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HUMOR PARA<br />
MAL-HUMORADOS<br />
Gregório Duvivier<br />
quer cutucar certezas<br />
LIVROS PARA<br />
PEQUENOS CIDADÃOS<br />
Além de histórias,<br />
respeito ao próximo<br />
nº 116 abril/2016 www.redebrasilatual.com.br<br />
NÃO SE<br />
ILUDA<br />
To<strong>do</strong>s defendem o combate à corrupção.<br />
Mas “salva<strong>do</strong>res da pátria” querem cortar<br />
direitos, privatizar e dar o pré-sal
RESPEITO À DEMOCRACIA<br />
ASSISTA AO SEU JORNAL<br />
DAS 19H15 ÀS 20H, DE SEGUNDA A SÁBADO<br />
Notícias, reportagens, entrevistas, colunistas no <strong>Brasil</strong><br />
e no mun<strong>do</strong>, dicas, cultura e mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho com<br />
o olhar da democracia e <strong>do</strong> desenvolvimento<br />
econômico com inclusão social<br />
Canal 44.1 HD digital<br />
em toda Grande São Paulo<br />
Canal 2 Net:<br />
São Paulo (das 19h às 20h30)<br />
Canal 46:<br />
Mogi das Cruzes<br />
Canal 12 Net:<br />
Grande ABCD<br />
No site: tvt.org.br<br />
Satélite C3,<br />
frequência 3851,<br />
symbol rate 6247,<br />
vertical: em to<strong>do</strong> o <strong>Brasil</strong>
ÍNDICE<br />
EDITORIAL<br />
8. <strong>Brasil</strong><br />
As reais intenções<br />
<strong>do</strong>s “indigna<strong>do</strong>s”<br />
18. Entrevista<br />
Duvivier e o remédio<br />
contra a “outrofobia”<br />
22. Trabalho<br />
Acor<strong>do</strong> contra os<br />
males <strong>do</strong> mercúrio<br />
26. América Latina<br />
Início <strong>do</strong> governo Macri<br />
inquieta a Argentina<br />
32. Ambiente<br />
Futuro <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
clima causa dúvidas<br />
36. Literatura<br />
O poeta da floresta<br />
completa 90 anos<br />
Pirâmides em<br />
Teotihuacán<br />
40. Viagem<br />
História e histórias<br />
nas rotas <strong>do</strong> México<br />
44. Cidadania<br />
Livros infantis que<br />
evocam respeito<br />
Seções<br />
Cartas 4<br />
Marcio Pochmann 5<br />
Destaques <strong>do</strong> mês 6<br />
Lalo Leal 15<br />
Mauro Santayana 16<br />
Emir Sader 31<br />
Curta essa dica 48<br />
Atitude 50<br />
PIXABAY<br />
Chico no Rio: divergências existem, mas não se pode pôr em dúvida a integridade da presidenta<br />
Fazer valer a democracia<br />
Ouan<strong>do</strong> Chico Buarque apareceu de surpresa em uma manifestação contra<br />
o impeachment no tradicional Largo da Carioca, no centro <strong>do</strong> Rio,<br />
logo se lembrou <strong>do</strong> golpe de 52 anos atrás, já que era 31 de março. O<br />
cantor e compositor fez referência à data, mas para lembrar que aquele<br />
episódio não poderia se repetir. E fez um apelo ao bom senso: as pessoas<br />
podem não gostar <strong>do</strong> PT, podem não ter vota<strong>do</strong> em Dilma, porém não se podia<br />
pôr em dúvida a integridade da presidenta.<br />
Quem faz comentários políticos tem si<strong>do</strong> hostiliza<strong>do</strong> nas redes sociais, nas ruas,<br />
até dentro de casa. Usar determinadas roupas pode ser motivo de agressão física. Ter<br />
opinião tornou-se condenável. Especialmente quan<strong>do</strong> vai contra a corrente, aquela<br />
encampada pelos principais meios de comunicações, para quem o <strong>Brasil</strong> só anda para<br />
a frente se varrer <strong>do</strong> mapa não a corrupção, mas um parti<strong>do</strong> político, apenas um.<br />
O que embute também aversão a um ideário de busca de avanços sociais, em um país<br />
ainda muito atrasa<strong>do</strong>.<br />
Em sua coluna nesta edição (leia à página 15), o professor Lalo Leal observa: para<br />
saber o que está acontecen<strong>do</strong> no país, é melhor acompanhar os meios de comunicação<br />
estrangeiros. A cobertura política trata de forma desigual as manifestações e inclina-<br />
-se à derrubada <strong>do</strong> governo. Isso quan<strong>do</strong> não trata de forma ofensiva e desrespeitosa<br />
alguns de seus representantes. Em nome da livre expressão, recorre-se ao vale-tu<strong>do</strong>.<br />
Em nome da moralidade, quantos interesses e valores inconfessáveis. Corruptos avalian<strong>do</strong><br />
o impeachment?<br />
Assim, é preciso dizer quem quer o quê, e o que está em jogo, com a mudança no<br />
poder. Reformas, sim. Mas para a turma <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, a quem o governo<br />
equivocadamente acenou nos últimos anos, esquecen<strong>do</strong> que há interesses inconciliáveis<br />
em questão. Eles querem eliminar direitos, flexibilizar, privatizar. De um governo<br />
apoia<strong>do</strong> por movimentos sociais esperam-se ações para o crescimento, pela redução da<br />
desigualdade e por justiça social, caminho que o país começou a trilhar, timidamente.<br />
Eles querem retomar uma histórica tradição brasileira, de governar para poucos.<br />
Nota da Redação: esta edição foi fechada no dia 6 de abril, procuran<strong>do</strong> acompanhar, <strong>do</strong> jeito<br />
possível, a velocidade cada vez maior <strong>do</strong>s acontecimentos, em especial na política brasileira.<br />
MÍDIA NINJA<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 3
CARTAS<br />
www.redebrasilatual.com.br<br />
Coordenação de<br />
planejamento editorial<br />
Paulo Salva<strong>do</strong>r e Valter Sanches<br />
Editores<br />
Paulo Donizetti de Souza<br />
Vander Fornazieri<br />
Editor Assistente<br />
Vitor Nuzzi<br />
Redação<br />
Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduar<strong>do</strong><br />
Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda<br />
Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes<br />
Arte<br />
Leandro Siman<br />
Iconografia<br />
Sônia Oddi<br />
Capa<br />
Montagem com fotos da Pixabay.<br />
Paulo Pepe/RBA (Gregório Duvivier)<br />
Ilustração de Júnior Caramez para A Princesa<br />
e a Costureira (livros infantis).<br />
Sede<br />
Rua São Bento, 365, 19º andar,<br />
Centro, São Paulo, CEP 01011-100<br />
Tel. (11) 3295 2800<br />
Comercial<br />
Sucesso Mídia (61) 3328 8046<br />
Suporte, divulgação e adesões<br />
(11) 3295 2800 (Carla Gallani)<br />
Impressão<br />
Bangraf (11) 2940 6400<br />
Simetal (11) 4341 5810<br />
Distribuição<br />
Gratuita aos associa<strong>do</strong>s<br />
das entidades participantes.<br />
Tiragem<br />
120 mil exemplares<br />
Conselho diretivo<br />
Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio<br />
Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa,<br />
Antônio Laércio Andrade de Alencar,<br />
Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos<br />
Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello,<br />
Claudir Nespolo, Cleiton <strong>do</strong>s Santos Silva,<br />
Deusdete José das Virgens, Douglas Izzo,<br />
Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva<br />
Feliciano, Eliana <strong>Brasil</strong> Campos, Eric Nilson,<br />
Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano,<br />
Francisco Jr. Maciel da Silva, Genival<strong>do</strong><br />
Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas,<br />
Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos<br />
Lima, Isaac Jarbas <strong>do</strong> Carmo, Izídio de<br />
Brito Correia, José Eloir <strong>do</strong> Nascimento,<br />
José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete<br />
de Oliveira Silva, José Roberto <strong>Brasil</strong>eiro,<br />
Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas,<br />
Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva<br />
Holanda, Marcos Frederico Dias Breda,<br />
Maria Izabel Azeve<strong>do</strong> Noronha, Nilton Souza<br />
da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo<br />
João Estaúsia, Raimun<strong>do</strong> Suzart, Raul Heller,<br />
Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto,<br />
Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria<br />
Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes,<br />
Valmir Marques da Silva, Wilson Franca<br />
<strong>do</strong>s Santos.<br />
Diretores responsáveis<br />
Juvandia Moreira<br />
Rafael Marques<br />
Diretores financeiros<br />
Rita Berlofa<br />
Moisés Selerges Júnior<br />
Rede da legalidade<br />
A riqueza <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> tem que ser dividida<br />
com os brasileiros e não com meia dúzia de<br />
empresários e políticos neoliberais corruptos...<br />
(“A nova rede da legalidade”, ed. 115)<br />
Edu Souza<br />
A culpa por tu<strong>do</strong> que acontece atualmente<br />
é <strong>do</strong> próprio Lula. Sabia que a<br />
oposição iria fritá-lo na primeira oportunidade,<br />
mas mesmo assim não acreditou.<br />
Acabou dan<strong>do</strong> no que deu. Foi<br />
ataca<strong>do</strong> há tempo mas nem ele e nem<br />
o PT se defenderam. Deixaram para reagir<br />
no final. Agora... aguentem!!! E o<br />
<strong>Brasil</strong>?<br />
Novo <strong>Brasil</strong><br />
Fui assinante de Exame durante alguns<br />
anos. Quan<strong>do</strong> a revista passou a priorizar<br />
assuntos de política, diga-se, defender<br />
os interesses de parti<strong>do</strong>s e políticos<br />
de direita em detrimento de assuntos de<br />
economia e negócios, cancelei a assinatura<br />
e deixei de lê-la. Ficou uma revista canalha<br />
igual à sua irmã Veja. Admira-me<br />
que o governo que apanha semanalmente<br />
desse lixo ainda tenha coragem de nela<br />
fazer anúncios.<br />
Miguel Silva<br />
Chico Buarque<br />
Chico é Chico... E ponto. (“O disco <strong>do</strong><br />
Chico”, ed. 115)<br />
José Fernandes<br />
carta@revista<strong>do</strong>brasil.net<br />
Atraso<br />
Vários erros foram cometi<strong>do</strong>s. O PT, esse<br />
tempo to<strong>do</strong> no governo, tem uma base<br />
irrisória, confiou no PMDB, usou e abusou<br />
de coligação nos esta<strong>do</strong>s, tinha que ter<br />
aproveita<strong>do</strong> e crescer como parti<strong>do</strong>, mas<br />
foi se atrelar ao PMDB e na primeira oportunidade<br />
é traí<strong>do</strong> pelo seu “parceiro”. O<br />
pior vice que poderia arrumar foi Temer,<br />
pelo seu caráter e pela sua base política. Se<br />
fosse de qualquer outro esta<strong>do</strong>, não estava<br />
conspiran<strong>do</strong>. Paulista, nasceu na política<br />
pregan<strong>do</strong> golpe... A história nos diz isso.<br />
(“Sob o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> atraso”, ed. 115)<br />
Manu<br />
Nenhum <strong>do</strong>s BRICS está viven<strong>do</strong> em céu<br />
de brigadeiro. Talvez a Índia seja mais<br />
dócil que o <strong>Brasil</strong>. A Rússia está gastan<strong>do</strong><br />
alguns bilhões por ano na área militar.<br />
A economia chinesa começará a enfrentar<br />
os problemas tipicamente ocidentais.<br />
Mun<strong>do</strong> afora, já se fala numa situação<br />
pré WW III, onde a crise <strong>do</strong> capitalismo<br />
só se resolveria com mais um conflito.<br />
Dilma já não tem muita margem de manobra,<br />
que piora em função de sua personalidade<br />
honesta, mas centraliza<strong>do</strong>ra. Na<br />
surdina o Congresso entrega o <strong>Brasil</strong> com<br />
tu<strong>do</strong> dentro.<br />
Marcos Silva<br />
Vinil<br />
Os discos de vinil fazem da vida de seus<br />
amantes uma verdadeira trilha sonora.<br />
(“Os senti<strong>do</strong>s na ponta da agulha”, ed. 114)<br />
Som Livros Usa<strong>do</strong>s<br />
Zika<br />
Aqui em Ponta Grossa (PR), o Exército<br />
aparentemente esteve nas casas. Mas na<br />
rua onde passo, vejo atráves das grades<br />
aproximadamente 30 garrafas com a boca<br />
para cima e pela metade de água. Não<br />
posso acreditar em certas coisas... (...) (“O<br />
fenômeno Zika”, ed. 114)<br />
Renato Andretti<br />
As mensagens para a <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> podem ser enviadas para o e-mail acima ou para<br />
o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100.<br />
Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.<br />
4 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
MARCIO POCHMANN<br />
Ética empresarial e<br />
a traição das elites<br />
Sem que o <strong>Brasil</strong> herda<strong>do</strong> <strong>do</strong> neoliberalismo seja passa<strong>do</strong> a limpo,<br />
dificilmente a democracia será mantida plenamente<br />
Na sociedade atual, a ética orientada<br />
pela consciência, independente de<br />
vícios e vontade alheia, conforme definida<br />
por clássicos como Aristóteles ,<br />
terminou sen<strong>do</strong> associada ao cumprimento<br />
das leis estabelecidas. Nesse senti<strong>do</strong>, a<br />
busca pelo capital enquanto objetivo exclusivo <strong>do</strong>s<br />
indivíduos submeti<strong>do</strong>s ao capitalismo estaria media<strong>do</strong><br />
pela ação da política e leis.<br />
Em grande medida, a realidade brasileira da corrupção<br />
desvendada por várias operações <strong>do</strong>s órgãos de vigilância,<br />
repressão e justiça explicita como o “amor pelo<br />
dinheiro”, conforme aponta<strong>do</strong> por J. Keynes, subverteu<br />
as leis exigentes de convivência ética, sobretu<strong>do</strong> empresarial.<br />
Mas isso somente se tornou possível com a<br />
liberdade de atuação e as condições decentes de trabalho<br />
concedidas aos órgãos responsáveis pelo governo<br />
lidera<strong>do</strong> pelo PT desde 2003.<br />
Acontece que a prática <strong>do</strong> corrupto no setor público<br />
somente se manifesta a partir da existência <strong>do</strong><br />
corruptor no setor priva<strong>do</strong>, conforme entendeu a<br />
Lei 12.846, de 2013, que inovou a respeito da responsabilização<br />
administrativa e civil de pessoas jurídicas<br />
pela prática de atos contra a administração pública.<br />
Assim, o <strong>Brasil</strong> passou a assistir, pela primeira vez,<br />
empresários sen<strong>do</strong> presos e condena<strong>do</strong>s por práticas<br />
de corrupção.<br />
Percebe-se que, embora a prática da corrupção seja<br />
de longa duração, somente com o novo instrumento<br />
legal e liberdade de atuação das instituições responsáveis<br />
que a prática da corrupção foi detectada e<br />
coibida em grande escala. Mas, para além disso, deve-se<br />
considerar que a desconstrução <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> por<br />
força das políticas neoliberais a<strong>do</strong>tadas ao longo <strong>do</strong>s<br />
anos de 1990 enfraqueceu os dispositivos de coibição<br />
das práticas da malversação <strong>do</strong>s recursos públicos.<br />
Em função disso, a relação entre o Esta<strong>do</strong> e o merca<strong>do</strong><br />
foi sen<strong>do</strong> gradual e lentamente comprometida<br />
pela presença crescente de cartéis participantes <strong>do</strong>s<br />
processos licitatórios nas compras públicas. O aban<strong>do</strong>no<br />
da ética empresarial tornou-se inegável, com o<br />
ANDRÉ TAMBUCCI/ FOTOS PÚBLICAS<br />
desvio das normas básicas da competição em torno<br />
<strong>do</strong>s contratos com o setor público (União, esta<strong>do</strong>s e<br />
municípios) e empresas estatais.<br />
Com a finalidade de acobertar essa prática difundida<br />
no <strong>Brasil</strong> em torno <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no da ética empresarial,<br />
foi sen<strong>do</strong> absorvi<strong>do</strong> e financia<strong>do</strong> o sistema<br />
político nacional, bem como outras instituições de<br />
controle e justiça. O descrédito da população frente<br />
à deturpação da representação partidária e <strong>do</strong>s certames<br />
eleitorais fortalece o movimento maior que<br />
está em curso, de alterar profundamente a relação<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com o merca<strong>do</strong>.<br />
Diante disso, contu<strong>do</strong>, as elites distanciam-se <strong>do</strong><br />
compromisso democrático, alienan<strong>do</strong> mais e organizan<strong>do</strong><br />
forças sociais em torno <strong>do</strong> impedimento da<br />
presidente Dilma, cujo enfrentamento da corrupção<br />
tem si<strong>do</strong> incomparável e leva<strong>do</strong> a ferro e fogo. A traição<br />
maior ocorre quan<strong>do</strong> o movimento das elites<br />
pretende colocar outro governo, qualquer governo,<br />
sem base legal para solapar as operações que colocam<br />
em xeque quase to<strong>do</strong>s os parti<strong>do</strong>s e lideranças<br />
nacionais e locais.<br />
Sem que o <strong>Brasil</strong> herda<strong>do</strong> <strong>do</strong> neoliberalismo e que<br />
borrou a ética empresarial seja passa<strong>do</strong> a limpo, dificilmente<br />
a democracia será mantida plenamente.<br />
Por isso, a traição das elites em relação à defesa <strong>do</strong><br />
regime democrático no <strong>Brasil</strong>.<br />
O descrédito da<br />
população frente<br />
à deturpação da<br />
representação<br />
partidária e<br />
<strong>do</strong>s certames<br />
eleitorais<br />
fortalece o<br />
movimento<br />
maior que<br />
está em curso,<br />
de alterar<br />
profundamente<br />
a relação <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> com o<br />
merca<strong>do</strong><br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 5
edebrasilatual.com.br Informação<br />
diária no portal,<br />
no Twitter e no Facebook<br />
Obama e<br />
Raúl Castro<br />
Para crianças, não<br />
Em votação unânime, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou<br />
a proibição de publicidade infantil. A decisão saiu após uma ação<br />
<strong>do</strong> Ministério Público de São Paulo contra uma peça publicitária,<br />
a partir de uma denúncia feita em 2007. O STJ julgou procedentes<br />
as denúncias de publicidade abusiva e venda casada, afirman<strong>do</strong> que<br />
deveriam ter si<strong>do</strong> respeitadas normas de proteção específicas <strong>do</strong><br />
público infantil. “É uma decisão paradigmática. É a primeira que<br />
chega no STJ sobre esse tema e traz interpretação de um conjunto<br />
de leis que garantem a prioridade absoluta <strong>do</strong> direito das crianças,<br />
inclusive nas relações de consumo”, afirmou a advogada que representa<br />
a Alana, associação autora da denúncia. bit.ly/rba_crianças<br />
Trabalho para eles, não<br />
O <strong>Brasil</strong> tem ainda mais de 3 milhões de jovens de 5 a 17 anos trabalhan<strong>do</strong>,<br />
mas esse número vem diminuin<strong>do</strong>. Em duas décadas, de 1992 a 2013, a<br />
redução foi de 59% – de 7,8 milhões para 3,2 milhões. A queda no perío<strong>do</strong><br />
2003-2013 foi de: 38,4%. Os da<strong>do</strong>s foram divulga<strong>do</strong>s pelo Fórum Nacional de<br />
Prevenção e Erradicação <strong>do</strong> Trabalho Infantil, com base em informações <strong>do</strong><br />
IBGE. bit.ly/rba_infantil<br />
Apesar da<br />
redução, o<br />
<strong>Brasil</strong> ainda tem<br />
3 milhões de<br />
trabalha<strong>do</strong>res<br />
entre 5 e 17 anos<br />
FOTOS: PIXABAY<br />
VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL<br />
Tio Sam na Ilha<br />
A presença de um presidente norte-<br />
-americano em Cuba representou um<br />
fato histórico que ainda terá repercussões<br />
devidamente conhecidas. Em 22 de<br />
março, Barack Obama afirmou ser<br />
preciso “enterrar os restos da Guerra Fria<br />
nas Américas” e disse que seu governo<br />
continuará trabalhan<strong>do</strong> pelo fim <strong>do</strong><br />
embargo econômico à Ilha, em decisão<br />
que depende <strong>do</strong> Congresso de seu país.<br />
Especialistas destacam os esforços<br />
diplomáticos da Casa Branca e <strong>do</strong> Vaticano<br />
para consumar esse reencontro, mas<br />
lembram que se trata de um processo<br />
também tardio, à medida que outros países,<br />
como China e Rússia, já intensificaram essa<br />
aproximação. bit.ly/rba_cuba<br />
Canibais<br />
nos trilhos<br />
Uma denúncia de “canibalização” de trens<br />
levou a Companhia <strong>do</strong> Metropolitano<br />
(Metrô) de São Paulo ao Tribunal de<br />
Contas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (TCE), e diretores da<br />
empresa admitiram que foram retiradas<br />
peças de cinco composições para garantir a<br />
manutenção de outras. Mas alegaram que<br />
se tratava de um procedimento planeja<strong>do</strong>.<br />
Segun<strong>do</strong> o Sindicato <strong>do</strong>s Metroviários,<br />
havia 11 trens para<strong>do</strong>s, em duas regiões,<br />
nas zonas leste e sul da capital paulista.<br />
A entidade afirma que o Metrô tira vários<br />
itens dessas unidades para que outras<br />
possam operar.<br />
bit.ly/rba_metro1<br />
bit.ly/rba_metro2<br />
CUBA DEBATE<br />
6 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
Reitor e índio<br />
O <strong>do</strong>utor em Agronomia Jefferson Fernandes <strong>do</strong><br />
Nascimento, 51 anos, tornou-se em 12 de março o<br />
primeiro reitor indígena <strong>do</strong> país. Eleito em novembro, ele<br />
assumiu a reitoria da Universidade Federal de Roraima<br />
(UFRR), instituição criada em 1989 e que nunca teve<br />
em sua direção um representante <strong>do</strong> próprio esta<strong>do</strong>.<br />
Nascimento é da etnia Macuxi, a maior de Roraima.<br />
“Somos dividi<strong>do</strong>s em várias comunidades, com localização<br />
diversa no esta<strong>do</strong> em regiões de fronteira”, conta. “Sempre<br />
que posso participo, com minha família, das atividades<br />
culturais, além de acompanhar desafios da região em várias<br />
esferas: política, social, econômica. Valorizo<br />
minhas raízes.”<br />
Ele lembra que a UFRR é a primeira instituição federal<br />
de ensino superior a implementar cursos específicos de<br />
graduação para formação de indígenas. “Nosso objetivo<br />
é desenvolver e articular com professores, comunidades<br />
e organizações de Roraima e com a sociedade em geral a<br />
formação profissional <strong>do</strong>s indígenas da região, de mo<strong>do</strong><br />
específico, diferencia<strong>do</strong> e intercultural. Temos visto a<br />
melhoria na qualidade deste estudante que sai da UFRR<br />
e amplia espaços sociais e políticos na sociedade e a<br />
contribuição para suas comunidades.”<br />
bit.ly/rba_reitor<br />
Eleito em novembro, Jefferson Fernandes <strong>do</strong> Nascimento<br />
é da etnia Macuxi, a maior de Roraima<br />
UFRR<br />
Muitos interesses em<br />
torno <strong>do</strong> fornecimento<br />
da água potável<br />
Não é bem assim<br />
As chuvas <strong>do</strong>s primeiros meses de 2016 trouxeram<br />
alívio à população de São Paulo, mas o problema está<br />
longe de terminar, em que pese declaração feita pelo<br />
governa<strong>do</strong>r Geral<strong>do</strong> Alckmin (PSDB), para quem a<br />
crise está superada. “(A afirmação) mostra uma visão<br />
equivocada sobre segurança hídrica, induz o aumento<br />
<strong>do</strong> consumo e, consequentemente, diminui a já frágil<br />
resiliência da Grande São Paulo para enfrentar novas<br />
crises. Inclusive porque a situação atual é melhor <strong>do</strong><br />
que na mesma data em 2014 e 2015, mas ainda muito<br />
pior <strong>do</strong> que era entre 2010 e 2013, perío<strong>do</strong> anterior<br />
à crise”, diz a Aliança pela Água, que reúne 48<br />
organizações. Para a Aliança, as chuvas contribuíram<br />
para a recuperação <strong>do</strong> nível <strong>do</strong>s reservatórios, “mas<br />
ainda estamos distantes de atingir um nível seguro”.<br />
bit.ly/rba_agua1<br />
O Dia Mundial da Água, celebra<strong>do</strong> em 22 de março,<br />
foi motivo para reflexão sobre como os interesses<br />
financeiros pre<strong>do</strong>minam sobre questões sociais e<br />
ambientais. Os rios de São Paulo são exemplo disso.<br />
“Temos de ter uma cultura de apropriação <strong>do</strong>s rios.<br />
É preciso considerar que os rios são nossos amigos, e<br />
não depósitos de lixo. Isso tem de mudar. O rio não é<br />
sujo, sujos somos nós, que poluímos os rios”, afirma<br />
o pesquisa<strong>do</strong>r e ecologista Ricar<strong>do</strong> Raele, autor <strong>do</strong><br />
livro Análise Ambiental: Sustentabilidade, Cenários e<br />
Estratégia, lança<strong>do</strong> em 2015.<br />
Para ele, os rios são termômetros de nosso estágio<br />
civilizatório. Ele destaca ganhos sociais, econômicos,<br />
políticos, culturais e estratégicos com um processo<br />
de despoluição. “Mas <strong>do</strong> ponto de vista social, os<br />
ganhos são os mais importantes. Com esses rios<br />
limpos, nós poderíamos ter um parque linear<br />
gigantesco. A cidade seria cortada pelos rios e pelo<br />
parque, com árvores, atrain<strong>do</strong> pássaros, por exemplo,<br />
e equipamentos culturais também poderiam atrair<br />
as pessoas, como um museu de história natural, com<br />
da<strong>do</strong>s da fauna e flora construída nesses rios, e que já<br />
existia antes da poluição.” bit.ly/rba_agua2<br />
MARCOS SANTOS/USP IMAGENS<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 7
BRASIL<br />
Articula<strong>do</strong>res contra o governo<br />
dizem que não há golpe, mas situação<br />
política obriga atores a revelar suas verdadeiras,<br />
e muitas vezes violentas, intenções<br />
NA HORA DA<br />
No país <strong>do</strong>s para<strong>do</strong>xos chama<strong>do</strong><br />
<strong>Brasil</strong>, políticos investiga<strong>do</strong>s<br />
por corrupção<br />
e alguns até réus, como<br />
o presidente da Câmara,<br />
Eduar<strong>do</strong> Cunha (PMDB-RJ), tentam levar<br />
adiante um processo de impeachment<br />
contra uma presidente da República sem<br />
que haja, ao menos até agora, um crime de<br />
responsabilidade. Parti<strong>do</strong>s de oposição pedem<br />
formalmente a prisão de Guilherme<br />
Boulos, líder <strong>do</strong>s sem-teto, acusan<strong>do</strong>-o de<br />
incitar a violência, enquanto seus alia<strong>do</strong>s<br />
pregam abertamente atos ofensivos contra<br />
artistas e juízes, ou contra qualquer um<br />
que se manifestar a favor da preservação<br />
<strong>do</strong> mandato de Dilma Rousseff.<br />
O clima de intolerância instaura<strong>do</strong> no<br />
país levou a reações que fazem supor que<br />
o jogo não está decidi<strong>do</strong>. Comitês pela<br />
democracia se multiplicaram pelo país,<br />
assim como seguidas manifestações de<br />
rua defendem a legalidade e chamam a<br />
atenção para as intenções por trás de um<br />
8 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
BRASIL<br />
FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL<br />
Para virar a mesa e intimidar, vale praticamente<br />
tu<strong>do</strong>. Um colunista <strong>do</strong> jornal<br />
Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman,<br />
por exemplo, escreveu na edição de 5 de<br />
abril que o impeachment de Dilma seria<br />
uma solução “muito mais civilizada que<br />
o assassinato”. E um grupo chegou a oferecer<br />
uma gratificação a quem filmasse<br />
ataques ao ex-ministro Ciro Gomes, crítico<br />
<strong>do</strong> processo de impedimento.<br />
Apreço à democracia<br />
Em 31 de março, quan<strong>do</strong> várias manifestações<br />
pelo país pregaram o respeito<br />
à legalidade e criticaram o processo de<br />
impeachment, muitos se lembraram de<br />
1964. O cantor e compositor Chico Buarque<br />
apareceu em um ato no Rio de Janeiro<br />
e admitiu que existem desiludi<strong>do</strong>s<br />
com o governo e gente que não gosta <strong>do</strong><br />
PT ou de Dilma, mas ponderou que isso<br />
não podia significar dúvidas quanto<br />
à integridade da presidenta. Disse ainda<br />
que to<strong>do</strong>s estavam uni<strong>do</strong>s “pelo apreço à<br />
democracia e em defesa intransigente da<br />
democracia”.<br />
Caetano Veloso, não exatamente um<br />
apoia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> governo, viu semelhanças<br />
entre o ato anti-Dilma <strong>do</strong> dia 13 de março,<br />
na Avenida Paulista, em São Paulo, e<br />
a Marcha da Família com Deus pela Liberdade,<br />
manifestação conserva<strong>do</strong>ra de<br />
1964. E seu público mostrou que outros<br />
personagens estão na mira: durante apresentação<br />
com Gilberto Gil no Farol da<br />
Barra, em Salva<strong>do</strong>r, a plateia completava<br />
com gritos de “Cunha!” o refrão da música<br />
Odeio Você. Caetano também acompanhou<br />
o coro que foi se repetin<strong>do</strong> em atos<br />
pelo país, o “não vai ter golpe”.<br />
Réu no Supremo Tribunal Federal<br />
(STF), Eduar<strong>do</strong> Cunha segue em frente<br />
nas articulações contra Dilma. Na Câmara,<br />
a comissão especial que analisa o processo<br />
de impeachment acelerou os trabalhos<br />
– a expectativa era de que a votação<br />
ocorreria no dia 18 de abril –, enquanto<br />
as reuniões <strong>do</strong> Conselho de Ética, que<br />
investiga Cunha, se arrastam há meses.<br />
Mesmo quem se declara como oposição,<br />
mas é contra o impeachment, sofre<br />
ataques. Em cerimônia no Palácio <strong>do</strong> Planalto,<br />
a atriz Letícia Sabatella disse diante<br />
de Dilma que era oposição ao governo,<br />
mas comparecia ao ato a favor da presidenta<br />
porque via em ação um plano oposicionista<br />
para tomar o poder “na marra”.<br />
Pouco tempo depois, foi atacada em<br />
redes sociais e teve o perfil apaga<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
Facebook.<br />
Golpe palaciano<br />
Alguns <strong>do</strong>s principais jornais embarcaram<br />
com gosto na campanha para remover<br />
o governo, replican<strong>do</strong> discurso <strong>do</strong><br />
merca<strong>do</strong> financeiro que só sem Dilma o<br />
país pode entrar no eixo. Mas uma gestão<br />
<strong>do</strong> PMDB, que em três minutos decidiu<br />
deixar a base aliada, seria solução?<br />
“O PMDB encontra-se envolvi<strong>do</strong> em<br />
to<strong>do</strong>s os episódios de corrupção que<br />
são utiliza<strong>do</strong>s para atingir o PT”, diz<br />
o cientista político Fabiano Santos, em<br />
entrevista ao jornal El País. “Dificil-<br />
VERDADE<br />
suposto clamor pela moralidade. Entidades<br />
patronais e políticos conserva<strong>do</strong>res se<br />
preparam para uma avalanche de iniciativas<br />
contra direitos sociais, pela chamada<br />
flexibilização da legislação trabalhista,<br />
por mais privatizações e mudanças na lei<br />
<strong>do</strong> pré-sal, a fim de facilitar o jogo para<br />
empresas de fora.<br />
ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL<br />
DUPLA DINÂMICA<br />
Uni<strong>do</strong>s em uma mesma<br />
estratégia, o vice-presidente,<br />
Michel Temer, e o presidente<br />
da Câmara, Eduar<strong>do</strong> Cunha, são<br />
as principais peças <strong>do</strong> PMDB<br />
no xadrez político em que se<br />
transformou a tentativa das<br />
forças conserva<strong>do</strong>ras de apear <strong>do</strong><br />
poder o PT e a presidenta Dilma<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 9
BRASIL<br />
mente os atores hoje inconforma<strong>do</strong>s<br />
com o governo, à esquerda e à direita,<br />
enxergariam nas lideranças deste parti<strong>do</strong><br />
autoridade e competência para<br />
administrar a crise, sobretu<strong>do</strong> em uma<br />
conjuntura que para muitos resulta de<br />
um golpe palaciano.”<br />
Para o analista, um processo de<br />
impeachment vitorioso teria significa<strong>do</strong>s<br />
negativos para o país. “Significaria a<br />
quebra <strong>do</strong> jogo democrático e a revelação<br />
de que as bases institucionais da democracia<br />
brasileira ainda são frágeis, ao<br />
contrário <strong>do</strong> que vínhamos imaginan<strong>do</strong><br />
desde a promulgação da Constituição de<br />
1988”, afirma, identifican<strong>do</strong> uma “típica<br />
conspiração palaciana, apoiada por setores<br />
monopólicos <strong>do</strong>s meios de comunicação<br />
e setores <strong>do</strong> Poder Judiciário”.<br />
Pode-se dizer que apoiada também<br />
com forte presença empresarial, ten<strong>do</strong><br />
à frente o presidente da Federação<br />
das Indústrias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo<br />
(Fiesp), o peemedebista Paulo Skaf. Ao<br />
mesmo tempo em que aponta a penúria<br />
<strong>do</strong> setor industrial, que de fato enfrenta<br />
grave crise, o líder patronal não<br />
economizou em sua campanha pela renúncia<br />
e, posteriormente, pelo impeachment.<br />
As estimativas vão à casa <strong>do</strong>s<br />
milhões de reais em anúncios – professores<br />
da rede particular em São Paulo<br />
calculam ao menos R$ 8 milhões –,<br />
sem contar sanduíches de filé-mignon a<br />
manifestantes antigoverno entrincheira<strong>do</strong>s<br />
diante da Fiesp, também na Avenida<br />
Paulista, e um pato gigante sobre o<br />
qual pesa acusação de plágio por parte<br />
de um artista holandês.<br />
Várias entidades patronais se manifestaram<br />
pela saída de Dilma <strong>do</strong> governo,<br />
como fator necessário para o país iniciar<br />
um processo de recuperação, passan<strong>do</strong><br />
por reformas na legislação trabalhista,<br />
sempre a título de “modernização”. O<br />
Departamento Intersindical de Assessoria<br />
Parlamentar (Diap) listou 55 ameaças<br />
a direitos tramitan<strong>do</strong> no Congresso.<br />
O diretor <strong>do</strong> instituto Antônio Augusto<br />
de Queiroz, o Toninho, diz que, independentemente<br />
da definição <strong>do</strong> processo de<br />
impeachment, quem pagará a conta será<br />
o trabalha<strong>do</strong>r.<br />
Ele também destaca a possibilidade de<br />
FÔLEGO NOVO<br />
Em São Paulo,<br />
manifestação contra<br />
o impeachment<br />
tomou a Praça da Sé e<br />
trouxe a lembrança da<br />
campanha pelas diretas<br />
RICARDO STUCKERT/ INSTITUTO LULA<br />
10 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
BRASIL<br />
FRENTE BRASIL POPULAR Ato <strong>Brasil</strong> pela Democracia, no Teatro Casa Grande (RJ), reuniu<br />
manifestantes contra o processo de impeachment e pela legalidade<br />
LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />
FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL<br />
APOIO Letícia Sabatella disse diante de Dilma que era oposição, mas comparecia ao ato<br />
a favor da presidenta porque via em ação um plano para tomar o poder “na marra”<br />
LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />
REPÚDIO Manifestações questionam<br />
postura <strong>do</strong>s meios de comunicação<br />
a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> programa <strong>do</strong> PMDB, que chama<br />
de “retrógra<strong>do</strong> e medieval”, em um cenário<br />
econômico desfavorável, com deterioração<br />
das finanças públicas e queda<br />
de receitas – fatores que seriam usa<strong>do</strong>s<br />
para justificar um “ajuste” mais profun<strong>do</strong>.<br />
“Com isso, a investida sobre direitos<br />
parece inexorável”, diz o analista político<br />
<strong>do</strong> Diap.<br />
Em um eventual novo governo, lembra,<br />
alguns itens <strong>do</strong> programa peemedebista,<br />
expresso no <strong>do</strong>cumento Ponte para<br />
o Futuro, poderão ser implementa<strong>do</strong>s,<br />
“tanto por pressão <strong>do</strong> poder econômico<br />
quanto por exigência de parti<strong>do</strong>s liberais<br />
que integrarão a coalizão de apoio ao novo<br />
governo, inclusive muito da base atual<br />
e quase to<strong>do</strong>s da atual oposição”. (Leia<br />
mais sobre o PMDB à página 14).<br />
Ação seletiva<br />
Editorialista <strong>do</strong> jornal Folha de S. Paulo,<br />
o veterano Janio de Freitas pescou uma<br />
frase <strong>do</strong> procura<strong>do</strong>r Carlos Fernan<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s Santos Lima, integrante da força-tarefa<br />
da Operação Lava Jato, para observar<br />
que a operação tem viés político: os governos<br />
que estão sen<strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>s são<br />
os “<strong>do</strong> PT”, disse em palestra. “A Lava Jato<br />
é, agora declaradamente, uma operação<br />
judicial com objetivo político-partidário,<br />
cujos atos e êxitos contra a corrupção são<br />
partes acessórias <strong>do</strong> percurso contra três<br />
governos (parti<strong>do</strong> e personagens). Não<br />
são esses os mandatos conferi<strong>do</strong>s ao juiz<br />
e aos procura<strong>do</strong>res da Lava Jato, no entanto”,<br />
escreveu o jornalista em sua coluna<br />
<strong>do</strong>minical, em 3 de abril.<br />
O juiz federal Sérgio Moro chegou a<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 11
BRASIL<br />
LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />
POR TODO O PAÍS<br />
As manifestações pela legalidade,<br />
pela defesa da Constituição e<br />
contra o impeachment se espalham.<br />
Reações da sociedade contra o que<br />
se considera golpe fazem supor que<br />
o jogo não está decidi<strong>do</strong><br />
ser critica<strong>do</strong> pelo ministro Marco Aurélio<br />
Mello, <strong>do</strong> STF, após o episódio de condução<br />
coercitiva <strong>do</strong> ex-presidente Luiz<br />
Inácio Lula da Silva para depoimento, no<br />
início de março. “Só se conduz coercitivamente,<br />
ou, como se dizia antigamente,<br />
debaixo de vara, o cidadão que resiste e<br />
não comparece para depor. E o Lula não<br />
foi intima<strong>do</strong>.” Para o magistra<strong>do</strong>, é preciso,<br />
sim, consertar o <strong>Brasil</strong>. “Mas não vamos<br />
atropelar”, pediu.<br />
Outro ministro <strong>do</strong> STF, Teori Zavascki,<br />
relator da Operação Lava Jato, fez ressalvas<br />
à atuação de Moro, ao referir-se à<br />
divulgação de alguns grampos telefônicos.<br />
“É importantíssimo que nós, neste<br />
momento de grave situação que o <strong>Brasil</strong><br />
passa, de comoção social, que investiguemos,<br />
que o Judiciário controle isso,<br />
que o Ministério Público se empenhe,<br />
que as autoridades policiais se empe-<br />
REDE DO MAL<br />
Página no<br />
Facebook <strong>do</strong><br />
Movimento<br />
Endireita <strong>Brasil</strong>:<br />
recompensa a<br />
quem hostilizar<br />
Ciro Gomes e<br />
Lula. Ameaças<br />
também foram<br />
feitas por outros<br />
extremistas<br />
à atriz Letícia<br />
Sabatella<br />
MARCELO CAMARGO/AGENCIA BRASIL<br />
JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL<br />
A FIESP E O PATO<br />
Paulo Skaf, líder<br />
patronal, não<br />
economizou em<br />
sua campanha<br />
pela renúncia e,<br />
posteriormente,<br />
pelo impeachment.<br />
As estimativas vão<br />
à casa <strong>do</strong>s milhões<br />
de reais em<br />
anúncios e um pato<br />
gigante sobre o<br />
qual pesa acusação<br />
de plágio<br />
12 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
BRASIL<br />
ACERVO UGT<br />
CONTA CARA<br />
O Diap listou 55 ameaças<br />
a direitos tramitan<strong>do</strong> no<br />
Congresso. O diretor <strong>do</strong><br />
instituto Antônio Augusto<br />
de Queiroz diz que,<br />
independentemente da<br />
definição <strong>do</strong> processo de<br />
impeachment, quem pagará<br />
a conta será o trabalha<strong>do</strong>r<br />
nhem para investigar e punir independentemente<br />
<strong>do</strong> cargo que a pessoa ocupa,<br />
da situação econômica e <strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />
que defende. Mas, para o Supremo Tribunal<br />
Federal, é importante que tu<strong>do</strong> isso<br />
seja feito com estrita observância da<br />
Constituição Federal.”<br />
No meio <strong>do</strong> redemoinho, surgiram<br />
propostas como um “semiparlamentarismo”<br />
ou mesmo eleições gerais. A respeito<br />
<strong>do</strong> parlamentarismo, pesa a avalia-<br />
Crise se supera com democracia<br />
FOTO GERARDO LAZZARI/RBA<br />
Há, de fato, uma crise econômica séria, que afeta<br />
principalmente os setores mais vulneráveis da população, como<br />
se vê pela alta <strong>do</strong> desemprego (que atinge 9,6 milhões, segun<strong>do</strong><br />
o IBGE) e pela queda da renda. E a corrupção é um problema<br />
sério, que deve ser – e está sen<strong>do</strong> – combati<strong>do</strong>. Mas o presidente<br />
<strong>do</strong> instituto Data Popular, Renato Meirelles, diz que não se pode<br />
associar a crise à corrupção. Por que isso acontece, então?<br />
“Primeiro porque metade <strong>do</strong>s brasileiros não era consumi<strong>do</strong>r,<br />
não era adulto na época da hiperinflação. Segun<strong>do</strong> porque, em<br />
uma geração, é a primeira vez que o brasileiro tem sensação de<br />
perda. Perder dói muito mais que deixar de ganhar”, afirmou em<br />
entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada em 29 de março.<br />
Presidi<strong>do</strong> pelo publicitário Renato Meirelles, o Data Popular<br />
acompanha há 15 anos o comportamento das chamadas classes<br />
C, D e E, analisan<strong>do</strong> a inserção desses setores no merca<strong>do</strong><br />
consumi<strong>do</strong>r, fenômeno que chamou a atenção especialmente<br />
na última década, quan<strong>do</strong> muito se falou no surgimento de uma<br />
nova classe média no <strong>Brasil</strong>, um fenômeno que ainda irá requerer<br />
análises de fôlego.<br />
Neste momento, existe decepção com o governo, mas não<br />
com o projeto apresenta<strong>do</strong> à população, que fala em melhor<br />
distribuição de renda e mais oportunidades. A decepção vem<br />
exatamente <strong>do</strong> fato de o projeto não ter si<strong>do</strong> implementa<strong>do</strong>.<br />
Uma das pesquisas <strong>do</strong> instituto mostra que boa parte <strong>do</strong><br />
eleitora<strong>do</strong> se frustrou porque votou em um projeto ainda não<br />
posto em prática. Também não acreditam que a oposição<br />
resolveria a crise – os parti<strong>do</strong>s contra o governo agiriam,<br />
principalmente, por interesse próprio, e não pelo país –, embora<br />
se manifestem pelo impeachment.<br />
Meirelles diz que o discurso das passeatas antigoverno está<br />
longe de ser majoritário: nas pesquisas <strong>do</strong> instituto, as pessoas<br />
criticam a ineficiência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, “mas querem a existência <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong>”, porque são elas que usam os serviços públicos. “Graças<br />
à presença <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que o <strong>Brasil</strong> tem 9 milhões<br />
de universitários a mais nos últimos dez anos.<br />
Isso não se deu pela iniciativa privada, mas<br />
pelo Prouni e pelo Fies.” Nas pesquisas, os<br />
entrevista<strong>do</strong>s podem até se manifestar pelo<br />
impeachment por insatisfação, mas não acham<br />
que isso seria solução para a crise<br />
econômica.<br />
Meirelles: o discurso das<br />
passeatas antigoverno<br />
está longe de ser<br />
majoritário<br />
E o clima de intolerância no debate sobre corrupção – um<br />
debate fundamental para o país, lembra Meirelles – prejudica<br />
“a discussão real <strong>do</strong> que é um Esta<strong>do</strong> que promova igualdade<br />
de oportunidades, redução da desigualdade”. Para ele, não dá<br />
para pensar em um <strong>Brasil</strong> pós-crise sem gestão mais eficiente<br />
<strong>do</strong>s recursos públicos, mas também sem fortalecer as políticas<br />
públicas que levaram à redução da desigualdade, ao aumento <strong>do</strong><br />
consumo interno e criaram milhões de empregos.<br />
Difícil imaginar que os arautos da flexibilização possam<br />
reorganizar o país contemplan<strong>do</strong> uma pauta de crescimento<br />
econômico. O economista Guilherme Mello, professor da<br />
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avalia que a<br />
insatisfação popular e a instabilidade aumentariam em um<br />
eventual governo Temer. “Seria questiona<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto de vista<br />
judicial, político, ético, moral, e ainda com uma reação forte<br />
esperada <strong>do</strong>s movimentos sociais, sindicatos, em meio a<br />
mobilizações.”<br />
É nesse ponto que centrais sindicais e organizações sociais<br />
têm insisti<strong>do</strong>. Parcela expressiva <strong>do</strong> movimento sindical vê um<br />
golpe nas tentativas de impeachment e apoia a continuidade<br />
<strong>do</strong> mandato de Dilma até o último dia, em 2018. Mas cobram<br />
mudanças na economia, com ações voltadas para a retomada <strong>do</strong><br />
crescimento, <strong>do</strong> emprego e da renda, estímulo aos investimentos<br />
e ao crédito, além de se manifestar contra a reforma da<br />
Previdência (leia reportagem na edição 115). Os sindicalistas<br />
alertam também para os interesses por trás <strong>do</strong> impeachment.<br />
“Os mesmos que querem fazer o golpe são os querem acabar<br />
com carteira assinada, férias, 13º, CLT, ampliar a terceirização”,<br />
costuma repetir o presidente da CUT, Vagner Freitas.<br />
Em 4 de abril, falan<strong>do</strong> em seu “berço” sindical e político, São<br />
Bernar<strong>do</strong> <strong>do</strong> Campo, no ABC paulista, o ex-presidente Luiz Inácio<br />
Lula da Silva disse saber que havia “muito peão dentro da fábrica<br />
nervoso com o nosso governo”. E afirmou que seria preciso<br />
conversar muito, com to<strong>do</strong>s os setores, dan<strong>do</strong> atenção especial<br />
aos movimentos sociais. “Temos de saber que é preciso dar uma<br />
certa consertada na política econômica.”<br />
Uma pesquisa divulgada pelo Dieese em 6 de abril mostra<br />
que a queda de atividade econômica, o desemprego e a inflação<br />
tiveram forte impacto nas negociações salariais em 2015, quan<strong>do</strong><br />
pouco mais da metade <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s (52%) teve reajuste acima<br />
da inflação, e mesmo assim não muito superior ao INPC – desde<br />
2006, as campanhas salariais tinham pelo menos 80%<br />
de ganho real. Mas a volta <strong>do</strong> crescimento precisa ser<br />
acompanhada de democracia e estabilidade política.<br />
Com reportagens de Helder Lima e Vitor Nuzzi<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 13
BRASIL<br />
ção, pelo Diap, de que o Congresso atual<br />
é hostil aos direitos trabalhistas e sociais<br />
– a bancada sindical diminuiu nesta legislatura.<br />
Sobre a tese de antecipação das<br />
eleições, a presidenta Dilma disse “Nem<br />
rechaço nem aceito”, durante evento em<br />
Brasília. “Eu acho que é uma proposta.<br />
Convença a Câmara e o Sena<strong>do</strong> a abrir<br />
mão de seus mandatos”, respondeu.<br />
O líder <strong>do</strong> PMDB na Câmara, Leonar<strong>do</strong><br />
Picciani (RJ), contesta a hipótese, que<br />
segun<strong>do</strong> ele não está prevista no ordenamento<br />
jurídico brasileiro. Eleição, diz,<br />
poderia ser feita em caso de cassação ou<br />
vacância, mas não por decisão politica.<br />
Até uma parte da oposição não se anima<br />
com ideia, talvez por ver diminuírem<br />
suas chances.<br />
O PMDB e o fator Renan<br />
PMDB “PULA” DO GOVERNO Diante da foto, o ministro <strong>do</strong> STF Luís Roberto Barroso exclamou: “Meu Deus! Essa é nossa alternativa de poder?”<br />
IGO ESTRELA/ PMDB NACIONAL<br />
Uni<strong>do</strong>s em uma mesma estratégia, o vice-presidente,<br />
Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduar<strong>do</strong> Cunha, são<br />
as principais peças <strong>do</strong> PMDB no xadrez político em que se<br />
transformou a tentativa das forças conserva<strong>do</strong>ras de apear <strong>do</strong><br />
poder o PT e a presidenta Dilma Rousseff. No entanto, caberá ao<br />
presidente <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>, Renan Calheiros (PMDB-RR), o papel de fiel<br />
da balança em um eventual processo de impeachment, já que a<br />
Casa dará a palavra final sobre o afastamento ou não de Dilma,<br />
se esta proposta for aprovada na Câmara. Nas últimas semanas,<br />
o peemedebista, conheci<strong>do</strong> por sua maleabilidade, tem oscila<strong>do</strong><br />
entre as declarações de apoio ao governo e conversas com<br />
líderes da oposição.<br />
Fiel a si mesmo, o sena<strong>do</strong>r alagoano se aquece nos basti<strong>do</strong>res<br />
para um jogo de “ganha-ganha”. Se o governo conseguir furar a<br />
onda desestabiliza<strong>do</strong>ra e Dilma permanecer na Presidência, terá<br />
atua<strong>do</strong> como garanti<strong>do</strong>r da governabilidade e estará cacifa<strong>do</strong><br />
para tornar-se a maior liderança <strong>do</strong> PMDB nos próximos anos.<br />
Em caso de vitória da oposição, Renan está pronto para assumir<br />
o papel de pilar da construção de um “novo país” e se aliar a<br />
uma direita que, mesmo sem ter obti<strong>do</strong> a aprovação das urnas<br />
nas últimas quatro eleições presidenciais, pretende impor uma<br />
agenda que inclui, entre outras coisas, ampliação <strong>do</strong> ajuste<br />
fiscal, enfraquecimento <strong>do</strong>s programas de inclusão social,<br />
esfacelamento <strong>do</strong> marco regulatório <strong>do</strong> pré-sal e recuo em<br />
conquistas históricas <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res.<br />
O sena<strong>do</strong>r se manifestou de forma contrária à saída <strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> governo Dilma, decisão tomada pela executiva nacional em<br />
29 de março. “Se optar por sair, o PMDB terá que arcar com as<br />
consequências”, declarou. Uma dessas consequências poderá<br />
ser até mesmo um racha no parti<strong>do</strong>, uma vez que ministros<br />
peemedebistas como Kátia Abreu (Agricultura), Eduar<strong>do</strong> Braga<br />
(Minas e Energia), Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência<br />
e Tecnologia) afirmaram que não entregarão os seus cargos.<br />
Renan é autor <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento Agenda <strong>Brasil</strong>, conjunto de 43<br />
propostas lança<strong>do</strong> em agosto <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong> e que se seguiu<br />
à publicação <strong>do</strong> programa de governo Ponte Para o Futuro,<br />
divulga<strong>do</strong> por Temer, com forte teor neoliberal. O <strong>do</strong>cumento<br />
<strong>do</strong> vice, muito próximo daquele apresenta<strong>do</strong> pelo candidato<br />
derrota<strong>do</strong> Aécio Neves nas eleições de 2014, fala em redução<br />
de gastos públicos, aprofundamento <strong>do</strong> ajuste fiscal, corte nos<br />
repasses orçamentários para saúde e educação e flexibilização<br />
da legislação trabalhista, entre outros itens. Já o <strong>do</strong>cumento de<br />
Renan, previamente discuti<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> o sena<strong>do</strong>r, com a bancada<br />
<strong>do</strong> PMDB no Sena<strong>do</strong> e com o então ministro da Fazenda, Joaquim<br />
Levy, procura ser mais equilibra<strong>do</strong>, embora esteja distante das<br />
bandeiras programáticas <strong>do</strong> governo Dilma e <strong>do</strong> PT.<br />
Uma das propostas da Agenda <strong>Brasil</strong> que mais desagrada ao<br />
PT é acabar com o Mercosul, “a fim de possibilitar que o <strong>Brasil</strong><br />
possa firmar acor<strong>do</strong>s bilaterais ou multilaterais sem depender<br />
<strong>do</strong> apoio <strong>do</strong>s demais membros <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> comum”. Posição<br />
historicamente defendida por PDSB e DEM, significaria também o<br />
fim da Unasul e de outras iniciativas de integração sul-americana,<br />
uma mudança completa de direção na política comercial e<br />
diplomática que o país pratica nos últimos 14 anos.<br />
Outra bandeira da oposição traduzida na agenda fala em<br />
“regulamentar o ambiente institucional <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<br />
terceiriza<strong>do</strong>s”. A medida seria a brecha para a a<strong>do</strong>ção de políticas<br />
repudiadas pelos trabalha<strong>do</strong>res e seus sindicatos, como a<br />
flexibilização de acor<strong>do</strong>s salariais e a aprovação da terceirização<br />
para atividades-fim, esta já aprovada na Câmara.<br />
Maurício Thuswohl<br />
14 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
LALO LEAL<br />
Notícias<br />
<strong>do</strong> <strong>Brasil</strong><br />
Para sabermos com clareza o que se passa por aqui,<br />
temos de recorrer à mídia internacional<br />
Ouem diria que um dia ainda voltaríamos<br />
a recorrer à mídia internacional<br />
para saber o que acontece no <strong>Brasil</strong>.<br />
Era assim, durante a última ditadura,<br />
especialmente depois da promulgação<br />
<strong>do</strong> AI-5, em 1968. Diante da censura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sobre<br />
os meios de comunicação só restavam aos brasileiros,<br />
para se informar, os veículos produzi<strong>do</strong>s no exterior:<br />
jornais, revistas e principalmente o rádio em ondas<br />
curtas. Faziam sucesso a BBC de Londres, a Voz da<br />
América e a Rádio Central de Moscou.<br />
Em meio à Guerra Fria, um seringueiro no Acre,<br />
chama<strong>do</strong> Chico Mendes, dizia que durante a ditadura<br />
ouvia a Voz da América saudar o golpe de Esta<strong>do</strong><br />
como uma vitória da democracia e a Central de Moscou<br />
denunciar prisões de políticos e sindicalistas.<br />
Foi a BBC que anunciou, antes de qualquer emissora<br />
brasileira, o derrame sofri<strong>do</strong> pelo dita<strong>do</strong>r Costa<br />
e Silva e sua substituição por uma Junta Militar em 31<br />
de agosto de 1969. Era <strong>do</strong>mingo, jogavam no Maracanã<br />
diante de 183 mil pessoas as seleções <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> e<br />
<strong>do</strong> Paraguai, pelas eliminatórias da Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />
As emissoras brasileiras só foram dar a nota oficial<br />
<strong>do</strong> governo, informan<strong>do</strong> da troca de coman<strong>do</strong> da<br />
ditadura, quan<strong>do</strong> o jogo terminou (vitória <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong><br />
por 1 a 0), bem depois da BBC.<br />
A emissora britânica denunciava a prática sistemática<br />
de tortura e os assassinatos que vinham sen<strong>do</strong><br />
cometi<strong>do</strong>s a man<strong>do</strong> <strong>do</strong>s militares. Temas tabu, silencia<strong>do</strong>s<br />
pela censura interna, como a guerrilha <strong>do</strong><br />
Araguaia, eram notícia na BBC, assim como a passagem<br />
por Londres de personalidades que se opunham<br />
ao regime militar, como a arcebispo de Olinda<br />
e Recife, <strong>do</strong>m Hélder Câmara.<br />
Enquanto parte da mídia brasileira, ten<strong>do</strong> as Organizações<br />
Globo à frente, seguia louvan<strong>do</strong> o regime<br />
de força, a BBC informava ao <strong>Brasil</strong> que o dita<strong>do</strong>r<br />
de plantão Ernesto Geisel havia si<strong>do</strong> hostiliza<strong>do</strong> nas<br />
ruas de Londres, durante visita oficial ao Reino Uni<strong>do</strong>.<br />
Tu<strong>do</strong> isso ocorreu há quase 50 anos, num momento<br />
de forte repressão política, sem as mínimas<br />
garantias individuais. Hoje, mesmo num ambiente<br />
de maior liberdade, vivemos situação semelhante no<br />
campo da informação. Para sabermos com clareza o<br />
que se passa por aqui, temos de recorrer à mídia internacional.<br />
Não por imposição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, mas pela<br />
censura imposta aos veículos de comunicação pelas<br />
famílias que os controlam.<br />
Outra vez é a BBC, não mais pelo rádio, mas agora<br />
pela internet, que dá um panorama equilibra<strong>do</strong><br />
da situação no <strong>Brasil</strong>. Enquanto a mídia brasileira se<br />
alinha como um batalhão militar a favor <strong>do</strong> golpe,<br />
sem mencionar essa palavra, a emissora britânica faz<br />
ampla reportagem mostran<strong>do</strong> a presidenta como vítima<br />
de um julgamento sumário, “movi<strong>do</strong> pelo interesse<br />
<strong>do</strong> presidente da Câmara, Eduar<strong>do</strong> Cunha,<br />
de esconder seus próprios malfeitos e de uma oposição<br />
que fecha os olhos para o devi<strong>do</strong> processo legal”.<br />
O jornal El País, da Espanha, que já teve posições<br />
menos conserva<strong>do</strong>ras, consegue ainda assim cobrir<br />
a situação brasileira de forma muito mais precisa<br />
<strong>do</strong> que a mídia nacional. Por aqui campeia o pensamento<br />
único muito bem exemplifica<strong>do</strong> pelo jornalista<br />
Gleen Greenwald, repórter <strong>do</strong> The Guardian, que<br />
não teve dúvidas: denunciou o golpe em andamento<br />
e traçou um paralelo imaginário com a realidade<br />
<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.<br />
Disse ele: “Considere o papel da Fox News na promoção<br />
<strong>do</strong>s protestos <strong>do</strong> Tea Party. Agora, imagine<br />
o que esses protestos seriam se não fosse apenas a<br />
Fox, mas também a ABC, NBC, CBS, a revista Time,<br />
o New York Times e o Huffington Post, to<strong>do</strong>s apoian<strong>do</strong><br />
o movimento <strong>do</strong> Tea Party”.<br />
Aquilo que é inimaginável na pátria <strong>do</strong> liberalismo<br />
é a dura realidade brasileira. Uma voz única, capitaneada<br />
pela TV Globo e pela GloboNews, insufla<br />
a população a ir às ruas defender o golpe de Esta<strong>do</strong>.<br />
A melhor síntese desse alinhamento foi a frase dita,<br />
ao vivo, por uma repórter em meio à manifestação<br />
golpista: “São muitas as famílias chegan<strong>do</strong>, todas<br />
unidas por um mesmo ideal”. Que ideal era esse, ela<br />
não teve coragem de dizer.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 15
TRABALHO MAURO SANTAYANA<br />
A “multa-bomba”<br />
de R$ 7 bilhões<br />
Estamos cheios de gente com contas na Suíça solta e sem contas na<br />
Suíça atrás das grades – com a onipotente destruição <strong>do</strong> país,<br />
de milhares de empregos e bilhões em investimentos<br />
Finalmente, depois de meses de pressão desumana,<br />
gestapiana, sobre o empresário Marcelo Odebrecht, o<br />
juiz Sérgio Moro levou-o a julgamento, condenan<strong>do</strong>-o<br />
– basea<strong>do</strong> não em provas de sua participação direta,<br />
mas na suposição condicional de que um<br />
empresário que comanda uma holding com mais de 180<br />
mil funcionários e que opera em mais de 20 países tem a<br />
obrigação de saber de tu<strong>do</strong> que ocorre nas dezenas de empresas<br />
que a compõem – a 19 anos e quatro meses de prisão.<br />
Não satisfeito com a pena, e com a chantagem, que prossegue<br />
– já que o objetivo é quebrar o exemplo <strong>do</strong> réu –, um <strong>do</strong>s poucos<br />
que não se <strong>do</strong>braram à prepotência e ao arbítrio – com o aceno<br />
ao preso da possibilidade de “fazer delação premiada a qualquer<br />
momento”, o juiz Moro, na impossibilidade de provar propinas e<br />
desvios, ou a existência de superfaturamento da ordem <strong>do</strong>s bilhões<br />
de reais alardea<strong>do</strong>s aos quatro ventos desde o princípio dessa<br />
operação, pretende impor ao grupo Odebrecht uma estratosférica<br />
multa “civil” que pode chegar a R$ 7 bilhões – mais de 12 vezes o<br />
lucro da empresa em 2014 – que, pela sua magnitude, se cobrada<br />
for, deverá levá-lo à falência, ou à paralisação destrutiva, leia-se sucateamento,<br />
de dezenas de obras e de projetos, a maior parte deles<br />
essenciais, estratégicos, para o futuro <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> nos próximos anos.<br />
Com a imposição dessa multa, absolutamente desproporcional,<br />
da ordem de 30 vezes as quantias que a sentença afirma terem<br />
si<strong>do</strong> pagas em propina pela Odebrecht, por meio de subsidiárias<br />
situadas no exterior, a corruptos da Petrobras que já estão, para<strong>do</strong>xalmente,<br />
soltos, o juiz Sérgio Moro – e seus colegas <strong>do</strong> Ministério<br />
Público de uma operação que deveria se chamar “Destrói<br />
a Jato” – prova que não lhe importam, em nefasto efeito cascata,<br />
nem as dezenas de milhares de empregos que ainda serão elimina<strong>do</strong>s<br />
pelo grupo Odebrecht, no <strong>Brasil</strong> e no exterior, nem a quebra<br />
de milhares de acionistas e fornece<strong>do</strong>res <strong>do</strong> grupo, nem a<br />
paralisação das obras com que a empresa se encontra envolvida<br />
neste momento, nem o futuro, por exemplo, de projetos de extrema<br />
importância para a defesa nacional, como os submarinos<br />
convencionais e o submarino nuclear brasileiro que estão sen<strong>do</strong><br />
fabrica<strong>do</strong>s pela Odebrecht em parceria com a DCNS francesa, ou<br />
o míssil ar-ar A-Darter, que está sen<strong>do</strong> construí<strong>do</strong> por sua controlada<br />
Mectron, em conjunto com a Denel sul-africana, além de<br />
MARINHA DO BRASIL SAAB GROUP<br />
16 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
MAURO SANTAYANA<br />
outros produtos como softwares seguros de comunicação estratégica,<br />
radares aéreos para os caças AMX e produtos espaciais.<br />
Consideran<strong>do</strong>-se que se trata de uma decisão meramente punitiva,<br />
ao fazer isso o juiz Moro age, no coman<strong>do</strong> da Operação<br />
Lava Jato, como agiria o líder de uma tropa de sabota<strong>do</strong>res estrangeiros<br />
que colocasse, diretamente, com essa sanção – e uma<br />
tremenda carga de irresponsabilidade estratégica e social – centenas<br />
de quilos de explosivos plásticos no casco desses submarinos,<br />
ou nos laboratórios onde ficam os protótipos desse míssil,<br />
sem o qual ficarão inermes os 36 aviões caça Gripen NG-BR<br />
que estão sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong>s pelo <strong>Brasil</strong> com a Saab sueca.<br />
Que não tenha ele a ilusão de que essa sua sanha destrutiva<br />
esteja agradan<strong>do</strong> às centenas de técnicos envolvi<strong>do</strong>s com esses<br />
projetos, ou aos almirantes da Marinha e brigadeiros da Aero-<br />
Consideran<strong>do</strong>-<br />
-se que se trata<br />
de uma decisão<br />
meramente<br />
punitiva, ao fazer<br />
isso o juiz Moro<br />
age, no coman<strong>do</strong><br />
da Operação<br />
Lava Jato, como<br />
agiria o líder de<br />
uma tropa de<br />
sabota<strong>do</strong>res<br />
estrangeiros<br />
que colocasse,<br />
diretamente, com<br />
essa sanção – e<br />
uma tremenda<br />
carga de<br />
irresponsabilidade<br />
estratégica e<br />
social – centenas<br />
de quilos de<br />
explosivos<br />
plásticos no<br />
casco desses<br />
submarinos, ou<br />
nos laboratórios<br />
onde ficam os<br />
protótipos desse<br />
míssil, sem o qual<br />
ficarão inermes<br />
os 36 aviões caça<br />
Gripen<br />
náutica que, depois de esperar décadas pela aprovação desses<br />
programas, estão ven<strong>do</strong>-os sofrer a ameaça de serem destruí<strong>do</strong>s<br />
técnica e financeiramente de um dia para o outro.<br />
Como um inútil, estúpi<strong>do</strong>, sacrifício, um absur<strong>do</strong> e estéril tributo<br />
da Nação – chantageada e manipulada por uma parte antinacional<br />
da mídia, que não tem o menor compromisso com<br />
o futuro <strong>do</strong> país – a ser realiza<strong>do</strong> no altar da vaidade de quem<br />
parece pretender colocar toda a República de joelhos, até que<br />
alguém assuma a responsabilidade de impor, com determinação,<br />
bom senso e respeito à Lei e à Constituição Federal, limites<br />
à sua atuação e à implacável, imparável, destruição, de alguns<br />
<strong>do</strong>s principais projetos e empresas nacionais.<br />
Enquanto isso, para ridículo <strong>do</strong> país e divertimento de nossos<br />
concorrentes externos, nos congressos, nos governos, na área de<br />
inteligência, nas forças armadas de outros países, milhares de tupiniquins<br />
vibram, nos bares, na conversinha fiada <strong>do</strong> escritório, nos<br />
comentários que agridem e insultam a inteligência nas redes sociais,<br />
com a destruição de um <strong>do</strong>s principais grupos empresariais<br />
<strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>, deleitan<strong>do</strong>-se com a perda de negócios e empregos, e com<br />
a sabotagem e incompreensível inviabilização de algumas de nossas<br />
maiores obras de engenharia e de defesa, mergulha<strong>do</strong>s em uma<br />
orgia de desinformação, hipocrisia, manipulação e mediocridade.<br />
Mesmo que Marcelo Odebrecht venha a aceitar, eventualmente,<br />
fazer um acor<strong>do</strong> de delação premiada, nenhum jurista<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> reconheceria, moralmente, a sua legitimidade.<br />
Não se pode pressionar ninguém, a fazer acor<strong>do</strong>s com a Justiça,<br />
para fazer afirmações que dependerão da produção de provas<br />
futuras. Assim como não se pode confundir o combate à<br />
corrupção – se houver corruptos que sejam julga<strong>do</strong>s com amplo<br />
direito de defesa e encaminha<strong>do</strong>s exemplarmente à cadeia,<br />
estamos cheios de gente com contas na Suíça solta e sem contas<br />
na Suíça atrás das grades – com a onipotente destruição <strong>do</strong> país<br />
e de milhares de empregos e bilhões de reais em investimentos.<br />
A pergunta que não quer calar é a seguinte: se a situação fosse<br />
contrária, e um juiz norte-americano forma<strong>do</strong> no <strong>Brasil</strong> e<br />
“treina<strong>do</strong>” por autoridades brasileiras, a quem propôs, por mais<br />
de uma vez, sua “cooperação”, estivesse processan<strong>do</strong> um almirante<br />
envolvi<strong>do</strong> com o programa nuclear norte-americano, e<br />
influin<strong>do</strong> no destino de to<strong>do</strong> um programa de submarinos, da<br />
construção de um novo submarino atômico, e <strong>do</strong> desenvolvimento<br />
de um míssil ar-ar para a US Air Force, a ponto de a empresa<br />
norte-americana responsável por ele ter de ser provavelmente<br />
vendida a estrangeiros, ele teria chega<strong>do</strong>, à posição em<br />
que chegou, em nosso país, o juiz Sérgio Moro?<br />
Ou já não teria si<strong>do</strong> denuncia<strong>do</strong> por pelo menos parte da<br />
imprensa <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, e chama<strong>do</strong> à razão, em nome da<br />
segurança e <strong>do</strong>s interesses nacionais, por autoridades – especialmente<br />
as judiciais – <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s? O único consolo<br />
que resta, nesta nação tomada pela loucura – lembramos por<br />
meio destas palavras, que quem sabe venham a ser transportadas,<br />
em bits, para o amanhã – é que, sob o olhar <strong>do</strong> tempo, que<br />
para to<strong>do</strong>s passará, inexorável, a História, magistrada definitiva<br />
e atenciosa, criteriosa e implacável, vigia, registra e julga.<br />
E cobrará caro no futuro.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 17
ENTREVISTA<br />
HUMOR<br />
em tempos<br />
de cólera<br />
Ele nunca foi tão urgente<br />
quanto agora, diz o ator,<br />
escritor e humorista<br />
Gregório Duvivier. Sua<br />
função principal talvez seja<br />
“cutucar as certezas”<br />
Por Helder Lima<br />
“O<br />
um tempo de certezas muito exacerbadas”,<br />
humor nunca foi tão urgente quanto agora.<br />
Para mim, sua função principal talvez<br />
seja cutucar as certezas. E nós estamos em<br />
afirma o ator, escritor e humorista Gregório<br />
Duvivier, definitivamente engaja<strong>do</strong> na defesa da democracia e<br />
preocupa<strong>do</strong> em firmar um diálogo com quem defende o impeachment<br />
da presidenta Dilma Rousseff. Acima de tu<strong>do</strong>, com<br />
quem pensa diferente, no que ele chama de outrofobia.<br />
“O me<strong>do</strong> é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho<br />
que a arte e a informação impressa, o humor, o principal alvo é<br />
18 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
ENTREVISTA<br />
Nesta entrevista, concedida em São Paulo em 25 de março,<br />
o artista nasci<strong>do</strong> no Rio de Janeiro fala sobretu<strong>do</strong> de política,<br />
deste momento conturba<strong>do</strong> para a história, em que o país se vê<br />
dividi<strong>do</strong>. Critica a mídia por alimentar essa divisão e reflete também<br />
sobre o seu trabalho. Duvivier conta que gosta de transitar<br />
entre gêneros, como o humor e o drama, em seu trabalho atual,<br />
o monólogo Uma Noite na Lua, e reflete sobre os seus 30 anos,<br />
completa<strong>do</strong>s agora em abril. Já desistiu de salvar o Fluminense,<br />
mas espera que as dúvidas ajudem a esclarecer as certezas.<br />
Como fazer humor em tempos tão bicu<strong>do</strong>s?<br />
O humor nunca foi tão urgente quanto agora. Para mim, sua<br />
função principal talvez seja cutucar as certezas. E nós estamos<br />
em um tempo de certezas muito exacerbadas. A função <strong>do</strong> humor,<br />
assim como a <strong>do</strong> jornalismo e <strong>do</strong> ensino, é a função de fazer<br />
perguntas, mais <strong>do</strong> que dar respostas. E no momento em<br />
que só se vê respostas e soluções, e as pessoas desesperadas por<br />
meio de manchetes sensacionalistas ou políticos também muito<br />
veementes, com fórmulas tipo “para acabar com a corrupção é<br />
preciso varrer o PT <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>”, a função <strong>do</strong> humor é perguntar:<br />
como assim? É isso mesmo o que vocês estão queren<strong>do</strong>, vocês<br />
acreditam nisso? É duvidar onde só se vê certezas.<br />
esse me<strong>do</strong>, que é um me<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro. Outrofobia inclui o me<strong>do</strong><br />
da diferença, o me<strong>do</strong> da alteridade. Eu acho que a função da<br />
arte é promover esse encontro com a alteridade”, diz.<br />
Isso acontece na política, observa Duviver, que vê uma situação<br />
fomentada por meios de comunicação. Para ele, notícias<br />
e vazamentos seletivos da Operação Lava Jato têm construí<strong>do</strong><br />
convicções que alimentam o me<strong>do</strong> de perda de privilégios por<br />
parte das classes mais privilegiadas, que se sentem ameaçadas.<br />
Um me<strong>do</strong> que, no fun<strong>do</strong>, dá vazão ao ódio ao outro, ao semelhante,<br />
e dificulta ainda mais o diálogo, o respeito a quem pensa<br />
diferente.<br />
PAULO PEPE/RBA<br />
E essa narrativa <strong>do</strong>minante que vem temperada com<br />
intolerância? O que para você causa essa intolerância?<br />
Essa intolerância não é natural, nossa, brasileira, uma coisa<br />
espontânea. Acho que ela é fomentada pelos meios de comunicação.<br />
Quan<strong>do</strong> você vê uma capa em que a figura <strong>do</strong> Lula ou da<br />
Dilma é sempre diabólica, como as capas da Veja ou da IstoÉ,<br />
é sempre uma arte que tenta transformá-los em demônios, literalmente<br />
mesmo: orelhas pontudas, uma coisa sempre no escuro,<br />
luz debaixo para cima. São estratégias demonizantes não<br />
só com Lula e Dilma, mas com os militantes – essa própria criminalização<br />
da palavra militante, e O Globo disse assim, ‘a diferença<br />
de uma passeata para outra é que no dia 13 (de março)<br />
eram cidadãos, e no dia 18 eram militantes, ou milícias’, e usa<br />
militante de forma negativa, como se militante não fosse cidadão.<br />
Esse antagonismo, imagem de terror, enfim, eu acho problemático.<br />
Quan<strong>do</strong> tem uma passeata qualquer, se as pessoas<br />
não estão militan<strong>do</strong>, estão fazen<strong>do</strong> o quê? Essa demonização<br />
<strong>do</strong> militante, da esquerda de um mo<strong>do</strong> geral, é fomentada pela<br />
imprensa, não é uma coisa natural da nossa sociedade, sabe?!<br />
Você escreveu sobre as palavras e a apropriação de<br />
seus significa<strong>do</strong>s. Hoje é comum a autoridade ou a mídia<br />
se apropriar de uma palavra e dar a ela o conteú<strong>do</strong><br />
que quiser. É um sintoma <strong>do</strong>s nossos tempos. Chega a<br />
incomodar?<br />
Sim, incomoda, as palavras são muito mal empregadas. Talvez<br />
por ter feito graduação em Letras, minha formação é nesse<br />
campo e eu sou apaixona<strong>do</strong> pelas palavras. Incomoda muito<br />
quan<strong>do</strong> vejo as palavras roubadas, que estão rouban<strong>do</strong> no<br />
jogo das palavras. A direita, por exemplo, se apropria da palavra<br />
‘mudança’, mas essa é uma palavra de esquerda por defini-<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 19
ENTREVISTA<br />
ção. A direita por definição, o que a define, é que ela quer a manutenção,<br />
a concentração <strong>do</strong> lugar de poder, <strong>do</strong> status quo, <strong>do</strong><br />
establishment. E a esquerda não. Quan<strong>do</strong> a direita pede mudança,<br />
você vê que isso não é uma mudança, é uma troca. O que ela quer<br />
é trocar em vez de mudar, porque o problema to<strong>do</strong> é que está se<br />
mudan<strong>do</strong>, então, que fique claro isso, o uso das palavras corretas:<br />
“O que nós queremos não é a mudança, nós queremos o retrocesso<br />
diante das mudanças” – é importante usar as palavras corretas.<br />
Você vê essa disputa na perspectiva da luta de classes?<br />
O quanto isso é importante para você?<br />
Eu acho que importa bastante pensar que você vê claramente<br />
uma diferença gigantesca de renda, mesmo entre as manifestações<br />
<strong>do</strong>s dias 13 e 18. Isso é claro. No entanto, é perigoso<br />
a gente classificar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> dia 13 como elitista, como<br />
uma pessoa que está revoltada com a distribuição de renda e está<br />
in<strong>do</strong> às ruas contra isso, o que também não é verdade. Acho<br />
que o que existe, que é um fato, é o PT fez sim, bem, eu acho,<br />
um pouco, aumentou um degrauzinho para as pessoas mais<br />
pobres <strong>do</strong> país, da miséria. Como pode um parti<strong>do</strong>, um candidato,<br />
se eleger contra a mídia inteira? Que foi o que aconteceu,<br />
não é? Porque em termos de distribuição é muito irrelevante a<br />
mídia de esquerda no país, ela é muito pequena comparada em<br />
termos de distribuição e de tiragem, não como expressão, mas<br />
em termos de distribuição.<br />
O que está gritante agora, talvez, mais até <strong>do</strong> que a luta de classes,<br />
o que está levan<strong>do</strong> as pessoas às ruas, que fique bem claro,<br />
não é a corrupção. Esse é o pretexto, a chamada, mas na verdade<br />
mesmo é o me<strong>do</strong> da perda de alguns privilégios. O dólar está<br />
mais alto realmente, e tem gente de amarelo nas passeatas falan<strong>do</strong><br />
da dificuldade de você ter uma empregada hoje em dia. Isso<br />
é um fato, é uma coisa que incomoda a elite. Está mais caro para<br />
ter uma empregada <strong>do</strong>méstica que <strong>do</strong>rme na sua casa. Isso está<br />
dificílimo, e tem gente que se incomoda com isso. Não são to<strong>do</strong>s,<br />
claro. Mas o que existe de mo<strong>do</strong> geral é uma insatisfação legítima<br />
com a situação atual, não só a corrupção, mas o país não crescen<strong>do</strong>.<br />
Mas essa insatisfação que é justificada e que é compartilhada<br />
pela esquerda – na verdade, a esquerda está insatisfeita há muito<br />
mais tempo – se canaliza em uma coisa que eu acho muito burra,<br />
que é a vontade de erradicação <strong>do</strong> PT. Essa é uma grande estupidez<br />
da direita: o que a erradicação <strong>do</strong> PT vai trazer para o país?<br />
A arte tem o espírito de transformar o mun<strong>do</strong>, mas neste<br />
momento é importante ter isso volta<strong>do</strong> para transformar<br />
o conserva<strong>do</strong>rismo político?<br />
A arte de um mo<strong>do</strong> geral produz empatia. Um bom filme é<br />
aquele que te comove, que te tira <strong>do</strong> seu lugar, que te move de<br />
onde você estava e leva para outro lugar. Não existe arma maior<br />
contra o ódio, por exemplo, porque a comoção, a empatia fazem<br />
com que você repense suas certezas, repense sua outrofobia. O<br />
principal inimigo da arte é essa outrofobia, que <strong>do</strong>mina o pensamento<br />
conserva<strong>do</strong>r. Esse me<strong>do</strong>, a palavra-chave da direita é<br />
me<strong>do</strong>. Me<strong>do</strong> no <strong>Brasil</strong> você consegue colocar com a revolução<br />
comunista, até hoje. Estamos em 2016, e a direita não convence<br />
O principal inimigo da arte é essa<br />
outrofobia, que <strong>do</strong>mina o pensamento<br />
conserva<strong>do</strong>r. Esse me<strong>do</strong>, a palavrachave<br />
da direita é me<strong>do</strong>. Essa função<br />
da arte acho que é a mais bonita, a<br />
luta contra o me<strong>do</strong><br />
as pessoas que está em curso um golpe comunista. Essa função<br />
da arte acho que é a mais bonita, que é a luta contra o me<strong>do</strong>. O<br />
me<strong>do</strong> é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho que a<br />
arte e a informação impressa, o humor, têm como principal alvo<br />
esse me<strong>do</strong>, que é um me<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro. Outrofobia inclui o me<strong>do</strong><br />
da diferença, o me<strong>do</strong> da alteridade. Eu acho que a função da<br />
arte é promover esse encontro com a alteridade.<br />
O paradigma politicamente correto te preocupa, como<br />
você vê isso?<br />
Sabe que as pessoas falam muito <strong>do</strong> politicamente correto<br />
mas não é uma coisa que me incomoda, porque eu vejo a necessidade<br />
de conscientização <strong>do</strong> humor, humorista, como algo<br />
muito positivo. Acho que o fato, por exemplo, das minorias hoje<br />
reclamarem quan<strong>do</strong> são ofendidas é um fato muito positivo<br />
também. Faz parte de um processo civilizatório <strong>do</strong> qual a gente<br />
hoje tem de se responsabilizar, sim, pelo jogo político <strong>do</strong> que a<br />
gente fala. Antigamente, não é que não existia o politicamente<br />
correto, é que as minorias não estavam empoderadas o bastante<br />
para manifestar a sua insatisfação. A expressão politicamente<br />
correto expõe uma certa rejeição, mas a correção na verdade<br />
não se adapta muito à política. Ser politicamente responsável<br />
eu acho muito necessário para o humor. Não me atrapalha, ao<br />
PAULO PEPE/RBA<br />
20 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
ENTREVISTA<br />
contrário, acho que isso me inspira a pensar que o<br />
que a gente escreve tem um alcance e pode ser positivo<br />
ou negativo. A responsabilidade política sobre<br />
aquilo que a gente diz é inerente ao nosso impacto.<br />
A gente hoje, por exemplo, tem impacto grande, eu<br />
não só escrevo na Folha ou no Porta (<strong>do</strong>s Fun<strong>do</strong>s),<br />
eu me incomo<strong>do</strong> muito com os humoristas que dizem:<br />
‘Ah, mas é só uma piada’. O cara é processa<strong>do</strong><br />
e diz, ‘Não, é só uma piada’, gente, mas não é só uma<br />
piada. Você vive disso. Jornalista dizen<strong>do</strong> é só uma<br />
matéria, ou o engenheiro, cai o prédio e ele diz, mas<br />
era só um prédio. Como assim? Ele vive disso, paga<br />
as contas. E a piada é a mesma coisa. É um negócio<br />
muito nobre para ser desmereci<strong>do</strong>.<br />
A peça que você está fazen<strong>do</strong> agora (Uma Noite<br />
na Lua) vai além <strong>do</strong> humor, é um monólogo<br />
em que você transita por diferentes gêneros.<br />
É uma proposta a seguir daqui por diante na<br />
sua carreira?<br />
Sim, gosto muito de misturar os gêneros, gosto de<br />
humor, mas talvez mais ainda de comoção, não só<br />
<strong>do</strong> drama, mas dessa tentativa de comover as pessoas,<br />
sabe, porque eu acho que o humor vai muito<br />
bem quan<strong>do</strong> ele está junto com algum drama, alguma<br />
tristeza, algo que se imprime na alma. Os humoristas<br />
que ficam, você vê, o humor volta e meia<br />
passa, a gente deixa de achar graça. Um programa<br />
humorístico de 20 anos atrás é difícil de fazer você<br />
rir. No entanto, você vê o Chaplin, por exemplo, e<br />
você ainda ri, porque aquilo está em algum lugar histórico,<br />
canônico, e por quê? Eu acho que é por causa<br />
<strong>do</strong> drama, não por causa <strong>do</strong> humor, porque o humor<br />
fica quan<strong>do</strong> tem uma pitada de drama. O que fica <strong>do</strong><br />
Chaplin é o drama, junto com a graça. A graça está ligada<br />
a essa tragédia humana, você está rin<strong>do</strong> da condição<br />
humana, tem um peso, fica. Quan<strong>do</strong> você está<br />
falan<strong>do</strong> da atualidade, da semana, <strong>do</strong> que passou,<br />
aquilo se esvai, eu acho que é uma grande diferença.<br />
No dia 11 de abril você completa 30 anos, o<br />
que significa esse momento?<br />
É difícil porque tem uma coisa muito louca da vida<br />
que é quan<strong>do</strong> você começa a ficar mais velho que<br />
as pessoas que você... Por exemplo, os joga<strong>do</strong>res de<br />
futebol. E to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sonha em ser joga<strong>do</strong>r de futebol,<br />
pelo menos no <strong>Brasil</strong>, e até pouco tempo atrás<br />
eu sonhava, achava que podia largar tu<strong>do</strong> se me dedicasse<br />
muito, podia tentar salvar o Fluminense, aí hoje<br />
começa a ficar distante. Nem que eu largue tu<strong>do</strong>, e só<br />
faça isso, eu já estou bicha<strong>do</strong>. Isso é uma besteira, claro,<br />
mas é quan<strong>do</strong> você começa a ver que várias coisas<br />
você não foi e não fez, e eu tenho uma angústia muito<br />
grande por não viver a vida plenamente, de não estar<br />
nunca... Nunca morei em outro lugar que não o Rio<br />
de Janeiro, é uma vida pequena em vários senti<strong>do</strong>s,<br />
não viajei muito... Eu gosto muito de ler, então viajo<br />
de outras maneiras, mas as vezes meu problema é esse,<br />
ter uma vivência de mun<strong>do</strong> ainda um pouco curta.<br />
Como a poesia e a música afetam você?<br />
Eu tenho muita inveja <strong>do</strong>s músicos porque eles<br />
rompem as barreiras das palavras, da língua e até<br />
<strong>do</strong> intelecto. Você pode se comunicar com alguém<br />
que acha tu<strong>do</strong> completamente diferente de você, e<br />
ainda assim se emociona. Wagner (Richard Wagner)<br />
não era um compositor menos brilhante porque era<br />
nazista. Porque aquilo era <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e emociona<br />
um judeu a música que ele faz. E vice-versa também.<br />
Um nazista talvez chorasse ouvin<strong>do</strong> Gershwin<br />
(George Gershwin), é uma coisa que eu acho que é<br />
muito bonita da música. Ela transcende suas certezas,<br />
enquanto a literatura faz isso mais dificilmente<br />
porque trabalha com as palavras. E a palavra é carregada,<br />
alimenta as convicções. É muito mais difícil<br />
você romper essas barreiras. Tenho inveja da música.<br />
E da poesia também. Eu queria até voltar a escrever<br />
poesia, porque ela diz as coisas de uma maneira<br />
tão sutil e tão por debaixo <strong>do</strong> pano, e eu tento botar<br />
isso no que eu escrevo para não ficar só entre convicções,<br />
entre porradas. O humor vai bem com poesia,<br />
porque dá uma amaciada quan<strong>do</strong> você joga para<br />
o lúdico. Sempre que escrevo uma coluna eu releio<br />
pensan<strong>do</strong>: ‘Será que eu tenho como deixar ela menos<br />
direta, mais poética?’. Porque com isso se passa<br />
muito melhor a mensagem, por meio de imagens, <strong>do</strong><br />
que por meio de frases duras e peremptórias.<br />
Quais escritores o influenciaram?<br />
Da minha geração tem o (Mário) Prata, que faz isso<br />
muito bem, que eu acho genial, tem bons romancistas<br />
também, a Carol Bensimon, que eu a<strong>do</strong>ro, o Daniel<br />
Galera, um cara que escreve bem à beça. Alguns escritores<br />
têm deixa<strong>do</strong> assim a nossa literatura mais poética,<br />
não perdem nunca o leitor de vista, acho isso muito<br />
saudável. A Tatiana Salem Levy é outra que eu gosto,<br />
ela está em Portugal agora, e das outras gerações, claro,<br />
Verissimo (Luis Fernan<strong>do</strong> Verissimo). A gente tem<br />
a tradição da crônica no <strong>Brasil</strong>: Rubem Braga, Paulo<br />
Mendes Campos, porque a crônica por ser um gênero<br />
feito para o jornal tem a vantagem de nunca perder o<br />
leitor de vista. Você não pode nunca esquecê-lo. Nossos<br />
melhores escritores são os que escreviam em jornal,<br />
como Nelson Rodrigues. Nunca perderam o leitor<br />
de vista e cujo rabo preso sempre foi com o leitor.<br />
Essa é uma grande qualidade <strong>do</strong> escritor.<br />
Leia a íntegra no site da Rede <strong>Brasil</strong> Atual.<br />
Gosto<br />
de misturar<br />
os gêneros,<br />
de humor,<br />
mas talvez<br />
mais ainda<br />
de comoção,<br />
dessa<br />
tentativa de<br />
comover as<br />
pessoas.<br />
O humor<br />
vai muito<br />
bem quan<strong>do</strong><br />
está junto<br />
com algum<br />
drama,<br />
alguma<br />
tristeza,<br />
algo que<br />
se imprime<br />
na alma<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 21
TRABALHO<br />
Alto<br />
teor de<br />
perigo<br />
Acor<strong>do</strong> negocia<strong>do</strong><br />
com empresa<br />
em Osasco prevê<br />
indenização a<br />
trabalha<strong>do</strong>res<br />
intoxica<strong>do</strong>s por<br />
mercúrio e fim<br />
da produção de<br />
lâmpadas<br />
Por Vitor Nuzzi<br />
Um acor<strong>do</strong> judicial firma<strong>do</strong><br />
em março é visto como um<br />
passo importante na prevenção<br />
contra a intoxição<br />
por mercúrio, uma situação<br />
ainda recorrente no país. Esse acor<strong>do</strong> foi<br />
firma<strong>do</strong> entre o Ministério Público <strong>do</strong><br />
Trabalho (MPT) e a multinacional alemã<br />
Osram, preven<strong>do</strong> pagamento de indenizações<br />
a funcionários e ex-funcionários<br />
da unidade de Osasco, na região metropolitana<br />
de São Paulo, por exposição ao<br />
mercúrio metálico, e planos de saúde vitalícios<br />
a trabalha<strong>do</strong>res diagnostica<strong>do</strong>s<br />
com <strong>do</strong>enças. O número certo ainda depende<br />
de exames, mas a Associação <strong>do</strong>s<br />
Expostos e Intoxica<strong>do</strong>s por Mercúrio<br />
Metálico apresentou uma lista com 236<br />
nomes de possíveis habilita<strong>do</strong>s. Outros<br />
ainda podem se inscrever.<br />
Presidente da associação e ex-funcionário<br />
da Sylvania, em Santo Amaro, na zona<br />
sul de São Paulo, Valdivino <strong>do</strong>s Santos<br />
Rocha, 61 anos, vê um precedente importante<br />
e um indicativo de mudanças no país.<br />
“Essas grandes empresas vêm aqui, a<strong>do</strong>ecem<br />
o trabalha<strong>do</strong>r e vão embora. Acredito<br />
que seja uma grande vitória para os trabalha<strong>do</strong>res<br />
envolvi<strong>do</strong>s no processo”, afirma.<br />
Para Valdivino, isso também ajuda na<br />
conscientização <strong>do</strong> perigo que representa<br />
a exposição <strong>do</strong> produto. “O problema afeta<br />
o sistema nervoso central e a gente vai<br />
perden<strong>do</strong> a noção da coisas”, diz ele, lembran<strong>do</strong><br />
que às vezes esses problemas são<br />
confundi<strong>do</strong>s com lesões por esforço repetivivo<br />
ou <strong>do</strong>enças osteomusculares relacionadas<br />
ao trabalho (LER/Dort): “Dor<br />
nos braços, nas pernas... Não aguenta le-<br />
22 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
TRABALHO<br />
JANAKA DHARMASENA /STOCKVAULT<br />
vantar peso. Os trabalha<strong>do</strong>res caem, e isso<br />
se confunde com epilepsia. Tem colega<br />
que cai direto. Uma coisa muito constante<br />
é a depressão”, conta o trabalha<strong>do</strong>r, que<br />
durante os quase seis anos na Sylvania<br />
(de 1986 a 1992) foi mecânico na linha<br />
fluorescente e supervisor.<br />
Sintomas<br />
A médica Cecília Zavariz, ex-auditora<br />
fiscal <strong>do</strong> Trabalho, lembra que as ocorrências<br />
de intoxicação são variadas. Em<br />
pesquisa realizada nos anos 1990, houve<br />
uma lista extensa de sintomas relata<strong>do</strong>s<br />
pelos trabalha<strong>do</strong>res: “Dor de cabeça,<br />
<strong>do</strong>r no estômago, sangramento oral, salivação<br />
excessiva, má digestão, gosto de<br />
metal na boca, náuseas, gengivite, ulceração<br />
oral, problemas dentários, diarreia,<br />
cãibras, parestesia, tremores, sonolência,<br />
alteração de grafia, abalos e fraqueza<br />
muscular, nervosismo, irritabilidade,<br />
dificuldade de memória, ansiedade,<br />
tristeza, depressão, redução da atenção,<br />
agressividade, insegurança e me<strong>do</strong>”. (Leia<br />
entrevista na página 24)<br />
Ela acompanha a situação não apenas<br />
da Osram, mas de outras empresas, desde<br />
a década de 1980, quan<strong>do</strong>, como auditora,<br />
realizava inspeções em diversos<br />
setores. A médica defende a eliminação<br />
<strong>do</strong> uso de mercúrio em qualquer atividade,<br />
como apontou em tese de mestra<strong>do</strong><br />
na Faculdade de Saúde Pública da<br />
Universidade de São Paulo (USP), em<br />
1994. “Em 1990 iniciei o trabalho no ramo<br />
de fabricação de lâmpadas com mercúrio,<br />
não apenas na Osram, como em<br />
outras empresas deste ramo industrial e<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 23
TRABALHO<br />
prossegui o trabalho eliminan<strong>do</strong> o uso de<br />
mercúrio em várias atividades.”<br />
O procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Trabalho Murillo César<br />
Buck Muniz, <strong>do</strong> MPT em Osasco, lembra<br />
que a empresa vai custear exames e também<br />
serão feitos testes neuropsicológicos. “Isso<br />
é importante porque não vai onerar ainda<br />
mais o sistema público de saúde”, observa.<br />
A Osram deverá pagar R$ 20 milhões em<br />
indenizações, além de R$ 4 milhões em danos<br />
morais coletivos. “A ideia é destinar (os<br />
R$ 4 milhões) ao atendimento de saúde ocupacional<br />
<strong>do</strong> Hospital das Clínicas, inclusive<br />
para realizar pesquisas, e também ao Centro<br />
de Referência em Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r<br />
de Osasco. É uma forma de compensação<br />
de danos”, afirma o representante <strong>do</strong><br />
Ministério Público.<br />
Produção<br />
Muniz destaca outro ponto <strong>do</strong> acerto:<br />
a empresa deverá cessar a produção de<br />
lâmpadas até abril. Caso esse item seja<br />
descumpri<strong>do</strong>, está prevista pena de multa<br />
diária de R$ 10 mil.<br />
O acor<strong>do</strong> pôs fim a uma ação civil pú-<br />
blica movida em 2012 pelo MPT, com base<br />
em conclusões das especialistas Cecília<br />
Zavariz e Marcília Medra<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Hospital<br />
das Clínicas. Elas acompanharam centenas<br />
de casos de trabalha<strong>do</strong>res que a<strong>do</strong>eceram<br />
com o chama<strong>do</strong> mercurialismo<br />
crônico ocupacional.<br />
Em nota, a Osram <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> confirmou<br />
ter assina<strong>do</strong>, em 15 de março, um Termo<br />
de Ajustamento de Conduta (TAC) “por<br />
conta da ação movida pelo Ministério<br />
Público <strong>do</strong> Trabalho de Osasco e a associação<br />
<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res que alegam<br />
terem si<strong>do</strong> contamina<strong>do</strong>s por mercúrio”.<br />
O nome da empresa, de 1906, se origina<br />
a partir de <strong>do</strong>is materiais usa<strong>do</strong>s para a<br />
produção de filamentos: ósmio e volfrâmio<br />
(atualmente, tungstênio).<br />
O número de trabalha<strong>do</strong>res habilita<strong>do</strong>s<br />
a receber a indenização só deverá ser conheci<strong>do</strong><br />
no final de agosto, diz o procura<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> Trabalho. Os exames começam em<br />
maio. Segun<strong>do</strong> ele, quem tem diagnóstico<br />
e se habilitar receberá o plano de saúde<br />
imediatamente. “Isso não afasta a possibilidade<br />
de o trabalha<strong>do</strong>r fazer um processo<br />
individual e não se habilitar por aqui”, lembra,<br />
destacan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>.<br />
“Com certeza, o processo judicial demoraria<br />
muito mais. Normalmente, as soluções<br />
negociadas são as melhores.”<br />
Diretor <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Metalúrgicos<br />
de Osasco, Sertório Apareci<strong>do</strong> Ribeiro<br />
de Carvalho diz que a empresa passará a<br />
importar lâmpadas LED e fluorescentes,<br />
interrompen<strong>do</strong> a produção local. Ele cita<br />
caso semelhante envolven<strong>do</strong> a Philips,<br />
que também teve de indenizar funcionários<br />
intoxica<strong>do</strong>s. Com 30 anos de Osram,<br />
Sertório também foi exposto ao produto<br />
e tem um lau<strong>do</strong> que aponta perda de memória<br />
e de concentração.<br />
“A gente vive toman<strong>do</strong> remédio”, lembra<br />
Valdivino Rocha, aposenta<strong>do</strong> em decorrência<br />
de acidente de trabalho – código<br />
B92, invalidez acidentária. Ele mesmo<br />
tem uma <strong>do</strong>se diária de 14 comprimi<strong>do</strong>s.<br />
Em uma conferência nacional sobre saúde<br />
– durante a qual sofreu uma queda –,<br />
ele contestou quem defendia regulamentação<br />
<strong>do</strong> uso <strong>do</strong> mercúrio. “A gente tem<br />
de eliminar, não regulamentar”, afirma.<br />
Problema de saúde pública<br />
Para a médica Cecília Zavariz, ex-auditora<br />
fiscal <strong>do</strong> Trabalho, qualquer atividade que<br />
envolva mercúrio oferece risco, e seu uso<br />
representa “um problema grave de saúde<br />
pública”. Ela considera o acor<strong>do</strong> <strong>do</strong> MPT<br />
um “parâmetro interessante” para outras<br />
empresas, mas critica a legislação e avalia<br />
que falta vontade para resolver<br />
o problema.<br />
Os trabalha<strong>do</strong>res apresentam que<br />
tipo de problemas de saúde? Alguns<br />
chamaram mais a atenção?<br />
Os quadros da intoxicação são varia<strong>do</strong>s<br />
e dependem de diversos fatores. Na<br />
pesquisa que realizamos na década de<br />
1990, os sintomas mais frequentemente<br />
relata<strong>do</strong>s foram <strong>do</strong>r de cabeça, <strong>do</strong>r no<br />
estômago, sangramento oral, salivação<br />
excessiva, má digestão, gosto de metal na<br />
boca, náuseas, gengivite, ulceração oral,<br />
problemas dentários, diarreia, cãibras,<br />
parestesia, tremores, sonolência, alteração<br />
de grafia, abalos e fraqueza muscular,<br />
nervosismo, irritabilidade, dificuldade de<br />
memória, ansiedade, tristeza, depressão,<br />
redução da atenção, agressividade,<br />
insegurança e me<strong>do</strong>. No exame<br />
físico foram detectadas as seguintes<br />
alterações, cujos resulta<strong>do</strong>s foram<br />
estatisticamente significativos: hiperemia<br />
de orofaringe, depósitos metálicos<br />
gengivais e palatares, ulceração oral,<br />
linha azul na borda gengival, tremores,<br />
alteração de grafia, de sensibilidade<br />
térmica e hiperreflexia. Nos testes<br />
neuropsicológicos foram observa<strong>do</strong>s<br />
déficits na rapidez de movimentos,<br />
destreza manual, coordenação motora,<br />
atenção concentrada, eficiência cognitiva<br />
e velocidade perceptiva motora. Na<br />
ocasião, foram afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalho<br />
vários casos que apresentavam<br />
intoxicação. Atualmente, como previsto<br />
no acor<strong>do</strong>, farei avaliação da saúde<br />
referente à exposição ao mercúrio de<br />
to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res que solicitarem no<br />
prazo previsto, de mo<strong>do</strong> que terei da<strong>do</strong>s<br />
atualiza<strong>do</strong>s da situação.<br />
Há casos que tornaram os<br />
emprega<strong>do</strong>s definitivamente<br />
incapacita<strong>do</strong>s?<br />
Há casos de trabalha<strong>do</strong>res incapacita<strong>do</strong>s<br />
para o trabalho, em função <strong>do</strong> quadro<br />
apresenta<strong>do</strong>, de todas as indústrias <strong>do</strong> ramo.<br />
Cecília<br />
Zavariz:<br />
“Todas as<br />
empresas<br />
que usam<br />
mercúrio<br />
oferecem<br />
risco”<br />
LEONARD0 SÁ/AGÊNCIA PORÃ<br />
24 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
TRABALHO<br />
DANILO RAMOS/RBA<br />
FALTA<br />
COMPROMISSO<br />
Valdivino vê<br />
um precedente<br />
importante e<br />
um indicativo<br />
de mudanças<br />
no país: “Essas<br />
grandes<br />
empresas vêm<br />
aqui, a<strong>do</strong>ecem<br />
o trabalha<strong>do</strong>r<br />
e vão embora.<br />
Acredito que<br />
seja uma grande<br />
vitória para os<br />
trabalha<strong>do</strong>res<br />
envolvi<strong>do</strong>s no<br />
processo”<br />
A Osram representa um fato isola<strong>do</strong>,<br />
ou trata-se de uma realidade<br />
comum?<br />
Todas as empresas que usam mercúrio<br />
oferecem risco, porque este agente é<br />
altamente agressivo e por si só representa<br />
risco. As características específicas, como a<br />
toxicidade a fácil evaporação, a penetração<br />
no organismo através da inalação, a<br />
bioacumulação no organismo causan<strong>do</strong><br />
lesões irreversíveis, particularmente no<br />
sistema nervoso, tornam o uso deste metal<br />
um problema grave de saúde pública,<br />
dada a facilidade de se dispersar por to<strong>do</strong><br />
o planeta, contaminan<strong>do</strong> o ambiente e os<br />
seres vivos.<br />
A sra. acredita que o acor<strong>do</strong> feito no<br />
MPT pode ser um parâmetro para<br />
outros casos?<br />
Com esse acor<strong>do</strong> estamos eliminan<strong>do</strong> a<br />
fabricação de lâmpadas com mercúrio no<br />
país. O acor<strong>do</strong> com a Osram pode ser um<br />
parâmetro para as demais empresas que,<br />
na contramão da história, ainda insistem<br />
em usar o mercúrio, apesar de fartamente<br />
demonstra<strong>do</strong> o risco que esse agente<br />
tóxico representa para o homem e a to<strong>do</strong><br />
o planeta. O Conselho de Administração<br />
<strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o<br />
Meio Ambiente (Pnuma), após solicitar<br />
um informe sobre o mercúrio e seus<br />
compostos em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, identificou<br />
a contaminação por mercúrio como<br />
um grave problema ambiental e de<br />
saúde pública e estabeleceu como<br />
meta a redução até a eliminação <strong>do</strong> uso<br />
humano <strong>do</strong> mercúrio, que culminou,<br />
em 2013, com o consenso de muitos<br />
países, de um <strong>do</strong>cumento denomina<strong>do</strong><br />
“Convenção de Minamata”, <strong>do</strong> qual o<br />
<strong>Brasil</strong> foi signatário. O <strong>Brasil</strong> ainda não<br />
a<strong>do</strong>tou medidas concretas para eliminar<br />
o uso de mercúrio, como em empresas<br />
de cloro-álcalis, onde ainda há empresas<br />
que mantêm a tecnologia obsoleta com<br />
mercúrio, bem como na importação e<br />
uso de produtos com mercúrio, como<br />
termômetros, esfigmomanômetros de<br />
coluna de mercúrio, na área o<strong>do</strong>ntológica,<br />
com o uso de amálgamas dentários com<br />
mercúrio e em vacinas que contêm um<br />
conservante à base de mercúrio. Em todas<br />
essas situações há tecnologia substitutiva,<br />
sem os riscos que o mercúrio representa<br />
para a saúde humana e o meio ambiente.<br />
Além <strong>do</strong> ambiente de trabalho,<br />
em que outras áreas o mercúrio é<br />
utiliza<strong>do</strong>? Quais os riscos?<br />
Principalmente na garimpagem de ouro,<br />
que além de oferecer risco à saúde de<br />
quem manipula o produto ou está nas<br />
proximidades, é descarta<strong>do</strong> no meio<br />
ambiente contaminan<strong>do</strong> o solo, a água, o<br />
ar, a fauna e a flora.<br />
A legislação brasileira, na área de<br />
saúde e segurança, é adequada?<br />
A legislação é tão deficitária que podemos<br />
considerar praticamente nula.<br />
O Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente<br />
chegou a declarar que o país tem<br />
da<strong>do</strong>s incompletos sobre usos e<br />
emissões <strong>do</strong> mercúrio. O que é<br />
preciso ser feito, consideran<strong>do</strong><br />
também a Convenção de Minamata?<br />
Primeiramente, é preciso querer resolver<br />
o problema. Segun<strong>do</strong>, querer conhecer o<br />
tamanho <strong>do</strong> problema. Terceiro, buscar as<br />
soluções. Quarto, planejar e implementar<br />
as medidas adequadas para sanar o<br />
problema. E fundamental: é preciso ouvir<br />
quem conhece o assunto.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 25
AMÉRICA LATINA<br />
Construir demora,<br />
Situação argentina<br />
ilustra como sólidas<br />
conquistas sociais,<br />
que levam anos para<br />
serem alcançadas,<br />
desmancham no ar<br />
quan<strong>do</strong> o poder que<br />
controla o capital<br />
detém a caneta<br />
da Presidência da<br />
República<br />
Por Erika Morhy, de Buenos Aires<br />
Foram dias turbulentos na Argentina<br />
desde a assunção <strong>do</strong><br />
empresário Maurício Macri à<br />
Presidência: o dólar passou a<br />
ser nivela<strong>do</strong>, e nivela<strong>do</strong> pelo<br />
merca<strong>do</strong>, o que o fez saltar <strong>do</strong>s oficiais<br />
nove pesos para 16; a moeda nacional<br />
perdeu pelo menos 40% <strong>do</strong> seu valor;<br />
pelo menos 100 mil trabalha<strong>do</strong>res já<br />
passaram para a lista de desemprega<strong>do</strong>s;<br />
a chamada Lei de Meios começa a ser esquartejada;<br />
e um protocolo de segurança<br />
dita rumos repressivos a manifestações<br />
públicas. O balanço de governo que fazem<br />
hoje algumas lideranças populares<br />
é bem diferente daquele sacolejo festivo<br />
de Macri na sacada da Casa Rosada, em<br />
10 de dezembro.<br />
Foram contra estas medidas que votaram<br />
quase 50% <strong>do</strong>s argentinos, em 2015.<br />
Sim, eram previsíveis. “Nos primeiros<br />
dias, havia uma discussão sobre a velocidade<br />
com que aplicariam sua política,<br />
se gradualmente ou de maneira impactante.<br />
Estamos governa<strong>do</strong>s por uma força<br />
de direita clássica, profundamente liberal<br />
em termos econômicos, e profundamente<br />
autoritária em termos políticos. Não<br />
26 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
AMÉRICA LATINA<br />
destruir não<br />
nos surpreende o que se vê”, argumenta<br />
Martín Sabbatella, ex-titular da Autoridade<br />
Federal de Serviços de Comunicação<br />
Audiovisual (Afsca) e candidato a vice-governa<strong>do</strong>r<br />
de Buenos Aires nas mais<br />
recentes eleições.<br />
Sabbatella, aliás, sentiu na carne o autoritarismo<br />
político <strong>do</strong> governo macrista,<br />
que dissolveu a entidade criada pela Lei<br />
de Serviços de Comunicação Audiovisual<br />
(Lei nº 26.522, de 2009) e subordinou<br />
suas atividades a um novo organismo,<br />
a Entidade Nacional de Comunicações<br />
(Enacom). Tu<strong>do</strong> isto por meio de um<br />
<strong>do</strong>s quase 30 Decretos de Necessidade e<br />
Urgência (DNUs) emiti<strong>do</strong>s em um perío<strong>do</strong><br />
de menos de <strong>do</strong>is meses, sem passar<br />
pelo crivo <strong>do</strong> Legislativo. Esta foi apenas<br />
uma faceta <strong>do</strong>s decretos que vão de encontro<br />
aos esforços de quem aju<strong>do</strong>u, durante<br />
anos, a construir o que seria a Lei<br />
de Meios.<br />
AS RUAS PROTESTAM<br />
Macri governa na base<br />
da canetada: foram<br />
quase 30 Decretos de<br />
Necessidade e Urgência<br />
emiti<strong>do</strong>s em um perío<strong>do</strong><br />
de menos de <strong>do</strong>is meses,<br />
sem passar pelo crivo <strong>do</strong><br />
Legislativo<br />
ELTAN ABRAMOVICH/AFP/GETTY IMAGES (23-12-2015)<br />
Concentração midiática<br />
Presidenta <strong>do</strong> Fórum Argentino de Rádios<br />
Comunitárias e integrante da Coalizão<br />
por uma Comunicação Democrática,<br />
Mariela Pobliese descreve alguns <strong>do</strong>s<br />
impactos <strong>do</strong> esfacelamento da normativa.<br />
“Uma das coisas que o decreto permite<br />
é a compra e venda de licenças, coisa<br />
que até (o ex-presidente-general Jorge Rafael)<br />
Videla proibiu. É voltar a transformar<br />
em negócio as telecomunicações, e o<br />
que é pior: em um negócio para os grandes<br />
capitais. Estamos falan<strong>do</strong> de algo que<br />
é substancial para a democracia, para a<br />
soberania política e econômica argentina”,<br />
indigna-se.<br />
Ela e mais de 300 representantes de<br />
organizações vinculadas à comunicação<br />
participaram <strong>do</strong> primeiro congresso<br />
nacional da coalizão, na capital <strong>do</strong><br />
país, em 3 de março. Ali era possível<br />
ter a dimensão de como foi ampla e objetiva<br />
a conquista da Lei de Meios no<br />
governo de Cristina Kirchner, que assegurou<br />
a vontade coletiva sistematizada<br />
em 21 pontos elabora<strong>do</strong>s a partir de<br />
2004. A convocação para atualizar as diretrizes<br />
aponta claramente o alvo: “Denunciamos<br />
a atitude <strong>do</strong> Poder Executivo<br />
que, por meio <strong>do</strong>s decretos 13/2015<br />
e 267/2015, viola a divisão de poderes<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 27
AMÉRICA LATINA<br />
LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />
TRATOR Antes que o macrismo completasse 100 dias no poder, a Central de Trabalha<strong>do</strong>res da Argentina computou 38 mil demissões<br />
em âmbito estatal e outras 31 mil no setor priva<strong>do</strong>, principalmente na área da construção civil, indústria automobilística e alimentícia<br />
que estabelece a Constituição, ao mesmo<br />
tempo em que pretende apartar o<br />
Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> respeito aos pactos de direitos<br />
humanos e desconhece os fundamentos<br />
da liberdade de expressão como<br />
direito fundamental”.<br />
Segun<strong>do</strong> Mariela, o enfrentamento aos<br />
<strong>do</strong>is decretos de urgência se darão em diferentes<br />
níveis – e o trabalho já começou,<br />
tanto por meio <strong>do</strong>s sindicatos como por<br />
articulação política com deputa<strong>do</strong>s e sena<strong>do</strong>res<br />
para que os derrubem. A Comissão<br />
Interamericana de Direitos Humanos<br />
já havia incluí<strong>do</strong> na agenda um debate<br />
sobre a Lei de Meios argentina, no dia<br />
8 de abril.<br />
Para Sabbatella, os meios de comunicação<br />
sob o modelo da concentração cumprem<br />
papel essencial na blindagem das<br />
medidas impopulares <strong>do</strong> Executivo e têm<br />
outro alia<strong>do</strong>. “Usam também o ´parti<strong>do</strong><br />
judicial´, uma parte <strong>do</strong> Judiciário como<br />
parti<strong>do</strong>, a serviço da estratégia da direita,<br />
para atender a eles, atacar as forças políticas<br />
e suas lideranças. Soma<strong>do</strong> ao ´parti<strong>do</strong><br />
midiático´, pretendem desestabilizar,<br />
desgastar e mentir. O que escapa <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />
parti<strong>do</strong>s controla-se com a repressão, como<br />
se viu em Buenos Aires, La Plata e<br />
Santiago Del Estero, com perseguições<br />
permanentes: a estigmatização de trabalha<strong>do</strong>res<br />
em estatais e de militantes politicos,<br />
associa<strong>do</strong>-os a uma gordura que<br />
precisa ser extirpada.”<br />
Princípios impopulares<br />
Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s setores público e<br />
priva<strong>do</strong> ocupam quase o mesmo patamar<br />
percentual de desemprega<strong>do</strong>s na Argentina,<br />
e torna no mínimo duvi<strong>do</strong>so o discurso<br />
de Macri de que a “cada dia, estaremos<br />
um pouco melhor a partir de 10<br />
de dezembro”. Ou ainda quan<strong>do</strong> o agora<br />
presidente garantiu que faria o país surfar<br />
numa “pobreza zero”.<br />
O vice-presidente da Central de Trabalha<strong>do</strong>res<br />
da Argentina (CTA-Autônoma),<br />
Ricar<strong>do</strong> Peidro, lamenta. “Tal qual prevíamos,<br />
temos uma situação que não é alenta<strong>do</strong>ra.<br />
Pelo contrário. Existe um marco<br />
de demissões associa<strong>do</strong> à deterioração <strong>do</strong><br />
salário, ocorri<strong>do</strong> tanto pela desvalorização<br />
da moeda como pela inflação.”<br />
Antes que o macrismo completasse 100<br />
dias no poder, a central computou 38 mil<br />
demissões em âmbito estatal e 31 mil no<br />
setor priva<strong>do</strong>. Ele especifica que “estão<br />
concentra<strong>do</strong>s na esfera nacional e municipal,<br />
pelo setor público, e principalmente<br />
na área da construção civil, indústria<br />
automobilística e alimentícia, pelo setor<br />
priva<strong>do</strong>”. Estes números crescem regularmente,<br />
já ten<strong>do</strong> alcança<strong>do</strong> 100 mil poucos<br />
dias depois destas declarações.<br />
As informações sistematizadas pelo<br />
Observatório de Direitos Sociais da CTA-<br />
-A até 4 de março levam em conta tanto<br />
da<strong>do</strong>s informa<strong>do</strong>s pelo Instituto Nacional<br />
de Estatística e Censo da Argentina<br />
(Indec) como registros ofereci<strong>do</strong>s por organizações<br />
de classe. Os da<strong>do</strong>s são considera<strong>do</strong>s<br />
subnotifica<strong>do</strong>s, conforme explicita<br />
o próprio organismo.<br />
“Quan<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> produz demissões,<br />
demonstra qual é o caminho para a atividade<br />
privada: que não vai haver problemas<br />
quan<strong>do</strong> demitirem, porque é<br />
uma questão economicista, econômica,<br />
28 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
AMÉRICA LATINA<br />
de maximizar os lucros por meio das demissões”,<br />
diz o sindicalista.<br />
Histórico militante sindical – aju<strong>do</strong>u a<br />
montar a CTA – e ativista de movimentos<br />
contra a pobreza, Víctor De Gennaro tem<br />
uma observação precisa a respeito desse<br />
cenário: “A tendência é assustar, utilizar<br />
as demissões para baixar os salários. Como<br />
nos disse o ministro de Economia,<br />
(Alfonso) Prat-Gay, ‘os dirigentes sindicais<br />
deverão escolher (durante as negociações<br />
com a patronal) entre ter trabalho<br />
e ter melhor salário’.<br />
O cenário é parte de um conjunto impopular<br />
de ações que favorecem as grandes<br />
corporações, conforme explica De<br />
Gennaro. “O governo produz, sem anestesia,<br />
uma transferência imensa de riqueza<br />
para grupos econômicos. A primeira<br />
medida de Macri é oferecer 128 milhões<br />
de pesos ou 2,5% <strong>do</strong> Produto Interno<br />
Bruto (PIB) ao setor agrícola exporta<strong>do</strong>r.<br />
Por sua vez, oferece aos aposenta<strong>do</strong>s e às<br />
crianças <strong>do</strong> programa de assistência básica<br />
um aumento emergencial de 400 pesos<br />
a cada um, num total de 3,2 milhões, ou<br />
0,1% <strong>do</strong> PIB”, compara.<br />
Público e priva<strong>do</strong><br />
“Rodrigo era nosso facilita<strong>do</strong>r. Ele<br />
acompanhava o <strong>do</strong>mínio das crianças sobre<br />
os netbooks como ferramenta pedagógica.<br />
Mas este ano nós não vamos poder<br />
contar com ele.” Sem muitos detalhes,<br />
a diretora da escola pública Bernardino<br />
Rivadavia esclarece pais e mães de<br />
alunos que receberam <strong>do</strong> governo fe-<br />
ARROCHO<br />
De Gennaro:<br />
“A tendência<br />
é assustar,<br />
utilizar as<br />
demissões<br />
para baixar<br />
os salários”<br />
ACERVO UNIDAD POPULAR<br />
DESCONSTRUINDO A LEI DE MEIOS<br />
Mariela: Macri liberou a compra e venda<br />
de licenças de telecomunicações, coisa<br />
que nem a ditadura permitiu<br />
deral o pequeno computa<strong>do</strong>r, como parte<br />
<strong>do</strong> programa Conectar Igualdade, nos<br />
anos anteriores. Há cinco anos, era por<br />
meio dele que se entregava um computa<strong>do</strong>r<br />
por aluno e professor das instituições<br />
públicas de ensino. A plataforma pedagógica<br />
foi desenvolvida pela equipe governamental,<br />
e é utilizada a partir <strong>do</strong> assessoramento<br />
técnico-pedagógico à comunidade<br />
escolar feita pelos facilita<strong>do</strong>res.<br />
A lacuna é reflexo da demissão <strong>do</strong>s<br />
mais de mil funcionários que atuavam<br />
na inclusão digital dentro <strong>do</strong>s colégios<br />
de to<strong>do</strong> o país há cinco anos. Professor<br />
de Matemática e mestre em Políticas<br />
Educativas, Gustavo Romero é um deles.<br />
Coordenava exatamente as atividades<br />
de outros colegas que visitavam as<br />
escolas para acompanhar professores<br />
e alunos no processo de aprendizagem<br />
na capital federal. “Por sorte,<br />
tenho outras fontes de renda – <strong>do</strong>u<br />
aulas e escrevo livros. Mas a maior<br />
parte da minha equipe tinha esse trabalho<br />
como único salário, e estão sem<br />
receber desde janeiro. É desespera<strong>do</strong>r”,<br />
ACERVO REDPAC<br />
diz Romero, de 34 anos, que trabalhou no<br />
Conectar por <strong>do</strong>is anos.<br />
Romero e os demais demiti<strong>do</strong>s estavam<br />
contrata<strong>do</strong>s em condição vulnerável,<br />
admite. Ou como destaca De Gennaro:<br />
precária. “Não houve nenhuma greve<br />
geral durante os primeiros nove anos de<br />
governo de Cristina Kirchner, mas foram<br />
cinco nos últimos três anos. Para se chegar<br />
a esse nível de consenso, é porque havia<br />
muita insatisfação”, pondera. A título<br />
de comparação, entre as várias manifestações<br />
contra medidas <strong>do</strong> governo Macri,<br />
já houve uma greve nacional de trabalha<strong>do</strong>res<br />
em estatais (em 24 de fevereiro)<br />
e outra promovida por um conjunto de<br />
centrais sindicais (29 de março).<br />
Há que se levar em conta a grande<br />
quantidade de demiti<strong>do</strong>s no setor priva<strong>do</strong><br />
no arranque da gestão macrista. E<br />
ainda uma repressão policial violenta aos<br />
protestos. A marca Cresta Roja, de frangos<br />
produzi<strong>do</strong>s pelo Grupo Rasic, localizada<br />
na Grande Buenos Aires, anunciou<br />
sua falência em dezembro e passou a ser<br />
administrada pelo consórcio Ovoprot<br />
Internacional. Antes disso, o piquete <strong>do</strong>s<br />
funcionários, que chegam a 5 mil, terminou<br />
em 22 de janeiro com a arremetida de<br />
balas de borracha desferidas pela polícia.<br />
O Grupo 23 de comunicação também<br />
não reservou boas notícias aos funcionários<br />
de seus veículos no encerramento<br />
<strong>do</strong> ano. Diretor de Redação <strong>do</strong> jornal<br />
Tiempo Argentino, Gustavo Cirelli<br />
diz que o diário que aju<strong>do</strong>u a fundar<br />
em 16 de maio de 2010 teve suas atividades<br />
suspensas por determinação de<br />
seus <strong>do</strong>nos em 5 de fevereiro. “O principal<br />
responsável não é o governo federal,<br />
mas os empresários que o levaram<br />
a essa situação. O que o governo federal<br />
está fazen<strong>do</strong> com o jornal é mais ou<br />
menos exemplificar o que acontece com<br />
um periódico de características <strong>do</strong> campo<br />
popular, que é o que representamos.<br />
Por isso, não há nenhum sinal de que o<br />
Esta<strong>do</strong> vai estar <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res”,<br />
define o jornalista.<br />
O que passou com o Conectar Igualdade<br />
também acontece de forma muito<br />
semelhante com o Tiempo. Os 170 trabalha<strong>do</strong>res<br />
que ficaram desemprega<strong>do</strong>s<br />
acumulam dívidas desde dezembro, além<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 29
AMÉRICA LATINA<br />
de parte <strong>do</strong> 13º salário. E mesmo com a<br />
blindagem de informação feita pelos<br />
grandes meios de comunicação, os protestos<br />
e batalhas judiciais com apoio sindical<br />
estão de pé. “O conflito foi se aprofundan<strong>do</strong><br />
com a mesma intensidade em<br />
que se tornava desespera<strong>do</strong>ra a situação”,<br />
relata Cirelli, para quem ainda existe alguma<br />
margem de negociação com o Ministério<br />
<strong>do</strong> Trabalho.<br />
Aos 46 anos, com um par de experiências<br />
no ramo, Cirelli acha estranha a venda<br />
<strong>do</strong> Grupo 23 para um empresário tão<br />
PARCERIA MÍDIA/JUDICIÁRIO<br />
Sabbatella: os meios de comunicação<br />
sob o modelo da concentração cumprem<br />
papel essencial na blindagem das medidas<br />
impopulares <strong>do</strong> Executivo e têm outro<br />
alia<strong>do</strong>. “Usam também o ´parti<strong>do</strong> judicial´”<br />
desconheci<strong>do</strong> e que ainda não apareceu<br />
para dizer a que veio. Ele lamenta a situação<br />
vivida pela maioria <strong>do</strong>s colegas, alguns<br />
já sem condições, por exemplo, de<br />
pagar o aluguel. “O que me <strong>do</strong>mina to<strong>do</strong>s<br />
os dias é a angústia e a raiva. Por ver<br />
a mim nesta situação, mas, sobretu<strong>do</strong>, a<br />
SANTIAGO VIVACQUA/NUEVO ENCUENTRO<br />
meus companheiros, não poden<strong>do</strong> viver<br />
dignamente como fruto <strong>do</strong> seu trabalho,<br />
como deve ser”, desabafa o portenho.<br />
Ele conta que o jornal produziu reportagens<br />
significativas para a agenda pública<br />
nacional, entre as quais uma investigação<br />
sobre os laços entre o então candidato<br />
Maurício Macri, e seu primeiro nome para<br />
deputa<strong>do</strong> federal, Fernan<strong>do</strong> Niembro.<br />
Laços tão vis entre os setores público e<br />
priva<strong>do</strong> que fizeram Niembro abdicar<br />
de sua candidatura. Houve ainda reportagem<br />
de fôlego sobre os negócios com<br />
papel-jornal, que envolvia grandes corporações<br />
midiáticas e suas relações com<br />
governos militares.<br />
Cirelli diz que to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
jornal têm uma história de militância, seja<br />
em organizações de direitos humanos, seja<br />
em movimentos sindicais ou político-partidários.<br />
Ele mesmo reserva muitas críticas<br />
ao governo kirchnerista, mas faz questão<br />
de ressaltar: “O que houve foi um governo<br />
de enfrentamento com o poder real na Argentina.<br />
E o poder real não é o poder político,<br />
são os grupos concentra<strong>do</strong>s, transnacionais,<br />
os grandes exporta<strong>do</strong>res”.<br />
O peronismo em sua faceta kirchnerista<br />
continua esperançoso, de acor<strong>do</strong> com<br />
Martín Sabbatella. “Como qualquer força<br />
política que perdeu as eleições, voltamos<br />
a nos organizar, a nos reunir com quem<br />
foi empodera<strong>do</strong> por Cristina, a receber<br />
os que querem se organizar. Vamos disputar<br />
as próximas eleições”, conclui, enquanto<br />
segue em uma sequência de encontros<br />
pelo país.<br />
Uma nova força à direita<br />
Víctor De Gennaro e Martín Sabbatella a<strong>do</strong>tam análise<br />
semelhante ao se referirem ao cenário político-partidário na<br />
Argentina contemporânea e que tem Maurício Macri como seu<br />
mais novo representante.<br />
O fim <strong>do</strong> bipartidarismo que se deu em várias nações latinoamericanas<br />
em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos após 2001 se deu de mo<strong>do</strong><br />
diferente na Argentina, relaciona De Gennaro. “Enquanto o<br />
bipartidarismo foi supera<strong>do</strong> por forças de centro-esquerda em<br />
países como <strong>Brasil</strong>, Uruguai, Venezuela e Bolívia, PJ (Parti<strong>do</strong><br />
Justicialista) e UCR (União Cívica Radical) foram supera<strong>do</strong>s muitos<br />
anos depois e por uma força política de direita, que é a Proposta<br />
Republicana (PRO)”.<br />
Sabbatella recorda que “a direita já esteve presente na<br />
Argentina e marcou o rumo <strong>do</strong> país em determina<strong>do</strong>s momentos<br />
históricos, assim como na região sul-americana como um to<strong>do</strong>”.<br />
A diferença, diz ele, “é que a direita atual é atendida por seus<br />
próprios <strong>do</strong>nos, que formaram um parti<strong>do</strong>”.<br />
Em décadas anteriores, como a de 1970, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> terrorismo<br />
de Esta<strong>do</strong>, e a de 1990, a direita assumia a condução <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
por meio de um “parti<strong>do</strong> militar” ou por meio da “colonização de<br />
parti<strong>do</strong>s populares”, a exemplo de Carlos Menem, originalmente<br />
<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Justicialista ou Peronista, e Fernan<strong>do</strong> De la Rúa,<br />
advin<strong>do</strong> da UCR. A conformação dessa força à direita é uma<br />
novidade política importante, alerta Sabbatella. No entanto, ele<br />
acrescenta que se deve levar em conta que detém “o mesmo<br />
pensamento, a mesma lógica, a mesma voracidade, os mesmos<br />
interesses econômicos”.<br />
A coalizão de parti<strong>do</strong>s que levou Macri à prefeitura de Buenos<br />
Aires em 2007, com mandato até 2015, é a mesma que passou a<br />
se chamar PRO e o levou à Casa Rosada.<br />
30 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
EMIR SADER<br />
A onda conserva<strong>do</strong>ra<br />
de Trump e de Moro<br />
Ela não tolera mais o convívio democrático e tem como característica<br />
o ódio e a agressividade. A democracia era boa quan<strong>do</strong> a direita<br />
ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder, começou a apelar<br />
Não há dúvida de que há uma nova<br />
onda conserva<strong>do</strong>ra no mun<strong>do</strong>. A<br />
profunda e prolongada crise econômica<br />
europeia, produto <strong>do</strong> fracasso<br />
das políticas neoliberais de austeridade,<br />
não tem ti<strong>do</strong> como regra respostas por parte<br />
da esquerda – <strong>do</strong>s seus parti<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s sindicatos –,<br />
mas tem fortaleci<strong>do</strong> a extrema-direita. Um fenômeno<br />
que afeta a França há décadas e que agora chega<br />
com força também à Alemanha, depois de percorrer<br />
já grande parte <strong>do</strong>s países da Europa.<br />
O tema da imigração resume o egoísmo dessa nova<br />
direita, encastelada nos muros da sociedade que construiu<br />
na base <strong>do</strong> colonialismo e <strong>do</strong> imperialismo, protegen<strong>do</strong>-se<br />
<strong>do</strong>s “novos bárbaros” que chegam da miséria<br />
que ela produziu na África e das guerras que ela<br />
produz no Oriente Médio. A mentalidade de cidadela<br />
da civilização sitiada pelos bárbaros produz uma nova<br />
extrema-direita, que encontra amplos setores, especialmente<br />
de classe média, dispostos a apoiá-la nas<br />
suas políticas xenófobas, discriminatórias, racistas.<br />
O sucesso da campanha de Donald Trump nos Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s corresponde a um fenômeno similar.<br />
Não é à toa que Trump tem nos mexicanos, nos imigrantes<br />
em geral, nos muçulmanos, a pedra de toque<br />
de sua ideologia, que convoca os sentimentos mais<br />
conserva<strong>do</strong>res da classe média <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “EUA<br />
profun<strong>do</strong>”. Construção de muros, expulsões, proibição<br />
de ingresso – tu<strong>do</strong> vai na mesma direção <strong>do</strong><br />
egoísmo que atribui a culpa da crise, provocada pela<br />
economia que eles mesmos semearam ali e no mun<strong>do</strong>,<br />
às suas vítimas. Pode não triunfar, mas demonstra<br />
que há um cal<strong>do</strong> de cultivo enorme no próprio<br />
centro <strong>do</strong> sistema para uma nova direita ainda mais<br />
extremista. Corresponde ao que Richard Nixon denominou,<br />
ainda nos anos 1960, de a “maioria silenciosa”,<br />
os norte-americanos <strong>do</strong> país profun<strong>do</strong>, conserva<strong>do</strong>res<br />
na sua alma.<br />
Por aqui, a direita não tolera mais o convívio na<br />
democracia. Nem no <strong>Brasil</strong>, nem na Argentina, nem<br />
no Equa<strong>do</strong>r, nem na Venezuela, nem na Bolívia. Pelos<br />
meios de comunicação disseminam ódio, mediante<br />
campanhas de desqualificação pessoal <strong>do</strong>s seus dirigentes,<br />
na impossibilidade de discutir alternativas e<br />
comparar governos. A direita atual tem como característica<br />
nova o ódio, a agressividade, a discriminação<br />
aberta, as manifestações de rua em que exibem lemas<br />
de ofensas abertas aos dirigentes políticos da esquerda.<br />
São amplos setores da classe média desespera<strong>do</strong>s<br />
porque passaram a perder eleições. A democracia era<br />
boa quan<strong>do</strong> a direita ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder,<br />
começou a apelar para a violência, verbal e física.<br />
Hoje estão dispostas a lançar-se a um novo golpe,<br />
que pode assumir a forma <strong>do</strong> impeachment ou de<br />
alguma forma de parlamentarismo que, na prática,<br />
tire o poder da Dilma. Pergunta<strong>do</strong>s sobre o que querem,<br />
qual a via de solução para os problemas <strong>do</strong> país,<br />
só sabem responder: um país sem o PT. Não podem<br />
especificar as políticas que colocariam em prática<br />
caso controlassem de novo o governo, por uma via<br />
ou por outra, porque são as velhas e derrotadas fórmulas<br />
<strong>do</strong> neoliberalismo.<br />
Do ponto de vista <strong>do</strong> marketing, decisivo nas campanhas<br />
eleitorais, trata-se de buscar candidatos que<br />
se digam nem de direita nem de esquerda, que denunciem<br />
os políticos como corruptos, que se digam<br />
cansa<strong>do</strong>s da polarização entre PT e tucanos, que falem<br />
generalidades. Marina ou Moro se candidatam a<br />
esse papel, mas têm dificuldades. Ela já se queimou,<br />
especialmente com os jovens, aos quais frustrou depois<br />
de se apresentar como renovação.<br />
Moro, da mesma forma que Joaquim Barbosa, surfa<br />
na onda das campanhas da mídia de priorização <strong>do</strong><br />
tema da corrupção como o central no país. Não tem<br />
mais nada a dizer. JB não se arriscou ao teste das urnas.<br />
Moro dificilmente vai tentar. Salvo se conseguir proscrever<br />
da política o Lula, pode se candidatar a “salva<strong>do</strong>r<br />
da pátria”, ainda assim completamente blinda<strong>do</strong><br />
pela mídia e pela repressão da esquerda e <strong>do</strong>s movimentos<br />
populares. Muito difícil também para ele.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 31
AMBIENTE<br />
Com temperatura 1,35 grau Celsius acima da média<br />
<strong>do</strong>s últimos 136 anos, fevereiro foi o mês mais<br />
quente da história. Ou, pelo menos, desde 1880,<br />
quan<strong>do</strong> começaram a ser feitas as medições globais<br />
de temperatura. Tórri<strong>do</strong> no Hemisfério Sul,<br />
fevereiro desbancou aquele que até então era o mês mais quente:<br />
justamente o anterior, janeiro. Para os climatologistas <strong>do</strong><br />
Instituto Goddard de Estu<strong>do</strong>s Espaciais da Nasa, autores da<br />
medição e da análise científica que a acompanha, tu<strong>do</strong> indica<br />
que 2016 será o ano mais quente da história, superan<strong>do</strong>... 2015.<br />
Segun<strong>do</strong> a agência espacial <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, novos recordes<br />
de temperatura são espera<strong>do</strong>s para julho e agosto, no verão<br />
<strong>do</strong> Hemisfério Norte.<br />
Impulsionadas nos últimos <strong>do</strong>is anos por forte aquecimento<br />
das águas na superfície <strong>do</strong> Oceano Pacífico – fenômeno conheci<strong>do</strong><br />
como “El Niño” –, as quebras sucessivas de recordes<br />
e o aumento considerável em relação à média histórica são indica<strong>do</strong>res<br />
de que o planeta se aquece de forma acelerada. Mais<br />
<strong>do</strong> que isso, as altas temperaturas, segun<strong>do</strong> os especialistas da<br />
Nasa, trazem embutidas uma má notícia: a permanecer esse<br />
ritmo, será impossível manter o aquecimento da Terra no limite<br />
de 1,5 grau Celsius, meta defendida como ideal pela maioria<br />
das nações durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção<br />
sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-21), realizada em<br />
dezembro em Paris.<br />
“Corremos sério risco de não cumprir o acor<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> na<br />
COP-21”, constata o secretário-executivo <strong>do</strong> Observatório <strong>do</strong> Clima,<br />
Carlos Rittl, em referência ao <strong>do</strong>cumento final aprova<strong>do</strong> pela<br />
maioria <strong>do</strong>s 195 países presentes ao encontro de cúpula na capital<br />
francesa. Considera<strong>do</strong> a base para um “pós-Kyoto”, o acor<strong>do</strong><br />
destravou a negociação climática internacional, paralisada havia<br />
quase uma década, e será ratifica<strong>do</strong> agora em abril, em cerimônia<br />
a se realizar na sede da Organização das Nações Unidas (ONU),<br />
em Nova York. Sua aplicação prática terá início em 2020.<br />
O <strong>do</strong>cumento final da COP-21 estabelece o objetivo de não<br />
permitir que o aumento da temperatura média <strong>do</strong> planeta ul-<br />
32 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
AMBIENTE<br />
PIXABAY<br />
No modelo<br />
econômico<br />
o planeta<br />
FERVE<br />
Apesar da euforia com a<br />
adesão da maioria <strong>do</strong>s países<br />
à COP-21, acor<strong>do</strong> <strong>do</strong> clima já<br />
nasce ameaça<strong>do</strong> por depender<br />
excessivamente <strong>do</strong> bom<br />
comportamento de Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s e China<br />
Por Maurício Thuswohl<br />
trapasse os 2 graus Celsius até 2050. As nações signatárias também<br />
se comprometem a tentar limitar este aumento a 1,5 grau,<br />
meta considerada “quase impossível” na análise divulgada pela<br />
Nasa. Para conseguir honrar as ousadas metas estabelecidas em<br />
Paris, os países têm de tornar realidade alguns planos nacionais<br />
de ação contra as mudanças climáticas que, em muitos casos,<br />
ainda nem saíram <strong>do</strong> papel. Às vésperas de sua ratificação, o<br />
Acor<strong>do</strong> de Paris permanece frágil, sobretu<strong>do</strong> pela posição de<br />
incerteza interna vivida por alguns <strong>do</strong>s principais atores das<br />
negociações climáticas globais.<br />
Obama e os republicanos<br />
Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, país que jamais ratificou o antigo Protocolo<br />
de Kyoto, mas que, na gestão de Barack Obama, ensaiou um<br />
retorno em força às discussões climáticas no âmbito da ONU, a<br />
Suprema Corte suspendeu – por cinco votos a quatro – o Plano<br />
de Energia Limpa que havia si<strong>do</strong> anuncia<strong>do</strong> pelo governo<br />
em agosto <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Por estabelecer metas concretas para a<br />
redução da emissão de gases de efeito estufa pelo setor elétrico,<br />
o plano chegou a ser apresenta<strong>do</strong> em Paris como a principal<br />
ação norte-americana no combate ao aquecimento global. Mas<br />
não resistiu à oposição interna liderada pelos esta<strong>do</strong>s produtores<br />
de petróleo e carvão governa<strong>do</strong>s pelo Parti<strong>do</strong> Republicano,<br />
como Texas e Virgínia.<br />
A decisão <strong>do</strong>s juízes revelou o quão difícil será para Obama<br />
vencer a oposição republicana, que também é maioria no<br />
parlamento, e pôr em prática as pretendidas ações de enfrentamento<br />
às mudanças climáticas. O caso ainda será analisa<strong>do</strong><br />
por uma corte de apelações, em sessão marcada para junho, e<br />
a estratégia <strong>do</strong> governo para tentar reverter a decisão será citar<br />
deliberações anteriores da Suprema Corte que reconhecem<br />
o impacto <strong>do</strong>s gases de efeito estufa sobre a saúde pública <strong>do</strong><br />
país. “O aquecimento global já afeta o meio ambiente e o bem-<br />
-estar <strong>do</strong>s americanos, e é hoje um <strong>do</strong>s principais desafios para<br />
os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s”, disse o procura<strong>do</strong>r-geral, Donald Verrilli,<br />
à agência de notícias Reuters.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 33
AMBIENTE<br />
Apresenta<strong>do</strong> em Paris, o Plano de Energia Limpa elabora<strong>do</strong><br />
pela Agência de Proteção Ambiental <strong>do</strong> governo norte-americano<br />
traz o compromisso de reduzir as emissões <strong>do</strong> país em<br />
32% até 2030, toman<strong>do</strong> como base os índices registra<strong>do</strong>s em<br />
2005. Sua apresentação serviu como grande estímulo para que<br />
se chegasse a um acor<strong>do</strong> na COP-21, já que o setor energético<br />
fortemente basea<strong>do</strong> nas termelétricas a carvão é responsável<br />
por um terço das emissões no país. Se a suspensão <strong>do</strong> plano<br />
for confirmada, isso representará um sério revés para as pretensões<br />
de a<strong>do</strong>ção de um “pós-Kyoto” pelos países signatários<br />
<strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> de Paris.<br />
Um eventual recuo da maior potência econômica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
deverá comprometer também o financiamento <strong>do</strong> Fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
Clima, mecanismo cria<strong>do</strong> na COP-16 (em Cancún, no México,<br />
em 2010) com o objetivo de garantir recursos para que os países<br />
mais pobres possam realizar ações de mitigação e enfrentamento<br />
das mudanças climáticas. Apesar da ideia inicial de <strong>do</strong>tar o<br />
fun<strong>do</strong> com US$ 100 bilhões por ano desde 2011, este ainda se<br />
encontra estagna<strong>do</strong> e descapitaliza<strong>do</strong>.<br />
Na COP-21, o secretário de Esta<strong>do</strong>, John Kerry, anunciou<br />
compromisso de <strong>do</strong>brar os aportes de recursos ao Fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
Clima. Aí, também, um recuo teria efeitos catastróficos. “É importante<br />
que os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s continuem no barco, ao la<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s outros países. Ao oferecer mais dinheiro e mostrar mais<br />
flexibilidade em sua posição, o país deu o tom e definiu os termos<br />
<strong>do</strong> acor<strong>do</strong> firma<strong>do</strong> em Paris”, diz a ambientalista brasileira<br />
Iara Pietricovsky, que é dirigente <strong>do</strong> Instituto de Estu<strong>do</strong>s Socioeconômicos<br />
(Inesc) e esteve presente na conferência realizada<br />
na França.<br />
Dragão sustentável<br />
País que nos últimos 15 anos viveu acelera<strong>do</strong> crescimento<br />
econômico basea<strong>do</strong> na queima de combustíveis fósseis e tomou<br />
<strong>do</strong>s norte-americanos a liderança <strong>do</strong> ranking <strong>do</strong>s que mais emi-<br />
34 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
AMBIENTE<br />
Às vésperas<br />
de sua<br />
ratificação,<br />
o Acor<strong>do</strong><br />
de Paris<br />
permanece<br />
frágil,<br />
sobretu<strong>do</strong><br />
pela posição<br />
de incerteza<br />
interna vivida<br />
por alguns<br />
<strong>do</strong>s principais<br />
atores das<br />
negociações<br />
climáticas<br />
globais<br />
tem gases de efeito estufa, a China se comprometeu na COP-21<br />
a reduzir em 65% suas emissões até 2030, ten<strong>do</strong> como base o<br />
ano de 2005. Em Paris, o governo chinês apontou também para<br />
o ano de 2030 como prazo limite para atingir o pico de suas<br />
emissões, mas o grande desafio <strong>do</strong> país agora é antecipar o<br />
cumprimento dessa meta, já que seu crescimento econômico,<br />
sempre em torno <strong>do</strong>s 10% no perío<strong>do</strong> entre 2000 e 2013, desacelerou<br />
nos últimos <strong>do</strong>is anos.<br />
Para evitar repetir nos próximos anos os 10,5 bilhões de toneladas<br />
de CO2 lança<strong>do</strong>s na atmosfera em 2014, o capítulo sobre<br />
energia <strong>do</strong> Plano Quinquenal divulga<strong>do</strong> em março pelo governo<br />
chinês aposta no desenvolvimento de fontes de energia limpa,<br />
como a eólica e a solar. Segun<strong>do</strong> um estu<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> pela<br />
Lon<strong>do</strong>n School of Economics, entre 2010 e 2014 as alternativas<br />
energéticas não fósseis cresceram 73% na China, e a expectativa<br />
<strong>do</strong> governo é que esse crescimento seja ainda maior nos<br />
próximos cinco anos.<br />
PIXABAY<br />
Do êxito <strong>do</strong> plano chinês dependerá também o sucesso <strong>do</strong><br />
Acor<strong>do</strong> de Paris. “Se traduzir em políticas concretas o que está<br />
previsto no plano, a China deixará o papel de vilã <strong>do</strong> clima que<br />
cumpre desde o ano 2000 e poderá tornar-se até mesmo líder <strong>do</strong><br />
combate às mudanças climáticas”, diz o dirigente da seção asiática<br />
<strong>do</strong> Greenpeace, Li Shuo, segun<strong>do</strong> o Observatório <strong>do</strong> Clima.<br />
Para tornar real aquilo que qualifica como uma “revolução<br />
energética”, o Plano Quinquenal <strong>do</strong> governo chinês apresenta as<br />
metas de limitar o consumo de energia <strong>do</strong> país em 5 bilhões de<br />
toneladas de carvão e de reduzir o uso de energia fóssil em 15%<br />
até 2020. Em seus estu<strong>do</strong>s, o governo trabalha com a previsão de<br />
uma taxa de crescimento de 6,5% a 7% ao ano nos próximos cinco<br />
anos. “A China vai honrar os compromissos climáticos que<br />
assumiu em Paris e vai participar ativamente da gestão global<br />
<strong>do</strong> clima”, declarou o primeiro-ministro, Li Keqiang.<br />
Dilma veta<br />
No <strong>Brasil</strong>, a divulgação pelo governo <strong>do</strong> Plano Plurianual<br />
(PPA) para o perío<strong>do</strong> 2016-2019 foi alvo de críticas por<br />
parte de organizações ambientalistas, que acusam o país de<br />
desrespeitar os compromissos assumi<strong>do</strong>s durante a COP-21.<br />
O principal problema, dizem as ONGs, foi o veto integral, feito<br />
pela presidenta Dilma Rousseff, ao item <strong>do</strong> PPA que fala em<br />
“promover o uso de sistemas e tecnologias visan<strong>do</strong> à inserção<br />
de geração de energias renováveis na matriz elétrica brasileira”.<br />
O veto presidencial incluiu todas as metas e ações previstas<br />
para esse setor.<br />
Em Paris, o governo brasileiro se comprometeu em, até 2030,<br />
elevar a 45% a participação das fontes renováveis em sua matriz<br />
energética, incluin<strong>do</strong> aí a opção hidrelétrica. Os vetos ao<br />
PPA, no entanto, não pouparam a meta de aumentar em 13.100<br />
megawatts a capacidade instalada de energia gerada a partir de<br />
fontes limpas. Também foram veta<strong>do</strong>s itens que mencionam o<br />
incentivo ao uso de fontes renováveis por meio da geração distribuída,<br />
no uso de fontes solares fotovoltaicas e na implementação<br />
de projetos volta<strong>do</strong>s ao desenvolvimento de fontes renováveis.<br />
Segun<strong>do</strong> a organização Instituto Socioambiental (ISA),<br />
esses vetos não são condizentes com os compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />
pelo <strong>Brasil</strong> no Acor<strong>do</strong> de Paris.<br />
Para a maioria <strong>do</strong>s ambientalistas, apesar <strong>do</strong>s discursos e da<br />
boa vontade demonstrada pelos governantes durante a COP-<br />
21, o combate ao aquecimento global só seria realmente efetivo<br />
se conseguisse transformar o modelo de desenvolvimento<br />
capitalista atual. “Enquanto pensamos se o aumento da temperatura<br />
vai ficar em um grau e meio ou <strong>do</strong>is graus, os mesmos<br />
governantes querem fechar a Rodada de Doha da Organização<br />
Mundial de Comércio (OMC), entre outros acor<strong>do</strong>s comerciais<br />
tenebrosos que se arquitetam no mun<strong>do</strong> e que manterão nosso<br />
planeta aquecen<strong>do</strong>-se aceleradamente. Ao que parece, ninguém<br />
da parte <strong>do</strong>s governos e muito menos das grandes corporações<br />
quer romper com esse modelo hegemônico. Então, discutir se<br />
teremos um aumento de somente um grau e meio ou menor que<br />
<strong>do</strong>is graus parece ridículo para qualquer ser humano comum”,<br />
diz a antropóloga Iara Pietricovsky, <strong>do</strong> Inesc.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 35
LITERATURA<br />
Thiago de Mello<br />
completa 90 anos<br />
cantan<strong>do</strong> sua<br />
esperança no homem<br />
e a preocupação com<br />
a humanidade<br />
Por Vitor Nuzzi<br />
Saiu da<br />
floresta,<br />
foi até o<br />
mun<strong>do</strong><br />
e voltou<br />
Amadeu Thiago de Mello tinha apenas 16 anos<br />
quan<strong>do</strong> deixou o Amazonas e embarcou em um<br />
navio para o Rio de Janeiro. Na então capital federal<br />
– era 1942 –, cursava Medicina e tinha a<br />
dúvida comum aos jovens sobre o rumo a tomar<br />
na vida. Um amigo de outro amigo conseguiu o telefone <strong>do</strong><br />
poeta Carlos Drummond de Andrade, funcionário <strong>do</strong> Serviço<br />
<strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (futuro Iphan,<br />
instituto), no Ministério da Educação. E deu-se o encontro entre<br />
<strong>do</strong>is poetas, presente e futuro.<br />
Em depoimento para Pollyana Furta<strong>do</strong> Lima, para uma dis-<br />
36 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
LITERATURA<br />
ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/FOLHAPRESS<br />
SAUDADES<br />
DE CASA<br />
Quan<strong>do</strong><br />
voltou ao<br />
<strong>Brasil</strong>, depois<br />
<strong>do</strong> exílio<br />
na Europa,<br />
Thiago<br />
argumentou<br />
que não<br />
queria<br />
aprender só<br />
com livros<br />
e jornais,<br />
mas “com<br />
as águas, os<br />
verdes, as<br />
estrelas, o<br />
chão onde<br />
nasci”<br />
mesmo ele, escritor já conheci<strong>do</strong>, vivia<br />
<strong>do</strong>s ganhos como servi<strong>do</strong>r público.<br />
Thiago ouviu, deixou alguns poemas e<br />
foi embora. Dois dias depois, retornou e<br />
escutou o veredito. “Você não tem remédio,<br />
nasceu com a tara”, disse Drummond ,<br />
recomendan<strong>do</strong> que ele levasse os textos<br />
para serem publica<strong>do</strong>s no Correio da Manhã.<br />
Começava a surgir o poeta Thiago<br />
de Mello, 90 anos completa<strong>do</strong>s em 30 de<br />
março. Dele, Manuel Bandeira escreveu<br />
se tratar de “um <strong>do</strong>s grandes da sua geração<br />
e de qualquer geração”.<br />
Lirismo<br />
Em texto para uma antologia publicada<br />
em 2009, o professor Marcos Frederico<br />
Aleixo observa que, no início, Thiago<br />
de Mello mostra preocupações existenciais,<br />
e em sua primeira obra “expressa o<br />
que fizera em vida, quan<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>nou<br />
no quinto ano um curso de Medicina<br />
(sempre promissor em termos financeiros)<br />
para se dedicar ao lirismo”. No livro<br />
A Lenda da Rosa, de 1956, diz o professor,<br />
“já se prenuncia a transição para a<br />
vereda definitiva que trilharia, de preocupações<br />
sociais”. E Faz Escuro Mas Eu<br />
Canto, de 1965, que “marcaria sua adesão<br />
definitiva à poesia social”. Ele observa<br />
que não se trata, nessa situação específica,<br />
de fazer prosa em versos. “Mas de<br />
manter-se no fio da navalha da<br />
linguagem literária: fazer poesia<br />
política, sem deixar de fazer, antes de<br />
tu<strong>do</strong>, Poesia.”<br />
A sua obra mais conhecida, Os Estatutos<br />
<strong>do</strong> Homem, foi escrita pouco tempo depois<br />
<strong>do</strong> golpe de 1964. Em resposta, ele<br />
recebeu uma carta de rompimento de<br />
Bandeira. Outro amigo, o poeta chileno<br />
Pablo Neruda, chegou a recomendar<br />
que ele a devolvesse ao amigo – à época,<br />
Thiago de Mello era adi<strong>do</strong> cultural no<br />
Chile. Segun<strong>do</strong> ele revelou em 2013 ao<br />
jornal Folha de S. Paulo, já em 1965, de<br />
volta ao <strong>Brasil</strong>, visitou Manuel Bandeira,<br />
que recitou o Poema perto <strong>do</strong> Fim, de<br />
Thiago, e, em um abraço, sussurrou para<br />
“esquecer” aquela carta.<br />
O poema foi uma reação <strong>do</strong> poeta às<br />
primeiras notícias <strong>do</strong> arbítrio vindas <strong>do</strong><br />
<strong>Brasil</strong>. Thiago tambem renunciou ao posto<br />
de adi<strong>do</strong>. Os Estatutos ganharam vida<br />
própria ao longo <strong>do</strong>s anos. Em março último,<br />
a obra foi relida na Biblioteca Mário<br />
de Andrade, em São Paulo, durante<br />
uma homenagem ao poeta. Com direito<br />
a um encontro com estudantes, que lembraram<br />
das ocupações de escolas no final<br />
<strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>, contra um projeto de reestruturação<br />
escolar <strong>do</strong> governo paulista.<br />
Na história<br />
A presidenta da União <strong>Brasil</strong>eira<br />
<strong>do</strong>s Estudantes Secundaristas (Ubes),<br />
sertação de mestra<strong>do</strong> na Universidade<br />
Federal <strong>do</strong> Amazonas (Ufam), em 2012,<br />
o próprio Thiago conta que Drummond,<br />
ao saber de sua origem, “quis saber da<br />
minha infância, da floresta, as águas, os<br />
rios, de meus pais”. Quan<strong>do</strong> o jovem contou<br />
que pretendia largar o curso para se<br />
dedicar à literatura, ouviu: “Não faça isso,<br />
pelo amor de Deus, pois ninguém vive<br />
de literatura no <strong>Brasil</strong>. Faça seus versos,<br />
mas não largue a Medicina”. E contou que<br />
O NASCIMENTO<br />
DE UM POETA<br />
Por recomendação<br />
de Carlos Drummond<br />
de Andrade, Thiago<br />
de Mello levou seus<br />
textos para serem<br />
publica<strong>do</strong>s no<br />
Correio da Manhã<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 37
LITERATURA<br />
FOTOS EVERTON AMARO/FUNDAÇÃO MAURÍCIO GRABOIS<br />
Camila Lanes, estava lá. Ficou feliz com<br />
o encontro entre a jovem de 19 anos e o<br />
poeta de 90, “muito consciente e simpático”.<br />
Ela conta que já conhecia um pouco<br />
da obra de Thiago na escola e por amigos<br />
que gostam de poesia. No primeiro ano<br />
<strong>do</strong> ensino médio, fez um trabalho com<br />
base no poema Faz Escuro Mas eu Canto.<br />
“Thiago de Mello conviveu com uma<br />
parte muito grande da história <strong>do</strong> país”,<br />
diz Camila. Para ela, o atual momento<br />
politico, conturba<strong>do</strong>, ajuda a refletir sobre<br />
o papel de cada pessoa como cidadão.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, acrescenta, Thiago é<br />
referência, “por sua militância, na poesia<br />
e na vida”.<br />
Em sua dissertação, Pollyana Furta<strong>do</strong><br />
Lima destaca o fato de Thiago de Mello<br />
não ter permaneci<strong>do</strong> em seu esta<strong>do</strong> de<br />
origem. “Sem esse deslocamento geográfico<br />
e as estratégias a<strong>do</strong>tadas pelo escritor,<br />
seria pouco provável a repercussão<br />
de sua obra. Da mesma forma, a atividade<br />
diplomática no Chile e na Bolívia, as<br />
perseguições políticas no perío<strong>do</strong> militar,<br />
o refúgio nos países da América Latina<br />
segui<strong>do</strong> de exílio na Europa, foram<br />
acontecimentos de sua vida que tiveram<br />
efeito sobre a sua visão de mun<strong>do</strong>, a sua<br />
criação literária e, sobretu<strong>do</strong>, a circulação<br />
de sua obra em países considera<strong>do</strong>s centros<br />
literários mundiais, como a França<br />
e a Alemanha.”<br />
E se porventura a dermos<br />
ao mun<strong>do</strong>, tal como a flor<br />
que se oferta – humilde luz –,<br />
teremos então cumpri<strong>do</strong><br />
a missão que é dada ao poeta.<br />
E como são onda e mar,<br />
seremos homem e palavra.<br />
(Silêncio e Palavra, 1951)<br />
Em 1951, aos 25 anos, Thiago lançou<br />
o seu primeiro livro, Silêncio e Palavra.<br />
O mais recente, e segun<strong>do</strong> ele o último,<br />
é de 2015: Ajuste de Contas. Entre um e<br />
outro, duas dezenas de obras. Desde a poética<br />
engajada de Faz Escuro Mas Eu Canto<br />
(1965) e Poesia Comprometida com a<br />
Minha e a Tua Vida (1975), há publicações<br />
sobre o escritor argentino Jorge Luis<br />
Borges e até sobre uma paixão de infância,<br />
Arte e Ciência de Empinar Papagaio.<br />
Faz Escuro Mas eu Canto é também o<br />
nome de um show, dirigi<strong>do</strong> por Flávio<br />
Rangel, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 1970, com<br />
Thiago declaman<strong>do</strong> e Sérgio Ricar<strong>do</strong><br />
cantan<strong>do</strong>. Estreou no Teatro Opinião,<br />
no Rio de Janeiro, e correu o país. Eles<br />
conseguiram liberar o espetáculo, mas a<br />
censura vetou parte <strong>do</strong>s textos.<br />
“Foi um momento heróico da nossa vida”,<br />
lembra Sérgio Ricar<strong>do</strong>, que inicialmente<br />
procurou, além de Thiago, o também<br />
poeta Ferreira Gullar, que acabou<br />
não entran<strong>do</strong> no projeto. “Foi um convívio<br />
maravilhoso, sem nenhum atrito,<br />
um trabalho meio épico. Cada lugar que<br />
a gente passava, deixava uma marca.” Segun<strong>do</strong><br />
ele, mesmo obras censuradas acabavam<br />
entran<strong>do</strong> no roteiro. “Em alguns<br />
lugares a gente driblava, fazia mesmo o<br />
que estava proibi<strong>do</strong>. Era uma contravenção<br />
total”, diz, rin<strong>do</strong>.<br />
Para o cantor, compositor, cineasta e<br />
artista plástico, aquele foi, talvez, o show<br />
mais importante de sua vida. “Não era<br />
entretenimento, era guerrilha mesmo.<br />
Uma guerrilha cultural. Éramos <strong>do</strong>is pagãos<br />
pelo <strong>Brasil</strong>”, afirma, consideran<strong>do</strong><br />
Thiago um grande artista de palco. “Ele<br />
declaman<strong>do</strong> os poemas é uma coisa arrepiante”,<br />
diz Sérgio Ricar<strong>do</strong>.<br />
38 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
LITERATURA<br />
Texto e engajamento<br />
Filho e neto de escritores, e vice-presidente<br />
da União <strong>Brasil</strong>eira de Escritores<br />
(UBE), Ricar<strong>do</strong> Ramos Filho destaca<br />
tanto a qualidade <strong>do</strong> texto como o engajamento<br />
de Thiago, que conheceu pessoalmente<br />
durante a Feira Literária Internacional<br />
de Paraty (Flip), em 2013,<br />
quan<strong>do</strong> Graciliano Ramos foi homenagea<strong>do</strong>.<br />
“Acho bacana um escritor, poeta,<br />
que tenha engajamento político, desde<br />
que esse engajamento se faça via obra,<br />
pelo texto.”<br />
Ricar<strong>do</strong> vê paralelos entre as obras de<br />
Graciliano e Thiago, embora acredite<br />
que o escritor alagoano fosse mais conti<strong>do</strong><br />
em termos de comportamento. “Se<br />
você lê um livro como São Bernar<strong>do</strong> e<br />
pega uma figura como Paulo Honório<br />
(protagonista da obra), está toda a crítica<br />
<strong>do</strong> fazendeiro, de como ele trata o<br />
emprega<strong>do</strong>”, observa.<br />
Ambos enfrentaram problemas com a<br />
ditadura – Graciliano com a <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
Novo e Thiago com a instalada a partir<br />
de 1964. Eles chegaram a se conhecer, trabalhan<strong>do</strong><br />
no Correio da Manhã. Nasci<strong>do</strong><br />
em 1892, Graciliano chamava Thiago, de<br />
UNINDO<br />
GERAÇÕES<br />
Imagens da<br />
celebração<br />
<strong>do</strong>s 90 anos<br />
<strong>do</strong> poeta,<br />
organizada<br />
em março<br />
pela Fundação<br />
Maurício<br />
Grabois. Na<br />
primeira,<br />
cantan<strong>do</strong> com<br />
um de seus<br />
filhos, Thiago<br />
Thiago. Na<br />
segunda, a<br />
homenagem<br />
<strong>do</strong>s estudantes<br />
1926, de “menino”. “Na hora <strong>do</strong> almoço,<br />
ele dizia: vamos, menino, tomar um conhaque<br />
lá embaixo”, conta Ricar<strong>do</strong>, que<br />
é da terceira geração de sua família a conhecer<br />
o poeta amazonense. Aos 62 anos,<br />
agora ele é que é chama<strong>do</strong> de “menino”.<br />
Madrugada camponesa.<br />
Faz escuro (já nem tanto),<br />
vale a pena trabalhar.<br />
Faz escuro mas eu canto<br />
porque a manhã vai chegar.<br />
(Madrugada Camponesa, 1965)<br />
Thiago de Mello saiu <strong>do</strong> Chile após<br />
o golpe que derrubou Salva<strong>do</strong>r Allende,<br />
em 1973. Passou uma temporada na<br />
Europa e voltou ao <strong>Brasil</strong> antes da anistia,<br />
em 1978. E surpreendeu ao decidir que<br />
iria morar não em um grande centro, mas<br />
na floresta, de onde não saiu mais.<br />
Ele conta, em entrevista ao Movimento<br />
Humanos Direitos (MHuD), em 2009,<br />
que antecipou a volta porque achou que<br />
estava fican<strong>do</strong> <strong>do</strong>i<strong>do</strong>. “Atravessava a ponte<br />
sobre o rio Reno, entre Maiz e Wiesbaden<br />
(cidade onde Dostoiévski escreveu<br />
O Joga<strong>do</strong>r) e sentia cheiro de pirarucu.<br />
Cheiro de pimenta-murupi. Sentia falta<br />
da fala, <strong>do</strong> canto, <strong>do</strong> jeito de viver de minha<br />
gente.”<br />
Amigos discordaram da decisão, mas<br />
Thiago argumentou que não queria<br />
aprender só com livros e jornais, mas<br />
“com as águas, os verdes, as estrelas, o<br />
chão onde nasci”. Assim mora o poeta,<br />
na sua Barreirinha natal, a 300 quilômetros<br />
de Manaus e à beira <strong>do</strong> Rio<br />
Andirá.<br />
Sei porque canto: se raspas o fun<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> poço antigo de sua esperança,<br />
acharás restos de água que apodrece.<br />
É preciso fazer alguma coisa,<br />
livrá-lo dessa sedução voraz<br />
da engrenagem organizada e fria<br />
que nos devora a to<strong>do</strong>s a ternura,<br />
a alegria de dar e receber<br />
o gosto de ser gente e de viver.<br />
(É preciso fazer alguma coisa, 1974)<br />
Foi lá que, como conta, aprendeu a<br />
nadar antes de andar. Aos 9 anos, o avô<br />
Gaudêncio escreveu a ele uma carta, para<br />
que o menino estudasse “com vontade”,<br />
para se tornar um homem de bem.<br />
“Estudar, estu<strong>do</strong> até hoje, cada dia mais.<br />
Ser um homem de bem é que não é fácil,<br />
dá um trabalho dana<strong>do</strong>, neste mun<strong>do</strong> de<br />
maldade e ilusão, como o Caymmi canta”,<br />
disse Thiago ao MHuD, citan<strong>do</strong> Saudade<br />
da Bahia, de Dorival Caymmi.<br />
Também naquela entrevista, Thiago falava<br />
da importância da ética no cotidiano.<br />
“De uns para os outros. Na vida de cada<br />
pessoa. No viver e sobretu<strong>do</strong> no conviver.<br />
E, de maneira corajosa, na ação <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s<br />
homens públicos, os que têm nas<br />
mãos e na cabeça o destino.”<br />
Da eternidade venho. Dela faço<br />
parte, desde o começo da vida<br />
<strong>do</strong>s que me fizeram ser<br />
até chegar ao que sou.<br />
Transporto com a minha vida<br />
a eternidade no tempo.<br />
Menino deslumbra<strong>do</strong> com as águas,<br />
os ventos, as palmeiras, as estrelas,<br />
prolonguei sem saber a eternidade<br />
que neste instante navega<br />
no meu sangue fatiga<strong>do</strong>.<br />
(Eternidade, 1993)<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 39
VIAGEM<br />
Visita ao<br />
mun<strong>do</strong> maia<br />
Viagem pela região que se estende pelo<br />
sul <strong>do</strong> México e outros países mostra a<br />
complexidade da organização social e a<br />
originalidade da cultura<br />
Por Flavio Aguiar<br />
O<br />
“mun<strong>do</strong> maia” se estende pelo sul <strong>do</strong> México,<br />
Guatemala, Honduras, El Salva<strong>do</strong>r e Belize. No<br />
México, cobriu as três províncias daquela península<br />
(Campeche, Yucatán e Quintana Roo), mais<br />
as de Tabasco e Chiapas. Mas quem quiser visitá-<br />
-lo deve começar, curiosamente, fora dele: pelo Museu Nacional<br />
de Antropologia, na Cidade <strong>do</strong> México, a capital <strong>do</strong> país.<br />
Neste excelente museu, o visitante se depara com a extraordinária<br />
complexidade e diversidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> indígena mexicano,<br />
pré e pós-conquista espanhola. E também pode constatar<br />
a originalidade da cultura maia, uma das mais diversificadas<br />
dentre um conjunto de culturas e sociedade extremamente<br />
complexas. Ao mesmo tempo, dá para perceber certos traços<br />
comuns à maioria destas sociedades e culturas. Eram extremamente<br />
estratificadas, verticalizadas, na maioria das vezes militaristas<br />
e autoritárias.<br />
Estes traços ajudam a entender, primeiro, o desenvolvimento<br />
da arquitetura nestas sociedades, que servia para demarcar<br />
as distâncias e as funções sociais de mo<strong>do</strong> ao mesmo tempo<br />
grandioso e rígi<strong>do</strong>, com destaques para os templos religiosos,<br />
40 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
VIAGEM<br />
PÉROLA<br />
Ruínas de<br />
Labná, umas<br />
das mais belas<br />
cidades maias e<br />
uma das menos<br />
visitadas por<br />
multidões de<br />
turistas<br />
RICHARD A COOKE III/GETTY IMAGES<br />
e ao cabo, acabaram todas <strong>do</strong>minadas. Mas uma das que mais<br />
demorou a cair foi a civilização <strong>do</strong>s maias, embora, quan<strong>do</strong> da<br />
conquista <strong>do</strong> México, eles já estivessem longe de seu apogeu.<br />
Yucatán<br />
Depois da capital mexicana, fomos à Península de Yucatán,<br />
junto ao Caribe. A península é dividida em três esta<strong>do</strong>s: Yucatán,<br />
Campeche e Quintana Roo (nome de um <strong>do</strong>s próceres da<br />
independência mexicana). Limita ainda com a Guatemala, ao<br />
sul, e com Belize, a leste.<br />
Quintana Roo, que fica mais a leste, tem uma hora de diferença<br />
– a mais – <strong>do</strong> que a capital mexicana. Está no mesmo horário<br />
que o esta<strong>do</strong> brasileiro <strong>do</strong> Acre e o extremo oeste <strong>do</strong> Amazonas.<br />
A península é o espaço central <strong>do</strong> “mun<strong>do</strong> maia”. Até não faz<br />
muito, os maias eram descritos em livros de história como os<br />
protagonistas de um mun<strong>do</strong> nebuloso e desconheci<strong>do</strong> – e “desapareci<strong>do</strong>”.<br />
Esta imagem se deve ao fato de que, fundadas a partir<br />
de 1000 a.C., as cidades maias atingiram seu apogeu no chama<strong>do</strong><br />
“perío<strong>do</strong> clássico”, entre 250 e 900 d.C., entran<strong>do</strong> em declínio<br />
posteriormente – mas sem desaparecer completamente.<br />
As causas desse declínio são obscuras. Tradicionalmente se<br />
atribui o declínio parcial da civilização a fatores climáticos. Com<br />
sua agricultura intensiva, os maias contribuíram para o desflorestamento<br />
parcial de suas terras, com diminuição consequente<br />
das chuvas. As terras da península, sobretu<strong>do</strong>, são arenosas,<br />
o clima subtropical é muito quente, e apesar da existência de<br />
água <strong>do</strong>ce em abundância no subsolo – que aparecem em bolsões<br />
chama<strong>do</strong>s de “cenotes”, maravilhosos para banhos – os perío<strong>do</strong>s<br />
de seca podem ser extensos e prolonga<strong>do</strong>s.<br />
Mas estu<strong>do</strong>s mais recentes apontam também causas sociais.<br />
Como em outras civilizações <strong>do</strong> atual México, o mun<strong>do</strong> maia<br />
também era extremamente hierarquiza<strong>do</strong> e profuso em sacrifícios<br />
humanos e outras religiosidades extremadas.<br />
Por exemplo, os maias tinham um curioso jogo de bola, ainda<br />
hoje pratica<strong>do</strong> em manifestações folclóricas. A bola era muito<br />
dura, e só podia ser impulsionada com os quadris, ou com as<br />
SOFISTICAÇÃO<br />
Esculturas em<br />
Temoaya<br />
prédios administrativos e residências da aristocracia e <strong>do</strong>s reis.<br />
Em segun<strong>do</strong> lugar, ajudam a entender por que estes mun<strong>do</strong>s,<br />
sem exceção, desmoronaram muito rapidamente diante<br />
<strong>do</strong> relativamente pequeno número (pelo menos de início) de<br />
conquista<strong>do</strong>res europeus. Estes, além de dispor de um armamento<br />
muito superior e mais agressivo <strong>do</strong> que os indígenas,<br />
souberam valer-se das rivalidades e disputas entre os vários<br />
povos autóctones.<br />
Invariavelmente, tribos menos poderosas aliaram-se a eles<br />
para se livrar da sua <strong>do</strong>minação pelas mais poderosas. Ao fim<br />
FOTOS PIXABAY<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 41
VIAGEM<br />
GRANDIOSA<br />
Teotihuacán<br />
viveu revoltas<br />
sociais,<br />
agravadas<br />
pelas secas<br />
prolongadas<br />
juntas <strong>do</strong> corpo, os cotovelos e os joelhos. Duas equipes disputavam<br />
o jogo, cujos pontos eram marca<strong>do</strong>s fazen<strong>do</strong> a bola passar<br />
pela “linha de fun<strong>do</strong>” de um <strong>do</strong>s times, ou por rodas de pedras<br />
perfuradas no centro e colocadas no alto de colunas ou presa às<br />
paredes <strong>do</strong>s “estádios”. No final <strong>do</strong> jogo, o capitão <strong>do</strong> time vence<strong>do</strong>r<br />
era decapita<strong>do</strong> – o que era considera<strong>do</strong> “uma honra”…<br />
Esta hierarquização levou – como em outras regiões <strong>do</strong> atual<br />
México, entre as quais a de Teotihuacán é um exemplo – a<br />
revoltas sociais que se agravaram com as secas prolongadas.<br />
A conquista<br />
Mas os maias ainda existiam como uma sociedade autônoma<br />
quan<strong>do</strong> os Conquista<strong>do</strong>res da Espanha chegaram, e, como os<br />
outros povos, tiveram de ser submeti<strong>do</strong>s a ferro, fogo e… religião.<br />
A Conquista foi dura e prolongada, porque os maias se<br />
protegiam nas selvas ainda densas da região e se ocultavam nos<br />
cenotes, onde a água e a pesca eram abundantes.<br />
Existem centenas de ruínas na península, dan<strong>do</strong> conta da<br />
complexidade arquitetônica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> maia, de sua sofisticação<br />
e de sua riqueza cultural. Eram astrônomos de primeira<br />
grandeza e dispunham da única escrita alfabética <strong>do</strong> continente<br />
americano. Além disso, conheciam o conceito de “zero” desde<br />
muito antes <strong>do</strong>s matemáticos árabes, que foram, inclusive, os<br />
responsáveis por sua introdução na Europa, depois de o herdarem<br />
<strong>do</strong>s hindus e <strong>do</strong>s babilônios.<br />
PRAIA<br />
Tulum fica na<br />
costa <strong>do</strong> mar<br />
azul caribenho,<br />
em Yucatán<br />
As ruínas maias são, em geral, grandiosas, dan<strong>do</strong> conta da<br />
complexidade de sua organização social, de sua estratificação<br />
bastante rígida em matéria de classes sociais e de sua articulação<br />
com o espaço religioso, bem como de sua militarização, como<br />
a <strong>do</strong>s astecas. Têm um encanto especial, por estarem cobertas<br />
ou na vizinhança de florestas algo pujantes ainda.<br />
Visitamos algumas delas: Kabah, com seus a<strong>do</strong>rnos de máscaras<br />
nas paredes; Uxmal, talvez a mais extensa e grandiosa;<br />
Izamal, em cujo centro histórico hoje se confrontam as antigas<br />
FOTOS PIXABAY<br />
42 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
VIAGEM<br />
casas coloniais e uma igreja colossal construída em cima de<br />
um antigo templo com as ruínas das pirâmides que restaram;<br />
também Tulum, cidade tardia no mun<strong>do</strong> maia. Foi fundada no<br />
século 6º da era cristã, era um porto de mar – um <strong>do</strong>s únicos<br />
<strong>do</strong>s maias –, tinha fins comerciais e era também usada como<br />
balneário pelos habitantes de Kabah. Sua área é muito grande.<br />
As construções são mais simples e parecem menos acabadas <strong>do</strong><br />
que as de outras cidades, embora haja vestígios de pinturas e<br />
decorações que devem ter si<strong>do</strong> extremamente ricas.<br />
Outra cidade visitada foi a de Chichen Itzá, igualmente grandiosa<br />
e com o detalhe de sua serpente, no flanco de uma das<br />
pirâmides, que só se deixa ver em determinadas horas <strong>do</strong> dia<br />
durante o tempo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is equinócios anuais, o de primavera<br />
e o de outono. Conseguimos vê-la, apesar <strong>do</strong> tempo parcialmente<br />
nubla<strong>do</strong>.<br />
Mas – confesso – nenhuma cidade nos encantou tanto quanto<br />
as ruínas de Labná. São lindas, e têm um detalhe importante:<br />
são muito menos visitadas <strong>do</strong> que as outras, onde as multidões<br />
se acotovelam e se empurram nas filas para comprar entradas.<br />
Labná está entregue à floresta, à solidão de um único vigia na entrada,<br />
e às iguanas que povoam suas pedras. Não perca, se puder.<br />
Em Izamal, constatamos também o porquê da fama de “desaparecimento”<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> maia – que, aliás, está mais vivo <strong>do</strong><br />
que nunca, com sua língua ainda praticada por parte da população.<br />
Ali se estabeleceu o padre – depois bispo – Diego de<br />
Landa (1524-1579). Landa tornou-se um tenaz persegui<strong>do</strong>r da<br />
religião maia, depois que descobriu que os índios a praticavam<br />
secretamente mesmo depois de “converti<strong>do</strong>s”. Aplicou indiscriminadamente<br />
diversas formas de tortura.<br />
A mais cruel era a <strong>do</strong> “içamento”, que consistia em pendurar<br />
a vítima com cordas amarradas a seus braços e pesos presos aos<br />
pés, coisa que provocava o desconjuntamento <strong>do</strong>s membros e<br />
que foi, aliás, bastante pratica<strong>do</strong> pelos nazistas no campo de<br />
Dachau, perto de Munique. Além disto, destruiu um número<br />
estima<strong>do</strong> entre 27 e 200 códices escritos com história maia.<br />
Manda<strong>do</strong> de volta para a Espanha devi<strong>do</strong> a seus desman<strong>do</strong>s<br />
considera<strong>do</strong>s excessivos, parece ter-se arrependi<strong>do</strong> <strong>do</strong> que fez<br />
e dedicou-se a escrever uma história da cultura e da língua <strong>do</strong>s<br />
maias, num livro recupera<strong>do</strong> no século 19 e que hoje é considera<strong>do</strong><br />
uma peça fundamental, apesar de suas distorções, para<br />
o entendimento da língua <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> maia.<br />
Em Izamal há um curioso monumento em sua honra, que<br />
diz ter ele si<strong>do</strong> tanto um preserva<strong>do</strong>r da cultural local, quanto<br />
um seu “fanático destrui<strong>do</strong>r”. É o único caso que vi de um<br />
monumento ao mesmo tempo laudatório e contrário ao homenagea<strong>do</strong>…<br />
Os atrativos da capital mexicana<br />
É possível seguir diretamente <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> ao aeroporto de<br />
Cancún, na Península <strong>do</strong> Yucatán, com escala em Lima, Bogotá<br />
ou Caracas, pelo menos. Mas recomendamos fazer uma esticada<br />
à Cidade <strong>do</strong> México.<br />
Além <strong>do</strong> Museu Nacional de Antropologia, a capital oferece ao<br />
visitante um sem número de atrativos:<br />
O Zócalo, como é chamada a praça central, cujo nome oficial<br />
é Praça da Constituição. Em seu entorno se situam a Catedral,<br />
as ruínas <strong>do</strong> Templo Maior asteca, reminiscência da antiga<br />
Tenochitlán, capital daquela civilização, com seu museu também<br />
extraordinário e o Palácio Nacional, sede <strong>do</strong> governo, que pode<br />
ser visita<strong>do</strong> e exibe murais de Diego Rivera.<br />
Não muito longe dali, está o Palácio de Belas Artes, com o<br />
mural que Diego Rivera projetara inicialmente para o Rockefeller<br />
Center em Nova York. Acusa<strong>do</strong> de fazer propaganda comunista, o<br />
mural foi destruí<strong>do</strong>. Mas Rivera o fizera fotografar antes, e o refez<br />
no Palácio de Belas Artes.<br />
As casas de Frida Kahlo e de Leon Trotski, muito perto uma da<br />
outra. Exibem belos acervos da artista e <strong>do</strong> líder revolucionário,<br />
além de preciosas coleções de fotografias. Não muito longe fica o<br />
museu dedica<strong>do</strong> a Diego Rivera.<br />
Vale a pena, pelo menos, fazer uma excursão a Teotihuacán,<br />
imponente conjunto de ruínas a 50 quilômetros da capital. De<br />
preferencia, vá de manhã, e na volta dê uma passada na antiga<br />
Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, que está rachada ao meio,<br />
com cada um <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s adernan<strong>do</strong> em direção diferente.<br />
Relatos assusta<strong>do</strong>res sobre criminalidade, assaltos etc.<br />
chegarão aos ouvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> visitante. Mantenha cuida<strong>do</strong>, mas não<br />
fique paranoico. Mantenha sua bolsa à frente <strong>do</strong> corpo, não<br />
pegue táxis avulsos nas ruas, saia só com o dinheiro ou cartões<br />
indispensáveis, não faça exibição desnecessária de câmeras,<br />
AQUILES CARATTINO/FLICKR/CC<br />
Zócalo, praça<br />
central da<br />
cidade <strong>do</strong><br />
México<br />
ande com uma cópia xerox <strong>do</strong> passaporte e algum outro<br />
<strong>do</strong>cumento de identidade (lojas podem pedir isto, caso se use um<br />
cartão). Pergunte sempre se há entradas “para maiores” (i<strong>do</strong>sos,<br />
mais de 60 anos) nos museus, se for o seu caso.<br />
Atenção, sim, com a poluição, que é bastante forte, pois a<br />
cidade fica em um vale. E se for fazer comida em casa, lembre-se<br />
que a Cidade <strong>do</strong> México está a 2.400 metros de altitude: a água<br />
ferve a 92, em vez de 100 graus, e tu<strong>do</strong> leva um pouco mais de<br />
tempo para cozinhar...<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 43
CIDADANIA<br />
ILUSTRAÇÃO JÚNIOR CARAMEZ<br />
Além de<br />
divertir,<br />
literatura<br />
infantil e<br />
infanto-juvenil<br />
pode ajudar<br />
a promover a<br />
diversidade e<br />
o respeito<br />
Por Xandra Stefanel<br />
LER<br />
44 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL<br />
para entender<br />
e conviver
CIDADANIA<br />
Era uma vez... uma princesa<br />
que nasceu príncipe.<br />
Em outro reino,<br />
uma princesa se<br />
apaixona pela costureira<br />
que faria seu vesti<strong>do</strong><br />
de casamento. A Princesa e<br />
a Costureira e Joana Princesa,<br />
da escritora e psicóloga<br />
Janaína Leslão, trazem a<br />
mesma magia que permeia<br />
os contos de fada. A diferença<br />
é que suas histórias abarcam<br />
uma diversidade muito maior<br />
de personagens: uma princesa<br />
transgênero que tem uma irmã<br />
com deficiência física, outra princesa<br />
negra que cai de amores por uma costureira<br />
ruiva. Em comum, os <strong>do</strong>is livros trazem<br />
as aventuras de pessoas que se amam, querem<br />
viver o amor de forma plena e livre, com o bom<br />
e velho final “E viveram felizes para sempre”.<br />
Não são muitos os livros infantis e infanto-juvenis<br />
que representam a diversidade social em<br />
suas narrativas, nem que busquem, além de entreter,<br />
ensinar as mais diversas questões ligadas<br />
à cidadania: o respeito ao próximo, o combate ao<br />
preconceito, o consumo consciente. Mesmo que<br />
ainda seja uma pequena parcela <strong>do</strong> que se encontra<br />
nas prateleiras das livrarias, há um número<br />
crescente de obras que abordam essas temáticas.<br />
Um exemplo são os livros <strong>do</strong> selo Boitatá, da<br />
Editora Boitempo, cria<strong>do</strong> no final de 2015 com o objetivo de<br />
apresentar temas de interesse social e de cidadania para crianças.<br />
Até agora, o selo lançou quatro obras: A Democracia Pode<br />
Ser Assim, A Ditadura É Assim, As Mulheres e os Homens e<br />
O que São Classes Sociais? Para os próximos meses, devem ser<br />
lança<strong>do</strong>s livros que abordarão a prática <strong>do</strong> bullying, o respeito<br />
às diferenças e à diversidade e sobre deficiência física.<br />
Para a editora da Boitatá, Thaisa Burani, é importante que não<br />
apenas a literatura, mas todas atividades infantis contribuam para<br />
formar um imaginário tolerante e cidadão. “Se<br />
o indivíduo não possui nem acredita em valores<br />
cidadãos (respeito ao próximo, tolerância, cidadania,<br />
justiça social, direitos humanos), de muito<br />
pouco adianta o discurso ou a ideologia, por mais<br />
bem intenciona<strong>do</strong>s que sejam. E a experiência da<br />
infância, o ato de ser criança, é onde mais podemos<br />
explorar e enriquecer nosso imaginário. Livros, filmes<br />
e brincadeiras, além de nos entreter, exercitam<br />
justamente isso: a forma como vemos, compreendemos<br />
e participamos no mun<strong>do</strong>. É por isso que<br />
uma heroína mulher é importante, é por isso que<br />
protagonistas negros são importantes, é por isso<br />
que falar de diversidade amorosa e<br />
de arranjos familiares diversos é<br />
importante, porque tu<strong>do</strong> isso se<br />
soma e também forma o imaginário.<br />
Se uma criança cresce<br />
entenden<strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> isso é<br />
‘normal’, que to<strong>do</strong>s são iguais<br />
e merecem respeito, ela naturalmente<br />
será mais tolerante<br />
e cidadã”, opina.<br />
Identificação<br />
Em 2007, a psicóloga Janaína<br />
Leslão trabalhava questões<br />
ligadas à sexualidade, gênero e<br />
prevenção de <strong>do</strong>enças sexualmente<br />
transmissíveis (DST) e aids com um<br />
grupo de a<strong>do</strong>lescentes. Uma das atividades<br />
que eles deveriam realizar no final <strong>do</strong> ano<br />
era montar esquetes baseadas em histórias conhecidas,<br />
com uma roupagem atual e que abordasse<br />
as questões discutidas. “O referencial de final feliz<br />
que eles tinham ainda era o <strong>do</strong>s contos de fadas.<br />
Quan<strong>do</strong> conversávamos sobre questões de sexualidade<br />
e gênero de pessoas trans ou <strong>do</strong> amor entre<br />
<strong>do</strong>is homens ou duas mulheres, não tinham nenhum<br />
referencial na literatura, muito menos nos<br />
contos de fadas. Só pelo noticiário de jornal, que<br />
mostra uma lâmpada na cara, uma travesti esfaqueada.<br />
Isso me despertou a vontade de escrever.<br />
Fui pesquisar e não tinha nada nesse gênero de literatura,<br />
com essas temáticas trabalhadas em uma<br />
linguagem mais leve e acessível”, lembra.<br />
Foi assim que nasceu seu primeiro livro, A Princesa e a<br />
Costureira, escrito em 2009 e publica<strong>do</strong> em 2015 pela Metanoia<br />
Editora. “Ele vendeu bem, superou nossas expectativas,<br />
tanto que estamos in<strong>do</strong> para uma segunda edição e vamos lançar<br />
em e-book também. Muitas pessoas, especialmente jovens<br />
adultos, me procuram e dizem: ‘Nossa, que maravilha! Queria<br />
tanto ter li<strong>do</strong> isso quan<strong>do</strong> eu era a<strong>do</strong>lescente. Acho que não<br />
teria passa<strong>do</strong> por tanto conflito’. Ou então: ‘Eu me senti representada,<br />
nunca tinha visto uma princesa negra e<br />
ainda por cima lésbica, como eu’. As pessoas me<br />
dizem que os contos de fadas com os quais to<strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> sonhava, nunca puderam representá-las.<br />
Então, a ideia principal era incluir pessoas que não<br />
estavam nas narrativas originais”, afirma a autora,<br />
que em maio deve lançar seu segun<strong>do</strong> livro, Joana<br />
Princesa.<br />
Para a pedagoga Daniela Auad, professora de<br />
Sociologia da Educação na Universidade Federal<br />
de Juiz de Fora, livros como os de Janaína fazem<br />
com que as crianças vindas de lares homoparentais<br />
se sintam representadas. “Os livros infantis, infan-<br />
ILUSTRAÇÃO FREEKJE VELD<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 45
CIDADANIA<br />
to-juvenis e outras produções na televisão e no teatro mostram<br />
para crianças casais compostos por alguém <strong>do</strong> sexo feminino e<br />
alguém <strong>do</strong> sexo masculino: um homem e uma mulher, um menino<br />
e uma menina, um cachorrinho e uma cachorrinha… Mas<br />
não se tem usualmente casais compostos por pessoas <strong>do</strong> mesmo<br />
sexo. Esta falta de representação pode fazer com que as crianças<br />
que estão em um lar homoparental e, eventualmente crianças e<br />
a<strong>do</strong>lescentes que se percebam ten<strong>do</strong> desejo por pessoas <strong>do</strong> mesmo<br />
sexo, não se sintam representadas”, diz Daniela, responsável<br />
pelo prefácio da segunda edição de A Princesa e a Costureira.<br />
Olívia Tem Dois Papais (Cia. das Letrinhas), da escritora<br />
Márcia Leite, conta a história de uma menininha muito esperta<br />
que tem uma família um pouco diferente e totalmente encanta<strong>do</strong>ra:<br />
seu pai Raul ama brincar de filhinho e mamãe e quan<strong>do</strong><br />
ela se diz desfalecen<strong>do</strong> (ela a<strong>do</strong>ra esta palavra!) de fome, seu pai<br />
Luís vai para a cozinha e prepara deliciosas refeições. A autora<br />
afirma que a constituição desta narrativa não se deu por meio<br />
<strong>do</strong> tema (a família homoafetiva), mas sim de uma escolha que<br />
potencializa o campo de atuação da personagem principal. “A<br />
família homoparental é um tipo de família<br />
e ponto final. Se aceitamos que as famílias<br />
podem ter diferentes composições, o natural<br />
é explorar também nas narrativas as relações<br />
afetivas (ou a ausência delas) que as<br />
estruturam ou desestruturam, que estabilizam<br />
ou desestabilizam essa organização<br />
familiar. No caso da família da Olívia, o que tentei evidenciar<br />
foram situações de rotina, cuida<strong>do</strong> e amorosidade recíproca entre<br />
pais e filha, independentemente de sua composição.”<br />
Neste caso, os questionamentos da personagem principal estão<br />
mais liga<strong>do</strong>s às questões de gênero. “Procurei fazer com que<br />
Olívia fizesse perguntas e tivesse dúvidas pertinentes à idade e<br />
ao meio social em que vive sobre questões de gênero e não sobre<br />
questões de orientação sexual. Olívia deixa claro que se surpreende<br />
por um homem saber cozinhar, pentear a filha e cuidar<br />
tão bem dela. Esse é um questionamento de gênero e não<br />
de orientação sexual. Olívia não questiona porque os pais se<br />
amam, ou estão juntos, ou porque não tem uma mãe. Perguntas<br />
ILUSTRAÇÃO JOAN NEGRESCOLOR<br />
ILUSTRAÇÃO TALINE SCHUBACH<br />
46 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
CIDADANIA<br />
que também acontecem entre famílias<br />
heteroparentais, mas que quase<br />
sempre reforçam a noção de gênero<br />
<strong>do</strong>minante (menina faz isso, menino<br />
faz aquilo)”, afirma Márcia, também<br />
autora de Do Jeito que a Gente É (Editora<br />
Ática), em que um <strong>do</strong>s protagonistas<br />
é um menino gay.<br />
Consumo consciente<br />
Além de gênero e sexualidade,<br />
também há livros infantis e infanto-<br />
-juvenis que abordam questões ligadas<br />
ao consumo e promovem, por<br />
exemplo, reflexões sobre a finitude<br />
<strong>do</strong>s recursos naturais, como é o caso<br />
de Eu Produzo Menos Lixo (Cortez<br />
Editora). Nele, a bióloga Cristina<br />
Santos faz um alerta ecológico para<br />
as crianças e contextualiza as mudanças<br />
que os hábitos de consumo<br />
modernos trouxeram para a sociedade.<br />
“Essas questões são contemporâneas e fazem<br />
parte de um grande problema mundial.<br />
Tentar apresentar esses assuntos numa<br />
linguagem que pudesse ser facilmente<br />
compreendida pelo público infanto-juvenil<br />
e que estimulasse o leitor a refletir sobre<br />
a sua maneira de consumir foram as grandes motivações para a<br />
preparação desse livro. Além disso, as ilustrações muito criativas<br />
de Freekje Veld foram fundamentais para apresentar o assunto<br />
de maneira mais descontraída, deixar o livro atraente, além de<br />
auxiliar na tarefa da compreensão de um tema considera<strong>do</strong> tão<br />
importante nos dias atuais”, diz a autora.<br />
Com Bicicleta Amarela, previsto para ser lança<strong>do</strong> em abril,<br />
o designer recifense Igor Colares trata de forma lúdica sobre a<br />
importância da bicicleta para a mobilidade urbana. Em 2012, o<br />
autor lançou Bezerro Escritor, sobre o consumo <strong>do</strong> leite a partir<br />
<strong>do</strong> ponto de vista de Bombom, um bezerro desmama<strong>do</strong> que<br />
apresenta como o processo de industrialização atinge de forma<br />
cruel as vacas e seus filhotes.<br />
O que motivou Igor a escrever as duas histórias é fazer com<br />
que as crianças veganas (que não consomem alimentos deriva<strong>do</strong>s<br />
de animais) e que os filhos de ciclistas<br />
e cicloativistas se sentissem representa<strong>do</strong>s<br />
na literatura. “Minha ideia não era<br />
convencer as pessoas a passarem a andar<br />
de bicicleta ou deixar de tomar leite. O que<br />
eu queria com os <strong>do</strong>is livros é que a galera<br />
que anda de bicicleta e a galera que<br />
não toma leite se identificassem. Para eles,<br />
é muito raro encontrar conteú<strong>do</strong> em quase<br />
qualquer lugar, e na literatura infantil não<br />
é diferente. É como se as pessoas que estão<br />
engajadas nesses movimentos fossem<br />
meio alienígenas para o senso comum.<br />
A minha ideia era criar conteú<strong>do</strong> com<br />
o qual eles se identificassem”, enfatiza.<br />
A professora universitária Bárbara<br />
Eduarda Nóbrega Bastos, de 36 anos,<br />
leu a história de Bombom para o filho.<br />
“Sou vegana e queria um livro que me<br />
ajudasse a passar pro meu filho a realidade<br />
<strong>do</strong>s animais explora<strong>do</strong>s para produção<br />
de alimentos numa linguagem adequada<br />
para a idade dele. Existem poucas<br />
publicações com essa temática, então o<br />
livro de Igor foi muito bem-vin<strong>do</strong>. Considero<br />
muito importante para a formação<br />
cidadã que as crianças conheçam os<br />
problemas da sociedade e entendam seu<br />
papel no combate a essas questões. Acredito<br />
que os temas devem ser apresenta<strong>do</strong>s<br />
de acor<strong>do</strong> com a idade, pois o objetivo<br />
não é deixar a criança assustada ou<br />
triste, então, deve-se levar em conta o que ela está preparada para<br />
aprender”, opina a mãe de Mateus Bastos Barretos, de 6 anos.<br />
ILUSTRAÇÃO BETO FRANÇA<br />
Entreter, ensinar, conscientizar<br />
Estes são alguns exemplos de como a literatura também pode<br />
contribuir com a construção de um mun<strong>do</strong> melhor, mais<br />
tolerante, com menos ódio e mais respeito às pessoas e suas<br />
diferentes formas de viver. Thaisa Burani, <strong>do</strong> Boitatá, acredita<br />
que há muito a ser feito para a publicação de mais livros volta<strong>do</strong>s<br />
para os pequenos cidadãos. “O merca<strong>do</strong> se verga muito<br />
facilmente a qualquer coisa que dê retorno financeiro alto e<br />
imediato – basta ver as gôn<strong>do</strong>las das livrarias abarrotadas de<br />
bobagens com personagens de grandes franquias da animação”,<br />
diz. “Mas não podemos negar toda a riqueza da história da literatura<br />
infanto-juvenil brasileira. Há mais de três décadas já<br />
tínhamos, por exemplo, uma Ana Maria Macha<strong>do</strong> enaltecen<strong>do</strong><br />
a beleza das meninas negras, ou mesmo um Pedro Bandeira e<br />
seu tão incisivo e politiza<strong>do</strong> É Proibi<strong>do</strong> Miar, sem contar a vasta<br />
obra de Tatiana Belinky, com todas as experimentações de<br />
linguagem e o caldeirão cultural que ela oferecia.”<br />
“Ler um livro sobre uma menina que tem <strong>do</strong>is pais ou duas<br />
mães, ou um pai apenas, ou nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, apenas amplia a<br />
condição de percepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, de si e<br />
<strong>do</strong> outro. Acredito que a literatura que fala/toca<br />
em temas considera<strong>do</strong>s difíceis (não<br />
apenas sobre a homoafetividade) provoca<br />
espaços de conversa e de reflexão que acabam<br />
atuan<strong>do</strong> como um acolchoa<strong>do</strong> simbólico<br />
para a compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e de si<br />
mesmo junto aos pequenos e grandes leitores.<br />
Na minha opinião, isso ajuda os leitores<br />
a serem melhores pessoas e melhores cidadãos”,<br />
resume a escritora Márcia Leite.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 47
curtaessadica<br />
pelas<br />
Por Xandra Stefanel<br />
Preços, horários e duração de temporadas são informa<strong>do</strong>s pelos responsáveis<br />
obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar<br />
Cultura nas ruas<br />
Em 2015, 58 iniciativas coletivas e individuais se espalharam pela<br />
cidade de São Paulo com o intuito de fortalecer o direito à cidade,<br />
à inclusão digital, à cidadania e à ocupação <strong>do</strong> espaço público pela<br />
cultura. O programa Redes e Ruas, realiza<strong>do</strong> por meio de uma<br />
parceria entre as secretarias municipais de Cultura, de Serviços e de<br />
Direitos Humanos, promoveu atividades e intervenções nas áreas de<br />
audiovisual, fotografia, música, fotografia, artes cênicas, jornalismo e<br />
agroecologia, entre outras.<br />
Um <strong>do</strong>s destaques é o espaço virtual cria<strong>do</strong> pelo coletivo Visto<br />
Permanente, que reúne mini<strong>do</strong>cumentários que reivindicam o<br />
pertencimento <strong>do</strong> imigrante à cidade de São Paulo. Os vídeos têm<br />
o objetivo de dar visibilidade ao patrimônio urbano das culturas<br />
imigrantes, com toda sua riqueza e resistência. Os filmes podem<br />
ser assisti<strong>do</strong>s no link bit.ly/coletivovistopermanente. Outro projeto<br />
disponível on-line são as exposições virtuais <strong>do</strong> Museu da Dança:<br />
http://museudadanca.com.br/exposicoes-virtuais.<br />
Em mea<strong>do</strong>s de março, foi lança<strong>do</strong> o livro Redes e Ruas, organiza<strong>do</strong><br />
e produzi<strong>do</strong> por Sampa.org e pelo Coletivo Digital, com relatos das<br />
atividades, depoimentos <strong>do</strong>s grupos participantes e as transformações<br />
proporcionadas pelo programa. A obra está sen<strong>do</strong> distribuída<br />
gratuitamente pela Secretaria de Cultura de São Paulo.<br />
48 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL<br />
WWW.VISTOPERMANENTE.COM<br />
Como viver<br />
no capitalismo<br />
sem dinheiro<br />
No projeto/instalação Como Viver no<br />
Capitalismo Sem Dinheiro, em cartaz até<br />
12 de junho no Museu de Arte <strong>do</strong> Rio<br />
(MAR), o artista mexicano José Miguel<br />
Casanova convida os visitantes a refletir se<br />
é possível conceber a vida além <strong>do</strong> império<br />
da economia financeira. Ele questiona que<br />
outras formas de produção, de consumo<br />
e de troca podemos considerar possíveis<br />
e desejáveis. Inspira<strong>do</strong> nestas reflexões,<br />
o artista criou o Banco <strong>do</strong>s Irreais,<br />
ferramenta de desenvolvimento de trocas<br />
sociais, práticas de economia solidária e<br />
de cooperação comercial voltadas ao bem<br />
comum. Com visitação de terça a <strong>do</strong>mingo,<br />
das 10h às 17h, a instalação propõe uma<br />
troca de saberes e experiências que abram<br />
alternativas para a vida à margem <strong>do</strong><br />
capital. Na Praça Mauá, 5, centro <strong>do</strong> Rio de<br />
Janeiro. Mais informações: (21) 3031-2741.<br />
R$ 10, R$ 5 (meia) e grátis às terças-feiras.
Drummond e a infância<br />
Vou Crescer Assim Mesmo – Poemas Sobre a Infância (Cia. das<br />
Letrinhas, 64 págs.) presenteia crianças e adultos com poesias<br />
sobre o perío<strong>do</strong> mais mágico da vida das pessoas. Impossível<br />
não se identificar com este livro volta<strong>do</strong> tanto para crianças que<br />
ainda não tiveram contato com a obra <strong>do</strong> grande poeta Carlos<br />
Drummond de Andrade, quanto para aqueles que querem revisitar<br />
a infância por meio de um olhar especial. Um <strong>do</strong>s poemas que<br />
compõem a obra ilustrada por Ale Kalko é Lembrete: “Se procurar<br />
bem, você acaba encontran<strong>do</strong>/ não a explicação (duvi<strong>do</strong>sa) da<br />
vida,/ mas a poesia (inexplicável) da vida”. R$ 30.<br />
ILUSTRAÇÃO ALE KALKO<br />
ROSANA PAULINO. AS FILHAS DE EVA 2<br />
Vulnerabilidades femininas<br />
Silêncio(s) <strong>do</strong> Feminino, em<br />
cartaz até 1° de maio na<br />
Caixa Cultural São Paulo, traz<br />
fotografias, vídeos e desenhos<br />
de cinco artistas brasileiras<br />
sobre temas que envolvem<br />
gênero, identidade e abusos a<br />
que mulheres são submetidas<br />
há séculos. Com cura<strong>do</strong>ria da<br />
artista plástica Sandra Tucci,<br />
a exposição reúne obras<br />
de Cris Bierrenbach, Lia<br />
Chaia, Beth Moyses, Rosana<br />
Paulino e Marcela Tiboni.<br />
Cada uma delas expressa,<br />
com linguagens diferentes,<br />
as vulnerabilidades <strong>do</strong><br />
universo feminino. De terça<br />
a <strong>do</strong>mingo, das 9h às 19h, na<br />
Praça da Sé, 111, centro de<br />
São Paulo, (11) 3321-4400.<br />
Grátis.<br />
Orquídea em<br />
rama<br />
Dezesseis anos<br />
depois de seu<br />
primeiro álbum<br />
solo, Rosa<br />
Fervida em<br />
Mel, Miriam<br />
Maria lança<br />
o brasileiríssimo Rama. Entre<br />
as 11 faixas <strong>do</strong> disco produzi<strong>do</strong><br />
pela baterista Simone Sou, há<br />
composições de Chico César,<br />
Arnal<strong>do</strong> Antunes, Itamar<br />
Assumpção, Paulo Leminski, Zeca<br />
Baleiro, Mauricio Pereira e Kleber<br />
Albuquerque. Uma das cantoras<br />
da banda Orquídeas <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>, que<br />
acompanhava Itamar Assumpção,<br />
Miriam une sonoridades<br />
tradicionais com muita poesia. O<br />
álbum tem participação especial<br />
de Chico César, André Abujamra e<br />
Danilo Moraes, entre outros. R$ 26.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 49
ATITUDE<br />
Orgulho de Dalva<br />
JAILTON GARCIA/RBA<br />
Depois de um dia cheio de trabalho, a empregada<br />
<strong>do</strong>méstica Dalvina Borges Ramos, mais conhecida<br />
como <strong>do</strong>na Dalva, chega em casa, senta na sala e<br />
fica observan<strong>do</strong> seu jardim através da parede de vidro.<br />
Aos 74 anos, ela esbanja sorrisos a cada elogio<br />
que ouve sobre sua casa nova, para a qual mu<strong>do</strong>u há quase um<br />
ano, em maio de 2015. Ela mora há mais de 30 anos no mesmo<br />
terreno, na Vila Matilde, zona leste de São Paulo, e nunca imaginou<br />
que as economias que guar<strong>do</strong>u durante toda a vida seriam<br />
suficientes para pagar uma casa tão bonita e ainda por cima vence<strong>do</strong>ra<br />
<strong>do</strong> prêmio internacional de arquitetura ArchDaily Building,<br />
que elege os 14 melhores projetos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
“Eu nem acredito nisso que está acontecen<strong>do</strong>, sabe? Morar<br />
nessa casa é uma felicidade muito grande, é muito gratificante,<br />
muito bom. A casa antiga foi demolida, era velha, com rachadura.<br />
Um dia eu cheguei <strong>do</strong> trabalho, fui tomar banho e escutei<br />
um estouro. Quan<strong>do</strong> eu abri a porta <strong>do</strong> quarto, foi aquele cenário:<br />
o teto tinha desaba<strong>do</strong> em cima da minha cama! Não tinha<br />
mais condições. A gente começou <strong>do</strong> zero”, relembra.<br />
Segun<strong>do</strong> o escritório responsável pelo projeto de baixo custo,<br />
o maior desafio foi a fase inicial da obra. “Foram quatro meses<br />
demolin<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>samente a casa antiga, ao mesmo tempo<br />
em que se executavam as fundações e arrimos que escoravam<br />
as casas vizinhas, apoiadas em seus muros de divisa”. Com estrutura<br />
e blocos aparentes, a nova morada de <strong>do</strong>na Dalva tem<br />
chama<strong>do</strong> a atenção: “Eu nunca tinha visto uma casa assim. Os<br />
vizinhos também acham diferente”, afirma a empregada <strong>do</strong>méstica<br />
nascida no distrito de Itaquaraí, na cidade de Bruma<strong>do</strong>, interior<br />
da Bahia.<br />
O prêmio deixou Dalva orgulhosa, mas felicidade mesmo é poder<br />
cuidar de seu novo jardim. “Foi o que eu mais gostei. Na casa<br />
antiga, não tinha nenhuma terrinha. Agora eu tenho as minhas<br />
plantas, um grama<strong>do</strong>, uma árvore de pitanga. Quan<strong>do</strong> eu chego <strong>do</strong><br />
trabalho, fico sentada na sala ven<strong>do</strong> as plantas. A casa é toda iluminada,<br />
é toda de vidro. Eu não preciso nem abrir pra ver as plantas.<br />
A chuva cain<strong>do</strong> deixa tu<strong>do</strong> ainda mais bonito...”<br />
Por Xandra Stefanel<br />
50 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
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Pesquisa <strong>do</strong> jornal espanhol<br />
El Pais-<strong>Brasil</strong> sobre redes sociais e manifestações<br />
revela que “uma proporção muito grande”,<br />
conforme matéria publicada em 01/04/2016, de<br />
leitores de portais, acessou a Rede <strong>Brasil</strong> Atual,<br />
ao la<strong>do</strong> de Tico Santa Cruz, Socialista Morena,<br />
Leonar<strong>do</strong> Sakamoto, Duvivier, Boulos e O Tijolaço.<br />
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