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Publicação Mensal Ano XV - Nº <strong>175</strong> Outubro de 2012<br />
As glórias de Maria
Moros<br />
Santa Teresinha do Menino<br />
Jesus, em julho de 1896<br />
2<br />
Eis que minha amargura<br />
transformou-se em paz. (Is 38,17)<br />
“E<br />
cce in pace amaritudo<br />
mea amarissima” (Is<br />
38,17).Quem sabe vislumbrar<br />
através dos traços de uma fisionomia<br />
um estado de alma, não<br />
pode deixar de pensar que essas<br />
palavras mereceriam estar<br />
escritas ao pé desta fotografia,<br />
que nos mostra uma figura sorridente<br />
mas indizivelmente dolorosa.<br />
O sorriso não procura esconder<br />
a dor, mas afirmar-se por<br />
um prodígio de virtude, de fidelidade<br />
à graça, apesar da dor.<br />
Os lábios sorriem só porque a<br />
vontade quer que eles sorriam,<br />
e a vontade o quer porque essa<br />
alma tem fé, e sabe que depois<br />
das provações e das trevas desta<br />
vida terá como prêmio Aquele<br />
que disse de Si: “Serei Eu mesmo<br />
vossa recompensa demasiadamente<br />
grande.” (Gen. 15,1)<br />
(Extraído de “Catolicismo”, n° 111,<br />
março de 1960)
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XV - Nº <strong>175</strong> Outubro de 2012<br />
Ano XV - Nº <strong>175</strong> Outubro de 2012<br />
As glórias de Maria<br />
Na capa,imagem<br />
de Nossa Senhora<br />
de Fátima.<br />
Foto: T. Ring, G. Kralj<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
Diretor:<br />
Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />
Editorial<br />
4 As glórias de Maria<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 Outubro de 1930<br />
O Manifesto Aucista<br />
Dona Lucilia<br />
6 Educando através do maravilhoso<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues Ferreira<br />
Carlos Augusto G. Picanço<br />
Jorge Eduardo G. Koury<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
10 Idealismo ou fruição da vida?<br />
Redação e Administração:<br />
Rua Santo Egídio, 418<br />
02461-010 S. Paulo - SP<br />
Tel: (11) 2236-1027<br />
E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
Impressão e acabamento:<br />
Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />
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Tel: (11) 2606-2409<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum .............. R$ 107,00<br />
Colaborador .......... R$ 150,00<br />
Propulsor ............. R$ 350,00<br />
Grande Propulsor ...... R$ 550,00<br />
Exemplar avulso ....... R$ 14,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
De Maria Nunquam Satis<br />
14 Nossa Senhora do Rosário,<br />
uma festa de glória!<br />
Hagiografia<br />
20 São Francisco de Borja – flexibilidade para<br />
adaptar-se a todas as almas<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
24 Matriz do pensamento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Calendário dos Santos<br />
30 Santos de Outubro<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
32 Castelo de La Brède, beleza e encanto<br />
3
Editorial<br />
As glórias de Maria<br />
Assim intitulou, Santo Afonso Maria de Ligório, uma de suas mais famosas obras, muito<br />
apreciada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, que a considerava um meio esplêndido para se cultivar a<br />
devoção a Nossa Senhora 1 . Santo Afonso não achou melhor qualificação do que “glória”<br />
para, testemunhando seu ardente amor à Santíssima Virgem, tratar dos atributos e qualidades<br />
da Santa Mãe de Deus.<br />
Poucas palavras se prestam a um emprego tão amplo e diversificado quanto “glória”. Pode-<br />
-se falar da glória de uma era histórica, de uma cidade, de um teatro etc. Versailles, por exemplo,<br />
teve seus dias de glória sob Luís XIV e Luís XV. Existe desde o dia de glória de um mendigo<br />
o qual, encontrando uma bolsa repleta de dinheiro, devolve-a a seu dono e por isso vê-se alvo<br />
do aplauso geral, como a glória infinita de Deus, fora de qualquer classificação e de comparação<br />
com as glórias terrenas.<br />
Restrinjamos nossa consideração à glória das criaturas. Entre as glórias humanas há uma<br />
gradação incomensurável. Que valor têm as gloríolas de uma arena esportiva ou dos diversos<br />
meios midiáticos em comparação com a glória dos campos de batalha, ou com a dos patíbulos<br />
nos quais os mártires entregaram a vida pela Fé em Cristo? Pobres miçangas de vidrilhos,<br />
aquelas, diante destes colares feitos dos mais valiosos rubis, safiras e diamantes.<br />
A questão da glória sempre esteve presente nas reflexões de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>. Na sua coluna “Ambientes,<br />
Costumes, Civilizações” 2 , por exemplo, ela é analisada sob múltiplos aspectos: fala da<br />
glória modesta de um soldado inglês cuja existência transcorreu numa luta cheia de riscos e no<br />
serviço da pátria; na glória da mulher, que consiste “em ser casta, forte e nobremente feminina”<br />
(fevereiro, 1958); a da plebe católica; a da velhice; a do castelo de Chenonceaux. Certa vez<br />
lembra os dizeres de São Bernardo, de que a glória “é como uma sombra: se corremos atrás dela,<br />
foge-nos; e se dela fugimos, corre-nos atrás” (maio, 1953).<br />
Ao voltar-se para aquele que é, certamente, seu tema predileto — Nossa Senhora —, é muitas<br />
vezes pelo prisma da glória que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> o focaliza.<br />
No presente número de nossa revista, ao tratar do Rosário, ele medita outra vez sobre as<br />
glórias mariais. Excetuando a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, e por<br />
isso fora de toda comparação, não há criatura mais plena de glória do que a Santíssima Virgem.<br />
Ora, diz-nos <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, nós também temos de fazer nossa parte para dar mais glória à<br />
Mãe de Deus: vivendo virtuosamente, como é a vontade d’Ela, e querendo vê-La glorificada<br />
por todos os homens, em toda a face da Terra.<br />
1) Conferência de 21/10/1991.<br />
2) Publicada no mensário Catolicismo, especialmente na década de 1950.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
Outubro de 1930<br />
O Manifesto Aucista<br />
N<br />
os tempos em que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> cursava<br />
a Faculdade de Direito, a fama dessa<br />
instituição era que nela imperava o<br />
ateísmo. Após transpor os primeiros obstáculos e<br />
afirmar-se como Católico Apostólico e Romano,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> resolveu partir para uma ação mais direta<br />
em favor do bem e da virtude:<br />
Em determinado momento, estando na Faculdade<br />
de Direito, resolvi passar à ofensiva. Pensei:<br />
“Ficar aqui de braços cruzados, eternamente<br />
à espera da ofensiva contra mim, não! Agora,<br />
eu vou fazer uma ofensiva contra eles. No que<br />
ela consistirá? Analisando o ambiente, não encontro<br />
nenhum rapaz católico nesta Faculdade.<br />
Mas começarei a procurar aqueles que brilham<br />
menos, são mais apagados, têm menos importância,<br />
porque estes, em geral, são os melhores.<br />
E vou verificar se, no meio deles, há rapazes católicos.”<br />
Encontrei alguns. Constituímos então<br />
um grupo católico, chamado Ação Universitária<br />
Católica, a AUC.<br />
Fizemos algumas reuniões, e vi que a coisa<br />
funcionava. Decidi dar um novo passo: publicar<br />
um jornal católico de estudantes da Faculdade<br />
de Direito, com ideias católicas desde a primeira<br />
até a última letra 1 .<br />
Terminados todos os preparativos da nova publicação,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> organizou o lançamento e a<br />
distribuição de “O AUC”.<br />
A Faculdade tinha uma entrada principal, que<br />
dava para o Largo São Francisco. Eu disse aos<br />
mais moços para ficarem nas portas secundárias,<br />
pois eu me encarregaria da porta principal. Postei-me<br />
próximo a ela com um maço de jornais, e<br />
oferecia: “Quer um jornal dos estudantes católicos?”<br />
Em pouco tempo, o maço estava esgotado.<br />
Todos os alunos já haviam entrado nas salas<br />
de aula, e não havia um jornal jogado no chão 2 .<br />
Vejamos o início do primeiro artigo publicado<br />
no número 1 de “O AUC”, em outubro de 1930,<br />
intitulado “Manifesto Aucista”:<br />
Está fundada a Ação Universitária Católica<br />
de São Paulo, entidade que se propõe à afirmação,<br />
à difusão, à atuação e à defesa dos princípios<br />
católicos, não só de estudante para estudante,<br />
mas de estudante para a família e para a<br />
Pátria.<br />
Aos universitários em geral e aos estudantes<br />
católicos em particular é dirigido este manifesto<br />
definindo o escopo da AUC. Muitos já têm<br />
uma noção deste belo movimento de restauração<br />
espiritual na sociedade brasileira. Os que o<br />
acolheram com simpatia têm, por certo, guardadas<br />
na sua consciência estas palavras que são um<br />
brado: momento decisivo. Os que, céticos, indiferentes<br />
e ateus, receberam-no com a frieza natural,<br />
sabem, porém, mais do que os crentes, que<br />
há um momento decisivo, e este é justamente<br />
quando a convicção do homem oscila entre as<br />
duas extremidades: o erro e a verdade. Este é o<br />
momento atual da civilização.<br />
1) Conferência de 18/11/1990.<br />
2) Idem.<br />
5
Dona Lucilia<br />
Educando através<br />
do maravilhoso<br />
Através da narração de belas histórias, Dona Lucilia contribuiu<br />
de modo marcante para o desenvolvimento do senso do maravilhoso<br />
em <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, fator de grande importância para a futura<br />
reação contra-revolucionária.<br />
Quando eu tinha doze, treze anos de idade, minha<br />
irmã, meus primos e eu formávamos uma<br />
roda grande de meninos, meninas, e tínhamos<br />
grande entusiasmo por ouvir histórias narradas por Dona<br />
Lucilia.<br />
Ela, que era muito imbuída de cultura francesa, nos<br />
contava histórias de Alexandre Dumas, como “Os três<br />
mosqueteiros”, que naturalmente ela adaptava, tirando<br />
o que havia de inconveniente. Então os mosqueteiros<br />
D’Artagnan, Aramis, Athos e Porthos eram personagens<br />
familiares como se convivessem conosco.<br />
Atitude de admiração com muitíssimo afeto<br />
Mas na época em que eu era mais menino, a coisa se<br />
passava de um modo diferente.<br />
Diariamente — como fazem todos os meninos com<br />
seus pais —, eu me levantava, rezava, fazia a toilette e<br />
ia dizer “bom-dia” para ela. Para esse “bom-dia” minha<br />
governanta alemã queria horário fixo, naturalmente, mas<br />
ela já tinha compreendido o jeito de ser brasileiro e que<br />
o horário era fixo nas linhas gerais, pois em certos dias<br />
tudo começava mais tarde, porque eu tinha ficado conversando<br />
com Dona Lucilia.<br />
Lembro-me dela, deitada na cama — era doente, levantava-se<br />
tarde, e essa cena dava-se em seu quarto, pelas<br />
oito e meia da manhã —, quando ela estava acabando<br />
de tomar o café.<br />
Meu pai levantava-se mais cedo; eu entrava pelo lado<br />
da cama onde dormia meu pai e chegava até ela. Abraçava-a,<br />
beijava-a várias vezes, e depois ficava aos pés da cama,<br />
ou sentado ou, muitas vezes, deitado, e olhando para<br />
ela, numa atitude de afeto em que entrava muitíssima<br />
admiração. Ou, se quiserem, numa atitude de admiração<br />
em que entrava muitíssimo afeto.<br />
Falávamos um pouquinho e eu pedia para ela contar alguma<br />
história. Mas então era uma história só para mim.<br />
Também moravam em casa uma irmã e uma prima, as quais<br />
tinham horários e afazeres de meninas, naturalmente separados<br />
dos meus. E elas nessa ocasião estavam fora; eu então<br />
tinha mamãe só para mim, única e exclusivamente.<br />
E eu percebia que ela, com os seus olhos marrons<br />
escuros, prestava atenção em mim e como<br />
que, existia só para mim. E conversávamos.<br />
Interesse pelo Marquês de<br />
Carabás: fermento<br />
de Contra-Revolução<br />
Ela então me contava esses casos<br />
próprios para criancinhas: Gata Borralheira<br />
etc. Mas o caso do qual eu<br />
mais gostava era o do Gato de Botas,<br />
que todos ouviram em pequeno.<br />
São casos mundiais, tenho impressão<br />
de que até na Índia, no Afeganistão,<br />
se conta o caso do Gato de Botas.<br />
Mas ela era muito imaginosa e eu<br />
muito pormenorizado. No caso do<br />
Gato de Botas — vê-se aqui uma espécie<br />
de fermento de Contra-Revolução<br />
que já trabalhava em mim —, o<br />
grande personagem, para mim, não<br />
era o gato. Eu achava mais ou menos<br />
banal que um gato tivesse aquelas bo-<br />
O Gato de Botas<br />
6
Edith Petitclerc<br />
<strong>Plinio</strong>, sua prima Ilka e sua irmã Rosée,<br />
no Jardim da Luz em São Paulo<br />
tas, falasse; não me espantava muito com isso. Entretanto<br />
eu me interessava enormemente por um dos personagens<br />
da história do Gato de Botas, que era o Marquês de<br />
Carabás.<br />
Ela possuía essa intuição afetiva das mães — além disso,<br />
com muito senso psicológico —, via por onde caminhava<br />
meu interesse e fantasiava a história de acordo com minha<br />
curiosidade. Enquanto ela ia contando a história, eu<br />
ficava à espera do momento que entrava o Marquês de<br />
Carabás.<br />
Eu conservo a confusa ideia de que o Gato de Botas<br />
acabou sendo aliado do Marquês de Carabás, mas não<br />
me lembro bem por quê.<br />
Mamãe apresentava o Marquês de Carabás como um<br />
homem que morava num castelo, e saía a certa hora numa<br />
carruagem toda dourada, com os vidros de cristal<br />
bombeados, plumas em cima do carro e várias parelhas<br />
de cavalos tocados por cocheiros com chapéu tricórnio,<br />
com plumas, alamares etc., lacaios atrás. Ele era dono de<br />
vastidões enormes, que o olhar humano não podia alcançar,<br />
com trigais dourados, agitáveis pelo vento numa direção<br />
e noutra. O Marquês então passeava olhando os<br />
seus trigais, de dentro de sua carruagem.<br />
Eu achava essa situação maravilhosa e tinha um verdadeiro<br />
entusiasmo pelo Marquês de Carabás, pelos<br />
adornos dele, pelos postilhões, pelos lacaios etc. E quando<br />
chegava a hora de ele entrar em cena, eu começava<br />
com as perguntas:<br />
— Mamãe, como era a carruagem do Marquês?<br />
Ela mais ou menos inventava uma história, e eu indagava:<br />
— E tinha pluma em cima?<br />
— Tinha.<br />
— Eram azul-claro, cor-de-rosa ou verde-claro?<br />
Naturalmente ela sempre respondia conforme<br />
eu queria, de acordo com a minha índole.<br />
— E como eram os cavalos, como estavam ajaezados,<br />
como era a roupa do Marquês?<br />
Dona Lucilia dizia que o Marquês descia da carruagem<br />
com uma sacola grande, toda dourada, onde<br />
ele levava moedas de ouro — parece-me que era<br />
para dar aos pobres. Eu então perguntava como<br />
era a sacola, se tinha franjas e de que tamanho elas<br />
eram. E se os postilhões do Marquês tocavam trompa<br />
quando a carruagem se movia…<br />
E ela ia contando tudo, mas eu era insaciável.<br />
Ainda quando eu era pequeno, não sei por que,<br />
mamãe me chamava de “filhão”. Ela me perguntava:<br />
— Filhão, que história você quer hoje?<br />
E eu dizia:<br />
— O Gato de Botas.<br />
Eu era tão pequenininho que não sabia dizer que meu<br />
desejo era o Marquês de Carabás. E mamãe contava as<br />
coisas mais inverossímeis do Gato de Botas — é um caso<br />
todo inverossímil; eu não fazia muitas perguntas. Quando<br />
chegava o Marquês, eu brecava o carro; sempre eu tinha<br />
novas perguntas a respeito dele.<br />
Não pensem que tenha ficado estéril o que ela contava<br />
com um encanto extraordinário — ao menos para mim.<br />
Visita à Cidade-Luz<br />
Depois disso, ela adoeceu gravemente e foi para a Europa<br />
operar-se. Ela teve uma doença da vesícula biliar,<br />
que hoje é muito comum e trata-se facilmente. Mas naquele<br />
tempo era uma doença gravíssima, e só havia um<br />
meio de não morrer: fazer uma operação que, no mundo<br />
inteiro, só um médico alemão — que, aliás, era também<br />
médico do Kaiser —, o <strong>Dr</strong>. Bier, realizava. E consistia<br />
em tirar a vesícula biliar.<br />
Quando mamãe chegou a Berlim, o médico disse-lhe<br />
que ela era a segunda senhora do mundo da qual iria tirar<br />
a vesícula biliar; a primeira tinha sido uma senhora<br />
hindu. Ela então foi operada.<br />
E depois de consolidar a saúde, viajou para a terra de<br />
atração de todos os homens naquele tempo, que era a Cidade-Luz:<br />
Paris. Ela ia visitar aqueles lugares históricos e<br />
queria que minha irmã e eu — eu tinha quatro anos e minha<br />
irmã, cinco anos e meio — fôssemos também. Então,<br />
alguns parentes diziam para mamãe:<br />
— Para que você leva essas duas crianças? Só vão atrapalhar,<br />
não compreendem nada; deixe-as trancadas no<br />
quarto com a governanta!<br />
Ela respondia:<br />
7
Dona Lucilia<br />
Myrabella<br />
S. Hollmann<br />
A Galeria dos Espelhos e as estátuas de Turenne,<br />
do Grand Condé e de Bayard, no Palácio de Versailles<br />
— Não sei qual é o futuro deles; talvez tenham<br />
uma vida pobre e difícil e nunca poderão vir à Europa!<br />
Quem sabe qual é o dia de amanhã, nas revoltas do<br />
mundo de hoje? Quero que cada um deles possa dizer:<br />
“Eu estive no Louvre, em Versailles etc. Minha mãe me<br />
levou até lá.”<br />
Entusiasmo pelo Palácio de Versailles<br />
Assim que cheguei a Versailles, fui tomado por um<br />
grande contentamento. Um dos meus tios tinha me dado<br />
de presente uma libra esterlina, de ouro, que eu imaginava<br />
ter muito valor. E meus pais, minha avó, a família toda<br />
iam andando, e eu, maravilhado, voltava-me para trás,<br />
olhando para tudo, cheio de admiração. Estava atrapalhando<br />
a família inteira, porque eu era pequeno, andava<br />
devagar, e minha mãe me dizia:<br />
— Meu filho, vamos, meu filho.<br />
Eu nem sabia falar direito, mas afirmava, com ar de<br />
compenetração:<br />
— Mamãe, eu gosto muito dessas “estuatas”.<br />
Eram umas estátuas de Versailles que são muito bonitas,<br />
qualquer criança gosta delas.<br />
Em certo momento, eu disse a mamãe:<br />
— Olhe, eu vou comprar essa casa. Avise aqui aos donos<br />
que vou comprá-la para mim!<br />
Não sei se percebem que por detrás estava o Marquês<br />
de Carabás.<br />
Passeamos por aquele parque; eu estava transmaravilhado!<br />
E chegamos de repente a um galpão, onde se<br />
guardavam os carros que serviam os antigos reis da França,<br />
perto dos quais a carruagem do Marquês de Carabás<br />
era nada. A começar que o Marquês de Carabás era uma<br />
ficção, aqueles eram carros palpáveis. Eram lindíssimos!<br />
Até hoje eu me lembro da impressão que tive ao vê-<br />
-los. Eram todos abaulados, bombeados, com cristais, pa-<br />
8
Passeamos por aquele parque,<br />
e chegamos de repente a um<br />
galpão onde se guardavam os<br />
carros que serviam os antigos<br />
reis da França, perto dos<br />
quais a carruagem do Marquês<br />
de Carabás era nada.<br />
Sybarite48<br />
Jardim e carruagem do Palácio de Versailles<br />
naches; estavam abertos e viam-se dentro todas aquelas<br />
sedas, aqueles capitonnés etc. Do lado de fora, verniz<br />
Martin, do melhor possível, com desenhos de flores, paisagens.<br />
Eu estava encantado!<br />
Por mamãe, eu poderia ficar lá o dia inteiro. Com ela,<br />
bem entendido! Mas os parentes fizeram pressão e ela<br />
me disse:<br />
— Meu filho, é preciso ir andando.<br />
Respondi:<br />
— Não, não vou!<br />
Meu pai interveio, dizendo:<br />
— Você vai!<br />
Eu disse:<br />
— Fique sabendo que eu não vou!<br />
Fui a uma roda do carro, segurei-a com ambos os braços<br />
e afirmei:<br />
— Agora quero ver!<br />
Eu me lembro dele, disfarçando uma risada para fingir-se<br />
de zangado, e me dizendo:<br />
— Você vai ver!<br />
Ele me pegou pelas costas e me levou embora.<br />
Ficou-me a última visão do Marquês de Carabás e de<br />
sua carruagem.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 6/8/1983)<br />
9
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Idealismo ou<br />
fruição da vida?<br />
“Se alguém quer vir após Mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e<br />
siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida, a perderá; e quem perder<br />
sua vida por causa de Mim, a encontrará” (Mt 16,24-25).<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sempre teve vincado em sua alma este ensinamento do<br />
Divino Mestre, e continuamente admoestava seus discípulos a serem<br />
fiéis no cumprimento deste sublime conselho evangélico.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma<br />
conferência em 10<br />
de outubro de 1992<br />
M. Shinoda<br />
10
Muitas pessoas têm a ideia de que suas vidas<br />
lhes foram dadas para elas mesmas, a fim de<br />
viverem confinadas dentro de seus próprios<br />
interesses e sem noção alguma do que seja viver em função<br />
de uma causa.<br />
O fato de a pessoa se contentar inteiramente em viver<br />
sem dedicar-se a uma causa, e nem mesmo ter ideia do<br />
que seja uma causa, cria a impossibilidade de ela possuir<br />
uma alta ideia de causa. Porque não tem ideia de algo<br />
quem não compreende nem sequer o que esse algo possa<br />
ser. Por exemplo, um cego de nascença não pode ter<br />
ideia do valor de uma cor.<br />
Choque contra o primeiro Mandamento<br />
O indivíduo faz este raciocínio: “Eu existo. Deus de<br />
um modo ou de outro me criou, estou aqui. Para a vida<br />
ter razão de ser, é preciso que ela me proporcione as<br />
fruições que são próprias a uma vida. Se essas fruições<br />
não me forem concedidas, eu não vivi.”<br />
A razão da vida dele é fruir. Essa ideia se choca evidentemente<br />
com o primeiro Mandamento da Lei de<br />
Deus, que é amá-Lo sobre todas as coisas.<br />
Mas há um equívoco, um erro, dentro disso, que funciona<br />
da seguinte maneira: “Eu sirvo a Deus não fazendo<br />
o que Ele proibiu. Dos Mandamentos, três são referentes<br />
a Deus, um manda honrar pai e mãe e os outros<br />
são negativos: não pode isso, não pode aquilo...<br />
uma obrigação e seis recusas. Se eu me abstiver desses<br />
seis atos, implicitamente terei praticado os três<br />
primeiros. Portanto, o campo de batalha é esse. Posso<br />
praticar todos os Mandamentos sem pensar nos<br />
três que se referem a Deus. Então posso reduzir<br />
ao seguinte: se eu for bom para os<br />
outros, não cometer pecado contra eles,<br />
terei dado a Deus aquilo que Ele mandou.<br />
Fora disso, o próprio Deus já dispôs<br />
as coisas para que houvesse a fruição.<br />
De maneira que eu fruo, porque tudo<br />
que não seja fruição não faz parte da<br />
finalidade da vida.”<br />
E aqui está o erro e a falta de noção do<br />
que é “causa”.<br />
Tese, ideal e causa<br />
Vejamos o que significa causa.<br />
Causa não é apenas um ideal,<br />
mas um ideal posto em luta,<br />
em choque, a favor do qual trata-se<br />
de dedicar e que pode trazer<br />
consequências gravíssimas,<br />
dependendo das atitudes tomadas. Há diferenças entre tese,<br />
ideal e causa.<br />
Tese é uma certeza que se tem e se demonstra, mas,<br />
tomada em abstrato, não traz nenhum engajamento de<br />
dever. Por exemplo, alguém sustenta que se deve dormir<br />
cedo, pois isso faz muito bem à saúde, e alega diversas<br />
razões benéficas, com base na Medicina, para provar sua<br />
tese. Enfim, cientificamente compreendo que isso possa<br />
ser assim, mas isso é uma tese.<br />
Ideal já é uma tese que desperta na pessoa uma série<br />
de atitudes, de entusiasmos, de enlevos etc., e convida<br />
para uma dedicação.<br />
Causa é o ideal que convida não só para a dedicação,<br />
mas para o sacrifício, para o esforço.<br />
Por exemplo, a Doutrina Católica tem veracidade; é<br />
uma tese, ou seja, isso pode ser demonstrado. Ela não é<br />
apenas um ideal, mas o ideal. Mas ela é uma causa. Quer<br />
dizer, nós devemos vê-la como sendo hoje continuamente<br />
negada, contestada, conspurcada etc., ou em perigo de<br />
o ser. Por causa disso, nossa posição deve ser de defendê-<br />
-la, dedicarmo-nos a ela. E isso é um dos aspectos distintivos<br />
da Igreja: ser militante.<br />
Portanto, isso supõe as seguintes conclusões: a pessoa<br />
nasceu não para fruir, exceto no conhecimento dessa<br />
causa. Porque o resto é um fruir completamente secundário,<br />
não vale nada.<br />
E nenhum ideal é digno desse nome enquanto não tenha<br />
uma relação, não encontre seu mais alto significado<br />
no ideal católico.<br />
Colocar o centro de gravidade na causa<br />
Explico melhor o que estava dizendo anteriormente.<br />
A atitude privatista: “Tal coisa não é pecado, é um direito<br />
meu que posso eventualmente arguir até contra<br />
O fato de a pessoa se<br />
contentar inteiramente em<br />
viver sem dedicar-se a<br />
uma causa, e nem mesmo<br />
ter ideia do que seja<br />
uma causa, abre uma<br />
impossibilidade de ela possuir<br />
uma alta ideia de causa.<br />
11
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Deus — porque, no fundo, chega até lá! —, ou, pelo menos,<br />
Ele pode desejar muito que eu renuncie a tal coisa,<br />
mas não deu ordem. Logo, eu me salvo não dando essa<br />
coisa para Ele.” Essa posição torna impossível compreender<br />
inteiramente o significado do ideal católico.<br />
Poder-se-ia perguntar se o homem que cuida demais de<br />
seu interesse privado não acaba arruinado. E a resposta é:<br />
Se está entregue às coisas do mundo, não; se ele se dedica<br />
a Deus, sim! Para um homem mundano, que cuida de seu<br />
próprio interesse de modo frenético, a vida pode lhe trazer<br />
desastres, por disposições da Providência. Mas alguém<br />
que serve a Deus e se põe muito a cuidar de seu interesse<br />
particular, está selado de antemão para a ruína.<br />
Toda a questão é de “centro de gravidade”. A pessoa<br />
deve ter a coragem de colocar o seu “centro de gravidade”<br />
na causa. Esse é o problema. Enquanto não fizer isso,<br />
à medida que o indivíduo vai fazendo renúncias, ele<br />
vai se agarrando a fórmulas cada vez mais tênues e veladas<br />
de coisas em que ele possa continuar a ser o “centro<br />
de gravidade” do que ele executa. E o grande problema é<br />
deslocar de dentro de si o seu “centro de gravidade”. No<br />
fundo, é o gosto de sentir-se a si próprio. Por causa disso,<br />
acabam surgindo nos religiosos e em outras pessoas<br />
que se dedicam a Deus, manifestações as mais desconcertantes.<br />
Portanto, trata-se de pedir a Nossa Senhora que o<br />
nosso “centro de gravidade” seja posto em Deus e que o<br />
apego a si próprio deixe de ser o centro da vida.<br />
Um religioso é uma pessoa que se deu a Deus nesse<br />
“centro de gravidade”, e ficou religioso para conseguir, a<br />
rogos de Maria, que o torne completamente d’Ele. Então<br />
todo o resto — consagrar‐se só às coisas divinas, obedecer<br />
ao superior etc. — são circunstâncias favoráveis para<br />
isso, mas não são o clou 1 da questão.<br />
O verdadeiro ideal é como<br />
a luz que ilumina as trevas da vida<br />
E quando a pessoa é chamada a dedicar-se a um ideal,<br />
ela foi destacada por Deus da condição de uma pessoa<br />
privada, destacada do privatum para o publicum. Ela se<br />
deu à causa, passa a ser uma pessoa pública, a ter estatuto<br />
público nesta ordem de coisas.<br />
Deus faz a essa pessoa uma promessa implícita na vocação:<br />
“Se tu aceitares isso, eu falarei contigo como falava<br />
com Adão no Paraíso.” É uma analogia desse gênero.<br />
Deus se comunica com a alma, dando-lhe paz, alegria<br />
etc. Entretanto, fazemos isso não meramente para conseguir<br />
a paz, a alegria, mas para estar unidos a Nossa Senhora,<br />
e por meio d’Ela unirmo-nos a Ele.<br />
G. Kralj<br />
Um religioso é uma pessoa<br />
que se deu a Deus nesse<br />
“centro de gravidade”, e ficou<br />
religioso para conseguir,<br />
a rogos de Maria, que o<br />
torne completamente d’Ele.<br />
Então todo o resto são<br />
circunstâncias favoráveis<br />
para isso, mas não são<br />
o clou da questão.<br />
São Romano entrega o hábito religioso<br />
a São Bento - Abadia de Monte<br />
Oliveto Maior, Toscana (Itália)<br />
12
Mas pode acontecer que o indivíduo restrinja o domínio<br />
do privatum a uma minúscula “ilha”. Isso tem seu<br />
mérito, é verdade. Mas naquela “ilha” ele é um Robinson<br />
Crusoé sem Sexta‐Feira, e acaba tendo um apego<br />
enorme. E há mais distância entre o homem que renuncia<br />
à “ilha do apego” e o que mora na “ilha” apegado,<br />
do que entre o homem que renuncia ao mundo para ir<br />
à “ilha”.<br />
Vamos imaginar o seguinte processo: Um homem tem<br />
o mundo inteiro, renuncia a ele e vai para a “ilha” de<br />
uma vida religiosa. Depois, renuncia à sua própria “ilha”<br />
e se dá inteiramente a Deus. O segundo lance é maior do<br />
que o primeiro!<br />
Não pode haver situação mais cheia de ânimo, de<br />
maior lumen, do que a de uma pessoa que resolve levar<br />
seu ideal até às últimas consequências, ainda que tenha<br />
de sofrer muito sacrifício para a realização do seu ideal.<br />
Porque o ideal em si, a presença dele, torna tudo leve, é<br />
a luz que ilumina todas as coisas do mundo.<br />
Pode-se tomar o início do Evangelho de São João 2 e<br />
aplicá-lo ao ideal. Ele se aplica ao pé da letra, de tal<br />
maneira que Nosso Senhor Jesus Cristo é a personificação<br />
de todos os ideais santos, e todo ideal santo<br />
é um reflexo do Divino Salvador. Pode-se dizer<br />
que o ideal verdadeiro é a luz que brilha nas trevas<br />
da vida humana, e as trevas não conseguem<br />
abarcar esse ideal enquanto a pessoa o tem, enquanto<br />
está unido a ele.<br />
v<br />
(Extraído de conferências<br />
de 29/3/1974 e 22/3/1980)<br />
1) Do francês: prego; o ponto alto.<br />
Neste segundo sentido, indica o<br />
ponto central, o aspecto mais importante<br />
de algo.<br />
2) “A luz brilha nas trevas, e as<br />
trevas não conseguiram dominá-la.”<br />
(Jo 1,5)<br />
Sagrado Coração de<br />
Jesus - Santuário de<br />
Czestochowa (Polônia)<br />
G. Kralj<br />
13
De Maria Nunquam Satis<br />
Nossa Senhora do Rosário,<br />
Uma das linhas mestras<br />
da piedade de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
era promover a glória<br />
da Santa Mãe de Deus. Por<br />
ocasião da comemoração<br />
da festa de Nossa Senhora<br />
do Rosário, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
manifesta um de seus mais<br />
entranhados desejos.<br />
Uma pessoa que olhasse<br />
para Nossa Senhora<br />
teria, num só golpe<br />
de vista, a noção de<br />
toda a sabedoria, de<br />
toda a continuidade da<br />
Igreja, do esplendor de<br />
todos os seus santos,<br />
do talento dos seus<br />
doutores, da beleza de<br />
sua liturgia em todas as<br />
épocas, do heroísmo<br />
de todos os cruzados e<br />
de todos os mártires.<br />
David Domingues<br />
Nossa Senhora do Rosário -<br />
Mosteiro de São Domingos<br />
e São Sisto, Roma (Itália)<br />
14
uma festa de glória!<br />
Nós devemos festejar a data que a Igreja dedica<br />
a Nossa Senhora do Rosário com um empenho<br />
especial pela simples razão de que o Rosário<br />
é um dos símbolos mais característicos da piedade<br />
cristã. Houve tempos em que ele pendia dos hábitos de<br />
quase todos os religiosos, ele estava no bolso de todas<br />
as pessoas católicas, inúmeras eram as pessoas que eram<br />
enterradas com ele nas mãos. Quando se queria simbolizar<br />
a piedade, este símbolo era o Rosário.<br />
De maneira que nós devemos olhar para esta festa do<br />
Rosário cheios de esperança, e pedir a Nossa Senhora,<br />
que ajudou aos cristãos vencerem a Batalha de Lepanto,<br />
que nos conceda a graça da vinda do Reino d’Ela, que será<br />
também o Reino do Rosário.<br />
Eu já afirmei isso, e volto a fazê-lo: se o nosso Movimento<br />
parasse de rezar o Rosário, ele não durava três meses.<br />
Eu me pergunto se, na decadência dos dias atuais, ele duraria<br />
três dias! Porque para se deixar de rezar o Rosário,<br />
tanta coisa teria caído antes, e tanta coisa cairia logo depois,<br />
que eu acho que três dias era o máximo para ele se<br />
desfazer. Não percamos isto de vista. É a Nossa Senhora,<br />
sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, a quem nós<br />
devemos tudo.<br />
E assim como dizemos “Gloria Patri et Filio et Spiritui<br />
Sancto, sicut erat in principio et nunc et semper...”, talvez<br />
pudéssemos afirmar “Glória a Nossa Senhora, como<br />
era no princípio, agora e sempre e por todos os séculos<br />
dos séculos. Amém”, desde que pela expressão “no princípio”<br />
não entendêssemos que Maria Santíssima é a criadora<br />
de todas as coisas — o que seria uma aberração —,<br />
mas que desde todo o sempre Ela foi a obra-prima da<br />
Criação, e estava presente na mente de Deus, que intencionou<br />
criá-La para ser, logo abaixo da humanidade santíssima<br />
de Jesus Cristo, a maior de todas as perfeições<br />
por Ele realizada.<br />
Essa noção da glória de Nossa Senhora, que se traduz<br />
nas homenagens que fazemos a Ela, é reflexo do que nós<br />
trazemos dentro da alma. E essa glória de Nossa Senhora<br />
nós a queremos realizada agora e no Reino de Maria!<br />
A verdadeira glória de Maria<br />
O que é glória?<br />
São Tomás de Aquino define a glória como o efeito<br />
que se volta para sua causa e a louva. Então o movimento<br />
pelo qual os filhos se voltam para seus pais, os alunos<br />
para seus mestres, os súditos para seus governantes e os<br />
louvam, os homens — sobretudo — se voltam para Deus<br />
e O louvam; todo esse movimento é de glória. Há nisto<br />
algo de circular. É o louvor perfeito dado por aquele<br />
que deve gratidão perfeita, tributo perfeito, àquele que<br />
está na origem, ou da vida terrena, do talento, ou da cultura,<br />
das ações acertadas etc., e sobretudo a Deus Nosso<br />
Senhor que está na origem de todas as coisas, é a Causa<br />
das causas.<br />
Esse conceito de glória nós o verificamos a respeito de<br />
Nossa Senhora da seguinte maneira:<br />
A Virgem Santíssima é Mãe de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, e, enquanto Mãe d’Ele, é Mãe do Corpo Místico<br />
de Cristo. Por meio d’Ela todas as graças vem aos homens,<br />
e todas as orações sobem até Deus. Evidentemente,<br />
Ela está, portanto, logo abaixo de Deus, e por desígnio<br />
de Deus, no ponto de partida de todas as coisas. E a<br />
glória d’Ela será completa quando todos os homens se<br />
voltem para Ela e A louvem.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 24 de<br />
dezembro de 1992<br />
M. Shinoda<br />
15
De Maria Nunquam Satis<br />
G. Kralj<br />
Mas esse louvor não pode ser apenas um cântico da<br />
grandeza e da bondade de Nossa Senhora. Tem de ser<br />
também o reconhecimento efetivo desta grandeza e desta<br />
bondade, o qual se traduz nos atos. Quer dizer, louva<br />
Maria Santíssima quem vive de acordo com as virtudes<br />
das quais Ela deu exemplo, e pratica essas virtudes com o<br />
intuito de honrá-La.<br />
Louva Nossa Senhora, portanto, quem vive conforme<br />
as virtudes que a Igreja Católica inculca, porque a Mãe<br />
de Deus possui e praticou no mais alto grau todas as virtudes<br />
que a Igreja Católica ensina. A Virgem Maria era<br />
uma espécie de representação viva da Igreja Católica.<br />
Uma pessoa que olhasse para Nossa Senhora teria,<br />
num só golpe de vista, a noção de toda a sabedoria, de<br />
toda a continuidade da Igreja, do esplendor de todos os<br />
seus santos, do talento dos seus doutores, da beleza de<br />
sua liturgia em todas as épocas, do heroísmo de todos os<br />
cruzados e de todos os mártires. Enfim, não houve coisa<br />
bela que a Igreja tivesse engendrado, e por onde manifestasse<br />
o seu espírito, que não brilhasse em Maria Santíssima<br />
completamente e com fulgor extraordinário.<br />
Nós, portanto, louvamos a Nossa Senhora, sendo, vivendo<br />
e fazendo como a Igreja Católica manda. E exatamente<br />
o que fazemos agora, se fará continuamente no<br />
Reino de Maria.<br />
Como fazer a vontade de Nossa Senhora?<br />
Como fazemos isto agora? Pode-se dizer que a Igreja<br />
se divide em três partes: a Igreja Gloriosa que está no<br />
Céu, a Igreja Padecente, no Purgatório e a Igreja Militante,<br />
na Terra. Enquanto a Igreja estiver na Terra, ela<br />
será militante, lutará. Então os pensamentos da Santíssima<br />
Virgem para nosso século não podem deixar de ser<br />
pensamentos de luta.<br />
Lembro-me de uma linda escultura gótica que representa<br />
Nossa Senhora com um manto todo cheio de dobras<br />
e com uma espada na mão, investindo contra o demônio.<br />
É esta a tarefa de Maria Santíssima em nossa época.<br />
Alguém dirá: “Mas Nossa Senhora é Mãe, Ela é apresentada<br />
na Igreja e nos templos sob o aspecto da misericórdia!”<br />
É verdade. Esta Mãe de misericórdia olha com bondade<br />
para a Terra, mas observem os pés d’Ela: esmagam<br />
a cabeça da serpente! Quer dizer, é uma luta que só cessará<br />
no fim do mundo, quando os demônios que pairam<br />
nos ares forem atirados no Inferno, e todos os homens<br />
receberem o seu julgamento solene e final, e com isso se<br />
terá feito completamente a justiça.<br />
Portanto, se a Virgem Maria se encontrasse, nesta Terra,<br />
de maneira visível, estaria estimulando a todos nós à<br />
dedicação pela causa d’Ela. Por isso, lutando por Nossa<br />
Senhora, estamos fazendo a vontade d’Ela.<br />
E uma das melhores provas de que alguém tem de estar<br />
fazendo a vontade da Santíssima Virgem, consiste em<br />
ser combatido pelos inimigos d’Ela. Se é verdade que um<br />
homem se define por seus amigos, acho que é muito mais<br />
verdade que ele se define por seus inimigos. Aquela expressão<br />
clássica: “Diga-me com quem andas que te direi<br />
quem és”, eu gostaria de completá-la com esta outra: “Diga-me<br />
quem te odeia que te direi quem és.”<br />
Porque, com o homem bom, os ruins<br />
não erram. E se todos os ruins detestam<br />
um homem, este não pode ser ruim, tem<br />
que ser bom.<br />
Os maus vivem divididos entre si, e só se<br />
coligam contra o bem e contra o bom. De<br />
maneira que quando se veem todos os maus<br />
cessarem as rixas entre si e se voltarem contra<br />
um, este um é necessariamente um bom,<br />
porque ele é o denominador comum contra<br />
o qual todos os outros se conciliaram e se ergueram.<br />
Por exemplo, vemos Anás, Caifás,<br />
Herodes e Pilatos apaziguarem as lutas que<br />
tinham na pequena Judeia e se ligarem para<br />
matar a Nosso Senhor.<br />
Esplendor de Nossa Senhora<br />
Nossa Senhora protege o Monge Teófilo - Detalhe do pórtico<br />
da fachada norte da Catedral de Notre Dame de Paris<br />
Nós tratamos da glória. Mas como será o<br />
esplendor de Nossa Senhora?<br />
Na Idade Média, a devoção por excelência,<br />
embora não empregassem esta fór-<br />
16
G. Kralj<br />
Catedral de Notre<br />
Dame de Paris.<br />
Acima, detalhe<br />
do pórtico do<br />
Juízo Final<br />
mula, era Cristo Rei. Nosso Senhor era cultuado como<br />
o grande triunfador. As catedrais do auge daquela época<br />
histórica tinham um ar de triunfo magnífico. Eram majestosas,<br />
solenes, se levantavam ao céu com uma tranquilidade<br />
de quem se sente dono do céu e da Terra. Suas<br />
torres davam a impressão de tocar nas nuvens, e seus<br />
fundamentos de descer até o centro da Terra. Tinha-se a<br />
ideia de que elas dominavam todo o universo. Os vitrais,<br />
triunfantes, exprimiam em geral a glória de Cristo que<br />
venceu a morte, por quem os mártires venceram as perseguições,<br />
os cruzados lutaram; de Cristo por cuja virtude<br />
a civilização se erguia, com esplendor nunca igualado,<br />
das entranhas de um mundo onde havia o paganismo,<br />
o bárbaro e uma latinidade católica sumamente decadente<br />
e tíbia. Nosso Senhor Jesus Cristo aparecia como<br />
um Pantocrator, sentado sobre um arco-íris e ensinando<br />
a toda a Terra.<br />
Daí também o som triunfal dos sinos das catedrais,<br />
dos grandes órgãos tocando em todos os seus registros,<br />
os grandes cânticos de triunfos da liturgia, as grandes<br />
procissões públicas. A Igreja desenvolveu durante o período<br />
final do apogeu da Idade Média, em toda a sua plenitude,<br />
a sua grandeza e o senso de sua soberania.<br />
Que beleza seria contemplarmos a Idade Média! Sinos<br />
começam a tocar diante de um povo que, ao ouvi-<br />
-los, cessa de trabalhar e começa a fluir para a catedral.<br />
Abrem-se os portais enormes. Nobres, corporações, povos<br />
esparsos da cidade vão chegando e entram de Rosário<br />
na mão. Uns rezando em grupos, outros isoladamente,<br />
em voz baixa. Em determinado momento, tudo<br />
se estaca e entra o cortejo dos clérigos: um Bispo com<br />
sua mitra, seu báculo, tendo à sua frente todo um clero<br />
de mãos postas e que salmodia em latim. Quando o Bispo,<br />
revestido de trajes esplêndidos, transpõe o portal<br />
da catedral, ele encontra o povo genuflexo. Alguém lhe<br />
oferece água benta, ele se benze, toma o hissope e começa<br />
a abençoar a todos. O órgão toca, pelos vitrais entra<br />
a luz do Sol, o incenso começa a subir. O povo não<br />
cabe em si de alegria e põe-se a cantar também, louvando<br />
Jesus Cristo, Nossa Senhora, os Apóstolos, a Santa<br />
Igreja Católica!<br />
Pois bem. Isto é tão maravilhoso, mas eu digo que é<br />
um prenúncio de uma coisa incomparavelmente maior<br />
que virá!<br />
A glória do Reino de Maria<br />
Nós teremos catedrais mais belas, mais sacrais, mais<br />
esplêndidas do que Notre-Dame, talvez até instrumentos<br />
de música que superarão os órgãos e todos os instrumentos<br />
anteriores, uma liturgia cuja santidade vai brilhar de<br />
um modo mais refulgente que a liturgia anterior, a qual<br />
17
De Maria Nunquam Satis<br />
é, entretanto, tão santa e admirável, que se tem vontade<br />
de oscular cada uma de suas letras.<br />
Enfim, haverá todo um conjunto de pompas e esplendores<br />
que vão simbolizar um domínio radioso e muito<br />
mais glorioso de Deus sobre a Terra. E tudo quanto a<br />
Igreja tem ensinado ao longo dos séculos, a respeito de<br />
Maria Santíssima, vai ser posto na liturgia de um modo<br />
muito mais evidente, mais marcante. De maneira que de<br />
ponta a ponta, na liturgia, estará presente o princípio da<br />
Mediação universal de Nossa Senhora, ensinado por São<br />
Luís Grignion de Montfort.<br />
Nossa Senhora será como a lâmpada colocada no mais<br />
alto dos candelabros, logo aos pés da imagem de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, junto ao Santíssimo Sacramento.<br />
E nessa esplêndida irrupção da glória de Maria veremos,<br />
então, a confirmação de todos os nossos desejos e<br />
aspirações.<br />
Se alguém me perguntar: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o senhor não<br />
poderia dar um pouco a ideia de como será a glória<br />
do Reino de Maria?”, eu digo: “Faltam-me completamente<br />
os talentos para isto.” Mas uma coisa todos<br />
nós sabemos: a figura dessa glória já começou a nascer<br />
no interior de nossas almas. Pela beleza do movimento<br />
de alma com que todos juntos desejamos esta<br />
glória para Nossa Senhora, pela pulcritude da esperança<br />
com que, pela graça de Maria Santíssima e apesar<br />
de nossas infidelidades, nós desde já pressentimos<br />
com foros de certeza como vai ser esta glória. E na<br />
noite e na tempestade, e dentro do lodo, ver este sol<br />
de esperança que se levanta, é muito mais do que um<br />
simples lírio que nasce na noite e na tempestade; é<br />
um sol que fará cessar a tempestade e secará o lodo.<br />
A beleza das primeiras cintilações deste sol em algumas<br />
almas, que se conservam puras dentro deste lodo,<br />
contém na sua raiz toda a pulcritude da glória do<br />
Reino de Maria.<br />
Uma meditação dos mistérios<br />
gloriosos do Rosário<br />
The Yorck Project<br />
A Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo aos Céus:<br />
Ele, subindo lentamente e falando, até que sua voz não<br />
mais pudesse ser ouvida. Entretanto, cada vez mais resplendente,<br />
magnífico e bondoso, comunicando-Se pela<br />
irradiação de sua Pessoa mais do que quaisquer palavras.<br />
Maria Santíssima e todos os Apóstolos estavam<br />
olhando para o céu; os anjos aparecem e dizem: “Homens<br />
da Galileia, não temais! Aquele que subiu ao Céu<br />
etc.” Quem pode imaginar a beleza e a glória de uma<br />
coisa dessas?<br />
Qual terá sido a glória da descida do Espírito Santo<br />
sobre Nossa Senhora e os Apóstolos? A coisa mais bonita<br />
que tenho visto em minha vida é uma alma se converter<br />
ou se santificar. Ver alguém que abandona um defeito<br />
e volta para uma qualidade que possuía; ou que regressa<br />
ao bom caminho que havia deixado; ou que adquire<br />
uma qualidade que ainda não tinha! Nada é mais bo-<br />
Para marcar este dia de Nossa Senhora do Rosário,<br />
proponho rezar especialmente os mistérios gloriosos do<br />
Santíssimo Rosário em homenagem àquelas várias manifestações<br />
de glória de Nosso Senhor Jesus Cristo e de<br />
Nossa Senhora.<br />
A Ressurreição de Nosso Senhor deve ter sido uma<br />
cena de uma majestade inimaginável! A sepultura parada,<br />
quieta, escura... De repente um anjo começa a remover<br />
a pedra e legiões angélicas entram no sepulcro e enchem-no<br />
de luz, e Nosso Senhor sai de dentro da sepultura<br />
com o seu Corpo glorioso. Quem pode ter ideia de<br />
como foi essa glória?<br />
Coroação da Santíssima Virgem -<br />
18
nito na Terra do que ver diretamente nas almas a santificação<br />
delas operada pelo Espírito Santo.<br />
Alguém será capaz de imaginar o que foi ver o fogo do<br />
Divino Espírito Santo cair sobre Maria Santíssima e os<br />
Apóstolos? Nossa Senhora habitualmente tão sublime,<br />
esplendorosa de alma, de repente recebeu um grau de<br />
esplendor que não se imaginava existir.<br />
E as pessoas, olhando a Nossa Senhora, tinham a impressão<br />
de estar vendo Nosso Senhor Jesus Cristo em figura<br />
feminina, mas, por fim, diriam: “Não, esta é a Mãe<br />
de Deus, a Mãe do Salvador!”, de tal maneira Nossa Senhora<br />
estava cheia do Espírito Santo. Isso é mais uma<br />
glória da qual não podemos fazer ideia.<br />
Depois vem a glória delicadíssima, suavíssima, virginalíssima,<br />
maternalíssima de Nossa Senhora assunta ao<br />
Céu. Como deve ter sido o “luto” de toda a natureza com<br />
Nossa Senhora morta? Eu não posso imaginar! Mas depois,<br />
a alegria: Nossa Senhora que ressurge! Nossa Senhora<br />
que sai da sepultura! E depois é carregada pelos<br />
anjos, ressurrecta e que vai subindo! Enquanto Nosso<br />
Senhor manifestava grandeza e bondade na sua Ascensão,<br />
Ela manifestava mais bondade do que grandeza. Um<br />
sorriso materno, e todos olham para Ela, conhecendo-<br />
-A mais, compreendendo-A mais, e sendo cada vez mais<br />
atraídos por Ela, à medida que vai Se elevando ao Céu,<br />
até o momento em que Nossa Senhora desaparece. Mas<br />
uma claridade fica espalhada sobre tudo e sobre todos,<br />
como quem diz: “Eu, em realidade, fiquei. Rezai porque<br />
estarei sempre presente, unida a vós.”<br />
E por fim a festa no Céu, que só os bem-aventurados<br />
daquele tempo assistiram: Maria Santíssima entrando<br />
no Paraíso, conduzida pelos anjos e sendo recebida por<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo! Há alguém que possa pintar<br />
Nosso Senhor recebendo a Nossa Senhora?<br />
A recompensa demasiadamente grande<br />
Eu creio que só houve uma cena que pudesse dar<br />
ideia disso: a Virgem acolhendo Nosso Senhor durante<br />
a Via-Sacra. Toda a ternura e adoração d’Ela para<br />
com Ele, todo o amor filial, e ao mesmo tempo do Criador,<br />
de Jesus para com Ela se manifestaram ali, na dor,<br />
de modo admirável. E era preciso ter visto o olhar recíproco<br />
entre Eles. Houve algum diálogo, uma pergunta<br />
e uma resposta, uma coisa fugidia porque Ele era obrigado<br />
a continuar. Mas Nossa Senhora indo depois ao<br />
encalço de Nosso Senhor, a troca de olhares do alto da<br />
Cruz até o último olhar d’Ele que, com certeza, foi para<br />
Ela. E o supremo olhar d’Ela para Ele antes do “consummatum<br />
est”.<br />
Era preciso ter visto assim as relações entre Eles para<br />
compreender o que foi o olhar com que Nosso Senhor,<br />
do alto do trono de sua glória, considerou-A no momento<br />
em que Ela entrou para o Céu!<br />
Alguém conseguiria imaginar com que espécie de respeito<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo — que é Deus! — coroou<br />
a Ela, que de corpo e alma estava presente no Céu?<br />
Essa glória ninguém consegue descrever, pois excede a<br />
tudo quanto se possa cogitar.<br />
Se Nosso Senhor é para cada um de nós a nossa recompensa<br />
demasiadamente grande, de que tamanho terá<br />
sido a recompensa que Ele foi para Ela? Entretanto, Ele<br />
o foi para Nossa Senhora, pois Ele é infinito.<br />
Essas glórias nós as devemos considerar, pedindo a<br />
Maria Santíssima que acelere o dia da glória d’Ela! v<br />
Galleria degli Uffizi, Florença (Itália)<br />
(Extraído de conferências de 7/10<br />
dos anos: 1970, 1971 e 1987)<br />
19
Hagiografia<br />
São Francisco de Borja –<br />
Sérgio Hollmann<br />
flexibilidade para<br />
adaptar-se<br />
a todas as almas<br />
Vendo no caixão o cadáver da Primeira Dama da Cristandade, a qual<br />
possuía imensa majestade, Francisco recebeu insigne graça: abandonou<br />
todas as suas glórias terrenas para se tornar um jesuíta.<br />
Arespeito de São Francisco de Borja — Presbítero,<br />
Duque de Gândia e Geral da Companhia de<br />
Jesus, no século XVI —, há uma ficha biográfica<br />
1 que assim resume a sua vida:<br />
Piedoso e fiel cumpridor dos seus deveres<br />
No dia 30 de setembro de 1572, São Francisco de Borja,<br />
terceiro Geral da Companhia de Jesus, entregava sua alma<br />
a Deus com a serenidade confiante do homem que sempre<br />
cumpriu seu dever. Esse dever tinha sido muito variado na<br />
sua existência movimentada. Filho de João de Borja e Joana<br />
de Aragão, neta de Fernando, o Católico, ele foi numa<br />
primeira fase um elegante e hábil cavalheiro, confidente do<br />
Imperador Carlos V, que o nomeou Vice-Rei da Catalunha.<br />
Depois ele se tornou jesuíta, Vigário-Geral da Companhia<br />
para a Espanha. Posteriormente foi sucessor de Santo Inácio<br />
e, enfim, legado da Santa Sé. São Francisco de Borja esteve<br />
sempre atento em pertencer ao Rei do Céu e de militar<br />
sob seu estandarte, de preferência a se comprometer com os<br />
poderes da Terra.<br />
Francisco nasceu no dia 28 de outubro de 1510. Sua infância<br />
e sua juventude passaram-se numa piedade e numa<br />
inocência que foram uma lição para seus pais e seus amigos,<br />
mas o exemplo foi maior ainda pela vida cristã e austeridade<br />
que ele soube ter na corte do Imperador Carlos V, e<br />
depois como Vice-Rei da Catalunha.<br />
Em termos lhanos e diretos, e mais ao nosso gosto, isso<br />
tudo quer dizer que ele foi uma criança exemplar, mas<br />
que, quando se tornou moço e depois homem maduro e<br />
ocupou altos cargos públicos, a sua piedade ainda chamava<br />
mais a atenção.<br />
A graça da visão da morte<br />
A morte da Imperatriz e depois a de sua própria esposa<br />
lhe mostraram o vazio de todas as coisas da Terra. Ele resolveu,<br />
então, abandonar o mundo e entrar na Companhia<br />
de Jesus em 1551, ano em que foi ordenado padre.<br />
Esse é um dos episódios célebres da vida de São Francisco<br />
de Borja. Ele era cortesão e muito próximo a Carlos<br />
V, Imperador do Sacro Império Romano Alemão e Rei<br />
20
de Espanha. Temos várias vezes<br />
tratado de Carlos V, por causa<br />
do grande papel que ele<br />
ocupa na História do Ocidente.<br />
Ele era tão poderoso<br />
que o Sol jamais<br />
se deitava em seu império.<br />
As suas terras<br />
iam desde os confins<br />
da Rússia até<br />
a América do Sul e<br />
parte do México até<br />
o Oceano Pacífico.<br />
Era, portanto, um<br />
Império imenso que<br />
compreendia não só a<br />
Espanha e suas possessões<br />
na América, mas também possessões<br />
que a Coroa da Espanha<br />
tinha na Itália, as quais eram de uma<br />
grande importância no mundo. O Sul<br />
da Itália pertencia a Carlos V; por outro<br />
lado, na Lombardia, que tem como<br />
capital, Milão, Carlos V<br />
também tinha domínios.<br />
São Francisco de Borja, sendo íntimo<br />
do Imperador, tinha conhecido muito<br />
bem a Imperatriz — que possuía imensa<br />
majestade e era a primeira dama da Cristandade<br />
no seu tempo — e teve ocasião<br />
de ver o corpo dela estendido no caixão.<br />
Ao contemplá-la assim aniquilada pela<br />
morte, ele recebeu uma graça.<br />
O próprio de certas graças é de darem<br />
uma vida extraordinária às verdades que,<br />
para nós, são correntes, comuns, sabemos<br />
até o que querem dizer, mas impressionam<br />
pouco o nosso espírito. Assim é a<br />
graça da visão da morte. Uma pessoa pode<br />
passar uma noite inteira numa capela,<br />
velando um cadáver, sem que isso lhe toque<br />
muito especialmente; mas, de repente,<br />
por uma graça de Deus, tudo quanto<br />
a aniquilação da morte significa vêm ao<br />
espírito dela e lhe fala na alma com uma<br />
força particular, especialmente a sabedoria.<br />
E foi o que se deu com São Francisco<br />
de Borja. Ao ver a Imperatriz morta,<br />
ele percebeu bem o vácuo de certas<br />
Paróquia dos Jesuítas,<br />
Santander (Espanha)<br />
grandezas, porque elas passam: a grandeza<br />
da Imperatriz, a grandeza do Império,<br />
a grandeza dele, que não era senão<br />
um adorno do Império; ele, então, se colocou diante da<br />
ideia de renunciar a todas as suas grandezas e de se tornar<br />
jesuíta.<br />
Nomeado como diretor da<br />
Companhia de Jesus na Espanha<br />
Para que compreendamos bem, é preciso notar que,<br />
além de ser Vice-Rei da Catalunha, o título de Duque<br />
de Gândia lhe dava poder sobre uma certa parte do<br />
território espanhol; uma jurisdição feudal, à maneira<br />
de um pequeno reino, a qual nem dependia do Imperador,<br />
pois ele a possuía por direito próprio. Tudo<br />
isso ele abandonou para entrar na Companhia de Jesus,<br />
que era naquele tempo uma Ordem religiosa nova,<br />
que não tinha nem um pouco a força, a tradição, a<br />
base que as outras grandes Ordens possuíam, ou aquela<br />
pobreza ilustre da Ordem de São Francisco. Quer<br />
dizer, de fato ele entrava para uma obra nova, o que,<br />
debaixo de certo ponto de vista, lhe poderia ser uma<br />
aventura. Ali ele foi encerrar-se até o fim de seus dias<br />
para procurar os bens do Céu, muito certo da vacuidade<br />
das coisas da Terra.<br />
São Francisco de Borja e o cadáver da Imperatriz<br />
Isabel - Santa Casa, Loyola (Espanha)<br />
21
Hagiografia<br />
Ele ali foi ordenado sacerdote, e<br />
Santo Inácio de Loiola, percebendo<br />
suas virtudes, deu-lhe a direção da<br />
Companhia de Jesus na Espanha.<br />
É preciso compreender também o<br />
que significa isso, da parte de Santo<br />
Inácio.<br />
A Espanha, como vimos, era naquele<br />
tempo uma potência imensa.<br />
Dentro dos Estados de Carlos V, a<br />
Espanha e a Áustria eram os dois<br />
países mais importantes, mas para a<br />
Religião a Espanha tinha mais importância<br />
do que a Áustria. Porque,<br />
embora a Áustria fosse muito católica,<br />
a Espanha era a nação mais católica<br />
da Terra. E era da Espanha<br />
que sopravam os ventos da Contra-<br />
-Reforma, da luta contra o protestantismo,<br />
de maneira que agir na<br />
Sérgio Hollmann<br />
Sérgio Hollmann<br />
Entrada de São Francisco na Companhia de<br />
Jesus - Catedral de Valência (Espanha)<br />
Espanha significava atiçar as melhores brasas contra a<br />
heresia, movimentar as melhores forças da Igreja contra<br />
a Reforma, contra o Humanismo, contra a Renascença.<br />
Compreendemos sem esforço a importância que tinha o<br />
cargo de chefe dos jesuítas na Espanha. Quer dizer, chefe<br />
da Ordem religiosa suscitada especialmente por Nossa<br />
Senhora para lutar contra o protestantismo, no país escolhido<br />
para combater essa heresia. Ou seja, foi-lhe dada<br />
a alavanca fundamental dessa luta.<br />
Sorrir com quem ri, chorar com quem chora<br />
São Francisco de Borja - Paróquia dos<br />
Jesuítas, Barcelona (Espanha)<br />
Em 1566 foi eleito Geral da Companhia de Jesus, sendo<br />
o segundo a ocupar este cargo, após Santo Inácio de<br />
Loiola. Ele aumentou muito o número de missionários da<br />
Companhia de Jesus, enviando-os à Polônia, ao México,<br />
ao Peru e à Índia. Suas ocupações numerosas não o impe-<br />
22
Francisco Lecaros<br />
São Francisco de Borja celebrando a sua primeira<br />
Missa - Santa Casa, Loyola (Espanha)<br />
diam de consagrar longas horas à oração. Sua caridade o<br />
adaptava a todas as almas. Sua humildade fazia com que<br />
ele procurasse os ofícios mais insignificantes e recusasse as<br />
honras que lhe quisessem prestar.<br />
Essas palavras são bonitas, mas parecem uns enfeites<br />
aos quais se está habituado. Elas comportam, entretanto,<br />
uma especificação.<br />
Em primeiro lugar, ele foi Geral da Companhia de Jesus.<br />
Tal foi o poder dessa Ordem no passado, que o Geral<br />
dos jesuítas era chamado de “O Papa negro”.<br />
Não sei se os presentes neste auditório se dão bem<br />
conta do que significa se adaptar a todos.<br />
No tempo em que eu era moço, havia uma cançãozinha<br />
que se cantava nas igrejas com muita compostura,<br />
quando acabavam os ofícios litúrgicos e o povo ia saindo:<br />
“Saudemos a Jesus, saudemos a Maria, a Fé se reanima,<br />
nobilita e dá energia”. E a horas tantas, os fiéis cantavam<br />
o seguinte a Nossa Senhora:<br />
“Vem sorrir com quem ri, chorar<br />
com quem chora; sê amparo e sê<br />
força, sê guia e sê luz”. Isso sempre<br />
me impressionou muito em Nossa<br />
Senhora: sorrir com quem ri e chorar<br />
com quem chora. Maria Santíssima<br />
se afaz a todos estados de espírito<br />
do homem: Ela é a quietude<br />
dos que descansam, a exaltação dos<br />
que lutam, o sorriso dos que estão<br />
distendidos, Ela chora com os que<br />
choram, e assim por diante.<br />
Há uma qualidade excelente da<br />
alma, por onde um santo pode adquirir<br />
esta flexibilidade em que ele<br />
sabe, com cada um, estar no estado<br />
de alma daquele. Mas que elasticidade<br />
provavelmente isso significa,<br />
que força de adaptação isso deve<br />
custar! Porque ninguém quer estar<br />
no estado de espírito do outro. Cada<br />
pessoa quer estar no estado de<br />
espírito próprio e deseja que o outro<br />
se adapte a ela. O indivíduo entra<br />
alegre numa sala e quer que todo<br />
mundo faça cara alegre. Razão?<br />
Ele está alegre! E quando está triste,<br />
ele tem raiva dos outros que estão<br />
alegres. É ou não é verdade que<br />
esse indivíduo se julga o centro do<br />
mundo? Compreendemos, assim,<br />
toda a destreza que está representada<br />
nessa virtude de saber afazer-<br />
-se à alma dos outros.<br />
Santa Teresa, que recorreu aos seus conselhos, chamou-<br />
-o de santo. Em 30 de setembro de 1572 ele morreu. Numerosos<br />
milagres assinalaram sua santidade. Clemente X o<br />
canonizou em 1671.<br />
Ele foi conselheiro de Santa Teresa de Jesus. Imaginemos<br />
uma sala de um convento e Santa Teresa conversando<br />
com São Francisco de Borja! Nós não seríamos dignos<br />
de olhar pelo buraco da fechadura... E Santa Teresa<br />
conheceu de perto as grandes virtudes dele, e reconhecia<br />
nele um verdadeiro santo.<br />
Vimos assim alguns traços da vida de São Francisco de<br />
Borja.<br />
v<br />
1) Não possuímos a fonte desta ficha.<br />
(Extraído de conferência de 10/10/1969)<br />
23
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Matriz do pensamento<br />
de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A consideração dos arquétipos foi uma das bases para a formação<br />
do pensamento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, chegando a constituir-se<br />
um verdadeiro mestrado, conforme ele mesmo expôs em uma<br />
conferência no ano de 1980.<br />
Imaginem uma pessoa que tenha uma alma muito<br />
sensível a vários — vou usar a palavra em seu sentido<br />
antigo — ideais. Por exemplo, a certo panorama<br />
ideal , ou certa música ideal, considerado não aquele<br />
panorama, aquela música, mas aquilo elevado para uma<br />
clave de uma ordem de coisas que contém a quintessência<br />
delas, mas de fato não existe, é uma vue de l’esprit 1 .<br />
Princípio por trás da ordem ideal pensada<br />
Quase todas as figurinhas de porcelana e esmalte<br />
do século XVIII, por exemplo, representam marquesinhas,<br />
pastorzinhos, pastorinhas, carneirinhos, horizontes<br />
cor‐de‐rosa, azul-claros etc., que não pretendem<br />
ser uma descrição da vida do campo ou da sociedade<br />
daquele tempo, mas seus autores imaginaram<br />
G. Kralj<br />
Coleção de porcelanas<br />
do Museu Capitolini,<br />
Roma (Itália)<br />
24
Sérgio Miyazaki<br />
Eu creio que essa<br />
concepção é a própria<br />
matéria prima da<br />
inocência, do senso<br />
do ser e da tendência<br />
para o metafísico. E<br />
uma alma que não tenha<br />
o senso disso, perde<br />
completamente as suas<br />
possibilidades de elevação.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no início da<br />
década de 1990. No<br />
detalhe, aos 4 anos<br />
aquelas coisas numa ordem transesférica 2 de uma determinada<br />
maneira. Pode‐se achar que eles não as desenharam<br />
com o senso católico necessário — esse é<br />
outro problema. Eles imaginaram uma ordem de coisas<br />
que, aprofundando-se, dá numa espécie de absoluto,<br />
que seria a delicadeza.<br />
Lembro‐me de um bibelô que representava uma senhora<br />
do Ancien Régime 3 , com um grande véu de tule,<br />
dando de comer a um papagaio que saía da portinhola de<br />
uma gaiola. O jeito da senhora e o próprio modo do papagaio<br />
bicar o pedacinho de pão na mão dela, tudo visava<br />
ser muito delicado. Eram mil comentários diversos de<br />
uma certa ideia central: delicadeza. Uma ordem de coisas<br />
tão delicada assim não existia; a vida cotidiana poderia<br />
ter reflexos disso nessa ou naquela pessoa, mas não<br />
era essa ordem de coisas.<br />
O importante é não só a ordem ideal pensada, mas um<br />
princípio que está por detrás dessa ordem: a delicadeza.<br />
Esse princípio figura transluzindo nas pessoas; e o artista<br />
o representa como existindo em si.<br />
Digamos que a delicadeza fosse considerada como<br />
ideal para um certo círculo de pessoas. Esse ideal de delicadeza<br />
acabaria agindo no interior de suas almas como<br />
se fosse uma pessoa e teria uma influência à maneira da<br />
influência pessoal, a ponto de poder entrar e animar inteiramente<br />
as pessoas.<br />
Na ordem experimental, dir‐se‐ia que um ideal é como<br />
uma pessoa que se conhece e com a qual se trava relacionamento.<br />
Quer dizer, como não se pode imaginar a<br />
coisa espiritual, então se concebe algo físico, ao qual se<br />
atribuem propriedades internas vaporosas e luminosas, à<br />
maneira de coisas espirituais. Tem um conteúdo mais espiritual<br />
do que material.<br />
Base e ponto de partida<br />
do pensamento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Eu creio que essa concepção é a própria matéria-prima<br />
natural da inocência, do senso do ser e da tendência<br />
para o metafísico. E uma alma que não tenha o senso<br />
disso se conspurca inevitavelmente nas coisas do terreno,<br />
toma poeira e perde completamente as suas possibilidades<br />
de elevação.<br />
Portanto, o reto e ordenado cultivo disso é, de um lado,<br />
um ponto de partida, mas de outro lado, um píncaro.<br />
Não podemos ignorar o fato. Ignorá-lo significa votar<br />
as almas à forma de exílio que se imerge na terra e é o introito<br />
da Revolução 4 .<br />
A Revolução diz primeiro que isso não existe e depois<br />
leva as almas para onde está indo a grossa maioria das<br />
pessoas. Mas ela também trabalha as almas de outra maneira:<br />
suscita saudades e desvia.<br />
É lastimável que muitos católicos não deem importância<br />
ao fato, julgando que isso não tem nenhuma relação<br />
com a vida de piedade, a vida de religião, a vida espiritual!<br />
Ora, está em nossa vocação tomar isso na maior consideração.<br />
Se eu não tivesse me agarrado a isso com unhas<br />
e dentes, no momento em que percebi a solicitação de<br />
abandoná-lo, e se não tivesse feito disso, portanto, uma<br />
25
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
base e um ponto de partida de meu pensamento, creio<br />
que não haveria nosso Movimento.<br />
Se uma pessoa prestar atenção no que eu digo e no<br />
movimento natural e normal de minha alma, notará que<br />
caminha normalmente no pressuposto da legitimidade e<br />
da santidade disso, e da ligação disso com a vida espiritual.<br />
Identificação com o ideal que vive<br />
numa pessoa<br />
Graças a Nossa Senhora, isso ficou preservado em minha<br />
alma, e não há o que eu veja que não o considere à<br />
luz de toda essa fileira de concepções e movendo‐se em<br />
função desse ponto ideal último, que é a matriz a partir<br />
da qual eu penso.<br />
Por exemplo, com essa alabarda 5 eu faço isso. Vejo-<br />
-a — aliás, gosto da forma e do jeito dela — e percebo<br />
que por detrás dela existe a concepção de todo um mundo<br />
de coisas onde o “universo das alabardas” está posto,<br />
mas nessa perspectiva que já não é o concreto, e sim uma<br />
sublimação. Exprime uma mentalidade que se apresenta<br />
na construção do meu espírito como uma coisa transcendente<br />
a um simples homem, embora no ver, no querer,<br />
no sentir é em tudo análogo ao homem. E o meu julgamento<br />
é feito com rapidez, decisão, truculência, porque<br />
aquele modelo de ideal de mais ou menos todo o universo<br />
habita no fundo do meu panorama.<br />
Uma ou outra pessoa tem me dado essa impressão de<br />
ter uma quase identidade com aquilo que fica no alto dela<br />
mesma.<br />
Quer dizer, deitando os olhos através<br />
de várias transparências —<br />
que não são as transparências<br />
do vidro da janela, inexpressivas<br />
—, chega-se a ter a impressão<br />
da realização, numa<br />
determinada pessoa,<br />
de uma identificação —<br />
não uma identidade —,<br />
que se diria ser aquela<br />
coisa ideal que vive nela,<br />
mais do que ela própria.<br />
E a pessoa funciona, portanto,<br />
como um tipo de<br />
lente que traz mais à sua<br />
presença aquilo que está<br />
afastado.<br />
Esta concepção faz<br />
com que eu perceba que<br />
Alabarda da Armeria do Alcaçar tenho personalidade,<br />
de Segóvia (Espanha) mas não corresponde ao<br />
Tirithel<br />
que habitualmente se chama personalidade. Quer dizer,<br />
uma porção de peculiaridades que distinguem aquela<br />
pessoa da outra, pela singularidade. Por exemplo, ela<br />
tem uma orelha puxada para um lado, o gênio cismado<br />
etc. Aquilo é descolado do universal e é quase o anedótico.<br />
Alguma coisa assim toda pessoa tem, mas percebo<br />
que é totalmente secundário. O que importa e constitui a<br />
personalidade é a permeação para dentro de mim disto,<br />
reservado, ao que a inocência dá acesso; a inocência mora<br />
na pessoa e esta mora na inocência.<br />
É um outro eu mesmo. Mas é um arqui‐eu, onde a<br />
parte anedótica — tanto quanto percebo — passou para<br />
segundo plano, e a parte que, pela inocência, se liga a isso<br />
tomou todo o desenvolvimento que certa extensão de<br />
vida comporta.<br />
O mundo moderno é totalmente feito para esmagar<br />
isso.<br />
A inocência nos germânicos e nos latinos<br />
A justificação doutrinária do que estou dizendo —<br />
tratando da inocência enquanto inocência e como um católico<br />
deve ver isto — seria outro trabalho, mas eu acho<br />
que a inocência é dada a todos os povos e todas as pessoas<br />
a têm.<br />
Mas nessa perspectiva, creio eu, ela é um dom da Providência<br />
mais para os germânicos do que para os latinos;<br />
ou os latinos pecaram mais contra isso do que os germânicos,<br />
não sei bem como qualificar. E a fidelidade a essa<br />
inocência durante muitos anos de vida traz uma espécie<br />
de contrapeso sumamente penoso — eu experimentei isso<br />
em mim —, porque, para uma porção de campos mentais‐operativos,<br />
a pessoa fica numa espécie de impossibilidade<br />
da agilidade e da destreza, do ver e fazer as coisas<br />
das quais o homem normalmente precisa na sua vida<br />
e que a maturidade traz. Tal fidelidade retarda um tanto<br />
o indivíduo e o torna meio ingênuo, meio pesadão e,<br />
no total, pouco capaz de concorrer com outros na vida. E<br />
lhe põe a opção: Ou você prefere isso, apesar de tudo, ou<br />
você elimina esses valores como não sendo nada e imerge<br />
nos outros.<br />
Se a pessoa for fiel à inocência, há posteriormente<br />
uma frutificação que é o cêntuplo nesta Terra e mais<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo no Céu. Mas isto vem mais<br />
tarde e inesperadamente. Em certo momento, ela nota<br />
que está encontrando em si o que julgava não ter.<br />
Eu sou fundamentalmente latino, mas sinto que<br />
essas coisas se passaram na minha cabeça à maneira<br />
germânica. Tenho a impressão de que a descrição<br />
que fiz corresponderia muito mais à realidade de um<br />
germânico do que de um latino. Embora eu veja que<br />
26
Henry Restrepo<br />
As mil invocações de<br />
Nossa Senhora parecem<br />
cada uma delas, uma<br />
pessoa. Vê-se que<br />
todas aquelas virtudes<br />
moram em Maria<br />
Santíssima. Cada luz em<br />
Nossa Senhora é uma<br />
personalidade inteira.<br />
T. Ring<br />
À esquerda, NSra. do Bom<br />
Sucesso - Mosteiro das<br />
MM. Concepcionistas, Quito<br />
(Equador). À direita, NSra. do<br />
Carmo - Basílica de NSra. do<br />
Carmo, São Paulo (Brasil)<br />
o latino, graças a Deus, tenha isso também em apreciável<br />
medida.<br />
No germânico, isso é muito reluzente, mas há uma<br />
dificuldade: a diminutio da “antena” para o sobrenatural.<br />
Enquanto que no latino a “antena” para o sobrenatural<br />
é muito vibrátil, mas, se ele não foi muito<br />
fiel logo no começo, há uma espécie de coisa por onde<br />
ele tem uma tendência facílima para caçoar, zombar<br />
da inocência, e ver tudo isso de modo negativo, dizendo<br />
tratar-se de uma banalidade, de um sonho, e a partir<br />
daí ele começa a ter um comprazimento pelo sórdido<br />
oposto.<br />
Perfeita harmonia em Nossa Senhora<br />
O que vou dizer agora, sei que é rigorosamente teológico:<br />
para mim, Nossa Senhora se apresenta como<br />
uma personalidade na qual mora tudo isto, mas num estado<br />
de fulgor maior do que aquilo que concebi. Quer<br />
dizer, como que reluzindo todas essas coisas de uma essencialidade<br />
maior e com um fulgor partindo do interior<br />
daquilo. De maneira que Ela é, não a realização do<br />
que vi, mas do que eu não seria capaz de imaginar se<br />
não a tivesse conhecido. Maria Santíssima é o conjunto<br />
de tudo isso.<br />
Para dar uma ideia que exprima um pouco meu pensamento,<br />
imaginemos uma bonita pedra preciosa, atrás<br />
da qual se acenda um foco de luz, à maneira de um<br />
spotlight, que seja do tamanho da pedra. A pedra tem<br />
seu brilho, mas ela mostra esse brilho com algo que se<br />
acrescenta e não vem dela, e que essencialmente vale<br />
mais do que ela.<br />
Há em Nossa Senhora esse firmamento todo, num estado<br />
de excelência que estou apresentando descritivamente.<br />
Sei pela Fé que isto é sobrenatural, mas estou<br />
descrevendo como eu vejo. Isto faz d’Ela uma espécie<br />
de Paraíso onde, por assim dizer, esses predicados todos,<br />
inclusive os humanos, se saúdam, conversam e se entretêm,<br />
como se fossem quase pessoas dentro d’Ela, de tal<br />
maneira têm intensidade, expressão e força.<br />
Para mostrar a realidade disso, explico um fato pequeno,<br />
de experiência corrente, para ver até que ponto é assim:<br />
As mil invocações de Nossa Senhora parecem, cada<br />
uma delas, uma pessoa. Vê-se que todas aquelas virtudes<br />
moram em Maria Santíssima. E daí o fato de pessoas<br />
simples muitas vezes ficarem meio na dúvida se são várias<br />
pessoas ou uma só. É ignorância, naturalmente, mas<br />
essa ignorância tem uma explicação, não um fundamento<br />
lógico. Tomem, por exemplo, uma imagem de Nossa Se-<br />
27
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
nhora do Carmo ou uma imagem de Nossa Senhora do<br />
Bom Sucesso: representam pessoas completas. É a mesma<br />
pessoa vista sob determinada luz. E cada luz em Maria<br />
Santíssima é uma personalidade inteira, ainda mais<br />
com essa densidade sobrenatural de que eu falava há<br />
pouco. Tudo se reúne n’Ela e Ela é tudo isso ao mesmo<br />
tempo, com harmonia.<br />
Harmonia que não saberia bem como descrever, mas<br />
que é a harmonia das harmonias. Pelo contraste entre esse<br />
superplenum de Nossa Senhora — pelo fato de ser a<br />
Mãe de Deus — e minha miséria, tão nada — para usar<br />
uma palavra alemã, unbeholfen 6 , tão desajudada —, eu<br />
compreendia, como uma consequência necessária daquele<br />
superplenum, uma tendência a se despejar em mim,<br />
a passar para mim. É o sentido da misericórdia.<br />
E a ideia da misericórdia, na qual insisto tanto, tem como<br />
fundamento, como arrière-fond 7 , isto que estou dizendo.<br />
Portanto, Ela é Nossa Senhora das mil psicologias,<br />
Nossa Senhora dos mil maravilhamentos. Se quiserem, é<br />
Nossa Senhora das mil personalidades harmônicas.<br />
Subindo até o infinito, se a esta luz quisermos considerar<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, vê-se algo disso, mas<br />
completamente surplombé 8 pela presença da divindade,<br />
se junta a isso um sol que ofusca. Digamos que isso<br />
existia na Humanidade d’Ele, mas não na Pessoa divina,<br />
onde isso já passa para um grau não atingível, que<br />
não é exprimível.<br />
Conúbios da inocência com sociedades<br />
e personagens históricos<br />
Houve alguns homens na História que foram suscitados<br />
por Deus e que tinham tal ou qual percepção de<br />
algumas coisas dessas, e chegavam a realizá-las de um<br />
modo misterioso e excelente. Ciro, rei dos persas, é um<br />
exemplo disso. Um exemplo menos nobre é Ramsés II, e<br />
César tinha algo disso.<br />
Esses grandes monarcas marcaram não apenas os séculos,<br />
mas os milênios, e ficaram para sempre na História<br />
do mundo. Eles tinham certa missão de representar<br />
coisas dessas, mas foram ensaios, esboços defectivos,<br />
quebrados, malfazejos, pagãos, daquilo que Carlos Magno<br />
foi por excelência.<br />
A Providência, governando a alma dos homens através<br />
da Igreja, foi construindo as coisas de tal maneira que<br />
Ela acabou criando uma sociedade que teve, tomada como<br />
um bloco, no seu modo de pensar, no seu modo de<br />
ser, etc., uma especial participação nisso. Para abreviar,<br />
a Cristandade Medieval — portanto Carlos Magno mais<br />
as revivescências carolíngias etc. — teve de fato isto como<br />
um bem comum de todos os homens dessa sociedade.<br />
Todos não quer dizer cada um.<br />
Aí se elaboraram formas de cultura, de expressão,<br />
de arte, de mil outras coisas que são a realização humana<br />
mais perfeita conhecida até então, mas dignamente<br />
representativa disso que chamamos — para exprimirmo‐nos<br />
assim — de valores abstratos que o espírito humano<br />
na sua inocência concebe.<br />
Houve, portanto, conúbios da inocência com sociedades<br />
históricas, com personagens históricos. Às vezes um<br />
personagem, apenas num determinado lance, realizou<br />
esse conúbio, como Dom João d’Áustria, em Lepanto.<br />
Personagem repleta disso foi Santa Joana d’Arc.<br />
Muito inferior a Santa Joana d’Arc, mas tendo alguma<br />
coisa disso já em decadência, foi Bayard. O mito de<br />
Bayard ficou, e outras coisas desse gênero, que se poderiam<br />
apresentar.<br />
E no meu espírito isso se põe de tal maneira que,<br />
percorrendo a História da Cristandade, percebo muitas<br />
vezes ápices históricos que são a realização autêntica<br />
e excelente daquilo — não digo de modo inmejorable<br />
9 —, a qual fica nesse mundo que podemos qualificar<br />
de imaginário.<br />
The Yorck Project<br />
Imperador Carlos Magno - por Albrecht Dürer,<br />
Museu Nacional, Berlim (Alemanha)<br />
28
Er&Red<br />
Godofredo de Bouillon foi<br />
como que a valentia passando<br />
no mundo, impregnando o<br />
mundo dos luzimentos desse<br />
absoluto chamado valentia,<br />
fazendo com que centenas<br />
de homens depois, fossem<br />
valentes à maneira dele.<br />
Godofredo de Bouillon -<br />
por Eugène Simonis,<br />
Bruxelas (Bélgica)<br />
Um verdadeiro Mestrado de História<br />
E esses personagens históricos, enquanto possuindo<br />
isto, enquanto tendo, sob certo aspecto, realizado fugazmente<br />
isto, exerceram sobre mim esta forma de mestrado<br />
de dar um mais rico, um mais total, um mais especificado<br />
conhecimento do que seriam essas grandes figuras.<br />
Para isso, a inocência desenvolveu em mim um seletivo<br />
histórico muitíssimo rigoroso, mas, graças a Nossa<br />
Senhora, dotado de precisão. De maneira que, onde isto<br />
existe, habitualmente eu percebo. E percebo bem que<br />
esses personagens, representando isto, têm um papel na<br />
História que não é tanto de fazerem o que fizeram, mas<br />
de serem esse valor enquanto passando no meio dos homens.<br />
Por exemplo, Godofredo de Bouillon tomou Jerusalém,<br />
etc. Mas ele foi como que a valentia passando no<br />
mundo, impregnando o mundo dos luzimentos desse absoluto<br />
chamado valentia, fazendo com que centenas de<br />
homens depois, fossem valentes à maneira dele. E ficando<br />
na História como um elemento vivo de valentia para<br />
eu entender o que é a valentia ideal, que a simples elucubração<br />
sem a ilustração histórica não teria dado tudo<br />
quanto está na proporção que o meu espírito deseja conhecer.<br />
Nesse ponto eu vou muito longe e acho que, mesmo<br />
em personagens da Cristandade decadente, alguns luzimentos<br />
desses prosseguiram.<br />
Por exemplo, a sutileza de Talleyrand — que foi um facínora,<br />
mas enquanto tal ele teve o que se poderia chamar,<br />
meio erradamente, a sutileza absoluta, pois absoluto<br />
é só Deus. Entretanto, Talleyrand possuiu a sutileza<br />
total, ao menos a existente até ele.<br />
De maneira que de tudo isto eu fiz uma espécie de<br />
mel, que foi o meu “mestrado” de História. v<br />
(Extraído de conferência de 7/2/1980)<br />
1) Do francês: consideração ou “vista” do espírito.<br />
2) Assim denominava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> as realidades situadas em um<br />
plano metafísico, acima das realidades terrenas.<br />
3) Antigo Regime. Período da História da França iniciado em<br />
princípios do século XVII e extinto em 1789, com a Revolução<br />
Francesa. Aquela sociedade caracterizou-se, por um requinte<br />
de bom gosto e pela elevação no convívio humano.<br />
4) O termo “Revolução” é aqui empregado no sentido que lhe<br />
dá <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em sua obra “Revolução e Contra-Revolução”,<br />
a saber: Processo que se manifestou, na ordem dos fatos,<br />
no início do século XV; nasceu ele de uma explosão de<br />
paixões desordenadas que vai conduzindo à destruição de<br />
toda a sociedade temporal, à completa subversão da ordem<br />
moral, à negação de Deus.<br />
5) Objeto decorativo que se encontrava na sala onde essa exposição<br />
foi feita.<br />
6) Do alemão: desamparado/a, desajudado/a.<br />
7) Do francês: pensamento por trás de algo; o que está no fundo<br />
de algo; a parte mais oculta de algo.<br />
8) Do francês: suplantado.<br />
9) Do espanhol: excelente, que não pode ser melhor.<br />
29
C<br />
alendário<br />
1. Santa Teresinha do Menino<br />
Jesus, virgem e doutora da Igreja<br />
(†1897). Entrou ainda muito jovem<br />
no Mosteiro das Carmelitas Descalças<br />
de Lisieux e exercitou-se de modo<br />
singular na humildade, inocência,<br />
simplicidade evangélica e confiança<br />
em Deus. Ensinou o caminho<br />
da perfeição cristã por meio da<br />
“infância espiritual” e demonstrou<br />
uma mística solicitude ao bem das<br />
almas e incremento da Igreja. Entregou<br />
sua alma a Deus aos 24 anos<br />
de idade, no dia 30 de setembro.<br />
2. Santos Anjos da Guarda.<br />
Chamados antes de tudo a contemplar<br />
na glória o rosto do Senhor,<br />
receberam também uma função<br />
em favor dos homens, assistindo-os<br />
e aconselhando-os com sua presença<br />
invisível, mas solícita.<br />
3. São Francisco de Borja, presbítero<br />
(†Roma, 1572). Ver página 20.<br />
dos Santos – ––––––<br />
4. São Francisco de Assis<br />
(†1226). Depois de uma juventude leviana, converteu-se a<br />
Cristo, renunciou a todos os bens paternos e entregou-se<br />
inteiramente a Deus. Abraçou a pobreza para seguir mais<br />
perfeitamente o exemplo de Cristo, e pregava a todos o<br />
amor de Deus. Fundou a Ordem dos Frades Menores, das<br />
Clarissas e dos Penitentes Seculares.<br />
5. Santa Maria Faustina Kowalska, virgem (†Cracóvia,<br />
1938). Beatificada a 18 de abril de 1993 pelo Beato João<br />
Paulo II, Santa Faustina, a “Apóstola da Divina Misericórdia”,<br />
foi canonizada pelo mesmo Sumo Pontífice no dia 30<br />
de abril de 2000. Foi religiosa das Irmãs da Bem-aventurada<br />
Virgem Maria da Misericórdia.<br />
Ricardo Castelo Branco<br />
Jesus mostra seu Sagrado Coração a<br />
Santa Margarida Maria Alacoque<br />
na batalha naval de Lepanto, atribuída<br />
ao auxílio da Santa Mãe de Deus,<br />
invocada com a oração do Rosário<br />
(1571). A celebração deste dia é<br />
um convite a todos os fiéis para que<br />
meditem os mistérios de Cristo, em<br />
companhia da Virgem Maria.<br />
8. Beatos John Adams e Robert<br />
Dibdale, presbíteros e mártires<br />
(†1586). No tempo da Rainha Isabel<br />
I, por servirem ao povo fiel, foram<br />
condenados à morte e martirizados<br />
atrozmente em Tyburn, alcançando<br />
assim o Reino dos Céus.<br />
9. São Dionísio, bispo, e companheiros,<br />
mártires (séc. III).<br />
10. São Tomás de Villanueva,<br />
bispo (†Valência, 1555).<br />
11. São Felipe, diácono (séc. I).<br />
Um dos sete diáconos eleitos pelos<br />
Apóstolos, que converteu os samaritanos<br />
à fé em Cristo, batizou ao<br />
eunuco de Candace, Rainha dos<br />
Etíopes, e evangelizou todas as cidades pelas quais passava<br />
até chegar à Cesareia, onde, segundo a tradição, descansou<br />
no Senhor.<br />
12. Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Em 1717,<br />
os pescadores Filipe Pedroso, Domingos Garcia e João Alves<br />
lançaram suas redes no Rio Paraíba, e acabaram por<br />
colher a Imagem que hoje é venerada na Basílica e Santuário<br />
Nacional de Nossa Senhora Aparecida.<br />
13. São Teófilo, bispo (séc. II). Varão muito erudito, foi<br />
o sexto bispo que ocupou a Sede de Antioquia após São<br />
Pedro e combateu a heresia de Marcião.<br />
6. São Bruno, presbítero (†1101). Fundou a Cartuxa,<br />
dando assim origem a uma Ordem que conjuga a solidão<br />
dos eremitas com a vida comum dos cenobitas.<br />
7. XXVII Domingo do Tempo Comum.<br />
Nossa Senhora do Rosário. Esta comemoração foi instituída<br />
pelo Papa São Pio V por ocasião da vitória dos cristãos<br />
14. XXVIII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Calixto I, papa e mártir (†222). Promoveu a reta doutrina,<br />
reconciliou benignamente os apóstatas arrependidos e<br />
terminou seu intenso pontificado com a glória do martírio.<br />
15. Santa Teresa de Jesus, virgem e doutora da Igreja<br />
(†1582). Nasceu em Ávila no ano de 1515. Tendo entrado<br />
30
––––––––––––––– * Outubro * ––––<br />
na Ordem das Carmelitas, fez grandes progressos no caminho<br />
da perfeição e teve revelações místicas. Ao empreender<br />
a reforma da Ordem teve de sofrer muitas tribulações,<br />
mas tudo suportou com coragem invencível.<br />
16. Santa Margarida Maria Alacoque, virgem (†Autun,<br />
1690). Monja da Ordem da Visitação da Virgem Maria.<br />
Teve revelações místicas, particularmente sobre a devoção<br />
ao Sagrado Coração de Jesus.<br />
17. Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir (†107).<br />
18. São Lucas, evangelista (séc. I).<br />
19. São Paulo da Cruz, presbítero (†1775). Desde a sua<br />
juventude destacou-se por sua vida penitente, seu zelo ardente<br />
e sua singular caridade a Cristo crucificado. Fundou a<br />
Congregação dos Clérigos Regulares da Cruz e da Paixão de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, falecendo no dia 18 de outubro.<br />
20. São Cornélio, centurião (séc. I). Foi batizado na cidade<br />
de Cesareia, na Palestina, pelo Apóstolo São Pedro,<br />
como primícias da Igreja entre os gentios.<br />
21. XXIX Domingo do Tempo Comum.<br />
São Hilarião, abade (†371). Levou uma vida solitária<br />
próximo da cidade de Gaza, depois foi para a ilha de Chipre,<br />
e lá foi fundador e exemplo de vida eremítica.<br />
22. Beato João Paulo II, papa (†Roma, 2005). Nasceu<br />
em Wadowic, Polônia, em 1920. Ordenado presbítero e<br />
tendo realizado seus estudos de teologia em Roma, regressou<br />
à sua pátria onde desempenhou diversas tarefas pastorais.<br />
Nomeado Bispo Auxiliar de Cracóvia, passou a ser<br />
Arcebispo dessa sede em 1964; participou do Concílio Vaticano<br />
II. Eleito Papa em 16 de outubro de 1978, distinguiu-se<br />
por sua extraordinária atividade apostólica. Morreu<br />
piedosamente em Roma, no dia 2 de abril.<br />
pela Igreja, morrendo desterrado no mosteiro dos monges<br />
cistercienses de Fontfroide, perto de Narbona, na França.<br />
25. Santos Crispim e Crispiniano, mártires (c. séc III).<br />
26. São Evaristo, papa e mártir (†105). Nasceu na Palestina<br />
e foi educado na Grécia, em Antioquia. Como Sumo<br />
Pontífice instituiu as paróquias e as sete primeiras diaconias<br />
que confiou a sacerdotes mais experientes.<br />
27. Santos Vicente, Sabina e Cristeta, mártires (†Toledo,<br />
séc. IV).<br />
28. São Simão e São Judas, apóstolos (séc I).<br />
29. São Narciso de Jerusalém, bispo (†c. 222). Próximo<br />
à celebração da Páscoa cristã, manifestou estar de acordo<br />
com o Papa São Vítor, o qual afirmava não haver outro dia<br />
que o domingo para celebrar o mistério da Ressurreição<br />
de Jesus Cristo. Descansou no Senhor à idade de cento e<br />
dezesseis anos.<br />
30. XXX Domingo do Tempo Comum.<br />
Santa Eutrópia de Alexandria, mártir (séc. III). Por se recusar<br />
a negar a Cristo, foi torturada cruelmente até a morte.<br />
31. São Quintin de Vermand, mártir (†Bélgica, séc. III).<br />
Pertenceu à ordem senatorial e padeceu por Cristo no<br />
tempo do Imperador Maximiano.<br />
G. Kralj<br />
23. São João de Capistrano, presbítero (†1456).<br />
24. Santo Antonio Maria Claret, bispo (†1870). Ordenado<br />
sacerdote, durante vários anos se dedicou a pregar ao<br />
povo pelas comarcas de Catalunha, na Espanha. Fundou a<br />
Sociedade dos Missionários Filhos do Coração Imaculado<br />
da Virgem Maria e, ordenado Bispo de Santiago de Cuba,<br />
trabalhou de modo admirável pelo bem das almas. Tendo<br />
regressado à Espanha, teve de suportar muitas provações<br />
Beato João Paulo II - Museu<br />
Arquidiocesano, Cracóvia (Polônia)<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Castelo de La Brède, beleza<br />
Força e placidez, longe de se excluírem, harmonizam-se perfeitamente<br />
nesta construção iniciada no século XIV, a respeito da qual<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tece interessantes comentários.<br />
V<br />
amos fazer uma exposição de alguma coisa da<br />
Europa, que desperte o senso do maravilhoso,<br />
do admirável, do estupendo, do esplêndido, porque<br />
a apetência das coisas maravilhosas é um elemento<br />
fundamental para o desenvolvimento de uma verdadeira<br />
civilização, desde que esse maravilhoso seja reto e bom.<br />
Pequena fortaleza maravilhosa<br />
Temos aqui uma espécie de micromaravilhoso, cuja<br />
maravilha consiste precisamente em ser micro. Trata-se<br />
de um pequeno castelo francês, não de grande luxo. É<br />
uma habitação comum, mas que possui as proporções de<br />
um castelo. E tem uma certa importância histórica porque<br />
é o chamado Castelo de La Brède, aonde morou o<br />
malfazejo e célebre Montesquieu 1 . Está situado na Gironde,<br />
nas proximidades de Bordeaux.<br />
Para compreendermos a arquitetura um pouco singular<br />
do castelo, nota-se que ele se compõe de um corpo<br />
grande e, junto dele, outras construções menores.<br />
O castelo possui um sistema de defesa na hipótese de<br />
um ataque. Pelo traçado do lago, percebe-se que ele é artificial,<br />
ou natural, mas que foi muito retificado em seus<br />
contornos, para que pudesse ser utilizado de fosso para<br />
o castelo. Todas as janelas do castelo ficam a uma considerável<br />
altura da superfície das águas. De maneira que<br />
ao se encostar um barco com homens armados, estes facilmente<br />
podem ser atingidos pelos defensores postados<br />
nas janelas mais altas. E o ataque direto ao castelo, para<br />
quem queira atingi-lo por água, fica difícil.<br />
Então o recurso é atacá-lo por terra, tentando entrar<br />
pela porta, mas encontrarão várias dificuldades, pois é<br />
uma verdadeira fortaleza. Suspendendo-se a ponte levadiça,<br />
a porta é quase inacessível.<br />
32
e encanto<br />
Uma moldura de irrealidade<br />
Pode-se dizer que é um castelo estritamente funcional,<br />
porque todas as suas partes foram calculadas para<br />
uma determinada função militar muito definida. Apesar<br />
de ele ser estritamente funcional, não lhe faltam uma<br />
grande beleza e um grande encanto. E isso não obstante<br />
o fato de se tratar de uma construção pobre.<br />
De onde vem essa beleza e esse encanto? Qual é o valor<br />
artístico desse castelo, construído manifestamente<br />
com a preocupação principal de ser uma fortaleza e não<br />
um bonito edifício?<br />
Tenho a impressão de que o primeiro elemento de beleza<br />
é dado pelas águas. Tudo o que fica à beira da água<br />
sobe de valor. Se imaginássemos esse castelo colocado<br />
no meio do campo, ele perderia enormemente. Mas<br />
a água lhe dá uma moldura de irrealidade. O céu e diversos<br />
aspectos do castelo nela se refletem, e com esta<br />
proximidade da água toda a arquitetura se nobilita. Há<br />
um modo digno e plácido do castelo dominar a água que<br />
lhe dá uma espécie de distinção aristocrática tranquila. E<br />
por esta forma o castelo sai da linha do vulgar.<br />
De outro lado, o que é bonito nele é o contorno da<br />
ilha. Se bem que não seja um contorno regular, há uma<br />
espécie de suavidade, de inopinado, de doçura nessa forma.<br />
E o que o telhado tem de um pouco achatado é vantajosamente<br />
compensado pelas torres que de um lado e<br />
de outro se levantam.<br />
A principal das torres parece dominar todo o castelo<br />
com a sua massa; depois há outras menores que fazem<br />
cortejo a ela e um telhado que dá a impressão de ser<br />
da capela do castelo, encastoada no corpo da construção.<br />
Fica-se agradavelmente surpreendido por essas formas<br />
tão diferentes. Há uma torre que tem um quê de indefinivelmente<br />
digno e plácido, apesar de seu ar de for-<br />
33
34<br />
Luzes da Civilização Cristã
tificação. Essa torre é flanqueada por duas outras torres<br />
menores, que lhe dão como que um apoio, e se perde nas<br />
águas distanciadas do resto. E muito inopinadamente<br />
existe um quadrilátero, realçado por uma espécie de arbusto<br />
no centro de um grande gramado verde, com a beleza<br />
dos gramados europeus.<br />
Harmonia entre nobreza e povo<br />
O conjunto dá um ar simultâneo de calma, dignidade,<br />
altaneria, distinção, harmonia, mas ao mesmo tempo de<br />
fantasia com esses corpos de edifício que distraem a vista<br />
e agradavelmente fixam o olhar sobre a massa do edifício<br />
e o lago. É o charme, o encanto do pequeno castelo<br />
e da vida da pequena nobreza já mais próxima ao povo.<br />
Nobreza que existe na familiaridade dos homens do trabalho<br />
manual, e que constitui o ponto de apoio da verdadeira<br />
aristocracia na massa da nação. Nobreza que conseguiu,<br />
em algumas regiões da França, levantar os camponeses<br />
contra a Revolução Francesa e produzir a chouannerie<br />
2 . E esse tipo de castelo exprime isso.<br />
De que gênero era a vida que aqui se levava?<br />
Em geral, as famílias desse tipo eram numerosas. O filho<br />
mais velho ficava habitando no castelo e exercia ao<br />
mesmo tempo alguns poderes governativos sobre seus<br />
súditos, e como o castelo era a sede de uma propriedade<br />
rural grande, ele se dedicava à exploração da agricultura<br />
e da criação. Isso é um resto de feudalismo, que é o<br />
regime político, social e econômico no qual esse tipo de<br />
construção foi concebido.<br />
Um nobre dessa categoria, de vez em quando, frequentava<br />
a corte real, aonde, conforme o protocolo, ele<br />
tinha um lugar, embora modesto, mas definido em razão<br />
de sua posição e de seu nascimento. Em geral, a sua vida<br />
era pacífica. Quando moço, ele servia no exército e, tornando-se<br />
um pouco mais maduro, se retirava para as suas<br />
terras e entregava-se no resto de sua vida à agricultura,<br />
à criação, a esse pequeno governo local, à educação<br />
de seus filhos, ao convívio com sua esposa e, de vez em<br />
quando, ia ver o rei em Paris. Era essa a vida calma e<br />
operosa de um castelão desses tempos.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 4/9/1967)<br />
1) Charles de Montesquieu (1689-<strong>175</strong>5), um dos principais teóricos<br />
do liberalismo político; cujas ideias influenciaram diversos<br />
líderes da Revolução Francesa.<br />
2) Movimento armado, de Jean Chouan e seus seguidores<br />
camponeses, que se opôs heroicamente à Revolução Francesa.<br />
35
Nossa Senhora da Conceição<br />
Aparecida - Santuário Nacional<br />
de Aparecida, São Paulo (Brasil)<br />
Marcos Enoc<br />
P<br />
ode-se dizer que o Brasil é<br />
um feudo de Nossa Senhora<br />
enquanto concebida sem pecado<br />
original, ou seja, da Imaculada<br />
Conceição.<br />
O fato dessa imagem ter sido<br />
encontrada no Rio Paraíba, no século<br />
XVIII, é de grande significado para<br />
o Brasil. Naquela época, embora<br />
francamente admitido pela maioria<br />
dos católicos, o dogma da Imaculada<br />
Conceição ainda não estava definido. E<br />
fazer uma profissão de Fé nesse augusto<br />
privilégio de Nossa Senhora constituía<br />
um distintivo de requintada ortodoxia.<br />
Ora, exatamente a partir do<br />
aparecimento dessa imagem, mais<br />
de um século antes da definição<br />
dogmática, foi o Brasil colocado<br />
sobre o patrocínio da Imaculada<br />
Conceição. Isto indica um chamado<br />
especial da Mãe de Deus para<br />
nossa Pátria, e é motivo de imenso<br />
júbilo para todos os brasileiros<br />
devotos da Santíssima Virgem.<br />
(Extraído de conferência de 12/10/1970 )