13.07.2015 Views

O mundo pelo buraco da fechadura - Fonoteca Municipal de Lisboa

O mundo pelo buraco da fechadura - Fonoteca Municipal de Lisboa

O mundo pelo buraco da fechadura - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

istória <strong>de</strong> amorfacul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora [Minas Gerais]fui fazer o curso <strong>de</strong> jornalismo.Mas <strong>de</strong>correram mais <strong>de</strong> 15 anos, porquetinha <strong>de</strong> preencher lacunas <strong>da</strong>minha formação. Como a minha famíliato<strong>da</strong> era <strong>de</strong> operários, e eu trabalheicomo operário, pensei escreversobre isso, um projecto em que o trabalhadorurbano fosse a personagemprincipal. Mas eu achava que seria estranhoescrever sobre proletariadousando a forma do romance burguês.Então tentei mapear ao longo <strong>da</strong> históriaos escritores do anti-romance.Começa no século XVIII com o [Laurence]Sterne, o “Tristram Shandy”,passa <strong>pelo</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, <strong>pelo</strong>próprio Almei<strong>da</strong> Garrett, pela literatura<strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong> francesa, por Joyce.Tentei pegar carona nesse anti-romance.Foram 15 anos construindo umai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> romance, <strong>de</strong> personagem.Há aí um sentido políticotambém.Exactamente. É um projecto pensadoantes <strong>de</strong>ste período, mas por uma série<strong>de</strong> coincidências mostra as mu<strong>da</strong>nçasno país. O “Inferno Provisório”[conjunto <strong>de</strong> cinco romances] é a tentativa<strong>de</strong> reconstruir a história do proletariadobrasileiro a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><strong>de</strong> 50, porque até aí era um país essencialmenteagrário. A i<strong>de</strong>ia era escreveruma história alternativa doBrasil, mostrar a rapi<strong>de</strong>z <strong>da</strong> passagempara um país urbano na cabeça <strong>de</strong>quem estava em baixo na pirâmi<strong>de</strong>.E nesse país, o Luiz Ruffato, nãosendo autor <strong>de</strong> “best-sellers”,vive há sete anos como escritor.É um bom sinal.Em 2003 fiz essa opção radical, saído jornal para viver <strong>de</strong> literatura. Masisso significa viver do entorno <strong>da</strong> literatura.Fazer palestras, projectoseditorais, viajar para divulgar. O mercadoliterário brasileiro hoje tem umavivaci<strong>da</strong><strong>de</strong> tal que eles pagam o queantigamente não se pagava, escreverorelhas [ba<strong>da</strong>nas], prefácios, antologias.Não sou um nababo mas vivo <strong>de</strong>forma <strong>de</strong>cente.No Brasil, por exemplo, otrabalho <strong>de</strong> participar emfestivais é remunerado.Sim. Festivais literários, palestras emuniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s priva<strong>da</strong>s, feiras do livro.Hoje não faço quase na<strong>da</strong> semque me paguem. Temos um calendário<strong>de</strong> festivais <strong>de</strong> dois ou três pormês no país, no mínimo. Sendo quealguns são enormes. E quase todosos estados têm uma bienal do livro.E bolsas e residências.A Petrobás... o estado <strong>de</strong> Minas... oestado <strong>de</strong> São Paulo tem um programaem que pega um escritor e levapara sete ou oito ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s do interiorpara falar em bibliotecas. E to<strong>da</strong>s essasviagens são bem remunera<strong>da</strong>s. Eé claro que quando você faz isso estáa divulgar o seu trabalho. Eu acho quea literatura brasileira está a viver oseu melhor momento.peus, portanto a gente não pensa emPortugal como essencial no nosso imaginário.Não somos também africanos.E acho que o brasileiro médio gostaria<strong>de</strong> ser americano. O Brasil está numarota divergente <strong>da</strong> <strong>de</strong> Portugal. Enquantoa Europa está convivendo comproblemas económicos seríissimos,nós temos este ano a perspectiva <strong>de</strong>crescimento <strong>de</strong> oito por cento. Há umoptimismo generalizado. Esta administraçãoconseguiu trazer uma massa<strong>de</strong> muito pobres para uma classemédia mais remedia<strong>da</strong>. E esse medo<strong>da</strong> hegemonia brasileira provoca umarelação <strong>de</strong> rejeição ao Brasil. É umasituação preocupante nas relaçõesfuturas entre o Brasil e os PALOP.Que balanço faz dos anos Lula?É um marco. Vamos ter a história brasileiraantes e <strong>de</strong>pois do Lula. Algumascoisas são indiscutíveis. A estabili<strong>da</strong><strong>de</strong>económica. As bolsas, <strong>de</strong> família, <strong>de</strong>educação: são critica<strong>da</strong>s pela elite,mas no orçamento geral representamuma parcela ínfima, e no entanto conseguiramque circulasse dinheiro on<strong>de</strong>nunca circulou, e isso fez com queos brasileiros não passassem por essacrise. A estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> política: é o períodomais longo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> to<strong>da</strong>a história do Brasil. E como o Brasil“Enquanto a Europaestá convivendocom problemaseconómicosseríissimos, [o Brasiltem] a perspectiva<strong>de</strong> crescimento <strong>de</strong> oitopor cento (...).E o medo <strong>da</strong>hegemonia brasileiraprovoca uma relação<strong>de</strong> rejeição ao Brasil.É uma situaçãopreocupante nasrelações futuras entreo Brasil e os PALOP”se inseriu no plano global: nas minhasviagens, as pessoas conversavam comigopensando no Brasil como paísexótico, banana, futebol, mulata; hojevêm conversar sobre política. Issoé uma mu<strong>da</strong>nça extraordinária naimagem do país. E finalmente, nãohaver esses conflitos religiosos, existiruma certa harmonia.Agora, é claro que temos problemasgran<strong>de</strong>s. Na educação, não avançámosmuito: embora hoje seja universaliza<strong>da</strong>,ain<strong>da</strong> é ruim. Temos problemasna saú<strong>de</strong>: a oferta à população é precária,embora a gente tenha conseguidovencer a si<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneira que éexemplo para o <strong>mundo</strong>. Na questão<strong>da</strong> segurança, que já não tem mais aver com diferenças sociais, mas como tráfico <strong>de</strong> droga. E o problema <strong>da</strong>corrupção.Então, estou muito optimista, achoque estamos no melhor momento <strong>da</strong>história do Brasil, mas temos <strong>de</strong> resolveresses problemas estruturais.Você tem um projecto <strong>de</strong> escritapara preencher um vazio quesentia na literatura brasileira: ooperário, o trabalhador urbano.A minha mãe era analfabeta, meu paisemi-analfabeto. Eu apenas pensei napossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever quando naDo autor <strong>de</strong> A Tragédia <strong>de</strong> Fi<strong>de</strong>l Castro,«Por isso meus carosamigos e amigas, umavez que não fui euquem vos criou, moldouem barro e soprou avi<strong>da</strong>, receio não estar àaltura <strong>da</strong> vossa infi nitamal<strong>da</strong><strong>de</strong> nem ser capaz<strong>de</strong> vos acompanhar nosvossos <strong>de</strong>svarios maissanguinários (ninguém éperfeito). Sabei-lo melhordo que eu, porque,salvo raras excepções,quando a vossa natureza vos impele à matança não é o meunome que invocais.»www.sai<strong>da</strong><strong>de</strong>emergencia.comÍpsilon • Sexta-feira 21 Maio 2010 • 21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!