OBSERVATÓRIO DO ANALISTA EM REVISTA - 6ª EDIÇÃO
Revista colaborativa dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil
Revista colaborativa dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil
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Índio, secretário-geral da Intersindical, defende reformas populares no serviço público<br />
Edição 6 - Agosto de 2016 | www.observatoriodoanalista.org<br />
Luís Nassif solta o<br />
verbo sobre política,<br />
economia e Estado<br />
PEC 186: Acusação e<br />
defesa no júri do<br />
Observatório<br />
Roque Wandenkolk fala<br />
das Administrações<br />
Tributárias no mundo<br />
Observatório<br />
discute o Estado<br />
O Observatório do Analista promoveu um ousado seminário sobre estado,<br />
serviço público e administração tributária no Brasil.<br />
E MUITO MAIS! Acompanhe o Observatório: www.observatoriodoanalista.org
Um olhar crítico sobre o<br />
Estado Brasileiro e suas corporações públicas<br />
Analista Tributário<br />
edificando sonhos!<br />
Observatório do Analista Em Revista / Editores: Mari Lucia Zonta e João Jaques Silveira Pena<br />
Responsável pelo conteúdo: Ana Cláudia Nogueira / Fotografias: Ricardo Pessetti / Criação e<br />
editoração eletrônica: Ricardo Pessetti / Belo Horizonte, Agosto de 2016
Editorial<br />
O embuste<br />
Texto: João Jaques Silveira Pena / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
Não é um fenômeno social<br />
novo, muito menos inusitado,<br />
mas com o ingresso de<br />
milhões de brasileiros no<br />
mercado consumidor durante<br />
os anos 2000 ficou<br />
mais evidente: a sociedade moderna<br />
padece do mal da aparência, para a<br />
qual vive, se esforça e se consome. Essa<br />
vida estilo “Big Brother”, suposta superexposição<br />
da realidade, acaba por produzir<br />
pessoas carentes de valores e princípios<br />
morais clássicos, substituídos pela<br />
ânsia de impressionar, de ser único, insubstituível,<br />
não pelo que se é, mas pelo<br />
que se ostenta. Somente diante desse<br />
contexto global podemos compreender<br />
os motivos não confessados que produziram<br />
parte dos artigos do Projeto de Lei<br />
nº 5.864/2016 que dispõe sobre a carreira<br />
específica dos cargos da Receita<br />
Federal do Brasil.<br />
No seminário Estado, Serviço Público e<br />
Administração Tributária no Brasil, tivemos<br />
a oportunidade de perguntar ao Coordenador<br />
Geral de Planejamento, Organização<br />
e Avaliação Institucional – CO-<br />
PAV - Sérgio Luiz Messias de Lima, quais<br />
eram os próximos passos para a melhoria<br />
dos processos de trabalho e ganho de<br />
eficiência da RFB à luz da gestão por<br />
competências e gestão por processos<br />
que parecia estar sendo aplicada no<br />
âmbito do órgão. Parecia. A impressão<br />
que passou acaba ganhando contornos<br />
mais claros com o PL 5.864/2016, a<br />
cultura interna promove a estagnação e<br />
A Receita Federal deveria estar<br />
empenhada em ganhar<br />
eficiência e promover a melhor<br />
distribuição da carga tributária<br />
a volta ao passado, independente da<br />
boa vontade de alguns dos formuladores<br />
envolvidos, incluindo-se entre eles o<br />
próprio Coordenador Luiz Messias.<br />
Em todo o mundo, os fiscos buscam<br />
abrandar a imagem de algoz estatal, de<br />
polícia fiscal, para alcançar o papel de<br />
colaborador, de órgão que atua para<br />
prover o Estado de recursos para suas<br />
atividades, mas que auxilia o contribuinte<br />
a exercer seu papel de forma espontânea.<br />
Em meio a grave crise econômica,<br />
o Brasil parece querer seguir caminho inverso.<br />
As mostras de modernização da<br />
gestão com os projetos de Gestão por<br />
Pessoas e a melhoria dos processos de<br />
trabalho (um ensaio para a Gestão por<br />
Processos) parecem ter sido esquecidas.<br />
A alternativa passa pelo aumento<br />
de impostos e, com o PL 5.864/2016,<br />
pelo aguçamento das garras do Leão<br />
através do empoderamento do cargo<br />
de Auditor Fiscal.<br />
Se o consumismo é estimulado incessantemente<br />
pelos meios de comunicação,<br />
a busca pelo empoderamento de cargos<br />
públicos notadamente técnicos,<br />
tem origem na falta de visão coletiva<br />
dos servidores e suas representações<br />
sindicais, que não conseguem enxergar<br />
seu papel e muito menos sua importância<br />
fundamental na complexa máquina<br />
pública brasileira. Assim, o que importa<br />
é a diferenciação de outros cargos, a<br />
hierarquização, mesmo que não se saiba<br />
qual o efeito prático da titulação<br />
requerida.<br />
No caso do PL 5.864/2016, essa distinção<br />
se aplica inclusive entre os cargos<br />
da carreira específica, cujo nome pretende<br />
alterar para Tributária e Aduaneira<br />
da Receita Federal do Brasil. Dos<br />
dois cargos de formação superior nela<br />
presentes, destaca-se o cargo de Auditor<br />
Fiscal como autoridade tributária e<br />
aduaneira da União Federal, que exerce<br />
atividade essencial e exclusiva de<br />
Estado, e nada diz quanto aos Analistas<br />
Tributários. Estaria o Projeto sugerindo<br />
retirar as atividades atribuídas ao Analista<br />
das que são essenciais e exclusivas<br />
de Estado? Pelo absurdo que seria a<br />
resposta positiva, percebe-se que a intenção<br />
foi apenas a de destacar e colocar<br />
em evidência um dos cargos da<br />
carreira em detrimento da própria lógica<br />
de valorização da carreira. “Vaidade<br />
de vaidades! Tudo é vaidade”.<br />
Teoricamente, seja na visão naturalista<br />
seja na contratualista, autoridade estatal<br />
é a força cogente que tem o objetivo<br />
de fazer valer as normas e os fins do<br />
Estado. Na visão corporativista adotada<br />
no PL 5864, assemelha-se a título de<br />
nobreza conferido a um cargo, um status<br />
público sem finalidade outra senão<br />
destacar, dar notoriedade. Contudo, a<br />
leitura de outros trechos da proposta<br />
denunciam que não é só uma questão<br />
de status, mas real empoderamento ou<br />
mesmo blindagem do cargo.<br />
Nesse viés, prerrogativas inerentes às<br />
atividades da RFB como livre ingresso e<br />
trânsito em qualquer tipo de estabelecimento<br />
quando somadas à liberdade de<br />
convencimento individual da complexa<br />
e conturbada legislação tributária<br />
(quantos entendimentos teremos?), prisão<br />
especial, etc. tornam-se o arcabouço<br />
da satisfação de anseios individuais<br />
que não se comunica com o interesse<br />
público.<br />
Diante da grave crise econômica pela<br />
qual passamos, a Receita Federal do<br />
Brasil deveria estar empenhada em ganhar<br />
eficiência interna e promover a melhor<br />
distribuição da carga tributária (hoje<br />
suportada indistintamente por todos de<br />
forma regressiva – relativamente, os mais<br />
pobres pagam mais), que possibilitasse<br />
real crescimento da arrecadação mas<br />
com a promoção da Justiça Fiscal para<br />
a população (quem ganha mais, paga<br />
mais) e diminuindo a sensação de confisco<br />
que cresce a cada dia.<br />
Não será com a volta dos príncipes da<br />
república que alcançaremos isso! As<br />
propostas anunciadas em nada contribuem<br />
para fomentar o engajamento, a<br />
colaboração e a motivação do corpo<br />
técnico da carreira de auditoria da Receita<br />
Federal. Assim não haverá qualquer<br />
inovação e melhoria nos processos<br />
e o consequente ganho de eficiência<br />
do órgão. Menos ainda alterações normativas<br />
que conduzam à simplificação<br />
do sistema tributário e promoção da<br />
Justiça Fiscal.<br />
Por fim, embora não seja a primeira investida<br />
nesse sentido (todas rejeitadas,<br />
por sinal), essas alterações têm chance<br />
de prosperar pois estão apresentadas<br />
como medidas necessárias para a retomada<br />
do crescimento da arrecadação<br />
federal. No entanto, carecem ser provadas.<br />
Lembremos que a quem muito é dado,<br />
muito é cobrado. Só esperamos que,<br />
quando se notar que o remédio não<br />
fez efeito, o paciente não tenha vindo<br />
a óbito.
Sobre o seminário<br />
Pegadas analógicas<br />
El camino se hace al andar.<br />
Al andar se hace camino<br />
Y al volver la vista atrás<br />
Se ve la senda que nunca<br />
Se ha de volver a pisar.<br />
O<br />
Observatório nasceu em 2012 como ideia de um grupo de Analistas Tributários que pretendia um espaço onde<br />
pudessem compartilhar e debater temas que fossem além da pauta estritamente corporativa dos Analistas. Para<br />
as questões imediatas, como a pauta reivindicatória e a defesa da categoria, há o sindicato, legitimamente<br />
eleito para esse fim.<br />
Restavam as questões mais amplas, igualmente afeitas aos Analistas, como a Receita Federal, a Administração<br />
Tributária, a Política, o Estado, o Governo, o Serviço Público, o Sindicalismo. A elas nos dedicamos. Tarefa descomunal, logo<br />
notamos. Tarefa para muitas mãos.<br />
Em 2013, criamos um blog, o observatoriodoanalista.org, e nos apresentamos em nome de aproximadamente 150 Analistas<br />
que apoiavam o projeto. Em 2014, lançamos a primeira edição da Revista do Observatório, com publicação apenas digital.<br />
Toda a produção, criação e financiamento do site e da revista é feita de forma colaborativa e com doações.<br />
Quatro anos depois, achamos que era preciso evoluir para o mundo analógico. Sim, evoluir. Depois do entusiasmo inicial com<br />
os caminhos digitais, a humanidade, aqui e além, se dá conta que é preciso deixar o sofá da sala, esse lugar quentinho, e<br />
resgatar os velhos caminhos analógicos. É preciso retornar à rua, à cidade, à praça, à Ágora. É preciso reencontrar o outro,<br />
olhos nos olhos.<br />
Com o Seminário Estado, Serviço Público e Administração Tributária no Brasil, realizado no dia 15/07 em Belo Horizonte, o<br />
Observatório do Analistas saiu à rua. Com a inestimável parceria da Intersindical e da Febrafisco, com o apoio decisivo do<br />
Sindireceita DS Belo Horizonte e Contagem e CEDS Minas Gerais, com a participação fundamental dos Analistas Tributários da<br />
grande BH e a excelência dos convidados palestrantes, o evento superou as expectativas.<br />
Em quatro mesas de discussão, foram abordados temas como o Estado, o Serviço Público Brasileiro e suas instituições, a Administração<br />
Tributária e o novo modelo de gestão em implantação na Receita Federal.<br />
Na primeira mesa, a análise do jornalista econômico Luis Nassif trouxe um panorama amplo sobre política, economia, mídias de<br />
comunicação e uma surpreendente visão histórica do papel fundamental do servidor público na construção do país até pouco<br />
tempo atras. Edson Carneiro (Índio), Secretário Geral da Intersindical, lembrou dos desafios postos nesse exato momento a todos<br />
os trabalhadores e muito especialmente os servidores públicos (vide o PL 257 e a nova reforma da previdência em discussão<br />
no Congresso Nacional) e da necessidade de se unir forças para tentar conter minimamente os retrocessos em andamento.<br />
Nas mesas seguintes, aprofundando os temas mais amplos da primeira, discutiu-se a Administração Tributária do país, incluindo<br />
as administrações estaduais de diferentes estados, apresentadas por diretores da Febrafisco e do Sinfazfisco-MG.<br />
Aprofundando ainda mais o tema, a terceira mesa apresentou o modelo de gestão em implantação na Receita Federal,<br />
apresentado por Sergio Messias, coordenador de planejamento da RFB. Os Analistas Tributários João Jacques Pena e Roque<br />
Wandenkolk trouxeram alternativas ao modelo atual. João Jacques abordou a especialização/profissionalização dos Analistas<br />
e Roque trouxe diferentes modelos de gestão tributária de outros países.<br />
Na última mesa, abordando questões práticas e ações imediatas, o Delegado Sindical do Sindireceita em Belo Horizonte, Leonardo<br />
Catão, e deputados Federais convidados discutiram a agenda parlamentar do serviço público. Trataram de Projetos<br />
de Lei em tramitação no Congresso que afetam diretamente Analistas Tributários e discutiram estratégias de ação.<br />
Chegamos ao fim do dia 15 de julho com maior clareza do momento, com a certeza de que é preciso passar da perplexidade<br />
à ação, com parcerias fortalecidas e novos amigos de caminhada, com soluções e... com novos desafios. Desafios que estamos<br />
dispostos a enfrentar. Não há outro caminho. Caminhemos.<br />
Sumário<br />
8<br />
10<br />
12<br />
13<br />
14<br />
20<br />
22<br />
23<br />
24<br />
25<br />
26<br />
D. Geralda e o derretimento do que parece seguro<br />
Representantes governamentais, políticos<br />
e sindicais prestigiam o seminário<br />
No Congresso Nacional<br />
O serviço público sob ataque<br />
Em defesa das reformas populares<br />
Luís Nassif - De olhos nos interesses nacionais<br />
Administração tributária no mundo<br />
Na luta contra a exclusão<br />
PEC 391: mais um perigo<br />
Em defesa da PEC 186<br />
Gestão de processos - A ordem é investir na<br />
formação e capacitação dos servidores<br />
Gestão por Processos - O foco é eficiência na RBF<br />
27 Em poucas palavras...<br />
28<br />
30<br />
Poder X Mulher<br />
O xadrez dos concurseiros,<br />
do serviço público à autoridade
Editorial 2<br />
D. Geralda e o derretimento<br />
do que parece seguro<br />
Texto: Mari Lucia Zonta / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
Contava uma amiga, recentemente,<br />
do susto<br />
da mãe, já com mais de<br />
80 anos, ao ouvir que<br />
seu dinheiro não existia,<br />
que sua poupança não<br />
passava de um monte de sinais elétricos<br />
ou magnéticos armazenados na “nuvem”.<br />
D. Geralda pediu que não falasse mais<br />
nisso, ficava nitidamente assustada com<br />
a ideia.<br />
Quem não tem um pouco da D. Geralda?<br />
Por mais à vontade que fique com<br />
as novas tecnologias? Se me permitem<br />
um clichê, apesar de péssima prática<br />
de redação (não use em provas! Menos<br />
ainda para começar um texto. Espanta<br />
os leitores logo no primeiro parágrafo):<br />
temos medo de mudanças. Medo. É a<br />
palavra correta. Resistência e outras<br />
tantas são eufemismos. É do humano a<br />
insegurança, o frio na barriga diante do<br />
novo. Questão de preservação.<br />
E o grande dilema se estabelece mesmo<br />
quando a mudança se torna a única<br />
possibilidade de sobrevivência. Caso<br />
emblemático disso é o momento que<br />
vive a Receita Federal e seus servidores.<br />
Não se trata de sobrevivência do órgão.<br />
Não se conhece Estado que possa<br />
abrir mão de seu braço arrecadador.<br />
Por mais que definhe e se torne ineficiente<br />
em suas funções, há de sobreviver. Já<br />
os seus métodos de arrecadação e em<br />
consequência os servidores… não tem<br />
a mesma garantia.<br />
Cobradores de impostos existem desde<br />
antes dos próprios Estados! alguns indignados<br />
já devem vociferar a esta altura.<br />
Verdade, verdade! Por favor prendam<br />
seus cães e vamos em frente. Também é<br />
verdade que pela primeira vez a humanidade<br />
se depara com a cobrança de<br />
impostos sobre bens imateriais, sobre os<br />
sinais magnéticos da “nuvem” que assustaram<br />
D. Geralda. Não há mais trigo, sal,<br />
ouro, moeda ou mesmo papel impresso<br />
dos quais se possa pegar um quinhão.<br />
E isso muda tudo.<br />
Sem falar na nuvem negra onde se “armazena”<br />
o grosso da riqueza mundial,<br />
desaforadamente chamada paraíso<br />
fiscal. Até o nome é uma afronta aos<br />
fiscos do mundo. Quantos deles entram<br />
no paraíso para buscar o quinhão dos<br />
Estados?<br />
Mas desçamos das nuvens.<br />
Essa evidente mudança não é novidade<br />
para qualquer servidor de qualquer<br />
fisco do país. Alguns talvez não traduzam<br />
ainda, mas percebem como uma “sensação<br />
de derretimento” da instituição fiscal.<br />
“Bananeira que já deu cacho” ouvi<br />
de outro servidor que se prepara para<br />
sair e começar outra carreira.<br />
O modelo atual do fisco federal é da<br />
década de 1960. Viveu seu auge no<br />
final dos anos de 1990 e 2000. Em todas<br />
as áreas. Foi o grande momento da<br />
tecnologia que transformou a Receita<br />
Federal em referência mundial na área.<br />
Além da automação, o grande legado<br />
desse período são as gigantescas bases<br />
de dados de diferentes setores que<br />
a Receita acumula. Patrimônio inestimável,<br />
avaliamos, para a próxima “revolução”<br />
da instituição.<br />
Aqui cabe um parêntese, prato cheio<br />
para aqueles donos dos cães lá de<br />
cima. Prendam mais um pouco, por favor.<br />
O Fisco Federal deve muito de sua<br />
evolução técnica do período recente<br />
a um corpo de Técnicos (do Tesouro<br />
Nacional) vindos dos primeiros concursos<br />
públicos pós Constituição de 1988.<br />
Especializados em diversas áreas, inclusive<br />
de informática (houve concurso<br />
específico para a área), encontraram<br />
no cargo uma saída para o desemprego<br />
assombroso dos anos 1990. Com o<br />
salário baixíssimo oferecido pelo Estado<br />
na época - mas melhor do que o desemprego<br />
da iniciativa privada - abraçaram<br />
a “causa” de levar a Receita Federal<br />
para o século 21 (projeto SRF 21).<br />
Tiveram autonomia, estímulo e formação.<br />
E um projeto coordenado. O resultado<br />
dispensa apresentação.<br />
Posteriormente os Técnicos do Tesouro<br />
tiveram o nome do cargo alterado para<br />
Analista Tributário.<br />
Voltemos aos clichês… Como é natural,<br />
o sistema todo vive a entropia que se<br />
segue ao auge. O derretimento. E no<br />
ambiente desolado, pessoas. Pessoas<br />
que tem medos, que tentam se agarrar<br />
a algo firme. À Lei, dizem alguns, à Constituição.<br />
Atribuições, bradam outros. “Autoridade”<br />
é a última tábua ao mar. Poder<br />
de polícia é o que circula à boca<br />
pequena como grande panaceia. Só<br />
os que detiverem o poder de polícia<br />
sobreviverão! Vejam a AGU! (que garantiu<br />
as mesmas prerrogativas de membro<br />
de Estado Maior em lei recentemente),<br />
Não temos as respostas, mas<br />
encarar as questões, a despeito do<br />
medo que a perspectiva do<br />
desconhecido nos causa, é sempre o<br />
primeiro passo necessário. A isso nos<br />
propomos. O preço de não fazer e<br />
tentar agarrar-se a um ponto seguro,<br />
pode ser a extinção de cargos presos<br />
a suas funções obsoletas.<br />
Até porque não há lugar<br />
seguro quando tudo à volta derrete.<br />
o MPF!, capaz de colocar de joelhos<br />
qualquer “autoridade” do país. O Judiciário!,<br />
com sua morosidade sem controle<br />
e remunerações de juízes incompatíveis<br />
com os níveis salariais do país.<br />
Outros elementos colaboram para que<br />
o caldo ameace perigosamente entornar.<br />
O perfil dos novos servidores, o<br />
papel da indústria de concursos, a inexistência<br />
de escolas de formação do<br />
Estado ativas, o modelo de concurso<br />
público ultrapassado, a distorção na<br />
ideia de carreira para servidores. Cada<br />
um desses merece um tratamento detalhado.<br />
Voltaremos a eles. Um a um. Por<br />
hora, apenas citamos.<br />
Resultado, também esperado: conflitos<br />
internos intermináveis. Todos contra todos<br />
para garantir sobrevida. De brigas<br />
pessoais entre servidores a verdadeiros<br />
motins da média administração da Receita<br />
contra a alta administração, tudo<br />
é possível.<br />
Esse é o quadro. A saída não é difícil de<br />
ser prevista: a nova realidade exige um<br />
novo modelo de ação fiscal, um novo<br />
projeto. E aí começa o segundo problema.<br />
Como falar em novo modelo para o fisco<br />
se não temos sequer um projeto de<br />
Estado? Pior, carecemos antes de um<br />
projeto de país. Por onde começar? Os<br />
servidores desse mesmo Estado seriam<br />
os primeiros candidatos à construção<br />
do novo projeto. Temos condições? A<br />
nova geração, convencida de que ser<br />
servidor público significa passar em um<br />
concurso difícil, ainda pode ser formada<br />
a tempo para a empreitada?<br />
Não temos as respostas, mas encarar<br />
as questões, a despeito do medo que<br />
a perspectiva do desconhecido nos<br />
causa, é sempre o primeiro passo necessário.<br />
A isso nos propomos. O preço<br />
de não fazer e tentar agarrar-se a um<br />
ponto seguro, pode ser a extinção de<br />
cargos presos a suas funções obsoletas.<br />
Até porque não há lugar seguro quando<br />
tudo à volta derrete.<br />
P.S. Convidamos todos a conhecer um<br />
pouco mais do papel de servidores na<br />
construção do país, em diferentes áreas.<br />
É uma história grandiosa. Embraer, ITA,<br />
Banco do Brasil, Receita Federal, Petrobrás…<br />
Inspirador.<br />
8 9
Capa<br />
Representantes governamentais, políticos e sindicais prestigiam o seminário<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Foto: Ricardo Pessetti<br />
Um evento planejado para aprofundamento da<br />
discussão sobre serviço público, servidores e administração<br />
tributária brasileira atraiu, como não<br />
poderia deixar de ser, representantes do Executivo,<br />
do Legislativo e de sindicatos. Servidores da<br />
área fazendária nacional, estadual e municipal<br />
compareceram com uma expectativa grande: entender<br />
o presente dentro de um contexto histórico,<br />
para assim conseguir vislumbrar o que pode<br />
ser o futuro. Estamos falando do Seminário “Estado,<br />
Serviço Público e administração Tributária no<br />
Brasil”, promovido pelo Observatório do Analista<br />
em 15 de julho, em Belo Horizonte.<br />
Entre os palestrantes, muita gente da Receita Fe¬¬deral – superintendente,<br />
delegado, inspetor, analista tributário. Trouxeram uma visão interna crítica,<br />
tanto do papel da instituição quanto a sua estrutura e sua cultura. Destaca-<br />
-se, neste grupo, Sérgio Luiz Messias de Lima, Coordenador Geral de Planejamento,<br />
Organização e Avaliação Institucional da Receita Federal, pela<br />
importância estratégica de sua função para se pensar no futuro da Receita.<br />
A proposta do seminário era ampliar o olhar. No segmento sindicalista, por<br />
exemplo, pôde-se ouvir preciosas considerações de representantes do Sindireceita,<br />
Sinfazfisco, Sindpúblicos, Central da Classe Trabalhadora (Intersindical),<br />
Febrafisco. Três deputados federais trouxeram informações sobre<br />
a agenda política de Brasília, e o vereador de Belo Horizonte Gilson Reis<br />
colocou em discussão a placidez com que se atura a sonegação no Brasil.<br />
Finalmente, uma das maiores atrações do seminário: o jornalista econômico<br />
Luís Nassif, conhecido pelas suas análises pontuais sobre os problemas do<br />
país e também do Estado brasileiro. Nassif passeou por diversos temas, de<br />
valores a concurso público, de administração tributária a mídia.<br />
Foi um dia intenso de aprendizagem, troca de conhecimentos e insights.<br />
“Acho que despertamos temas que ficam adormecidos. Foi importante e incômodo<br />
ouvir que o servidor não quer ser tratado como servidor, e sim como<br />
autoridade. Que o Estado deixou de lado o papel desenvolvimentista das<br />
entidades. Que grandes temas de interesse da Nação, como as reformas,<br />
estão parados há anos em Brasília, pois o Congresso só se importa com os<br />
congressistas. Coisas que a gente sabe, mas não pensa sobre elas. E no<br />
seminário a gente pôde lembrar delas, racionalizar”, avalia Mari Lúcia Zonta,<br />
idealizadora do seminário, analista tributária da Receita Federal, e editora<br />
do Observatório do Analista.<br />
“Acho que despertamos temas que ficam<br />
adormecidos. Foi importante e incômodo ouvir que o<br />
servidor não quer ser tratado como servidor, e sim<br />
como autoridade. Que o Estado deixou de lado o<br />
papel desenvolvimentista das entidades. Que grandes<br />
temas de interesse da Nação, como as reformas,<br />
estão parados há anos em Brasília, pois o<br />
Congresso só se importa com os congressistas.<br />
Coisas que a gente sabe, mas não pensa sobre elas. E<br />
no seminário a gente pôde lembrar delas, racionalizar”<br />
Provocação<br />
desde o<br />
início<br />
A proposta era ser crítico. E foi tão levada a<br />
sério, que a própria organizadora Mari Lúcia<br />
Zonta iniciou o evento fazendo crítica... ao<br />
evento. Pela pouquíssima participação feminina.<br />
“Apenas uma mulher integra o grupo<br />
de palestrantes: eu mesma. A deputada Jô<br />
Moraes teve um compromisso urgente e não<br />
poderá vir, desfalcando assim nosso seminário<br />
em 50% da participação feminina. Quero<br />
fazer aqui a autocrítica, enquanto organizadora<br />
do seminário, e uma provocação a<br />
todos participantes: por que tão poucas mulheres<br />
ocupam cargo gerencial na Receita,<br />
nos sindicatos e na política nacional?”.<br />
Unadir Gonçalves Júnior, presidente do Sinfazfisco<br />
de Minas Gerais, instigou os colegas<br />
a discutir um avanço na tributação brasileira.<br />
A ordem é buscar uma tributação mais justa<br />
e mais equânime para a população, onde<br />
quem tem mais recursos deva contribuir mais –<br />
um sentido inverso do que temos hoje, com a<br />
tributação mais pesada para os pobres e a<br />
classe média, em cima do consumo.<br />
Gilson Reis, vereador de Belo Horizonte,<br />
apontou três grandes desafios a serem discutidos<br />
no seminário. O primeiro é mostrar à<br />
sociedade como é dividido o bolo tributário<br />
no Brasil. “É um desafio porque estamos<br />
diante do desmonte do Estado, e de uma<br />
ação fiscal draconiana que mostra o pobre<br />
e o trabalhador como inimigos do Estado”. O<br />
segundo desafio seria mostrar que o Estado<br />
precisa de mais Receita Federal, mais fiscalização<br />
contra a sonegação. E o terceiro é<br />
tratar do que ele chama de “escandalização<br />
da política brasileira”, movimento que<br />
está aprofundando o fascismo no Brasil e<br />
ocultando questões importantes como o escândalo<br />
da sonegação, que rouba do país,<br />
por ano, um trilhão de reais.<br />
O superintendente da Receita Federal em<br />
Minas Gerais, Hermano Lemos de Avellar Machado,<br />
fez dois esclarecimentos ao público<br />
logo no início da sua fala. Primeiro, tratou do<br />
acordo salarial da categoria que, segundo<br />
ele, está prestes a ser solucionado e tem o<br />
empenho de todos os superintendentes regionais<br />
para solução das pendências. O<br />
segundo assunto foi quanto a uma nota publicada<br />
no site do Sindireceita contestando<br />
atos normativos da região. De acordo com<br />
Hermano, o sindicato teve prazo para apresentar<br />
sugestões e não o fez.<br />
10 11
No Congresso Nacional<br />
O serviço público sob ataque<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Foto: Ricardo Pessetti<br />
Servidor e cidadão<br />
Em defesa<br />
das reformas populares<br />
aqui fazer um alerta:<br />
temos atualmente no Congresso<br />
Nacional uma agenda<br />
política ruim para o ser-<br />
“Venho<br />
viço público, ruim para o servidor, e ruim<br />
para a sociedade. O serviço público<br />
está sob ataque”. Leonardo Catão de<br />
Carvalho, delegado sindical do Sindireceita/BH,<br />
iniciou desta forma enfática<br />
a sua participação na Mesa Agenda<br />
Parlamentar do Serviço Público. As falas<br />
que o seguiram, dos deputados Adelmo<br />
Carneiro Leão e Reginaldo Lopes, infelizmente<br />
não tranquilizaram a plateia.<br />
O delegado sindical não estava se<br />
referindo ao famigerado Projeto de Lei<br />
5864, apresentado à Câmara dos Deputados<br />
em 22 de julho - uma semana<br />
após a realização do Seminário Estado,<br />
Serviço Público e Administração Tributária<br />
no Brasil. O alerta se referia ao Projeto<br />
de Lei 257 (aprovado em 10 de<br />
agosto com alterações à redação original)<br />
e à PEC 241.<br />
Os deputados federais presentes ao seminário<br />
confirmaram a disposição para<br />
alterar o texto do PL 257. “Não somos<br />
contrários à renegociação das dívidas<br />
dos estados e do Distrito Federal.<br />
Somos contrários, sim, às contrapartidas<br />
exigidas. Somos contra os pedidos que<br />
impactam o serviço público”, explicou<br />
Reginaldo Lopes. Por sorte a matéria foi<br />
colocada para votação em ano eleitoral,<br />
o que fez com que até os governistas<br />
pressionassem pela retirada (que<br />
acabou acontecendo) do artigo que<br />
proibia por dois anos o reajuste salarial<br />
do funcionalismo.<br />
Mas foi a PEC 241 quem recebeu os holofotes.<br />
“Será que a PEC 241 passa?” foi<br />
a primeira pergunta feita aos deputados<br />
durante o debate. “Não pode passar.<br />
Não podemos permitir que isso aconteça”,<br />
respondeu Adelmo Carneiro Leão.<br />
A proposta de emenda constitucional,<br />
aprovada pela CCJ em 9 de agosto,<br />
limita gastos públicos por 20 anos,<br />
prejudicando investimentos em Saúde,<br />
Educação e Previdência Social. “Se<br />
aprovada, essa PEC vai facilitar muito<br />
a privatização do patrimônio público”,<br />
analisou Carneiro Leão.<br />
Se cada um dos projetos é ruim, a soma<br />
de todos deixa às claras uma orquestração<br />
contra o serviço público e, por<br />
tabela, contra o servidor. “Está tudo integrado.<br />
E se deixarmos solto, certamente<br />
teremos mais novidades negativas em<br />
breve com temas como a reforma da<br />
previdência e a retomada da discussão<br />
da regulamentação do direito de<br />
greve (leia-se a inviabilização do seu<br />
exercício)”, previu Catão uma semana<br />
antes do Brasil saber da existência do<br />
PL 5864.<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Foto: Ricardo Pessetti<br />
Até servidores públicos<br />
são usuários de serviços<br />
públicos, lembrou Édson<br />
Carneiro (“Índio”), secretário-geral<br />
da Intersindical<br />
– Central da Casse Trabalhadora.<br />
“Muito importante esse debate<br />
que os analistas tributários fazem aqui,<br />
de olhar sim para as suas reivindicações<br />
corporativas econômicas, mas pensar o<br />
serviço público na perspectiva do povo<br />
brasileiro, na perspectiva de um serviço<br />
público que atenda à população brasileira”.<br />
Índio chamou a atenção do público<br />
presente ao seminário por tratar de<br />
questões além da defesa corporativa.<br />
Na sua opinião, os servidores precisam<br />
se entender como trabalhadores que<br />
têm missão de prestar um bom serviço<br />
a toda a população, com comprometimento<br />
real, mas também de pensar e<br />
agir a favor do desenvolvimento do<br />
país. E isso inclui se unir aos trabalhadores<br />
da iniciativa privada na defesa<br />
de questões cruciais, como as reformas<br />
“Precisamos construir,<br />
e acho que esse é o<br />
papel do Sindireceita.<br />
Precisamos discutir o<br />
papel dos bancos<br />
públicos, a importância<br />
na alavancagem no<br />
crescimento do país.”<br />
populares.<br />
O sindicalista alerta que a população<br />
está muito distante da agenda política<br />
atual. “Todo dia temos o governo anunciando<br />
medidas recessivas, restringindo<br />
recursos para os benefícios sociais, para<br />
educação, saúde, infraestrutura. Mas<br />
mantém o dinheiro para pagar juros de<br />
uma dívida impagável”. Reconhece que<br />
os movimento sociais estão passando<br />
por um forte processo de despolitização,<br />
levando a população junto. “Mas<br />
temos obrigação de resistir”.<br />
“Nós precisamos construir, e acho que<br />
esse é o papel do Sindireceita e das<br />
organizações de trabalhadores. Precisamos<br />
discutir o papel dos bancos<br />
públicos, a importância na alavancagem<br />
no crescimento do país. Precisamos<br />
constituir alianças sociais para defender<br />
uma reforma tributária, uma reforma política<br />
para mudar o processo de representação,<br />
mudar esse sistema de financiamento<br />
de campanhas, colocar abaixo<br />
esse sistema político apodrecido. Precisamos<br />
ter uma pauta de democratização<br />
da comunicação. Precisamos fazer<br />
esse embate com a população, mudar<br />
essa agenda, colocar uma agenda de<br />
fortalecimento do papel do Estado no<br />
país, acabar com essa patifaria de que<br />
o governo brasileiro está inchado com<br />
muitos gastos sociais. Devemos reduzir o<br />
papel e o poder do rentismo sobre a<br />
política pública e sobre o serviço público”,<br />
finalizou.<br />
12 13
Servidor público é toda pessoa que tem vínculo empregatício com o poder público.<br />
Essa é a definição corriqueira que se encontra nos manuais de concurso público Brasil<br />
afora. É o que diz o Wikipédia. É o que consta na maioria dos artigos que tratam do<br />
tema. É o que está assimilado pelos servidores públicos. É a resposta que será exigida<br />
de um candidato a servidor. Mas é uma resposta limitante: não satisfaz o conceito<br />
de servir ao público, embora retrate a cultura atual do funcionalismo público, onde o<br />
interesse pessoal vem se sobrepondo ao interesse público e ao interesse nacional. É<br />
colocando o dedo nessa ferida que o jornalista econômico Luís Nassif avalia o serviço público no<br />
Brasil, o perfil dos servidores, e ainda dá uma pincelada no sistema tributário. A entrevista que Luís<br />
Nassif concedeu ao Observatório do Analista seria de 40 minutos. Mas o bate-papo rendeu, e o<br />
resultado foi duas horas de uma conversa cujos principais trechos você confere a seguir.<br />
Entrevista<br />
Luís Nassif<br />
De olho nos interesses nacionais<br />
Entrevista: Observatório do Analista / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
Observatório do Analista – Vamos começar<br />
falando sobre o papel das instituições<br />
públicas brasileiras. Como elas<br />
atuam para o desenvolvimento do país?<br />
Luís Nassif - Se a gente for pegar o desenvolvimento<br />
brasileiro no Século XX,<br />
ele foi tocado fundamentalmente por<br />
funcionários públicos. Desde o início,<br />
com o Código de Águas1. Os grandes<br />
negociadores internacionais eram os<br />
diplomados do Itamaraty. Os grandes<br />
planos econômicos que se tentou na<br />
época, já tinha o Banco do Brasil atuando.<br />
Nos anos 50 chega o BNDES.<br />
Tínhamos o funcionário com a visão do<br />
serviço público como instrumento de<br />
desenvolvimento. Isso aí se perdeu em<br />
algum momento. Saímos do Regime Militar,<br />
em que havia muita força para o<br />
funcionário público, e caímos num período<br />
de descrédito do serviço público.<br />
No tempo do Fernando Henrique Cardoso<br />
passa aquela percepção de que<br />
o desenvolvimento se daria a partir do<br />
mercado. Com a chegada do Lula e<br />
no período de bonança que teve nas<br />
contas públicas, você recompõe o serviço<br />
público. Mas em algum momento<br />
você quebrou a correia de transmissão<br />
geracional, desenvolvimentista. Mesmo<br />
o Ministério Público, que não é necessariamente<br />
desenvolvimentista. Ele teve<br />
nos anos 90 aquela visão de direitos<br />
humanos, direitos difusos. Hoje tem uma<br />
visão penalista rasteira. A própria Receita:<br />
você cria uma elite (digamos assim)<br />
dos novos concursados que chegam<br />
sem aquela gana do empreendedorismo<br />
público, que é um ponto central.<br />
“Nos Estados<br />
Unidos há uma<br />
noção muito clara<br />
do que perpassa o<br />
serviço público,o<br />
que é interesse<br />
nacional.”<br />
OA - É um problema apenas no Brasil?<br />
Nassif - Não, é uma visão subdesenvolvida.<br />
Nos Estados Unidos há uma noção<br />
muito clara do que perpassa o serviço<br />
público, o que é interesse nacional. O<br />
interesse nacional não é o Estado se<br />
sobrepondo ao país, mas é o Estado<br />
como agente estimulador de desenvolvimento.<br />
O servidor público se vê como<br />
agente do desenvolvimento nacional.<br />
OA - Isso se relaciona com o neoliberalismo?<br />
Nassif – Sim. Mas tem outro aspecto. Tem<br />
a financeirização, tem os mercados se<br />
interligando, uma ideologia que é considerar<br />
que interesse nacional é algo<br />
superado. Aqui é curioso por que você<br />
teve, na gestão Fernando Henrique Cardoso<br />
essa ideologia muito forte, muito<br />
rasteira, de que tudo que vem do Brasil<br />
é anacrônico. Quando entra o governo<br />
Lula, de alguma maneira você recria o<br />
conceito do interesse nacional com muitas<br />
concessões para área financeira e<br />
tudo. Mas você traz, à medida em que<br />
a globalização avança e a classe média<br />
passa a ter acesso a estudo lá fora,<br />
você cria uma ideologia nessa classe<br />
média que “pega” todo mundo.<br />
OA – Como as empresas são vistas neste<br />
cenário?<br />
Nassif - Escrevi recentemente que você<br />
não vê a empresa como ativo nacional.<br />
A Receita Federal, grande parte de lá,<br />
vê a empresa um local onde os caras<br />
fazem um monte de sacanagem. É a visão<br />
policialesca. O Ministério Público,<br />
com a Lava a Jato! Então você criou um<br />
problema sério que são algumas corporações<br />
dentro do Estado com poder de<br />
Estado e sem nenhuma noção sobre o<br />
que é interesse nacional. Não considera<br />
as empresas, ou o emprego do setor<br />
privado.<br />
OA - Mas também não é algo generalizado.<br />
Há empresas que são tomadas<br />
como inimigas e há empresas que não.<br />
Nassif - Teve aqui nessa história da Lava<br />
a Jato uma questão de postura partidária<br />
também, “essa empresa apoiava o<br />
PT”. Teve uma cooperação internacional.<br />
Os EUA, que são mestres na geopolítica,<br />
usaram a cooperação internacional<br />
para quebrar a perna de empresas<br />
brasileiras que disputavam lá fora. E o<br />
Ministério Público entrou de cabeça. As<br />
empresas que se internacionalizam recebem<br />
apoio pesado do governo, se for<br />
um país democrático de partidos políticos,<br />
e tem a contrapartida.<br />
OA - As instituições são formadas por<br />
pessoas com suas crenças, ideologias<br />
15
e interesses pessoais e corporativos. Até<br />
que ponto concepções e interesses individuais<br />
interferem no funcionamento<br />
das instituições públicas hoje no Brasil?<br />
Nassif - Quando o sujeito entra para<br />
trabalhar na empresa, ela tem sua cultura,<br />
seus valores. Tem uma carreira que<br />
ele cumpre assimilando esses valores. Se<br />
a empresa é moderna e organizada, o<br />
Departamento de Recursos Humanos vai<br />
acompanhar para saber se o sujeito segue<br />
aqueles valores. O que aconteceu<br />
no setor público com esse grande salto<br />
que deu na última década é que você<br />
não tem esses valores prévios definidos.<br />
Há valores atemporais do serviço público<br />
e conceitos de interesse nacional<br />
que precisam ser muito claros. O interessante<br />
é ver o Estado como provocador<br />
do desenvolvimento. A elite de cada<br />
área afim devia estudar e discutir alternativas<br />
que visassem o objetivo final<br />
do Estado. O que queremos do Estado<br />
brasileiro? Queremos um país que trate<br />
bem seus cidadãos, que acabe com miséria<br />
e fome, que traga bons empregos.<br />
Para trazer bons empregos e bancar<br />
tudo isso você tem que ter uma economia<br />
dinâmica. Para ter uma economia<br />
dinâmica você tem que ter um conjunto<br />
de ferramentas tributárias, fiscais, financiamento.<br />
Essa visão do conjunto tem<br />
que estar muito nítida para o servidor<br />
entender qual o papel dele e onde ele<br />
está nessa estrutura.<br />
OA - Como o senhor avalia o papel das<br />
instituições nesse processo de impeachment<br />
que está em curso contra a presidente<br />
Dilma?<br />
Nassif - As instituições atuaram de forma<br />
parcial, para derrubar a presidente.<br />
OA - Agir segundo seus interesses e crenças,<br />
contrariando o interesse público e<br />
suas obrigações, não devia ser punido?<br />
Parece que isso está meio frouxo.<br />
Nassif – Primeiro você precisa ter claro o<br />
que é interesse público. O funcionário, a<br />
autoridade pública tem poder de Estado.<br />
Não pode atuar de forma impune.<br />
É o seguinte, eu vou tomar uma medida<br />
“x” aqui, tem 10% de probabilidade do<br />
cara ser culpado e 90% de ser inocente.<br />
Se eu não tenho risco nenhum, eu vou<br />
pegar todo mundo! Como está sendo<br />
feito hoje. Mesmo na Receita, você tem<br />
essa questão de fiscais que, mesmo em planejar. Você tinha uma sede de inovação<br />
muito interessante que em certo<br />
situação em que o outro lado vai ganhar<br />
se for para a Justiça, insistem até o momento a Dilma perdeu o pé, e se perdeu<br />
essa energia.<br />
final sem avaliar o custo dessa insistência.<br />
Então você tem que ter outras formas<br />
de controle.<br />
trada para o universo do serviço públi-<br />
OA - Vamos falar sobre a porta de en-<br />
OA – O senhor consegue imaginar isso co. O mercado de concurso interfere no<br />
sendo feito de forma centralizada, pelo perfil dos servidores, das carreiras e na<br />
Ministério do Planejamento, por exemplo?<br />
Nassif - Interfere no seguinte sentido:<br />
qualidade do serviço público?<br />
Nassif - Pode ser, mas os ministérios estão<br />
sujeitos ao ministro de plantão. No De modo geral, com poucas exceções,<br />
ele faz uma pré-seleção econômica.<br />
final do governo Lula, quando estava o cara que entra para fazer concursos<br />
começando a se preparar o governo é um cara que estuda três anos direto,<br />
Dilma eu tive numa palestra, num debate<br />
no Ministério do Planejamento, que segundo ponto é que o sujeito que é<br />
a família com condição de bancar. O<br />
tinha uma vontade muito interessante de concursado ele já entra numa posição<br />
que é muito alta, não absorve a cultura<br />
do próprio setor e nem tem conhecimento<br />
acumulado sobre os desdobramentos<br />
da sua ação para o país ou para o<br />
setor. Fica uma coisa mecanicista e daí<br />
ele perde a noção do serviço público.<br />
Ele não é um servidor público mais: ele é<br />
uma elite que vira autoridade.<br />
OA - Isso se deve ao subdesenvolvimento?<br />
Nassif - É, ué. Ao subdesenvolvimento e<br />
ao fato de o serviço público, nos últimos<br />
anos, não ter discutido sua missão.<br />
Qualquer empresa tem lá a missão da<br />
empresa, os valores. O cara entra e tem<br />
aquela conversa, a convivência com<br />
outros setores para assimilar os valores<br />
da empresa. No Estado brasileiro você<br />
não tem isso. É a profissionalização da<br />
meritocracia.<br />
OA - O concurso público, em 1988, tinha<br />
a missão de acabar com o apadrinhamento<br />
político e qualificar tecnicamente<br />
o serviço público. Hoje, quase 30 anos<br />
depois, a forma de seleção é a mesma,<br />
mas será que ainda serve? Não precisaria<br />
de um aprimoramento?<br />
Nassif - É um modelo que mede o nível<br />
de conhecimento do candidato em relação<br />
a um conjunto de matérias. Você<br />
tem um conjunto de valores que não são<br />
medidos por este tipo de concurso. A<br />
visão empreendedora do sujeito, a maneira<br />
como entende o serviço público,<br />
os valores. Você tem esse conjunto de<br />
fatores aí.<br />
OA – O senhor vê alternativas melhores<br />
para o modelo de concurso atual?<br />
Nassif - Não. Mas a ENAP durante algum<br />
tempo tinha esse papel de criar modelos<br />
de gestão, valores. Não sei agora como<br />
está. Essas escolas de governo seriam<br />
um caminho. O Itamaraty durante algum<br />
tempo exigia lá um conjunto de livros de<br />
leitura lá que era muito mais amplo, dando<br />
uma visão geopolítica, um conjunto<br />
de fatores para o cara ter, se identificar<br />
as vocações que interessavam à diplomacia.<br />
Acho que de alguma maneira os<br />
concursos, os cursos da ENAP, ou esse<br />
período probatório tinha que ser mais rigoroso<br />
e focado nos valores da corporação.<br />
E obviamente, antes de ensinar<br />
os valores precisa definir os valores.<br />
OA - Hoje quem passa no concurso pode<br />
“Qual o princípio da tributação sobre herança? É o<br />
seguinte: todo mundo tem que começar a disputar<br />
tendo uma base igual. Se o cara é filho de um<br />
multimilionário, já tem melhor educação, boa rede de<br />
relacionamentos. Então, ele tem tudo que foi<br />
acumulado pelo pai como ponto de partida. Isso nos<br />
Estados Unidos tem todo o cerco para o cara abrir<br />
mão da super herança. Aqui se criou uma ideologia<br />
maluca: um milhão na mão de um bilionário vai ser<br />
mais produtivo (porque ele sabe como multiplicar o<br />
dinheiro) do que na mão do pobre. .”<br />
chegar já no topo da carreira em termos fique fora do país. Isso beneficia diretamente<br />
os rentistas.<br />
de função. Isso não prejudica o serviço?<br />
Nassif – Claro! Você chega numa empresa,<br />
tem os valores da empresa e um Nassif - Essa questão do imposto sobre<br />
OA – Qual o ponto fraco da tributação?<br />
processo gradativo em que a pessoa herança é o ponto fraco, definitivamente.<br />
Qual o princípio da tributação so-<br />
vai acumulando esses valores. Sem esse<br />
preparativo você não acumula valores, bre herança? É o seguinte: todo mundo<br />
e sem valores você não tem uma corporação.<br />
A corporação acaba se dando base igual. Se o cara é filho de um multi-<br />
tem que começar a disputar tendo uma<br />
em torno de princípios individuais, da melhoria<br />
salarial, da capacitação. E como rede de relacionamentos. Então, ele tem<br />
milionário, já tem melhor educação, boa<br />
entra com um salário inicial muito melhor tudo que foi acumulado pelo pai como<br />
do que o do setor privado, passa uma ponto de partida. Isso nos Estados Unidos<br />
tem todo o cerco para o cara abrir<br />
ideia de que tudo que acontece é por<br />
mérito dele, não por um defeito da seleção.<br />
Se ele já chega e da noite pro dia uma ideologia maluca: um milhão na<br />
mão da super herança. Aqui se criou<br />
já está bem sucedido... Não existe quem mão de um bilionário vai ser mais produtivo<br />
(porque ele sabe como multiplicar o<br />
da noite para o dia mude o status assim<br />
e consiga ter uma visão madura. Alguns dinheiro) do que na mão do pobre.. Mas<br />
conseguem, mas muito pouco. Você não o grande problema fiscal e tributário<br />
consegue incutir na rapaziada o verdadeiro<br />
mérito sem escalar etapas. Então a se entregou o orçamento para o Banco<br />
que nós temos aqui é a maneira como<br />
meritocracia consiste num exame só, não Central. O exercício da dívida pública<br />
é numa escalada que você faz no dia é um crime. Você pegar 8% do PIB para<br />
a dia.<br />
juros é crime. Isso não existe. Não tem fundamentação<br />
científica.<br />
OA - Como o senhor avalia o modelo de<br />
tributação existente no Brasil hoje? OA – Qual a dificuldade de se enfrentar<br />
Nassif - Totalmente regressivo. Um modelo<br />
que vai exclusivamente em cima Nassif - Se criou o rentista, que vive dis-<br />
esse problema?<br />
do consumo, penaliza... as brechas que so. Outro dia saiu o balanço da Globo.<br />
você tem aí para os altos executivos Teve um bilhão de resultados em uma<br />
é uma coisa maluca, e a falta de filtros parte da Globo, seiscentos milhões foi<br />
para a transferência de recursos faz com ganho financeiro. Então você criou toda<br />
que a parte que deveria ser tributada uma cadeia produtiva em cima disso. O<br />
16 17
um aumento da dívida pública, mas tinham<br />
uma contrapartida de estatais,<br />
que bem ou mal eles criaram. Foi o maior<br />
crescimento de dívida pública sem contrapartida,<br />
só em cima de juros.<br />
OA - Para terminar: consegue imaginar<br />
como será a administração tributária no<br />
futuro?<br />
Nassif - Eu achei que já estava no presente<br />
aqui essa questão de você conseguir<br />
fazer a fiscalização em cima dos<br />
balanços eletrônicos da empresa. De<br />
a partir do cálculo de estoque saber<br />
onde teve movimento... Eu acho que<br />
CPMF é um elemento muito importante,<br />
não só para arrecadar mas também<br />
para fiscalização. Agora estão fazendo<br />
esse canal de demonização da CPMF<br />
e elogio da CIDE. Se for aprovada a<br />
CIDE, o impacto na inflação é violento.<br />
Mas as ações do setor sulcroalcoleiro<br />
vão lá pra cima. E quem é um grande<br />
acionista é Delfim e grupos franceses.<br />
“Eu acho que CPMF é um<br />
elemento muito importante,<br />
não só para arrecadar mas<br />
também para fiscalização.”<br />
câmbio, quando estava lá embaixo, as<br />
exportadoras levavam um cacete, mas<br />
ganhavam com ações cambiais. Então<br />
se criou essa estrutura. Os juros altos afetam<br />
a inflação quando tem uma inflação<br />
de demanda, daí você consome menos,<br />
o crédito fica mais caro. Quando você<br />
tem 5% de queda de PIB a inflação não<br />
tem nada a ver com demanda, tem a ver<br />
com tarifas que foram registradas lá fora.<br />
Esse é o subdesenvolvimento que o Lula<br />
não rompeu, a Dilma começou a romper<br />
e recuou depois, essa é a matriz. O fim<br />
desse ciclo está ligado à maneira como<br />
foi trabalhado o câmbio.<br />
OA – A carga tributária é muito elevada?<br />
Nassif - Você tem que aumentar a tributação.<br />
Um país que precisa de educação<br />
de saúde, de tudo, precisa de<br />
tributação. A questão é distribuição.<br />
Então você tem que ser mais eficiente e<br />
mais equânime para tributar mais. Você<br />
pega esse pessoal que é contra a<br />
CPMF, faz aquele carnaval. Você é a favor<br />
da educação gratuita? Sou. Da saúde<br />
gratuita? Sou. Uai, e é contra CPMF?<br />
OA – Existe uma forte pressão pela redução<br />
dos impostos. Ao mesmo tempo,<br />
“A gente tem uma taxa que é a<br />
mais pesada que esse país paga,<br />
que é a Taxa de Ignorância<br />
Líquida. É a maneira pela qual a<br />
imprensa trata essa questão.”<br />
também há forte pressão pelos subsídios,<br />
financiamentos, de crédito. Como<br />
equalizar?<br />
Nassif - A gente tem uma taxa que é<br />
a mais pesada que esse país paga,<br />
que é a Taxa de Ignorância Líquida. É<br />
a maneira pela qual a imprensa trata<br />
essa questão. Eu lembro uma vez que<br />
Raul Veloso – eu estava no Conselho<br />
de Economia da Fiesp – vai lá para falar<br />
sobre o país quebrado. Fala sobre<br />
saúde, educação, e passa ao largo de<br />
juros. Aí eu falei, ô Raul, qualquer analista<br />
quando vai pegar uma empresa, a primeira<br />
coisa que ele faz é pegar os pontos<br />
que mais pesam na dívida. O ponto<br />
que mais pesa aqui é juros. Você não<br />
vai falar sobre isso? “Ah não, essa não<br />
é a minha especialidade”. É assim que<br />
fazem. Desconversam. Quando você<br />
pega o Fernando Henrique, quando ele<br />
assume e vem o plano real, com toda a<br />
venda de estatais e tudo, ele pega a<br />
dívida pública brasileira vai de 15 pontos<br />
percentuais do PIB para 70, o maior<br />
roubo da história! Os militares tinham lá<br />
Notas:<br />
1 Código de Águas: Decreto nº 24.643,<br />
de 10 de julho de 1934, assinado<br />
pelo presidente Getúlio Vargas.<br />
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/<br />
decret/1930-1939/decreto-24643-<br />
-10-julho-1934-498122-publicacaooriginal-1-pe.html.<br />
2 DASP: O Departamento Administrativo<br />
do Serviço Público (DASP) foi um órgão<br />
público do governo federal brasileiro,<br />
criado pelo decreto-lei nº 579,<br />
de 30 de julho de 1938, durante o<br />
governo de Getúlio Vargas (período<br />
do Estado Novo). Fazia parte de um<br />
esforço de reforma na administração<br />
pública brasileira, e já estava previsto<br />
na constituição de 1937. Além de<br />
fornecer elementos para melhoria da<br />
máquina pública, o DASP deveria fornecer<br />
assessoria técnica ao presidente<br />
da república e elaborar a proposta<br />
orçamentária. (https://pt.wikipedia.org/<br />
wiki/Departamento_Administrativo_do_<br />
Servi%C3%A7o_P%C3%BAblico).<br />
3 ENAP: Escola Nacional de Administração<br />
Pública. http://www.enap.gov.br/<br />
18 19
Exemplos<br />
Administração<br />
tributária no mundo<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
A<br />
modernização da administração<br />
tributária passa<br />
necessariamente por uma<br />
mudança de cultura. A<br />
falta de compromisso com<br />
o serviço e o contribuinte<br />
precisa dar lugar a uma relação sadia e<br />
desburocratizada entre órgão/servidor/<br />
contribuinte. A eficácia precisa ser mais<br />
valorizada que a burocracia. O controle<br />
externo dos atos deve ser criado e<br />
atuar com rigor, prevenindo e punindo<br />
irregularidades, erros e abusos.<br />
Para Roque Luiz Wandenkolk, Analista<br />
Tributário e assessor do gabinete da<br />
DRF do Rio de Janeiro, a Receita Federal<br />
do Brasil está no caminho certo<br />
para implantar as medidas necessárias<br />
de modernização. A autonomia que<br />
será conquistada com a aprovação da<br />
PEC 186 é um dos fatores que apontam<br />
para um futuro melhor para a RFB.<br />
Durante o Seminário Estado, Serviço Público<br />
e Administração Tributária no Brasil,<br />
A Receita<br />
Federal está no<br />
caminho certo<br />
para implantar as<br />
medidas<br />
necessárias de<br />
modernização<br />
Roque apresentou características de<br />
administrações de vários países. Uma<br />
interessante amostra não apenas de organização,<br />
mas também da cultura de<br />
povos, e de como ela interfere na qualidade<br />
do serviço público.<br />
Entidades internacionais como a ONU<br />
recomendam valores para se ter administrações<br />
tributárias eficientes: respeitar<br />
o contribuinte; ser simples e não<br />
complexa; conquistar a confiança do<br />
contribuinte evitando a rejeição social<br />
(os muitos casos de corrupção levam<br />
o contribuinte a não pagar impostos).<br />
A administração pode ser subordinada<br />
ou ter como característica a independência<br />
em relação à estrutura do poder<br />
executivo. Deve ter servidores altamente<br />
qualificados, equipes multifuncionais, e<br />
uma cultura de desprezo à corrupção.<br />
O Programa Minerva, realizado pelo<br />
Institute of Brazilian Business and Public<br />
Management Issues, na George Washington<br />
University, seleciona servidores<br />
públicos para estudos que visam a elevação<br />
dos padrões de eficiência do<br />
setor público brasileiro. Ele indica que<br />
a administração tributária deve facilitar<br />
o contribuinte a se comunicar e recolher<br />
tributos. O recolhimento espontâneo é a<br />
solução, não a punição. Educação e<br />
conscientização são o caminho para a<br />
administração tributária moderna.<br />
Modelos<br />
O modelo americano é um exemplo. A<br />
autoridade é o órgão, não o servidor.<br />
As equipes multifuncionais de fiscalização<br />
são integradas por analistas, auditores<br />
e advogados. Os analistas são<br />
considerados cargos estratégicos. A<br />
fiscalização dos serviços é rígida, realizada<br />
por um órgão externo à administração<br />
tributária. Pregam transparência<br />
e responsabilidade: o servidor responde<br />
diretamente por qualquer ato de infração<br />
que ele derrubar, ou se demorar excessivamente<br />
para concluir um processo<br />
administrativo qualquer. Toda denúncia<br />
do contribuinte é agilmente apurada.<br />
Os EUA fizeram uma análise dos direitos<br />
tributários para encontrar todas as dificuldades<br />
que o contribuinte poderia ter.<br />
O objetivo foi simplificar tudo, deixar absolutamente<br />
acessível. Também produziram<br />
a carta de direitos do contribuinte,<br />
muito importante para a relação entre<br />
estado/cidadão, ainda tão autoritária<br />
nos dias atuais.<br />
Administrações tributárias na África optaram<br />
por ser uma espécie de autarquia<br />
cobradora de recursos, e não deu certo:<br />
foram extintas por ineficiência. A corrupção<br />
interna do sistema deteriorou o<br />
serviço. “No Brasil não se afasta disso,<br />
temos uma cultura muito permissiva. Se<br />
algum colega comete erro, a gente vira<br />
o rosto para não trazer aborrecimento<br />
para a gente. O colega pratica delito<br />
funcional por omissão nossa. Precisamos<br />
passar a cobrar mais compromisso com<br />
o que é público. É um dever nosso. Precisamos<br />
denunciar os erros”, avalia Roque.<br />
Um outro modelo apresentado foi o da<br />
Coréia do Sul, que aumentou a arrecadação<br />
ampliando a base de contribuintes.<br />
“A população está tão bem educada<br />
na questão fiscal, que só usa cartão<br />
de débito para realizar compras, mesmo<br />
que pequenas. Se aparecer alguém<br />
para comprar algo em dinheiro, é reprovado<br />
pela sociedade. Tem que pagar<br />
com cartão, porque assim há um efetivo<br />
controle fiscal, todo dinheiro deve circular<br />
pela rede bancária”.<br />
“Se algum colega comete<br />
erro, a gente vira o rosto<br />
para não trazer<br />
aborrecimento. O colega<br />
pratica delito funcional por<br />
omissão nossa.<br />
Precisamos passar a<br />
cobrar mais compromisso<br />
com o que é público. É um<br />
dever nosso. Precisamos<br />
denunciar os erros.”<br />
A conclusão de Roque é de que tem<br />
muita coisa boa acontecendo no exterior<br />
que podemos utilizar na administração<br />
tributária brasileira. “Temos muito<br />
a corrigir no país. A relação auditor e<br />
analista, que são da mesma carreira,<br />
precisa ser institucionalmente resolvida.<br />
Afastar o analista da fiscalização é um<br />
erro, que apenas atende a interesses<br />
corporativistas dos auditores. Pertencemos<br />
a uma mesma carreira”. E conclama:<br />
“Nós vamos dizer não para a ineficiência<br />
e a burocracia. Denunciem a corrupção,<br />
o descompromisso com a coisa pública.<br />
Precisamos, de uma vez por todas, vestir<br />
a camisa do serviço público e fazer o<br />
melhor para a Receita e para o contribuinte”.<br />
20 21
PEC 186<br />
Na luta<br />
contra a exclusão<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
PEC 391:<br />
mais<br />
um<br />
perigo<br />
A<br />
A discussão sobre carreira<br />
na Receita Federal<br />
do Brasil vem ganhando<br />
contornos perigosos para<br />
os Analistas Tributários. O<br />
alerta foi dado pelo delegado<br />
do Sindireceita de Belém-PA,<br />
Tales Queiroz, em sua palestra sobre<br />
carreira específica na RFB com base no<br />
Inciso XXII do art. 37 da Constituição de<br />
1988 e sobre a luz dos princípios da<br />
PEC nº 186 e da isonomia.<br />
De acordo com o sindicalista, são vários<br />
os movimentos no sentido de criar um<br />
abismo funcional entre auditores e analistas,<br />
beneficiando os auditores. A PEC<br />
186/2007, em trâmite no Congresso<br />
Nacional, concede à Administração Tributária<br />
dos entes federados autonomia<br />
funcional, financeira e orçamentária, e<br />
cria, por Lei Orgânica posterior, o cargo<br />
único de auditor fiscal. E aí, na criação<br />
desse cargo, é que mora o perigo.<br />
“Foi criada uma minuta de Lei Orgânica<br />
durante o Encontro Nacional dos<br />
Coordenadores da Administração Tributária,<br />
que determina que apenas os<br />
servidores que hoje exercem atividade<br />
relacionadas a lançamento do crédito<br />
tributário (formal) sejam aproveitados<br />
no novo cargo. Isso é injusto e absurdamente<br />
excludente, há outras atividades<br />
necessárias à Receita que não estão<br />
contempladas nessa proposta de Lei<br />
Orgânica”, explica Tales.<br />
O dirigente sindical aponta cinco fatos<br />
recentes prejudiciais aos Analistas: a alteração<br />
do Regimento Interno da RFB,<br />
com reserva de atribuições; a ADI 5391,<br />
que em síntese pede a separação dos<br />
cargos da CARFB; a má utilização da<br />
ferramenta de gestão mapeamento de<br />
processos para estabelecer limites de<br />
atuação (“o mapeamento está longe<br />
de retratar a realidade em inúmeros<br />
setores da Receita”, diz Tales); a possibilidade<br />
da pauta não remuneratória<br />
(autoridade tributária e aduaneira para<br />
auditor fiscal); e a perda da garantia do<br />
subsídio na última negociação salarial.<br />
“É necessário ter uma atuação mais forte<br />
em relação à PEC 186 agora, enquanto<br />
ainda não foi aprovada. Intensificar<br />
a unidade com outros sindicatos que<br />
estão nessa luta, para que a gente não<br />
perca, de jeito nenhum, essa luta”, finaliza<br />
Tales Queiroz.<br />
“É necessário<br />
ter uma atuação<br />
mais forte em<br />
relação à<br />
PEC 186 agora,<br />
enquanto<br />
ainda não foi<br />
aprovada.”<br />
“À sociedade não<br />
interessa a exclusão de<br />
nenhum cargo. Só<br />
interessa ao<br />
corporativismo.”<br />
Marcus Bolpato, diretor jurídico do Febrafisco,<br />
acrescentou um risco à lista<br />
apresentada por Tales Queiroz: a ressurreição<br />
da PEC 391, que fixa parâmetros<br />
para a remuneração da Carreira de Auditoria<br />
da Receita Federal, de Auditoria<br />
Fiscal do Trabalho, de Auditoria, Fiscalização<br />
e Arrecadação dos Estados, do<br />
Distrito Federal e dos Municípios com<br />
mais de 500 mil habitantes.<br />
Bolpato conta que a Febrafisco lutou<br />
sozinha contra a PEC e conseguiu derrubá-la,<br />
por ser excludente. “Não contemplava<br />
servidores de vários estados<br />
que ficariam de fora somente por causa<br />
de nomenclatura, o nome do cargo não<br />
era nenhum previsto na proposta de<br />
emenda. Agora querem ressuscitar essa<br />
PEC como justificativa para aprovação<br />
da PEC 186 sem alterações. É um perigo<br />
porque é exclusão na certa”.<br />
“À sociedade não interessa a exclusão<br />
de nenhum cargo. Só interessa ao corporativismo<br />
e a um grupo que privatizou<br />
a Receita. Que passa por cima do interesse<br />
público para atingir seus interesses<br />
particulares”, afirmou o sindicalista.<br />
22<br />
23
“Um cargo forte”<br />
Em defesa da PEC 186<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
Gestão de processos<br />
A<br />
intenção dos deputados federais<br />
Weliton Prado e de<br />
Décio Lima, autores da PEC<br />
186, é criar um cargo forte<br />
dentro da Receita Federal.<br />
“Será um novo cargo, virgem, que não<br />
tem nenhum servidor ocupando. Quem<br />
vai estar nele são os servidores cujas<br />
atribuições estejam ligadas a ele. O<br />
Analista Tributário vai estar nesse cargo”,<br />
assegurou Hugo René de Souza, Vice-<br />
-Presidente do Sinfazfisco – MG.<br />
“Há o engodo do lançamento. Eu considero<br />
o lançamento como arma de fogo.<br />
Na Grã-Bretanha, entre março 2012 e<br />
abril 2013, usaram arma de fogo em<br />
cinco oportunidades. Enquanto no Rio<br />
de Janeiro a polícia usa a todo instante.<br />
Como o fisco do Brasil usa o lançamento,<br />
que é sua arma de fogo: igual à<br />
polícia do Rio. O que gera de impacto?<br />
Não faz nada, faz nossa dívida ativa ficar<br />
em índices astronômicos”, analisa.<br />
Hugo elogia a PEC lembrando que ela<br />
tornará a Receita próxima ao Ministério<br />
Público, com novas responsabilidades<br />
incluídas. “Não podemos criar um monstro<br />
superpoderoso. Precisamos ter investigação<br />
externa. Se ficarmos com todo<br />
esse poder e com o órgão fiscalizador<br />
nosso dentro das secretarias, não vai<br />
dar certo. Devemos ter consciência de<br />
que seremos muito fortes, não podemos<br />
sair dando tiros a esmo”, concluiu.<br />
Mais autonomia<br />
Diretor do SINTEC - RO e da Febrafisco,<br />
Antônio Germano Soares é outro defensor<br />
da PEC 186 pela autonomia que ela<br />
dará à fiscalização tributária. “Queremos<br />
que o Fisco tenha o poder de fiscalizar,<br />
por que se depender de políticos, não<br />
tem fiscalização. Hoje o empresário faz<br />
o que quer, pois não tem fiscalização”.<br />
Antônio Soares diz ser necessário unir<br />
sindicatos que representam trabalhadores<br />
relacionados à PEC, como o Sindireceita.<br />
“A Febrafisco está defendendo o<br />
interesse de todos nós. Desde o início a<br />
Febrafisco tem toda intenção de ter uma<br />
união mais firme com o Sindireceita nacional,<br />
pios entendemos que somos primos-irmãos.<br />
Como nossos problemas são<br />
muito parecidos, a união parece natural.<br />
Faço questão de reforçar o convite: vamos<br />
somar força”.<br />
A ordem é investir na formação e capacitação dos servidores<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
Uma pessoa estuda muito e<br />
consegue vencer uma dura<br />
batalha, o concurso público<br />
para a Receita Federal.<br />
É convocada, toma posse.<br />
Passa por um curso de formação<br />
técnica muito básico e teórico.<br />
Depois é jogado em qualquer setor da<br />
Receita Federal do Brasil condizente<br />
com seu cargo: atendimento ao contribuinte,<br />
análise de processos, fiscalização,<br />
por exemplo. Experiência, somente<br />
a que obteve no curso de formação.<br />
O quadro descrito acima causa no mínimo<br />
desconforto para quem lê, e certamente<br />
lembranças angustiantes para<br />
quem o viveu, como funcionário novato<br />
da RFB. Preparação profissional técnica,<br />
prática, cultural: os servidores da Receita<br />
sentem falta. Os contribuintes e o Brasil<br />
também.<br />
“Todo o mapeamento hoje está vinculado.<br />
Ajuda a quem está chegando.<br />
Mas mapear a situação atual não é<br />
o principal da gestão de processos”,<br />
lembra Sérgio Luiz Messias de Lima,<br />
Coordenador Geral de Planejamento,<br />
Organização e Avaliação Institucional<br />
da Receita Federal, que participou da<br />
mesa “Modelo de Gestão da Receita<br />
Federal”.<br />
Na sua avaliação, o principal é gerir o<br />
dia a dia dos processos – e para isso, é<br />
necessário ter um pessoal bem preparado.<br />
“Quantos chefes da RFB foram preparados<br />
para ser chefe? Quantos já sabiam<br />
como fazer uma licitação antes de<br />
precisar comandar uma licitação? O órgão<br />
não ensina seus servidores a serem<br />
gestores, a Receita não faz. Lidar com<br />
equipe, motivar, entender de legislação,<br />
o delegado, o inspetor, o chefe precisa<br />
saber fazer. Precisa saber identificar o<br />
problema do processo, por que ele não<br />
tem o desempenho certo, etc.”, diz.<br />
Sérgio Messias explica que a gestão<br />
de processos também é um instrumento<br />
para transformar os processos, aperfeiçoar,<br />
criar. “Precisamos ter uma gerência<br />
de planejamento de processos. Por<br />
exemplo: em um determinado setor, não<br />
se consegue chegar num nível de desempenho<br />
que precisa. Como mudar?<br />
A gente não sabe. Temos a cultura de<br />
fazer, de executar, de terminar o trabalho.<br />
Nossa cultura é de 10% de planejamento,<br />
90% de execução. É um erro.<br />
Muitas vezes precisamos refazer tudo,<br />
atrasamos o trabalho, tudo por que não<br />
foi bem planejado”.<br />
Nota dos editores<br />
Esse tema trazido por Sérgio Messias, o modelo<br />
de gestão da Receita Federal, teve<br />
espaço na terceira mesa do seminário. Com<br />
a participação de outros dois debatedores,<br />
João Jacques Pena e Roque Wandenkolk, o<br />
tema foi central para o evento.<br />
Infelizmente tivemos um “pequeno” problema<br />
técnico e a fala de Sérgio Messias não foi<br />
gravada. Esse lapso comprometeu a matéria<br />
da revista.<br />
Para não correr o risco de imprecisão, fazendo<br />
a matéria confiando apenas na memória<br />
e esparsas anotações, optamos por<br />
tratar esse tema no site. Tarefa para a qual<br />
esperamos contar, mais uma vez, com a disponibilidade<br />
do nosso palestrante para nos<br />
conceder entrevista ou mesmo fazer o artigo.<br />
No momento da publicação da revista,<br />
Sérgio Messias desfruta de merecidas férias.<br />
Portanto, pedimos desculpas pelo lapso<br />
imperdoável, e prometemos retomar esse importante<br />
tema em nossos outros canais: site,<br />
facebook e app.<br />
24 25
Em poucas<br />
palavras...<br />
Destacamos algumas frases que resumem os conteúdos tratados durante o Seminário<br />
“Estado, Serviço Público e Administração Tributária no Brasil”.<br />
“Nós vamos dizer “NÃO” para a ineficiência e A burocracia. Denunciem a corrupção”<br />
Roque Luiz Wandenkolk, Analista Tributário da RFB, assessor do Gabinete da DRF Rio de Janeiro.<br />
Gestão por Processos<br />
O foco é eficiência na RFB<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
“Não podemos discutir Receita Federal sem estar colado com o Estado brasileiro”<br />
Hermano Lemos de Avellar Machado, superintendente da Receita Federal em Minas Gerais.<br />
“É debatendo as questões tributárias que poderemos avançar, principalmente para buscar uma tributação mais justa e<br />
mais equânime” Unadir Gonçalves Júnior, presidente do Sinfazfisco MG.<br />
“Temos o desafio de mostrar que o Brasil precisa de mais fiscalização da Receita Federal e denunciar esse escândalo no<br />
país que é a sonegação de R$ 1 trilhão por ano” Gilson Reis, vereador em Belo Horizonte.<br />
Desde o ano passado, servidores<br />
da Receita Federal do<br />
Brasil ouvem falar de uma tal<br />
de gestão por processos –<br />
que significa pensar, planejar<br />
e executar a gestão do órgão a partir<br />
da interação dos diversos departamentos<br />
e atividades da RFB. Tem a eficiência<br />
como foco, gera simplicidade e<br />
agilidade no desempenho das tarefas.<br />
Os resultados são mais facilmente mensuráveis,<br />
possibilita a horizontalidade<br />
nas relações e instrumentaliza o gestor<br />
para o melhor aproveitamento das competências<br />
individuais. E já está sendo<br />
implantada na Receita.<br />
“Teremos a simplificação dos processos,<br />
alocação de mão de obra segundo<br />
missão e visão de futuro da Receita. Vamos<br />
precisar tirar da nossa mente que o<br />
cargo é algo estanque. A proposta mais<br />
honesta é ter cargos especializados estruturados<br />
em carreiras, a otimização das<br />
escolas de formação, maior atenção às<br />
competências individuais, interdisciplinaridade,<br />
equipes de expertises. Tudo isso<br />
“Vamos precisar tirar da nossa mente que o cargo<br />
é algo estanque. A proposta mais honesta é ter<br />
cargos especializados estruturados em<br />
carreiras, a otimização das escolas de formação,<br />
maior atenção às competências individuais<br />
interdisciplinaridade, equipes de expertises.”<br />
vai dar ao servidor motivação e realização<br />
pessoal”, anuncia João Jacques<br />
Silveira, Analista Tributário e assessor jurídico<br />
do Sindireceita.<br />
João Jacques apresentou um quadro da<br />
evolução institucional da RFB a partir da<br />
Constituição de 1988, com a criação<br />
da carreira, até a lei 11.457/07, que<br />
criou a Super Receita. “O cenário pós-<br />
-unificação é de acirramento do corporativismo,<br />
assédio moral, desvalorização<br />
dos quadros, desmotivação dos servidores,<br />
queda da arrecadação e incapacidade<br />
de reação da RFB”, analisa.<br />
A situação é ruim, mas tem saída. O assessor<br />
jurídico do Sindireceita aponta<br />
um caminho: “gestão com competência,<br />
onde o foco é nas pessoas e nas<br />
capacidades que possuem”. A grande<br />
ferramenta do mercado é a gestão por<br />
processos. “A primeira etapa, de planejamento,<br />
concluímos. Estamos na segunda<br />
fase, de modelagem e otimização<br />
de processos. Depois passaremos por<br />
mais quatro etapas: implantação dos<br />
processos; análise de desempenho; auditoria;<br />
e a realimentação do processo<br />
por inteiro, que é permanente”.<br />
“Se criou toda uma lógica em que a única intenção é tirar do orçamento (do governo fedeal) aqueles pontos centrais de<br />
desenvolvimento e transferir para o setor financeiro” Luís Nassif, tratando da política de juros.<br />
“O Brasil é muito subdesenvolvido em termos de conceitos, em termos de homens públicos” Luís Nassif, jornalista econômico.<br />
“Uma equipe econômica que, com o PIB caindo, indo para 8% de queda acumulada mantém uma taxa de juros de 114,5%<br />
para conter a demanda, ou vai preso ou vai internado” Luís Nassif.<br />
“Menos polícia e mais fiscalização” defende o vereador Gilson Reis.<br />
“Espero que vocês ajudem a construir a sociedade dos nossos sonhos” Édson Carneiro, secretário geral da Intersindical.<br />
“A minuta de Lei Orgânica proposta pelo ENCAT é injusta e absurdamente excludente”<br />
Tales Queiroz, delegado do Sindireceita de Belém-PA.<br />
“Queremos que o Fisco tenha o poder de fiscalizar. Se depender de políticos, não tem fiscalização”<br />
Antônio Germano Soares, Presidente da Febrafisco e diretor do SINTEC – RO.<br />
“Não podemos criar um monstro superpoderoso. Precisamos ter investigação externa”<br />
Hugo René de Souza, Vice-Presidente do Sinfazfisco – MG.<br />
“À sociedade não interessa a exclusão de nenhum cargo. Só interessa ao corporativismo e a um grupo que<br />
privatizou a Receita” Marcus Bolpato, diretor jurídico do Febrafisco.<br />
“A Receita Federal tem uma cultura interna e não muda da noite para o dia, mas os passos para fazer com que passe a<br />
uma gestão com processos estão sendo dados” João Jacques Silveira, Analista Tributário e assessor jurídico do Sindireceita.<br />
“Até o Paulo Maluf se indignou com esse trem”Marcus Bolpato, sobre a autonomia total prevista na PEC 186.<br />
26 27
Poder X Mulher<br />
Texto: Mari Lucia Zonta / Fotos: Ricardo Pessetti<br />
Preconceito contra mulheres.<br />
Confesso que o tema não<br />
me agrada. Tratar do tema<br />
não me agrada. Porque estou<br />
cansada. Esse é trabalho<br />
para as meninas. Não apenas<br />
porque é extenuante e um pouco doído<br />
tratar disso, mas porque o machismo<br />
tem nuances próprias de cada época e<br />
ninguém melhor do que a geração do<br />
tempo presente para reconhecê-las.<br />
Não que o preconceito contra mulheres<br />
aplaque sua fúria contra as mais velhas.<br />
Ao contrário, quando despe o manto<br />
do desejo, o machismo veste o da crueldade.<br />
Sem máscaras.<br />
Acontece que o tema nos foi pautado<br />
antes mesmo do evento que permeia<br />
esta edição da Revista do Observatório.<br />
Foi durante a sua organização. Assim<br />
que apresentamos a programação, com<br />
a composição das mesas, uma amiga<br />
da Intersindical constatou que entre os<br />
23 convidados havia apenas 2 mulheres<br />
entre palestrantes e debatedores.<br />
Autocrítica aceita, já que participei da<br />
organização, fui pesquisar mulheres dentro<br />
das mesmas áreas dos convidados<br />
homens. O resultado foi desolador. No<br />
jornalismo político e econômico, por<br />
exemplo, pouquíssimas. Nas centrais sindicais,<br />
sindicatos e federações, raras.<br />
Na cúpula da Receita Federal, um pouco<br />
pior. Cito como exemplo a Receita<br />
em Minas. Das 14 Delegacias do estado,<br />
apenas 1 mulher. Sem falar das DRJs,<br />
Inspetoria e Superintendência. Somadas,<br />
são 18 unidades. Apenas 1 mulher.<br />
Na abertura do evento, perguntamos<br />
ao Superintendente de Minas, Hermano<br />
Lemos, sua opinião sobre o quadro.<br />
Disse que os chefes de unidades são<br />
escolhidos a partir do banco de gestores,<br />
onde os candidatos aos cargos se<br />
inscrevem livremente. E que são raras as<br />
mulheres inscritas.<br />
A questão, portanto, parece ser outra.<br />
Por que fogem do poder as mulheres?<br />
Ou seria o contrário.<br />
A justificativa de outro administrador da<br />
Receita presente no evento, de que há,<br />
por outro lado, muitas mulheres como<br />
“E a respiração<br />
contínua do mundo é<br />
aquilo que ouvimos e<br />
chamamos de<br />
silêncio.”<br />
adjuntas dos titulares, afasta dois argumentos<br />
tentadores.<br />
1. Falta de capacidade delas. Fosse o<br />
caso, por que são convidadas e nomeadas<br />
pelos titulares para suas adjuntas<br />
(inclusive como partícipes das mesmas<br />
decisões)?<br />
2. Elas não tem interesse ou vontade.<br />
E mesmo assim aceitam o convite para<br />
adjuntas? O que justificaria o “sacrifício”<br />
de aceitar?<br />
A resposta só avança se entrarmos no<br />
difícil campo das sutilezas, do não dito,<br />
do preconceito apenas sentido, mas impossível<br />
de ser traduzido racionalmente.<br />
E da impotência que isso causa. Porque<br />
“existe um sentir que é entre o sentir - nos<br />
interstícios da matéria primordial”. Diferente<br />
do preconceito que se vale da<br />
violência física, que deixa atrás de si<br />
evidentes olhos roxos, braços quebrados,<br />
corpos no chão, a modalidade<br />
sutil se faz apenas sentir, a violência,<br />
não menos doída, é em outro lugar. Não<br />
quebra a espinha dorsal, mas quebra a<br />
coluna de sustentação da nossa humanidade,<br />
da nossa dignidade.<br />
No caso da vontade de poder, de mando,<br />
a sutileza do machismo se expõe.<br />
Basta notar que a um homem ambicioso,<br />
que galga postos de poder e mando<br />
atribui-se certa aura de Odisseu. Mas vá<br />
Penélope se atrever a desejar poder ao<br />
invés de desejar pacientemente a volta<br />
de Odisseu e tecer sua colcha e chorar<br />
em silêncio.<br />
O fato evidente, matemático, é que as<br />
mulheres ainda estão longe do poder,<br />
das linhas decisórias. As poucas que se<br />
atrevem a navegar os mares da política,<br />
da cúpula das grandes corporações,<br />
da política sindical, dos lugares<br />
de poder enfim, sabem das barreiras<br />
intransponíveis com que se deparam.<br />
Barreiras tantas vezes invisíveis para um<br />
olhar de fora, o que é desesperador.<br />
Sabem onde “está a linha de mistério e<br />
fogo que é a respiração do mundo” e<br />
que não podem ultrapassar. Não porque<br />
não desejam, mas porque lhes é<br />
sutilmente proibido.<br />
Há muito que avançar, portanto. Olho<br />
com esperança para uma parcela das<br />
meninas desta geração. E com desespero<br />
para outra parcela. Nessa disputa<br />
de Titânides(*) torço para que muitas JuB<br />
apareçam, sempre atentas, militantes,<br />
provocando reflexão, alimentando nossa<br />
fé na humanidade.<br />
A elas, lembro que ainda falta aos embates<br />
das mulheres uma questão essencial,<br />
e poucas vezes posta: quais<br />
as consequências para a humanidade<br />
toda, desse longo silêncio das mulheres<br />
entre as vozes com poder para decidir<br />
nosso futuro? “E a respiração contínua<br />
do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos<br />
de silêncio.”<br />
(*) Titânides. Na Mitologia Grega, são filhas de Gaia e<br />
Urano, as 6 irmãs dos Titãs. Teia, Reia, Têmis, Mnemosine,<br />
Febe e Tétis.<br />
28 29
Artigo<br />
O xadrez dos concurseiros,<br />
do servidor público<br />
à autoridade<br />
Texto: Luís Nassif<br />
Nos últimos anos, tomou corpo um<br />
novo fenômeno no serviço público:<br />
os concurseiros, pessoas<br />
que, em algumas áreas selecionadas,<br />
entraram através de concursos<br />
disputadíssimos.<br />
Os concurseiros mudaram a cara do serviço<br />
público. Vêm com preparo maior que os funcionários<br />
de carreiras tradicionais. Depois, o<br />
Estado banca cursos de mestrado e doutorado<br />
em universidades estrangeiras. Fogem<br />
do perfil tradicional de funcionário público.<br />
Historicamente o serviço público oferece<br />
previsibilidade, uma aposentadoria que<br />
preserva ganhos e salários abaixo dos de<br />
mercado. Com as mudanças na última década,<br />
continuou oferecendo previsibilidade e<br />
aposentadoria, e salários iniciais muito acima<br />
dos salários de mercado.<br />
Esse fenômeno gerou uma espécie nova de<br />
funcionário público sem vocação do pública<br />
e com ampla vocação de “autoridade”.<br />
Esse perfil de funcionário foi central na implementação<br />
do golpe, recebendo o respaldo<br />
da mídia para julgamentos de mérito de<br />
operações orçamentárias, como se tivessem<br />
sido ungidos pelo voto.<br />
Tornaram-se verdadeiros militantes políticos –<br />
como foi o caso do procurador do Ministério<br />
Público das Contas.<br />
Característica 1 - O retorno financeiro<br />
do valor investido na preparação do<br />
concurso |<br />
Passar em concurso exige três anos de estudos<br />
ininterruptos e matrículas em cursos caros.<br />
Ou seja, investimento pesado em tempo e dinheiro<br />
e seletividade de classe socioeconômica.<br />
E as provas exigem memorização, não<br />
necessariamente vocação para a profissão<br />
pretendida. Entrando, o concurseiro irá casar<br />
essas vantagens com a dos ganhos, passando<br />
a pressionar o Estado para melhorias<br />
constantes nos rendimentos.<br />
A expansão descontrolada do serviço público<br />
deve-se às pressões dessa nova classe.<br />
Característica 2 - O servidor público<br />
e a síndrome da “autoridade”<br />
Pega-se um jovem de pouco mais de 20<br />
anos, confere-se um cargo regiamente remunerado,<br />
com salário inicial imbatível e, em<br />
cima disso, as prerrogativas de um poder de<br />
Estado.<br />
30<br />
Grande parte dos concurseiros não se considera<br />
servidor público. Considera-se “autoridade”,<br />
segundo me relatam analistas tributários<br />
críticos do modelo atual de concurso.<br />
Essa característica se deve ao fato do<br />
concurseiro dever seu status não à carreira<br />
implementada no serviço público, mas ao<br />
concurso que o transformou imediatamente<br />
em “autoridade” altamente remunerada.<br />
Uma análise de caso pedagógica consiste<br />
em comparar o típico servidor público e um<br />
típico concurseiro: o primeiro, o procurador<br />
da República Celso Três, do Paraná; o segundo,<br />
o procurador Ailton Benedito, de<br />
Goiás.<br />
O primeiro fez carreira no próprio Ministério<br />
Público, consagrando-se nas investigações<br />
do Banestado, um trabalho memorável que<br />
terminou abafado pelas autoridades superiores.<br />
Ignorou-se sua experiência no campo<br />
de batalha e foi isolado no interior do estado.<br />
O segundo é um concurseiro que busca<br />
reconhecimento em bobagens inomináveis,<br />
como intimar o Itamarati a tomar providências<br />
contra a Venezuela por convocar jovens<br />
do Brasil para suas milícias digitais – a<br />
convocação era na Vila Brasil, subúrbio de<br />
Caracas.<br />
Três jamais exporia o MPF a vexames, por ter<br />
feito a carreira no trabalho. Ou seja, criou<br />
uma lealdade e assimilou uma cultura do MPF.<br />
E deve sua reputação ao trabalho de campo,<br />
não a cursos de mestrado e doutorado.<br />
Benedito – e outros colegas concurseiros de<br />
Goiás – não teve o menor pudor em expor o<br />
MPF a vexames ou às jogadas políticas do<br />
Instituto Millenium, por não ser servidor público,<br />
mas “autoridade”. Intimar o Itamarati, a<br />
Secom, a presidência da República torna-se<br />
um exercício banal de poder e amplamente<br />
desrespeitoso em relação à sua corporação.<br />
Característica 3 - No concurso, o início<br />
da aposentadoria<br />
Outra característica dos “concurseiros” é o<br />
fato de o primeiro salário ser muito elevado.<br />
Não há estímulo a se destacar nos serviços<br />
visando promoções. Muitos deles fazem do<br />
primeiro dia no serviço público o primeiro dia<br />
da contagem regressiva para a aposentadoria.<br />
Compare-se o padrão Benedito de Procurador<br />
com, por exemplo, o funcionário do Banco<br />
do Brasil. Nos anos 90, o BB deu início<br />
a um profundo processo de transformações,<br />
visando tornar-se um banco de mercado.<br />
No final da década houve ajustes porque<br />
deixou-se de lado o fator serviço público.<br />
E constatou-se que os funcionários reagiam<br />
muito melhor quando confrontados com desafios<br />
de setor público. Ou seja, tinham que<br />
casar a disputa de mercado com a vocação<br />
pública. Nunca deixaram de se considerar<br />
servidores públicos. A carreira interna<br />
permitia que os funcionários gradativamente<br />
fossem assimilando os valores da corporação.<br />
Fala-se muito em democratização trazida<br />
pelos concursos. Democratização foi o que<br />
o BB historicamente fez, permitindo que funcionários<br />
entrassem como contínuos e saíssem<br />
como diretores.<br />
No caso dos “concurseiros”, isso não ocorre.<br />
O jovem inexperiente é jogado de chofre em<br />
uma função que lhe confere salário alto e<br />
poderes de Estado. A partir dali, tem-se uma<br />
carreira previsível e sem desafios.<br />
Motivo 1 - A perda de valores do<br />
serviço público<br />
O desenvolvimento brasileiro no século 20<br />
foi fundamentalmente uma obra dos servidores<br />
públicos. Mesmos os cérebros que vinham<br />
de fora do Estado, tinham em elites da burocracia<br />
a matéria prima para empreender os<br />
grandes avanços necessários ao desenvolvimento.<br />
Banco do Brasil e Itamarati, posteriormente<br />
o Banco Central, o Planejamento,<br />
as estatais, sempre foram fornecedoras de<br />
quadros técnicos de alta qualidade. E esses<br />
servidores públicos tinham como missão<br />
transformar o país.<br />
Para manter acesa a chama, foram criadas<br />
instituições públicas de formação, desde a<br />
Fundação Getúlio Vargas às Escolas públicas,<br />
a ENAP (Escola Nacional de Administração<br />
Pública), a Escola de Administração<br />
Fazendária.<br />
No período Bresser-Pereira no Planejamento,<br />
e em bom período do governo Lula e início<br />
do governo Dilma, sentia-se uma sede de<br />
modernização no serviço público, de participar,<br />
de trazer novas ferramentas de gestão<br />
e planejamento.<br />
Hoje em dia, perderam-se os liames que<br />
uniam as gerações anteriores às novas gerações<br />
de concurseiros.<br />
Motivo 2 - O concurso em detrimento<br />
da carreira<br />
Os concursos foram essenciais para impedir<br />
o aparelhamento da administração pública.<br />
Mas aboliu-se a carreira, ao jogar os concursados<br />
em cargos de relevo sem o devido<br />
preparativo.<br />
Deveria haver um início mais modesto, e um<br />
plano de cargos e salários que fizessem o<br />
concurseiro crescer dentro do serviço público,<br />
entender as diversas etapas do seu trabalho,<br />
assimilar os valores e vestir a camisa<br />
de servidor público. Com muito orgulho.<br />
Empenhados na luta comum<br />
para um serviço público do<br />
tamanho do Brasil!
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