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Revista Dr Plinio 147

Junho de 2010

Junho de 2010

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Publicação Mensal Ano XIII - Nº 147 Junho de 2010

O Relógio da

humanidade!


Operando

maravilhas...

Aalma medieval era encantada por

todas as formas de maravilhoso,

mesmo as mais diversas... Há um

fato na vida de Santo Antônio de Pádua,

típico deste gracioso medieval:

Estando certa vez num povoado marítimo

— o qual era repleto de hereges —

Santo Antônio dispôs-se a fazer uma pregação

sobre a onipotência divina. Como

ninguém vinha escutá-lo, voltou-se para

o mar e disse: “Já que não há aqui ninguém

que queira ouvir a palavra de Deus,

vós, puras criaturas, vinde ouvir-me a fim

de ser confundida a indocilidade destes ímpios.”

Logo surgiram milhares de peixes, os

quais, pondo a cabeça para fora da água,

pareciam prestar grande atenção na pregação

de Santo Antônio. Ao fim de sua exortação,

deu-lhes a bênção e despediu-os.

Diante de tal milagre, todo o povo converteu-se.

Que maravilhosa a alma de Santo Antônio,

tão humilde e cheia de fé: no desprezo

a si próprio ele vê, no fundo, um desprezo

à palavra de Deus; e, para reparar a

ofensa feita a Deus, com toda simplicidade,

opera um milagre extraordinário. Este

foi o espírito intrínseco da Idade Média, e

mais ainda da Igreja Católica.

Quando os homens tiverem esta fé ardente,

veremos maravilhas ainda maiores.

G. Kralj

(Extraído de conferência de 21/1/1974)

2

Santo Antônio de Pádua. Catedral

de São Patrício - Nova York.


Sumário

Publicação Mensal Ano XIII - Nº 147 Junho de 2010

Ano XIII - Nº 147 Junho de 2010

O Relógio da

humanidade!

Na capa, Dr. Plinio em

1988; ao fundo, relógio

do frontispício da

Basílica de São Pedro.

Fotos: J. Dias, G. Kralj

As matérias extraídas

de exposições verbais de Dr. Plinio

— designadas por “conferências” —

são adaptadas para a linguagem

escrita, sem revisão do autor

Dr. Plinio

Revista mensal de cultura católica, de

propriedade da Editora Retornarei Ltda.

CNPJ - 02.389.379/0001-07

INSC. - 115.227.674.110

Editorial

4 Elo de união entre o Céu e a Terra

Dona Lucilia

6 Serenidade na alegria e na dor

Diretor:

Antonio Augusto Lisbôa Miranda

Conselho Consultivo:

Antonio Rodrigues Ferreira

Carlos Augusto G. Picanço

Jorge Eduardo G. Koury

Redação e Administração:

Rua Santo Egídio, 418

02461-010 S. Paulo - SP

Tel: (11) 2236-1027

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br

Impressão e acabamento:

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.

Rua Barão do Serro Largo, 296

03335-000 S. Paulo - SP

Tel: (11) 2606-2409

Preços da

assinatura anual

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 90,00

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00

Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 260,00

Grande Propulsor . . . . . . R$ 430,00

Exemplar avulso . . . . . . . R$ 12,00

Serviço de Atendimento

ao Assinante

Tel./Fax: (11) 2236-1027

O Santo do mês

10 15 de Junho

Santa Germana Cousin

“Revolução e Contra-Revolução”

16 A Contra-Revolução tendencial - II -

Eco fidelíssimo da Igreja

22 O papel da Eucaristia no

mundo moderno

O pensamento filosófico de Dr. Plinio

28 Contemplação e transcendência

Luzes da Civilização Cristã

32 Obra-prima da Inocência

Última página

36 Mãe também dos pecadores

3


Editorial

Elo entre o Céu

e a Terra

“M

eu último pensamento seja de amor ao Papa.” Esta é a frase acrescida por Dr. Plinio — de

próprio punho — em sua carteira de identidade católica.

Um dos principais pilares de sua espiritualidade era, sem dúvida, a profunda devoção

que nutria em relação à Cátedra de Pedro, na pessoa do Romano Pontífice.

Esta devoção tornou-se de tal modo manifesta no decorrer de sua vida, que não seria dificultoso

reunir um incontável número de páginas contendo considerações repletas de Fé e submissão acerca

do Santo Padre, o Doce Cristo na Terra.

Por ocasião do dia do Papa — 29 de junho —, homenageando tão edificante devoção, Dr. Plinio

traz em seu editorial excertos de conferências proferidas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, nas

quais ele manifesta seu entranhado amor ao Papado:

“Já em minha infância, eu percebia que deveria haver uma autoridade infalível, a qual ensinasse a todos,

pois, caso isso não fosse assim, não haveria possibilidade de as pessoas pensarem do mesmo modo,

e a vida seria um caos, indigna de ser vivida. Então nasceu em mim uma pujante veneração ao Papado e,

consequentemente, ao Episcopado e aos outros graus da Hierarquia.” 1

Assim se manifestaria ele, dois anos mais tarde:

“Tão grande é a fragilidade humana, que, inevitavelmente, cairíamos em erro, caso não houvesse um

mestre infalível, o qual nos ensinasse toda a verdade.

“Imaginemos uma cidade com milhares de habitantes, onde cada um possuísse ao menos um relógio.

Nesta cidade haveria milhares de relógios. De nada serviriam esses relógios caso não houvesse um relógio

posto por Deus, chamado sol, pelo qual os homens pudessem saber a hora certa.

Ora, à semelhança do sol que regra as horas, há um homem que, em matéria de fé e moral, não cai em

erro. Este é o Santo Padre; de seus lábios abençoados só pode sair a verdade. Ele é o ‘relógio’ que regula a

Humanidade; o Bispo dos bispos; o pastor dos pastores; o Rei da Igreja e de todas as almas. É a mais alta

criatura que há na Terra. Não há rei, não há imperador, não há presidente da república, não há milhardário,

não há nada, que valha tanto quanto o homem a quem Deus garantiu: ‘As portas do inferno não

prevalecerão contra ti. Pedro tu és pedra e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja’.

“Assim sendo, nós devemos ser cuidadosíssimos em amar o Papado acima de todas as coisas da Terra.

“Sem o Papado, a Terra seria um antro de confusão, de desordem e de horror.” 2

Com o decorrer dos anos, tal amor ao Papa evidenciou-se cada vez mais, como se pode verificar

nas seguintes palavras de Dr. Plinio:

“Não é com meu entusiasmo dos tempos de jovem que eu me coloco hoje ante a Santa Sé. É com um

entusiasmo ainda muito maior, pois à medida que vou vivendo, refletindo e ganhando experiência, compreendo

e amo mais ao Papa e ao Papado.

“E este amor não é abstrato. Ele inclui um especial amor à pessoa sacrossanta do Papa, seja ele o de

ontem, como o de hoje ou o de amanhã. Amor de veneração, amor de obediência.

“Insisto: amor de obediência. Pois desejo dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus antecessores

e sucessores, toda a adesão que a doutrina da Igreja me prescreve, tendo por infalível o que ela manda

ter por infalível, e por falível o que ela ensina que é falível. Quero obedecer às ordens deste ou de qualquer

outro Papa em toda a medida que a Igreja indica que sejam obedecidos. Isto é, não lhes sobrepondo

jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder terreno.” 3

4


Carteira de Identidade Católica, pertencente a Dr. Plinio, em cuja parte

inferior pode-se ler: Meu último pensamento seja de amor ao Papa.

O corolário dessa profunda devoção, cultivada cuidadosamente durante sua existência, foram as

tocantes afirmações de Dr. Plinio, pronunciadas exatamente três meses antes de sua morte:

“O mesmo amor que devoto a Nossa Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo, também o possuo em relação

ao Papado. Pois há um princípio segundo o qual uma corrente vale conforme seu elo mais fraco.

Poderá uma corrente ter cem elos, cada um deles com o diâmetro do braço de um atleta, mas estarem

presos a um outro elo muito delicado, essa corrente tem o valor do elo frágil.

“Ora, na corrente da tríplice devoção à Santíssima Trindade, à Maria e ao Papado, o elo mais frágil é

o Papado, por ser o mais humano. Então, o modo mais vigoroso de amar a corrente inteira é oscular o

elo mais fraco.

“Ao dedicar meu inteiro amor ao Papado, meu ato toma o sentido de quem replica ao adversário: ‘Vocês

estão recriminando tais e tais debilidades do Papado. Pois ali vai meu ósculo, ali vai minha fidelidade.’

“Onde a infidelidade de alguns poderia tentar a fidelidade dos fiéis em sua totalidade, eu quero pôr a

minha fidelidade inteira.” 4

______________________________________

1) Excerto de conferência de 14/4/1989.

2) Excerto de conferência de 29/9/1991.

3) Trecho de artigo na Folha de São Paulo, em 12/7/1970.

4) Excerto de conferência de 3/7/1995.

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.

5


Dona Lucilia

Serenidade na alegria e na

A impostação da alma inocente diante da normalidade da

vida quotidiana prepara-a para os momentos de alegria, bem

como para os de sofrimento. Assim se dava com Dona Lucilia,

serena na alegria, mas também na provação.

À noite, quando minha irmã e eu

já estávamos dormindo, Dona Lucilia

passava pelo quarto de Rosée e

depois pelo meu, e fazia várias cru-

Mamãe tinha um temperamento

eminentemente

sereno. Mesmo quando

algo lhe transmitia uma especial

alegria, ela não perdia a tranquilidade.

Nestas ocasiões, sua reação não

era distinta da que ela teria nos dias

comuns.

Por exemplo, quando ela verificou

minha inteira inocência diante da

suspeita de eu ter falsificado a nota

do meu boletim no Colégio São Luís

1 , sua alegria tinha como base motivos

razoáveis, não se tratando de

uma reação meramente instintiva.

Assim, nos momentos de alegria,

ela hauria esta serenidade que depois

se estendia para os momentos

de dor e sofrimento. Pois ela amava

Nosso Senhor Jesus Cristo, e se Ele

tanto sofreu sem nunca reclamar,

conservando inteira serenidade,

também ela deveria ser desta forma.

As pequenas alegrias

preparavam-na para

conservar a serenidade

diante da dor

Desta forma, todas as suas pequenas

alegrias ao longo de cada

dia preparavam-na para conservarse

serena diante de sofrimentos futuros.

Por exemplo, num dia comum,

agradável e tranquilo — como era

normal na São Paulinho daqueles

tempos —, ao aproximar-se a hora de

meu retorno do colégio, ela sempre

ficava um pouco preocupada, com receio

de que me acontecesse algo pelo

caminho. Sobretudo por ser eu um

pouco distraído, ela temia que um

automóvel me atropelasse. Por isso,

ela permanecia no terraço andando

um pouquinho e tomando ar, muito

serena, apesar de preocupada.

Em certo momento, ela via o portão

se abrir e eu entrar. Quando eu

percebia que mamãe estava lá, tirava

o chapéu e a cumprimentava, depois

ia correndo falar com ela. Mas, às

vezes, eu não a via e entrava direto.

Nestas ocasiões, creio que ao me ver

entrar, ela deveria sorrir serenamente

e dizer: “O meu filhão chegou.”

Era um fato inteiramente normal,

mas ela o vivia dentro de uma atmosfera

religiosa, a qual fazia de minha

simples chegada uma causa de felicidade

para ela. Nestas alegrias suaves

e tranquilas, ela encontrava a serenidade

e a paz para sua alma.

Assim, quando eu chegava junto

dela, não encontrava nenhum resquício

da preocupação que tinha há

pouco, pois a primeira impressão de

minha chegada bastava para a tranquilizar.

E, aproximando-me dela,

ela dizia suavemente: “Filhão, como

vai?” Isto me dava muito agrado, e

eu o manifestava de forma truculenta,

beijando-a e abraçando-a muitas

vezes, sem me preocupar com o modo

de fazê-lo...

“Sua serenidade me

tranquilizava”

6


dor

T. Ring

7


Dona Lucilia

zinhas em nossas frontes, pedindo a

Deus que nos abençoasse.

Algumas vezes, acontecia de eu

acordar nessa hora, mas, ainda que

eu não despertasse inteiramente,

percebia tratar-se de mamãe; então,

dormia ainda mais contente e tranquilo,

por saber que aquela serenidade

havia pousado sobre mim.

Assim era Dona Lucilia: suave e

afetuosa, até mesmo à noite!

Calma e serenidade em

meio aos dissabores

Mamãe conservava esta serenidade

até mesmo nos momentos mais difíceis.

Em todas as dificuldades, ela nunca

se portava com agitação ou torcida.

Depois do primeiro impacto de

um revés qualquer, ela pensava um

pouco e dizia: “Bom, eu vou fazer isto,

falar aquilo, resolver de tal forma.”

Planejava tudo, e depois, com

toda a tranquilidade, começava a

execução do plano.

Naturalmente, à medida que fui ficando

mais velho, ela foi se abrindo

mais comigo, e passou a contar-me

muito dos dissabores que ela teve durante

a vida, contava-me também como

eram os planos que ela fazia para

solucionar estas dificuldades.

Eu achava os planos dela muito

bem calculados, bem feitos. Certamente,

isto se devia ao fato de serem

concebidos na serenidade e na

calma, com base na fé e numa razão

muito equilibrada e direita. Eles me

causavam muito contentamento.

Contrastando o temperamento

de minha mãe com o difundido

por Hollywood, eu assimilei o dela,

e me habituei a passar pelos mais

terríveis revezes com a tranquilidade

e a serenidade que eu via em

Dona Lucilia.

Este estado de espírito, no fundo,

era uma plena confiança em Deus,

que a levava a pensar o seguinte:

“Por mais que nos advenham os piores

infortúnios, Deus permitiu, e,

portanto, é para o nosso bem. Estes

sofrimentos são o ornato da vida.”

Assim ela via o sofrimento, com

inteira serenidade, sabendo que tudo

acontece por uma razão mais alta

que está em Deus.

Jesus sofredor, modelo

de serenidade seguido

por Dona Lucilia

Para conservar esta serenidade,

creio que concorriam as Vias Sacras

que ela rezava na Igreja do Sagrado

Coração de Jesus, diante de estações

não muito artísticas, porém sérias e

piedosas. Em cada uma das estações

está representado um sofrimento de

Cristo durante sua Paixão. Em todos

eles, Nosso Senhor é apresentado

com uma enorme serenidade e tranquilidade,

por mais que sejam enormes

seus sofrimentos. Ele sofre, sa-

À esquerda, Sagrado Coração de Jesus. Acima, Igreja do Coração

de Jesus, onde Dona Lucilia costumava recitar a Via Sacra.

8


Quem se

aproximava

de Dona Lucilia

recebia algo de sua

serenidade, que, em

última análise,

vinha de Cristo

Nosso Senhor.

bendo que tem de sofrer, e por isso

não toma aquilo como sendo algo

extraordinário e inconcebível.

Contudo, foram tais os sofrimentos

de Nosso Senhor, que nós não podemos

sequer imaginá-los. Tomemos,

por exemplo, o estudo realizado por

um médico francês, Dr. Pierre Barbet,

sobre o Santo Sudário de Turin.

Um dos pontos analisados pelo

afamado cirurgião foi a posição de

Cristo na cruz. Um prego Lhe atravessava

— de uma só vez — os dois

pés; outros dois, um em cada punho,

prendiam-n’O à Cruz. Caso Ele quisesse

apoiar-se mais nos pés do que

nos braços, para assim aliviar um

pouco a dor, seus pés seriam rasgados;

por outro lado, se Cristo tentasse

aliviar a dor de seus pés, sustentando

o corpo unicamente com os braços,

seus pulsos seriam rasgados.

Em meio a todas estas dores, Ele

permanece calmo, analisando os dois

ladrões crucificados a seu lado. De

repente, um começa a blasfemar; o

outro, vendo-O se converte e começa

a defendê-l’O. E Nosso Senhor promete-lhe:

“Em verdade te digo: hoje

estarás comigo no paraíso.” 2

Donde vemos que, apesar de todos

os padecimentos que Lhe eram

impostos, Cristo mantinha a certeza

de que aquilo iria terminar, e sua

missão seria cumprida.

Olhar sereno que

infundia serenidade

Dona Lucilia, alguns anos antes de sua morte.

Assim era a serenidade de Nosso

Senhor neste terrível passo da Paixão.

Frei Pedro de Cristo, ao compor

uma canção que diz “Ojos claros serenos,

si pues morís por mi, miradme

al menos — olhos claros serenos, se

morreis por mim, olhai-me pelo menos”,

acertou enormemente. Pois, de

fato, se Aquele que, em meio a tantos

sofrimentos, conservou tal serenidade,

pousasse o olhar sobre alguém,

isto bastava para infundir-lhe

a mesma paz.

Mamãe, que tantas vezes vi diante

da imagem do Sagrado Coração de Jesus,

olhando-O durante longas horas,

talvez tenha recebido d’Ele um olhar,

que bem pode ter sido a causa de haver

nela tanta serenidade. Algo semelhante

dava-se com Dona Lucilia:

quem se aproximava dela recebia algo

desta serenidade que, em última análise,

vinha de Cristo Nosso Senhor. v

(Extraído de conferência de 11/03/1995)

1) Conferir Dr. Plinio, nº 122, página 18.

2) Lc. 23,43.

9


O Santo do Mês

–– * Junho * ––

1. Santo Aníbal Maria di Francia,

Fundador dos Rogacionistas e das

Filhas do Divino Zelo. (+ 1927)

2. Santo Eugênio I, Papa. Governou

a Igreja entre 654 e 657.

3. Corpus Christi.

4. São Francisco Caracciolo, Sacerdote,

Fundador da Congregação

dos Clérigos Regulares Menores. (+

1608)

5. São Lucas Vu Ba Loan, Presbítero

e Mártir, em Hanoi, no Tonquim

(atual Vietnã), degolado sob o

Imperador Minh Mang por professar

sua fé. (+1840)

6. X Domingo do Tempo Comum.

7. Santo Antônio Maria Gianelli,

Bispo e Fundador das Filhas de Santa

Maria do Horto (Gianellinas). (+

1846)

8. São Medardo, Bispo de Noyon,

França. (+560)

9. Santo Efrén (chamado “o Sírio”),

Diácono e Doutor da Igreja.

(séc. IV)

Beato José de Anchieta, Presbítero,

Jesuíta, nascido nas Ilhas Canárias.

Chamado o Apóstolo do Brasil.

(1534-1597)

10. Santo Itamar, Bispo de Rochester

(Inglaterra). Foi o primeiro

anglo-saxão em terra inglesa a ser

nomeado arcebispo. (séc. VII)

11. Solenidade do Sagrado Coração

de Jesus.

São Barnabé, Apóstolo e Mártir.

12. Imaculado Coração de Maria.

(Memória)

13. XI Domingo do Tempo Comum.

Santo Antônio de Pádua. Sacerdote

e pregador franciscano, nascido

em Lisboa e morto em Pádua (Itália).

Foi declarado Doutor da Igreja

em 1946 por Pio XII. (+ 1231)

14. Santo Eliseu, Profeta. (séc. IX

a.C.)

15. Santa Germana Cousin.

16. Santa Lutgarda. Religiosa cisterciense.

Foi ardente devota do Coração

de Jesus. (+1246)

17. Santo Hervé, Abade e eremita

(Bretanha). Morreu por volta do

ano 575.

18. Santa Elisabeth de Schönau,

Religiosa beneditina. (+ 1164)

19. São Romualdo, Fundador.

(956-1027)

20. XII Domingo do Tempo Comum.

21. São Luís Gonzaga, Religioso.

Considerado um modelo de pureza

para a juventude de todos os tempos.

(1568-1591)

22. São Paulino de Nola. (354-431)

23. São José Cafasso, Confessor.

Nascido no mesmo povoado natal de

São João Bosco, Castelnuovo de Asti,

em 1811, tornou-se amigo pessoal

do Fundador dos Salesianos. Sacerdote

em Turim, e grande confessor na escola

de Santo Afonso de Ligório, frequentou

os presídios para ministrar a

Reconciliação aos reclusos. (séc. XIX)

24. Natividade de São João Batista.

(Festa)

25. São Guilherme de Vercelli,

Abade. (séc. XII)

26. São Josemaria Escrivá de Balaguer,

Presbítero e Fundador. Nascido

em Barbastro (Aragão), fundou

a Sociedade Sacerdotal da Santa

Cruz (Opus Dei), hoje Prelatura

Pessoal difundida em muitos países.

(1902-1975)

27. XIII Domingo do Tempo Comum.

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

28. Santo Irineu, Padre da Igreja,

Bispo e Mártir. Discípulo de São Policarpo

(que o tinha sido de São João

Evangelista), expôs e condenou firmemente

os erros do gnosticismo.

(sécs. II-III)

29. São Pedro e São Paulo, Apóstolos.

São Cássio, Bispo. (séc. VI)

30. Santos Protomártires da Igreja

Romana. Acusados de terem querido

incendiar Roma, foram martirizados

de forma crudelíssima sob Nero. Uns

torturados, outros entregues a cachorros

furiosos cobertos de peles de feras;

outros, ainda, crucificados e queimados

para iluminar a noite. (séc. I)

10


15 de Junho

Santa Germana

Cousin

Num século habituado aos prazeres e deleites

da vida, onde o sofrimento e a dor eram

considerados com repugnância e horror,

despontou radiosa uma alma de extrema

humildade, colidindo estrondosamente

com os preconceitos de seu tempo: Santa

Germana Cousin.

S. Hollmann

C

omentarei a vida de Santa

Germana Cousin, a virgem de

Pribac 1 , que vivera em fins do

século XVI.

Assim narra-nos uma ficha com

sua história 2 :

“Se houve uma vida triste, inútil e

miserável aos olhos do mundo, foi a

da Bem-Aventurada Germana Cousin.

Uma mão paralisada, uma saúde detestável,

nenhuma instrução, um cajado

para dirigir ovelhas, a guarda de alguns

carneiros, enfim, a morte aos vinte

e dois anos, eis o que compôs para o

mundo a vida de Germana.

“No estábulo, um recanto pobre da

casa, estava seu quartinho: um cubículo

de cinco pés de comprimento,

sob uma escada. Algumas ramagens

de videira como leito, e, como alimento,

um pouco de pão e de água era

bastante para esta miserável escrofulosa.

Sua faina diária era guardar o

rebanho da família. E as estações do

ano lhe fizeram sofrer muito no que

elas têm de mais rigoroso.

“Sua paciência era inalterável, ela

não possuía outra resposta às injúrias

e aos maus-tratos que de todo lado caíam

sobre ela quando voltava para casa,

trazendo o rebanho e levando-o

para o estábulo. A sua única resposta

era calar-se e retirar-se a seu pequeno

cubículo.”

Diante de uma vida como essa,

quais ensinamentos poderiam ser

hauridos para o benefício das almas?

Dois notórios contrastes sucederam-se

durante a vida de Santa Germana.

Tendo nascido no século XVI,

houve uma flagrante divergência entre

o pecado dominante deste século

e a vida levada por ela, como também

a diferença entre as dificuldades

da vida terrena que sofrera, em

relação à glória sobrenatural pela

qual esteve cercada no final de sua

existência e sobretudo no Céu.

Por um lado, constata-se um século

profundamente marcado pela Renascença,

carregando seus pendores

defeituosos, que se entregava cada

vez mais desbragadamente às pompas

mundanas, aos prazeres da vida

e a uma ambição pela glória terrena.

Embora sendo menos vil que a dominante

ambição pelo dinheiro no

mundo contemporâneo, não deixava

de ser censurável, por possuir um

aspecto laico, voltado apenas para o

amor-próprio pessoal, desconsiderando

a glória celeste que é a única

glória à qual o homem deve tender.

Temos então um século de vanglória,

centrado no que há de passageiro,

transitório e terreno, e que, inconscientemente,

faz dessa vanglória

um de seus ídolos.

Em meio a este ambiente, nasce

uma santa venerada por toda a posteridade

por ter sido o contrário da

vanglória, levando uma vida pautada

11


O Santo do Mês

pelas maiores humilhações possíveis.

Não podendo prestar serviços, pois

possuía péssima saúde, Santa Germana

era vista com extraordinária crueldade

pelos seus mais próximos, maltratada

e desprezada com uma raiva

irracional que o homem de espírito

pagão nutre contra quem apresente

qualquer inferioridade intelectual ou

física. Ela tinha conjugadas ambas as

inferioridades, e era também iletrada.

“De um lado, as pessoas caçoavam

da simplicidade dela e de sua devoção.

Ela não conhecia nada, exceto o

doce nome de Jesus, seu Salvador, e tinha

muito cuidado de não se entristecer

com seus sofrimentos, com sua miséria,

e de pedir a Deus que lhe libertasse,

ainda mesmo quando o poder

divino, multiplicando os milagres em

torno dela, parecia disposto a atender

todos os seus desejos.”

“Ela veio ao mundo paralítica da

mão direita e atingida por uma escrofulose.

Sua mãe fora levada pela morte

logo após seu nascimento. Germana

teve que passar toda a sua vida sob a

autoridade de uma madrasta que a detestava,

maltratava e conservava afastada

de seus irmãos e irmãs. Seu pai,

Lourenço Cousin, não tinha por sua filha

nenhuma espécie de ternura, pouco

se inquietando por seus sofrimentos.”

Embora sendo uma pessoa de mínima

instrução, que nunca dera provas

de grande inteligência, além do

aspecto físico tão depauperado e

desprezível aos olhos do mundo, esquecida

pelo próprio pai e perseguida

pela madrasta incessantemente,

comprouve à Providência reunir em

torno da vida de Santa Germana todas

as razões de humilhação imagináveis,

para cumulá-la ainda mais de

alegria na vida eterna.

sua roca, abandonando seu rebanho à

guarda do Divino Pastor. Em Germana,

a confiança era como uma luz sobrenatural

que jamais fora iludida; esta

lhe inspirava uma certeza sobre-humana

que era posta a serviço de um

amor heroico.

“O rebanho, sempre muito bem

guardado, mesmo na entrada da floresta

de Bocogne, onde foi várias vezes

deixado, jamais teve uma ovelha desgarrada,

nem o menor prejuízo causado

aos campos vizinhos. O que há

de mais, o rebanho estava florescente

e não havia em toda a aldeia um rebanho

mais belo nem mais numeroso.

“Nosso Senhor multiplicou os milagres

nas mãos de sua caridosa serva,

como Ele outrora havia multiplicado

entre as suas mãos divinas. Mas

esta explicação não veio ao espírito de

todos. Acusaram-na de roubar pão da

casa de seu pai, e sua madrasta não

foi a última a conceber tais suspeitas.

Um dia deu-se conta, ou julgou notar

que Germana levava em seu avental

um certo número de pedaços de pão

que não lhe tinham sido dados. Imediatamente

tomou um bastão e pôsse

a correr atrás de Germana. Seu furor

contra o suposto roubo lhe fez vituperar

todas as injúrias que lhe vieram

ao espírito. Dois habitantes de Pribac

que a viram, tomados de piedade pela

pobre menina ameaçada, apertaram

o passo com o desígnio de tomar

a defesa dela. Quando chegaram perto

da pastora, fizeram-lhe abrir o avental

e ele não continha outra coisa, senão

um magnífico buquê de belíssimas flores,

espargindo um perfume delicioso.

Jamais os jardins de Pribac tinham

produzido flores semelhantes! Não era

uma estação de flores, pois estava-se

durante um rigoroso inverno...

“Um dia, Santa Germana não podendo

ir à igreja sem atravessar um

riacho, o qual, de tal maneira se tinha

enchido à noite, tornara-se intransponível,

e quando duas testemunhas esperavam

para ver o desaponto dela,

sem se deter um só instante Germana

pôs o pé e as águas se retiraram e fizeram

para a humilde pastora de Bocogne

o que outrora o Jordão havia feito

para a Arca da Aliança e para os filhos

de Israel. Os camponeses que estavam

lá ficaram tomados de temor e

Emerson Jr.

Rios que se abriam,

neves que davam flores...

“Chegada a hora da Santa Missa, a

Bem-Aventurada deixava seu cajado e

Sul da França.

12


como que fora de si mesmos. Ficaram

muito tempo com o olhar fixado sobre

Germana que se distanciava a toda

pressa, e olhavam para ela e para o

riacho que continuava a correr.”

Surge então outro aspecto de Santa

Germana, os milagres que se realizaram

em grande quantidade à sua

volta, comprovando sua autêntica

virtude. Milagres dos quais dois são

clássicos, um de separar as águas, como

sucedeu ao povo hebraico quando

transpunha o Rio Jordão, com a

Arca da Aliança. O outro milagre

faz lembrar o famoso fato da vida de

Santa Isabel da Hungria quando levava

pão aos pobres. Ocorreu que

um cortesão veio a exprobrá-la, perguntando

o que trazia em suas mãos,

ao que ela respondeu-lhe: “São rosas”,

e abrindo o avental notou que

de fato o que havia ali eram rosas...

Milagre magnífico, semelhante ao

realizado por Santa Germana quando

os pães transformaram-se num

lindo buquê de flores.

Milagres como esses poderiam ser

uma forma de Santa Germana darse

conta de sua própria grandeza e

orgulhar-se dela. Não obstante, ela

foi um modelo indubitável de humildade,

mesmo após a enorme fama de

santidade intensamente propagada a

seu respeito.

Despretensão, a condição

para a santidade

Aos familiares dela não foi dado

ver as qualidades extraordinárias

que possuía. Mesmo consciente dos

milagres que lhe eram atribuídos, a

madrasta a perseguiu maldosamente

por uma suspeita de roubo, absolutamente

infundada.

Mas Germana, possuidora de

extraordinário equilíbrio, preferiu

permanecer em seu estado a pedir

a cura que a privaria de suas humilhações,

fazendo possivelmente

com que não tivesse alcançado a

extraordinária santidade a que che-

G. Kralj

Apesar de operar

milagres que a

poderiam fazer

orgulhar-se de sua

própria grandeza,

Santa Germana

foi um modelo

indubitável de

humildade.

Anônimo

13


O Santo do Mês

gou. Bem poderia ela

ter-se utilizado dos milagres

para dizer a sua

madrasta: “Não percebe

quem sou, e que valho

sozinha mais do que

toda a aldeia de Pribac

e as redondezas somadas?

Em determinado

momento a senhora pode

vir a precisar de mim

para algum milagre; porém,

tratando-me dessa

forma, jamais lhe atenderei.

E quando adoecer

gravemente? Aqui

está quem poderá curála.

Portanto, respeiteme.”

Ela poderia intimidar

por essa forma o ambiente

em que vivia, pois

todos se curvariam ante

suas ameaças. Entretanto,

continuando a aceitar

todas as humilhações

que de início lhe foram

impostas pela Providência,

Santa Germana

recusou o aroma inebriante de seus

próprios milagres e das homenagens

que lhe eram prestadas, para manter-se

fiel até o fim.

Anônimo

Protetora do Papado

Beato Pio IX, Papa - São João de Latrão, Roma.

Socorrendo a Igreja

em terríveis aflições,

Santa Germana

transformou-se

em protetora da

mais gloriosa das

instituições existentes

na Terra: o Papado.

Pode-se imaginar essa notícia penetrando

nos palácios, nos conventos,

nas rodas da alta burguesia, e

transmitindo a todos os que ouviam,

um convite a confiar nas orações dela.

Mas vinha juntamente uma afirmação:

“É ouvida por Deus a oração

daquele que não tem vanglória, pois

ela afasta o homem de Deus. Se te

queres unir a Deus, abandona a vanglória.”

Uma mensagem como esta, era

uma pregação da humildade contrária

ao orgulho característico do

século XVI, uma pregação da virgindade

contrária à concupiscência

efervescente que haveria de culminar

na Revolução Francesa.

“Germana foi invocada a favor de

Pio VII e mais tarde de Pio IX. A dupla

libertação desses dois Soberanos

Pontífices seguiu-se de perto ao pedido

que foi a ela feito.”

Socorrendo a Igreja

em terríveis aflições, pedindo

por Pio VII e posteriormente

por Pio IX,

Santa Germana transforma-se

em protetora

da mais gloriosa das instituições

existentes na

Terra: o Papado. Essa foi

a grandeza à qual Deus

elevou-a.

Mansidão ou...

combatividade?

Para o católico de

nossos tempos há alguma

lição a ser tirada da

edificante vida de Santa

Germana?

Adaptadas às circunstâncias

do mundo

de hoje, devemos observar

as mesmas virtudes

que por ela foram

praticadas. O católico

de nossos dias deve

ser altivo, batalhador,

cônscio de seu valor,

não esquecendo, porém, de representar

perante seu século as virtudes

de Santa Germana Cousin.

Muitas vezes negado, malvisto, isolado

e perseguido, ele vê constituírem-se

em torno de si as inimizades

mais gratuitas, enquanto desfazem-se

as mais fundadas amizades.

Ele tem de lutar de peito aberto

contra as potências de sua época,

remando contra a maré montante

dos vícios e desvios de seu tempo.

Não raras vezes torna-se ele objeto

de desprezo, senão de ódio. Também

Santa Germana era objeto de

injúrias pessoais, as quais ela humildemente

aceitou.

Ante as injustiças particulares

recebidas, devemos recebê-las

com mansidão. Entretanto, quando

a glória de Deus é tocada, devemos

defendê-la como leões.

14


E ao tratar-se de problemas do

amor-próprio ou de reivindicações

pessoais, devemos ser mansos como

cordeiros.

Teremos imitado, então, a nosso

modo, as virtudes de Santa

Germana, ora inclinando a cabeça

perante as humilhações, ora defendendo

a glória de Deus como

guerreiros.

A pastora transformada

em rainha

“Uma noite, dois religiosos surpreendidos

pela escuridão se viram

obrigados a deter-se numa floresta

vizinha para esperar lá a aurora. No

meio da noite eles foram acordados

por cânticos admiráveis, os seus

S. Hollmann

olhos se abriram, e eles viram uma

luz das mais esplendorosas dissipar

as trevas. Em alguns instantes essa

luz se tornou mais brilhante que o

sol. Rodeado por essa luz, um conjunto

de virgens apareceu por cima

da floresta; elas se dirigiam para

Pribac, cantando cânticos maravilhosos.

A visão não desapareceu,

senão para aparecer uns instantes

depois; eram as mesmas virgens que

vinham em sentido oposto; elas circundavam

uma nova companheira

que tinha acabado de juntar-se a

elas e que levava sobre a fronte uma

coroa de flores nova. Desaparecendo

a visão uma segunda vez, deixou

os religiosos encantados e conversando

sobre o que eles tinham visto

e ouvido.

“Na manhã seguinte, Lourenço

Cousin, pai dela, não a vendo aparecer

como de costume — Germana

sempre matinal e ativa — foi ao alto

da escada, chamando-a. Aproximouse

e a pastora dormia o seu último sono.

“Havia quarenta anos que o corpo

de Germana repousava no campo

santo. O coveiro de Pribac, tendo

um dia que preparar uma fossa, se

pôs ao trabalho no mesmo lugar onde

tinha escavado a da Bem-Aventurada.

No primeiro golpe de pá ele

levantou uma pedra, mas imediatamente

se deteve e deitou um brado;

ele tinha diante de si um cadáver que

parecia todo recente e o instrumento

tinha penetrado na carne incorrupta

do cadáver.

“Hoje, seus restos mortais são venerados

num relicário cercado de ouro

e de luzes. Mais de quatrocentos milagres

foram atestados por processos

verbais

Amigas do homem, as belas e poéticas

florestas da França foram o

ambiente escolhido pela Providência

Santa Germana Cousin - Catedral

de Narbone, França.

para o lindo milagre da aparição dos

coros das virgens.

Dois frades de hábito, sandálias,

bordão, com alvas e longas barbas

a emoldurar-lhes o rosto, realizavam

uma longa viagem a pé, rezando

recolhidamente. Exauridos pelo

esforço, ao cair da noite dormem

na própria floresta, tranquilos, à

espera de que venha o dia. Alinhados

no chão, protegidos pelas árvores,

repousam o merecido sono dos

justos.

Aparece então uma luz extraordinária

nos primeiros raios da manhã.

Eles despertam e indagamse:

o que será? Veem passar uma

névoa como que de cristal: é um

coro de virgens que atravessam a

floresta sem dificuldades em ultrapassar

os obstáculos materiais,

e desaparecem sobre as montanhas.

Passado algum tempo as virgens

voltam, trazendo uma a mais,

agora sem escrofulose e sem humilhações.

E, como nos contos de

fada, a pastora transformou-se em

rainha, cercada por todas as outras

princesas. Caminham alegres

para o Céu para receber então a

coroa de glória.

“Deposuit potentes de sede et exaltavit

humiles” 3 , o orgulho fora castigado,

enquanto a humildade ia ser

coroada no Céu.

v

(Extraído de conferência

de 20/8/1973)

1) Povoado que se localiza nos arredores

de Toulouse (França).

2) Não há referência da ficha biográfica

usada por Dr. Plinio nessa ocasião.

3) “Derrubou os orgulhosos de seus tronos

e exaltou os humildes”, do canto

do Magnificat (Lc 1,52).

15


Revolução e Contra-Revolução

A

Contra-Revolução

tendencial

- II -

Raciocínio, lógica, vontade bem empregada...

verdadeiras armas para um contrarevolucionário.

Em última análise o homem

deveria ter o sentido de sua

vida voltado mais para as coisas

do espírito do que as da carne,

como sucedia no Paraíso terrestre.

Ainda que ele ali estivesse completamente

cercado de toda espécie de

deleites e fosse o rei do Éden, o preponderante

no homem era considerar

as coisas do espírito.

O verdadeiro equilíbrio

da alma humana

Há descrições do Paraíso, feitas

em revelações particulares, que falam

da beleza material ali existente.

Era de fato magnífico! E todas

aquelas pulcritudes orientavam a

alma do homem para as coisas do

espírito — em última análise, para

Deus.

Como todas as coisas simbolizavam

a Deus, a ordenação delas falava

do poder, da sabedoria e bondade

d’Ele. Olhando as coisas do Paraíso,

ou simplesmente sentindo-as, o homem

sabia voltar a sua alma sobretudo

para o Criador.

Na coisa mais simples, por

exemplo, uma brisa que ele sentisse

bater sobre si numa hora em que

o calor pedia para ser temperado,

o homem saberia ver a Providência

de Deus.

Naquele lugar onde a dor não entrava,

para aquele homem que era

o seu predileto em toda a Criação,

Deus sabia fazer a temperatura subir

até ao ponto necessário para ele

se alegrar com a vitalidade propiciada

pelo calor; e depois fazia soprar

uma brisa para refrescar, de modo

que o homem dissesse: “Oh, deleite

agradável!”

Mas ele não ficava apenas no

deleite, como acontece num balneário

de hoje; o homem pensava:

“Como o calor do dia me lembra

o poder de Deus! E a brisa fresca,

a sabedoria com que Ele limita

o seu próprio poder, para não

se tornar excessiva a sua presença

junto ao homem que Ele ama.” E

recebia cada coisa como um dom

e um carinho do Criador. O espírito

dele voava para uma região

da realidade em que a alma fazia

considerações mais altas. E quando

chegava a tarde, Deus enviava

16


G. Kralj

uma brisa e conversava com o homem.

Esta é a impostação natural da

alma humana! Quer dizer, o homem,

de si, pela sua natureza deveria

ser assim. Nós, pelo auxílio

da graça, nos encantamos com uma

descrição como essa e pomos — às

vezes fugazmente — a nossa alma

nesta ordem, nos regalando com

coisas assim, que não são da carne,

mas do espírito, porque esta é a boa

ordenação do homem.

No Reino de Maria, quando a

abundância das graças do Espírito

Santo tiver regenerado a humanidade

trazendo uma atmosfera que lembrará

— mais ou menos longinquamente

— Pentecostes, os homens com muito

mais facilidade se voltarão para isso.

Cometeremos um

erro muito grande

se imaginarmos que

a impostação de alma

do homem da

rua é a normal, enquanto

que a nossa

seria forçada.

Suponhamos um

gato que, para receber

um pão molhado

no leite, se põe

de pé. O próprio do

gato é estar de quatro;

e às vezes fica

em pé, num equilíbrio

fugaz.

Muitas pessoas

pensam que se encantar

com as coi-

Anônimo

17


Revolução e Contra-Revolução

sas da cultura, embebidas pela Fé, é

uma posição forçada para o homem,

como a do gato em pé. E isto não é

real.

As alegrias do espírito

É próprio do homem, quando está

ordenado, ter a mentalidade contrária

à do indivíduo com a lancha

em cima de seu automóvel 1 ; pelo seu

élan, pelo seu movimento de espírito,

ele procura sobretudo as coisas

do espírito, as quais são naturalmente

contíguas ao sobrenatural e caminham

para as coisas de Deus. Esta é

a orientação que deve ter o homem.

Por mais modesta que seja sua

classe social e cultura, o homem deve

conservar do período de sua inocência,

quando a sua alma estava toda

iluminada pelas graças do Batismo,

em que ele não pecava, do tempo

de sua primeira Comunhão, uma

série de movimentos, de recordações,

de impulsos.

E, aumentando sua vida de piedade,

ele vai discernindo muita coisa

que lhe faz ver mais de perto o sobrenatural,

o maravilhoso, o magnífico,

e muitas vezes o preternatural.

E também como ele pode cair, pois

a cilada, a tentação, pode estar perto

dele. Assim, deve compreender que

viver nesta Terra é um tesouro enorme,

um dom de Deus, enquanto preparação

para a outra vida. E precisa

voltar-se para as alegrias do espírito,

as quais são, por excelência, aquelas

que ele vai encontrar no Céu.

Uma conversa contrarevolucionária

O. Melo

18

Exercícios Espirituais

de Santo Inácio de

Loyola, comentados

pelo Padre Pinamonti.

Os antigos contos para criança começavam:

“Era uma vez...”, modo

muito mais poético do que “Agora

aconteceu tal coisa”.

Nesta semana eu conversava com

três membros de nosso Movimento,

inicialmente sobre qualquer bagatela.

De repente, a conversa envere-


dou por um tema relacionado com

a Religião, a Igreja, nossa vocação,

etc., tomando certo gosto da alma,

certa alegria da virtude, da verdade

e degustação do belo. A interlocução

poderia ter durado uma hora,

mas tive que encerrá-la porque

precisava continuar a trabalhar.

Comentamos entre nós que aquela

consolação, uma graça passageira,

propiciava à alma um prazer

ao qual nada nesse mundo se pode

comparar.

Não se deve imaginar que fosse

algo parecido com o colóquio de

Óstia 2 . Pobre de nós! Mas foi um

eco longínquo, algo passageiro e

insignificante e, assim como o vagalume

pode lembrar o sol, isso evocaria

o colóquio de Óstia.

O prazer da vida consiste nisso,

e engana-se miseravelmente quem

pensa que ele se encontra nas outras

coisas. Não entendeu nada!

Esses gostos elevados, na alma

bem disposta e orientada, nunca

se extinguem. E ficam à maneira

de impressões, por mim descritas

apenas em parte e que se repetem

de quando em quando. Muitas

outras impressões de diferentes

naturezas há, que a alma incorpora

a si — não gosto muito de empregar

aqui a palavra valor, porque

lembra a filosofia valorista —, digamos,

como um valor que fica fazendo

parte dela. Com isto vai se formando

a mentalidade do homem; as

coisas que ele procura a vida inteira

são bens de alma.

O pulchrum do raciocínio

S. Hollmann

volveu um raciocínio particularmente

bem feito, tem um reluzimento

no espírito e diz para si mes-

Santo Inácio de Loyola -

Guipúzcua (Espanha).

Quando, aos vinte

anos de idade,

li os Exercícios

Espirituais de Santo

Inácio de Loyola,

comentados pelo

Padre Pinamonti,

entusiasmei-me

com os raciocínios

irretorquíveis.

Infelizmente, nessas matérias a

pessoa é obrigada a falar de si mesma,

porque se conhece melhor do

que aos outros. Não se trata apenas

de emoções; mas também dos prazeres

castos, fortes, arejados, varonis,

robustos, do raciocínio.

Quando o adolescente, pela primeira

vez, nota que alguém desenmo:

“Mas como está bem pensado!

Como esta pessoa sabe raciocinar!”

Lembro-me de pensar assim:

“Olhe que este homem, no meio

de um mundo de bobagens que fala,

de repente disse uma coisa que

vale a pena ouvir. Ele afivelou tudo

muito bem. Não pensei que isso saísse

de dentro da cabeça dele.”

E logo depois eu me perguntava:

“Sairia da minha? Serei capaz de

fazer uma coisa assim? Isto aqui se

chama raciocínio. Sei fazer um raciocínio

como esse? Não.”

Eu não percebia que estava raciocinando...

“Não sei, porque sou ainda muito

verde. De futuro saberei raciocinar?

Esperemos... Porque não vejo

possibilidade em mim de fazer um

raciocínio assim. Mas vamos admirando

os outros raciocinarem.”

Recordo-me de que mais ou menos

nessa época entrei para o Colégio

São Luís. E depois de um ano

ou dois, foi meu professor um mestre

— naquele tempo se chamava

mestre o seminarista, noviço jesuíta,

que dava aulas — que raciocinava

primorosamente bem. Quando

ele começava a raciocinar, eu prestava

muita atenção. O pulchrum do

raciocínio! Que coisa extraordinária!

Esgrimindo

contra o erro

Aos vinte anos de idade, mais ou

menos, comprei no Liceu Coração

de Jesus o livro dos Exercícios Espirituais

de Santo Inácio de Loyola,

comentados pelo Padre Pinamonti.

Gosto muito desses comentários.

Eu havia estudado com os jesuítas

e tinha muita admiração por Santo

Inácio. Levei o livro para casa, sentei-me

junto a uma mesa e comecei

a ler.

Quando me deparei com os raciocínios

bem feitos, comecei a, sem

pensar, movimentar os dedos de mi-

19


Revolução e Contra-Revolução

G. Kralj

Imaculada Conceição - Igreja São Francisco dos Penitentes, Rio de Janeiro (Brasil)

nha mão para manifestar meu entusiasmo.

Os raciocínios eram irretorquíveis,

irrespondíveis!

Lembro-me de ter cogitado: “Se

eu algum dia tiver substância intelectual

para fazer alguma coisa que

preste, vou procurar ser um homem

de raciocínio irretorquível. Quero

elaborar raciocínios bem feitos para

servir a Igreja!”

Eu tinha muito entusiasmo pela esgrima,

embora nunca a tenha praticado.

Quando comecei a me interessar

pelo raciocínio, pensei: “Esgrima é

uma coisa bonita, mas apenas uma introdução

para se compreender o raciocínio,

porque elevado mesmo é saber

esgrimir contra o erro. O raciocínio

é um veículo para se chegar às grandes

verdades que São Tomás e Santo Inácio,

por exemplo, desvendam.”

Importância da vontade

Nos “Exercícios”, Santo Inácio

trata da vontade, dizendo que esta

precisa se dobrar. Pela primeira vez

prestei atenção na minha própria

vontade e a comparei com uma bengala

de ouro concedida por alguém.

Sinto a minha liberdade — posso

fazer isso, aquilo, conforme deseje.

Mas a razão iluminada pela Fé me

diz que devo querer tal coisa: “Vontade,

ajoelha-te!” Ou, então, talvez

dizendo melhor: “Ponha-te de pé e

voa! Cumpre o teu dever!” Compreendi

que a vontade era uma espécie

de águia na qual se monta para nos

conduzir às coisas elevadas.

Comecei também a compreender

e amar mais o sacrifício!

Que adianta ter vontade, se é só

para atender às minhas vontades?

Ela é necessária para fazer sacrifício,

lutar, impor-me coisas difíceis que

eu não queira realizar, e saber impor

aos outros que cumpram o dever!

Para batalhar pela Causa da Igreja,

da Civilização Cristã! Isto é vontade!

Como isso é bonito; porém, a vontade

nos escapa como se fosse água

que escorre das mãos. Às vezes, a

vontade está firme e digo: Resolvi!

Dez minutos depois, estou pensando

em outra coisa e, quando chega

a ocasião, minha vontade está mole

como água.

A graça...

Custei muito para compreender a

graça. Em parte, pela formação dada

por minha Fräulein que, muito saudavelmente

teutônica, falava-me da

força de vontade. Eu achava uma beleza

ter uma força de vontade capaz

de tudo. Mas ela nunca se referia à

graça.

A oração era uma polidez que se tinha

para com Deus. Assim como se

cumprimentava as pessoas mais velhas

da família, saudava-se Deus eterno,

Pai de todos e que nos criou. Uma

espécie de arquiavô, perfeitíssimo. Eu

não compreendia qual era o papel da

graça, mas sim o de minha fraqueza.

“Salve Rainha, Mãe de misericórdia,

vida, doçura, esperança nossa, salve!”

Pela bondade d’Ela, obtenho o que

não mereço. Nossa Senhora é quem

merece, porque Ela é perfeita, imaculada,

Mãe de Deus. É Rainha dos que

não prestam, e eu estou nesse cortejo.

20


Ela tem pena de mim e vai me ajudar.

Aí terei força de vontade.

Mas quão bela é a vontade fortificada

pela graça! Ambas são lindas, que

podemos apreciar em nós mesmos, estão

ao nosso alcance. Mas como são

diferentes das coisas desejadas por esses

homens amolecidos!

Há um abismo entre as duas mentalidades.

Vigilância contrarevolucionária

Fiz uma longa introdução, mas tudo

o que eu disse se relaciona com

a Revolução e a Contra-Revolução.

Quando a alma se forma assim e

está povoada de cogitações dessa natureza,

ela compreende muito bem

como é fácil cair e perder tudo isso.

A noção de sua própria precariedade

e debilidade a invade completamente;

e percebe que as outras pessoas

também têm fragilidades.

Prestando atenção nas fisionomias

dos outros e notando os defeitos deles,

ela aplica o provérbio espanhol: “Piensa

mal y acertarás! 3 ”

Todo homem, quando não conta

com a graça nem se beneficia dos sacramentos,

está cheio de misérias. E,

mesmo recebendo a graça, se ele não

vigiar o tempo inteiro, cai; esta vida

deve ser de vigilância contínua, pois

não amamos o bem que temos em

nossa alma se não temos continuamente

o medo de perdê-lo.

E esse medo de perdê-lo nos põe

num combate incessante, de todos os

momentos, que começa pelo discernimento

e pela vigilância: tal coisa é

má, tal outra é boa; essa é verdadeira,

aquela é falsa.

As coisas boas, verdadeiras, belas,

formam entre si grandes cortejos

excelentes, coerentes e bonitos.

E as más constituem vastas confederações

do mal, prontas a cercar o

homem e a perdê-lo a todo momento.

Constantemente tenho que estar

com os olhos abertos para o meu

S. Miyazaki.

inimigo; e meu principal inimigo

sou eu mesmo. Esta é a posição normal

e verdadeira do homem.

Dr. Plinio na década de 80

O homem que,

colocado diante da

Revolução tendencial,

fareja as coisas

revolucionárias e as

rejeita, participa da

gloriosa coorte dos

homens que fazem

História.

Como perceber a

Revolução tendencial?

Sendo a pessoa assim, quando se

lhe apresenta uma coisa revolucionária,

ela tem faro para perceber e a

recusa. Por exemplo, a dona de casa

rejeita a cesta extravagante para colocar

o frango e os legumes, porque

sente que tal objeto é revolucionário.

Em sentido oposto, por pouco de

bem, de verdade, de beleza que note

numa coisa, ela se deixa atrair,

abre intencionalmente sua alma, para

haurir aquilo, porque quer.

De maneira que em todos os instantes

de sua vida o homem está rejeitando

o mal e diminuindo as áreas

do mal em torno de si, bem como

haurindo o bem e aumentando as

áreas do bem em seu entorno.

Vivendo desse modo, o homem

não é um boneco da Revolução ou da

Contra-Revolução tendenciais. Ele se

guia por sua inteligência iluminada

pela Fé, por sua vontade robustecida

pela Fé, pelo seu desejo do pulchrum,

que decorre da reta ordenação da inteligência

e da vontade; é um homem

no sentido pleno da palavra.

Os homens deveriam ser assim.

No Reino de Maria, o comum dos

homens será de bons católicos; enquanto

isso não se der, não haverá

Reino de Maria. Devemos, portanto,

compreender que a impostação normal

do homem é essa.

Gloriosa coorte

dos homens

que fazem História

Esse é o perfil verdadeiro do homem

que, colocado diante da Revolução

tendencial, fareja as coisas revolucionárias

e as rejeita. E, posto diante

da Contra-Revolução tendencial, fareja

as coisas contra-revolucionárias

e por elas se entusiasma. Tal homem

não é joguete da História. Pelo contrário,

ele participa da gloriosa coorte

dos homens que fazem a História!

O tema que desenvolvi é indispensável

para não fazermos uma ideia

falsa a respeito do alcance de todas

as subtilezas da Revolução e da Contra-Revolução

tendenciais. v

(Extraído de conferência

de 9/11/1984)

1) Ver primeira parte do artigo na edição

anterior.

2) Ver “Dr. Plinio”, n. 146, maio de

2010, p. 20

3) Pensa mal e acertarás.

21


Eco fidelíssimo da Igreja

L. Blanco S. Hollmann

O papel da Eucaristia

Diante de uma falsa concepção de modernidade,

amplamente difundida em nossos dias, onde

encontrar o equilíbrio que salvará o mundo

hodierno? Dr. Plinio, por ocasião de um Congresso

Eucarístico nos remotos anos 50, evidencia para seus

ouvintes que a salvação só pode vir da Eucaristia.

22


no mundo moderno

N

a linguagem corrente,

“mundo” é o conjunto

de toda a humanidade,

ou o globo em que vivemos. Porém,

“mundo” traz consigo um sentido

mau, ele pode ser considerado

como um reino das trevas, que tem

Satanás por príncipe.

O que entendemos por

“mundo moderno”?

Muitos são os sentidos que contém

a palavra “moderno”. “Mundo

moderno” pode ser considerado o

mundo de hoje em relação ao de ontem,

sendo que o de hoje não exclui

o de ontem, pois foi graças ao de ontem

que o de hoje existe.

Porém, por vezes a palavra “moderno”

é empregada com o sentido

de oposição ao passado.

Todavia, este termo tem um sentido

ainda mais sutil e recôndito, e é

este sentido que me cabe analisar.

Nós não poderíamos dizer que tenha

se modernizado um país onde

vigorasse o regime de separação entre

a Igreja e o Estado, e este passasse

ao regime de união; mas, muita

gente dirá que se modernizou outro

que passasse da união para a separação.

Ninguém diria que passar do

divórcio para a indissolubilidade do

vínculo conjugal é modernizar; mas

muita gente acha que passar da indissolubilidade

do vínculo conjugal

para o divórcio é modernizar.

Orgulho, sensualidade

e modernidade

Nós temos então uma certa ideia

de modernidade, em virtude da qual

se entende que tudo quanto é laicis-

23


Eco fidelíssimo da Igreja

Anônimo

Enquanto multidões

caminham para o

prazer e para o vício,

silenciam diante do

mal e se acovardam,

por toda parte

numerosas almas

renunciam a tudo,

para afirmar apenas

a doutrina da Igreja.

Dr. Plinio comungando durante a Santa Missa.

mo, tudo quanto é igualitarismo, tudo

quanto é conceder aos instintos

do homem a liberdade de se divertir

e de se satisfazer como entenderem,

isso é verdadeiramente moderno.

De tal modo esse conceito existe

e é ativo, que vós o podeis observar

na vida contemporânea. Ela se

transforma constantemente; a todo

momento, um costume muda, uma

instituição toma novo aspecto, outra

instituição morre para dar lugar a alguma

coisa de novo; observai todas

essas mudanças, e, na sua quase totalidade,

vós vereis nas transformações

que se deram um progresso da

ideia de igualitarismo, um progresso

do princípio de laicismo, um progresso

da sensualidade.

Observai na vida doméstica: a todos

os momentos as barreiras que

separam os pais dos filhos se atenuam,

a autoridade do marido decai,

a liberdade dos filhos cresce. E

cresce para quê? Para que os filhos

cumpram melhor o seu dever? Cresce

para que sejam mais castos? Cresce

para que eles sejam mais

esforçados? Ou cresce, pelo

contrário, para que eles tenham

maior liberdade em fazer

tudo quanto bem entenderem,

de se atirarem às diversões

imodestas, desonestas,

de satisfazerem a sua sede de

prazer, de romperem os grilhões

de uma obediência indispensável

que deve vincular

os filhos aos pais?

Observai as relações entre

as classes sociais. A todo

momento mudam-se os trajes,

e estes tendem a nivelar

e equiparar as classes; a todo

momento mudam-se as maneiras,

e essas mudanças significam

uma diminuição do

respeito dos mais moços aos

mais velhos, do homem à mulher,

dos alunos aos seus mestres.

De todos os lados, minguam

as forças da autoridade,

as forças da hierarquia, as forças

da ordem, roídas por um movimento

incessante, gradual, mas profundo,

roídas por essa tendência imensa

para o nivelamento, que acaba

tendo no laicismo a sua expressão

mais completa. Porque o homem,

depois de não ter querido, na Terra,

superior de nenhuma espécie,

também não quer um superior no

Céu, não quer saber de Deus, e, então,

organiza a sua vida precisamente

como se Deus não existisse.

O perigo da má

concepção de

modernidade

Este é o terrível fenômeno o

qual mina a própria população católica,

e no espírito do brasileiro —

tão acomodatício, infelizmente —

conduz a essa situação monstruosa:

somos uma população de esmagadora

maioria católica, as estatísticas

indicam uma quase unanimidade

de católicos no Brasil, mas

se nós examinarmos a vida pública

brasileira, a moralidade existente

nela é como se Deus não existisse.

Se nós examinarmos a nossa vida

doméstica, veremos que cada

vez mais ela vai sendo como seria

se Deus não existisse. E, entretanto,

as igrejas continuam cheias, os

atos do culto continuam concorridos.

É um fato indiscutível que todos

se dizem católicos na ocasião

do recenseamento!

Como explicar isto senão

pela corrosão silenciosa, discreta,

muda, terrível como

uma lepra, feita por esse estado

de espírito de organizar

o mundo abstraindo de

Deus, de conceber tudo ao

signo da revolução e da desordem,

de organizar tudo

com base na sensualidade, o

que é a própria desorganização?

E eu vos pergunto, minhas

senhoras e meus senhores:

se esta Nação, tão

bela e tão digna de um melhor

presente, se contorce

neste momento numa das

mais graves crises da História,

não porque lhe faltem

as condições materiais

de existência, não é por que

lhe falta aquela moralidade?

Não é por que lhe falta

24


aquela coerência da Fé com

as atitudes práticas?

“Modernidade”,

traço decisivo de

nossa época

Assim definidos os vários

sentidos da palavra “moderna”,

nós podemos perguntar

qual vem a ser o papel desta

modernidade dentro do mundo

moderno.

E nós poderíamos dizer

que se no mundo a mentalidade

dita moderna não conquistou

tudo, ela é a grande força

propulsora de quase todos os

acontecimentos, a grande nota

característica do momento.

Ela é também o grande perigo,

o traço forte e decisivo da

época em que nós vivemos.

Onde buscar a

salvação para o

mundo moderno?

G. Kralj

Mas, também é verdade que neste

mundo — cada vez mais dominado

pelo espírito acima descrito — há

Alguém Eterno, Onipresente: Nosso

Senhor Jesus Cristo. Presente em

todos os sacrários da Terra, nos sacrários

de ouro do Brasil e dos templos

da Cristandade. Este Alguém,

cuja presença não se percebe com

os sentidos da carne, está presente

na Sagrada Eucaristia. Ele é o grande

Apóstolo do mundo contemporâneo,

como de todos os tempos. E Ele

fala constantemente às almas, ensinando-lhes

pela linguagem muda —

mas, infinitamente eficaz — que é a

linguagem de Deus. Fala-lhes constantemente

sobre a necessidade de o

homem se opor às coisas que constituem

a sua miséria, a sua degradação.

Fala-lhes da necessidade de caminhar

rumo a outro sentido, de se

converter a Deus Nosso Senhor de

todo o coração.

Sua Santidade, Bento XVI, eleva o Corpo de Cristo.

O triunfo da Igreja

Católica se dará no

mundo moderno.

Esse triunfo será a

vitória da Sagrada

Eucaristia, fonte de

graça aberta para o

mundo.

Por meio da Eucaristia

Deus multiplica

suas maravilhas

Minhas senhoras e meus senhores,

neste mundo moderno terrível, dá-se

o que sempre acontece quando se desafia

a Deus. Deus multiplica as maravilhas,

e, ao mesmo tempo em que

a iniquidade vai chegando ao seu auge,

nós notamos frutos admiráveis

da Sagrada Eucaristia, frutos da gra-

ça, frutos que dão no apostolado

um resultado incomparável.

Enquanto multidões caminham

para o prazer e para o vício,

enquanto multidões silenciam

diante do mal e se acovardam,

vão se tornando, por toda

parte, mais numerosas as almas

que, elevadas por um anelo

de perfeição absoluta, de ortodoxia

completa, de obediência

inteira à Igreja Católica, renunciam

a tudo, dispostas a tudo

enfrentar para afirmar apenas

a doutrina da Igreja.

Eu me lembro, neste momento,

da figura angélica de

Santa Maria Goretti. Nesta

época em que as praias são

tomadas pelo neopaganismo

que estadeia toda a corrupção

da civilização moderna, uma

virgenzinha entrega a sua vida

com toda a resolução para

não perder aquilo que tanto

ama: sua virgindade. Quando

se tem uma alma verdadeiramente

eucarística, aprende-se a

amar a virgindade como o dom mais

precioso da vida.

Santa Maria Goretti é um fato

culminante, será um fato único?

A Eucaristia faz de

frágeis crianças,

grandes heróis!

Eu me lembro, por fim, de um fato

impressionante, ocorrido atrás

da cortina de ferro, e noticiado pelo

“L’Osservatore Romano”.

Os comunistas tinham invadido

uma aldeia onde havia uma igreja

católica. Alguns meninos ouviram

dizer que, a horas tantas, eles iriam

entrar na igreja, arrombar o sacrário

e profanar as Sagradas Espécies.

Era noite, nevava, o luar brilhava

de modo admirável. A igreja estava

na solidão, e enquanto os fiéis

dormiam em suas casas, a agonia

se aproximava: o recinto sa-

25


Eco fidelíssimo da Igreja

Anônimo

grado vai ser assaltado. Nosso Senhor

estará sozinho neste “Horto

das Oliveiras”? Não, durante

a noite inteira, três meninos, que

pulam pela janela aberta, estão

dentro da igreja.

Quando os comunistas entraram,

uma das crianças tentou detê-los

inutilmente a caminho do

altar, e morreu massacrado. Outro

defendeu a mesa da Comunhão, e

morreu também. O terceiro pôsse

sobre o altar, cobrindo o sacrário

com o próprio peito. O que fizeram,

então, os bárbaros sacrílegos?

Mataram este sacrário vivo

antes de arrombar o sacrário de

ouro, tão menos precioso do que

aquele.

Por fim, apanharam as Sagradas

Espécies e as profanaram. O inferno,

certamente, exultou, mas muito

mais exultou o Céu pelo sangue

desses três pequenos mártires derramado

na igreja, de modo não menos

glorioso do que o dos mártires que

derramaram seu sangue na arena do

Coliseu.

T. Ring

Oração de Jesus no Horto das Oliveiras -

Catedral de Oviedo, Espanha.

26


Uma das maiores

vitórias de todos

os tempos

Aí está, como vedes, a ação da

Eucaristia no mundo moderno. No

momento em que a iniquidade está

chegando ao seu cúmulo, a graça

e a misericórdia chegam também ao

seu auge. À fortaleza do vício e do

mal, Deus opõe uma indômita fortaleza

do bem. O triunfo da Igreja Católica

se dará no mundo moderno.

Esse triunfo se dará certamente pelo

embate gigantesco entre as pequenas

forças do bem e as enormes forças

do mal, mas nós veremos talvez,

e, a meu ver, provavelmente nos próprios

dias em que existimos, nós veremos

este fato com que a Igreja há

de marcar uma das maiores vitórias

de todos os tempos, e essa vitória será

a vitória da Sagrada Eucaristia,

fonte de graça aberta para o mundo

por intermédio da intercessão de

Nossa Senhora que, rezando sempre

a Jesus Eucarístico, consegue para

nós as graças de que nós precisamos.

Enquanto os fiéis

dormiam em suas

casas, a agonia

se aproximava: o

recinto sagrado vai

ser assaltado. Nosso

Senhor estará sozinho

neste “Horto das

Oliveiras”?

A salvação vem

da Eucaristia, por

meio de Maria

O papel da Sagrada Eucaristia no

mundo moderno faz-me pensar em

Nossa Senhora. Como não se pode

falar em triunfos sem pensar em Maria

Santíssima — Ela é a Medianeira

necessária —, eu posso afirmar que

um dos mais preciosos dons concedidos

por Nosso Senhor, através da

Sagrada Eucaristia, é a devoção a

Nossa Senhora.

Esta devoção, tão característica e

radicada em nossa Terra de Santa

Cruz, há de salvar o Brasil. v

(Extraído de conferência

pronunciada na solene sessão da

Semana Eucarística de Campos dos

Goytacazes, em 23/4/1955)

27


O pensamento filosófico de Dr. Plinio

Contemplação e

transcendência

A partir do voo de um falcão, Dr. Plinio eleva

seus jovens ouvintes a cogitações metafísicas,

por meio de exercícios de transcendência.

Claustro da Catedral

de Narbonne, França.

28


Imaginemos uma caça

com falcão. A força

da ave está como que

condensada, acumulando capacidade

de voo, com vontade

de pegar algo; a agudeza de vista

percebe de longe o animal que

ela quer agarrar. Ele, então, alça voo

e parte com élan e coragem em busca

da presa, a fim de dominá-la e trazê-la

de volta.

Às vezes, ele voa para uma distância

enorme, que parece desproporcionada

com o tamanho de seu corpo;

seu voo é retilíneo, indicando

que no meio daquela ação — a qual

tem todas as aparências de perigosa

— o falcão não tem o menor medo.

E num só lance agarra com toda

a certeza a sua presa.

É bonito considerar como ele

vê, calcula bem e pega a presa em

movimento. Toda causa densa de

capacidade de ação é bela quando

age. E, nesse sentido, é bonito

contemplar no falcão a capacidade,

a plena pujança e vitalidade

proporcionadas aos meios

que ele possui para ir pegar

a sua presa.

O voo do falcão,

símbolo de

qualidades morais

A larga visão, que precede

a ação, e esta realizada

sem hesitar, nos dá a ideia de

uma série de qualidades morais

do homem. Em síntese,

o voo do falcão é belo porque

reporta à beleza das capacidades

condensadas no

homem.

Não é bela a alma de um

homem que vê de longe o adversário

e o discerne? E que,

no momento oportuno, sem

nenhuma vacilação, salta sobre

o inimigo, por meio de

uma proeza como a do falcão

cortando os espaços?

Anônimo

Todas estas coisas são metafisicamente

belas, porque ver a causa acumulada

que desfecha na ação, a ação

precedida do jogo da inteligência —

a vista do falcão é o símbolo da inteligência

aguda, que vê de longe, caracteriza,

segura —, é bonito.

A mais alta ação

praticável pelo homem

De outro lado, é belo sentir o ardor

belicoso desta ave, pois nos recorda

que a plenitude do homem

não consiste em trabalhar, mas em

lutar por um ideal: depois da oração,

esta é a mais alta ação praticável

pelo homem. E ver, efervescendo

no falcão, este nobre ardor de lutar,

de correr risco, acrescenta uma pulcritude

especial a esta beleza, já então

metafísica, da causa pronta para

produzir o efeito.

Determinação que

obedece à inteligência

O falcão, sendo um bicho, só tem

instintos, mas sua determinação é

uma imagem da vontade humana,

que obedece à inteligência. Ele vai e

realiza aquilo que sua vista mostrou.

Ataca o que deve atacar e, depois da

vitória conquistada, volta, fiel, para

junto de seu dono e come aquilo que

precisa comer. Quer dizer, está pacificado.

É nobre a tranquilidade do

homem que tem a sensação de

ter feito tudo quanto deveria

realizar com o pleno emprego

de todas as suas qualidades.

Ver a causa produzindo o

efeito; o efeito desenrolar-se

segundo as leis de sua própria

natureza até seu último extremo;

a forma de temperança

por onde a causa produz

todo o efeito desejado e nada

mais além; e, terminada a

ação, a causa encontra seu repouso

em si mesma; tudo isto

é metafisicamente, ontologicamente

belo.

A causa produzindo o

efeito, a ação que obedece

à inteligência, não são apenas

ideias abstratas, mas no

fundo imagens da Santíssima

Trindade. Quer dizer, são

coisas cuja beleza não é se-

29


O pensamento filosófico de Dr. Plinio

não um espelho da beleza

de Deus, que vamos ver por

todos os séculos dos séculos,

na glória celeste, se até

lá nos levar a mão misericordiosa

de Nossa Senhora,

como esperamos. Isto é propriamente

a beleza que contemplamos

no voo do falcão.

Cerimonial

e compenetração

Ora, assim como, analisando

o voo do falcão, percebemos

uma série de qualidades

morais do homem nele

simbolizadas, o cerimonial

dá ao homem a compenetração

das verdades e dos princípios

abstratos nele contidos.

O homem precisa olhar,

analisar os símbolos e meditar

sobre os mesmos; do contrário,

não existe possibilidade

de ele se compenetrar inteiramente.

Esta consideração simbólica

é uma verdadeira antevisão

do Céu. Porque o homem

no Paraíso verá Deus

face a face, mas aqui na Terra

M. Ferreira

ele O vê nos símbolos. E os símbolos

alimentam a inteligência e dão

uma espécie de estatura humana à

ideia abstrata.

Respondendo às seitas contrárias

ao culto externo, os livros de

Apologética afirmam que o símbolo

é necessário porque o homem

não tem apenas alma, mas também

corpo. Isto é dito de um modo

muito resumido; porém, tendo

o homem corpo, ele necessita

de símbolos para completarem

no seu espírito a ação dos princípios

e da doutrina. De tal maneira

que o homem fica uma espécie de

esqueleto se ele só tem doutrina e

não símbolos.

Santo Agostinho, apologista, conversando com

Santo Ambrósio (esquerda) e São Jerônimo (direita).

A contemplação católica

A vida na Idade Média era feita

de cerimoniais por esta razão.

Isto explica a simbologia medieval

e também algo da alma do católico e,

Pelo fato de possuir

corpo, o homem

necessita de símbolos

para completarem no

seu espírito a ação

dos princípios e da

doutrina.

portanto, de um membro de

nosso Movimento.

Se quisermos praticar a virtude

da presença de Deus, devemos

viver à procura de símbolos

adequados a Ele, que

nos falem à alma. E aprofundar

conforme expliquei, passando

do concreto para o abstrato.

Por exemplo, a “decisão”

do falcão ilustra a ideia de um

princípio moral, a coragem. E

daí chego até Deus, que possui

todas as perfeições de um

modo incriado. Ou seja, Ele é

a Perfeição.

Depois volto para o fato

concreto, e analiso-o como

símbolo, o qual me dá de um

modo meio misterioso uma

como que visão de Deus.

Deveríamos saber cuidar

da nossa alma, com jeito. Em

síntese, cada um de nós precisa

saber ver as coisas que lhe

toca, parar e se perguntar: Do

que gostei? Que valor moral

há nisto? Que fundamento

metafísico tem esse valor moral?

No que esse ponto metafísico

espelha a Deus? Depois

voltar para a coisa e analisá-la

com os olhos armados assim.

Desse modo se forma o varão

contemplativo, verdadeiramente católico.

Nadando nas águas

da Metafísica

Se alguém me dissesse “Dr. Plinio,

não estou adestrado a fazer tudo isto”,

eu lhe responderia: “Meu caro,

se essa dificuldade fosse intransponível,

ninguém conseguiria, por exemplo,

nadar, porque de início afirmaria

que não está adestrado.”

Há um provérbio alemão que diz

“Aller Anfang ist schwer — Todo começo

é dificultoso”. Assim também,

começar estas coisas é difícil, mas

30


G. Kralj

Interior da Cúpula da Basílica de São Pedro, Roma.

vale a pena; o prêmio é o mais alto

que na Terra se pode obter.

Outro poderia objetar: “Mas eu

não sei chegar até o metafísico.”

Se os que estão presentes neste auditório

tentarem seriamente, faremos

aqui algumas esplêndidas reuniões,

porque nada é mais grato do

que conversar a fim de introduzir

nas pradarias das concepções metafísicas

as almas desejosas de possuílas.

Meus ouvintes apresentarão mil

fatos concretos, farão perguntas, que

poderei responder.

Um terceiro me dirá: “Dr. Plinio,

preciso pensar em muitas coisas, e

por isto não tenho tempo de cogitar

nisto.”

Respondo-lhe: “Meu caro, pense

nesta, que haverá tempo para pensar

nas outras coisas.” Realmente,

o problema da maior parte dos que

estamos aqui não é a falta de tempo

para pensar, mas a falta de pensar

para o tempo que temos.

O agradável diapasão

da transcendência

Nada é mais agradável do que viver

neste diapasão. Por qualquer lugar

em que passemos, tudo oferece

um lado por onde é agradável ou detestável,

e admiramos ou execramos.

Se analisássemos as coisas conforme

expliquei, nossa vida adquiriria outra

dimensão. Não teríamos de nenhum

modo um outro sentido, mas

seria como que um sexto sentido, o

qual nos introduziria no mundo do

maravilhoso.

Assim como,

analisando o

voo do falcão,

percebemos uma

série de qualidades

morais do homem

nele simbolizadas,

o cerimonial

dá ao homem a

compenetração

das verdades e dos

princípios abstratos

nele contidos.

Lembro-me de que certa vez fiz,

com três ou quatro membros de nosso

Movimento, um passeio a pé na

cidade de Amparo 1 , a qual tem algo

de tradicional, e fui lhes mostrando

algumas coisas interessantes.

Por exemplo, certas portas antigas

de madeira; o artista, em vez de

pôr as traves superiores paralelas ao

chão, colocou-as oblíquas, de maneira

a se encontrarem constituindo um

vértice. Tais portas eram tão bonitas

que tive a ideia de comprá-las.

Então, é interessante parar, relacionar

essas portas com o estilo imperial

francês e pensar nos faustos

da Europa do tempo de Metternich 2 ,

e não de Napoleão.

Sempre que vou a Amparo, procuro

olhar essas portas. Porque

além delas há alguma coisa de moral;

por detrás do aspecto moral

existe o metafísico, e acima do metafísico

uma consideração de ordem

religiosa.

Essas considerações servem-nos

sobremaneira para meditar a respeito

da Pessoa de Nosso Senhor Jesus

Cristo. Pretendo comentar meditações

de Santo Inácio, o qual utiliza

esse sistema ao máximo, através da

composição de lugar, etc., para compreendermos

o valor destas coisas na

verdadeira meditação católica. Os

membros de nosso Movimento devem

ser sumamente meditativos neste

sentido, para abrirem as portas

desta supervida e depois as portas do

Céu.

v

(Extraído de conferência

de 10/8/1973)

1) Situada no interior do Estado de São

Paulo.

2) Metternich, diplomata e estadista

austríaco. É considerado a mais importante

figura nas negociações do

Congresso de Viena. (1773-1859)

31


Luzes da Civilização Cristã

Obra-prima da Inocência

Nascida de um conjunto de circunstâncias e, sobretudo,

de graças especiais, a Sainte Chapelle não foi concebida

apenas por um artista, mas por um ambiente e um

modo de ser que caracterizou a alma medieval.

Fotos: P. Mikio / L. Werner / Anônimo

32


L

embro-me de quando, há muitos

anos atrás, visitei por primeira

vez a Sainte Chapelle,

edificada por São Luís Rei a fim de

abrigar uma preciosa relíquia: espinhos

da coroa de Nosso Senhor Jesus

Cristo. Ao entrar, fiquei encantado!

O recinto sagrado possuía dois

patamares, sendo o inferior reservado

aos servidores e empregados da

corte.

Zeloso pelo bem espiritual de

seus súditos, o Rei se comprazia em

assistir à Santa Missa em presença

de todos eles. Celebrava-se, então,

o Santo Sacrifício na parte superior

da capela para a corte, e, concomitantemente,

na inferior para

os criados.

Chamaram-me a atenção as proporções

da parte inferior, que são inteiramente

diversas do que encontramos

habitualmente. Quando nos

indagamos se o ambiente é alto, logo

chegamos a uma conclusão negativa;

porém, se nos perguntamos se ele é

baixo, percebemos que tal afirmação

seria exagerada. Esse ambiente

possui uma proporção especial para

quem nele se detenha a rezar, que

poderia ser definido assim: um ambiente

elevado, porém muito íntimo,

como que o mais íntimo gabinete de

Deus, ou sua mais interna sala. Esta

atmosfera produz na alma uma perspectiva

que concilia a elevação com

a intimidade.

Como se consegue produzir essa

sensação? É possível notar que todas

as colunas são muito esguias e tênues,

não demonstrando força rústica.

Elas desabrocham como palmeiras,

cujas folhas se encontram no teto.

Abrem-se de modo tão harmonioso,

gradual e perfeito, que causam

a impressão de que o teto está a

uma grande altura, onde acabam as

folhas das palmeiras, ao mesmo tempo

em que esta altura pode ser alcançada

pelo homem. Fica-se assim

misteriosamente elevado. Na intimidade

sente-se uma grande elevação,

e na elevação uma grande intimidade.

O homem mede toda a grandeza

de Deus, mas se sente atraído até

Deus. Afetuosamente e carinhosamente

elevado.

33


Luzes da Civilização Cristã

Doce e suave penumbra

Ao subir ao andar superior, vemos

que a iluminação do ambiente

emana dos belos vitrais, de tal forma

que uma doce e suave penumbra era

o elemento dominante desse recinto.

Havia um presbitério com o altar para

as celebrações litúrgicas, e as naves

laterais onde permaneciam os fiéis.

O ambiente fora feito para receber

muitas pessoas em um pequeno

espaço, ou ao menos causar a idéia

de que o local era pequeno.

Porém o conjunto

era melhor...

As ogivas exercem o seu incomparável

fascínio sobre os espíritos. Nota-se

como são belas; entretanto, vistas

em conjunto, são mais bonitas do

que cada uma em particular, à semelhança

da Escritura quando diz que

Deus, ao criar o universo, repousou

no sétimo dia, considerando a obra

que tinha realizado. E que se Lhe

tornou patente que cada coisa era

bela, entretanto o conjunto era superior

a cada coisa em particular. Bem

se pode aplicar esse princípio à Sainte

Chapelle. Todas as colunas são belas,

as pinturas as tornam ainda mais

belas, mas o conjunto é muito superior

a tudo. O mais belo é o conjunto.

Toda a leveza, delicadeza e elevação

da Sainte Chapelle fazem-se notar

não apenas no teto ou na torre,

mas também num detalhe: um florão,

no qual pousou um anjo. A figura

do anjo está numa tal proporção

com o florão, que se diria que,

ao menor movimento dele, o florão

vergava e ele perderia o equilíbrio.

A imagem de São Luís proporciona uma ideia de como foi

esse santo rei. Vê-se nele, não a majestade de um rei agressor

e anexador de terras que não lhe pertencem, mas de um

monarca defensor, firme e tranquilo de seus direitos.

Fotos: P. Mikio / L. Werner


É semelhante a um pássaro que pousasse

sobre uma flor

O ângulo formado por ambas as

partes das ogivas causam a impressão

de que o teto está apertado. Entretanto,

essa forma esguia aumenta

o efeito de leveza. Pois quanto mais

o teto é espaçoso, tanto mais causa

a impressão de rude, enquanto que,

tanto mais estreito, maior é a impressão

de que vai atirar-se ao céu.

Também a torre do campanário é como

um gráfico do desejo do homem

medieval de subir até Deus. O próprio

colorido do céu aumenta a beleza

da Sainte Chapelle, pois ela seria

mais bonita imaginada no meio das

nuvens e construída no céu, do que

nesse vale de lágrimas.

Monarca guerreiro

para um reino de paz

A imagem de São Luís proporciona

uma ideia real do que poderia ter

sido esse santo rei. Vê-se nele uma

indiscutível majestade real. Não a

majestade de um rei agressor e anexador

de terras que não lhe pertencem,

mas de um monarca defensor,

firme e tranquilo de seus direitos, seguro

de terras que recebeu e sobre

as quais tem o direito de mandar.

Um rei guerreiro, que combate se

necessário, por ser o seu dever, para

manter a integridade do seu reino.

Sua fisionomia traduz uma determinação

e uma decisão admiráveis.

A atitude e a fisionomia de São

Luís causam a impressão de calma,

segurança, e de uma determinação

a qualquer extremo, no caso de

ter de lutar, que demonstram bem

o rei cruzado e batalhador que teve

guerras para sustentar, mas que soube

orientar essas guerras de tal modo

que não só saiu-se vitorioso, mas

proporcionou a seu povo um reinado

de paz.

O irrealizável feito

realidade

Poder-se-ia afirmar que a Sainte

Chapelle é feita de vitral, de tal forma

o que há de pedra é o estrito necessário

para sustentar os vitrais e

escorar o teto. O restante é todo feito

de cristal ou de vidro tão bem trabalhado

na diversidade de cores, na

precisão dos desenhos e na elegância

das formas, que chega a tocar no inimaginável.

Ao entrar nessa capela, tem-se a

impressão de que o irrealizável tornou-se

realidade, e o que surge à

mente é a seguinte idéia: “Não pensava

que fosse possível, com os elementos

desta terra, realizar uma coisa

tão semelhante ao Céu.” Realmente,

isso se tornou possível devido

à Fé.

Caso esse edifício não fosse concebido

por almas elevadas à vida sobrenatural

pela graça — remidas e

resgatadas pelo sangue preciosíssimo

de Nosso Senhor Jesus Cristo,

que lhes abriu as portas do Céu

e lhes infundiu a abundância da graça

—, e construído em séculos de Fé,

por sua própria capacidade o homem

jamais cogitaria uma maravilha

como essa.

Extraordinária inocência

A Sainte Chapelle deixa entrever

uma extraordinária inocência de alma,

o que permitiria chamá-la a Capela

da Inocência. Para conceber algo

assim, a alma precisa ser profundamente

inocente. A Sainte Chapelle

é a obra-prima da temperança, nela

tudo é lindo, magnífico e arrebatador.

Porém, com um equilíbrio que

permite à inocência atingir o auge de

seu entusiasmo. Auge sereno, calmo,

refletido, o qual frutifica em meditação

e contemplação. v

(Extraído de conferência

de 12/4/1989)

35


Mãe

também dos

pecadores

ÓDeus, infinitamente bom e justo,

tendes o direito de estar irado

contra mim, que tanta ofensa Vos fiz.

Entretanto, vossa Mãe é também a

minha, e Ela conserva para comigo

solicitudes, cuidados e paciências que

todas as verdadeiras mães têm para

com seus filhos. E nesta incansável

misericórdia de Maria, tenho eu posto

todas as minhas esperanças. Sede, pois,

ó Senhor, paciente para comigo, porque

assim o é vossa Santíssima Mãe!

(Extraído de conferência de 22/4/1992)

G. Kralj

A Virgem Maria e seu Divino

Filho - Metropolitan Museum,

Nova York (Estados Unidos).

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