a dêxa também e o socopéTrazeime os silêncios todos que percorriMostraime os caminhos que não trilhei mas construíCelebraime anônimo na praça que não verei mas anteviIlhas! Clamaime vosso que na mortenão há desterro e eu morro. Coroaime hojede raízes de sândalo e ndombóSou filho da terra.Neste e noutros poemas, Inocência Mata identifica a voz de «sujeitosdesterritorializados que buscam, ainda hoje, um lugar simbólico no espaçogeocultural em que se nativizaram» (Mata 2007), isto é, os grupos etnoculturaistradicionalmente “excluídos” não apenas pelas práticas ‘discursivas’da sociedade colonial e póscolonial, mas também (e sobretudo) pelosistema de atribuição de cidadania política, econômica e social. As palavrasdo serviçal evidenciam, por outro lado, o fato dos fenômenos detransculturação celebrados por Tenreiro não corresponderem a formasconcretas de partilha do espaço público, da “praça” cuja construção (esentido) foi e continua a ser um processo elaborado por diferentes agentes esuas mútuas relações, que alteram de maneira constante o perfil identitáriode todos os sujeitos envolvidos, isto é, da própria “Casa”. É nesse sentidoque Conceição Lima constrói a autorepresentação no seu “Canto obscuro àsraízes”, poema que abre o segundo livro publicado, A Dolorosa Raiz doMicondó:Eu, Katona, exnativa de AngolaEu, Kalua, nunca <strong>mais</strong> em QuelimaneEu, nha Xica, que fugi à grande fomeEu que libertei como carta de alforriaeste dúbio canto e sua turva ascendência.Como observa Russell Hamilton «O foco de muitos dos poemas destesegundo livro está <strong>mais</strong> intimamente ligado num sentido genealógico àautobiografia e aos ancestrais da poeta que de África foram levados para asIlhas” (Hamilton: tradução livre). A instância autobiográfica tornasemodalidade poética reconfigurando as raízes históricas e culturais que sãocoletivas: ao traçar genealogias pessoais, a poesia de Conceição Limaentrelaça a sua própria autobiografia com a “biografia” da nação sãotomense.O que lemos na sua poesia são paisagens do “eu” e da nação e osmúltiplos fios que ligam a representação da identidade à representação doespaço, ela própria construída numa multiplicidade de dimensões queabrangem relações sincrônicas entre os vários grupos sociais e relaçõesdiacrônicas entre diferentes gerações de “sãotomenses”.
A evocação do projeto nacionalista e a desilusão pósindependência noplano local cruzamse e dialogam com o pensamento panafricanista,revelando o desencontro histórico entre os dois projetos que marcaram ahistória recente do pensamento africano. Sobre a leitura do projetonacionalista feita por Conceição Lima, leiase o poema “1975”, «cujo título»diz Inocência Mata é «enfatizada pela dedicatória, “à geração da Jota”:JMLSTP, “braço jovem” do MLSTP, partido da independência e do regimemonopartidário, organização juvenil a que a autora pertenceu» (Mata2006b:241)E quando te perguntaremresponderás que aqui nada aconteceusenão na euforia do poema.Diz que éramos jovens éramos sábiosE que em nós as palavras ressoavamcomo barcos desmedidosDiz que éramos inocentes, invencíveise adormecíamos sem remorsos sem presságiosDiz que engendramos coisas simples perigosas:caroceiros em floruma mesa de pedra a cor azulum cavalo alado de crinas furiosasOh, sim ! Éramos jovens, terríveismas aqui nunca o esqueças tudo aconteceunos mastros do poema.Ao por o projeto da nação a dialogar com o pensamento panafricanista,Conceição Lima recompõe na sua obra poética a densidade histórica epolítica desse espaço insular que pode constituir hoje um paradigma fecundopara a reflexão sobre os processos identitários contemporâneos em geral eafricanos em particular. Podese ler nesse sentido o longo poema “1953” emque se evoca o massacre de Batepá levado a cabo pela administraçãocolonial em São Tomé enquanto no continente Kwame Nkrumah, «oafricano», ia transformando a Costa de Ouro no Ghana independente de1957. Quatro anos depois, em 1961 as cinzas de Lumumba adubam a terrado Congo, cuja população no Leste da Republica Democrática do Congoestá a ser alvo de massacres étnicos e se encontra à beira de uma catástrofehumanitária neste momento em que nos encontramos …e inspiraram estepoema inédito que Conceição Lima enviou para ser lido na Fliporto.