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Caminhos para a inovação em segurança pública no Brasil - DHnet

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Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong><strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos RolimMarcos Rolim, jornalista, é consultor <strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>, assessor na 6º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estadodo Rio Grande do Sul e professor da Cátedra de Direitos Huma<strong>no</strong>s do Centro Universitário Metodista, IPA, <strong>em</strong> Porto Alegre.Autor de “A síndrome da rainha vermelha: policiamento e <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> século XXI.” (Zahar, 2006).marcos@rolim.com.brResumoEm que pese a grave situação da <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o País mantém um modelo de polícia ineficiente,violento e corrupto, b<strong>em</strong> como uma política criminal essencialmente repressiva, que t<strong>em</strong> produzido elevadas taxas deencarceramento e mais violência. As principais i<strong>no</strong>vações <strong>em</strong> experiências de reforma das polícias <strong>em</strong> vários países domundo e as <strong>no</strong>vas estratégias e abordagens <strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> nas últimas três décadas ainda não se difundiram<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Este texto avalia a reação conservadora às idéias de mudança e reforma da política de <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> e propõe duas abordagens i<strong>no</strong>vadoras <strong>para</strong> uma política capaz de prevenir o crime e a violência.Palavras-ChavePolítica de Segurança Pública, I<strong>no</strong>vação, Situação de Risco, Prevenção do Crime e da Violência.32Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública | A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007


ArtigosO<strong>Brasil</strong> t<strong>em</strong> experimentado, nas duas últimasdécadas pelo me<strong>no</strong>s, um probl<strong>em</strong>a<strong>no</strong>vo <strong>no</strong> que diz respeito à <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>.Em que pese o país ainda não dispor de levantamentoscriteriosos a respeito da evolução dastaxas criminais — que só seriam possíveis coma realização sist<strong>em</strong>ática de pesquisas nacionais devitimização 1 —, pode-se afirmar que desde osa<strong>no</strong>s 1980 t<strong>em</strong>os convivido com taxas elevadíssimasde homicídios 2 na maior parte das regiõesmetropolitanas e com um transbordamento depráticas violentas propostas por grupos vinculadosao tráfico de armas e drogas, <strong>em</strong> ações conduzidaspor parte das próprias polícias — entreelas a persistência da tortura e dos grupos deextermínio — e <strong>em</strong> manifestações coletivas degrupos sociais <strong>no</strong>s principais centros urba<strong>no</strong>s,que vão das disputas entre torcidas de futebol e“quebra-quebras” até os cenários de linchamentosnas periferias.A gravidade dos fenôme<strong>no</strong>s da violência e dacriminalidade <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, com a <strong>em</strong>ergência de situaçõesinesperadas capazes de colocar <strong>em</strong> riscocidades inteiras, como, por ex<strong>em</strong>plo, as práticasterroristas construídas pelo PCC <strong>em</strong> São Paulo,ou por grupos organizados como <strong>no</strong>s episódiosdo final de 2006 <strong>no</strong> Rio de Janeiro, não t<strong>em</strong>, entretanto,permitido a oferta de <strong>no</strong>vas e mais eficazesrespostas <strong>em</strong> termos de políticas de <strong>segurança</strong><strong>pública</strong>. Pelo contrário, exceções à parte, chama aatenção o fato de que as políticas impl<strong>em</strong>entadaspelos diferentes gover<strong>no</strong>s sejam, quase s<strong>em</strong>pre,<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolimtentativas de ministrar doses maiores das mesmasreceitas já testadas e sabidamente incapazes deproduzir resultados diversos do <strong>no</strong>tável fracassojá acumulado.Em poucas áreas, como nas políticas de<strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>, os espaços <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong>são tão estreitos e o apego à tradição tão consolidado.Lidamos, então, especificamente nestaárea, com uma resistência incomum à <strong>i<strong>no</strong>vação</strong>,que constitui, <strong>em</strong> si mesma, parte do probl<strong>em</strong>aa ser enfrentado.Neste trabalho, aponto inicialmente duasdimensões <strong>em</strong> que a resistência à <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> <strong>em</strong><strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> está ancorada, sustentando anecessidade de se construir <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> uma <strong>no</strong>varelação entre as políticas de <strong>segurança</strong> e as ciênciassociais e pensando, neste particular, as responsabilidadesdos gover<strong>no</strong>s, da mídia e da instituiçãouniversitária brasileira. Por fim, introduzoduas abordagens i<strong>no</strong>vadoras que me parec<strong>em</strong>prioritárias <strong>para</strong> o êxito das políticas de <strong>segurança</strong><strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.A resistência da subcultura policialAs instituições possu<strong>em</strong>, invariavelmente,uma cultura própria (ou uma subcultura), queresiste às modificações mais amplas operadas <strong>no</strong>contexto social. No caso da instituição policial,o conservadorismo parece ser ainda mais pronunciado.Uma das razões, por certo, prendeseà circunstância de que as polícias <strong>em</strong> todoA<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007 | Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública33


Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolimo mundo raramente são, de fato, controladas.Elas possu<strong>em</strong>, pelo me<strong>no</strong>s <strong>em</strong> muitas das experiênciasnacionais, uma auto<strong>no</strong>mia perturbadoradentro do Estado D<strong>em</strong>ocrático de Direito eatuam, <strong>em</strong> regra, como se não devess<strong>em</strong> prestarcontas de seus atos cotidia<strong>no</strong>s a uma autoridadeexterna. Esse mesmo espaço de auto<strong>no</strong>mia,como se sabe, será também aquele que abrigaráboa parte das distorções operantes <strong>no</strong> trabalhopolicial, além das práticas violentas e crimi<strong>no</strong>sasque compromet<strong>em</strong> a própria imag<strong>em</strong> das polícias<strong>em</strong> todo o mundo.Autores como Folgelson e Johnson (LANE,2003) d<strong>em</strong>onstraram que a polícia nunca foi,de fato, “controlada” desde o exterior por qu<strong>em</strong>quer que fosse. Como instituições complexascapazes de acumular experiências, as estruturaspoliciais foram desenvolvendo uma culturaautô<strong>no</strong>ma sob a pressão das circunstânciasespeciais e bastante difíceis que acompanhamo próprio trabalho de seus m<strong>em</strong>bros. Valorestípicos passaram a ser compartilhados pelospoliciais, oferecendo cada vez mais resistênciasconsideráveis às intenções reformadoras,conforme já o revelaram inúmeros trabalhos 3 .Pode-se, assim, subscrever a seguinte afirmação:Por muitos a<strong>no</strong>s, e <strong>em</strong> muitos lugares, asmudanças vislumbradas pela Polícia tiveramde ser adaptadas à organização policial e àsubcultura, mais do que a organização policiale a subcultura tiveram de se adaptar àsmudanças. (GREENE, 2002, p.180)Monet (2001) chama a atenção <strong>para</strong> o fato deexistir uma cultura policial surpreendent<strong>em</strong>entecomum, <strong>em</strong> que pese a extraordinária diferençaentre as estruturas policiais dos diversos países. Anatureza idêntica das funções, o fato de ser<strong>em</strong> titularesdos mesmos poderes de pressão, o peso dahierarquia e o isolamento social dos policiais concorr<strong>em</strong><strong>para</strong> que muitas s<strong>em</strong>elhanças sejam observadase o corporativismo seja uma constante(proteção recíproca, defesa da instituição contraataques exter<strong>no</strong>s etc.). O autor também observaque os policiais são, quase s<strong>em</strong>pre, muito conservadoresdo ponto de vista político e moral:A cultura policial se marca, finalmente,por um conservadorismo intelectual que, soba capa do pragmatismo, privilegia o olharrasteiro, a tomada <strong>em</strong> consideração apenasdos el<strong>em</strong>entos concretos e o antiintelectualismo.Tudo o que se apresenta sob a forma de<strong>i<strong>no</strong>vação</strong>, de experimentação ou de pesquisasuscita reações de rejeição imediata. Pelofato de ser redutora de incerteza, a reproduçãodo ‘eter<strong>no</strong> passado’ congela o universopolicial <strong>em</strong> práticas rotineiras e bloqueia suacapacidade de se adaptar à mudança social.(MONET, 2001, p.155)Por outro lado, ao longo da sua experiênciahistórica, as polícias foram consolidando umtipo especial de saber, interpretado por seusm<strong>em</strong>bros como fundamental à própria sobrevivênciaindividual. Por isso, os valores culturaisda tradição policial estão legitimados, primeiramente,pela idéia de que são eles os que pod<strong>em</strong>“salvar sua vida”, o que lhes confere umaextraordinária eficácia. Como regra, tais <strong>no</strong>çõesnão possu<strong>em</strong> qualquer comprovação <strong>em</strong>pírica,n<strong>em</strong> há base teórica <strong>para</strong> elas. Pelo contrário,as evidências acumuladas <strong>em</strong> tor<strong>no</strong> das regrasde conduta capazes de oferecer maior <strong>segurança</strong>aos policiais e reduzir seus riscos de vitimizaçãoapontam <strong>para</strong> <strong>no</strong>ções e procedimentos muitodistintos daqueles que eles mesmos costumamvalorizar. Constatação que termina não exer-34Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública | A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007


cendo qualquer impacto na consciência médiados policiais, porque o arcabouço ideológico dasubcultura institucional a que estão vinculadosafirma que o saber científico é abstrato ou “teóricod<strong>em</strong>ais”, guardando pouca relação com os“desafios práticos” vividos na linha de frente. Ali,“o melhor apoio” é aquele oferecido pela pistola,enquanto a teoria aprendida na acad<strong>em</strong>ia serás<strong>em</strong>pre um obstáculo a ser superado.No <strong>Brasil</strong>, as convicções que consolidam otrabalho policial estão, também, informadas poruma marcante tradição anti-humanista, pelaqual a violência é “naturalizada” s<strong>em</strong>pre queoferecida àqueles que habitam as margens dassociedades modernas, <strong>no</strong>meados na subculturapolicial como “vagabundos”. Brodeur (2002,p.265) l<strong>em</strong>bra, a propósito, que a cultura policialestá profundamente marcada pelas <strong>no</strong>çõesde retribuição — o que se transforma, na prática,na idéia de que os infratores “merec<strong>em</strong>” umtratamento duro ou violento.Nesse ambiente cultural, a violência ilegaldo Estado, o <strong>em</strong>prego sist<strong>em</strong>ático da tortura ea prática das execuções sumárias segu<strong>em</strong> sendofenôme<strong>no</strong>s presentes <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> de uma naçãoonde o conceito de civilização ainda não se firmou.O Relatório da Justiça Global e o Núcleode Estudos Negros (2003) levantaram detalhesa respeito de 349 execuções sumárias ocorridas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> <strong>em</strong> um período de apenas seis a<strong>no</strong>s(1997-2003). Outros levantamentos chegaram anúmeros muito mais elevados. O dossiê Gruposde extermínio <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, da Comissão de DireitosHuma<strong>no</strong>s da Câmara dos Deputados, apoiado<strong>em</strong> dados sist<strong>em</strong>atizados pelas secretarias estaduaisde <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> e pelo Movimento Nacionaldos Direitos Huma<strong>no</strong>s, identificou cercade 2.500 casos de pessoas mortas por grupos deextermínio, <strong>em</strong> 12 estados da federação, entre osa<strong>no</strong>s 1996 e 1999.Em alguns estados, como São Paulo e Riode Janeiro, autoridades já promoveram políticasespecíficas, com abo<strong>no</strong>s salariais ou promoções,que estimularam policiais a matar. A impunidadenesses casos é a regra. O estudo da Ouvidoria deSão Paulo, que pesquisou o histórico de 22 policiaisdo grupo de “elite” conhecido como Gradi(Grupo de Repressão e Análise a Delitos deSegurança), constatou que , até agosto de 2002,eles haviam respondido a 162 inquéritos policiaispor homicídio. Um dos policiais pesquisados haviarespondido a 32 inquéritos, todos por homicídio,entre 1998 e 2001. Destes, 22 já haviamsido arquivados quando da elaboração do estudo.No a<strong>no</strong> de 2003, <strong>no</strong> estado do Rio de Janeiro,6.624 pessoas foram vítimas de homicídios dolosos,179 foram mortas <strong>em</strong> latrocínios e 1.195perderam a vida por conta de ações policiais, amaioria <strong>em</strong> circunstâncias que suger<strong>em</strong> execução.O número total de vítimas fatais alcança,assim, a espantosa cifra de 7.998 pessoas, o quesignifica uma média de 18 pessoas assassinadaspor dia naquele estado. A taxa é de 53,8 homicídios<strong>para</strong> cada 100 mil habitantes, exatamenteo dobro da média brasileira. As mortes provocadaspor ação policial <strong>no</strong> Rio de Janeiro cresceram298,3% <strong>no</strong>s últimos sete a<strong>no</strong>s. Em São Paulo,a violência policial cresceu 263% <strong>em</strong> oito a<strong>no</strong>s(SOARES, 2006, p.349). As vítimas produzidaspelas polícias são invariavelmente jovens muitopobres e que habitam as periferias. Esse processode violência contra os pobres agrega, ainda, um<strong>no</strong>tável componente racista. No Rio de Janeiro,por ex<strong>em</strong>plo, Mir (2004, p.440) cita estudo deMusumeci, que d<strong>em</strong>onstrou que, apesar de osArtigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos RolimA<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007 | Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública35


Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolimnegros ser<strong>em</strong> apenas 8% do total da populaçãocarioca, formam 33% da massa carcerária e 30%dos civis mortos pela polícia.Sob a expressão “autos de resistência”, as execuçõesaparec<strong>em</strong> <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> dos relatos policiaise da mídia s<strong>em</strong>pre associadas ao “enfrentamento aquadrilhas” de traficantes. Os estudos disponíveissobre o perfil dessas mortes, entretanto, suger<strong>em</strong>claramente outra interpretação:A polícia paulista fulmina mais dametade de suas vítimas com tiros nas costas;acerta um terço delas na cabeça; cometea maioria dos homicídios à <strong>no</strong>ite,muitas vezes s<strong>em</strong> test<strong>em</strong>unha. Na maiorparte dos casos, não há provas de que avítima cometia algum crime. Esses são osdados da análise de inquéritos policiais elaudos periciais de 224 (33,7%) de umtotal de 664 vítimas fatais da ação policial<strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1999. Especificamente, 36%foram atingidos na cabeça e, <strong>em</strong> média,as vítimas foram mortas com 3,17 tiros.Em 20,7% delas, havia 5 a 9 perfuraçõesfeitas por balas. Do total, 131 (68%) doshomicídios ocorreram <strong>no</strong> período <strong>no</strong>tur<strong>no</strong>e, destes, 81,6% foram ocasionadospor perfurações na cabeça ou nas costas.A análise também concluiu que 52% dasvítimas não possuíam antecedentes criminais.(MIR, 2004, p.445)Mudanças nas estruturas de policiamento,<strong>no</strong>s procedimentos e rotinas policiais são, viade regra, mal recebidas pelas instituições e vistascomo ameaças a um equilíbrio que se pretend<strong>em</strong>anter. Mudanças aceitáveis <strong>para</strong> essa tradiçãosão apenas aquelas que permitam aos policiaisespaços ainda maiores de auto<strong>no</strong>mia, somadosà autorização <strong>para</strong> ações hoje limitadas ou nãoadmitidas pelo ordenamento jurídico. Duranteo desenvolvimento de qualquer mudança, é comumque muitos policiais se sintam inseguros ebusqu<strong>em</strong> formas de resistir aos projetos i<strong>no</strong>vadores(CORDNER et al., 1991). Isso será especialmenteverdadeiro quando as mudanças for<strong>em</strong>compreendidas como materialização de umaabordag<strong>em</strong> “leve” na luta contra o crime. Isso émuito comum, por ex<strong>em</strong>plo, quando se mostraaos policiais que seu trabalho poderia ser b<strong>em</strong>mais eficaz na redução das taxas de criminalidadee violência se estivesse articulado e comprometidocom projetos sociais de caráter inclusivo.Nesses casos, a reação sustentada com base nasubcultura policial dirá que projetos de prevençãosão matéria de “assistentes sociais” — o queseria, portanto, uma forma de negar a presumida“essência” da atividade policial: a repressão.Assim, <strong>para</strong> todos aqueles que estão acostumadosa um tipo de abordag<strong>em</strong> repressiva e queimaginam que a atividade policial seja exclusivamenteisso, será, por certo, bastante difícil operaruma transição <strong>para</strong> um modelo fundado <strong>em</strong> outraspr<strong>em</strong>issas; um modelo <strong>em</strong> que, por ex<strong>em</strong>plo,a repressão esteja subordinada a uma racionalidadepreventiva. Por óbvio, a resistência à <strong>i<strong>no</strong>vação</strong>oferecida pelas instituições policiais não é apenasmotivada por diferenças culturais ou ideológicas.Ocorre que o atual modelo de polícia t<strong>em</strong>permitido também que determinados interessesparticulares, articulados ilegalmente e mesmo<strong>em</strong> estreita colaboração com grupos criminais,tenham fincado raízes nas instituições policiais.Reformas, então, também ameaçam práticas altamentelucrativas já acomodadas na instituição,e que beneficiam parte das elites policiais. Assim,como diria Maquiavel, “o i<strong>no</strong>vador t<strong>em</strong> por ini-36Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública | A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007


migos todos aqueles que obtinham vantagenscom as velhas instituições”.A resistência cultural e políticaInúmeras pesquisas de opinião têm d<strong>em</strong>onstradoa adesão da maioria das pessoas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> apressupostos conservadores <strong>em</strong> termos de políticas<strong>pública</strong>s na área da <strong>segurança</strong>. Como regra,a opinião <strong>pública</strong> 4 parece d<strong>em</strong>andar crescent<strong>em</strong>ent<strong>em</strong>edidas “mais duras” contra o crime, manifestando-sea favor de propostas como penasmais gravosas, redução da idade penal, pena d<strong>em</strong>orte ou <strong>em</strong>prego das Forças Armadas <strong>em</strong> tarefasde policiamento nas grandes cidades, além daconstrução de mais presídios e do aumento donúmero de policiais nas ruas.É difícil estabelecer se posições do tipo estãoconsolidadas <strong>no</strong> senso comum ou se somenterepresentam a aceitação genérica do discursodefensor do l<strong>em</strong>a “lei e ord<strong>em</strong>” ou do receituáriorepressivo proposto de forma militante pelamaioria dos formadores de opinião <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Em outras palavras, seria preciso medir até queponto a d<strong>em</strong>anda punitiva diss<strong>em</strong>inada socialmentenão expressa, sobretudo, o discurso típicoreproduzido pela mídia, mais do que uma posiçãoautô<strong>no</strong>ma da própria cidadania. 5 Seja comofor, a maior parte da mídia trata dos t<strong>em</strong>as da<strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> a partir de posições distorcidase preconceituosas cujos efeitos políticos tend<strong>em</strong> aagravar os próprios probl<strong>em</strong>as de <strong>segurança</strong>.Normalmente, a atenção oferecida pelos veículosde comunicação aos t<strong>em</strong>as da <strong>segurança</strong><strong>pública</strong> segue a máxima “if it bleeds, it leads” (“sesangra, dá manchete”). A pesquisa do Centro deEstudos de Segurança e Cidadania (Cesec – CândidoMendes) que analisou 2.514 matérias produzidas<strong>em</strong> 2004 por seis dos principais jornaisbrasileiros, d<strong>em</strong>onstrou que 99,1% das <strong>no</strong>tíciassobre crimes oferec<strong>em</strong> uma perspectiva individualizadados fatos, s<strong>em</strong> contextualizá-los de nenhumamaneira. Não há sequer uma pista sobrea classe social das vítimas <strong>em</strong> 85% das matérias,e, <strong>em</strong> 95%, sobre os autores; apenas 1,4% dasmatérias da amostra tiveram como foco centralestatísticas, pesquisas ou divulgação de dados. Apesquisa mostrou que as polícias são a principalfonte de informação da mídia sobre <strong>segurança</strong> eviolência; especialistas e entidades da sociedadecivil correspond<strong>em</strong> a me<strong>no</strong>s de 5% das fontesouvidas pelos jornais avaliados, o que, por si só,já condiciona largamente os enfoques oferecidos.Do conjunto das matérias, apenas 10,5% delasapresentam opiniões divergentes sobre os t<strong>em</strong>astratados. Assim, além da ausência de contextualizaçãodos fenôme<strong>no</strong>s, o que significa produçãojornalística pobre e superficial, t<strong>em</strong>os umabaixíssima diversidade t<strong>em</strong>ática e a produção deuma espécie de “discurso único” sobre o t<strong>em</strong>a(RAMOS & PAIVA, 2004).O que parece evidente, de qualquer modo,é que a d<strong>em</strong>anda punitiva constitui um fenôme<strong>no</strong>social muito importante <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> cont<strong>em</strong>porâneo,assim como <strong>em</strong> muitos outrospaíses, o que, naturalmente, condiciona tantoos debates políticos, como o processo decisóriona esfera <strong>pública</strong>.Ao contrário do que se pode perceber <strong>em</strong> outrasesferas de formulação de políticas <strong>pública</strong>s— como na saúde ou na eco<strong>no</strong>mia, por ex<strong>em</strong>plo—, o senso comum não incorporou a <strong>no</strong>ção deque determinados t<strong>em</strong>as afetos à <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>pressupõ<strong>em</strong> um saber especializado. Assim,ainda que a cidadania moderna seja marcada porArtigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos RolimA<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007 | Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública37


Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolimuma intensa “reflexividade” (GIDDENS, 2001,p.318), vale dizer: pelo fato de que nenhuma posiçãosocial — status — confere ao seu titular aposse da verdade, que qualquer pessoa pode exporlegitimamente suas razões <strong>no</strong> espaço públicoe que o envolvimento da cidadania <strong>no</strong> debate daspolíticas de <strong>segurança</strong> seja essencial <strong>para</strong> o sucessodelas, não consolidamos, portanto, a idéia deque toda a discussão sobre <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> deveriase dar a partir de um diálogo com o acúmuloalcançado pelas ciências sociais na área e nãoa partir da tradição da política criminal ou daspraxes policiais.Via de regra, os gestores da <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong><strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> são pessoas que pouco ou nada sab<strong>em</strong>sobre o t<strong>em</strong>a e que, não raro, administram suaspastas com a sensibilidade aguçada por objetivoseleitorais. Os governantes, por seu tur<strong>no</strong>, quandopensam <strong>em</strong> “resultados” <strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>,apostam <strong>em</strong> projetos que permitam a capitalizaçãopolítica a curto prazo, desprezando todas asiniciativas que d<strong>em</strong>and<strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po maior d<strong>em</strong>aturação. Na maior parte das vezes, autorizamas políticas na área s<strong>em</strong> que estas tenham sidoselecionadas a partir de um diagnóstico competentee s<strong>em</strong> que elas próprias sejam um momentocoerente dentro de um pla<strong>no</strong> racional de<strong>segurança</strong>. Como tais iniciativas não são avaliadas,não é possível afirmar nada a respeito da suaeficácia. Os eventuais “resultados” serão s<strong>em</strong>preaqueles que seus proponentes divulgar<strong>em</strong> comopeças de marketing.Não t<strong>em</strong>os <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> a prática de monitoraros resultados das políticas <strong>pública</strong>s medianteavaliações independentes, e, com exceção de algumasáreas — como a da saúde <strong>pública</strong> — oEstado brasileiro também não costuma selecionaralternativas com base <strong>em</strong> evidências encontradas<strong>em</strong> pesquisas científicas. O <strong>para</strong>digma do“what works?” (“O que funciona?”), tão estimadona tradição anglo-saxã, nunca foi valorizado<strong>no</strong> debate sobre políticas <strong>pública</strong>s <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Especialmente <strong>no</strong> que diz respeito às políticasde <strong>segurança</strong>, há um significativo espaço <strong>para</strong> aatuação de d<strong>em</strong>agogos e aventureiros <strong>no</strong>s trajetoscruciais de tomada de decisão. As “políticasrealmente existentes”, por decorrência, são poucomais que o resultado contraditório de uma sucessãode improvisações e atos reativos às pressõesda opinião <strong>pública</strong>. Essa realidade t<strong>em</strong> implicadodescontrole, incapacidade gerencial e extraordináriosdesperdícios de recursos públicos, além deineficiência generalizada.De resto, como não poderia ser diferente,ainda se observa um estranhamento entre asatividades policiais e os ambientes de pesquisaacadêmica. As responsabilidades aqui dev<strong>em</strong> serdivididas entre os gover<strong>no</strong>s, as polícias e as universidades.Historicamente, a acad<strong>em</strong>ia poucoou nenhum valor deu ao t<strong>em</strong>a da <strong>segurança</strong><strong>pública</strong> e à própria atividade policial. Questõesdessa natureza foram vistas pela tradição universitáriabrasileira como “secundárias” ou mesmonada relevantes <strong>para</strong> a pesquisa. Ainda hoje,poucas são as instituições de ensi<strong>no</strong> superiorque dispõ<strong>em</strong> de centros de pesquisa <strong>em</strong> <strong>segurança</strong><strong>pública</strong>, ou que estruturaram programasconsistentes na área. Com a possível exceção daexperiência <strong>em</strong> curso <strong>em</strong> Belo Horizonte, realizadapelo Centro de Estudos de Criminalidadee Segurança Pública (Crisp–UFMG), pode-seafirmar que as universidades brasileiras não alcançaramuma interação efetiva com as políciase que não influ<strong>em</strong> decisivamente <strong>para</strong> a seleçãodas políticas <strong>pública</strong>s na área. Na outra ponta,38Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública | A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007


os gover<strong>no</strong>s raramente recorreram às universidades<strong>para</strong> projetos integrados à <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>,e as possibilidades de mobilizar a pesquisaacadêmica <strong>para</strong> conhecer os t<strong>em</strong>as da criminalidadee da violência, ou <strong>para</strong> avaliar a própriaatividade policial, foram e segu<strong>em</strong> sendo subestimadaspelos gestores. As instituições policiais,por seu tur<strong>no</strong>, tend<strong>em</strong> a ver a aproximação comas universidades como uma desvalorização dascompetências e saberes profissionais de seusm<strong>em</strong>bros. Intu<strong>em</strong>, também, que uma formaçãoteórica mais sólida e o recurso às pesquisas <strong>em</strong><strong>segurança</strong> são capitais específicos, que pod<strong>em</strong>provocar deslocamentos nas relações de poder,o que costuma ser interpretado como uma ameaçaaos interesses estabelecidos nas corporações.<strong>para</strong> o mapeamento do crime e da violência queidentificam os “hot spots” 8 , o programa ComputerizedStatistics (COMPSTAT), a abordag<strong>em</strong>colaborativa entre policiais e agências de serviçosocial (como nas táticas de “pulling levers policing”),o policiamento baseado <strong>em</strong> evidências, asabordagens de prevenção do crime por meio deprojetos ambientais (Crime Prevention ThroughEnvironmental Design – CPTED) etc. Tudo issos<strong>em</strong> contar os recursos tec<strong>no</strong>lógicos, que permitiramuma revolução nas técnicas de controle, investigaçãoe perícia, tais como o uso de câmeras<strong>em</strong> espaços públicos, os softwares de reconhecimentovisual e voz, as armas não letais, o <strong>em</strong>pregode satélites <strong>no</strong> rastreamento ou o uso do DNAna produção da prova, entre outros.Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos RolimI<strong>no</strong>vação na <strong>segurança</strong> e sua difusãoMuitos são os autores e especialistas <strong>em</strong> policiamentoque chamam a atenção <strong>para</strong> o fatode que as últimas três décadas se caracterizaram,quanto ao t<strong>em</strong>a da <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>, pela construçãode uma conjuntura internacional marcadapor <strong>no</strong>táveis i<strong>no</strong>vações e por reformas consideráveisdas próprias instituições policiais. 6 Emum período relativamente curto, a maior partedas polícias européias, e mesmo <strong>no</strong>rte-americanas,repensaram radicalmente suas atribuições,formação, estratégias e relacionamentos com ascomunidades a que dev<strong>em</strong> prestar seus serviços.Nesse processo — influenciado, primeiramente,pelo fracasso dos modelos “reativos” depoliciamento 7 , mas também pelas descobertascientíficas e pelo acúmulo de evidências colhidas— foram introduzidas i<strong>no</strong>vações centrais <strong>em</strong><strong>segurança</strong>. Entre essas estão o modelo de políciacomunitária e de policiamento orientado <strong>para</strong> asolução de probl<strong>em</strong>as (GOLDSTEIN, 1990), ogeo-referenciamento e o conjunto de tec<strong>no</strong>logiasNo <strong>Brasil</strong>, <strong>em</strong> que pese alguns desses recursose técnicas já ser<strong>em</strong> parcialmente <strong>em</strong>pregadospelas polícias, o fato inconteste é que as i<strong>no</strong>vaçõesobservadas <strong>em</strong> grande parte dos paísesocidentais — inclusive <strong>em</strong> alguns da AméricaLatina, como o d<strong>em</strong>onstra a experiência colombiana— não se difundiram <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Entrenós, <strong>em</strong> quase todas as situações <strong>em</strong> que aquelasi<strong>no</strong>vações são aplicadas pelas polícias, percebe-seclaramente que elas se encontram <strong>em</strong> posiçõessecundárias, quando não isoladas do modelotradicional de policiamento, que segue sendoamplamente heg<strong>em</strong>ônico.Para se compreender isso, seria interessantel<strong>em</strong>brar que a implantação de uma <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> n<strong>em</strong>s<strong>em</strong>pre se impõe pelos seus efeitos benéficos, pormais comprovados que eles sejam. Everett M. Rogers,<strong>em</strong> uma obra clássica, lançada há mais de 40a<strong>no</strong>s, Diffusion of In<strong>no</strong>vations, já havia chamadoa atenção <strong>para</strong> esse fenôme<strong>no</strong>, sustentando quea difusão de uma <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> requer a configura-A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007 | Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública39


Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolimção de uma necessidade de mudança socialmentepercebida ali onde a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> <strong>em</strong>erge (ROGERS,1995, p.11). Segundo o modelo de Rogers, umponto-chave <strong>no</strong> processo de difusão da <strong>i<strong>no</strong>vação</strong>é a “decolag<strong>em</strong>” (take-off). Uma vanguarda deagentes transformadores adota a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> e passaa divulgá-la. Quando os “primeiros adotantes” alcançamuma massa crítica — <strong>em</strong> tor<strong>no</strong> de 5% a15% do total —, o processo será provavelmenteirreversível. Os autores, que se dedicam ao t<strong>em</strong>ada difusão das i<strong>no</strong>vações, identificam cinco característicascruciais que ajudam a entender taismudanças e seus ritmos:• A vantag<strong>em</strong> relativa da <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> (as pessoasperceb<strong>em</strong> a mudança como algomelhor <strong>para</strong> elas?);• A compatibilidade (a adoção exigeuma mudança de valores ou de estilosde vida, ou é compatível com os valorese estilos já existentes?);• A complexidade (qual a dificuldade <strong>em</strong>entender e aplicar a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong>?);• A possibilidade de experimentação (a<strong>i<strong>no</strong>vação</strong> pode ser testada ou exige umaadesão definitiva?);• A possibilidade de observação (as pessoaspod<strong>em</strong> discernir as diferenças naquelesque adotam a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong>?).Tendo presente estas características, pareceevidente o quanto a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> das políticas <strong>pública</strong>sde <strong>segurança</strong> deverá ser lenta e difícil <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Primeiro, a maioria das pessoas, a começar pelospoliciais, não percebe num projeto alternativode <strong>segurança</strong> uma possibilidade que lhes assegurevantagens; aliás, a grande maioria das pessoasnunca foi informada da existência de projetos alternativos<strong>em</strong> <strong>segurança</strong>. Segundo, uma mudançade <strong>para</strong>digma da <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> não seriacompatível com boa parte dos valores e métodosde trabalho existentes nas corporações policiais.A <strong>i<strong>no</strong>vação</strong> nesta área é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, extr<strong>em</strong>amentecomplexa, o que significa dificuldadesna explicação e na aplicação de projetos alternativos.Das cinco características que defin<strong>em</strong>o ritmo da difusão das i<strong>no</strong>vações, apenas as quese refer<strong>em</strong> à possibilidade de experimentação e àpossibilidade de observação são favoráveis quandoo t<strong>em</strong>a é <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>. De fato, um <strong>no</strong>voprojeto não exige o imediato comprometimentode todos, podendo, pelo contrário, ser testadocom programas-piloto. Da mesma forma, as diferençasalcançadas com a implantação de <strong>no</strong>vosprojetos pod<strong>em</strong> ser facilmente identificadas, casoos resultados sejam monitorados e avaliados porinstituições independentes.Duas abordagens prioritárias <strong>para</strong> a<strong>i<strong>no</strong>vação</strong> da <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Considerando a experiência internacionalcom políticas de <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> e as evidênciasencontradas pelas ciências sociais, pode-seafirmar que as i<strong>no</strong>vações mais significativas introduzidasnessa área, nas últimas três décadas,foram aquelas que tornaram possível a reduçãodo crime e da violência a partir de abordagenspreventivas. Tais resultados, que segu<strong>em</strong> sendoobtidos <strong>em</strong> inúmeros projetos e iniciativas eficazesde <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>em</strong> todo o mundo, permitiramque as visões mais tradicionais — quereduziam os próprios desafios da <strong>segurança</strong> aostermos da “law enforc<strong>em</strong>et” (aplicação da lei)— foss<strong>em</strong> repensadas a partir de um contextode interação crescente entre as atividades dospoliciais, as diferentes agências governamentais,as comunidades e o aporte crítico da pesquisa.Nesse redesenho, restou claro que as tarefas derepressão e manutenção da ord<strong>em</strong> são e conti-40Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública | A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007


nuarão sendo muito importantes <strong>para</strong> qualquerestrutura moderna de policiamento, mas pod<strong>em</strong>e dev<strong>em</strong> ser desenvolvidas por uma racionalidadeprogramática orientada pelos objetivos da paz, daproteção aos direitos huma<strong>no</strong>s e da prevenção aocrime e à violência.Como vimos, esse processo de modernizaçãoe racionalização do “campo” da <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>ainda não “decolou” <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o que agrava acrise do setor e prolonga modelos, rotinas, práticase valores incapazes de enfrentar <strong>no</strong>ssos desafiosmais urgentes. Independent<strong>em</strong>ente desselimite histórico — marcado por uma defasag<strong>em</strong>de décadas —, é possível avançar <strong>em</strong> uma amplareforma do sist<strong>em</strong>a de <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> se construirmos uma adequada d<strong>em</strong>andasocial e política <strong>em</strong> favor da mudança.Com efeito, o <strong>Brasil</strong> não pode mais sustentara irresponsabilidade do rumo da política criminal,escolhido por suas elites, que se estruturaa partir da promessa dissuasória a ser oferecidapela pena privativa da liberdade. O modelo deencarceramento <strong>em</strong> massa praticado contra osexcluídos e marginalizados socialmente <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>nunca produziu os resultados prometidos porseus defensores. Greene (1980), por ex<strong>em</strong>plo,<strong>em</strong> um estudo que aplicou modelos mat<strong>em</strong>áticos<strong>para</strong> estimar os efeitos do encarceramento,d<strong>em</strong>onstrou persuasivamente que os níveis decriminalidade são praticamente insensíveis aotamanho da população carcerária. Estimativasdo Home Office (UK) apontam <strong>para</strong> uma reduçãode apenas 1% nas taxas criminais <strong>para</strong> cadaaumento de 15% da população carcerária; umarelação ainda considerada muito “otimista” poralguns pesquisadores. As evidências <strong>em</strong> favordesta conclusão são inúmeras. Holanda e França,por ex<strong>em</strong>plo, tiveram 12% de aumento nas taxascriminais entre 1987 e 1996, sendo que a Holandaencarcerou, <strong>no</strong> mesmo período, 20 vezes maisdo que a França. 9 Situações ass<strong>em</strong>elhadas fizeramcom que, <strong>em</strong> <strong>no</strong>v<strong>em</strong>bro de 2002, os gestores dossist<strong>em</strong>as penitenciários de 44 países do ConselhoEuropeu, reunidos <strong>em</strong> Estrasburgo, observass<strong>em</strong>que o número de presos <strong>em</strong> cada nação é determinadopelas respectivas políticas criminais e nãopelas taxas criminais. Uma conclusão <strong>em</strong>basada<strong>em</strong> trabalhos de fôlego como o de Tonry & Frase(2001), que d<strong>em</strong>onstraram que cada sociedadepode escolher, por várias razões, o número de presosque deseja ter, se quer altas taxas de encarceramentoou não. Finlândia, Canadá e Al<strong>em</strong>anha,por ex<strong>em</strong>plo, escolheram diminuir drasticamentesuas populações carcerárias s<strong>em</strong> que disso tenharesultado qualquer dinâmica criminógena. Pelocontrário, os estudos disponíveis apontam <strong>para</strong>o sucesso das experiências, que apostaram <strong>em</strong>penas alternativas à prisão <strong>para</strong> a grande maioriados delitos (SEYMOUR, 2006).Como costuma ocorrer <strong>em</strong> todos os d<strong>em</strong>aist<strong>em</strong>as cruciais da <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>em</strong> <strong>no</strong>ssoPaís, carec<strong>em</strong>os de dados e estudos específicosque estim<strong>em</strong> o custo do crime e da violência <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>. De qualquer modo, os estudos realizados<strong>em</strong> outros países, com taxas criminais inferioresàs <strong>no</strong>ssas, <strong>no</strong>s permit<strong>em</strong> ter uma idéia doprobl<strong>em</strong>a. Nos Estados Unidos 10 , por ex<strong>em</strong>plo,Miller, Cohen & Wiers<strong>em</strong>a (1996) estimaramo custo do crime <strong>para</strong> o a<strong>no</strong> de 1993 <strong>em</strong> 450bilhões de dólares. Em relatório mais recente,da organização Fight Crime: Invest In Kids, estimou-seo custo anual da criminalidade <strong>no</strong>s EstadosUnidos <strong>em</strong> 655 bilhões de dólares (CHRIS-TESON & NEWMAN, 2004). A maior partedesse custo é aquele imposto diretamente àsArtigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos RolimA<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007 | Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública41


Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolimvítimas como prejuízo, mas os cidadãos que recolh<strong>em</strong>seus impostos sustentam um sist<strong>em</strong>a dejustiça criminal que consome 90 bilhões de dólaresao a<strong>no</strong>, além de gastar<strong>em</strong> mais 65 bilhões<strong>no</strong> pagamento de <strong>em</strong>presas e recursos privadosde <strong>segurança</strong> (WELSH, 2003). Apenas esse custocom o sist<strong>em</strong>a de justiça e com a <strong>segurança</strong>privada significa que cada america<strong>no</strong>, adulto oucriança, consome 534 dólares por a<strong>no</strong> <strong>para</strong> termais <strong>segurança</strong>, o que representa um gasto anualde mais de 2 mil dólares <strong>para</strong> uma famíliacom quatro pessoas. 11A experiência concreta e alucinada com o encarceramento<strong>no</strong>s EUA, aliás, deveria servir <strong>para</strong>que as autoridades <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> se afastass<strong>em</strong> tantoquanto possível daquele caminho. Dados doCenter on Juvenile and Criminal Justice d<strong>em</strong>onstramque manter uma pessoa presa durante uma<strong>no</strong> custa aos contribuintes <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s 22mil dólares. 12 Uma sentença de prisão perpétua,<strong>em</strong> média, custa 1,5 milhão de dólares. Em tor<strong>no</strong>de 60% da população prisional <strong>no</strong>s EUA cumprepena por crimes relacionados ao uso e à venda dedrogas ilegais. Em 1992, cerca de três mil destescondenados, s<strong>em</strong> qualquer crime violento registrado,cumpriam sentenças de <strong>no</strong> mínimo cincoa<strong>no</strong>s (MILLER, 1996). Assim, um furto de 300dólares, por ex<strong>em</strong>plo, custa ao povo america<strong>no</strong>aproximadamente 110 mil dólares <strong>para</strong> cada sentençade cinco a<strong>no</strong>s de prisão.No caso brasileiro, uma política de <strong>segurança</strong><strong>pública</strong> será tanto mais eficaz na reduçãodo crime e da violência quanto maiorfor a atenção conferida a dois agrupamentos:crianças e adolescentes <strong>em</strong> situação de riscoe egressos do sist<strong>em</strong>a penitenciário e das instituiçõesjuvenis de privação da liberdade.Crianças e adolescentes <strong>em</strong> situação de riscodev<strong>em</strong> ser prioritárias <strong>em</strong> uma política de prevenção,porque o crime e a violência estão s<strong>em</strong>presuper-representados entre os jovens, e identificaros fatores preditivos (circunstâncias específicasrelacionadas ao desenvolvimento futuro de condutascriminais) entre crianças e adolescentes,contornando-os, permite eliminar muitas das sériescausais que, alguns a<strong>no</strong>s depois, produziriamgrande parte dos delitos. 13 Egressos do sist<strong>em</strong>apenitenciário brasileiro e jovens que cumprirammedidas de privação de liberdade, por seu tur<strong>no</strong>,enfrentam extraordinárias dificuldades <strong>para</strong> suaintegração social, ainda maiores <strong>em</strong> realidadescomo a <strong>no</strong>ssa, <strong>em</strong> que os presídios constitu<strong>em</strong>tão-somente espaços <strong>para</strong> indescritíveis violaçõesà dignidade humana e sofrimento, e onde expresidiáriossão profundamente estigmatizados.O mesmo se aplica aos jovens <strong>em</strong> conflito coma lei, que tenham passado pelo sist<strong>em</strong>a Feb<strong>em</strong> einstituições congêneres. A maior parte dos egressos,por isso mesmo, será como que “<strong>em</strong>purrada”socialmente <strong>para</strong> alternativas ilegais de sobrevivência,o que caracteriza a própria experiência doencarceramento massivo como um dos agenciamentos(circunstâncias específicas relacionadas àpossibilidade imediata da conduta criminal) maisimportantes do crime e da violência nas sociedadescont<strong>em</strong>porâneas. 14T<strong>em</strong>os aqui, duas abordagens prioritárias<strong>para</strong> qualquer política séria de <strong>segurança</strong> e quetêm sido <strong>no</strong>rmalmente desconsideradas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Retomando o t<strong>em</strong>a dos custos pressupostos<strong>em</strong> cada política, é interessante l<strong>em</strong>brar o estudode Mark Cohen, da Universidade de Vanderbilt.Em 1998, ele procurou medir os custos da criminalidadecalculando o quanto se pouparia <strong>no</strong>sEUA ao se evitar a transformação de um adoles-42Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública | A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007


cente num adulto com uma carreira criminal, econcluiu que os valores estariam entre 1,7 e 2,3milhões de dólares. (COHEN, 1998)Pensar uma política de prevenção ao crime eà violência a partir de programas inclusivos quantoa esses dois grupamentos implica desenvolverprogramas focados, capazes de produzir resultadosimediatos de redução das taxas criminais.Na literatura, uma das experiências maisinteressantes de políticas focadas <strong>em</strong> jovens dealto risco, conhecida como “Operação cessarfogo”,foi construída <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1990 <strong>em</strong> Boston(EUA). “Mentores de rua” 15 , policiais, promotores,líderes religiosos e agências de serviço socialidentificaram <strong>em</strong> cada bairro os jovens mais probl<strong>em</strong>áticose <strong>em</strong> conflito com a lei. O objetivo estabelecidofoi o de “zerar” a situação de violência<strong>no</strong> bairro, o que deveria ser compreendido comoum “recomeço” combinado com os próprios jovens,ao invés de uma resposta tradicional de prisõessucessivas. Em uma primeira reunião comos adolescentes, as autoridades afirmavam que aviolência iria <strong>para</strong>r daquele dia <strong>em</strong> diante, quequ<strong>em</strong> não estivesse disposto a construir a paz nacomunidade seria punido e que todos os d<strong>em</strong>ais,que desejass<strong>em</strong> participar do programa, teriamacesso a vários serviços sociais, incluindo formaçãoprofissional e encaminhamento a alternativasde trabalho r<strong>em</strong>unerado. A taxa de homicídiosentre os jovens <strong>em</strong> Boston era crescente desde1992 até o verão de 1996, quando o programacomeçou. Então, os resultados apareceram. Oshomicídios contra jovens (pessoas com me<strong>no</strong>sde 24 a<strong>no</strong>s) caíram <strong>em</strong> dois terços; as agressõescometidas por jovens armados caíram abruptamentee as taxas gerais de homicídio na cidadecaíram pela metade. Esses resultados não pod<strong>em</strong>ser explicados pela redução geral das taxas de homicídio<strong>no</strong>s EUA na mesma época, porque, nasd<strong>em</strong>ais cidades americanas, as taxas de homicídioforam declinando consistent<strong>em</strong>ente ao longo dea<strong>no</strong>s, enquanto Boston alcançou o mesmo resultado<strong>em</strong> um par de meses. (KENNEDY, 1999)A abordag<strong>em</strong> colaborativa foi depois confirmadapela experiência da Filadélfia, onde resultadosimpressionantes foram obtidos <strong>no</strong>s distritosselecionados <strong>para</strong> o programa. A iniciativa teveinício <strong>em</strong> 1999 e propiciou que os homicídiosde jovens diminuíss<strong>em</strong> <strong>em</strong> 46% <strong>no</strong> 24º Distritoe <strong>em</strong> 41% <strong>no</strong> 25º Distrito, o que representoumais que o dobro da redução geral das taxasde homicídio na cidade <strong>no</strong> mesmo período. Damesma forma o Projeto “Cessar-fogo” foi testado<strong>em</strong> Chicago, focando seus objetivos na reduçãode homicídios relacionados às gangues. No WestGarfield Park, onde o programa opera há maist<strong>em</strong>po, os homicídios caíram 67% <strong>em</strong> dois a<strong>no</strong>s.Programas s<strong>em</strong>elhantes, aplicados <strong>em</strong> Minneapolis,Stockton e Greensboro, também tiveramo mesmo sucesso. 16Tais programas dev<strong>em</strong> ser associados a outrasiniciativas, especialmente aos projetos de auxílioe terapia das famílias dos jovens <strong>em</strong> situação derisco — que enfrent<strong>em</strong> as circunstâncias domésticaspreditivas <strong>para</strong> o crime, como o abuso sexual,a negligência e os maus-tratos —, aos programasintensivos de atividade pós-escolar 17 e auma abordag<strong>em</strong> anti-bullying 18 nas escolas.Ao mesmo t<strong>em</strong>po, o papel a ser cumprido pelaspolíticas <strong>pública</strong>s de saúde quanto à prevençãodo crime e da violência não deve ser subestimado.Uma proporção significativa de crimesviolentos <strong>em</strong> qualquer sociedade cont<strong>em</strong>porâneaArtigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos RolimA<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007 | Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública43


Artigos<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolimestá vinculada a probl<strong>em</strong>as de saúde, destacadamenteao alcoolismo, à dependência química dedrogas pesadas e às desordens psicológicas maissérias. Por esses e outros motivos, reconhece-secada vez mais a existência de uma ampla interfaceentre as políticas de saúde e <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong>.Tendo <strong>em</strong> conta o outro foco proposto, osegressos do sist<strong>em</strong>a penitenciário dev<strong>em</strong> serinseridos <strong>em</strong> programas sociais específicos,com ênfase na assistência social e na formaçãoprofissional <strong>para</strong> a inserção <strong>no</strong> mercadode trabalho. Programas recentes, como o daLearning and Skills Development Agency, <strong>no</strong>Rei<strong>no</strong> Unido, têm permitido sensíveis reduçõesdas taxas de reincidência por meio decursos que procuram melhorar a capacidadede expressão e pensamento dos detentos. 19Assim, não apenas iniciativas de formaçãoprofissional ou de educação formal são importantes.Os países da Europa Ocidentalpossu<strong>em</strong> serviços específicos de acompanhamentode egressos, o que vale <strong>para</strong> todos ospaíses desenvolvidos. No Canadá, por ex<strong>em</strong>plo,o Correctional Service 20 constitui um bomex<strong>em</strong>plo de um serviço governamental criado<strong>para</strong> permitir “uma transição segura das prisões<strong>para</strong> a vida <strong>em</strong> sociedade”. Muitas são, também,as experiências b<strong>em</strong>-sucedidas de apoioà integração social de ex-detentos realizadaspor organizações não governamentais. No<strong>Brasil</strong>, as Associações de Proteção e Assistênciaaos Condenados (Apacs) têm oferecidoum bom ex<strong>em</strong>plo, que, incrivelmente, seguesendo pouco conhecido e l<strong>em</strong>brado. A PrisonFellowship, uma ONG <strong>no</strong>rte-americana deinspiração religiosa que promove a idéia daJustiça Restaurativa e já atua <strong>em</strong> mais de 100países é completamente dedicada à reformado sist<strong>em</strong>a de justiça e à assistência a presose seus familiares. Um dos seus programas assegurainiciativas de boas-vindas a ex-presidiários,envolvendo, com sucesso, voluntáriosdas comunidades e igrejas de distintas convicções.Ex<strong>em</strong>plos do tipo pod<strong>em</strong> ser encontrados<strong>em</strong> quase todos os países.ConclusãoO debate sobre <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>segue uma trajetória errática e pouco racional,marcada pela diss<strong>em</strong>inação de uma extraordináriad<strong>em</strong>anda punitiva, pela ideologizaçãoe pela inexistência de espaços institucionaispermeáveis aos acúmulos produzidos pelaexperiência internacional e pelas evidênciascolhidas <strong>em</strong> pesquisas científicas. As possibilidadesde <strong>i<strong>no</strong>vação</strong>, seja na reestruturaçãodo modelo de polícia “constitucionalizado”,seja na adoção coerente de políticas e técnicasorientadas pelos objetivos da prevenção, segu<strong>em</strong>sendo, portanto, pequenas.O relativo abando<strong>no</strong> de crianças e adolescentesdas <strong>no</strong>ssas periferias, a inexistênciade definições políticas que permitam odesenvolvimento de programas efetivos deresgate social dos jovens <strong>em</strong> situação de risco,a resposta tradicional da repressão e doencarceramento massivo e a crise penitenciáriaproduzida por uma política criminalequivocada e pela omissão oficial faz<strong>em</strong> comque a reprodução ampliada do crime e daviolência <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> encontr<strong>em</strong> as condiçõesideais. Desconstruir estas condições é, hoje,o principal desafio <strong>para</strong> uma política exitosade <strong>segurança</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.44Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública | A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007


1. A base de dados disponível sobre a evolução das taxas criminais <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> é, invariavelmente, aquela oferecida pelos registros policiais. Entretanto, a maior parte dasvítimas <strong>em</strong> todo o mundo não registra ocorrência. As taxas de sub<strong>no</strong>tificação são ainda mais altas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> por conta da baixa confiança nas polícias. Por isso, <strong>para</strong> seestimar o número de crimes praticados e medir as tendências criminais é preciso contar com pesquisas de vitimização, o que t<strong>em</strong> sido sist<strong>em</strong>aticamente negligenciado<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Artigos2. Em 1930, apenas 2% das mortes <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> eram produzidas por causas violentas (homicídios e acidentes). Atualmente, as causas violentas respond<strong>em</strong> por 13,5% dototal de óbitos. A década de 80 foi o momento da “virada” nessa evolução epid<strong>em</strong>iológica, com um aumento de 29% na proporção de mortes violentas. Morreram <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>, por conta da violência, apenas entre 1991 e 2000, 1.118. 651 (um milhão, cento e dezoito mil, seiscentos e cinqüenta e uma) pessoas. Desse total de óbitos,369.068 foram por homicídios, 62.480 por suicídio e 309.212 por acidentes e violências <strong>no</strong> trânsito e <strong>no</strong>s d<strong>em</strong>ais transportes (MINAYO, 2004).3. Ver, por ex<strong>em</strong>plo: Manning, P.K. (1977), Police Work: The Social Organization of Policing. Cambridge, MIT Press. e Kelling, G.L. e Wycoff, M.A. (1978), The DallasExperience: Volume 1.Organizational Reform. Washington, DC, Police Foundation.4. O conceito de “opinião <strong>pública</strong>” é controverso nas ciências sociais e tomo-o aqui, provisoriamente, apenas <strong>para</strong> procurar designar as opiniões mais comumenteexpressas pela maioria das pessoas.5. Algumas pesquisas fora do <strong>Brasil</strong> têm d<strong>em</strong>onstrado que as convicções do público <strong>em</strong> favor de punições mais duras são contrastadas pelas respostas colhidas quantoa casos concretos, momento <strong>em</strong> que a maioria dos entrevistados costuma ser mais leniente do que as sentenças comumente aplicadas. Opiniões fort<strong>em</strong>ente punitivaspod<strong>em</strong>, assim, traduzir <strong>em</strong> larga medida preconceitos e ausência de informações.6. Ver, por ex<strong>em</strong>plo: Weisburd e Braga 2006.7. Este modelo é aquele que aposta na dissuasão, que aumenta o número de policiais, que se estrutura a partir de uma central telefônica e de patrulhas motorizadasque circulam aleatoriamente pela cidade à procura de responder com rapidez às chamadas <strong>em</strong> casos de crimes graves e efetuando o maior número de prisõespossível (WEISBURD e ECK 2004: 44).8. “Pontos quentes”, expressão que trabalha uma das mais importantes características do crime e da violência: sua concentração espacial.9. Ver http://www.rethinking.org.uk/informed/pdf/alternatives_to_prison.pdf.<strong>Caminhos</strong> <strong>para</strong> a <strong>i<strong>no</strong>vação</strong><strong>em</strong> <strong>segurança</strong> <strong>pública</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>Marcos Rolim10. 23 milhões de crimes são cometidos anualmente <strong>no</strong>s EUA, segundo dados do serviço nacional de pesquisas de vitimização (National Crime Victimization Survey- NCVS). Desse total, 22%, ou 5,2 milhões de crimes são praticados com violência. A cada a<strong>no</strong>, há cerca de 16 mil homicídios <strong>no</strong>s EUA (taxa média nacional de seishomicídios <strong>para</strong> cada 100 mil habitantes). Bureau of Justice Statistics (2004), Crime Victimization, disponível <strong>em</strong>: http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/cvictgen.htm.11. O custo individual (s<strong>em</strong> contar os custos de vitimização) expressa o resultado da divisão do total previsto pelo orçamento <strong>para</strong> o sist<strong>em</strong>a de justiça criminal ($ 90bilhões), somado ao gasto anual com <strong>segurança</strong> privada ($ 65 bilhões) pelo número de civis (289.558.274 pessoas, segundo US Census Bureau).12. Os custos de encarceramento per capita na maioria dos países europeus são superiores a estes. O gover<strong>no</strong> da Irlanda do Norte, por ex<strong>em</strong>plo, estima <strong>em</strong> € 87,950 ocusto médio <strong>para</strong> se manter uma pessoa presa por um a<strong>no</strong> (SEYMOUR, 2006).13. Para uma exposição sist<strong>em</strong>ática sobre prevenção ao crime e à violência e as evidências disponíveis quanto às políticas <strong>pública</strong>s <strong>para</strong> a infância e a juventude, vero trabalho de Rolim (2006).14. Tenho procurado d<strong>em</strong>onstrar que dois conceitos pod<strong>em</strong> indicar melhor os sentidos <strong>em</strong> que as políticas de prevenção dev<strong>em</strong> ser compreendidas: o primeiro deles– “fatores de risco” –, retiro diretamente da epid<strong>em</strong>iologia; o segundo – “agenciamento” – é <strong>em</strong>pregado <strong>em</strong> um sentido próprio a partir da sugestão da esquizoanálise,destacadamente das reflexões de Deleuze e Guattari (1995).15. Conselheiros com experiência de trabalho comunitário, tipicamente entre 20 e 30 a<strong>no</strong>s, que cresceram <strong>no</strong>s distritos policiais onde trabalham. Muitos possu<strong>em</strong>credibilidade com os jovens porque estiveram envolvidos <strong>em</strong> brigas com gangues, drogas e violência. São respeitados pelas comunidades e muito b<strong>em</strong> informados.16. Para Minneapolis, a redução foi de 30% dos homicídios, ver: Office of Juvenile Justice Delinquency. (n.d.) Minnesota HEALS (Hope, Education, and Law and Safety)– Minneapolis and St. Paul, MN. National Criminal Justice Reference Service, disponível <strong>em</strong>: http://ojjdp.ncjrs.org/pubs/gun_violence/profile07.html.Para Stockton, a redução foi de 75% dos homicídios de jovens relacionados a gangues, ver: Wakeling, S. (2003). Ending gang homicide: Deterrence can work.Disponível <strong>em</strong> http://safestate.org/documents/local%20level%20.pdf.Para Greensboro, ver: Kennedy, D. A. (2002, July 15). We can make Boston safe again. Disponível <strong>em</strong>: http://www.ksg.harvard.edu/news/opeds/2002/kennedy_boston_violence_ bg_071502.htm .17. Segundo WIEBE et all. (1999), as primeiras horas após o tur<strong>no</strong> <strong>no</strong>rmal de aula conformam um período crítico <strong>em</strong> que se concentra a maior parte dos crimes juvenis,se for<strong>em</strong> considerados apenas os dias letivos.18. A expressão “bullying” dá conta do fenôme<strong>no</strong> da violência <strong>em</strong> suas múltiplas formas — desde a agressão física até o isolamento e a humilhação — produzida entrepares. O fenôme<strong>no</strong> é particularmente significativo entre pré-adolescentes e adolescentes nas escolas.19. Ver Moseley et all. 2006.20. Web-site: http://www.csc-scc.gc.ca/text/home_e.shtml.A<strong>no</strong> 1 Edição 1 2007 | Revista <strong>Brasil</strong>eira de Segurança Pública45


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