17.10.2016 Views

Revista Dr. Plinio 93

Dezembro de 2005

Dezembro de 2005

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Mistério de glória<br />

e humildade


Como diz muito bem o Abade<br />

Dom Guéranger, “São<br />

João Evangelista era parente<br />

de Nosso Senhor segundo<br />

a carne, e enquanto outros foram<br />

Apóstolos e discípulos, ele<br />

foi amigo do Filho de Deus”, a<br />

quem Jesus tributava um sentimento<br />

mais próximo e íntimo<br />

que aos demais.<br />

Na última Ceia, São João reclinou-se<br />

sobre o peito do Mestre<br />

e ouviu as pulsações do Sagrado<br />

Coração: naquele instante, pulsações<br />

de amor, mas também<br />

de dor e angústia, diante dos<br />

abismos de sofrimentos que<br />

d’Ele se acercavam.<br />

Alma eminentemente<br />

virgem e unida a Nosso<br />

Senhor, predileta e devota<br />

do Sagrado Coração<br />

de Jesus, São João mereceu<br />

como recompensa<br />

um tesouro sem preço:<br />

aos pés da Cruz, recebeu<br />

por Mãe a própria Mãe<br />

do Redentor, Maria<br />

Santíssima. Mais<br />

do que isto, abaixo<br />

d’Ele, Deus não lhe<br />

poderia dar...<br />

S. Hollmann<br />

São João Evangelista<br />

Museu do Louvre, Paris


Sumário<br />

Mistério de glória<br />

e humildade<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Jornalista Responsável:<br />

Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Marcos Ribeiro Dantas<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Na capa,<br />

“Natal”, afresco<br />

do Mosteiro de<br />

Subiaco, Itália<br />

Editorial<br />

4 Mistério de glória e humildade<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 13 de dezembro de 1968:<br />

Ardoroso convite à vocação<br />

Dona Lucilia<br />

6 Viagens à Capital e<br />

ao campo<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

10 A escada das escadas<br />

“R-CR” em perguntas e respostas<br />

14 Cultura e civilização católica<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6606-2409<br />

Preços da assinatura anual<br />

Dezembro de 2005<br />

Comum. . . . . . . . . . . . . . R$ 85,00<br />

Colaborador.. . . . . . . . . . R$ 120,00<br />

Propulsor. . . . . . . . . . . . . R$ 240,00<br />

Grande Propulsor. . . . . . R$ 400,00<br />

Exemplar avulso.. . . . . . . R$ 11,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />

16 Calendário litúrgico<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

18 Reflexões do<br />

Divino Infante<br />

O Santo do mês<br />

22 Santo Elói: Ourives,<br />

ecônomo e apóstolo perfeito<br />

A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

26 A conversa perfeita<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

32 Intimidade cerimoniosa<br />

Última página<br />

36 Síntese esplendorosa


Editorial<br />

Mistério de glória e humildade<br />

Conforme observava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o Natal, por sua natureza, “é uma festa diferente das celebrações<br />

da Páscoa, pois não exalta a vitória do Homem-Deus sobre o demônio e a morte, mas é o<br />

primeiro passo — quão humilde, quão velado, quão discreto — que o Rei glorioso haveria de<br />

encetar nos caminhos de sua dor, de sua luta, de seu triunfo.<br />

“Primeiro passo o mais elementar, pobre e indigente que imaginar se possa.<br />

“Um casal posto em triste situação, considerada a ordem humana dos valores: Nossa Senhora na<br />

difícil posição de mãe prestes a dar à luz, montada num burrico, acompanhada por seu esposo, São<br />

José, modesto carpinteiro, desconhecido príncipe de uma Casa de David relegada à decadência. Ambos<br />

procuram hospedagem em Belém, sem encontrar quem os acolha. Não tendo onde ficar, vão para<br />

as montanhas vizinhas, para as grutas que servem de abrigo aos animais. E assim, no interior desse<br />

rude refúgio, na mais estrita intimidade, dá-se o fato mais importante da História: o Filho de Deus<br />

feito carne no seio puríssimo de Nossa Senhora vem ao mundo.<br />

“Compreende-se, então, como a alegria do Natal é feita de contrastes. Uma grande intimidade,<br />

uma grande miséria, mas uma grande elevação. No meio da pobreza extrema, a maior riqueza do<br />

universo, o Filho do Onipotente reclinado em tosca manjedoura. O Rei da eterna glória ali está, e<br />

ninguém o vê, ninguém lhe dá valor, senão aquele venturoso casal. Glória representada no estado de<br />

um Menino débil, frágil, que chora, sente fome e estende seus tenros braços para a Mãe.<br />

“Contraste de esplendor e abatimento! Festejado e adorado nos Céus por toda a coorte de anjos<br />

que O louvam num concerto magnífico e O celebram com brilho incomparável, o nascimento do Salvador<br />

acontece na Terra de modo tão apagado e despercebido do resto dos homens! Do resto, sim,<br />

à exceção da alma que vale mais que todas as almas abaixo da d’Ele, Nossa Senhora, reclinada e rezando<br />

ao seu Deus e Filho; à exceção do homem a quem estava reservada a honra de ser o pai adotivo<br />

do Unigênito do Altíssimo.<br />

“É, portanto, sob um invólucro de miséria e de pobreza que nasce a maior de todas as glórias. Nasce<br />

à meia-noite, num lugar ermo daquelas vastidões do mundo antigo. Ao redor, apenas o silêncio, o<br />

abandono, o profundo repouso, tudo imerso nas penumbras noturnas. Dentro daquela gruta, aquele<br />

casal único, sob as coruscações de uma pequena fogueira, deitando luz suficiente para se ver o que ali<br />

se passava. E havia o Menino que era o Senhor de todos os séculos, o próprio Deus encarnado.<br />

“A contemplação de tal cena nos move ao recolhimento e à quietude, como o Natal se deu na quietude<br />

e no recolhimento. Leva-nos a sentir em nosso interior as alegrias do advento de Jesus, mais do<br />

que a desejar proclamá-las a grandes sons. Infunde-nos um misto de reverência enternecida de quem<br />

toca tão altos mistérios, de quem não sabe agradecer a honra desmedida de partilhar a natureza humana<br />

com o Criador, e uma espécie de pena, de comiseração de Deus, porque Deus consentiu em fazer-se<br />

tão pequeno...<br />

“Um respeito tão grande que chega ao temor, uma ternura tão profunda que quase nos desmancha<br />

a alma. Suma veneração, suma adoração, sumo carinho. Suprema glória, perto da qual não se é<br />

nada; suprema humilhação, perto da qual se é tudo.<br />

“É a alegria do Natal, tão delicada que teme se expandir inteiramente, com receio de perder a sua doçura<br />

e intimidade. É a luz natalina, tão discreta que aguarda a meia-noite para refulgir dentro dela...”<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.


Datas na vida de um cruzado<br />

13 de dezembro de 1968<br />

Ardoroso convite à vocação<br />

Ao completar 60 anos, emocionado pelas<br />

homenagens de que foi objeto da parte<br />

de seus filhos espirituais, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> as retribuiu<br />

com palavras de entusiasmo pela vocação à<br />

qual foram todos chamados, assim como pela causa<br />

da Santa Igreja Católica Apostólica Romana,<br />

por ele abraçada desde a mais tenra infância:<br />

“Que ensinamento deveria eu enunciar nesta<br />

noite, capaz de vos tocar; de pôr em movimento as<br />

vossas almas, desejosas não só de andar, mas de<br />

correr; e não apenas correr, mas voar, a fim de implantar<br />

o Reino de Maria?<br />

“Reporto-me às minhas recordações do meu<br />

tempo de menino, tão vivas para mim, e me lembro<br />

de meu primeiro choque com a impureza, e o<br />

contraste que se estabeleceu no meu espírito entre<br />

a pureza e aquele vício. E nesse confronto, sentia<br />

vibrar em minha alma todo um universo feito de<br />

qualidades, que afirma o ser sobre o não ser, a ordem<br />

sobre a desordem, a categoria sobre o que não<br />

tem categoria e, embevecido, considera uma série<br />

de categorias que vão se quintessenciando umas<br />

às outras, subindo, galgando continuamente até o<br />

mais alto, até um ápice, a categoria das categorias,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aos 60 anos<br />

a perfeição das perfeições, a classe das classes, a<br />

distinção das distinções, majestosa, grandiosa, régia,<br />

mas ao mesmo tempo tão suave, tão amena,<br />

tão acolhedora, tão desejosa de conter tudo em<br />

seus braços, tão cheia de atração...<br />

“Em função desse universo eu percebi que a Santa<br />

Igreja Católica Apostólica Romana é a verdadeira<br />

Igreja de Deus. Lembro-me do enlevo que tive quando<br />

tomei conhecimento da infalibilidade papal; do<br />

entusiasmo que senti quando, aos poucos, saindo<br />

das brumas da infância, fui percebendo os lineamentos<br />

da Igreja Católica, compreendendo a liturgia,<br />

a organização da Igreja, a Sagrada Hierarquia,<br />

a Civilização Cristã, os séculos do passado.<br />

“Meus caros, nos primórdios da vocação de cada<br />

um dos senhores, em todos eu vi um traço, um<br />

brilho, uma espécie de consideração inicial de todo<br />

esse universo de maravilhas. Isto que será a<br />

glória do Reino de Maria, nos olhos de todos vós<br />

cintilou, em determinado momento a todos vós<br />

atraiu, a todos vós chamou.<br />

“Então, na noite de hoje, meu olhar se volta para<br />

Nossa Senhora, e penso naquela frase d’Ela,<br />

pronunciada em Fátima: ‘Por fim, o meu Imaculado<br />

Coração triunfará’. Não será que o primeiro<br />

triunfo do Imaculado Coração de Maria se dará<br />

no interior de nossas almas? Não será neste que,<br />

antes de qualquer outro lugar, Nossa Senhora entrará,<br />

calcando aos pés e destruindo uma série de<br />

defeitos, e fará brilhar inteiramente essa luz em<br />

nós, no esplendor de nossa vocação?<br />

“Essa restauração fará de nós os homens mais<br />

intransigentes, mais combativos, os homens de<br />

maior iniciativa, mais inflexíveis, mais capazes de<br />

sofrer que houve em toda a história da humanidade.<br />

Homens que sejam tochas, homens que sejam<br />

anjos para restabelecer a Civilização Cristã. Homens<br />

que sejam tais que do brilho da personalidade<br />

deles brote finalmente o brilho do Reino de Maria,<br />

perto do qual o da Idade Média não foi senão<br />

um esboço.<br />

“É o que, de todo o coração, eu vos desejo; e<br />

para vós, como para mim mesmo, genuflexo em<br />

espírito, peço a Nossa Senhora do Bom Conselho<br />

de Genazzano, ao Sapiencial e Imaculado Coração<br />

de Maria, a Nossa Senhora Auxiliadora dos<br />

Cristãos.” <br />

v


Dona Lucilia<br />

Viagens à Capital<br />

e ao campo<br />

Embora Pirassununga estivesse<br />

experimentado um crescimento<br />

realmente digno de<br />

nota, e já se pudesse encontrar, nas<br />

numerosas casas de comércio, todo o<br />

necessário para a vida diária, os Ribeiro<br />

dos Santos se habituaram a visitar<br />

a Capital, não só para rever os<br />

parentes, mas também para comprar<br />

objetos finos e importados.<br />

Pescarias e passeios<br />

de landau<br />

Era encantador o modo como Dª<br />

Lucilia, mesmo na extrema ancianidade,<br />

narrava com luminosa memória<br />

os múltiplos detalhes das viagens<br />

da família a São Paulo: “Mamãe planejava<br />

com muito cuidado cada ida<br />

à capital da província. Tudo era muito<br />

bem feito. Havia umas canastras<br />

de vime, fechadas, nas quais eram colocados<br />

os alimentos, especialmente<br />

preparados para o percurso.”<br />

O caminho para a estação, as despedidas,<br />

os vagões, muito bem-arrumados,<br />

o pitoresco trajeto e, finalmente,<br />

a chegada à Capital, tudo nos<br />

lábios de Dª Lucilia se tornava como<br />

que feérico e legendário. Tudo narrava<br />

de modo tão leve e cativante,<br />

que o ouvinte se sentia viajando com<br />

ela. Era impossível à imaginação se<br />

recusar a compor as cenas tão maravilhosamente<br />

descritas.<br />

Em São Paulo, Dª Gabriela nunca<br />

deixava de visitar o Convento da<br />

Luz, levando a filha pequena. As<br />

freiras abriam um pouco a cortina<br />

do locutório para ver a menina, conversar<br />

com ela e dar-lhe doces e outros<br />

presentes. Lucilia ficava muito<br />

agradecida e, assim como aconteceu<br />

com sua mãe, teceram-se entre ela<br />

e o convento liames de afeição que<br />

perdurariam por toda a vida.<br />

Também marcaram suas idas a<br />

São Paulo as visitas que fazia à casa<br />

de um parente, o <strong>Dr</strong>. Clemente Falcão,<br />

no Vale do Anhangabaú. Para<br />

quem conhece esse lugar tal como<br />

é hoje — todo de concreto e asfalto,<br />

perfurado por túneis, atravessado


As viagens de Dona Lucilia, quando menina, à capital<br />

paulista ficaram gravadas de modo indelével em<br />

sua lembrança. Mesmo aos 92 anos, ainda as descrevia<br />

com comprazimento e riqueza de detalhes<br />

Acima, a antiga Várzea do Carmo; à direita, o <strong>Dr</strong>. Clemente<br />

Falcão; na página anterior, o Convento da Luz<br />

por viadutos, coalhado de edifícios,<br />

imerso em poluição, ruídos, correria,<br />

multidões — talvez não seja fácil<br />

conceber que, há pouco mais de cem<br />

anos, ele guardava ainda ares bucólicos.<br />

No meio do vale, por entre a<br />

verdejante vegetação, serpeava um<br />

piscoso riacho, que acolhia em suas<br />

margens grupos de lavadeiras.<br />

Para Lucilia, porém, o entretenimento<br />

predileto era o de pescar lambaris<br />

no riacho, diversão a que podia<br />

se entregar quando das visitas ao<br />

mencionado parente, cuja vistosa residência<br />

ficava junto a uma das extremidades<br />

do viaduto do Chá. Não<br />

era esta, entretanto, sua única distração<br />

ao ar livre.<br />

Os passeios da família, em elegantes<br />

e confortáveis carruagens conversíveis,<br />

do tipo landau, com a capota<br />

abaixada nos dias de tempo bom, levavam-na<br />

também a distantes recantos<br />

da “São Paulinho”, freqüentados<br />

por pessoas da sociedade, curiosas<br />

em verificar o crescimento da Capital.<br />

Lucilia nunca se esquecerá, por<br />

exemplo, das idas às obras do Museu<br />

do Ipiranga, que lhe deram ocasião<br />

de brincar, muito mocinha ainda,<br />

junto aos alicerces da famosa e<br />

monumental construção.<br />

Para se avaliar até que ponto o<br />

modo de viver em São Paulo era<br />

tranqüilo e pitoresco, houve tempo<br />

em que — contava Dª Lucilia —<br />

de acordo com os caprichos de exótica<br />

moda, as damas da sociedade enviavam<br />

as criadas, à noite, à Várzea<br />

do Carmo, para apanhar vaga-lumes,<br />

que iriam enfeitar seus elaborados<br />

penteados...<br />

Dentre os fatos ocorridos nessas<br />

viagens a São Paulo, destaca-se, por<br />

seu inusitado, o que a seguir se narrará.


Dona Lucilia<br />

Tenra menina temida<br />

pelo demônio<br />

A inocência de Lucilia, tão zelosamente<br />

conservada, incluía não apenas<br />

uma bondade sem par, mas a incompatibilidade<br />

com o mal, como<br />

nos atesta um episódio dos mais interessantes<br />

da sua infância, contado<br />

por um familiar.<br />

Em fins do século XIX estavam<br />

em voga, em determinados círculos<br />

da alta sociedade, certas práticas<br />

de espiritismo. As pessoas adictas a<br />

tal costume reuniam-se em torno de<br />

uma mesa para consultar entes do<br />

outro mundo. Um dia em que Lucilia<br />

fora levada em visita à casa de uns<br />

parentes, na Capital, coincidiu realizar-se<br />

ali uma dessas sessões.<br />

No salão escolhido para o encontro,<br />

achava-se ela por acaso, brincando<br />

despreocupadamente num dos<br />

cantos. Os participantes do ato presenciavam<br />

em torno da mesa aos<br />

inúteis esforços de um famoso “médium”,<br />

a implorar ao espírito que<br />

baixasse. Depois de muita insistência,<br />

o demônio resmungou pela voz<br />

do esgotado bruxo:<br />

— Tirem a bobinha da Lucilia daqui...<br />

O fato se repetiu várias vezes,<br />

noutras circunstâncias. Por sua índole<br />

passou ele para a história da família.<br />

Ao longo da vida de Dª Lucilia,<br />

diversas outras manifestações de desagrado<br />

dos espíritos infernais se farão<br />

presentes.<br />

Em Santo Antônio<br />

das Palmeiras<br />

Além das viagens a São Paulo, algo<br />

mais havia que encantava e distraía<br />

a pequena Lucilia: os passeios<br />

à fazenda de seu pai.<br />

Em 1877 <strong>Dr</strong>. Antônio separou a<br />

parte que possuía, com Dª Gabriela,<br />

na fazenda das Taipas do Morro<br />

Grande, dando-lhe o nome de Santo


Na página anterior e nesta: Casa<br />

Principal e Capelinha da Fazenda<br />

Santo Antônio das Palmeiras,<br />

outrora e nos dias de hoje<br />

Antônio das Palmeiras. Esta área estende-se<br />

do alto da Serra do Atalaia<br />

— de cujo cimo, a 1042 metros de altitude,<br />

pode-se descortinar vasta e<br />

lindíssima paisagem — até um vale<br />

no qual corre um cristalino riacho.<br />

Próximo a este, surde a única fonte<br />

de água mineral da região.<br />

Desde criança, Lucilia gostava de<br />

admirar os belos panoramas, apreciando<br />

muito a vida do campo. Mas,<br />

não faltavam ali, a contrastar, aspectos<br />

desoladores, que ela não omitirá<br />

nas descrições feitas mais tarde. Por<br />

exemplo, o triste desfile dos escravos<br />

diante do feitor, no fim do dia, junto<br />

à escada de acesso à casa principal.<br />

Quando <strong>Dr</strong>. Antônio estava presente,<br />

pediam-lhe a bênção, dizendo<br />

no seu dialeto peculiar: Sus Cris, que<br />

queria dizer “louvado seja Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo”.<br />

O cair da noite sobre a mata cerrada,<br />

ao som daquele melancólico<br />

Sus Cris e do canto de alguma cigarra,<br />

tinha um ar de desolação que, para<br />

Lucilia, se acentuava ainda mais<br />

quando ela percebia estar algum escravo<br />

sendo castigado. Geralmente,<br />

aliás, por ele logo intercedia... <br />

(Transcrito, com adaptações,<br />

da obra “Dona Lucilia”,<br />

de João S. Clá Dias)


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

A escada das escadas<br />

Encerrando com fecho de ouro seus comentários a diversas<br />

escadas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se refere com enlevo àquela por ele<br />

considerada arquetípica: a Scala Santa de Roma. Erguida<br />

no antigo pretório de Pilatos, em Jerusalém, Nosso Senhor<br />

a subiu e desceu na Sexta-Feira Santa, e do alto dela,<br />

chagado e coroado de espinhos, foi apresentado ao povo<br />

sob o anúncio de “Ecce Homo!” .<br />

Analisamos nas exposições anteriores como a<br />

construção de uma escada deve se orientar no<br />

sentido de fazer desta um ornato para a ação de<br />

subir e descer, seja do homem, seja da mulher, impondo-lhes<br />

a arte de realizá-la. É uma forma de dignificar a<br />

natureza humana, inclusive nos seus atos mais corriqueiros.<br />

O mais esplendoroso subir de escada<br />

Passemos, agora, ao ponto pinacular dessas cogitações.<br />

Qual foi o personagem que com mais nobreza e esplendor<br />

subiu a rampa, a escada, a montanha mais majestosa<br />

da História?<br />

Trata-se de um perseguido, humilhado, desprezado,<br />

fustigado, coberto de feridas do alto da cabeça à planta<br />

dos pés, condenado à morte, diante de cujo nome todo<br />

joelho deve dobrar-se: Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Tudo o que Ele fazia era infinitamente nobre, mesmo<br />

nas situações mais próprias a significar opróbrio, repúdio<br />

e humilhação. Em sua natureza humana aliava uma simplicidade<br />

e uma magnificência insondáveis. Jamais houve<br />

alguém que se comparasse a Ele em humildade e nobreza.<br />

10


A Scala Santa, em<br />

Roma; e o “Ecce<br />

Homo”, Catedral de<br />

Huesca (Espanha)<br />

Fotos: S. Hollmann / R. C. Branco<br />

11


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

S. Hollmann<br />

Podemos imaginá-Lo em diversas ascensões. Por<br />

exemplo, escalando com os três Apóstolos o Monte Tabor,<br />

em cujo cimo haveria de se transfigurar. A cada passo<br />

Ele se tornava misteriosamente mais glorioso, e irradiava<br />

seu esplendor para os discípulos os quais, atônitos,<br />

encantados, mudos de admiração, acompanhavam seu<br />

Mestre.<br />

Podemos vê-Lo galgando a escada do Pretório de Pilatos.<br />

O Redentor, digno, afirmativo, seguro de si, fitando<br />

o ímpio governador com a tristeza de um pai, mas ao<br />

mesmo tempo com a majestade de um Deus.<br />

Para o alto, rumo ao supremo sacrifício<br />

Ou ainda O contemplarmos — que sublimidade! —<br />

vencendo as encostas do Calvário com a cruz às costas.<br />

Desfigurado, triturado como um verme, sem se deixar<br />

abater pelas três quedas, subia, subia, subia rumo ao sacrifício<br />

supremo para redimir os homens.<br />

Quem O acompanhava?<br />

Simão de Cirene, por certo sumido em adorações que<br />

ateavam fogo em sua alma. Provavelmente, sentia ele receber<br />

do Céu uma disposição particular para servir de socorro<br />

ao Cordeiro de Deus naquele momento. E percebia<br />

então que, enquanto prestava auxílio a Jesus, o próprio<br />

Nosso Senhor o ajudava a carregar o peso do madeiro.<br />

Seguiam-No também as santas mulheres, as quais, devido<br />

à dilaceração da dor, não se sabe até que ponto percebiam<br />

a majestade da cena. Porém, entre elas se achava<br />

uma, incomparavelmente superior às demais, que compreendia<br />

e admirava não só o sacrifício, mas igualmente a<br />

glória e o esplendor daquela subida. Era Nossa<br />

Senhora. Conhecia a majestade do próprio<br />

Filho e O adorava. Ela, a mãe do Rei, via-O<br />

caminhar para algo de infinitamente mais alto<br />

que o trono...<br />

Como é nobre um monarca galgar os três<br />

ou quatro degraus que o conduzem a seu régio<br />

assento. Contudo, como é mais glorioso, a<br />

perder de vista, o Homem-Deus subir o Calvário,<br />

levando a cruz na qual deveria morrer<br />

por nós! Não é capaz de ter idéia da verdadeira<br />

nobreza, nem a noção global da Paixão,<br />

quem não compreender a majestade de Nosso<br />

Senhor subindo o Gólgota.<br />

Desfigurado e<br />

triturado como<br />

um verme,<br />

levando a<br />

cruz às costas,<br />

Nosso Senhor<br />

subiu o monte<br />

Calvário com<br />

nobreza e glória<br />

incomparáveis<br />

“O caminho do Calvário” -<br />

Museu do Louvre, Paris<br />

12


Fotos: T. Ring<br />

Os fiéis galgam de joelhos os<br />

degraus que os pés divinos,<br />

chagados, subiram por<br />

amor a nós<br />

À direita, um dos óculos através dos<br />

quais se pode venerar as relíquias do<br />

preciosíssimo sangue na Scala Santa<br />

A Scala Santa: simples e inigualável<br />

Por essa razão, a escada mais nobre que conheci, a<br />

qual não galguei de pé, mas de joelhos, foi a Scala Santa,<br />

em Roma. Transportada de Jerusalém, onde Nosso Senhor<br />

a subiu durante a sua Paixão, é uma escada construída<br />

em mármore comum, sem maiores requintes. Os cuidados<br />

por sua preservação determinaram que fosse recoberta<br />

de madeira, evitando-se assim que a ascensão dos<br />

incontáveis peregrinos a desgastasse.<br />

Em cada local onde caíram gotas do preciosíssimo<br />

sangue de Jesus, há um óculo com revestimento transparente:<br />

o fiel pode osculá-los, recitar suas orações e depois<br />

continuar, de joelhos, o caminho que os pés divinos,<br />

chagados, feridos, machucados — e em seguida perfurados<br />

na crucifixão — subiram por amor a nós.<br />

Embora seja simples, sem ornatos, é a escada das escadas.<br />

Comparada com ela, as outras nada são. Falamnos<br />

de beleza, de nobreza, de dignidade humana, sim.<br />

Porém, a existência nesta Terra não consiste apenas nisso.<br />

Ela é, sobretudo, a participação na vida, paixão e<br />

morte de Nosso Senhor.<br />

É, antes de qualquer coisa, a luta pelo reino de Cristo.<br />

<br />

v<br />

13


“R-CR” em perguntas e respostas<br />

Cultura e<br />

civilização católica<br />

As relações harmônicas entre a Igreja, que santifica e salva as<br />

almas, e o Estado, zelador da sociedade terrena, são analisadas<br />

por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com firme apoio na doutrina católica. A<br />

estruturação de todas as relações e instituições humanas, e do<br />

próprio Estado, segundo o ensinamento da Igreja é o esteio de<br />

uma autêntica e duradoura civilização a qual deve ser anelada<br />

por todo contra-revolucionário.<br />

Qual o ideal da Contra-Revolução?<br />

O ideal da Contra-Revolução é (...) restaurar e promover<br />

a cultura e a civilização católica (p. 62).<br />

Em que consiste a cultura católica?<br />

Uma alma em estado de graça está na posse, em grau<br />

maior ou menor, de todas as virtudes. Iluminada pela Fé,<br />

dispõe dos elementos para formar a única visão verdadeira<br />

do universo.<br />

O elemento fundamental da cultura católica é a visão<br />

do universo elaborada segundo a doutrina da Igreja. Essa<br />

cultura compreende não só a instrução, isto é, a posse<br />

dos dados informativos necessários para uma tal elaboração,<br />

mas uma análise e uma coordenação desses dados<br />

conforme a doutrina católica. Ela não se cinge ao campo<br />

teológico, ou filosófico, ou científico, mas abrange todo<br />

o saber humano, reflete-se na arte e implica na afirmação<br />

de valores que impregnam todos os aspectos da existência<br />

(p. 63).<br />

Características da civilização católica<br />

Como definir a civilização católica?<br />

Civilização católica é a estruturação de todas as relações<br />

humanas, de todas as instituições humanas, e do<br />

próprio Estado, segundo a doutrina da Igreja (p. 63).<br />

Qual a característica fundamental da civilização católica?<br />

Tal ordem de coisas é fundamentalmente sacral, e (...)<br />

importa no reconhecimento de todos os poderes da Santa<br />

Igreja, e particularmente do Sumo Pontífice: poder direto<br />

sobre as coisas espirituais, poder indireto sobre as<br />

coisas temporais, enquanto dizem respeito à salvação das<br />

almas (pp. 63-64).<br />

Qual a mais alta finalidade da sociedade e do Estado?<br />

O fim da sociedade e do Estado é a vida virtuosa em<br />

comum. Ora, as virtudes que o homem é chamado a praticar<br />

são as virtudes cristãs, e destas a primeira é o amor<br />

de Deus. A sociedade e o Estado têm, pois, um fim sacral<br />

(p. 64).<br />

Somente a Igreja deve promover a salvação das almas?<br />

Por certo é à Igreja que pertencem os meios próprios<br />

para promover a salvação das almas. Mas a sociedade e o<br />

Estado têm meios instrumentais para o mesmo fim, isto<br />

é, meios que, movidos por um agente mais alto, produzem<br />

efeito superior a si mesmos (p. 64).<br />

Cultura e civilização por excelência<br />

Algum Papa descreveu a Cristandade medieval?<br />

Na Encíclica Immortale Dei, Leão XIII descreveu nestes<br />

termos a Cristandade medieval: “Tempo houve em que<br />

14


S. Hollmann<br />

Época houve em que<br />

a sociedade civil,<br />

penetrada pela<br />

filosofia do Evangelho,<br />

influenciada pela<br />

sabedoria cristã e pela<br />

feliz concórdia entre<br />

a Igreja e o Estado,<br />

produziu seus melhores<br />

frutos, superiores a<br />

toda expectativa<br />

À esquerda, pintura do Museu<br />

do Louvre, Paris; abaixo, o<br />

Papa Leão XIII, autor da célebre<br />

Encíclica Immortale Dei<br />

a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época,<br />

a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina<br />

penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos,<br />

todas as categorias e todas as relações da sociedade civil.<br />

Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente<br />

estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda<br />

parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à<br />

proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o<br />

Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e<br />

pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim,<br />

a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa,<br />

cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está<br />

em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários<br />

poderá corromper ou obscurecer” (pp. 59-60).<br />

Quais são a cultura e a civilização por excelência?<br />

De todos estes dados é fácil inferir que a cultura e a civilização<br />

católica são a cultura por excelência e a civilização<br />

por excelência.<br />

É preciso acrescentar que não podem existir senão em<br />

povos católicos. Realmente, se bem que o homem possa<br />

conhecer os princípios da Lei Natural por sua própria<br />

razão, não pode um povo, sem o Magistério da Igreja,<br />

manter-se duravelmente no conhecimento de todos eles.<br />

E, por este motivo, um povo que não professe a verdadeira<br />

Religião não pode duravelmente praticar todos os<br />

Mandamentos.<br />

Nestas condições, e como sem o conhecimento e a observância<br />

da Lei de Deus não pode haver ordem cristã, a<br />

civilização e a cultura por excelência só são possíveis no<br />

grêmio da Santa Igreja (pp. 64-65). <br />

v<br />

15


Calendário litúrgico<br />

1. Santo Elói (Elígio) de Noyon,<br />

Bispo, 588-659. Ver artigo na página<br />

22.<br />

Santos Edmundo Champion e 10<br />

companheiros, Mártires, + 1581.<br />

Jesuítas ingleses, martirizados durante<br />

o reinado de Isabel I.<br />

2. Santa Bibiana ou Viviana,<br />

Mártir, séc. IV.<br />

Beato João de Ruysbroeck, Presbítero,<br />

12<strong>93</strong>-1381. Teólogo e escritor<br />

nascido perto de Bruxelas, a<br />

quem Kempis considerava seu mestre,<br />

fundador da chamada Devotio<br />

Moderna.<br />

3. São Francisco Xavier, Presbítero,<br />

+ 1552. Jesuíta, pertenceu<br />

ao primeiro grupo de discípulos<br />

de Santo Inácio de Loyola.<br />

Consagrou-se à evangelização<br />

da Índia e do Extremo<br />

Oriente.<br />

4. 2º Domingo do Advento.<br />

São João Damasceno,<br />

Presbítero e Doutor da<br />

Igreja, + 753. Distinguiuse<br />

no combate aos iconoclastas<br />

que desejavam eliminar<br />

o culto das imagens<br />

sagradas. Viveu como religioso<br />

no Mosteiro de São<br />

Abas, próximo a Jerusalém,<br />

onde escreveu várias<br />

de suas obras.<br />

5. Beato Filipe Rinaldi,<br />

Presbítero, + 1<strong>93</strong>1. Salesiano,<br />

conheceu em vida<br />

São João Bosco, e muito<br />

contribuiu para a expansão<br />

da obra fundada por este<br />

santo, da qual chegou a<br />

ser Vigário Geral e Reitor<br />

Maior (ou seja, sucessor<br />

do Fundador na mais alta<br />

autoridade da Congregação), substituindo<br />

o Beato Miguel Rua.<br />

6. São Nicolau de Mira ou de Bari,<br />

+ 350. (Ver “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” número<br />

81.)<br />

7. Santo Ambrósio, Bispo e Doutor<br />

da Igreja, 340-397. Bispo de Milão,<br />

sob sua influência converteu-se<br />

Santo Agostinho.<br />

Santa Luzia<br />

8. Solenidade da Imaculada Conceição<br />

de Maria. Em 8 de dezembro<br />

de 1854, após séculos de fervorosa<br />

devoção dos fiéis do mundo<br />

inteiro a esse augusto privilégio<br />

da Mãe Deus, o Papa Pio IX o declarou<br />

solenemente dogma da Igreja<br />

Católica.<br />

9. São Pedro Fourier, Presbítero,<br />

+ 1640. Fundador da Congregação<br />

de Nossa Senhora para a educação<br />

de meninas.<br />

10. Santa Eulália de Mérida, Virgem<br />

e Mártir, + 304. Tinha apenas<br />

12 anos quando, acossada pela perseguição<br />

aos cristãos de sua cidade,<br />

entregou a vida por amor a Deus.<br />

11. 3º Domingo do Advento.<br />

São Dâmaso I, Papa, + 384.<br />

Governou a Igreja durante um<br />

período de graves perturbações,<br />

tendo de enfrentar um<br />

cisma e diversas heresias,<br />

entre elas o arianismo.<br />

12. Nossa Senhora de<br />

Guadalupe, Padroeira das<br />

três Américas.<br />

Santa Joana Francisca<br />

de Chantal, Religiosa,<br />

+1641. Juntamente com<br />

São Francisco de Sales fundou<br />

a Ordem das Visitandinas.<br />

13. Santa Luzia, Virgem<br />

e Mártir, sécs. III-IV. Martirizada<br />

em Siracusa. Antes<br />

de morrer, arrancou os próprios<br />

olhos a fim de evitar a<br />

apostasia. Por isso é comumente<br />

invocada pelos que<br />

sofrem das vistas.<br />

14. São João da Cruz,<br />

Carmelita e Doutor da Igreja,<br />

+ 1591. (Ver “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”<br />

número 81.)<br />

16


* Dezembro *<br />

15. Santa Cristiana (ou Cristina),<br />

+ 340. Jovem escrava, que<br />

foi evangelizadora da Fé, segundo<br />

Rufino de Aquiléia, na zona da<br />

Geórgia, cujo rei ela converteu.<br />

16. Santa Adelaide, + 999.<br />

Esposa do Imperador Otto<br />

I, assumiu a regência<br />

do império após a morte<br />

do soberano. Seus últimos<br />

anos de vida foram<br />

consagrados especialmente<br />

à piedade<br />

e ao cuidado dos<br />

indigentes.<br />

17. São João da Mata,<br />

Presbítero, + 1213.<br />

Fundador da Ordem da<br />

Santíssima Trindade, destinada<br />

ao resgate dos cristãos<br />

cativos.<br />

São Lázaro, séc. I.<br />

18. 4º Domingo do Avento.<br />

São Winibaldo, +761. Irmão de<br />

Santa Walburga e do Bispo São Wilibaldo,<br />

filho de um rei de Wessex<br />

(Inglaterra). Enviado junto a São<br />

Bonifácio, seu parente, para evangelizar<br />

no território da atual Alemanha.<br />

19. Bem-aventurado Urbano V,<br />

Papa, +1370. Foi o Pontífice que<br />

voltou de Avignon a Roma, e aceitou<br />

a conversão do imperador do<br />

Oriente, João V Paleólogo.<br />

20. São Domingos de Silos,<br />

Abade, + 1073. Ingressou no mosteiro<br />

beneditino de São Sebastião<br />

de Silos (que hoje leva seu nome),<br />

em Castela, Espanha. Depois de<br />

eleito prior, empenhou-se na restauração<br />

da disciplina, no afervoramento<br />

da piedade, bem como<br />

no desenvolvimento artístico e<br />

Martírio dos Santos Inocentes<br />

cultural daquela comunidade monástica.<br />

21. São Tomé Apóstolo, séc. I.<br />

São Pedro Canísio, Presbítero e<br />

Doutor da Igreja, + 1597.<br />

22. Santa Francisca Cabrini,<br />

Virgem, + 1917. (Ver “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”<br />

número 81.)<br />

23. São João de Kety, ou Câncio,<br />

Presbítero, + 1473. Eminente teólogo,<br />

lecionou na Universidade de<br />

Cracóvia, Polônia, na qual se destacou<br />

como mestre de várias gerações<br />

de sacerdotes.<br />

24. São Charbel Makhlouf, Eremita,<br />

séc. XIX.<br />

25. Natividade de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo.<br />

26. Santo Estevão, Protomártir,<br />

séc. I. Eleito pelos Apóstolos<br />

como um dos sete diáconos<br />

que deveriam auxiliá-los<br />

no seu ministério,<br />

foi o primeiro discípulo<br />

a derramar o<br />

sangue pelo Divino<br />

Redentor.<br />

27. São João Apóstolo<br />

e Evangelista, séc.<br />

I. Junto com Santo André,<br />

foi o primeiro a seguir<br />

Jesus. Autor do quarto<br />

Evangelho e do Livro do<br />

Apocalipse.<br />

28. Santos Inocentes, Mártires.<br />

Crianças menores de dois<br />

anos, sacrificadas em Belém de Judá,<br />

por ordem de Herodes, que esperava<br />

com tal crime eliminar também<br />

o Messias recém-nascido.<br />

29. São Tomás Becket, Bispo e<br />

Mártir, + 1170. Arcebispo de Canterbury<br />

e Chanceler da Inglaterra,<br />

martirizado por ordem do rei Henrique<br />

II, cuja política era contrária<br />

aos interesses da Igreja Católica.<br />

30. São Máximo, Confessor, 580-<br />

662. Intrépido lutador contra a heresia<br />

monotelita, autor de escritos<br />

teológicos, exegéticos e morais.<br />

Atribui-se a ele uma Vida de Maria.<br />

31. São Silvestre I, Papa, + 335.<br />

O longo pontificado deste Sucessor<br />

de Pedro foi marcado pela expansão<br />

do Cristianismo, após o Edito<br />

de Milão.<br />

17


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Reflexões do<br />

Divino Infante<br />

Numa “palavrinha” para discípulos mais<br />

jovens, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> imagina como seriam<br />

as cogitações do Menino-Deus na Gruta<br />

de Belém, na noite de Natal. E nos faz<br />

admirar, especialmente, como o Verbo<br />

Encarnado possuía a suma ciência, tudo<br />

compreendia, e sobre nós se debruçava<br />

com amor, ao surgir neste mundo.<br />

Como ponto de partida para<br />

nossa meditação sobre o Natal,<br />

consideremos o seguinte<br />

aspecto. Em geral, a iconografia católica<br />

nos apresenta o Menino Jesus<br />

com as características de uma criança<br />

recém-nascida, ainda sem o uso<br />

da razão, possuindo todas as limitações<br />

inerentes à primeira infância.<br />

Uma criança com pleno<br />

uso da inteligência<br />

Essa representação é justa, não<br />

encerra nada de censurável, porque<br />

o Divino Infante habitualmente<br />

se mostrava assim às pessoas com<br />

as quais tinha contato. Porém, tais<br />

ilustrações não nos propiciam a noção<br />

completa da realidade d’Ele na<br />

noite de Natal, e por isso algumas raras<br />

imagens do Menino-Deus no-Lo<br />

mostram com uma fisionomia bem<br />

diversa: séria, serena, pensativa, meditativa.<br />

Quer dizer, apesar da exterioridade<br />

de uma criança tão terna, o Menino<br />

Jesus já possuía o pleno uso de<br />

sua inteligência, e desde o primeiro<br />

instante de seu ser, no recinto sagra-<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

18


“Natividade” - Vitral da Catedral<br />

de Notre Dame de Paris<br />

19


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

do de Nossa Senhora, Ele já pensava<br />

e tinha o conhecimento de tudo.<br />

Primeiros encantos<br />

com Nossa Senhora<br />

Assim sendo, poderíamos nos perguntar<br />

quais seriam suas cogitações<br />

e reflexões naquela ocasião.<br />

Antes de tudo, pensava Ele no Pai<br />

Eterno, no Espírito Santo, nos esplendores<br />

da Santíssima Trindade, da qual<br />

é a Segunda Pessoa em união hipostática<br />

com a natureza humana. Ao mesmo<br />

tempo, deveria refletir sobre Nossa<br />

Senhora, obra-prima de toda a criação.<br />

Sem dúvida, constituía para Jesus<br />

um profundo deleite considerar Maria<br />

Santíssima naquele momento, em<br />

atitude de conhecer, adorar, analisar e<br />

acariciar o próprio Filho. Alegrava-O<br />

vê-La guardar todas as coisas no seu<br />

coração, meditando-as, perscrutando<br />

nos traços fisionômicos do Menino as<br />

correlações com tudo o que Ela, pelo<br />

dom da sabedoria, aprendera nas Escrituras<br />

acerca do Messias.<br />

Nossa Senhora estabelecia essas<br />

ligações com sumo respeito e insondável<br />

adoração para com o Divino<br />

Infante, que os recebia com verdadeiro<br />

encanto, prazer e intenso amor<br />

por sua Mãe.<br />

Ali estava também São José, e<br />

a Santíssima Virgem já exercia sua<br />

mediação, apresentando ao Menino<br />

Jesus as orações de seu esposo,<br />

pai adotivo d’Ele. Embora não fosse<br />

o progenitor segundo a carne, tinha<br />

um autêntico direito sobre o fruto<br />

das entranhas sagradas de Maria<br />

e, portanto, sobre o Recém-nascido.<br />

São José adorava o Menino Deus,<br />

agradecia a honra de ser seu pai e<br />

Lhe apresentava suas preces por<br />

meio de Nossa Senhora.<br />

Vistas proféticas sobre<br />

a História<br />

Mas o Verbo Encarnado não circunscrevia<br />

suas considerações a esse<br />

quadro radioso. Ele pensava igualmente<br />

nos anjos, nos pastores que vinham<br />

adorá-Lo, e nos Reis Magos,<br />

os quais se aproximavam de Belém e<br />

logo se prostrariam a seus pés. Além<br />

disso, podemos supor que refletia a<br />

respeito das razões que O levaram a<br />

tomar nossa natureza humana e nascer<br />

para o tempo.<br />

Esses motivos se estendiam, com<br />

vistas proféticas, ao longo de toda<br />

a História. E foi exatamente esta a<br />

meditação feita por Ele, trinta e três<br />

anos depois, no alto da cruz: durante<br />

a existência da humanidade, sofreria<br />

muitas ingratidões, mas também suscitaria<br />

incontáveis atos de adoração.<br />

No presépio, Ele via então todos<br />

os Natais da História, até o fim do<br />

mundo, com os mais diversos modos<br />

de se prestar veneração e reconhecimento<br />

ao Filho de Deus. Contemplou,<br />

por exemplo, São Luís Rei que,<br />

maravilhado diante de uma imagem<br />

do Menino Jesus, foi o primeiro —<br />

acredita-se — a se inclinar quando<br />

entoadas as palavras do Credo:<br />

“... e se encarnou pelo Espírito Santo,<br />

no seio da Virgem Maria, e se fez<br />

homem”. Como considerou a todos<br />

nós que, à imitação daquele grande<br />

monarca francês, fazemos o mesmo<br />

gesto ao rezarmos essa passagem do<br />

Símbolo dos Apóstolos.<br />

Quiçá terá antevisto os poucos<br />

fiéis no fim do mundo — antes de<br />

Ele retornar à Terra em sua pompa<br />

e majestade — cantando pela última<br />

vez o Credo, e se inclinando ao pronunciarem<br />

aquelas palavras.<br />

20


Ponderava, enfim, todos os relacionamentos<br />

de alma dos homens<br />

com Ele e com Maria Santíssima, a<br />

propósito do Natal.<br />

Peçamos graças<br />

para cumprirmos<br />

nossa vocação<br />

E já no seu pobre berço, sofria ao<br />

prever a incredulidade e a impiedade<br />

se espalhando em tantos lugares<br />

da Terra, diante da apatia e indiferença<br />

de muitos que se pretendem<br />

seguidores d’Ele.<br />

Mas, por outro lado, o Menino Jesus<br />

contemplou também todas as almas<br />

católicas, zelosas da glória e do<br />

serviço de Deus, vivendo e batalhando<br />

para o triunfo da virtude, sofrendo<br />

com os pecados e as ofensas que<br />

os homens cometem contra Ele, reparando-as<br />

com penitências e espírito<br />

de ascese.<br />

Desse modo, a mente e o coração<br />

sagrados do divino Recém-nascido,<br />

desde aquela ocasião, voltava-se para<br />

os católicos fervorosos, e implorava<br />

ao Pai Eterno, em favor deles,<br />

as forças necessárias para perseverarem<br />

no bom combate que devem travar<br />

pelo bem e pela Santa Igreja.<br />

Então, acerquemo-nos do Presépio,<br />

e por meio de Nossa Senhora,<br />

São José, dos anjos, dos pastores<br />

e dos Reis Magos, peçamos a Jesus<br />

que aceite nosso desejo de sermos<br />

conforme seus divinos desígnios<br />

para conosco, o nosso anelo de nos<br />

unirmos às cogitações, às meditações<br />

Já no seu pobre<br />

berço, o Divino<br />

Infante rogou<br />

ao Pai Eterno<br />

em favor<br />

dos católicos<br />

fervorosos,<br />

para que estes<br />

perseverem<br />

no seu “bom<br />

combate” pela<br />

Santa Igreja<br />

“Natividade” - Catedral de<br />

Notre Dame de Paris<br />

e às considerações proféticas que fez<br />

na manjedoura, para vivermos o Natal<br />

em uníssono com Ele.<br />

Roguemos ao Menino Jesus nos<br />

conceda o mesmo amor que Ele teve<br />

a tudo quanto hoje existe de bom<br />

sobre a face da Terra, próximo a nós,<br />

em nosso movimento, assim como ao<br />

bem que almas esparsas pelo mundo<br />

estarão realizando, por perseverarem<br />

no cumprimento da Lei de<br />

Deus, nos ensinamentos da doutrina<br />

católica apostólica romana.<br />

“Dai-me tudo que de<br />

Vós me aproxima...”<br />

São estas algumas das importantes<br />

intenções que devemos formular<br />

no Santo Natal, e assim implorarmos<br />

uma inteira união de alma com o Divino<br />

Infante, de maneira a que tudo<br />

quanto exista no coração d’Ele esteja<br />

no nosso; tudo quanto palpite no<br />

Imaculado Coração de Maria lateje<br />

também no nosso, e que o Natal<br />

celebrado por nós reflita exatamente<br />

o sentido de tudo quanto Jesus e<br />

Maria experimentaram naquela noite<br />

mil vezes bendita nas montanhas<br />

de Belém.<br />

Alguém poderia lembrar: “Não<br />

posso pedir algo para mim, de caráter<br />

pessoal e material?”<br />

Sem dúvida, é uma petição inteiramente<br />

legítima. Se tivermos as vistas<br />

postas, antes de tudo, nos bens espirituais,<br />

em nossa santificação e salvação<br />

eterna, suplicada para nós e pelos<br />

outros, é lícito que contemplemos<br />

também nossas necessidades temporais,<br />

uma vez que não comprometam<br />

em nada o interesse maior da alma.<br />

Nesse sentido, convém nos lembrarmos<br />

da bela e concisa oração<br />

formulada por São Nicolau de Flue:<br />

“Meu Deus, dai-me tudo que de Vós<br />

me aproxima; tirai-me tudo que de<br />

Vós me afasta”.<br />

Eis um excelente pedido para apresentarmos<br />

ao Menino Jesus, a rogos<br />

de Maria Santíssima e São José. v<br />

21


O Santo do mês<br />

Santo Elói<br />

Ourives, ecônomo e<br />

apóstolo perfeito<br />

Perpetuado numa canção popular francesa, a<br />

figura do “grande Santo Elói” resplandece em sua<br />

época, unindo o extraordinário talento artístico ao<br />

discernimento ímpar de diplomata e, sobretudo, à<br />

excelência de suas virtudes. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos evoca<br />

as principais facetas da vida deste modelo de<br />

apóstolo, artesão e político.<br />

Santo Elói distinguiu-se no seu<br />

tempo pelas qualidades sui generis<br />

que o caracterizaram,<br />

tendo sido sua vida semeada de fatos<br />

interessantíssimos dos quais nos<br />

dá conhecimento uma biografia escrita<br />

pelo Pe. Rohrbacher. Desta, algumas<br />

passagens merecem ser aqui<br />

comentadas.<br />

Hábil ourives e diretor<br />

das finanças do reino<br />

Escreve o ilustre hagiógrafo:<br />

“Santo Elói foi dotado de invulgar<br />

personalidade. Viveu de 588 a<br />

659. Natural de Limoges [França],<br />

revelou desde criança grande aptidão<br />

para os trabalhos manuais. Encaminhado<br />

para a profissão de ourives,<br />

tornou-se um dos mais hábeis<br />

artistas de seu tempo. Famoso é o<br />

caso da confecção do trono do Rei<br />

Clotário, que o queria ímpar e incrustado<br />

de pedrarias. Com o ouro<br />

recebido para tal fim, Elói fez<br />

não um, mas dois tronos igualmente<br />

preciosos.”<br />

A idéia de um santo confeccionar<br />

um trono para um monarca, contribuindo<br />

com sua arte para a pompa<br />

real, talvez contrarie não poucos espíritos<br />

modernos, adeptos de uma<br />

simplicidade equivocada. Mais ainda<br />

os chocariam a iniciativa de Santo<br />

Elói de fazer algo aparentemente<br />

inútil: dois tronos em vez de um só...<br />

“O rei então o nomeou seu ourives<br />

e diretor da Moeda.”<br />

Tais cargos tendiam a ser conexos<br />

naquele tempo, porque as moedas<br />

eram de ouro e quem exercia a função<br />

de ourives do rei poderia igualmente<br />

ser escolhido para dirigir a<br />

economia.<br />

Como se vê, não era fácil a existência<br />

de alguns personagens daquela<br />

época.<br />

22


S. Hollmann<br />

As virtudes e o raro talento artístico de Santo<br />

Elói lhe granjearam a admiração do Rei<br />

Clotário, que o nomeou seu ourives e ecônomo<br />

“Santo Elói diante do Rei Clotário”, Museu do Prado (Madrid);<br />

no destaque, moeda com a efígie do “bom” Rei Dagoberto<br />

Grande político<br />

e diplomata<br />

“Sucedendo a Clotário seu filho<br />

Dagoberto, Santo Elói tornou-se grande<br />

amigo do soberano, revelando-se<br />

então insigne conselheiro, hábil político<br />

e diplomata.”<br />

Vemos assim a ascensão de Santo<br />

Elói: de ourives passou a diretor da<br />

Moeda e, em seguida, diplomata.<br />

“Afirma-se que os enviados de príncipes<br />

estrangeiros avistavam-se primeiro<br />

com ele, antes de se dirigirem ao<br />

monarca. Sua influência junto a Dagoberto<br />

era suficientemente<br />

grande para que o santo pudesse<br />

repreendê-lo contra sua<br />

moral, bastante relapsa, e também<br />

quanto ao seu modo desmazelado de<br />

trajar-se.”<br />

Esta circunstância da vida de Santo<br />

Elói deu origem à conhecida canção<br />

popular francesa Le bon Roi Dagobert<br />

(ver quadro). Percebe-se, entretanto,<br />

que o bom Rei Dagoberto<br />

não era tão louvável assim, merecendo<br />

algumas censuras. Mas, possuía<br />

esta qualidade: simpatizava-se com<br />

Santo Elói, apreciava-o e devotava-lhe<br />

grande amizade. Mais ainda.<br />

Quando o santo conselheiro lhe chamava<br />

a atenção, o rei acatava a reprimenda<br />

com submissão e alegria.<br />

Muito interessante o fato de Santo<br />

Elói corrigir o Rei quanto ao desmazelo<br />

de seus trajes, querendo assim<br />

que ele se vestisse com distinção<br />

e bom-gosto. Essa atitude do ho-<br />

23


O Santo do mês<br />

mem de Deus pode chocar certos espíritos<br />

contemporâneos, notadamente<br />

aqueles que chamaríamos de “heresia<br />

branca” 1 . Pois, segundo esta, um<br />

rei deve usar roupas comuns e baratas,<br />

e desejar desfazer-se das galas e<br />

preeminências que cercam seu cargo.<br />

Artífice de relicários e<br />

fundador de mosteiros<br />

Continua a biografia:<br />

“O tempo que lhe sobrava de seu trabalho<br />

na corte, de suas orações e obras<br />

de caridade, empregava-o em honrar<br />

com sua arte as relíquias dos santos.”<br />

Hoje em dia vemos muitas pessoas<br />

aplicarem seu tempo livre em ninharias.<br />

O passatempo de Santo Elói<br />

era fazer relicários!<br />

Imaginemos uma sala de estilo românico,<br />

pressagiando o gótico, cujas<br />

porta e janela dão para um pátio. A<br />

tarde começa a se confundir com o<br />

anoitecer. Nosso Santo, terminado<br />

seus afazeres, senta-se junto a<br />

uma mesa de ourives no palácio real,<br />

acende as velas de alguns candelabros,<br />

e continua a trabalhar nos lavores<br />

e polimentos de um bonito relicário,<br />

ornado de pedras preciosas,<br />

no qual ele guardará os restos de um<br />

bem-aventurado de sua devoção.<br />

Nessa tarefa, emprega ele toda a sua<br />

piedade e todo o seu talento artístico!<br />

É uma cena maravilhosa.<br />

E se pensarmos que, na linguagem<br />

atual, Santo Elói era o Ministro<br />

da Fazenda daquele rei, que diferença<br />

em relação a certos estadistas<br />

contemporâneos!<br />

“Atribuem-se-lhe os relicários de<br />

São Germano de Paris, São Denis,<br />

São Severino, São Martinho, Santa<br />

Colomba e Santa Genoveva. Além<br />

desses trabalhos, Santo Elói fundou<br />

numerosos mosteiros.”<br />

Cumpre assinalar o extraordinário<br />

vigor de Santo Elói e sua intensa<br />

atividade. Afinal, era diplomata, político,<br />

ecônomo, ourives, artífice de<br />

relicários e ainda encontrava tempo<br />

e meios de fundar mosteiros! Foi um<br />

desses homens dos quais emanam<br />

mil obras, todas repletas de pensamento<br />

e santidade.<br />

Zelo, sabedoria<br />

e bondade<br />

“Tendo sido ordenado sacerdote,<br />

foi sagrado Bispo, ocupando a Sé<br />

episcopal de Noyon. Como muitos<br />

outros prelados da época merovíngia,<br />

foi um grande organizador, um apóstolo<br />

repleto de zelo, sabedoria e bondade.”<br />

As fecundas ações deste homem<br />

de Deus evocam as de São Martinho<br />

de Tours, comentadas por nós<br />

em oportunidade anterior 2 . Quer dizer,<br />

nas épocas de estruturação e organização<br />

da Cristandade medieval,<br />

a Providência suscitou vários santos<br />

que empreenderam inúmeras obras<br />

admiráveis. Um deles foi Santo Elói.<br />

“Sua atividade irradiou-se para<br />

Flandres, Holanda e, segundo afirmam,<br />

Suécia e Dinamarca.”<br />

Isso significa uma alta e árdua<br />

missão, pois naquele tempo a Suécia<br />

e a Dinamarca eram ainda habitadas<br />

por povos bárbaros. E até lá propagou-se<br />

o zelo apostólico do grande<br />

Santo Elói.<br />

S. Hollmann<br />

Como outros<br />

heróis da Fé nos<br />

primórdios da<br />

Cristandade<br />

Medieval, Santo<br />

Elói foi suscitado<br />

pela Providência<br />

para empreender<br />

inúmeras e<br />

admiráveis obras<br />

“Santo Elói no seu atelier<br />

de ourivesaria”, Museu do<br />

Prado (Madrid); na página<br />

seguinte, o Rei Dagoberto<br />

manda edificar uma igreja<br />

24


Velado por uma santa<br />

Após essa vida de intenso serviço<br />

a Deus e ao próximo, ele receberia<br />

afinal o prêmio por suas virtudes.<br />

E o Pe. Rohrbacher registra esse tocante<br />

fato:<br />

“Era grande sua fama, a tal ponto<br />

que, sabendo-o agonizante, a Rainha<br />

Santa Batilde fez longa viagem para<br />

vê-lo antes de morrer. Mas chegou a<br />

Noyon no dia seguinte ao de seu falecimento.”<br />

Portanto, a magnífica existência<br />

de Santo Elói se encerra e logo se verifica<br />

esta bela cena: a Rainha Batilde,<br />

santa ela mesma 3 , tendo notícia<br />

de que o Bispo de Noyon se achava à<br />

beira da morte, desloca-se por estradas<br />

difíceis, correndo riscos, protegida<br />

por um grande séquito, rezando<br />

para encontrar Santo Elói ainda vivo.<br />

Naturalmente, desejava receber<br />

algum conselho dele. Porém, alcança<br />

Noyon quando aquele já entregara<br />

sua alma a Deus.<br />

Podemos imaginar a chegada de<br />

Santa Batilde à cidade, o cortejo de<br />

autoridades e de pessoas do povo<br />

que vão recebê-la e lhe transmitem<br />

a notícia da morte de Santo Elói. A<br />

Rainha se dirige imediatamente para<br />

junto do esquife, venera os restos<br />

mortais e eleva suas preces — por<br />

ele e a ele. É uma santa ao lado do<br />

cadáver de outro santo!<br />

Eis um maravilhoso epílogo para<br />

uma vida pontilhada de episódios<br />

também maravilhosos, numa época<br />

repleta de maravilhoso. v<br />

1<br />

) Expressão metafórica criada por <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> para designar a mentalidade<br />

sentimental que se manifesta na piedade,<br />

na cultura, na arte, etc. As pessoas<br />

por ela afetadas se tornam moles,<br />

medíocres, pouco propensas à<br />

fortaleza, assim como a tudo que signifique<br />

esplendor.<br />

2<br />

) Cf. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” número 80.<br />

3<br />

) Sua memória é celebrada no dia 30 de<br />

janeiro. Foi esposa do Rei Clóvis II.<br />

Le bon Roi Dagobert<br />

Avait mis sa culotte à l’envers.<br />

Le grand saint Eloi<br />

Lui dit: Mon bon Roi,<br />

Votre Majesté est mal culottée!<br />

— C’est vrai, lui dit le roi,<br />

Je vais la remettre à l’endroit!<br />

Le bon Roi Dagobert<br />

Allait à la chasse au pivert.<br />

Le grand Saint Eloi<br />

Lui dit: Mon bon Roi,<br />

La chasse au coucou<br />

Vaudrait mieux pour vous.<br />

— C’est vrai, lui dit le Roi,<br />

Mets-toi là, que je tire sur toi!<br />

Le bon Roi Dagobert<br />

Avait un grand sabre de fer.<br />

Le grand Saint Eloi lui dit:<br />

Mon bon Roi, Votre Majesté<br />

Pourrait se blesser<br />

— C’est vrai, lui dit le roi,<br />

Qu’on me donne un sabre de bois!<br />

Le bon Roi Dagobert<br />

O bom Rei Dagoberto<br />

tinha posto os calções do avesso.<br />

O grande Santo Elói lhe disse:<br />

— Meu bom Rei,<br />

vossa majestade tem os calções<br />

mal postos!<br />

— É verdade, disse-lhe o Rei,<br />

vou pô-los direitos!<br />

O bom Rei Dagoberto<br />

ia à caça ao pica-pau.<br />

O grande Santo Elói lhe disse:<br />

— Meu bom Rei,<br />

a caça ao cuco seria melhor para vós.<br />

— É verdade, disse-lhe o Rei,<br />

põe-te ali, para que atire sobre ti!<br />

O bom Rei Dagoberto<br />

Tinha um grande sabre de ferro.<br />

O grande Santo Elói lhe disse:<br />

— Meu bom Rei, vossa majestade<br />

Pode se machucar.<br />

— É verdade, disse-lhe o Rei,<br />

dêem-me então um sabre de madeira!<br />

Canção surgida por volta de 1790, sobre uma ária de caça mais antiga: La fanfare<br />

du grand cerf (“A fanfarra do grande cervo”). Os versos foram escritos aos<br />

poucos, cada um acrescentando seu grão de sal à ladainha satírica. Pierre Larousse<br />

(autor da célebre enciclopédia) compilou 24 estrofes.<br />

25


A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

A conversa perfeita<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> reitera a seguir sua visão sobre a arte da conversa<br />

como excelente meio de apostolado e amor ao próximo, por<br />

amor a Deus; além de constituir um ato que, conforme a<br />

promessa de Nosso Senhor, assegura a presença d’Ele entre nós,<br />

quando realizado em seu nome. Para ilustrar tal pensamento,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos descreve uma das mais célebres conversas da<br />

História, ocorrida há dois mil anos no caminho de Emaús...<br />

Sobre a arte da conversa há um<br />

ponto a respeito do qual nunca<br />

será demasiado insistir.<br />

Quando tratamos, com espírito de<br />

Fé, acerca de assuntos da Igreja ou<br />

da civilização cristã, através de nossos<br />

lábios toma lugar no diálogo um<br />

interlocutor infinito: Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo. Pois esta foi a sua promessa<br />

formal: “Quando dois ou mais<br />

estiverem reunidos em meu nome,<br />

Eu estarei no meio deles” (cf. Mt 18,<br />

20).<br />

A presença divina sentida<br />

pela ação da graça<br />

Devemos notar que o Redentor<br />

não disse: “Estarei a maior parte<br />

das vezes”, mas sim: “Estarei no<br />

meio deles”. Quer dizer, o principal<br />

atrativo da conversa entre católicos,<br />

versando a respeito de um tema não<br />

necessariamente religioso, mas visto<br />

sob o ângulo da doutrina da Igreja,<br />

consiste em que o grande interlocutor<br />

é Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Essa presença se realiza através<br />

da ação da graça, que Ele nos obteve<br />

Numa elevada<br />

conversa entre<br />

católicos, o grande<br />

interlocutor é o<br />

próprio Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo<br />

derramando seu sangue infinitamente<br />

precioso no alto do Calvário. O<br />

Salvador no-la concedeu, a rogos de<br />

Maria Santíssima, quando fomos batizados,<br />

e ela se desenvolve e flores-<br />

ce enquanto conversamos. Sua atuação<br />

é tal que posso conhecer, além<br />

da graça dada a mim, a recebida pelo<br />

outro. E este, conversando comigo,<br />

conhece o dom celestial que me<br />

foi outorgado.<br />

Por exemplo, nessa exposição, devido<br />

a uma particular atração exercida<br />

pelo tema, há consonância, consolação,<br />

estímulo, verifica-se um entusiasmo<br />

e uma comunicação de alma,<br />

tendo Nosso Senhor disposto que a<br />

graça seja uma em mim e outra em<br />

cada um de meus ouvintes. Em todos,<br />

ela é uma participação da vida<br />

divina, com fervores peculiares.<br />

Imaginemos duzentas lamparinas<br />

acesas. Cada chama tem movimentos<br />

diferentes, mas é o mesmo fogo<br />

brincando com duzentos pavios.<br />

Assim é a ação da graça em nós, da<br />

qual nos damos conta apenas de modo<br />

confuso, e nem seria normal que<br />

26


“A graça atua<br />

em nós enquanto<br />

conversamos,<br />

e percebemos,<br />

reciprocamente,<br />

o dom celestial<br />

que nos é assim<br />

outorgado”<br />

S. Miyazaki<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 19<strong>93</strong><br />

27


A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

o sentíssemos plenamente. Porém, o<br />

sabemos pelos ensinamentos e doutrina<br />

da Igreja.<br />

Um agir deleitável<br />

e envolvente<br />

Às vezes a conversa aumenta de<br />

dimensão e não nos lembramos de<br />

que Nosso Senhor está falando mais<br />

ricamente no fundo das almas. Porém,<br />

se ela se interrompe de modo<br />

brusco, temos a impressão de haver<br />

cessado algo que não deveria parar.<br />

Por exemplo, se me chamassem agora<br />

para atender um telefonema urgente,<br />

obrigando a me ausentar sem<br />

maiores palavras, não ficariam os<br />

A graça nos toca<br />

de modo sutil,<br />

agradável: não a<br />

percebemos e<br />

nos habituamos<br />

com ela<br />

creve o episódio e o colóquio que<br />

então se estabeleceu.<br />

Os dois discípulos caminhavam na<br />

estrada, rumo ao lugarejo chamado<br />

Emaús, comentando os fatos recentes<br />

ocorridos em Jerusalém, a perseguição<br />

e a morte do Salvador. Enquanto<br />

andavam e conversavam, Jesus<br />

se aproximou e começou a tomar<br />

parte na conversa, sem que eles O<br />

reconhecessem de imediato.<br />

Nosso Senhor lhes pergunta sobre<br />

o tema que os trazia tão absortos.<br />

Assim faz o bom conversador: não<br />

muda de assunto conforme o que está<br />

na cabeça dele, mas entra na matéria<br />

tratada pelos outros.<br />

Eles se espantam, e dizem: “Mas,<br />

como?! Tu és o único forasteiro em<br />

Fotos: L. Werner / S. Hollmann<br />

Jerusalém, e ignoras os fatos que nela<br />

aconteceram nestes dias?” (Lc 24,<br />

18)<br />

Jesus se mostra interessado, continua<br />

a lhes fazer perguntas e os ouve<br />

narrar os principais acontecimentos<br />

de sua Paixão e Ressurreição. À<br />

medida que conversavam, o ardor<br />

dos dois discípulos aumentava, pois<br />

o Redentor lhes concedia uma graça<br />

especial que preparava a alma deles<br />

para ouvi-Lo. Assim, formavam o<br />

trio perfeito.<br />

Quando chegaram em Emaús,<br />

percebe-se, pela descrição, que eles<br />

estavam embevecidíssimos. Contudo,<br />

apenas no instante em que Nosso<br />

Senhor partiu o pão — Ele celebrou<br />

uma Missa; portanto, realizou a conmeus<br />

ouvintes com uma sensação de<br />

inacabado, de quem descia para um<br />

terra-a-terra do qual havia saído sem<br />

perceber, mas ao qual voltaria sem<br />

estranheza?<br />

Tal é o modo de agir da graça. Ela<br />

nos vai falando aos poucos, deleitavelmente,<br />

não a percebemos e nos<br />

habituamos com ela. Quando emudece,<br />

dizemos: “Mas que vazio! Como<br />

aconteceu isso?!”<br />

Emaús: a conversa<br />

perfeita<br />

Normalmente a graça atua com<br />

linda sutileza. Os discípulos de<br />

Emaús somente reconheceram Nosso<br />

Senhor na hora da comunhão,<br />

quando partiu o pão e o distribuiu.<br />

Com sua linguagem poética e rica<br />

em pormenores, o Evangelho des-<br />

28


À medida que conversavam,<br />

o ardor dos dois discípulos<br />

aumentava, sob a ação da<br />

graça especial que o Redentor<br />

lhes concedia para bem ouvi-Lo<br />

“Os discípulos de<br />

Emaús” - Mosteiro<br />

Carmelita das<br />

Descalças Reais,<br />

Madrid; e capitel<br />

da Catedral de<br />

Autun, França<br />

29


A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Uma revelação<br />

progressiva, até o<br />

auge no qual<br />

o interlocutor se<br />

mostra de<br />

corpo inteiro<br />

sagração — os discípulos O reconheceram:<br />

“Ah! O Mestre está aqui!”<br />

Isso é propriamente a perfeição<br />

da conversa: uma revelação progressiva<br />

e, no auge, o interlocutor se<br />

mostra de corpo inteiro.<br />

Interessante notar que, momentos<br />

antes, Nosso Senhor fizera menção<br />

de seguir adiante no caminho, separando-se<br />

deles. Então os dois discípulos,<br />

enlevados, pedem que Ele<br />

permaneça, porém não ousando dizer:<br />

“Está tão agradável a vossa companhia!<br />

Ficai junto a nós”. Não. Eles<br />

buscam um pretexto: “Senhor, permanecei<br />

conosco porque já é tarde<br />

e anoitece”. Cada um procura solucionar<br />

uma dificuldade como pode.<br />

Ora, Jesus Cristo é Deus. Que diferença<br />

representa para Ele a claridade<br />

do dia ou as penumbras do anoitecer?<br />

Na realidade, os dois queriam Lhe<br />

dizer coisa diversa: “Vede, Senhor,<br />

não desejamos nos separar de Vós,<br />

porque nenhuma presença é igual à<br />

vossa. E vos apresentamos um pretexto,<br />

pois somos tão toscos que não<br />

sabemos sequer formular o verdadeiro<br />

motivo. Aceitai isso, mais como<br />

um gemido do que um argumento.<br />

Diante de vossa sabedoria, o que<br />

é um raciocínio? E face à vossa misericórdia,<br />

o que será esse pretexto?”<br />

Contudo, Nosso Senhor desapareceu.<br />

Imaginemos a surpresa deles...<br />

O Salvador lhes havia dado o necessário<br />

para aquela fase da vida espiritual<br />

de ambos. Cumpria doravante<br />

se lembrarem sempre desse fato.<br />

Os discípulos de Emaús foram logo<br />

procurar os Apóstolos em Jerusalém,<br />

para contar o ocorrido. Sem<br />

querer, transformaram-se em conversadores.<br />

Começaram a narrar o<br />

colóquio mantido com Nosso Senhor.<br />

Em linguagem caseira, diríamos<br />

que foi um atraente “jornal-falado”:<br />

“Nós O encontramos, e Ele<br />

nos disse tais e tais coisas!”<br />

Pensemos nos ensinamentos que<br />

Jesus lhes transmitiu ao longo da estrada!<br />

Provavelmente, a propósito<br />

de um bicho que atravessou o caminho,<br />

de uma ave que esvoaçou perto<br />

deles, de um lago junto ao qual passaram,<br />

etc., o Divino Mestre fazia<br />

comentários, a par das maravilhosas<br />

digressões sobre as Escrituras e profecias<br />

que d’Ele falavam.<br />

Foi o modelo da conversa, porque<br />

embebida pelo amor de Deus, sendo<br />

um dos interlocutores o mesmo Jesus.<br />

Percebe-se como Deus, amando<br />

a si próprio, acendia nos discípulos o<br />

amor que os homens devem ter para<br />

com Ele. É o circuito perfeito.<br />

Sob a luz do<br />

Espírito Santo<br />

É o que a graça realiza entre nós,<br />

católicos. Em certos momentos ela<br />

age de tal maneira — é Nosso Senhor<br />

que atua, porque autor da graça<br />

— causando-nos a impressão de<br />

que um terceiro está presente, invisível<br />

e infinitamente superior a todas<br />

as coisas.<br />

Tal sucede nesta exposição. Imaginemos<br />

que amanhã sobreviesse um<br />

acontecimento em virtude do qual<br />

fôssemos obrigados a nos separar e<br />

viver isolados nas mais variadas regiões<br />

do mundo. Em determinado<br />

momento, um que se acha no Alasca<br />

entra em contato telefônico com<br />

outro no Pólo Norte, e lhe diz: “Recorda-se<br />

da última reunião de nosso<br />

movimento? Dos comentários sobre<br />

os discípulos de Emaús? Acabo<br />

de reler o texto daquela palestra de<br />

S. Hollmann<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, e me lembrei que você estava<br />

ao meu lado...”<br />

E os dois terão o mesmo pensamento:<br />

“Ah! O auditório São Miguel<br />

1 ! Ah, aquela convivência! O que<br />

é o viver católico! Naqueles sába-<br />

30


A ótima conversa e<br />

o convívio agradável<br />

são aqueles animados<br />

pelo amor de Deus<br />

e do próximo, sob a<br />

proteção de Maria<br />

Santíssima<br />

“Ceia em Emaús” - Vitral da Catedral<br />

de São Martinho, Colmar (França)<br />

E assim chegamos ao fim dessa explanação,<br />

compreendendo não apenas<br />

a teoria da conversa, mas também<br />

a do convívio: quando conversamos<br />

animados pelo amor de Deus e<br />

do próximo, o convívio é agradável.<br />

Do contrário, o trato será detestável,<br />

sem afabilidade, marcado por um<br />

cunho revolucionário. Pois imaginemos<br />

uma conversa com determinada<br />

pessoa em estado habitual de violar,<br />

ao mesmo tempo, todos os Mandamentos.<br />

Ela mata, rouba, calunia,<br />

etc. O estar com essa pessoa se torna<br />

insuportável, um pesadelo. Não há o<br />

que conversar com ela.<br />

Por outro lado, suponhamos um<br />

colóquio entre duas pessoas que se<br />

esforçam por cumprir de modo exímio<br />

os dez Mandamentos. É um céu.<br />

Sublime exemplo foi o célebre diálogo<br />

de Santo Agostinho com Santa<br />

Mônica, na hospedaria de Óstia 2 .<br />

Em suma, a ótima conversa é<br />

aquela iluminada pelo Divino Espírito<br />

Santo, realizada aos pés da Santíssima<br />

Virgem, em cujo Coração vive<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

O resto, no fundo, é fraude, vaidade<br />

e aflição de espírito... v<br />

dos à noite, enquanto tantos jovens<br />

e adolescentes procuravam outras<br />

diversões, nós estávamos reunidos<br />

com <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e nos sentindo muito<br />

mais felizes do que aqueles. Estávamos<br />

sob as vistas de Nossa Senhora,<br />

num ambiente sacral, movidos<br />

pela Fé católica apostólica romana.<br />

Por isso, a graça de Deus chamejava<br />

entre nós. Era um só fogo aceso em<br />

muitos pavios. E todos nós nos alegrávamos!”<br />

1<br />

) Nome dado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao antigo<br />

local onde realizava suas exposições<br />

plenárias. Situado na Rua <strong>Dr</strong>. Martinico<br />

Prado, 246, em São Paulo.<br />

2<br />

) Cf. na “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” número 34, uma<br />

exposição sobre esse tema.<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Intimidade cerimoniosa<br />

Fotos: S. Miyazaki<br />

32


Praça Santa Maria Novella,<br />

Veneza - Itália<br />

Uma bela gravura do século XVIII 1 retrata uma<br />

cena quotidiana na Praça Santa Maria Novella,<br />

em Veneza. Local de pequenas dimensões,<br />

no qual se leva, sem dúvida alguma, uma existência<br />

de intimidade. Entre os personagens ali presentes, entre<br />

as próprias casas, nota-se uma espécie de fraternidade.<br />

Essas moradias parecem irmãs, aconchegadas umas nas<br />

outras, assim como as pessoas, envoltas numa certa suavidade,<br />

uma certa familiaridade.<br />

Porém, cumpre observar, trata-se de uma intimidade<br />

cerimoniosa. Nessa praça não há ambiente, por exemplo,<br />

para se sair de pijama. Há, sim, uma calma feita de tradição,<br />

uma forma de bom gosto difuso em todos os seus aspectos.<br />

Cada coisa manifesta seu estilo: duas ou três fachadas,<br />

discretas e bonitas; um palacete ao mesmo tempo<br />

exíguo e pomposo, ornado de uma coroa de conde e com<br />

seu átrio imponente. É um valioso detalhe no cenário.<br />

Observando-se a movimentação dos personagens,<br />

tem-se a impressão de que houve, ou haverá uma representação<br />

teatral sobre um palco armado num dos lados<br />

da praça. Ao fundo ergue-se a fachada da igreja paroquial,<br />

de graciosos contornos e, sobretudo, a torre do<br />

campanário, elegante, de linhas harmônicas e distintas;<br />

a parte inferior forte e vigorosa, como que suportando a<br />

leveza do segmento superior e contrastando de modo bonito<br />

com o ligeiro do resto.<br />

Na fachada de uma das casas, mais bela que as outras,<br />

embora de tamanho comum, apenas com um jogo de distância<br />

e proximidade de janelas obteve-se um efeito de<br />

muita categoria. Compõe-se de duas partes: uma, feita<br />

de aberturas estreitas, cujo exíguo é compensado pela<br />

grandeza das portas embaixo e pela base robusta. A outra<br />

parte constitui quase uma fachada diversa, e essas duas<br />

frentes juntas dão idéia de largueza agradável, movimentada,<br />

interessante.<br />

Talvez fosse exagero qualificá-la de uma obra-prima,<br />

mas é preciso reconhecer que a escola segundo a qual isto<br />

foi construído é uma grande escola. Não se trata de investir<br />

mais ou menos dinheiro na edificação. É questão<br />

do bom gosto, do critério acertado, do espírito, da alma<br />

bem orientada que deu forma a isto e o situou de maneira<br />

esplêndida neste local.<br />

Outras fachadas também nos chamam a atenção pela<br />

simetria e o estilo bem trabalhado. Algumas compensam<br />

a simplicidade pelo jogo de janelas, pelas portas grandes<br />

e ricas, e por quaisquer imponderáveis, presentes aqui e<br />

ali, conferindo singular beleza a tudo.<br />

Vale notar como essa praça ficaria falha se não houvesse<br />

o poço no centro dela. Na verdade, faltar-lhe-ia<br />

alguma coisa, e ela pareceria imensa, desproporcional.<br />

Donde o papel extraordinário do poço, que constitui o<br />

que poderíamos chamar de centro psicológico superior.<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

As moradias parecem<br />

irmãs, aconchegadas umas<br />

nas outras, assim como<br />

as pessoas, envoltas por<br />

uma serenidade e uma<br />

familiaridade cerimoniosas...<br />

Também nos fazem sorrir alguns aspectos que indicam<br />

a presença do povo. Este constitui o elemento calorífico<br />

das coisas. Onde há povo, há calor humano. Sem ele,<br />

o ambiente se transforma numa espécie de cristaleira...<br />

Então se vê, por exemplo, uma chaminé, verdadeira maravilha<br />

no seu gênero, e uma escada apoiada nela. Logo<br />

imaginamos o italiano que a limpa, coberto de fuligem,<br />

cantarolando sua ária preferida. Dali a pouco ele encosta<br />

os esfregões e desce para almoçar. Enquanto ele se distancia,<br />

sopra um vento forte, toca na escada e a derruba:<br />

ela vai caindo sobre uma menina que passa brincando,<br />

mas a matrona na casa em frente invoca Santo Antônio<br />

e a escada desvia. É um momento da vida na Praça Santa<br />

Maria Novella!<br />

Todos esses pormenores me parecem assaz pitorescos.<br />

Como é pitoresco o gradeado que serve para se bater os<br />

tapetes das casas: chega até ele a mamma, braços roliços<br />

acostumados a amassar o macarrão, estende o tapete, a<br />

cortina, a colcha, etc., e começa a espaná-los vigorosamente.<br />

Claro, trocando animados comentários com a vizinha,<br />

enquanto a poeira sobe e se confunde nos ares da<br />

praça. Noutro canto, vê-se um instrumento para servir a<br />

alguma arte manual, ele também maravilhosamente encaixado<br />

neste panorama urbano.<br />

Analisada assim essa gravura, poder-se-ia dizer que fizemos<br />

uma forma de contemplação. Pois a consideramos<br />

com espírito contemplativo, procurando discernir naquele<br />

ambiente do século XVIII o que ele possuía de afim com<br />

o espírito católico, buscando perceber e apreciar a alma<br />

humana que o engendrou, uma alma naturalmente virtuosa,<br />

que seja a imagem de Deus e para Ele se oriente.<br />

Se nos acostumássemos a observar as coisas desse modo,<br />

imitaríamos o sábio que faz reflexões sobre a vida,<br />

que a conhece e a entende, inspirado pelo senso comum<br />

dos valores da existência que elevam seu espírito ao mais<br />

alto, até a Sabedoria infinita. <br />

v<br />

1<br />

) Essa gravura decorava a sala de trabalhos e atendimentos<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, na sede principal de seu movimento,<br />

em São Paulo.<br />

34


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em sua<br />

sala de trabalhos,<br />

tendo atrás de si a<br />

comentada gravura<br />

da Praça Santa<br />

Maria Novella<br />

35


Síntese esplendorosa<br />

S. Hollmann<br />

Entre tantas outras reflexões,<br />

a celebração<br />

do Natal nos faz pensar<br />

na excelsa condição de<br />

Nossa Senhora como Virgem-Mãe,<br />

realizando em<br />

si uma espécie de síntese<br />

maravilhosa, pois é, ao<br />

mesmo tempo, filha, esposa<br />

e mãe d’Aquele que A<br />

criou. Tal vínculo concede<br />

a Maria uma íntima, uma<br />

inimaginável participação<br />

nos esplendores e<br />

grandezas de Deus.<br />

Ao considerarmos esta<br />

prerrogativa da Santíssima<br />

Virgem, nossa alma se<br />

eleva a tão altos patamares<br />

de piedade e contemplação,<br />

que se diria envolta<br />

por incomparáveis ressonâncias<br />

dos cânticos<br />

com que os Anjos A<br />

glorificam no Céu.<br />

“Virgem com o Menino” - Catedral<br />

de Notre Dame de Paris

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!