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ENSINO DA ARTE, FORMAÇÃO DOS SENTIDOS E ... - anpap

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18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia<strong>ENSINO</strong> <strong>DA</strong> <strong>ARTE</strong>, FORMAÇÃO <strong>DOS</strong> SENTI<strong>DOS</strong> E LEITURA <strong>DA</strong> IMAGEM:REFLEXÕES SOBRE O QUE PARECE EXPLICADOConsuelo Alcioni B. D. SchlichtaProfessora do Departamento de Artes - SCHLA - UFPRMestre em Educação e Doutora em História - UFPRRESUMOHoje, muitos estudiosos da antropologia, da sociologia, da arte, da história, entreoutros campos, a partir de diferentes ângulos, abordam questões relativas às práticasde leitura, com destaque para a análise sobre as fronteiras e imbricações existentesentre o legível e o visível. A leitura das representações artísticas, portanto, exige umaanálise interna, relativa às formas e conteúdos (assimilação da sua transparência oudo que se quer mostrar) e externa, pautada na análise crítica das suas intenções esignificados (da sua opacidade ou do que não se vê), pois não são isentas deinteresse. Exige também conhecimento pois, longe de ser uma absorção passiva dorepertório de alguém, requer do apreciador um esforço de interpretação dasrepresentações para percebê-las como a expressão de outro sujeito e como umamensagem a ser compreendida.Palavras-chave: formação dos sentidos, leitura, representação, ensino da arte.ART TEACHING, FORMATION OF IMAGE MEANINGS AND READING:REFLECTIONS ON WHAT IT SEEMS TO BE EXPLAINE<strong>DA</strong>BSTRATNowadays, several experts at anthropology, sociology, art and history, among otherareas, have different approaches to issues concerning reading practices, mainly whenit refers to the imbrications and limits between what is readable and what is visible.Reading artistic representations requires internal analysis of forms and contents(assimilating their transparency or what they want to show us), and external analysisbased on the critical analysis of their intentions and meanings (their opacity or what wecannot see) since they are not exempted from interest. It also requires knowledge,seeing that such reading is not a passive absorption of a person repertory and needs aspecial effort to interpret artistic representations and perceive them as another personexpression, a message to be understood.Key-words: meaning formation; reading, representation; art teaching.Hoje, muitos estudiosos da antropologia, da sociologia, da arte, dahistória, entre outros campos, a partir de diferentes ângulos, abordam questõesrelativas às práticas de leitura, principalmente as fronteiras e imbricaçõesexistentes entre o legível e o visível (MARIN, 2000, p. 19), problemática, semsombra de dúvida, relevante para os educadores em arte.3212


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahiaimpressa, transborda a própria leitura graças a elementos e efeitos devisualização ou de iconização que, embora sejam 'marginais', não são de modoalgum inocentes". (MARIN, 2000, p.19)Concluímos, então, que as atividades de leitura – no sentido de ver alémda transparência, apreendendo a imagem na sua opacidade; de apropriação ede construção dos seus significados – são de extrema importância,especialmente no âmbito da escola. Primeiro, porque se conectam com anecessidade de se oferecer alternativas aos alunos para que aprendam aorientar-se e a encontrar sentidos e pontos de referência que lhes permitaminterpretar não só as representações mas a realidade mesma; sobretudolevando-se em conta que as imagens que aparecem nos livros didáticos,muitas vezes, constituem a única ou boa parte da produção artística que agrande maioria tem acesso. Segundo, porque, embora os meios decomunicação apresentem uma falsa idéia de que é “naturalmente fácil” ler umaimagem, o educador e pesquisador em arte não pode esquecer que a leiturarealizada por um aluno com conhecimento precário dos códigos próprios dessetipo de representação é de caráter mais emotivo que cognitivo. Emconseqüência, não consegue compreender e interpretar o significado de umaimagem para além da sua aparência imediata, não superando, nesse tipo deleitura, o nível descritivo ou transparente da representação.Sem dúvida, ainda que fazendo parte da mesma totalidade, grande partedos estudos no campo do ensino da arte tem considerado as práticas deapreciação ou consumo do ponto de vista metodológico, esquecendo-se que oensino é um processo ao mesmo tempo teórico e prático e que, sepretendemos superar a dicotomia conteúdo-forma, não podemos perder devista que o método não pode ser considerado em si mesmo, pois as formas “sófazem sentido na medida em que viabilizam o domínio de determinadosconteúdos” (SAVIANI, 1992, p. 72). Em outras palavras, inovar apenasmetodologicamente é perder de vista que o procedimento é sempre uma formaespecífica de abordar um determinado conteúdo. Aliás, como afirmaWachowicz: “a área do conhecimento que se quiser abarcar é determinantedos procedimentos metodológicos que deverão ser adotados; o que já3215


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahiarepresenta uma tomada de posição no que concerne à metodologia do ensino”(1991, p. 20).Trazendo esse raciocínio para a reflexão sobre as formas de fazerrelativas ao seu ensino, parece evidente que saber ver uma obra de artepressupõe o domínio do conhecimento artístico necessário à compreensão dosseus sentidos ou daquilo que pretende exprimir. Daí a importância da escola:talvez o único lugar de acesso ao saber artístico para o conjunto dos alunosoriundos da classe trabalhadora. Contudo, não há como ignorar que o Ensinode Arte continua em um patamar secundário, dividindo com a Educação Física“o privilégio de serem ambas rejeitadas, explicitamente ou não, ao se ingressarno território da escola”. (PORCHER, 1982, p. 13)Em decorrência desse quadro é bom lembrar que, tal como se necessitaaprender a ler um texto é fundamental no processo ensino-aprendizagemaprender a ver um quadro, pois tanto um idioma, quanto uma pintura resultamde convenções construídas historicamente. Ou seja, não é suficiente olhar umaimagem, é necessário saber ver. Porém, muito do que é feito, no pouco tempodedicado ao ensino-aprendizagem da arte, via de regra, permanece a velhaprática centrada no domínio das técnicas como um puro fazer, complementadapelos exercícios de “releitura de obras de arte” que, na nossa visão, boaparcela dos educadores em arte, premida pela exigência de respostasimediatas impostas pela pragmática do cotidiano escolar, foram incorporadosde modo aligeirado.Parece-nos que isso decorreda indefinição conceitual que está na base da grande maioria dasproduções teóricas, e que é a clara indefinição que se verifica na vidareal dos homens, na medida que o momento presente se caracterizapela dissolução das relações sociais que fundamentam estasociedade e a produção de novas relações que a nossacompreensão, ainda presa à velha forma, não consegue apreendercom clareza. (KLEIN, 1996, p. 25-26)Por outro lado, é compreensível também a visão equivocada de que aposse desse conjunto de saberes é um processo que se dá espontaneamente.A idéia, ainda reinante, de que a arte, tanto do ponto de vista da sua produçãoquanto da sua apreciação, é uma prática restrita aos talentosos, endossadapela concepção de que é uma “atividade irracional e misteriosamente3216


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahiainspirada” (PORCHER, 1982, p. 15), leva-nos a esquecer que a percepção, asensibilidade estética requerida na “leitura” de um quadro não é um atributoinato ao sujeito, mas, construída. Em outras palavras,é, por um lado, uma forma específica da sensibilidade humana, e, poroutro, é uma forma superior dela, enquanto expressa – em toda a suariqueza e plenitude – a verdadeira relação humana com o objetocomo confirmação das forças essenciais humanas nele objetivadas. Asensibilidade estética coloca-nos em relação com objetos queexpressam um determinado conteúdo humano, através de sua formaconcreto-sensível. Estes objetos estéticos são, antes de mais nada,os que o próprio homem cria, estruturando de certo modo umamatéria dada, a fim de dotá-la de uma expressividade humana queem si não possui (VÁZQUEZ, 1978, p. 86).A produção da arte constitui, nesse sentido, uma forma de apropriaçãoda realidade humano-social pelo artista que, para realizar-se como tal,necessita de uma nova apropriação, que só se concretiza no consumo. “Oobjeto de arte - tal como qualquer outro produto - cria um público capaz decompreender a arte e de apreciar a beleza. Portanto, a produção não criasomente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. Logo,a produção gera o consumo” (MARX, 1983, p. 210). Portanto, se o consumorequer a produção, a produção artística, por sua vez, só realiza sua verdadeirafinalidade quando é partilhada por outros.Em outras palavras, a apreciação das representações exige uma“percepção propriamente estética”, que, de acordo com BOURDIEU (1999,p. 283),distingue-se da percepção ingênua e, portanto, não-específica daobra de arte, não pela lógica de seu funcionamento mas pelo tipo detraços que a primeira retém como pertinentes em função de umprincípio de seleção que não é senão a disposição estética. Enquantoque a percepção ingênua, fundada no domínio prévio da divisão emclasses complementares do universo dos significantes e do universodos significados, trata os elementos da representação, folhas ounuvens, como índices ou sinais investidos de uma função de puradenotação (“é um álamo”, “é uma tempestade”), a percepçãopropriamente estética enfatiza os únicos traços esteticamentepertinentes, a saber, tendo em vista o universo das possibilidadesestilísticas os que caracterizam uma maneira particular de tratar asfolhas ou as nuvens, isto é, um estilo como modo de representaçãoonde se exprime o modo de percepção, de pensamento e decaptação próprio de uma época, de uma classe, de uma fração declasse ou de um agrupamento artístico.3217


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, BahiaNa visão de BOURDIEU (1999, p. 283), a percepção é uma “aptidãopara receber e decifrar as características propriamente estilísticas”, umacompetênciapropriamente artística que se traduz em conhecimento prático(adquirido pelo convívio com as obras ou por intermédio de umaaprendizagem explícita) de sistemas de classificação que permitemsituar cada elemento de um universo de representações artísticas emuma classe necessariamente definida em relação à classecomplementar (constituída por todas as representações artísticasconsciente ou inconscientemente excluídas).Depreende-se daí que a formação dos sentidos humanos – partindo-seda premissa que a sensibilidade estética não é um atributo inato ao sujeito,nem o estatuto de estético uma qualidade natural ao objeto – é tarefa do ensinode artes e condição si ne qua nom para a leitura das imagens.Apreciar, nessa linha de pensamento, envolve todo o conhecimentoconstruído pelo sujeito e tem por suporte a prática social precedente, em cujadinâmica se criam tanto os sentidos humanos quanto o objeto. Desdobrandoessa análise, no que diz respeito aos comportamentos humanos, cabe lembrarque são modelados por conteúdos objetivados em “regras de conduta”. Dessaforma, “a elevação do nível de sensibilidade” está intrinsecamente ligada àsnecessidades humanas e aos comportamentos instituídos culturalmente e sedá pari passu com o desenvolvimento das práticas sociais (HEINICH, 2001, p.12-13).Assim, a finalidade da arte se realiza na medida em que, primeiro,proporcionar “condições concretas de acesso às obras, em quantidade(extensão) e em qualidade (intensidade) compatíveis com um padrão elevadode arte ao maior número possível de pessoas”; segundo, disponibilizar não um“consumo massificado e passivo”, e sim “uma apropriação-fruição das obrasque promova a consciência e permita o desenvolvimento da autoconsciência”;terceiro, “criar necessidades e prazeres especificamente humanos, tais como:acuidade perceptiva e a agudeza de sensibilidade, o exercício da capacidadede reflexão, de interpretação e de crítica, entre outros, pois que a arte écriação-produto específico do homem e só à sua humanização deve sedestinar” (PEIXOTO, 2003, p. 47-48). Por fim, possibilitar “ao fruidor atento umanova consciência” e um “adensamento da autoconsciência”, que estão,3218


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia“dialeticamente imbricadas e dizem respeito, numa dada sociedade, àsuperação do senso comum”. Nesse sentido, a consciência e aautoconsciênciareferem-se ao processo aproximativo de construção, pela práxishumana, do conhecimento sobre a multiplicidade de determinaçõesdo concreto, no embate com a natureza em busca da sobrevivência.Nesse processo, o homem constrói a história e, simultaneamente, seautoconstrói como indivíduo, como autoconsciência (...) uma ideologiaindividual; é a imagem de mundo – construída, em última instância,com a ajuda de conceitos filosóficos, éticos – com a qual cada umordena sua própria atividade individual na totalidade da práxis.(PEIXOTO, 2003, p. 47-48)Ler uma imagem é, por certo, um processo de criação de sentidos paraexaminar a realidade de maneira crítica e de construção de visões e versõesque enriqueçam as interpretações da cultura. A imagem contém muito mais doque os olhos podem captar e a percepção, por sua vez, enquanto práticahumana, requer um campo de conhecimentos interdisciplinares, tanto históricose antropológicos quanto estéticos, que consubstanciem a aprendizagem deestratégias de interpretação.Sem dúvida, como destacamos anteriormente, a leitura de imagens temfascinado tanto aqueles – como os historiadores, os antropólogos – queinvestigam diferentes vestígios do passado através de novas fontes, tais comoa pintura, o desenho, a fotografia, quanto aqueles – como os educadores emarte – que tomam a imagem, ou mais precisamente a representação artística,como objeto de estudo, e a leitura e o exercício de apreciação da produçãocultural como um dos eixos metodológicos de seu trabalho.O que pretendemos, portanto, é pôr em evidência que há um imensotrabalho a realizar, a começar por uma elucidação teórica sobre aespecificidade da leitura dos objetos artísticos que, diferentemente dos objetosprático-utilitários, por exemplo, têm uma dimensão estética.Nesse contexto particular, no que diz respeito aos procedimentosmetodológicos, cabe uma análise crítica das formas de leitura que ocupamlugar de destaque na escola, no entanto, não pretendemos transformá-lasnuma didática, muito menos convertendo a leitura da imagem num novo artigode fé, tão pouco fazer do método a panacéia de todo os problemas.3219


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, BahiaNão menosprezando essa problemática, devemos enfrentá-la e, para tal,é preciso considerar: primeiro, as práticas escolares, pois, centradas na leiturada imagem refletem a secular oposição entre uma abordagem com ênfase naforma (na descrição da aparência da imagem) e, outra, com ênfase noconteúdo. Daí porque é preciso argumentar, retomando uma observaçãoanterior, que não se pode esquecer que a imagem é representação, portanto,portadora de um discurso. Por isso, para que se possa ler uma pintura, épreciso superar a visão de que ela é mero espelho da aparência da realidade,pois, a representação não é “propriamente figuração, mas transfiguração”, ouseja, segundo Vásquez, representar “é colocar a figura em estado humano”(1978, p. 43).Na verdade, a superação desse viés requer uma reflexão mais apuradasobre a noção de representação restrita a figuração, equívoco que leva a umsegundo extremo: a separação de forma e conteúdo na análise das obras dearte, o que nos leva a crer que o conteúdo de uma pintura é simplesmente aduplicação de uma narrativa em imagem.Esquece-se com isso que, embora já se tenha avançado muito naspesquisas no campo da arte e ampliado a noção de leitura de um quadro,contemplando a idéia da inseparabilidade entre conteúdo e forma na imagem,outras duas confusões generalizadas precisam ser esclarecidas: em primeirolugar, muitas vezes, ignora-se que a inseparabilidade não quer dizer plenacorrespondência entre forma e conteúdo, nem mesmo “plena concordânciacom a realidade objetiva tal como existe fora e independente do homem”(VÁZQUEZ, 1978, p. 36). Segundo, a leitura das obras de arte, restrita à visãode representação à mera duplicação (por meio de imagens, parábolas ousímbolos – dos conhecimentos científicos, históricos ou filosóficos), tem levadoà superestimação do conteúdo e à conseqüente minimização da forma.Retomando a premissa apontada no início de nossas reflexões, dasuperação do “imperialismo das fontes escritas”, lembramos que a leitura quese procede em sala de aula restringe-se ao “tema” da obra pois, se fundamentanuma concepção de arte atrelada à noção de cópia ou imitação do real. Muitoseducadores em arte, nesse sentido, acreditando que há uma relação direta ou3220


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahiaimediata entre o conteúdo e a forma da imagem, passaram a utilizar asatividades de leitura para interpretar essas ilustrações de algum assunto.Raminelli chama a atenção para esse equívoco, com o seguinteargumento: “Se texto e imagem podem dizer a mesma coisa, freqüentementediscrepam” (1996, p. 9) e, concordando com esse autor, lembramos que,muitas vezes, há um descompasso entre ambos, pois a forma nem sempre secoaduna plenamente ao conteúdo que está na sua origem.A experiência nos mostra, portanto, que é preciso superar as práticascalcadas numa concepção de leitura restrita à noção de atividade descritiva doque se vê na imagem. Na verdade, se partimos do pressuposto de que alinguagem nasce da interação entre os homens e de que seu sentido dialógicotambém pressupõe um olhar sobre o ser do homem e sobre seu fazer cultural,a leitura de uma imagem exige compreensão, que implica num diálogo,mediado pela obra, entre o autor e o apreciador. Isso significa, em primeirolugar, que a premissa que diferencia uma mera descrição da imagem de umaleitura reflexiva é a compreensão de que uma imagem sempre procede dealguém e se dirige para alguém. Em segundo lugar, uma leitura reflexiva dasobras de arte, conforme reflexões de Pareyson, implica numa apreciação daimagem naquilo que ela é: “humanidade e estilo” (1984: p. 57).Portanto, se um objeto artístico é, ao mesmo tempo, “humanidade eestilo”, outra faceta da tarefa do educador em arte é propor estratégias deleitura que permitam ao aluno superar as interpretações simplificadas e, semperder de vista o que distingue um objeto prático-utilitário de um objeto artístico(<strong>DA</strong>NTO, 2005, p. 18) problematizar as articulações entre obra de arte econtexto. Trata-se de compreender, em última análise, que uma pintura,enquanto instrumento de humanização, que possibilita a interação entre osdiferentes sujeitos, não se reduz a um simples conjunto de formas, linhas,cores, etc. E que o artista, por meio da arte, explicita verdades ou mentiras, dávisibilidade a coisas bonitas ou feias, significativas ou triviais. Nessaperspectiva, uma imagem está sempre carregada de sentido ideológico, alémdisso, o conhecimento dos elementos visuais não quer dizer necessariamente3221


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahiacomo mediadoras de representações relacionadas com o poder, a paisagem, abeleza, a religião, as relações sociais, etc.Pode-se concluir, enfim, que as imagens artísticas não podem sercontempladas simplesmente como obras consagradas, mas precisam sercompreendidas em seus significados, sem a idealização dogmática desseconjunto de bens e práticas artísticas. Concordando com Canclini, é necessário“examinar as operações de ritualização da cultura”. Além disso, tratando-se doensino da arte, o problema reside no fato de que, muitas vezes, frente àprodução cultural, “não ocorre a quase ninguém pensar nas contradiçõessociais que expressam”, resultando daí uma visão metafísica de que asrepresentações artísticas são “manifestações superiores, procedentes de umaorigem mítica”. Portanto, basta ao sujeito culto, para apropriar-se desse acervode bens culturais, “elevar-se para receber sua revelação” (1997, p. 160, 162).Por isso, além revisão teórica e prática da noção de leitura, superandoseuma abordagem meramente descritiva das obras de arte, pois tanto aprodução quanto a apreciação são práticas de representação, modeladas pelasexperiências e conhecimentos construídos ao longo da vida humana, éfundamental, incorporação de uma dada prática de leitura, levando-se emconta que “as imagens são, geralmente e não necessariamente de maneiraexplícita, plenas de representações do vivenciado e do visto e, também, dosentido, do imaginado, do sonhado, do projetado. São, portanto,representações que se produzem nas e sobre as variadas dimensões de vidano tempo e no espaço” (PAIVA, 2002, p. 13-14).Por fim, vale reafirmar o papel do educador em arte: primeiro, naconstrução de um olhar crítico sobre as condições e os processos quesustentam as práticas de produção de sentidos e não apenas na leitura dasobras de arte, mas em tantas outras práticas também; segundo, noentendimento de que as visões de mundo não são desencarnadas assim comoos significados da cultura são engendrados no contexto das práticasespecíficas que os produzem.Enfim, se a arte é “um modo de relação dos homens com os objetos,cujas características variam segundo as culturas, os modos de produção e as3223


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahiaclasses sociais” (CANCLINI, 1984, p. 11), podemos afirmar que a apreciaçãodesempenha um papel decisivo no processo de construção do olhar e, porconseguinte, do conhecimento da realidade humano-social. Sem sombra dedúvida, no nosso entendimento, a leitura de imagens se configura como umadas principais práticas no âmbito do ensino de artes visuais, pois, enriquece acompreensão que os alunos têm de si mesmos e do mundo e,concomitantemente, sua experiência, afinal, trata-se de uma maneiraespecificamente humana não só de assimilar mas, sobretudo, de produzir epossuir representações fundamentadas na história humana e social. Porém,que o professor não se contente em possibilitar ao aluno o contato com umaforma bela, mas, principalmente, o contato com o rico e profundo conteúdo quecorresponde as aspirações e necessidades humanas: o conhecimento da arte.Isto porque, o conhecimento artístico, em sua tarefa de revelar o significadohumano objetivado nas obras de arte, é uma fonte de prazer estético e dehumanização.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempo. SãoPaulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação IOCHPE, 1991.BOIS, Y. Viva o formalismo (bis). In: FERREIRA, G.; COTRIN, C. (org.) ClementGreenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva,1999.CANCLINI, N. G. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. SãoPaulo: Cultrix, 1984.CHARTIER, R. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Trad.Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002.<strong>DA</strong>MASCENO, J. Discurso apologético contra os que rejeitam as imagens sagradas.In: LICHTENSTEIN, J. (Org.). A pintura: Textos essenciais. Vol. 2: A teologia daimagem e o estatuto da pintura. São Paulo: Ed. 34, 2004.<strong>DA</strong>NTO, A. A transfiguração do lugar-comum: uma filosofia da arte. São Paulo:Cosac Naify, 2005.HEINICH, N. A Sociologia de Norbert Elias. São Paulo: EDUSC, 2001.KLEIN, L. R. Alfabetização: quem tem medo de ensinar? São Paulo: Cortez; Campogrande: Ed. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 1996.LE GOFF J. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi, vol.1. Lisboa:Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984.MARIN, L. Sublime Poussin. São Paulo: Edusp, 2000.3224


18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes PlásticasTransversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, BahiaMARX, K. Contribuição à crítica da economia política. 2 ed. São Paulo: MartinsFontes, 1983.PAIVA, E. F. História & imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.PAREYSON, L. Os problemas da estética. Trad. Maria Helena Nery Garcez. SãoPaulo: Martins Fontes, 1984, p. 32.PEIXOTO, M. I. H. Arte e grande público: a distância a ser extinta. Campinas:Autores Associados, 2003.PORCHER, L. Aristocratas e plebeus. In: PORCHER, L. (Org.). Educação artística:luxo ou necessidade? São Paulo: Summus, 1982.RAMINELLI, R. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha aVieira. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.SAVIANI, D. Pedagogia Histórico - Crítica: primeiras aproximações. 3 ed. São Paulo:Cortez, 1992.VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.________. As Idéias Estéticas de Marx. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.WACHOWICZ, L. A. O método dialético na didática. 2 ed. Campinas, SP: Papirus,1991.WOLLF, Francis. O poder da imagem. In: NOVAES, Adauto (org.) Muito além doespetáculo. São Paulo: SENAC, 2005, p. 17-45.Professora adjunta do Departamento de Artes da UFPR. Doutora em Históriapela Universidade Federal do Paraná (2006), com pesquisa nos seguintescampos: história das representações, leitura da imagem e fundamentos teóricometodológicosdo ensino da arte. Mestre em Educação (1998) e Bacharel emPintura com Licenciatura em Desenho pela EMBAP, PR.3225

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