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Publicação Mensal Ano XIII - Nº 147 Junho de 2010
O Relógio da
humanidade!
Operando
maravilhas...
Aalma medieval era encantada por
todas as formas de maravilhoso,
mesmo as mais diversas... Há um
fato na vida de Santo Antônio de Pádua,
típico deste gracioso medieval:
Estando certa vez num povoado marítimo
— o qual era repleto de hereges —
Santo Antônio dispôs-se a fazer uma pregação
sobre a onipotência divina. Como
ninguém vinha escutá-lo, voltou-se para
o mar e disse: “Já que não há aqui ninguém
que queira ouvir a palavra de Deus,
vós, puras criaturas, vinde ouvir-me a fim
de ser confundida a indocilidade destes ímpios.”
Logo surgiram milhares de peixes, os
quais, pondo a cabeça para fora da água,
pareciam prestar grande atenção na pregação
de Santo Antônio. Ao fim de sua exortação,
deu-lhes a bênção e despediu-os.
Diante de tal milagre, todo o povo converteu-se.
Que maravilhosa a alma de Santo Antônio,
tão humilde e cheia de fé: no desprezo
a si próprio ele vê, no fundo, um desprezo
à palavra de Deus; e, para reparar a
ofensa feita a Deus, com toda simplicidade,
opera um milagre extraordinário. Este
foi o espírito intrínseco da Idade Média, e
mais ainda da Igreja Católica.
Quando os homens tiverem esta fé ardente,
veremos maravilhas ainda maiores.
G. Kralj
(Extraído de conferência de 21/1/1974)
2
Santo Antônio de Pádua. Catedral
de São Patrício - Nova York.
Sumário
Publicação Mensal Ano XIII - Nº 147 Junho de 2010
Ano XIII - Nº 147 Junho de 2010
O Relógio da
humanidade!
Na capa, Dr. Plinio em
1988; ao fundo, relógio
do frontispício da
Basílica de São Pedro.
Fotos: J. Dias, G. Kralj
As matérias extraídas
de exposições verbais de Dr. Plinio
— designadas por “conferências” —
são adaptadas para a linguagem
escrita, sem revisão do autor
Dr. Plinio
Revista mensal de cultura católica, de
propriedade da Editora Retornarei Ltda.
CNPJ - 02.389.379/0001-07
INSC. - 115.227.674.110
Editorial
4 Elo de união entre o Céu e a Terra
Dona Lucilia
6 Serenidade na alegria e na dor
Diretor:
Antonio Augusto Lisbôa Miranda
Conselho Consultivo:
Antonio Rodrigues Ferreira
Carlos Augusto G. Picanço
Jorge Eduardo G. Koury
Redação e Administração:
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Exemplar avulso . . . . . . . R$ 12,00
Serviço de Atendimento
ao Assinante
Tel./Fax: (11) 2236-1027
O Santo do mês
10 15 de Junho
Santa Germana Cousin
“Revolução e Contra-Revolução”
16 A Contra-Revolução tendencial - II -
Eco fidelíssimo da Igreja
22 O papel da Eucaristia no
mundo moderno
O pensamento filosófico de Dr. Plinio
28 Contemplação e transcendência
Luzes da Civilização Cristã
32 Obra-prima da Inocência
Última página
36 Mãe também dos pecadores
3
Editorial
Elo entre o Céu
e a Terra
“M
eu último pensamento seja de amor ao Papa.” Esta é a frase acrescida por Dr. Plinio — de
próprio punho — em sua carteira de identidade católica.
Um dos principais pilares de sua espiritualidade era, sem dúvida, a profunda devoção
que nutria em relação à Cátedra de Pedro, na pessoa do Romano Pontífice.
Esta devoção tornou-se de tal modo manifesta no decorrer de sua vida, que não seria dificultoso
reunir um incontável número de páginas contendo considerações repletas de Fé e submissão acerca
do Santo Padre, o Doce Cristo na Terra.
Por ocasião do dia do Papa — 29 de junho —, homenageando tão edificante devoção, Dr. Plinio
traz em seu editorial excertos de conferências proferidas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, nas
quais ele manifesta seu entranhado amor ao Papado:
“Já em minha infância, eu percebia que deveria haver uma autoridade infalível, a qual ensinasse a todos,
pois, caso isso não fosse assim, não haveria possibilidade de as pessoas pensarem do mesmo modo,
e a vida seria um caos, indigna de ser vivida. Então nasceu em mim uma pujante veneração ao Papado e,
consequentemente, ao Episcopado e aos outros graus da Hierarquia.” 1
Assim se manifestaria ele, dois anos mais tarde:
“Tão grande é a fragilidade humana, que, inevitavelmente, cairíamos em erro, caso não houvesse um
mestre infalível, o qual nos ensinasse toda a verdade.
“Imaginemos uma cidade com milhares de habitantes, onde cada um possuísse ao menos um relógio.
Nesta cidade haveria milhares de relógios. De nada serviriam esses relógios caso não houvesse um relógio
posto por Deus, chamado sol, pelo qual os homens pudessem saber a hora certa.
Ora, à semelhança do sol que regra as horas, há um homem que, em matéria de fé e moral, não cai em
erro. Este é o Santo Padre; de seus lábios abençoados só pode sair a verdade. Ele é o ‘relógio’ que regula a
Humanidade; o Bispo dos bispos; o pastor dos pastores; o Rei da Igreja e de todas as almas. É a mais alta
criatura que há na Terra. Não há rei, não há imperador, não há presidente da república, não há milhardário,
não há nada, que valha tanto quanto o homem a quem Deus garantiu: ‘As portas do inferno não
prevalecerão contra ti. Pedro tu és pedra e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja’.
“Assim sendo, nós devemos ser cuidadosíssimos em amar o Papado acima de todas as coisas da Terra.
“Sem o Papado, a Terra seria um antro de confusão, de desordem e de horror.” 2
Com o decorrer dos anos, tal amor ao Papa evidenciou-se cada vez mais, como se pode verificar
nas seguintes palavras de Dr. Plinio:
“Não é com meu entusiasmo dos tempos de jovem que eu me coloco hoje ante a Santa Sé. É com um
entusiasmo ainda muito maior, pois à medida que vou vivendo, refletindo e ganhando experiência, compreendo
e amo mais ao Papa e ao Papado.
“E este amor não é abstrato. Ele inclui um especial amor à pessoa sacrossanta do Papa, seja ele o de
ontem, como o de hoje ou o de amanhã. Amor de veneração, amor de obediência.
“Insisto: amor de obediência. Pois desejo dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus antecessores
e sucessores, toda a adesão que a doutrina da Igreja me prescreve, tendo por infalível o que ela manda
ter por infalível, e por falível o que ela ensina que é falível. Quero obedecer às ordens deste ou de qualquer
outro Papa em toda a medida que a Igreja indica que sejam obedecidos. Isto é, não lhes sobrepondo
jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder terreno.” 3
4
Carteira de Identidade Católica, pertencente a Dr. Plinio, em cuja parte
inferior pode-se ler: Meu último pensamento seja de amor ao Papa.
O corolário dessa profunda devoção, cultivada cuidadosamente durante sua existência, foram as
tocantes afirmações de Dr. Plinio, pronunciadas exatamente três meses antes de sua morte:
“O mesmo amor que devoto a Nossa Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo, também o possuo em relação
ao Papado. Pois há um princípio segundo o qual uma corrente vale conforme seu elo mais fraco.
Poderá uma corrente ter cem elos, cada um deles com o diâmetro do braço de um atleta, mas estarem
presos a um outro elo muito delicado, essa corrente tem o valor do elo frágil.
“Ora, na corrente da tríplice devoção à Santíssima Trindade, à Maria e ao Papado, o elo mais frágil é
o Papado, por ser o mais humano. Então, o modo mais vigoroso de amar a corrente inteira é oscular o
elo mais fraco.
“Ao dedicar meu inteiro amor ao Papado, meu ato toma o sentido de quem replica ao adversário: ‘Vocês
estão recriminando tais e tais debilidades do Papado. Pois ali vai meu ósculo, ali vai minha fidelidade.’
“Onde a infidelidade de alguns poderia tentar a fidelidade dos fiéis em sua totalidade, eu quero pôr a
minha fidelidade inteira.” 4
______________________________________
1) Excerto de conferência de 14/4/1989.
2) Excerto de conferência de 29/9/1991.
3) Trecho de artigo na Folha de São Paulo, em 12/7/1970.
4) Excerto de conferência de 3/7/1995.
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.
5
Dona Lucilia
Serenidade na alegria e na
A impostação da alma inocente diante da normalidade da
vida quotidiana prepara-a para os momentos de alegria, bem
como para os de sofrimento. Assim se dava com Dona Lucilia,
serena na alegria, mas também na provação.
À noite, quando minha irmã e eu
já estávamos dormindo, Dona Lucilia
passava pelo quarto de Rosée e
depois pelo meu, e fazia várias cru-
Mamãe tinha um temperamento
eminentemente
sereno. Mesmo quando
algo lhe transmitia uma especial
alegria, ela não perdia a tranquilidade.
Nestas ocasiões, sua reação não
era distinta da que ela teria nos dias
comuns.
Por exemplo, quando ela verificou
minha inteira inocência diante da
suspeita de eu ter falsificado a nota
do meu boletim no Colégio São Luís
1 , sua alegria tinha como base motivos
razoáveis, não se tratando de
uma reação meramente instintiva.
Assim, nos momentos de alegria,
ela hauria esta serenidade que depois
se estendia para os momentos
de dor e sofrimento. Pois ela amava
Nosso Senhor Jesus Cristo, e se Ele
tanto sofreu sem nunca reclamar,
conservando inteira serenidade,
também ela deveria ser desta forma.
As pequenas alegrias
preparavam-na para
conservar a serenidade
diante da dor
Desta forma, todas as suas pequenas
alegrias ao longo de cada
dia preparavam-na para conservarse
serena diante de sofrimentos futuros.
Por exemplo, num dia comum,
agradável e tranquilo — como era
normal na São Paulinho daqueles
tempos —, ao aproximar-se a hora de
meu retorno do colégio, ela sempre
ficava um pouco preocupada, com receio
de que me acontecesse algo pelo
caminho. Sobretudo por ser eu um
pouco distraído, ela temia que um
automóvel me atropelasse. Por isso,
ela permanecia no terraço andando
um pouquinho e tomando ar, muito
serena, apesar de preocupada.
Em certo momento, ela via o portão
se abrir e eu entrar. Quando eu
percebia que mamãe estava lá, tirava
o chapéu e a cumprimentava, depois
ia correndo falar com ela. Mas, às
vezes, eu não a via e entrava direto.
Nestas ocasiões, creio que ao me ver
entrar, ela deveria sorrir serenamente
e dizer: “O meu filhão chegou.”
Era um fato inteiramente normal,
mas ela o vivia dentro de uma atmosfera
religiosa, a qual fazia de minha
simples chegada uma causa de felicidade
para ela. Nestas alegrias suaves
e tranquilas, ela encontrava a serenidade
e a paz para sua alma.
Assim, quando eu chegava junto
dela, não encontrava nenhum resquício
da preocupação que tinha há
pouco, pois a primeira impressão de
minha chegada bastava para a tranquilizar.
E, aproximando-me dela,
ela dizia suavemente: “Filhão, como
vai?” Isto me dava muito agrado, e
eu o manifestava de forma truculenta,
beijando-a e abraçando-a muitas
vezes, sem me preocupar com o modo
de fazê-lo...
“Sua serenidade me
tranquilizava”
6
dor
T. Ring
7
Dona Lucilia
zinhas em nossas frontes, pedindo a
Deus que nos abençoasse.
Algumas vezes, acontecia de eu
acordar nessa hora, mas, ainda que
eu não despertasse inteiramente,
percebia tratar-se de mamãe; então,
dormia ainda mais contente e tranquilo,
por saber que aquela serenidade
havia pousado sobre mim.
Assim era Dona Lucilia: suave e
afetuosa, até mesmo à noite!
Calma e serenidade em
meio aos dissabores
Mamãe conservava esta serenidade
até mesmo nos momentos mais difíceis.
Em todas as dificuldades, ela nunca
se portava com agitação ou torcida.
Depois do primeiro impacto de
um revés qualquer, ela pensava um
pouco e dizia: “Bom, eu vou fazer isto,
falar aquilo, resolver de tal forma.”
Planejava tudo, e depois, com
toda a tranquilidade, começava a
execução do plano.
Naturalmente, à medida que fui ficando
mais velho, ela foi se abrindo
mais comigo, e passou a contar-me
muito dos dissabores que ela teve durante
a vida, contava-me também como
eram os planos que ela fazia para
solucionar estas dificuldades.
Eu achava os planos dela muito
bem calculados, bem feitos. Certamente,
isto se devia ao fato de serem
concebidos na serenidade e na
calma, com base na fé e numa razão
muito equilibrada e direita. Eles me
causavam muito contentamento.
Contrastando o temperamento
de minha mãe com o difundido
por Hollywood, eu assimilei o dela,
e me habituei a passar pelos mais
terríveis revezes com a tranquilidade
e a serenidade que eu via em
Dona Lucilia.
Este estado de espírito, no fundo,
era uma plena confiança em Deus,
que a levava a pensar o seguinte:
“Por mais que nos advenham os piores
infortúnios, Deus permitiu, e,
portanto, é para o nosso bem. Estes
sofrimentos são o ornato da vida.”
Assim ela via o sofrimento, com
inteira serenidade, sabendo que tudo
acontece por uma razão mais alta
que está em Deus.
Jesus sofredor, modelo
de serenidade seguido
por Dona Lucilia
Para conservar esta serenidade,
creio que concorriam as Vias Sacras
que ela rezava na Igreja do Sagrado
Coração de Jesus, diante de estações
não muito artísticas, porém sérias e
piedosas. Em cada uma das estações
está representado um sofrimento de
Cristo durante sua Paixão. Em todos
eles, Nosso Senhor é apresentado
com uma enorme serenidade e tranquilidade,
por mais que sejam enormes
seus sofrimentos. Ele sofre, sa-
À esquerda, Sagrado Coração de Jesus. Acima, Igreja do Coração
de Jesus, onde Dona Lucilia costumava recitar a Via Sacra.
8
Quem se
aproximava
de Dona Lucilia
recebia algo de sua
serenidade, que, em
última análise,
vinha de Cristo
Nosso Senhor.
bendo que tem de sofrer, e por isso
não toma aquilo como sendo algo
extraordinário e inconcebível.
Contudo, foram tais os sofrimentos
de Nosso Senhor, que nós não podemos
sequer imaginá-los. Tomemos,
por exemplo, o estudo realizado por
um médico francês, Dr. Pierre Barbet,
sobre o Santo Sudário de Turin.
Um dos pontos analisados pelo
afamado cirurgião foi a posição de
Cristo na cruz. Um prego Lhe atravessava
— de uma só vez — os dois
pés; outros dois, um em cada punho,
prendiam-n’O à Cruz. Caso Ele quisesse
apoiar-se mais nos pés do que
nos braços, para assim aliviar um
pouco a dor, seus pés seriam rasgados;
por outro lado, se Cristo tentasse
aliviar a dor de seus pés, sustentando
o corpo unicamente com os braços,
seus pulsos seriam rasgados.
Em meio a todas estas dores, Ele
permanece calmo, analisando os dois
ladrões crucificados a seu lado. De
repente, um começa a blasfemar; o
outro, vendo-O se converte e começa
a defendê-l’O. E Nosso Senhor promete-lhe:
“Em verdade te digo: hoje
estarás comigo no paraíso.” 2
Donde vemos que, apesar de todos
os padecimentos que Lhe eram
impostos, Cristo mantinha a certeza
de que aquilo iria terminar, e sua
missão seria cumprida.
Olhar sereno que
infundia serenidade
Dona Lucilia, alguns anos antes de sua morte.
Assim era a serenidade de Nosso
Senhor neste terrível passo da Paixão.
Frei Pedro de Cristo, ao compor
uma canção que diz “Ojos claros serenos,
si pues morís por mi, miradme
al menos — olhos claros serenos, se
morreis por mim, olhai-me pelo menos”,
acertou enormemente. Pois, de
fato, se Aquele que, em meio a tantos
sofrimentos, conservou tal serenidade,
pousasse o olhar sobre alguém,
isto bastava para infundir-lhe
a mesma paz.
Mamãe, que tantas vezes vi diante
da imagem do Sagrado Coração de Jesus,
olhando-O durante longas horas,
talvez tenha recebido d’Ele um olhar,
que bem pode ter sido a causa de haver
nela tanta serenidade. Algo semelhante
dava-se com Dona Lucilia:
quem se aproximava dela recebia algo
desta serenidade que, em última análise,
vinha de Cristo Nosso Senhor. v
(Extraído de conferência de 11/03/1995)
1) Conferir Dr. Plinio, nº 122, página 18.
2) Lc. 23,43.
9
O Santo do Mês
–– * Junho * ––
1. Santo Aníbal Maria di Francia,
Fundador dos Rogacionistas e das
Filhas do Divino Zelo. (+ 1927)
2. Santo Eugênio I, Papa. Governou
a Igreja entre 654 e 657.
3. Corpus Christi.
4. São Francisco Caracciolo, Sacerdote,
Fundador da Congregação
dos Clérigos Regulares Menores. (+
1608)
5. São Lucas Vu Ba Loan, Presbítero
e Mártir, em Hanoi, no Tonquim
(atual Vietnã), degolado sob o
Imperador Minh Mang por professar
sua fé. (+1840)
6. X Domingo do Tempo Comum.
7. Santo Antônio Maria Gianelli,
Bispo e Fundador das Filhas de Santa
Maria do Horto (Gianellinas). (+
1846)
8. São Medardo, Bispo de Noyon,
França. (+560)
9. Santo Efrén (chamado “o Sírio”),
Diácono e Doutor da Igreja.
(séc. IV)
Beato José de Anchieta, Presbítero,
Jesuíta, nascido nas Ilhas Canárias.
Chamado o Apóstolo do Brasil.
(1534-1597)
10. Santo Itamar, Bispo de Rochester
(Inglaterra). Foi o primeiro
anglo-saxão em terra inglesa a ser
nomeado arcebispo. (séc. VII)
11. Solenidade do Sagrado Coração
de Jesus.
São Barnabé, Apóstolo e Mártir.
12. Imaculado Coração de Maria.
(Memória)
13. XI Domingo do Tempo Comum.
Santo Antônio de Pádua. Sacerdote
e pregador franciscano, nascido
em Lisboa e morto em Pádua (Itália).
Foi declarado Doutor da Igreja
em 1946 por Pio XII. (+ 1231)
14. Santo Eliseu, Profeta. (séc. IX
a.C.)
15. Santa Germana Cousin.
16. Santa Lutgarda. Religiosa cisterciense.
Foi ardente devota do Coração
de Jesus. (+1246)
17. Santo Hervé, Abade e eremita
(Bretanha). Morreu por volta do
ano 575.
18. Santa Elisabeth de Schönau,
Religiosa beneditina. (+ 1164)
19. São Romualdo, Fundador.
(956-1027)
20. XII Domingo do Tempo Comum.
21. São Luís Gonzaga, Religioso.
Considerado um modelo de pureza
para a juventude de todos os tempos.
(1568-1591)
22. São Paulino de Nola. (354-431)
23. São José Cafasso, Confessor.
Nascido no mesmo povoado natal de
São João Bosco, Castelnuovo de Asti,
em 1811, tornou-se amigo pessoal
do Fundador dos Salesianos. Sacerdote
em Turim, e grande confessor na escola
de Santo Afonso de Ligório, frequentou
os presídios para ministrar a
Reconciliação aos reclusos. (séc. XIX)
24. Natividade de São João Batista.
(Festa)
25. São Guilherme de Vercelli,
Abade. (séc. XII)
26. São Josemaria Escrivá de Balaguer,
Presbítero e Fundador. Nascido
em Barbastro (Aragão), fundou
a Sociedade Sacerdotal da Santa
Cruz (Opus Dei), hoje Prelatura
Pessoal difundida em muitos países.
(1902-1975)
27. XIII Domingo do Tempo Comum.
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
28. Santo Irineu, Padre da Igreja,
Bispo e Mártir. Discípulo de São Policarpo
(que o tinha sido de São João
Evangelista), expôs e condenou firmemente
os erros do gnosticismo.
(sécs. II-III)
29. São Pedro e São Paulo, Apóstolos.
São Cássio, Bispo. (séc. VI)
30. Santos Protomártires da Igreja
Romana. Acusados de terem querido
incendiar Roma, foram martirizados
de forma crudelíssima sob Nero. Uns
torturados, outros entregues a cachorros
furiosos cobertos de peles de feras;
outros, ainda, crucificados e queimados
para iluminar a noite. (séc. I)
10
15 de Junho
Santa Germana
Cousin
Num século habituado aos prazeres e deleites
da vida, onde o sofrimento e a dor eram
considerados com repugnância e horror,
despontou radiosa uma alma de extrema
humildade, colidindo estrondosamente
com os preconceitos de seu tempo: Santa
Germana Cousin.
S. Hollmann
C
omentarei a vida de Santa
Germana Cousin, a virgem de
Pribac 1 , que vivera em fins do
século XVI.
Assim narra-nos uma ficha com
sua história 2 :
“Se houve uma vida triste, inútil e
miserável aos olhos do mundo, foi a
da Bem-Aventurada Germana Cousin.
Uma mão paralisada, uma saúde detestável,
nenhuma instrução, um cajado
para dirigir ovelhas, a guarda de alguns
carneiros, enfim, a morte aos vinte
e dois anos, eis o que compôs para o
mundo a vida de Germana.
“No estábulo, um recanto pobre da
casa, estava seu quartinho: um cubículo
de cinco pés de comprimento,
sob uma escada. Algumas ramagens
de videira como leito, e, como alimento,
um pouco de pão e de água era
bastante para esta miserável escrofulosa.
Sua faina diária era guardar o
rebanho da família. E as estações do
ano lhe fizeram sofrer muito no que
elas têm de mais rigoroso.
“Sua paciência era inalterável, ela
não possuía outra resposta às injúrias
e aos maus-tratos que de todo lado caíam
sobre ela quando voltava para casa,
trazendo o rebanho e levando-o
para o estábulo. A sua única resposta
era calar-se e retirar-se a seu pequeno
cubículo.”
Diante de uma vida como essa,
quais ensinamentos poderiam ser
hauridos para o benefício das almas?
Dois notórios contrastes sucederam-se
durante a vida de Santa Germana.
Tendo nascido no século XVI,
houve uma flagrante divergência entre
o pecado dominante deste século
e a vida levada por ela, como também
a diferença entre as dificuldades
da vida terrena que sofrera, em
relação à glória sobrenatural pela
qual esteve cercada no final de sua
existência e sobretudo no Céu.
Por um lado, constata-se um século
profundamente marcado pela Renascença,
carregando seus pendores
defeituosos, que se entregava cada
vez mais desbragadamente às pompas
mundanas, aos prazeres da vida
e a uma ambição pela glória terrena.
Embora sendo menos vil que a dominante
ambição pelo dinheiro no
mundo contemporâneo, não deixava
de ser censurável, por possuir um
aspecto laico, voltado apenas para o
amor-próprio pessoal, desconsiderando
a glória celeste que é a única
glória à qual o homem deve tender.
Temos então um século de vanglória,
centrado no que há de passageiro,
transitório e terreno, e que, inconscientemente,
faz dessa vanglória
um de seus ídolos.
Em meio a este ambiente, nasce
uma santa venerada por toda a posteridade
por ter sido o contrário da
vanglória, levando uma vida pautada
11
O Santo do Mês
pelas maiores humilhações possíveis.
Não podendo prestar serviços, pois
possuía péssima saúde, Santa Germana
era vista com extraordinária crueldade
pelos seus mais próximos, maltratada
e desprezada com uma raiva
irracional que o homem de espírito
pagão nutre contra quem apresente
qualquer inferioridade intelectual ou
física. Ela tinha conjugadas ambas as
inferioridades, e era também iletrada.
“De um lado, as pessoas caçoavam
da simplicidade dela e de sua devoção.
Ela não conhecia nada, exceto o
doce nome de Jesus, seu Salvador, e tinha
muito cuidado de não se entristecer
com seus sofrimentos, com sua miséria,
e de pedir a Deus que lhe libertasse,
ainda mesmo quando o poder
divino, multiplicando os milagres em
torno dela, parecia disposto a atender
todos os seus desejos.”
“Ela veio ao mundo paralítica da
mão direita e atingida por uma escrofulose.
Sua mãe fora levada pela morte
logo após seu nascimento. Germana
teve que passar toda a sua vida sob a
autoridade de uma madrasta que a detestava,
maltratava e conservava afastada
de seus irmãos e irmãs. Seu pai,
Lourenço Cousin, não tinha por sua filha
nenhuma espécie de ternura, pouco
se inquietando por seus sofrimentos.”
Embora sendo uma pessoa de mínima
instrução, que nunca dera provas
de grande inteligência, além do
aspecto físico tão depauperado e
desprezível aos olhos do mundo, esquecida
pelo próprio pai e perseguida
pela madrasta incessantemente,
comprouve à Providência reunir em
torno da vida de Santa Germana todas
as razões de humilhação imagináveis,
para cumulá-la ainda mais de
alegria na vida eterna.
sua roca, abandonando seu rebanho à
guarda do Divino Pastor. Em Germana,
a confiança era como uma luz sobrenatural
que jamais fora iludida; esta
lhe inspirava uma certeza sobre-humana
que era posta a serviço de um
amor heroico.
“O rebanho, sempre muito bem
guardado, mesmo na entrada da floresta
de Bocogne, onde foi várias vezes
deixado, jamais teve uma ovelha desgarrada,
nem o menor prejuízo causado
aos campos vizinhos. O que há
de mais, o rebanho estava florescente
e não havia em toda a aldeia um rebanho
mais belo nem mais numeroso.
“Nosso Senhor multiplicou os milagres
nas mãos de sua caridosa serva,
como Ele outrora havia multiplicado
entre as suas mãos divinas. Mas
esta explicação não veio ao espírito de
todos. Acusaram-na de roubar pão da
casa de seu pai, e sua madrasta não
foi a última a conceber tais suspeitas.
Um dia deu-se conta, ou julgou notar
que Germana levava em seu avental
um certo número de pedaços de pão
que não lhe tinham sido dados. Imediatamente
tomou um bastão e pôsse
a correr atrás de Germana. Seu furor
contra o suposto roubo lhe fez vituperar
todas as injúrias que lhe vieram
ao espírito. Dois habitantes de Pribac
que a viram, tomados de piedade pela
pobre menina ameaçada, apertaram
o passo com o desígnio de tomar
a defesa dela. Quando chegaram perto
da pastora, fizeram-lhe abrir o avental
e ele não continha outra coisa, senão
um magnífico buquê de belíssimas flores,
espargindo um perfume delicioso.
Jamais os jardins de Pribac tinham
produzido flores semelhantes! Não era
uma estação de flores, pois estava-se
durante um rigoroso inverno...
“Um dia, Santa Germana não podendo
ir à igreja sem atravessar um
riacho, o qual, de tal maneira se tinha
enchido à noite, tornara-se intransponível,
e quando duas testemunhas esperavam
para ver o desaponto dela,
sem se deter um só instante Germana
pôs o pé e as águas se retiraram e fizeram
para a humilde pastora de Bocogne
o que outrora o Jordão havia feito
para a Arca da Aliança e para os filhos
de Israel. Os camponeses que estavam
lá ficaram tomados de temor e
Emerson Jr.
Rios que se abriam,
neves que davam flores...
“Chegada a hora da Santa Missa, a
Bem-Aventurada deixava seu cajado e
Sul da França.
12
como que fora de si mesmos. Ficaram
muito tempo com o olhar fixado sobre
Germana que se distanciava a toda
pressa, e olhavam para ela e para o
riacho que continuava a correr.”
Surge então outro aspecto de Santa
Germana, os milagres que se realizaram
em grande quantidade à sua
volta, comprovando sua autêntica
virtude. Milagres dos quais dois são
clássicos, um de separar as águas, como
sucedeu ao povo hebraico quando
transpunha o Rio Jordão, com a
Arca da Aliança. O outro milagre
faz lembrar o famoso fato da vida de
Santa Isabel da Hungria quando levava
pão aos pobres. Ocorreu que
um cortesão veio a exprobrá-la, perguntando
o que trazia em suas mãos,
ao que ela respondeu-lhe: “São rosas”,
e abrindo o avental notou que
de fato o que havia ali eram rosas...
Milagre magnífico, semelhante ao
realizado por Santa Germana quando
os pães transformaram-se num
lindo buquê de flores.
Milagres como esses poderiam ser
uma forma de Santa Germana darse
conta de sua própria grandeza e
orgulhar-se dela. Não obstante, ela
foi um modelo indubitável de humildade,
mesmo após a enorme fama de
santidade intensamente propagada a
seu respeito.
Despretensão, a condição
para a santidade
Aos familiares dela não foi dado
ver as qualidades extraordinárias
que possuía. Mesmo consciente dos
milagres que lhe eram atribuídos, a
madrasta a perseguiu maldosamente
por uma suspeita de roubo, absolutamente
infundada.
Mas Germana, possuidora de
extraordinário equilíbrio, preferiu
permanecer em seu estado a pedir
a cura que a privaria de suas humilhações,
fazendo possivelmente
com que não tivesse alcançado a
extraordinária santidade a que che-
G. Kralj
Apesar de operar
milagres que a
poderiam fazer
orgulhar-se de sua
própria grandeza,
Santa Germana
foi um modelo
indubitável de
humildade.
Anônimo
13
O Santo do Mês
gou. Bem poderia ela
ter-se utilizado dos milagres
para dizer a sua
madrasta: “Não percebe
quem sou, e que valho
sozinha mais do que
toda a aldeia de Pribac
e as redondezas somadas?
Em determinado
momento a senhora pode
vir a precisar de mim
para algum milagre; porém,
tratando-me dessa
forma, jamais lhe atenderei.
E quando adoecer
gravemente? Aqui
está quem poderá curála.
Portanto, respeiteme.”
Ela poderia intimidar
por essa forma o ambiente
em que vivia, pois
todos se curvariam ante
suas ameaças. Entretanto,
continuando a aceitar
todas as humilhações
que de início lhe foram
impostas pela Providência,
Santa Germana
recusou o aroma inebriante de seus
próprios milagres e das homenagens
que lhe eram prestadas, para manter-se
fiel até o fim.
Anônimo
Protetora do Papado
Beato Pio IX, Papa - São João de Latrão, Roma.
Socorrendo a Igreja
em terríveis aflições,
Santa Germana
transformou-se
em protetora da
mais gloriosa das
instituições existentes
na Terra: o Papado.
Pode-se imaginar essa notícia penetrando
nos palácios, nos conventos,
nas rodas da alta burguesia, e
transmitindo a todos os que ouviam,
um convite a confiar nas orações dela.
Mas vinha juntamente uma afirmação:
“É ouvida por Deus a oração
daquele que não tem vanglória, pois
ela afasta o homem de Deus. Se te
queres unir a Deus, abandona a vanglória.”
Uma mensagem como esta, era
uma pregação da humildade contrária
ao orgulho característico do
século XVI, uma pregação da virgindade
contrária à concupiscência
efervescente que haveria de culminar
na Revolução Francesa.
“Germana foi invocada a favor de
Pio VII e mais tarde de Pio IX. A dupla
libertação desses dois Soberanos
Pontífices seguiu-se de perto ao pedido
que foi a ela feito.”
Socorrendo a Igreja
em terríveis aflições, pedindo
por Pio VII e posteriormente
por Pio IX,
Santa Germana transforma-se
em protetora
da mais gloriosa das instituições
existentes na
Terra: o Papado. Essa foi
a grandeza à qual Deus
elevou-a.
Mansidão ou...
combatividade?
Para o católico de
nossos tempos há alguma
lição a ser tirada da
edificante vida de Santa
Germana?
Adaptadas às circunstâncias
do mundo
de hoje, devemos observar
as mesmas virtudes
que por ela foram
praticadas. O católico
de nossos dias deve
ser altivo, batalhador,
cônscio de seu valor,
não esquecendo, porém, de representar
perante seu século as virtudes
de Santa Germana Cousin.
Muitas vezes negado, malvisto, isolado
e perseguido, ele vê constituírem-se
em torno de si as inimizades
mais gratuitas, enquanto desfazem-se
as mais fundadas amizades.
Ele tem de lutar de peito aberto
contra as potências de sua época,
remando contra a maré montante
dos vícios e desvios de seu tempo.
Não raras vezes torna-se ele objeto
de desprezo, senão de ódio. Também
Santa Germana era objeto de
injúrias pessoais, as quais ela humildemente
aceitou.
Ante as injustiças particulares
recebidas, devemos recebê-las
com mansidão. Entretanto, quando
a glória de Deus é tocada, devemos
defendê-la como leões.
14
E ao tratar-se de problemas do
amor-próprio ou de reivindicações
pessoais, devemos ser mansos como
cordeiros.
Teremos imitado, então, a nosso
modo, as virtudes de Santa
Germana, ora inclinando a cabeça
perante as humilhações, ora defendendo
a glória de Deus como
guerreiros.
A pastora transformada
em rainha
“Uma noite, dois religiosos surpreendidos
pela escuridão se viram
obrigados a deter-se numa floresta
vizinha para esperar lá a aurora. No
meio da noite eles foram acordados
por cânticos admiráveis, os seus
S. Hollmann
olhos se abriram, e eles viram uma
luz das mais esplendorosas dissipar
as trevas. Em alguns instantes essa
luz se tornou mais brilhante que o
sol. Rodeado por essa luz, um conjunto
de virgens apareceu por cima
da floresta; elas se dirigiam para
Pribac, cantando cânticos maravilhosos.
A visão não desapareceu,
senão para aparecer uns instantes
depois; eram as mesmas virgens que
vinham em sentido oposto; elas circundavam
uma nova companheira
que tinha acabado de juntar-se a
elas e que levava sobre a fronte uma
coroa de flores nova. Desaparecendo
a visão uma segunda vez, deixou
os religiosos encantados e conversando
sobre o que eles tinham visto
e ouvido.
“Na manhã seguinte, Lourenço
Cousin, pai dela, não a vendo aparecer
como de costume — Germana
sempre matinal e ativa — foi ao alto
da escada, chamando-a. Aproximouse
e a pastora dormia o seu último sono.
“Havia quarenta anos que o corpo
de Germana repousava no campo
santo. O coveiro de Pribac, tendo
um dia que preparar uma fossa, se
pôs ao trabalho no mesmo lugar onde
tinha escavado a da Bem-Aventurada.
No primeiro golpe de pá ele
levantou uma pedra, mas imediatamente
se deteve e deitou um brado;
ele tinha diante de si um cadáver que
parecia todo recente e o instrumento
tinha penetrado na carne incorrupta
do cadáver.
“Hoje, seus restos mortais são venerados
num relicário cercado de ouro
e de luzes. Mais de quatrocentos milagres
foram atestados por processos
verbais
Amigas do homem, as belas e poéticas
florestas da França foram o
ambiente escolhido pela Providência
Santa Germana Cousin - Catedral
de Narbone, França.
para o lindo milagre da aparição dos
coros das virgens.
Dois frades de hábito, sandálias,
bordão, com alvas e longas barbas
a emoldurar-lhes o rosto, realizavam
uma longa viagem a pé, rezando
recolhidamente. Exauridos pelo
esforço, ao cair da noite dormem
na própria floresta, tranquilos, à
espera de que venha o dia. Alinhados
no chão, protegidos pelas árvores,
repousam o merecido sono dos
justos.
Aparece então uma luz extraordinária
nos primeiros raios da manhã.
Eles despertam e indagamse:
o que será? Veem passar uma
névoa como que de cristal: é um
coro de virgens que atravessam a
floresta sem dificuldades em ultrapassar
os obstáculos materiais,
e desaparecem sobre as montanhas.
Passado algum tempo as virgens
voltam, trazendo uma a mais,
agora sem escrofulose e sem humilhações.
E, como nos contos de
fada, a pastora transformou-se em
rainha, cercada por todas as outras
princesas. Caminham alegres
para o Céu para receber então a
coroa de glória.
“Deposuit potentes de sede et exaltavit
humiles” 3 , o orgulho fora castigado,
enquanto a humildade ia ser
coroada no Céu.
v
(Extraído de conferência
de 20/8/1973)
1) Povoado que se localiza nos arredores
de Toulouse (França).
2) Não há referência da ficha biográfica
usada por Dr. Plinio nessa ocasião.
3) “Derrubou os orgulhosos de seus tronos
e exaltou os humildes”, do canto
do Magnificat (Lc 1,52).
15
Revolução e Contra-Revolução
A
Contra-Revolução
tendencial
- II -
Raciocínio, lógica, vontade bem empregada...
verdadeiras armas para um contrarevolucionário.
Em última análise o homem
deveria ter o sentido de sua
vida voltado mais para as coisas
do espírito do que as da carne,
como sucedia no Paraíso terrestre.
Ainda que ele ali estivesse completamente
cercado de toda espécie de
deleites e fosse o rei do Éden, o preponderante
no homem era considerar
as coisas do espírito.
O verdadeiro equilíbrio
da alma humana
Há descrições do Paraíso, feitas
em revelações particulares, que falam
da beleza material ali existente.
Era de fato magnífico! E todas
aquelas pulcritudes orientavam a
alma do homem para as coisas do
espírito — em última análise, para
Deus.
Como todas as coisas simbolizavam
a Deus, a ordenação delas falava
do poder, da sabedoria e bondade
d’Ele. Olhando as coisas do Paraíso,
ou simplesmente sentindo-as, o homem
sabia voltar a sua alma sobretudo
para o Criador.
Na coisa mais simples, por
exemplo, uma brisa que ele sentisse
bater sobre si numa hora em que
o calor pedia para ser temperado,
o homem saberia ver a Providência
de Deus.
Naquele lugar onde a dor não entrava,
para aquele homem que era
o seu predileto em toda a Criação,
Deus sabia fazer a temperatura subir
até ao ponto necessário para ele
se alegrar com a vitalidade propiciada
pelo calor; e depois fazia soprar
uma brisa para refrescar, de modo
que o homem dissesse: “Oh, deleite
agradável!”
Mas ele não ficava apenas no
deleite, como acontece num balneário
de hoje; o homem pensava:
“Como o calor do dia me lembra
o poder de Deus! E a brisa fresca,
a sabedoria com que Ele limita
o seu próprio poder, para não
se tornar excessiva a sua presença
junto ao homem que Ele ama.” E
recebia cada coisa como um dom
e um carinho do Criador. O espírito
dele voava para uma região
da realidade em que a alma fazia
considerações mais altas. E quando
chegava a tarde, Deus enviava
16
G. Kralj
uma brisa e conversava com o homem.
Esta é a impostação natural da
alma humana! Quer dizer, o homem,
de si, pela sua natureza deveria
ser assim. Nós, pelo auxílio
da graça, nos encantamos com uma
descrição como essa e pomos — às
vezes fugazmente — a nossa alma
nesta ordem, nos regalando com
coisas assim, que não são da carne,
mas do espírito, porque esta é a boa
ordenação do homem.
No Reino de Maria, quando a
abundância das graças do Espírito
Santo tiver regenerado a humanidade
trazendo uma atmosfera que lembrará
— mais ou menos longinquamente
— Pentecostes, os homens com muito
mais facilidade se voltarão para isso.
Cometeremos um
erro muito grande
se imaginarmos que
a impostação de alma
do homem da
rua é a normal, enquanto
que a nossa
seria forçada.
Suponhamos um
gato que, para receber
um pão molhado
no leite, se põe
de pé. O próprio do
gato é estar de quatro;
e às vezes fica
em pé, num equilíbrio
fugaz.
Muitas pessoas
pensam que se encantar
com as coi-
Anônimo
17
Revolução e Contra-Revolução
sas da cultura, embebidas pela Fé, é
uma posição forçada para o homem,
como a do gato em pé. E isto não é
real.
As alegrias do espírito
É próprio do homem, quando está
ordenado, ter a mentalidade contrária
à do indivíduo com a lancha
em cima de seu automóvel 1 ; pelo seu
élan, pelo seu movimento de espírito,
ele procura sobretudo as coisas
do espírito, as quais são naturalmente
contíguas ao sobrenatural e caminham
para as coisas de Deus. Esta é
a orientação que deve ter o homem.
Por mais modesta que seja sua
classe social e cultura, o homem deve
conservar do período de sua inocência,
quando a sua alma estava toda
iluminada pelas graças do Batismo,
em que ele não pecava, do tempo
de sua primeira Comunhão, uma
série de movimentos, de recordações,
de impulsos.
E, aumentando sua vida de piedade,
ele vai discernindo muita coisa
que lhe faz ver mais de perto o sobrenatural,
o maravilhoso, o magnífico,
e muitas vezes o preternatural.
E também como ele pode cair, pois
a cilada, a tentação, pode estar perto
dele. Assim, deve compreender que
viver nesta Terra é um tesouro enorme,
um dom de Deus, enquanto preparação
para a outra vida. E precisa
voltar-se para as alegrias do espírito,
as quais são, por excelência, aquelas
que ele vai encontrar no Céu.
Uma conversa contrarevolucionária
O. Melo
18
Exercícios Espirituais
de Santo Inácio de
Loyola, comentados
pelo Padre Pinamonti.
Os antigos contos para criança começavam:
“Era uma vez...”, modo
muito mais poético do que “Agora
aconteceu tal coisa”.
Nesta semana eu conversava com
três membros de nosso Movimento,
inicialmente sobre qualquer bagatela.
De repente, a conversa envere-
dou por um tema relacionado com
a Religião, a Igreja, nossa vocação,
etc., tomando certo gosto da alma,
certa alegria da virtude, da verdade
e degustação do belo. A interlocução
poderia ter durado uma hora,
mas tive que encerrá-la porque
precisava continuar a trabalhar.
Comentamos entre nós que aquela
consolação, uma graça passageira,
propiciava à alma um prazer
ao qual nada nesse mundo se pode
comparar.
Não se deve imaginar que fosse
algo parecido com o colóquio de
Óstia 2 . Pobre de nós! Mas foi um
eco longínquo, algo passageiro e
insignificante e, assim como o vagalume
pode lembrar o sol, isso evocaria
o colóquio de Óstia.
O prazer da vida consiste nisso,
e engana-se miseravelmente quem
pensa que ele se encontra nas outras
coisas. Não entendeu nada!
Esses gostos elevados, na alma
bem disposta e orientada, nunca
se extinguem. E ficam à maneira
de impressões, por mim descritas
apenas em parte e que se repetem
de quando em quando. Muitas
outras impressões de diferentes
naturezas há, que a alma incorpora
a si — não gosto muito de empregar
aqui a palavra valor, porque
lembra a filosofia valorista —, digamos,
como um valor que fica fazendo
parte dela. Com isto vai se formando
a mentalidade do homem; as
coisas que ele procura a vida inteira
são bens de alma.
O pulchrum do raciocínio
S. Hollmann
volveu um raciocínio particularmente
bem feito, tem um reluzimento
no espírito e diz para si mes-
Santo Inácio de Loyola -
Guipúzcua (Espanha).
Quando, aos vinte
anos de idade,
li os Exercícios
Espirituais de Santo
Inácio de Loyola,
comentados pelo
Padre Pinamonti,
entusiasmei-me
com os raciocínios
irretorquíveis.
Infelizmente, nessas matérias a
pessoa é obrigada a falar de si mesma,
porque se conhece melhor do
que aos outros. Não se trata apenas
de emoções; mas também dos prazeres
castos, fortes, arejados, varonis,
robustos, do raciocínio.
Quando o adolescente, pela primeira
vez, nota que alguém desenmo:
“Mas como está bem pensado!
Como esta pessoa sabe raciocinar!”
Lembro-me de pensar assim:
“Olhe que este homem, no meio
de um mundo de bobagens que fala,
de repente disse uma coisa que
vale a pena ouvir. Ele afivelou tudo
muito bem. Não pensei que isso saísse
de dentro da cabeça dele.”
E logo depois eu me perguntava:
“Sairia da minha? Serei capaz de
fazer uma coisa assim? Isto aqui se
chama raciocínio. Sei fazer um raciocínio
como esse? Não.”
Eu não percebia que estava raciocinando...
“Não sei, porque sou ainda muito
verde. De futuro saberei raciocinar?
Esperemos... Porque não vejo
possibilidade em mim de fazer um
raciocínio assim. Mas vamos admirando
os outros raciocinarem.”
Recordo-me de que mais ou menos
nessa época entrei para o Colégio
São Luís. E depois de um ano
ou dois, foi meu professor um mestre
— naquele tempo se chamava
mestre o seminarista, noviço jesuíta,
que dava aulas — que raciocinava
primorosamente bem. Quando
ele começava a raciocinar, eu prestava
muita atenção. O pulchrum do
raciocínio! Que coisa extraordinária!
Esgrimindo
contra o erro
Aos vinte anos de idade, mais ou
menos, comprei no Liceu Coração
de Jesus o livro dos Exercícios Espirituais
de Santo Inácio de Loyola,
comentados pelo Padre Pinamonti.
Gosto muito desses comentários.
Eu havia estudado com os jesuítas
e tinha muita admiração por Santo
Inácio. Levei o livro para casa, sentei-me
junto a uma mesa e comecei
a ler.
Quando me deparei com os raciocínios
bem feitos, comecei a, sem
pensar, movimentar os dedos de mi-
19
Revolução e Contra-Revolução
G. Kralj
Imaculada Conceição - Igreja São Francisco dos Penitentes, Rio de Janeiro (Brasil)
nha mão para manifestar meu entusiasmo.
Os raciocínios eram irretorquíveis,
irrespondíveis!
Lembro-me de ter cogitado: “Se
eu algum dia tiver substância intelectual
para fazer alguma coisa que
preste, vou procurar ser um homem
de raciocínio irretorquível. Quero
elaborar raciocínios bem feitos para
servir a Igreja!”
Eu tinha muito entusiasmo pela esgrima,
embora nunca a tenha praticado.
Quando comecei a me interessar
pelo raciocínio, pensei: “Esgrima é
uma coisa bonita, mas apenas uma introdução
para se compreender o raciocínio,
porque elevado mesmo é saber
esgrimir contra o erro. O raciocínio
é um veículo para se chegar às grandes
verdades que São Tomás e Santo Inácio,
por exemplo, desvendam.”
Importância da vontade
Nos “Exercícios”, Santo Inácio
trata da vontade, dizendo que esta
precisa se dobrar. Pela primeira vez
prestei atenção na minha própria
vontade e a comparei com uma bengala
de ouro concedida por alguém.
Sinto a minha liberdade — posso
fazer isso, aquilo, conforme deseje.
Mas a razão iluminada pela Fé me
diz que devo querer tal coisa: “Vontade,
ajoelha-te!” Ou, então, talvez
dizendo melhor: “Ponha-te de pé e
voa! Cumpre o teu dever!” Compreendi
que a vontade era uma espécie
de águia na qual se monta para nos
conduzir às coisas elevadas.
Comecei também a compreender
e amar mais o sacrifício!
Que adianta ter vontade, se é só
para atender às minhas vontades?
Ela é necessária para fazer sacrifício,
lutar, impor-me coisas difíceis que
eu não queira realizar, e saber impor
aos outros que cumpram o dever!
Para batalhar pela Causa da Igreja,
da Civilização Cristã! Isto é vontade!
Como isso é bonito; porém, a vontade
nos escapa como se fosse água
que escorre das mãos. Às vezes, a
vontade está firme e digo: Resolvi!
Dez minutos depois, estou pensando
em outra coisa e, quando chega
a ocasião, minha vontade está mole
como água.
A graça...
Custei muito para compreender a
graça. Em parte, pela formação dada
por minha Fräulein que, muito saudavelmente
teutônica, falava-me da
força de vontade. Eu achava uma beleza
ter uma força de vontade capaz
de tudo. Mas ela nunca se referia à
graça.
A oração era uma polidez que se tinha
para com Deus. Assim como se
cumprimentava as pessoas mais velhas
da família, saudava-se Deus eterno,
Pai de todos e que nos criou. Uma
espécie de arquiavô, perfeitíssimo. Eu
não compreendia qual era o papel da
graça, mas sim o de minha fraqueza.
“Salve Rainha, Mãe de misericórdia,
vida, doçura, esperança nossa, salve!”
Pela bondade d’Ela, obtenho o que
não mereço. Nossa Senhora é quem
merece, porque Ela é perfeita, imaculada,
Mãe de Deus. É Rainha dos que
não prestam, e eu estou nesse cortejo.
20
Ela tem pena de mim e vai me ajudar.
Aí terei força de vontade.
Mas quão bela é a vontade fortificada
pela graça! Ambas são lindas, que
podemos apreciar em nós mesmos, estão
ao nosso alcance. Mas como são
diferentes das coisas desejadas por esses
homens amolecidos!
Há um abismo entre as duas mentalidades.
Vigilância contrarevolucionária
Fiz uma longa introdução, mas tudo
o que eu disse se relaciona com
a Revolução e a Contra-Revolução.
Quando a alma se forma assim e
está povoada de cogitações dessa natureza,
ela compreende muito bem
como é fácil cair e perder tudo isso.
A noção de sua própria precariedade
e debilidade a invade completamente;
e percebe que as outras pessoas
também têm fragilidades.
Prestando atenção nas fisionomias
dos outros e notando os defeitos deles,
ela aplica o provérbio espanhol: “Piensa
mal y acertarás! 3 ”
Todo homem, quando não conta
com a graça nem se beneficia dos sacramentos,
está cheio de misérias. E,
mesmo recebendo a graça, se ele não
vigiar o tempo inteiro, cai; esta vida
deve ser de vigilância contínua, pois
não amamos o bem que temos em
nossa alma se não temos continuamente
o medo de perdê-lo.
E esse medo de perdê-lo nos põe
num combate incessante, de todos os
momentos, que começa pelo discernimento
e pela vigilância: tal coisa é
má, tal outra é boa; essa é verdadeira,
aquela é falsa.
As coisas boas, verdadeiras, belas,
formam entre si grandes cortejos
excelentes, coerentes e bonitos.
E as más constituem vastas confederações
do mal, prontas a cercar o
homem e a perdê-lo a todo momento.
Constantemente tenho que estar
com os olhos abertos para o meu
S. Miyazaki.
inimigo; e meu principal inimigo
sou eu mesmo. Esta é a posição normal
e verdadeira do homem.
Dr. Plinio na década de 80
O homem que,
colocado diante da
Revolução tendencial,
fareja as coisas
revolucionárias e as
rejeita, participa da
gloriosa coorte dos
homens que fazem
História.
Como perceber a
Revolução tendencial?
Sendo a pessoa assim, quando se
lhe apresenta uma coisa revolucionária,
ela tem faro para perceber e a
recusa. Por exemplo, a dona de casa
rejeita a cesta extravagante para colocar
o frango e os legumes, porque
sente que tal objeto é revolucionário.
Em sentido oposto, por pouco de
bem, de verdade, de beleza que note
numa coisa, ela se deixa atrair,
abre intencionalmente sua alma, para
haurir aquilo, porque quer.
De maneira que em todos os instantes
de sua vida o homem está rejeitando
o mal e diminuindo as áreas
do mal em torno de si, bem como
haurindo o bem e aumentando as
áreas do bem em seu entorno.
Vivendo desse modo, o homem
não é um boneco da Revolução ou da
Contra-Revolução tendenciais. Ele se
guia por sua inteligência iluminada
pela Fé, por sua vontade robustecida
pela Fé, pelo seu desejo do pulchrum,
que decorre da reta ordenação da inteligência
e da vontade; é um homem
no sentido pleno da palavra.
Os homens deveriam ser assim.
No Reino de Maria, o comum dos
homens será de bons católicos; enquanto
isso não se der, não haverá
Reino de Maria. Devemos, portanto,
compreender que a impostação normal
do homem é essa.
Gloriosa coorte
dos homens
que fazem História
Esse é o perfil verdadeiro do homem
que, colocado diante da Revolução
tendencial, fareja as coisas revolucionárias
e as rejeita. E, posto diante
da Contra-Revolução tendencial, fareja
as coisas contra-revolucionárias
e por elas se entusiasma. Tal homem
não é joguete da História. Pelo contrário,
ele participa da gloriosa coorte
dos homens que fazem a História!
O tema que desenvolvi é indispensável
para não fazermos uma ideia
falsa a respeito do alcance de todas
as subtilezas da Revolução e da Contra-Revolução
tendenciais. v
(Extraído de conferência
de 9/11/1984)
1) Ver primeira parte do artigo na edição
anterior.
2) Ver “Dr. Plinio”, n. 146, maio de
2010, p. 20
3) Pensa mal e acertarás.
21
Eco fidelíssimo da Igreja
L. Blanco S. Hollmann
O papel da Eucaristia
Diante de uma falsa concepção de modernidade,
amplamente difundida em nossos dias, onde
encontrar o equilíbrio que salvará o mundo
hodierno? Dr. Plinio, por ocasião de um Congresso
Eucarístico nos remotos anos 50, evidencia para seus
ouvintes que a salvação só pode vir da Eucaristia.
22
no mundo moderno
N
a linguagem corrente,
“mundo” é o conjunto
de toda a humanidade,
ou o globo em que vivemos. Porém,
“mundo” traz consigo um sentido
mau, ele pode ser considerado
como um reino das trevas, que tem
Satanás por príncipe.
O que entendemos por
“mundo moderno”?
Muitos são os sentidos que contém
a palavra “moderno”. “Mundo
moderno” pode ser considerado o
mundo de hoje em relação ao de ontem,
sendo que o de hoje não exclui
o de ontem, pois foi graças ao de ontem
que o de hoje existe.
Porém, por vezes a palavra “moderno”
é empregada com o sentido
de oposição ao passado.
Todavia, este termo tem um sentido
ainda mais sutil e recôndito, e é
este sentido que me cabe analisar.
Nós não poderíamos dizer que tenha
se modernizado um país onde
vigorasse o regime de separação entre
a Igreja e o Estado, e este passasse
ao regime de união; mas, muita
gente dirá que se modernizou outro
que passasse da união para a separação.
Ninguém diria que passar do
divórcio para a indissolubilidade do
vínculo conjugal é modernizar; mas
muita gente acha que passar da indissolubilidade
do vínculo conjugal
para o divórcio é modernizar.
Orgulho, sensualidade
e modernidade
Nós temos então uma certa ideia
de modernidade, em virtude da qual
se entende que tudo quanto é laicis-
23
Eco fidelíssimo da Igreja
Anônimo
Enquanto multidões
caminham para o
prazer e para o vício,
silenciam diante do
mal e se acovardam,
por toda parte
numerosas almas
renunciam a tudo,
para afirmar apenas
a doutrina da Igreja.
Dr. Plinio comungando durante a Santa Missa.
mo, tudo quanto é igualitarismo, tudo
quanto é conceder aos instintos
do homem a liberdade de se divertir
e de se satisfazer como entenderem,
isso é verdadeiramente moderno.
De tal modo esse conceito existe
e é ativo, que vós o podeis observar
na vida contemporânea. Ela se
transforma constantemente; a todo
momento, um costume muda, uma
instituição toma novo aspecto, outra
instituição morre para dar lugar a alguma
coisa de novo; observai todas
essas mudanças, e, na sua quase totalidade,
vós vereis nas transformações
que se deram um progresso da
ideia de igualitarismo, um progresso
do princípio de laicismo, um progresso
da sensualidade.
Observai na vida doméstica: a todos
os momentos as barreiras que
separam os pais dos filhos se atenuam,
a autoridade do marido decai,
a liberdade dos filhos cresce. E
cresce para quê? Para que os filhos
cumpram melhor o seu dever? Cresce
para que sejam mais castos? Cresce
para que eles sejam mais
esforçados? Ou cresce, pelo
contrário, para que eles tenham
maior liberdade em fazer
tudo quanto bem entenderem,
de se atirarem às diversões
imodestas, desonestas,
de satisfazerem a sua sede de
prazer, de romperem os grilhões
de uma obediência indispensável
que deve vincular
os filhos aos pais?
Observai as relações entre
as classes sociais. A todo
momento mudam-se os trajes,
e estes tendem a nivelar
e equiparar as classes; a todo
momento mudam-se as maneiras,
e essas mudanças significam
uma diminuição do
respeito dos mais moços aos
mais velhos, do homem à mulher,
dos alunos aos seus mestres.
De todos os lados, minguam
as forças da autoridade,
as forças da hierarquia, as forças
da ordem, roídas por um movimento
incessante, gradual, mas profundo,
roídas por essa tendência imensa
para o nivelamento, que acaba
tendo no laicismo a sua expressão
mais completa. Porque o homem,
depois de não ter querido, na Terra,
superior de nenhuma espécie,
também não quer um superior no
Céu, não quer saber de Deus, e, então,
organiza a sua vida precisamente
como se Deus não existisse.
O perigo da má
concepção de
modernidade
Este é o terrível fenômeno o
qual mina a própria população católica,
e no espírito do brasileiro —
tão acomodatício, infelizmente —
conduz a essa situação monstruosa:
somos uma população de esmagadora
maioria católica, as estatísticas
indicam uma quase unanimidade
de católicos no Brasil, mas
se nós examinarmos a vida pública
brasileira, a moralidade existente
nela é como se Deus não existisse.
Se nós examinarmos a nossa vida
doméstica, veremos que cada
vez mais ela vai sendo como seria
se Deus não existisse. E, entretanto,
as igrejas continuam cheias, os
atos do culto continuam concorridos.
É um fato indiscutível que todos
se dizem católicos na ocasião
do recenseamento!
Como explicar isto senão
pela corrosão silenciosa, discreta,
muda, terrível como
uma lepra, feita por esse estado
de espírito de organizar
o mundo abstraindo de
Deus, de conceber tudo ao
signo da revolução e da desordem,
de organizar tudo
com base na sensualidade, o
que é a própria desorganização?
E eu vos pergunto, minhas
senhoras e meus senhores:
se esta Nação, tão
bela e tão digna de um melhor
presente, se contorce
neste momento numa das
mais graves crises da História,
não porque lhe faltem
as condições materiais
de existência, não é por que
lhe falta aquela moralidade?
Não é por que lhe falta
24
aquela coerência da Fé com
as atitudes práticas?
“Modernidade”,
traço decisivo de
nossa época
Assim definidos os vários
sentidos da palavra “moderna”,
nós podemos perguntar
qual vem a ser o papel desta
modernidade dentro do mundo
moderno.
E nós poderíamos dizer
que se no mundo a mentalidade
dita moderna não conquistou
tudo, ela é a grande força
propulsora de quase todos os
acontecimentos, a grande nota
característica do momento.
Ela é também o grande perigo,
o traço forte e decisivo da
época em que nós vivemos.
Onde buscar a
salvação para o
mundo moderno?
G. Kralj
Mas, também é verdade que neste
mundo — cada vez mais dominado
pelo espírito acima descrito — há
Alguém Eterno, Onipresente: Nosso
Senhor Jesus Cristo. Presente em
todos os sacrários da Terra, nos sacrários
de ouro do Brasil e dos templos
da Cristandade. Este Alguém,
cuja presença não se percebe com
os sentidos da carne, está presente
na Sagrada Eucaristia. Ele é o grande
Apóstolo do mundo contemporâneo,
como de todos os tempos. E Ele
fala constantemente às almas, ensinando-lhes
pela linguagem muda —
mas, infinitamente eficaz — que é a
linguagem de Deus. Fala-lhes constantemente
sobre a necessidade de o
homem se opor às coisas que constituem
a sua miséria, a sua degradação.
Fala-lhes da necessidade de caminhar
rumo a outro sentido, de se
converter a Deus Nosso Senhor de
todo o coração.
Sua Santidade, Bento XVI, eleva o Corpo de Cristo.
O triunfo da Igreja
Católica se dará no
mundo moderno.
Esse triunfo será a
vitória da Sagrada
Eucaristia, fonte de
graça aberta para o
mundo.
Por meio da Eucaristia
Deus multiplica
suas maravilhas
Minhas senhoras e meus senhores,
neste mundo moderno terrível, dá-se
o que sempre acontece quando se desafia
a Deus. Deus multiplica as maravilhas,
e, ao mesmo tempo em que
a iniquidade vai chegando ao seu auge,
nós notamos frutos admiráveis
da Sagrada Eucaristia, frutos da gra-
ça, frutos que dão no apostolado
um resultado incomparável.
Enquanto multidões caminham
para o prazer e para o vício,
enquanto multidões silenciam
diante do mal e se acovardam,
vão se tornando, por toda
parte, mais numerosas as almas
que, elevadas por um anelo
de perfeição absoluta, de ortodoxia
completa, de obediência
inteira à Igreja Católica, renunciam
a tudo, dispostas a tudo
enfrentar para afirmar apenas
a doutrina da Igreja.
Eu me lembro, neste momento,
da figura angélica de
Santa Maria Goretti. Nesta
época em que as praias são
tomadas pelo neopaganismo
que estadeia toda a corrupção
da civilização moderna, uma
virgenzinha entrega a sua vida
com toda a resolução para
não perder aquilo que tanto
ama: sua virgindade. Quando
se tem uma alma verdadeiramente
eucarística, aprende-se a
amar a virgindade como o dom mais
precioso da vida.
Santa Maria Goretti é um fato
culminante, será um fato único?
A Eucaristia faz de
frágeis crianças,
grandes heróis!
Eu me lembro, por fim, de um fato
impressionante, ocorrido atrás
da cortina de ferro, e noticiado pelo
“L’Osservatore Romano”.
Os comunistas tinham invadido
uma aldeia onde havia uma igreja
católica. Alguns meninos ouviram
dizer que, a horas tantas, eles iriam
entrar na igreja, arrombar o sacrário
e profanar as Sagradas Espécies.
Era noite, nevava, o luar brilhava
de modo admirável. A igreja estava
na solidão, e enquanto os fiéis
dormiam em suas casas, a agonia
se aproximava: o recinto sa-
25
Eco fidelíssimo da Igreja
Anônimo
grado vai ser assaltado. Nosso Senhor
estará sozinho neste “Horto
das Oliveiras”? Não, durante
a noite inteira, três meninos, que
pulam pela janela aberta, estão
dentro da igreja.
Quando os comunistas entraram,
uma das crianças tentou detê-los
inutilmente a caminho do
altar, e morreu massacrado. Outro
defendeu a mesa da Comunhão, e
morreu também. O terceiro pôsse
sobre o altar, cobrindo o sacrário
com o próprio peito. O que fizeram,
então, os bárbaros sacrílegos?
Mataram este sacrário vivo
antes de arrombar o sacrário de
ouro, tão menos precioso do que
aquele.
Por fim, apanharam as Sagradas
Espécies e as profanaram. O inferno,
certamente, exultou, mas muito
mais exultou o Céu pelo sangue
desses três pequenos mártires derramado
na igreja, de modo não menos
glorioso do que o dos mártires que
derramaram seu sangue na arena do
Coliseu.
T. Ring
Oração de Jesus no Horto das Oliveiras -
Catedral de Oviedo, Espanha.
26
Uma das maiores
vitórias de todos
os tempos
Aí está, como vedes, a ação da
Eucaristia no mundo moderno. No
momento em que a iniquidade está
chegando ao seu cúmulo, a graça
e a misericórdia chegam também ao
seu auge. À fortaleza do vício e do
mal, Deus opõe uma indômita fortaleza
do bem. O triunfo da Igreja Católica
se dará no mundo moderno.
Esse triunfo se dará certamente pelo
embate gigantesco entre as pequenas
forças do bem e as enormes forças
do mal, mas nós veremos talvez,
e, a meu ver, provavelmente nos próprios
dias em que existimos, nós veremos
este fato com que a Igreja há
de marcar uma das maiores vitórias
de todos os tempos, e essa vitória será
a vitória da Sagrada Eucaristia,
fonte de graça aberta para o mundo
por intermédio da intercessão de
Nossa Senhora que, rezando sempre
a Jesus Eucarístico, consegue para
nós as graças de que nós precisamos.
Enquanto os fiéis
dormiam em suas
casas, a agonia
se aproximava: o
recinto sagrado vai
ser assaltado. Nosso
Senhor estará sozinho
neste “Horto das
Oliveiras”?
A salvação vem
da Eucaristia, por
meio de Maria
O papel da Sagrada Eucaristia no
mundo moderno faz-me pensar em
Nossa Senhora. Como não se pode
falar em triunfos sem pensar em Maria
Santíssima — Ela é a Medianeira
necessária —, eu posso afirmar que
um dos mais preciosos dons concedidos
por Nosso Senhor, através da
Sagrada Eucaristia, é a devoção a
Nossa Senhora.
Esta devoção, tão característica e
radicada em nossa Terra de Santa
Cruz, há de salvar o Brasil. v
(Extraído de conferência
pronunciada na solene sessão da
Semana Eucarística de Campos dos
Goytacazes, em 23/4/1955)
27
O pensamento filosófico de Dr. Plinio
Contemplação e
transcendência
A partir do voo de um falcão, Dr. Plinio eleva
seus jovens ouvintes a cogitações metafísicas,
por meio de exercícios de transcendência.
Claustro da Catedral
de Narbonne, França.
28
Imaginemos uma caça
com falcão. A força
da ave está como que
condensada, acumulando capacidade
de voo, com vontade
de pegar algo; a agudeza de vista
percebe de longe o animal que
ela quer agarrar. Ele, então, alça voo
e parte com élan e coragem em busca
da presa, a fim de dominá-la e trazê-la
de volta.
Às vezes, ele voa para uma distância
enorme, que parece desproporcionada
com o tamanho de seu corpo;
seu voo é retilíneo, indicando
que no meio daquela ação — a qual
tem todas as aparências de perigosa
— o falcão não tem o menor medo.
E num só lance agarra com toda
a certeza a sua presa.
É bonito considerar como ele
vê, calcula bem e pega a presa em
movimento. Toda causa densa de
capacidade de ação é bela quando
age. E, nesse sentido, é bonito
contemplar no falcão a capacidade,
a plena pujança e vitalidade
proporcionadas aos meios
que ele possui para ir pegar
a sua presa.
O voo do falcão,
símbolo de
qualidades morais
A larga visão, que precede
a ação, e esta realizada
sem hesitar, nos dá a ideia de
uma série de qualidades morais
do homem. Em síntese,
o voo do falcão é belo porque
reporta à beleza das capacidades
condensadas no
homem.
Não é bela a alma de um
homem que vê de longe o adversário
e o discerne? E que,
no momento oportuno, sem
nenhuma vacilação, salta sobre
o inimigo, por meio de
uma proeza como a do falcão
cortando os espaços?
Anônimo
Todas estas coisas são metafisicamente
belas, porque ver a causa acumulada
que desfecha na ação, a ação
precedida do jogo da inteligência —
a vista do falcão é o símbolo da inteligência
aguda, que vê de longe, caracteriza,
segura —, é bonito.
A mais alta ação
praticável pelo homem
De outro lado, é belo sentir o ardor
belicoso desta ave, pois nos recorda
que a plenitude do homem
não consiste em trabalhar, mas em
lutar por um ideal: depois da oração,
esta é a mais alta ação praticável
pelo homem. E ver, efervescendo
no falcão, este nobre ardor de lutar,
de correr risco, acrescenta uma pulcritude
especial a esta beleza, já então
metafísica, da causa pronta para
produzir o efeito.
Determinação que
obedece à inteligência
O falcão, sendo um bicho, só tem
instintos, mas sua determinação é
uma imagem da vontade humana,
que obedece à inteligência. Ele vai e
realiza aquilo que sua vista mostrou.
Ataca o que deve atacar e, depois da
vitória conquistada, volta, fiel, para
junto de seu dono e come aquilo que
precisa comer. Quer dizer, está pacificado.
É nobre a tranquilidade do
homem que tem a sensação de
ter feito tudo quanto deveria
realizar com o pleno emprego
de todas as suas qualidades.
Ver a causa produzindo o
efeito; o efeito desenrolar-se
segundo as leis de sua própria
natureza até seu último extremo;
a forma de temperança
por onde a causa produz
todo o efeito desejado e nada
mais além; e, terminada a
ação, a causa encontra seu repouso
em si mesma; tudo isto
é metafisicamente, ontologicamente
belo.
A causa produzindo o
efeito, a ação que obedece
à inteligência, não são apenas
ideias abstratas, mas no
fundo imagens da Santíssima
Trindade. Quer dizer, são
coisas cuja beleza não é se-
29
O pensamento filosófico de Dr. Plinio
não um espelho da beleza
de Deus, que vamos ver por
todos os séculos dos séculos,
na glória celeste, se até
lá nos levar a mão misericordiosa
de Nossa Senhora,
como esperamos. Isto é propriamente
a beleza que contemplamos
no voo do falcão.
Cerimonial
e compenetração
Ora, assim como, analisando
o voo do falcão, percebemos
uma série de qualidades
morais do homem nele
simbolizadas, o cerimonial
dá ao homem a compenetração
das verdades e dos princípios
abstratos nele contidos.
O homem precisa olhar,
analisar os símbolos e meditar
sobre os mesmos; do contrário,
não existe possibilidade
de ele se compenetrar inteiramente.
Esta consideração simbólica
é uma verdadeira antevisão
do Céu. Porque o homem
no Paraíso verá Deus
face a face, mas aqui na Terra
M. Ferreira
ele O vê nos símbolos. E os símbolos
alimentam a inteligência e dão
uma espécie de estatura humana à
ideia abstrata.
Respondendo às seitas contrárias
ao culto externo, os livros de
Apologética afirmam que o símbolo
é necessário porque o homem
não tem apenas alma, mas também
corpo. Isto é dito de um modo
muito resumido; porém, tendo
o homem corpo, ele necessita
de símbolos para completarem
no seu espírito a ação dos princípios
e da doutrina. De tal maneira
que o homem fica uma espécie de
esqueleto se ele só tem doutrina e
não símbolos.
Santo Agostinho, apologista, conversando com
Santo Ambrósio (esquerda) e São Jerônimo (direita).
A contemplação católica
A vida na Idade Média era feita
de cerimoniais por esta razão.
Isto explica a simbologia medieval
e também algo da alma do católico e,
Pelo fato de possuir
corpo, o homem
necessita de símbolos
para completarem no
seu espírito a ação
dos princípios e da
doutrina.
portanto, de um membro de
nosso Movimento.
Se quisermos praticar a virtude
da presença de Deus, devemos
viver à procura de símbolos
adequados a Ele, que
nos falem à alma. E aprofundar
conforme expliquei, passando
do concreto para o abstrato.
Por exemplo, a “decisão”
do falcão ilustra a ideia de um
princípio moral, a coragem. E
daí chego até Deus, que possui
todas as perfeições de um
modo incriado. Ou seja, Ele é
a Perfeição.
Depois volto para o fato
concreto, e analiso-o como
símbolo, o qual me dá de um
modo meio misterioso uma
como que visão de Deus.
Deveríamos saber cuidar
da nossa alma, com jeito. Em
síntese, cada um de nós precisa
saber ver as coisas que lhe
toca, parar e se perguntar: Do
que gostei? Que valor moral
há nisto? Que fundamento
metafísico tem esse valor moral?
No que esse ponto metafísico
espelha a Deus? Depois
voltar para a coisa e analisá-la
com os olhos armados assim.
Desse modo se forma o varão
contemplativo, verdadeiramente católico.
Nadando nas águas
da Metafísica
Se alguém me dissesse “Dr. Plinio,
não estou adestrado a fazer tudo isto”,
eu lhe responderia: “Meu caro,
se essa dificuldade fosse intransponível,
ninguém conseguiria, por exemplo,
nadar, porque de início afirmaria
que não está adestrado.”
Há um provérbio alemão que diz
“Aller Anfang ist schwer — Todo começo
é dificultoso”. Assim também,
começar estas coisas é difícil, mas
30
G. Kralj
Interior da Cúpula da Basílica de São Pedro, Roma.
vale a pena; o prêmio é o mais alto
que na Terra se pode obter.
Outro poderia objetar: “Mas eu
não sei chegar até o metafísico.”
Se os que estão presentes neste auditório
tentarem seriamente, faremos
aqui algumas esplêndidas reuniões,
porque nada é mais grato do
que conversar a fim de introduzir
nas pradarias das concepções metafísicas
as almas desejosas de possuílas.
Meus ouvintes apresentarão mil
fatos concretos, farão perguntas, que
poderei responder.
Um terceiro me dirá: “Dr. Plinio,
preciso pensar em muitas coisas, e
por isto não tenho tempo de cogitar
nisto.”
Respondo-lhe: “Meu caro, pense
nesta, que haverá tempo para pensar
nas outras coisas.” Realmente,
o problema da maior parte dos que
estamos aqui não é a falta de tempo
para pensar, mas a falta de pensar
para o tempo que temos.
O agradável diapasão
da transcendência
Nada é mais agradável do que viver
neste diapasão. Por qualquer lugar
em que passemos, tudo oferece
um lado por onde é agradável ou detestável,
e admiramos ou execramos.
Se analisássemos as coisas conforme
expliquei, nossa vida adquiriria outra
dimensão. Não teríamos de nenhum
modo um outro sentido, mas
seria como que um sexto sentido, o
qual nos introduziria no mundo do
maravilhoso.
Assim como,
analisando o
voo do falcão,
percebemos uma
série de qualidades
morais do homem
nele simbolizadas,
o cerimonial
dá ao homem a
compenetração
das verdades e dos
princípios abstratos
nele contidos.
Lembro-me de que certa vez fiz,
com três ou quatro membros de nosso
Movimento, um passeio a pé na
cidade de Amparo 1 , a qual tem algo
de tradicional, e fui lhes mostrando
algumas coisas interessantes.
Por exemplo, certas portas antigas
de madeira; o artista, em vez de
pôr as traves superiores paralelas ao
chão, colocou-as oblíquas, de maneira
a se encontrarem constituindo um
vértice. Tais portas eram tão bonitas
que tive a ideia de comprá-las.
Então, é interessante parar, relacionar
essas portas com o estilo imperial
francês e pensar nos faustos
da Europa do tempo de Metternich 2 ,
e não de Napoleão.
Sempre que vou a Amparo, procuro
olhar essas portas. Porque
além delas há alguma coisa de moral;
por detrás do aspecto moral
existe o metafísico, e acima do metafísico
uma consideração de ordem
religiosa.
Essas considerações servem-nos
sobremaneira para meditar a respeito
da Pessoa de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Pretendo comentar meditações
de Santo Inácio, o qual utiliza
esse sistema ao máximo, através da
composição de lugar, etc., para compreendermos
o valor destas coisas na
verdadeira meditação católica. Os
membros de nosso Movimento devem
ser sumamente meditativos neste
sentido, para abrirem as portas
desta supervida e depois as portas do
Céu.
v
(Extraído de conferência
de 10/8/1973)
1) Situada no interior do Estado de São
Paulo.
2) Metternich, diplomata e estadista
austríaco. É considerado a mais importante
figura nas negociações do
Congresso de Viena. (1773-1859)
31
Luzes da Civilização Cristã
Obra-prima da Inocência
Nascida de um conjunto de circunstâncias e, sobretudo,
de graças especiais, a Sainte Chapelle não foi concebida
apenas por um artista, mas por um ambiente e um
modo de ser que caracterizou a alma medieval.
Fotos: P. Mikio / L. Werner / Anônimo
32
L
embro-me de quando, há muitos
anos atrás, visitei por primeira
vez a Sainte Chapelle,
edificada por São Luís Rei a fim de
abrigar uma preciosa relíquia: espinhos
da coroa de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Ao entrar, fiquei encantado!
O recinto sagrado possuía dois
patamares, sendo o inferior reservado
aos servidores e empregados da
corte.
Zeloso pelo bem espiritual de
seus súditos, o Rei se comprazia em
assistir à Santa Missa em presença
de todos eles. Celebrava-se, então,
o Santo Sacrifício na parte superior
da capela para a corte, e, concomitantemente,
na inferior para
os criados.
Chamaram-me a atenção as proporções
da parte inferior, que são inteiramente
diversas do que encontramos
habitualmente. Quando nos
indagamos se o ambiente é alto, logo
chegamos a uma conclusão negativa;
porém, se nos perguntamos se ele é
baixo, percebemos que tal afirmação
seria exagerada. Esse ambiente
possui uma proporção especial para
quem nele se detenha a rezar, que
poderia ser definido assim: um ambiente
elevado, porém muito íntimo,
como que o mais íntimo gabinete de
Deus, ou sua mais interna sala. Esta
atmosfera produz na alma uma perspectiva
que concilia a elevação com
a intimidade.
Como se consegue produzir essa
sensação? É possível notar que todas
as colunas são muito esguias e tênues,
não demonstrando força rústica.
Elas desabrocham como palmeiras,
cujas folhas se encontram no teto.
Abrem-se de modo tão harmonioso,
gradual e perfeito, que causam
a impressão de que o teto está a
uma grande altura, onde acabam as
folhas das palmeiras, ao mesmo tempo
em que esta altura pode ser alcançada
pelo homem. Fica-se assim
misteriosamente elevado. Na intimidade
sente-se uma grande elevação,
e na elevação uma grande intimidade.
O homem mede toda a grandeza
de Deus, mas se sente atraído até
Deus. Afetuosamente e carinhosamente
elevado.
33
Luzes da Civilização Cristã
Doce e suave penumbra
Ao subir ao andar superior, vemos
que a iluminação do ambiente
emana dos belos vitrais, de tal forma
que uma doce e suave penumbra era
o elemento dominante desse recinto.
Havia um presbitério com o altar para
as celebrações litúrgicas, e as naves
laterais onde permaneciam os fiéis.
O ambiente fora feito para receber
muitas pessoas em um pequeno
espaço, ou ao menos causar a idéia
de que o local era pequeno.
Porém o conjunto
era melhor...
As ogivas exercem o seu incomparável
fascínio sobre os espíritos. Nota-se
como são belas; entretanto, vistas
em conjunto, são mais bonitas do
que cada uma em particular, à semelhança
da Escritura quando diz que
Deus, ao criar o universo, repousou
no sétimo dia, considerando a obra
que tinha realizado. E que se Lhe
tornou patente que cada coisa era
bela, entretanto o conjunto era superior
a cada coisa em particular. Bem
se pode aplicar esse princípio à Sainte
Chapelle. Todas as colunas são belas,
as pinturas as tornam ainda mais
belas, mas o conjunto é muito superior
a tudo. O mais belo é o conjunto.
Toda a leveza, delicadeza e elevação
da Sainte Chapelle fazem-se notar
não apenas no teto ou na torre,
mas também num detalhe: um florão,
no qual pousou um anjo. A figura
do anjo está numa tal proporção
com o florão, que se diria que,
ao menor movimento dele, o florão
vergava e ele perderia o equilíbrio.
A imagem de São Luís proporciona uma ideia de como foi
esse santo rei. Vê-se nele, não a majestade de um rei agressor
e anexador de terras que não lhe pertencem, mas de um
monarca defensor, firme e tranquilo de seus direitos.
Fotos: P. Mikio / L. Werner
É semelhante a um pássaro que pousasse
sobre uma flor
O ângulo formado por ambas as
partes das ogivas causam a impressão
de que o teto está apertado. Entretanto,
essa forma esguia aumenta
o efeito de leveza. Pois quanto mais
o teto é espaçoso, tanto mais causa
a impressão de rude, enquanto que,
tanto mais estreito, maior é a impressão
de que vai atirar-se ao céu.
Também a torre do campanário é como
um gráfico do desejo do homem
medieval de subir até Deus. O próprio
colorido do céu aumenta a beleza
da Sainte Chapelle, pois ela seria
mais bonita imaginada no meio das
nuvens e construída no céu, do que
nesse vale de lágrimas.
Monarca guerreiro
para um reino de paz
A imagem de São Luís proporciona
uma ideia real do que poderia ter
sido esse santo rei. Vê-se nele uma
indiscutível majestade real. Não a
majestade de um rei agressor e anexador
de terras que não lhe pertencem,
mas de um monarca defensor,
firme e tranquilo de seus direitos, seguro
de terras que recebeu e sobre
as quais tem o direito de mandar.
Um rei guerreiro, que combate se
necessário, por ser o seu dever, para
manter a integridade do seu reino.
Sua fisionomia traduz uma determinação
e uma decisão admiráveis.
A atitude e a fisionomia de São
Luís causam a impressão de calma,
segurança, e de uma determinação
a qualquer extremo, no caso de
ter de lutar, que demonstram bem
o rei cruzado e batalhador que teve
guerras para sustentar, mas que soube
orientar essas guerras de tal modo
que não só saiu-se vitorioso, mas
proporcionou a seu povo um reinado
de paz.
O irrealizável feito
realidade
Poder-se-ia afirmar que a Sainte
Chapelle é feita de vitral, de tal forma
o que há de pedra é o estrito necessário
para sustentar os vitrais e
escorar o teto. O restante é todo feito
de cristal ou de vidro tão bem trabalhado
na diversidade de cores, na
precisão dos desenhos e na elegância
das formas, que chega a tocar no inimaginável.
Ao entrar nessa capela, tem-se a
impressão de que o irrealizável tornou-se
realidade, e o que surge à
mente é a seguinte idéia: “Não pensava
que fosse possível, com os elementos
desta terra, realizar uma coisa
tão semelhante ao Céu.” Realmente,
isso se tornou possível devido
à Fé.
Caso esse edifício não fosse concebido
por almas elevadas à vida sobrenatural
pela graça — remidas e
resgatadas pelo sangue preciosíssimo
de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que lhes abriu as portas do Céu
e lhes infundiu a abundância da graça
—, e construído em séculos de Fé,
por sua própria capacidade o homem
jamais cogitaria uma maravilha
como essa.
Extraordinária inocência
A Sainte Chapelle deixa entrever
uma extraordinária inocência de alma,
o que permitiria chamá-la a Capela
da Inocência. Para conceber algo
assim, a alma precisa ser profundamente
inocente. A Sainte Chapelle
é a obra-prima da temperança, nela
tudo é lindo, magnífico e arrebatador.
Porém, com um equilíbrio que
permite à inocência atingir o auge de
seu entusiasmo. Auge sereno, calmo,
refletido, o qual frutifica em meditação
e contemplação. v
(Extraído de conferência
de 12/4/1989)
35
Mãe
também dos
pecadores
ÓDeus, infinitamente bom e justo,
tendes o direito de estar irado
contra mim, que tanta ofensa Vos fiz.
Entretanto, vossa Mãe é também a
minha, e Ela conserva para comigo
solicitudes, cuidados e paciências que
todas as verdadeiras mães têm para
com seus filhos. E nesta incansável
misericórdia de Maria, tenho eu posto
todas as minhas esperanças. Sede, pois,
ó Senhor, paciente para comigo, porque
assim o é vossa Santíssima Mãe!
(Extraído de conferência de 22/4/1992)
G. Kralj
A Virgem Maria e seu Divino
Filho - Metropolitan Museum,
Nova York (Estados Unidos).