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Ela classifica suas variedades em miudezas, para as sementes de quiabo, melancia, abóbora, gergelim e mostarda.<br />
E outras sementes para Feijão preto, roxo, rosinha, andu, carioca, fava e milho.<br />
JAPOATÃ/SE<br />
DONA FARAILDES, A 'MOISÉS'<br />
DA LADEIRINHA<br />
Contar a história de Dona <strong>Faraildes</strong>, mulher, viúva, mãe e camponesa é narrar uma história de migração, luta pela<br />
terra e valorização das sementes.<br />
“ Eu digo sempre a gente precisa guardar nossas sementes, mas sempre tem que aqueles que alega que deu bicho, outros<br />
alegam que não deu e assim eu sempre dou a quem pede”..<br />
Dona <strong>Faraildes</strong> ainda hoje milita nas causas sociais, e é figura ativa em todos os momentos de luta, pela terra e<br />
contra o golpe.<br />
Dona <strong>Faraildes</strong> e suas sementes crioulas<br />
Dona <strong>Faraildes</strong> participando do Ato contra o Golpe<br />
Marca seu trajeto o processo migratório dentro do estado. Nascida em Mocambo, município de Aquidabã, onde<br />
cresceu e casou com seu José Rodrigues aos 21 anos de idade e tiveram seus 13 filhos, dos quais conseguiu criar<br />
nove, 06 mulheres e 03 homens.<br />
Filha de camponesa, durante anos manteve a tradição de plantar e produzir nas terras da mãe. Contudo, em 1977,<br />
a mãe resolveu se desfazer da propriedade .<br />
Ela conta nessa época que o seu irmão mais velho tentou se valer de uma lei que impedia que as mães vendessem<br />
as terras e quando os filhos foram chamados a depor o juiz perguntou: Por que vocês são contra que sua mãe<br />
venda a terra?<br />
“ Eu disse, por mim ele vende agora. Por que o sol nasce pra quem compra e se põe pra quem vive”. Depois o<br />
irmão acatou e a terra vendida.
Ela relata que aprendeu com a avó a prática de guardar sementes. Muitas estão com ela há mais de 40<br />
anos. Dentre estas, amendoim e mandioca.<br />
“Minha vó dizia: Mandioca já tem nome de mãe minha filha, nunca perca semente e nem deixe de plantar,<br />
e eu planto”.<br />
Dona <strong>Faraildes</strong>, já ultrapassou os 80 anos, mas ainda mantém as sementes e a lida de plantio e de roçado.<br />
Atualmente, planta no que chama de quintal, uma área de 05 tarefas, onde planta: Amendoim, melancia,<br />
mandioca, milho entre outras, cultivando sempre o hábito de trocar e partilhar suas sementes entre<br />
vizinhos e amigos.<br />
“ Mas depois que ela vendeu, nós não tínhamos<br />
onde plantar um palmo de roça”.<br />
Acontece então, a primeira migração da família, e dona <strong>Faraildes</strong> e o esposo e seus nove filhos tiveram que<br />
migrar para o Povoado Lagoa do Rancho, em Porto da Folha, Sergipe, onde seu José tinha alguns contatos<br />
familiares.<br />
Em 1979, ainda em Porto da Folha, motivada pelos movimentos da igreja, tendo na figura de Frei Enoque,<br />
um incentivador e inspirada na luta dos indígenas pela retomada da Ilha de São Pedro, engajou-se na luta<br />
pela terra com a Comissão Pastoral da Terra (CPT).<br />
Em 1982, após sofrer perseguição da polícia devido à luta pela terra, a família migra para a comunidade<br />
de Ladeirinha, no município de Japoatã, Sergipe.<br />
“Havia naquele tempo um projeto de distribuição de<br />
terra, ligado a luta da Igreja, mas ninguém queria essas<br />
terras aqui por que dizia que não prestava. Mas Frei<br />
Enoque disse pra eu vim e ser o Moisés dessas terras e eu<br />
vim”.<br />
Mesmo diante de tantas idas e vindas, Dona <strong>Faraildes</strong><br />
jamais se desfez de suas sementes. E fala de modo<br />
engraçado como descobriu que suas sementes eram<br />
crioulas.<br />
“Você acredita que eu ia pra todo canto e não falava que<br />
tinha semente crioula, e ficava querendo saber o que era<br />
essa semente. Aí um dia aqui uma reunião com muita<br />
gente e falando em semente crioula, eu levantei e disse:<br />
Olhe eu já estou injuriada por que vocês falam nessa<br />
semente e eu não conheço e ninguém traz para eu ver. Aí<br />
um vizinho meu disse: Dona <strong>Faraildes</strong> é a sua!”<br />
O cuidado e zelo de Dona <strong>Faraildes</strong> com as suas<br />
sementes<br />
Mesmo ao longo da vida tendo perdido algumas sementes, como o feijão boca funda e um tipo de<br />
melancia comprida que ela não lembra o nome, Dona <strong>Faraildes</strong> faz da guarda de sementes e das trocas seu<br />
maior legado. Mesmo sem possuir uma grande quantidade de sementes ela é referência para os vizinhos,<br />
comunidade e região, pela simplicidade com que mantém há tanto tempo o mesmo hábito de plantar,<br />
colher e doar a quem pede.