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Texto Complementar 1.2. Straub - Saude e doença

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<strong>Straub</strong>. O. (2005). Psicologia da saúde. Atrmed: Porto Alegre. Cap. 1.SAÚDE E DOENÇA: LIÇÕES DO PASSADOMesmo que todas as civilizações tenham sido afetadas por doenças, cada uma delascompreendia e tratava a doença de formas diferentes. Em uma certa época, nossos ancestraispensavam que a doença era causada por demônios. Em outra, eles diziam que era uma forma depunição pela fraqueza moral. Atualmente, lutamos com questões como: "será que a doença pode sercausada por uma personalidade doentia?” Vejamos de que maneiras as nossas visões com relação àsaúde e à doença mudaram no decorrer da história. (Talvez você queira utilizar a Figura 1.1 durante adiscussão seguinte para ter um senso da cronologia da mudança nas visões sobre saúde e doença).Visões AntigasMedicina pré-históricaOs esforços de nossos ancestrais para curar doenças podem ser traçados até 20 mil anos atrás.Uma pintura feita em uma caverna no sul da França, por exemplo, que se acredita ter 17 mil anos deidade, mostra o xamã da idade do gelo vestindo a máscara animal de um antigo curandeiro. Emreligiões que se baseiam em uma crença em espíritos bons e maus, somente um xamã (sacerdote oupajé) pode influenciar esses espíritos. Para homens e mulheres pré-industriais, que enfrentavam asforças freqüentemente hostis de seu ambiente, a sobrevivência baseava-se na vigilância constantecontra essas misteriosas forças do mal. Quando uma pessoa ficava doente, não havia uma razão físicaóbvia para tal fato; pelo contrário, a condição do indivíduo acometido era erroneamente atribuída a umafraqueza frente a uma força mais forte, feitiçaria ou possessão por um espírito do mal (Amundsen,1996).O tratamento era duro e consistia de rituais de feitiçaria, exorcismo e uma forma primitiva decirurgia chamada de trepanação. Muitos arqueólogos já desenterraram crânios humanos pré-históricoscontendo buracos irregulares que aparentemente haviam sido perfurados por antigos curandeiros parapermitir que os demônios que causavam a doença deixassem o corpo do paciente. A trepanação erapraticada em pessoas vivas e mortas, sugerindo que essa prática desempenhava um importante papelem cerimônias culturais ou religiosas além do tratamento da saúde. Registros históricos indicam que a1


trepanação era uma forma de tratamento amplamente praticada na Europa, no Egito, na Índia e naAmérica Central e do Sul. Aproximadamente 4 mil anos atrás, algumas pessoas notaram que a higienetambém desempenhava um papel na saúde e na doença e fizeram tentativas de melhorar a higienepública. Os antigos egípcios, por exemplo, realizavam rituais de limpeza para impedir que vermescausadores de doenças infestassem o corpo. Na Mesopotâmia (parte da qual localizava-se onde hoje éo Iraque), fabricava-se sabão, projetavam-se instalações sanitárias e construíam-se sistemas para otratamento de esgotos públicos (Stone, Cohen e Adler, 1979).Medicina grega e romanaOs avanços mais expressivos em saúde pública e saneamento foram feitos na Grécia e em Romadurante os séculos VI e V a.C. Em Roma, um grande sistema de drenagem, a Cloaca Maxima, foiconstruído para drenar um pântano que mais tarde se tornaria o lugar do Fórum romano. Com o tempo,a Cloaca assumiu as funções de um sistema de esgotos moderno. Banheiros públicos, para os quaishavia uma pequena taxa de admissão, eram comuns em Roma por volta do século I a.C. (Canwrlght,1972).O primeiro aqueduto trouxe água pura para Roma já em 312 a.C., e a limpeza das vias públicasera supervisionada pelos aediles, um grupo de oficiais indicados que também controlavam o suprimentode alimentos. Os aediles criavam normas para garantir que a carne e outros alimentos perecíveisestivessem frescos e organizavam o armazenamento de grandes quantidades de grãos, por exemplo,no esforço para prevenir a fome (Cartwright, 1972). Na Grécia, o filósofo grego Hipócrates (cerca de 460a 377a.C.) estabeleceu as raízes da medicina ocidental quando se rebelou contra o antigo foco nomisticismo e na superstição. Hipócrates, freqüentemente chamado de "o pai da medicina moderna", foi oprimeiro a afirmar que a doença era uma fenômeno natural e que suas causas (e, portanto, seutratamento e prevenção) podem ser conhecidos e merecem estudos sérios. Dessa forma, ele construiua base mais antiga para uma abordagem científica da cura. Hipócrates propôs a primeira explicaçãoracional para o fato das pessoas adoecerem. Segundo sua teoria humoral, um corpo e uma mentesaudáveis resultavam do equilíbrio entre quatro fluidos corporais chamados de humores: sangue, bileamarela, bile negra e fleuma. Para manter o balanço adequado, o indivíduo deveria seguir um estilo devida saudável, incluindo exercícios, descanso suficiente, boa dieta e evitar excessos. Quando oshumores estavam desequilibrados, contudo, o corpo e a mente seriam afetados de maneiras previsíveis,dependendo de qual dos quatro humores estivesse em excesso. Um excesso de sangue, por exemplo,2


contribuía para uma personalidade sangüínea (otimista e alegre). Embora uma personalidade alegrepossa parecer desejável, Hipócrates acreditava o contrário: sangue demais, dizia ele, aumentava asuscetibilidade da pessoa a epilepsia, angina, disenteria e artrite. O tratamento para o excesso desangue consistia em flebotomia (a abertura de uma veia para remover sangue), banhos frios e enemas.A pessoa fleumática, que tinha excesso de fleuma, era triste, lânguida e lenta. Como resultado, erapropensa a dores de cabeça, resfriados e acidentes vasculares cerebrais.O tratamento consistia embanhos quentes, diuréticos e ervas que induzissem a náusea. A pessoa colérica, que tinha um excessode bile amarela e um temperamento ardente necessitava de um tratamento para úlceras na boca,icterícia e distúrbios estomacais. Encontrava-se alívio por meio de sangrias, dietas líquidas, enemas ebanhos refrescantes. Uma pessoa melancólica possuía bile negra demais; uma disposição triste esorumbática (daí o termo melancolia) era o resultado provável. Também se esperava que essa condiçãocontribuísse para a ocorrência de úlceras e hepatite, que poderiam ser tratadas com uma dieta especial,banhos quentes, eméticos (drogas que induzem o vômito) e queima de tecido corporal com um ferroquente (cauterização).Ainda que a teoria humoral tenha sido descartada à medida que foram feitos avanços emanatomia, fisiologia e microbiologia, a noção sobre os traços da personalidade estarem ligados aosfluidos corporais persiste na medicina popular e alternativa de muitas culturas. Além disso, comoveremos no próximo capítulo, atualmente sabemos que muitas doenças envolvem um desequilíbrio (decena forma) entre os neurotransmissores do cérebro, de modo que Hipócrates não estava tão errado.Hipócrates fez muitas outras contribuições notáveis para uma abordagem científica da medicina. Porexemplo, para aprender quais eram os hábitos pessoais que contribuíam para a gota, uma doençacausada por perturbações no metabolismo corporal do ácido úrico, ele conduziu uma das primeiraspesquisas de saúde pública a respeito dos hábitos daqueles que sofriam da doença, como suatemperatura corporal, freqüência cardíaca, respiração e outros sintomas físicos. Ele também apontou aimportância das emoções e pensamentos de cada um dos pacientes com relação a sua saúde etratamento e, assim, chamou a atenção para os aspectos psicológicos da saúde e da doença.A próxima grande figura na história da medicina ocidental foi o médico Claudius Galeno (cerca de129 a 200 d.C.). Grego por nascimento passou muitos anos em Roma, conduzindo estudos dedissecação de animais e tratando os ferimentos graves dos gladiadores romanos, dos quais eleaprendeu grande parte do que anteriormente não se sabia a respeito da saúde e da doença. Galenoescreveu volumes a respeito da anatomia, higiene e dieta, construídos sobre as bases hipocráticas da3


explicação racional e da descrição cuidadosa dos sintomas físicos de cada paciente.Galeno também expandiu a teoria humoral da doença, desenvolvendo um sistema elaborado defarmacologia que os médicos seguiram por quase 1.500 anos. Seu sistema era fundamentado na noçãode que cada um dos quatro humores do corpo tinha sua própria qualidade elementar que determinava ocaráter de doenças específicas. O sangue, por exemplo, era quente e úmido. Ele acreditava que asdrogas também tinham qualidades elementares; assim, uma doença causada pelo excesso de humorquente e úmido poderia apenas ser curada com drogas que fossem frias e secas. Embora essas visõespossam parecer arcaicas, a farmacologia de Galeno era lógica, baseada em observações cuidadosas, esemelhante aos antigos sistemas de medicina que surgiram na China, Índia e em outras culturas nãoocidentais.Muitas formas de medicina alternativa ainda usam idéias semelhantes hoje em dia.Medicina não-ocidentalAo mesmo tempo em que a medicina ocidental estava emergindo, tradições de cura tambémeram formadas em outras culturas. Por exemplo, há mais de 2 mil anos, os chineses desenvolveram umsistema integrado de cura, que conhecemos atualmente como medicina chinesa tradicional. A medicinachinesa tradicional está fundamentada no princípio de que a harmonia interna é essencial para a boasaúde. Fundamental para essa harmonia é o conceito de qi (às vezes escrito como chi), uma energiavital ou força de vida que oscila com as mudanças no bem-estar mental, físico e emocional de cadapessoa. A acupuntura, a terapia com ervas, a meditação e outras intervenções supostamente restaurama saúde, corrigindo bloqueios e desequilíbrios no qi.Ayurveda é o mais antigo sistema médico conhecido no mundo. Tem sua origem na Índia emtorno do século VI a.C., coincidindo aproximadamente com a vida de Buda. A palavra ayurveda vem dosânscrito ayuh, que significa longevidade, e veda, conhecimento. Praticado amplamente na Índia, aayurveda baseia-se na crença de que o corpo humano representa o universo inteiro em um microcosmoe que a chave para a saúde é manter um equilíbrio entre o corpo microcósmico e o mundomacrocósmico. A chave para essa relação está no equilíbrio entre três humores corporais, ou doshas:vata, pitta e kapha, ou coletivamente, o tridosha (Fugh-Berman, 1997). Iremos explorar a história, astradições e a eficácia dessas e de outras formas não-ocidentais de medicina no Capítulo 14.A Idade Média e a RenascençaA queda do império romano no século V d.C. abriu as portas para a Idade Média (476 a cerca de4


1450), uma época situada entre tempos antigos e modernos e caracterizada pelo retomo as explicaçõessobrenaturais da saúde e da doença. Em uma época em que a Igreja exercia uma influência poderosasobre todas as áreas da vida, interpretações religiosas coloriam as idéias dos cientistas medievais arespeito da saúde e da doença. Aos olhos da igreja cristã medieval, os seres humanos eram criaturascom livre arbítrio, que não estavam sujeitas às leis da natureza. Como possuíam alma, os humanos e osanimais não eram considerados objetos apropriados para o escrutínio científico, e a dissecação deambos era estritamente proibida. A doença era vista como punição de Deus por algum mal realizado eacreditava-se que doenças epidêmicas, como os dois grandes surtos de peste (uma doença bacterianaconduzida por ratos e outros roedores) que ocorreram durante a Idade Média, eram um sinal da ira deDeus. A Igreja passou a controlar as práticas da medicina e o "tratamento" freqüentemente envolviatentativas de expulsar espíritos do mal do corpo de pessoas doentes.Embora os leais seguidores de Hipócrates e Galeno continuassem a promover uma abordagemcientífica, a maioria dos médicos medievais enfatizava a feitiçaria, a demonologia e outras formasmísticas de tratamento. E, assim, houve poucos avanços científicos na medicina européia por 1.500anos.No final do século XV, nascia uma nova era, a Renascença. Começando com o ressurgimento dainvestigação científica, esse período presenciou a revitalização do estudo da anatomia e da práticamédica. O tabu envolvendo a dissecação humana foi suficientemente removido, ao ponto do anatomistae artista flandrense Andréas Vesalius (1514 - 1564) conseguir publicar um estudo composto por setevolumes dos órgãos internos, musculatura e sistema esquelético do corpo humano. Filho de umfarmacêutico, Vesalius era fascinado pela natureza, especialmente pela anatomia dos seres humanos edos animais. Em sua busca pelo conhecimento, nenhum cachorro vadio, gato ou rato estava livre do seubisturi.Na escola de medicina, Vesalius passou a dissecar cadáveres humanos. Suas descobertasprovaram que algumas das teorias de Galeno e dos médicos antigos estavam claramente incorretas.Como pôde, pensou ele, uma autoridade inquestionável como Galeno ter feito tantos erros ao descrevero corpo? Então compreendeu o porquê: Galeno nunca havia dissecado um corpo humano. Vesaliusentendeu que o propósito de sua vida era escrever o estudo oficial da anatomia humana. Esses volumestornaram-se os fundamentos de uma nova medicina científica, fundamentada na anatomia (Sigerist,1958, 1971).Um dos mais influentes pensadores da Renascença foi o filósofo e matemático francês René5


Descartes (1596 - 1650), cuja primeira inovação foi o conceito do corpo humano como uma máquina.Ele descreveu todos os reflexos básicos do corpo, construindo, nesse processo, elaborados modelosmecânicos para demonstrar seus princípios. Ele acreditava que a doença ocorria quando a máquinaestragava; a tarefa do médico era consertar a máquina. Descartes é conhecido por sua crença de que amente e o corpo são processos separados e autônomos, que interagem de forma mínima e que cadaum deles está sujeito a diferentes leis de causalidade. Esse ponto de vista, chamado de dualismomente-corpo (ou dualismo cartesiano), baseia-se na doutrina de que os seres humanos possuem duasnaturezas, a mental e a física. Descartes e outros grandes pensadores da Renascença, em um esforçopara romper com o misticismo e as superstições do passado, rejeitavam vigorosamente a noção de quea mente influencia o corpo. O estudo (não-científico) da mente era relegado à religião e à filosofia,enquanto o estudo (científico) do corpo era reservado à medicina. Esse ponto de vista abriu caminhopara uma nova era de pesquisas médicas, fundamentadas na confiança na ciência e no pensamentoracional.O racionalismo da pós-renascençaApós a Renascença, esperava-se que os médicos se concentrassem exclusivamente nas causasbiológicas da doença. Cem anos após Vesalius, o médico italiano Giovanni Morgagni (1682 - 1771)publicou o primeiro livro didático de anatomia médica. Com base em seus achados de centenas deautópsias humanas, Morgagni promoveu a idéia de que as causas de muitas doenças residem emproblemas nos órgãos internos e nos sistemas muscular e esquelético do corpo. Enfim, a antiga teoriahumoral de Hipócrates poderia ser descartada em favor dessa nova teoria anatômica da doença.A ciência e a medicina mudaram rapidamente durante os séculos XVII e XVIII, motivadas pornumerosos avanços na tecnologia. Apesar de Galileu ter construído o seu primeiro termômetro em1592, ele não tinha escala para medir e propiciava apenas indicações grosseiras da variação datemperatura. Um importante passo adiante na ciência da medição da temperatura ocorreu em 1665,quando Christian Huygens (1629 -1695) propôs uma escala fixa em que os pontos de congelamento ede ebulição da água eram designados como sendo "O" e "100", respectivamente a origem do sistemacentígrado. Por volta do final do século XVII, o uso clínico da termometria (a mensuração datemperatura) estava amplamente disseminado.Talvez a mais importante invenção na medicina durante esse período tenha sido o microscópio.Embora o uso de uma lente para aumento já fosse conhecido em épocas antigas, foi um mercador de6


tecidos dinamarquês chamado Anton van Leeuwenhoek (1632 - 1723) quem construiu o primeiromicroscópio prático. Com um poder de aumento de 270 vezes, esse microscópio permaneceuinigualável até o século XIX (Lyons e Petrucelli, 1978). Usando esse microscópio, ele foi o primeiro aobservar células sangüíneas e a estrutura básica dos músculos. O cientista inglês Robert Hooke (1635 -1703), contemporâneo de Leeuwenhoek, construiu seu próprio microscópio e observou que os tecidosdas plantas continham muitas cavidades pequenas separadas por paredes. Hooke chamou essascavidades de "células" ou "pequenas câmaras" e suas observações tomaram-se o fundamento da teoriado século XIX de que a célula era a unidade básica de todos os organismos vivos.Descobertas do século XIXUma vez que as células individuais tomaram-se visíveis, o cenário estava pronto para RudolfVirchow (1891 - 1902) esboçar a teoria celular da doença - a idéia de que a doença resulta dofuncionamento incorreto ou da morte das células corporais. Como ocorre freqüentemente na ciência,problemas práticos levam ao entendimento mais profundo da doença. Em uma interessante série deexperimentos, o cientista francês Louis Pasteur (1822 - 1895) isolou a bactéria responsável pela doençado bicho-da-seda, que ameaçava a indústria da seda na França. E, após provar que um microrganismocausava a raiva, ele desenvolveu a primeira vacina eficaz contra ela. Porém, a contribuição maisimportante de Pasteur para a medicina veio em 1862, quando ele sacudiu o mundo médico comdiversos experimentos meticulosos que mostravam que a vida apenas pode existir a partir da vida jáexistente. Até o século XIX, os estudiosos acreditavam na geração espontânea - a idéia de que os organismosvivos podem ser formados a partir de matéria não viva. Por exemplo, pensava-se que as larvase as moscas surgiam automaticamente de carne podre. Para testar a hipótese de que a vida não podeser formada a partir da não-vida, Pasteur encheu dois frascos com um líquido semelhante a mingau,aquecendo ambos até o ponto de ebulição para matar qualquer organismo presente. Um dos frascostinha a boca larga, por onde o ar poderia fluir com facilidade. O outro frasco também ficava aberto, mastinha um pescoço curvo, impedindo que as bactérias presentes no ar caíssem no líquido. Para surpresados céticos, nenhum crescimento ocorreu no frasco curvo. Entretanto, no frasco com o bico comum,microrganismos contaminaram o líquido e multiplicaram-se com rapidez. Mostrando que uma soluçãogenuinamente esterilizada permaneceria sem vida, Pasteur abriu caminho para o desenvolvimentoposterior de procedimentos cirúrgicos assépticos (livre de germes). Ainda mais importante, o desafio dePasteur contra uma crença com 2 mil anos de idade é uma poderosa demonstração da importância de7


manter a mente aberta na investigação científica. As descobertas de Pasteur também ajudaram amoldar a teoria dos germes da doença - que afirma que bactérias, vírus e outros microrganismos queinvadem as células do corpo fazem com que elas funcionem de maneira imprópria. A teoria dos germes,que é um aperfeiçoamento da teoria celular, forma a base teórica da medicina moderna. Após Pasteur,o conhecimento e os procedimentos médicos desenvolveram-se rapidamente. Em 1846, William Morton(1819-1868), um dentista norte-americano, introduziu o gás éter como anestésico. Esse grande avançopossibilitou a operação em pacientes, os quais não experimentavam dor e permaneciam completamenterelaxados. Cinqüenta anos mais tarde, o médico alemão Wilhelm Roentgen (1845 -1943) descobriu oraio X e, pela primeira vez, os médicos puderam observar os órgãos internos de forma direta. Antes dofinal do século, os pesquisadores haviam identificado os microrganismos que causavam uma variedadede doenças, incluindo malária, pneumonia, difteria, lepra, sífilis, peste bubônica e febre tifóide. De possedessas informações, a medicina começou a controlar doenças que haviam acossado o mundo desde aAntigüidade.O século XX e o início de uma nova eraÀ medida que o campo da medicina continuava a avançar, durante a primeira arte do século XX,apoiava-se cada vez mais na fisiologia e na anatomia, em vez do estudo de pensamentos e emoções,na busca por uma compreensão mais profunda da saúde e da doença. Assim, nascia o modelobiomédico de saúde, sustentando que doença sempre tem causas biológicas. Motivado pelo ímpeto dasteorias celular e dos germes, esse modelo tornou-se aceito de forma ampla durante o século XIX, econtinua a representar a visão dominante na medicina hoje em dia.O modelo biomédico apresenta três características distintas. Em primeiro lugar, pressupõe que adoença é o resultado de um patógeno - um vírus, uma bactéria ou algum outro microrganismo queinvade o corpo. O modelo não faz menção as variáveis psicológicas, sociais ou comportamentais nadoença. Nesse sentido, o modelo biomédico é reducionista, considerando que fenômenos complexos(como a saúde e doença) são essencialmente derivados de um único fator primário. Em segundo, essemodelo tem como base a doutrina cartesiana do dualismo mente-corpo que, como vimos, considera-osentidades separadas e autônomas que não interagem. Finalmente, de acordo com esse padrão, asaúde nada mais é do que a ausência de doenças. Dessa forma, aqueles que trabalham apoiadosnessa perspectiva concentram-se em investigar as causas das doenças físicas em vez daqueles fatoresque promovem a vitalidade física, psicológica e social.8


Medicina psicossomáticaO modelo biomédico, por intermédio de seu foco nos patógenos, avançou o tratamento de saúdede maneira significativa. Entretanto, foi incapaz de explicar transtornos que não apresentavam causafísica observável como aquelas descobertas por Sigmund Freud (1856-- 1939), que inicialmente obteveformação como médico. As pacientes de Freud exibiam sintomas como perda da fala, surdez e atéparalisia. Um caso particularmente intrigante envolveu uma paciente que relatou perda completa dassensações em sua mão direita. Freud acreditava que esse mal, que ele chamou de "anestesia de luva",era causado por conflitos emocionais inconscientes "convertidos" em forma física. Freud rotulou essasdoenças de transtornos de conversão, e a comunidade médica viu-se forçada a aceitar uma novacategoria de doença.A idéia de que determinadas doenças poderiam ser causadas pelos conflitos psicológicos doindivíduo foi desenvolvida durante a década de 1940 pelo trabalho do psicanalista Franz Alexander.Quando os médicos não conseguiam encontrar agentes infecciosos ou outras causas diretas para artritereumática, Alexander ficava intrigado pela possibilidade de que fatores psicológicos pudessem estarenvolvidos. Segundo o seu modelo do conflito nuclear, a presença de determinados conflitosinconscientes pode levar à presença de queixas físicas (Alexander, 1950). Ou seja, cada doença física éo resultado de um conflito psicológico fundamental ou nuclear. Por exemplo, acreditava-se queindivíduos com "personalidade reumática", que tendem a reprimir a raiva e são incapazes de expressaras emoções, seriam propensos a desenvolver artrite. Descrevendo com cuidado um grande número detranstornos físicos que eram presumivelmente causados por conflitos psicológicos, Alexander ajudou aestabelecer a medicina psicossomática, um movimento reformista dentro da medicina, denominado emdecorrência das raízes psico, que significa mente, e soma, que significa corpo. Por definição, a medicinapsicossomática diz respeito ao diagnóstico e ao tratamento de doenças físicas supostamente causadaspor processos deficientes na mente. Esse novo campo floresceu e, logo, o periódico PsychosomaticMedicine publicou explicações psicanalíticas para uma variedade de problemas de saúde, incluindohipertensão, enxaquecas, úlceras, hipertireoidismo e asma brônquica.A medicina psicossomática era intrigante e parecia explicar o inexplicável. Entretanto, tinhadiversas fraquezas, que fizeram com que fosse desfavorecida. A mais significativa delas é o fato de quese fundamentava na teoria freudiana. À medida que a ênfase de Freud em motivações inconscientes eirracionais na formação da personalidade perdeu popularidade, o campo da medicina psicossomáticacomeçou a declinar. Além disso, a medicina psicossomática foi questionada pela categorização9


aparentemente arbitrária de algumas doenças como sendo de natureza completamente física e outracompletamente psicológica. Outra crítica à medicina psicossomática era metodológica: ou seja, apesquisa era fundamentada principalmente em estudos de caso de pacientes individuais, que está entreos métodos mais antigos, mas menos confiáveis (ver Capítulo 2). Qualquer caso individual pode seratípico e, portanto, enganoso, como a base para uma teoria geral. A crítica final é que a medicinapsicossomática, como o modelo biomédico, apoiava-se no reducionismo - nesse caso, a idéia obsoletade que um único problema psicológico ou defeito de personalidade seria suficiente para desencadear adoença. Atualmente sabemos que a doença, assim como a boa saúde, baseiam-se na interaçãocombinada de fatores múltiplos, incluindo a hereditariedade, o ambiente e a formação psicológicaindividual.Embora a psicanálise de Freud e a medicina psicossomática estivessem comprometidas de formacrítica, elas formaram as bases para a nova apreciação das conexões entre a medicina e a psicologia.Elas deram início à tendência contemporânea de ver a doença e a saúde como algo multifatorial. Issosignifica que muitas doenças são causadas pela interação entre diversos fatores, em vez de uma únicabactéria ou agente viral invasor. Entre estes, estão fatores do hospedeiro (como vulnerabilidade ouresiliência genética), fatores ambientais (como exposição a poluentes ou químicos perigosos),fatorescomportamentais (como dieta, exercícios, hábito de fumar) e fatores psicológicos (como otimismo e"tenacidade" geral).Medicina comportamentalDurante a primeira metade do século XX, o Behaviorismo, liderado por John Watson (1878 -1958), Edward Thorndike (1874 - 1945) e B. F. Skinner (1904 1990), dominou a psicologia norteamericana.Na sua disciplina introdutória, os behavioristas definem a psicologia como o estudo científicodo comportamento observável. Eles afirmam, além disso, que apenas dois tipos de aprendizagemexplicam a maioria dos comportamentos: o condicionamento clássico (também chamadocondicionamento pavloviano) ou o aprendizado que ocorre quando aprendemos a associar doisestímulos ambientais que ocorrem simultaneamente; e o condicionamento operante, por meio do qual ocomportamento é fortalecido quando seguido por uma conseqüência desejável (reforço) ou enfraquecidoquando seguido por uma conseqüência indesejável (punição).No início da década de 1970, os profissionais conceberam a idéia de um campo de medicinacomportamental como resposta direta ao Behaviorismo. Assim, o novo campo começou a explorar o10


papel do condicionamento clássico e operante na saúde e na doença. Um de seus primeiros sucessosfoi a pesquisa de Neal Miller (1909), que utilizou técnicas de condicionamento operante para ensinarcobaias (e posteriormente seres humanos) a adquirirem controle sobre certas funções corporais. Millerdemonstrou, por exemplo, que as pessoas podem adquirir algum nível de controle sobre sua pressãosangüínea e relaxar a freqüência cardíaca quando estiverem cientes desses estados. A técnica deMiller, chamada de biofeedback, é discutida de forma mais detalhada no Capítulo 4.Embora a fonte da medicina comportamental tenha sido o movimento behaviorista na psicologia,uma característica distinta desse campo é sua natureza interdisciplinar. A medicina comportamentalatrai membros de campos tão diversos quanto a antropologia, a sociologia, a biologia molecular; agenética, a bioquímica e a psicologia, além de profissões ligadas à área da saúde, como enfermagem,medicina e odontologia.O surgimento da psicologia da saúdeEm 1973, a American Psychological Association (APA) indicou uma força-tarefa para explorar opapel da psicologia no campo da saúde, a fim de determinar se a psicologia permaneceria apenas sob acategoria de medicina comportamental ou estabeleceria um campo distinto, com seus próprios objetivose focos. Com base nas recomendações obtidas, em 1978, a APA criou a divisão de psicologia da saúde(Divisão 38). Após quatro anos, foi publicado o primeiro volume de seu periódico oficial, HealthPsychology. Nessa edição, Joseph Matarazzo, o primeiro presidente da divisão, estabeleceu os quatroobjetivos do novo campo: -Estudar de forma científica as causas e origens de determinadas doenças, ouseja, a sua etiologia. Os psicólogos da saúde estão principalmente interessados nas origenspsicológicas, comportamentais e sociais da doença. Eles investigam por que as pessoas se envolvemem comportamentos que comprometem a saúde, como o hábito de fumar e o sexo inseguro. -Promovera saúde. Eles se preocupam com questões sobre como fazer as pessoas realizarem comportamentosque promovam a saúde, como praticar exercícios regularmente e comer alimentos nutritivos. -Prevenir etratar doenças. Eles projetam programas para ajudar as pessoas a parar de fumar, perder peso,administrar o estresse e minimizar outros fatores de risco de uma saúde fraca. Eles também auxiliamaquelas que já estão doentes, em seus esforços para adaptarem-se a suas doenças ou obedecerem aregimes de tratamento difíceis. -Promover políticas de saúde pública e o aprimoramento do sistema desaúde pública. Os psicólogos da saúde são bastante ativos em todos os aspectos da educação para asaúde e reúnem-se com freqüência com os líderes governamentais que formulam políticas públicas na11


tentativa de melhorar os serviços de saúde para todos os indivíduos.Uma questão natural que surge ao se ler esses objetivos seria: "de que forma a psicologia dasaúde difere da medicina comportamental?" A resposta é "não difere muito". A distinção entre os doiscampos sempre foi uma fonte considerável de confusão. Para eliminar essa confusão, será feitareferência à medicina comportamental como o campo interdisciplinar que integra a ciênciacomportamental e biomédica visando a promover a saúde e a tratar doenças. E, conforme explicamosno começo do capítulo, psicologia da saúde é o subcampo da psicologia que diz respeito aoaprimoramento da saúde e à prevenção e tratamento da doença por meio de princípios psicológicosbásicos.12

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