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ENTREVISTA<br />

ALUMNI<br />

FORA DA CAIXA<br />

CIÊNCIA &<br />

TECNOLOGIA<br />

CULTURA<br />

No recém-inaugurado<br />

i3S, Alexandre<br />

Quintanilha (na capa)<br />

conta-nos como se está<br />

a sentir (bem) na pele de<br />

deputado.<br />

O coreógrafo do<br />

momento, Victor Hugo<br />

Pontes, explica o seu<br />

percurso das belas artes<br />

às artes performativas.<br />

Fomos conhecer<br />

a Veniam, uma<br />

das startups mais<br />

inovadoras do mundo<br />

e cujo potencial tem<br />

despertado o interesse<br />

das grandes capitais de<br />

risco.<br />

Procuramos desvendar<br />

um pouco do complexo<br />

mundo da genética, a<br />

partir das investigações<br />

desenvolvidas pelo<br />

grupo de José Bessa,<br />

do i3S.<br />

Mostramos como se<br />

desenha o futuro roteiro<br />

científico da U.Porto,<br />

desde o novo Museu<br />

de História Natural e da<br />

Ciência ao Aquário da<br />

Foz.<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 1 06/01/17 16:01


ENTREVISTA<br />

No recém-inaugurado<br />

i3S, Alexandre<br />

Quintanilha (na capa)<br />

conta-nos como se está<br />

a sentir bem na pele de<br />

deputado.<br />

ALUMNI<br />

O coreografo do<br />

momento, Victor Hugo<br />

Pontes, explica o seu<br />

percurso das belas artes<br />

às artes performativas.<br />

FORA DA CAIXA<br />

Fomos conhecer<br />

a Veniam, uma<br />

das startups mais<br />

inovadoras do mundo<br />

e cujo potencial tem<br />

despertado o interesse<br />

das grandes capitais de<br />

risco.<br />

Procuramos desvendar<br />

um pouco do complexo<br />

mundo da genética, a<br />

partir das investigações<br />

desenvolvidas pelo<br />

grupo de José Bessa,<br />

do i3S.<br />

CULTURA<br />

Mostramos como se<br />

desenha o futuro roteiro<br />

científico da U.Porto,<br />

desde o novo Museu<br />

de História Natural e da<br />

Ciência ao Aquário da<br />

Foz.<br />

CIÊNCIA &<br />

TECNOLOGIA<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> U.Porto<br />

Revista da Universidade do Porto<br />

Nº 0<br />

DIRETOR<br />

Sebastião Feyo de Azevedo<br />

EDIÇÃO E PROPRIEDADE<br />

Universidade do Porto<br />

Serviço de Comunicação e Imagem<br />

Praça Gomes Teixeira • 4099-345 Porto<br />

Tel: 220408210<br />

ci@reit.up.pt<br />

COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />

Ricardo Miguel Gomes<br />

REDAÇÃO<br />

Anabela Santos<br />

Paulo Gusmão Guedes<br />

Ricardo Miguel Gomes<br />

Tiago Reis<br />

APOIO MULTIMÉDIA<br />

TVU<br />

FOTOGRAFIA<br />

Egídio Santos<br />

DESIGN<br />

Rui Guimarães<br />

IMPRESSÃO<br />

Multiponto, S.A.<br />

DEPÓSITO LEGAL<br />

419085/16<br />

WHAT’S <strong>UP</strong> 04 NOTÍCIAS SOBRE<br />

A COMUNIDADE ACADÉMICA<br />

ALUMNI 08 VICTOR HUGO PON-<br />

TES PORTFÓLIO 12 INAUGURA-<br />

ÇÃO DO I3S CIÊNCIA & TECNO-<br />

LOGIA 18 INVESTIGAÇÃO GENÉTICA<br />

PELO GR<strong>UP</strong>O DE JOSÉ BESSA<br />

DESPORTO 22 CAMPEONATO DE<br />

FLOORBALL FORA DA CAIXA 24<br />

VENIAM CULTURA 28 FUTURO<br />

ROTEIRO CIENTÍFICO DA U.PORTO<br />

ENTREVISTA 32 ALEXANDRE<br />

QUINTANILHA MUNDUS<br />

38 MARZIA BRUNO TALENTO 42<br />

DISTINÇÕES A MEMBROS DA CO-<br />

MUNIDADE ACADÉMICA MEMÓ-<br />

RIA 44 RUAS QUE HOMENAGEIAM A<br />

U.PORTO QUADRO DE HONRA<br />

50 PROJETO “PORTO COM + SAÚDE”<br />

SUB-35 52 JOANA MOSCOSO<br />

LIVROS 55 NOVAS PUBLICAÇÕES<br />

DA U.PORTO EDIÇÕES<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 2 06/01/17 16:01


«Todo o mundo é composto de mudança /<br />

Tomando sempre novas qualidades”, escreveu<br />

Camões. O verso aplica-se a quase tudo na vida<br />

e também às instituições, que, por muitos méritos<br />

que revelem, devem saber reinventar-se<br />

ciclicamente. A U.Porto tem procurado ser uma<br />

instituição aberta à mudança, não deixando de<br />

preservar o que entende ser primordial e estruturante.<br />

Foi balançando entre o desejo de mudança e o<br />

respeito pelo passado que a U.Porto avançou<br />

para a renovação da revista Alumni U.Porto.<br />

Assim nasceu a <strong>Campus</strong> U.Porto, uma revista<br />

dirigida já não especialmente aos antigos estudantes,<br />

mas a toda a comunidade académica<br />

(estudantes, alumni, colaboradores, docentes e<br />

investigadores) e a públicos externos.<br />

Para além desta maior abrangência de públicos,<br />

queremos com a <strong>Campus</strong> U.Porto melhorar a<br />

qualidade dos conteúdos e do design da nossa<br />

revista, bem como aproveitar mais proficuamente<br />

as potencialidades do on-line. A <strong>Campus</strong><br />

U.Porto apresenta um design atrativo, tem novas<br />

rubricas e mais páginas do que a anterior revista.<br />

Tudo isto resgatando o que de melhor teve<br />

a Alumni U.Porto e, naturalmente, sem deixar<br />

de dar uma grande atenção aos nossos antigos<br />

estudantes e de procurar reforçar a sua ligação à<br />

Universidade.<br />

Uma das mudanças mais notórias desta nova<br />

revista é o seu modelo de distribuição. A <strong>Campus</strong><br />

U.Porto é enviada para os endereços de<br />

correio eletrónico dos membros da nossa comunidade<br />

académica, sendo o on-line a sua forma<br />

de distribuição principal. Contudo, a edição<br />

impressa está disponível na Reitoria, nas faculdades,<br />

nos centros de I&D e em outros espaços<br />

da Universidade. A revista em papel pode também<br />

ser pedida ao Serviço de Comunicação e<br />

Imagem da Reitoria, através dos contactos disponíveis<br />

na ficha técnica da <strong>Campus</strong> U.Porto.<br />

Designámos esta nova revista de <strong>Campus</strong><br />

U.Porto com o intuito de transmitir uma ideia<br />

de comunidade, de pertença, de partilha. O<br />

campus universitário é o espaço (físico e mental)<br />

de interação entre os membros da nossa<br />

comunidade académica. Aquele em que, para<br />

lá da aquisição e aplicação de competências<br />

técnico-científicas, se gera uma dinâmica de<br />

convivência sociocultural que é determinante<br />

para o desenvolvimento de um sentimento de<br />

pertença à Universidade e de identificação entre<br />

os membros da comunidade académica.<br />

Por aqui se percebe que é nossa intenção que<br />

a <strong>Campus</strong> U.Porto contribua para que a Universidade<br />

seja, cada vez mais, um território de<br />

socialização, intervenção cívica e crescimento<br />

intelectual.<br />

Atribuímos à presente edição o número zero, de<br />

forma a vincar a ideia de que se trata, antes de<br />

mais, da apresentação da nova revista à comunidade<br />

académica e à sociedade em geral. No<br />

entanto, não descorámos a qualidade e atualidade<br />

dos conteúdos. Podemos ler neste número<br />

o perfil artístico do nosso alumnus Victor Hugo<br />

Pontes, conhecer mais detalhes do roteiro museológico<br />

que a Universidade se prepara para<br />

concluir, saber como está a correr a experiência<br />

política do Prof. Alexandre Quintanilha, perceber<br />

as razões do sucesso da Veniam, compreender<br />

a investigação genética do grupo do Prof.<br />

José Bessa ou atentar no espírito solidário dos<br />

estudantes de Ciências Farmacêuticas, entre<br />

outras matérias de interesse.<br />

Esperando que aprecie a sua nova revista, desejo-lhe<br />

umas Boas Festas e um venturoso ano<br />

de 2017.<br />

Sebastião Feyo de Azevedo<br />

Reitor da Universidade do Porto<br />

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4


RECEÇÃO<br />

DOS NOVOS<br />

ESTUDANTES<br />

A sessão de receção dos novos estudantes<br />

2016/2017 conheceu uma boa<br />

adesão, enchendo praticamente a Praça<br />

Gomes Teixeira.<br />

Pelo 2.º ano consecutivo, as principais<br />

instituições portuenses associaramse<br />

à U.Porto para proporcionar aos novos<br />

estudantes a entrada gratuita em<br />

16 espaços culturais, como a Fundação<br />

de Serralves, a Casa da Música e a Torre<br />

dos Clérigos.<br />

Nos seus discursos de boas-vindas,<br />

o reitor Feyo de Azevedo alertou para<br />

os excessos da praxe e o presidente da<br />

autarquia, Rui Moreira, lembrou que a<br />

U.Porto é a mais importante instituição<br />

da cidade.<br />

A Praça Gomes Teixeira foi também a<br />

sala de visitas da U.Porto na receção<br />

dos estudantes internacionais. Para<br />

além da apresentação dos diferentes<br />

serviços da Universidade e da habitual<br />

mensagem de boas-vindas do Reitor,<br />

os estudantes tiveram a oportunidade<br />

de conviver durante um lanche preparado<br />

para o efeito.<br />

Só no primeiro semestre deste ano<br />

letivo, 1.319 estudantes de 88 países<br />

diferentes ingressaram na U.Porto ao<br />

abrigo de programas de mobilidade<br />

internacional. Chegaram de países<br />

tão longínquos como o Cazaquistão, a<br />

China, o Chile, o Egito ou o Vietname,<br />

embora o Brasil (409 estudantes), a<br />

Espanha (161), a Itália (127), a Alemanha<br />

(70) e a Polónia (63) continuem a<br />

ser as nações mais representadas.<br />

5 what’s up<br />

Fotos Egídio Santos<br />

campus<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 5 06/01/17 16:01


Uma Universidade em crescimento:<br />

novos espaços, novos equipamentos para<br />

novos estudantes vindos de todo o mundo,<br />

celebrações, tanta coisa a acontecer!<br />

No concurso de acesso ao ensino superior,<br />

a U.Porto teve quase o dobro dos<br />

candidatos para as vagas disponíveis.<br />

Acresce que a U.Porto continua a ser,<br />

globalmente, a universidade com as<br />

mais altas médias de entrada no ensino<br />

superior. São da U.Porto quatro dos<br />

seis cursos com as mais elevadas classificações<br />

do concurso de acesso.<br />

7,736<br />

O Pavilhão Prof. Dr. Galvão Teles foi profundamente<br />

remodelado e está já ao dispor da comunidade<br />

académica e da cidade, depois da reabertura<br />

oficial a 20 de setembro, Dia Internacional do<br />

Desporto Universitário. Integrado no histórico<br />

complexo do Estádio Universitário, o pavilhão<br />

dispõe de 1.910 m2 destinados à prática de várias<br />

modalidades desportivas.<br />

Concluídas as negociações que permitiram reverter<br />

a posse do Estádio Universitário para a U.Porto,<br />

em 2013, foi possível avançar com a requalificação<br />

do pavilhão inaugurado em 1968. Requalificação,<br />

essa, que vem ao encontro de um dos grandes objetivos<br />

da Universidade, que é dispor de boas instalações<br />

desportivas nos três polos do seu campus:<br />

Campo Alegre, Baixa e Asprela.<br />

(candidatos)<br />

A Universidade foi a<br />

primeira escolha para<br />

7.736 candidatos, o que<br />

representa uma média<br />

de 1,9 candidatos para<br />

cada uma das 4.160<br />

vagas disponíveis.<br />

4,131<br />

(estudantes colocados)<br />

Foram colocados<br />

4.131 estudantes,<br />

preenchendo-se assim<br />

99,3% das vagas.<br />

São de<br />

129 países os<br />

cerca de 3,400<br />

estudantes<br />

estrangeiros que<br />

escolheram a<br />

U.Porto.<br />

what’s up 6<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 6 06/01/17 16:01


NOVO<br />

LABORATÓRIO<br />

DE APOIO<br />

À INDÚSTRIA<br />

A FE<strong>UP</strong>, o INESC TEC e o INEGI criaram<br />

um novo laboratório de apoio à indústria<br />

transformadora. Chama-se FABTEC –<br />

Laboratório de Processos e Tecnologias<br />

para Sistemas Avançados de Produção<br />

e o seu principal propósito é apresentar<br />

soluções inovadoras às empresas, através<br />

de um processo de experimentação<br />

em learning-factory.<br />

Com a massa crítica, a experiência industrial,<br />

o conhecimento especializado e<br />

as competências multidisciplinares das<br />

três instituições da área da engenharia,<br />

o FABTEC espera ajudar o tecido industrial<br />

a reforçar o seu perfil tecnológico e<br />

a sua intensidade de inovação.<br />

DOURO<br />

VINHATEIRO<br />

EM EXPOSIÇÃO<br />

NO GOOGLE<br />

A U.Porto regressou ao Google Cultural<br />

Institute – agora denominado de Google<br />

Arts & Culture – com mais um projeto que<br />

revisita o património cultural português.<br />

Desta feita, o cenário é o Alto Douro Vinhateiro<br />

e o tema “Sabrosa: Território e Património”.<br />

Trata-se de uma exposição virtual<br />

(bilingue) alojada na plataforma do Google<br />

(https://www.google.com/culturalinstitute/<br />

beta/u/0/exhibit/7QKi4Qlq79p_LA), que<br />

resulta de um projeto desenvolvido no âmbito<br />

do mestrado em História da Arte Portuguesa<br />

da FL<strong>UP</strong>.<br />

O “sortilégio de encostas e socalcos, de<br />

vinhedos e olivais, de rios e fragas” do Alto<br />

Douro Vinhateiro “está notavelmente retratado<br />

nesta exposição virtual”, sublinhou o<br />

reitor Feyo de Azevedo na inauguração de<br />

“Sabrosa: Território e Património”.<br />

7<br />

campus<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 7 06/01/17 16:01


O artista que<br />

quer tudo ou um<br />

pouco mais<br />

VICTOR HUGO PONTES<br />

É ator, bailarino, coreógrafo, encenador, realizador, cenógrafo, assistente de encenação<br />

e tudo. Uma espécie de artista renascentista que, em permanente frenesim<br />

criativo, reparte o seu talento por várias disciplinas performativas, tendo como matriz<br />

as belas-artes. Victor Hugo Pontes não tem parança. O seu génio é sublimado<br />

(e suado) pela vertigem do trabalho. Muito trabalho. Tal como Cristiano Ronaldo,<br />

que pôs a dançar num anúncio publicitário e com cujo perfecionismo se identifica.<br />

Para muitos será difícil conceber que Victor Hugo<br />

Pontes, cujo trabalho artístico facilmente associamos a<br />

sofisticação e cosmopolitismo, tenha tido a sua primeira<br />

experiência na dança num rancho folclórico, quando era<br />

ainda criança. Mas, preconceitos à parte, a verdade é que,<br />

como diz aquele que é um dos mais importantes corégrafos<br />

portugueses da atualidade, o rancho “era uma das<br />

formas possíveis de fazer dança”.<br />

Designadamente em Guimarães, onde nasceu em 1978,<br />

e que, na década de 1980, era ainda uma cidade longe<br />

de ambicionar ser capital europeia da cultura. “Eu gostava<br />

de dançar e fazer ballet era praticamente impossível. Financeiramente<br />

não era de todo possível. E também não<br />

me sentia capaz de fazer ballet numa cidade um bocadinho<br />

fechada, em que seria o único rapaz no meio das<br />

raparigas”.<br />

Mas foi nessa Guimarães ainda conservadora e sem o<br />

viço cultural de hoje que Victor Hugo Pontes descobriu<br />

o teatro. E logo pela mão experiente de Moncho Rodriguez,<br />

encenador galego que cresceu no Brasil mas tem<br />

desenvolvido a sua carreira em Portugal, dirigindo várias<br />

companhias importantes, como o TEP. O pai de Victor<br />

Hugo Pontes teve, na altura, um gesto verdadeiramente<br />

providencial, ao entregar ao filho adolescente um folheto<br />

anunciando um curso de teatro orientado por Moncho<br />

Rodriguez. “’Isto é para ti’, disse-me ele. E sem dúvida que<br />

aquilo era para mim. Ele nem sabia o que me estava a dar!<br />

E hoje já não se lembra desta história”, recorda, divertido,<br />

Victor Hugo Pontes.<br />

O curso era ministrado na recém-criada ODIT – Oficina<br />

de Dramaturgia e Interpretação Teatral, atual Teatro Oficina,<br />

e consumiu os tempos livres de Victor Hugo Pontes,<br />

então estudante de Arte no ensino secundário. “A certa<br />

altura, eu já anda lá das seis da tarde à meia-noite e também<br />

aos sábados e domingos. O curso era muito exigente<br />

e funcionava como uma espécie de companhia”.<br />

Os primeiros espetáculos em que Victor Hugo Pontes<br />

participou tiveram lugar em espaços alternativos, como<br />

antigas fábricas, seguindo o conceito site-specific. Tratava-se<br />

de performances que fugiam aos cânones do teatro,<br />

ao ponto de deixarem o imberbe Victor Hugo Pontes<br />

um pouco confuso. “Era dos mais novos, e quando nos<br />

punham a improvisar, confesso que, na maior parte das<br />

vezes, não sabia o que estava a fazer. Fazia igual ao que<br />

os outros estavam a fazer, para que ninguém percebesse”.<br />

Victor Hugo Pontes colaborou com o ODIT até sair de<br />

Guimarães e chegou a andar em digressão com a companhia<br />

durante três meses, no Brasil.<br />

alumni Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />

campus<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 8 06/01/17 16:01


“PORQUE QUERO TUDO,<br />

OU UM POUCO MAIS,<br />

SE PUDER SER,<br />

OU ATÉ SE NÃO PUDER SER”<br />

Álvaro de Campos<br />

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A IMPORTÂNCIA<br />

DAS BELAS<br />

ARTES<br />

Por esta altura, o que era um deslumbramento juvenil<br />

pela arte tornou-se vocação consciente. Mas instalou-se<br />

a dúvida quanto à disciplina artística. “Não sabia se queria<br />

Pintura, Escultura, Design… Queria Belas-Artes. Um bocadinho<br />

de cada”. E havia ainda a atração pela fotografia,<br />

“uma coisa que me dava muito prazer”, e, claro, o fascínio<br />

pelo teatro. Vivia então um dilema pessoano: “quero tudo,<br />

ou um pouco mais, se puder ser”.<br />

A solução encontrada foi frequentar, em simultâneo, o<br />

curso de Teatro do Balleteatro Escola Profissional e o<br />

curso de Pintura da Faculdade de Belas Artes da U.Porto<br />

(FBA<strong>UP</strong>), o que o obrigou a mudar-se para a Invicta.<br />

“Achei que era o melhor dos dois mundos. Fui fazer os<br />

dois cursos, adiando por mais algum tempo a decisão [sobre<br />

o futuro profissional]”.<br />

A escolha da FBA<strong>UP</strong> fez-se por acreditar que “a escola<br />

tinha os melhores professores” e “era mais reconhecida<br />

do que a [homóloga] de Lisboa”. Mas, já depois de um<br />

período de mobilidade Erasmus na Norwich School of Art<br />

and Design, em Inglaterra, durante o 4.º ano, Victor Hugo<br />

Pontes percebeu que a Pintura não era a sua expressão<br />

artística de eleição. “Dei-me conta de que pintar é um ato<br />

extremamente solitário, eu e a tela”. Ora, “eu gosto imenso<br />

de falar e estar envolvido com outras pessoas, e de<br />

envolver o meu próprio corpo”.<br />

Considerando o percurso posterior de Victor Hugo Pontes<br />

na dança e no teatro, sobretudo, poderia pensar-se<br />

que o curso de Pintura teve pouco impacto na sua carreira<br />

artística. Nada de mais errado: “A formação que tive<br />

nas Belas Artes foi extremamente importante. Às vezes<br />

estou a começar um trabalho e tenho imagens que me<br />

lembram coisas que me diziam os meus professores de<br />

Pintura. Faço muitas analogias com as artes plásticas.<br />

Mesmo a explicar aos bailarinos, o meu léxico é muitas<br />

vezes do universo das artes plásticas”. Aliás, nos espetáculos<br />

procura “trabalhar a luz como um diretor de fotografia”,<br />

devido justamente ao que diz ser a sua “consciência<br />

plástica”.<br />

Ainda antes de concluir o curso de Pintura da FBA<strong>UP</strong>, Victor<br />

Hugo Pontes começa a lecionar no Balleteatro e a trabalhar<br />

com os alunos nos seus projetos performativos, ficando responsável<br />

pela cenografia e pela realização de vídeos. “Dar<br />

aulas permitiu-me experimentar com os alunos. A partir do<br />

que eles me davam, alterava os exercícios à minha maneira.<br />

E assim acabei por construir a minha linguagem”.<br />

Apesar de ensinar, Victor Hugo Pontes manteve a sua<br />

“sede de aprender”, colecionando formações na área do<br />

teatro e da dança. Ao curso do Teatro Universitário do<br />

Porto, ainda no tempo de estudante, somam-se os cursos<br />

de Pesquisa e Criação Coreográfica do Fórum Dança<br />

(2002), de Encenação de Teatro pela companhia inglesa<br />

Third Angel, na Fundação Calouste Gulbenkian (2004),<br />

e do Projet Thierry Salmon – La Nouvelle École des Maîtres,<br />

na Bélgica e em Itália (2006). Este último curso,<br />

dirigido pelo iconoclasta encenador Pippo Delbono, “foi<br />

muito importante pela confiança que ele tinha em mim.<br />

Para ele [Delbono], eu era o líder do grupo. Os outros tinham<br />

de fazer como eu fazia”.<br />

O MENINO<br />

DANÇA?<br />

Outro momento providencial na carreira de Victor Hugo<br />

Pontes foi o convite da encenadora Isabel Barros para integrar<br />

um espetáculo de dança, em 2012, no Teatro Rivoli.<br />

Ora, Victor Hugo Pontes não tinha nem formação nem<br />

experiência em dança. Mas tinha, garante, “uma fisicalidade<br />

própria”. E já depois do espetáculo, com o curso de<br />

Pesquisa e Criação Coreográfica, ganhou autoconfiança.<br />

“Durante o curso do Fórum Dança, a professora Margarida<br />

Bettencourt fez-me acreditar que eu conseguia fazer<br />

a técnica Cunningham com o meu corpo, com as minhas<br />

limitações, fazendo à minha maneira. Isto mudou tudo,<br />

porque a partir daí comecei a acreditar que era possível”.<br />

E foi. Logo a seguir, em 2003, Victor Hugo Pontes seria<br />

convidado a criar um espetáculo de dança para o Festival<br />

da Fábrica, no Porto. Chamou-lhe Puzzle e deu imediatamente<br />

azo a outro convite para outro espetáculo, Voz<br />

Off (2003), desta vez no Planetário do Porto, com o qual<br />

ganhou o Concurso Jovens Criadores na categoria de<br />

Dança. A partir de então, a dança passou a ocupar um<br />

lugar central no seu trabalho e é na coreografia que a sua<br />

linguagem artística melhor se concretiza.<br />

“Digo sempre que nunca decidi aquilo que queria ser. A<br />

vida é que foi decidindo por mim e as situações fizeram<br />

com que tomasse decisões. Se há 15 anos me dissessem<br />

que ia ser coreógrafo, eu não acreditava”. E, além de<br />

coreógrafo, é ator, bailarino (ou “interprete”, como prefere<br />

dizer), encenador, realizador (vídeo), cenógrafo e assistente<br />

de encenação. Pelo menos.<br />

O trabalho como assistente de encenação não se revelou<br />

nada despiciendo neste percurso artístico. Victor Hugo<br />

Pontes foi, durante dois anos, o braço direito de Nuno<br />

Cardoso, um dos mais importantes encenadores portugueses<br />

da nova geração. E, como habitualmente, fez de<br />

tudo um pouco, indo para lá do que a função exige. “A<br />

alumni Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />

10<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 10 06/01/17 16:01


certa altura, já não era apenas assistente. Tinha de gerir a<br />

luz, o som, a contrarregra, a produção… Era uma pessoa<br />

extremamente criativa, em que o Nuno tinha grande confiança.<br />

Eu dava-lhe ideias, apesar da linguagem dele ser<br />

muito diferente da minha. Foi uma escola brutal: trabalhei<br />

com grandes textos clássicos e tive as minhas primeiras<br />

experiências em teatros nacionais e no estrangeiro”.<br />

Aqui chegados, há que perceber a razão por que Victor<br />

Hugo Pontes se desmultiplica em funções dentro das<br />

artes de palco. “O que me dá mesmo prazer é ir mudando<br />

de pele, de personagem, de ofício… Gosto de fazer<br />

coisas diferentes e sinto que tudo aquilo que faço não<br />

é tão disperso assim: as coisas têm ligações e umas só<br />

acrescentam às outras”. Por outro lado, “aborrece-me fazer<br />

sempre a mesma coisa, apesar de gostar imenso de<br />

ter rotinas. As pessoas que me conhecem sabem que eu<br />

gosto de ir sempre ao mesmo restaurante. Preciso dessas<br />

rotinas porque tudo o resto não é rotineiro”.<br />

Para além da fuga à estagnação criativa, Victor Hugo<br />

Pontes é um verdadeiro workaholic e parece gerir a sua<br />

atividade artística de forma intuitiva. “Vivo muito para o<br />

trabalho. Tenho mesmo esta necessidade. Quando paro,<br />

começo a pensar muito. E quando começo a pensar muito,<br />

não é boa ideia… Então, prefiro fazer. Depois de fazer,<br />

gosto de pensar no que fiz e tirar as minhas conclusões”.<br />

São estas características idiossincráticas que fazem Victor<br />

Hugo Pontes rever-se em Cristiano Ronaldo, que coreografou<br />

para um anúncio publicitário. “Admiro-o porque<br />

é persistente nos objetivos, trabalha para os conseguir e<br />

é desta forma que os consegue – não é por sorte nem<br />

por acaso”.<br />

Como coreógrafo/ encenador, Victor Hugo Pontes é autor<br />

de mais de 20 espetáculos, dos quais se destacam<br />

Ícones (2006), Rendez-vous (2010), Fuga Sem Fim<br />

(2011), A Ballet Story (2012), A Strange Land (2012),<br />

ZOO (2013), Ocidente (2013), Fall (2014), COPPIA<br />

(2014) em cocriação com Manuela Azevedo e Hélder<br />

Gonçalves (dos Clã), Orlando (2015), em cocriação com<br />

Sara Carinhas, Se alguma vez precisares da minha vida,<br />

vem e toma-a (2016) e Carnaval (2016). No final de setembro,<br />

estreou o espetáculo Uníssono – composição<br />

para cinco bailarinos.<br />

COMO TREINAR<br />

A SELEÇÃO<br />

A Ballet Story, uma encomenda da Guimarães 2012<br />

Capital Europeia da Cultura, foi um ponto de viragem na<br />

carreira de Victor Hugo Pontes, que curiosamente recusou<br />

por três vezes a criação do espetáculo. “A Ballet Story<br />

teve um sucesso gigantesco e, a partir daí, tenho consciência<br />

de que há cada vez mais gente a ver-me, a saber<br />

quem eu sou, a seguir o meu trabalho…”.<br />

Se alguma vez precisares da minha vida, vem e toma-a<br />

será, provavelmente, o mais ousado dos seus espetáculos,<br />

por ser baseado no clássico A Gaivota, de Anton<br />

Tchékhov. Já Carnaval afigura-se como o reconhecimento<br />

institucional do trabalho de Victor Hugo Pontes,<br />

uma vez que partiu de um convite da Companhia Nacional<br />

de Bailado. O espetáculo foi inspirado na obra musical<br />

O Carnaval dos Animais (1886), de Camille Saint-<br />

Saëns, contou com música original de 12 compositores<br />

portugueses contemporâneos e envolveu 36 bailarinos.<br />

“Coreografar a Companhia Nacional de Bailado é como<br />

treinar a Seleção Nacional”, graceja Victor Hugo Pontes.<br />

Nestes 13 anos de criações, Victor Hugo Pontes acredita<br />

ter desenvolvido uma linguagem própria. “As pessoas<br />

conseguem identificar que aquilo é meu ou se parece comigo.<br />

Mas não é nada que eu faça de forma consciente.<br />

Faço-o porque sinto que deve ser dessa forma”. Aponta<br />

como característica distintiva do seu trabalho de coreógrafo<br />

“a forte carga dramatúrgica, que vem do facto de<br />

gostar muito de teatro. Há sempre um conflito que gera a<br />

ação”. Além disso, “a parte cenográfica é muito importante,<br />

tal como acontece no teatro mas raramente na dança”.<br />

Diz também que as criações são a sua “forma de ver o<br />

mundo” e de “questionar esse mundo”, mas ressalva: “Os<br />

espetáculos não são sobre mim, embora naquilo que faço<br />

esteja inevitavelmente aquilo que sou”.<br />

Animado pelo sucesso em Portugal, Victor Hugo Pontes<br />

gostaria agora de apresentar os seus espetáculos<br />

lá fora com maior regularidade. Mas, para isso, tem<br />

consciência de que necessita de “reduzir a escala” dos<br />

espetáculos e de “simplificar” as respetivas estruturas.<br />

De resto, Victor Hugo Pontes já apresentou espetáculos<br />

seus em três cidades do Brasil e participou, com<br />

A Ballet Story, no Festival de Dança de Cannes, em<br />

França, e no Pays de Danses, em Liège, na Bélgica. Em<br />

2010 já havia sido selecionado pelo projeto Intradance<br />

para dirigir a companhia russa Liquid Theatre, para a<br />

qual criou o espetáculo Far Away From Here, apresentado<br />

em maio desse ano, em Moscovo, na Rússia. Dois<br />

anos antes, em março de 2007, conquistou o 1º prémio<br />

do International Choreography Competition Ludwigshafen<br />

07 – No ballet, em Ludwigshafen, Alemanha,<br />

com o espetáculo Ícones.<br />

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i3S: O<br />

S<strong>UP</strong>ER<br />

LABORA<br />

TÓRIO DA<br />

SAÚDE<br />

É o maior instituto português de investigação na área<br />

das ciências da vida e da saúde. Os números impressionam:<br />

cerca de 1.000 colaboradores (dos quais 800 são cientistas),<br />

51 grupos de investigação, mais de 120 projetos em curso e um<br />

orçamento anual de 20 milhões de euros.<br />

Para instalar este superlaboratório, foi construído um edifício<br />

com 18.000 m 2 de área total, no Polo Universitário da Asprela.<br />

A obra custou 21,5 milhões de euros, dos quais 18 milhões<br />

foram financiados pelo programa ON.2 – O Novo Norte.<br />

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Para lá da grandeza dos números, o i3S – Instituto de<br />

Investigação e Inovação em Saúde da U.Porto propõese,<br />

numa lógica de multidisciplinariedade científica,<br />

encontrar respostas para os maiores desafios da saúde<br />

humana, como o cancro, a neurobiologia e as doenças<br />

neurológicas, a interação e resposta do hospedeiro.<br />

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Com a inauguração oficial do i3S, ficou concluído um<br />

processo exemplar de cooperação e solidariedade científicas<br />

que arrancou em 2003, com a formalização da<br />

parceria entre IBMC, INEB e Ipatimup, e se consolidou<br />

em 2008, quando os diretores destes três institutos<br />

criaram o consórcio que está na base do novo superlaboratório.<br />

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Modulações<br />

da vida<br />

INVESTIGAÇÃO EM GENÉTICA<br />

A progressiva descoberta<br />

dos mecanismos<br />

de transmissão hereditária<br />

e da centralidade<br />

do ADN como código<br />

regulador da reprodução<br />

e do desenvolvimento<br />

dos seres vivos<br />

reservou diversas surpresas,<br />

nomeadamente<br />

o aparente paradoxo<br />

de que apenas uma pequena<br />

fração do ácido<br />

desoxirribonucleico<br />

codificava as proteínas<br />

essenciais para a vida.<br />

No início deste século,<br />

ainda grande parte<br />

deste código parecia<br />

ser “lixo”, sem quaisquer<br />

consequências<br />

para o organismo. Mas<br />

a investigação na área<br />

rapidamente demonstrou<br />

que a interação<br />

entre os elementos do<br />

genoma tinha outro nível<br />

de complexidade.<br />

No Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da<br />

U.Porto, o grupo de Desenvolvimento e Regeneração de Vertebrados<br />

dedica-se a estudar a interação entre elementos do genoma, com aplicações<br />

específicas na formação e no funcionamento do pâncreas. O<br />

seu líder, José Bessa, explica que, “inicialmente, tinha-se um conceito<br />

muito simples de como é que os genes eram transcritos. Os genes<br />

podiam estar ativos ou inativos, serem expressos ou não, e de forma<br />

diferente conforme o tipo de célula. Por exemplo, no nosso pâncreas<br />

teríamos uma série de genes ativos, ou seja, que são transcritos, que<br />

seria diferente da série de genes que são transcritos no nosso fígado<br />

ou no nosso olho, por exemplo”.<br />

Basicamente, para produzir – ou seja, “exprimir” – as proteínas necessárias<br />

ao desenvolvimento e regulação do organismo, as moléculas<br />

de ADN que residem no núcleo celular são o centro de um complexo<br />

processo que implica a sua cópia – “a transcrição” – para moléculas<br />

complementares, o ARN mensageiro. A produção de proteínas, mediada<br />

pelo ARN mensageiro, é já realizada no citoplasma, fora do núcleo<br />

celular – etapa designada por “tradução”.<br />

Mas, continua José Bessa, “o programa que regula essa atividade de<br />

transcrição dos genes não será tão imediato como originalmente se<br />

pensava: tinha-se a ideia de que bastava um promotor, ou seja, uma<br />

pequena sequência de ADN não codificante localizada a montante do<br />

gene, para regular a transcrição. Isso seria suficiente para determinar<br />

quando e em que células é que o gene estava ou não estava ativo”.<br />

A natureza, contudo, parece não ter optado por essa solução: “Hoje,<br />

sabemos que existem outras sequências dentro desse genoma não<br />

codificante – a que chamamos módulos – que interagem com os promotores<br />

dos genes e regulam a sua atividade. Portanto, a ativação<br />

dos genes inclui a atividade de muitas outras sequências que estão<br />

espalhadas no genoma”.<br />

Se antes a nossa visão se centrava quase exclusivamente no gene<br />

codificante – uma mutação num gene seria responsável pela formação<br />

incorreta da proteína nele codificada e, portanto, poderia acarretar a<br />

perda da função que essa proteína desempenhava na célula, eventualmente<br />

resultando numa doença –, encontramo-nos agora perante<br />

uma paisagem mais complexa, aberta a muitas perguntas. Quais são<br />

os módulos que regulam a atividade dos promotores e que podem levar<br />

à perda de funções? Qual é a relação entre esses módulos e genes<br />

específicos?<br />

DA SEQUENCIAÇÃO À MUTAÇÃO<br />

A partir do momento em que se procedeu a uma sequenciação em larga<br />

escala do genoma humano, foi possível construir um painel de correspondências<br />

entre a mutação de genes codificantes e o desenvolvimento<br />

de determinadas patologias. Mas nem sempre se encontrou<br />

uma associação direta entre doença e mutação, enquanto trabalhos<br />

experimentais confirmaram a complexa interatividade entre elementos<br />

codificantes e não codificantes do genoma. Verificou-se que a mutação<br />

de determinados módulos no genoma não codificante provocava,<br />

efetivamente, alterações na expressão do gene: as proteínas não eram<br />

produzidas corretamente nas quantidades e sítios adequados.<br />

É esta a área de interesse do grupo de Desenvolvimento e Regeneração<br />

de Vertebrados, como afirma José Bessa: “Queremos compreender<br />

como é que mutações nestes elementos do ADN que não são<br />

codificantes e não são promotores podem contribuir para o aparecimento<br />

de algumas doenças genéticas humanas. Temos meios para<br />

identificar onde estão esses módulos e queremos perceber como é<br />

que mutações nesses módulos podem interferir com a produção das<br />

proteínas, com a expressão dos genes”.<br />

Como são identificados, então, esses módulos? Fundamentalmente,<br />

através de marcas epigenéticas, modificações moleculares no ADN ou<br />

em proteínas que se ligam ao ADN e que parecem também ter como<br />

função regular a expressão dos genes, nomeadamente fornecendo<br />

instruções básicas para a sua ativação ou desativação: “O estado da<br />

arte permite-nos sequenciar zonas do genoma não codificante que<br />

estão enriquecidas para determinadas marcas epigenéticas que estão<br />

associadas com uma função do ADN. Basicamente, podemos saber<br />

quais são as sequências que têm maior potencial para serem elementos<br />

de regulação”.<br />

Encontrado o candidato, “isolamos esta sequência do genoma e pomos<br />

à sua frente um promotor mínimo, ou seja, uma sequência que permite<br />

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José Bessa:<br />

cartógrafo de um<br />

atlas genómico.<br />

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Viveiros aquáticos:<br />

a diversidade transgénica.<br />

Peixe-zebra:<br />

a transparência de um modelo.<br />

que estes módulos interajam com ele, controlando a transcrição dos genes.<br />

Mas, à frente do promotor, e de forma que consigamos acompanhar<br />

visualmente a expressão do gene, usamos um gene que codifica uma<br />

proteína fluorescente. Introduzimos esta construção de ADN no genoma<br />

do peixe-zebra e geramos um peixe-zebra transgénico”.<br />

Se o módulo em causa está ativo, o resultado será o aparecimento<br />

de células com a proteína fluorescente. Existe, por exemplo, a possibilidade<br />

de observar uma sequência que esteja ativa no pâncreas e,<br />

caso seja gerada uma mutação que afete a atividade desse módulo,<br />

a fluorescência deixa de se observar. Pode-se, pois, monitorizar quais<br />

as mutações geradas em zonas não codificantes que têm impacto na<br />

expressão dos genes e onde se verificam. Mas, realça José Bessa,<br />

“precisamos de um animal que seja transparente”.<br />

PEIXE-ZEBRA COMO MODELO<br />

O peixe-zebra é um relativo recém-chegado ao i3S, e é um “modelo”<br />

importado de Sevilha, do Centro Andaluz da Biologia do Desenvolvimento,<br />

onde José Bessa realizou estudos de pós-doutoramento. Para<br />

além da sua transparência, é um vertebrado com que é relativamente<br />

fácil de lidar, reproduzindo-se rapidamente e em grande quantidade.<br />

Por outro lado, nota o investigador, “o pâncreas do peixe-zebra é muito<br />

parecido com o pâncreas humano em termos de funcionamento e<br />

estrutura anatómica. Encontramos nele o mesmo tipo de células – produtoras<br />

de insulina, de glucagon ou de somatostatina – do pâncreas<br />

endócrino humano.<br />

Pretende então o grupo de Desenvolvimento e Regeneração de Vertebrados<br />

encontrar no peixe-zebra os “pontos quentes do genoma” e<br />

trasladar essa informação para o genoma humano, uma tarefa que não<br />

é particularmente fácil porque só 10 a 20% das sequências não codificantes<br />

com atividade na regulação dos genes estão “conservadas”,<br />

ou seja, mantêm-se similares nas duas espécies. José Bessa elucida:<br />

“Analisando as sequências genéticas do peixe-zebra, podemos alinhá-<br />

A investigação genética<br />

do grupo de José Bessa é<br />

realizada no i3S.<br />

-las com o genoma humano e descobrir onde é que as sequências<br />

correspondentes se encontram. Isto só é possível caso as sequências<br />

estejam conservadas. Caso contrário, temos outras estratégias: através<br />

da identidade bioquímica dessas sequências, ou seja, pelas suas<br />

marcas epigenéticas e pela combinação de proteínas a que elas se<br />

associam podemos estabelecer uma ligação que não depende diretamente<br />

da sequência em si: se essas marcas e combinações forem<br />

muito semelhantes em sequências não conservadas no genoma humano<br />

e no peixe-zebra, temos a indicação de uma possível ligação<br />

funcional entre essas zonas, ou módulos”.<br />

Resta aos investigadores gerar mutações nos módulos identificados,<br />

provocando o aparecimento de uma patologia ou de outra alteração<br />

detetável que possa confirmar a sua função.<br />

COMPLEXIDADE MODULAR<br />

“Uma coisa de que temos a certeza é que não existe – ou será muito<br />

pouco frequente – um gene responsável por uma atividade biológica<br />

específica numa única célula. O que acontece é que temos genes que<br />

são usados e reusados dependendo do contexto celular. Os mesmos<br />

genes são expressos em muitos tecidos, mas de forma diferente, e<br />

essa expressão específica será controlada por estes módulos. Embora<br />

não o possa afirmar de forma absoluta” – avança prudentemente José<br />

Bessa –, “sabemos que a expressão total de um gene é controlada<br />

por vários módulos e cada um desses módulos regula essa expressão<br />

maioritariamente em tecidos diferentes”.<br />

Se a atividade de transcrição passasse exclusivamente pelo promotor<br />

da expressão dos genes codificantes, isso significava que este teria<br />

de possuir um nível de complexidade que lhe permitisse compreender<br />

códigos diferentes de fatores específicos das células, conforme<br />

a transcrição fosse realizada, por exemplo, nas células do olho, do cérebro<br />

ou do pâncreas. A possibilidade de serem os módulos diversos<br />

que conferem especificidade aos tecidos ganha, por isso, relevância.<br />

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i3S:<br />

investigação genómica.<br />

Esclarecer o mecanismo pelo qual isto se realiza é particularmente<br />

complexo, até porque, no quadro do genoma, a relação poderá não<br />

ser bidimensional: “Os módulos podem regular o gene que está mais<br />

perto, é verdade, mas provavelmente existem módulos que regulam<br />

genes que estão bastante mais afastados. Há evidências que sugerem<br />

que múltiplos genes podem ser regulados através de um módulo.<br />

Esta regulação à distância não é improvável porque, apesar da nossa<br />

perceção do ADN como estático e linear, ele tem uma estrutura tridimensional:<br />

dentro da célula, está dobrado, tem uma arquitetura. Existe<br />

uma topologia do genoma, com pontos de interação – zonas onde o<br />

ADN tem uma maior propensão para interagir do que o ADN situado<br />

noutros locais, sendo esta interação mediada por proteínas”.<br />

As patologias de base genética serão fundamentais para o conhecimento<br />

dos mecanismos de regulação, como sucede no caso dos supressores<br />

tumorais. Os genes associados a esta função de proteção<br />

celular são expressos numa grande parte das células do nosso corpo.<br />

“Se esta expressão for modulada em tecidos diferentes por módulos<br />

diferentes – e essa é uma das coisas que estamos a tentar compreender<br />

– existirão variações no genoma não codificante associadas à perda<br />

da expressão deste gene em tecidos específicos. E, claro, a perda<br />

de alguns desses supressores tumorais terá como consequência uma<br />

maior incidência de cancro nessas células”.<br />

Poderão, ainda, existir reguladores que só se tornam ativos em determinadas<br />

circunstâncias: “Por exemplo, as mutações no gene p53 estão associadas<br />

ao desenvolvimento de muitos tumores. Este gene é importante<br />

para a destruição de células quando estas entram em stress. Quando<br />

existem mutações neste gene, as células disfuncionais podem tornar-se<br />

viáveis e dar origem a um tumor: o gene p53 tem como função ‘limpar’<br />

estas células. Mas existirão módulos que respondem ao stress celular,<br />

sendo eles os responsáveis pela ativação da transcrição desse gene? E<br />

existirão módulos com uma ação mais predominante em determinados<br />

tecidos do que em outros, podendo assim predispor para a falta de resposta<br />

desse gene nestes últimos tecidos?”.<br />

A INVESTIGAÇÃO DO<br />

GR<strong>UP</strong>O SITUA-SE<br />

A UM NÍVEL<br />

FUNDAMENTAL, AINDA<br />

AFASTADA DA SUA<br />

PREVISÍVEL APLICAÇÃO<br />

EM SAÚDE, MAS O<br />

CONSELHO EUROPEU<br />

DE INVESTIGAÇÃO<br />

PERCEBEU A<br />

IMPORTÂNCIA DO<br />

ESCLARECIMENTO DAS<br />

QUESTÕES LIGADAS À<br />

REGULAÇÃO GÉNICA...<br />

APLICAÇÕES DA INVESTIGAÇÃO<br />

A investigação do grupo situa-se a um nível fundamental, ainda afastada<br />

da sua previsível aplicação em saúde, mas o Conselho Europeu de<br />

Investigação percebeu a importância do esclarecimento das questões<br />

ligadas à regulação génica, neste caso especificamente dirigida para<br />

o estudo do pâncreas, financiando com um milhão e meio de euros um<br />

trabalho de cinco anos que tentará, através de mutações no genoma<br />

não codificante do peixe-zebra, provocar o aparecimento de condições<br />

semelhantes à da diabetes tipo 2. Mas outras aplicações poderão ser,<br />

no futuro, resultado do trabalho do grupo.<br />

Com uma ação contrária aos supressores tumorais, alguns genes –<br />

apelidados de oncogenes – estão diretamente relacionados com o<br />

surgimento de cancro, seja pela ocorrência de mutações, seja pelo<br />

facto de serem “sobre expressos”, o que significa que proteínas que<br />

estes genes codificam são produzidas em maior quantidade. “Se nós<br />

conseguirmos encontrar os módulos de regulação desses oncogenes,<br />

isolá-los e formar um peixe-zebra que nos permita monitorizar a atividade<br />

destes módulos, podemos tentar utilizar fármacos para diminuir<br />

a sua atividade, deste modo diminuindo a transcrição do gene num<br />

tecido específico”.<br />

Sendo certo que, no i3S, se estão a desenvolver meios que permitirão<br />

a triagem automatizada de um elevado número de drogas, tornando<br />

possível testar o efeito de fármacos na atividade de regulação<br />

da transcrição através de módulos, e assim abrindo o caminho à intervenção<br />

terapêutica, José Bessa sumaria primordialmente uma não<br />

pequena ambição: “Queremos construir um atlas de modificadores, ou<br />

seja, de ‘pontos quentes’ no genoma humano cujas mutações possam<br />

estar associadas a determinadas patologias – em particular à diabetes<br />

e ao cancro pancreático – e que possam contribuir para a avaliação do<br />

seu risco ao longo da vida de cada indivíduo”.<br />

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CAMPEONATO<br />

DE FLOORBALL<br />

ESPETÁCULO<br />

&EMOÇÃO<br />

desporto Texto Ricardo Miguel Gomes Foto CD<strong>UP</strong> 22<br />

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Não é tão popular em Portugal como nos países nórdicos, na República<br />

Checa, em Singapura, no Japão ou em Taiwan, onde os torneios são mais<br />

competitivos e arrebanham muitas centenas de adeptos entusiásticos. Por cá,<br />

o floorball está ainda a conquistar atletas e adeptos com a emotividade, espetacularidade<br />

e competitividade geradas pelo confronto entre duas equipas de<br />

seis jogadores de campo e um guarda-redes, que utilizam sticks para introduzir<br />

uma bola oca em pequenas balizas. Sim, o jogo tem muitas semelhanças<br />

com o hóquei em patins (sem estes últimos) e mais ainda com o hóquei em<br />

campo, embora seja disputado indoor.<br />

Para a divulgação desta modalidade no nosso país muito terá contribuído a<br />

realização, em julho, no Porto, do Campeonato do Mundo Universitário de<br />

Floorball 2016. Organizado pela U.Porto e pela Federação Académica do Porto<br />

(FAP), o torneio reuniu mais de 400 atletas de dez países: Portugal, Suécia,<br />

Finlândia, Suíça, República Checa, Japão, Polónia, Eslováquia, Espanha e<br />

Coreia do Sul.<br />

Ambas as finais, masculina e feminina, foram vencidas pela Finlândia, enquanto<br />

Portugal (masculinos) alcançou um honroso 7.º lugar, registando três<br />

vitórias nesta que foi a sua primeira participação em campeonatos mundiais<br />

universitários da modalidade.<br />

O sucesso do torneio veio reafirmar a capacidade da U.Porto para organizar<br />

grandes eventos desportivos internacionais de âmbito académico, estando já<br />

prevista realização, em 2017, do Campeonato Europeu de Futebol Universitário,<br />

em colaboração com a FAP e o Instituto Politécnico do Porto.<br />

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Nasceu da valorização do conhecimento,<br />

é fortemente inovadora, tem orientação<br />

global e captou milhões em capital de<br />

risco. Até aqui, nada de novo. O que<br />

parece, de facto, distinguir esta startup é<br />

ter uma visão de futuro. E o futuro, para<br />

a Veniam, são cidades inteligentes em<br />

que os veículos estão ligados em rede<br />

por tecnologias sem fios – a chamada<br />

“internet das coisas em movimento”. É<br />

esta quase utopia tecnológica que está<br />

a ser concretizada a partir do <strong>UP</strong>TEC,<br />

com o reconhecimento do ecossistema<br />

empreendedor internacional.<br />

Veja o vídeo da entrevista em<br />

http://tv.up.pt/videos/6_hcpvwz<br />

Disruptiva. O adjetivo tem servido para caracterizar<br />

a Veniam, startup da indústria wireless criada, em<br />

2012, pelos investigadores João Barros e Susana Sargento.<br />

Recentemente, o canal norte-americano CNBC<br />

considerou a Veniam como a 28.ª startup mais disruptiva<br />

do mundo, numa lista de 50 empresas liderada pela Uber.<br />

Isto significa que a startup instalada no <strong>UP</strong>TEC – Parque<br />

de Ciência e Tecnologia da U.Porto está, de facto, a romper<br />

paradigmas e a anunciar o futuro com o conceito da<br />

“internet das coisas em movimento” (internet of moving<br />

things).<br />

João Barros, CEO da Veniam e docente/ investigador da<br />

Faculdade de Engenharia da U.Porto (FE<strong>UP</strong>), confirma<br />

o caráter disruptivo e visionário da empresa. “A solução<br />

fora da caixa 24<br />

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da Veniam é considerada, por muitos, como a fronteira<br />

do conhecimento na área dos transportes em rede”, sublinha,<br />

para logo acrescentar, em complemento, que a<br />

empresa, no último ano e meio, conquistou oito prémios<br />

internacionais de inovação, nomeadamente da Cable-<br />

Labs (consórcio de I&D que reúne operadores de cabo<br />

norte-americanos) e da Wireless Broadband Alliance<br />

(associação internacional de operadores e produtores da<br />

indústria wi-fi).<br />

Ora, a solução da Veniam é um pequeno dispositivo tecnológico<br />

wi-fi, o NetRider, que no essencial serve para estabelecer<br />

a ligação de veículos (p. ex., táxis e autocarros)<br />

à internet e para permitir a comunicação destes mesmos<br />

veículos entre si, criando uma rede em malha onde circula<br />

informação essencial para a gestão de uma cidade<br />

inteligente. Ou seja, graças ao NetRider, os veículos são<br />

transformados em hotspots wi-fi, dotando assim as cidades<br />

de uma infraestrutura não só de comunicações on-line<br />

mas também de captação e gestão de dados sobre<br />

uma variedade de serviços urbanos, a partir de sensores<br />

que comunicam diretamente com a cloud. “Olhamos para<br />

os veículos não apenas como máquinas que transportam<br />

pessoas do ponto A para o ponto B, mas como elementos<br />

ativos da internet e como componentes essenciais de<br />

uma estrutura de smart city, com a qual podemos melhorar<br />

a vida dos cidadãos”, explica João Barros.<br />

O NetRider é uma solução de baixo custo, robusta, segura<br />

e de fácil instalação que garante conectividade permanente,<br />

mesmo quando a rede de telemóvel não está<br />

acessível. Equipado com GPS e várias interfaces, nomeadamente<br />

uma interface celular igual à dos telemóveis e<br />

com ligação à rede 4G, o NetRider permite desde logo<br />

o acesso gratuito à internet dos passageiros dos mais<br />

variados transportes. Mas a grande mais-valia do dispositivo<br />

é a já aqui referida capacidade de recolha de dados<br />

quer sobre os veículos, quer sobre as cidades onde estes<br />

circulam. Esta capacidade possibilita, a jusante, o desenvolvimento<br />

de soluções que permitam otimizar serviços<br />

urbanos (como a recolha de lixo, p. ex), reduzir o volume<br />

de tráfego, promover o uso de veículos elétricos e melhorar<br />

o conforto, segurança, eficiência e ergonomia dos<br />

transportes públicos.<br />

25 Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />

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João Barros,<br />

cofundador<br />

e CEO da Veniam.<br />

DO AMBIENTE ACADÉMICO PARA OS NEGÓCIOS<br />

A ideia de negócio que está na origem da Veniam nasceu<br />

em ambiente académico, a partir de um conjunto de<br />

projetos de I&D desenvolvidos no Instituto de Telecomunicações<br />

por João Barros e Susana Sargento, docente/<br />

investigadora do Departamento de Eletrónica, Telecomunicações<br />

e Informática da Universidade de Aveiro (DETI).<br />

Foram necessários mais de dez anos de investigações<br />

para desenvolver as componentes de hardware, software<br />

e cloud das redes veiculares. Um processo que envolveu<br />

uma série de parceiros académicos, como a FE<strong>UP</strong>,<br />

a Faculdade de Ciências da U.Porto, o DETI mas também<br />

o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e a<br />

Universidade Carnegie Mellon, através dos programas<br />

homónimos.<br />

“Rapidamente constatámos que era necessário sair<br />

do laboratório e passar a fazer experiências reais,<br />

com utilizadores reais, no tecido urbano”, diz João<br />

Barros, para explicar a evolução do projeto. Com<br />

a colaboração da Câmara Municipal do Porto, iniciaram<br />

os testes da solução tecnológica nos táxis<br />

da cidade, ainda no âmbito do Programa Carnegie<br />

Mellon Portugal, e depois nos autocarros da STCP.<br />

«Esta abordagem diretamente com os utilizadores<br />

finais fez com que chegássemos à conclusão de<br />

que existia, não apenas uma tecnologia interessante,<br />

mas um produto e um conjunto de serviços que<br />

podíamos levar para o mercado”, salienta o professor<br />

catedrático de Engenharia Eletrotécnica e de Computação<br />

da FE<strong>UP</strong> e professor visitante em Stanford.<br />

À criação da empresa seguiu-se, em 2013, o arranque<br />

do projeto Future Cities, coordenado pelo<br />

Centro de Competências para as Cidades do Futuro<br />

da FE<strong>UP</strong>, então dirigido por João Barros. Com<br />

um investimento de 2,3 milhões de euros, financiados<br />

pelo 7.º Programa Quadro de Investigação<br />

e Desenvolvimento Tecnológico da União Europeia (1,6<br />

milhões) e pelo QREN (700 mil), o projeto dotou a cidade<br />

do Porto de uma infraestrutura de captação de dados<br />

com mais de 800 sensores instalados em veículos.<br />

No Porto funciona, de resto, a maior rede wi-fi de veículos<br />

do mundo, implementada pela Veniam. Inclui, como hotspots<br />

wi-fi, toda a frota da STCP (mais de 400 autocarros),<br />

táxis, camiões de recolha do lixo e outros veículos de serviços<br />

urbanos. A rede serve mais de 400 mil utilizadores wi-fi<br />

(população, turistas e outros city users) e transporta cerca<br />

de 8,5 terabytes (equivale a 1024 GB) de dados por mês,<br />

captados pelos veículos equipados com sensores.<br />

Muitos destes dados estão a ser utilizados para o estudo<br />

do tráfego e de serviços urbanos. Em concreto, no âmbito<br />

de uma intervenção num dos túneis da cidade foi possível<br />

quantificar o impacto no trânsito antes e depois das<br />

obras. Também foi possível demonstrar o efeito de recentes<br />

alterações nas paragens de autocarros e está a ser<br />

estudada a ligação dos veículos aos semáforos, para se<br />

criarem vias verdes para autocarros e viaturas de emergência.<br />

Em curso encontra-se igualmente um projeto-piloto<br />

de gestão inteligente da recolha de lixo, em que os<br />

camiões verificam remotamente se os contentores estão<br />

cheios e enviam essa informação para a cloud. Com base<br />

nessa informação, os camiões só se deslocam aos contentores<br />

que realmente necessitam de ser esvaziados.<br />

Com a rede veicular a funcionar no Porto, a Veniam “atraiu<br />

muita atenção” e “foi possível avançar para financiamentos<br />

maiores”, recorda João Barros. Mas, até lá, o financiamento<br />

foi um dos principais desafios da empresa, à semelhança<br />

do que acontece com muitas startups inovadoras. E também<br />

a Veniam recorreu aos três efes, family, friends and<br />

fools (família, amigos e parvos), para reunir o capital necessário<br />

para arrancar com o negócio. Neste caso, foi um familiar<br />

a garantir a comparticipação da empresa necessária<br />

fora da caixa Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos 26<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 26 06/01/17 16:02


Veja o vídeo da entrevista em<br />

http://tv.up.pt/videos/6_hcpvwz<br />

Centro de competências da Veniam<br />

no <strong>UP</strong>TEC.<br />

para desbloquear o apoio QREN aprovado em 2012.<br />

A situação, ao nível financeiro, melhorou substancialmente<br />

com a entrada no projeto de dois empreendedores<br />

norte-americanos, Roy Russell e Robin Chase (fundadora<br />

e ex-CEO da Zipcar, a maior empresa de carsharing do<br />

mundo), que João Barros e Susana Sargento conheceram<br />

durante uma apresentação no MIT. Para além do<br />

know-how que aportaram à Veniam, Roy Russell e Robin<br />

Chase possibilitaram o contacto com uma série de investidores<br />

internacionais de capital de risco.<br />

O processo de financiamento da Veniam conheceu vários<br />

momentos. Na fase seed, em 2013, a empresa captou<br />

quase meio milhão de dólares (455 mil euros) junto de<br />

investidores privados. Em 2014, a Veniam fechou uma<br />

ronda de investimento série A de 4,9 milhões de dólares<br />

(3,9 milhões de euros), na qual participaram capitais de<br />

risco de topo como a True Ventures e a Union Square<br />

Ventures. Já em 2016, a startup fundada por João Barros<br />

e Susana Sargento captou quase 25 milhões dólares (24<br />

milhões de euros) numa ronda de investimento liderada<br />

pela capital de risco norte-americana Verizon Ventures,<br />

à qual se juntaram a Cisco Investments, a Orange Digital<br />

Ventures e a Yamaha Motor Ventures.<br />

I&D MANTEM-SE NO PORTO<br />

O primeiro cliente da empresa foi a administração do Porto<br />

de Leixões. Nesta infraestrutura, a Veniam ligou em rede<br />

os veículos de transporte e criou pontos de acesso wi-fi (interconexão<br />

entre os dispositivos móveis) para transmissão<br />

de dados da atividade portuária em tempo real.<br />

Mais tarde, a Veniam participou no acelerador do Programa<br />

MIT Portugal (Building Global Innovators), o que<br />

ajudou a empresa a posicionar-se no mercado e a ir ao<br />

encontro de potenciais clientes, desde operadoras de te-<br />

lecomunicações até fabricantes de equipamentos. “Este<br />

contacto com os clientes foi muito motivador, em particular<br />

para mim que vinha da I&D de cariz matemático<br />

e científico. Foi um contacto direto com os utilizadores<br />

finais, que nos permitiu aprender como se transformam<br />

teoremas matemáticos em algoritmos, em protótipos, em<br />

sistemas, em redes e finalmente em produtos e negócios”,<br />

sublinha João Barros.<br />

De referir que a Veniam tem dois mercados prioritários:<br />

o das cidades inteligentes e o dos chamados espaços<br />

controlados (infraestruturas portuárias e aeroportuárias,<br />

unidades industriais, estaleiros, etc.), onde se podem criar<br />

conectividades entre os diferentes veículos, equipamentos<br />

e funções.<br />

Hoje, a Veniam desenvolve os seus principais projetos e<br />

negócios com os seus investidores estratégicos: a Verizon<br />

(maior operador de telecomunicações dos EUA), a Orange<br />

(maior operador de telecomunicações francês), a Cisco<br />

Systems (multinacional de TIC), a Yamaha Motors e a Liberty<br />

Global (maior operador de cabo do mundo). Além disso,<br />

a empresa criou uma rede veicular em Singapura, onde<br />

tem um escritório, e outra em Manhattan, Nova Iorque. Há<br />

ainda a perspetiva de expandir os serviços da Veniam para<br />

outras grandes cidades, como Londres e Barcelona.<br />

De resto, a Veniam nasceu com uma orientação eminentemente<br />

global. Após a bem-sucedida instalação da<br />

rede veicular no Porto, a empresa abriu um escritório<br />

em Boston, nos EUA, e, depois de fechar uma ronda de<br />

investimento, mudou-se para Mountain View, na Califórnia,<br />

onde trabalha a equipa responsável pela gestão de<br />

produto, finanças, marketing e vendas. No <strong>UP</strong>TEC, está<br />

o centro de desenvolvimento tecnológico. A Veniam tem<br />

também uma subsidiária em Singapura, responsável não<br />

apenas pelas vendas mas também pelo desenvolvimento<br />

operacional para o mercado asiático.<br />

A deslocalização foi fundamental “para promover o crescimento<br />

da empresa e para estar mais próximo de clientes<br />

e investidores”, explica João Barros. Mas as atividades<br />

de I&D são para manter na Invicta, já não no <strong>UP</strong>TEC mas<br />

no Palácio dos Correios, onde estão a ser instaladas as<br />

empresas envolvidas na estratégia ScaleUp Porto, uma<br />

iniciativa da autarquia que tem como parceiro de referência<br />

a U.Porto.<br />

“Os nossos investidores estão impressionadíssimos com<br />

a qualidade dos engenheiros da Veniam em Portugal, e<br />

isso para eles é o mais importante. Hoje em dia, em Silicon<br />

Valley, é extremamente difícil conseguir uma massa<br />

crítica de engenheiros, em particular na área das redes. O<br />

facto de nós termos conseguido desenvolver essa massa<br />

crítica, desde logo porque temos 10 doutorados na empresa<br />

a criar inovação, é uma mais-valia para todos e um<br />

valor em si”, garante o CEO da Veniam, justificando assim<br />

a permanência da I&D no Porto.<br />

No Porto, a Veniam tem uma equipa de 36 pessoas (45<br />

no total da empresa, mas com perspetivas de crescimento),<br />

etariamente muito heterogénea (dos 22 aos 60<br />

anos), com cerca de 30% de mulheres e oito nacionalidades<br />

diferentes. Esta massa crítica maioritariamente constituída<br />

por engenheiros é responsável pela propriedade<br />

intelectual da Veniam, “que é um valor em si, independentemente<br />

do sucesso comercial da empresa”, ressalva<br />

João Barros.<br />

Atualmente, a Veniam é coproprietária de cinco patentes<br />

juntamente com a U.Porto, a Universidade de Aveiro e o<br />

Instituto de Telecomunicações. Além destas, já submeteu<br />

cerca de 40 patentes com propriedade intelectual. “Estamos<br />

a produzir conhecimento, invenções e patentes à<br />

razão de uma a duas por mês”, assegura João Barros, que<br />

não esquece o apoio da <strong>UP</strong>IN – U.Porto Inovação no registo<br />

das patentes da Veniam.<br />

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UM MUSEU PARA AS<br />

NOSSAS NEFERTITIS<br />

Do centro da cidade até à Foz do Douro, há uma matriz de ciência que se<br />

vai espalhar pelo Porto. A Galeria da Biodiversidade – Casa Andresen<br />

será o primeiro polo a inaugurar, de um roteiro científico que começará<br />

no Edifício Histórico da Reitoria da Universidade do Porto e terminará no<br />

Aquário da Foz. A verdadeira cidade CAMPUS vai nascer.<br />

Foi em dezembro de 1912 que uma equipa chefiada pelo arqueólogo alemão<br />

Ludwig Borchardt conseguiu chegar até ao atelier do escultor Thutmose, em El<br />

-Amarna (Antiga Akhetaton), no Egito, e entre outros artefactos descobriu o busto de<br />

Nefertiti. Na mesma década, outra equipa de arqueólogos alemães, um pouco mais para<br />

Oriente, recolhia objetos encontrados nas escavações de Assur, antiga capital da Assíria.<br />

Este lote de objetos foi confiscado pelo governo português em 1916, durante a Primeira<br />

Guerra Mundial, de um barco alemão refugiado no Tejo, o Cheruskia.<br />

Em 1921, por despacho, o Ministro da Instrução Pública da altura, Augusto Nobre, cedeu o<br />

espólio à U.Porto para a criação de um Museu de Arqueologia. Um ano depois, chegaram<br />

à Reitoria 140 das 450 caixas existentes. Este poderia ser o final da história se a Alemanha<br />

tivesse desistido da sua carga, o que não aconteceu. Em 1925 o arqueólogo alemão<br />

Walter Andrae veio a Portugal e conseguiu chegar a um acordo. As antiguidades assírias<br />

regressaram com ele e como forma de agradecimento o governo alemão ofereceu um lote<br />

de antiguidades egípcias, oriundas do Museu de Berlim, na Alemanha.<br />

A “Coleção Egípcia da Universidade do Porto” esteve em exposição no edifício da Reitoria,<br />

entre setembro de 2011 e março de 2012, e foi distinguida com o prémio de “Melhor<br />

Catálogo” de 2012, pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM), um dos mais<br />

importantes organismos ligados à museologia em Portugal.<br />

As expedições continuaram durante a Segunda Guerra Mundial e, por cá, foi eleito um<br />

Presidente da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais, para que<br />

as ações de investigação antropológica, etnológica e arqueológica fossem realizadas na<br />

Guiné, em Moçambique, em Timor e em Goa, na Índia. Era por carta que Mendes Correia ia<br />

sabendo novas das missivas dos seus colaboradores. A 19 de setembro de 1945, Santos<br />

Júnior desabafa estar há 37 dias a bordo. “É um desespero ver passar tantos dias sem<br />

poder trabalhar naquilo que me traz a África. Nunca supus que para chegar até à Beira<br />

gastasse 39 (!) dias”. A 9 de outubro de 1945, Joaquim dos Santos Júnior voltava a dar<br />

conta dos trabalhos no terreno que implicavam “medir” a diversidade do género humano:<br />

“Só pude estudar 44 bargués, 22 homens e 22 mulheres. (…) Tirei muitas fotografias e fiz<br />

alguns desenhos de tatuagens, de mãos e de pés, e alguns apontamentos esboçados de<br />

perfis labiais e de narinas. (…) No dia 3 de outubro fomos visitar as ruínas de Metáli e da<br />

Molanda na Serra Chôa. (…) Fizemos 35 quilómetros a pé. (...) Foi um dia de grande calor,<br />

e passámos um pouco de sede (...). Esta gente em África não se rala. Em África ninguém<br />

tem pressa. Queria seguir para Milange, onde me esperam umas pinturas rupestres, e<br />

estou aqui preso por não ter chegado o malfadado camião”.<br />

As expedições antropológicas a África sucedem-se, sob influência de Mendes Correia, e<br />

é com este professor da Faculdade de Ciências da U.Porto, mais tarde presidente da autarquia,<br />

que se inicia o ensino de Antropologia e se estabelece o Museu e Laboratório de<br />

Antropologia. Ora, “é na componente africana que estão algumas das nossas nefertitis”,<br />

afirma Nuno Ferrand (na foto), diretor do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto.<br />

Retirado durante a Segunda Guerra Mundial, o busto de Nefertiti regressou ao renovado<br />

Neues Museum, em Berlim, onde se encontra atualmente. Símbolo do Antigo Egito, o busto<br />

com cerca de 3.400 anos de idade tem direito a uma sala própria. “O museu tem quatro<br />

andares, mas é a Nefertiti que o grande público quer ver”, diz-nos Nuno Ferrand. Porque há<br />

uma narrativa que as pessoas querem acompanhar... “Nós também temos as nossas nefertitis<br />

e vai ser nos Leões, num museu moderno, que vamos poder contar as nossas histórias. E<br />

será com base nas nossas nefertitis que vamos construir a nossa narrativa”.<br />

cultura Texto Anabela Santos Fotos Egídio Santos 28<br />

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O FUTURO MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL E DA CIÊNCIA<br />

São da responsabilidade do mármore os trabalhos de captura e irradiação da luz que<br />

nos recebe no átrio daquele que será o futuro Museu de História Natural e da Ciência<br />

da U.Porto. Resultado da fusão do Museu de História Natural e do Museu da Ciência /<br />

Núcleo da Faculdade de Ciências, originalmente a funcionar desde 1996, este museu<br />

integra um Polo Central, localizado no Edifício Histórico da Reitoria, e outro que inclui<br />

a Galeria da Biodiversidade – Casa Andresen e o Jardim Botânico do Porto.<br />

O Polo Central abrange as coleções históricas de geologia, paleontologia, zoologia, arqueologia<br />

e etnografia, botânica (incluindo o Herbário da U.Porto – PO) e ciência. Com<br />

exemplares de arte africana, asiática e da Melanésia, grande parte das coleções provém<br />

do Instituto de Antropologia Dr. Mendes Correia que realizou algumas das maiores expedições<br />

e missões antropológicas organizadas pelo governo português. Com dois séculos<br />

e meio de aquisições, as coleções multiplicaram-se na sua tipologia e diversidade, daí<br />

que se justifique um investimento na investigação. “Temos coleções muito relevantes”<br />

que carecem de “uma investigação e enriquecimento permanentes, sendo que não há,<br />

em Portugal, nenhum museu de história natural e da ciência que tenha investigação ativa<br />

sobre o património”, esclarece Nuno Ferrand.<br />

Do átrio, que ficará na ala sul do Edifício Histórico da Reitoria, dá para ver a porta que<br />

esconde uma das joias mais importantes de todo o complexo: o Laboratório de Química<br />

Ferreira da Silva. Depois de os outros museus em Coimbra (século XVIII) e Lisboa<br />

(século XIX) terem recuperado os seus laboratórios, “nós tivemos a sorte de ter aqui um<br />

laboratório excecional, de início do século XX”, explica Nuno Ferrand. “Vamos contar três<br />

séculos de história da química num eixo nacional”. Está a ser trabalhada a possibilidade<br />

de haver um programa comum para que “as pessoas que visitam as três cidades possam<br />

entender essa história e a contribuição da investigação que foi feita em Portugal na área<br />

da química”.<br />

O Laboratório do Porto é dos inícios do século XX, período de excelência da art déco, e<br />

embora tenha sofrido algumas alterações ao longo do tempo, vai ser feito um trabalho de<br />

reconstituição e contextualização. “Há muitos episódios de ligação à cidade que vão ser<br />

recuperados, mas também a relação de Portugal com outros países, nomeadamente na<br />

exportação de vinhos para o Brasil e a respetiva análise que aqui era efetuada”. Sendo<br />

que este laboratório corresponde também à matriz da Bial, a empreitada contará com o<br />

apoio daquela farmacêutica.<br />

O mecenato estende-se ainda à Mota-Engil para aquele que será o “aspeto mais icónico”<br />

do museu: o Pátio dos Dinossauros. Em dezembro de 2015, o Museu de História Natural<br />

de Berlim anunciou ao mundo a sua nova superstar. Com 66 milhões de anos, Tristan,<br />

o Tyrannosaurus rex de 13 metros de comprimento, chegou de Montana, nos Estados<br />

Unidos. No Porto, a narrativa vai ser outra: a de proximidade. Com histórias que ainda<br />

não foram contadas. “Não vamos trazer para aqui os TRex”, afirma Nuno Ferrand. “Vamos<br />

trazer os dinossauros que têm sido encontrados em Portugal e que nos colocam, neste<br />

momento, na sétima posição do mundo em termos de interesse paleontológico. Os dinossauros<br />

que têm sido encontrados na Lourinhã são de facto excecionais”.<br />

O diretor do futuro Museu, Nuno Ferrand, o Professor da FBA<strong>UP</strong> Luís Mendonça e o<br />

consultor catalão Jorge Wagensberg constituem a equipa que pensou o discurso expositivo<br />

e museológico dos Leões e da Galeria da Biodiversidade, entre os quais haverá<br />

uma ligação temática, fazendo com que quem entre no Polo Central saia com vontade de<br />

continuar a visita na Casa Andresen, e vice-versa.<br />

GALERIA DA BIODIVERSIDADE - CASA ANDRESEN<br />

Porquê salvar uma espécie? Porque é pura beleza; porque chegou até aqui depois de<br />

quase 4.000 milhões de anos de evolução. Ou “só” porque nela pode estar a solução para<br />

um problema que ainda nem surgiu. Quando entrar no portão que dá acesso ao Jardim<br />

Botânico, olhe para o chão. Terá a “Árvore da Vida” rente aos pés. Faz lembrar o tronco de<br />

uma árvore, esta obra de Luís Mendonça que representa a distribuição da diversidade das<br />

espécies. Do humano ao fungo, estamos a pisar quatro mil milhões de anos de vida. Meio<br />

caminho andado para subir as escadas da Galeria da Biodiversidade - Casa Andresen e<br />

encontrar o caracol riscado (Cepaea nemoralis) que, tal como Beethoven na música, é um<br />

maestro na apresentação de diferentes variações sobre o mesmo tema. Para lembrar que,<br />

quanto maior for a diversidade genética de uma espécie, mais protegida está contra a<br />

incerteza do meio ambiente.<br />

E qual é a forma que carece de uma superfície mínima, para encerrar um volume, permitindo<br />

assim uma perda de calor mais lenta? Também é a forma mais difícil de ser mordida<br />

por uma boca cujo diâmetro seja menor… O ovo, claro. Sabia que o esférico cai do ninho<br />

mais facilmente do que o ovoide? Haverá uma relação entre a forma geométrica e a função<br />

que um ser vivo desempenha no ambiente? Há seres vivos parecidos porque partilham<br />

uma história, outros porque partilham um destino. As perguntas vão funcionando de anzol,<br />

nesta aventura pelas espécies que, também aqui, retoma a narrativa de proximidade. Se é<br />

verdade que há revoluções científicas associadas a grandes viagens como as de Charles<br />

Darwin ou Alfred Wallace, também é verdade que Portugal foi pioneiro na descoberta do<br />

planeta e é porque a biodiversidade também se escreve em português que vai ser resgatado<br />

o contributo de exploradores como Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 - 1815).<br />

cultura Texto Anabela Santos Fotos Egídio Santos 30<br />

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A Galeria da Biodiversidade - Casa Andresen, cuja inauguração está prevista para os<br />

próximos meses, aposta em momentos e elementos “tremendamente fortes do ponto de<br />

vista estético” e num “cruzamento entre arte e ciência que nos vai distinguir a nível nacional<br />

e internacional”. A herança do universo de Sophia (de Mello Breyner Andresen) está<br />

na metáfora do esqueleto da baleia que se impõe no hall de entrada. “E a partir daí irá<br />

nascer tudo o resto”, acrescenta Nuno Ferrand. Há ainda um projeto para “desacantonar”<br />

o Jardim Botânico, ou, visto de outra forma, de “botanização” do Campo Alegre. Ainda<br />

pertence ao papel, esta ideia de expandir o jardim pela rua.<br />

UM ROTEIRO PARA A PROMOÇÃO DA CULTURA CIENTÍFICA<br />

cerca de 40 anos depois. O suficiente para fazer parte da memória coletiva. Porque o<br />

tema “está em todas as agendas” e porque é essencial vincar a importância do mar num<br />

país como Portugal, interessa resgatar a memória do que foi a investigação marinha. É<br />

fundamental, sublinha Nuno Ferrand, “perceber por que motivo essa investigação arrancou<br />

na U.Porto e recuperar os trabalhos de uma pessoa absolutamente fundamental na<br />

criação do museu, e na biologia, que foi o professor Augusto Nobre”.<br />

Com a integração do Polo do Mar, este novo o roteiro científico terá início no centro<br />

do Porto e terminará na Foz do Douro, efetivando, concluí Nuno Ferrand, “a noção de<br />

campus ou de ciência espalhada pela cidade”. Sob a matriz de divulgação e promoção da<br />

cultura científica há uma cidade campus que está a nascer.<br />

A U.Porto viu recentemente aprovados 1,9 milhões de fundos comunitários para o processo<br />

de reabilitação do Museu de História Natural e da Ciência, “um contributo significativo<br />

que vai permitir consolidar a obra que está em curso e abrir novas frentes”, esclarece<br />

Nuno Ferrand. A realização da Conferência Anual do Ecsite, em junho de 2017,<br />

que trará ao Porto cerca de 350 organizações e mais de mil pessoas empenhadas em<br />

comunicar ciência, será um dos momentos importantes para apresentar “este novo projeto<br />

sobre divulgação e comunicação de ciência. Em vez de um edifício teremos uma<br />

instituição espalhada pela cidade, da qual as pessoas vão poder desfrutar através de um<br />

programa conjunto. É uma obra complexa, que vai continuar nos próximos anos”.<br />

A última fase deste projeto leva-nos até à Avenida Montevideu, na Foz. A Estação de<br />

Zoologia Marítima Dr. Augusto Nobre foi criada em 1914 e as obras de construção do<br />

edifício começaram logo de seguida. Com 36 aquários para exposição de animais de<br />

água doce, salobra e salgada, o aquário público abriu portas em 1927, para as fechar<br />

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Alexandre<br />

Quintanilha<br />

Veja o vídeo da entrevista em<br />

http://tv.up.pt/videos/cmeruszw<br />

“ESTOU-ME A SENTIR CADA VEZ MELHOR NA POLÍTICA”<br />

É um dos cientistas portugueses mais conceituados mas, quando se preparava para<br />

um bucólico remanso nas Montanhas Rochosas dos EUA, foi desviado para a política,<br />

onde garante sentir-se “cada vez melhor”. Considera-se uma espécie de “água<br />

fresca” na Assembleia da República, mercê da forma desinteressada, independente<br />

e heterodoxa com que exerce o cargo de deputado na bancada do PS. Acredita que<br />

vai cumprir os quatro anos do mandato, até porque, segundo ele, o “realismo” dos<br />

partidos da “geringonça” não deixará cair o Governo. A homossexualidade, que<br />

assume com desassombro, “não é assunto” para si, nem se sente investido da responsabilidade<br />

de defender os direitos LGBT no Parlamento. O seu contributo para a<br />

causa, diz, é a “forma muito natural” como vive a sua sexualidade. Presidente da<br />

Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, Alexandre Quintanilha confia que é<br />

possível retomar a herança política de Mariano Gago e, mesmo sem mais financiamento,<br />

dar confiança às instituições do ensino superior.<br />

entrevista<br />

33 Texto Ricardo Miguel Gomes<br />

Fotos Egídio Santos<br />

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Veja o vídeo da entrevista em<br />

http://tv.up.pt/videos/cmeruszw<br />

Confessou numa entrevista que a sua primeira experiência na política,<br />

enquanto vereador da CM Porto, não tinha sido “entusiasmante”? E<br />

esta segunda experiência política, está a ser mais entusiasmante?<br />

Muito mais entusiasmante. Também é uma situação inédita, esta junção<br />

de todos os partidos da esquerda para constituírem um governo<br />

estável. A esquerda tem mais tendência para se dividir do que para se<br />

juntar. Tenho muita empatia com os ideais socialistas, tenho muitos<br />

amigos no Bloco de Esquerda, estou a conhecer algumas pessoas<br />

do Partido Comunista… E estou a achar interessante, não só pelas<br />

pessoas, mas também pelos tópicos que estamos a debater: questões<br />

relacionadas com a educação, com a ciência, com a saúde. São questões<br />

que me interessam e em relação às quais tenho posições.<br />

O que é que o levou a aceitar o convite de António Costa para ser o<br />

cabeça de lista do PS pelo Porto?<br />

Eu tinha acabado de dar a minha última aula [de jubilação, no ICBAS],<br />

numa sexta-feira, e no sábado de manhã recebo uma chamada do [vereador<br />

da CM Porto] Manuel Pizarro a dizer que o António Costa queria<br />

falar comigo, sem me dizer porquê. Combinámos encontrar-nos em<br />

Serralves, ao fim da tarde. E ele [António Costa] foi direto ao assunto:<br />

perguntou-me se estava disposto a fazer parte da lista do PS.<br />

Aceitou de imediato?<br />

Não, desatei-me a rir. Disse-lhe: “Está a brincar comigo, porque eu<br />

não tenho experiência [política] nenhuma”. E ele deu-me uma resposta<br />

muito inteligente: “É precisamente por isso que o gostava de convidar,<br />

porque a credibilidade dos políticos não está a passar por momentos<br />

muito positivos no mundo inteiro. Portanto, a vinda de uma pessoa que<br />

não tem carreira na política pode ser uma espécie de água fresca”.<br />

Não sei se foram exatamente estas as palavras que ele usou, mas<br />

deu-me a entender que a ideia era trazer [para a política] uma pessoa<br />

nova, com pouca experiência, com algum bom senso e obviamente<br />

com ideias. Achei a resposta inteligente, mas não aceitei logo. Pedi<br />

uma semana para pensar. E depois disse ao António Costa: “Aceito e<br />

daqui a um ano verei como me estou a sentir”. Mas estou-me a sentir<br />

cada vez melhor.<br />

Pensa acabar o mandato?<br />

Nesta altura, a sensação que eu tenho é de que vou acabar o mandato.<br />

Acho que ainda há muitos desafios importantes em muitas áreas em<br />

relação aos quais gostava de contribuir. E acho que posso contribuir.<br />

Portanto, se tudo correr normalmente, como está a acontecer, para<br />

espanto de algumas pessoas….<br />

Acredita então na viabilidade do acordo à esquerda?<br />

Acredito. Tem havido realismo. Percebemos as dificuldades que o país<br />

ainda vai passar – como é óbvio, não estamos a nadar em dinheiro<br />

–, mas também sabemos que nos temos de afastar do caminho que<br />

estava a ser seguido, que era um caminho claramente neoliberal. Eu já<br />

conheci o neoliberalismo nos Estados Unidos, com Reagan, e também<br />

sei o que aconteceu em Inglaterra. Acho que foi um desastre total e<br />

estou muito satisfeito por esta nova forma de olhar para as pessoas,<br />

para o mundo, para Portugal, para a situação em que estamos.<br />

E acha que está a ser a “água fresca” de que António Costa falava?<br />

Acho que sim. Tenho a noção de que, para muitos deputados, e não<br />

só do PS, eu sou bem-vindo. Já não sou aquele bicho estranho que<br />

apareceu. Falo pouco, tenho poucas intervenções, mas as que faço<br />

são apreciadas. Às vezes até fico preocupado, pois batem-me palmas<br />

não só à esquerda mas também à direita.<br />

“Nesta altura, a<br />

sensação que eu<br />

tenho é de que vou<br />

acabar o mandato.<br />

Acho que ainda há<br />

muitos desafios<br />

importantes em<br />

muitas áreas<br />

em relação aos<br />

quais gostava de<br />

contribuir.“<br />

“Falo pouco,<br />

tenho poucas<br />

intervenções,<br />

mas as que faço<br />

são apreciadas.<br />

Às vezes até fico<br />

preocupado, pois<br />

batem-me palmas<br />

não só à esquerda<br />

mas também à<br />

direita.“<br />

Como é que convive com a disciplina partidária? Acontece-lhe pensar<br />

de forma diferente do PS e do Governo?<br />

Não tem sido um problema. Uma das coisas que o António Costa também<br />

me disse, logo no início, foi que respeitava muito a independência<br />

e as opiniões diferentes das pessoas. E eu sou independente. Nunca<br />

senti qualquer pressão. Aliás, já votei, não muitas vezes, de forma diferente<br />

daquela que era a posição do partido.<br />

HOMOSSEXUALIDADE “DEIXOU DE SER ASSUNTO”<br />

Creio que é o único deputado homossexual assumido no Parlamento português.<br />

Esta condição tem algumas implicações na sua atividade política?<br />

Nunca. Nem no passado nem atualmente. Tem a ver com o facto de eu<br />

não colocar isso [a homossexualidade] como um assunto. Para mim,<br />

isso já deixou de ser assunto. É como ter os cabelos louros ou os<br />

cabelos castanhos. Já vivi muitas décadas da minha vida em que isso<br />

deixou de ser assunto para, agora, passar a ser assunto.<br />

Não sente uma responsabilidade maior de defender as causas LGBT<br />

no Parlamento?<br />

Não, não sinto. Se calhar, a causa para mim é a minha vida; o facto de<br />

eu não ter orgulho em ser nem vergonha de o ser. Esta forma muito<br />

natural de estar na vida, de lidar muito naturalmente com as pessoas,<br />

é o meu contributo para dessacralizar e desmistificar um pouco esta<br />

ideia de que uma pessoa é assim por ser homossexual ou lésbica. Há<br />

muita gente hoje que, por me ter conhecido, tem uma visão diferente<br />

da divisão entre o straight e o gay. Afinal, somos todos muito parecidos.<br />

Apesar dos avanços nos direitos LGBT, ainda há pouco tempo um hotel<br />

em Viana do Castelo pedia no seu site aos homossexuais para<br />

não fazerem reservas porque lhes poderia ser “vedada a admissão”.<br />

Isto pode querer dizer que a mentalidade dos portugueses não está a<br />

acompanhar o avanço da legislação relativa aos direitos LGBT?<br />

Deixe-me fazer uma comparação com o racismo. Nenhum português<br />

admite ser racista, ou, pelo menos, terá uma certa vergonha, espero eu.<br />

E, no entanto, o racismo existe, toda a gente sabe. Acho que a juventude<br />

hoje presta cada vez menos atenção a estas questões. Estão mais<br />

interessados em saber o que a pessoa é do que quais são os adjetivos<br />

associados à pessoa. E isso é bom. Repito, é um assunto que, para<br />

mim, não é assunto.<br />

Mas há casos extremos de ódio homofóbico, como o atentado em Orlando.<br />

Sim, mas nada disto é novo na História. Houve sempre pessoas perseguidas.<br />

Isso faz parte do mundo em que vivemos. Pessoas que têm<br />

opiniões extremas e que acham que há certas formas de viver e de<br />

pensar que são as corretas sempre existiram. [Por outro lado], há ganhos<br />

sociais muito recentes e, por serem muito recentes, há ainda focos<br />

que aparecem. E se calhar em momentos de tensão, de fragilidade<br />

das sociedades, muitas destas coisas vêm à superfície. Aliás, há um<br />

exemplo atualíssimo disto: o referendo em Inglaterra [para a saída da<br />

UE]. Muita gente ficou surpreendida; eu não fiquei nada surpreendido.<br />

O Brexit foi uma reação de revolta contra as elites?<br />

Foi uma revolta contra a falta de solidariedade. Numa sociedade cada<br />

vez mais competitiva, de uma forma selvagem, obviamente que as diferenças<br />

vão aumentando. Todos os indicadores mostram que a diferença<br />

entre os mais ricos e os mais pobres, os mais educados e os<br />

menos educados, tem vindo a aumentar nos últimos 70 anos. A minha<br />

empatia é com todos aqueles que lutam para que haja mais equidade<br />

no mundo. Para que as pessoas possam ter acesso a educação, justiça,<br />

saúde, nutrição…<br />

entrevista<br />

Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos 34<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 34 06/01/17 16:02


NUNO CRATO “FOI UM DESASTRE”<br />

Como presidente da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência,<br />

teve de lidar com temas bastante polémicos, como o fim dos exames<br />

nacionais nos 4.º e 6.º anos e a suspensão dos contratos de associação.<br />

Para alguém com pouca experiência política, tem sido difícil gerir<br />

assuntos de tão grande melindre?<br />

Eu na Comissão não falo. Tento moderar, mas de uma forma muito<br />

silenciosa. Procuro que toda a gente [deputados e membros do Governo]<br />

tenha a oportunidade de exprimir as suas opiniões, de forma<br />

equitativa. Isso não quer dizer que não tenha as minhas opiniões. Por<br />

exemplo, em relação às escolas, não tenho nada contra o ensino privado.<br />

Tem todo o direito de existir. Agora, eu não quero que os meus<br />

impostos sejam para as escolas privadas. Os meus impostos são para<br />

garantir que haja uma oferta pública de ensino para todos e com a<br />

melhor educação possível. Se os pais decidirem que querem mandar<br />

os filhos para escolas privadas, têm todo o direito de o fazer, mas não<br />

é com os meus impostos.<br />

Não estamos em Portugal a criar uma situação em que os pobres vão<br />

para as escolas públicas e os ricos vão para as escolas privadas?<br />

É um risco. Há pessoas que julgam que, mandando os seus filhos para<br />

escolas privadas, têm a garantia de ter uma educação, senão melhor,<br />

pelo menos diferente. Mas, como sabemos, há muitas surpresas: há<br />

pessoas que vão para as melhores escolas e melhores universidades<br />

e saem uns trastes. O ambiente que uma pessoa tem em casa também<br />

tem uma influência enorme. Isso faz parte das diferenças que existem<br />

no mundo. Na educação, a diferença maior não é entre privado e público<br />

mas entre as pessoas. Mas o que eu queria era que o nível da<br />

educação na escola pública fosse cada vez maior.<br />

Em Portugal, as políticas de educação mudam de governo para governo,<br />

o que não permite estabilizar e dar a desejável constância ao<br />

sistema de ensino.<br />

Isso é um problema em todo o mundo, infelizmente. Cada Governo<br />

quer deixar a sua marca. O que gostaríamos era de ter uma política de<br />

longo prazo, com pequenas alterações à medida que vamos avançando.<br />

Agora, não se esqueça que quem introduziu variações dramáticas<br />

no sistema de educação foi o Governo anterior, do ministro Nuno Crato.<br />

Eu apreciava o Nuno Crato, antes de ele ser ministro, pelas posições<br />

que tinha sobre o ensino da Matemática, de que era um grande<br />

divulgador. Mas acho que foi um desastre [como ministro]. Não houve<br />

uma coisa que ele tenha feito com que eu estivesse de acordo. Uma!<br />

E não foi só em relação à educação, foi também em relação à ciência.<br />

Aí, acho que foi um desastre total.<br />

FINANCIAMENTO VAI “CRESCER DEVAGARINHO”<br />

Foi assinado um acordo entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e<br />

Ensino Superior e as instituições que estabiliza os orçamentos das universidades<br />

e politécnicos durante três anos. É possível fazer progredir<br />

o ensino superior, a ciência e a inovação em Portugal sem um reforço<br />

efetivo do financiamento público às instituições do ensino superior?<br />

A evolução de um país tem a ver com os níveis de financiamento, mas<br />

também com os níveis de confiança das pessoas num futuro melhor.<br />

E o que estava a acontecer no Governo anterior é que a esperança<br />

num futuro melhor tinha quase desaparecido. Até 2010/2011, por ter<br />

felizmente um ministro como Mariano Gago, o país acreditou que va-<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 35 06/01/17 16:02


<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 36 06/01/17 16:02


lia a pena apostar no conhecimento. Nos últimos quatro anos, o que<br />

aconteceu foi a reversão completa [dessa aposta]. Nós estávamos a<br />

aproximar-nos da Europa em muitos indicadores e, nos últimos quatro<br />

anos, entrámos numa trajetória completamente oposta. Acho que o<br />

que o atual ministro está a fazer é tentar voltarmos à mesma trajetória,<br />

se calhar menos rapidamente. Agora, vamos crescer mais devagarinho.<br />

O acordo tem muito a ver também com esta questão de<br />

dar às instituições uma certa confiança e com uma certa partilha de<br />

responsabilidades financeiras, que eu acho importante. As instituições<br />

continuam a competir umas com as outras, o que é normal, mas há a<br />

ideia de que podem colaborar mais entre si para desenvolverem certas<br />

áreas que necessitam de conhecimentos complementares.<br />

A manutenção do financiamento no mesmo nível dos anos anteriores<br />

não defrauda as expectativas das universidades e politécnicos em<br />

relação a este Governo e contradiz, até, o discurso do PS antes de<br />

assumir funções governativas?<br />

Uma coisa é aquilo que gostaríamos de fazer, outra coisa é aquilo que<br />

é possível fazer. O Governo está a fazer o máximo que é possível, mas<br />

também não está a dar mensagens irrealistas daquilo que é possível.<br />

Por outro lado, também é verdade que o financiamento para a I&D não<br />

tem que ser só público. O que acontece no mundo inteiro é que, quando<br />

aumenta ligeiramente o financiamento público, o financiamento<br />

privado tem tendência a acompanhá-lo. No Governo anterior, o financiamento<br />

público diminuiu e o financiamento privado ainda mais, em<br />

comparação. Portanto, espera-se que, se houver um ligeiro aumento<br />

do financiamento público, possa também haver um aumento do financiamento<br />

privado.<br />

Não acha pertinente, como têm defendido os reitores, que o financiamento<br />

varie em função dos resultados de cada instituição do ensino superior?<br />

Primeiro, é preciso saber como se medem os resultados. Uma das<br />

questões críticas atuais, em todo o mundo científico, tem a ver com a<br />

forma de avaliação das instituições. Como é que se decidem os fatores<br />

de impacto, por exemplo? Como há muitas incertezas em relação à<br />

capacidade de avaliação, acho que o financiamento deve ter uma base,<br />

talvez em função do número de alunos das instituições, que seria o<br />

bolo principal. E depois devia haver uma percentagem pequenina para<br />

poder recompensar as coisas extraordinárias que possam ser feitas<br />

nessas instituições. Percebo essa visão de alguns reitores, não sei se<br />

são todos, mas acho que é preciso avançar com muito cuidado neste<br />

processo. Precisamente porque eu tenho preocupações de equidade.<br />

Até poderia utilizar-se o argumento contrário: aqueles que não estão a<br />

trabalhar muito bem, se calhar precisam de mais financiamento, para<br />

os ajudar a trabalhar melhor.<br />

Portugal cresceu significativamente em número de doutorados, investigadores,<br />

instituições de I&D e publicações científicas. No entanto, o<br />

país é acusado de ainda não ter conseguido transformar em crescimento,<br />

riqueza e emprego o conhecimento científico produzido nos<br />

centros de investigação. Acha esta crítica válida?<br />

Acho [essa crítica] totalmente artificial, pela seguinte razão: não há<br />

uma relação direta entre o conhecimento e as suas aplicações. A ideia<br />

de que devíamos financiar só a investigação que vai ter impacto direto<br />

na economia parece-me um argumento, não diria infantil, mas adolescente.<br />

[Uma ideia] de quem não conhece o mundo do conhecimento<br />

e da inovação. Tive colegas que me ensinaram uma coisa que eu<br />

sempre valorizei muito: hoje em dia, nós sabemos que quem está a<br />

fazer investigação básica ou fundamental muito boa dentro de pouco<br />

tempo vai ter aplicações extraordinárias. E vice-versa: quem está<br />

a fazer investigação aplicada muito boa vai ter necessidade de voltar<br />

“Espera-se que,<br />

se houver um<br />

ligeiro aumento<br />

do financiamento<br />

público, possa<br />

também haver<br />

um aumento do<br />

financiamento<br />

privado. “<br />

“Aqui [no i3S], há<br />

a possibilidade<br />

das pessoas<br />

dialogarem e<br />

perceberem os<br />

problemas dos<br />

outros. Hoje em<br />

dia, as perguntas<br />

mais interessantes<br />

são sempre na<br />

interface das<br />

áreas.“<br />

à investigação fundamental para resolver questões críticas. Portanto,<br />

estas duas áreas não são independentes; estão muito ligadas. Isto é o<br />

que os países mais desenvolvidos e as universidades mais desenvolvidas<br />

do mundo já perceberam: o que se deve financiar é boa investigação,<br />

quer ela seja pura ou aplicada. E tentar forçar que uma coisa<br />

seja aplicada não funciona. Ela tem de surgir do próprio mecanismo<br />

do conhecimento.<br />

I3S É UM “FAROL”<br />

No entanto, o i3S, de que foi um dos obreiros, é também um instituto<br />

de inovação…<br />

Temos os dois nomes juntos: investigação e inovação. Isto é um instituto<br />

que acredita que, através da investigação, a inovação também<br />

acontece, e vice-versa. O nome foi escolhido de propósito para indicar<br />

que é um instituto que está virado para o conhecimento. E que esse<br />

conhecimento pode ser fundamental ou aplicado.<br />

O que é que representa para si a concretização deste instituto?<br />

Espero que permita que pessoas das mais variadas origens científicas,<br />

culturais e nacionais sintam que têm a capacidade de arriscar fazer<br />

perguntas diferentes e entrar em domínios ainda pouco explorados.<br />

Isto não é fácil. É muito mais fácil para uma pessoa que trabalhou 20<br />

anos num assunto, e que o conhece muito bem, continuar nesse assunto.<br />

Parar, e ir falar com aquele e começar a aprender novas coisas é<br />

mais difícil. Aqui [no i3S], há a possibilidade das pessoas dialogarem e<br />

perceberem os problemas dos outros. Hoje em dia, as perguntas mais<br />

interessantes são sempre na interface das áreas. Aquilo que é difícil<br />

de explorar não está aqui nem ali – está no meio. É aí que aparecem<br />

as questões novas, as hipóteses novas, as narrativas novas, que depois<br />

se podem testar.<br />

E o que é que este instituto representa para a ciência em Portugal?<br />

A originalidade deste instituto é que ele não foi imposto de cima para<br />

baixo. Estas pessoas juntaram-se, de baixo para cima, porque quiseram.<br />

Quando o INEB e o IBMC se juntaram, foi porque já havia muitos<br />

projetos em comum. Quando o Ipatimup se juntou ao INEB e IBMC,<br />

formando esta tríade, também foi porque tinham projetos em comum,<br />

partilhavam equipamentos muito caros, havia alunos com os mesmos<br />

orientadores… E foi essa experiência que permitiu criar o i3S. Não é<br />

fácil juntar instituições com culturas diferentes. Então, os portugueses<br />

que são o povo mais individualista que conheço… Mas não tenho<br />

dúvidas nenhumas de que isto vai funcionar. Isto pode ser um farol,<br />

que faça com que as pessoas deixem de ter medo de arriscarem em<br />

domínios diferentes.<br />

E pode também ser um farol para a U.Porto, considerando a sua ambição<br />

de se afirmar internacionalmente na investigação científica?<br />

Eu acho que já é [um farol]. Há muita gente na U.Porto que aprecia o<br />

que está a ser feito no i3S. O mundo académico é muito competitivo,<br />

há muitas invejas… Mas, depois dos 20 anos de experiência deste<br />

processo, uma parte significativa da comunidade académica tem respeito<br />

e admiração por aquilo que se está a tentar fazer no i3S. E depois<br />

há aqui gente jovem fabulosa. Uma das coisas em que a [nossa]<br />

sociedade pode ter alguma confiança é a de que há jovens de uma<br />

qualidade extraordinária. Muito mais abertos, com muito mais vontade<br />

de ir por esse mundo fora conhecer pessoas, trocar ideias, colaborar<br />

com outros grupos.<br />

37 entrevista<br />

Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 37 06/01/17 16:02


Marzia<br />

Bruno<br />

A ITALIANA CUJA PAIXÃO<br />

PELA LUSOFONIA LEVOU AO TARRAFAL<br />

Marzia Bruno fez a licenciatura em Escultura na Academia<br />

de Belas Artes de Florença, mas trocou a cidade de Botticelli,<br />

Leonardo da Vinci e Michelangelo (vivia entre a Galleria degli<br />

Uffizi e a Galleria dell’Accademia) pela instituição onde se<br />

formaram Soares dos Reis, Júlio Resende, Nadir Afonso, entre<br />

outros… Desta paixão pelo país e pela língua de Camões nasce<br />

um doutoramento em História da Arte Portuguesa, sobre identidade<br />

lusófona, na FL<strong>UP</strong>. Juntou-lhe um conceito itinerante e<br />

criou um projeto de curadoria com exposições que passaram<br />

por Aveiro, Porto e Cidade Velha, em Cabo Verde. Pelo caminho<br />

entrou no Campo do Tarrafal e saiu de lá com um “Lampejo de<br />

liberdade”, projeto que lhe valeu um prémio internacional.<br />

“A M Í L C A R.” É sonoridade que lhe causa alguma estranheza. Movimentos de boca<br />

para os quais a língua de Dante não a preparou. Mas habituou-se. Afinal, é o nome do companheiro<br />

que conheceu em Portugal e já lá vão mais de dez anos. Também foi nome que<br />

se entremeou nas histórias que ia ouvindo em Cabo Verde, de chinelo de dedo, a caminho<br />

da praia do Tarrafal. “Sempre gostei do Tarrafal. Da praia, das cores, das luzes. Passava<br />

muitas vezes pelo Campo. O pai do Amílcar, meu companheiro, foi lá prisioneiro”. Quem o<br />

diz é a investigadora e curadora italiana Marzia Bruno, que, de saia feita de capulana (pano<br />

tradicionalmente usado pelas mulheres moçambicanas), viaja entre Florença, Porto, Aveiro<br />

e Cidade Velha. Modelo seu, entregue às mãos de uma costureira cabo-verdiana.<br />

A memória das histórias prevalece até hoje, como aquela em que a avó Angelina (avó<br />

do namorado) foi ter com Amílcar Cabral ao barco atracado no porto de Dakar (Senegal,<br />

colónia francesa na altura), vindo da Guiné Conacri, e lhe deu roupas para que ele, disfarçado<br />

de mulher, pudesse circular e desenvolver os seus esforços revolucionários sem<br />

dar nas vistas. De resto, o nome que foi dado ao companheiro deve-se a esta proximidade<br />

com aquele que foi um dos fundadores do Partido Africano para a Independência<br />

da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). A última vez que enfrentou o Campo que dizem ser de<br />

“morte lenta” foi no Natal de 2015. “É árido. A boca seca quando se está lá dentro. Fiz<br />

diversas fotos. Eu, o Amílcar e o irmão. E lá estavam as fotos do pai deles. Que ainda está<br />

vivo. Fui dar uma volta e começaram a surgir as ideias”.<br />

Criada pelo Estado Novo, a Colónia Penal do Tarrafal, no lugar de Chão Bom, na ilha de<br />

Santiago (Cabo Verde), recebeu os primeiros presos políticos portugueses em outubro<br />

de 1936 – ano em que rebentou a Guerra Civil em Espanha e a Alemanha realizou, em<br />

Berlim, os Jogos Olímpicos de verão. O prisioneiro mais jovem tinha 17 anos. Edmundo<br />

Pedro esteve dez anos à espera de julgamento e, no final, foi condenado a 22 meses de<br />

prisão. O Campo fechou em 1954 para reabrir, em 1961, como Campo de Trabalho de<br />

Chão Bom. Até 1974 funcionou como penitenciária para militantes anticolonialistas de<br />

Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Por lá passaram mais de 340 portugueses e 230<br />

africanos. Da má alimentação aos trabalhos forçados, do paludismo aos espancamentos,<br />

além das semanas passadas na “frigideira” (caixa retangular de cimento com placa de<br />

betão no teto e porta de ferro), nas contas do jornalista cabo-verdiano José Vicente<br />

Lopes ali morreram 37 pessoas. Trinta e dois eram portugueses. “O espaço é arrepiante<br />

e é, ainda, uma ferida aberta”, reconhece Marzia Bruno.<br />

Foi depois da última visita ao Campo do Tarrafal que nasceu “A Glimmer of Freedom”,<br />

nome do projeto que venceu o apexart International Franchise Program 2016-17. A<br />

apexart é uma associação artística norte-americana sem fins lucrativos que visa dar a<br />

curadores independentes e artistas a oportunidade de proporem e produzirem uma exposição<br />

a acontecer em qualquer lugar do mundo. Entre 423 candidaturas enviadas por<br />

53 países, foi o seu projeto para o Campo do Tarrafal que arrecadou o primeiro prémio.<br />

Através da música, dança, pintura, artes performativas e vídeo mapping, vários artistas<br />

locais vão trabalhar questões como o património, a história e as vivências do local. O<br />

“Lampejo de Liberdade” vai envolver escolas, com quem Marzia Bruno irá desenvolver<br />

atividades educativas, como também antigos prisioneiros, com quem irá realizar entrevistais<br />

e palestras. O espaço já foi cedido pelo Instituto do Património da Cultura de Cabo<br />

Verde. Todas as instalações vão ser produzidas com recurso a materiais locais.<br />

mundus<br />

Texto Anabela Santos<br />

Fotos Egídio Santos<br />

38<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 38 06/01/17 16:02


39<br />

campus<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 39 06/01/17 16:02


Casa Museu<br />

Abel Salazar com<br />

trabalho no exterior<br />

de André Alves, no<br />

âmbito do projeto<br />

“Identidades:<br />

Variáveis<br />

Convergentes”.<br />

Momento de<br />

partilha com a<br />

comunidade escolar<br />

de Cabo Verde, no<br />

âmbito do projeto<br />

“Identidades:<br />

Âncoras de<br />

Passagem”.<br />

Campo do Tarrafal:<br />

interior de uma cela.<br />

DE ITÁLIA PARA A LUSOFONIA<br />

A primeira vez que esteve em Portugal foi em 2000. Veio visitar a irmã que, na altura,<br />

e ao abrigo do Programa Erasmus, se encontrava a estudar na Universidade de Aveiro.<br />

Em 2005, Marzia Bruno decide candidatar-se ao mesmo programa e tem a possibilidade<br />

de frequentar a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Foi na capital,<br />

enquanto subia e descia a calçada portuguesa, que descobriu o maravilhoso novo mundo<br />

dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). “Mas, afinal, o português<br />

fala-se noutros sítios. De formas diferentes. Não estou a acreditar! Que giro! Itália não<br />

tem esta relação que Portugal tem com África”. E foi abrindo espaço para os novos<br />

horizontes que a cultura lusitana ia trazendo. “Fascinava-me esta ideia dos portugueses<br />

como descobridores. Revia-me neles. Gosto de descobrir…”.<br />

Voltou para Florença e terminou o curso de Escultura em 2007. Consciente de que se<br />

queria afastar um pouco da escultura, mas manter-se fiel ao fascínio por arte contemporânea,<br />

performance, instalação, exploração do espaço e pela prática da investigação<br />

e envolvência conceptual, decide fazer um mestrado. Optou pelo curso de Estudos Artísticos,<br />

especialização em Estudos Museológicos e Curadoriais da Faculdade de Belas<br />

Artes da U.Porto. Terminou a tese com 20 valores, foi a melhor aluna do ano e teve direito<br />

a uma menção honrosa. O projeto de mestrado foi sobre arte pública, em Aveiro. “Fiz uma<br />

ficha técnica com o levantamento de ações de arte pública, criei percursos temáticos e<br />

uma plataforma em que juntei imagens antigas com imagens atuais”.<br />

Também trabalhou voluntariamente no Museu de Aveiro (Santa Joana, agora Museu de<br />

Aveiro, – nas atividades educativas), experiência que lhe permitiu perceber o que realmente<br />

lhe interessava: explorar as áreas da museologia e da curadoria. Queria entender<br />

um pouco melhor o papel do curador, cada vez mais presente no mundo artístico. “É um<br />

elemento-chave que comunica entre o público e o artista. Um elo. E tem de conhecer<br />

muito bem o percurso e visão dos artistas para saber se ‘encaixam’ no seu conceito”. Era<br />

uma espécie de “revolta” que sentia como artista.<br />

É O CONCEITO QUE VIAJA<br />

Foi em Aveiro que viveu uma daquelas experiências que aponta caminhos: conheceu uma<br />

exposição itinerante, de Pedro Lapa, que lhe fez levantar a seguinte questão: e se em vez<br />

de fazer mover as obras, fizesse mover o conceito? E assim nasceu o “Conceito Itinerante”,<br />

com o qual se aventurou para um projeto de curadoria que iria fazer passar por Aveiro,<br />

Cidade Velha e Porto, e que seria matéria-prima para um doutoramento em História da<br />

Arte Portuguesa, na Faculdade de Letras da U.Porto. “Não posso fazer uma exposição<br />

itinerante, mas posso ter um conceito. E é o conceito que viaja”.<br />

Outro pilar do seu trabalho foi encontrar estratégias de internacionalização da arte contemporânea.<br />

“Estas exposições também foram pensadas de forma a internacionalizar<br />

artistas, obras e lugares”. E mãos à obra. Sendo a lusofonia o fio condutor da empreitada,<br />

“e esta paixão pela língua de Camões que não sei de onde vem”, fez uma pesquisa, levantamento<br />

e seleção de artistas portugueses e lusófonos que convidou a explorarem a<br />

identidade lusófona, inserida no contexto do lugar onde as exposições se iriam realizar.<br />

Pretendia fazer a análise de como a obra se integra nos espaços, daí que a identidade do<br />

local tenha funcionado de matriz para este ‘conceito itinerante’. “Quis analisar um lugar<br />

comercial, um lugar histórico (lugares improváveis) e um lugar museológico”.<br />

A primeira exposição foi em Aveiro, local que conhecia melhor. Procurou espaços improváveis,<br />

ou alternativos, daí que tenha arrancado no espaço comercial Olá Ria, do Centro<br />

Cultural e de Congresso de Aveiro. “Identidades: Circunstâncias Transversais” integrou<br />

obras de pintura e escultura de seis artistas nacionais: Alexandra de Pinho, Glória Mendes,<br />

Madalena Metelo, Nelson Santos e Patrícia Guerra.<br />

A segunda exposição foi realizada em Cabo Verde, no Convento de São Francisco, na<br />

Cidade Velha. Intitulou-se “Identidades: Âncoras de Passagem”. Para este projeto de<br />

curadoria reuniu obras previamente realizadas e outras criadas especificamente para a<br />

exposição, mas todas com leituras identitárias, relacionadas ou à volta da raiz lusófona.<br />

Expôs obras de cinco artistas cabo-verdianos: Manuel Figueira, José Maria Barreto, Alex<br />

da Silva, Nelson Lobo e Tchalé Figueira.<br />

A terceira exposição aconteceu na Casa-Museu Abel Salazar, no Porto. Mal entrou no<br />

espaço, pensou: “O Abel Salazar deveria usar a casa dele como um laboratório a céu<br />

mundus<br />

Texto Anabela Santos<br />

Fotos Egídio Santos<br />

40<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 40 06/01/17 16:02


aberto. Este espaço não se usa como laboratório? Vou transformar aquilo tudo! E virei<br />

tudo ao contrário”. Literalmente. Fez o levantamento exaustivo da coleção da Casa<br />

Museu, percebeu as dimensões da vida e obra de quem lhe deu nome. Trabalhou os<br />

conceitos de presença, ausência e esquecimento. “Se eu criar o nulo, será que desperta<br />

a atenção? É que, normalmente, sentimos falta quando não temos. Só damos pela coisa<br />

quando a perdemos. Será que temos de chegar a este ponto?” De forma mais ou menos<br />

implícita, tentou puxar pela identidade do lugar. “O Abel pintava atrás das pinturas”,<br />

motivo pelo qual decidiu virar os seus quadros ao contrário. “Expus esta parte inédita da<br />

coleção que esteve ocultada pela força de se ter entendido que apenas uma era a parte<br />

frontal. Mas é sempre dele. Ele fazia muito isto”. Para esta exposição, que intitulou de<br />

“Identidades: Variáveis Convergentes”, selecionou sete artistas: Ana Vieira, André Alves,<br />

Isaque Pinheiro, Miguel Leal, Raquel Melgue, Rodrigo Oliveira, Vítor Israel, sendo que<br />

cinco deles criaram obras novas, pensadas para o local.<br />

O PAPEL DA CURADORIA<br />

As três exposições, que passaram por dois países e três cidades, obedeceram a uma<br />

estratégia de levantamento e estudo da obra de artistas da lusofonia, nomeadamente<br />

dos 17 que apresentaram obras nas suas exposições, incluindo inéditos. Além de potenciar<br />

a criação, o projeto de curadoria (“Conceito Itinerante”) serviu de mote para a<br />

realização de atividades educativas mas também de conferências, como aconteceu em<br />

Cabo Verde, sobre o conceito de preservação e património. O que voltará a acontecer<br />

com o projeto que tem para o Campo do Tarrafal. “É preciso trazer aquele espaço para a<br />

realidade. Ultrapassar o trauma”. Até porque a ilha carece de espaços expositivos. “Por<br />

que não conceber aquelas salas como espaços laboratoriais? De pura criação. Porque<br />

dói lembrar o que aquilo era?”.<br />

Há, no entanto, um cuidado que preocupa e irá sempre balizar a ação de Marzia Bruno no<br />

local: “O cuidado de não deturpar ou banalizar a passagem que se efetuou”. O respeito<br />

pela identidade do espaço a ser intervencionado. Da pintura à performance, construindo<br />

e desconstruindo a presença humana no local, terá a trabalhar consigo uma equipa pluridisciplinar<br />

que irá abordar a história do local em múltiplas perspetivas. Das entrevistas<br />

que vai realizar aos sobreviventes será extraída a matéria-prima de trabalho para os artistas.<br />

“É uma forma de preservar a memória e dar espaço à criação com artistas locais”.<br />

‘A Glimmer of Freedom’ acontece de 8 de abril a 6 de maio. A escolha das datas não é<br />

inocente, já que abrange o 18 de abril, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, e o 5<br />

de maio – Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP. “É o dia da Libertação. Foi<br />

o pai do Amílcar que me falou de 1 de maio 1974, porque foi uma das pessoas ligadas<br />

à libertação, na Zona de Santa Catarina. E fechamos”. O objetivo no Tarrafal é “preservar<br />

a memória vs locus (o lugar)”. Às vezes parece que “ainda se tem medo de falar sobre o<br />

assunto”. Que “é melhor não mexer muito porque se mexer dói”.<br />

Consciente dos perigos de interferir numa ferida que “ainda está aberta”, quer tornar o<br />

espaço “mais vivencial”. Porque, “se não se der este salto, o Campo vai ficar esquecido<br />

ou abandonado. Cheio de espinhas e poeira. É um fantasma que lá está. Quando se pode<br />

fazer daquele um espaço vivo”. E este também pode ser, defende a artista, o papel da<br />

curadoria, ou seja, o de despertar consciências.<br />

De sentidos bem despertos, na arte como na vida, Marzia Bruno alerta-nos para os perigos<br />

do decapitar da emoção e incentiva o apuramento da ‘Narrativa de Fuga’ de cada obra<br />

para que nos possamos sentir envolvidos pelos circuitos que a arte oferece. Deixa-nos um<br />

desafio: que cada um se atreva “a descobrir a parte íntima e artística que nos une”.<br />

41 campus 000<br />

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PRÉMIO PARA<br />

ESTRATÉGIA DE<br />

INTERNACIONALIZAÇÃO<br />

A U.Porto conquistou o Prémio para a Inovação<br />

na Internacionalização 2016 da European<br />

Association for International Education,<br />

plataforma europeia para a troca de conhecimento,<br />

experiências e metodologias ao nível da<br />

mobilidade académica.<br />

Coube à vice-reitora para as Relações Externas e<br />

Cultura, Maria de Fátima Marinho (na foto), receber<br />

aquele que é o único galardão a distinguir<br />

instituições europeias do ensino superior pelas<br />

suas estratégias e ações de internacionalização.<br />

A U.Porto viu assim reconhecida, pela maior associação<br />

do setor, a política de internacionalização<br />

que tem desenvolvido nos últimos dois anos,<br />

em particular no que respeita à participação e<br />

coordenação de consórcios e projetos europeus<br />

de mobilidade internacional de estudantes, docentes<br />

e colaboradores.<br />

PRESIDENTE VAI<br />

CONDECORAR A FC<strong>UP</strong><br />

A Faculdade de Ciências vai ser distinguida com o título de Membro Honorário<br />

da Ordem da Instrução Pública. O anúncio foi feito pelo Presidente da<br />

República durante o Dia da FC<strong>UP</strong> 2016, evento que, a 7 de outubro, assinalou o<br />

105.º aniversário da faculdade.<br />

“Foi com estupefação que descobri que nunca o poder político galardoou adequadamente<br />

os méritos desta faculdade”, começou por dizer Marcelo Rebelo de<br />

Sousa, antes de anunciar a distinção. “E a decisão só podia ser uma, que é atribuir<br />

-lhe o título de Membro Honorário da Ordem da Instrução Pública”.<br />

Carlos Costa é o novo Provedor dos Estudantes da U.Porto. O Professor<br />

Emérito e antigo diretor da FE<strong>UP</strong> foi nomeado pelo Conselho Geral para substituir<br />

Fernando Nunes Ferreira, que exercia o cargo desde 2010.<br />

Nascido no Porto em 1948, Carlos Costa fez todo o seu percurso académico na<br />

FE<strong>UP</strong>. Foi aí que se licenciou em Engenharia Química (1971) e que desenvolveu a<br />

sua carreira de docente e investigador, tendo ascendido a professor catedrático<br />

em 1996.<br />

Embora não disponha de poder decisório, é ao Provedor que os estudantes devem<br />

apresentar queixas ou sugestões relacionadas com órgãos, serviços e agentes da<br />

Universidade e das suas unidades orgânicas. Os estudantes podem contactar<br />

Carlos Costa pelo e-mail provedor@reit.up.pt ou marcando no SIGARRA uma<br />

reunião no Calendário do Provedor de Estudante.<br />

Manuel Barros, antigo diretor regional do<br />

Norte e presidente do Conselho Diretivo do<br />

Instituto Português do Desporto e da Juventude,<br />

é o novo diretor dos Serviços de Ação Social<br />

da U.Porto (SAS<strong>UP</strong>).<br />

Com mais de 30 anos de carreira como professor<br />

do ensino secundário, Manuel Barros,<br />

de 58 anos, chega à liderança dos SAS<strong>UP</strong> depois<br />

de ter passado por cargos de gestão em<br />

diversos organismos públicos e também numa<br />

instituição do ensino superior, o Instituto Politécnico<br />

do Cavado e do Ave. É licenciado em<br />

Filosofia e mestre em Administração Pública.<br />

Manuel Barros promete “uma liderança de<br />

proximidade com os estudantes” e<br />

o reitor Feyo de Azevedo acredita<br />

que o novo diretor dos<br />

SAS<strong>UP</strong> pode “melhorar<br />

ainda mais aquele que é<br />

um serviço de enorme<br />

relevância para a vida<br />

da Universidade”.<br />

MANUEL BARROS<br />

É O NOVO DIRETOR<br />

DOS SAS<strong>UP</strong><br />

talento Textos Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos 42<br />

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A U.Porto concedeu o título de doutor honoris causa<br />

ao jornalista e historiador Germano Silva, em cerimónia<br />

realizada a 3 de novembro, no Salão Nobre da Reitoria.<br />

O padrinho do doutorado foi o Cardeal-Patriarca de Lisboa,<br />

D. Manuel Clemente, cabendo ao historiador e docente da<br />

FL<strong>UP</strong> Luís Miguel Duarte ser o elogiador.<br />

A atribuição do título é o “reconhecimento da U.Porto por<br />

quem soube transformar o seu empenho na recolha do saber<br />

numa forma de partilha coletiva da estima pelo património<br />

da cidade do Porto”. Germano Silva promoveu uma “notável<br />

forma de aproximação dos cidadãos à história do Porto,<br />

que se deseja enaltecer com a atribuição do título de doutor<br />

honoris causa”.<br />

Foto gentilmente cedida por Leonel de Castro (JN)<br />

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À volta da<br />

Politécnica<br />

DOS TEMPOS E DAS PESSOAS A PRETEXTO DOS ESPAÇOS<br />

Em torno do velho edifício da Academia Politécnica – hoje sede da Reitoria da U.Porto –, os nomes das<br />

ruas homenageiam aqueles que dela fizeram parte, a construíram e acompanharam na sua transição<br />

para a instituição universitária. Fizemos o roteiro possível desse novelo de arruamentos que evocam<br />

outros tempos e outras pessoas, desvendando o significado dos respetivos topónimos.<br />

PARADA LEITÃO (PRAÇA DE)<br />

A vida da Academia Politécnica não foi fácil, e a construção do seu<br />

próprio edifício parece testemunhar as convulsões do século XIX, atravessando-o<br />

como projeto inacabado, sempre adiado, remodelado pontualmente<br />

por exigências imediatas. Do projeto de Carlos Amarante, aprovado<br />

em setembro de 1807, cerca de dois meses antes da família real portuguesa<br />

embarcar para o Brasil, até à conclusão do edifício na véspera da<br />

República, passa-se um século. O mesmo em que viveram os homens que<br />

batizam os espaços que o rodeiam e de quem falaremos.<br />

Em 1809, num país que continua ameaçado pela presença francesa,<br />

nasce José de Parada e Silva Leitão, cujo nome identifica a praça a<br />

ocidente da Academia, uma das preferidas da juventude portuense<br />

pela abundância de cafés que a bordejam. A largueza da praça foi<br />

obtida já no início do séc. XX através da demolição de um quarteirão<br />

de casas intermédio entre a Politécnica e as fachadas agora visíveis.<br />

A vida de José Parada Leitão é uma imagem da agitação da primeira<br />

metade do séc. XIX: inicia uma carreira militar, mas os estudos em<br />

45 Texto Paulo Gusmão Guedes e Susana Barros Fotos Egídio Santos<br />

cultura<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 45 06/01/17 16:02


Praça de Parada<br />

Leitão, antes e<br />

agora.<br />

Matemática, na Universidade de Coimbra, atraem-no, apenas para<br />

serem interrompidos pela sua adesão ao movimento liberal contra o<br />

absolutismo miguelista. Integra-se no batalhão académico, ruma ao<br />

Porto. Derrotado o governo revolucionário da Junta do Porto, Parada<br />

Leitão segue em 1828 o caminho do exílio, e embarca na Galiza<br />

para Plymouth, depois passa para Ostende, na Bélgica. Aventureiro<br />

e idealista, caminha (literalmente) de Ostende a Paris, onde se avista<br />

com Saldanha e, recomendado, segue para Bayonne, alistandose<br />

no batalhão de emigrados das forças do general Espoz y Mina,<br />

que pretende libertar a Península Ibérica do absolutismo (e talvez<br />

uni-la num só país). Frustrado esse movimento, junta-se às forças<br />

de D. Pedro de Bragança na campanha liberal de recuperação do<br />

país e participa na defesa do Porto, em 32 para 33. A (relativa)<br />

pacificação do país permite-lhe retomar os seus estudos: conclui o<br />

curso de Matemática em 1837, em Coimbra. Aos 28 anos, tornase<br />

lente da cadeira de Física e Mecânica Industriais da Academia<br />

Politécnica do Porto. Mas a agitação política dele tomará conta novamente,<br />

e serve como ajudante-general de Sá da Bandeira por<br />

ocasião da Patuleia, em 1846. O resultado do conflito, em desfavor<br />

da Junta Governativa do Porto, leva-o a abandonar definitivamente a<br />

carreira militar.<br />

O nome de Parada Leitão está tão ligado à Academia Politécnica<br />

quanto à Escola Industrial do Porto, de que é o primeiro diretor, em<br />

1853. O crescimento industrial, associado à (lenta) penetração das<br />

novidades mecânicas, exigia um ensino de caráter prático, formando<br />

engenheiros, oficiais de marinha, pilotos, agricultores, diretores de fábricas<br />

e artistas. Era essa a vocação da Academia Politécnica do Porto,<br />

criada em 1837, em sintonia com as necessidades da burguesia da<br />

cidade. Mas era um ensino superior, reservado a poucos, pelo que se<br />

estabelece a Escola Industrial para a formação de operários especializados.<br />

No centro da articulação entre as duas escolas, que por mais de<br />

meio século iriam partilhar as mesmas instalações, equipamento e, até,<br />

alguns professores, está a figura de José Parada Leitão.<br />

As condições do ensino nas duas instituições não seriam as ideais,<br />

uma vez que, para além delas, ainda ocupavam o mesmo edifício o<br />

Liceu Nacional, a Academia Portuense de Belas-Artes, o Real Colégio<br />

de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos (fundado em 1650)<br />

e lojas e sobrelojas cujo rendimento revertia para os órfãos.<br />

Na realidade, o investimento em obras públicas do período da Regeneração<br />

parecia ter esquecido o edifício da Politécnica, que continuava<br />

por concluir, como ainda se verifica perto do final do século, em 1892:<br />

“É acanhadíssimo para nele se poderem instalar convenientemente os<br />

seus gabinetes, laboratórios, coleções e salas de estudo.Uma grande<br />

parte das dependências ao rés do chão, que podiam ser aproveitadas,<br />

estão ocupadas [por] uma loja de fazendas, uma mercearia, uma<br />

relojoaria, um restaurante de caldos de galinha, um café, uma loja de<br />

barbear, três tamancarias e uma loja de linheiro!<br />

Dentro dos muros dos edifícios acham-se um casarão meio arruinado,<br />

nas piores condições higiénicas, servindo de colégio aos (...) meninos<br />

órfãos, e uma igreja prestes a cair”.<br />

cultura Texto Paulo Gusmão Guedes e Susana Barros Fotos Egídio Santos 46<br />

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FERREIRA DA SILVA (RUA DO DOUTOR)<br />

Retrato de<br />

António Ferreira da Silva.<br />

Estas são as observações do químico António Ferreira da Silva, que<br />

em 1877 – ainda antes de completar 24 anos – chegara à Academia<br />

Politécnica do Porto com um bacharelato em Filosofia Natural (Ciências<br />

Naturais) pela Universidade de Coimbra, sendo contratado como<br />

lente substituto da cadeira de Química Orgânica e Inorgânica. Parada<br />

Leitão terá sido professor de Ferreira da Silva quando este, em 1870,<br />

se inscrevera simultaneamente na Academia Politécnica e no Instituto<br />

(ex-Escola) Industrial do Porto. Parada Leitão já se aproximava do fim<br />

da vida quando Ferreira da Silva se tornou seu colega e faleceu no<br />

mesmo ano em que este chegava a lente proprietário: 1880. Já no<br />

século XX, Ferreira da Silva redigiu a biografia do seu antigo professor.<br />

Desde o seu início que a Politécnica vivia subfinanciada e mal equipada<br />

– chegou a ser considerada a sua extinção em 1854, com a<br />

firme oposição de Parada Leitão, e, em 1863, a sua redução a escola<br />

industrial. Apesar de se orientar expressamente para a formação<br />

prática, a Politécnica era, contudo, acusada de ministrar um ensino<br />

excessivamente teórico.<br />

Mas, ao iniciar-se a década de 80, a Politécnica estava em transformação,<br />

e a própria ação de Ferreira da Silva era disso uma manifestação:<br />

recém-chegado, promove o reapetrechamento do laboratório de química,<br />

de que era diretor por inerência, e a aquisição de obras recentes<br />

desta disciplina para a biblioteca. Dedica-se à experimentação laboratorial,<br />

fundamental para o seu próprio desenvolvimento como químico,<br />

reforça a componente prática na sua cadeira e permite a utilização do<br />

laboratório para trabalhos práticos a todas as horas. Em 1884, publica<br />

o 1.º volume do seu Manual de Química Elementar, que enriquecerá a<br />

bibliografia de base do curso, até então predominantemente francesa;<br />

em 1888, sairá o 2.º volume.<br />

Ferreira da Silva tem um importante papel na proposta de reforma do<br />

ensino da Academia Politécnica de 1885, de que um dos resultados<br />

é o desdobramento da sua cadeira em duas (Química Inorgânica; Química<br />

Orgânica e Análise) refletindo, afinal, a crescente importância do<br />

aprofundamento dos estudos de química na formação dos quadros<br />

industriais.<br />

Mas a atividade de Ferreira da Silva estender-se-á para além da Politécnica.<br />

Em 1880, a Câmara Municipal solicitara-lhe estudos sobre a<br />

qualidade de diferentes fontes ou rios para o abastecimento de água<br />

canalizada ao Porto: Ferreira da Silva confirma a mesma opção de<br />

estudos anteriores – o rio Sousa. Em 1882, é convidado pelo município<br />

para chefiar a instalação de um laboratório de controlo da qualidade<br />

alimentar dos produtos consumidos na cidade. O Laboratório<br />

Municipal iniciará a sua atividade em 1884 com Ferreira da Silva na<br />

direção, mas fará muito mais: análises hidrológicas, agrícolas, farmacêuticas,<br />

sanitárias e toxicológicas. Será um local de ensino, prática e<br />

experimentação, complementando o laboratório da Politécnica. Será<br />

o instituto de investigação de Ferreira da Silva e de outros químicos,<br />

e de onde sairão resultados reconhecidos internacionalmente. Aqui, a<br />

47 campus 000<br />

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carreira do químico orientar-se-á decisivamente para a saúde pública.<br />

Alguns trabalhos de análise química de Ferreira da Silva, pela sua importância<br />

e mediatismo, garantirão o seu reconhecimento público e,<br />

claro, alguns detratores: tais são os casos da demonstração de que<br />

os vinhos portugueses exportados para o Brasil não eram adulterados<br />

na origem, e o de Urbino de Freitas, médico e lente da Escola Médico-<br />

Cirúrgica do Porto acusado de envenenar os seus sobrinhos, sendo<br />

o Laboratório Municipal responsável pela identificação dos alcaloides<br />

usados no crime.<br />

A importância do estabelecimento de ligações com a comunidade<br />

científica nacional e internacional foi bem compreendida por Ferreira<br />

da Silva, e a sua presença em congressos e comissões normalizadoras<br />

será frequente, assim como a participação em sociedades e publicações<br />

científicas nacionais (cria em 1905 a Revista de Química Pura e<br />

Aplicada) e estrangeiras. O seu nome ganha uma indubitável expressão<br />

internacional. Será este também, num ainda maior grau, o caso do<br />

matemático Francisco Gomes Teixeira.<br />

GOMES TEIXEIRA (PRAÇA DE)<br />

Se a rua oriental que limita o edifício da Politécnica – a rua do Doutor<br />

Ferreira da Silva – é aquela para onde ninguém escreve (não tem<br />

números de polícia, e para ela abrem-se apenas duas portas, uma das<br />

quais, precisamente, permitia o acesso ao laboratório de química da<br />

Politécnica), a praça de Gomes Teixeira é aquela que raramente se<br />

nomeia para além do endereço de correio, tanto os leões alados da sua<br />

fonte predominam sobre a verdadeira designação. Foi deste chafariz<br />

que brotou em 1886 a primeira água canalizada a chegar ao Porto, a<br />

água aprovada por Ferreira da Silva, e cuja qualidade – perante a preocupação<br />

pública – teve que então reafirmar em artigos e conferências.<br />

Francisco Gomes Teixeira, dois anos mais velho do que Ferreira da<br />

Silva, era dotado de uma impressionante capacidade intelectual. Licencia-se<br />

em janeiro de 1875 e em julho do mesmo ano é já doutor em<br />

Matemática. A sua tese doutoral sobre mecânica celeste tem como<br />

arguente o matemático e astrónomo José Falcão – esse mesmo cuja<br />

rua homónima, recordando a sua militância republicana, espreita de<br />

nordeste para a Praça de Gomes Teixeira – que, depois de discutir<br />

veementemente durante a sessão as propostas avançadas pelo doutorando,<br />

declara finalmente “se o que V. Ex.ª acaba de dizer está bem,<br />

tem muito valor; e, se não está, tem pelo menos o mérito de eu não<br />

lhe saber dizer onde errou”. Em 1877, Gomes Teixeira será contratado<br />

como lente substituto da Faculdade de Matemática de Coimbra e três<br />

anos depois já é lente proprietário.<br />

49<br />

campus<br />

Em 1883, Gomes Teixeira solicita a sua transferência para a Academia<br />

Politécnica do Porto. Não seria esta escola de engenheiros o lugar<br />

ideal para a investigação teórica do matemático, e os professores do<br />

Porto recebiam sensivelmente menos do que os de Coimbra, mas a<br />

vontade da jovem portuense com quem se casara em 1882 ou 83<br />

terá sido determinante nesta escolha. O matemático, entretanto, não<br />

desdenhara a intervenção política, e seria deputado às Cortes pelo<br />

Partido Regenerador em 79, 83 e 84. Surpreendentemente, declara<br />

mais tarde: “De política sou e fui sempre profundamente ignorante.<br />

Olhe, fui deputado uma vez, no tempo do Fontes [Pereira de Melo]! E,<br />

não gostei”.<br />

Em 1886, três anos após a sua entrada na Academia Politécnica, Gomes<br />

Teixeira é nomeado “sem concurso” para a direção da instituição,<br />

cargo que ocupará até à criação da U.Porto. É um importante período<br />

da vida do matemático: o seu Curso de Análise Infinitesimal – Cálculo<br />

Diferencial, prémio da Academia de Ciências de Lisboa, será publicado<br />

no ano seguinte, em 87, o mesmo ano em que o seu Tratado de las<br />

Curvas Especiales Notables é premiado pela Academia de Ciências de<br />

Madrid; reescrita em francês, esta última obra será também distinguida<br />

pela Academia de Ciências de Paris. Mas a produção científica anterior<br />

de Gomes Teixeira era já notável e abundante, sendo, a partir de<br />

78, os seus artigos publicados com frequência em revistas científicas<br />

francesas, belgas, italianas, alemãs... No panorama nacional, o seu Jornal<br />

das Ciências Matemáticas e Astronómicas iniciara a publicação em<br />

1877 e, apesar do seu âmbito científico restrito, seria apoiado financeiramente<br />

pelos governos do rotativismo, junto de quem o prestígio<br />

de Gomes Teixeira era evidente.<br />

A ação do diretor da Academia é referida em termos muito gerais pelos<br />

seus biógrafos, falando-se, a partir de 1885, de “período áureo” da<br />

história da instituição, quer por graça da qualidade dos docentes, quer<br />

por virtude das reformas introduzidas naquele ano. Seria talvez Gomes<br />

Teixeira a pessoa indicada para este cargo, mas certamente que lhe<br />

pesava: em 1900, apresenta a sua demissão, que não foi aceite, mantendo-se<br />

na direção da Politécnica.<br />

Com a chegada da República, assim também chegou, em 1911, o fim<br />

da Academia Politécnica. O prestígio científico de Gomes Teixeira e de<br />

Ferreira da Silva, ambos monárquicos e católicos convictos, foi mais<br />

valorizado pelo governo republicano do que a sua orientação política,<br />

sendo o primeiro empossado como primeiro reitor da U.Porto e o<br />

segundo como primeiro diretor da sua Faculdade de Ciências. Mas a<br />

relação que estabeleceram com os poderes republicanos – ascendentes<br />

ou estabelecidos – não será a mesma para ambos. Porém, essa é<br />

outra história.<br />

000<br />

Para saber mais:<br />

ALVES, Maria da Graça Ferreira<br />

(2012), Francisco Gomes Teixeira<br />

– O Homem, o Cientista, o<br />

Pedagogo, U.Porto Editorial, Porto<br />

ALVES, Jorge Fernandes; ALVES,<br />

Rita C. (2013), A. J. Ferreira da<br />

Silva – Nos Caminhos da Química,<br />

U.Porto Editorial, Porto<br />

FERREIRA DA SILVA, António<br />

Joaquim (1917), “Homenagem à<br />

Memória de José de Parada e<br />

Silva Leitão”, Revista de Chimica<br />

pura e applicada. Série II, Ano<br />

2, números 1-3, 4-6, 7, 8-9, Porto.<br />

Disponíveis na página web<br />

da Sociedade Portuguesa de<br />

Química:<br />

http://www.spq.pt/publicacoes_spq<br />

Ver ainda em:<br />

www.up.pt > Universidade ><br />

História > Figuras/Património/<br />

Memória da U.Porto<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 49 06/01/17 16:03


Dar é o melhor remédio<br />

Desde março deste ano que mais de 70 estudantes<br />

da U.Porto percorrem as farmácias da cidade para<br />

garantir medicamentos gratuitos a várias famílias<br />

carenciadas da zona da Vitória. Por enquanto,<br />

“contentam-se” com um “Porto com + Saúde”. No<br />

futuro, querem ajudar a salvar vidas em todo o país.<br />

Junto ao balcão da centenária farmácia Aliança, em plena Baixa do<br />

Porto, Teresa Couto e Carina Vieira atiram o melhor sorriso a quem<br />

chega. Estão habituadas a fazê-lo desde que começaram a pôr de<br />

parte os livros do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas<br />

da Faculdade de Farmácia da U.Porto (FF<strong>UP</strong>) para dedicarem algumas<br />

horas por semana a sensibilizar os utentes daquela e de outras<br />

farmácias portuenses a ajudarem a custear os medicamentos de um<br />

grupo de idosos da cidade. “O que fazemos é garantir que doentes<br />

crónicos que não tenham acesso a medicação por dificuldades financeiras<br />

consigam tê-la gratuitamente”, apresenta Teresa Couto, presidente<br />

da Associação Cura+ e um dos rostos principais do projeto<br />

“Porto com + Saúde”.<br />

O nome diz tudo. Ou, pelo menos, assim o idealizaram Joana Carvalho<br />

e Sara Batista, as duas estudantes – hoje diplomadas – da FF<strong>UP</strong><br />

que, em 2015, descobriram durante um estágio extracurricular aquilo<br />

que lhes passava ao lado entre as quatro paredes da faculdade. “Elas<br />

aperceberam-se de que havia um número muito grande de pessoas<br />

que não conseguiam pagar a medicação de que precisam para sobreviver”,<br />

explica Teresa Couto. Face à inexistência de um projeto<br />

de voluntariado voltado especificamente para estudantes de ciências<br />

farmacêuticas, decidiram juntar dois em um e criar a sua própria associação,<br />

mobilizando para isso outros colegas da faculdade.<br />

Teresa foi um deles. “Foram entrando cada vez mais pessoas e, no<br />

caminho, fomo-nos rodeando de professores e profissionais de saúde<br />

que nos ajudaram a desenvolver todo o circuito do projeto”. A<br />

faculdade foi a primeira a apoiar. Seguiram-se algumas das que são<br />

hoje as farmácias parceiras da Cura+ e a Associação Nacional de<br />

Farmácias (ANF). À equação juntou-se por fim o Centro Social e<br />

Paroquial de Nossa Senhora da Vitória, ao qual coube a tarefa sinalizar<br />

os primeiros “alvos” do projeto. Condição: sofrerem de uma<br />

doença crónica e não terem possibilidades financeiras (rendimento<br />

mensal per capita inferior a 100 euros) para comprar a sua medicação<br />

sujeita a receita médica.<br />

No terreno desde março de 2016, a fase “beta” do “Porto com + Saúde”<br />

começou por envolver três farmácias (atualmente são seis), onde<br />

as equipas de estudantes voluntários entram em ação três dias por<br />

semana, durante duas horas. Tempo suficiente para distribuírem sorrisos,<br />

entregarem brochuras e explicarem aos clientes ao que vêm.<br />

Seguidamente, “a pessoa pode fazer um donativo dirigido, a partir de<br />

uma lista que temos com os medicamentos que são necessários para<br />

cada doente. Ou então um donativo não dirigido, no valor que acharem<br />

apropriado. Posteriormente, os doentes dirigem-se às farmácias<br />

e, mediante a apresentação da receita médica, recebem o seu medicamente<br />

de forma gratuita e anónima”, explica Teresa Couto.<br />

A verdade é que, menos de um ano após o arranque do projeto, os<br />

resultados não podiam ser mais encorajadores. Abrangendo inicialmente<br />

40 agregados familiares por mês, o “Porto com + Saúde” deve<br />

chegar a 60 famílias até março de 2017. ”Hoje em dia, já conseguimos<br />

pagar os medicamentos de todos os doentes exclusivamente<br />

com os donativos que angariamos nas farmácias”, refere a finalista<br />

da FF<strong>UP</strong>. Em tempos de crise, vem também ao de cima o espírito<br />

solidário de quem, muitas vezes, dá o que (não) pode. “Há pessoas<br />

que até nem têm possibilidades, mas sentem que querem contribuir<br />

e dão aquilo que podem dar”.<br />

As palavras da futura farmacêutica fluem com a naturalidade de<br />

quem já se habituou aos microfones e às máquinas fotográficas, o<br />

preço a pagar pelo “feedback muito positivo” que o projeto vai tendo<br />

no exterior. A começar pelas farmácias parceiras. “Os estudantes estão<br />

muito envolvidos e integram-se perfeitamente na nossa rotina de<br />

trabalho. Por outro lado, é muito positivo porque o número de pessoas<br />

a precisar deste apoio é cada vez maior”, nota Sónia Correia, farmacêutica-adjunta<br />

da Farmácia Aliança. Pelo meio, “estamos sediados<br />

na Casa das Associações, que nos cedeu um espaço incrível, mantemos<br />

a parceria com a FF<strong>UP</strong>, a nossa casa-mãe, e sentimos muito<br />

apoio das farmácias e dos parceiros comerciais porque eles veem os<br />

resultados a acontecer”, completa Teresa Couto. A ANF também viu.<br />

Tanto que atribuiu à Cura+ o Prémio João Cordeiro – Inovação em<br />

Farmácia 2015, na categoria de responsabilidade social.<br />

FAZER A DIFERENÇA<br />

Mas o que leva afinal tantos estudantes a abdicarem de parte do seu<br />

tempo para ajudar a salvar a vida de quem não conhecem? A resposta<br />

podia multiplicar-se pelos 110 colaboradores que compõem<br />

a estrutura da Cura+, incluindo os mais de 70 voluntários que dão<br />

a cara pelo “Porto com + Saúde”. Entre estes destacam-se os estudantes<br />

da FF<strong>UP</strong>, mas também há quem venha das faculdades de<br />

Belas Artes e de Economia. A diversidade é bem-vinda. “Os voluntá-<br />

quadro de honra Texto Tiago Reis Fotos Egídio Santos 50<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 50 06/01/17 16:03


Teresa Couto,<br />

Sónia Correia<br />

e Carina Vieira<br />

(da esq. para a dir.).<br />

COMO<br />

AJUDAR?<br />

Para apoiar o “Porto com +<br />

Saúde” basta deixar o donativo<br />

pretendido numa das<br />

seis farmácias aderentes –<br />

Aliança (Rua da Conceição),<br />

Lemos (Praça de Carlos Alberto),<br />

Vitália (Praça da Liberdade),<br />

Moreno (Largo de São<br />

Domingos), Clérigos (Rua dos<br />

Clérigos) e Parente (Rua das<br />

Flores).<br />

Em alternativa, pode fazê-lo<br />

através de transferência bancária<br />

para o NIB da Associação<br />

Cura+:<br />

0033 0000 4547 4174 5320 5<br />

Os interessados podem<br />

ainda associar-se à campanha<br />

como voluntários. Mais<br />

informações em http://www.<br />

curamais.com/ ou através do<br />

e-mail geral@curamais.com.<br />

rios podem candidatar-se através do nosso site ou falar diretamente<br />

connosco. Depois são distribuídos de acordo com as suas características<br />

pelos vários departamentos da associação”. Contas feitas,<br />

“neste momento temos um banco de voluntários que nos permite dar<br />

a todos a oportunidade de participarem”.<br />

No caso de Teresa Couto, a experiência “tem sido muito gratificante.<br />

Todos sabemos que há pessoas que passam dificuldades extremas,<br />

mas é diferente vermos isso ao nosso lado. Ao mesmo tempo, é ótimo<br />

sentir que posso fazer a diferença na cidade que me acolheu”. “Fazer<br />

a diferença na vida das pessoas” foi também o que levou Carina Vieira<br />

a juntar-se ao projeto depois de ter descoberto a Cura + durante<br />

uma feira de voluntariado na FF<strong>UP</strong>. Um ano depois, o balanço é “muito<br />

positivo” para a estudante do 4.º ano de Ciências Farmacêuticas e<br />

atual coordenadora do departamento de intervenção social da associação.<br />

“É um projeto muito motivador, exige muita comunicação e é<br />

uma forma de crescermos profissionalmente, porque um dia vamos<br />

estar à frente de um balcão a contactar com esta realidade”.<br />

LEVAR SAÚDE A TODO O PAÍS<br />

A poucos meses da conclusão do projeto piloto, e já com outro projeto<br />

na forja – o “Polimedicação + Segura”, destinado a ajudar doentes<br />

polimedicados a gerir a sua medicação da forma mais adequada –, é<br />

com confiança e ambição que Teresa Couto e os restantes estudantes<br />

encaram o futuro. “Por enquanto, esperamos atingir todas as farmácias<br />

da zona da Vitória. Posteriormente, queremos chegar a todas<br />

as regiões da cidade do Porto”. E prometem não ficar por aí. “O nosso<br />

objetivo a longo prazo é conseguir alastrar as farmácias Cura+ para<br />

mais cidades do país, a começar pelas que têm faculdades de ciências<br />

farmacêuticas [Covilhã, Coimbra, Lisboa e Algarve] ”. O remate<br />

surge em forma de mote: “Queremos um Portugal com mais saúde!”.<br />

51<br />

campus<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 51 06/01/17 16:03


A ciência das<br />

pequenas<br />

coisas<br />

Em 2007, Joana Moscoso deixou Portugal levando<br />

na mochila uma quase-licenciatura em Biologia e<br />

o sonho de menina de vingar na investigação científica.<br />

Nove anos depois, a bióloga-empresária<br />

apaixonada pelo mundo das bactérias desafiou a<br />

lógica e está de volta para fazer o que melhor sabe.<br />

O coração ainda aperta e “há fogo de artifício no cérebro” quando<br />

Joana Moscoso contempla o céu azul no caminho que percorre<br />

a pé de casa até ao trabalho. Esse é apenas um dos pequenos prazeres<br />

de que não prescinde desde que, em janeiro deste ano, trocou<br />

Londres pelo Porto. Veio contra a maré. “Quando decidi vir falava-se<br />

muito na crise. O meu próprio pai telefonou-me um dia e disse: ‘Filha,<br />

não achas que entraste num avião para ir para longe e agora estás a<br />

atirar-te do avião a meio do caminho?’”. Atirou-se. “Muito a medo”. Mas<br />

não se arrepende. “Tem sido uma boa e verdadeira surpresa”, sorri,<br />

tendo como fundo as paredes recém-inauguradas do Instituto de Investigação<br />

e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), onde<br />

está a desenvolver um projeto de investigação na área da microbiologia<br />

molecular.<br />

Era uma vez uma menina de sorriso cativante, que sonhava com coisas<br />

tão pequeninas que nem as conseguia ver. Assim podia começar a<br />

história desta bióloga nascida há 31 anos no Porto, mas com sotaque<br />

roubado a Valença do Minho, cidade onde, aos 12 anos, teve uma revelação<br />

à mesa do café dos pais. “Lembro-me de estar na esplanada a<br />

olhar para o chão e a pensar: nós não conseguimos ver, mas este chão<br />

está cheio de coisas vivas. Desde aí vivo fascinada pelos organismos<br />

vivos que não se veem”, conta. A queda para a matemática ainda se<br />

intrometeu na hora de se candidatar à universidade, mas a decisão<br />

estava tomada. “Ensinaram-me que temos que seguir as coisas pelo<br />

coração, por aquilo que nos apaixone. E o que eu queria era a Biologia”.<br />

Em 2004, o coração trouxe-a para a Faculdade de Ciências da U.Porto<br />

(FC<strong>UP</strong>). Do curso destaca a “formação abrangente” e as aulas no<br />

edifício dos Leões (atual Reitoria) e no Jardim Botânico, locais “emblemáticos”<br />

onde aprende o ABC da Biologia com “grandes professores”.<br />

Entre estes destaca-se Fernando Tavares, o professor favorito com<br />

quem descobre o mundo da microbiologia e que, no último ano do curso,<br />

ajuda Joana a concretizar a ”imensa vontade de ir lá para fora estudar”,<br />

através do programa Erasmus. Aos 21 anos, sonha com um estágio de<br />

três meses em Amesterdão, com estadia incluída numa casa-barco. A<br />

mãe nem por isso. “Para lá não vais porque as drogas são livres!”, ouve.<br />

Pim pam pum, o destino é a Universidade de Umeå, a maior cidade do<br />

norte da Suécia, situada a 100 quilómetros do círculo polar ártico. Nos<br />

meses seguintes, dedica-se ali ao estudo de um grupo de bactérias capazes<br />

de degradar derivados do petróleo. “Foi uma experiência espetacular<br />

porque o sol punha-se às 11 e meia e à uma da manhã estava a<br />

nascer outra vez”. Pelo meio, perdeu-se no tempo. “Era suposto ser um<br />

estágio de três meses, mas fiz por estar seis meses a fazer mais trabalho”.<br />

Por esta altura, a microbiologia molecular já a tinha conquistado.<br />

CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS<br />

Após o estágio na Suécia, Joana Moscoso regressou a Portugal determinada<br />

a prosseguir uma carreira científica ao mais alto nível. Terminada<br />

a licenciatura, inscreve-se no mestrado em Biologia da FC<strong>UP</strong>,<br />

mas já com o pensamento a 18 mil quilómetros de distância, na Universidade<br />

Nacional da Austrália, em Camberra. Parte um ano depois,<br />

em 2008, para desenvolver o trabalho laboratorial do projeto de mestrado,<br />

o qual dedica ao estudo de uma bactéria que entra no organismo<br />

através dos alimentos, causando diarreias. No diário dos onze meses<br />

que passou na capital australiana ficam palavras como “perseverança”<br />

e “desafio à imaginação”. Conclusão. “Depois de estar na Austrália,<br />

cheguei à conclusão de que o queria mesmo era estar na Europa”.<br />

Novo regresso, nova partida, desta vez para o prestigiado Imperial<br />

College London, no Reino Unido, onde Joana chega em 2009 para desenvolver<br />

o projeto de doutoramento, ao abrigo de uma bolsa da Fundação<br />

para a Ciência e a Tecnologia. Nos seis anos seguintes, escreve<br />

sub-35 Texto Tiago Reis Fotos Egídio Santos 52<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 52 06/01/17 16:03


<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 53 06/01/17 16:03


artigos, coleciona prémios (entre os quais, o Microbiology Outreach<br />

Award da Society for General Microbiology ou o Award for Outstanding<br />

PhD student in Science Communication do Imperial College of<br />

London) e vai enriquecendo a “caderneta” de coisas invisíveis com nomes<br />

impronunciáveis. Primeiro com a Pseudomonas aeruginosa, uma<br />

bactéria associada às infeções respiratórias adquiridas em hospitais,<br />

a que dedica a tese de doutoramento. Depois com a Staphylococcus<br />

aureus, outra bactéria perigosa para o ser humano e na qual desvendou<br />

uma fraqueza que pode ser usada no desenvolvimento de terapias<br />

contra infeções bacterianas.<br />

ESTA CIÊNCIA NÃO É PARA VELHOS<br />

Em Londres, a vida da jovem investigadora não se resume, contudo, às<br />

páginas das publicações científicas onde se torna uma habituée. “No<br />

segundo ano do doutoramento já tinha um paper publicado e sentia<br />

que podia concluir o projeto se quisesse. Mas ainda tinha dois anos de<br />

bolsa e sentia que podia fazer mais alguma coisa”, recorda. Entre os<br />

jantares com os amigos e um pezinho de dança nos bares do Soho,<br />

abraçou-a em 2012, à mesa de um pub, quando aceitou o desafio de<br />

organizar o encontro anual da PARSUK, uma rede de investigadores e<br />

estudantes portugueses a residir no Reino Unido.<br />

Na verdade, o que começou por ser a preparação de uma conferência<br />

resultaria num “ponto de viragem” na vida de Joana. “Um dos cientistas<br />

tinha um contacto próximo com a comunidade tradicional de imigrantes<br />

portugueses no Reino Unido e sensibilizou-nos para o facto de nós,<br />

imigrantes qualificados, podermos fazer a ponte com essa comunidade”.<br />

Decidida a “dar o exemplo”, despiu a bata e foi para o terreno com<br />

outros investigadores portugueses. “Organizámos uma atividade em<br />

que fomos a uma aula de Português numa escola inglesa falar sobre<br />

ciência”. O sucesso foi tal que, juntamente com outra antiga estudante<br />

da U.Porto (Tatiana Correia, licenciada em Física pela FC<strong>UP</strong>), decidiu<br />

dar continuidade ao projeto. “Candidatámo-nos a concursos de empreendedorismo<br />

social e a tudo a que nos candidatámos, ganhámos.<br />

Isso deu-nos coragem para fundar a primeira spin-off da PARSUK”.<br />

Nome: Native Scientist, uma empresa sem fins lucrativos que usa a<br />

ciência para ensinar línguas a crianças bilingues dos 7 aos 12 anos.<br />

Focado inicialmente na comunidade portuguesa em Londres, o projeto<br />

criado há três anos já chegou a centenas de crianças no Reino Unido,<br />

tendo-se expandido, entretanto, para as comunidades imigrantes em<br />

França e na Alemanha. A receita repete-se. “Os investigadores vão<br />

às escolas e falam com as crianças sobre o seu trabalho, em estilo<br />

speed dating. O objetivo é que elas possam conhecer o que fazem os<br />

cientistas e, assim, criar memórias positivas na sua língua materna”. No<br />

ato de inspirar os mais novos através da ciência, Joana descobriu-se.<br />

Aprendeu a montar uma empresa e venceu “o medo que os cientistas<br />

têm de falar da sua ciência”. Pelo caminho, percebeu que o sucesso<br />

não fala a uma só língua. “Senti sempre que o poder estava em mim<br />

e não dependia do facto de ser portuguesa, espanhola ou inglesa…”.<br />

O REGRESSO A CASA<br />

Uma carreira bem-sucedida, uma empresa em expansão e uma vida<br />

preenchida em Londres. E eis que Joana decide voltar. “Estás maluca!”,<br />

disseram-lhe os amigos. Não estava. Uma experiência menos positiva<br />

no pós-doutoramento, que inicia em 2014 no Imperial College, foi o gatilho<br />

para o que viria a seguir. “Quis ser persistente, mas a certa altura<br />

já não conseguia e comecei a delinear a minha estratégia de saída”.<br />

Portugal surge no topo das preferências, mas faltava responder à pergunta<br />

que se formava na mente da investigadora. “Se este laboratório<br />

estivesse na China, tu ias para a China?”. Durante alguns meses, desdobra-se<br />

entre as atividades da Native Scientist e a pesquisa de todos os<br />

laboratórios de microbiologia existentes no país. Entre eles, encontra o<br />

grupo Molecular Microbiology do i3S, liderado pelo investigador francês<br />

Didier Cabanes. “Percebi logo que respondia à minha pergunta. Vim a<br />

uma entrevista, ele gostou, eu também, fizemos candidaturas a financiamento<br />

e acabei por vir”.<br />

No regresso a Portugal, Joana trouxe um penteado novo e uma prestigiada<br />

bolsa Marie Sklodowoska-Curie no valor de 150 mil euros, que<br />

vai aplicar nos próximos dois anos no estudo dos “mecanismos utilizados<br />

pela Listeria [uma bactéria semelhante às que estudou em Londres]<br />

para se adaptar ao meio ambiente em que vive”. Pelo meio, ela<br />

própria é um exemplo de adaptação. Ao i3S, onde diz ter encontrado<br />

“condições tão boas ou melhores do que as que usufrui lá fora”. E à<br />

cidade. “Levou-me quase um ano a adaptar a Londres e, em três semanas,<br />

adaptei-me ao Porto. Cá sinto uma serenidade que lá fora não<br />

encontro”, revela. Também por isso, o futuro escreve-se em tons de<br />

azul no horizonte da investigadora que ambiciona “descobrir o porquê<br />

das coisas”. “O meu sonho é ser group leader e gostaria de dar esse<br />

salto antes dos 35”, projeta. O outro é “ter uma empresa na área da<br />

biotecnologia. Esse bichinho está dentro de mim”.<br />

sub-35 Texto Tiago Reis Fotos Egídio Santos 54<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 54 06/01/17 16:03


ROTEIRO DA PRIMEIRA VIAGEM DE<br />

VASCO DA GAMA À ÍNDIA, 1497-1499<br />

Edição de Luís Fernando de Sá Fardilha<br />

e Maria de Lurdes Correia Fernandes<br />

Col. Letras Portuguesas, n.º 0, publicação conjunta<br />

da Câmara Municipal do Porto, U.Porto Edições e<br />

Fund. Eng.º António de Almeida, Porto, 2016. (173<br />

pp. + fac-simile)<br />

SEIS BREVES APONTAMENTOS DE<br />

COSMOLOGIA CONTEMPORÂNEA<br />

Orfeu Bertolami e Jorge Páramos<br />

U.Porto Edições, Série Para Saber, n.º 45, Porto,<br />

2016. (142 pp.)<br />

ARTIFICIAL AESTHETICS<br />

CREATIVE PRACTICES IN<br />

COMPUTATIONAL ART AND DESIGN,<br />

Miguel Carvalhais<br />

U.Porto Edições, Série Para Saber, n.º 49, Porto,<br />

2016. (307 pp.).<br />

Seguia na nau de Paulo da Gama o incerto autor que<br />

registou os principais momentos da viagem que põe<br />

definitivamente em contacto comercial e civilizacional,<br />

por via marítima e regular, o Ocidente moderno e o<br />

Oriente. Outras narrativas em primeira mão terão existido,<br />

mas só esta chegou aos nossos dias. O texto agora<br />

criteriosamente reeditado baseia-se na única cópia<br />

manuscrita sobrevivente, possivelmente realizada nos<br />

meados do séc. XVI, e que, da biblioteca de Santa Cruz<br />

de Coimbra, transitará pela mão de Alexandre Herculano<br />

para a Biblioteca Municipal do Porto, servindo de fonte<br />

para todas as edições posteriores. Neste caso, estamos<br />

perante uma publicação que alia o rigor académico da<br />

transcrição ao desígnio de a tornar acessível a um público<br />

alargado, atualizando a grafia sem retirar totalmente a<br />

“patine” ao texto. No mesmo livro, encontramos três versões<br />

do “Roteiro”: portuguesa, inglesa e fac-similada.<br />

A versão inglesa é de expressão contemporânea e o<br />

fac-simile poderá servir tanto a estudantes ou amantes<br />

de paleografia como a quem, embalado por um<br />

relato que terá também inspirado Luís de Camões,<br />

deseje folhear um “beau livre”. De realçar o breve estudo<br />

introdutório, cuja clareza informativa nos introduz<br />

convenientemente ao “Roteiro”, e a conveniência das<br />

notas de margem, que estruturam o relato cronológica<br />

e geograficamente.<br />

Apresentado como sendo “uma breve síntese de aulas<br />

de cosmologia” lecionadas por Orfeu Bertolami, a que<br />

se adicionaram tópicos dos dois autores sobre matéria<br />

escura, energia escura e teorias alternativas da gravidade,<br />

na realidade estes “Seis Breves Apontamentos…”<br />

oferecem uma panorâmica sobre os dados observacionais<br />

e as teorias que fundamentam as nossas visões<br />

atuais sobre a origem, evolução e estrutura do Universo,<br />

passando em revisão as limitações e problemas inerentes<br />

aos diferentes modelos explicativos e expondo as<br />

muitas questões que se mantêm em aberto. Como se<br />

afirma na introdução, “no início do século XXI, somos<br />

confrontados com uma visão do Universo na qual cerca<br />

de 95% do seu conteúdo energético nos é desconhecido.<br />

Acredita-se que só através da integração do<br />

conhecimento advindo da cosmologia e da física das<br />

partículas elementares é que estes mistérios poderão<br />

ser desvendados”.<br />

Sendo certo que esta obra se destina primordialmente<br />

a ser utilizada como obra de referência no âmbito de<br />

estudos universitários, poderá atrair interessados por<br />

questões de cosmologia que dominem solidamente os<br />

conceitos de física a ela associados e a linguagem matemática<br />

que os exprime.<br />

Desenvolvido a partir da tese de doutoramento de Miguel<br />

Carvalhais, “Artificial Aesthetics…” é uma análise<br />

profunda e informada da forma como “os utensílios e os<br />

média computacionais (…) transformam alguns dos aspetos<br />

mais fundamentais da arte e do design, levandonos<br />

a questionar a sua essência e o nosso papel como<br />

participantes humanos” (da introdução).<br />

A primeira parte da obra conduz-nos através dos conceitos<br />

e da nomenclatura associados aos processos<br />

computacionais, abordando as questões da inteligência<br />

e da criatividade artificiais e desembocando no conceito<br />

central de estética artificial, relacionando-a com a perceção<br />

humana dos processos e dos resultados dos sistemas<br />

e, daí, passando para a análise das características<br />

da colaboração homem-máquina.<br />

A segunda parte de “Artificial Aesthetics…” dedica-se<br />

inicialmente às “práticas processuais” em contexto<br />

artístico, historiando a utilização de mecanismos algorítmicos<br />

e combinatórios em práticas musicais, literárias<br />

e plásticas, antes de descrever os diferentes processos<br />

e sistemas envolvidos na produção (computacional)<br />

artística contemporânea, propondo finalmente, para<br />

estes, um modelo analítico que repousa na sua natureza<br />

conceptual.<br />

55 livros Textos Paulo Gusmão Guedes<br />

campus<br />

000<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 55 06/01/17 16:03


UNIVERSIDADE<br />

DO PORTO<br />

Uma das 150 melhores instituição de ensino<br />

e investigação científica da Europa.<br />

3<br />

14<br />

1<br />

2 291<br />

1 563<br />

29 921<br />

8 546<br />

12 490<br />

5 549<br />

3 336<br />

3 616<br />

1 652<br />

1 964<br />

167<br />

401<br />

136<br />

636<br />

34<br />

18<br />

124<br />

34<br />

376<br />

7 719<br />

3 706<br />

1 821<br />

1 742<br />

450<br />

4 160<br />

7 736<br />

1,9<br />

49<br />

14<br />

21<br />

3 986<br />

23,4%<br />

17 442<br />

183<br />

20<br />

203<br />

1 832<br />

9<br />

21<br />

5 517<br />

<strong>Campus</strong> universitários<br />

Faculdades<br />

Business School<br />

Docentes e investigadores<br />

Não docentes<br />

Estudantes<br />

Estudantes de Licenciatura<br />

Estudantes de Mestrado Integrado<br />

Estudantes de Mestrado<br />

Estudantes de Doutoramento<br />

Estudantes estrangeiros<br />

Estudantes estrangeiros de Grau<br />

Estudantes estrangeiros de mobilidade<br />

Nacionalidades<br />

Diplomados estrangeiros em 2015/16<br />

Docentes estrangeiros<br />

Programas de Formação<br />

Cursos de Licenciatura<br />

Cursos de Mestrado Integrado<br />

Cursos de Mestrado<br />

Cursos de Doutoramento<br />

Cursos de Formação Contínua<br />

Diplomados em 2015/16<br />

Diplomados em Licenciaturas<br />

Diplomados em Mestrados Integrados<br />

Diplomados em Mestrados<br />

Diplomados em Doutoramentos<br />

Vagas disponíveis em 2016/17<br />

Candidatos em 1ª opção<br />

Número de candidatos em 1ª opção por vaga<br />

Unidades de Investigação (registadas na FCT)<br />

Unidades avaliadas com “Excecional” e “Excelente”<br />

Unidades avaliadas com “Muito Bom”<br />

Artigos publicados em 2014<br />

Percentagem de artigos portugueses na Web of Science<br />

Artigos publicados no quinquénio 2010 - 2014<br />

Patentes nacionais e internacionais ativas<br />

Patentes licenciadas ativas<br />

Empresas e projetos empresariais no <strong>UP</strong>TEC<br />

Postos de trabalho criados por empresas do <strong>UP</strong>TEC<br />

Residências universitárias<br />

Unidades de alimentação (cantinas, bares, etc.)<br />

Estudantes bolseiros<br />

www.up.pt<br />

up@up.pt<br />

<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 56 06/01/17 16:03

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