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Publicação Mensal Ano XV - Nº <strong>173</strong> Agosto de 2012<br />
Rainha, Mãe<br />
e Discípula!
Foto: Sailko<br />
Extraordinária<br />
lucidez<br />
Em um de seus célebres<br />
afrescos, Fra Angelico<br />
representa São Domingos<br />
ainda muito moço, vestido<br />
com hábito dominicano, numa<br />
atitude pensativa, meditando ao<br />
pé da Cruz.<br />
A pintura mostra um<br />
personagem muito sereno e<br />
calmo. No todo externo deste<br />
homem há algo de luminoso. Ele<br />
irradia uma luz que não é física,<br />
mas espiritual. Não se trata<br />
do viço da mocidade, também<br />
presente nele; é uma espécie<br />
de luz interior, mais ou menos<br />
indefinível, decorrente de uma<br />
extraordinária lucidez e de uma<br />
clara visão das coisas.<br />
(Extraído de conferência de<br />
11/4/1972)<br />
São Domingos de Gusmão<br />
(por Fra Angelico) – Mosteiro de<br />
São Marcos, Florença (Itália)<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XV - Nº <strong>173</strong> Agosto de 2012<br />
Ano XV - Nº <strong>173</strong> Agosto de 2012<br />
Rainha, Mãe<br />
e Discípula!<br />
Na capa, Coroação<br />
de Nossa Senhora –<br />
Metropolitan Museum<br />
of Art, Nova York<br />
(Estados Unidos)<br />
Foto: François Boulay<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
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Tel: (11) 2606-2409<br />
Editorial<br />
4 Rainha, Mãe e Discípula!<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 6 de agosto de 1972<br />
Lágrimas, milagroso aviso<br />
De Maria Nunquam Satis<br />
6 Rainha e Mãe…<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
12 Honra, louvor e glória - II<br />
Hagiografia<br />
16 São João Maria Vianney, modelo<br />
para os sacerdotes<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
20 Sofrimento: um meio de santificação<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
22 Processo do pensamento<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum .............. R$ 107,00<br />
Colaborador .......... R$ 150,00<br />
Propulsor ............. R$ 350,00<br />
Grande Propulsor ...... R$ 550,00<br />
Exemplar avulso ....... R$ 14,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
Calendário dos Santos<br />
28 Santos de Agosto<br />
Dona Lucilia<br />
30 Onde há respeito tudo entra nos eixos…<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
32 Il Gesù<br />
3
Editorial<br />
Rainha, Mãe<br />
e Discípula!<br />
Infelizmente, nas últimas gerações se observa um crescente desinteresse no estudo sério da<br />
doutrina. Com isso, aceitam-se as verdades de Fé muitas vezes por hábito, por costume, não<br />
por convicção, sem portanto a preocupação em aprofundar as razões que justificam essa crença.<br />
Sendo de instituição divina, tudo na Santa Igreja Católica é belíssimo e tem a sua explicação. Basta<br />
se procurar e se encontrará uma joia.<br />
É o que ocorre, por exemplo, com o título tão difundido e, ao mesmo tempo, pouco conhecido de<br />
Rainha, merecidamente atribuído à Mãe de Deus.<br />
Em princípio, todo católico aceita sem problema e até invoca Nossa Senhora como Rainha. Entretanto,<br />
quantos conhecerão as fundamentações doutrinárias mais elevadas e saberão explicá-las a<br />
seus filhos?<br />
Ora, o que não se aprofunda pela razão, torna-se mero hábito que em poucas gerações se perde.<br />
Ao olvido de suas fundamentações teóricas se seguem as dúvidas, véspera da negação formal...<br />
Quantas verdades não sofreram esse processo de extinção nas mentes das pessoas?<br />
Além de nos conduzir por belíssimos princípios que alicerçam este título de Rainha – da Igreja, da<br />
História e dos homens – atribuído a Maria Santíssima, neste número <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos desvenda uma<br />
questão muito original e de toda pulcritude: Qual era o procedimento de Nossa Senhora como Rainha<br />
dos Apóstolos, na Igreja nascente? Por um lado, Ela era leiga, obedecendo, portanto, à Sagrada<br />
Hierarquia instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja, aos Apóstolos com quem convivia. Mas<br />
uma discípula que é ao mesmo tempo Filha bem amada do Pai, Mãe admirável do Filho e Esposa fidelíssima<br />
do Espírito Santo! De seu lado, os Apóstolos, como se relacionavam com Ela?<br />
E, como tantas vezes se admira em seus escritos e conferências, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> levanta um tema de toda<br />
beleza: com Pentecostes, caiu a venda dos olhos dos Apóstolos e discípulos a respeito da Pessoa de<br />
Jesus Cristo, conforme o Divino Mestre anunciara na Santa Ceia: “Tenho ainda muitas coisas a vos<br />
dizer, mas não sois capazes de compreender agora. Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, vos guiará<br />
em toda a verdade.” (Jo 16,12-13). E nessa verdade, não estaria incluído também o conhecimento<br />
de toda a grandeza de Maria Santíssima? Seria possível a compreensão do Filho e não da Mãe?<br />
São Luís Grignion de Montfort em seu “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”<br />
trata com timbre profético de um Reino de Maria vindouro em que os homens respirarão Maria como<br />
se respira o ar, e no qual, por fim, a humanidade dará plena glória a Deus. Pois bem, todo católico<br />
pode tornar essa futura era marial presente já pelo menos em sua alma, fazendo com que em si<br />
Nossa Senhora reine inteiramente. Assim, para que Ela se torne Rainha de fato em algum lugar, depende<br />
somente de cada um de nós...<br />
Peregrinemos, enlevados, quase diríamos genuflexos, por esses sublimes panoramas de nossa Santa<br />
Religião na certeza de encontrarmos maravilhas sempre renovadas de encher a alma!<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
6 de agosto de 1972<br />
Lágrimas, milagroso aviso<br />
Em 1972, um fato despertara interesse nos<br />
católicos do mundo inteiro: uma imagem<br />
de Nossa Senhora de Fátima vertera lágrimas<br />
em Nova Orleans, Estados Unidos. A fim<br />
de atender aos anelos de seus leitores a este respeito,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> serviu-se de sua tribuna semanal<br />
na “Folha de São Paulo” para analisar o acontecimento.<br />
Sob a direção imediata [da Irmã Lúcia], um<br />
artista esculpiu duas imagens, que correspondem<br />
o quanto possível aos traços fisionômicos<br />
com que a Santíssima Virgem apareceu em Fátima.<br />
Ambas essas imagens, chamadas “peregrinas”,<br />
têm percorrido o mundo, conduzidas por<br />
sacerdotes e leigos. Uma delas foi levada recentemente<br />
a Nova Orleans. E ali verteu lágrimas.<br />
O Pe. Romagosa 1 tinha ouvido falar dessas lacrimações<br />
pelo Pe. Joseph Breault, M. A. P., ao<br />
qual está confiada a condução da imagem. Entretanto,<br />
sentia ele funda relutância em admitir<br />
o milagre. Por isto, pediu ao outro sacerdote<br />
que o avisasse assim que o fenômeno começasse<br />
a se produzir.<br />
O Pe. Breault, notando alguma umidade nos<br />
olhos da Virgem peregrina no dia 17 de julho,<br />
telefonou ao Pe. Romagosa, o qual acorreu junto<br />
à imagem às 21:30, trazendo fotógrafos e jornalistas.<br />
De fato, notaram todos alguma umidade<br />
nos olhos da imagem, que foi logo fotografada.<br />
[...]<br />
Às 6:l5 da manhã seguinte, o Pe. Breault telefonou<br />
novamente ao Pe. Romagosa, informando-o<br />
de que desde as 4 horas da manhã a imagem<br />
chorava. O Pe. Romagosa chegou pouco<br />
depois ao local, onde, diz ele, “vi uma abundância<br />
de líquido nos olhos da imagem, e uma gota<br />
grande de líquido na ponta do nariz da mesma”.<br />
Foi essa gota, tão graciosamente pendente,<br />
que a fotografia divulgada pelos jornais mostrou<br />
a nosso público.<br />
O Pe. Romagosa acrescenta que vira “um movimento<br />
do líquido enquanto surgia lentamente<br />
da pálpebra inferior”.<br />
Mas ele queria eliminar dúvidas. [...] Cessado<br />
o pranto, o Pe. Romagosa retirou a coroa da cabeça<br />
da imagem: a haste metálica estava inteiramente<br />
seca. Introduziu ele, então, no orifício respectivo,<br />
um arame revestido de papel especial,<br />
que absorveria forçosamente todo líquido que ali<br />
estivesse. Mas o papel saiu absolutamente seco.<br />
Ainda não satisfeito com tal experiência, introduziu<br />
no orifício certa quantidade de líquido.<br />
Sem embargo, os olhos se conservaram absolutamente<br />
secos. O Pe. Romagosa voltou então<br />
a imagem para o solo: todo o líquido colocado<br />
no orifício escorreu normalmente. Estava cabalmente<br />
provado que do orifício da cabeça —<br />
único existente na imagem — nenhuma filtração<br />
de líquido para os olhos seria possível.<br />
O Pe. Romagosa ajoelhou-se. Enfim ele acreditara.<br />
* * *<br />
O misterioso pranto nos mostra a Virgem de<br />
Fátima a chorar sobre o mundo contemporâneo,<br />
como outrora Nosso Senhor chorou sobre Jerusalém.<br />
Lágrimas de afeto terníssimo, lágrimas<br />
de dor profunda, na previsão do castigo que virá<br />
para os homens do século XX se não renunciarem<br />
à impiedade e à corrupção.<br />
Ainda é tempo, pois, de sustar o castigo, leitor,<br />
leitora! Se vier, tenho por lógico que haverá<br />
nele, pelo menos, uma misericórdia especial para<br />
os que, em sua vida pessoal, tenham tomado a<br />
sério o milagroso aviso de Maria.<br />
É para que minhas leitoras, meus leitores, se<br />
beneficiem dessa misericórdia, que lhes ofereço<br />
o presente artigo...<br />
(Extraído da “Folha de São Paulo”<br />
de 6/8/1972)<br />
1) Pe. Elmo Romagosa, autor do artigo “As lágrimas<br />
da imagem molharam meu dedo” publicado em<br />
“Clarion Herald” — semanário de Nova Orleans<br />
distribuído em onze paróquias do Estado de Louisiana.<br />
5
De Maria Nunquam Satis<br />
Rainha e Mãe…<br />
Fotos: T. Ring / G. Kralj<br />
Trazendo em seu seio virginal o Salvador do gênero humano,<br />
Maria Santíssima foi, de algum modo, Rainha do sagrado fruto de<br />
suas entranhas, o Messias esperado das nações!<br />
Qual é o fundamento da realeza de Nossa Senhora?<br />
Por que Ela é Rainha? Em que consiste esse título?<br />
Antes de tudo, cumpre considerar que convém<br />
a um rei ser filho de uma rainha. Ora, sendo Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo Rei de todos os homens — quer<br />
enquanto Deus, quer enquanto homem —, a realeza de<br />
Nossa Senhora resulta do fato de ser Ela a Mãe do Rei.<br />
Entretanto, há também uma razão muito mais profunda.<br />
Virgem concebida sem pecado original, cujas<br />
orações trouxeram o Salvador ao mundo<br />
Desde o pecado de Adão, havia quatro mil anos de separação<br />
entre Deus e os homens, durante os quais não se<br />
podia ir para o Céu, ficava-se no Limbo à espera do momento<br />
em que Nosso Senhor Jesus Cristo nascesse e resgatasse<br />
a humanidade.<br />
Aguardava-se, então, que Deus criasse aquela Virgem<br />
excepcional, dotada de uma santidade e de uma perfeição<br />
que os homens jamais poderiam imaginar, de cujo<br />
ventre nasceria o Salvador.<br />
Vendo qual era o estado miserável da humanidade,<br />
Maria Santíssima pedia a Deus que enviasse o Salvador à<br />
Terra nos seus dias. Ela ansiava também conhecer a Mãe<br />
do Salvador e poder servi-La como criada ou escrava.<br />
Podemos imaginar o que deve ter sido o estremecimento<br />
de alma de Nossa Senhora quando teve conhecimento,<br />
pela saudação angélica, de que essa pessoa era Ela<br />
mesma. Qual foi o sobressalto virtuoso, santo e ao mesmo<br />
tempo jubiloso da alma d’Ela, vendo que era escolhida<br />
para ser a Mãe de Deus?!<br />
Então compreendemos bem a perfeição da resposta<br />
da Virgem ao Anjo: “Eis a escrava do Senhor, faça-<br />
-se em Mim segundo tua palavra” (Lc 1, 38). Quer dizer:<br />
“Eu julgava que não merecia, não estava ao meu alcance,<br />
mas, uma vez que vem de Deus o convite, faça-se em<br />
Mim segundo a tua palavra.” Nesse momento o Espírito<br />
Santo atuou em Nossa Senhora e foi concebido n’Ela<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
As relações de alma entre o Filho<br />
e a Mãe durante a gestação<br />
Começava então o período belíssimo em que Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo vivia em Maria. Durante todo o tempo<br />
da gestação, Ela foi o sacrário dentro do qual Nosso<br />
Senhor dava glória ao Padre Eterno.<br />
Pelo conhecido processo do desenvolvimento da<br />
criança no claustro materno, Ele recebia d’Ela, continuamente,<br />
os elementos necessários para a formação de seu<br />
corpo. Mas não devemos imaginar que esta relação tão<br />
íntima entre a mãe e o filho, quando este vive no claustro<br />
materno, fosse apenas física e corpórea. Era também<br />
uma relação espiritual e sobrenatural.<br />
À medida que, do corpo e do sangue de Maria, Nosso<br />
Senhor ia formando o seu próprio Corpo, estabeleciam-<br />
-se relações de alma entre Ele e Ela cada vez mais íntimas,<br />
de maneira tal que, no momento do nascimento,<br />
o processo de união de Jesus com Nossa Senhora também<br />
chegou a seu termo. E em Belém, quando Ela, pela<br />
primeira vez, O contemplou com seus próprios olhos,<br />
havia terminado um processo intimíssimo de união cujo<br />
verdadeiro alcance só poderemos compreender no Céu,<br />
na medida em que não haja nessa realidade tão sublimes<br />
mistérios que sobrepujem a qualquer compreensão.<br />
Nossa Senhora foi, de algum modo,<br />
Rainha de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
Mas não devemos imaginar que, nascendo Nosso Senhor,<br />
a união d’Ele com Ela diminuiu; pelo contrário,<br />
sendo a Virgem Maria cada vez mais santa e perfeita, a<br />
união d’Ela com Ele se desenvolvia sempre mais, de maneira<br />
que aquela união havida durante toda a gestação<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo, depois do nascimento foi<br />
crescendo ainda mais. E Nossa Senhora tinha mais união<br />
com Ele no momento da morte de Jesus do que em qualquer<br />
outra ocasião da vida, porque ali as relações entre<br />
os dois tinham chegado a um ápice.<br />
6
Na Anunciação, podemos<br />
imaginar o sobressalto<br />
virtuoso, santo e ao mesmo<br />
tempo jubiloso da alma<br />
de Nossa Senhora ao<br />
ver que Ela era escolhida<br />
para ser a Mãe de Deus!<br />
Anunciação – Basílica do Pilar,<br />
Zaragoza (Espanha)<br />
Ou seja, quando vivia em Nossa Senhora, Jesus estava<br />
em relação a Ela numa dependência completa, como<br />
está o filho no claustro materno, o qual não tem vontade<br />
própria, mas depende inteiramente da mãe. Nosso<br />
Senhor não iria ficar “independentoso” depois que<br />
nasceu. Pelo contrário, celebra-se a obediência, a união<br />
d’Ele com seus pais. Quer dizer, Nossa Senhora foi tendo<br />
uma autoridade materna cada vez mais enriquecida<br />
em relação a Nosso Senhor, até o momento d’Ele morrer.<br />
Então, a esse título, Nossa Senhora foi, de algum<br />
modo, Rainha de Nosso Senhor. E quem é Rainha de<br />
Nosso Senhor é Rainha de tudo, evidentemente. E a<br />
realeza de Maria vem do poder e autoridade que Ela<br />
exerceu sobre Aquele que é o Poder e a Autoridade, e<br />
que Nossa Senhora conservou até o fim de seus dias, e<br />
tem no Céu.<br />
Assim compreendemos por que Nossa Senhora é chamada<br />
a onipotência suplicante. Ela não é senão uma<br />
criatura humana, uma escrava de Deus. Mas, como Mãe<br />
de Deus, sua súplica é onipotente. É pela vontade de<br />
Deus que todos os desejos d’Ela são atendidos. Aquela<br />
que sempre é atendida por Aquele que é o Rei do Universo,<br />
evidentemente é a Rainha do Universo. A realeza<br />
de Maria tem como ponto de partida a realeza d’Ela sobre<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Então é uma realeza que contém todas as outras realezas,<br />
todas as alegrias, todos os direitos, etc. A autoridade<br />
d’Ela sobre a Igreja, sobre cada católico, resulta deste<br />
fato: Ela é a Mãe de Deus e tem com Deus essa relação.<br />
Então Ela é a Rainha.<br />
Por ser a Medianeira Universal,<br />
Nossa Senhora é a Rainha de cada<br />
alma individualmente<br />
O que significa a realeza de Maria vista, não desse ângulo<br />
altíssimo, mas num aspecto mais acessível à consideração<br />
de todos nós, homens?<br />
Todas as nossas preces, todos os nossos atos de adoração,<br />
de ação de graças, de reparação, de louvor que queremos<br />
fazer subir ao trono de Deus, devem ser feitos por<br />
meio de Nossa Senhora.<br />
E, em sentido inverso, todos os dons que recebemos<br />
dos Céus nos vêm por meio de Nossa Senhora. De maneira<br />
que Ela é o canal necessário entre nós e Deus. Não<br />
necessário pela natureza das coisas, mas Deus, por um<br />
ato de sua vontade livre, estabeleceu que fosse assim. Ela<br />
é, portanto, a Medianeira de todas as graças.<br />
É verdade de Fé que tudo aquilo que todos os santos<br />
pedissem, não por intermédio de Nossa Senhora, eles<br />
não receberiam. Mas tudo quanto Maria Santíssima pede,<br />
sem que nenhum santo peça, Ela recebe. Compreendemos,<br />
então, que qualquer oração que um de nós faça,<br />
ou é encaminhada por meio de Nossa Senhora, ou Deus<br />
Nosso Senhor ignora. Ela é a Medianeira Universal de<br />
todas as preces que vão para Deus, o canal de todas as<br />
graças que Deus concede aos homens.<br />
Esta grande verdade coloca Nossa Senhora na posição<br />
que Ela deve tomar no culto católico. E está, em larga<br />
medida, imbricada no livro de São Luís Grignion de<br />
Montfort a respeito da verdadeira devoção a Maria Santíssima.<br />
Quer dizer, o princípio da escravidão a Nossa Se-<br />
7
De Maria Nunquam Satis<br />
nhora se funda em grande parte nessa verdade, que faz<br />
par com a verdade de que a Santíssima Virgem é a onipotência<br />
suplicante.<br />
Minha vida é, em última análise, dirigida, ritmada,<br />
orientada segundo os desígnios da Providência, de acordo<br />
com as graças que eu recebo. Então, Nossa Senhora é<br />
minha Rainha, e Ela dispõe de mim como quer. Minha<br />
vida espiritual tem Maria Santíssima como centro. Ela<br />
é, portanto, Rainha de cada alma individualmente, pois,<br />
concedendo essas graças, Nossa Senhora governa as almas.<br />
Ela é, portanto, Rainha de todas as almas, Rainha<br />
dos Corações.<br />
A Rainha dos Corações, pela ação da graça<br />
Esta é uma linda invocação, cujo sentido é preciso<br />
entender, e que está muito relacionada com a devoção<br />
a Nossa Senhora conforme a escola de São Luís Maria<br />
Grignion de Montfort.<br />
O que vem a ser a Rainha de todos os corações?<br />
O coração não é principalmente símbolo da ternura e<br />
do afeto. Na linguagem da Escritura, que é evidentemente<br />
o sentido empregado pela Igreja quando fala de Nossa<br />
Senhora Rainha dos Corações, o coração significa o ânimo,<br />
a mentalidade, a vontade do homem.<br />
Ser Rainha dos Corações significa que Maria Santíssima<br />
tem poder sobre a mente e a vontade dos homens.<br />
Ela pode desvencilhar os homens dos defeitos que eles<br />
têm e tornar tão vivo o atrativo para o bem, que os leve<br />
— não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça<br />
— para onde Ela entenda. Então, Nossa Senhora Rainha<br />
dos Corações é, por excelência, Nossa Senhora Rainha.<br />
Nossa Senhora é também a<br />
Rainha da sociedade humana<br />
Como Maria Santíssima é Rainha do coração, da<br />
mentalidade de cada homem individualmente considerado,<br />
podemos dizer que Ela é Rainha da sociedade humana,<br />
da opinião pública, porque esta não é senão todas as<br />
mentalidades enquanto imbricadas umas nas outras, influenciando-se<br />
reciprocamente.<br />
O que quer dizer isso concretamente?<br />
Deus não criou o universo ao acaso; tudo que Ele faz é<br />
com conta, peso e medida. Consideremos o número enorme<br />
de camarões que existem no mar, e o número dos que<br />
houve desde o início do mundo e haverá até o fim. Essa<br />
imensa quantidade de camarões forma uma coleção que<br />
exprime a natureza “camarônica”, se assim se pudesse dizer,<br />
em todos os seus aspectos, de maneira que quando<br />
chegar a vez do último camarão criado se extinguir, está<br />
constituída uma série admirável de camarões que desapareceram,<br />
mas ficam nas realizações de Deus, na história<br />
do universo como uma perfeição que Deus fez.<br />
Assim também, quando estiverem reunidos no vale de<br />
Josafá para serem julgados, os homens notarão que são<br />
uma coleção e que tudo quanto há na natureza humana<br />
de possível foi de algum modo expresso por cada homem.<br />
De maneira que na obra de Deus faltaria algo se<br />
tal homem não tivesse sido criado. Cada um tem um papel<br />
num plano sublimíssimo, que se revelará por ocasião<br />
Nossa Senhora é<br />
Rainha desta enorme<br />
“alma coletiva” da<br />
humanidade, que é a<br />
opinião pública, com<br />
todas as interações<br />
e interinfluências<br />
que a constituem.<br />
Nossa Senhora Rainha – Abadia<br />
beneditina de Subiaco, Itália<br />
8
Cada homem tem um papel num plano sublimíssimo, que se revelará por ocasião do<br />
Juízo Final – Detalhe do Pórtico do Juízo Final – Catedral de Amiens (França)<br />
do Juízo Final. E depois ficará revelado para todo o sempre<br />
qual foi o plano de Deus com o gênero humano, e<br />
quais pessoas foram chamadas para o Céu porque mereceram,<br />
e quais foram para o Inferno.<br />
Assim, os homens são passíveis de serem vistos num<br />
olhar de conjunto. E o gênero humano visto em torno<br />
d’Aquele que é a sua expressão mais perfeita, e contém e<br />
sublima tudo quanto há no gênero humano de belo: Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo. E, infinitamente depois d’Ele,<br />
mas incomensuravelmente antes de todos os homens, a<br />
Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora.<br />
Essa coleção dos homens que há, houve e haverá se<br />
chama gênero humano. E dentro do gênero humano<br />
não existe um salto. Os grandes saltos não estão na regra<br />
geral da obra do Criador. Entre o gênero humano<br />
e cada homem individualmente, existem os grandes grupos<br />
humanos, que são as raças. Dentro das raças, as nações;<br />
dentro das nações, as regiões; das regiões, as cidades;<br />
das cidades, as famílias; e dentro das famílias, os homens.<br />
Quer dizer, formam um conjunto de grupos que ligam<br />
o homem ao grupo supremo, que é o gênero humano;<br />
constituem então, de A até Z, a estrutura da humanidade.<br />
Nesse sentido o que é uma nação, um país? É, por sua<br />
vez, uma espécie de coleção, um dos aspectos da humanidade<br />
que se revela de certo modo; um denominador<br />
comum de todos os homens que constituem aquela nação<br />
e que exprimem uma virtualidade da natureza humana.<br />
Esse todo repete de algum modo dentro de si o que<br />
é o gênero humano. Essa coleção é como um mosaico<br />
constituído pelos indivíduos vivos, mas que têm uma projeção<br />
na História e uma continuação naqueles que viverão.<br />
É propriamente isto que constitui, na sua visão completa,<br />
a sociedade humana.<br />
Nossa Senhora é, então, Rainha desta enorme alma<br />
coletiva — se se pudesse usar esta metáfora — da humanidade,<br />
que é a opinião pública, com todas as interações,<br />
as interinfluências que a constituem.<br />
Uma sociedade que aceita<br />
o governo de Nossa Senhora<br />
Como é uma sociedade que obedece a Nossa Senhora?<br />
Santo Agostinho definiu isso perfeitamente, apresentando<br />
uma imagem magnífica da sacralidade, do respeito,<br />
da ordem, do bem-estar da alma e do corpo.<br />
Contra a afirmação dos pagãos de seu tempo de que<br />
a causa de tantas desordens no mundo era o fato de haver<br />
católicos, o Bispo de Hipona fez a seguinte apóstrofe:<br />
“Imaginai um reino onde o rei e os súditos, os generais e<br />
os soldados, os pais e os filhos, os professores e os alunos<br />
são católicos e procedem de acordo com a Doutrina Católica!<br />
Vós tereis a ordem humana perfeita. Ordem de<br />
paz, de glória, de sabedoria, de esplendor, de felicidade.”<br />
Essa é a ordem que nasce do fato de todo mundo fazer<br />
a vontade de Deus, e, portanto, a de Nossa Senho-<br />
9
De Maria Nunquam Satis<br />
C<br />
Rainha dos Apóstolos<br />
omo Nossa Senhora exercia sua realeza sobre os<br />
Apóstolos?<br />
A situação era, debaixo de todos os pontos de vista, delicada;<br />
uma dessas situações que a sabedoria divina, por<br />
assim dizer, se empenha em resolver com brilho especial.<br />
A Santíssima Virgem era Rainha do Céu e da Terra. Portanto,<br />
Rainha e Mãe da Santa Igreja Católica. Porém, na<br />
Igreja, Ela não possuía um cargo especial de jurisdição.<br />
Quer dizer, a Hierarquia Católica foi, desde o primeiro<br />
instante, constituída essencialmente pelo papa, pelos bispos<br />
e pelos sacerdotes incumbidos de participar, com os bispos<br />
e sob a ordem destes, do governo da Igreja. Ora, Nossa Senhora,<br />
sendo do sexo feminino, não podia pertencer à Hierarquia.<br />
Isso criava, então, uma situação bonita e complexa:<br />
Ela era Rainha da Igreja, mas na Igreja era súdita daqueles<br />
de quem Ela era Rainha. E Maria Santíssima devia prestar,<br />
enquanto membro da Igreja discente, homenagem, reverência,<br />
obediência àqueles de quem Ela era Rainha.<br />
Mas, de outro lado, ponham-se, por exemplo, na posição<br />
de São Pedro — o Chefe da Igreja, o Príncipe dos Apóstolos:<br />
dar ordens a Nossa Senhora, sua Rainha? Ele ordenava<br />
e Ela obedecia. Mas, pensem um pouco… Que Rainha!<br />
Imaginemos — para termos uma pálida ideia dessa situação<br />
— que a esposa de um rei fosse, de repente, parar<br />
numa ilha que é dirigida por um governadorzinho qualquer<br />
das terras de seu marido. A função de governador<br />
é dele, a rainha reinante propriamente não governa. Mas<br />
como ele vai dispor a respeito da rainha?<br />
E essa comparação não é inteiramente verdadeira. Porque<br />
Nossa Senhora não era Rainha apenas, mas Esposa<br />
do Divino Espírito Santo e Mãe do Rei da Igreja, que é<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela possuía uma autoridade<br />
de outra natureza, de outro tipo, sobre a Igreja Católica.<br />
Ela obedecia a São Pedro, de uma obediência efetiva,<br />
humilde, enlevada, cheia de entusiasmo; nunca ninguém<br />
obedeceu melhor à Sagrada Hierarquia do que a Santíssima<br />
Virgem, porque, sendo a obediência à Sagrada Hierarquia<br />
uma virtude essencial, então Nossa Senhora a<br />
praticou de um modo inconcebivelmente perfeito. Mas,<br />
de outro lado, Ela possuía esse reinado sobre as almas<br />
dos Apóstolos, que Ela exercia de modo perfeito.<br />
Quer dizer, Nossa Senhora tinha um conhecimento, antes<br />
de tudo, profundo, bem entendido, sobrenatural, da<br />
mentalidade de todos os Apóstolos, sacerdotes e discípulos<br />
de Nosso Senhor. Ela privava, conversava com eles.<br />
O que era esse conversar? Não pensemos que consistia<br />
apenas numas consultinhas. Devia ser normalmente<br />
um trato por onde eles e Nossa Senhora discorriam; não<br />
iam eles contar novidades insípidas, banais, mas falavam<br />
das coisas de Deus e de tal maneira que havia uma comunicação<br />
de alma, propriamente uma conversa.<br />
Naturalmente, compreendemos como seria a conversa<br />
de qualquer pessoa com Nossa Senhora. Quer dizer, a<br />
pessoa balbucia alguma coisa e Ela se põe a falar. O resto<br />
é enlevo, veneração, admiração, é absorção e tudo quanto<br />
podemos imaginar.<br />
Mas eles também diziam algo. Não eram solilóquios<br />
em que apenas Ela falava. Eles conversavam. E, como<br />
boa Mãe, Maria Santíssima gostava de ouvir o que eles<br />
tinham a dizer. E Ela sabia qual a missão de cada um na<br />
Igreja, porque conhecia o passado, o presente e o futuro;<br />
na economia da Providência, Nossa Senhora conhecia<br />
não só a função que eles tinham, ou teriam, mas o<br />
que Deus queria que fizessem: de um, que convertesse<br />
um povo; de outro, que morresse lapidado; de outro, que<br />
construísse uma igreja; de outro, que transpusesse o mar<br />
e fosse fundar uma cristandade num ponto remoto.<br />
Conhecendo tudo isso, em todo trato que tinha com<br />
eles, Ela ia dispondo a alma de cada um de acordo com<br />
os desígnios de Deus. Daí decorria um convívio lindíssimo,<br />
maravilhoso, que os Apóstolos e os que se aproximavam<br />
d’Ela sabiam notar e respeitar no mais alto grau.<br />
Vemos assim o efeito de Pentecostes. Os Apóstolos,<br />
que tinham tratado com Nosso Senhor, foram tão frios<br />
com o Redentor na hora extrema; dir-se-ia que não entenderam<br />
Nosso Senhor. Mas depois de terem recebido<br />
o Espírito Santo, a vista deles ficou inteiramente clara;<br />
conhecendo a Mãe de Deus, insondavelmente perfeita,<br />
mas infinitamente inferior a Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
eles, entretanto, sabiam admirá-La, dar-Lhe o apreço e a<br />
veneração que deviam.<br />
Assim, na Igreja nascente Ela irradiava, para um círculo<br />
inicial de pessoas, toda essa beleza. Houve, então,<br />
um altíssimo grau de devoção a Nossa Senhora. E a primeira<br />
expansão da Igreja foi intensamente iluminada por<br />
este fogo maravilhoso: a presença e a ação de Maria Santíssima.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 31/5/1972)<br />
10
A primeira expansão da Igreja foi<br />
intensamente iluminada por este<br />
fogo maravilhoso: a presença e<br />
a ação de Maria Santíssima.<br />
A intercessão de Cristo e de Nossa<br />
Senhora – Metropolitan Museum of<br />
Art, Nova York (Estados Unidos)<br />
ra, que é a Rainha. Essa é a descrição da ordem humana,<br />
tão completamente diversa da desordem que hoje reina.<br />
Qual é a razão pela qual reina essa desordem? No livro<br />
“Revolução e Contra-Revolução” tentamos explicar<br />
isso. A humanidade rompeu com Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo e com Nossa Senhora, rompendo com a Santa<br />
Igreja, porque só está unido a Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
e a Nossa Senhora quem está unido à Santa Igreja Católica.<br />
Rompendo cada vez mais com a Santa Igreja, a desordem<br />
foi entrando no mundo até esse auge em que estamos<br />
atualmente.<br />
Então há os que são chamados para restaurar essa ordem,<br />
implantar o Reino de Maria: a sociedade humana<br />
fazendo a vontade de Nossa Senhora. Porque Nossa Senhora<br />
é a Rainha efetiva de cada alma, dos grupos humanos<br />
menores: família, município, região; e dos grupos<br />
humanos soberanos: nações. Porque Ela é a Rainha efetiva<br />
do gênero humano. Daí deve nascer aquela ordem<br />
perfeita que algum dia existirá na sua plenitude, antes do<br />
mundo acabar.<br />
Rainha de cada um e do mundo inteiro<br />
Então nós não olhamos apenas com saudades para as<br />
épocas católicas que foram, mas, sobretudo, com esperança<br />
para a época católica que virá, o Reino de Maria,<br />
onde todas as coisas serão assim.<br />
Devemos viver apenas de uma grande saudade e de<br />
uma grande esperança? Não. Nós temos a possibilidade,<br />
cada um dentro de si mesmo, de proclamar o Reino<br />
de Maria, dizendo: “Em mim, ó minha Mãe, Vós sois<br />
Rainha. Eu reconheço o vosso direito e procuro atender<br />
às vossas ordens. Dai-me lumen de inteligência, força de<br />
vontade, espírito de renúncia para que as vossas ordens<br />
sejam efetivamente obedecidas por mim. Ainda que o<br />
mundo inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço.”<br />
E nessa torrente de desordem e de pecado que há na<br />
Terra, a alma de quem afirma isso é como um puro e adamantino<br />
brilhante. Assim, Nossa Senhora continua a ter<br />
uns enclaves no mundo: aqueles que a Ela se consagram,<br />
reconhecem todo o poder d’Ela sobre eles e dizem: “Esteja<br />
o mundo revoltado como for, eu me levanto e declaro:<br />
em mim Maria Santíssima manda, e por causa disso<br />
começo a Contra-Revolução, para que Ela mande também<br />
nos outros.”<br />
É a realeza de Nossa Senhora vista por dois lados:<br />
enquanto mandando em mim e, em segundo lugar, fazendo<br />
de mim um soldado da Contra-Revolução. Quer<br />
dizer, um varão que luta para tornar efetiva a realeza de<br />
Nossa Senhora na Terra.<br />
v<br />
(Extraído de conferências de 31/5/1972,<br />
31/5/1974 e 31/5/1975)<br />
11
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Honra, louvor e glória - II<br />
Fotos: T. Ring / G. Kralj / M. Shinoda / Henri Manuel<br />
P<br />
Após considerar o fundamento da honra, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a relaciona<br />
com a glória: tanto uma quanto a outra são merecidas<br />
por quem é autenticamente herói.<br />
ara compreendermos os dois modos de considerar<br />
a honra, imaginemos um menino cujo pai é<br />
couraceiro.<br />
Duas atitudes de um menino<br />
diante do pai couraceiro<br />
Nos dias de parada, um cavalo bem ajaezado, com bela<br />
aparência, aguarda o oficial couraceiro diante de sua<br />
casa. Um ordenança está perto do cavalo, para evitar que<br />
alguém mexa com o animal. O menino vê o pai sair com<br />
couraça, elmo, crina, espada; o ordenança bate a continência,<br />
e o oficial mete o pé no estribo, pula para a sela<br />
e cavalga.<br />
O menino acha aquilo excelente e exclama: “Eu também<br />
serei couraceiro!”<br />
Essa exclamação comum pode ser provocada no menino<br />
por duas atitudes interiores diferentes.<br />
A primeira é: “Como é bonito em si mesmo ser couraceiro!<br />
Como o homem, revestido de couraça, encontra<br />
ali a plena expressão do vigor de alma e de corpo, que é a<br />
excelência do homem! Meu pai fica combativo como um<br />
leão. Se encontrar o inimigo, ele combate como um herói;<br />
e se morrer, ele morre de um modo insigne, excelente.<br />
Como é belo ser assim! Eu também quero me tornar<br />
couraceiro, para ser tão excelentemente homem quanto<br />
é meu pai.”<br />
Outra atitude: “Que bonito! Papai agora vai a cavalo<br />
para o quartel e todo mundo olhará para ele; tal pessoa,<br />
que está lá em frente, vai saudá-lo, frenético, porque<br />
quer ser cumprimentado pelo couraceiro a cavalo, a<br />
fim de que os outros vejam. Eu também quero ter a importância<br />
de papai, ser saudado pelas pessoas<br />
dessa maneira e poder olhar os outros<br />
de cima.”<br />
Esse último é um modo errado de considerar<br />
a excelência. Não é querer uma<br />
perfeição para si mesmo, ser um homem<br />
excelente, mas desejar impor-se aos outros<br />
com a aparência da excelência, sem<br />
ter a preocupação de o ser. É querer ser<br />
palhaço, não couraceiro. São duas coisas<br />
completamente diferentes.<br />
A segunda atitude é mera vaidade; a<br />
primeira é honra.<br />
Couraceiros em desfile militar – Roma, Itália<br />
Querer tornar-se excelente<br />
é, no fundo, procurar<br />
ser um reflexo de Deus<br />
Nesse caso, o que é a honra? É o desejo<br />
eficaz — o que é o primeiro passo de uma<br />
realização — da criança querer ter para si<br />
12
Querer tornar-se excelente é, no<br />
fundo, procurar ser um reflexo<br />
de Deus. Há, portanto, nesse<br />
desejo da honra, para o homem<br />
que tem Fé, um anseio de ter<br />
uma virtude própria a Deus, um<br />
desejo de semelhança com Deus.<br />
E o desejo da semelhança com<br />
Deus é a definição da santidade.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em 1992<br />
uma excelência. Assim como o lenço branquíssimo, ligeiramente<br />
azulado e engomado, tem uma limpeza excelente,<br />
o couraceiro tem uma varonilidade excelente, e o menino<br />
aspira à varonilidade excelente, de alma e de corpo.<br />
Ele quer uma forma de excelência, e vai atrás dela.<br />
Portanto, aspirar a ter honra é, no fundo, o desejo de<br />
possuir uma virtude, praticá-la e de algum modo aproximar-se<br />
de um ideal.<br />
Se examinarmos até o fundo essa noção de ideal, perceberemos<br />
que ela nos dá um certo frêmito. Alguém tem<br />
o ideal de ser um guerreiro, e vê por detrás desse ideal<br />
algo que é maior do que o homem, e tem uma dimensão<br />
tão grande que a isto ele gosta de dar a sua vida.<br />
Porque na realidade esse frêmito que o homem tem<br />
quando percebe a grandeza do heroísmo, é uma atitude<br />
de alma por onde, subconscientemente, ele reconhece a<br />
existência de um Ser supremo, no Qual tocam todas as<br />
grandezas, que possui todas as perfeições e com o Qual o<br />
homem fica mais semelhante.<br />
Deus é onipotente, onisciente e capaz de todas as coisas,<br />
com grandeza. O homem, ficando herói, sente-se<br />
mais próximo, mais semelhante a Deus, como um espelho<br />
que recebe em si a imagem do Sol; ele não é Sol, mas<br />
brilha.<br />
Querer tornar-se excelente é, no fundo, procurar ser<br />
um reflexo de Deus. Há, portanto, nesse desejo da honra,<br />
para o homem que tem Fé, um anseio de ter uma virtude<br />
própria a Deus, um desejo de semelhança com Deus.<br />
E o desejo da semelhança com Deus é a definição da santidade.<br />
Santo é aquele que se tornou semelhante a Deus.<br />
E isto torna patente qual é o mais íntimo do conceito<br />
de honra: confunde-se com o conceito amplo e verdadeiro<br />
de santidade. A honra é o estado do homem quando<br />
ele pratica de modo excelente a virtude. E nisto tem uma<br />
particular semelhança e união com os anjos e com Deus.<br />
Porque o homem que tem de um modo excelente certas<br />
virtudes se parece com os anjos, e dessa forma se assemelha<br />
a Deus. É por mediação que isso se faz.<br />
Honra, louvor e glória<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
Agora, poder-se-ia perguntar qual é a diferença entre<br />
honra, louvor e glória.<br />
São Tomás de Aquino exprime isso magnificamente.<br />
Louvor é o reconhecimento público da honra. Eu presto<br />
honra a alguém quando louvo a qualidade que esse alguém<br />
realmente tem.<br />
É possível haver honra sem louvor? Sim. Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo é a Honra. A palavra “honra”, sendo<br />
um termo humano, diante d’Ele estala, porque Ele é<br />
Deus. Mas, enfim, pode-se dizer que Ele é a Honra. Entretanto,<br />
Nosso Senhor, em muitas ocasiões, não recebeu<br />
louvor, mas vitupério; por exemplo, quando o povo preferiu<br />
Barrabás. A falta de louvor não tira a alguém a honra,<br />
porque esta consiste no se parecer com Deus. E o fato<br />
de os outros não reconhecerem a semelhança que nós temos<br />
com Ele, não nos tira essa semelhança.<br />
A natureza humana santíssima de Jesus tinha a máxima<br />
semelhança possível com Deus. E na sua natureza divina<br />
Ele era o próprio Deus. E os insultos do povo, que<br />
preferiu Barrabás a Nosso Senhor, não Lhe tiraram a<br />
honra. Ele foi louvado quando o povo O recebeu em Jerusalém,<br />
cantando “Hosana ao Filho de Davi.”<br />
Um louvor não Lhe faltou ininterruptamente nesta<br />
Terra: o de Nossa Senhora, o qual vale mais do que to-<br />
13
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
A glória é um louvor insigne. Glorioso é aquele que<br />
foi louvado, de um modo insigne, por todos os seus contemporâneos,<br />
de modo a seu nome perdurar por toda a<br />
posteridade.<br />
Esse louvor da multidão corresponde a uma virtude,<br />
que já não é excelente, mas excepcional; dir-se-ia, por<br />
analogia, principesca ou régia, tem um grau que está para<br />
os outros graus de virtude, como um príncipe ou um<br />
rei está para os súditos de hierarquias inferiores. Tal glória<br />
tem o santo.<br />
Quando a Igreja canoniza alguém e afirma que merece<br />
a honra dos altares, Ela declara que ele está no Céu<br />
e ali ocupa um lugar insigne; ele tem grande intimidade<br />
com Deus, extraordinária proximidade com Nossa Senhora.<br />
A Igreja, então, proclama que, por causa disto, na<br />
Terra ele merece essa glória. Então, o nome dele é lembrado<br />
pelos séculos dos séculos.<br />
Recordo-me de um fato da vida de Victor Hugo, literato<br />
francês do século XIX. Ele foi admitido na Academia<br />
Francesa e, segundo uma convenção, quem pertence<br />
a tal Academia é considerado imortal.<br />
Quando lhe disseram isso, Victor Hugo afirmou:<br />
— Imortal, eu? Não pense que eu me iludo a esse respeito.<br />
Quem é imortal é Dom Bosco, lá em Turim.<br />
— Mas, como assim?<br />
— Eu vejo que a Igreja vai canonizar Dom Bosco, e<br />
quando isso ocorrer, até o fim do mundo, em todos os lugares<br />
da Terra, onde houver um padre católico, num cerdos<br />
os louvores de todos os homens ao longo da História,<br />
no mundo inteiro. E até o último momento, quando Jesus<br />
disse “Consummatum est”, Ela O louvou. Nosso Senhor<br />
conhecia esse louvor e o último olhar que Eles trocaram,<br />
eu estou certo de que, entre outras disposições<br />
de alma, esse olhar traduziu louvor. Louvor d’Ela a Ele:<br />
“Meu Filho!” E d’Ele a Ela: “Minha Mãe!” Quer dizer,<br />
são louvores inefáveis que os lábios humanos não sabem<br />
exprimir.<br />
Um homem deve impor o louvor que<br />
lhe é devido pelo cargo que ocupa<br />
Então, pergunta-se: O homem que tem honra deve<br />
procurar o louvor? A resposta é: Deve procurar e até impor<br />
o louvor! Com um cuidado: o louvor, pelas suas qualidades<br />
pessoais, ele pode lamentar que os outros não<br />
lhe deem, mas não deve reclamar nem queixar-se, porque<br />
pode entrar apego; afinal, somos concebidos no pecado<br />
original.<br />
Ele precisa querer e impor o louvor merecido ao cargo.<br />
E um homem não tem o direito de desmerecer o cargo,<br />
fazendo ações que não estão de acordo com o louvor<br />
que o cargo merece.<br />
A glória de um Bem-aventurado<br />
E o que é glória?<br />
Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo foi louvado quando<br />
o povo O recebeu em<br />
Jerusalém, cantando<br />
“Hosana ao Filho de Davi.”<br />
Um louvor não Lhe faltou<br />
ininterruptamente nesta<br />
Terra: o de Nossa Senhora,<br />
o qual vale mais do que<br />
todos os louvores de todos<br />
os homens ao longo da<br />
His tória, no mundo inteiro.<br />
Domingo de Ramos – Abadia<br />
beneditina de Subiaco, Itália<br />
14
O herói é aquele capaz de expor<br />
a sua vida ou de praticar ações<br />
tão árduas que cheguem ao<br />
limite extremo do sacrifico que o<br />
homem pode suportar, em favor<br />
de uma causa elevada e nobre.<br />
Marechal Ferdinand Foch<br />
to dia do ano vai ser lembrado o nome de Dom Bosco. Isso<br />
só deixará de ser feito quando não houver mais padre<br />
para celebrar a Missa, e o mundo, portanto, tiver acabado.<br />
Este é um imortal.<br />
É a pura verdade. Aliás, São João Bosco disse isso de<br />
si. Ele teve uma doença muito grave e longa; e, com o telégrafo<br />
que já havia, na Europa inteira se soube disso.<br />
Era ainda a Europa aristocrática e monárquica do século<br />
XIX, e São João Bosco recebeu cartas de incontáveis<br />
lugares: príncipes, soberanos, castelães etc., oferecendo-<br />
-lhe seus castelos, suas propriedades, para ele descansar.<br />
Diante do maço de cartas, disse sorrindo aos sacerdotes:<br />
“Vejam, eu renunciei a tudo e me meti no meio dos pobres.<br />
E não há um homem na Europa que disponha de<br />
tal número de castelos para fazer a sua convalescença”.<br />
A diferença entre a glória de ser<br />
herói e a glória de ser santo<br />
Alguém dirá: “Mas <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o Marechal Foch, por<br />
exemplo, que venceu a Primeira Guerra Mundial, foi um<br />
herói, mas não um santo.”<br />
É preciso explicar que relação há entre santo e herói.<br />
O herói é aquele capaz de expor a sua vida ou de praticar<br />
ações tão árduas que cheguem ao limite extremo do<br />
sacrifico que o homem pode suportar, em favor de uma<br />
causa elevada e nobre.<br />
Segundo esse critério, o Marechal Foch foi um herói<br />
porque, expondo sua vida, realizou uma ação extre-<br />
mamente árdua. Ele recebeu uma causa muito comprometida,<br />
devido ao avanço alemão; concebeu o sistema<br />
de resistência e conduziu aquela guerra dentro das dificuldades<br />
que lhe eram inerentes, de maneira a alcançar<br />
a vitória. Foch foi herói num ponto da vida dele, durante<br />
alguns anos de guerra. É por isso que o mundo o<br />
aclama.<br />
Ora, quanto ao santo, quando o Papa o canoniza, ele<br />
decreta que aquele indivíduo praticou as virtudes em<br />
grau heroico, e por isso foi santo. Ou seja, foi um herói<br />
capaz de qualquer heroísmo por amor de Deus.<br />
Então, honra e glória merece quem é autêntico herói.<br />
E tudo se funde num conceito amplo de santidade, que<br />
não é o conceito corriqueiro, comum, mas é esse conceito<br />
total que a Igreja declara, quando Ela define alguém<br />
como santo.<br />
Quando o Papa, sentado no seu trono, canoniza um<br />
santo, ouvem-se as trombetas de Michelangelo soarem<br />
num terraço pouco visível do interior da Basílica<br />
de São Pedro, no ponto onde a cúpula se assenta sobre<br />
a parede. Então, o som sobe pela cúpula e desce<br />
para a Basílica! E os sinos do Vaticano começam a tocar;<br />
e, em seguida os sinos das igrejas de Roma põem-<br />
-se também a soar e anunciam a glória desse verdadeiro<br />
herói. Esse tem verdadeiramente honra, louvor<br />
e glória.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 15/2/1980)<br />
15
Hagiografia<br />
São João Maria Vianney,<br />
Fotos: S. Hollmann; F. Lecaros; H. Grados<br />
Homem pobre e pouco inteligente, São<br />
João Maria Vianney tornou-se um exemplo<br />
da Onipotência Divina pela santidade de<br />
sua vida e eficácia de sua ação.<br />
Avida de São João Maria Vianney, um dos maiores<br />
santos do século XIX, apresenta muitos aspectos<br />
passíveis de comentários.<br />
Ele foi, nas primeiras décadas do século XIX, um seminarista<br />
muito pobre e, além disso, de inteligência notavelmente<br />
pequena. Precisou fazer seus estudos de seminário<br />
com um esforço extraordinário, e, durante algum tempo,<br />
até duvidou-se da sua vocação sacerdotal, por causa dessa<br />
insuficiência de inteligência. Formou-se a duras penas —<br />
pode-se dizer que ele conseguiu o diploma de fim de curso<br />
de seminário apenas no limite mínimo da suficiência — e,<br />
por ser um homem tão apagado, de tão poucos predicados<br />
naturais, foi encaminhado pelo seu Bispo para um vilarejo<br />
minúsculo do Sul da França: a aldeiazinha de Ars.<br />
Ali começou então a sua atuação sacerdotal, que encheu<br />
de luz a Europa inteira e depois se propagou para o<br />
mundo novo; posteriormente, ele foi proclamado modelo<br />
e patrono do clero.<br />
Modelo de sacerdote<br />
O que distinguia esse santo?<br />
Embora não tivesse nenhuma das qualidades naturais<br />
para exercer um sacerdócio extraordinário, ele, entretanto,<br />
foi um sacerdote magnífico, um apóstolo estupendo,<br />
um confessor dotado de raríssimo discernimento, um<br />
pregador que exercia profunda influência sobre as almas<br />
e, acima de tudo, com um título que é a arquitetura de<br />
todo o resto: foi o próprio modelo de sacerdote.<br />
Qual era a razão da eficácia do seu apostolado?<br />
Como bem disse Santa Teresinha do Menino Jesus, para<br />
o amor, nada é impossível, e quem verdadeiramente ama a<br />
Deus Nosso Senhor e a Nossa Senhora obtém os meios para<br />
fazer aquilo a que a Providência Divina o chama.<br />
O Santo Cura d’Ars – Paróquia de Saint<br />
Germain l’Auxerrois – Paris (França)<br />
16
modelo para os sacerdotes<br />
Um ensinamento dotado de potência<br />
Ele era um pregador extraordinário. Estudava os seus<br />
sermões, procurava prepará-los com cuidado. Não subia<br />
às altas regiões da Teologia, mas suas homilias cuidavam<br />
das noções catequéticas comuns com as quais um sacerdote<br />
instrui o povo. Entretanto, o santo Cura d’Ars ensinava<br />
com tanta unção, compenetração, Fé e amor que<br />
tudo quanto ele dizia se tornava atraente. E muitas vezes,<br />
tendo ele voz fraca — naquela época em que não<br />
havia microfones —, não conseguia se fazer ouvir pelas<br />
multidões que ficavam acumuladas na porta do templo<br />
e até do lado de fora. Mas, só de vê-lo e de escutar uma<br />
ou outra frase que ele pronunciava, as pessoas se convertiam.<br />
Deus num homem<br />
Dom Chautard, na “Alma de Todo Apostolado”, conta<br />
esse fato característico:<br />
Curioso pela fama de São João Maria Vianney, um<br />
advogado de Paris foi fazer uma visita à cidadezinha de<br />
Ars para conhecê-lo. Quando o advogado voltou a Paris,<br />
perguntaram-lhe:<br />
— O que o senhor viu lá em Ars?<br />
Ele deu esta resposta, que é a maior glória que um homem<br />
pode ter:<br />
— Eu vi Deus num homem.<br />
Quer dizer, notava-se que Deus estava nele.<br />
Era só ele começar a falar, que as almas se comoviam<br />
e se modificavam; as conversões que ele fazia eram espantosas<br />
e numerosíssimas.<br />
Pergunta Dom Chautard: Por que o Cura d’Ars conseguia<br />
converter, sendo pouco dotado intelectualmente,<br />
enquanto outros padres tão inteligentes muitas vezes não<br />
convertem ninguém? E responde: Ele tinha uma grande<br />
vida de pensamento, de meditação, uma intensa vida interior.<br />
E porque tinha essa vida interior, ele estava imbuído<br />
e compenetrado das doutrinas que ensinava. E quando<br />
ele falava, as pessoas tinham a sensação de ter um<br />
contato vivo com as verdades das quais ele era o arauto.<br />
Ele possuía a unção, o carisma da pregação, e Ars se<br />
tornou um centro de peregrinação: à semelhança do advogado<br />
há pouco mencionado, pessoas de toda a França,<br />
e também de outras regiões da Europa, iam a Ars a fim<br />
de ver e ouvir esse sacerdote.<br />
Verdadeiro mártir do confessionário<br />
Além disso, ele foi um verdadeiro mártir do confessionário,<br />
onde permanecia horas inteiras ouvindo confissões.<br />
Podemos imaginar o que representa para um padre ficar<br />
sentado numa verdadeira cabinezinha de escuridão, a ouvir<br />
os pecados das pessoas e dar-lhes os conselhos, durante<br />
horas e horas. Que tremenda penitência isto representa!<br />
São João Maria Vianney era um sacerdote que seguia<br />
o conselho dado por Santo Afonso de Ligório: ouvia cada<br />
confissão sem pressa, como se tivesse só aquela pessoa<br />
para ser atendida, e lutava corpo a corpo com os pecados<br />
daquele indivíduo.<br />
Ele aconselhava, insistia; e quando a pessoa não tinha<br />
o propósito sério e verdadeiro de se emendar de seus pecados,<br />
ele negava a absolvição.<br />
Isso chegava a tal ponto, que havia paroquianos que<br />
iam confessar-se noutras paróquias, para obter absolvição.<br />
Ele dizia: “Se outros padres querem lhes mandar para o<br />
Inferno... Eu sou seu pároco, e não lhes dou a absolvição.”<br />
Confessionário utilizado por São João Maria<br />
Vianney – Ars-sur-Formans, França<br />
17
Hagiografia<br />
São João Maria Vianney<br />
possuía uma intensa vida<br />
interior. Por isso, estava<br />
imbuído e compenetrado<br />
das doutrinas que ensinava.<br />
E quando ele falava, as<br />
pessoas sentiam ter um<br />
contato vivo com as verdades<br />
das quais ele era o arauto.<br />
Nesta página e na seguinte, pinturas<br />
representando cenas do ministério<br />
do Santo Cura d’Ars, fotos do interior<br />
da casa onde viveu e de seus restos<br />
mortais – Ars-sur-Formans, França<br />
Após um dia inteiro na igreja, começava<br />
a batalha noturna com o demônio<br />
Este padre extraordinário passava o dia inteiro<br />
na igreja: no púlpito, no confessionário, no altar.<br />
Poder-se-ia pensar que, quando ele ia à noite para<br />
casa, gozaria de um bom repouso. Entretanto,<br />
aí começava uma das mais estranhas facetas<br />
da vida dele: era a batalha noturna com o demônio.<br />
Contam os biógrafos de São João Batista<br />
Vianney que ele teve, certa vez, um sonho no<br />
qual se viu julgado por Deus, e o demônio dizer<br />
contra ele: “É preciso castigá-lo, porque em tal<br />
ocasião ele estava muito cansado e, passando perto<br />
de uma cerca, comeu dois cachos de uvas.” De fato,<br />
ele estava fugindo do serviço militar, porque Napoleão<br />
obrigava os seminaristas a servir na guerra. E o demônio<br />
acrescentou: “Ladrão! Comeu dois cachos de uvas, deve<br />
ser punido!”<br />
E São João Maria Vianney respondeu: “Tu mentes, ladrão<br />
não sou, porque eu deixei em tal local o dinheiro<br />
correspondente ao preço dos cachos de uvas, para que o<br />
dono, quando passasse por lá, o pegasse.”<br />
E quando vinha confessar-se uma alma particularmente<br />
dominada pelo demônio, este começava a atormentar<br />
São João Maria Vianney na noite anterior. Em<br />
certa ocasião, ateou fogo em sua cama, tendo uma parte<br />
do colchão ficado toda tisnada pelas chamas. Ele, felizmente,<br />
não se feriu. O demônio o odiava porque sentia<br />
que uma de suas vítimas lhe seria arrancada pelo santo.<br />
O santo Cura d’Ars fazia penitências, se flagelava, rezava<br />
por aquelas almas, para conseguir depois que suas<br />
palavras fossem portadoras das graças necessárias para<br />
operar as conversões delas. Além disso, levou uma vida<br />
de jejum intenso, e fez de seu confessionário um longo<br />
martírio de sua existência.<br />
18
Atribuía seus milagres a Santa Filomena<br />
Para acentuar ainda mais o seu apostolado, a Providência<br />
deu-lhe o dom dos milagres.<br />
Na igreja dele havia uma relíquia insigne de Santa Filomena,<br />
mártir. E antes de fazer algum milagre, ele dizia:<br />
“Rezemos a Santa Filomena!” E quando o milagre era realizado,<br />
afirmava ter sido Santa Filomena que o fizera, para<br />
não tocar a ele a graça e a glória de ter operado o milagre.<br />
Revelando o passado miraculosamente<br />
Encerro recordando um fato extraordinário, contado<br />
por uma penitente dele.<br />
Uma moça foi confessar-se e São João Maria Vianney<br />
disse para ela:<br />
— Minha filha, você se lembra de que esteve em tal<br />
ocasião num baile?<br />
Podemos imaginar a sensação dela.<br />
E continuou ele:<br />
— Lembra-se de que, em certo momento, entrou na<br />
sala de baile um rapaz muito bem apessoado, elegante,<br />
correto, e dançou com várias moças?<br />
— Sim, lembro-me.<br />
— Lembra-se de que você teve muita vontade de que<br />
ele dançasse consigo?<br />
— Lembro-me.<br />
— Lembra-se de que o rapaz não o fez, e por isso você<br />
olhou para ele com uma espécie de tristeza? E, na hora<br />
de ele sair da sala, fitando incidentemente os pés dele,<br />
notou uma luz azul que lhe saía dos pés?<br />
— Lembro-me.<br />
— Aquele homem era o demônio, que tomou a forma<br />
humana e dançou neste baile com várias moças. Ele não<br />
lhe pediu para dançar porque você é Filha de Maria e estava<br />
com a Medalha Milagrosa no peito.<br />
Ele estava revelando um passado que não podia conhecer;<br />
logo, isso não podia deixar de ser verdade. Tratava-se<br />
uma revelação espantosa.<br />
Pode-se imaginar a atmosfera criada na pequena igreja<br />
de Ars quando os peregrinos saíam, uns convertidos,<br />
outros com seu passado desvendado, todos regenerados<br />
e cantando louvores a São João Maria Vianney. v<br />
(Extraído de conferências de10/7/1968,<br />
22/5/1976, 6/10/1990)<br />
19
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Sofrimento:<br />
um meio de santificação<br />
G. Kralj<br />
Baseado na Doutrina Católica, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos indica a necessidade do<br />
sofrimento para corrigir os desregramentos de nossa natureza.<br />
Monnin 1 , em sua obra “Espírito do Cura d’Ars”,<br />
escreve a respeito do sofrimento, como privilégio:<br />
“Há pessoas que não amam a Deus, não rezam e prosperam.<br />
É mau sinal. Elas fizeram um pouco de bem, através de<br />
muito mal. Deus as recompensa nesta vida.” 2<br />
Dizemos às vezes: Deus castiga aqueles a quem ama.<br />
Nem sempre é verdade. As provações, para quem Deus<br />
ama, não são castigos, são graças.<br />
O sofrimento ordena nossa<br />
natureza desregrada<br />
Vemos aí uma exposição a mais do grande princípio<br />
da Doutrina Católica de que o sofrimento é indispensável,<br />
como meio para aproximação de Deus.<br />
Ele é indispensável, por um lado, porque Deus quer<br />
que completemos o seu sofrimento com o nosso. E, por<br />
outro lado, porque o homem, concebido no pecado original,<br />
precisa sofrer. Ele tem em si uma fonte permanente<br />
de desordem, de apetências desordenadas, más, que<br />
lhe vêm de sua natureza desregrada. A todo momento, a<br />
natureza do homem pede alguma coisa que não convém,<br />
quer aquilo que é dos outros, deseja fazer e pensar o que<br />
não deve. E o meio que nos foi dado para matar em nossa<br />
natureza esses apetites desordenados é o sofrimento.<br />
O homem que sofre, quebra certa exuberância má desse<br />
lado mau da natureza: deixa de ficar pretencioso, mimado,<br />
arrogante, petulante, exigente. E se contenta com<br />
pouco, torna-se afetivo, compreensivo, humilde. Quando<br />
começa o sofrimento, como uma chaga a corroer a alma,<br />
todas essas coisas más vão desaparecendo, minguando, e<br />
a pessoa então vai melhorando.<br />
À força de gemer, uma pessoa<br />
de mau gênio aprende a combater<br />
devaneios e adquire temperança<br />
Imaginemos essa situação: uma pessoa com um gênio<br />
insuportável, muito suscetível, que fica sentida com qualquer<br />
coisa a qualquer momento, muito preocupada em<br />
estar no centro das coisas, em aparecer em tudo. Digamos<br />
que essa pessoa tem, de repente, uma dor na perna<br />
— falemos somente dos sofrimentos físicos — e fica<br />
quinze horas por dia gemendo: “Ai, não posso mais! Venha,<br />
por favor, me fazer um pouco de companhia, para<br />
conversar um pouquinho! Traga-me tal objeto, me ajude<br />
em tal coisa! Pelo amor de Deus, tenha pena de mim!”<br />
Ao cabo de seis meses, esse mau gênio está muito quebrado;<br />
foi passado a ferro. Porque, à força de gemer e sofrer,<br />
a pessoa aprende isto que a natureza humana concebida<br />
no pecado original detesta: ter uma vida comum,<br />
normal, sem grandes prazeres, já é uma grande coisa; e<br />
pode se dizer feliz o homem que tem condições comuns<br />
de existência, de tal maneira esta vida é um vale de lágrimas.<br />
E estar ambicionando a todo momento condições<br />
extraordinárias de existência, grande fortuna, grande<br />
consideração, é uma coisa que indica um desregramento.<br />
Quando a pessoa tem condições comuns bem garantidas,<br />
começa a sonhar, a ter devaneios. Mas quando lhe<br />
faltam essas condições mínimas de existência, ela tem<br />
saudades: “Ah, que coisa boa ter saúde! Todo mundo<br />
nesta casa vai dormir, e eu, sozinho, vou passar a noite<br />
inteira gemendo. Que grande coisa uma noite sem dor!”<br />
Antes disso, ela desejava uma noite de prazeres, ou<br />
então queria uma cama confortável, com colchão de molas<br />
especiais, uma armação que a faz virar de um lado pa-<br />
20
Há algo na alma do<br />
homem em razão do qual<br />
ele sofre quando não<br />
sofre. E essa espécie<br />
de náusea de tudo,<br />
que vem da falta de<br />
sofrimento, é um castigo<br />
daqueles a quem Deus<br />
não manda cruzes.<br />
Cruzeiro fotografado ao pôrdo-sol<br />
– Serra da Cantareira,<br />
São Paulo (Brasil)<br />
ra outro, com um abanador. Isto era para ela a felicidade.<br />
Como apanhou bastante, começa a compreender que<br />
valor enorme têm uma cama e um sono normais. Este é o<br />
começo, o andar térreo da temperança.<br />
Um indivíduo pensa que iria fazer viagens fabulosas.<br />
Abre um jornal e lê: “Voo para a Pérsia, coroação do<br />
Xá”. A viagem custa, digamos, dez mil contos. Ele, que<br />
não tem mil, começa a pensar: “Mas é a prazo! Eu fico<br />
devendo mil coisas, vendo meu automóvel, mas dou uma<br />
tacada.” Acaba ficando em casa e se julga um infeliz. No<br />
dia em que vem a notícia da coroação do Xá na Pérsia, o<br />
indivíduo está deitado, aborrecido, mal-humorado com<br />
todo mundo. Alguém lhe pergunta:<br />
— Por que você é infeliz?<br />
— Eu não fui à coroação do Xá da Pérsia...<br />
Se um coitado desses quebrar a perna e passar seis<br />
meses numa cadeira de rodas, compreenderá que a grande<br />
felicidade não é assistir à coroação do Xá da Pérsia,<br />
mas ir dar uma voltinha no jardim. Em sua cadeira, ele fica<br />
então pensando: “Se eu pudesse ao menos ir até a esquina<br />
ver passar o movimento, que delícia!”<br />
Aí começa a entrar o juízo. As extravagâncias, as luas,<br />
as manias das pessoas quebram-se por meio do sofrimento.<br />
Outro exemplo: a pessoa é muito suscetível, e de repente<br />
arrebenta qualquer coisa de ridículo na família<br />
dela. Antigamente acontecia isto: às vezes um membro<br />
qualquer da família caía num ridículo, e o sobrenome da<br />
família se tornava apelido. Nesse caso, a pessoa compreende<br />
que não deve estar correndo atrás das considerações,<br />
e julga uma delícia ser tratada como um anônimo,<br />
um joão-ninguém: “Que gostoso o tempo em que eu usava<br />
o meu nome e ninguém ria de mim!”<br />
Essas provações e falhas são indispensáveis; sem isto a<br />
pessoa não vive bem.<br />
O homem tem necessidade de sofrer<br />
Mas há uma coisa curiosa na alma humana, parecida<br />
com o que acontece no corpo: se o corpo nunca faz esforço<br />
nenhum, ele padece. Por exemplo, um paxá, que viva<br />
deitado num terraço, no meio de almofadas, nunca se<br />
mova, passe o tempo todo fumando narguilé, e comendo<br />
aqueles doces colantes, brancos, vermelhos, de cores vivas.<br />
Alguém dirá: “Que vida deliciosa leva esse paxá!” É<br />
uma ilusão. Porque o paxá tem todos os distúrbios orgânicos,<br />
decorrentes de sua inação. E esses distúrbios criam<br />
para o paxá uma alternativa, que é um inferno: se ele se<br />
move, é horrível, porque está desabituado; se não se move,<br />
é horrível, porque faz mal para a saúde. E o paxá se<br />
vê entre a doença e a violência; se ele afunda na inação,<br />
morre precocemente por causa disso.<br />
O corpo humano precisa de certa violência para se sentir<br />
bem. O mesmo se dá com a alma. Quando o homem não sofre,<br />
ele acaba procurando sofrimento, porque há algo em sua<br />
alma em razão do qual ele sofre quando não sofre. E essa espécie<br />
de náusea de tudo, que vem da falta de sofrimento, é<br />
um castigo daqueles a quem Deus não manda cruzes. v<br />
(Extraído de conferência de 8/8/1967)<br />
1) Monnin, Alfred. Esprit du Curé D’Ars. Paris: Ch. Douniol,<br />
Libraire-éditeur, 1865. p. 25-26.<br />
2) Pensamento de São João Maria Vianney citado pelo Pe. Alfred<br />
Monnin.<br />
21
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Processo do pensamento<br />
Fotos: L. Werner / J. Paulo / LeaMaimone<br />
A sensibilidade exerce um papel fundamental na formação do<br />
pensamento humano. A fim de analisar com profundidade este<br />
fenômeno, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> utiliza-se da “teoria das duas cabeças”: uma<br />
classificação que não corresponde às divisões clássicas de consciente e<br />
subconsciente, de corpo e alma, mas que se ajusta a todas elas.<br />
Existe no espírito humano uma ordem primeira,<br />
profunda e fundamental, pela qual a inteligência,<br />
pelos seus pressupostos e exigências mais<br />
profundas, tem a tendência a dar valor aos dados dos<br />
sentidos, admitindo-os como verdadeiros. Sobretudo dar<br />
valor em relação ao mais cognoscitivo de todos os sentidos,<br />
que é a vista. A tendência do homem para tomar as<br />
coisas como ele as vê é enorme.<br />
Em virtude dessa tendência, quando o homem percebe<br />
existir algum conflito entre aquilo que ele vê e aquilo<br />
que a inteligência lhe apresenta, cria-se nele uma espécie<br />
de situação dolorosa, uma como que dilaceração interna.<br />
O exemplo mais banal seria o do indivíduo que coloca<br />
um bastão dentro d’água e tem a visão de que o bastão<br />
está quebrado. Na realidade, ele só consegue alguma<br />
paz para sua alma quando, passando a mão no bastão,<br />
percebe, ao menos pela retificação de um outro sentido,<br />
que o bastão não se quebrou. Então, um outro sentido<br />
depondo a favor da inteligência lhe dá um pouco de<br />
apaziguamento. Depois a inteligência descobre a razão<br />
e, então, se tranquiliza. Mas se estivesse ante um conflito<br />
inexplicável, diante dos dados apresentados pelos sentidos<br />
e dos dados racionais, ele teria a sensação de estar<br />
voltado contra si mesmo, sofrendo a consequência anunciada<br />
por Nosso Senhor: “Todo reino dividido contra si<br />
mesmo perecerá” (Mt 12, 25).<br />
A noção de cogitativa e estimativa<br />
Em nossos estudos, estamos vendo que tudo quanto<br />
se passa no animal é como que uma imagem do processo<br />
intelectual. Portanto, também no ser humano, na sua zona<br />
animal, ocorre algo de análogo ao processo intelectual<br />
do homem.<br />
Poderíamos dizer que os dados fornecidos pelos sentidos<br />
são encaminhados para algo que se chama o senso<br />
comum, que é um sentido único que coordena todas as<br />
sensações de maneira a formar com elas um todo. Essa<br />
formação de um todo é algo de arquitetônico que já tem<br />
em si alguma coisa de sapiencial. O dado fornecido pelo<br />
sentido único é utilizado pela estimativa, por meio de<br />
uma série de correlações, de comparações, de diferenciações,<br />
por onde aquela nota única obtida pelo senso comum<br />
é susceptível de um enriquecimento extrínseco indispensável,<br />
através de uma série de contrastes e semelhanças.<br />
A faculdade que faz isso é, no homem, a cogitativa,<br />
e, no animal, a estimativa. É a partir dessa estimativa<br />
que o animal se orienta e age.<br />
Isto é extraordinariamente parecido com o processo<br />
mental, porque se trata de ver como as coisas se entendem<br />
no ser, e depois formar uma ideia, uma noção do<br />
ser. Formada essa noção, deve‐se diferenciá‐la das outras,<br />
isto é, definir num sentido e estabelecer os limites<br />
da diretriz e uma atitude. De maneira que o ciclo, por assim<br />
dizer, mental do animal é a imagem do ciclo mental<br />
do próprio homem.<br />
A nota comum a ser trabalhada<br />
pela inteligência<br />
Isso mostra que o homem, na sua vida intelectual, está<br />
constantemente utilizando dados que lhe são fornecidos<br />
não só pelos sentidos, como se costuma dizer, mas por<br />
esse jogo. Quando procuro entender uma cadeira ou um<br />
aparelho de rádio que me fornece sons, não estou apenas<br />
utilizando isso e fazendo uma ideia, mas usando esses dados<br />
sensitivos que se orientam para uma nota comum sobre<br />
a qual, mais especialmente, a minha inteligência vai se<br />
debruçar para fazer uma imagem do conjunto.<br />
De maneira que o objeto próprio da minha inteligência,<br />
analisando os dados dos sentidos, não é tanto esses<br />
dados, mas a nota comum fornecida pelo senso comum,<br />
22
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, na<br />
década de 1960<br />
23
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
que liga os dados e os apresenta como que já meio preparados,<br />
em sua própria animalidade, para a formação da<br />
noção da coisa.<br />
As figuras, imagens e fantasias<br />
Quando eu faço as comparações de contrastes e analogias,<br />
e até quando crio algo com a inteligência, estou<br />
empregando outro equipamento sensorial e fisiológico<br />
que o animal também possui, quando tem imagem e fantasia.<br />
Uma fantasia que seria mais ou menos adaptada<br />
pelo temperamento e individualidade do animal às coisas<br />
que ele viu. Em cada passo de meu processo puramente<br />
de alma, estou aplicando mecanismos que me são<br />
fornecidos por uma elaboração paralela de figuras, imagens<br />
e fantasia.<br />
Isso me faz compreender melhor a riqueza e a simultaneidade<br />
do operar humano dentro de mim mesmo, e<br />
me faz compreender também o seu termo final.<br />
O que são a primeira e a segunda cabeças?<br />
Esta classificação não corresponde às divisões clássicas<br />
de consciente e subconsciente, de corpo e alma, mas<br />
se ajusta a todas elas.<br />
O que chamamos de “primeira cabeça” corresponde<br />
à parte do conhecimento e da ação do homem, naquilo<br />
que ele tem de comum com o anjo. Enquanto que a “segunda<br />
cabeça” corresponderia àquilo que o homem tem<br />
de comum com o conhecimento, com o instinto do animal.<br />
Portanto, antes de mais nada, é interessante vermos<br />
que diferença existe entre o conhecimento do anjo e o<br />
conhecimento humano.<br />
O anjo é um ser cognoscente e voltado sobre si mesmo,<br />
de tal maneira que ele não precisa de nenhum objeto<br />
externo para conhecer. Ele vê a si mesmo e, em si, vê tudo,<br />
inclusive as coisas materiais. Tudo que Deus faz passa<br />
pelo conhecimento e pela própria natureza do anjo.<br />
De tal maneira que se a Providência, por exemplo, move<br />
uma garrafa aqui na Terra, ou permite que um homem<br />
a mova, essa ação, antes de chegar à garrafa passou pela<br />
inteligência do anjo. O anjo, portanto, vê tudo dentro<br />
de si.<br />
O homem, não. Ele é como um ser voltado para fora<br />
e que pode ver tudo menos a si mesmo. De modo que<br />
só pode ter conhecimento das coisas que estão fora dele.<br />
Ora, o “fora dele” aqui precisa ser entendido no sentido<br />
de fora do conhecimento como tal, não fora do corpo<br />
humano. Ele pode perceber um ato de vontade nas<br />
24
suas consequências ou uma manifestação interna da fantasia.<br />
Mas sempre voltado para fora do conhecimento. E<br />
mesmo aquilo que diz respeito ao conhecimento, ele não<br />
vê em si mesmo, mas nas suas consequências. Se eu posso<br />
conhecer, por exemplo, qual é o meu feitio de raciocinar,<br />
não é por uma visão direta da minha alma, da minha<br />
inteligência. Mas eu vejo pelas manifestações dessa inteligência,<br />
portanto, nas suas consequências. Essa é a diferença<br />
essencial entre o conhecimento humano e o conhecimento<br />
angélico.<br />
Depois de termos visto o que o homem tem de comum<br />
e de diferente com o anjo, vejamos o que o homem tem<br />
de comum com o animal.<br />
O homem tem de comum com o animal todas as tendências<br />
de ordem meramente sensitiva. Mas existe uma<br />
grande diferença entre ambos. O princípio que informa<br />
toda essa ação sensitiva – portanto animal – do homem,<br />
é de ordem racional. De tal modo que o homem sente,<br />
vê e ouve como o animal, mas as ações do sentir, do ver<br />
e ouvir do homem são informadas pelo princípio racional.<br />
Aquilo que no animal se faz por mero instinto, que<br />
é uma força cega, realiza‐se no homem por um princípio<br />
racional, vem embebido de coerência, iluminado pela luz<br />
de natureza espiritual.<br />
Isso tem como consequência que nós não podemos fazer<br />
uma divisão absoluta do homem, criando um hiato<br />
entre a natureza racional e a natureza animal. Porque a<br />
natureza espiritual do homem está toda embebida na natureza<br />
animal. E também a natureza animal está de tal<br />
modo unida à racionalidade que, aquilo que no homem<br />
é mero instinto já vem todo cheio e denso de racionalidade.<br />
Daí existir muito nitidamente os dois princípios: o<br />
Em cada passo de meu<br />
processo puramente de alma,<br />
estou aplicando mecanismos<br />
fornecidos por uma elaboração<br />
paralela de figuras, imagens<br />
e fantasia. Isso me faz<br />
compreender melhor a riqueza<br />
e a simultaneidade do operar<br />
humano dentro de mim mesmo,<br />
e também o seu termo final.<br />
Coros angélicos (detalhe) – Basílica de Nossa<br />
Senhora do Rosário – São Paulo, Brasil<br />
homem enquanto anjo e o homem enquanto animal, sem<br />
que seja apenas anjo, mas semelhante ao anjo, sem que<br />
seja animal, porque só tem uma semelhança com o animal.<br />
Tudo isso não impede que se possa legitimamente fazer<br />
aquela divisão de que nós falamos de início: “primeira<br />
cabeça” é a consideração do homem naquilo que ele<br />
tem de comum com o anjo, e “segunda cabeça” naquilo<br />
que ele possui de comum com o animal. O erro de Descartes<br />
consistiu em querer cortar as duas coisas: um homem<br />
puramente anjo.<br />
Por que se emprega aqui a<br />
palavra ”cabeça‘?<br />
Com a palavra “cabeça” queremos indicar que cada<br />
um desses modos de funcionar do homem é tão complexo,<br />
que poderia ser considerado quase como um homem<br />
todo. Quando há uma predominância do angélico, é o<br />
homem todo que está funcionando. Do outro lado acontece<br />
a mesma coisa, quando predomina a parte animal,<br />
há certo influxo animal muito nítido, mas é o homem todo<br />
que está funcionando.<br />
O modo próprio de funcionar da<br />
primeira e da segunda cabeça<br />
A “primeira cabeça” funciona, sobretudo, em função<br />
do “logo” e do “portanto”. Quer dizer, ela raciocina: põe<br />
as premissas e daí tira as conclusões. Isso tem certa semelhança<br />
com a intuição, a visão angélica.<br />
Como consequência, o próprio da “primeira cabeça”<br />
é ter visões globais, universais. Assim, a “primeira cabeça”,<br />
pelos seus silogismos, seus raciocínios, não quer chegar<br />
apenas a uma ou outra verdade, mas ela tende a uma<br />
compreensão universal, harmônica e una do universo. Isso<br />
por um fato que está impresso no fundo da natureza<br />
humana e que deveria estar, porque o homem é feito à<br />
imagem e semelhança de Deus. De modo que a “primeira<br />
cabeça” tende, antes de mais nada, para esse quadro<br />
generalíssimo da ordem do cosmos.<br />
Por outro lado, a “segunda cabeça” tem um modo de<br />
funcionar inteiramente distinto. O próprio dela é perceber<br />
a realidade e se deixar impressionar por ela, degustá‐la<br />
e viver dela. Assim, por exemplo, a pessoa que<br />
vê uma flor muito bonita tem um movimento da fantasia,<br />
de tudo quanto há de simbólico naquilo, mas de uma<br />
fantasia ao mesmo tempo cheia de racionalidade. A pessoa<br />
tem esse movimento de simpatia e de admiração pela<br />
flor, não em função de qualquer raciocínio, mas por uma<br />
ação de conaturalidade da “segunda cabeça”, da sensibilidade<br />
iluminada pela razão.<br />
25
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A “segunda cabeça” é dotada de uma aptidão própria<br />
para enxergar as coisas materiais. Não como um bicho,<br />
mas para vê-las naquilo que elas são à maneira de símbolos,<br />
de imagens e de semelhanças das coisas espirituais.<br />
Assim, ela tem essa capacidade de perceber as coisas espirituais<br />
nas materiais, e de passar das materiais para as<br />
espirituais por um modo próprio, que é o modo simbólico.<br />
Essa capacidade caracteriza muito a forma de apreensão<br />
da “segunda cabeça”; e por aí se mostra bem como<br />
a ação desta se diferencia da do bicho.<br />
Mostra também qual é o modo pelo qual a “segunda<br />
cabeça” retém as verdades. Ela as retém como que<br />
encarnadas, presentes nos seus símbolos, e a esse título<br />
atingindo a sensibilidade do corpo e a sensibilidade<br />
da alma. O vibrar em contato com o símbolo é o vibrar<br />
com a sensibilidade da alma; entender o símbolo é, creio<br />
eu, um modo específico da “segunda cabeça” ter as suas<br />
operações intelectuais.<br />
A “segunda cabeça” é dotada<br />
de uma aptidão própria para<br />
enxergar as coisas materiais.<br />
Não como um bicho, mas para<br />
vê-las naquilo que elas são<br />
à maneira de símbolos, de<br />
imagens e de semelhanças<br />
das coisas espirituais.<br />
A ”segunda cabeça‘ toma conhecimento das<br />
manifestações da vida vegetativa do homem<br />
A parte inferior da “segunda cabeça” sofre a repercussão<br />
das coisas que acontecem na vida meramente vegetativa.<br />
Por exemplo, a ação do calor pode provocar no homem<br />
uma reação de ordem meramente vegetativa; isso é<br />
conhecido pela parte animal do homem.<br />
O mesmo se daria da vida vegetativa com os elementos<br />
minerais.<br />
Evidentemente, todas essas divisões que fazemos não<br />
separam o homem em seres distintos. São apenas as várias<br />
fases do processo do conhecimento. É como a vida<br />
do pinto, que tem diversas fases, e nem por isso são vários<br />
pintos.<br />
”Segunda cabeça‘ e luz primordial<br />
Assim como o gato tem algo por onde ele é gato e tudo<br />
nele se passa de modo diferente do cachorro, de gato<br />
para gato, se observarmos bem, há diferenças de individualidade,<br />
uma certa nota constitutiva e distintiva que se<br />
projeta em todo esse conjunto, dando a esse operar uma<br />
nota característica e individualizante. Isso também existe<br />
em minha parte animal e condiciona todo o meu operar<br />
mental. Esta coisa animal existente em mim é algo<br />
que caminha para certo tipo de virtude, certa forma de<br />
perfeição e santidade. E a graça me é dada, já relacionada<br />
com isso.<br />
Então, tenho a minha luz primordial 1 que é algo para<br />
o que, em seus bons aspectos, todas as notas individualizantes<br />
de minha animalidade já foram orientadas e criadas.<br />
E aqui se compreende, até as últimas profundezas, o<br />
que vem a ser a luz primordial num indivíduo, numa raça<br />
etc. Compreende-se todo o plano de Deus, por meio de<br />
causas segundas, as intervenções ao criar a alma, ao criar<br />
a graça, e também o plano de Deus com a mais alta direção<br />
do mundo. Realmente a mais alta direção do mundo<br />
é a constituição interna dos seres que vão jogar no tabuleiro<br />
que Ele quer que se jogue. Temos aqui elementos<br />
muito ricos para uma boa visão do que seja a luz primordial.<br />
O sistema de transições<br />
entre a primeira e a segunda cabeça<br />
Tomando o caso da pessoa que vê a flor, podemos nos<br />
perguntar se nessa ação de ver e admirar a flor não have-<br />
26
Catedral de<br />
Amiens, França<br />
rá algo que já seja de “primeira cabeça”. De fato, se formos<br />
estudar melhor o fenômeno, veremos que nesse ato<br />
feito por pura ação de conaturalidade em relação à flor,<br />
já entra um pequeno princípio de afirmação de normas<br />
gerais, de algo abstrato. E, realmente, a noção de belo já<br />
se introduz: “há coisas belas no mundo”. Isso já é teórico,<br />
é da primeira cabeça.<br />
E, se analisarmos bem esse fenômeno, veremos que,<br />
de fato, poderemos subir da flor até a ação puramente<br />
abstrata da “primeira cabeça”. É uma ascensão muito<br />
lenta e por degraus. Com efeito, a pessoa observará a<br />
flor, um prédio, uma catedral, uma série de coisas muito<br />
bonitas, e em cada uma delas vai se enunciando um<br />
pré‐princípio teórico. Esses princípios, por uma ação que<br />
ainda está na “segunda cabeça”, constituirão aos poucos<br />
fragmentos de sistemas, não ainda com clareza do raciocínio,<br />
mas como impressões muito fortes que dominam<br />
a pessoa. Até que, num determinado dia, isso brotará<br />
na “primeira cabeça” como um verdadeiro sistema de<br />
princípios sobre o belo. Isso foi preparado por uma longa<br />
série de observações, de meditações e até de sensações<br />
que, aos poucos, foram sendo ordenadas exatamente<br />
porque a “segunda cabeça” está impregnada de racionalidade.<br />
Então, chegamos à conclusão de que entre a primeira<br />
e a segunda cabeça existe, de fato, uma diferença muito<br />
nítida. A transição se faz por um processo muito lento,<br />
mas contínuo, como são em geral as transições de toda<br />
a Criação. Assim, o pinto ao sair do ovo realiza um<br />
ato transicional muito importante, porque era ovo e passa<br />
a ser pinto, mas para o bom observador, dentro do ovo<br />
já estava o pinto inteiro. Aquilo se foi fazendo por uma<br />
transição muito lenta, que num determinado momento<br />
eclodiu, passando para um estágio de vida superior. O<br />
mesmo se dá entre a segunda e a primeira cabeça. É uma<br />
transição muito lenta, até um momento em que aquilo se<br />
transforma na enunciação de um princípio, de uma tese<br />
da “primeira cabeça”.<br />
Continua no próximo número.<br />
(Extraído de Conferências de<br />
1/12/1958, 11/12/1958 e 4/4/1963)<br />
1) A “luz primordial”, segundo a conceitua <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, é a virtude<br />
dominante que uma alma é chamada a refletir, imprimindo<br />
nas demais sua tonalidade particular. Em outras palavras,<br />
seria o pórtico pelo qual uma pessoa é chamada a entrar,<br />
para depois amar todas as perfeições de Deus.<br />
27
C<br />
alendário<br />
dos Santos – ––––––<br />
1. Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo, Confessor e<br />
Doutor da Igreja (†Itália, 1787). Nobre napolitano. Foi ordenado<br />
sacerdote e fundou a Congregação do Santíssimo<br />
Redentor, constituída de padres dedicados a pregar missões<br />
populares entre os próprios católicos. Aos 60 anos recebeu<br />
a sagração episcopal. Faleceu aos 91 anos de idade.<br />
6. Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Neste<br />
dia a Igreja celebra, conforme as palavras do Martirológio<br />
Romano-Monástico, “o mistério pelo qual Cristo manifestou<br />
sua glória divina, atestada pela voz do Pai e pela presença<br />
de Moisés e de Elias, para preparar seus discípulos<br />
para a provação da Cruz”.<br />
2. Santo Eusébio de Vercelli, Bispo (†Vercelli, Sardenha,<br />
371). Nasceu na Sardenha. Em 345 foi eleito<br />
primeiro bispo de Vercelli. Propagou a Religião Cristã<br />
por meio da pregação e introduziu a vida monástica na<br />
sua diocese. Por causa da Fé Católica, foi exilado pelo<br />
Imperador Constâncio e suportou muitos sofrimentos.<br />
Tendo regressado à pátria, combateu valorosamente<br />
contra os arianos.<br />
3. São Pedro de Anagni, Bispo e Confessor (†Itália,<br />
1105). Provinha da nobre família dos príncipes de Salerno<br />
e era monge beneditino em Anagni, quando nomeado Bispo<br />
da mesma cidade pelo Papa Alexandre II. Participou da<br />
primeira Cruzada. Foi canonizado cinco anos após seu falecimento.<br />
4. São João Batista Maria Vianney, Confessor (†Ars,<br />
1859). Ver página 16.<br />
5. XVIII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Cassiano, Bispo de Autun, na Gália Lugdunense,<br />
atual França (séc. IV).<br />
7. São Caetano de Tiene, Confessor (†Nápoles, 1547).<br />
8. São Domingos de Gusmão, Confessor (†Bolonha,<br />
1221). Fundou a Ordem dos Pregadores (ou Dominicanos)<br />
com a finalidade de defender a ortodoxia católica<br />
e pregar contra as heresias, principalmente a albigense.<br />
9. Santos Juliano, Mariano e Oito Companheiros, Mártires<br />
(†Constantinopla, séc. VIII). Padeceram muitos tormentos<br />
e afinal foram mortos pela espada, porque defenderam<br />
a veneração às santas imagens, contra os adeptos da<br />
heresia iconoclasta.<br />
10. São Lourenço, Mártir (†Roma, 258).<br />
11. Santa Clara de Assis, Virgem (†Assis, 1253).<br />
Pertencia a uma família nobre e tinha grande beleza.<br />
Enfrentando a oposição da família, que pretendia arranjar-lhe<br />
um casamento vantajoso, seguiu a São Francisco<br />
de Assis e fundou o ramo feminino da Ordem<br />
franciscana, também conhecidas como Damas Pobres<br />
ou Clarissas.<br />
12. XIX Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Euplúsio, Mártir (†Sicília, séc. IV). Obedecendo<br />
a um impulso excepcional da graça divina, apresentou-se<br />
voluntariamente ao tribunal de Catânia, na Sicília, e professou<br />
sua Fé em Jesus Cristo. Sofreu vários tormentos e<br />
foi, afinal, decapitado.<br />
13. São Ponciano, Papa e Santo Hipólito, Presbítero,<br />
Mártires (†Sardenha, séc. III).<br />
14. São Maximiliano Kolbe, Mártir (†Auschwitz, 1941).<br />
15. Assunção de Nossa Senhora.<br />
Santo Estêvão, Rei da Hungria –<br />
Santuário de Czestokowa, Polônia<br />
16. Santo Estêvão da Hungria, Confessor (†1038). Rei<br />
da Hungria, foi convertido por Santo Adalberto, Bispo de<br />
Praga, e dedicou a vida a fazer de seu reino, tanto quanto<br />
possível, uma imagem do Reino dos Céus.<br />
28
––––––––––––––––– * Agosto * ––––<br />
17. São Jacinto, Confessor (†Polônia, 1257). Nascido perto<br />
de Cracóvia, foi recebido na Ordem dos Pregadores pelo<br />
seu próprio fundador, São Domingos de Gusmão. Formou a<br />
província polonesa da Ordem dominicana e pregou na Rússia<br />
e na Prússia. É considerado o Apóstolo da Polônia.<br />
18. Santa Helena, Viúva (†Nicomédia, Ásia Menor,<br />
330); mãe de Constantino, o primeiro imperador cristão.<br />
19. XX Domingo do Tempo Comum.<br />
São João Eudes, Confessor (†Caen, França, 1680).<br />
Grande propagandista da devoção aos Sagrados Corações<br />
de Jesus e Maria.<br />
20. São Bernardo de Claraval, Confessor e Doutor da<br />
Igreja (†1153).<br />
21. São Pio X, Papa e Confessor (†Roma, 1914).<br />
22. Nossa Senhora Rainha.<br />
23. Santa Rosa de Lima, Virgem (†Lima, 1617). Padroeira<br />
oficial da América Latina e das Filipinas. Embora sem<br />
ingressar num convento, viveu de acordo com a mais estrita<br />
perfeição religiosa, em oração e em penitências contínuas.<br />
24. São Bartolomeu Apóstolo, Mártir (†séc. I). Também<br />
chamado Natanael, recebeu de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo um elogio magnífico: “Eis um verdadeiro israelita<br />
no qual não há fraude” (Jo 1,47). Segundo a Tradição, São<br />
Bartolomeu foi martirizado no Oriente, para onde levou o<br />
Evangelho.<br />
das Senhoras Adoradoras e Escravas do Santíssimo Sacramento,<br />
destinada a acolher pecadoras públicas arrependidas.<br />
Estendeu sua obra a várias cidades espanholas.<br />
27. Santa Mônica, Viúva (†Óstia, Itália, 387). Modelo<br />
de esposa e de mãe cristã. Pela santidade de vida e constância<br />
na oração, obteve a conversão do esposo e do filho<br />
que, abandonando a vida devassa e o maniqueísmo, veio a<br />
ser o grande Santo Agostinho.<br />
28. Santo Agostinho, Bispo, Confessor e Doutor da<br />
Igreja (†Hipona, 430).<br />
29. Martírio de São João Batista (séc. I).<br />
30. São Félix e Santo Adauto, Mártires (†séc. IV).<br />
31. São Raimundo Nonato, Confessor (†Cardona,<br />
1240). Ofereceu-se voluntariamente como escravo dos<br />
mouros para libertar um católico. Para impedir São Raimundo<br />
de pregar aos outros cativos, furaram-lhe os lábios<br />
com ferro em brasa e passaram um cadeado entre eles.<br />
Após oito meses de atrozes sofrimentos, foi libertado e nomeado<br />
cardeal, em reconhecimento por seus méritos. Faleceu<br />
com apenas 36 anos. Seu nome “Nonato” (do latim<br />
“non natus” – não nascido) deve-se ao fato de sua mãe ter<br />
falecido antes de dá-lo à luz, sendo extraído do corpo materno<br />
já inerte. É, por isso, invocado como padroeiro das<br />
parturientes e das parteiras.<br />
25. São Luís IX, Confessor. Rei da França (†Tunísia,<br />
1270).<br />
São José de Calasanz, Presbítero (†Roma, 1648). Nasceu<br />
em Aragão (Espanha) no ano 1557 e recebeu uma excelente<br />
formação cultural. Foi ordenado sacerdote e, depois<br />
de ter exercido o ministério na sua pátria, partiu para<br />
Roma, onde se dedicou à educação das crianças pobres<br />
e fundou uma Congregação (Escolas Pias) cujos membros<br />
(Escolápios) deviam consagrar-se a esta nobre missão.<br />
26. XXI Domingo do Tempo Comum.<br />
Santa Micaela do Santíssimo Sacramento, Virgem<br />
(†Valência, Espanha, 1865). Nascida em Madri, possuía o<br />
título de Viscondessa de Jorbalán e empregou toda a sua<br />
fortuna em obras de misericórdia. Fundou a Congregação<br />
São Raimundo Nonato – Paróquia<br />
de Nossa Senhora do Carmo –<br />
Durcal, Granada (Espanha)<br />
29
Dona Lucilia<br />
Onde há respeito<br />
Para instruir seus jovens ouvintes sobre a importância do<br />
respeito no relacionamento humano, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> evoca<br />
um exemplo que marcara profundamente sua formação:<br />
o convívio entre Dona Lucilia e seu esposo.<br />
Em minhas conferências, eu nunca me dirijo a<br />
meus ouvintes tratando-os de “vocês”. Falando<br />
individualmente com cada um, eu emprego<br />
a palavra “você”, mas coletivamente digo “os senhores”.<br />
Qual é a razão?<br />
É para que, na jovem idade em que estão, as pessoas<br />
presentes no auditório se sintam respeitadas e, assim,<br />
compreendam a importância de toda criatura humana,<br />
bem como a necessidade de ter responsabilidade por<br />
aquilo que dizem e fazem.<br />
O bom convívio está fundamentado<br />
no respeito mútuo<br />
Ora, o fundamento do bom convívio está em que as<br />
pessoas se respeitem mutuamente. Quando não se respeitam,<br />
o convívio não se mantém bom, acaba azedando.<br />
Mesmo sendo tão novos, respeitem-se, e os senhores começarão<br />
a achar que os outros são interessantes. Quando<br />
os senhores não se respeitam a si próprios e não respeitam<br />
o outro, acabam desgastando aquela companhia<br />
e ficam fartos daquele ambiente.<br />
Um ambiente austero, que não tem as pagodeiras<br />
imundas deste século, mas exige de cada pessoa pensamento,<br />
reflexão, domínio sobre os defeitos de sua própria<br />
natureza, castidade; esse ambiente se torna agradável<br />
na medida em que todos se respeitem. Se começarem<br />
a brincadeira e os apelidos, o nível do ambiente acaba<br />
abaixando; daí a pouco todos estão se achando cacetes,<br />
brigando uns com os outros e, terceiro passo, começam a<br />
olhar para a porta de saída, com a ilusão de que naquele<br />
mundo lá fora as pessoas se tratam melhor. Os senhores<br />
sabem que não é verdade, mas as pessoas se iludem.<br />
O trato entre Dona Lucilia e seu esposo<br />
Lembro-me de meu falecido pai e do relacionamento<br />
dele com minha mãe. Eu nunca os vi brigarem, nem terem<br />
algo de parecido com uma briga. Ele a tratava normalmente<br />
como todo o marido trata a esposa: você. Portanto,<br />
dizia para ela “Lucilia, você”; e ela a ele “João Paulo,<br />
você”. Mas às vezes, quando entravam em desacordo<br />
sobre um ponto qualquer, ele a tratava de senhora e afirmava:<br />
“Senhora, isto não é assim.” Era o máximo do fogo.<br />
Resultado: a companhia entre eles e o trato eram os mais<br />
calmos e os mais agradáveis que possam haver.<br />
Às vezes, eu chegava em casa e encontrava os dois velhinhos<br />
deixando escorrer o tempo, à espera da morte<br />
que viria mais cedo ou mais tarde. Graças a Deus veio<br />
tarde para ambos: ele morreu com oitenta e quatro anos<br />
e ela com noventa e dois. Aquele tempo escorria devagar,<br />
mas tranquilo, mais ou menos como a areia de uma<br />
ampulheta.<br />
Não sei se os senhores sabem o que é ampulheta. São<br />
aquelas duas bolas entre as quais existe um conduto pelo<br />
qual passa areia. Os antigos marcavam o tempo com ampulheta.<br />
O tempo que levava para que aquela quantidade<br />
de areia passasse da bola de cima para a de baixo, era<br />
a duração de um exame oral nas faculdades; depois passou<br />
para a vida de família. Ainda não havia relógio, e a<br />
ampulheta servia para marcar o tempo.<br />
O relógio de parede ou o colocado num móvel faz um<br />
certo tique-taque. A areia seca, branquinha da praia, colocada<br />
numa ampulheta de cristal, escorre sem fazer barulho,<br />
silenciosamente. Assim corria o tempo na Rua<br />
Alagoas 350, primeiro andar, quando só os dois estavam<br />
em casa.<br />
Quando moço e, portanto, com muito mais vida, eu tendia<br />
a falar alto. Os dois tinham ouvidos ruins, eu falava alto<br />
para eles me ouvirem e a casa tomava outra vida. O telefone<br />
começava a tocar, eram pessoas que estavam a minha<br />
procura, eu tinha que atender, vinha gente para conversar<br />
comigo, a casa se movimentava. Quando eu saía era<br />
como se a vida parasse, e uma ampulheta silenciosa fosse<br />
a única coisa a marcar o tempo que transcorria.<br />
Por que isso era assim? Eles se respeitavam.<br />
Então, compreendamos bem que onde as pessoas se<br />
respeitam tudo entra nos eixos.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 24/9/1994)<br />
30
tudo entra nos eixos…<br />
A areia seca, branquinha<br />
da praia, colocada numa<br />
ampulheta de cristal, escorre<br />
silenciosamente. Assim corria<br />
o tempo na Rua Alagoas<br />
350, primeiro andar, quando<br />
só os dois estavam<br />
em casa.<br />
<strong>Dr</strong>. João Paulo e Dona Lucilia. Ao<br />
fundo, “Salão Azul” e “Salão Rosa”<br />
do apartamento da Rua Alagoas<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Il Gesù<br />
Fotos: G. Kralj; Jastrow<br />
Edificada em frente à Sede Generalíssima da Companhia de Jesus,<br />
a igreja “Il Gesù” é riquíssima em formas e cores. Contemplemos<br />
alguns de seus detalhes em companhia de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
Em cima do arco que serve de dossel para a imagem<br />
de Santo Inácio de Loyola, encontram-se alguns anjinhos.<br />
E mais acima algumas figuras brancas, são anjos<br />
também; e bem acima, a Santíssima Trindade: a glória de<br />
Deus, eterna, imutável e absoluta.<br />
O jogo de cores e as formas são muito agradáveis de<br />
olhar. Todas as formas são muito definidas, proporcionadas,<br />
e fazem do altar uma obra de arte.<br />
O altar é a glorificação de Santo Inácio de Loyola.<br />
Mas contém um pensamento sério: por mais elevado que<br />
Santo Inácio tenha sido, infinitamente acima dele, portanto<br />
em uma outra ordem de coisas, por assim dizer,<br />
além do altar, está Deus Nosso Senhor. Deus, ótimo, máximo,<br />
que brilha no mais alto da glória. Abaixo d’Ele está<br />
um santo, com os braços abertos em uma espécie de êx-<br />
Ao contemplar a famosa Igreja do Gesù, em Roma,<br />
dada a propensão que tenho pelas cores, a<br />
primeira coisa que me ocorreria seria analisar<br />
os mármores que lá estão colocados.<br />
Altar forrado de belos mármores<br />
ro absoluto, através do branco também absoluto. É uma<br />
coisa muito bem feita, um jogo de cores entre o marrom<br />
e branco muito bem calculado, que se repetem no próprio<br />
altar.<br />
Harmonia entre cores e formas<br />
Em um dos altares laterais, onde está o corpo de Santo<br />
Inácio, nota-se a distinção entre duas coisas. No altar<br />
propriamente dito, sobretudo nas duas colunas de mármore<br />
que se encontram de cada lado da imagem do santo.<br />
Cada uma delas é peça monolítica, uma pedra só de<br />
baixo até em cima. E esse mármore dá a nota dominante<br />
de todo o colorido.<br />
Logo depois dessas colunas há uma faixa de mármore<br />
por onde as colunas das extremidades, de certo modo,<br />
se encostam à parede. E é um salpicado, um misto da<br />
cor de noz com o branco, preparando a transição para o<br />
branco total.<br />
Depois existe um grande quadrilátero, dentro do qual<br />
se nota uma cor parecida com a das colunas; há uma<br />
transição que prepara a passagem para o marrom-cla-<br />
32
Acima e ao lado, diversos aspectos da igreja<br />
do Gesù. Abaixo, altar de Santo Inácio<br />
tase, olhando para o Céu, quer dizer, com o pensamento<br />
dele todo voltado para o Criador: Deus e seu servidor.<br />
Vejam a diferença que há entre o servidor de Deus, o<br />
santo canonizado pela Igreja, de um lado, e, de outro lado,<br />
um simples fiel que reza ajoelhado junto à mesa de<br />
Comunhão, à grade que está colocada abaixo do altar.<br />
Observem a hierarquia das coisas. A Igreja militante,<br />
tendo acima de si a Igreja gloriosa, a qual está toda voltada<br />
para Deus e absorta na consideração e na contemplação<br />
d’Ele. Um santo é um cidadão, um membro eminente<br />
da Igreja gloriosa.<br />
O gesto de Santo Inácio é exclamativo, como quem está<br />
em um êxtase e todo absorvido na contemplação do<br />
esplendor de Deus, de um lado; de outro lado, nota-se<br />
que é um gesto muito harmonioso, muito digno, que não<br />
tem nada de demagógico.<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Seriedade do altar renascentista<br />
Figura de anjo ornando uma<br />
das mesas de Comunhão<br />
Madonna della Strada<br />
Trata-se de uma peça<br />
caracteristicamente renascentista;<br />
apesar disso tem<br />
uma seriedade que não<br />
chega a ser de nenhum<br />
modo a seriedade sublime<br />
do gótico, mas é uma seriedade<br />
real. Os próprios<br />
anjinhos não são como os<br />
de Bernini; é tudo sério,<br />
pensado, bem ordenado,<br />
articulado. É o espírito de<br />
Santo Inácio de Loyola.<br />
Se este fosse o altar-<br />
-mor de uma grande igreja,<br />
nós diríamos: “Que<br />
igreja!” Mas, esse é um altar<br />
lateral...<br />
Entre o altar de Santo Inácio e o altar-mor, venera-se<br />
a imagem da Madonna della Strada.<br />
Alguém dirá: “Mas não é esquisito que haja um altar<br />
entre o de Santo Inácio e o altar-mor? Não se compreenderia<br />
melhor que ele estivesse bem junto ao altar-mor?”<br />
Onde está Nossa Senhora todo mundo recua. E uma imagem<br />
da Santíssima Virgem não<br />
pode figurar depois da imagem<br />
de um santo. A imagem<br />
miraculosa de<br />
Madonna della Strada<br />
é muito venerada<br />
por todos que<br />
vão ao Gesù.<br />
É realmente<br />
uma muito bonita<br />
imagem,<br />
muito expressiva,<br />
séria, como<br />
muito sério<br />
é também o<br />
Menino Jesus.<br />
Nossa Senhora<br />
dá vagamente<br />
a impressão<br />
de ter os trajes<br />
de uma imperatriz<br />
bizantina;<br />
a imagem é<br />
Madonna della Strada<br />
um tanto orientalizante.<br />
E o Menino Jesus está todo vestido, cheio<br />
de pudor, diferente dessa mania de apresentar o Divino<br />
Infante nu, ou quase nu, como se Nossa Senhora fosse<br />
uma Mãe despreocupada e indolente, que não tivesse<br />
vontade nem disposição de cobrir o corpo de seu Menino.<br />
O altar de São Francisco Xavier<br />
Em frente ao altar dedicado a Santo Inácio há outro<br />
em honra de São Francisco Xavier, o grande apóstolo<br />
das nações de raça amarela, que evangelizou uma boa<br />
parte do Japão, e morreu numa ilha entre o Japão e a<br />
China, olhando para a China, com vontade de chegar lá e<br />
de evangelizar aquela nação.<br />
Ele era súdito de Santo Inácio, por quem foi convertido.<br />
Mas ele era um tão grande apóstolo que mereceu ser<br />
colocado em frente a Santo Inácio, embora do lado esquerdo<br />
de quem entra na igreja. Lá está o braço incorrupto<br />
de São Francisco Xavier, encastoado em um relicário<br />
que muito vagamente toma a forma de um braço com<br />
a mão na extremidade. Eu chamo a atenção dos presentes<br />
para o lacerado da mão, como também para os dedos,<br />
que são finos, delicados, exprimindo assim um feitio de<br />
alma especialmente delicado.<br />
Tomem em consideração que São Francisco Xavier<br />
foi um grande professor da Universidade de Paris, antes<br />
de se tornar jesuíta. Todos os dias em que dava aula,<br />
ele encontrava um seu conterrâneo, baixo, de olhos<br />
como dois sóis, coruscantes, penetrantes,<br />
pobre, malvestido, que se aproximava dele<br />
enquanto os alunos lhe prestavam homenagem.<br />
São Francisco Xavier era tão<br />
homenageado como professor que frequentemente,<br />
quando terminava a aula,<br />
os alunos — que naquele tempo usavam<br />
capas — punham suas capas no chão para<br />
que ele ao sair pisasse sobre elas. E Santo<br />
Inácio esperava a São Francisco Xavier<br />
do lado de fora da porta e perguntava:<br />
“Francisco, de que serve isto tudo se<br />
perderes a tua própria alma?” Aquilo foi<br />
tocando a alma de São Francisco, o qual<br />
afinal se converteu e pertenceu ao primeiro<br />
grupinho de jesuítas. Depois foi o<br />
imenso apóstolo do Oriente, tendo também<br />
trabalhado na Índia.<br />
Comungando na Igreja do Gesù<br />
Para encerrar, eu gostaria de narrar<br />
um fato que se deu comigo.<br />
34
Fui comungar na Igreja do Gesù.<br />
Ao ajoelhar-me junto à<br />
mesa de Comunhão, notei<br />
que era magnífica.<br />
Precisei fazer um solavanco<br />
violento para que o esplendor<br />
da mesa de Comunhão não<br />
afastasse o meu espírito da<br />
consideração d’Aquele que é o<br />
esplendor subsistente, em relação<br />
ao Qual todo o resto não é<br />
senão imagem ou semelhança.<br />
À esquerda, relicário<br />
com o braço de São<br />
Francisco Xavier.<br />
Abaixo, detalhe<br />
do altar dedicado<br />
ao mesmo santo.<br />
À direita, figuras<br />
em mármore,<br />
desenhadas no piso<br />
Fui comungar, certa vez, na Igreja do Gesù.<br />
Ao ajoelhar-me junto à mesa de comunhão notei que<br />
ela era magnífica, toda incrustrada com figuras geométricas,<br />
de mármores das mais diversas cores — aliás, sabe-se<br />
que a Itália é a terra dos lindos mármores.<br />
Quando me dei conta, eu estava tentado a ficar prestando<br />
atenção nos mármores em vez de prestar atenção<br />
no Autor dos mármores, que Se dignava entrar dentro<br />
deste peito do qual Ele também é o Autor. Precisei fazer<br />
um solavanco violento para que o esplendor da mesa de<br />
Comunhão não afastasse o meu espírito da consideração<br />
d’Aquele que é o esplendor subsistente, em relação ao<br />
Qual todo o resto não é senão imagem ou semelhança. v<br />
(Extraído de conferências de<br />
4/8/1979 e 11/11/1988)<br />
35
A Virgem e o Menino –<br />
Metropolitan Museum of Art,<br />
Nova York (Estados Unidos)<br />
G. Kralj<br />
“EVós sois Rainha.<br />
m mim, ó<br />
minha Mãe,<br />
Eu reconheço o vosso<br />
direito e procuro atender<br />
às vossas ordens. Daime<br />
lumen de inteligência,<br />
força de vontade, espírito<br />
de renúncia para que<br />
as vossas ordens sejam<br />
efetivamente obedecidas<br />
por mim. Ainda que o<br />
mundo inteiro se revolte<br />
e Vos negue, eu Vos<br />
obedeço.”<br />
(Extraído de conferência<br />
de 31/5/1975)