong>de</strong> McLuhan éafirmar que “o meio é a mensagem”, um caminho fértil para a análise teórica euma fórmula profética quando “a informação colocada <strong>na</strong> esfera pública da comunicação,por um gigantesco processo tecnológico e industrial, absorve e neutralizaconteúdos, dissolvendo a sociabilida<strong>de</strong> tradicio<strong>na</strong>l” (Sodré 1996:30).Com a televisão, temos um monólogo controlável e uma representaçãodo real (ângulo da câmera, seleção das imagens etc) que nos é imposta. Em Acomunicação do grotesco, Sodré afirma que “O veículo impõe ao receptor a suamaneira especialíssima <strong>de</strong> ver o real” (1971:61). O código televisivo nos limitariaa uma experiência <strong>de</strong> consumidor-domi<strong>na</strong>do, aspecto este que Edgar Morin,autor com certa influência <strong>na</strong> obra <strong>de</strong> Sodré, já <strong>de</strong>stacara quando a<strong>na</strong>lisara acultura <strong>de</strong> massa. Para Sodré, ao ligarmos a televisão, já estaríamos fazendoparte <strong>de</strong> uma teleorganização, cujo uso do código compete ao emissor. A tevê, aí,é forma social, e o meio técnico serve para manter essa relação imagem/receptor.A imagem, porém, não <strong>de</strong>nuncia o social e nem respon<strong>de</strong> que significaçãocultural há nesta relação social entre sistema televisivo e receptor. É nessacombi<strong>na</strong>ção do meio <strong>na</strong>tural com o meio técnico on<strong>de</strong> aflora a problemáticado po<strong>de</strong>r do sistema televisivo, através <strong>de</strong> uma mídia que, para Sodré, processa“uma retórica tecnoburocrática <strong>de</strong> inspiração gerencial” (1996:72).A televisão no Brasil, sem dúvida, representa mo<strong>de</strong>rnização aparente,pois com ela acentua-se, cada vez mais, a miséria das populações. O sistema <strong>de</strong>televisão se consolida a partir da capitalização das escassas poupanças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.Miséria e mo<strong>de</strong>rnização tecnoburocrática fazem parte <strong>de</strong> uma convivênciaque, para Sodré, “é estruturalmente violenta” (1992:39).Codificação e <strong>de</strong>spolitizaçãoAo <strong>de</strong>nunciar a tecnocultura como espaço <strong>de</strong>smotivador para uma açãoativamente política, Sodré nos chama a atenção para a problemática do sujeitoalie<strong>na</strong>do da sua condição <strong>de</strong> diálogo com o sujeito do conhecimento. No lugarTelevisão e po<strong>de</strong>r <strong>na</strong> <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> <strong>Muniz</strong> Sodré - Paulo Cirne <strong>de</strong> Caldas


N10 | 2008.130A concepção <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r relacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Foucault ganha nova perspectiva teóricaem Sodré, agudizando a problemática do sistema televisivo como uma formaorganizacio<strong>na</strong>l do espaço social. Utiliza, a exemplo <strong>de</strong> Foucault, o termodispositivo, que no texto sodreriano serve para referir-se ao sistema televisivo,uma megamáqui<strong>na</strong> da qual todos fazem parte. Pois, como diz Foucault: “Nãoestamos nem <strong>na</strong>s arquibancadas nem no palco, mas <strong>na</strong> máqui<strong>na</strong> panóptica, investidospor seus efeitos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que nós mesmos renovamos, pois somos suasengre<strong>na</strong>gens” (1975:179).A relação sodreria<strong>na</strong> do po<strong>de</strong>r panóptico com a televisão reflete a problemáticada violência como efeito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, um fenômeno social e psíquico latente. Otelespectador, não mais envolvido numa situação <strong>de</strong> diálogo, está numa situaçãoque privilegia uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> voyerismo, e o po<strong>de</strong>r, aí, tor<strong>na</strong> a ressaltar-se como umpo<strong>de</strong>r panóptico invertido. Em O monopólio da fala, o autor afirma o seguinte:Às alie<strong>na</strong>ções <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, sexual, política e lingüística, necessárias paraque o indivíduo se inscreva simbolicamente <strong>na</strong> Or<strong>de</strong>m Social e <strong>na</strong>s relações porela instituídas, junta-se agora a alie<strong>na</strong>ção da expressão dialogal ... Na realida<strong>de</strong>,a abolição da distância geográfica pelas telecomunicações, implícita <strong>na</strong> noçãomcluhania<strong>na</strong> <strong>de</strong> “al<strong>de</strong>ia global”, serve <strong>de</strong> álibi para a distância instituída pelaunilateralida<strong>de</strong> da relação entre emissor e receptor (Sodré 1977:15,25).Trata-se <strong>de</strong> uma reflexão origi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> nosso autor. Na época do lançamento<strong>de</strong> O monopólio da fala, essa re<strong>leitura</strong> do po<strong>de</strong>r panóptico <strong>de</strong> M. Foucault forauma das pioneiras para estudar a televisão. Esse po<strong>de</strong>r panóptico, concentracionistae tecnoburocrático, refere-se a um po<strong>de</strong>r discipli<strong>na</strong>r, que, para Sodré,atingiria com a televisão (capital, família, <strong>de</strong>mocracia, escrita) o seu “mais bemacabado momento técnico <strong>na</strong> comunicação social” (Sodré, 1977:17). Essa abstraçãooperacio<strong>na</strong>l do código, iniciada com a escrita, <strong>de</strong>pois a imprensa e, agora,com as teletecnologias, estaria justamente nessa forma <strong>de</strong> mediação da mensagem,conseqüência da conversão <strong>de</strong> falante/ouvinte para emissor/receptor, o quecaracteriza fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r da i<strong>de</strong>ologia.Essa i<strong>de</strong>ologia, cuja fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r está <strong>na</strong> força <strong>de</strong> “abstrair o sujeito quefala e substituí-lo logicamente por outros sujeitos ou categorias (quadros <strong>de</strong> pensamento)também substituíveis” (Sodré, 1983:182), implica dissolução da socialida<strong>de</strong>tradicio<strong>na</strong>l, on<strong>de</strong>, aí sim, acontece a troca simbólica. Com a tevê, porém,temos uma simulação das formas simbólicas <strong>de</strong> origem, cujo efeito mo<strong>de</strong>rnizantedo meio técnico tem a ver com essa abstração do po<strong>de</strong>r panóptico: “a forma<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r exercido pela tevê <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> sua absoluta abstração com respeito àsituação concreta e real da comunicação huma<strong>na</strong>. Nesta abstração baseia-se ocontrole social do diálogo” (Sodré, 1977:22).Mas, para Sodré, essa “absoluta abstração” não é flagrada pelo telespectador.Dirigida ao núcleo familiar, a televisão “fala” a linguagem coloquial. Ummonólogo controlável, um efeito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>na</strong> dimensão da linguagem, sem apresentar-secomo tal, pois interpela a consciência do sujeito como se dividisse comela o espaço familiar: “a tevê escamoteia, através do envolvimento familiar, aTelevisão e po<strong>de</strong>r <strong>na</strong> <strong>leitura</strong> <strong>de</strong> <strong>Muniz</strong> Sodré - Paulo Cirne <strong>de</strong> Caldas

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