Campus-UP-0-v2
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ENTREVISTA<br />
ALUMNI<br />
FORA DA CAIXA<br />
CIÊNCIA &<br />
TECNOLOGIA<br />
CULTURA<br />
No recém-inaugurado<br />
i3S, Alexandre<br />
Quintanilha (na capa)<br />
conta-nos como se está<br />
a sentir (bem) na pele de<br />
deputado.<br />
O coreógrafo do<br />
momento, Victor Hugo<br />
Pontes, explica o seu<br />
percurso das belas artes<br />
às artes performativas.<br />
Fomos conhecer<br />
a Veniam, uma<br />
das startups mais<br />
inovadoras do mundo<br />
e cujo potencial tem<br />
despertado o interesse<br />
das grandes capitais de<br />
risco.<br />
Procuramos desvendar<br />
um pouco do complexo<br />
mundo da genética, a<br />
partir das investigações<br />
desenvolvidas pelo<br />
grupo de José Bessa,<br />
do i3S.<br />
Mostramos como se<br />
desenha o futuro roteiro<br />
científico da U.Porto,<br />
desde o novo Museu<br />
de História Natural e da<br />
Ciência ao Aquário da<br />
Foz.<br />
000<br />
<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 1 06/01/17 16:01
ENTREVISTA<br />
No recém-inaugurado<br />
i3S, Alexandre<br />
Quintanilha (na capa)<br />
conta-nos como se está<br />
a sentir bem na pele de<br />
deputado.<br />
ALUMNI<br />
O coreografo do<br />
momento, Victor Hugo<br />
Pontes, explica o seu<br />
percurso das belas artes<br />
às artes performativas.<br />
FORA DA CAIXA<br />
Fomos conhecer<br />
a Veniam, uma<br />
das startups mais<br />
inovadoras do mundo<br />
e cujo potencial tem<br />
despertado o interesse<br />
das grandes capitais de<br />
risco.<br />
Procuramos desvendar<br />
um pouco do complexo<br />
mundo da genética, a<br />
partir das investigações<br />
desenvolvidas pelo<br />
grupo de José Bessa,<br />
do i3S.<br />
CULTURA<br />
Mostramos como se<br />
desenha o futuro roteiro<br />
científico da U.Porto,<br />
desde o novo Museu<br />
de História Natural e da<br />
Ciência ao Aquário da<br />
Foz.<br />
CIÊNCIA &<br />
TECNOLOGIA<br />
000<br />
<strong>Campus</strong> U.Porto<br />
Revista da Universidade do Porto<br />
Nº 0<br />
DIRETOR<br />
Sebastião Feyo de Azevedo<br />
EDIÇÃO E PROPRIEDADE<br />
Universidade do Porto<br />
Serviço de Comunicação e Imagem<br />
Praça Gomes Teixeira • 4099-345 Porto<br />
Tel: 220408210<br />
ci@reit.up.pt<br />
COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />
Ricardo Miguel Gomes<br />
REDAÇÃO<br />
Anabela Santos<br />
Paulo Gusmão Guedes<br />
Ricardo Miguel Gomes<br />
Tiago Reis<br />
APOIO MULTIMÉDIA<br />
TVU<br />
FOTOGRAFIA<br />
Egídio Santos<br />
DESIGN<br />
Rui Guimarães<br />
IMPRESSÃO<br />
Multiponto, S.A.<br />
DEPÓSITO LEGAL<br />
419085/16<br />
WHAT’S <strong>UP</strong> 04 NOTÍCIAS SOBRE<br />
A COMUNIDADE ACADÉMICA<br />
ALUMNI 08 VICTOR HUGO PON-<br />
TES PORTFÓLIO 12 INAUGURA-<br />
ÇÃO DO I3S CIÊNCIA & TECNO-<br />
LOGIA 18 INVESTIGAÇÃO GENÉTICA<br />
PELO GR<strong>UP</strong>O DE JOSÉ BESSA<br />
DESPORTO 22 CAMPEONATO DE<br />
FLOORBALL FORA DA CAIXA 24<br />
VENIAM CULTURA 28 FUTURO<br />
ROTEIRO CIENTÍFICO DA U.PORTO<br />
ENTREVISTA 32 ALEXANDRE<br />
QUINTANILHA MUNDUS<br />
38 MARZIA BRUNO TALENTO 42<br />
DISTINÇÕES A MEMBROS DA CO-<br />
MUNIDADE ACADÉMICA MEMÓ-<br />
RIA 44 RUAS QUE HOMENAGEIAM A<br />
U.PORTO QUADRO DE HONRA<br />
50 PROJETO “PORTO COM + SAÚDE”<br />
SUB-35 52 JOANA MOSCOSO<br />
LIVROS 55 NOVAS PUBLICAÇÕES<br />
DA U.PORTO EDIÇÕES<br />
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«Todo o mundo é composto de mudança /<br />
Tomando sempre novas qualidades”, escreveu<br />
Camões. O verso aplica-se a quase tudo na vida<br />
e também às instituições, que, por muitos méritos<br />
que revelem, devem saber reinventar-se<br />
ciclicamente. A U.Porto tem procurado ser uma<br />
instituição aberta à mudança, não deixando de<br />
preservar o que entende ser primordial e estruturante.<br />
Foi balançando entre o desejo de mudança e o<br />
respeito pelo passado que a U.Porto avançou<br />
para a renovação da revista Alumni U.Porto.<br />
Assim nasceu a <strong>Campus</strong> U.Porto, uma revista<br />
dirigida já não especialmente aos antigos estudantes,<br />
mas a toda a comunidade académica<br />
(estudantes, alumni, colaboradores, docentes e<br />
investigadores) e a públicos externos.<br />
Para além desta maior abrangência de públicos,<br />
queremos com a <strong>Campus</strong> U.Porto melhorar a<br />
qualidade dos conteúdos e do design da nossa<br />
revista, bem como aproveitar mais proficuamente<br />
as potencialidades do on-line. A <strong>Campus</strong><br />
U.Porto apresenta um design atrativo, tem novas<br />
rubricas e mais páginas do que a anterior revista.<br />
Tudo isto resgatando o que de melhor teve<br />
a Alumni U.Porto e, naturalmente, sem deixar<br />
de dar uma grande atenção aos nossos antigos<br />
estudantes e de procurar reforçar a sua ligação à<br />
Universidade.<br />
Uma das mudanças mais notórias desta nova<br />
revista é o seu modelo de distribuição. A <strong>Campus</strong><br />
U.Porto é enviada para os endereços de<br />
correio eletrónico dos membros da nossa comunidade<br />
académica, sendo o on-line a sua forma<br />
de distribuição principal. Contudo, a edição<br />
impressa está disponível na Reitoria, nas faculdades,<br />
nos centros de I&D e em outros espaços<br />
da Universidade. A revista em papel pode também<br />
ser pedida ao Serviço de Comunicação e<br />
Imagem da Reitoria, através dos contactos disponíveis<br />
na ficha técnica da <strong>Campus</strong> U.Porto.<br />
Designámos esta nova revista de <strong>Campus</strong><br />
U.Porto com o intuito de transmitir uma ideia<br />
de comunidade, de pertença, de partilha. O<br />
campus universitário é o espaço (físico e mental)<br />
de interação entre os membros da nossa<br />
comunidade académica. Aquele em que, para<br />
lá da aquisição e aplicação de competências<br />
técnico-científicas, se gera uma dinâmica de<br />
convivência sociocultural que é determinante<br />
para o desenvolvimento de um sentimento de<br />
pertença à Universidade e de identificação entre<br />
os membros da comunidade académica.<br />
Por aqui se percebe que é nossa intenção que<br />
a <strong>Campus</strong> U.Porto contribua para que a Universidade<br />
seja, cada vez mais, um território de<br />
socialização, intervenção cívica e crescimento<br />
intelectual.<br />
Atribuímos à presente edição o número zero, de<br />
forma a vincar a ideia de que se trata, antes de<br />
mais, da apresentação da nova revista à comunidade<br />
académica e à sociedade em geral. No<br />
entanto, não descorámos a qualidade e atualidade<br />
dos conteúdos. Podemos ler neste número<br />
o perfil artístico do nosso alumnus Victor Hugo<br />
Pontes, conhecer mais detalhes do roteiro museológico<br />
que a Universidade se prepara para<br />
concluir, saber como está a correr a experiência<br />
política do Prof. Alexandre Quintanilha, perceber<br />
as razões do sucesso da Veniam, compreender<br />
a investigação genética do grupo do Prof.<br />
José Bessa ou atentar no espírito solidário dos<br />
estudantes de Ciências Farmacêuticas, entre<br />
outras matérias de interesse.<br />
Esperando que aprecie a sua nova revista, desejo-lhe<br />
umas Boas Festas e um venturoso ano<br />
de 2017.<br />
Sebastião Feyo de Azevedo<br />
Reitor da Universidade do Porto<br />
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4
RECEÇÃO<br />
DOS NOVOS<br />
ESTUDANTES<br />
A sessão de receção dos novos estudantes<br />
2016/2017 conheceu uma boa<br />
adesão, enchendo praticamente a Praça<br />
Gomes Teixeira.<br />
Pelo 2.º ano consecutivo, as principais<br />
instituições portuenses associaramse<br />
à U.Porto para proporcionar aos novos<br />
estudantes a entrada gratuita em<br />
16 espaços culturais, como a Fundação<br />
de Serralves, a Casa da Música e a Torre<br />
dos Clérigos.<br />
Nos seus discursos de boas-vindas,<br />
o reitor Feyo de Azevedo alertou para<br />
os excessos da praxe e o presidente da<br />
autarquia, Rui Moreira, lembrou que a<br />
U.Porto é a mais importante instituição<br />
da cidade.<br />
A Praça Gomes Teixeira foi também a<br />
sala de visitas da U.Porto na receção<br />
dos estudantes internacionais. Para<br />
além da apresentação dos diferentes<br />
serviços da Universidade e da habitual<br />
mensagem de boas-vindas do Reitor,<br />
os estudantes tiveram a oportunidade<br />
de conviver durante um lanche preparado<br />
para o efeito.<br />
Só no primeiro semestre deste ano<br />
letivo, 1.319 estudantes de 88 países<br />
diferentes ingressaram na U.Porto ao<br />
abrigo de programas de mobilidade<br />
internacional. Chegaram de países<br />
tão longínquos como o Cazaquistão, a<br />
China, o Chile, o Egito ou o Vietname,<br />
embora o Brasil (409 estudantes), a<br />
Espanha (161), a Itália (127), a Alemanha<br />
(70) e a Polónia (63) continuem a<br />
ser as nações mais representadas.<br />
5 what’s up<br />
Fotos Egídio Santos<br />
campus<br />
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Uma Universidade em crescimento:<br />
novos espaços, novos equipamentos para<br />
novos estudantes vindos de todo o mundo,<br />
celebrações, tanta coisa a acontecer!<br />
No concurso de acesso ao ensino superior,<br />
a U.Porto teve quase o dobro dos<br />
candidatos para as vagas disponíveis.<br />
Acresce que a U.Porto continua a ser,<br />
globalmente, a universidade com as<br />
mais altas médias de entrada no ensino<br />
superior. São da U.Porto quatro dos<br />
seis cursos com as mais elevadas classificações<br />
do concurso de acesso.<br />
7,736<br />
O Pavilhão Prof. Dr. Galvão Teles foi profundamente<br />
remodelado e está já ao dispor da comunidade<br />
académica e da cidade, depois da reabertura<br />
oficial a 20 de setembro, Dia Internacional do<br />
Desporto Universitário. Integrado no histórico<br />
complexo do Estádio Universitário, o pavilhão<br />
dispõe de 1.910 m2 destinados à prática de várias<br />
modalidades desportivas.<br />
Concluídas as negociações que permitiram reverter<br />
a posse do Estádio Universitário para a U.Porto,<br />
em 2013, foi possível avançar com a requalificação<br />
do pavilhão inaugurado em 1968. Requalificação,<br />
essa, que vem ao encontro de um dos grandes objetivos<br />
da Universidade, que é dispor de boas instalações<br />
desportivas nos três polos do seu campus:<br />
Campo Alegre, Baixa e Asprela.<br />
(candidatos)<br />
A Universidade foi a<br />
primeira escolha para<br />
7.736 candidatos, o que<br />
representa uma média<br />
de 1,9 candidatos para<br />
cada uma das 4.160<br />
vagas disponíveis.<br />
4,131<br />
(estudantes colocados)<br />
Foram colocados<br />
4.131 estudantes,<br />
preenchendo-se assim<br />
99,3% das vagas.<br />
São de<br />
129 países os<br />
cerca de 3,400<br />
estudantes<br />
estrangeiros que<br />
escolheram a<br />
U.Porto.<br />
what’s up 6<br />
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NOVO<br />
LABORATÓRIO<br />
DE APOIO<br />
À INDÚSTRIA<br />
A FE<strong>UP</strong>, o INESC TEC e o INEGI criaram<br />
um novo laboratório de apoio à indústria<br />
transformadora. Chama-se FABTEC –<br />
Laboratório de Processos e Tecnologias<br />
para Sistemas Avançados de Produção<br />
e o seu principal propósito é apresentar<br />
soluções inovadoras às empresas, através<br />
de um processo de experimentação<br />
em learning-factory.<br />
Com a massa crítica, a experiência industrial,<br />
o conhecimento especializado e<br />
as competências multidisciplinares das<br />
três instituições da área da engenharia,<br />
o FABTEC espera ajudar o tecido industrial<br />
a reforçar o seu perfil tecnológico e<br />
a sua intensidade de inovação.<br />
DOURO<br />
VINHATEIRO<br />
EM EXPOSIÇÃO<br />
NO GOOGLE<br />
A U.Porto regressou ao Google Cultural<br />
Institute – agora denominado de Google<br />
Arts & Culture – com mais um projeto que<br />
revisita o património cultural português.<br />
Desta feita, o cenário é o Alto Douro Vinhateiro<br />
e o tema “Sabrosa: Território e Património”.<br />
Trata-se de uma exposição virtual<br />
(bilingue) alojada na plataforma do Google<br />
(https://www.google.com/culturalinstitute/<br />
beta/u/0/exhibit/7QKi4Qlq79p_LA), que<br />
resulta de um projeto desenvolvido no âmbito<br />
do mestrado em História da Arte Portuguesa<br />
da FL<strong>UP</strong>.<br />
O “sortilégio de encostas e socalcos, de<br />
vinhedos e olivais, de rios e fragas” do Alto<br />
Douro Vinhateiro “está notavelmente retratado<br />
nesta exposição virtual”, sublinhou o<br />
reitor Feyo de Azevedo na inauguração de<br />
“Sabrosa: Território e Património”.<br />
7<br />
campus<br />
000<br />
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O artista que<br />
quer tudo ou um<br />
pouco mais<br />
VICTOR HUGO PONTES<br />
É ator, bailarino, coreógrafo, encenador, realizador, cenógrafo, assistente de encenação<br />
e tudo. Uma espécie de artista renascentista que, em permanente frenesim<br />
criativo, reparte o seu talento por várias disciplinas performativas, tendo como matriz<br />
as belas-artes. Victor Hugo Pontes não tem parança. O seu génio é sublimado<br />
(e suado) pela vertigem do trabalho. Muito trabalho. Tal como Cristiano Ronaldo,<br />
que pôs a dançar num anúncio publicitário e com cujo perfecionismo se identifica.<br />
Para muitos será difícil conceber que Victor Hugo<br />
Pontes, cujo trabalho artístico facilmente associamos a<br />
sofisticação e cosmopolitismo, tenha tido a sua primeira<br />
experiência na dança num rancho folclórico, quando era<br />
ainda criança. Mas, preconceitos à parte, a verdade é que,<br />
como diz aquele que é um dos mais importantes corégrafos<br />
portugueses da atualidade, o rancho “era uma das<br />
formas possíveis de fazer dança”.<br />
Designadamente em Guimarães, onde nasceu em 1978,<br />
e que, na década de 1980, era ainda uma cidade longe<br />
de ambicionar ser capital europeia da cultura. “Eu gostava<br />
de dançar e fazer ballet era praticamente impossível. Financeiramente<br />
não era de todo possível. E também não<br />
me sentia capaz de fazer ballet numa cidade um bocadinho<br />
fechada, em que seria o único rapaz no meio das<br />
raparigas”.<br />
Mas foi nessa Guimarães ainda conservadora e sem o<br />
viço cultural de hoje que Victor Hugo Pontes descobriu<br />
o teatro. E logo pela mão experiente de Moncho Rodriguez,<br />
encenador galego que cresceu no Brasil mas tem<br />
desenvolvido a sua carreira em Portugal, dirigindo várias<br />
companhias importantes, como o TEP. O pai de Victor<br />
Hugo Pontes teve, na altura, um gesto verdadeiramente<br />
providencial, ao entregar ao filho adolescente um folheto<br />
anunciando um curso de teatro orientado por Moncho<br />
Rodriguez. “’Isto é para ti’, disse-me ele. E sem dúvida que<br />
aquilo era para mim. Ele nem sabia o que me estava a dar!<br />
E hoje já não se lembra desta história”, recorda, divertido,<br />
Victor Hugo Pontes.<br />
O curso era ministrado na recém-criada ODIT – Oficina<br />
de Dramaturgia e Interpretação Teatral, atual Teatro Oficina,<br />
e consumiu os tempos livres de Victor Hugo Pontes,<br />
então estudante de Arte no ensino secundário. “A certa<br />
altura, eu já anda lá das seis da tarde à meia-noite e também<br />
aos sábados e domingos. O curso era muito exigente<br />
e funcionava como uma espécie de companhia”.<br />
Os primeiros espetáculos em que Victor Hugo Pontes<br />
participou tiveram lugar em espaços alternativos, como<br />
antigas fábricas, seguindo o conceito site-specific. Tratava-se<br />
de performances que fugiam aos cânones do teatro,<br />
ao ponto de deixarem o imberbe Victor Hugo Pontes<br />
um pouco confuso. “Era dos mais novos, e quando nos<br />
punham a improvisar, confesso que, na maior parte das<br />
vezes, não sabia o que estava a fazer. Fazia igual ao que<br />
os outros estavam a fazer, para que ninguém percebesse”.<br />
Victor Hugo Pontes colaborou com o ODIT até sair de<br />
Guimarães e chegou a andar em digressão com a companhia<br />
durante três meses, no Brasil.<br />
alumni Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />
campus<br />
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“PORQUE QUERO TUDO,<br />
OU UM POUCO MAIS,<br />
SE PUDER SER,<br />
OU ATÉ SE NÃO PUDER SER”<br />
Álvaro de Campos<br />
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A IMPORTÂNCIA<br />
DAS BELAS<br />
ARTES<br />
Por esta altura, o que era um deslumbramento juvenil<br />
pela arte tornou-se vocação consciente. Mas instalou-se<br />
a dúvida quanto à disciplina artística. “Não sabia se queria<br />
Pintura, Escultura, Design… Queria Belas-Artes. Um bocadinho<br />
de cada”. E havia ainda a atração pela fotografia,<br />
“uma coisa que me dava muito prazer”, e, claro, o fascínio<br />
pelo teatro. Vivia então um dilema pessoano: “quero tudo,<br />
ou um pouco mais, se puder ser”.<br />
A solução encontrada foi frequentar, em simultâneo, o<br />
curso de Teatro do Balleteatro Escola Profissional e o<br />
curso de Pintura da Faculdade de Belas Artes da U.Porto<br />
(FBA<strong>UP</strong>), o que o obrigou a mudar-se para a Invicta.<br />
“Achei que era o melhor dos dois mundos. Fui fazer os<br />
dois cursos, adiando por mais algum tempo a decisão [sobre<br />
o futuro profissional]”.<br />
A escolha da FBA<strong>UP</strong> fez-se por acreditar que “a escola<br />
tinha os melhores professores” e “era mais reconhecida<br />
do que a [homóloga] de Lisboa”. Mas, já depois de um<br />
período de mobilidade Erasmus na Norwich School of Art<br />
and Design, em Inglaterra, durante o 4.º ano, Victor Hugo<br />
Pontes percebeu que a Pintura não era a sua expressão<br />
artística de eleição. “Dei-me conta de que pintar é um ato<br />
extremamente solitário, eu e a tela”. Ora, “eu gosto imenso<br />
de falar e estar envolvido com outras pessoas, e de<br />
envolver o meu próprio corpo”.<br />
Considerando o percurso posterior de Victor Hugo Pontes<br />
na dança e no teatro, sobretudo, poderia pensar-se<br />
que o curso de Pintura teve pouco impacto na sua carreira<br />
artística. Nada de mais errado: “A formação que tive<br />
nas Belas Artes foi extremamente importante. Às vezes<br />
estou a começar um trabalho e tenho imagens que me<br />
lembram coisas que me diziam os meus professores de<br />
Pintura. Faço muitas analogias com as artes plásticas.<br />
Mesmo a explicar aos bailarinos, o meu léxico é muitas<br />
vezes do universo das artes plásticas”. Aliás, nos espetáculos<br />
procura “trabalhar a luz como um diretor de fotografia”,<br />
devido justamente ao que diz ser a sua “consciência<br />
plástica”.<br />
Ainda antes de concluir o curso de Pintura da FBA<strong>UP</strong>, Victor<br />
Hugo Pontes começa a lecionar no Balleteatro e a trabalhar<br />
com os alunos nos seus projetos performativos, ficando responsável<br />
pela cenografia e pela realização de vídeos. “Dar<br />
aulas permitiu-me experimentar com os alunos. A partir do<br />
que eles me davam, alterava os exercícios à minha maneira.<br />
E assim acabei por construir a minha linguagem”.<br />
Apesar de ensinar, Victor Hugo Pontes manteve a sua<br />
“sede de aprender”, colecionando formações na área do<br />
teatro e da dança. Ao curso do Teatro Universitário do<br />
Porto, ainda no tempo de estudante, somam-se os cursos<br />
de Pesquisa e Criação Coreográfica do Fórum Dança<br />
(2002), de Encenação de Teatro pela companhia inglesa<br />
Third Angel, na Fundação Calouste Gulbenkian (2004),<br />
e do Projet Thierry Salmon – La Nouvelle École des Maîtres,<br />
na Bélgica e em Itália (2006). Este último curso,<br />
dirigido pelo iconoclasta encenador Pippo Delbono, “foi<br />
muito importante pela confiança que ele tinha em mim.<br />
Para ele [Delbono], eu era o líder do grupo. Os outros tinham<br />
de fazer como eu fazia”.<br />
O MENINO<br />
DANÇA?<br />
Outro momento providencial na carreira de Victor Hugo<br />
Pontes foi o convite da encenadora Isabel Barros para integrar<br />
um espetáculo de dança, em 2012, no Teatro Rivoli.<br />
Ora, Victor Hugo Pontes não tinha nem formação nem<br />
experiência em dança. Mas tinha, garante, “uma fisicalidade<br />
própria”. E já depois do espetáculo, com o curso de<br />
Pesquisa e Criação Coreográfica, ganhou autoconfiança.<br />
“Durante o curso do Fórum Dança, a professora Margarida<br />
Bettencourt fez-me acreditar que eu conseguia fazer<br />
a técnica Cunningham com o meu corpo, com as minhas<br />
limitações, fazendo à minha maneira. Isto mudou tudo,<br />
porque a partir daí comecei a acreditar que era possível”.<br />
E foi. Logo a seguir, em 2003, Victor Hugo Pontes seria<br />
convidado a criar um espetáculo de dança para o Festival<br />
da Fábrica, no Porto. Chamou-lhe Puzzle e deu imediatamente<br />
azo a outro convite para outro espetáculo, Voz<br />
Off (2003), desta vez no Planetário do Porto, com o qual<br />
ganhou o Concurso Jovens Criadores na categoria de<br />
Dança. A partir de então, a dança passou a ocupar um<br />
lugar central no seu trabalho e é na coreografia que a sua<br />
linguagem artística melhor se concretiza.<br />
“Digo sempre que nunca decidi aquilo que queria ser. A<br />
vida é que foi decidindo por mim e as situações fizeram<br />
com que tomasse decisões. Se há 15 anos me dissessem<br />
que ia ser coreógrafo, eu não acreditava”. E, além de<br />
coreógrafo, é ator, bailarino (ou “interprete”, como prefere<br />
dizer), encenador, realizador (vídeo), cenógrafo e assistente<br />
de encenação. Pelo menos.<br />
O trabalho como assistente de encenação não se revelou<br />
nada despiciendo neste percurso artístico. Victor Hugo<br />
Pontes foi, durante dois anos, o braço direito de Nuno<br />
Cardoso, um dos mais importantes encenadores portugueses<br />
da nova geração. E, como habitualmente, fez de<br />
tudo um pouco, indo para lá do que a função exige. “A<br />
alumni Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />
10<br />
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certa altura, já não era apenas assistente. Tinha de gerir a<br />
luz, o som, a contrarregra, a produção… Era uma pessoa<br />
extremamente criativa, em que o Nuno tinha grande confiança.<br />
Eu dava-lhe ideias, apesar da linguagem dele ser<br />
muito diferente da minha. Foi uma escola brutal: trabalhei<br />
com grandes textos clássicos e tive as minhas primeiras<br />
experiências em teatros nacionais e no estrangeiro”.<br />
Aqui chegados, há que perceber a razão por que Victor<br />
Hugo Pontes se desmultiplica em funções dentro das<br />
artes de palco. “O que me dá mesmo prazer é ir mudando<br />
de pele, de personagem, de ofício… Gosto de fazer<br />
coisas diferentes e sinto que tudo aquilo que faço não<br />
é tão disperso assim: as coisas têm ligações e umas só<br />
acrescentam às outras”. Por outro lado, “aborrece-me fazer<br />
sempre a mesma coisa, apesar de gostar imenso de<br />
ter rotinas. As pessoas que me conhecem sabem que eu<br />
gosto de ir sempre ao mesmo restaurante. Preciso dessas<br />
rotinas porque tudo o resto não é rotineiro”.<br />
Para além da fuga à estagnação criativa, Victor Hugo<br />
Pontes é um verdadeiro workaholic e parece gerir a sua<br />
atividade artística de forma intuitiva. “Vivo muito para o<br />
trabalho. Tenho mesmo esta necessidade. Quando paro,<br />
começo a pensar muito. E quando começo a pensar muito,<br />
não é boa ideia… Então, prefiro fazer. Depois de fazer,<br />
gosto de pensar no que fiz e tirar as minhas conclusões”.<br />
São estas características idiossincráticas que fazem Victor<br />
Hugo Pontes rever-se em Cristiano Ronaldo, que coreografou<br />
para um anúncio publicitário. “Admiro-o porque<br />
é persistente nos objetivos, trabalha para os conseguir e<br />
é desta forma que os consegue – não é por sorte nem<br />
por acaso”.<br />
Como coreógrafo/ encenador, Victor Hugo Pontes é autor<br />
de mais de 20 espetáculos, dos quais se destacam<br />
Ícones (2006), Rendez-vous (2010), Fuga Sem Fim<br />
(2011), A Ballet Story (2012), A Strange Land (2012),<br />
ZOO (2013), Ocidente (2013), Fall (2014), COPPIA<br />
(2014) em cocriação com Manuela Azevedo e Hélder<br />
Gonçalves (dos Clã), Orlando (2015), em cocriação com<br />
Sara Carinhas, Se alguma vez precisares da minha vida,<br />
vem e toma-a (2016) e Carnaval (2016). No final de setembro,<br />
estreou o espetáculo Uníssono – composição<br />
para cinco bailarinos.<br />
COMO TREINAR<br />
A SELEÇÃO<br />
A Ballet Story, uma encomenda da Guimarães 2012<br />
Capital Europeia da Cultura, foi um ponto de viragem na<br />
carreira de Victor Hugo Pontes, que curiosamente recusou<br />
por três vezes a criação do espetáculo. “A Ballet Story<br />
teve um sucesso gigantesco e, a partir daí, tenho consciência<br />
de que há cada vez mais gente a ver-me, a saber<br />
quem eu sou, a seguir o meu trabalho…”.<br />
Se alguma vez precisares da minha vida, vem e toma-a<br />
será, provavelmente, o mais ousado dos seus espetáculos,<br />
por ser baseado no clássico A Gaivota, de Anton<br />
Tchékhov. Já Carnaval afigura-se como o reconhecimento<br />
institucional do trabalho de Victor Hugo Pontes,<br />
uma vez que partiu de um convite da Companhia Nacional<br />
de Bailado. O espetáculo foi inspirado na obra musical<br />
O Carnaval dos Animais (1886), de Camille Saint-<br />
Saëns, contou com música original de 12 compositores<br />
portugueses contemporâneos e envolveu 36 bailarinos.<br />
“Coreografar a Companhia Nacional de Bailado é como<br />
treinar a Seleção Nacional”, graceja Victor Hugo Pontes.<br />
Nestes 13 anos de criações, Victor Hugo Pontes acredita<br />
ter desenvolvido uma linguagem própria. “As pessoas<br />
conseguem identificar que aquilo é meu ou se parece comigo.<br />
Mas não é nada que eu faça de forma consciente.<br />
Faço-o porque sinto que deve ser dessa forma”. Aponta<br />
como característica distintiva do seu trabalho de coreógrafo<br />
“a forte carga dramatúrgica, que vem do facto de<br />
gostar muito de teatro. Há sempre um conflito que gera a<br />
ação”. Além disso, “a parte cenográfica é muito importante,<br />
tal como acontece no teatro mas raramente na dança”.<br />
Diz também que as criações são a sua “forma de ver o<br />
mundo” e de “questionar esse mundo”, mas ressalva: “Os<br />
espetáculos não são sobre mim, embora naquilo que faço<br />
esteja inevitavelmente aquilo que sou”.<br />
Animado pelo sucesso em Portugal, Victor Hugo Pontes<br />
gostaria agora de apresentar os seus espetáculos<br />
lá fora com maior regularidade. Mas, para isso, tem<br />
consciência de que necessita de “reduzir a escala” dos<br />
espetáculos e de “simplificar” as respetivas estruturas.<br />
De resto, Victor Hugo Pontes já apresentou espetáculos<br />
seus em três cidades do Brasil e participou, com<br />
A Ballet Story, no Festival de Dança de Cannes, em<br />
França, e no Pays de Danses, em Liège, na Bélgica. Em<br />
2010 já havia sido selecionado pelo projeto Intradance<br />
para dirigir a companhia russa Liquid Theatre, para a<br />
qual criou o espetáculo Far Away From Here, apresentado<br />
em maio desse ano, em Moscovo, na Rússia. Dois<br />
anos antes, em março de 2007, conquistou o 1º prémio<br />
do International Choreography Competition Ludwigshafen<br />
07 – No ballet, em Ludwigshafen, Alemanha,<br />
com o espetáculo Ícones.<br />
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i3S: O<br />
S<strong>UP</strong>ER<br />
LABORA<br />
TÓRIO DA<br />
SAÚDE<br />
É o maior instituto português de investigação na área<br />
das ciências da vida e da saúde. Os números impressionam:<br />
cerca de 1.000 colaboradores (dos quais 800 são cientistas),<br />
51 grupos de investigação, mais de 120 projetos em curso e um<br />
orçamento anual de 20 milhões de euros.<br />
Para instalar este superlaboratório, foi construído um edifício<br />
com 18.000 m 2 de área total, no Polo Universitário da Asprela.<br />
A obra custou 21,5 milhões de euros, dos quais 18 milhões<br />
foram financiados pelo programa ON.2 – O Novo Norte.<br />
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Para lá da grandeza dos números, o i3S – Instituto de<br />
Investigação e Inovação em Saúde da U.Porto propõese,<br />
numa lógica de multidisciplinariedade científica,<br />
encontrar respostas para os maiores desafios da saúde<br />
humana, como o cancro, a neurobiologia e as doenças<br />
neurológicas, a interação e resposta do hospedeiro.<br />
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Com a inauguração oficial do i3S, ficou concluído um<br />
processo exemplar de cooperação e solidariedade científicas<br />
que arrancou em 2003, com a formalização da<br />
parceria entre IBMC, INEB e Ipatimup, e se consolidou<br />
em 2008, quando os diretores destes três institutos<br />
criaram o consórcio que está na base do novo superlaboratório.<br />
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Modulações<br />
da vida<br />
INVESTIGAÇÃO EM GENÉTICA<br />
A progressiva descoberta<br />
dos mecanismos<br />
de transmissão hereditária<br />
e da centralidade<br />
do ADN como código<br />
regulador da reprodução<br />
e do desenvolvimento<br />
dos seres vivos<br />
reservou diversas surpresas,<br />
nomeadamente<br />
o aparente paradoxo<br />
de que apenas uma pequena<br />
fração do ácido<br />
desoxirribonucleico<br />
codificava as proteínas<br />
essenciais para a vida.<br />
No início deste século,<br />
ainda grande parte<br />
deste código parecia<br />
ser “lixo”, sem quaisquer<br />
consequências<br />
para o organismo. Mas<br />
a investigação na área<br />
rapidamente demonstrou<br />
que a interação<br />
entre os elementos do<br />
genoma tinha outro nível<br />
de complexidade.<br />
No Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da<br />
U.Porto, o grupo de Desenvolvimento e Regeneração de Vertebrados<br />
dedica-se a estudar a interação entre elementos do genoma, com aplicações<br />
específicas na formação e no funcionamento do pâncreas. O<br />
seu líder, José Bessa, explica que, “inicialmente, tinha-se um conceito<br />
muito simples de como é que os genes eram transcritos. Os genes<br />
podiam estar ativos ou inativos, serem expressos ou não, e de forma<br />
diferente conforme o tipo de célula. Por exemplo, no nosso pâncreas<br />
teríamos uma série de genes ativos, ou seja, que são transcritos, que<br />
seria diferente da série de genes que são transcritos no nosso fígado<br />
ou no nosso olho, por exemplo”.<br />
Basicamente, para produzir – ou seja, “exprimir” – as proteínas necessárias<br />
ao desenvolvimento e regulação do organismo, as moléculas<br />
de ADN que residem no núcleo celular são o centro de um complexo<br />
processo que implica a sua cópia – “a transcrição” – para moléculas<br />
complementares, o ARN mensageiro. A produção de proteínas, mediada<br />
pelo ARN mensageiro, é já realizada no citoplasma, fora do núcleo<br />
celular – etapa designada por “tradução”.<br />
Mas, continua José Bessa, “o programa que regula essa atividade de<br />
transcrição dos genes não será tão imediato como originalmente se<br />
pensava: tinha-se a ideia de que bastava um promotor, ou seja, uma<br />
pequena sequência de ADN não codificante localizada a montante do<br />
gene, para regular a transcrição. Isso seria suficiente para determinar<br />
quando e em que células é que o gene estava ou não estava ativo”.<br />
A natureza, contudo, parece não ter optado por essa solução: “Hoje,<br />
sabemos que existem outras sequências dentro desse genoma não<br />
codificante – a que chamamos módulos – que interagem com os promotores<br />
dos genes e regulam a sua atividade. Portanto, a ativação<br />
dos genes inclui a atividade de muitas outras sequências que estão<br />
espalhadas no genoma”.<br />
Se antes a nossa visão se centrava quase exclusivamente no gene<br />
codificante – uma mutação num gene seria responsável pela formação<br />
incorreta da proteína nele codificada e, portanto, poderia acarretar a<br />
perda da função que essa proteína desempenhava na célula, eventualmente<br />
resultando numa doença –, encontramo-nos agora perante<br />
uma paisagem mais complexa, aberta a muitas perguntas. Quais são<br />
os módulos que regulam a atividade dos promotores e que podem levar<br />
à perda de funções? Qual é a relação entre esses módulos e genes<br />
específicos?<br />
DA SEQUENCIAÇÃO À MUTAÇÃO<br />
A partir do momento em que se procedeu a uma sequenciação em larga<br />
escala do genoma humano, foi possível construir um painel de correspondências<br />
entre a mutação de genes codificantes e o desenvolvimento<br />
de determinadas patologias. Mas nem sempre se encontrou<br />
uma associação direta entre doença e mutação, enquanto trabalhos<br />
experimentais confirmaram a complexa interatividade entre elementos<br />
codificantes e não codificantes do genoma. Verificou-se que a mutação<br />
de determinados módulos no genoma não codificante provocava,<br />
efetivamente, alterações na expressão do gene: as proteínas não eram<br />
produzidas corretamente nas quantidades e sítios adequados.<br />
É esta a área de interesse do grupo de Desenvolvimento e Regeneração<br />
de Vertebrados, como afirma José Bessa: “Queremos compreender<br />
como é que mutações nestes elementos do ADN que não são<br />
codificantes e não são promotores podem contribuir para o aparecimento<br />
de algumas doenças genéticas humanas. Temos meios para<br />
identificar onde estão esses módulos e queremos perceber como é<br />
que mutações nesses módulos podem interferir com a produção das<br />
proteínas, com a expressão dos genes”.<br />
Como são identificados, então, esses módulos? Fundamentalmente,<br />
através de marcas epigenéticas, modificações moleculares no ADN ou<br />
em proteínas que se ligam ao ADN e que parecem também ter como<br />
função regular a expressão dos genes, nomeadamente fornecendo<br />
instruções básicas para a sua ativação ou desativação: “O estado da<br />
arte permite-nos sequenciar zonas do genoma não codificante que<br />
estão enriquecidas para determinadas marcas epigenéticas que estão<br />
associadas com uma função do ADN. Basicamente, podemos saber<br />
quais são as sequências que têm maior potencial para serem elementos<br />
de regulação”.<br />
Encontrado o candidato, “isolamos esta sequência do genoma e pomos<br />
à sua frente um promotor mínimo, ou seja, uma sequência que permite<br />
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José Bessa:<br />
cartógrafo de um<br />
atlas genómico.<br />
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Viveiros aquáticos:<br />
a diversidade transgénica.<br />
Peixe-zebra:<br />
a transparência de um modelo.<br />
que estes módulos interajam com ele, controlando a transcrição dos genes.<br />
Mas, à frente do promotor, e de forma que consigamos acompanhar<br />
visualmente a expressão do gene, usamos um gene que codifica uma<br />
proteína fluorescente. Introduzimos esta construção de ADN no genoma<br />
do peixe-zebra e geramos um peixe-zebra transgénico”.<br />
Se o módulo em causa está ativo, o resultado será o aparecimento<br />
de células com a proteína fluorescente. Existe, por exemplo, a possibilidade<br />
de observar uma sequência que esteja ativa no pâncreas e,<br />
caso seja gerada uma mutação que afete a atividade desse módulo,<br />
a fluorescência deixa de se observar. Pode-se, pois, monitorizar quais<br />
as mutações geradas em zonas não codificantes que têm impacto na<br />
expressão dos genes e onde se verificam. Mas, realça José Bessa,<br />
“precisamos de um animal que seja transparente”.<br />
PEIXE-ZEBRA COMO MODELO<br />
O peixe-zebra é um relativo recém-chegado ao i3S, e é um “modelo”<br />
importado de Sevilha, do Centro Andaluz da Biologia do Desenvolvimento,<br />
onde José Bessa realizou estudos de pós-doutoramento. Para<br />
além da sua transparência, é um vertebrado com que é relativamente<br />
fácil de lidar, reproduzindo-se rapidamente e em grande quantidade.<br />
Por outro lado, nota o investigador, “o pâncreas do peixe-zebra é muito<br />
parecido com o pâncreas humano em termos de funcionamento e<br />
estrutura anatómica. Encontramos nele o mesmo tipo de células – produtoras<br />
de insulina, de glucagon ou de somatostatina – do pâncreas<br />
endócrino humano.<br />
Pretende então o grupo de Desenvolvimento e Regeneração de Vertebrados<br />
encontrar no peixe-zebra os “pontos quentes do genoma” e<br />
trasladar essa informação para o genoma humano, uma tarefa que não<br />
é particularmente fácil porque só 10 a 20% das sequências não codificantes<br />
com atividade na regulação dos genes estão “conservadas”,<br />
ou seja, mantêm-se similares nas duas espécies. José Bessa elucida:<br />
“Analisando as sequências genéticas do peixe-zebra, podemos alinhá-<br />
A investigação genética<br />
do grupo de José Bessa é<br />
realizada no i3S.<br />
-las com o genoma humano e descobrir onde é que as sequências<br />
correspondentes se encontram. Isto só é possível caso as sequências<br />
estejam conservadas. Caso contrário, temos outras estratégias: através<br />
da identidade bioquímica dessas sequências, ou seja, pelas suas<br />
marcas epigenéticas e pela combinação de proteínas a que elas se<br />
associam podemos estabelecer uma ligação que não depende diretamente<br />
da sequência em si: se essas marcas e combinações forem<br />
muito semelhantes em sequências não conservadas no genoma humano<br />
e no peixe-zebra, temos a indicação de uma possível ligação<br />
funcional entre essas zonas, ou módulos”.<br />
Resta aos investigadores gerar mutações nos módulos identificados,<br />
provocando o aparecimento de uma patologia ou de outra alteração<br />
detetável que possa confirmar a sua função.<br />
COMPLEXIDADE MODULAR<br />
“Uma coisa de que temos a certeza é que não existe – ou será muito<br />
pouco frequente – um gene responsável por uma atividade biológica<br />
específica numa única célula. O que acontece é que temos genes que<br />
são usados e reusados dependendo do contexto celular. Os mesmos<br />
genes são expressos em muitos tecidos, mas de forma diferente, e<br />
essa expressão específica será controlada por estes módulos. Embora<br />
não o possa afirmar de forma absoluta” – avança prudentemente José<br />
Bessa –, “sabemos que a expressão total de um gene é controlada<br />
por vários módulos e cada um desses módulos regula essa expressão<br />
maioritariamente em tecidos diferentes”.<br />
Se a atividade de transcrição passasse exclusivamente pelo promotor<br />
da expressão dos genes codificantes, isso significava que este teria<br />
de possuir um nível de complexidade que lhe permitisse compreender<br />
códigos diferentes de fatores específicos das células, conforme<br />
a transcrição fosse realizada, por exemplo, nas células do olho, do cérebro<br />
ou do pâncreas. A possibilidade de serem os módulos diversos<br />
que conferem especificidade aos tecidos ganha, por isso, relevância.<br />
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i3S:<br />
investigação genómica.<br />
Esclarecer o mecanismo pelo qual isto se realiza é particularmente<br />
complexo, até porque, no quadro do genoma, a relação poderá não<br />
ser bidimensional: “Os módulos podem regular o gene que está mais<br />
perto, é verdade, mas provavelmente existem módulos que regulam<br />
genes que estão bastante mais afastados. Há evidências que sugerem<br />
que múltiplos genes podem ser regulados através de um módulo.<br />
Esta regulação à distância não é improvável porque, apesar da nossa<br />
perceção do ADN como estático e linear, ele tem uma estrutura tridimensional:<br />
dentro da célula, está dobrado, tem uma arquitetura. Existe<br />
uma topologia do genoma, com pontos de interação – zonas onde o<br />
ADN tem uma maior propensão para interagir do que o ADN situado<br />
noutros locais, sendo esta interação mediada por proteínas”.<br />
As patologias de base genética serão fundamentais para o conhecimento<br />
dos mecanismos de regulação, como sucede no caso dos supressores<br />
tumorais. Os genes associados a esta função de proteção<br />
celular são expressos numa grande parte das células do nosso corpo.<br />
“Se esta expressão for modulada em tecidos diferentes por módulos<br />
diferentes – e essa é uma das coisas que estamos a tentar compreender<br />
– existirão variações no genoma não codificante associadas à perda<br />
da expressão deste gene em tecidos específicos. E, claro, a perda<br />
de alguns desses supressores tumorais terá como consequência uma<br />
maior incidência de cancro nessas células”.<br />
Poderão, ainda, existir reguladores que só se tornam ativos em determinadas<br />
circunstâncias: “Por exemplo, as mutações no gene p53 estão associadas<br />
ao desenvolvimento de muitos tumores. Este gene é importante<br />
para a destruição de células quando estas entram em stress. Quando<br />
existem mutações neste gene, as células disfuncionais podem tornar-se<br />
viáveis e dar origem a um tumor: o gene p53 tem como função ‘limpar’<br />
estas células. Mas existirão módulos que respondem ao stress celular,<br />
sendo eles os responsáveis pela ativação da transcrição desse gene? E<br />
existirão módulos com uma ação mais predominante em determinados<br />
tecidos do que em outros, podendo assim predispor para a falta de resposta<br />
desse gene nestes últimos tecidos?”.<br />
A INVESTIGAÇÃO DO<br />
GR<strong>UP</strong>O SITUA-SE<br />
A UM NÍVEL<br />
FUNDAMENTAL, AINDA<br />
AFASTADA DA SUA<br />
PREVISÍVEL APLICAÇÃO<br />
EM SAÚDE, MAS O<br />
CONSELHO EUROPEU<br />
DE INVESTIGAÇÃO<br />
PERCEBEU A<br />
IMPORTÂNCIA DO<br />
ESCLARECIMENTO DAS<br />
QUESTÕES LIGADAS À<br />
REGULAÇÃO GÉNICA...<br />
APLICAÇÕES DA INVESTIGAÇÃO<br />
A investigação do grupo situa-se a um nível fundamental, ainda afastada<br />
da sua previsível aplicação em saúde, mas o Conselho Europeu de<br />
Investigação percebeu a importância do esclarecimento das questões<br />
ligadas à regulação génica, neste caso especificamente dirigida para<br />
o estudo do pâncreas, financiando com um milhão e meio de euros um<br />
trabalho de cinco anos que tentará, através de mutações no genoma<br />
não codificante do peixe-zebra, provocar o aparecimento de condições<br />
semelhantes à da diabetes tipo 2. Mas outras aplicações poderão ser,<br />
no futuro, resultado do trabalho do grupo.<br />
Com uma ação contrária aos supressores tumorais, alguns genes –<br />
apelidados de oncogenes – estão diretamente relacionados com o<br />
surgimento de cancro, seja pela ocorrência de mutações, seja pelo<br />
facto de serem “sobre expressos”, o que significa que proteínas que<br />
estes genes codificam são produzidas em maior quantidade. “Se nós<br />
conseguirmos encontrar os módulos de regulação desses oncogenes,<br />
isolá-los e formar um peixe-zebra que nos permita monitorizar a atividade<br />
destes módulos, podemos tentar utilizar fármacos para diminuir<br />
a sua atividade, deste modo diminuindo a transcrição do gene num<br />
tecido específico”.<br />
Sendo certo que, no i3S, se estão a desenvolver meios que permitirão<br />
a triagem automatizada de um elevado número de drogas, tornando<br />
possível testar o efeito de fármacos na atividade de regulação<br />
da transcrição através de módulos, e assim abrindo o caminho à intervenção<br />
terapêutica, José Bessa sumaria primordialmente uma não<br />
pequena ambição: “Queremos construir um atlas de modificadores, ou<br />
seja, de ‘pontos quentes’ no genoma humano cujas mutações possam<br />
estar associadas a determinadas patologias – em particular à diabetes<br />
e ao cancro pancreático – e que possam contribuir para a avaliação do<br />
seu risco ao longo da vida de cada indivíduo”.<br />
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CAMPEONATO<br />
DE FLOORBALL<br />
ESPETÁCULO<br />
&EMOÇÃO<br />
desporto Texto Ricardo Miguel Gomes Foto CD<strong>UP</strong> 22<br />
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Não é tão popular em Portugal como nos países nórdicos, na República<br />
Checa, em Singapura, no Japão ou em Taiwan, onde os torneios são mais<br />
competitivos e arrebanham muitas centenas de adeptos entusiásticos. Por cá,<br />
o floorball está ainda a conquistar atletas e adeptos com a emotividade, espetacularidade<br />
e competitividade geradas pelo confronto entre duas equipas de<br />
seis jogadores de campo e um guarda-redes, que utilizam sticks para introduzir<br />
uma bola oca em pequenas balizas. Sim, o jogo tem muitas semelhanças<br />
com o hóquei em patins (sem estes últimos) e mais ainda com o hóquei em<br />
campo, embora seja disputado indoor.<br />
Para a divulgação desta modalidade no nosso país muito terá contribuído a<br />
realização, em julho, no Porto, do Campeonato do Mundo Universitário de<br />
Floorball 2016. Organizado pela U.Porto e pela Federação Académica do Porto<br />
(FAP), o torneio reuniu mais de 400 atletas de dez países: Portugal, Suécia,<br />
Finlândia, Suíça, República Checa, Japão, Polónia, Eslováquia, Espanha e<br />
Coreia do Sul.<br />
Ambas as finais, masculina e feminina, foram vencidas pela Finlândia, enquanto<br />
Portugal (masculinos) alcançou um honroso 7.º lugar, registando três<br />
vitórias nesta que foi a sua primeira participação em campeonatos mundiais<br />
universitários da modalidade.<br />
O sucesso do torneio veio reafirmar a capacidade da U.Porto para organizar<br />
grandes eventos desportivos internacionais de âmbito académico, estando já<br />
prevista realização, em 2017, do Campeonato Europeu de Futebol Universitário,<br />
em colaboração com a FAP e o Instituto Politécnico do Porto.<br />
23<br />
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Nasceu da valorização do conhecimento,<br />
é fortemente inovadora, tem orientação<br />
global e captou milhões em capital de<br />
risco. Até aqui, nada de novo. O que<br />
parece, de facto, distinguir esta startup é<br />
ter uma visão de futuro. E o futuro, para<br />
a Veniam, são cidades inteligentes em<br />
que os veículos estão ligados em rede<br />
por tecnologias sem fios – a chamada<br />
“internet das coisas em movimento”. É<br />
esta quase utopia tecnológica que está<br />
a ser concretizada a partir do <strong>UP</strong>TEC,<br />
com o reconhecimento do ecossistema<br />
empreendedor internacional.<br />
Veja o vídeo da entrevista em<br />
http://tv.up.pt/videos/6_hcpvwz<br />
Disruptiva. O adjetivo tem servido para caracterizar<br />
a Veniam, startup da indústria wireless criada, em<br />
2012, pelos investigadores João Barros e Susana Sargento.<br />
Recentemente, o canal norte-americano CNBC<br />
considerou a Veniam como a 28.ª startup mais disruptiva<br />
do mundo, numa lista de 50 empresas liderada pela Uber.<br />
Isto significa que a startup instalada no <strong>UP</strong>TEC – Parque<br />
de Ciência e Tecnologia da U.Porto está, de facto, a romper<br />
paradigmas e a anunciar o futuro com o conceito da<br />
“internet das coisas em movimento” (internet of moving<br />
things).<br />
João Barros, CEO da Veniam e docente/ investigador da<br />
Faculdade de Engenharia da U.Porto (FE<strong>UP</strong>), confirma<br />
o caráter disruptivo e visionário da empresa. “A solução<br />
fora da caixa 24<br />
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da Veniam é considerada, por muitos, como a fronteira<br />
do conhecimento na área dos transportes em rede”, sublinha,<br />
para logo acrescentar, em complemento, que a<br />
empresa, no último ano e meio, conquistou oito prémios<br />
internacionais de inovação, nomeadamente da Cable-<br />
Labs (consórcio de I&D que reúne operadores de cabo<br />
norte-americanos) e da Wireless Broadband Alliance<br />
(associação internacional de operadores e produtores da<br />
indústria wi-fi).<br />
Ora, a solução da Veniam é um pequeno dispositivo tecnológico<br />
wi-fi, o NetRider, que no essencial serve para estabelecer<br />
a ligação de veículos (p. ex., táxis e autocarros)<br />
à internet e para permitir a comunicação destes mesmos<br />
veículos entre si, criando uma rede em malha onde circula<br />
informação essencial para a gestão de uma cidade<br />
inteligente. Ou seja, graças ao NetRider, os veículos são<br />
transformados em hotspots wi-fi, dotando assim as cidades<br />
de uma infraestrutura não só de comunicações on-line<br />
mas também de captação e gestão de dados sobre<br />
uma variedade de serviços urbanos, a partir de sensores<br />
que comunicam diretamente com a cloud. “Olhamos para<br />
os veículos não apenas como máquinas que transportam<br />
pessoas do ponto A para o ponto B, mas como elementos<br />
ativos da internet e como componentes essenciais de<br />
uma estrutura de smart city, com a qual podemos melhorar<br />
a vida dos cidadãos”, explica João Barros.<br />
O NetRider é uma solução de baixo custo, robusta, segura<br />
e de fácil instalação que garante conectividade permanente,<br />
mesmo quando a rede de telemóvel não está<br />
acessível. Equipado com GPS e várias interfaces, nomeadamente<br />
uma interface celular igual à dos telemóveis e<br />
com ligação à rede 4G, o NetRider permite desde logo<br />
o acesso gratuito à internet dos passageiros dos mais<br />
variados transportes. Mas a grande mais-valia do dispositivo<br />
é a já aqui referida capacidade de recolha de dados<br />
quer sobre os veículos, quer sobre as cidades onde estes<br />
circulam. Esta capacidade possibilita, a jusante, o desenvolvimento<br />
de soluções que permitam otimizar serviços<br />
urbanos (como a recolha de lixo, p. ex), reduzir o volume<br />
de tráfego, promover o uso de veículos elétricos e melhorar<br />
o conforto, segurança, eficiência e ergonomia dos<br />
transportes públicos.<br />
25 Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />
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João Barros,<br />
cofundador<br />
e CEO da Veniam.<br />
DO AMBIENTE ACADÉMICO PARA OS NEGÓCIOS<br />
A ideia de negócio que está na origem da Veniam nasceu<br />
em ambiente académico, a partir de um conjunto de<br />
projetos de I&D desenvolvidos no Instituto de Telecomunicações<br />
por João Barros e Susana Sargento, docente/<br />
investigadora do Departamento de Eletrónica, Telecomunicações<br />
e Informática da Universidade de Aveiro (DETI).<br />
Foram necessários mais de dez anos de investigações<br />
para desenvolver as componentes de hardware, software<br />
e cloud das redes veiculares. Um processo que envolveu<br />
uma série de parceiros académicos, como a FE<strong>UP</strong>,<br />
a Faculdade de Ciências da U.Porto, o DETI mas também<br />
o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e a<br />
Universidade Carnegie Mellon, através dos programas<br />
homónimos.<br />
“Rapidamente constatámos que era necessário sair<br />
do laboratório e passar a fazer experiências reais,<br />
com utilizadores reais, no tecido urbano”, diz João<br />
Barros, para explicar a evolução do projeto. Com<br />
a colaboração da Câmara Municipal do Porto, iniciaram<br />
os testes da solução tecnológica nos táxis<br />
da cidade, ainda no âmbito do Programa Carnegie<br />
Mellon Portugal, e depois nos autocarros da STCP.<br />
«Esta abordagem diretamente com os utilizadores<br />
finais fez com que chegássemos à conclusão de<br />
que existia, não apenas uma tecnologia interessante,<br />
mas um produto e um conjunto de serviços que<br />
podíamos levar para o mercado”, salienta o professor<br />
catedrático de Engenharia Eletrotécnica e de Computação<br />
da FE<strong>UP</strong> e professor visitante em Stanford.<br />
À criação da empresa seguiu-se, em 2013, o arranque<br />
do projeto Future Cities, coordenado pelo<br />
Centro de Competências para as Cidades do Futuro<br />
da FE<strong>UP</strong>, então dirigido por João Barros. Com<br />
um investimento de 2,3 milhões de euros, financiados<br />
pelo 7.º Programa Quadro de Investigação<br />
e Desenvolvimento Tecnológico da União Europeia (1,6<br />
milhões) e pelo QREN (700 mil), o projeto dotou a cidade<br />
do Porto de uma infraestrutura de captação de dados<br />
com mais de 800 sensores instalados em veículos.<br />
No Porto funciona, de resto, a maior rede wi-fi de veículos<br />
do mundo, implementada pela Veniam. Inclui, como hotspots<br />
wi-fi, toda a frota da STCP (mais de 400 autocarros),<br />
táxis, camiões de recolha do lixo e outros veículos de serviços<br />
urbanos. A rede serve mais de 400 mil utilizadores wi-fi<br />
(população, turistas e outros city users) e transporta cerca<br />
de 8,5 terabytes (equivale a 1024 GB) de dados por mês,<br />
captados pelos veículos equipados com sensores.<br />
Muitos destes dados estão a ser utilizados para o estudo<br />
do tráfego e de serviços urbanos. Em concreto, no âmbito<br />
de uma intervenção num dos túneis da cidade foi possível<br />
quantificar o impacto no trânsito antes e depois das<br />
obras. Também foi possível demonstrar o efeito de recentes<br />
alterações nas paragens de autocarros e está a ser<br />
estudada a ligação dos veículos aos semáforos, para se<br />
criarem vias verdes para autocarros e viaturas de emergência.<br />
Em curso encontra-se igualmente um projeto-piloto<br />
de gestão inteligente da recolha de lixo, em que os<br />
camiões verificam remotamente se os contentores estão<br />
cheios e enviam essa informação para a cloud. Com base<br />
nessa informação, os camiões só se deslocam aos contentores<br />
que realmente necessitam de ser esvaziados.<br />
Com a rede veicular a funcionar no Porto, a Veniam “atraiu<br />
muita atenção” e “foi possível avançar para financiamentos<br />
maiores”, recorda João Barros. Mas, até lá, o financiamento<br />
foi um dos principais desafios da empresa, à semelhança<br />
do que acontece com muitas startups inovadoras. E também<br />
a Veniam recorreu aos três efes, family, friends and<br />
fools (família, amigos e parvos), para reunir o capital necessário<br />
para arrancar com o negócio. Neste caso, foi um familiar<br />
a garantir a comparticipação da empresa necessária<br />
fora da caixa Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos 26<br />
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Veja o vídeo da entrevista em<br />
http://tv.up.pt/videos/6_hcpvwz<br />
Centro de competências da Veniam<br />
no <strong>UP</strong>TEC.<br />
para desbloquear o apoio QREN aprovado em 2012.<br />
A situação, ao nível financeiro, melhorou substancialmente<br />
com a entrada no projeto de dois empreendedores<br />
norte-americanos, Roy Russell e Robin Chase (fundadora<br />
e ex-CEO da Zipcar, a maior empresa de carsharing do<br />
mundo), que João Barros e Susana Sargento conheceram<br />
durante uma apresentação no MIT. Para além do<br />
know-how que aportaram à Veniam, Roy Russell e Robin<br />
Chase possibilitaram o contacto com uma série de investidores<br />
internacionais de capital de risco.<br />
O processo de financiamento da Veniam conheceu vários<br />
momentos. Na fase seed, em 2013, a empresa captou<br />
quase meio milhão de dólares (455 mil euros) junto de<br />
investidores privados. Em 2014, a Veniam fechou uma<br />
ronda de investimento série A de 4,9 milhões de dólares<br />
(3,9 milhões de euros), na qual participaram capitais de<br />
risco de topo como a True Ventures e a Union Square<br />
Ventures. Já em 2016, a startup fundada por João Barros<br />
e Susana Sargento captou quase 25 milhões dólares (24<br />
milhões de euros) numa ronda de investimento liderada<br />
pela capital de risco norte-americana Verizon Ventures,<br />
à qual se juntaram a Cisco Investments, a Orange Digital<br />
Ventures e a Yamaha Motor Ventures.<br />
I&D MANTEM-SE NO PORTO<br />
O primeiro cliente da empresa foi a administração do Porto<br />
de Leixões. Nesta infraestrutura, a Veniam ligou em rede<br />
os veículos de transporte e criou pontos de acesso wi-fi (interconexão<br />
entre os dispositivos móveis) para transmissão<br />
de dados da atividade portuária em tempo real.<br />
Mais tarde, a Veniam participou no acelerador do Programa<br />
MIT Portugal (Building Global Innovators), o que<br />
ajudou a empresa a posicionar-se no mercado e a ir ao<br />
encontro de potenciais clientes, desde operadoras de te-<br />
lecomunicações até fabricantes de equipamentos. “Este<br />
contacto com os clientes foi muito motivador, em particular<br />
para mim que vinha da I&D de cariz matemático<br />
e científico. Foi um contacto direto com os utilizadores<br />
finais, que nos permitiu aprender como se transformam<br />
teoremas matemáticos em algoritmos, em protótipos, em<br />
sistemas, em redes e finalmente em produtos e negócios”,<br />
sublinha João Barros.<br />
De referir que a Veniam tem dois mercados prioritários:<br />
o das cidades inteligentes e o dos chamados espaços<br />
controlados (infraestruturas portuárias e aeroportuárias,<br />
unidades industriais, estaleiros, etc.), onde se podem criar<br />
conectividades entre os diferentes veículos, equipamentos<br />
e funções.<br />
Hoje, a Veniam desenvolve os seus principais projetos e<br />
negócios com os seus investidores estratégicos: a Verizon<br />
(maior operador de telecomunicações dos EUA), a Orange<br />
(maior operador de telecomunicações francês), a Cisco<br />
Systems (multinacional de TIC), a Yamaha Motors e a Liberty<br />
Global (maior operador de cabo do mundo). Além disso,<br />
a empresa criou uma rede veicular em Singapura, onde<br />
tem um escritório, e outra em Manhattan, Nova Iorque. Há<br />
ainda a perspetiva de expandir os serviços da Veniam para<br />
outras grandes cidades, como Londres e Barcelona.<br />
De resto, a Veniam nasceu com uma orientação eminentemente<br />
global. Após a bem-sucedida instalação da<br />
rede veicular no Porto, a empresa abriu um escritório<br />
em Boston, nos EUA, e, depois de fechar uma ronda de<br />
investimento, mudou-se para Mountain View, na Califórnia,<br />
onde trabalha a equipa responsável pela gestão de<br />
produto, finanças, marketing e vendas. No <strong>UP</strong>TEC, está<br />
o centro de desenvolvimento tecnológico. A Veniam tem<br />
também uma subsidiária em Singapura, responsável não<br />
apenas pelas vendas mas também pelo desenvolvimento<br />
operacional para o mercado asiático.<br />
A deslocalização foi fundamental “para promover o crescimento<br />
da empresa e para estar mais próximo de clientes<br />
e investidores”, explica João Barros. Mas as atividades<br />
de I&D são para manter na Invicta, já não no <strong>UP</strong>TEC mas<br />
no Palácio dos Correios, onde estão a ser instaladas as<br />
empresas envolvidas na estratégia ScaleUp Porto, uma<br />
iniciativa da autarquia que tem como parceiro de referência<br />
a U.Porto.<br />
“Os nossos investidores estão impressionadíssimos com<br />
a qualidade dos engenheiros da Veniam em Portugal, e<br />
isso para eles é o mais importante. Hoje em dia, em Silicon<br />
Valley, é extremamente difícil conseguir uma massa<br />
crítica de engenheiros, em particular na área das redes. O<br />
facto de nós termos conseguido desenvolver essa massa<br />
crítica, desde logo porque temos 10 doutorados na empresa<br />
a criar inovação, é uma mais-valia para todos e um<br />
valor em si”, garante o CEO da Veniam, justificando assim<br />
a permanência da I&D no Porto.<br />
No Porto, a Veniam tem uma equipa de 36 pessoas (45<br />
no total da empresa, mas com perspetivas de crescimento),<br />
etariamente muito heterogénea (dos 22 aos 60<br />
anos), com cerca de 30% de mulheres e oito nacionalidades<br />
diferentes. Esta massa crítica maioritariamente constituída<br />
por engenheiros é responsável pela propriedade<br />
intelectual da Veniam, “que é um valor em si, independentemente<br />
do sucesso comercial da empresa”, ressalva<br />
João Barros.<br />
Atualmente, a Veniam é coproprietária de cinco patentes<br />
juntamente com a U.Porto, a Universidade de Aveiro e o<br />
Instituto de Telecomunicações. Além destas, já submeteu<br />
cerca de 40 patentes com propriedade intelectual. “Estamos<br />
a produzir conhecimento, invenções e patentes à<br />
razão de uma a duas por mês”, assegura João Barros, que<br />
não esquece o apoio da <strong>UP</strong>IN – U.Porto Inovação no registo<br />
das patentes da Veniam.<br />
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UM MUSEU PARA AS<br />
NOSSAS NEFERTITIS<br />
Do centro da cidade até à Foz do Douro, há uma matriz de ciência que se<br />
vai espalhar pelo Porto. A Galeria da Biodiversidade – Casa Andresen<br />
será o primeiro polo a inaugurar, de um roteiro científico que começará<br />
no Edifício Histórico da Reitoria da Universidade do Porto e terminará no<br />
Aquário da Foz. A verdadeira cidade CAMPUS vai nascer.<br />
Foi em dezembro de 1912 que uma equipa chefiada pelo arqueólogo alemão<br />
Ludwig Borchardt conseguiu chegar até ao atelier do escultor Thutmose, em El<br />
-Amarna (Antiga Akhetaton), no Egito, e entre outros artefactos descobriu o busto de<br />
Nefertiti. Na mesma década, outra equipa de arqueólogos alemães, um pouco mais para<br />
Oriente, recolhia objetos encontrados nas escavações de Assur, antiga capital da Assíria.<br />
Este lote de objetos foi confiscado pelo governo português em 1916, durante a Primeira<br />
Guerra Mundial, de um barco alemão refugiado no Tejo, o Cheruskia.<br />
Em 1921, por despacho, o Ministro da Instrução Pública da altura, Augusto Nobre, cedeu o<br />
espólio à U.Porto para a criação de um Museu de Arqueologia. Um ano depois, chegaram<br />
à Reitoria 140 das 450 caixas existentes. Este poderia ser o final da história se a Alemanha<br />
tivesse desistido da sua carga, o que não aconteceu. Em 1925 o arqueólogo alemão<br />
Walter Andrae veio a Portugal e conseguiu chegar a um acordo. As antiguidades assírias<br />
regressaram com ele e como forma de agradecimento o governo alemão ofereceu um lote<br />
de antiguidades egípcias, oriundas do Museu de Berlim, na Alemanha.<br />
A “Coleção Egípcia da Universidade do Porto” esteve em exposição no edifício da Reitoria,<br />
entre setembro de 2011 e março de 2012, e foi distinguida com o prémio de “Melhor<br />
Catálogo” de 2012, pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM), um dos mais<br />
importantes organismos ligados à museologia em Portugal.<br />
As expedições continuaram durante a Segunda Guerra Mundial e, por cá, foi eleito um<br />
Presidente da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais, para que<br />
as ações de investigação antropológica, etnológica e arqueológica fossem realizadas na<br />
Guiné, em Moçambique, em Timor e em Goa, na Índia. Era por carta que Mendes Correia ia<br />
sabendo novas das missivas dos seus colaboradores. A 19 de setembro de 1945, Santos<br />
Júnior desabafa estar há 37 dias a bordo. “É um desespero ver passar tantos dias sem<br />
poder trabalhar naquilo que me traz a África. Nunca supus que para chegar até à Beira<br />
gastasse 39 (!) dias”. A 9 de outubro de 1945, Joaquim dos Santos Júnior voltava a dar<br />
conta dos trabalhos no terreno que implicavam “medir” a diversidade do género humano:<br />
“Só pude estudar 44 bargués, 22 homens e 22 mulheres. (…) Tirei muitas fotografias e fiz<br />
alguns desenhos de tatuagens, de mãos e de pés, e alguns apontamentos esboçados de<br />
perfis labiais e de narinas. (…) No dia 3 de outubro fomos visitar as ruínas de Metáli e da<br />
Molanda na Serra Chôa. (…) Fizemos 35 quilómetros a pé. (...) Foi um dia de grande calor,<br />
e passámos um pouco de sede (...). Esta gente em África não se rala. Em África ninguém<br />
tem pressa. Queria seguir para Milange, onde me esperam umas pinturas rupestres, e<br />
estou aqui preso por não ter chegado o malfadado camião”.<br />
As expedições antropológicas a África sucedem-se, sob influência de Mendes Correia, e<br />
é com este professor da Faculdade de Ciências da U.Porto, mais tarde presidente da autarquia,<br />
que se inicia o ensino de Antropologia e se estabelece o Museu e Laboratório de<br />
Antropologia. Ora, “é na componente africana que estão algumas das nossas nefertitis”,<br />
afirma Nuno Ferrand (na foto), diretor do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto.<br />
Retirado durante a Segunda Guerra Mundial, o busto de Nefertiti regressou ao renovado<br />
Neues Museum, em Berlim, onde se encontra atualmente. Símbolo do Antigo Egito, o busto<br />
com cerca de 3.400 anos de idade tem direito a uma sala própria. “O museu tem quatro<br />
andares, mas é a Nefertiti que o grande público quer ver”, diz-nos Nuno Ferrand. Porque há<br />
uma narrativa que as pessoas querem acompanhar... “Nós também temos as nossas nefertitis<br />
e vai ser nos Leões, num museu moderno, que vamos poder contar as nossas histórias. E<br />
será com base nas nossas nefertitis que vamos construir a nossa narrativa”.<br />
cultura Texto Anabela Santos Fotos Egídio Santos 28<br />
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O FUTURO MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL E DA CIÊNCIA<br />
São da responsabilidade do mármore os trabalhos de captura e irradiação da luz que<br />
nos recebe no átrio daquele que será o futuro Museu de História Natural e da Ciência<br />
da U.Porto. Resultado da fusão do Museu de História Natural e do Museu da Ciência /<br />
Núcleo da Faculdade de Ciências, originalmente a funcionar desde 1996, este museu<br />
integra um Polo Central, localizado no Edifício Histórico da Reitoria, e outro que inclui<br />
a Galeria da Biodiversidade – Casa Andresen e o Jardim Botânico do Porto.<br />
O Polo Central abrange as coleções históricas de geologia, paleontologia, zoologia, arqueologia<br />
e etnografia, botânica (incluindo o Herbário da U.Porto – PO) e ciência. Com<br />
exemplares de arte africana, asiática e da Melanésia, grande parte das coleções provém<br />
do Instituto de Antropologia Dr. Mendes Correia que realizou algumas das maiores expedições<br />
e missões antropológicas organizadas pelo governo português. Com dois séculos<br />
e meio de aquisições, as coleções multiplicaram-se na sua tipologia e diversidade, daí<br />
que se justifique um investimento na investigação. “Temos coleções muito relevantes”<br />
que carecem de “uma investigação e enriquecimento permanentes, sendo que não há,<br />
em Portugal, nenhum museu de história natural e da ciência que tenha investigação ativa<br />
sobre o património”, esclarece Nuno Ferrand.<br />
Do átrio, que ficará na ala sul do Edifício Histórico da Reitoria, dá para ver a porta que<br />
esconde uma das joias mais importantes de todo o complexo: o Laboratório de Química<br />
Ferreira da Silva. Depois de os outros museus em Coimbra (século XVIII) e Lisboa<br />
(século XIX) terem recuperado os seus laboratórios, “nós tivemos a sorte de ter aqui um<br />
laboratório excecional, de início do século XX”, explica Nuno Ferrand. “Vamos contar três<br />
séculos de história da química num eixo nacional”. Está a ser trabalhada a possibilidade<br />
de haver um programa comum para que “as pessoas que visitam as três cidades possam<br />
entender essa história e a contribuição da investigação que foi feita em Portugal na área<br />
da química”.<br />
O Laboratório do Porto é dos inícios do século XX, período de excelência da art déco, e<br />
embora tenha sofrido algumas alterações ao longo do tempo, vai ser feito um trabalho de<br />
reconstituição e contextualização. “Há muitos episódios de ligação à cidade que vão ser<br />
recuperados, mas também a relação de Portugal com outros países, nomeadamente na<br />
exportação de vinhos para o Brasil e a respetiva análise que aqui era efetuada”. Sendo<br />
que este laboratório corresponde também à matriz da Bial, a empreitada contará com o<br />
apoio daquela farmacêutica.<br />
O mecenato estende-se ainda à Mota-Engil para aquele que será o “aspeto mais icónico”<br />
do museu: o Pátio dos Dinossauros. Em dezembro de 2015, o Museu de História Natural<br />
de Berlim anunciou ao mundo a sua nova superstar. Com 66 milhões de anos, Tristan,<br />
o Tyrannosaurus rex de 13 metros de comprimento, chegou de Montana, nos Estados<br />
Unidos. No Porto, a narrativa vai ser outra: a de proximidade. Com histórias que ainda<br />
não foram contadas. “Não vamos trazer para aqui os TRex”, afirma Nuno Ferrand. “Vamos<br />
trazer os dinossauros que têm sido encontrados em Portugal e que nos colocam, neste<br />
momento, na sétima posição do mundo em termos de interesse paleontológico. Os dinossauros<br />
que têm sido encontrados na Lourinhã são de facto excecionais”.<br />
O diretor do futuro Museu, Nuno Ferrand, o Professor da FBA<strong>UP</strong> Luís Mendonça e o<br />
consultor catalão Jorge Wagensberg constituem a equipa que pensou o discurso expositivo<br />
e museológico dos Leões e da Galeria da Biodiversidade, entre os quais haverá<br />
uma ligação temática, fazendo com que quem entre no Polo Central saia com vontade de<br />
continuar a visita na Casa Andresen, e vice-versa.<br />
GALERIA DA BIODIVERSIDADE - CASA ANDRESEN<br />
Porquê salvar uma espécie? Porque é pura beleza; porque chegou até aqui depois de<br />
quase 4.000 milhões de anos de evolução. Ou “só” porque nela pode estar a solução para<br />
um problema que ainda nem surgiu. Quando entrar no portão que dá acesso ao Jardim<br />
Botânico, olhe para o chão. Terá a “Árvore da Vida” rente aos pés. Faz lembrar o tronco de<br />
uma árvore, esta obra de Luís Mendonça que representa a distribuição da diversidade das<br />
espécies. Do humano ao fungo, estamos a pisar quatro mil milhões de anos de vida. Meio<br />
caminho andado para subir as escadas da Galeria da Biodiversidade - Casa Andresen e<br />
encontrar o caracol riscado (Cepaea nemoralis) que, tal como Beethoven na música, é um<br />
maestro na apresentação de diferentes variações sobre o mesmo tema. Para lembrar que,<br />
quanto maior for a diversidade genética de uma espécie, mais protegida está contra a<br />
incerteza do meio ambiente.<br />
E qual é a forma que carece de uma superfície mínima, para encerrar um volume, permitindo<br />
assim uma perda de calor mais lenta? Também é a forma mais difícil de ser mordida<br />
por uma boca cujo diâmetro seja menor… O ovo, claro. Sabia que o esférico cai do ninho<br />
mais facilmente do que o ovoide? Haverá uma relação entre a forma geométrica e a função<br />
que um ser vivo desempenha no ambiente? Há seres vivos parecidos porque partilham<br />
uma história, outros porque partilham um destino. As perguntas vão funcionando de anzol,<br />
nesta aventura pelas espécies que, também aqui, retoma a narrativa de proximidade. Se é<br />
verdade que há revoluções científicas associadas a grandes viagens como as de Charles<br />
Darwin ou Alfred Wallace, também é verdade que Portugal foi pioneiro na descoberta do<br />
planeta e é porque a biodiversidade também se escreve em português que vai ser resgatado<br />
o contributo de exploradores como Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 - 1815).<br />
cultura Texto Anabela Santos Fotos Egídio Santos 30<br />
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A Galeria da Biodiversidade - Casa Andresen, cuja inauguração está prevista para os<br />
próximos meses, aposta em momentos e elementos “tremendamente fortes do ponto de<br />
vista estético” e num “cruzamento entre arte e ciência que nos vai distinguir a nível nacional<br />
e internacional”. A herança do universo de Sophia (de Mello Breyner Andresen) está<br />
na metáfora do esqueleto da baleia que se impõe no hall de entrada. “E a partir daí irá<br />
nascer tudo o resto”, acrescenta Nuno Ferrand. Há ainda um projeto para “desacantonar”<br />
o Jardim Botânico, ou, visto de outra forma, de “botanização” do Campo Alegre. Ainda<br />
pertence ao papel, esta ideia de expandir o jardim pela rua.<br />
UM ROTEIRO PARA A PROMOÇÃO DA CULTURA CIENTÍFICA<br />
cerca de 40 anos depois. O suficiente para fazer parte da memória coletiva. Porque o<br />
tema “está em todas as agendas” e porque é essencial vincar a importância do mar num<br />
país como Portugal, interessa resgatar a memória do que foi a investigação marinha. É<br />
fundamental, sublinha Nuno Ferrand, “perceber por que motivo essa investigação arrancou<br />
na U.Porto e recuperar os trabalhos de uma pessoa absolutamente fundamental na<br />
criação do museu, e na biologia, que foi o professor Augusto Nobre”.<br />
Com a integração do Polo do Mar, este novo o roteiro científico terá início no centro<br />
do Porto e terminará na Foz do Douro, efetivando, concluí Nuno Ferrand, “a noção de<br />
campus ou de ciência espalhada pela cidade”. Sob a matriz de divulgação e promoção da<br />
cultura científica há uma cidade campus que está a nascer.<br />
A U.Porto viu recentemente aprovados 1,9 milhões de fundos comunitários para o processo<br />
de reabilitação do Museu de História Natural e da Ciência, “um contributo significativo<br />
que vai permitir consolidar a obra que está em curso e abrir novas frentes”, esclarece<br />
Nuno Ferrand. A realização da Conferência Anual do Ecsite, em junho de 2017,<br />
que trará ao Porto cerca de 350 organizações e mais de mil pessoas empenhadas em<br />
comunicar ciência, será um dos momentos importantes para apresentar “este novo projeto<br />
sobre divulgação e comunicação de ciência. Em vez de um edifício teremos uma<br />
instituição espalhada pela cidade, da qual as pessoas vão poder desfrutar através de um<br />
programa conjunto. É uma obra complexa, que vai continuar nos próximos anos”.<br />
A última fase deste projeto leva-nos até à Avenida Montevideu, na Foz. A Estação de<br />
Zoologia Marítima Dr. Augusto Nobre foi criada em 1914 e as obras de construção do<br />
edifício começaram logo de seguida. Com 36 aquários para exposição de animais de<br />
água doce, salobra e salgada, o aquário público abriu portas em 1927, para as fechar<br />
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Alexandre<br />
Quintanilha<br />
Veja o vídeo da entrevista em<br />
http://tv.up.pt/videos/cmeruszw<br />
“ESTOU-ME A SENTIR CADA VEZ MELHOR NA POLÍTICA”<br />
É um dos cientistas portugueses mais conceituados mas, quando se preparava para<br />
um bucólico remanso nas Montanhas Rochosas dos EUA, foi desviado para a política,<br />
onde garante sentir-se “cada vez melhor”. Considera-se uma espécie de “água<br />
fresca” na Assembleia da República, mercê da forma desinteressada, independente<br />
e heterodoxa com que exerce o cargo de deputado na bancada do PS. Acredita que<br />
vai cumprir os quatro anos do mandato, até porque, segundo ele, o “realismo” dos<br />
partidos da “geringonça” não deixará cair o Governo. A homossexualidade, que<br />
assume com desassombro, “não é assunto” para si, nem se sente investido da responsabilidade<br />
de defender os direitos LGBT no Parlamento. O seu contributo para a<br />
causa, diz, é a “forma muito natural” como vive a sua sexualidade. Presidente da<br />
Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, Alexandre Quintanilha confia que é<br />
possível retomar a herança política de Mariano Gago e, mesmo sem mais financiamento,<br />
dar confiança às instituições do ensino superior.<br />
entrevista<br />
33 Texto Ricardo Miguel Gomes<br />
Fotos Egídio Santos<br />
campus<br />
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Veja o vídeo da entrevista em<br />
http://tv.up.pt/videos/cmeruszw<br />
Confessou numa entrevista que a sua primeira experiência na política,<br />
enquanto vereador da CM Porto, não tinha sido “entusiasmante”? E<br />
esta segunda experiência política, está a ser mais entusiasmante?<br />
Muito mais entusiasmante. Também é uma situação inédita, esta junção<br />
de todos os partidos da esquerda para constituírem um governo<br />
estável. A esquerda tem mais tendência para se dividir do que para se<br />
juntar. Tenho muita empatia com os ideais socialistas, tenho muitos<br />
amigos no Bloco de Esquerda, estou a conhecer algumas pessoas<br />
do Partido Comunista… E estou a achar interessante, não só pelas<br />
pessoas, mas também pelos tópicos que estamos a debater: questões<br />
relacionadas com a educação, com a ciência, com a saúde. São questões<br />
que me interessam e em relação às quais tenho posições.<br />
O que é que o levou a aceitar o convite de António Costa para ser o<br />
cabeça de lista do PS pelo Porto?<br />
Eu tinha acabado de dar a minha última aula [de jubilação, no ICBAS],<br />
numa sexta-feira, e no sábado de manhã recebo uma chamada do [vereador<br />
da CM Porto] Manuel Pizarro a dizer que o António Costa queria<br />
falar comigo, sem me dizer porquê. Combinámos encontrar-nos em<br />
Serralves, ao fim da tarde. E ele [António Costa] foi direto ao assunto:<br />
perguntou-me se estava disposto a fazer parte da lista do PS.<br />
Aceitou de imediato?<br />
Não, desatei-me a rir. Disse-lhe: “Está a brincar comigo, porque eu<br />
não tenho experiência [política] nenhuma”. E ele deu-me uma resposta<br />
muito inteligente: “É precisamente por isso que o gostava de convidar,<br />
porque a credibilidade dos políticos não está a passar por momentos<br />
muito positivos no mundo inteiro. Portanto, a vinda de uma pessoa que<br />
não tem carreira na política pode ser uma espécie de água fresca”.<br />
Não sei se foram exatamente estas as palavras que ele usou, mas<br />
deu-me a entender que a ideia era trazer [para a política] uma pessoa<br />
nova, com pouca experiência, com algum bom senso e obviamente<br />
com ideias. Achei a resposta inteligente, mas não aceitei logo. Pedi<br />
uma semana para pensar. E depois disse ao António Costa: “Aceito e<br />
daqui a um ano verei como me estou a sentir”. Mas estou-me a sentir<br />
cada vez melhor.<br />
Pensa acabar o mandato?<br />
Nesta altura, a sensação que eu tenho é de que vou acabar o mandato.<br />
Acho que ainda há muitos desafios importantes em muitas áreas em<br />
relação aos quais gostava de contribuir. E acho que posso contribuir.<br />
Portanto, se tudo correr normalmente, como está a acontecer, para<br />
espanto de algumas pessoas….<br />
Acredita então na viabilidade do acordo à esquerda?<br />
Acredito. Tem havido realismo. Percebemos as dificuldades que o país<br />
ainda vai passar – como é óbvio, não estamos a nadar em dinheiro<br />
–, mas também sabemos que nos temos de afastar do caminho que<br />
estava a ser seguido, que era um caminho claramente neoliberal. Eu já<br />
conheci o neoliberalismo nos Estados Unidos, com Reagan, e também<br />
sei o que aconteceu em Inglaterra. Acho que foi um desastre total e<br />
estou muito satisfeito por esta nova forma de olhar para as pessoas,<br />
para o mundo, para Portugal, para a situação em que estamos.<br />
E acha que está a ser a “água fresca” de que António Costa falava?<br />
Acho que sim. Tenho a noção de que, para muitos deputados, e não<br />
só do PS, eu sou bem-vindo. Já não sou aquele bicho estranho que<br />
apareceu. Falo pouco, tenho poucas intervenções, mas as que faço<br />
são apreciadas. Às vezes até fico preocupado, pois batem-me palmas<br />
não só à esquerda mas também à direita.<br />
“Nesta altura, a<br />
sensação que eu<br />
tenho é de que vou<br />
acabar o mandato.<br />
Acho que ainda há<br />
muitos desafios<br />
importantes em<br />
muitas áreas<br />
em relação aos<br />
quais gostava de<br />
contribuir.“<br />
“Falo pouco,<br />
tenho poucas<br />
intervenções,<br />
mas as que faço<br />
são apreciadas.<br />
Às vezes até fico<br />
preocupado, pois<br />
batem-me palmas<br />
não só à esquerda<br />
mas também à<br />
direita.“<br />
Como é que convive com a disciplina partidária? Acontece-lhe pensar<br />
de forma diferente do PS e do Governo?<br />
Não tem sido um problema. Uma das coisas que o António Costa também<br />
me disse, logo no início, foi que respeitava muito a independência<br />
e as opiniões diferentes das pessoas. E eu sou independente. Nunca<br />
senti qualquer pressão. Aliás, já votei, não muitas vezes, de forma diferente<br />
daquela que era a posição do partido.<br />
HOMOSSEXUALIDADE “DEIXOU DE SER ASSUNTO”<br />
Creio que é o único deputado homossexual assumido no Parlamento português.<br />
Esta condição tem algumas implicações na sua atividade política?<br />
Nunca. Nem no passado nem atualmente. Tem a ver com o facto de eu<br />
não colocar isso [a homossexualidade] como um assunto. Para mim,<br />
isso já deixou de ser assunto. É como ter os cabelos louros ou os<br />
cabelos castanhos. Já vivi muitas décadas da minha vida em que isso<br />
deixou de ser assunto para, agora, passar a ser assunto.<br />
Não sente uma responsabilidade maior de defender as causas LGBT<br />
no Parlamento?<br />
Não, não sinto. Se calhar, a causa para mim é a minha vida; o facto de<br />
eu não ter orgulho em ser nem vergonha de o ser. Esta forma muito<br />
natural de estar na vida, de lidar muito naturalmente com as pessoas,<br />
é o meu contributo para dessacralizar e desmistificar um pouco esta<br />
ideia de que uma pessoa é assim por ser homossexual ou lésbica. Há<br />
muita gente hoje que, por me ter conhecido, tem uma visão diferente<br />
da divisão entre o straight e o gay. Afinal, somos todos muito parecidos.<br />
Apesar dos avanços nos direitos LGBT, ainda há pouco tempo um hotel<br />
em Viana do Castelo pedia no seu site aos homossexuais para<br />
não fazerem reservas porque lhes poderia ser “vedada a admissão”.<br />
Isto pode querer dizer que a mentalidade dos portugueses não está a<br />
acompanhar o avanço da legislação relativa aos direitos LGBT?<br />
Deixe-me fazer uma comparação com o racismo. Nenhum português<br />
admite ser racista, ou, pelo menos, terá uma certa vergonha, espero eu.<br />
E, no entanto, o racismo existe, toda a gente sabe. Acho que a juventude<br />
hoje presta cada vez menos atenção a estas questões. Estão mais<br />
interessados em saber o que a pessoa é do que quais são os adjetivos<br />
associados à pessoa. E isso é bom. Repito, é um assunto que, para<br />
mim, não é assunto.<br />
Mas há casos extremos de ódio homofóbico, como o atentado em Orlando.<br />
Sim, mas nada disto é novo na História. Houve sempre pessoas perseguidas.<br />
Isso faz parte do mundo em que vivemos. Pessoas que têm<br />
opiniões extremas e que acham que há certas formas de viver e de<br />
pensar que são as corretas sempre existiram. [Por outro lado], há ganhos<br />
sociais muito recentes e, por serem muito recentes, há ainda focos<br />
que aparecem. E se calhar em momentos de tensão, de fragilidade<br />
das sociedades, muitas destas coisas vêm à superfície. Aliás, há um<br />
exemplo atualíssimo disto: o referendo em Inglaterra [para a saída da<br />
UE]. Muita gente ficou surpreendida; eu não fiquei nada surpreendido.<br />
O Brexit foi uma reação de revolta contra as elites?<br />
Foi uma revolta contra a falta de solidariedade. Numa sociedade cada<br />
vez mais competitiva, de uma forma selvagem, obviamente que as diferenças<br />
vão aumentando. Todos os indicadores mostram que a diferença<br />
entre os mais ricos e os mais pobres, os mais educados e os<br />
menos educados, tem vindo a aumentar nos últimos 70 anos. A minha<br />
empatia é com todos aqueles que lutam para que haja mais equidade<br />
no mundo. Para que as pessoas possam ter acesso a educação, justiça,<br />
saúde, nutrição…<br />
entrevista<br />
Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos 34<br />
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NUNO CRATO “FOI UM DESASTRE”<br />
Como presidente da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência,<br />
teve de lidar com temas bastante polémicos, como o fim dos exames<br />
nacionais nos 4.º e 6.º anos e a suspensão dos contratos de associação.<br />
Para alguém com pouca experiência política, tem sido difícil gerir<br />
assuntos de tão grande melindre?<br />
Eu na Comissão não falo. Tento moderar, mas de uma forma muito<br />
silenciosa. Procuro que toda a gente [deputados e membros do Governo]<br />
tenha a oportunidade de exprimir as suas opiniões, de forma<br />
equitativa. Isso não quer dizer que não tenha as minhas opiniões. Por<br />
exemplo, em relação às escolas, não tenho nada contra o ensino privado.<br />
Tem todo o direito de existir. Agora, eu não quero que os meus<br />
impostos sejam para as escolas privadas. Os meus impostos são para<br />
garantir que haja uma oferta pública de ensino para todos e com a<br />
melhor educação possível. Se os pais decidirem que querem mandar<br />
os filhos para escolas privadas, têm todo o direito de o fazer, mas não<br />
é com os meus impostos.<br />
Não estamos em Portugal a criar uma situação em que os pobres vão<br />
para as escolas públicas e os ricos vão para as escolas privadas?<br />
É um risco. Há pessoas que julgam que, mandando os seus filhos para<br />
escolas privadas, têm a garantia de ter uma educação, senão melhor,<br />
pelo menos diferente. Mas, como sabemos, há muitas surpresas: há<br />
pessoas que vão para as melhores escolas e melhores universidades<br />
e saem uns trastes. O ambiente que uma pessoa tem em casa também<br />
tem uma influência enorme. Isso faz parte das diferenças que existem<br />
no mundo. Na educação, a diferença maior não é entre privado e público<br />
mas entre as pessoas. Mas o que eu queria era que o nível da<br />
educação na escola pública fosse cada vez maior.<br />
Em Portugal, as políticas de educação mudam de governo para governo,<br />
o que não permite estabilizar e dar a desejável constância ao<br />
sistema de ensino.<br />
Isso é um problema em todo o mundo, infelizmente. Cada Governo<br />
quer deixar a sua marca. O que gostaríamos era de ter uma política de<br />
longo prazo, com pequenas alterações à medida que vamos avançando.<br />
Agora, não se esqueça que quem introduziu variações dramáticas<br />
no sistema de educação foi o Governo anterior, do ministro Nuno Crato.<br />
Eu apreciava o Nuno Crato, antes de ele ser ministro, pelas posições<br />
que tinha sobre o ensino da Matemática, de que era um grande<br />
divulgador. Mas acho que foi um desastre [como ministro]. Não houve<br />
uma coisa que ele tenha feito com que eu estivesse de acordo. Uma!<br />
E não foi só em relação à educação, foi também em relação à ciência.<br />
Aí, acho que foi um desastre total.<br />
FINANCIAMENTO VAI “CRESCER DEVAGARINHO”<br />
Foi assinado um acordo entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e<br />
Ensino Superior e as instituições que estabiliza os orçamentos das universidades<br />
e politécnicos durante três anos. É possível fazer progredir<br />
o ensino superior, a ciência e a inovação em Portugal sem um reforço<br />
efetivo do financiamento público às instituições do ensino superior?<br />
A evolução de um país tem a ver com os níveis de financiamento, mas<br />
também com os níveis de confiança das pessoas num futuro melhor.<br />
E o que estava a acontecer no Governo anterior é que a esperança<br />
num futuro melhor tinha quase desaparecido. Até 2010/2011, por ter<br />
felizmente um ministro como Mariano Gago, o país acreditou que va-<br />
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lia a pena apostar no conhecimento. Nos últimos quatro anos, o que<br />
aconteceu foi a reversão completa [dessa aposta]. Nós estávamos a<br />
aproximar-nos da Europa em muitos indicadores e, nos últimos quatro<br />
anos, entrámos numa trajetória completamente oposta. Acho que o<br />
que o atual ministro está a fazer é tentar voltarmos à mesma trajetória,<br />
se calhar menos rapidamente. Agora, vamos crescer mais devagarinho.<br />
O acordo tem muito a ver também com esta questão de<br />
dar às instituições uma certa confiança e com uma certa partilha de<br />
responsabilidades financeiras, que eu acho importante. As instituições<br />
continuam a competir umas com as outras, o que é normal, mas há a<br />
ideia de que podem colaborar mais entre si para desenvolverem certas<br />
áreas que necessitam de conhecimentos complementares.<br />
A manutenção do financiamento no mesmo nível dos anos anteriores<br />
não defrauda as expectativas das universidades e politécnicos em<br />
relação a este Governo e contradiz, até, o discurso do PS antes de<br />
assumir funções governativas?<br />
Uma coisa é aquilo que gostaríamos de fazer, outra coisa é aquilo que<br />
é possível fazer. O Governo está a fazer o máximo que é possível, mas<br />
também não está a dar mensagens irrealistas daquilo que é possível.<br />
Por outro lado, também é verdade que o financiamento para a I&D não<br />
tem que ser só público. O que acontece no mundo inteiro é que, quando<br />
aumenta ligeiramente o financiamento público, o financiamento<br />
privado tem tendência a acompanhá-lo. No Governo anterior, o financiamento<br />
público diminuiu e o financiamento privado ainda mais, em<br />
comparação. Portanto, espera-se que, se houver um ligeiro aumento<br />
do financiamento público, possa também haver um aumento do financiamento<br />
privado.<br />
Não acha pertinente, como têm defendido os reitores, que o financiamento<br />
varie em função dos resultados de cada instituição do ensino superior?<br />
Primeiro, é preciso saber como se medem os resultados. Uma das<br />
questões críticas atuais, em todo o mundo científico, tem a ver com a<br />
forma de avaliação das instituições. Como é que se decidem os fatores<br />
de impacto, por exemplo? Como há muitas incertezas em relação à<br />
capacidade de avaliação, acho que o financiamento deve ter uma base,<br />
talvez em função do número de alunos das instituições, que seria o<br />
bolo principal. E depois devia haver uma percentagem pequenina para<br />
poder recompensar as coisas extraordinárias que possam ser feitas<br />
nessas instituições. Percebo essa visão de alguns reitores, não sei se<br />
são todos, mas acho que é preciso avançar com muito cuidado neste<br />
processo. Precisamente porque eu tenho preocupações de equidade.<br />
Até poderia utilizar-se o argumento contrário: aqueles que não estão a<br />
trabalhar muito bem, se calhar precisam de mais financiamento, para<br />
os ajudar a trabalhar melhor.<br />
Portugal cresceu significativamente em número de doutorados, investigadores,<br />
instituições de I&D e publicações científicas. No entanto, o<br />
país é acusado de ainda não ter conseguido transformar em crescimento,<br />
riqueza e emprego o conhecimento científico produzido nos<br />
centros de investigação. Acha esta crítica válida?<br />
Acho [essa crítica] totalmente artificial, pela seguinte razão: não há<br />
uma relação direta entre o conhecimento e as suas aplicações. A ideia<br />
de que devíamos financiar só a investigação que vai ter impacto direto<br />
na economia parece-me um argumento, não diria infantil, mas adolescente.<br />
[Uma ideia] de quem não conhece o mundo do conhecimento<br />
e da inovação. Tive colegas que me ensinaram uma coisa que eu<br />
sempre valorizei muito: hoje em dia, nós sabemos que quem está a<br />
fazer investigação básica ou fundamental muito boa dentro de pouco<br />
tempo vai ter aplicações extraordinárias. E vice-versa: quem está<br />
a fazer investigação aplicada muito boa vai ter necessidade de voltar<br />
“Espera-se que,<br />
se houver um<br />
ligeiro aumento<br />
do financiamento<br />
público, possa<br />
também haver<br />
um aumento do<br />
financiamento<br />
privado. “<br />
“Aqui [no i3S], há<br />
a possibilidade<br />
das pessoas<br />
dialogarem e<br />
perceberem os<br />
problemas dos<br />
outros. Hoje em<br />
dia, as perguntas<br />
mais interessantes<br />
são sempre na<br />
interface das<br />
áreas.“<br />
à investigação fundamental para resolver questões críticas. Portanto,<br />
estas duas áreas não são independentes; estão muito ligadas. Isto é o<br />
que os países mais desenvolvidos e as universidades mais desenvolvidas<br />
do mundo já perceberam: o que se deve financiar é boa investigação,<br />
quer ela seja pura ou aplicada. E tentar forçar que uma coisa<br />
seja aplicada não funciona. Ela tem de surgir do próprio mecanismo<br />
do conhecimento.<br />
I3S É UM “FAROL”<br />
No entanto, o i3S, de que foi um dos obreiros, é também um instituto<br />
de inovação…<br />
Temos os dois nomes juntos: investigação e inovação. Isto é um instituto<br />
que acredita que, através da investigação, a inovação também<br />
acontece, e vice-versa. O nome foi escolhido de propósito para indicar<br />
que é um instituto que está virado para o conhecimento. E que esse<br />
conhecimento pode ser fundamental ou aplicado.<br />
O que é que representa para si a concretização deste instituto?<br />
Espero que permita que pessoas das mais variadas origens científicas,<br />
culturais e nacionais sintam que têm a capacidade de arriscar fazer<br />
perguntas diferentes e entrar em domínios ainda pouco explorados.<br />
Isto não é fácil. É muito mais fácil para uma pessoa que trabalhou 20<br />
anos num assunto, e que o conhece muito bem, continuar nesse assunto.<br />
Parar, e ir falar com aquele e começar a aprender novas coisas é<br />
mais difícil. Aqui [no i3S], há a possibilidade das pessoas dialogarem e<br />
perceberem os problemas dos outros. Hoje em dia, as perguntas mais<br />
interessantes são sempre na interface das áreas. Aquilo que é difícil<br />
de explorar não está aqui nem ali – está no meio. É aí que aparecem<br />
as questões novas, as hipóteses novas, as narrativas novas, que depois<br />
se podem testar.<br />
E o que é que este instituto representa para a ciência em Portugal?<br />
A originalidade deste instituto é que ele não foi imposto de cima para<br />
baixo. Estas pessoas juntaram-se, de baixo para cima, porque quiseram.<br />
Quando o INEB e o IBMC se juntaram, foi porque já havia muitos<br />
projetos em comum. Quando o Ipatimup se juntou ao INEB e IBMC,<br />
formando esta tríade, também foi porque tinham projetos em comum,<br />
partilhavam equipamentos muito caros, havia alunos com os mesmos<br />
orientadores… E foi essa experiência que permitiu criar o i3S. Não é<br />
fácil juntar instituições com culturas diferentes. Então, os portugueses<br />
que são o povo mais individualista que conheço… Mas não tenho<br />
dúvidas nenhumas de que isto vai funcionar. Isto pode ser um farol,<br />
que faça com que as pessoas deixem de ter medo de arriscarem em<br />
domínios diferentes.<br />
E pode também ser um farol para a U.Porto, considerando a sua ambição<br />
de se afirmar internacionalmente na investigação científica?<br />
Eu acho que já é [um farol]. Há muita gente na U.Porto que aprecia o<br />
que está a ser feito no i3S. O mundo académico é muito competitivo,<br />
há muitas invejas… Mas, depois dos 20 anos de experiência deste<br />
processo, uma parte significativa da comunidade académica tem respeito<br />
e admiração por aquilo que se está a tentar fazer no i3S. E depois<br />
há aqui gente jovem fabulosa. Uma das coisas em que a [nossa]<br />
sociedade pode ter alguma confiança é a de que há jovens de uma<br />
qualidade extraordinária. Muito mais abertos, com muito mais vontade<br />
de ir por esse mundo fora conhecer pessoas, trocar ideias, colaborar<br />
com outros grupos.<br />
37 entrevista<br />
Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos<br />
<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 37 06/01/17 16:02
Marzia<br />
Bruno<br />
A ITALIANA CUJA PAIXÃO<br />
PELA LUSOFONIA LEVOU AO TARRAFAL<br />
Marzia Bruno fez a licenciatura em Escultura na Academia<br />
de Belas Artes de Florença, mas trocou a cidade de Botticelli,<br />
Leonardo da Vinci e Michelangelo (vivia entre a Galleria degli<br />
Uffizi e a Galleria dell’Accademia) pela instituição onde se<br />
formaram Soares dos Reis, Júlio Resende, Nadir Afonso, entre<br />
outros… Desta paixão pelo país e pela língua de Camões nasce<br />
um doutoramento em História da Arte Portuguesa, sobre identidade<br />
lusófona, na FL<strong>UP</strong>. Juntou-lhe um conceito itinerante e<br />
criou um projeto de curadoria com exposições que passaram<br />
por Aveiro, Porto e Cidade Velha, em Cabo Verde. Pelo caminho<br />
entrou no Campo do Tarrafal e saiu de lá com um “Lampejo de<br />
liberdade”, projeto que lhe valeu um prémio internacional.<br />
“A M Í L C A R.” É sonoridade que lhe causa alguma estranheza. Movimentos de boca<br />
para os quais a língua de Dante não a preparou. Mas habituou-se. Afinal, é o nome do companheiro<br />
que conheceu em Portugal e já lá vão mais de dez anos. Também foi nome que<br />
se entremeou nas histórias que ia ouvindo em Cabo Verde, de chinelo de dedo, a caminho<br />
da praia do Tarrafal. “Sempre gostei do Tarrafal. Da praia, das cores, das luzes. Passava<br />
muitas vezes pelo Campo. O pai do Amílcar, meu companheiro, foi lá prisioneiro”. Quem o<br />
diz é a investigadora e curadora italiana Marzia Bruno, que, de saia feita de capulana (pano<br />
tradicionalmente usado pelas mulheres moçambicanas), viaja entre Florença, Porto, Aveiro<br />
e Cidade Velha. Modelo seu, entregue às mãos de uma costureira cabo-verdiana.<br />
A memória das histórias prevalece até hoje, como aquela em que a avó Angelina (avó<br />
do namorado) foi ter com Amílcar Cabral ao barco atracado no porto de Dakar (Senegal,<br />
colónia francesa na altura), vindo da Guiné Conacri, e lhe deu roupas para que ele, disfarçado<br />
de mulher, pudesse circular e desenvolver os seus esforços revolucionários sem<br />
dar nas vistas. De resto, o nome que foi dado ao companheiro deve-se a esta proximidade<br />
com aquele que foi um dos fundadores do Partido Africano para a Independência<br />
da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). A última vez que enfrentou o Campo que dizem ser de<br />
“morte lenta” foi no Natal de 2015. “É árido. A boca seca quando se está lá dentro. Fiz<br />
diversas fotos. Eu, o Amílcar e o irmão. E lá estavam as fotos do pai deles. Que ainda está<br />
vivo. Fui dar uma volta e começaram a surgir as ideias”.<br />
Criada pelo Estado Novo, a Colónia Penal do Tarrafal, no lugar de Chão Bom, na ilha de<br />
Santiago (Cabo Verde), recebeu os primeiros presos políticos portugueses em outubro<br />
de 1936 – ano em que rebentou a Guerra Civil em Espanha e a Alemanha realizou, em<br />
Berlim, os Jogos Olímpicos de verão. O prisioneiro mais jovem tinha 17 anos. Edmundo<br />
Pedro esteve dez anos à espera de julgamento e, no final, foi condenado a 22 meses de<br />
prisão. O Campo fechou em 1954 para reabrir, em 1961, como Campo de Trabalho de<br />
Chão Bom. Até 1974 funcionou como penitenciária para militantes anticolonialistas de<br />
Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Por lá passaram mais de 340 portugueses e 230<br />
africanos. Da má alimentação aos trabalhos forçados, do paludismo aos espancamentos,<br />
além das semanas passadas na “frigideira” (caixa retangular de cimento com placa de<br />
betão no teto e porta de ferro), nas contas do jornalista cabo-verdiano José Vicente<br />
Lopes ali morreram 37 pessoas. Trinta e dois eram portugueses. “O espaço é arrepiante<br />
e é, ainda, uma ferida aberta”, reconhece Marzia Bruno.<br />
Foi depois da última visita ao Campo do Tarrafal que nasceu “A Glimmer of Freedom”,<br />
nome do projeto que venceu o apexart International Franchise Program 2016-17. A<br />
apexart é uma associação artística norte-americana sem fins lucrativos que visa dar a<br />
curadores independentes e artistas a oportunidade de proporem e produzirem uma exposição<br />
a acontecer em qualquer lugar do mundo. Entre 423 candidaturas enviadas por<br />
53 países, foi o seu projeto para o Campo do Tarrafal que arrecadou o primeiro prémio.<br />
Através da música, dança, pintura, artes performativas e vídeo mapping, vários artistas<br />
locais vão trabalhar questões como o património, a história e as vivências do local. O<br />
“Lampejo de Liberdade” vai envolver escolas, com quem Marzia Bruno irá desenvolver<br />
atividades educativas, como também antigos prisioneiros, com quem irá realizar entrevistais<br />
e palestras. O espaço já foi cedido pelo Instituto do Património da Cultura de Cabo<br />
Verde. Todas as instalações vão ser produzidas com recurso a materiais locais.<br />
mundus<br />
Texto Anabela Santos<br />
Fotos Egídio Santos<br />
38<br />
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39<br />
campus<br />
000<br />
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Casa Museu<br />
Abel Salazar com<br />
trabalho no exterior<br />
de André Alves, no<br />
âmbito do projeto<br />
“Identidades:<br />
Variáveis<br />
Convergentes”.<br />
Momento de<br />
partilha com a<br />
comunidade escolar<br />
de Cabo Verde, no<br />
âmbito do projeto<br />
“Identidades:<br />
Âncoras de<br />
Passagem”.<br />
Campo do Tarrafal:<br />
interior de uma cela.<br />
DE ITÁLIA PARA A LUSOFONIA<br />
A primeira vez que esteve em Portugal foi em 2000. Veio visitar a irmã que, na altura,<br />
e ao abrigo do Programa Erasmus, se encontrava a estudar na Universidade de Aveiro.<br />
Em 2005, Marzia Bruno decide candidatar-se ao mesmo programa e tem a possibilidade<br />
de frequentar a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Foi na capital,<br />
enquanto subia e descia a calçada portuguesa, que descobriu o maravilhoso novo mundo<br />
dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). “Mas, afinal, o português<br />
fala-se noutros sítios. De formas diferentes. Não estou a acreditar! Que giro! Itália não<br />
tem esta relação que Portugal tem com África”. E foi abrindo espaço para os novos<br />
horizontes que a cultura lusitana ia trazendo. “Fascinava-me esta ideia dos portugueses<br />
como descobridores. Revia-me neles. Gosto de descobrir…”.<br />
Voltou para Florença e terminou o curso de Escultura em 2007. Consciente de que se<br />
queria afastar um pouco da escultura, mas manter-se fiel ao fascínio por arte contemporânea,<br />
performance, instalação, exploração do espaço e pela prática da investigação<br />
e envolvência conceptual, decide fazer um mestrado. Optou pelo curso de Estudos Artísticos,<br />
especialização em Estudos Museológicos e Curadoriais da Faculdade de Belas<br />
Artes da U.Porto. Terminou a tese com 20 valores, foi a melhor aluna do ano e teve direito<br />
a uma menção honrosa. O projeto de mestrado foi sobre arte pública, em Aveiro. “Fiz uma<br />
ficha técnica com o levantamento de ações de arte pública, criei percursos temáticos e<br />
uma plataforma em que juntei imagens antigas com imagens atuais”.<br />
Também trabalhou voluntariamente no Museu de Aveiro (Santa Joana, agora Museu de<br />
Aveiro, – nas atividades educativas), experiência que lhe permitiu perceber o que realmente<br />
lhe interessava: explorar as áreas da museologia e da curadoria. Queria entender<br />
um pouco melhor o papel do curador, cada vez mais presente no mundo artístico. “É um<br />
elemento-chave que comunica entre o público e o artista. Um elo. E tem de conhecer<br />
muito bem o percurso e visão dos artistas para saber se ‘encaixam’ no seu conceito”. Era<br />
uma espécie de “revolta” que sentia como artista.<br />
É O CONCEITO QUE VIAJA<br />
Foi em Aveiro que viveu uma daquelas experiências que aponta caminhos: conheceu uma<br />
exposição itinerante, de Pedro Lapa, que lhe fez levantar a seguinte questão: e se em vez<br />
de fazer mover as obras, fizesse mover o conceito? E assim nasceu o “Conceito Itinerante”,<br />
com o qual se aventurou para um projeto de curadoria que iria fazer passar por Aveiro,<br />
Cidade Velha e Porto, e que seria matéria-prima para um doutoramento em História da<br />
Arte Portuguesa, na Faculdade de Letras da U.Porto. “Não posso fazer uma exposição<br />
itinerante, mas posso ter um conceito. E é o conceito que viaja”.<br />
Outro pilar do seu trabalho foi encontrar estratégias de internacionalização da arte contemporânea.<br />
“Estas exposições também foram pensadas de forma a internacionalizar<br />
artistas, obras e lugares”. E mãos à obra. Sendo a lusofonia o fio condutor da empreitada,<br />
“e esta paixão pela língua de Camões que não sei de onde vem”, fez uma pesquisa, levantamento<br />
e seleção de artistas portugueses e lusófonos que convidou a explorarem a<br />
identidade lusófona, inserida no contexto do lugar onde as exposições se iriam realizar.<br />
Pretendia fazer a análise de como a obra se integra nos espaços, daí que a identidade do<br />
local tenha funcionado de matriz para este ‘conceito itinerante’. “Quis analisar um lugar<br />
comercial, um lugar histórico (lugares improváveis) e um lugar museológico”.<br />
A primeira exposição foi em Aveiro, local que conhecia melhor. Procurou espaços improváveis,<br />
ou alternativos, daí que tenha arrancado no espaço comercial Olá Ria, do Centro<br />
Cultural e de Congresso de Aveiro. “Identidades: Circunstâncias Transversais” integrou<br />
obras de pintura e escultura de seis artistas nacionais: Alexandra de Pinho, Glória Mendes,<br />
Madalena Metelo, Nelson Santos e Patrícia Guerra.<br />
A segunda exposição foi realizada em Cabo Verde, no Convento de São Francisco, na<br />
Cidade Velha. Intitulou-se “Identidades: Âncoras de Passagem”. Para este projeto de<br />
curadoria reuniu obras previamente realizadas e outras criadas especificamente para a<br />
exposição, mas todas com leituras identitárias, relacionadas ou à volta da raiz lusófona.<br />
Expôs obras de cinco artistas cabo-verdianos: Manuel Figueira, José Maria Barreto, Alex<br />
da Silva, Nelson Lobo e Tchalé Figueira.<br />
A terceira exposição aconteceu na Casa-Museu Abel Salazar, no Porto. Mal entrou no<br />
espaço, pensou: “O Abel Salazar deveria usar a casa dele como um laboratório a céu<br />
mundus<br />
Texto Anabela Santos<br />
Fotos Egídio Santos<br />
40<br />
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aberto. Este espaço não se usa como laboratório? Vou transformar aquilo tudo! E virei<br />
tudo ao contrário”. Literalmente. Fez o levantamento exaustivo da coleção da Casa<br />
Museu, percebeu as dimensões da vida e obra de quem lhe deu nome. Trabalhou os<br />
conceitos de presença, ausência e esquecimento. “Se eu criar o nulo, será que desperta<br />
a atenção? É que, normalmente, sentimos falta quando não temos. Só damos pela coisa<br />
quando a perdemos. Será que temos de chegar a este ponto?” De forma mais ou menos<br />
implícita, tentou puxar pela identidade do lugar. “O Abel pintava atrás das pinturas”,<br />
motivo pelo qual decidiu virar os seus quadros ao contrário. “Expus esta parte inédita da<br />
coleção que esteve ocultada pela força de se ter entendido que apenas uma era a parte<br />
frontal. Mas é sempre dele. Ele fazia muito isto”. Para esta exposição, que intitulou de<br />
“Identidades: Variáveis Convergentes”, selecionou sete artistas: Ana Vieira, André Alves,<br />
Isaque Pinheiro, Miguel Leal, Raquel Melgue, Rodrigo Oliveira, Vítor Israel, sendo que<br />
cinco deles criaram obras novas, pensadas para o local.<br />
O PAPEL DA CURADORIA<br />
As três exposições, que passaram por dois países e três cidades, obedeceram a uma<br />
estratégia de levantamento e estudo da obra de artistas da lusofonia, nomeadamente<br />
dos 17 que apresentaram obras nas suas exposições, incluindo inéditos. Além de potenciar<br />
a criação, o projeto de curadoria (“Conceito Itinerante”) serviu de mote para a<br />
realização de atividades educativas mas também de conferências, como aconteceu em<br />
Cabo Verde, sobre o conceito de preservação e património. O que voltará a acontecer<br />
com o projeto que tem para o Campo do Tarrafal. “É preciso trazer aquele espaço para a<br />
realidade. Ultrapassar o trauma”. Até porque a ilha carece de espaços expositivos. “Por<br />
que não conceber aquelas salas como espaços laboratoriais? De pura criação. Porque<br />
dói lembrar o que aquilo era?”.<br />
Há, no entanto, um cuidado que preocupa e irá sempre balizar a ação de Marzia Bruno no<br />
local: “O cuidado de não deturpar ou banalizar a passagem que se efetuou”. O respeito<br />
pela identidade do espaço a ser intervencionado. Da pintura à performance, construindo<br />
e desconstruindo a presença humana no local, terá a trabalhar consigo uma equipa pluridisciplinar<br />
que irá abordar a história do local em múltiplas perspetivas. Das entrevistas<br />
que vai realizar aos sobreviventes será extraída a matéria-prima de trabalho para os artistas.<br />
“É uma forma de preservar a memória e dar espaço à criação com artistas locais”.<br />
‘A Glimmer of Freedom’ acontece de 8 de abril a 6 de maio. A escolha das datas não é<br />
inocente, já que abrange o 18 de abril, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, e o 5<br />
de maio – Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP. “É o dia da Libertação. Foi<br />
o pai do Amílcar que me falou de 1 de maio 1974, porque foi uma das pessoas ligadas<br />
à libertação, na Zona de Santa Catarina. E fechamos”. O objetivo no Tarrafal é “preservar<br />
a memória vs locus (o lugar)”. Às vezes parece que “ainda se tem medo de falar sobre o<br />
assunto”. Que “é melhor não mexer muito porque se mexer dói”.<br />
Consciente dos perigos de interferir numa ferida que “ainda está aberta”, quer tornar o<br />
espaço “mais vivencial”. Porque, “se não se der este salto, o Campo vai ficar esquecido<br />
ou abandonado. Cheio de espinhas e poeira. É um fantasma que lá está. Quando se pode<br />
fazer daquele um espaço vivo”. E este também pode ser, defende a artista, o papel da<br />
curadoria, ou seja, o de despertar consciências.<br />
De sentidos bem despertos, na arte como na vida, Marzia Bruno alerta-nos para os perigos<br />
do decapitar da emoção e incentiva o apuramento da ‘Narrativa de Fuga’ de cada obra<br />
para que nos possamos sentir envolvidos pelos circuitos que a arte oferece. Deixa-nos um<br />
desafio: que cada um se atreva “a descobrir a parte íntima e artística que nos une”.<br />
41 campus 000<br />
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PRÉMIO PARA<br />
ESTRATÉGIA DE<br />
INTERNACIONALIZAÇÃO<br />
A U.Porto conquistou o Prémio para a Inovação<br />
na Internacionalização 2016 da European<br />
Association for International Education,<br />
plataforma europeia para a troca de conhecimento,<br />
experiências e metodologias ao nível da<br />
mobilidade académica.<br />
Coube à vice-reitora para as Relações Externas e<br />
Cultura, Maria de Fátima Marinho (na foto), receber<br />
aquele que é o único galardão a distinguir<br />
instituições europeias do ensino superior pelas<br />
suas estratégias e ações de internacionalização.<br />
A U.Porto viu assim reconhecida, pela maior associação<br />
do setor, a política de internacionalização<br />
que tem desenvolvido nos últimos dois anos,<br />
em particular no que respeita à participação e<br />
coordenação de consórcios e projetos europeus<br />
de mobilidade internacional de estudantes, docentes<br />
e colaboradores.<br />
PRESIDENTE VAI<br />
CONDECORAR A FC<strong>UP</strong><br />
A Faculdade de Ciências vai ser distinguida com o título de Membro Honorário<br />
da Ordem da Instrução Pública. O anúncio foi feito pelo Presidente da<br />
República durante o Dia da FC<strong>UP</strong> 2016, evento que, a 7 de outubro, assinalou o<br />
105.º aniversário da faculdade.<br />
“Foi com estupefação que descobri que nunca o poder político galardoou adequadamente<br />
os méritos desta faculdade”, começou por dizer Marcelo Rebelo de<br />
Sousa, antes de anunciar a distinção. “E a decisão só podia ser uma, que é atribuir<br />
-lhe o título de Membro Honorário da Ordem da Instrução Pública”.<br />
Carlos Costa é o novo Provedor dos Estudantes da U.Porto. O Professor<br />
Emérito e antigo diretor da FE<strong>UP</strong> foi nomeado pelo Conselho Geral para substituir<br />
Fernando Nunes Ferreira, que exercia o cargo desde 2010.<br />
Nascido no Porto em 1948, Carlos Costa fez todo o seu percurso académico na<br />
FE<strong>UP</strong>. Foi aí que se licenciou em Engenharia Química (1971) e que desenvolveu a<br />
sua carreira de docente e investigador, tendo ascendido a professor catedrático<br />
em 1996.<br />
Embora não disponha de poder decisório, é ao Provedor que os estudantes devem<br />
apresentar queixas ou sugestões relacionadas com órgãos, serviços e agentes da<br />
Universidade e das suas unidades orgânicas. Os estudantes podem contactar<br />
Carlos Costa pelo e-mail provedor@reit.up.pt ou marcando no SIGARRA uma<br />
reunião no Calendário do Provedor de Estudante.<br />
Manuel Barros, antigo diretor regional do<br />
Norte e presidente do Conselho Diretivo do<br />
Instituto Português do Desporto e da Juventude,<br />
é o novo diretor dos Serviços de Ação Social<br />
da U.Porto (SAS<strong>UP</strong>).<br />
Com mais de 30 anos de carreira como professor<br />
do ensino secundário, Manuel Barros,<br />
de 58 anos, chega à liderança dos SAS<strong>UP</strong> depois<br />
de ter passado por cargos de gestão em<br />
diversos organismos públicos e também numa<br />
instituição do ensino superior, o Instituto Politécnico<br />
do Cavado e do Ave. É licenciado em<br />
Filosofia e mestre em Administração Pública.<br />
Manuel Barros promete “uma liderança de<br />
proximidade com os estudantes” e<br />
o reitor Feyo de Azevedo acredita<br />
que o novo diretor dos<br />
SAS<strong>UP</strong> pode “melhorar<br />
ainda mais aquele que é<br />
um serviço de enorme<br />
relevância para a vida<br />
da Universidade”.<br />
MANUEL BARROS<br />
É O NOVO DIRETOR<br />
DOS SAS<strong>UP</strong><br />
talento Textos Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos 42<br />
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A U.Porto concedeu o título de doutor honoris causa<br />
ao jornalista e historiador Germano Silva, em cerimónia<br />
realizada a 3 de novembro, no Salão Nobre da Reitoria.<br />
O padrinho do doutorado foi o Cardeal-Patriarca de Lisboa,<br />
D. Manuel Clemente, cabendo ao historiador e docente da<br />
FL<strong>UP</strong> Luís Miguel Duarte ser o elogiador.<br />
A atribuição do título é o “reconhecimento da U.Porto por<br />
quem soube transformar o seu empenho na recolha do saber<br />
numa forma de partilha coletiva da estima pelo património<br />
da cidade do Porto”. Germano Silva promoveu uma “notável<br />
forma de aproximação dos cidadãos à história do Porto,<br />
que se deseja enaltecer com a atribuição do título de doutor<br />
honoris causa”.<br />
Foto gentilmente cedida por Leonel de Castro (JN)<br />
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À volta da<br />
Politécnica<br />
DOS TEMPOS E DAS PESSOAS A PRETEXTO DOS ESPAÇOS<br />
Em torno do velho edifício da Academia Politécnica – hoje sede da Reitoria da U.Porto –, os nomes das<br />
ruas homenageiam aqueles que dela fizeram parte, a construíram e acompanharam na sua transição<br />
para a instituição universitária. Fizemos o roteiro possível desse novelo de arruamentos que evocam<br />
outros tempos e outras pessoas, desvendando o significado dos respetivos topónimos.<br />
PARADA LEITÃO (PRAÇA DE)<br />
A vida da Academia Politécnica não foi fácil, e a construção do seu<br />
próprio edifício parece testemunhar as convulsões do século XIX, atravessando-o<br />
como projeto inacabado, sempre adiado, remodelado pontualmente<br />
por exigências imediatas. Do projeto de Carlos Amarante, aprovado<br />
em setembro de 1807, cerca de dois meses antes da família real portuguesa<br />
embarcar para o Brasil, até à conclusão do edifício na véspera da<br />
República, passa-se um século. O mesmo em que viveram os homens que<br />
batizam os espaços que o rodeiam e de quem falaremos.<br />
Em 1809, num país que continua ameaçado pela presença francesa,<br />
nasce José de Parada e Silva Leitão, cujo nome identifica a praça a<br />
ocidente da Academia, uma das preferidas da juventude portuense<br />
pela abundância de cafés que a bordejam. A largueza da praça foi<br />
obtida já no início do séc. XX através da demolição de um quarteirão<br />
de casas intermédio entre a Politécnica e as fachadas agora visíveis.<br />
A vida de José Parada Leitão é uma imagem da agitação da primeira<br />
metade do séc. XIX: inicia uma carreira militar, mas os estudos em<br />
45 Texto Paulo Gusmão Guedes e Susana Barros Fotos Egídio Santos<br />
cultura<br />
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Praça de Parada<br />
Leitão, antes e<br />
agora.<br />
Matemática, na Universidade de Coimbra, atraem-no, apenas para<br />
serem interrompidos pela sua adesão ao movimento liberal contra o<br />
absolutismo miguelista. Integra-se no batalhão académico, ruma ao<br />
Porto. Derrotado o governo revolucionário da Junta do Porto, Parada<br />
Leitão segue em 1828 o caminho do exílio, e embarca na Galiza<br />
para Plymouth, depois passa para Ostende, na Bélgica. Aventureiro<br />
e idealista, caminha (literalmente) de Ostende a Paris, onde se avista<br />
com Saldanha e, recomendado, segue para Bayonne, alistandose<br />
no batalhão de emigrados das forças do general Espoz y Mina,<br />
que pretende libertar a Península Ibérica do absolutismo (e talvez<br />
uni-la num só país). Frustrado esse movimento, junta-se às forças<br />
de D. Pedro de Bragança na campanha liberal de recuperação do<br />
país e participa na defesa do Porto, em 32 para 33. A (relativa)<br />
pacificação do país permite-lhe retomar os seus estudos: conclui o<br />
curso de Matemática em 1837, em Coimbra. Aos 28 anos, tornase<br />
lente da cadeira de Física e Mecânica Industriais da Academia<br />
Politécnica do Porto. Mas a agitação política dele tomará conta novamente,<br />
e serve como ajudante-general de Sá da Bandeira por<br />
ocasião da Patuleia, em 1846. O resultado do conflito, em desfavor<br />
da Junta Governativa do Porto, leva-o a abandonar definitivamente a<br />
carreira militar.<br />
O nome de Parada Leitão está tão ligado à Academia Politécnica<br />
quanto à Escola Industrial do Porto, de que é o primeiro diretor, em<br />
1853. O crescimento industrial, associado à (lenta) penetração das<br />
novidades mecânicas, exigia um ensino de caráter prático, formando<br />
engenheiros, oficiais de marinha, pilotos, agricultores, diretores de fábricas<br />
e artistas. Era essa a vocação da Academia Politécnica do Porto,<br />
criada em 1837, em sintonia com as necessidades da burguesia da<br />
cidade. Mas era um ensino superior, reservado a poucos, pelo que se<br />
estabelece a Escola Industrial para a formação de operários especializados.<br />
No centro da articulação entre as duas escolas, que por mais de<br />
meio século iriam partilhar as mesmas instalações, equipamento e, até,<br />
alguns professores, está a figura de José Parada Leitão.<br />
As condições do ensino nas duas instituições não seriam as ideais,<br />
uma vez que, para além delas, ainda ocupavam o mesmo edifício o<br />
Liceu Nacional, a Academia Portuense de Belas-Artes, o Real Colégio<br />
de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos (fundado em 1650)<br />
e lojas e sobrelojas cujo rendimento revertia para os órfãos.<br />
Na realidade, o investimento em obras públicas do período da Regeneração<br />
parecia ter esquecido o edifício da Politécnica, que continuava<br />
por concluir, como ainda se verifica perto do final do século, em 1892:<br />
“É acanhadíssimo para nele se poderem instalar convenientemente os<br />
seus gabinetes, laboratórios, coleções e salas de estudo.Uma grande<br />
parte das dependências ao rés do chão, que podiam ser aproveitadas,<br />
estão ocupadas [por] uma loja de fazendas, uma mercearia, uma<br />
relojoaria, um restaurante de caldos de galinha, um café, uma loja de<br />
barbear, três tamancarias e uma loja de linheiro!<br />
Dentro dos muros dos edifícios acham-se um casarão meio arruinado,<br />
nas piores condições higiénicas, servindo de colégio aos (...) meninos<br />
órfãos, e uma igreja prestes a cair”.<br />
cultura Texto Paulo Gusmão Guedes e Susana Barros Fotos Egídio Santos 46<br />
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FERREIRA DA SILVA (RUA DO DOUTOR)<br />
Retrato de<br />
António Ferreira da Silva.<br />
Estas são as observações do químico António Ferreira da Silva, que<br />
em 1877 – ainda antes de completar 24 anos – chegara à Academia<br />
Politécnica do Porto com um bacharelato em Filosofia Natural (Ciências<br />
Naturais) pela Universidade de Coimbra, sendo contratado como<br />
lente substituto da cadeira de Química Orgânica e Inorgânica. Parada<br />
Leitão terá sido professor de Ferreira da Silva quando este, em 1870,<br />
se inscrevera simultaneamente na Academia Politécnica e no Instituto<br />
(ex-Escola) Industrial do Porto. Parada Leitão já se aproximava do fim<br />
da vida quando Ferreira da Silva se tornou seu colega e faleceu no<br />
mesmo ano em que este chegava a lente proprietário: 1880. Já no<br />
século XX, Ferreira da Silva redigiu a biografia do seu antigo professor.<br />
Desde o seu início que a Politécnica vivia subfinanciada e mal equipada<br />
– chegou a ser considerada a sua extinção em 1854, com a<br />
firme oposição de Parada Leitão, e, em 1863, a sua redução a escola<br />
industrial. Apesar de se orientar expressamente para a formação<br />
prática, a Politécnica era, contudo, acusada de ministrar um ensino<br />
excessivamente teórico.<br />
Mas, ao iniciar-se a década de 80, a Politécnica estava em transformação,<br />
e a própria ação de Ferreira da Silva era disso uma manifestação:<br />
recém-chegado, promove o reapetrechamento do laboratório de química,<br />
de que era diretor por inerência, e a aquisição de obras recentes<br />
desta disciplina para a biblioteca. Dedica-se à experimentação laboratorial,<br />
fundamental para o seu próprio desenvolvimento como químico,<br />
reforça a componente prática na sua cadeira e permite a utilização do<br />
laboratório para trabalhos práticos a todas as horas. Em 1884, publica<br />
o 1.º volume do seu Manual de Química Elementar, que enriquecerá a<br />
bibliografia de base do curso, até então predominantemente francesa;<br />
em 1888, sairá o 2.º volume.<br />
Ferreira da Silva tem um importante papel na proposta de reforma do<br />
ensino da Academia Politécnica de 1885, de que um dos resultados<br />
é o desdobramento da sua cadeira em duas (Química Inorgânica; Química<br />
Orgânica e Análise) refletindo, afinal, a crescente importância do<br />
aprofundamento dos estudos de química na formação dos quadros<br />
industriais.<br />
Mas a atividade de Ferreira da Silva estender-se-á para além da Politécnica.<br />
Em 1880, a Câmara Municipal solicitara-lhe estudos sobre a<br />
qualidade de diferentes fontes ou rios para o abastecimento de água<br />
canalizada ao Porto: Ferreira da Silva confirma a mesma opção de<br />
estudos anteriores – o rio Sousa. Em 1882, é convidado pelo município<br />
para chefiar a instalação de um laboratório de controlo da qualidade<br />
alimentar dos produtos consumidos na cidade. O Laboratório<br />
Municipal iniciará a sua atividade em 1884 com Ferreira da Silva na<br />
direção, mas fará muito mais: análises hidrológicas, agrícolas, farmacêuticas,<br />
sanitárias e toxicológicas. Será um local de ensino, prática e<br />
experimentação, complementando o laboratório da Politécnica. Será<br />
o instituto de investigação de Ferreira da Silva e de outros químicos,<br />
e de onde sairão resultados reconhecidos internacionalmente. Aqui, a<br />
47 campus 000<br />
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carreira do químico orientar-se-á decisivamente para a saúde pública.<br />
Alguns trabalhos de análise química de Ferreira da Silva, pela sua importância<br />
e mediatismo, garantirão o seu reconhecimento público e,<br />
claro, alguns detratores: tais são os casos da demonstração de que<br />
os vinhos portugueses exportados para o Brasil não eram adulterados<br />
na origem, e o de Urbino de Freitas, médico e lente da Escola Médico-<br />
Cirúrgica do Porto acusado de envenenar os seus sobrinhos, sendo<br />
o Laboratório Municipal responsável pela identificação dos alcaloides<br />
usados no crime.<br />
A importância do estabelecimento de ligações com a comunidade<br />
científica nacional e internacional foi bem compreendida por Ferreira<br />
da Silva, e a sua presença em congressos e comissões normalizadoras<br />
será frequente, assim como a participação em sociedades e publicações<br />
científicas nacionais (cria em 1905 a Revista de Química Pura e<br />
Aplicada) e estrangeiras. O seu nome ganha uma indubitável expressão<br />
internacional. Será este também, num ainda maior grau, o caso do<br />
matemático Francisco Gomes Teixeira.<br />
GOMES TEIXEIRA (PRAÇA DE)<br />
Se a rua oriental que limita o edifício da Politécnica – a rua do Doutor<br />
Ferreira da Silva – é aquela para onde ninguém escreve (não tem<br />
números de polícia, e para ela abrem-se apenas duas portas, uma das<br />
quais, precisamente, permitia o acesso ao laboratório de química da<br />
Politécnica), a praça de Gomes Teixeira é aquela que raramente se<br />
nomeia para além do endereço de correio, tanto os leões alados da sua<br />
fonte predominam sobre a verdadeira designação. Foi deste chafariz<br />
que brotou em 1886 a primeira água canalizada a chegar ao Porto, a<br />
água aprovada por Ferreira da Silva, e cuja qualidade – perante a preocupação<br />
pública – teve que então reafirmar em artigos e conferências.<br />
Francisco Gomes Teixeira, dois anos mais velho do que Ferreira da<br />
Silva, era dotado de uma impressionante capacidade intelectual. Licencia-se<br />
em janeiro de 1875 e em julho do mesmo ano é já doutor em<br />
Matemática. A sua tese doutoral sobre mecânica celeste tem como<br />
arguente o matemático e astrónomo José Falcão – esse mesmo cuja<br />
rua homónima, recordando a sua militância republicana, espreita de<br />
nordeste para a Praça de Gomes Teixeira – que, depois de discutir<br />
veementemente durante a sessão as propostas avançadas pelo doutorando,<br />
declara finalmente “se o que V. Ex.ª acaba de dizer está bem,<br />
tem muito valor; e, se não está, tem pelo menos o mérito de eu não<br />
lhe saber dizer onde errou”. Em 1877, Gomes Teixeira será contratado<br />
como lente substituto da Faculdade de Matemática de Coimbra e três<br />
anos depois já é lente proprietário.<br />
49<br />
campus<br />
Em 1883, Gomes Teixeira solicita a sua transferência para a Academia<br />
Politécnica do Porto. Não seria esta escola de engenheiros o lugar<br />
ideal para a investigação teórica do matemático, e os professores do<br />
Porto recebiam sensivelmente menos do que os de Coimbra, mas a<br />
vontade da jovem portuense com quem se casara em 1882 ou 83<br />
terá sido determinante nesta escolha. O matemático, entretanto, não<br />
desdenhara a intervenção política, e seria deputado às Cortes pelo<br />
Partido Regenerador em 79, 83 e 84. Surpreendentemente, declara<br />
mais tarde: “De política sou e fui sempre profundamente ignorante.<br />
Olhe, fui deputado uma vez, no tempo do Fontes [Pereira de Melo]! E,<br />
não gostei”.<br />
Em 1886, três anos após a sua entrada na Academia Politécnica, Gomes<br />
Teixeira é nomeado “sem concurso” para a direção da instituição,<br />
cargo que ocupará até à criação da U.Porto. É um importante período<br />
da vida do matemático: o seu Curso de Análise Infinitesimal – Cálculo<br />
Diferencial, prémio da Academia de Ciências de Lisboa, será publicado<br />
no ano seguinte, em 87, o mesmo ano em que o seu Tratado de las<br />
Curvas Especiales Notables é premiado pela Academia de Ciências de<br />
Madrid; reescrita em francês, esta última obra será também distinguida<br />
pela Academia de Ciências de Paris. Mas a produção científica anterior<br />
de Gomes Teixeira era já notável e abundante, sendo, a partir de<br />
78, os seus artigos publicados com frequência em revistas científicas<br />
francesas, belgas, italianas, alemãs... No panorama nacional, o seu Jornal<br />
das Ciências Matemáticas e Astronómicas iniciara a publicação em<br />
1877 e, apesar do seu âmbito científico restrito, seria apoiado financeiramente<br />
pelos governos do rotativismo, junto de quem o prestígio<br />
de Gomes Teixeira era evidente.<br />
A ação do diretor da Academia é referida em termos muito gerais pelos<br />
seus biógrafos, falando-se, a partir de 1885, de “período áureo” da<br />
história da instituição, quer por graça da qualidade dos docentes, quer<br />
por virtude das reformas introduzidas naquele ano. Seria talvez Gomes<br />
Teixeira a pessoa indicada para este cargo, mas certamente que lhe<br />
pesava: em 1900, apresenta a sua demissão, que não foi aceite, mantendo-se<br />
na direção da Politécnica.<br />
Com a chegada da República, assim também chegou, em 1911, o fim<br />
da Academia Politécnica. O prestígio científico de Gomes Teixeira e de<br />
Ferreira da Silva, ambos monárquicos e católicos convictos, foi mais<br />
valorizado pelo governo republicano do que a sua orientação política,<br />
sendo o primeiro empossado como primeiro reitor da U.Porto e o<br />
segundo como primeiro diretor da sua Faculdade de Ciências. Mas a<br />
relação que estabeleceram com os poderes republicanos – ascendentes<br />
ou estabelecidos – não será a mesma para ambos. Porém, essa é<br />
outra história.<br />
000<br />
Para saber mais:<br />
ALVES, Maria da Graça Ferreira<br />
(2012), Francisco Gomes Teixeira<br />
– O Homem, o Cientista, o<br />
Pedagogo, U.Porto Editorial, Porto<br />
ALVES, Jorge Fernandes; ALVES,<br />
Rita C. (2013), A. J. Ferreira da<br />
Silva – Nos Caminhos da Química,<br />
U.Porto Editorial, Porto<br />
FERREIRA DA SILVA, António<br />
Joaquim (1917), “Homenagem à<br />
Memória de José de Parada e<br />
Silva Leitão”, Revista de Chimica<br />
pura e applicada. Série II, Ano<br />
2, números 1-3, 4-6, 7, 8-9, Porto.<br />
Disponíveis na página web<br />
da Sociedade Portuguesa de<br />
Química:<br />
http://www.spq.pt/publicacoes_spq<br />
Ver ainda em:<br />
www.up.pt > Universidade ><br />
História > Figuras/Património/<br />
Memória da U.Porto<br />
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Dar é o melhor remédio<br />
Desde março deste ano que mais de 70 estudantes<br />
da U.Porto percorrem as farmácias da cidade para<br />
garantir medicamentos gratuitos a várias famílias<br />
carenciadas da zona da Vitória. Por enquanto,<br />
“contentam-se” com um “Porto com + Saúde”. No<br />
futuro, querem ajudar a salvar vidas em todo o país.<br />
Junto ao balcão da centenária farmácia Aliança, em plena Baixa do<br />
Porto, Teresa Couto e Carina Vieira atiram o melhor sorriso a quem<br />
chega. Estão habituadas a fazê-lo desde que começaram a pôr de<br />
parte os livros do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas<br />
da Faculdade de Farmácia da U.Porto (FF<strong>UP</strong>) para dedicarem algumas<br />
horas por semana a sensibilizar os utentes daquela e de outras<br />
farmácias portuenses a ajudarem a custear os medicamentos de um<br />
grupo de idosos da cidade. “O que fazemos é garantir que doentes<br />
crónicos que não tenham acesso a medicação por dificuldades financeiras<br />
consigam tê-la gratuitamente”, apresenta Teresa Couto, presidente<br />
da Associação Cura+ e um dos rostos principais do projeto<br />
“Porto com + Saúde”.<br />
O nome diz tudo. Ou, pelo menos, assim o idealizaram Joana Carvalho<br />
e Sara Batista, as duas estudantes – hoje diplomadas – da FF<strong>UP</strong><br />
que, em 2015, descobriram durante um estágio extracurricular aquilo<br />
que lhes passava ao lado entre as quatro paredes da faculdade. “Elas<br />
aperceberam-se de que havia um número muito grande de pessoas<br />
que não conseguiam pagar a medicação de que precisam para sobreviver”,<br />
explica Teresa Couto. Face à inexistência de um projeto<br />
de voluntariado voltado especificamente para estudantes de ciências<br />
farmacêuticas, decidiram juntar dois em um e criar a sua própria associação,<br />
mobilizando para isso outros colegas da faculdade.<br />
Teresa foi um deles. “Foram entrando cada vez mais pessoas e, no<br />
caminho, fomo-nos rodeando de professores e profissionais de saúde<br />
que nos ajudaram a desenvolver todo o circuito do projeto”. A<br />
faculdade foi a primeira a apoiar. Seguiram-se algumas das que são<br />
hoje as farmácias parceiras da Cura+ e a Associação Nacional de<br />
Farmácias (ANF). À equação juntou-se por fim o Centro Social e<br />
Paroquial de Nossa Senhora da Vitória, ao qual coube a tarefa sinalizar<br />
os primeiros “alvos” do projeto. Condição: sofrerem de uma<br />
doença crónica e não terem possibilidades financeiras (rendimento<br />
mensal per capita inferior a 100 euros) para comprar a sua medicação<br />
sujeita a receita médica.<br />
No terreno desde março de 2016, a fase “beta” do “Porto com + Saúde”<br />
começou por envolver três farmácias (atualmente são seis), onde<br />
as equipas de estudantes voluntários entram em ação três dias por<br />
semana, durante duas horas. Tempo suficiente para distribuírem sorrisos,<br />
entregarem brochuras e explicarem aos clientes ao que vêm.<br />
Seguidamente, “a pessoa pode fazer um donativo dirigido, a partir de<br />
uma lista que temos com os medicamentos que são necessários para<br />
cada doente. Ou então um donativo não dirigido, no valor que acharem<br />
apropriado. Posteriormente, os doentes dirigem-se às farmácias<br />
e, mediante a apresentação da receita médica, recebem o seu medicamente<br />
de forma gratuita e anónima”, explica Teresa Couto.<br />
A verdade é que, menos de um ano após o arranque do projeto, os<br />
resultados não podiam ser mais encorajadores. Abrangendo inicialmente<br />
40 agregados familiares por mês, o “Porto com + Saúde” deve<br />
chegar a 60 famílias até março de 2017. ”Hoje em dia, já conseguimos<br />
pagar os medicamentos de todos os doentes exclusivamente<br />
com os donativos que angariamos nas farmácias”, refere a finalista<br />
da FF<strong>UP</strong>. Em tempos de crise, vem também ao de cima o espírito<br />
solidário de quem, muitas vezes, dá o que (não) pode. “Há pessoas<br />
que até nem têm possibilidades, mas sentem que querem contribuir<br />
e dão aquilo que podem dar”.<br />
As palavras da futura farmacêutica fluem com a naturalidade de<br />
quem já se habituou aos microfones e às máquinas fotográficas, o<br />
preço a pagar pelo “feedback muito positivo” que o projeto vai tendo<br />
no exterior. A começar pelas farmácias parceiras. “Os estudantes estão<br />
muito envolvidos e integram-se perfeitamente na nossa rotina de<br />
trabalho. Por outro lado, é muito positivo porque o número de pessoas<br />
a precisar deste apoio é cada vez maior”, nota Sónia Correia, farmacêutica-adjunta<br />
da Farmácia Aliança. Pelo meio, “estamos sediados<br />
na Casa das Associações, que nos cedeu um espaço incrível, mantemos<br />
a parceria com a FF<strong>UP</strong>, a nossa casa-mãe, e sentimos muito<br />
apoio das farmácias e dos parceiros comerciais porque eles veem os<br />
resultados a acontecer”, completa Teresa Couto. A ANF também viu.<br />
Tanto que atribuiu à Cura+ o Prémio João Cordeiro – Inovação em<br />
Farmácia 2015, na categoria de responsabilidade social.<br />
FAZER A DIFERENÇA<br />
Mas o que leva afinal tantos estudantes a abdicarem de parte do seu<br />
tempo para ajudar a salvar a vida de quem não conhecem? A resposta<br />
podia multiplicar-se pelos 110 colaboradores que compõem<br />
a estrutura da Cura+, incluindo os mais de 70 voluntários que dão<br />
a cara pelo “Porto com + Saúde”. Entre estes destacam-se os estudantes<br />
da FF<strong>UP</strong>, mas também há quem venha das faculdades de<br />
Belas Artes e de Economia. A diversidade é bem-vinda. “Os voluntá-<br />
quadro de honra Texto Tiago Reis Fotos Egídio Santos 50<br />
<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 50 06/01/17 16:03
Teresa Couto,<br />
Sónia Correia<br />
e Carina Vieira<br />
(da esq. para a dir.).<br />
COMO<br />
AJUDAR?<br />
Para apoiar o “Porto com +<br />
Saúde” basta deixar o donativo<br />
pretendido numa das<br />
seis farmácias aderentes –<br />
Aliança (Rua da Conceição),<br />
Lemos (Praça de Carlos Alberto),<br />
Vitália (Praça da Liberdade),<br />
Moreno (Largo de São<br />
Domingos), Clérigos (Rua dos<br />
Clérigos) e Parente (Rua das<br />
Flores).<br />
Em alternativa, pode fazê-lo<br />
através de transferência bancária<br />
para o NIB da Associação<br />
Cura+:<br />
0033 0000 4547 4174 5320 5<br />
Os interessados podem<br />
ainda associar-se à campanha<br />
como voluntários. Mais<br />
informações em http://www.<br />
curamais.com/ ou através do<br />
e-mail geral@curamais.com.<br />
rios podem candidatar-se através do nosso site ou falar diretamente<br />
connosco. Depois são distribuídos de acordo com as suas características<br />
pelos vários departamentos da associação”. Contas feitas,<br />
“neste momento temos um banco de voluntários que nos permite dar<br />
a todos a oportunidade de participarem”.<br />
No caso de Teresa Couto, a experiência “tem sido muito gratificante.<br />
Todos sabemos que há pessoas que passam dificuldades extremas,<br />
mas é diferente vermos isso ao nosso lado. Ao mesmo tempo, é ótimo<br />
sentir que posso fazer a diferença na cidade que me acolheu”. “Fazer<br />
a diferença na vida das pessoas” foi também o que levou Carina Vieira<br />
a juntar-se ao projeto depois de ter descoberto a Cura + durante<br />
uma feira de voluntariado na FF<strong>UP</strong>. Um ano depois, o balanço é “muito<br />
positivo” para a estudante do 4.º ano de Ciências Farmacêuticas e<br />
atual coordenadora do departamento de intervenção social da associação.<br />
“É um projeto muito motivador, exige muita comunicação e é<br />
uma forma de crescermos profissionalmente, porque um dia vamos<br />
estar à frente de um balcão a contactar com esta realidade”.<br />
LEVAR SAÚDE A TODO O PAÍS<br />
A poucos meses da conclusão do projeto piloto, e já com outro projeto<br />
na forja – o “Polimedicação + Segura”, destinado a ajudar doentes<br />
polimedicados a gerir a sua medicação da forma mais adequada –, é<br />
com confiança e ambição que Teresa Couto e os restantes estudantes<br />
encaram o futuro. “Por enquanto, esperamos atingir todas as farmácias<br />
da zona da Vitória. Posteriormente, queremos chegar a todas<br />
as regiões da cidade do Porto”. E prometem não ficar por aí. “O nosso<br />
objetivo a longo prazo é conseguir alastrar as farmácias Cura+ para<br />
mais cidades do país, a começar pelas que têm faculdades de ciências<br />
farmacêuticas [Covilhã, Coimbra, Lisboa e Algarve] ”. O remate<br />
surge em forma de mote: “Queremos um Portugal com mais saúde!”.<br />
51<br />
campus<br />
000<br />
<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 51 06/01/17 16:03
A ciência das<br />
pequenas<br />
coisas<br />
Em 2007, Joana Moscoso deixou Portugal levando<br />
na mochila uma quase-licenciatura em Biologia e<br />
o sonho de menina de vingar na investigação científica.<br />
Nove anos depois, a bióloga-empresária<br />
apaixonada pelo mundo das bactérias desafiou a<br />
lógica e está de volta para fazer o que melhor sabe.<br />
O coração ainda aperta e “há fogo de artifício no cérebro” quando<br />
Joana Moscoso contempla o céu azul no caminho que percorre<br />
a pé de casa até ao trabalho. Esse é apenas um dos pequenos prazeres<br />
de que não prescinde desde que, em janeiro deste ano, trocou<br />
Londres pelo Porto. Veio contra a maré. “Quando decidi vir falava-se<br />
muito na crise. O meu próprio pai telefonou-me um dia e disse: ‘Filha,<br />
não achas que entraste num avião para ir para longe e agora estás a<br />
atirar-te do avião a meio do caminho?’”. Atirou-se. “Muito a medo”. Mas<br />
não se arrepende. “Tem sido uma boa e verdadeira surpresa”, sorri,<br />
tendo como fundo as paredes recém-inauguradas do Instituto de Investigação<br />
e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), onde<br />
está a desenvolver um projeto de investigação na área da microbiologia<br />
molecular.<br />
Era uma vez uma menina de sorriso cativante, que sonhava com coisas<br />
tão pequeninas que nem as conseguia ver. Assim podia começar a<br />
história desta bióloga nascida há 31 anos no Porto, mas com sotaque<br />
roubado a Valença do Minho, cidade onde, aos 12 anos, teve uma revelação<br />
à mesa do café dos pais. “Lembro-me de estar na esplanada a<br />
olhar para o chão e a pensar: nós não conseguimos ver, mas este chão<br />
está cheio de coisas vivas. Desde aí vivo fascinada pelos organismos<br />
vivos que não se veem”, conta. A queda para a matemática ainda se<br />
intrometeu na hora de se candidatar à universidade, mas a decisão<br />
estava tomada. “Ensinaram-me que temos que seguir as coisas pelo<br />
coração, por aquilo que nos apaixone. E o que eu queria era a Biologia”.<br />
Em 2004, o coração trouxe-a para a Faculdade de Ciências da U.Porto<br />
(FC<strong>UP</strong>). Do curso destaca a “formação abrangente” e as aulas no<br />
edifício dos Leões (atual Reitoria) e no Jardim Botânico, locais “emblemáticos”<br />
onde aprende o ABC da Biologia com “grandes professores”.<br />
Entre estes destaca-se Fernando Tavares, o professor favorito com<br />
quem descobre o mundo da microbiologia e que, no último ano do curso,<br />
ajuda Joana a concretizar a ”imensa vontade de ir lá para fora estudar”,<br />
através do programa Erasmus. Aos 21 anos, sonha com um estágio de<br />
três meses em Amesterdão, com estadia incluída numa casa-barco. A<br />
mãe nem por isso. “Para lá não vais porque as drogas são livres!”, ouve.<br />
Pim pam pum, o destino é a Universidade de Umeå, a maior cidade do<br />
norte da Suécia, situada a 100 quilómetros do círculo polar ártico. Nos<br />
meses seguintes, dedica-se ali ao estudo de um grupo de bactérias capazes<br />
de degradar derivados do petróleo. “Foi uma experiência espetacular<br />
porque o sol punha-se às 11 e meia e à uma da manhã estava a<br />
nascer outra vez”. Pelo meio, perdeu-se no tempo. “Era suposto ser um<br />
estágio de três meses, mas fiz por estar seis meses a fazer mais trabalho”.<br />
Por esta altura, a microbiologia molecular já a tinha conquistado.<br />
CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS<br />
Após o estágio na Suécia, Joana Moscoso regressou a Portugal determinada<br />
a prosseguir uma carreira científica ao mais alto nível. Terminada<br />
a licenciatura, inscreve-se no mestrado em Biologia da FC<strong>UP</strong>,<br />
mas já com o pensamento a 18 mil quilómetros de distância, na Universidade<br />
Nacional da Austrália, em Camberra. Parte um ano depois,<br />
em 2008, para desenvolver o trabalho laboratorial do projeto de mestrado,<br />
o qual dedica ao estudo de uma bactéria que entra no organismo<br />
através dos alimentos, causando diarreias. No diário dos onze meses<br />
que passou na capital australiana ficam palavras como “perseverança”<br />
e “desafio à imaginação”. Conclusão. “Depois de estar na Austrália,<br />
cheguei à conclusão de que o queria mesmo era estar na Europa”.<br />
Novo regresso, nova partida, desta vez para o prestigiado Imperial<br />
College London, no Reino Unido, onde Joana chega em 2009 para desenvolver<br />
o projeto de doutoramento, ao abrigo de uma bolsa da Fundação<br />
para a Ciência e a Tecnologia. Nos seis anos seguintes, escreve<br />
sub-35 Texto Tiago Reis Fotos Egídio Santos 52<br />
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artigos, coleciona prémios (entre os quais, o Microbiology Outreach<br />
Award da Society for General Microbiology ou o Award for Outstanding<br />
PhD student in Science Communication do Imperial College of<br />
London) e vai enriquecendo a “caderneta” de coisas invisíveis com nomes<br />
impronunciáveis. Primeiro com a Pseudomonas aeruginosa, uma<br />
bactéria associada às infeções respiratórias adquiridas em hospitais,<br />
a que dedica a tese de doutoramento. Depois com a Staphylococcus<br />
aureus, outra bactéria perigosa para o ser humano e na qual desvendou<br />
uma fraqueza que pode ser usada no desenvolvimento de terapias<br />
contra infeções bacterianas.<br />
ESTA CIÊNCIA NÃO É PARA VELHOS<br />
Em Londres, a vida da jovem investigadora não se resume, contudo, às<br />
páginas das publicações científicas onde se torna uma habituée. “No<br />
segundo ano do doutoramento já tinha um paper publicado e sentia<br />
que podia concluir o projeto se quisesse. Mas ainda tinha dois anos de<br />
bolsa e sentia que podia fazer mais alguma coisa”, recorda. Entre os<br />
jantares com os amigos e um pezinho de dança nos bares do Soho,<br />
abraçou-a em 2012, à mesa de um pub, quando aceitou o desafio de<br />
organizar o encontro anual da PARSUK, uma rede de investigadores e<br />
estudantes portugueses a residir no Reino Unido.<br />
Na verdade, o que começou por ser a preparação de uma conferência<br />
resultaria num “ponto de viragem” na vida de Joana. “Um dos cientistas<br />
tinha um contacto próximo com a comunidade tradicional de imigrantes<br />
portugueses no Reino Unido e sensibilizou-nos para o facto de nós,<br />
imigrantes qualificados, podermos fazer a ponte com essa comunidade”.<br />
Decidida a “dar o exemplo”, despiu a bata e foi para o terreno com<br />
outros investigadores portugueses. “Organizámos uma atividade em<br />
que fomos a uma aula de Português numa escola inglesa falar sobre<br />
ciência”. O sucesso foi tal que, juntamente com outra antiga estudante<br />
da U.Porto (Tatiana Correia, licenciada em Física pela FC<strong>UP</strong>), decidiu<br />
dar continuidade ao projeto. “Candidatámo-nos a concursos de empreendedorismo<br />
social e a tudo a que nos candidatámos, ganhámos.<br />
Isso deu-nos coragem para fundar a primeira spin-off da PARSUK”.<br />
Nome: Native Scientist, uma empresa sem fins lucrativos que usa a<br />
ciência para ensinar línguas a crianças bilingues dos 7 aos 12 anos.<br />
Focado inicialmente na comunidade portuguesa em Londres, o projeto<br />
criado há três anos já chegou a centenas de crianças no Reino Unido,<br />
tendo-se expandido, entretanto, para as comunidades imigrantes em<br />
França e na Alemanha. A receita repete-se. “Os investigadores vão<br />
às escolas e falam com as crianças sobre o seu trabalho, em estilo<br />
speed dating. O objetivo é que elas possam conhecer o que fazem os<br />
cientistas e, assim, criar memórias positivas na sua língua materna”. No<br />
ato de inspirar os mais novos através da ciência, Joana descobriu-se.<br />
Aprendeu a montar uma empresa e venceu “o medo que os cientistas<br />
têm de falar da sua ciência”. Pelo caminho, percebeu que o sucesso<br />
não fala a uma só língua. “Senti sempre que o poder estava em mim<br />
e não dependia do facto de ser portuguesa, espanhola ou inglesa…”.<br />
O REGRESSO A CASA<br />
Uma carreira bem-sucedida, uma empresa em expansão e uma vida<br />
preenchida em Londres. E eis que Joana decide voltar. “Estás maluca!”,<br />
disseram-lhe os amigos. Não estava. Uma experiência menos positiva<br />
no pós-doutoramento, que inicia em 2014 no Imperial College, foi o gatilho<br />
para o que viria a seguir. “Quis ser persistente, mas a certa altura<br />
já não conseguia e comecei a delinear a minha estratégia de saída”.<br />
Portugal surge no topo das preferências, mas faltava responder à pergunta<br />
que se formava na mente da investigadora. “Se este laboratório<br />
estivesse na China, tu ias para a China?”. Durante alguns meses, desdobra-se<br />
entre as atividades da Native Scientist e a pesquisa de todos os<br />
laboratórios de microbiologia existentes no país. Entre eles, encontra o<br />
grupo Molecular Microbiology do i3S, liderado pelo investigador francês<br />
Didier Cabanes. “Percebi logo que respondia à minha pergunta. Vim a<br />
uma entrevista, ele gostou, eu também, fizemos candidaturas a financiamento<br />
e acabei por vir”.<br />
No regresso a Portugal, Joana trouxe um penteado novo e uma prestigiada<br />
bolsa Marie Sklodowoska-Curie no valor de 150 mil euros, que<br />
vai aplicar nos próximos dois anos no estudo dos “mecanismos utilizados<br />
pela Listeria [uma bactéria semelhante às que estudou em Londres]<br />
para se adaptar ao meio ambiente em que vive”. Pelo meio, ela<br />
própria é um exemplo de adaptação. Ao i3S, onde diz ter encontrado<br />
“condições tão boas ou melhores do que as que usufrui lá fora”. E à<br />
cidade. “Levou-me quase um ano a adaptar a Londres e, em três semanas,<br />
adaptei-me ao Porto. Cá sinto uma serenidade que lá fora não<br />
encontro”, revela. Também por isso, o futuro escreve-se em tons de<br />
azul no horizonte da investigadora que ambiciona “descobrir o porquê<br />
das coisas”. “O meu sonho é ser group leader e gostaria de dar esse<br />
salto antes dos 35”, projeta. O outro é “ter uma empresa na área da<br />
biotecnologia. Esse bichinho está dentro de mim”.<br />
sub-35 Texto Tiago Reis Fotos Egídio Santos 54<br />
<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 54 06/01/17 16:03
ROTEIRO DA PRIMEIRA VIAGEM DE<br />
VASCO DA GAMA À ÍNDIA, 1497-1499<br />
Edição de Luís Fernando de Sá Fardilha<br />
e Maria de Lurdes Correia Fernandes<br />
Col. Letras Portuguesas, n.º 0, publicação conjunta<br />
da Câmara Municipal do Porto, U.Porto Edições e<br />
Fund. Eng.º António de Almeida, Porto, 2016. (173<br />
pp. + fac-simile)<br />
SEIS BREVES APONTAMENTOS DE<br />
COSMOLOGIA CONTEMPORÂNEA<br />
Orfeu Bertolami e Jorge Páramos<br />
U.Porto Edições, Série Para Saber, n.º 45, Porto,<br />
2016. (142 pp.)<br />
ARTIFICIAL AESTHETICS<br />
CREATIVE PRACTICES IN<br />
COMPUTATIONAL ART AND DESIGN,<br />
Miguel Carvalhais<br />
U.Porto Edições, Série Para Saber, n.º 49, Porto,<br />
2016. (307 pp.).<br />
Seguia na nau de Paulo da Gama o incerto autor que<br />
registou os principais momentos da viagem que põe<br />
definitivamente em contacto comercial e civilizacional,<br />
por via marítima e regular, o Ocidente moderno e o<br />
Oriente. Outras narrativas em primeira mão terão existido,<br />
mas só esta chegou aos nossos dias. O texto agora<br />
criteriosamente reeditado baseia-se na única cópia<br />
manuscrita sobrevivente, possivelmente realizada nos<br />
meados do séc. XVI, e que, da biblioteca de Santa Cruz<br />
de Coimbra, transitará pela mão de Alexandre Herculano<br />
para a Biblioteca Municipal do Porto, servindo de fonte<br />
para todas as edições posteriores. Neste caso, estamos<br />
perante uma publicação que alia o rigor académico da<br />
transcrição ao desígnio de a tornar acessível a um público<br />
alargado, atualizando a grafia sem retirar totalmente a<br />
“patine” ao texto. No mesmo livro, encontramos três versões<br />
do “Roteiro”: portuguesa, inglesa e fac-similada.<br />
A versão inglesa é de expressão contemporânea e o<br />
fac-simile poderá servir tanto a estudantes ou amantes<br />
de paleografia como a quem, embalado por um<br />
relato que terá também inspirado Luís de Camões,<br />
deseje folhear um “beau livre”. De realçar o breve estudo<br />
introdutório, cuja clareza informativa nos introduz<br />
convenientemente ao “Roteiro”, e a conveniência das<br />
notas de margem, que estruturam o relato cronológica<br />
e geograficamente.<br />
Apresentado como sendo “uma breve síntese de aulas<br />
de cosmologia” lecionadas por Orfeu Bertolami, a que<br />
se adicionaram tópicos dos dois autores sobre matéria<br />
escura, energia escura e teorias alternativas da gravidade,<br />
na realidade estes “Seis Breves Apontamentos…”<br />
oferecem uma panorâmica sobre os dados observacionais<br />
e as teorias que fundamentam as nossas visões<br />
atuais sobre a origem, evolução e estrutura do Universo,<br />
passando em revisão as limitações e problemas inerentes<br />
aos diferentes modelos explicativos e expondo as<br />
muitas questões que se mantêm em aberto. Como se<br />
afirma na introdução, “no início do século XXI, somos<br />
confrontados com uma visão do Universo na qual cerca<br />
de 95% do seu conteúdo energético nos é desconhecido.<br />
Acredita-se que só através da integração do<br />
conhecimento advindo da cosmologia e da física das<br />
partículas elementares é que estes mistérios poderão<br />
ser desvendados”.<br />
Sendo certo que esta obra se destina primordialmente<br />
a ser utilizada como obra de referência no âmbito de<br />
estudos universitários, poderá atrair interessados por<br />
questões de cosmologia que dominem solidamente os<br />
conceitos de física a ela associados e a linguagem matemática<br />
que os exprime.<br />
Desenvolvido a partir da tese de doutoramento de Miguel<br />
Carvalhais, “Artificial Aesthetics…” é uma análise<br />
profunda e informada da forma como “os utensílios e os<br />
média computacionais (…) transformam alguns dos aspetos<br />
mais fundamentais da arte e do design, levandonos<br />
a questionar a sua essência e o nosso papel como<br />
participantes humanos” (da introdução).<br />
A primeira parte da obra conduz-nos através dos conceitos<br />
e da nomenclatura associados aos processos<br />
computacionais, abordando as questões da inteligência<br />
e da criatividade artificiais e desembocando no conceito<br />
central de estética artificial, relacionando-a com a perceção<br />
humana dos processos e dos resultados dos sistemas<br />
e, daí, passando para a análise das características<br />
da colaboração homem-máquina.<br />
A segunda parte de “Artificial Aesthetics…” dedica-se<br />
inicialmente às “práticas processuais” em contexto<br />
artístico, historiando a utilização de mecanismos algorítmicos<br />
e combinatórios em práticas musicais, literárias<br />
e plásticas, antes de descrever os diferentes processos<br />
e sistemas envolvidos na produção (computacional)<br />
artística contemporânea, propondo finalmente, para<br />
estes, um modelo analítico que repousa na sua natureza<br />
conceptual.<br />
55 livros Textos Paulo Gusmão Guedes<br />
campus<br />
000<br />
<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 55 06/01/17 16:03
UNIVERSIDADE<br />
DO PORTO<br />
Uma das 150 melhores instituição de ensino<br />
e investigação científica da Europa.<br />
3<br />
14<br />
1<br />
2 291<br />
1 563<br />
29 921<br />
8 546<br />
12 490<br />
5 549<br />
3 336<br />
3 616<br />
1 652<br />
1 964<br />
167<br />
401<br />
136<br />
636<br />
34<br />
18<br />
124<br />
34<br />
376<br />
7 719<br />
3 706<br />
1 821<br />
1 742<br />
450<br />
4 160<br />
7 736<br />
1,9<br />
49<br />
14<br />
21<br />
3 986<br />
23,4%<br />
17 442<br />
183<br />
20<br />
203<br />
1 832<br />
9<br />
21<br />
5 517<br />
<strong>Campus</strong> universitários<br />
Faculdades<br />
Business School<br />
Docentes e investigadores<br />
Não docentes<br />
Estudantes<br />
Estudantes de Licenciatura<br />
Estudantes de Mestrado Integrado<br />
Estudantes de Mestrado<br />
Estudantes de Doutoramento<br />
Estudantes estrangeiros<br />
Estudantes estrangeiros de Grau<br />
Estudantes estrangeiros de mobilidade<br />
Nacionalidades<br />
Diplomados estrangeiros em 2015/16<br />
Docentes estrangeiros<br />
Programas de Formação<br />
Cursos de Licenciatura<br />
Cursos de Mestrado Integrado<br />
Cursos de Mestrado<br />
Cursos de Doutoramento<br />
Cursos de Formação Contínua<br />
Diplomados em 2015/16<br />
Diplomados em Licenciaturas<br />
Diplomados em Mestrados Integrados<br />
Diplomados em Mestrados<br />
Diplomados em Doutoramentos<br />
Vagas disponíveis em 2016/17<br />
Candidatos em 1ª opção<br />
Número de candidatos em 1ª opção por vaga<br />
Unidades de Investigação (registadas na FCT)<br />
Unidades avaliadas com “Excecional” e “Excelente”<br />
Unidades avaliadas com “Muito Bom”<br />
Artigos publicados em 2014<br />
Percentagem de artigos portugueses na Web of Science<br />
Artigos publicados no quinquénio 2010 - 2014<br />
Patentes nacionais e internacionais ativas<br />
Patentes licenciadas ativas<br />
Empresas e projetos empresariais no <strong>UP</strong>TEC<br />
Postos de trabalho criados por empresas do <strong>UP</strong>TEC<br />
Residências universitárias<br />
Unidades de alimentação (cantinas, bares, etc.)<br />
Estudantes bolseiros<br />
www.up.pt<br />
up@up.pt<br />
<strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 56 06/01/17 16:03