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FERRAZ JR., Tercio Sampaio. “O Futuro do Direito”. - USP

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1 Cf. Helmut Coing, Zur Geschichtedes Privatrechtssystems,Frankfurt, 1969, p. 43.O DIREITO HERDADO DAMODERNIDADE: A LIBERDADECOMO NÚCLEO ORGANIZADORo século XVI, começa um movimentode interpretação <strong>do</strong> corpusjuris em que se busca distinguirentre o entendimento sistemáticodas fontes romanas e o seuentendimento histórico-cultural.Explica-se, assim, a proposta deDonellus (Commentatorium JurisCivilis Libri) que constrói to<strong>do</strong> odireito priva<strong>do</strong> como um sistemade direitos materiais 1 . Partin<strong>do</strong> dafamosa formulação de Celsus (jus comohoneste vivere, alterum non laedere, suumcuique tribuere), propõe ele uma definiçãode direito em termos de ea quae suntcuiusque privatim jure tamen illi tributa e,especificamente, como facultas et potestasjure tributa, expressões que denotamqualidades subjetivas. Com isso, Donellusreinterpreta a dicotomia direito público/direitopriva<strong>do</strong> em consonância com a idéiade suum cuique tribuere, entenden<strong>do</strong> o jusprivatum em termos de jus quod privatis etsingulis quod suum est, tribuit. Por contadisso, o direito priva<strong>do</strong> passa a ser teoria<strong>do</strong>s direitos priva<strong>do</strong>s individuais.A classificação de Donellus e sua concepçãode direito subjetivo como faculdadee poder atribuí<strong>do</strong> pelo direito ao indivíduosobre aquilo que lhe pertence não só incorporaa noção de livre arbítrio como essênciahumana, como também exige uma clara distinçãoentre a personalidade comunitária e apersonalidade individual. A homogeneidadeda personalidade comunitária é garantidapela organização e, como tal, se destacade seus membros, as pessoas morais. Essadistinção cria condições para uma outra,entre a vinculação <strong>do</strong> comportamento derivada<strong>do</strong> estatuto social e a derivada <strong>do</strong>compromisso contraí<strong>do</strong>, base para umaconcepção racionalizada da diferença entredireito objetivo e subjetivo.O desenvolvimento de relações juridicamenteordenadas para uma sociedade<strong>do</strong> tipo contratual e para o próprio direitocomo liberdade e, em especial, para configuraçõesjurídicas da idéia de autonomiaautorizada por regulamentos de um podercentral resulta <strong>do</strong> enfraquecimento da noçãode um estatuto difuso e sagra<strong>do</strong>, <strong>do</strong>nde ocrescimento da liberdade individual.Essa liberdade, como um da<strong>do</strong> típicoda espontaneidade humana, opõe-se à natureza,enquanto um mun<strong>do</strong> regi<strong>do</strong> por leisdeterminadas.De um la<strong>do</strong>, como a idéia de bem setorna relativa à perspectiva <strong>do</strong>s indivíduos,o subjetivismo da vontade se separa e secontrapõe ao objetivismo da razão e da ciência:é a separação entre consciência ética everdade. De outro, a vinculação das normasda moral e da religião restringe-se à esferadas decisões privadas da consciência, separan<strong>do</strong>-seda vinculação objetiva das normasjurídicas: é a separação entre consciênciamoral e direito. Segue daí uma terceira separação:a consciência ética deixa de ser vistacomo um problema de scientia e passa a umproblema de conduta e valoração, <strong>do</strong>nde aseparação entre liberdade e natureza comouniversos distintos.O resulta<strong>do</strong> dessa liberdade é, então, aabertura de oportunidades para aproveitarseo indivíduo <strong>do</strong> emprego inteligente daposse de bens no merca<strong>do</strong> sem limitaçõesjuridicamente externas para conseguir podersobre outros indivíduos. Esse poder assumea forma jurídica de uma autorização préconstituída,fundada na própria liberdade,formalmente acessível a qualquer um, defato à disposição daqueles que detêm bens.Em conseqüência, temos uma organizaçãopolítica caracterizada por uma descentralização<strong>do</strong> poder para efeitos de produçãode normas jurídicas que obrigam quem secompromete, mas que exigem uma estruturaglobal abstrata de coordenação: o Esta<strong>do</strong>.Contu<strong>do</strong>, o crescimento dessa liberdadeformal não impede, mas fortalece a exigênciade um poder central com força coativasuperior. Max Weber (Wirtschaft und GesellschaftTübigen, 1976, II. Halbband, VII,Par. 2 o ) assinala que é com o monopólio da8REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.74, p. 6-21, junho/agosto 2007

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