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2015_Col. Juspodium_DIREITO CIVIL FAMILIAS E SUCESSOES

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OUTROS TÍTULOS DA<br />

COLEÇÃO E PRÓXIMOS<br />

LANÇAMENTOS<br />

v. 1 - Direito Penal - Parte Geral<br />

v.2 - Direito Penal -Parte Especial -Dos crimes contra a pessoa<br />

aos crimes contra a família<br />

v.3 - Direito Penal - Parte Especial - Dos crimes contra a<br />

incolumidade pública aos crimes contra a administração<br />

pública<br />

v.4- Leis Especiais Penais -Tomo 1<br />

v.5 - Leis Especiais Penais -Tomo li<br />

v.6 - Lei de Execução Penal<br />

v.7 - Processo Penal -Parte Geral<br />

v.8 - Processo Penal - Procedimentos, Nulidades e Recursos<br />

v.9- Direito Administrativo<br />

v. 10 - Direito Civil - Parte Geral<br />

v. 11 - Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade<br />

Civil<br />

v. 12 - Direito Civil - Direito das Coisas<br />

v.13 - Direito Civil - Contratos<br />

v.14- Direito Civil- Famílias e Sucessões<br />

v. 15- Direito Agrário<br />

v.16- Direito Constitucional- Tomo 1<br />

v. 17 - Direito Constitucional -Tomo li<br />

v.18- Processo Civil -Teoria Geral do Processo Civil<br />

v. 19 - Processo Civil - Recursos<br />

v.20 - Processo Civil - Processo de Execução e Cautelar<br />

v.21 - Processo Civil- Procedimentos Especiais<br />

v.22 - Leis Trabalhistas Especiais<br />

v.23 - Direito do Trabalho<br />

v.24- Processo do Trabalho<br />

v.25 - Direito Empresarial<br />

v.26- Direito Penal Militar<br />

v.27 - Direito Previdenciário<br />

v.28 - Direito Tributário -Volume Único<br />

v.29- Direito Processual Militar<br />

v.30 - Direito Ambiental<br />

v.31 - Direito Econômico<br />

v.32 - Direitos Transindividuais em Espécie<br />

v.33 - Direito do Consumidor<br />

v.34- Juizados Especiais<br />

v.35 - Direito Internacional<br />

v.36 - Estatuto da Criança e do Adolescente<br />

v.37 - Direito Financeiro<br />

v.38- rtica Profissional<br />

v.39- Direitos Humanos<br />

v.40- Direito Eleitoral<br />

v.41 - Súmulas STF e STJ para Concursos


COLEÇÃO SINOPSES<br />

PARA CONCURSOS<br />

<strong>DIREITO</strong><br />

<strong>CIVIL</strong><br />

FamRia e Sucessões


Leonardo de Medeiros Garcia<br />

Coordenador da <strong>Col</strong>eção<br />

Luciano L. Figueiredo<br />

E-mail: luciano@figueiredoefigueiredo.com.br<br />

Fanpage: Luciano lima Figueiredo (Professor)<br />

lnstagram: @lucianolimafigueiredo<br />

Twitter: @civilfigueiredo<br />

Roberto L. Figueiredo<br />

E-mail: roberto@pedreirafranco.adv.br<br />

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lnstagram: @Roberto_Civil<br />

Twitter: @Roberto_Civil<br />

COLEÇÃO SINOPSES<br />

PARA CONCURSOS<br />

<strong>DIREITO</strong><br />

<strong>CIVIL</strong><br />

FamRia e Sucessões<br />

2• edição<br />

Revista, ampliada e atualizada<br />

<strong>2015</strong><br />

EDITORA<br />

fa.sPODIVM<br />

www.editorajuspodivm.com.br


EDITORA<br />

]itsPODIVM<br />

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Rua Mato Grosso, 175-Pituba, CEP: 41830-151- Salvador-Bahia<br />

Te!: (71) 3363-8617 /Fax: (71) 3363-5050<br />

• E-mail: fale@editorajuspodivm.com.br<br />

Copyright: Edições JusPODIVM<br />

Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr., Leonardo de<br />

Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos<br />

Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robrio Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho,<br />

Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha.<br />

Capa: Rene Bueno e Daniela Jardim (www.buenojardim.com.br)<br />

Diagramação: Cendi Coelho (cendicoelho@gmail.com)<br />

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM.<br />

É terrninantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou<br />

processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos<br />

autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.


Sobre<br />

os autores<br />

LUCIANO L. FIGUEIREDO<br />

• Advogado. Sócio do Figueiredo


li Agradecimento<br />

Família! Família! Papai, mamãe, titia. Família! Família! Almoça<br />

junto todo dia. Nunca perde esta mania.<br />

[ ... )<br />

Família! Família! Cachorro, gato, galinha.<br />

Nando Reis. Titãs.<br />

Escrever um livro de família, em família! Debater o direito sucessório<br />

com meu irmão. Se durante toda a nossa trajetória<br />

acadêmica estivemos juntos, nada mais coerente do que neste<br />

momento, de solene agradecer, também possamos, juntos,<br />

apresentar as nossas homenagens a quem tanto amamos.<br />

Escrever a presente obra foi uma das mais gostosas missões<br />

acadêmicas da nossa existência ...<br />

Passear pelos princípios familiaristas, o casamento, a união estável,<br />

o parentesco ... dedicar-se à sucessão legítima e os institutos<br />

sucessórios, tudo isto em família; foi recompensador.<br />

Mas, como de rotina, tentaremos facilitar a sua leitura e, apenas<br />

por isto, faremos uma breve separação dos agradecimentos!<br />

Assim, o primeiro agradecimento desta obra vai para o meu irmão<br />

e coautor: Beto Figueiredo. O conheço desde que nasci. O vi<br />

frequentar o Vieira - onde depois eu fui aluno - a Faculdade de<br />

Direito - curso que, depois, escolhi-. enveredar pela advocacia<br />

e docência - carreira que hoje sigo.<br />

Sem dúvida, Beto é meu amigo, colega de trabalho, coautor e<br />

grande paradigma. Quando eu era o seu aluno, ele me contaminou<br />

com a sua paixão pelo Direito Civil, lecionando, justamente,<br />

Familia e Sucessões para a minha turma de graduação.<br />

Manu, que alegria vê mais um trabalho nosso nascer! Mais um,<br />

seguramente, de vários!<br />

Percebo, neste momento, que na nossa trajetória muito há<br />

de nossa família. Assim como nós, nossos irmãos Luís e Sérgio<br />

7


também foram alunos do Vieira. Assim como nós e nosso pai,<br />

Luís dedicou-se ao direito ...<br />

Ainda nas famílias, agradeço a minha companheira: Flávia Lessa;<br />

ou, simplesmente, Fau.<br />

O que falar de Fau?<br />

São tantas coisas que me faltam adjetivos ...<br />

Companheira, em todos os sentidos: nos momentos bons e<br />

ruins; na saúde e na doença; na alegria e na tristeza; na riqueza<br />

e na pobreza. Sempre comigo, zelosa e presente, me ajuda nas<br />

dificuldades diárias. Nunca ouvir dela que algo não daria certo.<br />

Nunca a vi titubear.<br />

Amo você, meu amor. Estar contigo, diariamente, é um presente.<br />

Cultivar a socioafetividade e ter a oportunidade de, diuturnamente,<br />

(re)construir contigo, é uma dádiva. Obrigado pela confiança,<br />

pelo carinho e pelas oportunidades ao seu lado. Obrigado<br />

por; simplesmente, coexistir comigo.<br />

Lú, agora é a minha vez.<br />

Eu também não poderia deixar de iniciar o meu agradecimento<br />

dedicando-o ao meu irmão que tanto Amo e admiro, o professor<br />

Luciano Lima Figueiredo, ou simplesmente Lú ...<br />

Somos abençoados Manu, por termos a oportunidade de convivermos<br />

na mesma cidade, no mesmo bairro e podermos estar<br />

sempre que possível juntos. Nosso trabalho acadêmico se transformou<br />

na extensão da nossa casa e da nossa familia.<br />

Ainda somos mais unidos. Como pode? Agradeço a Deus por<br />

este presente diário que é você!<br />

Ainda teremos muitos livros e histórias para contar.<br />

Também gostaria de agradecer à minha esposa amada, Tina. Sei<br />

meu Amor que você está tão feliz quanto nós pela realização de<br />

mais este trabalho. Agradeço a você pelos nossos filhos, nossas<br />

bênçãos, Bernardo, Beatriz e Guilherme.<br />

Nossa familia é a nossa base!<br />

Agora, juntos, eu e Lú seguimos para agradecer a lena, nossa<br />

mãe, pelo amor; carinho, cuidado e companhia. Ela é a responsável<br />

por grande parte da nossa caminhada e conquistas.<br />

Paciente, dócil e conciliadora, é uma verdadeira enciclopédia<br />

de vida para nós!<br />

8


Agradecemos aos nossos outros irmãos, Luís e Sérgio. O primeiro,<br />

Promotor e grande exemplo de lisura e dedicação. O segundo,<br />

padrinho de Lú, paradigma de realização e determinação.<br />

fm memória, o nosso agradecimento saudoso ao nosso pai, Solon<br />

Figueiredo. Estamos certos que ele também está feliz com a<br />

nossa conquista.<br />

Agradecemos, ainda, a família que escolhemos: nossos amados<br />

amigos!<br />

Não são tantos, mas agradecer a todos aqui seria impossível!<br />

Assim, iremos mencionar alguns que, recentemente, quis a vida<br />

nos apresentar de forma cada vez mais próxima, seja em almoços,<br />

em viagens ou em projetos.<br />

Aos queridos Alexandre Aleluia, Thais Mendonça, Cristiano Brandão,<br />

Sabrina Dourado, Matheus Carvalho, Ticiano Cantolino, Fábio<br />

Roque e Rebeca. Se os amigos são a família que escolhemos,<br />

tenham certeza, vocês são "do nosso sangue".<br />

Por fim, estendemos os agradecimentos aos colegas que se dedicam<br />

a ministrar aulas e produzir sobre Famílias e Sucessões,<br />

com os quais convivemos diuturnamente: Cristiano Chaves, Rodolfo<br />

Pamplona, Pablo Stolze, Rita Bonelli, André Bonelli, Marcos<br />

fhrhardt, Salomão Resedá, Fernanda Barreto e Camilo <strong>Col</strong>ani.<br />

t isto! Já é hora de vocês conhecerem mais um filho! Mãos à<br />

obras e vamos juntos!<br />

Salvador, 27 de novembro de 2013.<br />

Luciano L. Figueiredo<br />

E-mail: luciano@figueiredoefigueiredo.com.br<br />

Fanpage: Luciano lima Figueiredo (Professor)<br />

lnstagr"Om: @lucianolimafigueiredo<br />

Twitter: @civilfigueiredo<br />

Roberto L. Figueiredo<br />

E·mail: roberto@pedreirafranco.adv.br<br />

Fonpoge: Roberto Figueiredo (Professor)<br />

lnstagrom: @Roberto_Civil<br />

Twitter: @Roberto_Civil<br />

9


li Sumário<br />

COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS......................................................... 19<br />

GUIA DE LEITURA DA COLEÇÃO..................................................................... 21<br />

NOTA DOS AUTORES À 2• EDIÇÃO .•..............•......•......•.......................•.......... 23<br />

PRÓLOGO.................................................................................................... 25<br />

PARTE 1<br />

<strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Capítulo 1<br />

INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS ....................................................... 29<br />

i. Conceito Dinamizado pela Perspectiva Histórico-Axiológica ............. 29<br />

1.1. Qual a Natureza Jurídica da Família? Seria Pessoa Jurídica?..... 33<br />

2. A Família e a Teoria da Irradiação. A Constitucionalização<br />

do Direito das Famílias................................................................ 34<br />

2.1. O Direito de Família, as Constituições e os Códigos................. 38<br />

3. Princípios do Direito das Famílias...................................................... 42<br />

3.i. Afetividade................................................................................. 47<br />

3.i.1. Teoria do Desamor ou a Tese do Abandono<br />

Paterno Filial................................................................... 54<br />

3.i.2. Repercussões lnfraconstitucionais do<br />

Princípio do Afeto. Em Especial:<br />

A Síndrome da Alienação Parental................................. 59<br />

3.2. Pluralismo das Entidades Familiares ......................................... 64<br />

3.3. Solidariedade Familiar............................................................... 70<br />

3.4. Igualdade entre os Consortes ................................................... 73<br />

3.5. Melhor Interesse........................................................................ 78<br />

3.6. Proteção ao Idoso ............................................... ....................... 82<br />

3.7. Isonomia Filial ............................................................................ 85<br />

3.8. Facilitação da Dissolução do Casamento................................... 86<br />

3.9. Facilitação da Conversão da União Estável em Casamento...... 89<br />

3.10. Planejamento Familiar e Paternidade Responsável.................. 92<br />

3.11. Monogamia: Princípio Familiarista?........................................... . 96<br />

3.12. Intervenção Mínima................................................................... 101<br />

3.13. A Função Social da Família ......................................................... 103<br />

11


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

Capítulo li<br />

CASAMENTO ............................................................................................... 207<br />

i. Notas Históricas, Natureza Jurídica e Conceito .................................. 108<br />

1.i. Corrente Publicista ..................................................................... 110<br />

i.2. Corrente Privatista ............... ...................................................... 111<br />

i.2.1. Corrente Contratualista ......................................... ......... 111<br />

i.2.2. Corrente lnstitucionalista ............................................... 112<br />

1.2.3. Corrente Mista ou Eclética ............................................. 113<br />

1.2.4. Corrente do Ato-Condição.............................................. 113<br />

1.2.5. Conclusões ...................................................................... 214<br />

2. Modalidades (espécies) de Casamento ............................................. 116<br />

2.i. Modalidades Gerais, Comuns ou Típicas................................... 116<br />

2.i.i. Casamento Civil.............................................................. 116<br />

2.i.2. Casamento religioso com efeito civil............................. 117<br />

2.2. Modalidades Especiais, incomuns ou atípicas.......................... 122<br />

2.2.i. Casamento por procuração ........................................... 122<br />

2.2.2. Casamento Nuncupativo................................................. 125<br />

2.2.3. Casamento com moléstia grave..................................... 126<br />

2.2.4. Casamento celebrado fora do país ............................... 127<br />

3. Promessa de casamento ou Esponsais .............................................. 130<br />

4. Princípios específicos do Casamento................................................. 133<br />

4. i. Princípio da comunhão plena de vida...................................... 133<br />

4.2. Princípio da monogamia...... ...................................................... 134<br />

4. 3. Princípio da livre união.............................................................. 137<br />

5. Finalidade do casamento................................................................... 138<br />

6. A Existência do Casamento................................................................. 139<br />

7. Da Validade do Casamento.<br />

Capacidade para Casar (Capacidade Núbil) ...................................... 249<br />

8. Habilitação para o Casamento ........................................................... 156<br />

8. i. O incidente da oposição ao pedido de habilitação .................. 160<br />

8 .2. Impedimentos matrimoniais...................................................... 161<br />

8 . 3. Causas suspensivas.................................................................... 167<br />

9. Celebração do casamento.................................................................. 169<br />

10. Prova do casamento........................................................................... 170<br />

11. Casamento nulo .................................................................................. 171<br />

12. casamento anulável........................................................................... 174<br />

13. Plano da eficácia (efeitos do casamento) ......................................... 180<br />

13.1. Eficácia Social............................................................................. 182<br />

23.2. Eficácia Pessoal.......................................................................... 183<br />

13.3. Eficácia patrimonial: regime de bens........................................ 186<br />

13.4. Espécies de Regime de bens ..................................................... 205<br />

13.5. Doações antenupciais ................................................................ 227<br />

14. Vênia ou Outorga Conjugal................................................................. 228<br />

12


SUMÁRIO<br />

15. Extinção do casamento: até que a morte os separem?.................... 236<br />

15.1. A separação ............................................................................... 238<br />

15.2. Divórcio ...................................................................................... 255<br />

Capítulo Ili<br />

<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL................................................................................ 263<br />

i. Recorte Metodológico......................................................................... 263<br />

2. Concubinato versus União Estável ..................................................... 264<br />

2.i. O Antigo Concubinato Puro e a Atual União Estável.................. 265<br />

2.i.i. Deveres Pessoais na União Estável................................ 276<br />

2.i.2. Deveres Patrimoniais na União Estável.<br />

O Regime de Bens. Contrato de Convivência,<br />

Contrato de Namoro e Declaração de União Estável .... 279<br />

2.2. o Concubinato (Impuro) ............................................................. 290<br />

2.2.i. A Tutela Jurisdicional das Relações<br />

Concubinárias: o que fazer com os<br />

concubinatos e as famílias paralelas?<br />

Teses Doutrinárias e Jurisprudenciais ............................ 292<br />

2.2.2. Novos Rumos à Tutela Jurisdicional das<br />

Relações Concubinárias. A União Estável<br />

Puta tiva e o Concubinato Consentido ............................ 302<br />

Capítulo IV<br />

PARENTESCO............................................................................................... 309<br />

i. O Parentesco sob a Lente da Constituição Federal. .......................... 309<br />

2. O Conceito de Parentesco e a Importância do Assunto. .......... ......... 312<br />

3. Vínculo Parental: linhas e graus. Modalidades.................................. 318<br />

4. Filiação. ............................................................................................... 328<br />

4.1. Gestação de útero Alheio.............................................. ............ 330<br />

4.i.1. O caso "Baby M" - New Jersey (EUA)............................. 333<br />

4.i.2. A pluriparentalidade ou<br />

multiparentalidade: teoria tridimensional da filiação.. 336<br />

4.2. Sistema de Presunção de Filiação............................................. 337<br />

4.3. Investigação de Paternidade..................................................... 353<br />

4.3.1. Competência para Processar e Julgar a<br />

Ação de Investigação de Paternidade. .......................... 359<br />

4.3.2. A questão dos alimentos ante<br />

a Investigação de Paternidade ...................................... 362<br />

4.3.3. O Exame do DNA e a investigação de paternidade....... 365<br />

4.3.4. O Procedimento Administrativo<br />

de Averiguação Oficiosa................................................. 368<br />

73


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

4.3.5. Litisconsórcio passivo facultativo e a<br />

Exceptio Plurium Concubentium<br />

(Exceção de Múltiplos Relacionamentos).<br />

Questões Processuais..................................................... 371<br />

4.3.6. Prova ilícita: art. 5°, inciso LVI, da Constituição............. 374<br />

4.3.7. Coisa Julgada na Ação de<br />

Investigação de Paternidade.......................................... 376<br />

4.4. O parto anônimo........................................................................ 383<br />

4.5. Ação contestatória ou negatória de paternidade..................... 384<br />

5. A socioafetividade e a filiação........................................................... 387<br />

6. Reconhecimento de filhos extraconjugais<br />

ou extraconvivenciais. Reconhecimento<br />

voluntário de filiação. A perfilhação.................................................. 392<br />

Capítulo V<br />

ALIMENTOS................................................................................................. 397<br />

1. Recorte Epistemológico...................................................................... 397<br />

2. Os alimentos, a solidariedade familiar e a dignidade humana........ 398<br />

3. Sujeitos Obrigados.............................................................................. 401<br />

4. Conceito, caracteres e natureza jurídica........................................... 405<br />

4.1. Caráter personalíssimo .............................................................. 4o6<br />

4.2. lrrenunciabilidade ...................................................................... 410<br />

4.3. Atualidade.................................................................................. 414<br />

4.4. Futuridade ou Irretroatividade .................................................. 415<br />

4.5. A imprescritibilidade.................................................................. 416<br />

4.6. A intransmissibilidade................................................................ 418<br />

4.7. A subsidiariedade ...................................................................... 421<br />

4.8. lrrepetibilidade .......................................................................... 424<br />

4.9. lncompensabilidade ................................................................... 429<br />

4.10. lmpenhorabilidade..................................................................... 429<br />

4.11. Reciprocidade............................................................................ 430<br />

5. Obrigação alimentar e dever assistencial alimentar......................... 432<br />

6. Alimentos na conjugalidade e na união estável:<br />

assistência mútua x alimentos. os alimentos<br />

transitórios e os alimentos compensatórios..................................... 432<br />

6.1. Alimentos para depois do divórcio........................................... 437<br />

7. Alimentos entre parentes................................................................... 439<br />

8. Classificação dos alimentos................................................................ 448<br />

8.1. Quanto à origem ........................................................................ 448<br />

8.2. Quanto à extensão..................................................................... 453<br />

8.3. Quanto à finalidade................................................................... 455<br />

9. Aspectos processuais sobre alimentos: breves notas....................... 459<br />

14


SUMÁRIO<br />

Capítulo VI<br />

PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA. .......................................... 471<br />

1. Nota Explicativa .................................................................................. 471<br />

2. Do Poder Familiar............................................................................... 472<br />

2.i. Disposições gerais...................................................................... 473<br />

2.2. O Exercício do Poder Familiar e o seu Conteúdo ...................... 475<br />

2.3. Do Usufruto Legal e da Administração dos Bens....................... 478<br />

2.4. A Suspensão e a Extinção do Poder Familiar............................ 479<br />

3. Guarda ................................................................................................ 482<br />

4. Tutela .................................................................................................. 489<br />

5. Curatela............................................................................................... 505<br />

Capítulo VII<br />

BEM DE FAMÍLIA ......................................................................................... 513<br />

i. Histórico .............................................................................................. 513<br />

2. Conceito e Natureza Jurídica.............................................................. 516<br />

3. O Sistema Dualista Brasileiro.............................................................. 518<br />

3.i. Bem de Família Legal, Cogente,<br />

Involuntário ou Obrigatório ....................................................... 520<br />

3.2. Bem de Família Convencional, Não Cogente,<br />

Voluntário ou Facultativo........................................................... 538<br />

PARTE li<br />

<strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Capítulo 1<br />

INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO.......................................................... 549<br />

1. O Significado da Expressão Direito Sucessório .................. ................ 549<br />

2. O Conteúdo do Direito Hereditário .................................................... 551<br />

3. Pressupostos do Direito Hereditário............................... ....... ............ 553<br />

4. O Fundamento do Direito Sucessório ....... ... ....................................... 554<br />

5. Algumas Situações nas Quais os problemas Hereditários<br />

serão Resolvidos por Preceitos Específicos............................ ........... 557<br />

6. Natureza Jurídica da herança: indivisibilidade<br />

da herança e juízo universal.............................................................. 559<br />

7. As Pessoas Jurídicas de Direito Público e o Direito Hereditário ...... . 562<br />

8. o Pacto de Corvina ............................................................................. 564<br />

9. Princípios Específicos do Direito Hereditário................................... .. 565<br />

9.i. Princípio da Saisine ou Droit Saisine ......................................... 568<br />

9.2. Princípio da Coexistência ........................................................... 572<br />

75


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

9.3. Princípio da Intangibilidade da Legítima ................................... 572<br />

9.4. Tempus Regit Actum ................................................................... 575<br />

lo. Conceitos Fundamentais..................................................................... 576<br />

Capítulo li<br />

DA SUCESSÃO EM GERAL ............................................................................. 581<br />

i. Modalidades de sucessão .................................................................. 581<br />

2. O Juízo Competente para Abertura do Inventário ............................. 583<br />

3. Capacidade e Legitimação para Suceder........................................... 590<br />

4. Dos Excluídos da Sucessão por Indignidade...................................... 596<br />

4.1. A Necessidade de Sentença Judicial.......................................... 598<br />

4.2. Causas de Exclusão por Indignidade......................................... 600<br />

4.3. Efeitos da Indignidade......................... ...................................... 601<br />

4.4. A Reabilitação do Indigno.......................................................... 603<br />

5. Aceitação ou Adição da Herança........................................................ 6o4<br />

5.i. Modalidades de Aceitação........................................................ 605<br />

5.2. O Conteúdo da Aceitação........................................................... 609<br />

6. Renúncia da Herança .......................................................................... 610<br />

6.1. Espécies de Renúncia ................................................................. 615<br />

7. Cessão da Herança ou Cessão de Direitos Hereditários................... 616<br />

8. Herança Jacente e Herança Vacante .................................................. 622<br />

8.i. Natureza Jurídica ....................................... ................................ 625<br />

8.2. Casos de Jacência....................................................................... 626<br />

8.3. O procedimento da Jacência e os Prazo dos Editais................. 629<br />

8.4. A Vacância .................................................................................. 629<br />

8.5. Natureza Jurídica da Sentença de Vacância .............................. 631<br />

Capítulo Ili<br />

DA SUCESSÃO LEGÍTIMA............................................................................... 633<br />

i. Ordem de Vocação Hereditária.......................................................... 633<br />

2. Sucessão na Descendência .......................................................... ....... 638<br />

3. Direito de Representação................................................................... 640<br />

3.i. Requisitos do Direito de Representação ................................... 643<br />

4. Os Casos em Que o Cônjuge Concorre com os Descendentes........... 646<br />

5. Sucessão dos Ascendentes................................................................. 654<br />

6. Sucessão do Cônjuge .......................................................................... 657<br />

6.1. o Artigo i.830 e a Separação Há Mais de Dois Anos................. 658<br />

6.2. o Direito Real de Habitação ..................................................... .. 661<br />

6.3. O Piso Hereditário Mínimo Do Cônjuge Residual....................... 666<br />

7. Sucessão dos <strong>Col</strong>aterais ..................................................................... 667<br />

8. o Código Civil e a Sucessão Na União Estável.................................... 669<br />

16


SUMÁRIO<br />

8.1. A Concorrência Sucessória Simultânea<br />

Do Companheiro E Do Cônjuge Sobrevivente ............................ 680<br />

8.2. O Direito De Habitação Na União Estável................................... 681<br />

Capítulo IV<br />

DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA.................................................................... 685<br />

i. Do Testamento em Geral .................................................................... 685<br />

1.1. Capacidade Testamentária......................................................... 687<br />

2. Formas Ordinárias, Comuns ou Vulgares de Testamento .................. 690<br />

2.i. Testamento Público.................................................................... 692<br />

2.2. Testamento Cerrado, secreto ou místico................................... 696<br />

2.3. Testamento Panicular ou hológrafo .......................................... 699<br />

3. Dos Codicilos....................................................................................... 702<br />

4. Dos Testamentos Especiais: Formas Especiais de Testamento.......... 705<br />

5. Das Disposições Testamentárias......................................................... 707<br />

6. Dos Legados........................................................................................ 714<br />

6.1. Dos Efeitos do Legado e seu Pagamento ................................. 721<br />

6.2. Dos Frutos e dos Juros da Coisa Legada................................... 723<br />

6.3. Do legado de renda ou pensão periódica................................ 724<br />

6.4. Da Caducidade dos Legados ...................................................... 724<br />

7. Do Direito de Acrescer e dos Rateios ................................................ 726<br />

8. Das Substituições................................................................................ 729<br />

9. Deserdação ......................................................................................... 736<br />

10. Da Redução das Disposições Testamentárias.................................... 739<br />

1i. Da Revogação do Testamento............................................................ 740<br />

12. Do Rompimento do Testamento ......................................................... 742<br />

13. Do Testamenteiro ................................................................................ 744<br />

14. Dos Sonegados .................................................................................... 748<br />

15. Da <strong>Col</strong>ação.......................................................................................... 753<br />

17


<strong>Col</strong>eção Sinopses<br />

para Concursos<br />

A <strong>Col</strong>eção Sinopses para Concursos tem por finalidade a preparação<br />

para concursos públicos de modo prático. sistematizado e objetivo.<br />

Foram separadas as principais matérias constantes nos editais e<br />

chamados professores especializados em preparação de concursos<br />

a fim de elaborarem, de forma didática, o material necessário para<br />

a aprovação em concursos.<br />

Diferentemente de outras sinopses/resumos, preocupamos em<br />

apresentar ao leitor o entendimento do STF e do STJ sobre os principais<br />

pontos, além de abordar temas tratados em manuais e livros<br />

mais densos. Assim, ao mesmo tempo em que o leitor encontrará um<br />

livro sistematizado e objetivo, também terá acesso a temas atuais e<br />

entendimentos jurisprudenciais.<br />

Dentro da metodologia que entendemos ser a mais apropriada para<br />

a preparação nas provas, demos destaques (em outra cor) às palavras­<br />

-chaves, de modo a facilitar não somente a visualização, mas, sobretudo,<br />

à compreensão do que é mais importante dentro de cada matéria.<br />

Quadros sinóticos, tabelas comparativas, esquemas e gráficos são<br />

uma constante da coleção, aumentando a compreensão e a memorização<br />

do leitor.<br />

Contemplamos também questões das principais organizadoras<br />

de concursos do país, como forma de mostrar ao leitor como o assunto<br />

foi cobrado em provas. Atualmente, essa "casadinha" é fundamental:<br />

conhecimento sistematizado da matéria e como foi a sua<br />

abordagem nos concursos.<br />

Esperamos que goste de mais esta inovação que a Editora Juspodivm<br />

apresenta.<br />

Nosso objetivo é sempre o mesmo: otimizar o estudo para que<br />

você consiga a aprovação desejada.<br />

Bons estudos!<br />

Leonardo de Medeiros Garcia<br />

leonardo@leonardogarcia.com .br<br />

www.leonardogarcia.com.br<br />

19


Guia de Leitura<br />

da <strong>Col</strong>eção<br />

A <strong>Col</strong>eção foi elaborada com a metodologia que entendemos ser<br />

a mais apropriada para a preparação de concursos.<br />

Neste contexto, a <strong>Col</strong>eção contempla:<br />

• Doutrina otimizada para concursos<br />

Além de cada autor abordar, de maneira sistematizada, os assuntos<br />

triviais sobre cada matéria, são contemplados temas atuais, de<br />

suma importância para uma boa preparação para as provas.<br />

Muitos dos conceitos do nosso Direito Administrativo foram<br />

concebidos ainda no período do Estado Liberal. Outra parte desse<br />

ramo jurídico foi concebida durante o Estado Social. A concepção<br />

democrática, hoje pretendida, exige a acomodação dos<br />

conceitos e normas tradicionais ao novo paradigma constitucional<br />

(Estado Democrático de Direito), impondo uma "outra qualidade<br />

de Estado".<br />

Perceber essa mutação no direito administrativo é um diferencial<br />

que auxilia no estudo da matéria e no desenvolvimento do jurista,<br />

sendo importante para a compreensão de algumas questões<br />

objetivas, além de essencial para questões suscitadas em provas<br />

subjetivas e orais, pelas melhores bancas.<br />

• Entendimentos do STF e STJ sobre os principais pontos<br />

Segundo precedente do STF. é compatível com o princípio da impessoalidade,<br />

dispositivo de Constituição Estadual que vede ao Estado e<br />

aos Municípios atribuir nome de pessoa viva a avenida, praça, rua,<br />

logradouro, ponte, reservatório de água, viaduto, praça de esporte,<br />

biblioteca, hospital, maternidade, edifício público, auditórios, cidades<br />

e salas de aula (STF, ADI 307/CE, rei. Min. Eros Grau, ip.2008).<br />

21


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• PALAVRAS-CHAVES EM OUTRA COR<br />

As palavras mais importantes (palavras-chaves) são colocadas<br />

em outra cor para que o leitor consiga visualizá-las e memorizá-las<br />

mais facilmente.<br />

Cargo é o local criado por lei dentro do serviço público que<br />

possui atribuições, nomenclatura e remuneração próprias.<br />

O cargo público, por sua vez, subdivide-se em cargo efetivo e<br />

em comissão.<br />

---- --- -- ---- __ J<br />

• QUADROS, TABELAS COMPARATIVAS, ESQUEMAS E DESENHOS<br />

Com esta técnica, o leitor sintetiza e memoriza mais facilmente os<br />

principais assuntos tratados no livro.<br />

Serviços sociais<br />

autônomos<br />

Entidades<br />

de apoio<br />

Terceiro Setor<br />

1<br />

[<br />

Org. Sociais J<br />

OSCIP<br />

UPF )<br />

CEBAS<br />

• QUESTÕES DE CONCURSOS NO DECORRER DO TEXTO<br />

Através da seção "Como esse assunto foi cobrado em concurso?" é<br />

apresentado ao leitor como as principais organizadoras de concurso<br />

do país cobram o assunto nas provas.<br />

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?<br />

No concurso para provimento do cargo de Procurador do Estado do<br />

Ceará-2008, foi considerada incorreta a seguinte assertiva: Ao criar uma<br />

autarquia, a administração pública apenas transfere a ela a execução de<br />

determinado seiviço público, pennanecendo com a titularidade desse serviço.<br />

22


Nota dos autores<br />

à 2ª edição<br />

"Onde queres família, sou maluco<br />

E onde queres romântico, burguês<br />

Onde queres Leblon, sou Pernambuco<br />

E onde queres eunuco, garanhão<br />

Onde queres o sim e o não, talvez<br />

E onde vês, eu não vislumbro razão<br />

Onde o queres o lobo, eu sou o irmão<br />

E onde queres cowboy, eu sou chinês"<br />

O Quereres / Caetano Veloso.<br />

Queridos Leitores,<br />

Entusiasticamente anunciamos a nossa Segunda Edição do volume<br />

dedicado à Família e Sucessões.<br />

As melhorias, além de fruto do nosso esforço, decorrem, principalmente,<br />

de sua contribuição. Cada e-mail, pergunta, notícia no<br />

facebook, no instagram, no twitter, encontros em eventos ... cada colocação,<br />

de cada leitor, foi fundamental para este resultado final.<br />

A nova edição vem repleta de novidades. Novos informativos das<br />

Casas Judiciais Brasileiras, novos enunciados do Conselho da Justiça<br />

Federal, novas questões de provas, atualizações legislativas; enfim:<br />

novas ideias.<br />

Dentre os destaques, atualizamos a obra com a recente Lei de<br />

Guarda (Lei i3.058/2014) e seus decorrentes impactos. Outrossim,<br />

além de manter a dinâmica de comentários processuais sobre o vigente<br />

Código de Processo Civil, acrescentamos quadros sobre o Novo<br />

Código de Processo Civil, ainda em vacância, visando a atualização<br />

dos leitores em seus impactos civis.<br />

23


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Cada uma destas inserções foi feita com apenas um objetivo: ajudar<br />

a você, meu amigo, a um aprendizado ainda mais verticalizado<br />

do Direito Civil. Lhe dar a certeza que os "quereres são poderes" e<br />

você conseguirá!<br />

Temos, portanto, uma nova edição revisada, revista e atualizada.<br />

O escopo é que sirva, como nas anteriores, ao sucesso de tantos.<br />

Aproveitem a leitura e vamos juntos!<br />

Orlando, Florida, EUA, em 30 de abril de <strong>2015</strong>.<br />

Luciano L. Figueiredo<br />

lucianolfigueiredo@gmail.com<br />

Twitter: @civilfigueiredo 1 lnstagram: @lucianolimafigueiredo<br />

Face: Luciano Figueiredo<br />

Roberto Figueiredo<br />

roberto@pedreirafranco.adv.br<br />

lnstagram: @ roberto_civil ITwitter: @roberto_civil<br />

Face: Roberto Figueiredo<br />

24


Prólogo<br />

Antes de adentramos nos capítulos desta obra que ora se descortina,<br />

uma pergunta se impõe: afinal, porque unir, em um único<br />

volume, família e sucessões?<br />

É consabido que o Direito Civil deve ser significado consoante o<br />

legalismo constitucional. A tradução privada dos institutos deve ser<br />

repersonificada e despatrimonializada. o ser humano é o centro do<br />

sistema normativo, sendo o escopo de qualquer operador do direito<br />

a promoção à dignidade.<br />

A premissa supracitada permeia toda esta coleção, partindo da<br />

Parte Geral e caminhando até o Direito das Sucessões.<br />

Como tônica desta coleção, a busca de um estudo sistematizado,<br />

capaz de habilitar o estudioso do direito a um amplo aprendizado,<br />

tem nos levado a unificações, a estudos pautados em ideais principiológicos<br />

capazes de gerar a inteligência mais palatável do direito<br />

privado.<br />

Neste volume não é diferente.<br />

Respondendo à pergunta posta, portanto, unificar família e sucessões<br />

em um único tomo é, justamente, reunir o ramo existencial<br />

do Direito Civil. É fazer compreender que nos unimos, nos separamos<br />

e falecemos; e que tais situações são contempladas, estudadas e<br />

aprofundadas pelo Direito Civil, sob o manto da fecunda principiologia<br />

constitucional.<br />

Compreende-las conjuntamente é ganhar um olhar mais amplo<br />

da ciência jurídica, o qual capacitará o futuro aprovado a responder<br />

as mais diversas questões concursais e casos da vida, tornando-o um<br />

sensível operador do direito.<br />

Atento a esta proposta, esta obra é dividida em duas partes. A<br />

primeira delas dedicada às famílias. contando com seis capítulos;<br />

quais sejam:


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

PARTE 1<br />

Direito das Famílias<br />

• Capítulo 1 - Introdução ao Direito das Famílias.<br />

• capítulo li - casamento.<br />

• Capítulo Ili - Direito Convivencial.<br />

• capítulo IV - Parentesco.<br />

• capítulo V - Alimentos<br />

• capítulo VI- Poder Familiar. Guarda. Tutela e Curatela.<br />

• Capítulo VII - Bem de Família.<br />

Já a segunda parte é focada no direito sucessório, dividida em<br />

quatro capítulos que se dedicam a:<br />

PARTE li<br />

Direito Sucessório<br />

• Capítulo 1 - Introdução ao Direito Sucessório.<br />

• capítulo li - Sucessão em Geral.<br />

• Capítulo Ili - Sucessão Legítima.<br />

• capítulo IV - Sucessão Testamentária.<br />

Esperamos que esta obra ajude você, futuro aprovado e operador<br />

do direito, a melhor compreender os institutos existencialistas,<br />

consolidando os seus conhecimentos em família e sucessões, amplificando<br />

os seus saberes jurídicos.<br />

Melhor. Esperamos que esta obra lhe abra horizontes, retire-lhe<br />

a necessidade de decorar institutos e lhe apresente uma forma simples,<br />

e clara, de compreender o Direito.<br />

Vamos juntos!<br />

Luciano L. Figueiredo<br />

E-mail: luciano@figueiredoefigueiredo.com.br<br />

fonpoge: Luciano limo figueiredo (Professor)<br />

lnstOIU"Om: @lucionolimofigueiredo<br />

TWitter: @civiltigueiredo<br />

Roberto L. Figueiredo<br />

E-mail: roberto@pedreirafranco.adv.br<br />

fanpage: Roberto figueiredo (Professor)<br />

lnstogram: @Roberto_Civil<br />

Twitter: @Roberto_Civil<br />

26


PARTE 1<br />

Direito das Famílias<br />

Capítulo 1 ~ Introdução ao Direito das Famílias<br />

Capítulo li ~ Casamento<br />

Capítulo Ili ~<br />

Capítulo IV ~<br />

Direito Convivencial<br />

Parentesco<br />

Capítulo V ~ Alimentos<br />

Capítulo VI ~<br />

Cu rateia.<br />

Poder Familiar. Guarda. Tutela e<br />

Capítulo VII ~ Bem de Família


Capítulo<br />

Introdução ao Direito<br />

das Famílias<br />

Sumário • 1. Conceito Dinamizado pela Perspectiva<br />

Histórico-Axiológica. 1.1 Qual a Natureza Jurídica da<br />

Família? Seria uma Pessoa Jurídica? 2. A família e a<br />

Teoria da Irradiação. A Constitucionalização do Direito<br />

das Famílias. 2.1 o Direito de Família, as Constituições<br />

e os Códigos. 3. Princípios do Direito das<br />

Famílias. 3.1 Afetividade. 3.1.1 Teoria do Desamor<br />

ou Tese do Abandono Paterno Filial 3.1.2 Repercussões<br />

lnfraconstitucionais do Princípio do Afeto. Em<br />

Especial: A Síndrome da Alienação Parental. 3.2 Pluralismo<br />

das Entidades Familiares. 3.3. Solidariedade<br />

famíliar - alimento. 3.4 Igualdade entre os Consortes.<br />

3.5. Melhor Interesse. 3.6. Proteção ao idoso.<br />

3.7 Isonomia! Filial. 3.8 Facilitação da Dissolução do<br />

Casamento. 3.9 Facilitação da Conversão da União<br />

Estável em Casamento. 3.10 Planejamento Familiar<br />

e Paternidade Responsável 3.11. Monogamia: Princípio<br />

Familiarista?. 3.12. Intervenção Mínima. 3.13. A<br />

função social da família.<br />

1. CONCEITO DINAMIZADO PELA PERSPECTIVA HISTÓRICO-AXIOLÓGICA<br />

É muito usual que os manuais de Direito das Famílias iniciem informando<br />

que a família é a célula mater da sociedade'. Mas o que<br />

efetivamente significa isto?<br />

1. De efeito, o texto constitucional enceta a família uma valoração jurídica destacada<br />

que, só por isto, revela a importância que se deve dar ao tema. Determina ao<br />

Estado que dê especial proteção às entidades familiares, como se vê na cabeça<br />

do artigo 226 da Carta Magna. À propósito, a Declaração Universal dos Direitos<br />

do Homem, em seu art.16.3 reza: "A familia ~ o núcleo narural e fundamenral da<br />

sociedade e tem direito à proreçi'Jo da sociedade e do Estado". No mesmo sentido<br />

a Cúpula Mundial da Família, realizada em Sanya, China, em dezembro de 2004,<br />

concluiu pela importância da família na garantia dos direitos humanos, especialmente<br />

os direitos de mulheres e crianças, exortando a realização de políticas<br />

públicas aptas em face das famílias.<br />

29


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho' afirmam a impossibilidade<br />

de apresentar um conceito uúnico e absoluto" de família,<br />

considerando o caráter multifacetário da mesma, o que também foi<br />

reconhecido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM<br />

- no denominado Estatuto das Famílias (Projeto de Lei 2.285/2007).<br />

Muitos doutrinadores reconhecem a dificuldade atual em definir<br />

ou conceituar o signo família. Vários são os significados apresentados,<br />

assim como vários foram estes significados ao longo da história,<br />

ao longo das culturas.<br />

Em um rápido percurso histórico, percebe-se que a família na<br />

antiguidade era atrelada a uma noção de convivência. Os bandos<br />

se agrupavam visando manutenção da vida, vencer as intempéries.<br />

Pautava-se a união em uma mera necessidade, inexistindo laços socioafetivos.<br />

Em Roma, a família era enxergada como uma unidade econômica,<br />

política, militar e religiosa. Era uma instituição central.<br />

Com o Cristianismo, e o legado do Imperador Constantino, é alterada<br />

a noção de família, sendo perceptível a influência do sacramento<br />

do matrimônio. Família é apenas aquela decorrente do casamento.<br />

Inexiste família fora do matrimônio. Cresce o poder da Igreja<br />

Católica sobre o Estado, confundindo-se Religião e Direito.<br />

Até o início do século XIX, o casamento era enxergado como um<br />

mecanismo político de aliança entre os grupos. Adentramos o século<br />

XX ainda priorizando a família dita legítima (casamentaria), mas agora<br />

já sob um maior influxo do individualismo, da noção do projeto de<br />

felicidade, do casamento por amor. Cresce a noção segundo a qual<br />

a tutela deve ser direcionada ao afeto, diminuindo a influência da<br />

Igreja sobre o Estado. O direito une-se a poesia, verificando que toda<br />

forma de amor vale a pena, toda forma de amor vale amar ...<br />

A ascensão feminina, a instituição do divórcio, o surgimento de<br />

famílias recombinadas (segunda, terceiras, quartas núpcias .... ), os<br />

métodos artificiais de criação ... tudo toca o conceito de família.<br />

2. Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol VI, São Paulo: Saraiva. 2012, p.<br />

39.<br />

30


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

As famílias, e por conseguinte o direito, não passa incólume a tais<br />

mudanças. A geração fast food instituiu o fast love, pautado em um<br />

consumismo em massa, desprestigiando o amor e elevando a massificação.<br />

Os relacionamentos são informais, multiplicados e efêmeros,<br />

sendo mais dificultoso perquirir as consequências jurídicas.<br />

A adaptação a este fenômeno demanda alterações na então defasada<br />

normatização acerca do tema. o direito, vindo a reboque do<br />

fato social, necessita ser alterado. A sociedade clama por mudanças,<br />

o direito de família se modifica novamente ...<br />

Se antes a família oriunda do casamento era a única juridicamente<br />

legitimada, hoje o caráter democratizante, plural e multifacetário<br />

realmente exige uma nova perspediva axiológica, ante os novos arranjos<br />

familiares. Daí a expressão direito das famílias utilizada por<br />

alguns, a exemplo de Paulo Lôbo 3 •<br />

Apesar desta dificuldade conceituai, um fato é inegável: a família<br />

é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado. Isto é<br />

o que afirma o art. 226 da Constituição Federal. Neste contexto, a<br />

operabilidade e a técnica dos conceitos jurídicos abertos se apresentam<br />

significativos à concretização do direito fundamental familiar. É<br />

preciso que se compreenda que qualquer texto legal apenas poderá<br />

apresentar rol exemplificativo de entidades familiares, haja vista o<br />

caráter dinâmico das experiências existenciais e a velocidade na mudança<br />

dos hábitos, usos e costumes.<br />

Famílias monoparentais, anaparentais, heterossexuais, homoafetivas,<br />

matrimoniais, divórcio grisalho, famílias recombinadas, famílias<br />

reconstruídas (blended families), entidades para-familiares, família<br />

de uma só pessoa (single family), isto sem contar as inseminações<br />

artificiais homólogas, heterólogas, monogamia serial, embriões excedentários,<br />

maternidades sub-rogadas (barrigas de aluguel), clonagem<br />

humana, concubinato consentido (poliamorismo) ... Tudo isto<br />

evidencia a efetiva impossibilidade técnica de um conceito fechado<br />

apto a compreender - dentro de si - os mais diversos arranjos familiares.<br />

Tudo isto evidencia também quão intrigante e apaixonante é<br />

este ramo do direito civil.<br />

3. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva. 2008.<br />

31


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ao abordar a família moderna e os novos fenômenos sociais,<br />

Silvio de Salvo Venosa adverte haver Hinexoravelmente novos conceitos<br />

desafiadores a incitar o legislador e o jurista com premissas<br />

absolutamente diversas" 4 , assim concluindo que: "Sem dúvida, o<br />

século XXI trará importantes modificações em tema que cada vez<br />

mais ganha importância. A seu tempo, quando a sociedade absorver<br />

os reclamos desses direitos, haverá a resposta legislativa e<br />

judicial adequada" 1 •<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 6 conceituam a família<br />

como sendo uma estrutura básica social de onde se inicia a<br />

modelagem das potencialidades do indivíduo, com o propósito da<br />

convivência em sociedade, na busca da realização pessoal. Além das<br />

atividades de cunho natural, é na família que o ser humano desenvolverá<br />

suas habilidades culturais, afetivas e profissionais dentro de<br />

uma ambientação primária, constituindo-se verdadeiro fenômeno<br />

humano em que se funda a sociedade.<br />

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 7 conceituam a família<br />

como o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por<br />

vínculo sócioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização<br />

plena dos seus integrantes segundo a dignidade humana de<br />

cada um.<br />

Assim também pensamos. Sob a ótica jurídica atual, constitui elemento<br />

de índole instrumental apta a promover a dignidade humana<br />

"deixando a familia de ser compreendida como núcleo econômico e<br />

reprodutivo" 8 e passando a ser vista como instrumento na busca<br />

da felicidade de seus membros. Assim, revela a família um caráter<br />

sócioafetivo, haja vista ser a ponte do afeto o seu fato gerador, e um<br />

viés eudemonista, na busca da felicidade de seus integrantes.<br />

4. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito de Família. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.7.<br />

5. Ibidem, p.7.<br />

6. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de taneiro:<br />

Lúmen Juris, 2008, p.2.<br />

7. Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol VI, São Paulo: Saraiva. 2012, p.<br />

44.<br />

8. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro:<br />

Lúmen Juris, 2oo8, p.6.<br />

32


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

1.1. Qual a Natureza Jurídica da Família? Seria Pessoa Jurídica?<br />

Hodiernamente muitos podem acreditar que esta questão seria<br />

inimaginável, ou ainda que não há dúvida alguma no sentido de que<br />

família realmente não é pessoa jurídica. Apesar de o entendimento<br />

atual ser efetivamente neste sentido, o fato é que o aludido tema<br />

já foi objeto de importante debate doutrinário, sendo, por vezes,<br />

lembrado nas provas concursais.<br />

Segundo Orlando Gomes 9 a família é o mais importante grupo não<br />

personificado (despersonificado ou despersonalizado), inexistindo<br />

utilidade em lhe atribuir personalidade, seja ante sua reduzida composição<br />

numérica, seja mesmo porque a sua atividade jurídica pode<br />

ser exercida, razoavelmente, sem essa personificação.<br />

No mesmo sentido é o entendimento de Paulo Luiz Netto Lôbo'º,<br />

para quem não há necessidade do recurso à personalização. Interessante<br />

a perspectiva de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona<br />

Filho" ao anuírem com este posicionamento sem, contudo, deixar de<br />

fazer menção ao art. lº da Lei n. 5.859/72, o qual disciplina o trabalho<br />

doméstico e considera a família como empregadora destinatária<br />

do trabalho final do empregado doméstico, mesmo sem registro em<br />

Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).<br />

Apesar de não ser pessoa jurídica de direito privado, não estando<br />

no rol a que alude o art. 44 do Código Civil (CC), a família terá capacidade<br />

judiciária ou personalidade anômala, como acontece com<br />

os entes despersonalizados, autorizados a residirem nos polos das<br />

relações processuais, a exemplo do condomínio, da massa falida, da<br />

herança jacente, vacante e do espólio, nas pegadas do artigo 12 do<br />

Código de Processo Civil (CPC) .<br />

. ·~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo Código de Processo Civil (NCPC), o art. 12 do CPC ainda vigente,<br />

passou a ser art. 75, sem qualquer tipo de alteração digna de nota.<br />

9. Introdução ao Direito Civil - 10" Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 204.<br />

10. Direito Civil: Famílias - 2• Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14.<br />

11. Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol VI, São Paulo: Saraiva. 2012, p.<br />

57.<br />

33


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A legitimidade processual está relacionada com a pertinência<br />

subjetiva da demanda, situação na qual o Código de Processo Civil<br />

(CPC) autoriza a uma determinada pessoa a residir em um dos polos<br />

da relação processual, na forma dos seus artigos 3° e 6°. Apesar disto,<br />

a lei, a doutrina e a jurisprudência permitem a alguns entes, que<br />

não são pessoas (despersonalizados), a possibilidade de residirem<br />

como parte de uma relação processual. O art. i2 do CPC traz algumas<br />

destas situações, como ocorre nas hipóteses da massa falida, do<br />

condomínio e do espólio. Eis os Entes Despersonalizados com capacidade<br />

judiciária ou personalidade anômala, ou seja, exclusiva para<br />

o processo. Aqui se insere a família.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo CPC (NCPC) o art. 6° do CPC ainda vigente, passou a ser art. 18,<br />

seguindo a mesma redação. Portanto, a disciplina jurídica de legitimidade<br />

e do interesse de agir continua a mesma. Ninguém pode pedir em<br />

nome próprio direito alheio, salvo em hipóteses excepcionalmente autorizadas<br />

pela norma. A grande novidade reside no fato de que a possibilidade<br />

jurídica do pedido foi suprimida do NCPC. Portanto. as hipóteses<br />

de carência de ação doravante serão apenas duas: interesse de agir, no<br />

binômio utilidade x necessidade e legitimidade ad causam.<br />

2. A FAMÍLIA E A TEORIA DA IRRADIAÇÃO. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO<br />

<strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Diante da cláusula geral de proteção à pessoa humana, não cansamos<br />

de afirmar: toda interpretação do direito civil é, antes de<br />

tudo, uma interpretação constitucional, iluminada pelo indelével vetor<br />

da dignidade, princípio maior e eixo em torno do qual o ordenamento<br />

jurídico deve ser entendido e erigido".<br />

A dignidade humana estrutura e dinamiza o ordenamento jurídico.<br />

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é a doutrina<br />

que melhor realiza esta dignidade humana nas relações particulares.<br />

Se a família é a base da sociedade e detém especial proteção do<br />

i2. Para o aprofundamento deste tema. indica-se a leitura do nosso Volume dedicado<br />

a Parte Geral, em especial o capítulo referente à Constitucionalização do<br />

Direito Civil.<br />

34


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Estado, como afirma o art. 226 da CF, esta tutela constitucional há<br />

de se concretizar pela batuta da dignidade humana e da irradiação<br />

destes direitos fundamentais nas relações privadas 13 •<br />

A aplicação da dignidade humana na seara do Direito de Família<br />

é uma tendência jurisprudencial, ecoando inclusive nas ações de<br />

separação judicial, sendo assim, no julgado abaixo a situação em<br />

que convivem os cônjuges é priorizada em detrimento à culpa de<br />

um deles:<br />

"SEPARAÇÃO JUDICIAL - PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA<br />

EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER - DECISÃO QUE ACOLHE A PRE­<br />

TENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM,<br />

INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO<br />

A AMBOS os LITIGANTES - ADMISSIBILIDADE. A despeito de o<br />

pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção,<br />

ainda que não comprovada tal culpabilidade,<br />

é possível ao Julgador levar em consideração outros fatos<br />

que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum<br />

e, diante disso, decretar a separação judicial do casal.<br />

Hipótese em que da decretação da separação judicial não<br />

surtem consequências jurídicas relevantes. Embargos de divergência<br />

conhecidos, mas rejeitados" (STJ, EREsp 466.329/<br />

RS, Relator Ministro Barros Monteiro, Segunda Seção, julgado<br />

em i4/09/2005).<br />

Sim, porque o direito de família foi constitucionalizado. A migração<br />

dos institutos específicos do direito das famílias para o texto<br />

constitucional, tais como o casamento, a família monoparental, a<br />

criança e o adolescente, o idoso, a união estável... entre outros,<br />

é prova viva do que se convencionou denominar de constitucionalização<br />

do direito civil, ou, como preferimos, civilização do direito<br />

constitucional' 4 •<br />

i3. Daniel Sarmento, em sua trata do tema Eficácia Irradiante dos Direitos Fundamentais<br />

em sua obra A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de<br />

Janeiro: Lumen Juris, 2003.<br />

14. Para melhor entendimento do tema Constitucionalização do Direito Civil indica-se<br />

a consulta do específico tópico do Volume X desta coleção, o qual dedica-se à<br />

análise da Parte Geral.<br />

35


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Como já tivemos a oportunidade de afirmar na Parte Geral desta<br />

<strong>Col</strong>eção 15 , nada melhor do que olhar para o direito civil sob a lente<br />

constitucional, não se devendo confundir, entretanto, a publicização<br />

(existência de normas de ordem pública na seara cível, a exemplo<br />

da função social da propriedade) do direito civil com a sua constitucionalização<br />

(migração de regras do direito privado para o direito<br />

constitucional).<br />

Esta civilização da constituição evidencia hoje o papel central do<br />

texto constitucional no ordenamento jurídico. A Constituição Federal<br />

de 1988 disciplinou matérias de direito civil, seja ao falar sobre<br />

a propriedade e sua função social (arts. 5°, XXII, XXlll, e 170, Ili),<br />

a herança (art. 5°, XXX e XXXI); seja ao disciplinar a tutela estatal<br />

conferida à entidade familiar, crianças, adolescentes e idosos (arts.<br />

226 a 230). O objetivo da constitucionalização, além de demonstrar<br />

necessidade de adaptação em face da quebra da summa divisio,<br />

era a reunificação do direito civil, tendo em vista o panorama que<br />

se formara à época da elaboração do atual texto constitucional.<br />

Assume a Constituição Federal, com isto, o papel de elemento<br />

unificador, integrador e orientador de todo o sistema civil, ou seja:<br />

de vértice axiológico do ordenamento jurídico, promovendo a reunificação<br />

do sistema, pautada no ideal do ser humano (e não do ter).<br />

Instaura-se o novo paradigma ideológico da despatrimonialização<br />

do direito civil, a guisa do homem, da dignidade, do bem-estar e da<br />

procura pela justiça social. É a repersonalização do direito civil sob<br />

as lentes da solidariedade social.<br />

A teoria irradiante, ou da eficácia horizontal se constitui pela<br />

direta aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. Seu<br />

objetivo é emprestar máximo efeito aos valores constitucionais, inclusive<br />

em face do chamado direito privado. Trata-se de um direito<br />

público subjetivo. Ninguém pode ser excluído do dever jurídico de<br />

impedir o gozo desse direito. A lição é de lngo Wolfgang Sarlet 16 :<br />

15. Luciano Lima Figueiredo e Roberto Lima Figueiredo in <strong>Col</strong>eção Sinopses para Concursos<br />

- Direito Civil - Parte Geral, 2 ed., Vai 10, Bahia: Editora ]usPodivm. 2012, p.<br />

103 e seguintes.<br />

16. A eficácia dos direitos fundamentais, Livraria do Advogado, 2003, p. 356. No mesmo<br />

sentido, interessante a consulta a obra de Daniel Sarmento:<br />

36


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

A doutrina tende a reconduzir o desenvolvimento da noção<br />

de uma vinculação também dos particulares aos direitos fundamentais<br />

ao reconhecimento da sua dimensão objetiva, deixando<br />

de considerá-los meros direitos subjetivos do indivíduo<br />

perante o Estado. Há que acolher, portanto, a lição de Vieira<br />

de Andrade, quando destaca os dois aspectos principais<br />

e concorrentes da problemática, quais sejam: a constatação<br />

de que os direitos fundamentais, na qualidade de princípios<br />

constitucionais e por força do princípio da unidade do ordenamento<br />

jurídico, se aplicam relativamente a toda a ordem<br />

jurídica, inclusive privada; bem como a necessidade de se<br />

protegerem os particulares também contra atos atentatórios<br />

aos direitos fundamentais provindos de outros indivíduos ou<br />

entidades particulares.<br />

Ainda sobre o tema informa Daniel Sarmento 11 , em obra específica<br />

sobre o tema, que:<br />

O Estado e o Direito assumem novas funções promocionais e<br />

se consolida o entendimento de que os direitos fundamentais<br />

não devem limitar o seu raio de ação às relações políticas,<br />

entre governantes e governados, incidindo também em<br />

outros campos, como o mercado, as relações de trabalho e<br />

a família.<br />

~ Como isto tem sido entendido pela jurisprudência do Supremo<br />

Tribunal Federal?<br />

Caso interessante foi aquele decidido pelo Supremo Tribunal Federal<br />

no Recurso Extraordinário n. 2oi.819-RJ, publicado em u.10.2005, no<br />

qual se determinou a reintegração de associado excluído do quadro<br />

de uma pessoa jurídica pelos simples fato de não se ter garantido em<br />

face deste o sagrado direito à defesa e contraditório. Nesta demanda,<br />

a Suprema Corte aplica a ideia da eficácia horizontal dos direitos fundamentais<br />

nas relações privadas. Em muitas oportunidades o Supremo<br />

Tribunal Federal prestigiou os direitos da personalidade e a teoria irradiante.<br />

Citem-se ainda os Recursos Extraordinários 160.222-8, 158.215-4,<br />

161.243-6.<br />

17. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen juris,<br />

2oo6. P. 323.<br />

37


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2.1. O Direito de Família, as Constituições e os Códigos<br />

A Constituição de 1824 não tratou das relações familiares. Na verdade,<br />

apenas a partir da Constituição de 1891 foi que surgiu a primeira<br />

referência à família, positivada, entretanto, num só dispositivo<br />

e com o seguinte texto: "A República só reconhece o casamento civil,<br />

cuja celebração será gratuita" 18 •<br />

Com a Constituição de 1934 viu-se pela primeira vez um capítulo<br />

inteiro sobre a Família foi inserido em um Texto Constitucional.<br />

Naquele momento histórico, o legislador constitucional inovou ao<br />

inserir a especial proteção do Estado à família, máxima que permanece<br />

até hoje e perpassa por todos os textos constitucionais<br />

desde então.<br />

A Constituição de 1937 manteve disciplina sobre a família, introduzindo<br />

o dever dos pais em educar filhos, além de equiparar filhos<br />

naturais a filhos legítimos, assumindo o Estado a proteção das crianças<br />

pelos abandonos dos genitores.<br />

A Constituição de 1946 manteve tais disciplinas e inovou ao trazer<br />

a assistência à maternidade, à infância e à adolescência, como<br />

adverte Paulo Lôbo' 9 •<br />

Atualmente, a Constituição de 1988 (CF/88) apresenta uma visão<br />

funcionalizada da família, à luz da socialidade, numa concepção eudemonista<br />

que, no dizer de Maria Berenice Dias, tem origem filosófica<br />

grega e está assentada na realização da felicidade 20 •<br />

o advento de um texto constitucional focado no ser humano, tornou<br />

obsoleto o então Código Civil de 1916 vigente, o qual era fincado<br />

no ter. A vigente constituição ultrapassou a ideia segundo a qual apenas<br />

haveria família no casamento. Ademais, retirou, em sede constitucional,<br />

o caráter indissolúvel do matrimônio. Findou a distinção filial,<br />

não mais falando-se em filhos ilegítimos, destituídos de direitos civis.<br />

A família, dantes fincada em uma concepção de mundo agrária,<br />

paternalista, heretossexualizada, biologizada, hierarquizada,<br />

matrimonializada, patrimonialista e institucional; foi atingida<br />

18. Constituição Federal de 1981. Artigo 72, parágrafo 4.<br />

19. Direito Civil: Famílias - 2• Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14.<br />

20. Manual de Direito das Famílias, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, p. 48.<br />

38


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

pela nova tábua axiológica constitucional. Paramos de falar em<br />

um família-instituição. A família tornou-se um instrumento, cujo<br />

escopo é a promoção da felicidade de seus membros (família­<br />

-instrumento).<br />

o Código Civil de 1916 contemplava uma só espécie de família<br />

(a do casamento), simbolizando o apogeu histórico da ideia monogâmica,<br />

medieval, canônica e familiar", contribuindo sobremaneira<br />

para o reconhecimento penal - à época - do adultério como crime,<br />

desdobrando-se a crítica no âmbito cível ao concubinato, aspecto<br />

bem observado no artigo 358 do Código Civil de 1916: "Os filhos<br />

incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos". Hoje o<br />

adultério não é mais crime, mas tão somente ilícito civil ante o<br />

dever jurídico de lealdade e/ou fidelidade, a ser tratado adiante.<br />

Nesta concepção cível não constitucionalizada de mundo, não se<br />

poderia imaginar aceitável a imunidade de famílias senão oriundas<br />

do matrimônio, havendo visível distinção entre os regimes jurídicos:<br />

o que tutelava a família matrimonial e o que incriminava qualquer<br />

outra entidade familiar. Nessa linha de raciocínio, arremata Carlos<br />

Eduardo Pianovski Ruzyk: "Extrai-se, daí, um sentido institucionalista,<br />

que pode ser denominado de transpessoal: a disciplina jurídica se<br />

dirige à família como instituição, enfatizando as funções que daí se<br />

originam, em detrimento da felicidade coexistencial, intersubjetiva,<br />

dos membros que a compõem"".<br />

o Código Civil de 2002 não alterou este panorama de maneira<br />

significativa. É dizer: não existe um princípio geral da especial proteção<br />

das famílias na historicidade dos Códigos Civis brasileiros,<br />

restando pouco a se falar, por consequência, a respeito disto.<br />

Se o Direito Civil infraconstitucional optou por erigir a família matrimonial<br />

como a preponderante, de fato, deixou de contemplar proteção<br />

aos demais arranjos familiares, mesmo porque a disciplina recente<br />

em derredor da união estável foi consequência muito mais da<br />

nova Ordem Constitucional do que iniciativa de legislação ordinária,<br />

a qual apenas se adequou, parcialmente, com o Código Civil de 2002.<br />

21. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovisk. Famílias Simultâneas: da Unidade Codificada à<br />

Pluralidade Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.2.<br />

22. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovisk. Famílias Simultâneas: da Unidade Codificada à<br />

Pluralidade Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005, p.2.<br />

39


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Lembram Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 23 que<br />

esta visão patrimonializada da família se refletia na quantidade e<br />

qualidade dos artigos do Código Civil de 1916: "dos 290 artigos da<br />

parte destinada ao Direito de Família, 151 tratavam de relações patrimoniais<br />

e 139 de relações pessoais".<br />

Como é sabido, o Código Civil de 2002 se caraderizou por sua<br />

longa fase de tramitação e por ter sido publicado após o advento<br />

da Constituição Federal de 1988, e de outras tantas importantes<br />

normas que a antecederam, tais como o Estatuto da Mulher Casada<br />

e o Estatuto da Criança e do Adolescente, somente para ilustrar em<br />

rápida memória.<br />

Hoje, o Livro do Direito de Família é dividido, no Código, em Direito<br />

Pessoal (Título 1 - arts. i.511 a i.638) e Direito Patrimonial (Título<br />

li, arts. i.639 a i.722), este último a conter, curiosamente, temas de<br />

união estável, tutela e curatela.<br />

O avanço do atual Código em relação ao antecessor reside na<br />

igualdade entre os cônjuges e entre os filhos, além da inserção pela<br />

primeira vez da união estável, da substituição do termo pátrio poder<br />

por poder familiar e, finalmente, da fixação do regime de comunhão<br />

parcial como regra em caso de nulidade ou inexistência do pacto<br />

antenupcial (antes a regra era a comunhão total).<br />

Apesar disto, o atual Código não tratou da união homoafetiva,<br />

da superação da culpa como paradigma legal para o divórcio, muito<br />

menos da família monoparental e anaparental, entre alguns outros<br />

importantes temas do direito de família.<br />

Por estas e outras que o Direito de Família vem sendo continuamente<br />

(re)construído pelos Tribunais, à vista das mais diversas demandas<br />

que lhes são colocadas a este respeito e da dinâmica social.<br />

Seguindo esta dinâmica, o julgado abaixo, do Tribunal de Justiça<br />

de São Paulo, reconhece a multiparentalidade ao determinar o registro<br />

de madrasta como mãe civil de enteado, preservando a mãe<br />

biológica no registro:<br />

"MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade<br />

Biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em<br />

23. Novo Curso de Oireito Civil - Direito de Família, Vol VI, São Paulo: Saraiva. 2012, p.<br />

65.<br />

40


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como<br />

filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem<br />

amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do<br />

estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado<br />

ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública,<br />

de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de<br />

que se trata de parentes. A formação da família moderna<br />

não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios<br />

da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.<br />

Recurso provido" (TJ-SP - APL: ooo6422-26.2011.8.26.0286, Relator:<br />

Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento:<br />

14/08/2012, ia Câmara de Direito Privado).<br />

O entrelaçamento da família, Constituição Federal e Código Civil foi<br />

construído pela doutrina e, ainda, por corajosas decisões judiciais, as<br />

quais, por mais das vezes, exigiram a utilização da técnica dos princípios.<br />

Estes, por sua vez, foram ganhando cada vez mais relevância e<br />

notoriedade de modo que, atualmente, a Teoria dos Princípios também<br />

se fará presente nas situações que envolvam a problemática do<br />

direito das famílias, mormente nos casos difíceis (hard cases), os quais<br />

demandam ponderações de interesses pelo operador do direito.<br />

A título de registro histórico, o Tribunal de Justiça do Estado da<br />

Bahia decidiu em 04 de abril de 2001 ser juridicamente possível<br />

reconhecer a união habitual de pessoas do mesmo sexo como sociedade<br />

de fato, aplicando-se por analogia o regramento da união<br />

estável as relações entre casais homoaetivos' 4 • Dez anos depois<br />

disto, o Supremo Tribunal Federal decide a ADPF i32 - RJ e assim<br />

também pacifica o entendimento.<br />

24. Tribunal de justiça da Bahia. Apelação Cível n• 16313-9/99. Terceira Câmara<br />

Cível. Relator: Desembargador Mário Albiani. Julgado em 04/04/2001. Eis a<br />

ementa do julgado: "AÇÃO DE RECONHECIMENTO OE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE<br />

DE FATO CUMULADA COM PARTILHA. Demanda julgada procedente. Recurso improvido.<br />

Aplicando-se analogicamente a Lei 9278/96, a recorrente e sua companheira<br />

têm direito assegurado de partilhar os bens adquiridos durante<br />

a convivência, ainda que dissolvida a união estável. O Judiciário não deve<br />

distanciar-se de questões pulsantes, revestidas de preconceitos só porque<br />

desprovidas de norma legal. A relação homossexual deve ter a mesma atenção<br />

dispensada às outras ações. Comprovado o esforço comum para a<br />

ampliação ao patrimônio das conviventes, os bens devem ser partilhados.<br />

Recurso Improvido".<br />

41


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

No Capítulo seguinte apresentaremos algumas reflexões sobre os<br />

princípios aplicáveis ao direito das famílias justamente por considerar<br />

a relevância desta técnica na compreensão e solução dos mais<br />

variados assuntos familiares. Posteriormente, iremos nos focar nos<br />

princípios constitucionais do direito das famílias, tema tão caro às<br />

provas concursais.<br />

3. PRINCÍPIOS DO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Conceitua Humberto Ávila 21 os princípios como normas finalísticas<br />

para cuja concretização estabelecem menor determinação de qual é<br />

o comportamento devido e que, por isso, dependem da relação com<br />

outras normas e atos institucionalmente legitimados, de interpretação,<br />

para determinação da conduta devida. Certamente por isto é<br />

que "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma<br />

qualquer", constituindo isto a "mais grave forma de ilegalidade", por<br />

simbolizar nítida contrariedade a todo Ordenamento Jurídico, na lição<br />

de Celso Antônio Bandeira de Mello' 6 •<br />

Antes considerados fontes subsidiárias do Direito numa dogmática<br />

tradicional e compatível com o direito antigo, quase sempre utilizados<br />

como formas de integração da norma à vista do dogma do non<br />

liquet' 7 , os princípios estão sendo redescobertos hoje como técnica<br />

redimensionada, sem a qual se tornaria difícil solucionar problemas<br />

da contemporaneidade' 8 •<br />

25. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios<br />

jurídicos. 6.ed . São Paulo: Malheiros, 2oo6, p.167. Para este, princípios seriam<br />

"Normas imediatamente finalísticas, para cuja concretização estabelecem com<br />

menor determinação qual o comportamento devido, e por isso dependem mais<br />

intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente<br />

legitimados de interpretação para determinação da conduta devida".<br />

26. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17.ed. São<br />

Paulo: Malheiros, 2002, p.842.<br />

27. Entende-se o non liquet como um dogma jurídico segundo o qual ao magistrado<br />

se impõe o dever de julgar sempre, solvendo, liquidando o conflito jurídico,<br />

como prescreve o artigo 4• da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro<br />

e o artigo 126 do Código de Processo Civil.<br />

28. ÁVILA, Humberto, Op.cit., 2oo6, p.8o. Afirma ele: ·os princípios não são apenas<br />

valores cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais.<br />

Eles são, ao mesmo tempo, mais do que isso e algo diferente disso. Os princí·<br />

pios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de<br />

um estado de coisas ou, inversamente, instituírem o dever de efetivação de<br />

42


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

À vista desta nova concepção, alguns princípios acabam sendo<br />

expressamente postos (positivados) no Texto Constitucional, em decorrência<br />

da relevância que são considerados, ganhando carga normativa.<br />

É o que acontece, por exemplo, com o princípio da igualdade,<br />

da dignidade humana e da solidariedade social.<br />

Entende-se, desta maneira, com espeque no que já sustentou<br />

Miguel Reale e dentro desta conformação principiológica, que os<br />

princípios tendem a traduzir NValores jurídicos transnacionais, universalmente<br />

reconhecidos como invariantes jurídico-axiológicas, como a<br />

Declaração Universal dos Direitos dos Homens"' 9 •<br />

O artigo 4º da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro,<br />

assim como o artigo 126 do Código de Processo Civil 3 º, placitam a<br />

exata dimensão deste momento histórico, que ainda persiste no direito<br />

posto nacional de maneira inadequada, como se os princípios<br />

constituíssem elementos de somenos relevância, aplicáveis somente<br />

quando nenhuma outra alternativa restasse ao hermeneuta. Aqui<br />

inserem-se a observação de Paulo Bonavides 3 ' para quem seriam<br />

válvulas de segurança que não superariam a lei.<br />

um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários. Essa<br />

perspectiva de analise evidencia que os princípios implicam comportamentos.<br />

ainda que por via indireta e regressiva. Mais ainda, essa investigação permite<br />

verificar que os princípios. embora indeterminados, não o são absolutamente.<br />

Pode até haver incerteza quanto ao conteúdo do comportamento a ser adotado,<br />

mas não há quanto à sua espécie: o que for necessário para promover o<br />

fim é devido.•<br />

29. REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito. Para um Novo Paradigma Hermenêutico.<br />

São Paulo: Saraiva, 1999. p.13.<br />

30. Eis o que dizem tais preceitos da legislação ainda vigente: Art. 4° da LICC: Quando<br />

a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e<br />

os princípios gerais de direito. Art. 126 do CPC: O juiz não se exime de sentenciar<br />

ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide<br />

caber-lhe-á aplicar as normas legais; não havendo, recorrerá à analogia, aos<br />

costumes e aos princípios gerais de direito.<br />

31. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Malheiros,<br />

2003, p.262. Para quem: "os princípios entram nos Códigos unicamente como<br />

válvulas de segurança, e não como algo que se sobrepusesse à lei, ou lhe fosse<br />

anterior, senão que, extraídos da mesma, foram ali introduzidos para estender<br />

sua eficácia de modo a impedir o vazio normativo.•<br />

43


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

Em termos de origem e evolução histórica, na senda de Paulo Bonavides,<br />

destacar-se-iam três fases distintas dos princípios; a saber:<br />

a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista 32 •<br />

A primeira fase (jusnaturalista) guarda direta relação com o direito<br />

natural e a noção de princípios universais, preexistentes a qualquer<br />

norma, como a preservação da vida.<br />

A evolução da fase jusnaturalista para a positivista perpassa pela<br />

evolução burguesa. Explica-se. Em uma perspectiva histórico-cultural,<br />

o surgimento da burguesia pauta-se em uma reação contrária ao<br />

regime monárquico 33 • A burguesia, originariamente formada contrariando<br />

o regime absolutista da época, sustentava a necessidade de<br />

se positivar alguns princípios (visão kelseniana), para que houvesse<br />

maior segurança jurídica. Aqui surgiu a segunda fase: a do positivismo;<br />

quando se passou a considerar norma exclusivamente aquilo<br />

que estivesse escrito (posto em uma legislação). Neste cenário<br />

seguia-se o posicionamento de Hans Kelsen, para quem as regrasi 4<br />

configurariam julgamentos hipotéticos vinculados a certas consequências<br />

e condições 31 ; consideração que mereceu a crítica de Machado<br />

Neto 36 •<br />

32. BONAVIDES, Paulo, Op. Cit., 2003, p.259.<br />

33. TÂMEGA, Bruna Carolina. A Concretização dos Princípios Constitucionais pelo<br />

Poder Judiciãrio. Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2007, p. 4-5: "A corrente filosófica<br />

do jusnaturalismo defende a existência de um direito natural, consubstanciado<br />

em valores e pretensões desvinculados da norma jurídica emanada/positivada<br />

pelo Estado, legitimado por uma ética superior e limitadora da própria norma<br />

estatal. Apesar de suas múltiplas facetas, apresenta-se basicamente, num primeiro<br />

momento, como uma lei advinda da vontade de Deus (antiguidade clássica e<br />

época medieval) e posteriormente como uma lei ditada pela razão (a partir da<br />

Idade Moderna)."<br />

34. O positivismo imaginara possível utilizar métodos das ciências exatas para as<br />

sociais, como se fórmulas legislativas fossem capazes de disciplinar todas os<br />

conflitos jurídicos futuros sem qualquer preocupação com o elemento valorativo,<br />

moral, época bem caricaturada pela insígnia do suposto legislador racional.<br />

35. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2000, p.64.<br />

36. MACHADO NETO, Antônio Luiz. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 6.ed.<br />

São Paulo: Saraiva, 1998, p.20: "Aí defende o mais estrito positivismo legal, doutrinando<br />

que a sentença judicial deve fundamentar-se exclusivamente no texto<br />

44


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

A evolução social, todavia, demonstrou que o afã regulatório não<br />

foi capaz de solucionar os novos desafios jurídicos. Muitas das vezes,<br />

ante a velocidade dos fenômenos sociais, o operador era convocado<br />

a análise de questões ainda não legisladas. Adentramos, assim, na<br />

terceira fase: neoconstitucionalista, advinda após a Segunda Guerra<br />

Mundial. Os princípios passam a ser inseridos no eixo do Direito,<br />

como fontes de um sistema menos literalista.<br />

Célebre é a doutrina de Ronald Dworkin ao realizar o registro<br />

desse momento ímpar de redescoberta dos princípios: "Os juristas e<br />

juízes, ao debaterem e decidirem ações judiciais invocam não somente<br />

a essas regras em negrito, como também outros tipos de padrões que<br />

denominei de princípios jurídicos" 37 • Igualmente preciosa a orientação<br />

de Paulo Bonavides, para quem: "a teoria dos princípios, depois de<br />

acalmados os debates acerca da normatividade que lhes é inerente, se<br />

converteu no coração das Constituições''3 8 •<br />

o direito abre os seus poros aos princípios, em busca de efetivação.<br />

Afirma Luís Roberto Barroso que "a ênfase recaí em procurar-se<br />

propiciar a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos constitucionais,<br />

fazendo com que eles passem do plano abstrato para da<br />

norma jurídica para a realidade concreta da vida. A efetividade significa,<br />

portanto, a realização do Direito, o desempenho verdadeiro<br />

de sua função social" 39 •<br />

Uma nova ordem jurídica fora erigida sob a égide dos princípios<br />

constitucionais, circunstância que exige uma análise crítica aprofundada<br />

em derredor dos mesmos, particularmente ante a específica<br />

complexidade que possuem. Os princípios ganham força de norma<br />

(carga normativa), aplicando-se diretamente aos casos concretos,<br />

sendo, até mesmo, desnecessária a presença de uma norma regra<br />

intermediária.<br />

legal. A interpretação é mera exegese dos textos e sua finalidade. a descoberta<br />

da intenção psicológica do legislador.·<br />

37. DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2001.<br />

p.n<br />

38. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Malheiros,<br />

2003, p.281.<br />

39. ln Direito Constitucional e Efetividade de sua Normas. P. 344 ..<br />

45


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Atenção!<br />

Normas<br />

{<br />

Princípios<br />

Regras<br />

A norma é o grande gênero, dentro do qual os princípios e as regras são<br />

espécies. Assim, existem normas que são princípios e existem normas<br />

que são regras.<br />

Diante desta breve nota introdutória sobre o que alguns importantes<br />

doutrinadores discorrem a respeito dos princípios 4 º, resta<br />

uma pergunta a ser feita: seria possível, "buscando o utilitarismo dos<br />

conceitos científicos" 4 '. conformar principiologicamente o Direito de<br />

Família com o escopo de solucionar questões econômicas e existências<br />

privadas, oriundas destas relações humanas?<br />

Em busca desta resposta, que acreditamos ser afirmativa por<br />

tudo quanto visto acima, é que iniciaremos a construção dos princípios<br />

específicos do direito das famílias. Com a venia'' de estilo<br />

àqueles que pensam de outra maneira, não iremos tratar aqui dos<br />

princípios gerais aplicáveis ao direito de família, como o faz Rolf<br />

Madaleno 43 ao falar sobre a dignidade humana, a vedação ao retrocesso,<br />

a autonomia e a igualdade. Estes vetores são aplicáveis a<br />

toda e qualquer relação privada. O nosso escopo aqui, em verdade,<br />

é da busca, em sede principiológica, o que há, especificamente,<br />

à seara familiarista.<br />

40. Para um aprofundamento do conceito de princípios e sua carga normativa, indica-se<br />

consulta ao Volume X desta coleção, dedicada a Parte Geral do Direito Civil.<br />

Lá existe tópico específico dedicado ao tema.<br />

41. Adota-se aqui para a definição de utilitarismo o escólio de Mônica Aguiar que,<br />

cotejando a doutrina de Maria Cecília Maringoni e Tércio Sampaio Ferraz Jr, adverte:<br />

A interpretação das normas legais atuais deve se pautar "buscando o utilitarismo<br />

dos conceitos científicos em face do direito e, em especial, atendendo<br />

à função social da dogmática jurídica como modificadora da conduta dos indivíduos<br />

e de suas concepções dos valores existentes, embora com as limitações<br />

que lhe sejam próprias·. (AGUIAR, Mônica. Direito à filiação e bicética. Rio de<br />

Janeiro: Forense, 2005, p.41).<br />

42. Utilizamos venia sem acento em homenagem ao latim verdadeiro, que não acentua<br />

tal palavra.<br />

43. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. i.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008,<br />

p.17-62.<br />

46


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

lmpende reconhecer a necessidade de se depurar a principiologia<br />

específica do direito de família ante a conformação principiológica<br />

pura que se intenciona realizar, no afã de indicar tão somente<br />

princípios próprios desta seara .<br />

Em nosso entendimento, buscando uma leitura civil-constitucional, são os<br />

seguintes princípios específicos do direito das famílias:<br />

a) Afetividade;<br />

b) Pluralismo das Entidades Familiares;<br />

c) Solidariedade Familiar,<br />

d) Igualdade entre os Consortes;<br />

e) Isonomia Filial;<br />

f) Facilitação da Dissolução do Casamento;<br />

g) Facilitação da Conversão da União Estável em Casamento;<br />

h) Planejamento Familiar e Paternidade Responsável;<br />

i) Monogamia;<br />

j) Intervenção Mínima;<br />

1) Função Social.<br />

3.1. Afetividade<br />

A Família "marcada pelo afeto e pelo amor[ ... ] é o núcleo ideal do<br />

pleno desenvolvimento da pessoa " 44 • Dentro desta dinâmica, eclodem<br />

problemas carecedores de proteção jurídico-constitucional, cujos desafios<br />

se agravam quando o assunto perpassa pelo afeto.<br />

As relações convivenciais não serão compreendidas (como jamais<br />

foram) senão entrelaçando-se as diversas áreas do conhecimento<br />

transdisciplinar, sob a perspectiva do afeto, no escopo de sistematizar<br />

o tema dentro dos novos balizamentos. Assim, a construção do<br />

princípio da afetividade se faz decisiva à solução de um sem número<br />

de demandas envolvendo o direito das famílias, numa visão utilitarista<br />

da técnica principiológica.<br />

44. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22.ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2007, p.13.<br />

47


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A busca deste novo paradigma se contextualiza com a própria<br />

reconstrução do Direito Civil, constitucionalizado, funcional, socializado,<br />

desbiologizado, igualitário, acessível, democratizado, inclusivo,<br />

cidadão e digno.<br />

Neste contexto, é patente a desbiologização do Direito de Família,<br />

consolidando uma jurisprudência mais atenta às novas concepções<br />

das relações familiares, fundadas na afetividade. Eis o julgado da<br />

Quarta Turma do Superior Tribunal de justiça:<br />

RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE. CANCE­<br />

LAMENTO PELO PRÓPRIO DECLARANTE. FALSIDADE IDEOLÓGICA.<br />

IMPOSSIBILIDADE. ASSUNÇÃO DA DEMANDA PELO MINISTÉRIO PÚ­<br />

BLICO ESTADUAL. DEFESA DA ORDEM JURÍDICA OBJETIVA. ATUAÇÃO<br />

QUE, IN CASU, NÃO TEM O CONDÃO DE CONFERIR LEGITIMIDADE À<br />

PRETENSÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Salvo nas hipóteses<br />

de erro, dolo, coação, simulação ou fraude, a pretensão de<br />

anulação do ato, havido por ideologicamente falso, deve ser<br />

conferida a terceiros interessados, dada a impossibilidade<br />

de revogação do reconhecimento pelo próprio declarante,<br />

na medida em que descabido seria lhe conferir, de forma<br />

absolutamente potestativa, a possibilidade de desconstituição<br />

da relação jurídica que ele próprio, voluntariamente,<br />

antes declarara existente; ressalte-se, ademais, que a ninguém<br />

é dado beneficiar-se da invalidade a que deu causa.<br />

2. No caso em exame, o recurso especial foi interposto pelo<br />

Ministério Público, que, agindo na qualidade de custos legis,<br />

acolheu a tese de falsidade ideológica do ato de reconhecimento,<br />

arguindo sua anulabilidade, sob o pálio da defesa<br />

do próprio ordenamento jurídico; essa atuação do Parquet,<br />

contudo, não tem o condão de conferir legitimidade à pretensão<br />

originariamente deduzida, visto que, em assim sendo,<br />

seria o mesmo que admitir, ainda que por via indireta, aquela<br />

execrada potestade, que seria conferida ao declarante,<br />

de desconstituir a relação jurídica de filiação, como fruto da<br />

atuação exclusiva de sua vontade. 3. Se o reconhecimento<br />

da paternidade não constitui o verdadeiro status familiae,<br />

na medida em que, o declarante, ao fazê·lo, simplesmente<br />

lhe reconhece a existência, não se poderia admitir sua<br />

desconstituição por declaração singular do pai registrai. Ao<br />

assumir o Ministério Público sua função precípua de guardião<br />

da legalidade, essa atuação não poderia vir a beneficiar, ao<br />

fim e ao cabo, justamente aquele a quem essa mesma ordem<br />

48


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

jurídica proíbe romper, de forma unilateral, o vínculo afetivo<br />

construído ao longo de vários anos de convivência, máxime<br />

por se tratar de mera "questão de conveniência" do pai registrai,<br />

como anotado na sentença primeva. 4. "O estado de<br />

filiação não está necessariamente ligado à origem biológica<br />

e pode, portanto, assumir feições originadas de qualquer<br />

outra relação que não exclusivamente genética. Em outras<br />

palavras, o estado de filiação é gênero do qual são espécies<br />

a filiação biológica e a não biológica ( ... ). Na realidade<br />

da vida, o estado de filiação de cada pessoa é único e de<br />

natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar,<br />

ainda que derive biologicamente dos pais, na maioria dos<br />

casos" (Mauro Nicolau Júnior in "Paternidade e Coisa Julgada.<br />

Limites e Possibilidade à Luz dos Direitos Fundamentais e<br />

dos Princípios Constitucionais". Curitiba: Juruá Editora, 2006).<br />

5. Recurso não conhecido. (STJ - REsp: 234833 MG, Relator: Ministro<br />

Hélio Quaglia Barbosa, Data de Julgamento: 25/09/2007).<br />

É de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho a lição: "Aliás,<br />

como já dissemos antes, o próprio conceito de fam11ia, elemento chave<br />

da nossa investigação científica, deriva e encontra sua raiz ôntica na<br />

própria felicidade. Vale dizer, a comunidade de existência formada pelos<br />

membros de uma família é moldada pelo liame socioafetivo que os<br />

vincula sem aniquilar as suas individualidades" 45 •<br />

Doutrina e jurisprudência especializadas já reconhecem que o<br />

afeto constitui um valor impregnado de natureza constitucional a<br />

consolidar, no contexto do sistema normativo brasileiro, um novo<br />

paradigma no plano das relações familiares. Esta questão está intimamente<br />

relacionada a outro importante elemento jurídico que vem<br />

ganhando força no estudo do direito civil-constitucional. Estamos a<br />

falar do direito a busca da felicidade e da importante função contra­<br />

-majoritária que o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado,<br />

com o fito de fazer valer os direitos fundamentais em favor das<br />

minorias e superar a omissão dos demais atores da República na<br />

formulação de medidas destinadas a assegurar, aos grupos minoritários,<br />

a fruição dos direitos fundamentais.<br />

45. Novo Curso de Direito Civil - Vol. 6 - Direito de Família - i.ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2012, p.13.<br />

49


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como se posicionou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

O acórdão proferido pelo no julgamento do RE 477554-MG (Informativo<br />

STF n. 625 ) reconheceu o direito à busca da felicidade, enxergando o<br />

afeto como um princípio de cunho constitucional. Cita-se:<br />

UNIÃO <strong>CIVIL</strong> ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA RELE­<br />

VÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO<br />

PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONS­<br />

TITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO<br />

ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO<br />

CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FE­<br />

DERAL (ADPF i32/RJ E ADI 4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR<br />

JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VA­<br />

LORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFOR­<br />

MADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA - O <strong>DIREITO</strong> À BUSCA DA<br />

FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍ­<br />

CITO E EXPRESSÃO DE UMA IDtlA-FORÇA QUE DERIVA DO PRIN­<br />

CÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ALGUNS<br />

PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA<br />

CORTE AMERICANA SOBRE O <strong>DIREITO</strong> FUNDAMENTAL À BUSCA<br />

DA FELICIDADE - PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006) [ ... ]<br />

46. <strong>DIREITO</strong> DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE<br />

SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO - <strong>DIREITO</strong> DO COMPANHEIRO,<br />

NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR<br />

MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. i.723<br />

DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> - O ART. 226, § 3°, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA<br />

DE INCLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />

NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE <strong>DIREITO</strong> - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA<br />

NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL<br />

- O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR)<br />

"QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS <strong>DIREITO</strong>S E LIBERDADES FUNDAMEN­<br />

TAIS" (CF, ART. 5°, XLI) - A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E<br />

O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O<br />

MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO<br />

- RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS <strong>DIREITO</strong>S<br />

EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. - Ninguém, absolutamente ninguém,<br />

pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica<br />

por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão,<br />

têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema<br />

político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário<br />

e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine,<br />

50


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as<br />

pessoas em razão de sua orientação sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO<br />

DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O Supremo Tribunal Federal<br />

- apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios<br />

essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade,<br />

da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não<br />

discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa,<br />

o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por<br />

isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como<br />

entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de<br />

cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros<br />

homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente<br />

no campo previdenciário, e. também, na esfera das relações sociais e familiares.<br />

- A extensão, às uniões homoafetivas. do mesmo regime jurídico<br />

aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se<br />

pela direta incidência, dentre outros. dos princípios constitucionais<br />

da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado<br />

constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os<br />

quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão<br />

decorrente da própria Constituição da República (art. 1°, Ili, e art. 3°, IV),<br />

fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à<br />

qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie<br />

do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de<br />

constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade<br />

de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer<br />

discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas. benefícios e<br />

obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem<br />

uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM<br />

DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. - o reconhecimento do afeto como<br />

valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma<br />

que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina.<br />

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - o postulado da dignidade<br />

da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse<br />

princípio essencial (CF, art. 1°, Ili) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro<br />

valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional<br />

vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em<br />

que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada<br />

pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional<br />

da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de<br />

que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel<br />

de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos<br />

fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como<br />

fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência<br />

possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias<br />

individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o<br />

direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito,<br />

57


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Como se posicionou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

Também no Superior Tribunal de Justiça existem imponantes decisões reconhecendo<br />

o valor jurídico do afeto. No REsp. 450.566 se admitiu, por<br />

exemplo, a filiação sócioafetiva. Por sua vez, no REsp. 1.085.646 a união<br />

homoafetiva foi admitida em benefício a duas mulheres que conviviam<br />

more uxoria. Sem dúvida, o afeto é princípio já presente na jurisprudência<br />

dos tribunais superiores, que se coadunam com a melhor doutrina do<br />

direito das famílias.<br />

Nessa esteira de pensamento, o afeto traduz fato gerador apto<br />

a ocasionar relações familiares, inclusive de parentesco. Percebe-se<br />

o fenômeno jurídico da desbiologização do direito de família (Teoria<br />

da Dessacralização do DNA), estando consagrado no Enunciado n.<br />

341 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, cujo<br />

conteúdo é o seguinte "Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva<br />

pode ser elemento gerador de obrigação alimentar".<br />

Ressalta-se a família como instituição, cujo escopo é a busca do<br />

projeto de felicidade individual de cada um. Assevera-se que tão importante<br />

quando o vínculo biológico, são as indestrutíveis pontes do<br />

amor. Estas são capazes de gerar, até mesmo, parentesco por outra<br />

origem, na forma do artigo i.593 do Código Civil.<br />

que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio<br />

da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal<br />

Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano<br />

do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL<br />

FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos grupos<br />

vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação<br />

material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao<br />

Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Con ­<br />

stituição (o que lhe confere "o monopólio da última palavra· em matéria de<br />

interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem<br />

a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou<br />

omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos<br />

majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores<br />

consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina. (RE 477554<br />

AgR / MG; órgão julgador: Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal; re ­<br />

lator: Ministro Celso de Mello; data do julgamento: 16/08/2011) [grifos não<br />

originais]<br />

52


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem considerando<br />

a relação socioafetiva para dirimir conflitos no âmbito familiar.<br />

Confiram os informativos do STJ acerca da paternidade socioafetiva:<br />

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. INTERESSE DO MENOR.<br />

o registro espontâneo e consciente da paternidade - mesmo<br />

havendo sérias dúvidas sobre a ascendência genética - gera<br />

a paternidade socioafetiva, que não pode ser desconstituída<br />

posteriormente, em atenção à primazia do interesse do<br />

menor. (REsp i.244.957, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 7.8.12. 3•<br />

Turma, lnfo 501, ano 2012)<br />

REGISTRO <strong>CIVIL</strong>. ANULAÇÃO. PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA.<br />

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA.<br />

Discute-se no REsp se o pai biológico tem legitimidade para<br />

pedir a alteração do registro civil de sua filha biológica do<br />

qual hoje consta como pai o nome de outrem e, ainda, caso<br />

ultrapassado de forma positiva esse debate, o próprio mérito<br />

da ação originária quanto à conveniência da alteração<br />

registrai pleiteada pelo pai biológico. A paternidade biológica<br />

não tem o condão de vincular, inexoravelmente, a filiação,<br />

apesar de deter peso específico ponderável, ante o liame<br />

genético para definir questões relativa à filiação. Pressupõe,<br />

no entanto, para a sua prevalência, a concorrência de elementos<br />

imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva<br />

do genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe.<br />

A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida de<br />

ascendência genética, constitui uma relação de fato que deve<br />

ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a<br />

parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, arrimada<br />

em boa-fé, deve ter guarida no Direito de Família. Na<br />

hipótese, a evidente má-fé da genitora e a incúria do recorrido,<br />

que conscientemente deixou de agir para tornar pública<br />

sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção<br />

da necessária paternidade socioafetiva, tomam-lhes o direito<br />

de se insurgir contra os fatos consolidados. A omissão do<br />

recorrido, que contribuiu decisivamente para a perpetuação<br />

do engodo urdido pela mãe, atrai o entendimento de que a<br />

ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito,<br />

fenecendo, assim, a sua legitimidade para pleitear o direito<br />

de buscar a alteração no registro de nascimento de sua filha<br />

biológica. (REsp l.08p63, rei. Min. Nancy Andrighi, 18.8.11. 3•<br />

Turma. lnfo 481, 2011).<br />

53


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Atenção!<br />

Historicamente, a respeito do assunto "parentesco", vigorava a teoria<br />

biologista das relações de parentesco, o que justificou por muito tempo<br />

a distinção entre "família legítima" e "família ilegítima", o que ainda se<br />

encontra positivado no campo do direito hereditário (vide à respeito a<br />

expressão "sucessão legítima"). Está teoria foi superada por outra (teoria<br />

da desbiologização). Portanto, hoje a família não surge mais tão somente<br />

dos laços de sangue. Ao contrário disto, é possível haver laços de parentesco<br />

sem que exista coincidência dos elementos genéticos. Por estas e<br />

outras que o art. i.593 do CC afirma: o parentesco pode ser biológico, civil<br />

ou por "outra origem".<br />

3.i.i. Teoria do Desamor ou a Tese do Abandono Paterno Filial<br />

Em sendo o afeto um princípio jurídico, a sua violação ocasiona<br />

dano indenizável? É dizer: seria possível impor a alguém o dever de<br />

indenizar outrem por não o ter cuidado e/ou amado?<br />

Como na prática esta questão vem sendo posta sob o ponto de<br />

vista da relação entre pai e filho, costuma-se denominar a Teoria<br />

do Desamor de Tese do Abandono Paterno Filial. Há autores, porém,<br />

que se referem ao tema de forma mais ampla, falando em Teoria do<br />

Abandono Afetivo.<br />

Ao estudar o tema, costuma a doutrina fazer inicial referência a<br />

uma demanda que tramitou no Estado de Minas Gerais, na qual um<br />

filho tentava responsabilizar extracontratualmente seu pai. É o famoso<br />

Caso Alexandre Fortes. Nesta conhecida demanda, o então Tribunal<br />

de Alçada de Minas Gerais, por sua 7" Câmara de Direito Privado, nos<br />

autos da apelação cível 408555-5, assim decidiu:<br />

EMENTA - INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO-FILIAL<br />

- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA<br />

AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono<br />

paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo<br />

afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no<br />

princípio da dignidade da pessoa humana' 7 •<br />

47. APELAÇÃO CÍVEL No. 408550-5; órgão julgador: Sétima Cãmara Cível do Tribunal de<br />

Alçada do Estado de Minas Gerais; relator: Juiz Unias Silva; data do julgamento:<br />

01.04.2004.<br />

54


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Como se verifica, o entendimento firmado pela Corte Estadual<br />

mineira foi pela possibilidade de indenização cível decorrente do<br />

abandono paterno-filial, aplicando, pois, a Teoria do Desamor.<br />

Contudo, a questão em comento foi levada à apreciação do Superior<br />

Tribunal de Justiça, que no julgamento do REsp. 757.411-MG,<br />

negou a indenização, reformando a decisão. Eis a ementa do julgado:<br />

RESPONSABILIDADE <strong>CIVIL</strong>. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS<br />

MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. L A indenização por dano moral<br />

pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à<br />

aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o<br />

abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso<br />

especial conhecido e provido'ª·<br />

O entendimento pela negativa indenizatória no abandono afetivo<br />

paterno filiar perdurou entre os idos de 2005 e 2012. Ocorre que em<br />

2012 houve mudança de posicionamento. o Superior Tribunal de Justiça,<br />

particularmente a Terceira Turma, em acórdão de relatoria da<br />

Ministra Nancy Andrigh, reconheceu haver um inegável dever jurídico<br />

primário de solidariedade familiar (desdobramento da solidariedade<br />

social, previsto no Código Civil) a acarretar, como consequência<br />

do desrespeito a esta regra de conduta - dever jurídico primário de<br />

não abandonar e de cuidado - o dever jurídico secundário de reparar<br />

o dano disto decorrente.<br />

Dessa forma, o dano, dantes não indenizável, passou a ser indenizável.<br />

Para o entendimento hodiernamente vigente; em síntese: a relação<br />

paterno filial impõe aos pais os deveres de não abandonar e de<br />

cuidado. O descumprimento de tais deveres traz consigo a possibilidade<br />

de responsabilização, gerando condenação ao pagamento de<br />

danos morais.<br />

Foi, portanto, acatada a tese no abandono paterno filial, que encontra<br />

fundamento jurídico no princípio da afetividade, na solidariedade<br />

familiar, no dever jurídico do não abandono e decorrente<br />

dever jurídico de cuidado. Eis o julgado:<br />

48. REsp 757411/MG; órgão julgador: Qua11a Turma do Superior Tribunal de Justiça;<br />

relator: Ministro Fernando Gonçalves; data do julgamento: 29/11/2005.<br />

55


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

EMENTA. <strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.<br />

COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. l. Inexistem<br />

restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade<br />

civil e o consequente dever de indenizar/compensar<br />

no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico<br />

objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro<br />

não com essa expressão, mas com locuções e termos que<br />

manifestam suas diversas desinências, como se observa do<br />

art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de<br />

cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer<br />

a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso<br />

porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado,<br />

leia-se, o necessário dever de criação, educação e<br />

companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição<br />

legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear<br />

compensação por danos morais por abandono psicológico. 4.<br />

Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade<br />

de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua<br />

prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que,<br />

para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos,<br />

ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada<br />

formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização<br />

do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda,<br />

fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria<br />

tática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita<br />

via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título<br />

de compensação por danos morais é possível, em recurso<br />

especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal<br />

de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso<br />

especial parcialmente provido' 9 •<br />

Em nosso sentir, correto está o posicionamento atual do Superior<br />

Tribunal de Justiça. Isto porque, entre outras questões técnicas e ideológicas<br />

já apresentadas nas linhas anteriores, o abandono configura<br />

crime tipificado no Código Penal em seu art. 244:<br />

Abandono material. Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover<br />

a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito)<br />

anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido<br />

ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando<br />

49. Recurso Especial n. 1.159.242-SP; órgão julgador: Terceira Turma do Superior Tribunal<br />

de Justiça; relatora: Ministra Nancy Andrighi; data do julgamento: 24/04/2012.<br />

56


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão<br />

alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada;<br />

deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente,<br />

gravemente enfermo: Pena - detenção, de i (um) a 4<br />

(quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário<br />

mínimo vigente no País.<br />

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo<br />

solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por<br />

abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento<br />

de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou<br />

majorada.<br />

Mais recentemente, outro julgado no Superior Tribunal de Justiça<br />

tratou do tema. Entretanto, a tese do abandono paterno filial foi<br />

discutida apenas no que concerne à prescrição. A discussão não envolvia<br />

o mérito da (im)possibilidade da reparação civil, mas apenas<br />

se o prazo prescricional para pleitear a aludida indenização seria de<br />

10 anos, a teor do artigo 205 do Código Civil; ou de 3 anos, a teor do<br />

artigo 206, § 3° do Código Civil.<br />

Assim podemos deduzir que, mais uma vez, foi admitida a teoria<br />

do desamor pois, se assim não ocorresse, não se estaria a debater<br />

o prazo prescricional. Afinal de contas prescrição é tema de mérito<br />

a ensejar extinção do feito com este tipo de resolução, ex vi do art.<br />

269, VI do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo Código de Processo Civil (NCPC), o art. 269, VI, passou a ser art.<br />

487, Ili, alínea c, com a seguinte redação:<br />

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:<br />

Ili - homologar:<br />

c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção<br />

Interessante notar ainda que o NCPC inseriu a reconvenção<br />

não mais como peça autônoma, mas agora no bojo<br />

da própria contestação, o que atende aos princípios da<br />

economia, simplificação, celeridade do processo.<br />

57


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Interessante pontuar, porém, que o julgado supracitado tratou de<br />

definir o termo inicial de incidência do referido prazo, considerando<br />

que somente a partir dos is anos completos da suposta vítima é que<br />

se iniciaria a contagem; afinal de contas não corre prescrição entre<br />

ascendentes e descendentes submetidos à autoridade parental (art.<br />

198, do Código Civil) 50 • Eis o conteúdo do julgado:<br />

RESPONSABILIDADE <strong>CIVIL</strong>. RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO,<br />

EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, DE MATÉRIA CONSTITUCIO­<br />

NAL. INVIABILIDADE. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS, POR<br />

ABANDONO AFETIVO E ALEGADAS OFENSAS. DECISÃO QUE JUL­<br />

GA ANTECIPADAMENTE O FEITO PARA, SEM EMISSÃO DE JUÍ­<br />

ZO ACERCA DO SEU CABIMENTO, RECONHECER A PRESCRIÇÃO.<br />

PATERNIDADE CONHECIDA PELO AUTOR, QUE AJUIZOU A AÇÃO<br />

COM 51 ANOS DE IDADE, DESDE A SUA INFÂNCIA. FLU~NCIA DO<br />

PRAZO PRESCRICIONAL A CONTAR DA MAIORIDADE, QUANDO<br />

CESSOU O PODER FAMILIAR DO RÉU. l. Embora seja dever de<br />

todo magistrado velar a Constituição, para que se evite<br />

supressão de competência do egrégio STF, não se admite<br />

apreciação, em sede de recurso especial, de matéria<br />

constitucional. 2 . Os direitos subjetivos estão sujeitos à<br />

violações, e quando verificadas, nasce para o titular do<br />

direito subjetivo a faculdade (poder) de exigir de outrem<br />

uma ação ou omissão (prestação positiva ou negativa),<br />

poder este tradicionalmente nomeado de pretensão. 3.<br />

A ação de investigação de paternidade é imprescritível,<br />

tratando-se de direito personalíssimo, e a sentença que<br />

reconhece o vínculo tem caráter declaratório, visando<br />

acertar a relação jurídica da paternidade do filho,<br />

sem constituir para o autor nenhum direito novo, não<br />

podendo o seu efeito retrooperante alcançar os efeitos<br />

passados das situações de direito. 4. O autor nasceu no<br />

ano de 1957 e, como afirma que desde a infância tinha<br />

conhecimento de que o réu era seu pai, à luz do disposto<br />

nos artigos 9°, 168, 177 e 392, Ili, do Código Civil de<br />

1916, o prazo prescricional vintenário, previsto no Código<br />

50. Código Civil. Art. 197. Não corre a prescrição: 1- entre os cônjuges, na constância<br />

da sociedade conjugal; li - entre ascendentes e descendentes, durante o poder<br />

familiar; Ili - entre tutelados ou cura tela dos e seus tutores ou curadores, durante<br />

a tutela ou curatela.<br />

58


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

anterior para as ações pessoais, fluiu a partir de quando<br />

o autor atingiu a maioridade e extinguiu-se assim o "pátrio<br />

poder". Todavia, tendo a ação sido ajuizada somente<br />

em outubro de 2008, impõe-se reconhecer operada a<br />

prescrição, o que inviabiliza a apreciação da pretensão<br />

quanto a compensação por danos morais. 5. Recurso especial<br />

não providos 1 •<br />

Da leitura do acórdão se percebe sufragou o egrégio Superior<br />

Tribunal de Justiça entendimento n sentido de que o prazo apenas se<br />

iniciaria da maioridade, ante a causa suspensiva já trabalhada. Mas<br />

qual seria este prazo?<br />

Como o julgado em comento trabalhava com questão relacionada<br />

à época do Código Civil de 1916, o acórdão trabalho com o prazo de<br />

20 (vinte) anos. Entrementes, recorda-se, que atualmente o prazo<br />

prescricional na hipótese é de 3 (três) anos, haja vista dizer respeito<br />

à reparação civil, aplicando-se a regra específica do art. 2o6, parágrafo<br />

3, inciso V do cc. Obviamente, como já salientado, tal prazo<br />

deve iniciar sua fluência após o término do Poder Familiar, porquanto<br />

a causa impeditiva do art. 197, 1 do CC.<br />

3.1.2. Repercussões lnfraconstitucionais do Princípio do Afeto. Em<br />

Especial: A Síndrome da Alienação Parental<br />

O princípio do afeto já é capaz de gerar, até mesmo, a edição de<br />

algumas normas. A guisa de exemplo, observe-se que, na apreciação<br />

dos pedidos de guarda, tutela ou mesmo de adoção, o Estatuto da<br />

Criança e do Adolescente determina que se considere não apenas<br />

o grau de parentesco, como também a relação de afinidade ou afetividade.<br />

Sobre a quoestio vide o artigo 28, §§ 20 e 3º do ECA - Lei n.<br />

8.o69/90:<br />

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante<br />

guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação<br />

jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. ( ... )<br />

§ 2° Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será<br />

necessário seu consentimento, colhido em audiência.<br />

51. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1298576/RJ; órgão julgador: Quarta Turma do<br />

Superior Tribunal de Justiça; relator: Ministro Luis Felipe Salomão; data do julgamento:<br />

21/o8/2012.<br />

59


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

§ 3° Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de<br />

parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a<br />

fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da<br />

medida.(. .. )<br />

O Código Civil também utiliza o afeto como um dos critérios definidores<br />

da guarda, como se vê no artigo 1.583, § 2°, inciso I; segundo<br />

o qual "O afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar" deve<br />

ser um dos fatores considerados na busca pelo genitor que tenha<br />

melhor aptidão para criar seu filho_<br />

Neste contexto surge o problema da Síndrome da Alienação Parental<br />

ou Padrectomia, a qual consiste na implantação de falsas memórias<br />

por parte de um genitor terceiro (alienador), em face de um descendente<br />

(alienado), a fim de prejudicar um outro genitor (alienado<br />

também). Essa agressão milita contra o princípio da sócioafetividade,<br />

porque implica na destruição do afeto; dos princípios e valores constitucionais<br />

e fraternos que bem orientam a dignidade da pessoa humana.<br />

O direito fundamental de convivência é posto em xeque.<br />

o primeiro a sistematizar um estudo sobre tema na seara médica,<br />

nos idos de 1985, foi o norte americano Richard A. Gadner', psiquiatra<br />

infantil da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade<br />

de <strong>Col</strong>umbia, New York, New York.<br />

Segundo Richard A. Gardner' 3 , consiste a Síndrome da Alienação<br />

Parental em:<br />

" ... um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente<br />

no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua<br />

manifestação preliminar é a campanha denegritória contra<br />

um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e<br />

que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação<br />

das instruções de um genitor (o que faz a "lavagem cerebral,<br />

programação, doutrinação") e contribuições da própria<br />

criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a<br />

52. Recent trends in divorce and custody litigation. lheAmdem,I lauT1, 2').<br />

53. Richard A. Gardner foi o criador da Síndrome da Alienação Parental, no ano de<br />

i985, passando, a partir de então, a também diferenciá-la da Alienação Parental,<br />

sendo a primeira uma espécie desta última. Ele é Membro do Depanamento<br />

de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de<br />

<strong>Col</strong>umbia, New York, New York, EUA.<br />

60


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade<br />

da criança pode ser justificada, e assim a explicação<br />

de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da<br />

criança não é aplicável."<br />

Esta Síndrome é considerada uma verdadeira agressão, por vezes<br />

mais danosa do que aquelas de caráter físico ou sexual, por prejudicar<br />

o desenvolvimento da psiqué da criança ou do adolescente,<br />

o que acaba por determinar uma deformação no próprio caráter do<br />

ser humano, atingido na sua base de formação psicológica.<br />

Diante dos prejuízos causados ao menor em virtude da alienação<br />

parental, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu as seguintes<br />

decisões:<br />

REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PA­<br />

RENTAL. Evidenciada o elevadíssimo grau de beligerância<br />

existente entre os pais que não conseguem superar suas<br />

dificuldades sem envolver os filhos, bem como a existência<br />

de graves acusações perpetradas contra o genitor que se<br />

encontra afastado da prole há bastante tempo, revela­<br />

-se mais adequada a realização das visitas em ambiente<br />

terapêutico. Tal forma de visitação também se recomenda<br />

por haver a possibilidade de se estar diante de quadro de<br />

síndrome da alienação parental. Apelo provido em parte.<br />

(SEGREDO DE JUSTIÇA) (TJRS, Apelação Cível N° 70016276735,<br />

Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado<br />

em 18/10/2006).<br />

APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E<br />

AVÓS MATERNOS. SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADE­<br />

ADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI. l. Não merece<br />

reparos a sentença que, após o falecimento da mãe,<br />

deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir<br />

todas as condições necessárias para proporcionar a filha um<br />

ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu<br />

saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar a figura paterna,<br />

geradora da síndrome de alienação parental, só milita<br />

em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão<br />

das visitas aos avós, a ser postulada em processo<br />

próprio. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJRS, Apelação Cível<br />

no 70017390972, Sétima Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil<br />

Santos, Julgado em 13/06/2007).<br />

67


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Um dos elementos fundamentadores para a aplicação da Síndrome<br />

da Alienação Parental ao Direito da Família é a defesa do<br />

princípio do melhor interesse da criança (proteção integral) que,<br />

diferentemente daquele instituto de aplicação recente, surgiu em<br />

2813, nos Estados Unidos 5 4, sob a nomenclatura de "Best interest of<br />

the child". Este princípio influenciou a redação da Constituição da<br />

República Federativa do Brasil de 1988 - no seu art.227 - assegurando<br />

o tratamento "com absoluta prioridade" 55 à criança e o adolescente.<br />

Diante da prioridade do interesse do menor, deve ser preservada<br />

não só a sua integridade física, mas também a mental, sendo<br />

coibida a imputação de falsas memórias acerca de um dos genitores.<br />

No Brasil o tema se desenvolveu incialmente na doutrina, sendo<br />

importante a referência ao pioneiro artigo de Maria Berenice Dias 56 •<br />

Na jurisprudência, a mencionada autora fora Relatora de um referenciado<br />

julgamento sobre o assunto, no Tribunal de Justiça Gaúcho 57 ,<br />

ordenando a manutenção do menor sob a guarda provisória da avó<br />

paterna, ante a verificação de possível alienação parental.<br />

Com o crescimento do debate sobre o assunto, brotou a Lei Federal<br />

n° 12.318/2010, a qual dispõe sobre a alienação parental. Esta<br />

é conceituada como o ato de interferência na formação psicológica<br />

da criança ou do adolescente, promovido ou induzido por um dos<br />

genitores, avós ou ainda por quem tenha o infante sob sua autoridade,<br />

guarda ou vigilância para que repudie o genitor, causando<br />

"prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este"<br />

(artigo 2°).<br />

54. O caso que deu origem à criação do princípio do melhor interesse do menor,<br />

surgido nos EUA, foi o julgamento Commonwealth vc Addicks, ocorrido realmente<br />

no ano de 1813.<br />

55. Além de influenciar diretamente na construção normativa do texto da Constituição<br />

da República do Brasil, o princípio do melhor interesse da criança demonstra<br />

ainda mais seu caráter essencial ao se fazer presente na Convenção Internacional<br />

dos Direitos da Criança, de 1989, introduzida no Brasil pelo Decreto nº<br />

99.710/90, arts.3º3 e 5º.<br />

56. Síndrome da Alienação Parental. O que é isso? Jus Navegandi. Teresinha, ano 10,<br />

n 1119, 25 jul. 2oo6.<br />

57. TJRS, 7 e. Cív., Al70014814479, Rei. Des. Maria Berenice Dias, j. 07.o6.2oo6.<br />

62


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Aqui se tem mais uma evidência normativa de que o afeto está<br />

presente como valor impregnado de significado constitucional. Tanto<br />

é assim que o artigo 3° do citado Diploma arremata: "A prática de<br />

ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do<br />

adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização<br />

do afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar", constituindo<br />

grave abuso moral, além do descumprimento dos deveres<br />

inerentes à autoridade parental ou decorrentes da tutela, ou mesmo<br />

da guarda.<br />

Verificado o início do ato de alienação parental, ordena o art. 4°<br />

da Lei Especial que, a requerimento ou de ofício, será determinada a<br />

tramitação prioritária da demanda, sendo determinada, com urgência,<br />

a oitiva do Ministério Público e as medidas protetivas ao menor,<br />

inclusive com a busca de reaproximação com o genitor.<br />

Neste cenário, frisa-se, o suposto alienante terá direito mínimo<br />

de visitação assistida, ressalvadas hipóteses de iminente risco de<br />

prejuízo à integridade física ou psicológica do menor.<br />

Acaso seja necessário, é possível ser ordenada perícia psicológica<br />

ou biopsicossocial, como mecanismo probatório importante ao<br />

deslinde do feito. Tal análise será feita por uma equipe multidisciplinar<br />

e deve ser apresentado no prazo de até 90 (noventa) dias,<br />

ressalvada possível prorrogação pelo Juiz. Para confecção do laudo<br />

são possíveis entrevistas, exame de documentos, histórico do relacionamento<br />

e tudo o quanto for necessário, na forma do art. 5º do<br />

Diploma em comento.<br />

Caracterizada a aludida alienação, na forma do art. 6° do Lei<br />

em análise: "o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo<br />

da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização<br />

de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus<br />

efeitos, segundo a gravidade do caso: 1 - declarar a ocorrência de<br />

alienação parental e advertir o alienador; li - ampliar o regime de<br />

convivência familiar em favor do genitor alienado; Ili - estipular multa<br />

ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou<br />

biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda<br />

compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do<br />

domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da<br />

autoridade parental".<br />

63


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ademias "caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização<br />

ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter<br />

a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente<br />

da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos<br />

de convivência familiar".<br />

Por fim, nas pegadas do oitavo da norma: "a alteração de domicmo<br />

da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da<br />

competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência<br />

familiar; salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão<br />

judicial".<br />

3.2. Pluralismo das Entidades Familiares<br />

Antes de 1988, o direito nacional apenas enxergava como família<br />

legítima aquela constituída dentro do casamento. o direito, à época,<br />

ia na contramão dos outros ramos do conhecimento. Isto porque,<br />

como lembra Paulo Luiz Netto Lôboss, a antropologia, a sociologia, a<br />

psicanálise, a psicologia, dentre outros ramos do saber, não delimitavam<br />

a família ao casamento.<br />

Apenas com a Constituição Federal de 1988 que tal equívoco fora<br />

desfeito. Inovando o direito nacional, informa e Constituição Cidadã<br />

no seu art. 226 que "A famma, base da sociedade, tem especial<br />

proteção do Estado". Passa, então, a legislação brasileira a fornecer<br />

instrumentário ao operador do direito para a tutela dos diversos<br />

arranjos familiares.<br />

Ainda neste mesmo artigo, o constituinte aborda como núcleos<br />

familiares típicos o casamento (parágrafos primeiro e segundo), a<br />

união estável (parágrafo terceiro) e a família monoparental (vertical,<br />

pois formada por quaisquer dos pais e seus descendentes, a exemplo<br />

de um viúvo e sua prole, conforme o parágrafo quarto).<br />

A doutrina, fazendo a leitura do artigo em comento, questiona­<br />

-se: as famílias enumeradas na Constituição Federal são taxativa ou<br />

exemplificativas?<br />

Um dos primeiros doutrinadores a levantar esta problemática foi<br />

Paulo Lôbo, em um artigo científico intitulado: Entidades Familiares<br />

58. Op. Cit. Pág. 56.<br />

64


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Constitucionalizadas: Para além do numerus dausus 59 • Neste trabalho<br />

acadêmico, o festejado Professor já externava a sua opinião no<br />

sentido de que a enumeração constitucional em comento é exemplificativa,<br />

sendo plenamente possível a inclusão de novos núcleos<br />

familiares; núcleos atípicos.<br />

Esta pluralidade de núcleos familiares é festejada pelo Superior<br />

Tribunal de Justiça, o qual entende que nos casos de adoção, deve<br />

prevalecer sempre o melhor interesse da criança, priorizando as<br />

relações afetivas, sendo assim, admitida a possibilidade do casal homoafetivo<br />

adotar. Neste julgado, o STJ acolheu a dupla maternidade:<br />

"MENORES. ADOÇÃO. UNIÃO HOMOAFETIVA. Cuida-se da possibilidade<br />

de pessoa que mantém união homoafetiva adotar duas<br />

crianças (irmãos biológicos) já perfilhadas por sua companheira.<br />

É certo que o art. 1° da Lei n. 12.010/2009 e o art. 43 do ECA<br />

deixam claro que todas as crianças e adolescentes têm a garantia<br />

do direito à convivência familiar e que a adoção fundada<br />

em motivos legítimos pode ser deferida somente quando<br />

presentes reais vantagens a eles. Anote-se, então, ser imprescindível,<br />

na adoção, a prevalência dos interesses dos menores<br />

sobre quaisquer outros, até porque se discute o próprio direito<br />

de filiação, com consequências que se estendem por toda a<br />

vida. Decorre daí que, também no campo da adoção na união<br />

homoafetiva, a qual, como realidade fenomênica, o judiciário<br />

não pode desprezar, há que se verificar qual a melhor solução<br />

a privilegiar a proteção aos direitos da criança. (. .. )Assim,<br />

impõe-se deferir a adoção lastreada nos estudos científicos<br />

que afastam a possibilidade de prejuízo de qualquer natureza<br />

às crianças, visto que criadas com amor, quanto mais se verificado<br />

cuidar de situação tática consolidada, de dupla maternidade<br />

desde os nascimentos, e se ambas as companheiras<br />

são responsáveis pela criação e educação dos menores, a elas<br />

competindo, solidariamente, a responsabilidade. Mediante o<br />

deferimento da adoção, ficam consolidados os direitos relativos<br />

a alimentos, sucessão, convívio com a requerente em<br />

caso de separação ou falecimento da companheira e a inclusão<br />

dos menores em convênios de saúde, no ensino básico e<br />

superior, em razão da qualificação da requerente, professora<br />

59. Revista Brasileira de Direito de Família - RBDFam. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM n<br />

i2, jan./mar.2002.<br />

65


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

universitária. Frise-se, por último, que, segundo estatística do<br />

CNJ, ao consultar-se o Cadastro Nacional de Adoção, poucos<br />

são os casos de perfiliação de dois irmãos biológicos, pois há<br />

preferência por adotar apenas uma criança. Assim, por qualquer<br />

ângulo que se analise a questão, chega-se à conclusão de<br />

que, na hipótese, a adoção proporciona mais do que vantagens<br />

aos menores (art. 43 do ECA) e seu indeferimento resultaria<br />

verdadeiro prejuízo a eles. (REsp 889.852-RS, Rei. Min. Luis<br />

Felipe Salomão, julgado em 27/4/2010).<br />

Isto porque uma hermenêutica constitucional fincada na dignidade,<br />

igualdade e liberdade não pode ter como resultado a limitação<br />

de formas no exercício do afeto. Em um direito repersonificado e<br />

despersonalizado, a tutela é do ser humano, e não do arranjo familiar<br />

puramente. Protege-se a família para proteger o seu integrante<br />

(família instrumento). Assim, pouco importa o arranjo familiar, mas<br />

sim a dignidade de seus integrantes.<br />

Tal conclusão também é encontrada pela simples leitura do art.<br />

226 da CF/88. Com efeito, quando o caput fala, genericamente, sobre<br />

a proteção estatal das famílias, não a direciona apenas aos modelos<br />

estabelecidos nos parágrafos, deixando clara a tessitura normativa<br />

aberta da questão.<br />

Nessa senda, em havendo afetividade, estabilidade e convivência<br />

pública (ostentabilidade) tem-se como possível o encaixe na norma<br />

inclusiva de família do art. 226 da CF/88. Infere-se, portanto, que a<br />

família tem uma função social, a qual traduz a necessidade de tutela<br />

do ser, integrante deste arranjo familiar. Por este motivo, tornou­<br />

-se imperativo o reconhecimento da união estável entre pessoas do<br />

mesmo sexo, quando atendidos os requisitos legais:<br />

"União homoafetiva. Reconhecimento. Princípio da dignidade<br />

da pessoa humana e da igualdade. É de ser reconhecida judicialmente<br />

a união homoafetiva mantida entre duas mulheres<br />

de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A<br />

homossexualidade é um fato social que se perpetua através<br />

dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de<br />

emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo<br />

afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que<br />

caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade<br />

de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do<br />

66


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas<br />

constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de<br />

privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade<br />

da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento<br />

ao apelo# (TJRS, Apelação Cível 70012836755, 7• Câmara Cível,<br />

Relatora Maria Berenice Dias, julgado em 21/12/2005).<br />

Ainda em uma leitura sistemática, tendo como tábua interpretativa<br />

as normas nacionais e os tratados internacionais, percebe-se que<br />

a conclusão sobre o caráter exemplificativo das famílias permanece.<br />

o Brasil é signatário de uma Convenção Internacional celebrada<br />

na Indonésia e que contou com a participação da Comissão de<br />

Direitos Humanos da ONU, quando, então, foi elaborada uma Carta<br />

de Princípios (Princípios da Yogyakarta), cuja principal característica<br />

será traduzir recomendações dirigidas a todas as nações.<br />

No bojo desta carta de princípios exsurge o de número 24,<br />

segundo o qual toda pessoa tem o direito de constituir uma<br />

família, independente de sua orientação sexual ou identidade<br />

de gênero.<br />

É possível afirmar, pois, que, internacionalmente, já se entende<br />

algo muito simples: as famílias existem em diversas formas e<br />

nenhuma família pode ser sujeita à discriminação com base na<br />

orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer de seus<br />

membros.<br />

Os Princípios da Yogyakarta recomendam aos Estados Estrangeiros<br />

que adotem todas as medidas legislativas, administrativas necessárias<br />

para assegurar o direito de constituir família, inclusive<br />

pelo acesso à adoção ou procriação assistida (incluindo inseminação<br />

de doador), sem discriminação por motivo de orientação sexual ou<br />

identidade de gênero.<br />

A procriação assistida é vista como um direito internacional, devendo<br />

os Estados Nacionais reconhecerem a diversidade de formas<br />

de família, incluindo aquelas não definidas por descendência ou<br />

casamento, e tomar todas as medidas legislativas, administrativas<br />

e outras medidas necessárias para garantir que nenhuma família<br />

possa ser sujeita à discriminação com base na orientação sexual ou<br />

67


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

identidade de gênero de qualquer de seus membros, inclusive no<br />

que diz respeito à assistência social relacionada à família e outros<br />

benefícios públicos, emprego e imigração.<br />

~ Como o Supremo Tribunal Federal se Pronunciou sobre o assunto?<br />

Esta carta de princípios serviu de fundamento ao julgamento realizado<br />

pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 477554-MG. Ali se valorizou a<br />

função contramajoritária da jurisdição constitucional em nítido reconhe·<br />

cimento da necessidade em se dar eficácia horizontal aos direitos fundamentais<br />

em face das relações privadas.<br />

Nessa ordem de ideias, em uma interpretação dos direitos e<br />

garantias constitucionais pautada também naqueles incorporados<br />

por tratados e acordos internacionais (art. 5, parágrafo segundo da<br />

CF/88), pode-se afirmar, mais uma vez, a enumeração exemplificativa<br />

do art. 226 da CF/88.<br />

Em sendo o rol exemplificativo, quais arranjos poderiam ser incluídos?<br />

A doutrina, em um esforço construtivo, vem fazendo a inserção<br />

de novas entidades familiares, as quais passam a ser visitadas.<br />

A primeira delas é a família anaparental. Criação do Professor Sérgio<br />

Resende de Barros 6o, consiste naquela em que inexiste a presença<br />

de um pai, mas cujo núcleo familiar persiste, porquanto o afeto.<br />

Exemplifica-se com dois irmãos que residem juntos. Trata-se, por conseguinte,<br />

de uma família horizontal sob o ponto de vista genealógico.<br />

~ Como decidiu o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu tutela a este arranjo<br />

familiar, ao informar a impenhorabilidade de imóvel no qual residiam<br />

dois irmãos, por considerá-lo bem de família (REsp 159.851-SP / 1998).<br />

A segunda entidade que habita o rol exemplificativo é a família<br />

reconstituída, também denominada como recomposta, recombinada<br />

ou esamblada (esta última expressão advinda do direito<br />

argentino). Tal núcleo familiar decorre de novas núpcias ou união<br />

6o. Direitos Humanos e Direito de Família. 2002. Disponível em: . Acesso em: 24 maio 2007.<br />

68


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

estável. Percebe-se quando alguém que é casado, por exemplo, se<br />

divorcia, e passa a constituir uma nova união. Neste caso há filhos<br />

do casamento pretérito, filhos na nova união, atual companheira ...<br />

Verifica-se que a dignidade e o afeto abre os poros das relações<br />

familiares, tornando-se a família plural, múltipla, submetendo-se a<br />

rol não exaustivo. Dentro desse contexto, hoje não se deve ter mais<br />

a ideia negativa de padrasto e madrasta, por exemplo. Destarte,<br />

hoje já é possível, até mesmo, o acréscimo do sobrenome do padrasto<br />

ou da madrasta, desde que haja a concordância de todos os<br />

envolvidos (art. 57, parágrafo oitavo da Lei 6.015/73).<br />

Ainda perquirindo o rol exemplificativo, o Supremo Tribunal Federal,<br />

por mais de uma oportunidade, afirmou ser o núcleo homoafetivo<br />

(também chamada de união livre) uma entidade familiar, adentrando<br />

a tutela do art. 226 da CF. Registra-se que recentemente o STF<br />

foi além; pois após reconhecer como entidade familiar, permitiu a<br />

aplicação por analogia das regras da união estável à união homoafetiva.<br />

Sobre o tema, vide a ADPF 132-RJ e a ADI 3300/DF.<br />

Este entendimento é compartilhado pelo Superior Tribunal de Justiça,<br />

no seu informativo n° 472, do ano de 2011:<br />

UNIÃO HOMOAFETIVA. ENTIDADE FAMILIAR. PARTILHA.<br />

É possível aplicar a analogia para reconhecer a parceria homoafetiva<br />

como uma das modalidades de entidade familiar.<br />

É necessário demonstrar a presença dos elementos essenciais<br />

à caracterização da união estável - entidade que serve<br />

de parâmetro diante da lacuna legislativa -, exceto o da diversidade<br />

de sexos, quais sejam: convivência pública, contínua<br />

e duradoura estabelecida com o objetivo de constituir<br />

família e sem os impedimentos do art. 1.521 do CC/02 (salvo<br />

o do inciso VI em relação à pessoa casada separada de fato<br />

ou judicialmente). REsp 1.085.646, rei. Min. Nancy Andrighi,<br />

11.5.11. 2• S. (lnfo 472, 2011).<br />

Enxergando a família como instrumento de proteção do ser humano,<br />

o Superior Tribunal de Justiça passou a defender a tese da existência<br />

de uma família unipessoal (singte), formada por uma única pessoa<br />

(viúvo, padre, solteiro, divorciado ... ) e considerada com entidade familiar<br />

para fins da proteção do bem de família (Súmula 364 do STJ).<br />

69


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Malgrado a enumeração exemplificativa, o Supremo Tribunal<br />

Federal não vem inserindo o concubinato como entidade familiar.<br />

conferindo ao mesmo meros efeitos obrigacionais, com partilha do<br />

patrimônio adquirido pelo esforço em comum, nos moldes da sociedade<br />

de fato (Informativos 509, 519 e Súmula 380 do STF). É cediço,<br />

porém, que a doutrina caminha no sentido de incluir o concubinato<br />

no rol de entidades familiares. O tema será verticalizado no capítulo<br />

dedicado ao direito convivencial.<br />

Voltando ao rol de famílias legitimadas, impende ressaltar que o<br />

legislador constituinte não construiu uma escala afetiva. Não há de<br />

se falar em uma escala de importância das entidades. o casamento<br />

não é mais importantes do que a união estável, e esta não é mais<br />

importante do que a monoparental, a qual não é superior a anaparental.<br />

..<br />

O constituinte apenas preocupa-se em veicular o rol de famílias,<br />

tutelando as mais diversas formas de afeto. A depender do enquadramento,<br />

o legislador infraconstitucional trabalha com os regimes<br />

protetivos.<br />

3.3. Solidariedade Familiar<br />

Podemos afirmar com segurança que a solidariedade familiar decorre<br />

da própria noção constitucional e principiológica da solidariedade<br />

social (d. artigo 3°, inciso 1 da Constituição). Nas pegadas da Lex<br />

Legum são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil<br />

construir uma sociedade livre, justa e solidária. Ora, se a família é a<br />

base da sociedade e se esta sociedade há de ser erigida pela teia<br />

da solidariedade social, é inegável concluir pela existência lógica do<br />

princípio da solidariedade familiar. enquanto consectário necessário<br />

do objetivo fundamental republicano.<br />

Não estamos sozinhos neste entendimento. Ao contrário, isto é<br />

o que sustenta a doutrina atual, a exemplo de Flávio Tartuce e José<br />

Fernando Simão 6 ':<br />

61. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 7•<br />

Edição, Método, 2012.<br />

70


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

"A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamenta/<br />

da República federativa do Brasil pelo artigo 3°, /, da CF, no<br />

sentido de buscar uma sociedade livre, justa e solidária. Por<br />

essas razões, esse princípio acaba repercutindo nas relações<br />

familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos<br />

pessoais. Isso justifica, entre outras coisas, o pagamento<br />

de alimentos. "<br />

Acreditamos que a solidariedade é a dimensão coletiva da dignidade<br />

da pessoa humana, dentro de uma concepção metaindividual,<br />

exógena, estritamente relacionada com o advento dos direitos sociais<br />

e, particularmente, a função social da família 6 ' .<br />

• Neste contexto, um precedente do Superior Tribunal de Justiça<br />

que demonstra a solidariedade familiar para além do casamento:<br />

"ALIMENTOS x UNIÃO ESTÁVEL ROMPIDA ANTERIORMENTE AO<br />

ADVENTO DA LEI N° 8.971, DE 29.12.94. A união duradoura<br />

entre homem e mulher, com o propósito de estabelecer<br />

uma vida em comum, pode determinar a obrigação de<br />

prestar alimentos ao companheiro necessitado, uma vez<br />

que o dever de solidariedade não decorre exclusivamente<br />

do casamento, mas também da realidade do laço familiar.<br />

Precedente da Quana Turma" (STJ, REsp 102.819/RJ,<br />

Relator Ministro Barros Monteiro, Quana Turma, julgado<br />

em 23/11/1998, DJ 12/04/1999).<br />

Também é certo afirmar acerca da solidariedade social em termos<br />

de perspectiva infraconstitucional se imaginarmos que o Código Civil<br />

de hoje elegeu a eticidade como princípio geral das relações privadas<br />

brasileiras 63 • A própria noção de boa-fé objetiva, enquanto regra<br />

de conduta imposta pelo art. 113 do CC, exige o comportamento das<br />

partes pela tessitura da solidariedade familiar.<br />

Nesta concepção fraterna e solidária é que se legitima o dever<br />

de pagamento dos débitos alimentares em decorrência da relação<br />

de parentesco. O art. i.694 do CC bem exemplifica esta possibilidade.<br />

62. Sobre o tema é interessante a consulta a obra Coordenada por Guilherme Calmon<br />

Nogueira da Gama sobre o tema, intitulada Função Social no Direito Civil.<br />

63. Caso esteja o leitor em busca de maiores informações acerca dos princípios<br />

atinentes ao Direito Civil, indica-se a leitura do Volume X desta coleção, a qual<br />

dedica-se a Parte Geral do Direito Civil e se debruça sobre o tema.<br />

77


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Nele a legislação afirma que: "Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros<br />

pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para<br />

viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para<br />

atender às necessidades de sua educação#.<br />

Desta maneira, entende o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul<br />

ser aplicável o referido dispositivo legal para legitimar o pedido de<br />

alimentos por parte do filho maior.<br />

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO. ALIMENTOS. FILHA<br />

MAIOR. Com o alcance da maioridade os alimentos postulados<br />

não se escudam mais no dever de sustento dos pais<br />

para com os filhos menores, nos moldes do art. I.566, inc.<br />

IV, do CCB - de presumida a necessidade-, mas na obrigação<br />

existente entre parentes como prevê o art. I.694 e seguintes<br />

do CC. Assim, a prova da necessidade do postulante e<br />

da possibilidade de quem se exige os alimentos, é condição<br />

essencial ao deferimento do pedido. RECURSO PROVIDO. (TJRS,<br />

Apelação Cível n° 70025816208, Oitava Câmara Cível, Relator:<br />

Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 11/09/2oo8).<br />

Acerca desta solidariedade proveniente da relação de parentesco,<br />

a banca FUNCAB, na prova para o cargo de Delegado de Polícia<br />

- ES, ano de 2013, trouxe as seguintes assertivas como verdadeiras:<br />

"li. O advento da maioridade não extingue, automaticamente,<br />

o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser<br />

devidos em razão do poder familiar, passando a ter fundamento<br />

nas relações de parentesco.<br />

Ili. A continuidade do pagamento dos alimentos após a<br />

maioridade, ausente a continuidade dos estudos, somente<br />

subsistirá caso haja prova da necessidade de continuar a<br />

recebê-los, o que caracterizaria fato impeditivo, modificativo<br />

ou extintivo desse direito, a depender da situação.<br />

IV. O Código Civil vigente, ao regular as relações de parentesco<br />

em linha reta, não estipula limitação dada sua infinidade,<br />

de modo que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral<br />

comum sempre serão consideradas parentes entre si,<br />

por mais afastadas que estejam as gerações".<br />

Aliás, esta solidariedade social se revela presente no art. 229<br />

da CF, ao impor tanto aos pais, quanto aos filhos menores, o dever<br />

recíproco de amparo.<br />

72


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Este dever-direito, concernente aos alimentos e que será aprofundado<br />

em capítulo próprio, "é recíproco entre pais e filhos, e extensivo<br />

a rodos os ascendentes", como adverte o art. i.696. Justo<br />

por isto não estão os alimentos condicionados a questão da idade,<br />

já havendo Súmula no sentido de que o cancelamento da pensão<br />

alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão<br />

judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos (Súmula<br />

358, STJ).<br />

O fato gerador dos alimentos se justifica na solidariedade familiar.<br />

Como a família não é necessariamente biológica, podendo surgir<br />

por laços civis de adoção ou sócioafetividade, pode-se mesmo<br />

concluir, à guisa da solidariedade familiar, que o aludido princípio é<br />

aplicável tanto em face daqueles que se unem pelo sangue, como<br />

para toda e qualquer outra pessoa que integra uma família. Prova<br />

disto é que os alimentos serão excepcionalmente devidos mesmo<br />

quando o cônjuge é "declarado culpado" na separação judicial, como<br />

prescreve o art. i.704 do CC. De tal modo, a decisão do Tribunal de<br />

Justiça do Distrito Federal e Territórios:<br />

EMENTA: <strong>CIVIL</strong>. APELAÇÃO. SEPARAÇÃO /UDICIAL LITIGIOSA. ALIMEN­<br />

TOS ARBITRADOS EM FAVOR DO CÔNJUGE CULPADO PELA SEPARA­<br />

ÇÃO. POSSIBILIDADE. VALOR. De acordo com o Código Civil (art.<br />

i.704, parágrafo único), o cônjuge declarado culpado pela<br />

separação fará jus aos alimentos indispensáveis à sua sobrevivência<br />

se, além de provar a sua necessidade e a possibilidade<br />

do ex-cônjuge de prestá-los, não puder exercer<br />

atividade remunerada, nem tiver parentes de quem possa<br />

exigir alimentos. (T/DFT, ia Turma Cível, Apelação Cível n.<br />

20070310078524APC, Relator: Des. Natanael Caetano, julgado<br />

em 01/04/2009).<br />

3.4. Igualdade entre os Consortes<br />

O modelo democrático e igualitário de família não mais permite<br />

enxergá-la sobre o direcionamento de apenas um dos consortes.<br />

Assim, diuturnamente não mais se fala em pátrio poder ou chefe de<br />

família, haja vista ser defasada a noção da sobreposição paterna<br />

sobre os demais membros da entidade familiar.<br />

73


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Tal premissa, hoje consolidada, sofria resistência no passado. Na<br />

época romana, o pater fammas (varão), tinha o ius vitae et necis, o<br />

qual consistia em poder de vida e morte sobre todos os integrantes<br />

do seu núcleo familiar (esposa e filhos). A esposa, neste cenário,<br />

era reduzida à condição análoga de filha, tenho o marido, além do<br />

poder decisório sobre sua vida, a gestão única de todo o patrimônio<br />

familiar.<br />

Na atual concepção igualitária, não mais há de se falar em pátrio<br />

poder, mas sim em poder familiar. Este é exercido em igualdade de<br />

condições entre os consortes, seja na criação dos filhos, na eleição<br />

do domicílio ou na gestão patrimonial. Tal noção de isonomia decorre<br />

dos artigos 5 e 226 da CF/88.<br />

Esta igualdade entre os consortes contaminou o Código Civil,<br />

por exemplo, na questão do acréscimo do sobrenome no momento<br />

do matrimônio. No modelo primitivo, na hipótese de matrimônio<br />

a esposa acrescia o patronímico do marido. Hodiernamente<br />

há isonomia e liberdade. Os consortes poderão (e não deverão)<br />

acrescer o sobrenome do outro, livremente, acaso desejarem.<br />

Assim, apenas um consorte poderá acrescer, ambos ou nenhum<br />

(art. i565 do CC).<br />

Esta igualdade entre os consortes também pode ser verificada<br />

com a emancipação da mulher no atual cenário, também se admitindo<br />

o pedido de alimentos por parte do cônjuge homem. o Superior<br />

Tribunal de Justiça vem considerando excepcionais e temporários os<br />

alimentos entre os cônjuges, avaliando o binômio necessidade do<br />

alimentando/possibilidade do alimentando, bem como a possibilidade<br />

de reinserção do ex-cônjuge alimentando no mercado de trabalho,<br />

a partir o caso concreto.<br />

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS E RECONVEN­<br />

ÇÃO - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO-OCORRÊNCIA,<br />

NA ESPÉCIE - JULGAMENTO EXTRA PETITA - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO<br />

DO DISPOSITIVO LEGAL TIDO POR VIOLADO - INCIDÊNCIA ANALÓGI­<br />

CA DO ENUNCIADO N. 284 DA SÚMULA/STF - OBRIGAÇÃO ALIMEN­<br />

TÍCIA - CARÁTER TRANSITÓRIO - ADMISSIBILIDADE - PRECEDENTES<br />

- HIPÓTESE APLICÁVEL AO CASO DOS AUTOS - RECURSO ESPECIAL<br />

IMPROVIDO.<br />

74


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

[ ... ) Ili - Admite-se o caráter transitório conferido à obrigação<br />

alimentícia, porquanto a fixação de alimentos por tempo<br />

determinado, dependente da análise do caso concreto,<br />

constitui instrumento de motivação para que o alimentando<br />

procure meios próprios de subsistência, para que não<br />

permaneça, por tempo indeterminado, em ociosidade, a<br />

depender do conforto material propiciado pelos alimentos<br />

que lhe são prestados pelo ex-cônjuge, sendo esta a hipótese<br />

dos autos;<br />

IV - Recurso especial improvido. (STJ, REsp 1112391/SP, Rei.<br />

Ministra NANCY ANDRIGHI, Rei. p/ Acórdão Ministro MASSAMI<br />

UYEDA, Terceira Turma, julgado em 07/04/2011, DJe 23/05/2011).<br />

Já no ano de 2008, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça<br />

havia consolidado a seguinte tese:<br />

"[ ... ] por força dos usualmente reconhecidos efeitos patrimoniais<br />

do matrimônio e também com vistas a não tolerar a<br />

perpetuação de injustas situações que reclamem solução no<br />

sentido de perenizar a assistência, optou-se por traçar limites<br />

para que a obrigação de prestar alimentos não seja utilizada<br />

ad aeternum em hipóteses que não demandem efetiva<br />

necessidade de quem os pleiteia.<br />

Dessa forma, em paralelo ao raciocínio de que a decretação<br />

do divórcio cortaria toda e qualquer possibilidade de se<br />

postular alimentos, admite-se a possibilidade de prestação<br />

do encargo sob as diretrizes consignadas nos arts. i.694 e<br />

ss. do CC/02, o que implica na decomposição do conceito<br />

de necessidade, à luz do disposto no art. i.695 do CC/02,<br />

do qual é possível colher os seguintes requisitos caracterizadores:<br />

a) a ausência de bens suficientes para a manutenção daquele<br />

que pretende alimentos; e<br />

b) a incapacidade do pretenso alimentando de prover, pelo<br />

seu trabalho, à própria mantença. (grifo nosso).<br />

Não é simples, porém, a adoção desses critérios aparentemente<br />

objetivos, porquanto devem incidir sobre eles, elementos<br />

outros, revestidos de elevada subjetividade, que informarão<br />

os limites do recíproco dever de alimentar" (REsp<br />

75


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

933355/SP, Rei. Ministra NANCY ANORIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado<br />

em 25/03/2008, DJe 11/04/2008).<br />

Curioso, porém, que apesar da premissa da isonomia, em uma<br />

leitura pela lente constitucional do direito civil, percebem-se algumas<br />

incongruência legislativas, as quais passam a ser apontadas.<br />

Inicialmente, é estranho o critério de competência para as ações<br />

de separação, anulação de casamento e conversão da separação em<br />

divórcio. Com efeito, o art. ioo, 1 do CPC propugna ser competente o<br />

foro, em tais situações, da residência da mulher.<br />

E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o Novo Código de Processo Civil (NCPC) modificou a regra elencada no<br />

art. ioo, 1, do CPC, de forma que para as ações de separação, divórcio e<br />

anulação de casamento, o foro competente será o seguinte:<br />

Art. 53 (NCPC). É competente o foro:<br />

1 - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento<br />

e reconhecimento ou dissolução de união estável:<br />

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;<br />

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;<br />

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no<br />

antigo domicílio do casal;<br />

o NCPC avançou para assimilar entendimento já consolidado no Superior<br />

Tribunal de Justiça no sentido de fixar a competência levando em<br />

consideração o melhor interesse, a proteção integral e a prioridade<br />

absoluta da criança e do adolescente, à luz do artigo 227 da Constituição<br />

Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com efeito,<br />

o NCPC coaduna-se com a Súmula 383 do Superior Tribunal de Justiça,<br />

a qual fixa o foro daquele que estiver com a guarda do menor como<br />

competente para processar e julgar demandas que lhe digam respeito.<br />

Como pode?<br />

Se há isonomia, não há porque haver privilégio.<br />

Destarte, em um ultrapassado cenário de submissão feminina,<br />

a norma até se justificaria, visando uma igualdade material e conferindo<br />

proteção diferenciada à mulher. Isto, porém, não sobrevive<br />

hodiernamente, ante a ascensão feminina.<br />

76


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Dessa forma é possível sustentar a tese da não recepção do<br />

artigo 100, 1 do CPC, devendo ser aplicada a regra geral de com ­<br />

petência para ações de natureza pessoal, a qual propugna como<br />

foro competente do domicílio do réu (art. 94 do CPC). Apesar de tal<br />

consideração doutrinária, os Tribunais persistem aplicando o art.<br />

100, 1 do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo Código de Processo Civil (NCPC), o art. 94 do CPC ainda vigente,<br />

passou a ser art. 46, sem qualquer mudança significativa.<br />

~ Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

o Superior Tribunal de justiça já referendou que se houver interesse de<br />

menor em jogo, a competência será a do domicílio daquele que possuir<br />

a guarda do menor, ante ao princípio da proteção integral.<br />

Neste sentido firma a Súmula 383 do STJ que " a competência para processar<br />

e julgar ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do<br />

foro do domicílio do detentor de sua guarda".<br />

Outra questão interessante relacionada a isonomia diz respeito<br />

a Lei Maria da Penha (Lei 1i.340/2006). O artigo primeiro da aludida<br />

norma informa que o escopo da lei é coibir e prevenir a violência<br />

doméstica e familiar contra a mulher.<br />

Não há dúvidas que, historicamente, a violência doméstica se<br />

dirige preponderantemente da figura masculina à feminina . Todavia,<br />

isto não quer significar a ausência de tutela da vítima (masculina) na<br />

situação oposta (agressão feminina).<br />

Malgrado mais rara, há registros de agressões femininas. Há ca ­<br />

sais, inclusive, nos quais a completude física da mulher é superior<br />

a do homem. Neste cenário, deve ser aplicada a tutela da Lei Maria<br />

da Penha?<br />

O tema é polêmico. Todavia, já há decisões ordenando a aplicação,<br />

a exemplo de uma datada de 2008, oriunda do Estado de Cuiabá.<br />

O Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, a época titular do Juizado<br />

Especial Criminal Unificado de Cuiabá, entendeu pela aplicação da<br />

Lei Maria da Penha para proteção de um cidadão, que sofria agressões<br />

físicas, psicológicas e financeiras por parte de sua ex-mulher<br />

(autos 107 4/2008). Tal notícia foi veiculada no site do CONJUR.<br />

77


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Nessa esteira de pensamento, plenamente possível, até mesmo, a<br />

aplicação das tutelas específicas decorrentes da Lei Maria da Penha<br />

em favor do homem, como o mandado de distanciamento (restrição<br />

de aproximação). Sobre o tema, consultar o volume dedicado à Parte<br />

Geral, especificamente o capítulo relacionado aos Direitos da Personalidade.<br />

Tais ideais, registra-se, ainda carecem de uma maior consolidação<br />

jurisprudencial, devendo o futuro aprovado acompanhar as decisões<br />

dos Tribunais superiores sobre o assunto.<br />

Outra situação que causa estranheza é a possibilidade de escusa<br />

da tutela por parte da mulher casada (art. i.736, 1 do CC). Segundo o<br />

Código Civil, é possível que a mulher casada, nomeada como tutora,<br />

se escuse do exercício do encargo. Mas por qual motivo a mulher<br />

casada possui tal prerrogativa e o homem casado não a tem?<br />

Hoje resta ultrapassado um modelo familiar no qual a mulher<br />

apenas se dedica aos afazeres domésticos, enquanto o homem se<br />

lança no mercado de trabalho. Em muitas situações ocorre justo o<br />

inverso.<br />

Afinal, porque a mulher casada poderia se escusar e o homem<br />

casado? Porque apenas quem está em casamento poderia se escusar<br />

e quem está em união estável não poderia?<br />

Remete a norma ao ultrapassado período no qual apenas a mulher<br />

se dedicava aos afazeres doméstico, merecendo reforma. Neste sentido,<br />

caminha com acerto o Enunciado 136 do CJF, ao advertir que não há<br />

qualquer justificativa para autorizar às mulheres casadas a se escusar<br />

da tutela, aspecto que vai de encontro ao princípio da igualdade, seja<br />

entre homem e mulher; seja entre casamento e união estável.<br />

Em síntese, nos parece igualmente inconstitucional a norma em<br />

comento. Destarte, mais uma vez tal posicionamento é doutrinário,<br />

carecendo o tema de uma consolidação jurisprudencial.<br />

3.5. Melhor Interesse<br />

Uma das mais significativas mudanças de paradigma que o direito<br />

civil-constitucional experimentou foi a que inseriu a criança e o adolescente<br />

na condição de sujeito de direitos privilegiados, submetidos<br />

à proteção integral e à prioridade absoluta. O artigo 203 da CF/88<br />

reconhece o direito de assistência social a ser prestado a quem dela<br />

78


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

necessitar, independentemente de contribuição, destacando, todavia,<br />

que a mesma terá como objetivo a família, a maternidade, a<br />

infância e a adolescência (inciso 1), enfatizando, logo após (inciso 11),<br />

o "amparo às crianças e adolescentes carentes".<br />

Ao dispor sobre a saúde, a lex Fundamentalis, em seu art. 208,<br />

reconhece a garantia à educação básica obrigatória e gratuita dos 4<br />

(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurando, inclusive,<br />

oferta gratuita deste direito a quem dele necessitar (inciso 1). A educação<br />

infantil (inciso IV, art. 208), em creche ou pré-escola, o acesso<br />

aos níveis mais elevados de ensino também ali estão presentes.<br />

Todavia, o mais emblemático dos preceitos constitucionais sobre<br />

o assunto é o do art. 227, o qual impõe à família, à sociedade e ao<br />

Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente, "com absoluta<br />

prioridade", o direito a vida, a educação, a saúde, a alimentação,<br />

ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, o respeito, a<br />

liberdade e a convivência familiar, colocando-os a salvo de qualquer<br />

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade<br />

e opressão.<br />

Sem dúvida, a mera leitura destes preceitos é prova concreta<br />

do garantismo constitucional diferenciado em favor da criança e do<br />

adolescente 6 '.<br />

Por óbvio, o melhor interesse da criança e do adolescente repercute<br />

também nas decisões judiciais acerca da guarda do menor, conforme<br />

o julgado abaixo, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa<br />

Catarina:<br />

"PROCESSO DE DISPUTA DE GUARDA ENTRE AVÓS MATERNOS E PAI.<br />

SEPARAÇAO DO CASAL, SEGUIDA DO FALECIMENTO DA MÃE, ENTÃO<br />

GUARDIÃ DA MENOR, NA OCASIÃO COM QUATRO ANOS DE IDADE.<br />

SENTENÇA QUE DEFERE A GUARDA AO CASAL DE IDOSOS. INSURGÊN­<br />

CIA DO GENITOR. ARGUMENTO DE DESATENDIMENTO AO MELHOR<br />

INTERESSE DA CRIANÇA. NOTÍCIA DO PASSAMENTO DA AVÓ, SU­<br />

PERVENIENTE À PROLAÇAO DA DECISÃO. GUARDA SUBSISTENTE NA<br />

PESSOA DO AVÔ, DE 76 ANOS. AUSÊNCIA DE DEPOIMENTO PESSOAL<br />

DAS PARTES E DE LAUDO PSICOSSOCIAL DA ATUAL COMPANHEIRA<br />

64. Como será visto adiante, a Constituição também assegura proteção diferenciada<br />

ao idoso. Justo por isto, ao lado do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)<br />

existe o Estatuto do Idoso, ambos vigentes no Brasil.<br />

79


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

DO APELANTE, EM QUE PESEM AS ACUSAÇÕES DE AGRESSIVIDADE<br />

PARA COM A INFANTE. NECESSIDADE DE NOVOS ESTUDOS NOS LARES<br />

DOS ENVOLVIDOS, BEM COMO SUA OITIVA. CAUTELA INDISPENSÁVEL<br />

À CONCRETIZAÇAO DOS <strong>DIREITO</strong>S CONSTITUCIONALMENTE ASSEGU­<br />

RADOS À MENOR QUE, APESAR DA TENRA IDADE, EXPERIMENTOU<br />

SOFRIMENTOS E PERDAS SIGNIFICATIVAS. DETERMINADA A COMPLE­<br />

MENTAÇAO DA INSTRUÇAO COM A CONVERSÃO DOS AUTOS EM DILl­<br />

G~NCIA" (TJSC. AC: 20130350534 SC, Relator: Ronei Danielli, Data<br />

de julgamento: 14/08/2013, Sexta Câmara de Direito Civil).<br />

Tudo isto é revelado pela doutrina e pela jurisprudência como<br />

um princípio denominado de melhor interesse. Sim, a lex legum não<br />

confere à infância e juventude uma proteção qualquer. Ao contrário<br />

disto, o Poder Constituinte é firme e claro ao demonstrar o seu desejo<br />

em outorgar, na hipótese, diferenciada proteção jurídica.<br />

Portanto, o princípio do melhor interesse é fundamento para dirimir<br />

conflitos que envolvam crianças e adolescentes, conferindo uma<br />

proteção especial ao menor. Assim se posicionou o Superior Tribunal<br />

de Justiça, no Informativo n° 492, do ano 2012, ao tratar da destituição<br />

do poder familiar:<br />

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. AÇÃO AJUIZADA PELO MP. DE­<br />

FENSORIA PÚBLICA. INTERVENÇÃO. 2. Compete ao MP, a teor do<br />

art. 201, Ili e VIII do ECA, promover e acompanhar o processo<br />

de destituição do poder familiar, zelando pelo efetivo respeito<br />

aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e<br />

adolescentes. 3. Resguardados os interesses da criança e do<br />

adolescente, não se justifica a nomeação de curador especial<br />

na ação de destituição do poder familiar. (REsp i.176.512, rei.<br />

Min. Maria 1. Gallotti, j. 1°.p2. 4• Turma).<br />

Outra demonstração clara do cuidado jurídico dado pelo Poder<br />

Constituinte à infância e juventude reside no fato de excluí-las da<br />

incidência do âmbito penal. O art. 228 da CF é claro ao dispor serem<br />

penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos apenas<br />

às normas da legislação especial. Eis mais uma comprovação do<br />

reconhecimento acerca de uma melhor interesse para estes sujeitos<br />

de direito, que ainda se encontram em fase de desenvolvimento<br />

bio-psíquico e, justamente por isto, não poderiam merecer a mesma<br />

normatização dos adultos.<br />

80


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Em arremate, o art. 229 do Texto Constitucional submete os pais<br />

ao dever jurídico de assistir, criar e educar os filhos menores, numa<br />

nítida demonstração da situação jurídica de vulnerabilidade destes<br />

a exigir a previsão normativa.<br />

Ousaríamos afirmar, a guisa destas reflexões, que a criança e o<br />

adolescente possuem - quantitativa e qualitativamente - mais direitos<br />

do que os adultos em geral. De fato, além de possuírem todos<br />

os direitos que o adulto possui, também serão titulares do direito à<br />

proteção integral e à prioridade absoluta.<br />

Como veremos logo adiante, o Brasil é signatário de uma Convenção<br />

Internacional celebrada na Indonésia e que contou com a<br />

participação da Comissão de Direitos Humanos da Organização das<br />

Nações Unidas (ONU). Nesta convenção surgiu o que se resolveu denominar<br />

de Princípios da Yogyakarta, ou seja, recomendações aos<br />

Estados Estrangeiros para que adotem certas medidas (legislativas e<br />

administrativas) necessárias à proteção das famílias.<br />

O Princípio de n. 24 traz referências à criança e ao adolescente e<br />

recomendam aos estados que adotem todas as medidas necessárias<br />

para assegurar que, em todas as ações e decisões relacionadas a<br />

crianças, sejam consideradas pelas instituições sociais públicas ou<br />

privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos,<br />

o melhor interesse da criança, e que a orientação sexual ou<br />

identidade de gênero da criança ou de qualquer membro da família<br />

ou de outra pessoa não devem ser consideradas incompatíveis com<br />

esse melhor interesse. Também se garante à criança e ao adolescente<br />

"opiniões pessoais que possam exercitar o direito de expressar essas<br />

opiniões livremente, e que as crianças recebam a devida atenção, de<br />

acordo com sua idade e a maturidade".<br />

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu ser possível que regras<br />

processuais civis quanto à competência sejam mitigadas pelo princípio<br />

do melhor interesse da criança e do adolescente:<br />

PROCESSO <strong>CIVIL</strong>. REGRAS PROCESSUAIS. GERAIS E ESPECIAIS. DI­<br />

REITO DACRIANÇA E DO ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA. ADOÇÃO E<br />

GUARDA. PRINCÍPIOSDO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO JUÍZO<br />

IMEDIATO. i. A determinação da competência, em casos de<br />

disputa judicial sobrea guarda - ou mesmo a adoção - de infante<br />

deve garantir primazia ao melhor interesse da criança,<br />

87


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mesmo que isso implique em flexibilização de outras normas.<br />

2. o princípio do juízo imediato estabelece que a competência<br />

para apreciar e julgar medidas, ações e procedimentos<br />

que tutelam interesses, direitos e garantias positivados no<br />

ECA é determinada pelo lugar onde a criança ou o adolescente<br />

exerce, com regularidade, seu direito à convivência<br />

familiar e comunitária. 3. Embora seja compreendido como<br />

regra de competência territorial, o an. 147. 1 e li, do ECA<br />

apresenta natureza de competência absoluta. Isso porque a<br />

necessidade de assegurar ao infante a convivência familiar<br />

e comunitária, bem como de lhe ofenar a prestação jurisdicional<br />

de forma prioritária, conferem caráter imperativo à<br />

determinação da competência. 4. O princípio do juízo imediato,<br />

previsto no an. 147. 1 e li, do ECA, desde que firmemente<br />

atrelado ao princípio do melhor interesse da criança e do<br />

adolescente, sobrepõe-se às regras gerais de competência<br />

do CPC. 5. A regra da perpetuatio jurisdictionis, estabelecida<br />

no an. 87 do CPC, cede lugar à solução que oferece tutela<br />

jurisdicional mais ágil, eficaz e segura ao infante, permitindo,<br />

desse modo, a modificação da competência no curso do processo,<br />

sempre consideradas as peculiaridades da lide. 6. A<br />

aplicação do an. 87 do CPC, em contraposição ao an. 147. 1 e<br />

li, do ECA, somente é possível se - consideradas as especificidades<br />

de cada lide e sempre tendo como baliza o princípio<br />

do melhor interesse da criança - ocorrer mudança de domicílio<br />

da criança e de seus responsáveis depois de iniciada a<br />

ação e consequentemente configurada a relação processual.<br />

7. Conflito negativo de competência conhecido para estabelecer<br />

como competente o Juízo suscitado. (STJ - CC: 111130 se<br />

2010/0050164-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento:<br />

08/09/2010, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação:<br />

DJe 01/02/2011).<br />

3.6. Proteção ao Idoso<br />

Assim como ocorre em face da criança e do adolescente, o art.<br />

203 da CF/88 prevê assistência social diferenciada ao idoso ao prescrever<br />

em seu inciso 1 o objetivo da seguridade pública de proteção<br />

"à velhice". No art. 230 a Lei Maior impõe à família, a sociedade e ao<br />

Estado o "dever de amparar as pessoas idosas", de modo a assegurar<br />

a sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem<br />

estar.<br />

82


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Nessa esteira de pensamento, percebe-se que o idoso também<br />

é titular de tratamento jurídico-constitucional diferenciado, inclusive<br />

no que concerne aos programas públicos de amparo à velhice e a<br />

gratuidade nos transportes coletivos urbanos aos maiores de sessenta<br />

e cinco anos.<br />

Registre-se que é louvável a devida referência àqueles que sobreviveram<br />

às batalhas da vida e agora se encontram com menos<br />

vigor em seus corpos físicos. Este dever jurídico existencial, diríamos<br />

de solidariedade para com os idosos, é ratificado no plano infraconstitucional,<br />

pela Lei n. 10.741/03, particularmente os artigos 11<br />

e 12. Inegavelmente há um direito fundamental a envelhecer, como<br />

bem posto no REsp 775.565-SP.<br />

Compulsando a diferenciada proteção jurídica ao idoso, importante<br />

é a menção aos artigos 11 e 12 do Estatuto do Idoso. Segundo<br />

o art. 11 "Os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil",<br />

aspecto que, de rigor, não constitui novidade alguma. Entrementes, o<br />

art. 12 do referido Estatuto traz inédito preceito legal. De acordo com<br />

o preceito normativo a obrigação alimentar é solidária, razão pela<br />

qual o idoso está autorizado a optar entre os prestadores.<br />

Trata-se de importante regra a interferir, inclusive, no plano do<br />

direito processual civil, ao possibilitar o chamamento ao processo,<br />

instituto de intervenção de terceiros admissível para "todos os devedores<br />

solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles,<br />

parcial ou totalmente, a dívida" (CPC. art. 77, Ili).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo Código de Processo Civil (NCPC) o art. 77, Ili, do CPC ainda vigente,<br />

passou a ser 130, Ili. Interessante notar que o instituto da assistência<br />

passou a ser expressamente considerado pelo NCPC como modalidade<br />

de inteivenção de terceiros. Por outro lado, a oposição deixou de ser<br />

caso de intervenção de terceiro, tornando-se procedimento especial de<br />

jurisdição contenciosa. Outrossim, fora suprimido o instituto da nomeação<br />

à autoria como forma de intervenção de terceiros<br />

Neste caso, o devedor de alimentos (réu no processo de cobrança<br />

manejado pelo idoso) deve requerer - no prazo da con ­<br />

testação - a citação do codevedor (solidário), denominado tecnicamente<br />

de chamado, a fim de que o juiz de direito possa, na<br />

83


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mesma sentença, aferir "as responsabilidades dos obrigados" (CPC,<br />

art. 78).<br />

E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo Código de Processo Civil (NCPC) o art. 78 do CPC ainda vigente,<br />

passou a ser art. 131, com a seguinte redação:<br />

Art. 131. A citação daqueles que devam figurar em litisconsórcio<br />

passivo será requerida pelo réu na contestação<br />

e deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias,<br />

sob pena de ficar sem efeito o chamamento.<br />

~ Como este assunto foi abordado pelo Superior Tribunal de Justiça?<br />

No REsp 775.565-SP o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o<br />

idoso é credor solidário de seus descendentes. o fundamento jurídico<br />

decorre da previsão normativa própria (Estatuto do Idoso, art.<br />

12), bem como pela principiologia constitucional de uma diferenciada<br />

proteção.<br />

Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos<br />

em face de um dos filhos. Chamamento da outra filha para integrar<br />

a lide. Definição da natureza solidária da obrigação de prestar alimentos<br />

à luz do Estatuto do Idoso.<br />

- A doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afirmar que o<br />

dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza<br />

solidária, porque é conjunta.<br />

- A Lei 10.741/2003, atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar<br />

alimentos quando os credores forem idosos, que por força da sua natureza<br />

especial prevalece sobre as disposições específicas do Código<br />

Civil.<br />

- O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública (art. 3°), assegura celeridade<br />

no processo, impedindo intervenção de outros eventuais devedores<br />

de alimentos.<br />

- A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a<br />

opção entre os prestadores (art. 12).<br />

Recurso especial não conhecido.<br />

(REsp 775565/SP; órgão julgador: Terceira Turma do Superior Tribunal<br />

de Justiça; relatora: Ministra Nancy Andrighi; data do julgamento:<br />

13/06/2006)<br />

84


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Em suma-síntese: o idoso tem a possibilidade de pleitear alimentos<br />

contra quem ele quiser, sem que tenha que observar qualquer<br />

benefício de ordem. Os alimentos, para o idoso, são pautados pela<br />

solidariedade. Isto, porém, não implica em quebra do sistema da<br />

subsidiariedade. A lei pode discriminar, e o faz constantemente, veiculando<br />

solidariedades legais (art. 265 do CC/02). A questão é saber<br />

se a discriminação está pautada em justa causa, razoabilidade<br />

e proporcionalidade. Trata-se de opção do legislador. De fato, em<br />

tratando-se do idoso, dúvidas não há sobre a legitimação deste tratamento<br />

mais benéfico.<br />

Uma questão interessante, porém, neste momento há de ser posta.<br />

Qual a razão da solidariedade legal em comento apenas existir no<br />

que tange aos idosos, não sendo aplicável para os menores? Seria<br />

isonômico e equânime tal diferenciação, haja vista que ambos merecem<br />

proteção estatal diferenciada?<br />

Apesar da colocação supra, ante a inexistência de norma expressa,<br />

não há de se falar em solidariedade para os alimentos devidos<br />

a menores. Talvez na seara da constitucionalidade possa se pensar<br />

ou em uma extensão da solidariedade dos devedores, para beneficiar<br />

aos menores, ante o paradigma da proteção integral; ou em um<br />

afastamento da solidariedade para os idosos, buscando isonomia.<br />

Pensamos que a primeira saída é a melhor, pois devemos igualar<br />

para proteger, e não para desamparar.<br />

O tema, porém, carece de um tratamento doutrinário e jurisprudencial<br />

mais verticalizado. Temos que aguardar a questão ser ventilada<br />

nos Tribunais Superiores para, então, consolidar o entendimento<br />

concursai sobre o assunto.<br />

3-7. Isonomia Filial<br />

A igualdade entre os filhos marca o texto constitucional (art. 226 e<br />

227), o Código Civil (arts. i.596, i.803 e i.834 do CC) e a jurisprudência<br />

(Súmula 447 do STF).<br />

Nos dias de hoje, um filho não poderá ter tratamento diferenciado<br />

em relação aos demais, independentemente da origem da<br />

filiação. A histórica distinção filial entre legítimos e ilegítimos não<br />

85


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mais permanece. Pouco imporia se o filho decorre de um casamento,<br />

união estável, namoro, adoção, relação incestuosa, relação concubinária,<br />

sócioafetividade ... Os direitos serão os mesmos. Com espeque<br />

na dignidade da pessoa humana, os direitos serão iguais, sem nenhum<br />

tipo de discriminação.<br />

Neste sentido, o julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS CUMULADA COM<br />

MODIFICAÇÃO DE GUARDA - ALIMENTOS PROVISÓRIOS - INSURGÊNCIA<br />

COM O QUANTUM FIXADO - OBSERVÂNCIA AO BINÔMIO NECESSIDA­<br />

DE E POSSIBILIDADE - ORIENTAÇÃO DO ART. 1.694. § 1°, DO CÓDI­<br />

GO <strong>CIVIL</strong> - PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS - RECURSO<br />

PARCIALMENTE PROVIDO. "[ ... ] Não apontada justificativa para<br />

diferenciação entre os alimentos prestados aos dois filhos e<br />

ausente a demonstração da vontade de revisão da obrigação<br />

fixada ao filho anterior, ao menos neste momento de cognição<br />

sumária, devem as verbas alimentares ser equiparadas, diante<br />

do princípio da igualdade entre os filhos (art. 227, § 6°, da<br />

CRFB/88)" (TJ-SC - AI: 87092 SC 2009.008709-2, Relator: Fernando<br />

Carioni, Data de Julgamento: 24/09/2009, Terceira Câmara de<br />

Direito Civil).<br />

Tal isonomia contamina tanto o prisma material, como o moral.<br />

Assim, perpassar por igualdade no direito sucessório, nos alimentos<br />

e no cuidado, inserindo-se aqui a indenizatória por abandono afetivo<br />

(tema já abordado neste capítulo).<br />

3.8. Facilitação da Dissolução do Casamento<br />

Conforme será tratado em capítulo específico sobre o tema, o casamento<br />

hoje é visto pela doutrina majoritária como um contrato. Em<br />

sendo assim, a sua permanência está intimamente ligada ao desejo<br />

de ambas as panes permanecerem em matrimônio. Dessa forma, o<br />

desejo de término do vínculo, ainda que unilateral, deve ocasionar<br />

a sua extinção. Na preciosa lição de Cristiano Chaves de Farias e<br />

Nelson Rosenvald 65 :<br />

65. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Vol. 6. 4.<br />

ed. Salvador: jusPodivm, 2012.<br />

86


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

"É certo e incontroverso que todo projeto afetivo, inclusive<br />

o casamento, tende, naturalmente, à permanência. Não há<br />

casamento que seja celebrado pensando em sua dissolução.<br />

É preciso observar, de qualquer maneira, que muito mais<br />

relevante do que a manutenção de um casamento com sacrifício<br />

da felicidade dos cônjuges (e, no final das contas,<br />

com a violação da própria dignidade deles), é o respeito às<br />

liberdades e garantias individuais." (grifamos)<br />

Nesta linha de compreensão, o direito à dissolução do matrimônio<br />

se revela como uma medida jurídica necessária com vistas a concretizar<br />

o direito à liberdade, pois materializa o direito de cada um<br />

dos consortes a promover a cessação de um projeto afetivo comum.<br />

Assim, afirma Luiz Edson Fachin 66 que "a liberdade de casar convive<br />

com o espelho invertido da mesma liberdade, a de não permanecer<br />

casado."<br />

Tal premissa, porém, hoje clara e inabalável, nem sempre existiu<br />

no direito brasileiro. Na gênese do Código Civil de 1916, o casamento<br />

era tido como indissolúvel, haja vista a enorme influência católica.<br />

Tal pensamento contaminava, até mesmo, as Constituições à época.<br />

Neste contexto, o que Deus uniu, o homem não separava.<br />

Apenas em 1977. através da Emenda Constitucional número 9, de<br />

28 de junho de 1977, a qual alterou o parágrafo primeiro do art. 175 da<br />

CF/1967, é que fora autorizado o divórcio. Antes da referida emenda<br />

o que existia era apenas o desquite, o qual coloca fim à sociedade<br />

conjugal, mas não era capaz de extinguir o vínculo matrimonial.<br />

o ingresso do divórcio, porém, foi fruto de grande controvérsia e<br />

timidez. No seu advento apenas era possível em uma única oportunidade,<br />

exigindo, para tanto, o longo prazo de 5 (cinco) anos de separação<br />

de fato. Foi com a Constituição Federal de 1988 que o divórcio teve<br />

os seus prazos reduzidos, sendo inaugurado um sistema dual sobre o<br />

tema: a) divórcio por conversão, no qual se convertia a separação em<br />

divórcio, após um ano da separação judicial ou da medida cautelar<br />

de separação de corpos e b) o divórcio direto, o qual não exigia a<br />

separação prévia, mas demandava dois anos de separação de fato.<br />

66. FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: Elementos críticos à luz do Novo Código<br />

Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.<br />

87


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ainda no curso da facilitação da dissolução, a Lei 7.841/89 aboliu<br />

a limitação de apenas um divórcio, instituída pela Lei 6.515/77. Nasceu,<br />

então, o divórcio plural. Em 2007 adveio a Lei li.441, data de<br />

4 de janeiro, regulamentada pela Resolução 35 do CNJ. Esta norma,<br />

ao inserir o art. i.124-A do CPC, trouxe a possibilidade do divórcio<br />

extrajudicial, em cartório, por escritura pública e sem necessidade<br />

de homologação judicial, desde que, cumulativamente:<br />

a) Todos os envolvidos sejam maiores e capazes;<br />

b) Haja consenso;<br />

c) Haja presença do advogado;<br />

d) A escritura pública trate sobre meação, alimentos e sobrenome.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo CPC (NCPC), o art. 1.124-A do CPC ainda vigente, passou a ser o<br />

art. 731, com a seguinte redação:<br />

Art. 73i. A homologação do divórcio ou da separação<br />

consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser<br />

requerida em petição assinada por ambos os cônjuges,<br />

da qual constarão:<br />

1 - as disposições relativas à descrição e à partilha dos<br />

bens comuns;<br />

li - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os<br />

cônjuges;<br />

Ili - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao<br />

regime de visitas; e<br />

IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.<br />

Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a<br />

partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o<br />

divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658.<br />

Interessante notar que o NCPC manteve a disciplina jurídica da separação<br />

judicial, nada obstante as críticas de muitos doutrinadores a respeito<br />

da abolição deste instituto à vista da Emenda Constitucional n• 66/10.<br />

Com efeito, caminha o NCPC com posicionamento doutrinário francamente<br />

minoritário. Veremos como os Tribunais receberão o ressurgimento do<br />

procedimento da separação; se é que a entenderão recepcionada pela<br />

nova ordem constitucional.<br />

88


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Dessa forma, percebe-se que a dissolução do casamento vem<br />

sendo progressivamente facilitada no direito nacional, sendo esta<br />

noção um princípio do direito das famílias, nas pegadas do art. 226<br />

da CF.<br />

3.9. Facilitação da Conversão da União Estável em Casamento<br />

Diante do pluralismo das entidades familiares, o constituinte, expressamente,<br />

informa, a necessidade de facilitação da conversão da<br />

união estável em casamento (at. 226, § 3), o que é abraçado pelo<br />

Código Civil (art. i.726 do CC).<br />

A concepção do comando legislativo é simples. Malgrado não haver<br />

hierarquia entre as entidades familiares, sendo todas abraçadas<br />

pelo Estado, o casamento é dotado de uma maior solenidade. Com<br />

efeito, diferentemente da união estável, o casamento demanda formalidades<br />

preliminares e habilitação, havendo uma atuação estatal<br />

prévia e posterior registro.<br />

Em decorrência desta formalidade exigida por lei para a celebração<br />

do casamento, é que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul<br />

entendeu que a expedição de editais e proclamas não é dispensada<br />

na conversão da união estável em casamento, não representando<br />

obstáculo algum à conversão:<br />

"APELAÇÃO <strong>CIVIL</strong>. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CA­<br />

SAMENTO. EXIGÊNCIA DA EXPEDIÇÃO DE EDITAIS E PROCLAMAS QUE<br />

NÃO SE COADUNA COM A INTENÇÃO LEGAL DE FACILITAÇÃO À CON­<br />

VERSÃO. INCIDÊNCIA DOS PROVIMENTOS N• 027/03 E 039/03 DA CGJ.<br />

A expressa dispensa de proclamas e editais em nada fere a<br />

verificação de fato obstativo ao casamento, pois eventuais<br />

impedimentos que inviabilizariam a realização do casamento<br />

por expressa disposição legal inibem, igualmente, a constituição<br />

da união estável (§ 1° do art. i.723 do CC). Inexistente o<br />

momento da celebração do casamento (art. i.535 do CC), tal<br />

ato é substituído pela sentença, produzindo efeitos a partir<br />

de seu trânsito em julgado, momento em que o casamento<br />

se tem por realizado, nada obstando que o juiz fixe o prazo<br />

a partir do qual a união estável restou caracterizada (art.<br />

i.006, do provimento n• 27/03 da CGJ). Agravo retido rejeitado<br />

e recurso provido, em parte" (Apelação Cível N• 70015o69990,<br />

Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo<br />

Raupp Ruschel, Julgado em 28/02/2007).<br />

89


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Nessa ordem de ideias, deseja o Estado que as pessoas sejam<br />

casadas, com registro em assento civil, com regulação prévia. Por<br />

conta disto aquele que já vivem em um núcleo familiar legítimo<br />

(união estável) haverão de ter facilitada a sua conversão em casamento.<br />

Todavia, malgrado a comando constitucional e civilista existente,<br />

a operabilidade da norma é ruim. Com efeito, informa o Código Civil<br />

que tal conversão dar-se-á através de pedido dirigido ao juiz de<br />

assentamento no Registro Civil. Entretanto, omite-se em relação ao<br />

procedimento.<br />

Esta omissão legislativa já é um erro repetido no direito nacional.<br />

Isto porque o art. 8 da lei 9.276/98 (Lei de União Estável), já asseverava<br />

a possibilidade da conversão da União Estável em casamento,<br />

sem, porém, tratar sobre o procedimento. Naquele contexto, Giselda<br />

Hironaka 6 1 afirmou que consistia na norma na mais inútil das inutilidades,<br />

ante a sua falta de efetivação.<br />

Ainda sobre o procedimento, a Lei de Registros Públicos é silente<br />

sobre o tema.<br />

Por tudo isto, pasmem, por vezes é mais fácil se casar do que<br />

converter a união estável em casamento.<br />

Visando facilitar o procedimento, algumas corregedorias dos Tribunais<br />

de Justiça Estaduais vem regulamentando o assunto. Em alguns<br />

Estados, o casal em união estável converterá em casamento<br />

através de simples pedido, mediante um procedimento mais célere<br />

que dispensa a celebração.<br />

Mas tal conversão tem efeitos ex-tunc ou ex-nunc?<br />

Segundo Rolf Madaleno 68 , a conversão difere da celebração do<br />

casamento. Enquanto na celebração os efeitos são irretroativos (ex­<br />

-nunc), na conversão retroagem (ex-tunc). Ademais, é possível fazermos<br />

diferenciação, ainda, quanto à habilitação para o casamento, a<br />

qual também é irretroativa. Informa o autor:<br />

67. Direito Civil: Estudos. P. 27.<br />

68. Curso de Direito de Família. Belo Horizonte: Dei Rey, 2oo8. Página 813. No mesmo<br />

sentido pensam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (Op. Cit. Pág. 492).<br />

90


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Todavia, a lei autoriza a conversão da união estável em casamento,<br />

no que difere da habilitação do casamento quanto<br />

aos seus efeitos no tempo, considerando que o matrimônio<br />

civil direto tem seus efeitos operados a partir da data da<br />

celebração, sem nenhuma retroação no tempo, seu efeito é<br />

ex-nunc. Já na conversão da união estável em casamento os<br />

efeitos se operam ex-tunc, são retroativos a data do início<br />

da união estável. A conversão difere também da celebração<br />

do casamento típico, porque além da legalização da união<br />

de fato, ocorre igualmente o reconhecimento legal da constituição<br />

de uma família em data precedente ao casamento<br />

formal.<br />

Comungamos da tese de que o pedido há de ser conjunto, pois<br />

a autonomia impõe a manifestação de vontade de ambos especificamente<br />

para o casamento. Sobre o tema, todavia, registra-se haver<br />

posição minoritária propugnando pela conversão através de pedido<br />

unilateral 69 •<br />

Já que no tange aos efeitos patrimoniais, caminhamos com o posicionamento<br />

de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 70 no<br />

sentido de que são ex nunc. Assim, em havendo contrato de convivência<br />

(art. i.725 do CC) este irá viger até a data da celebração do<br />

matrimônio. A partir de então, acaso exista pacto antenupcial, este<br />

produzirá seus efeitos (art. i.653 do CC). Chamamos a atenção, ainda,<br />

que tanto na união estável, como no casamento, o silêncio das<br />

partes levará à incidência do regime de comunhão parcial (arts. i.725<br />

e i.641 do CC).<br />

Neste contexto nada impede que haja um regime bifásico, um<br />

incidindo durante a união estável, e outro na constância do casamento.<br />

Imaginem uma união estável guiada pela comunhão parcial e<br />

um casamento no qual se elege o regime de separação convencional<br />

de bens, mediante pacto antenupcial.<br />

Outrossim, interessante pontuar que o princípio ora em análise<br />

foi o responsável por instrumentalizar o casamento entre pessoas do<br />

69. WELTER, Belmiro Pedro. Estatuto da União Estável. p/ io4.<br />

70. FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: Elementos críticos à luz do Novo Código<br />

Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.<br />

91


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mesmo sexo no Brasil. Explica-se. O Supremo Tribunal Federal através<br />

do julgamento da ADPF 132-RJ, informou que a união homoafetiva é<br />

uma entidade familiar e, como tal, deve ser regida, por analogia,<br />

pelas regras da união estável.<br />

Não tardou para casais do mesmo sexo lavrarem escrituras públicas<br />

de convivência e, a partir delas, tentar a sua conversão em<br />

casamento, o que foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Rio de<br />

Janeiro:<br />

PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. RELACIONAMENTO<br />

HOMOAFETIVO. PEDIDO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM<br />

CASAMENTO. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. IN­<br />

CONFORMISMO DOS REQUERENTES. O Supremo Tribunal Federal,<br />

em decisão proferida na ADI n°. 4-277 /DF, atribuiu eficácia<br />

erga omnes e efeito vinculante à interpretação dada ao art.<br />

i.723, do Código Civil, para excluir qualquer significado que<br />

impeça o reconhecimento das uniões homoafetivas como<br />

entidades familiares, desde que configurada a convivência<br />

pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo<br />

de constituição de família. A Constituição da República<br />

determina seja facilitada a conversão da união estável em<br />

casamento. Portanto, presentes os requisitos legais do art.<br />

i.723, do Código Civil, não há como se afastar a recomendação<br />

constitucional, conferindo à união estável homoafetiva<br />

os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais, tal<br />

como sua conversão em casamento. Precedente do STJ que<br />

admitiu o próprio casamento homoafetivo, a ser realizado<br />

por simples habilitação. ln casu, forçoso é de se concluir<br />

que merece reforma a decisão monocrática, convertendo­<br />

-se a união estável caracterizada nos autos em casamento.<br />

Provimento do recurso. (TJRJ - APL: 72523520128190000<br />

RJ, Relator: Des. Luiz Felipe Francisco, Data de Julgamento:<br />

17/04/2012, Oitava Câmara Cível).<br />

Tal entendimento também é compartilhado pelo Superior Tribunal<br />

de Justiça (REsp 1183378/RS). Este assunto será verticalizado no capítulo<br />

destinado ao matrimônio.<br />

3.10. Planejamento Familiar e Paternidade Responsável<br />

Da leitura do artigo 226 da CF/88, parágrafo sétimo, infere-se<br />

como princípios relativos ao direito das famílias o planejamento familiar<br />

e a paternidade responsável.<br />

92


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Com efeito, segundo a Constituição Federal, fundado nos princípios<br />

da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o<br />

planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado<br />

propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito,<br />

vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais<br />

ou privadas.<br />

O escopo de tal previsão constitucional é evitar núcleos familiares<br />

sem condições de sustento e de manutenção, o que resultaria em<br />

uma natalidade desmedida e problemas de gestão estatal. Justo por<br />

isto deve ser buscado o planejamento familiar.<br />

Apesar deste objetivo, porém, o constituinte trata de resguardar<br />

o direito a liberdade, asseverando ser do casal a decisão acerca<br />

do seu planejamento familiar, cabendo ao Estado, tão somente, um<br />

direcionamento educacional, mediante políticas públicas de esclarecimento.<br />

Em sede infraconstitucional, podemos citar a Lei 9.263/96, a qual<br />

traz políticas específicas sobre o planejamento familiar. Segundo<br />

esta norma, o planejamento em tela consiste no conjunto de práticas<br />

de regulação da fecundidade que garanta iguais direitos de<br />

constituição, limitação ou aumento da prole (art. 2), sendo reconhecido<br />

a todo cidadão o direito de organizar-se em família (art. i).<br />

Nas pegadas da aludida norma, tal planejamento será guiado<br />

por orientações preventivas e educativas, além da garantia de acesso<br />

igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis<br />

para a regulação da fecundidade.<br />

Interessante previsão constante na norma em análise diz respeito<br />

à possibilidade de esterilização artificial voluntária, seja do<br />

homem ou da mulher. Segundo o art. io da Lei 9.263/96, para que<br />

haja o ato de esterilização voluntária, alguns requisitos cumulativos<br />

são necessários:<br />

a) Idade superior a 25 (vinte e cinco) anos ou, pelo menos, a existência<br />

de dois filhos vivos; e<br />

b) Prazo mínimo de 60 (sessenta) dias entre a manifestação da<br />

vontade e o ato cirúrgico. Neste período deve ser prestado ao<br />

93


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

interessado informações acerca da aludida esterilização, possibilitando<br />

o direito a um possível arrependimento.<br />

Quanto à esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes,<br />

o mencionado art. io da Lei 9.263/96, em seu parágrafo 6°,<br />

prevê que somente poderá ocorrer mediante autorização judicial.<br />

É uma situação que deve ser analisada a cada caso concreto, esta<br />

discussão foi trazida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul<br />

antes mesmo de vigorar a aludida lei:<br />

"EMENTA: APELAÇÃO CIVEL. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE. A AÇÃO<br />

CAUTELAR INOMINADA PROPOSTA ENVOLVE CLARO CONFLITO DE IN­<br />

TERESSES ENTRE O CURADOR E SUA CURATELADA, RAZÃO PORQUE<br />

COMPETENTE PARA O JULGAMENTO DA LIDE O JUÍZO DO DOMICÍ­<br />

LIO DA INTERDITADA. 2. MÉRITO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. ES­<br />

TERILIZAÇÃO DE INTERDITA. INEXISTE AMPARO LEGAL, MORAL OU<br />

CIENTÍFICO PARA A PRETENSÃO DE LAQUEADURA DAS TROMPAS DA<br />

INTERDITA. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA" (TJRS - Apelação<br />

Cível n° 596210153, Sétima Câmara Cível, Relator: Des. Eliseu<br />

Gomes Torres, julgado em o6/08/97).<br />

Como decorrência lógica do planejamento familiar, temos a paternidade<br />

responsável. Uma vez gerada a prole, os genitores terão<br />

deveres materiais (sustento) como morais (guarda e educação).<br />

O descumprimento do dever material resultará em possível ação<br />

de alimentos. Uma vez condenado ao pagamento de verbas alimentícias,<br />

o inadimplemento é capaz de ocasionar prisão civil. O tema<br />

alimentos e a sua prisão civil será verticalizado em capítulo específico<br />

desta obra.<br />

Já o inadimplemento do dever moral de cuidado desembocará<br />

em possível ação indenizatória por abandono afetivo, tema já enfrentado<br />

neste capítulo.<br />

Outrossim, também é possível ao futuro aprovado realizar íntimo<br />

diálogo entre a paternidade responsável e a Síndrome da Alienação<br />

Parental (SAP), a qual há foi tratada neste capítulo.<br />

Discussão interessante acerca do planejamento familiar e da paternidade<br />

responsável é a sua relação com o intitulado parto anônimo.<br />

94


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Mas o que seria o parto anônimo?<br />

É factível que no Brasil, anualmente, inúmeros bebês são abandonados<br />

por suas mães logo após o parto, por serem fruto de<br />

uma gestação indesejada. É corriqueira a notícia na imprensa de<br />

recém-nascidos abandonados em latas de lixo, portas de escolas,<br />

creches ...<br />

Com o fito de assegurar a estes bebês o direito a uma vida digna,<br />

foi encaminhado, há alguns anos atrás, pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro<br />

de Direito das Famílias), um Projeto de Lei intitulado com Parto<br />

Anônimo.<br />

Com influência do direito comparado (França, Itália, Bélgica,<br />

Luxemburgo e Estados Unidos), o aludido projeto prevê que gestantes<br />

interessadas em encaminhar seus filhos, logo após o parto,<br />

para a adoção, tenham tratamento diferenciado. Tais gestantes<br />

seria encaminhadas para hospitais, nos quais se desenvolveria<br />

o pré-natal e se daria o parto. Trinta dias após o nascimento, as<br />

crianças seria encaminhadas para adoção, sendo assegurado o<br />

sigilo acerca da genitora sobre sua opção - daí vindo a expressão<br />

parto anônimo.<br />

Juridicamente, a mãe anônima sequer registraria o filho em seu<br />

nome, o que agilizaria, por demais, a adoção, haja vista a desnecessidade<br />

de desconstituição do registro pretérito.<br />

Grande polêmica instalou-se derredor do assunto. Para muitos,<br />

o projeto em tela, ao revés de promover o planejamento familiar e<br />

a paternidade responsável, o desrespeitaria. Seria, para estes, uma<br />

verdadeira reedição da roda dos expostos ou excluídos, a qual era<br />

localizada na dependências externas de Santas Casas de Misericórdia<br />

e era utilizada por pais que, não desejosos da sua filiação, destinavam<br />

seus filhos, recém-nascidos, para outras famílias.<br />

Curiosamente, portanto, um projeto que tinha como escopo promover<br />

o planejamento familiar e a paternidade responsável, perdeu<br />

força, justo por desrespeitá-la.<br />

o que se vê, hoje é, tão somente, uma normatização no ECA que<br />

pode ser aplicada a casos análogos. Trata-se do art. 8°, § 5º, com a<br />

nova redação advinda da Lei Federal no 12.010/09, o qual reconhece<br />

95


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

à gestante direito a orientação jurídica e psicológica para que a mesma,<br />

querendo, submeta-se ao procedimento de adoção, o qual, obrigatoriamente,<br />

acontecerá perante o Juízo da Infância e Juventude, na<br />

forma do art. 13, parágrafo único, também do ECA.<br />

Outro link interessante é a ligação do planejamento familiar com<br />

a guarda compartilhada, tema que merecerá capítulo específico.<br />

3.11. Monogamia: Princípio Familiarista?<br />

Muito se discute na doutrina acerca de ser, ou não, a monogamia<br />

um princípio familiarista.<br />

Segundo Maria Berenice Dias 7 1, não se trata a monogamia de<br />

princípio de índole constitucional, ao passo que a Constituição Federal<br />

não a contempla expressamente e nem implicitamente. Admite<br />

a Constituição Federal, inclusive, a possibilidade de filhos fora das<br />

relações protegidas pelo Estado, com igualdade de direitos em relação<br />

aos filhos legítimos 7 '. Tem-se na monogamia, ainda segundo<br />

a Professora Gaúcha, uma função ordenadora da família, sendo a<br />

uniconjugalidade imposição de ordem moral7 3 •<br />

Como vetor ordenador, percebe-se a presença do ideal monogâmico<br />

em várias passagens do direito.<br />

Na família casamentária, inicialmente o legislador cível aborda o<br />

tema como um impedimento matrimonial. Assim, são impedidos de<br />

se casar aqueles que já são casados (art. 1521, VI). A afronta a este<br />

impedimento consiste em falta grave, apta a levar a nulificação do<br />

matrimônio, ao lado da incapacitação do agente para o ato 7 •.<br />

71. Op. Cit. Pág. 58.<br />

72. Sabe-se que a diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos. este englobando<br />

os adulterinos, incestuosos e clérigos, não mais deve ser utilizada, em razão da<br />

igualdade entre os filhos independentemente de sua origem. Restou utilizado<br />

o signo no texto deste paper apenas como apto a esclarecer didaticamente a<br />

situação.<br />

]3. Este também é o entendimento esposado por Rolf Madaleno (2008, p. 816). Rodrigo<br />

da Cunha Pereira (2oo6, p. 107) chega a afirmar que a monogamia não mais<br />

deve ser enxergada como mera norma moral, mas sim como um preceito básico<br />

e organizador das relações jurídicas das famílias brasileiras.<br />

74. Em verdade, o desrespeito aos impedimentos deve levar à nulidade do<br />

matrimônio, assim como a incapacidade do agente, conforme preleciona o art.<br />

96


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

o princípio da monogamia também se aplica às uniões estáveis,<br />

não sendo admitidas relações simultâneas desta natureza pelo Superior<br />

Tribunal de Justiça:<br />

"<strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÕES ESTÁVEIS SI­<br />

MULTÂNEAS. IMPOSSIBILIDADE. EXCLUSIVIDADE DE RELACIONAMEN­<br />

TO SÓLIDO. CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA JURÍDICA DA UNIÃO ESTÁVEL.<br />

EXEGESE DO § 1° DO ART. 1.723 DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> DE 2002. 1. Para<br />

a existência jurídica da união estável, extrai-se, da exegese<br />

do § 1° do art. i.723 do Código Civil de 2002, fine, o requisito<br />

da exclusividade de relacionamento sólido. Isso porque, nem<br />

mesmo a existência de casamento válido se apresenta como<br />

impedimento suficiente ao reconhecimento da união estável,<br />

desde que haja separação de fato, circunstância que erige a<br />

existência de outra relação afetiva factual ao degrau de óbice<br />

proeminente à nova união estável. 2. Com efeito, a pedra de<br />

toque para o aperfeiçoamento da união estável não está na<br />

inexistência de vínculo matrimonial, mas, a toda evidência, na<br />

inexistência de relacionamento de fato duradouro, concorrentemente<br />

àquele que se pretende proteção jurídica, daí por<br />

que se mostra inviável o reconhecimento de uniões estáveis<br />

simultâneas. 3. Havendo sentença transitada em julgado a reconhecer<br />

a união estável entre o falecido e sua companheira<br />

em determinado período, descabe o reconhecimento de outra<br />

união estável, simultânea àquela, com pessoa diversa. 4. Recurso<br />

especial provido" (STJ - REsp n° 912.926 - RS. 4• Turma.<br />

Relator: Min. Luiz Felipe Salomão. DJ 07/06/2011).<br />

Ainda na seara do campo matrimonial, o adultério e a quebra<br />

do respeito mútuo 75 consistem em grave violação aos deveres do<br />

casamento 76 , a qual pode desembocar na insuportabilidade da vida<br />

i.548 do Código Civil.<br />

75. Nessa linha, na ótica deste autor, desnecessário perquirir sobre a (des)necessidade<br />

de conjunção carnal para configuração do adultério no campo cível. ao<br />

passo que relações com terceiros, até mesmo virtuais, já são aptas a gerar grave<br />

violação ao deveres conjugais, pois desabonadoras do respeito mútuo.<br />

76. Conforme posto no art. i566 do Código Civil.<br />

A doutrina aprofunda acerca desses deveres os desdobrando, abordado a more<br />

uxório e o débito conjugal decorrente da coabitação, e a assistência moral e<br />

material em conseqüência da assistência mútua.<br />

Por conta do recorte temático conferido ao trabalho, infelizmente, não será possível<br />

aprofundar tais temas neste momento, sob pena de completa fuga ao problema<br />

proposto.<br />

97


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

em comum e na separação fundada em culpa 77 , para aqueles que<br />

defendem sua permanência na legislação atual.<br />

Uma vez declarada separação fundada em culpa, mediante reconhecimento<br />

Judicial de que um dos cônjuges infringiu dever conjugal<br />

de maneira grave, o consorte culpado sofre algumas consequências,<br />

como, em regra, a perda do seu direito a alimentos 76 e a possibilidade<br />

de retirada de sobrenome do cônjuge inocente 79 •<br />

Nesta decis-ão, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no que<br />

tange à fixação de alimentos, considera além do elemento necessidade,<br />

a culpa atribuída à cônjuge requerente:<br />

FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM UM SALÁRIO MÍNIMO -<br />

RECURSO DE AMBOS OS CÔNJUGES - PENDÊNCIA DE AÇÃO DE SE­<br />

PARAÇÃO NA QUAL SE ATRIBUI A UM DOS CÔNJUGES A CULPA PELA<br />

RUPTURA DA VIDA EM COMUM - SUSPENSÃO DO DEVER DE PRESTAR<br />

ALIMENTOS- RAZOABILIDADE- PROVA QUANTO À NECESSIDADE-ALI­<br />

MENTOS DECORRENTES DO PARENTESCO - IMPOSSIBILIDADE DE PRE­<br />

SUNÇÃO - POSSIBILIDADE DE O CÔNJUGE REQUERENTE SE MANTER.<br />

i. É prudente, no julgamento do recurso, a manutenção da<br />

decisão pela qual o relator suspendeu o pagamento de pensão<br />

alimentícia à mulher, em razão da pendência da ação de<br />

separação litigiosa proposta pelo marido, na qual atribui ao<br />

cônjuge a culpa pela ruptura da vida conjugal, considerando<br />

77. Essa é a dicção dos arts. 1572, caput, e 1573. este último, inclusive, veiculando<br />

no seu parágrafo cláusula geral capaz de instrumentalizar violações graves a<br />

deveres matrimoniais não elencadas no rol exemplificativo codificado.<br />

Diga-se que há relevante discussão doutrinária sobre a inconstitucionalidade da<br />

separação fundada em culpa, falando por todos a dissertação de mestrado do<br />

baiano Cristiano Chaves de Farias (2006).<br />

78. Excepcionalmente, o cônjuge declarado culpado pode ser credor de alimentos<br />

do inocente, caso não tenha parentes em condição de prestá-los e nem aptidão<br />

para o trabalho (art. 1704 do Código Civil). Malgrado consistir em norma que<br />

promove o direito à vida, verifica-se questionável afronta à eticidade, a qual é<br />

um dos pilares do direito civil.<br />

79. A referida perda relaciona-se ao patronímico acrescido no ato do casamento.<br />

Para que esta ocorra faz-se necessário pedido expresso do cônjuge inocente,<br />

declaração de culpa daquele que vai perder o sobrenome, e ainda a não ocorrência<br />

de uma das hipóteses enunciadas no rol de incisos do art. 1578 do CC:<br />

1 - evidente prejuízo para a sua identificação; li - manifesta distinção entre o<br />

seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; Ili - dano grave<br />

reconhecido na decisão judicial.<br />

98


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

os efeitos que tal declaração detém sobre os alimentos. 2. Os<br />

alimentos requeridos em desfavor do cônjuge não derivam<br />

do poder familiar, mas do parentesco, significando dizer que<br />

a prova da necessidade é imprescindível, sobretudo quando<br />

quem pede é jovem, saudável e detém formação e experiência<br />

profissional. (TJDF - AG: 103211620098070000 DF, Relator:<br />

J.J. Costa Carvalho, Data de Julgamento: 17/03/2010, 2• Turma<br />

Cível).<br />

Na seara dos contratos, há vedação de doações de bens pelo<br />

cônjuge adúltero ao seu cúmplice, sendo passível de anulação pelo<br />

consorte inocente, ou seus herdeiros necessários, no prazo de até<br />

dois anos contados da dissolução da sociedade conjugalso. Diga-se<br />

que a aludida reivindicação dos bens comuns apenas será possível<br />

caso inexista separação de fato há mais de cinco anos, e não reste<br />

comprovado que tal bem foi fruto do esforço comum do adúltero<br />

com o concubino 8 '. A respeito deste tema, assim se pronunciou o<br />

Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL.<br />

RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO. PEDIDO DE ANULAÇÃO<br />

DE DOAÇÃO E PARTILHA DE BEM IMÓVEL. EMBARGOS DE DECLARA­<br />

ÇÃO. DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA ENTRE CÂMARAS RECURSAIS<br />

DE TRIBUNAL ESTADUAL. LEI LOCAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. DO­<br />

AÇÃO DO IMÓVEL OBJETO DO PEDIDO DE PARTILHA EM FAVOR DA<br />

FILHA DO CONCUBINO. CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. AUSÊNCIA DE<br />

PROVA DA CONTRIBUIÇÃO AINDA QUE INDIRETA. [ ... J - A anterior<br />

doação de imóvel pelo concubino em favor de sua filha, na<br />

8o. Interessante questão colocada é acerca da qualidade do bem quando retorna ao<br />

patrimônio do cônjuge inocente ainda na constância do casamento. Consistiria na<br />

rara hipótese em que o cônjuge inocente ajuizou a ação para invalidar a doação,<br />

mas não tem interesse no término do relacionamento. Este bem passa a ser<br />

considerado com patrimônio exclusivo do cônjuge inocente, ou na hipótese de<br />

separação ou divórcio será objeto de meação como aquesto?<br />

O tema não é regulado no Código Civil. Demais disto, a interpretação das sanções<br />

deve ser restritiva. Logo, não se sustenta a tese do retorno como patrimônio<br />

exclusivo. Todavia, de lege /erenda, como mudança legislativa, revela-se interessante<br />

o bem retornar como exclusivo do cônjuge inocente, à título de sanção<br />

pelo ato.<br />

o art. 550 do Código Civil é o que regula o assunto.<br />

8i. Sobre o tema, indica-se a leitura do art. i.642 do Código Civil.<br />

99


-<br />

LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

constância do casamento com a primeira mulher, é questão<br />

peculiar a ser atentamente analisada pelo Juízo - anelada<br />

às demais provas apresentadas pelas partes - nos autos de<br />

ação de reconhecimento de sociedade de fato com o único<br />

fim de obter a partilha do imóvel doado. - Se o TJ/RJ não<br />

reconhece a contribuição da então concubina, mesmo que<br />

indireta, para a aquisição do imóvel, que ela define como<br />

único bem a formar o patrimônio adquirido a título oneroso<br />

por meio do esforço comum na constância do concubinato,<br />

inviável a partilha. - As circunstâncias táticas e probatórias<br />

assim como descritas no acórdão impugnado, revestem-se,<br />

em sede de recurso especial, do manto da imutabilidade.<br />

Recurso especial conhecido mas não provido. (STJ - REsp:<br />

1044072 RJ 2008/0066145-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI,<br />

Data de Julgamento: 12/05/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data<br />

de Publicação: DJe 29/05/2009).<br />

No terreno do direito sucessório, coadunando-se com a vedação<br />

pertinente à doação, proíbe o direito civil à nomeação do concubino<br />

como herdeiro ou legatário do testador casado, salvo se este, sem culpa<br />

sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anosª'.<br />

o objetivo da vedação ao ato de disposição testamentária, assim<br />

como de doação, é justamente proteger o patrimônio advindo da<br />

relação casamentária. Ressalva-se, porém, que sempre é possível a<br />

deixa patrimonial ao filho comum do cônjuge adúltero com o concubino,<br />

pautada no ideal de isonomia filial, previsto constitucionalmente83<br />

e amparado explicitamente no Código Civil 84 .<br />

No tema alimentos, o Código Civilªs ordena extinguir o direito a<br />

alimentos do credor que vier a ter relação concubinária. Ademais, o<br />

concubino não consta no rol de legitimados para o pleito de alimentos86<br />

e é proibido de figurar como beneficiário do seguro de vida do<br />

seu consorte (cônjuge adúltero) 87 .<br />

82. Sobre o tema, indica-se a leitura do art. i.801 do Código Civil.<br />

83. Conforme posto no art. 227 da Constituição Federal.<br />

84. Segundo o art. i.803 do Código Civil<br />

85. É a dicção do art. i.708 do Código Civil.<br />

86. Conforme a leitura do a rt_ i .694 do Código Civil<br />

87. Segundo o a rt. 793 do Código Civil.<br />

700


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Por tudo isto, malgrado a monogamia não ser um princípio familiar,<br />

sem dúvidas, contamina as relações afetivas, ainda que de<br />

forma implícita, em diversas passagens do Código Civil.<br />

3.12. Intervenção Mínima<br />

A doutrina brasileira cível tem se demonstrado preocupada em<br />

relação ao intervencionismo estatal nas relações privadas, especialmente<br />

quando observa a ausência de íusta causa, razoabilidade, ou<br />

mesmo proporcionalidade nas ações estatais mitigadoras da autonomia<br />

privada.<br />

Trata-se de assunto a ser, sempre, resgatado e reafirmado. Longe<br />

de ignorar a importância do Poder Público atuar nas mais diversas<br />

questões que demandam a sua presença, o fato é que não podemos<br />

descuidar da análise crítica sobre o alcance, os motivos e a razão de<br />

ser de cada uma destas atuações.<br />

Também denominado de Direito das Famílias Mínimo, por Cristiano<br />

Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a noção de intervenção<br />

mínima se trata da simples projeção da autonomia privada e,<br />

por conseguinte, do respeito ao ideário da liberdade. Limita-se a<br />

atuação estatal "para assegurar garantias mínimas, fundamentais ao<br />

titular". 88·<br />

Esta afirmação da liberdade humana e da autonomia privada no<br />

direito civil de família há de se fundamentar na própria perspectiva<br />

do garantismo constitucional. A lição é de Leonardo Barreto Moreira<br />

Alves 89 ; em fiel respeito à autodeterminação ante a desistintucionalização<br />

da família (privatização da família).<br />

Correta é a lição de Rodrigo da Cunha Pereira para quem o Estado,<br />

a guisa deste princípio, abandona sua postura de protetor-provedor-assistencialista90.<br />

É possível verificar a positivação deste princípio<br />

88. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Editora jusPodivm, 2012, Volume 6, p.156.<br />

89. ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de<br />

aplicação e o campo de incidência da autonomia privada no Direito de Família.<br />

Rio de Janeiro: Lumen juris, 2010, p. 141.<br />

90. PEREIRA, Rodrigo da Cunha . Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de<br />

Família. Belo Horizonte: Dei Rey, 2006, p.157.<br />

107


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

no art. 100 do ECA, especialmente seu inciso VII, segundo o qual a<br />

intervenção mínima se apresenta de modo a exigir das autoridades<br />

públicas e das instituições uma ação restrita àquilo que for indispensável<br />

à efetiva promoção dos direitos e da proteção da criança e do<br />

adolescente.<br />

A Emenda Constitucional 66/10 que disciplina o novo divórcio no<br />

Brasil, a qualquer tempo e sem a necessidade de motivação, bem<br />

evidencia a presença deste direito mínimo de família, como também,<br />

ilustre-se, o livre planejamento familiar, garantido constitucionalmente<br />

(art. 226, parágrafo sétimo) e, também, pelo Código Civil<br />

(art. i.513).<br />

Livre também devem ser os diversos arranjos familiares, devendo<br />

o Estado intervir o mínimo possível nas novas configurações de<br />

família . Como reflexo deste raciocínio, o Conselho Nacional de Justiça<br />

(CNJ) aprovou a Resolução de n° 175, a qual obriga os cartórios de<br />

todo o país a registrar o casamento civil entre pessoas do mesmo<br />

sexo, admitindo também que sejam convertidas em casamento as<br />

uniões estáveis homoafetivas já registradas.<br />

~ Segue o Informativo 486, ano de 2011, do Superior Tribunal de<br />

Justiça:<br />

CASAMENTO. PESSOAS. IGUALDADE. SEXO. Duas mulheres alegavam<br />

que mantinham relacionamento estável há três<br />

anos e requereram habilitação para o casamento junto<br />

a dois canórios de registro civil, mas o pedido foi negado<br />

pelos respectivos titulares. Posteriormente ajuizaram<br />

pleito de habilitação para o casamento perante a vara de<br />

registros públicos e de ações especiais sob o argumento<br />

de que não haveria, no ordenamento jurídico pátrio, óbice<br />

para o casamento de pessoas do mesmo sexo.<br />

Foi-lhes negado o pedido nas instâncias ordinárias. Nos<br />

dias de hoje, diferentemente das constituições pretéritas,<br />

a concepção constitucional do casamento deve ser plural,<br />

porque plurais são as famílias; ademais, não é o casamento<br />

o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas<br />

o intermediário de um propósito maior. qual seja, a proteção<br />

da pessoa humana em sua dignidade.<br />

102


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

Assim sendo, as famílias formadas por pessoas homoafetivas<br />

não são menos dignas de proteção do Estado se<br />

comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas<br />

por casais heteroafetivos. O que se deve levar em consideração<br />

é como aquele arranjo familiar deve ser levado<br />

em conta e, evidentemente, o vínculo que mais segurança<br />

jurídica confere às famílias é o casamento civil. Assim, se<br />

é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor<br />

protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares<br />

reconhecidos pela CF, não será negada essa via a nenhuma<br />

família que por ela optar, independentemente de<br />

orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias<br />

constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos<br />

núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos,<br />

quais sejam, a dignidade das pessoas e o afeto.<br />

Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo<br />

STJ quanto pelo STF para conceder aos pares homoafetivos<br />

os direitos decorrentes da união estável deve ser utilizado<br />

para lhes proporcionar a via do casamento civil, ademais<br />

porque a CF determina a facilitação da conversão da união<br />

estável em casamento (art. 226, § 3° ). (REsp 1.183.378, rei.<br />

Min. Luis Salomão, julgamento em 25.10.11. 4ª T).<br />

~ Atenção!<br />

Segundo o Enunciado 99 do CJF, aprovado na 1 Jornada em Direito Civil, a<br />

ideia segundo a qual o planejamento familiar é de livre decisão do casal<br />

também deve ser aplicado, por analogia e similitude, às famílias que<br />

vivem em união estável, no que concordamos, afinal de contas onde há<br />

a mesma razão, aplica-se o mesmo direito.<br />

3.13. A Função Social da Família<br />

Conforme estudado no volume dedicado a Parte Geral do Direito<br />

Civil, o vigente Código Civil foi erigido com base em três princípios: a)<br />

eticidade, b) socialidade e c) coloquialidade.<br />

No interessa, neste tópico, relembrar o conceito básico de socialidade,<br />

haja vista decorrer a função social deste ideal.<br />

Socialidade traduz a quebra do paradigma liberal-individual e<br />

a ascensão do paradigma transindividual. É a consagração e a materialização,<br />

na órbita civil, dos princípios do solidarismo social, da<br />

103


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

justiça distributiva e da diminuição das desigualdades sociais, todos<br />

consignados no texto constitucional (art 3°, 1, Ili e IV, e preâmbulo<br />

constitucional).<br />

Em verdade, por meio da socialidade, o Código Civil faz a instrumentalização<br />

do solidarismo social constitucional em três esferas<br />

principais: função social do contrato (art. 422), função social da propriedade,<br />

e função social da posse (art. i.228). Sobre o tema, são<br />

de relevante importância os ensinamentos de Judith Martins-Costa e<br />

Gerson Luiz Carlos Branco 9 ', como se transcreve:<br />

O quadro que hoje se apresenta ao direito civil é o da reação<br />

ao excessivo individualismo característico da Era codificatória<br />

oitocentista que tantos e tão fundos reflexos ainda nos lega.<br />

Se às Constituições cabe proclamar o princípio da função social<br />

- o que vem sendo regra desde Weimar -. é ao Direito<br />

Civil que incumbe transformá-lo em concreto instrumento de<br />

ação. Mediante o recurso à função social e também à boa-fé<br />

- que tem uma face marcadamente ética e outra solidarista<br />

- instrumentaliza o Código agora aprovado a diretriz constitucional<br />

da solidariedade social, posta como um dos objetivos<br />

fundamentais da República.<br />

Essa instrumentalização ocorre em três específicos domínios,<br />

o do contrato, o da propriedade e o da posse.<br />

Também de grande relevância é o magistério de Rodrigo da<br />

Cunha Pereira Mário Lúcio Quintão Soares e Luiz Abreu Barroso 92 :<br />

A socialidade dos modelos jurídicos, assente no culturalismo<br />

de MIGUEL REALE, peculiar ao paradigma Estado Social<br />

de Direito, reflete-se na nova codificação, especificamente<br />

na prevalência dos valores coletivos em detrimento dos individuais,<br />

redimensionando conceitos dos cincos principais<br />

91 . MARTINS-COSTA, Judith (org). A Reconstrução do Direito Privado: reflexos dos<br />

princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado.<br />

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.<br />

92. SOARES, Mario Lúcio Quintão; BARROSO, Lucas Abreu. Os princípios informadores<br />

do novo código civil e os princípios constitucionais fundamentais. Lineamentos<br />

de um conflito hermenêutico no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navegandi,<br />

Teresina, a. 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: http://wwwi.jus.com .. br/doutrina/<br />

texto.asp?id=397 4.Acesso em: 12 maio 2004.<br />

104


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> DAS FAMÍLIAS<br />

personagens do Direito Privado: o proprietário, o contratante,<br />

o empresário, o pai de família e o testador.<br />

Tal função social, que inicialmente apenas contaminava a contrato,<br />

a posse e a propriedade, progrediu doutrinariamente, alcançando<br />

outros institutos civilistas, como a empresa e a família, como<br />

bem adverte, em específica obra sobre o tema, Guilherme Calmon<br />

Nogueira da Gama9i.<br />

O estudo das famílias deve ser realizado através da análise do<br />

seu contexto histórico, pois as estruturas familiares são moldadas<br />

pelo seu entorno. Como já advertiram importantes professores de<br />

Direito de Família da Faculdade Federal de Coimbra, em Portugal:<br />

"A família perdeu a função política que tinha no Direito Romano,<br />

quando se estruturava sob o parentesco agnatício,<br />

assente na ideia de subordinação ou sujeição ao pater familias.<br />

Perdeu a função econômica de unidade de produção,<br />

embora continue a ser normalmente uma unidade de consumo.<br />

As funções educativas de assistência e de segurança que<br />

tradicionalmente pertenciam à família tendem hoje a serem<br />

assumidas pela própria sociedade. Por último, a família deixou<br />

de ser fundamentalmente o suporte de um patrimônio" 9 '.<br />

Esta breve passagem bem traduz a virada histórica que a<br />

família experimentou no que concerne a sua finalidade, ou<br />

mesmo função. Se, inicialmente, as relações primitivas se davam<br />

exclusivamente para a satisfação dos interesses sexuais,<br />

o fato é que na era romana a família já exercia importante<br />

papel político, onde as noções de hierarquia e subordinação<br />

ao pater bem repercutiam no império a justificavam a ideologia<br />

da época.<br />

Na idade média se viu a manutenção desta finalidade, de<br />

modo que o conjunto de valores, regras e condutas medievais<br />

também se mostrava harmonioso com a ideia institucional<br />

e hierarquizada das famílias, justificado agora também<br />

pelo viés religioso.<br />

93. Op. Cit.<br />

94. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Professores de Direito de Família<br />

da Faculdade Federal de Coimbra, Portugal, 2012.<br />

705


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A função econômica da família-instituição, portanto, é secular<br />

e se manteve presente com o advento da modernidade.<br />

Contudo, hodiernamente a família não mais é enxergada segundo<br />

a sua função economia ou política. Aos revés, o papel da família contemporânea<br />

não é patrimonializador, mas sim despatrimonializado e<br />

repersonificador, em busca da promoção da dignidade e do projeto<br />

de felicidade de seus integrantes. Afirma-se ter a mesma uma finalidade<br />

eudemonista.<br />

Neste sentido, as pessoas se uniriam em torno de uma família<br />

com a finalidade de realização dos projetos pessoais e da própria<br />

dignidade. A família é vista hoje como um lugar de acolhimento,<br />

onde as pessoas realizam a sua dignidade humana e promovem<br />

a busca de sua felicidade. Cresce a noção existencialista de família<br />

(ser), enquanto regride o seu papel patrimonialista (ter).<br />

Isto revela importante mudança de paradigma na ótica de traduzir<br />

o fenômeno familiar à época do Código Civil de 1916 e o atual.<br />

Abaixo um quadro comparativo entre as famílias do passado e a<br />

família eudemonista.<br />

Família - Código Civil de 1916 Família - Código Civil de 2002<br />

Instituição<br />

Matrimonializada<br />

Heterosexualizada<br />

Patrimonializada<br />

Hierarquizada<br />

Biologizada<br />

Projeto Econômico<br />

Instrumento<br />

Desmatrimonializada<br />

Plural<br />

Despatrimonializada<br />

Democratizante<br />

Desbiologizada<br />

Projeto Eudemonista<br />

A conferência e função social às famílias demanda a sua leitura<br />

como um instrumento, um meio, e não um fim em si mesmo. Deve<br />

traduzir um local de desenvolvimento do projeto pessoal de cada<br />

um. Deve a família, ainda, voltar-se ao âmbito externo, não se fechando<br />

egoisticamente para os problemas da coletividade.<br />

106


Capítulo li<br />

Casamento<br />

Sumário • 1. Notas Históricas, Natureza Jurídica e<br />

Conceito. 1.1. Corrente Publicista. 1.2. Corrente Pri·<br />

vatista. 1.2.1. Corrente Contratualista. 1.2.2. Corrente<br />

lnstitucionalista. 1.2.3. Corrente Mista ou Eclética. 1.2.4.<br />

Corrente do Ato-Condição. 1.2.5. Conclusões. 2. Modalidades<br />

(espécies) de Casamento. 2.1. Modalidades<br />

gerais, comuns ou típicas. 2.1.1. Casamento civil. 2.1.2.<br />

Casamento religioso com efeito civil. 2.2. Modalidades<br />

especiais, incomuns ou atípicas. 2.2.1. Casamento por<br />

procuração. 2.2.2. Casamento nuncupativo. 2.2.3. Casamento<br />

com moléstia grave. 2.2.4. Casamento celebrado<br />

fora do país. 2.2.4.1. Casamento celebrado fora<br />

do país por autoridade brasileira. 2.2.4.2. Casamento<br />

celebrado fora do país por autoridade estrangeira. 3.<br />

Promessa de casamento. 4. Princípios específicos do<br />

casamento. 4.1. Princípio da comunhão plena de vida.<br />

4-2. Princípio da Monogamia. 4.3. Principio da Livre<br />

União. 5. Finalidade do casamento. 6. A existência do<br />

casamento. 7. Da Validade do Casamento. Capacidade<br />

para Casar (Capacidade Núbil).). 8. Habilitação para o<br />

Casamento. 8.1. O incidente de oposição ao pedido<br />

de habilitação para o casamento. 8.2. Impedimentos<br />

matrimoniais. 8.3. Causas suspensivas. 9. Celebração<br />

do casamento. 10. Prova do casamento. 10. Plano da<br />

existência: teoria do casamento inexistente. 11. Casamento<br />

nulo. 12. Casamento anulável. 13. Plano da<br />

eficácia (efeitos do casamento). 13.1. Eficácia social.<br />

ip. Eficácia pessoal. 13.3 Eficácia patrimonial: regime<br />

de bens. 13.4. Espécies de Regime de Bens. A) Regime<br />

da comunhão parcial ou regime supletivo. B) Regime<br />

da comunhão universal. C) c) Regime de separação<br />

convencional, voluntária, absoluta ou total de bens.<br />

D) Regime de separação legal, obrigatória ou cogente.<br />

E) Regime da participação final nos aquestos. 13.5.<br />

Doações antenupciais. 14. Vênia ou Outorga Conjugal.<br />

15. Extinção do casamento: até que a morte os sepa·<br />

rem? 15.1. A separação. a) Separação judicial por mútuo<br />

consentimento. b) Separação judicial litigiosa. b.1)<br />

Separação litigiosa por ruptura da vida em comum ou<br />

separação falência. b.2) Separação judicial remédio.<br />

b.3) b.3) Separação Judicial fundada em causa Subjetiva.<br />

Separação por Culpa ou Sanção. 15.2. Divórcio.<br />

107


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

I. NOTAS HISTÓRICAS, NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO<br />

Originariamente, tanto em Portugal quanto no Brasil, o casamento<br />

era realizado entre os católicos e necessariamente celebrado por<br />

sacerdotes. A influência da religião sobre o Estado era tão grande<br />

que não se imaginava o casamento fora da religião e a família fora<br />

do casamento.<br />

Somente em 1.861 é que se deu início à regulamentação do matrimônio<br />

entre os não católicos. Com o advento da República de<br />

1.889, restou ainda mais clara a separação entre a Igreja e o Estado<br />

(fenômeno da laicização). Nasce, então, nas pegadas do Decreto n°<br />

181/i.890, o casamento civil.<br />

Entretanto, dado ao costume pelo casamento religioso, o casamento<br />

civil não ganhou a simpatia imediata. Assim, criou-se com a<br />

Lei 379/i.937 o casamento religioso com efeitos civis, posteriormente<br />

melhorado com a Lei n° i.110/1.950. O intuito era compatibilizar o<br />

costume (casamento religiosos) com o direito (casamento civil).<br />

Ainda a reboque da influência religiosa, por muito tempo no<br />

Brasil os princípios do Direito Canônico regiam todo e qualquer ato<br />

nupcial, com base nas disposições do Concílio Tridentino e da Constituição<br />

do Arcebispado da Bahia.<br />

Curioso, porém, que a influência religiosa sobre o direito em temas<br />

familiaristas não é uma exclusividade do Brasil. A análise do matrimônio<br />

no direito comparado deixa claro que há inúmeros países<br />

que sofreram, ou ainda sofrem, forte influência religiosa, não sendo<br />

este contexto exclusivo do Brasil. De fato, a legislação universal sobre<br />

o matrimônio subdivide-se em:<br />

a) Países onde só o casamento civil é válido, permitindo-se, ainda,<br />

o religioso com efeitos civis. Isto se aplica ao Brasil, quase toda a<br />

América Latina, Alemanha e Suíça;<br />

b) Países que concedem aos nubentes a liberdade para o casamento<br />

civil ou religioso, em ambos reconhecendo o mesmo valor legal.<br />

Tal ocorre nos EUA e Inglaterra;<br />

e) Países onde há preeminência do casamento religioso, sendo o<br />

civil acessível apenas às pessoas de outras religiões, que não a<br />

oficial. É o que acontece na Espanha e Escandinávia;<br />

708


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

d) Países em que subsiste apenas o casamento religioso, como no<br />

Líbano.<br />

Voltando a evolução histórica do instituto no Brasil, depois da República,<br />

outra grande mudança atingiu a noção prementemente religiosa<br />

do casamento: o advento do divórcio. O art. 175, § 1° da CF/67,<br />

com redação dada pela Emenda Constitucional de n°. 1/69, instituiu o<br />

divórcio em nosso ordenamento jurídico, trazendo a dissolubilidade<br />

do vínculo e a possibilidade de casamentos sucessivos.<br />

Voltando os olhos para o tratamento do casamento na Constituição<br />

Federal, percebe-se, inicialmente, que ele apareceu em i.934,<br />

perpassando, posteriormente, pelas Constituições de 1.946, i.967 e<br />

i.969, ocupando espaço central no Direito das Famílias. Hodiernamente,<br />

porém, infere-se que o atual texto Constitucional deu menor<br />

consideração ao matrimônio, como se vê do seu art. 226, o que<br />

também importa na quebra da estrutura familiar imaginada culturalmente<br />

e refletida pelo codificador de 1916.<br />

Assim, enquanto a Constituição anterior consignava que a família<br />

é constituída pelo casamento (art. 175); o atual texto apenas averba<br />

que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado,<br />

instituindo o pluralismo das entidades familiares, conforme tratado<br />

no capítulo anterior.<br />

Segundo a vigente Lei Maior, o casamento é civil e será gratuita<br />

a sua celebração (§ 1°, art. 226). E não poderia ser diferente. Na República<br />

Brasileira, a separação entre o Estado e a Igreja decorre do<br />

ordenamento jurídico. Mesmo assim, o Poder Constituinte não ignora<br />

a importância da cultura e da tradição social, persistindo a figura<br />

do casamento religioso com "efeitos civis", nos termos da legislação<br />

ordinária (§ 2°, do mesmo art. 226 da CF/88).<br />

É importante destacar que os princípios da igualdade e da liberdade,<br />

postos na Constituição Federal desde seus primeiros artigos,<br />

constituíram importantes inovações neste percurso histórico do direito<br />

matrimonial, repercutindo sobre a disciplina das famílias (igualdade<br />

entre os filhos) e do próprio casamento (igualdade entre os<br />

cônjuges). Tanto é assim que o§ 5°, do art. 226 ressalta: "Os direitos e<br />

deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo<br />

homem e pela mulher".<br />

709


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Infere-se a efetivação do postulado da igualdade nas relações<br />

matrimoniais.<br />

O mesmo ocorre com o tema liberdade. Sim, porque a Lex Fundamentalis<br />

confere tanto a liberdade para casar, quanto para não casar;<br />

ou, ainda, para não permanecer casado. O instituto do divórcio,<br />

recentemente objeto da Emenda Constitucional 66/10, assim prescreve:<br />

"O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio"(§ 60, 226, CF).<br />

Na seara infraconstitucional, o direito matrimonial - positivado<br />

nos artigos i.511/i.688; i.571/i.590, i.689/i.693 e i.711/i.722, todos<br />

do novo CC c/c a Lei 6.515/77 - abrange normas concernentes à validade<br />

do casamento, capacidade matrimonial, impedimentos, causas<br />

suspensivas, celebração, prova, nulidade e anulabilidade do matrimônio.<br />

Regula, ainda, as relações pessoais entre os cônjuges, os direitos<br />

e deveres recíprocos, as relações econômicas destes (regime<br />

de bens) e, finalmente, a dissolução da sociedade conjugal e do<br />

vínculo matrimonial.<br />

Mas qual a natureza jurídica do casamento? Identificada a sua<br />

natureza, como poderíamos conceituá-lo?<br />

A abordagem destes assuntos exige reflexão doutrinária apta à<br />

organizar, metodologicamente, as mais diversas teorias explicativas<br />

acerca da natureza jurídica do casamento. Isto é o que faremos a<br />

partir de agora!<br />

1.1. Corrente Publicista<br />

Trata-se de teoria reconhecidamente ultrapassada na atualidade,<br />

cujo estudo se mostra relevante tão somente para efeito de<br />

posicionamento do tema e aclaramento da sua corrente oposta (a<br />

priva tista).<br />

Segundo a corrente publicista, o casamento se enquadraria em<br />

uma das categorias ou ramos do Direito Público. A explicação disto<br />

residiria no fato de que o matrimônio é celebrado pelo Estado,<br />

através de autoridade pública. Acrescer-se-ia a isto o fato de existir<br />

evidente interesse público por parte do Estado em relação ao casamento.<br />

170


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

Deste modo, para os publicistas o casamento estaria enquadrado<br />

no Direito Público, ao lado do Direito Constitucional, Administrativo,<br />

Processual, et cetera ___<br />

A crítica apta a ser apresentada é evidente. Nada obstante a<br />

relevância do matrimônio para a sociedade, e até mesmo para o<br />

Estado, isto não seria critério suficientemente apto a retirá-lo do direito<br />

privado. Outra crítica a ser considerada, ainda sob o ponto de<br />

vista pragmático, é que todos os demais ramos do direito de família<br />

se submetem ao direito privado e ali são sistematizados_ Retirar o<br />

casamento deste contexto sistêmico vai de encontro ao princípio da<br />

operabilidade (qualidade de ser operável) do próprio direito civil.<br />

Além disto, o casamento não envolve uma relação vertical, mas sim<br />

horizontal, entre particulares. __<br />

Sob todos os pontos de vista, não se sustenta a tese publicista.<br />

1.2. Corrente Privatista<br />

A doutrina é uníssona em sustentar que o casamento integra o<br />

Direito Privado, tendo em vista os próprios argumentos lançados nas<br />

linhas anteriores, em crítica à corrente publicista.<br />

Dentro da corrente privatista existem várias teorias explicativas<br />

que objetivam, justamente, definir a natureza jurídica do casamento.<br />

São as mais importantes a contratualista, a institucionalista, a eclética<br />

e a do ato-condição.Vamos a elas!<br />

1.2.1. Corrente Contratualista<br />

Fiel a tese privatista, o racionalismo jusnaturalista do século XVIII<br />

inspirou o legislador civilista francês de i.804, forte na escola Exegética<br />

do século XIX, ao entender o casamento como um contrato,<br />

cuja validade e eficácia decorriam exclusivamente da vontade das<br />

partes. Tal premissa é facilmente identificada na Assembléia Constituinte<br />

francesa, após a Revolução de I.789 e no art. 3° do Código<br />

Civil da época.<br />

A concepção contratualista representava uma importante reação<br />

ao caráter religioso do matrimônio à época, alinhada ao advento da<br />

burguesia e do liberalismo. O casamento, portanto, era enxergado<br />

como um contrato; uma modalidade de negócio jurídico.<br />

111


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ainda hoje esta tese encontra importante adeptos. Cita-se, por<br />

exemplo, Silvio Rodrigues•, para quem o casamento é um contrato<br />

especial de direito de família. Na mesma linha coloca-se a doutrina<br />

de Pontes de Miranda', quem já afirmava ser o casamento "um<br />

contrato de direito de família que regula a união entre marido e<br />

mulher".<br />

Logicamente, trata-se de uma corrente liberal, contextualizada<br />

sob as lentes dos direitos de primeira geração (ou dimensão) e influenciada<br />

nitidamente pelo Código Civil Napoleônico. Naturalmente,<br />

os contratualistas irão atribuir grande importância à vontade das<br />

partes. Sendo assim, a autonomia privada será a mola propulsora e<br />

constitutiva do matrimônio. A manifestação da autoridade celebrante<br />

teria natureza eminentemente declaratória, visando, apenas, homologar<br />

o ato.<br />

Em termos de positivação, o Código Civil Português harmoniza-se<br />

com esta corrente doutrinária ao afirmar em seu art. i.577 que "O<br />

casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente<br />

que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de<br />

vida, nos termos das disposições deste Código".<br />

A crítica a esta concepção doutrinária reside no fato de merecer<br />

o casamento uma consideração jurídica maior do que a contratual.<br />

Não se deveria reduzir o secular instituto do casamento a um mero<br />

contrato, máxime diante dos reflexos existenciais para além do patrimônio.<br />

Assim, o casamento não deveria ser categorizado ao lado<br />

da compra e venda, do comodato, da empreitada ...<br />

i.2.2. Corrente lnstitucionalista<br />

Como é perceptível através do seu batismo, tal corrente entende<br />

o casamento como uma instituição; ou seja: um conjunto de regras<br />

impostas pelo Estado sob as quais às partes caberia a faculdade de<br />

aderir, ou não.<br />

1. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. 27 Edição atualizada por Francisco<br />

Cahali. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 6, p. 19.<br />

2. PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de Direito Privado, V. 7, p. 210.<br />

712


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

Para Maria Helena Diniz "O casamento é o vínculo jurídico entre<br />

homem e mulher, livres, que se unem, segundo as formalidades legais,<br />

para obter o auxílio mútuo e espiritual, de modo que haja uma integração<br />

fisiopsíquica, e a constituição de uma família" 3 •<br />

Costuma-se afirmar que a ilustre doutrinadora integra o rol dos<br />

institucionalistas na medida em que defende ser o casamento uma<br />

instituição social, estabelecendo crítica a quem o reduzido a um<br />

mero contrato, ou negócio jurídico.<br />

Outro institucionalista é Rubens Limongi França 4 , para quem teria<br />

o matrimônio nítida característica moral (moralidade jurídica), ou até<br />

mesmo religiosa.<br />

i.2.3. Corrente Mista ou Eclética<br />

A corrente eclética, seguida, dentre tantos, por Eduardo de Oliveira<br />

Leite 5 , admite a vontade das partes como mola propulsora do<br />

matrimônio. Entretanto, também afirma que a autonomia privada<br />

não será suficiente para a configuração do casamento, por entender<br />

imprescindível a chancela estatal.<br />

Para os ecléticos, o casamento seria um misto de autonomia privada<br />

conjugada com autorização estatal, tendo uma natureza sui generis.<br />

É o que pensa também Roberto Senise Lisboa 6 •<br />

Para Paulo Lôbo 7 uo casamento é um ato jurídico negocial, solene,<br />

público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem<br />

famma por livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento<br />

do Estado".<br />

i.2.4. Corrente do Ato-Condição<br />

Duguit é um dos doutrinadores que bem representam a corrente<br />

do ato-condição no casamento. Para esta corrente, o casamento<br />

3. DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15 Edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.<br />

1051.<br />

4. FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. 4 Edição. São Paulo: Saraiva,<br />

1996, p. 225.<br />

5. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil aplicado. São Paulo: RT. 2005, v. 5, p. 50.<br />

6. LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Direito de Família e das Sucessões.<br />

3 Edição. São Paulo: RT, 2004, v. 5, p. 82.<br />

7. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva. 2oo8, p. 76.<br />

113


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

seria composto por duas fases: (i) a primeira, de natureza eminentemente<br />

privada, é fincada na manifestação de vontade dos nubentes<br />

em contraírem núpcias. A autonomia privada estaria evidenciada<br />

neste momento; (ii) na segunda fase, o Estado chancela a vontade<br />

dos nubentes e declara-os casados.<br />

~ Atenção!<br />

Apesar de aparentemente semelhantes, a corrente mista não se confundirá<br />

com a teoria do ato-condição. Na primeira (eclética ou mista) o<br />

os dois momentos são considerados a um só tempo. Na segunda (ato­<br />

-condição), existe um passo-a-passo composto por dois momentos. autônomos<br />

e distintos: inicialmente ocorre a manifestação da vontade e,<br />

somente depois, a manifestação estatal reconhecendo os nubentes marido<br />

e mulher.<br />

Tal noção é abraçado pelo Direito Canônico, o qual coloca o casamento<br />

em dois planos: o primeiro, de maior relevância, relativo ao<br />

consentimento dos nubentes; e o segundo, relativo à intervenção do<br />

sacerdote na formação do vínculo, em posição secundária, na forma<br />

do Cânon 1.012: "Christus Dominus ad sacramenti dignitatem evexit ipsum<br />

contractum matrimonia/em inter baptizatos".<br />

1.2.5. Conclusões<br />

Da análise derredor das correntes e teorias acima apresentadas<br />

é chegada a hora de, sintetizando-as, adotarmos um posicionamento<br />

seguro, sob o ponto de vista acadêmico; útil à prática forense e<br />

confortável para as provas dos concursos públicos espalhadas pelo<br />

país.<br />

O art. i.533 do CC prescreve que o casamento será celebrado<br />

no dia, hora e lugar previamente designados "pela autoridade que<br />

presidir o ato", mediante petição dos contraentes que se mostrem<br />

habilitados com a certidão do art. i.53i.<br />

Afirma, ademais, que deve existir uma solenidade "com toda publicidade,<br />

a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas",<br />

na forma do art. 1.534 do CC.<br />

114


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

A teor do art. 1.535 do CC, presentes os celebrantes (na aludida<br />

solenidade imposta pela lei), pessoalmente ou por procurador, juntamente<br />

com as testemunhas e o oficial de registro, o "presidente<br />

do ato" colherá a manifestação expressa e inequívoca do casal e<br />

declarará efetuado o matrimônio.<br />

Evidentemente que pensando o contrato dentro de sua concepção<br />

natural, não seria possível enquadrar o casamento como um<br />

mero contrato. De fato, analisando não apenas a Teoria Geral dos<br />

Contratos como, principalmente, as mais diversas modalidades de<br />

contratos em espécie apresentadas pelo Código Civil, não encontraremos<br />

nenhum tipo contratual similar àquilo disciplinado à título de<br />

matrimônio.<br />

A pura corrente contratualista, ao nosso sentir, é incompatível<br />

com a própria legislação, a qual apresenta o casamento dentro de<br />

um contexto ritualístico, no qual o Poder Público (leia-se: autoridade<br />

celebrante do ato) não apenas participa do ato, como o preside<br />

para, ao final, reconhecer, legitimar e declarar os nubentes como<br />

casados.<br />

Por outro lado, o Código Civil, desde a sua exposição de motivos,<br />

é claro ao afirmar que os negócios jurídicos constituem o instrumento<br />

eleito pelo legislador brasileiro para as mais diversas situações<br />

de trânsito das relações jurídicas privadas, tendo por epicentro a<br />

vontade humana.<br />

O casamento deve assim ser entendido.<br />

Trata-se de negócio jurídico existencial, solene, ritualístico, originado<br />

da autonomia privada, porém submetido à necessidade de<br />

legitimação - por meio de ato declaratório - de uma autoridade celebrante.<br />

Seu efeito princípio reside na alteração do estado civil dos<br />

nubentes, disto resultando um sem número de efeitos nos mais diversos<br />

ramos do direito, tais como administrativo (impessoalidade<br />

- art. 37 da CF e nepotismo - STF, Súmula Vinculante 13), eleitoral (inelegibilidade<br />

- art. 14 da CF), processual (CPC, 134, 217 e 405), penal<br />

(art. 61, CP), sucessório (CC, 1.829), e, evidentemente, familiar (i.566,<br />

1639, dentre tantos do CC).<br />

175


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 134 do CPC ainda vigente, passará a ser no novo CPC (NCPC) o art.<br />

144.<br />

O art. 217, do CPC atual, no novo CPC (NCPC) corresponde ao art. 244.<br />

O art. 405 do CPC atual passará a ser o art. 447, de acordo com o novo<br />

CPC (NCPC).<br />

Dessa forma, com a venia de sempre e respeitoso aos demais<br />

posicionamentos, caminhamos com a tese de ser o casamento um<br />

negócio jurídico existencial, fincado na manifestação de vontade e<br />

com ritualística bem definida, ante a sua peculiar formalidade. No<br />

mesmo sentido caminha a doutrina de Paulo Lôbo 8 , ao afirmar a<br />

natureza do casamento como um ato negocial e Maria Berenice Dias,<br />

ao enxerga-lo como um negócio de direito de família 9 •<br />

Em sendo um negócio jurídico, é possível o estudo do casamento<br />

a partir dos seus planos; ou seja : passa-se a visitar o matrimônio<br />

segundo o seus planos de existência, validade e eficácia.<br />

2. MODALIDADES (ESPÉCIES) DE CASAMENTO<br />

Para fins didáticos, apresentaremos o tema dividindo-o em: a)<br />

modalidades gerais ou comuns, como sendo aquelas corriqueiramente<br />

ocorrentes no comércio jurídico e b) modalidades especiais<br />

ou atípicas, as quais surgem em situações extraordinárias e, possivelmente,<br />

visitadas apenas na teoria.<br />

2.i. Modalidades Gerais, Comuns ou Típicas<br />

Há duas modalidades típicas, comuns ou gerais de casamento: o<br />

casamento civil e o casamento religioso com efeitos civis.<br />

2.i.i. Casamento Civil<br />

Desde a edição do Decreto n•. 181, de 24 de janeiro de 1.890<br />

(Decreto do Executivo), o casamento civil é a regra geral no Direito<br />

8. PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de Direito Privado. V. 7, p. 210.<br />

9. Op. Cit. P. 141.<br />

116


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

Brasileiro, tendo em vista o fenômeno da laicização (separação entre<br />

o Estado e a Igreja).<br />

Esse fenômeno ganhou assento constitucional, migrando do Direito<br />

Privado para o texto constitucional em i.934, como se verifica da<br />

redação de seu artigo 146; cita-se:<br />

"O casamento será civil e gratuita a sua celebração. o casamento<br />

perante ministro de qualquer confissão religiosa,<br />

cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes,<br />

produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil,<br />

desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos<br />

nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da<br />

oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja<br />

ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório.<br />

A lei estabelecerá penalidades para a transgressão<br />

dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento".<br />

Passando a caminhar pela legislação infraconstitucional, é importante<br />

recordar que o Código Civil de i.916 era omisso em relação ao<br />

casamento civil, regulando apenas o casamento religioso com efeitos<br />

civis. Somente com o advento do Código Civil de 2.002 que, pasmem,<br />

restou estabelecida, na seara infraconstitucional, a regra do casamento<br />

civiL<br />

Ademais, estabeleceu ainda o legislador do Código Civil de 2.002<br />

que o casamento civil terá a sua celebração gratuita (art. i.512 do<br />

CC), o que causa estranheza para alguns, mormente aqueles que já<br />

se casaram e investiram vultuosas quantias na celebração do matrimônio.<br />

Com efeito, a gratuidade é da celebração do casamento, persistindo<br />

custas para a habilitação, o registro e a primeira certidão_<br />

Entrementes, na garantia do acesso aos necessitados, verbera a legislação<br />

civilista a gratuidade para as pessoas cuja pobreza for declarada,<br />

assegurando o direito à felicidade, através do casamento<br />

para todos.<br />

2.1.2. Casamento religioso com efeito civil<br />

Malgrado a atual regra do casamento civil, como já visto, originariamente,<br />

o casamento no Brasil era celebrado apenas de forma<br />

117


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

religiosa, em virtude da forte influência católica. Assim, a adoção do<br />

casamento civil, como regra, encontrou resistência social.<br />

Com o escopo de conferir eficácia social à determinação geral<br />

do casamento civil, entrelaçando a técnica a ética, passou o ordenamento<br />

jurídico a disciplinar o casamento religioso com efeitos civis,<br />

como mecanismo de incentivo à adoção da prática.<br />

A Lei Federal n° 1.110/50 (ratificada pelo Decreto-Lei n° 1.000/69<br />

e pela Lei n° 6.015/73, arts. 71 a 75), foi quem primeiro disciplinou o<br />

reconhecimento dos efeitos civis do matrimônio religioso celebrado<br />

por Ministro Católico, Protestante, Ortodoxo. Evangélico. Israelita<br />

etc ... Hodiernamente, o tema merece tratamento no art. 1.516 do<br />

Código Civil, o qual segue as pegadas do Texto Constitucional.<br />

Registra-se. porém, que no casamento religioso com efeitos civil,<br />

o que há de propriamente religioso é apenas a celebração. Isto.<br />

porque. para a consagração dos efeitos civis, persiste a exigência do<br />

procedimento de habilitação, seja de forma prévia ao matrimônio,<br />

ou posterior ao mesmo (Art. 1.516 do CC).<br />

Acaso não exista a aludida habilitação, ter-se-á, juridicamente falando,<br />

uma possível união estável. Para o direito, a realização tão<br />

somente da celebração religiosa não contempla eficácia jurídica ao<br />

ato do casamento.<br />

No casamento religioso precedido de habilitação civil (Lei n.<br />

6.015/n art. 71 e CC, art. 1.516, § 1°), os nubentes processam a habilitação<br />

matrimonial perante o oficial do Registro Civil, observando os<br />

arts. 1.525, 1.526, 1.527 e 1.531, todos do Código Civil.<br />

Pedem os nubentes, ao aludido oficial, que lhes forneça a respectiva<br />

certidão, para se casem perante Ministro Religioso, nela<br />

mencionando o prazo legal de validade da habilitação; qual seja: 90<br />

(noventa) dias (CC, art. 1.532). O oficial expedirá certidão, dela fazendo<br />

constar seu fim específico, entregando-a a um dos contraentes,<br />

mediante recibo, o qual ficará nos autos da habilitação. Esta certidão<br />

será posteriormente apresentada à autoridade religiosa, quem a arquivará,<br />

realizando, então, o ato nupcial.<br />

178


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

Dentro de um novo prazo decadencial de 90 (noventa) dias -<br />

este contado da celebração do casamento - o Ministro Religioso, ou<br />

qualquer interessado, deverá requerer o assento do matrimônio no<br />

Registro Civil (CC, art. i.516, § i 0 ). Esgotado tal prazo, sem que se<br />

tenha promovido o referido registro, é sinal de que os nubentes se<br />

desinteressaram pela produtividade de efeitos civis do ato. Assim,<br />

acaso desejosos de tais efeitos civis, haverão de se habilitar novamente<br />

e, querendo, casar-se, cumprindo todas as formalidades civis.<br />

Já na hipótese do casamento religioso não precedido de habilitação<br />

civil perante o oficial do Registro Civil, a habilitação poderá ser<br />

requerida posteriormente, a qualquer tempo. Para tanto, os nubentes,<br />

juntamente com o requerimento de registro, devem apresentar<br />

a prova do ato religioso e os documentos exigidos pelo art. i.525<br />

do Código Civil, suprindo, à requisição do oficial, eventual falta de<br />

requisitos no termo da celebração religiosa.<br />

~ O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu não ser<br />

cabível a pretensão de conferir efeitos civis retroativos ao casamento<br />

religioso, no caso de "cônjuge" falecida:<br />

"REGISTRO <strong>CIVIL</strong> CASAMENTO RELIGIOSO EFEITOS CIVIS REGIS­<br />

TRO DECURSO DO PRAZO IMPOSSIBILIDADE Temerária a admissão<br />

de 'casamento retroativo', pela possibilidade de<br />

ocorrência de atos jurídicos influenciados pelo estado civil,<br />

mormente diante do longo tempo decorrido (12 anos)<br />

entre a celebração do casamento religioso e o falecimento<br />

da 'esposa' Precedentes pretorianos Sentença mantida<br />

Apelo desprovido" (TJ-SP - APL: 21905882on8260224, Relator:<br />

Percival Nogueira, Data de Julgamento: 26/04/2012, 6•<br />

Câmara de Direito Privado).<br />

Processada a habilitação, com a publicação dos editais, certificando-se<br />

o oficial da ausência de impedimentos matrimoniais e de causas<br />

suspensivas, fará o registro do casamento religioso, observando<br />

o prazo do art. i.532 do Código Civil e de acordo com a prova do ato<br />

e os dados constantes do processo (CC, art. i.516, § 2°). Esta é a lição<br />

de Maria Helena Diniz 10 •<br />

lO.<br />

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito de Família,<br />

26• edição; São Paulo: Editora Saraiva; 2011; p. 128 e n9.<br />

179


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O casamento religioso, celebrado sem as formalidades do Código,<br />

terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a<br />

qualquer tempo, mediante prévia habilitação perante a autoridade<br />

competente, observado o prazo do art. i.532 (§ 2°, art. i.516). Arremata<br />

o legislador ser nulo o registro civil do casamento religioso se,<br />

antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem<br />

casamento civil (§ 3°, art. i.516).<br />

Nessa senda de pensamento, informa o art. i.516 do Código Civil:<br />

"O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos<br />

requisitos exigidos para o casamento civil" sendo que "§ i 0<br />

O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido<br />

dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação<br />

do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa<br />

de qualquer interessado, desde que haja sido homologada<br />

previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido<br />

prazo, o registro dependerá de nova habilitação"<br />

Tema intrigante é o do casamento espírita com efeitos civis. Seria<br />

juridicamente possível?<br />

O artigo 5°, inciso VI da CF/88 disciplina a liberdade de crença, a<br />

proteção aos cultos religiosos e às liturgias. A partir do garantismo<br />

constitucional e da liberdade de crença afirmada, é possível admitir<br />

a possibilidade de casamento em qualquer religião. Neste sentido, o<br />

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos autos da Apelação Cível<br />

n° 7000.329.6555 - TJRS.<br />

Apesar de, em tese, ser possível ocorrer o casamento religioso<br />

em qualquer religião, deve-se aplicar a técnica da ponderação, de<br />

modo a harmonizar esta liberdade com os demais valores constitucionais,<br />

afinal de contas, se algum outro valor constitucionalmente<br />

relevante estiver em jogo, isto há de ser considerado.<br />

Segundo Maria Berenice Dias", não se pode aceitar tais efeitos<br />

se a religião, por exemplo, admite a poligamia e celebra múltiplos<br />

casamentos de uma mesma pessoa. Afora essas excepcionalidades,<br />

11. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, Editora Revista dos Tribunais.<br />

120


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

nada impede que os casamentos de qualquer crença ou qualquer<br />

religião sejam levados à registro.<br />

Algumas questões, entretanto, hão de ser analisadas para se chegar<br />

à conclusão pela (im)possibilidade do casamento espírita.<br />

Inicialmente, há de se identificar quem seria a autoridade competente<br />

para a celebração. No Brasil, regra geral, apenas Juiz de Direito,<br />

Juiz de Paz ou Autoridade Religiosa podem celebrar casamento, sob<br />

pena de inexistência ou de invalidade do ato, a depender da doutrina<br />

que se venha a adotar. Sob o ponto de vista da psicografia, nem de<br />

longe isto seria admitido, à guisa da segurança jurídica e dos demais<br />

valores da nossa época, considerando o tempo, o lugar e as circunstâncias<br />

nas quais a evolução do ordenamento jurídico se encontra<br />

hoje.<br />

Também se poderia discutir o aspecto da possível falta de liturgia,<br />

ou seja, a ausência de culto. Em arremate, poder-se-ia argumentar<br />

que espiritismo não é religião e, por conta disto, não se teria<br />

como enquadrá-lo na hipótese do casamento.<br />

Nenhum destes argumentos, entretanto, nos convence.<br />

Segundo dados oficiais do IBGE, obtidos na rede mundial de computadores<br />

(relativos ao ano de 2.000), i,3º!.. dos brasileiros quando<br />

perguntados acerca de própria religião, disseram-se espíritas. Ora, a<br />

liberdade de crença configura garantia constitucional.<br />

Em outras palavras, se os nubentes acreditam (creem) que espiritismo<br />

é religião. Ainda que outras pessoas, inclusive juízes, promotores<br />

de justiça, oficiais, dentre outros, não acreditem, a liberdade<br />

de crença há de ser respeitada e o casamento espírita realizado.<br />

Quanto à suposta falta de liturgias, acreditamos que, de rigor,<br />

não é isso o que ocorre. Na verdade, não se percebe a incorreção<br />

de se parametrizar todas as teorias existentes com a tradicional liturgia<br />

católica-apostólica-romana. De fato, à vista dos procedimentos<br />

litúrgicos católicos, poder-se-ia identificar sensível distinção com as<br />

práticas adotadas nos centros espíritas, ou mesmo em outras religiões.<br />

Mas será mesmo que isto significaria - para estas religiões - a<br />

inexistência de liturgias próprias?<br />

O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, nos autos do Mandado<br />

de Segurança n° 34.739-8/05, foi pioneiro no Brasil ao admitir o<br />

121


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

casamento espírita, ali debatendo todos estes argumentos jurídicos.<br />

Em sentido contrário, entretanto, o extinto Tribunal de Alçada do<br />

Estado da Guanabara, concluiu acórdão no qual afirmou "Não sendo<br />

considerado religião, o espiritismo, é insuscetível de registro civil a<br />

união conjugal realizada em qualquer de seus centros." (Revista Forense<br />

232:172).<br />

Hodiernamente, o posicionamento dominante é no sentido de<br />

permitir o casamento religioso com efeitos civis em toda e qualquer<br />

religião, haja vista o Estado Laico e respeitando as questões jurídicas<br />

cogentes, a exemplo da monogamia. Tal permissivo, repisa-se, alcança,<br />

inclusive. o espiritismo.<br />

Dando seguimento aos estudos, já é hora de enfrentarmos as<br />

modalidades atípicas de matrimônio.<br />

2.2. Modalidades Especiais, incomuns ou atípicas<br />

É chegada a hora de abordar aquelas situações matrimoniais que<br />

não costumam ocorrer todos os dias, mas que encontram assento<br />

no Código Civil brasileiro - como situações incomuns, especiais ou<br />

atípicas - e que costumam aparecer em alguns certames concursais.<br />

2.2.1. Casamento por procuração<br />

Em uma análise de direito comparado, percebe-se que o casamento<br />

por procuração não é permitido em todos os ordenamentos<br />

jurídicos. o direito italiano, por exemplo, apenas o permite excepcionalmente,<br />

para os militares em tempo de guerra, ou para os residentes<br />

no estrangeiro. Já o direito alemão o proíbe, por entender<br />

que interferiria na livre manifestação de vontade.<br />

Voltando-se os olhos para o direito nacional, o Código Civil, no<br />

seu art. i.542, admite que o nubente se faça representar no seu casamento,<br />

através de procuração. É possível, inclusive, que ambos os<br />

nubentes se façam representar, desde que mediante procuradores<br />

diversos, para que não haja eventual conflito de interesses, como<br />

bem vaticina Carlos Roberto Gonçalves 12 •<br />

i2. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2011. P. io6.<br />

111


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

A permissão é salutar para hipótese de casamentos inadiáveis,<br />

em que um dos nubentes, por exemplo, está no estrangeiro e não<br />

tem condições de retornar ao Brasil, apenas para a celebração do<br />

ato.<br />

Todavia, não é qualquer procuração que poderá ser utilizada.<br />

Na dicção do Código Civil, o mandato em comento há de ser<br />

outorgado por instrumento público, contendo poderes especiais -<br />

indicação da pessoa, eventual mudança de nome, regime de bens,<br />

etc ... -, individuação precisa e validade limitada a 90 (noventa) dias.<br />

No particular foi o legislador sistémico, ao passo que elege<br />

como prazo de validade para a aludida procuração o mesmo lapso<br />

temporal da habilitação do casamento (art. i.560 e seguintes<br />

do CC).<br />

~ Atenção!<br />

A norma proibe o casamento por procuração a quem se encontrar em<br />

iminente risco de vida. t o que afirma o § 2°, do an. 2.542 do CC: ·o<br />

nubente que nllo estiver em iminente risco de vida poderd fazer-se representar<br />

no casamento nunrupatrvo·.<br />

Situação interessante é a da revogação deste mandado que, na<br />

forma do § 1• do art. i.542 "não necessita chegar ao conhecimento do<br />

mandatário". Diz-se interessante porque - em regra - não é assim.<br />

O mandato nada mais é do que um contrato. Desta forma, seria<br />

possível imaginar a necessidade de notificação prévia na forma da<br />

resilição unilateral, também denominada de denúncia vazia ou revogação,<br />

na hipótese.<br />

Contudo, no casamento não é assim. Explica-se.<br />

No particular, permite-se a revogação do mandato, sem a<br />

necessidade de cientificação do mandatário, garantindo ao mandante<br />

o direito de se arrepender até o último minuto, assim<br />

como seria acaso o casamento fosse realizado sem o aludido<br />

instrumento.<br />

Tal revogação, porém, há de ser feita por forma pública, respeitado<br />

paralelismo de formas: aquilo que se confecciona publicamente,<br />

se revoga publicamente.<br />

123


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

E se o casamento for celebrado após a revogação e sem que o<br />

mandatário tenha conhecimento desta?<br />

Sobre o assunto, o preceito normativo arremata: "celebrado o casamento<br />

sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência<br />

da revogação, responderá o mandante por perdas e danos".<br />

Importa ainda lembrar, à título de sistematização, que o casamento<br />

celebrado por quem não possui mais poderes para a prática<br />

deste aludido ato solene será anulável, conforme orienta o art.<br />

i.550, V, do CC. Para tanto, o interessado deve ajuizar a necessária<br />

ação anulatória, de caráter desconstitutivo, no prazo decadencial de<br />

i8o (cento e oitenta) dias (art. i.560, parágrafo primeiro). Acaso permaneça<br />

inerte, a hipótese será de convalidação do ato anulável, o<br />

que é aplaudido por Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski'l.<br />

Outrossim, na pegadas do Código Civil, acaso haja coabitação,<br />

também restará convalidado o matrimônio (art. i.550, V do CC). Para<br />

Maria Berenice Dias, tal hipótese de convalidação é digna de critica;<br />

isto porque "Pelo que se pode perceber, é o contara sexual entre os<br />

noivos que concretiza e empresta validade ao casamento. Tal disposição<br />

parece que está a referendar a falsa crença de que o matrimônio<br />

se consuma na noite de núpcias. A justificativa doutrinária é pouco convincente,<br />

evitar o uso malicioso desse expediente e com isso conseguir<br />

favores sexuais do outro cônjuge'" 4 •<br />

Outra questão interessante reside no fato de que o mandatário deve<br />

ter relativa dose de liberdade, tanto para dizer sim, quanto para dizer<br />

não; ou seja, para consentir, ou não, no momento da celebração do<br />

matrimônio. Isto, porque, se trata de contrato de mandato ou representação,<br />

havendo certa margem de decisão ao procurador ad nuptias.<br />

Caso não houvesse a aludida liberdade, mandato não seria, mas<br />

sim mera transmissão de vontade por terceiro, através do núncio;<br />

o que não é o caso. No particular, comungamos do pensamento de<br />

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 11 •<br />

13. Código Civil Comentado. V. XV, p. 132.<br />

14. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, Editora Revista dos Tribunais.<br />

15. Op. Cit. p. 147/148.<br />

124


O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO<br />

E se o mandante falecer antes da celebração do matrimônio?<br />

A morte é hipótese de extinção do mandato. Logo, havendo o falecimento<br />

do mandante o contrato resta findado e, acaso celebrado<br />

o casamento, este será considerado inexistente.<br />

Não se olvide, de qualquer modo, que as regras sobre responsabilidade<br />

civil na representação se aplicam, in casu, com a mesma<br />

normalidade.<br />

2.2.2. Casamento Nuncuparívo<br />

Trata-se do casamento daquele que está em iminente risco de vida,<br />

segundo a dicção do artigo 1.539 do CC. Registra-se que basta que apenas<br />

um dos nubentes se encontre em tal situação, não se admitindo<br />

a representação por procuração, na hipótese (art. i.542, § 2° do CC).<br />

Em virtude da situação diferenciada, não se faz necessária nem<br />

a presença da autoridade celebrante, nem a habilitação prévia. Todavia,<br />

exige-se um largo número de testemunhas: seis, as quais não<br />

podem ser nem parentes em linha reta, e nem colaterais de segundo<br />

grau, de nenhum dos nubentes.<br />

Interessante, pois ante a ausência da autoridade celebrante e da<br />

habilitação, além de ser alargado o número de testemunhas, impossibilita-se<br />

a sua ligação mais próxima com os nubentes.<br />

Tais testemunhas terão o prazo decadencial de 10 (dez) dias, contados<br />

da celebração deste matrimônio, para que se apresentem perante<br />

um Juiz de Direito e narrem o acontecido. Nesta oportunidade<br />

o aludido magistrado instruirá a quaestio e decidirá se confere, ou<br />

não, o registro ao casamento celebrado in extremis vitae momentis<br />

ou in articulo mortis.<br />

Atenção!<br />

Minoritariamente, parcela da doutrina entende que a expressão nuncupativo<br />

deve ser atrelada ao artigo i.539 do Código Civil, tendo carga<br />

semântica diversa do casamento in extremis. Tal argumento pauta-se na<br />

redação do disposto no § 2°, do artigo i.542, do Código Civil. Neste trabalho,<br />

porém, caminhamos com a maioria, tratando as expressões nuncupativo<br />

e in extremis como sinônimas.<br />

125


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Além disto, a competência para processar e julgar o pedido de registro<br />

do casamento in extremis, de acordo com o entendimento tradicionalista,<br />

deve ser da Vara de Registros Públicos. Apesar disto, a tendência atual<br />

reside na orientação no sentido de que o juízo efetivamente competente<br />

para conhecer e decidir esta questão deveria ser o da Vara de Família,<br />

afinal de contas não se trata de mero problema registrai, mas sim de<br />

mudança no estado civil.<br />

~ Este tema não é recorrente na jurisprudência pátria, contudo, trouxemos<br />

este julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo para ilustrar:<br />

EMENTA: CASAMENTO NUNCUPATIVO - PEDIDO DE HOMOLO­<br />

GAÇÃO - INDEFERIMENTO REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHI­<br />

DOS ART i.540 E i.541 DO CC - URGÊNCIA NÃO CONSTATADA<br />

- AUSÊNCIA DE TODAS AS TESTEMUNHAS NO ATO - ASSINA­<br />

TURAS NÃO COINCIDENTES DE DUAS TESTEMUNHAS - DECLA­<br />

RAÇÕES POSTERIORES FORA DO PRAZO RECURSO - IMPROVI­<br />

DO. (TJSP, Apelação n°. 0103610-43.2007.8.26.0000, Relator<br />

Silvio Marques Neto, 8• Câmara de Direito Privado, DJ<br />

05/11/2oo8).<br />

2.2.3. Casamento com moléstia grave<br />

Tal modalidade especial de casamento é destinada àquelas<br />

pessoas que não estão em imediato risco de morte, mas sofrem,<br />

porém, de moléstia grave. Nas pegadas do artigo 1.539 do CC, a autoridade<br />

celebrante, na qualidade de presidente do ato, se dirige<br />

onde se encontrar o impedido, sendo urgente, ainda que à noite,<br />

realizando o matrimônio perante duas testemunhas que saibam<br />

ler e escrever.<br />

Diante de eventual impedimento da autoridade competente para<br />

presidir o casamento, isto será suprido por qualquer dos seus substitutos<br />

legais. Já na impossibilidade do oficial do Registro Civil, outro<br />

deverá ser nomeado, pelo presidente do ato, de forma ad hoc,<br />

exigindo-se. apenas, que saiba lê e escrever.<br />

Portanto, autoriza o legislador cível à lavratura, até mesmo, de<br />

termo avulso pelo oficial ad hoc, a ser registrado dentro em cinco<br />

dias, perante duas testemunhas, ficando arquivado (§ 1°, I.539 do<br />

CC).<br />

726


CASAMENTO<br />

~ Quanto à matéria, segue o julgado do Tribunal de Justiça do Rio<br />

Grande do Sul:<br />

EMENTA: APELAÇÃO <strong>CIVIL</strong>. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RE­<br />

GISTRO DE CASAMENTO. MOLÉSTIA GRAVE DE UM DOS NU­<br />

BENTES. ART. 1539, CC. A URGÊNCIA DO ATO DISPENSA OS<br />

ATOS PREPARATÓRIOS DA HABILITAÇÃO E PROCLAMAS. RECUR­<br />

SO PROVIDO. (TJRS, Apelação Cível N° 70013292107, Sétima<br />

Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado<br />

em 11/01/2006).<br />

2.2.4. Casamento celebrado fora do país<br />

O matrimonio realizado fora do país pode ser celebrado ou por<br />

autoridade brasileira, ou por autoridade estrangeira. Desta forma,<br />

apresentaremos o assunto subdividindo-o em casamento celebrado<br />

fora do país por autoridade brasileira e, somente depois disto,<br />

abordaremos o casamento celebrado fora do país por autoridade<br />

estrangeira.<br />

2.2.4.1. Casamento celebrado fora do país por autoridade brasileira<br />

A LINDB trata do assunto, por se tratar de direito internacional<br />

privado, afirmando que, em se tratando de brasileiros, são competentes<br />

as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o<br />

casamento e os mais atos de Registro Civil (art. 18).<br />

Portanto, no plano da existência e da validade basta que a autoridade<br />

consular brasileira o celebre, na forma indicada pela LINDB,<br />

para que o matrimonio aconteça.<br />

Outrossim, o Código Civil brasileiro não é alheio ao assunto,<br />

contemplando a disciplina jurídica quanto ao registro deste casa ­<br />

mento. Nessa esteira, segundo o teor do artigo i.544, o casamento<br />

de brasileiro celebrado no estrangeiro, perante as respectivas<br />

autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em<br />

iso (cento e oitenta) dias, a contar da volta de um ou de ambos<br />

os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio ou, em<br />

sua falta, no i '. Ofício da Capital do Estado em que passarem a<br />

residir.<br />

127


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Curiosa disciplina. O Código Civil parte da premissa segundo a<br />

qual tais brasileiros saíram do país e, além disto, que retornaram.<br />

Mas, indaga-se: e se não retornarem?<br />

Entendemos que o signo volta de um dos cônjuges merece<br />

interpretação de acordo com os fins sociais segundo os quais a<br />

norma se destina; afinal de contas é possível que o legislador<br />

não tenha se expressado da melhor maneira. Ademais, é possível<br />

ou que os cônjuges jamais retornem ao Brasil, ou mesmo que<br />

venham à passeio (férias, por exemplo) e fiquem poucos dias por<br />

aqui.<br />

Nestes casos, como proceder em face do deverá ser registrado?<br />

Por outro viés, o Código Civil não traz qualquer consequência<br />

jurídica para a hipótese de desrespeito ao prazo de 180 (cento e<br />

oitenta) dias. Não existiria o casamento? Seria união estável? O prazo<br />

seria peremptório ou decadencial (improrrogável)?<br />

Entendemos que a resposta está no plano da eficácia do casamento.<br />

O matrimônio celebrado fora do país por autoridade consular<br />

é valido. Existe, portanto. Contudo, seus efeitos no Brasil não serão<br />

erga omnes, ante a falta do registro.<br />

Em síntese: é casamento não registrado que, de rigor, poderá ser<br />

a qualquer tempo levado a registro.<br />

Por outro lado, acreditamos que a exigência do art. i.544 do CC<br />

(insista-se, registro no prazo de 180 dias) deve ser compreendida<br />

no sentido de mudança de domicílio, ou seja, impõe-se tão somente<br />

quando o casal de brasileiros veem em definitivo para o Brasil,<br />

aqui constituindo domicílio. Deste modo, a norma ganha sentido<br />

social.<br />

2.2.4.2. Casamento celebrado fora do país por autoridade estrangeira<br />

Já quando celebrado por autoridade estrangeira (cf. artigo 7°, da<br />

LINDB), o casamento será registrado na forma do artigo 32 da Lei n.<br />

6.015/73 (Lei de Registros Públicos), não sendo necessário exequatur;<br />

mas apenas o registro do matrimônio.<br />

128


CASAMENTO<br />

Segundo o art. 7° da LINDB, a Lei do país em que é domiciliada a<br />

pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade,<br />

o nome, a capacidade e os direitos de família. É o status pessoal.<br />

Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira<br />

quanto aos impedimentos e às formalidades da celebração (§ 1°).<br />

O§ 2° do art. 7° da LINDB afirma que o casamento de estrangeiros<br />

poderá ser celebrado perante autoridades diplomáticas ou consulares<br />

do país de ambos os nubentes e, tendo os nubentes domicílios<br />

diversos, regerá os casos de invalidade do matrimônio a Lei do primeiro<br />

domicílio conjugal(§ 3°).<br />

• Na hora da prova:<br />

O concurso para Delegado de Polícia - G0/2013, ao tratar do referido<br />

artigo 7° da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB,<br />

traz como gabarito: "o casamento de estrangeiros poderá celebrar-se<br />

perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os<br />

nubentes".<br />

(TJSP - VUNESP - 2009 - Adaptada) O casamento estrangeiro no Brasil poderá<br />

ser celebrado perante autoridades diplomáticas ou consulares do<br />

país de ambos os cônjuges. (Alternativa verdadeira).<br />

Está claro, destarte, que o casamento de estrangeiros pode ser<br />

celebrado por autoridades do país de qualquer um destes, aplicando-se<br />

o estatuto pessoal dos mesmos (princípio da territorialidade<br />

moderada ou mitigada). Justamente por isto é que, quanto ao regime<br />

de bens, o mesmo há de obedecer à lei do país em que tiverem<br />

os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio<br />

conjugal (§ 4°).<br />

Atenção!<br />

O estrangeiro casado que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa<br />

anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do<br />

decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de<br />

comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada<br />

esta adoção ao competente registro(§ 5° do art. 7° da LINDB).<br />

Quanto ao divórcio, abordaremos o tema nas próximas linhas,<br />

por opção pedagógica, de modo a limitarmos o estudo, a priori, às<br />

espécies e formas de celebração (e não de extinção!) do casamento.<br />

129


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Mas resta uma última questão quanto ao casamento celebrado<br />

fora do país por autoridade estrangeira; qual seja: o problema do<br />

registro deste matrimônio. A solução é dada pela Lei de Registros<br />

Públicos (LRP), especialmente seu art. 32.<br />

O art. 32 da LRP é preciso ao afirmar que os assentos dos casamentos<br />

de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos,<br />

nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas<br />

as certidões pelos cônsules, ou quando por estes tomados, nos termos<br />

do regulamento consular.<br />

Além disto, tais assentos devem ser transladados nos cartórios<br />

do 1° Ofício do domicílio do registrado, ou no 1° Ofício do Distrito Federal,<br />

em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir<br />

efeito no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules<br />

serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações<br />

Exteriores (§ 1°, art. 32, LRP).<br />

Quanto ao casamento realizado no estrangeiro, mas sem registro<br />

aqui no Brasil, o Supremo Tribunal Federal, entendeu ser válido, tendo<br />

a sua averbação apenas o intento de dar publicidade a terceiros.<br />

Segue um trecho da decisão:<br />

"DECISÃO: L Trata-se de agravo de instrumento de decisão<br />

que inadmitiu recurso extraordinário interposto contra acórdão<br />

assim do:" PREVIDENCIÁRIO. FILHA DE SERVIDORA FALECIDA,<br />

QUE PLEITEIA SUA PENSÃO, DIZENDO-SE SOLTEIRA.CASAMENTO REA­<br />

LIZADO NO ESTRANGEIRO, SEM QUE TENHA SIDO REGISTRADO NESSE<br />

PAÍS. Mesmo que não tenha sido aqui registrado, é válido o<br />

casamento realizado no estrangeiro, tendo sua averbação o<br />

mero propósito de dar publicidade a terceiros, para resguardar<br />

os efeitos que daí possam advir no mundo das relações<br />

jurídicas. Precedentes do <strong>Col</strong>endo Superior Tribunal de Justiça.<br />

Desprovimento do recurso" (STF - AI: p6152 RJ, Relatora:<br />

Ministra Ellen Gracie, Data de Julgamento: 26/05/2010).<br />

3. PROMESSA DE CASAMENTO OU ESPONSAIS<br />

A promessa de casamento é popularmente chamada de noivado<br />

e tem, ao nosso sentir, a natureza jurídica de contrato preliminar,<br />

respeitando os eventuais posicionamentos em contrário.<br />

130


CASAMENTO<br />

Mas como proceder caso a aludida promessa seja quebrada?<br />

Em regra, tal questão é solucionada pela utilização de dois princípios<br />

básicos: eticidade e boa-fé pré-contratual.<br />

Por óbvio a promessa de casamento pode ser desfeita e não<br />

é vinculante; afinal a todos é dado o direito de amar e desamar.<br />

Entrementes, a forma como o desfazimento ocorrerá pode gerar, a<br />

depender das circunstâncias, danos materiais e extrapatrimoniais, a<br />

serem indenizados, à exemplo das hipóteses que envolverem ruptura<br />

abrupta e constrangedora às vésperas do enlace sócioafetivo.<br />

Tal indenização tem lugar, inclusive, por configurar claro abuso<br />

de direito, incorrendo na nerno poteste venire contra factum proprium<br />

(proibição do comportamento contraditório). Com efeito, não é dado<br />

que alguém crie no outro toda a expectativa acerca do casamento e,<br />

nas suas vésperas, de forma imotivada, não o realize 16 •<br />

Para que haja, porém, a aludida quebra de confiança, mister que<br />

estejamos diante de um noivado sério, público, com data de casamento<br />

agendada e preparativos iniciados. Apenas em tal cenário,<br />

registre-se, restará cristalina a quebra da confiança, a violação a<br />

boa-fé, o abuso de direito e o comportamento contraditório.<br />

Destarte, no que tange aos danos morais, haverão de ser comprovados,<br />

através de lesão à direito da personalidade. Ou seja: não<br />

estar-se-á diante do dano moral puro ou in re ipsa, o qual decorre da<br />

simples conduta, exigindo-se a comprovação do fato.<br />

~ Como os tribunais estão decidindo estes casos?<br />

APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ROMPIMENTO DE<br />

NOIVADO DANOS MATERIAIS - COMPRA DE CASA - CONTRIBUI­<br />

ÇÃO FINANCEIRA DE AMBAS AS PARTES - DEVER DE INDENIZAR<br />

PROPORCIONALMENTE AO VALOR GASTO POR CADA UM - DANOS<br />

MORAIS NÃO CARACTERIZADOS - AUS~NCIA DE COMETIMENTO<br />

DE ATO ILÍCITO - ROMPIMENTO QUE SE DEU SEM QUALQUER CIR­<br />

CUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL QUE PUDESSE CARACTERIZAR ATO ILÍ­<br />

CITO - CONDENAÇÃO AFASTADA RECURSO PARCIALMENTE<br />

16. Para o aprofundamento sobre o tema abuso de direito, indica-se a leitura do<br />

volume dedicado às obrigações e a responsabilidade civil.<br />

131


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

PROVIDO Não ostenta procedência o pleito de indenização<br />

por dano moral em decorrência de rompimento de noivado,<br />

visto esse fato por si só não constituir ato ilícito. (AC<br />

876874-1; órgão julgador: Nona Câmara Cível do Tribunal de<br />

Justiça do Estado do Paraná; relator: Desembargador José<br />

Augusto Gomes Aniceto; data do julgamento: 3i.05.2012)<br />

RESPONSABILIDADE <strong>CIVIL</strong> CASAMENTO INOCORRENCIA DANO<br />

MATERIAL DANO MORAL INDENIZACAO. Responsabilidade<br />

Civil. Casamento. Cerimônia não realizada por iniciativa<br />

exclusiva do noivo. às vésperas do enlace. Conduta que<br />

infringiu o principio da boa-fé, ocasionando despesas.<br />

nos autos comprovadas, pela noiva, as quais devem<br />

ser ressarcidas. Dano moral configurado pela atitude<br />

vexatória por que passou a nubente, com o casamento<br />

marcado. Indenização que se justifica, segundo alguns,<br />

pela teoria da culpa "in contrahendo", pela teoria do<br />

abuso do direito, segundo outros. Embora as tratativas<br />

não possuam força vinculante, o prejuízo material ou<br />

moral, decorrente de seu abrupto rompimento e violador<br />

das regras da boa-fé, dá ensejo à pretensão indenizatória.<br />

Confirmação, em apelação, da sentença que<br />

assim decidiu. (Apelação n° 0009923-82.1999.8.19.0001;<br />

órgão julgador: Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça<br />

do Estado do Rio de Janeiro; relator: Desembargador<br />

Humberto de Mendonça Manes; data do julgamento:<br />

i7/10/2001)<br />

DOTE. União estável. Meação. O nosso ordenamento ainda<br />

admite a concessão de indenização à mulher que sofre<br />

prejuízo com o descumprimento da promessa de casamento.<br />

Art. I.548, Ili, do Código Civil. Falta dos pressupostos de<br />

fato para o reconhecimento do direito ao dote e à partilha<br />

de bens. Recurso não conhecido. (REsp 251689/RJ;<br />

órgão julgador: Quarta Turma do Superior Tribunal de<br />

Justiça; relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar; data do<br />

julgamento: 29/08/2000).<br />

Outrossim, ainda sob o prisma de uma análise jurisprudencial,<br />

informa-se que o noivado, nem sempre, ocasiona a configuração de<br />

uma união estável. Veja-se:<br />

132


CASAMENTO<br />

UNIAO ESTÁVEL. CONFIGURAÇAO. Para a configuração da união<br />

estável faz-se necessária cabal demonstração de que o casal<br />

mantém relacionamento nos moldes preconizados no art.<br />

i.723 do Código Civil, não bastando, para tanto, a mera formalização<br />

de noivado. Apelo provido em parte. (Apelação Cível n°<br />

70020877122; órgão julgador: Sétima Câmara Cível do Tribunal<br />

de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; relator: Desembargadora<br />

Maria Berenice Dias; data do julgamento: 26/09/2007)<br />

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. NAMORO E POSTERIOR NOIVADO<br />

QUE NÃO CARACTERIZAM A ENTIDADE FAMILIAR. IMPROCEDÊNCIA.<br />

Se os litigantes namoravam, noivaram e depois tiveram convivência<br />

marital por apenas seis meses, não se configura a<br />

união estável, ante a ausência de um dos requisitos legais<br />

que é a entidade familiar duradoura. E não demonstrada<br />

a participação da autora na edificação da casa objeto de<br />

partilha, não se configura também sociedade de fato. Improcedente<br />

a ação de reconhecimento da união estável, descabe<br />

no juízo da família o pedido de indenização por danos<br />

morais. Apelação desprovida. (Apelação Cível n° 70017790668;<br />

órgão julgador: Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do<br />

Estado do Rio Grande do Sul; relator: Desembargador José S.<br />

Trindade; data do julgamento: 18/01/2007).<br />

4. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO CASAMENTO<br />

Seria possível conformar principiologicamente o casamento, de<br />

modo a melhor sistematizá-lo e compreendê-lo?<br />

A resposta, nos parece, afirmativa.<br />

Há muito, a doutrina clássica vem admitindo a presença de específicos<br />

princípios norteadores do matrimônio. ln casu, considerando<br />

os limites deste livro de sinopses, apresentaremos os três princípios<br />

mais relevants, quais sejam: (i) comunhão plena de vida; (ii) monogamia<br />

e (iii) livre união.<br />

Esclareceremos, de imediato, que os limites deste livro exigem<br />

uma escrita direta e sintetizada, sem perder, evidentemente, o enfoque<br />

daquilo que é imprescindível ao concurso público.<br />

4.1. Princípio da comunhão plena de vida<br />

O art. i.511 do CC informa que o casamento estabelece a comunhão<br />

plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres<br />

entre os cônjuges. Mas o que seria esta comunhão plena de vida?<br />

133


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Talvez seja possível afirmar, com base neste princípio e no aludido<br />

preceito do Código Civil, que a união estável não é igual a casamento:<br />

ambas entidades familiares são importantes, mas distintas,<br />

apesar de entre as mesmas inexistir hierarquia.<br />

Para chegar a essa constatação e, com isto, desenvolver o princípio<br />

matrimonial da comunhão plena de vida, é mister uma análise<br />

do disposto no § 3°, do artigo 226, da CF, em harmonia com o art.<br />

i.511 ora apresentado.<br />

O Texto Constitucional prevê a facilitação da conversão das uniões<br />

estáveis em casamentos, o que indicaria que o ordenamento jurídico<br />

constitucional traz possibilidades distintas de famílias. Para aqueles<br />

que buscam uma comunhão plena, o casamento será a opção prevista<br />

nos preceitos normativos acima. A plenitude de vida se realizaria<br />

com o casamento. Entretanto, para aqueles que buscam uma comunhão<br />

de vida menos formal, com repercussão social e hereditária<br />

distinta, o ordenamento jurídico prevê a união estável.<br />

Enxergar os institutos desta maneira facilita o entendimento das<br />

diferenças de tratamento entre o casamento e a união estável, seja<br />

na seara hereditária, seja nos deveres entre os envolvidos.<br />

Nessa esteira de pensamento, entende-se como comunhão<br />

plena de vida uma junção material e moral, sem perder, cada<br />

sujeito, a sua personalidade, em busca de um projeto comum,<br />

maior, matrimonial.<br />

Esse debate, contudo, não tem sido apresentado pela doutrina<br />

contemporânea que, como se observa, não vem apresentando<br />

o princípio da comunhão plena de vida, muito menos<br />

estabelecendo um debate teórico aprofundado sobre o<br />

assunto. De qualquer modo, como anunciado, não é objeto<br />

desta obra o aprofundamento para além de uma sinopse,<br />

daí porque convidamos o leitor a uma reflexão mais aprofundada,<br />

com base na doutrina clássica de Orlando Gomes e<br />

Pontes de Miranda.<br />

4.2. Princípio da monogamia<br />

o art. i.521, inciso IV do CC afirma, categoricamente, que pessoas<br />

casadas não podem casar. O desrespeito a tal impedimento matrimonial<br />

ocasionará a nulidade do casamento (CC, i.548, 11).<br />

134


CASAMENTO<br />

Nesta senda, o nosso ordenamento jurídico não admite o concubinato,<br />

uma vez que resulta de união entre pessoas impedidas<br />

legalmente de se casar. Este é posicionamento do Superior Tribunal<br />

de justiça no julgado abaixo:<br />

Ementa: "RECURSO ESPECIAL- MILITAR - PENSÃO POR MORTE - RA­<br />

TEIO ENTRE CONCUBINA E VIÚVA - IMPOSSIBILIDADE<br />

1 - Ao erigir à condição de entidade familiar a união estável,<br />

inclusive facilitando a sua conversão em casamento, por certo<br />

que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional<br />

não contemplaram o concubinato, que resulta de união<br />

entre homem e mulher impedidos legalmente de se casar.<br />

Na espécie, o acórdão recorrido atesta que o militar convivia<br />

com sua legítima esposa.<br />

li - O direito à pensão militar por morte, prevista na Lei n°<br />

5.774/71, vigente à época do óbito do instituidor, só deve<br />

ser deferida à esposa, ou à companheira, e não à concubina.<br />

Recurso especial provido. (REsp n° 813.175/RJ. Quinta Turma,<br />

Relator: Ministro FELIX FISCHER, julgado em 23/08/2007).<br />

No âmbito criminal, o art. 235 do CP tipifica a bigamia como "Contrair<br />

alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de dois a<br />

seis anos". Até mesmo a pessoa não casada, contraindo matrimônio<br />

com outrem que se encontre casado, conhecendo desta circunstância,<br />

será punida (reclusão ou detenção de um a três anos).<br />

~ Atenção!<br />

Se anulado por qualquer motivo, a exceção da bigamia, o primeiro casamento,<br />

ou o outro, considera-se inexistente o crime. É o que prescreve<br />

o § 2° do art. 235 do CP.<br />

Perpassando pelos deveres do casamento, infere-se a presença, no art.<br />

i.566, da necessidade de observância à fidelidade recíproca. Ademais, é<br />

anulável a doação de bens do cônjuge ao seu cúmplice pelo adultério,<br />

nas pegadas do art. 550 do CC.<br />

Em virtude do dever de fidelidade, e, por conseguinte, a observância<br />

do princípio da monogamia, é que o Superior Tribunal de<br />

justiça não reconheceu a existência de união estável concomitante<br />

ao casamento civil neste julgado:<br />

735


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

EMENTA: <strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA E PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. RECURSO ES­<br />

PECIAL. AÇAO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. HOMEM<br />

CASADO. OCORRÊNCIA DE CONCUBINATO. INDAGAÇÕES ACERCA DA<br />

VIDA ÍNTIMA DOS CÔNJUGES. IMPERTINÊNCIA. INVIOLABILIDADE DA<br />

VIDA PRIVADA. SEPARAÇAO DE FATO NAO PROVADA. ÔNUS DA PRO­<br />

VA QUE RECAI SOBRE A AUTORA DA AÇAO.<br />

i. A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer<br />

como união estável a relação concubinária não eventual,<br />

simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação<br />

de fato ou de direito do parceiro casado.<br />

2. o acórdão recorrido estabeleceu que o falecido não havia<br />

desfeito completamente o vínculo matrimonial - o qual, frise­<br />

-se, perdurou por trinta e seis anos-, só isso seria o bastante<br />

para afastar a caracterização da união estável em relação<br />

aos últimos três anos de vida do de cujus, período em que<br />

sua esposa permaneceu transitoriamente inválida em razão<br />

de acidente. Descabe indagar com que propósito o falecido<br />

mantinha sua vida comum com a esposa, se por razões humanitárias<br />

ou qualquer outro motivo, ou se entre eles havia<br />

"vida íntima".<br />

3. Assim, não se mostra conveniente, sob o ponto de vista<br />

da segurança jurídica, inviolabilidade da intimidade, vida privada<br />

e dignidade da pessoa humana, discussão acerca da<br />

quebra da affectio familiae, com vistas ao reconhecimento<br />

de uniões estáveis paralelas a casamento válido, sob pena<br />

de se cometer grave injustiça, colocando em risco o direito<br />

sucessório do cônjuge sobrevivente.<br />

4. Recurso especial provido. (STJ, REsp n° i.096.539 - RS<br />

(2008/0217038-7), Quarta Turma, Relator: Ministro Luís Felipe<br />

Salomão, Julgado em 27/03/2012).<br />

Como se percebe, o direito brasileiro valoriza a monogamia,<br />

especialmente no plano da família matrimonializada, máxime por<br />

toda história dentro da qual esta foi construída no mundo e no<br />

Brasil.<br />

Por tudo isto, não há como negar que a monogamia ganha destaque<br />

no chamado direito matrimonial. Ainda que se discuta no plano<br />

geral do direito de família se seria ou não princípio, induvidosamente<br />

o é no campo das relações conjugais, diante dos contornos<br />

normativos acima identificados.<br />

736


CASAMENTO<br />

4.3. Princípio da livre união<br />

Sob as lentes da autonomia privada e do direito à liberdade,<br />

constitucionalmente consagrados, tendo em vista os importantes<br />

efeitos jurídicos que o casamento enseja no plano das relações humanas<br />

(herança, alimentos, nepotismo, inelegibilidade, etc), há parte<br />

da doutrina familiarista clássica que reconhece, como princípio<br />

matrimonial, a livre união.<br />

o art. i.514 do cc expressamente dispõe que o casamento se<br />

realiza no momento em que os consortes manifestam sua vontade<br />

de estabelecer o vínculo conjugal e, assim, o juiz os declara casados.<br />

Por esta razão, se constatado qualquer vício de consentimento, o<br />

casamento será anulado. Confira o julgado do Tribunal de Justiça do<br />

Rio Grande do Sul:<br />

AÇÃO DE NULIDADE DE CASAMENTO. CAPACIDADE <strong>CIVIL</strong> DO NUBEN­<br />

TE. EXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. Se os problemas de<br />

saúde do nubente lhe retiraram a sua higidez mental e a sua<br />

capacidade civil, que foi atestada pela prova testemunhal e<br />

pelos documentos acostados aos autos, e se não foram observados<br />

os requisitos legais, então é inválido e ineficaz o<br />

casamento realizado entre o de cujus e a ré. Recurso desprovido.<br />

(TJRS, Apelação Cível N° 70031174295, Sétima Câmara Cível,<br />

Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em<br />

12/05/2010).<br />

Esta vontade manifestada no momento da celebração é exteriorizada,<br />

juridicamente falando, antes mesmo disto, quando os contraentes,<br />

mediante petição, pedem à autoridade celebrante que designe<br />

dia e hora para o ato (art. i.533, CC).<br />

A preocupação legal com a livre manifestação da vontade (livre<br />

união) é tamanha que o art. i.538 do CC determina a imediata suspensão<br />

da celebração, caso algum dos contraentes declarar que esta<br />

não é livre ou espontânea (inciso li).<br />

O art. i.535 do CC impõe à autoridade celebrante que, ouvida a<br />

afirmação dos nubentes de que pretendem casar por livre e espontânea<br />

vontade, declarará efetuado o matrimônio, nos seguintes termos:<br />

NDe acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante<br />

mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos<br />

declaro casados".<br />

137


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

É o único momento que, em todo Código Civil, se encontrará um<br />

texto pré-estabelecido a ser lido ritualmente por uma autoridade pública<br />

celebrante de um determinado ato. Tal texto é denominado de<br />

fórmula sacramental e denota toda a formalidade do matrimônio.<br />

5. FINALIDADE DO CASAMENTO<br />

Secularmente, entendia-se que a procriação consistia na finalidade<br />

primordial do casamento, o que inclusive se fez prever; historicamente,<br />

em vários documentos e momentos, como, por exemplo, no<br />

Concílio Tridentino, na Encíclica Papal Casti Connubii e na Constituição<br />

do Arcebispado Baiano. Ao lado da procriação, eram apontadas como<br />

finalidades do casamento a mútua assistência e a criação da prole.<br />

Contudo, já observamos a importante virada paradigmática do<br />

direito de família no Brasil. Justamente diante desta nova perspectiva,<br />

constitutional e crítica, foi preciso refletir à respeito da concepção<br />

outrora construída, derredor das finalidades do casamento.<br />

Como sustentar, por exemplo, ser a procrição uma das finalidades<br />

do casamento, na contemporaneidade, se há tantos casais estéreis,<br />

ou que não desejam, por qualquer tipo de convicção, ter filhos?<br />

Idem para a criação dos filhos.<br />

Já no que tange à mútua assistência, seria ele decorrente mesmo<br />

da finalidade do matrimônio? Casa-se para isto? Para obter assistência<br />

mútua?<br />

Diante da virada constitucional, percebe-se que a verdadeira finalidade<br />

do casamento não é procriar, muito menos assistir mutuamente.<br />

Não. O objetivo do matrimônio deve se assemelhar à própria<br />

noção atual da família . Em outras palavras: a finalidade do casamento<br />

é semelhante a finalidade da família.<br />

Mas qual seria tal finalidade?<br />

O casamento, assim como a família, há de ser compreendido de<br />

modo despatrimonializado e funcionalizado, numa concepção eudemonista,<br />

onde a busca pela felicidade será realizada através da<br />

construção da dignidade humana dos integrantes, nesta união plena<br />

de vida.<br />

738


CASAMENTO<br />

A personalidade de cada integrante do casamento há de ser respeitada.<br />

Com ela há de se ficar atento aos desejos, a busca da felicidade.<br />

O casamento, ao lado da família, devem ser instrumentos da<br />

promoção do ser.<br />

6. A EXISTÍNCIA DO CASAMENTO<br />

Analisar a existência do matrimônio significa perquirir sobre os elementos<br />

necessários para que o ato seja visto como jurídico. Ou seja:<br />

traduz se questionar sobre quais são os elementos estruturantes do<br />

negócio jurídico casamento, sem os quais o ato seria um nada jurídico.<br />

Como lembram Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald 11 , há discussão<br />

na doutrina brasileira sobre a existência de um plano de existência<br />

(com o perdão da repetição). Isto, porque, o direito positivo<br />

brasileiro não se dedica ao tema, sendo usual, alguns doutrinadores,<br />

tratarem da inexistência como nulidade.<br />

Entrementes, registra-se, o posicionamento majoritário hoje no<br />

Brasil defende a existência do plano de existência (mais uma vez, com<br />

o perdão da repetição).<br />

Mas, então, porque a doutrina criou o plano de existência?<br />

o entendimento da criação do plano de existência perpassa pelo<br />

estudo das invalidades dos negócios jurídicos. Assim, remete à análise<br />

da legislação francesa.<br />

O Código Civil Napoleônico (i.804) veiculava difundido adágio, segundo<br />

o qual: não há nulidade sem lei prévia (Pas de nullité sans<br />

texte). Entrementes, com o passar do tempo, foram surgindo situações<br />

não acolhidas pela moral a época, mas impassíveis de invalidações,<br />

ante a inexistência de leis prévias. Neste contexto, se inseria o<br />

casamento entre pessoas do mesmo sexo, o qual não era proibido,<br />

mas não era socialmente acolhido.<br />

Nesta toada, os operadores do direito foram instados a criar um<br />

teoria que afastasse tais atos do ordenamento jurídico, mesmo sem<br />

lei prévia imputando invalidade. Nasce, então, no século XIX (i.808),<br />

17. Op. Cit. p. 249.<br />

739


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

na Alemanha, a teoria da inexistência do casamento, através das<br />

mãos de zachariae Von Lingenthal, ao comentar o Código Civil Francês,<br />

como lembra Flávio Tartuce 18 •<br />

Maria Helena Diniz 19 recorda, ainda, como importantes baluartes<br />

internacionais doutrinários sobre o assunto, os ensinamentos Saleilles,<br />

Marcel Plainol e Georges Ripert. Já no direito nacional, remete-se<br />

a Pontes de Miranda o pioneirismo ao tratar do tema.<br />

Em síntese, o escopo da criação do plano da existência dos negócio<br />

foi, justamente, reputar como inexistentes situações na quais não<br />

se desejava a produção de efeitos do ato, mas não havia lei prévia<br />

imputando a invalidade do mesmo.<br />

Tradicionalmente, a doutrina indica como elementos do plano de<br />

existência do casamento: a) Consentimento Livre dos Nubentes; b)<br />

Celebração por Autoridade Competente e c) Diversidade de Sexos.<br />

Em uma análise atual, ante as últimas manifestações das Casas<br />

Judiciais pátrias, pensamos que apenas podem ser vistos como elementos<br />

da existência o livre consentimento e a celebração por autoridade<br />

competente, como se passa a deslindar.<br />

O primeiro pressuposto de existência do casamento é a liberdade<br />

na manifestação de vontade dos noivos. Em sendo o matrimônio<br />

um negócio jurídico, nada mais lógico do que se exigir a manifestação<br />

de vontade. Assim, um casamento celebrado em virtude de<br />

uma coação absoluta (física), ter-se-á por inexistente, pois aqui não<br />

há manifestação de vontade. Exemplifica-se com alguém que, sob o<br />

mira de uma arma, disse sim ao outro contratante. O mesmo se dá<br />

em um casamento no qual não há manifestação de vontade, ante ao<br />

silencio de uma das partes.<br />

O segundo pressuposto é a competência da autoridade celebrante.<br />

Aqui, que fique claro, fala-se de uma competência material do<br />

presidente do ato, que pode ser um juiz de direito, juiz de paz,<br />

autoridade eclesiástica, consular ... (arts. i.535, i.536 e 1.544 do CC).<br />

18. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Edição 2012. Editora Método. São Paulo,<br />

p. lo66.<br />

29. ln Curso de Direito Civil. p. 54.<br />

740


CASAMENTO<br />

Caso, portanto, o casamento seja celebrado por uma autoridade<br />

materialmente incompetente para tanto - como um delegado,<br />

um promotor, um defensor, um juiz do trabalho - será inexistente.<br />

Todavia, sendo a incompetência da autoridade celebrante apenas<br />

relativa - como um juiz penal que celebra um casamento; ou um juiz<br />

de direito de outra comarca - o ato será anulável, na forma do art.<br />

i.550, VI do Código Civil. Isto, porque, neste cenário a autoridade é<br />

investida pelo Estado para a celebração de casamentos; todavia,<br />

não naquela comarca.<br />

Já no que tange à diversidade de sexos, seguindo o direito<br />

comparado (Argentina, Uruguai, Bélgica, Canadá, Espanha, Holanda<br />

... ), o Brasil não mais adota como elemento de existência do<br />

casamento.<br />

Explica-se.<br />

Com o julgamento da ADPF i32 - RJ, passou o Supremo Tribunal<br />

Federal a entender a união homoafetiva como entidade familiar,<br />

aplicando a esta, por analogia, as regras da união estável.<br />

Que fique claro! O STF não entendeu que a união homoafetiva é<br />

uma união estável, atento ao fato de exigir a Constituição Federal<br />

o caráter heterossexual do instituto (art. 226, parágrafo terceiro).<br />

Após a aludida decisão, casais homoafetivos passaram a lavrar<br />

escrituras públicas de convivência, sob o prisma da aplicação, por<br />

analogia, da regras união estável. Ato contínuo, aplicando-se por<br />

analogia do art. 226 da CF/88 e art. q26 do CC, passaram a pleitear<br />

a conversão da união homoafetiva em casamento, o que fora acolhido<br />

pelo Poder Judiciário.<br />

~ Como os Tribunais estão entendendo o casamento entre pessoas<br />

do mesmo sexo?<br />

A teoria do casamento inexistente, quanto ao requisito diversidade de<br />

sexo, está fadada ao desuso ante o entendimento firmado no Supremo<br />

Tribunal Federal reconhecendo a união homoafetiva (ADPF 132/RJ e ADI<br />

4277/DF). Ademais, o Superior Tribunal de Justiça também vem entendendo<br />

pela possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo<br />

(REsp. 1.183.378/RS).<br />

747


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUN­<br />

DAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO,<br />

NA PARTE REMANESCENTE. COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU­<br />

CIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO<br />

COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE<br />

AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação<br />

dos fundamentos da ADPF 132-RJ pela ADI 4.277-<br />

DF, com a finalidade de conferir "interpretação conforme<br />

à Constituição" ao art. i.723 do Código Civil. Atendimento<br />

das condições da ação.<br />

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO<br />

DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER<br />

(GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA<br />

QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO<br />

DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLU­<br />

RALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE<br />

PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGO­<br />

RIA DOS <strong>DIREITO</strong>S FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO<br />

QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. <strong>DIREITO</strong> À INTIMIDADE E À<br />

VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. o sexo das pessoas, salvo<br />

disposição constitucional expressa ou implícita em sentido<br />

contrário, não se presta como fator de desigualação<br />

jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do<br />

art. 3° da Constituição Federal, por colidir frontalmente<br />

com o objetivo constitucional de "promover o bem de<br />

todos". Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do<br />

concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana<br />

"norma geral negativa", segundo a qual "o que<br />

não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está<br />

juridicamente permitido". Reconhecimento do direito à<br />

preferência sexual como direta emanação do princípio<br />

da "dignidade da pessoa humana": direito a auto-estima<br />

no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito<br />

à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do<br />

preconceito para a proclamação do direito à liberdade<br />

sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia<br />

da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da<br />

sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade<br />

constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade.<br />

142


CASAMENTO<br />

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍ­<br />

LIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO<br />

EMPRESTA AO SUBSTANTIVO #FAMÍLIA" NENHUM SIGNIFICA­<br />

DO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA<br />

COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL.<br />

<strong>DIREITO</strong> SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO<br />

NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família,<br />

base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase<br />

constitucional à instituição da família. Família em seu<br />

coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico,<br />

pouco importando se formal ou informalmente constituída,<br />

ou se integrada por casais heteroafetivos ou por<br />

pares homoafetivos. A Constituição de i988, ao utilizar-se<br />

da expressão #família", não limita sua formação a casais<br />

heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração<br />

civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada<br />

que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas,<br />

mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária<br />

relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal<br />

lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais<br />

que a própria Constituição designa por "intimidade e<br />

vida privada" (inciso X do art. 5°). Isonomia entre casais<br />

heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha<br />

plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo<br />

à formação de uma autonomizada família. Família<br />

como figura central ou continente, de que tudo o mais é<br />

conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista<br />

do conceito de família como instituição que também<br />

se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da<br />

Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada<br />

na direção do pluralismo como categoria sócio­<br />

-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal<br />

para manter, interpretativamente, o Texto Magno na<br />

posse do seu fundamental atributo da coerência, o que<br />

passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação<br />

sexual das pessoas.<br />

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A<br />

HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO<br />

DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ES­<br />

TABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIE­<br />

RARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO.<br />

743


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE "ENTIDADE FA­<br />

MILIAR" E "FAMÍLIA". A referência constitucional à dualidade<br />

básica homem/mulher, no §3° do seu art. 226, deve-se ao<br />

centrado intuito de não se perder a menor oportunidade<br />

para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem<br />

hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço<br />

normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal<br />

dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso<br />

da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta<br />

de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226<br />

no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que. ao<br />

utilizar da terminologia "entidade familiar", não pretendeu<br />

diferenciá-la da "família". Inexistência de hierarquia<br />

ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas<br />

de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico.<br />

Emprego do fraseado "entidade familiar" como<br />

sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a<br />

formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração<br />

do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão<br />

em face de um direito ou de proteção de um legítimo<br />

interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se<br />

dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos<br />

heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com<br />

os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2° do art.<br />

5° da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos<br />

e garantias, não expressamente listados na Constituição,<br />

emergem "do regime e dos princípios por ela adotados",<br />

verbis: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição<br />

não excluem outros decorrentes do regime e dos<br />

princípios por ela adotados. ou dos tratados internacionais<br />

em que a República Federativa do Brasil seja parte".<br />

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO<br />

ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski,<br />

Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no<br />

particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo<br />

enquadramento da união homoafetiva nas espécies de<br />

família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo,<br />

reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo<br />

como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta<br />

à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento<br />

da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.<br />

144


CASAMENTO<br />

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. i.723 DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> EM CON­<br />

FORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA "IN­<br />

TERPRETAÇÃO CONFORME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HO­<br />

MOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a<br />

possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso<br />

ou discriminatório do art. i.723 do Código Civil, não resolúvel<br />

à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização<br />

da técnica de #interpretação conforme à Constituição".<br />

Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado<br />

que impeça o reconhecimento da união contínua,<br />

pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como<br />

família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as<br />

mesmas regras e com as mesmas consequências da união<br />

estável heteroafetiva. (ADPF 132; órgão julgador: Pleno do<br />

Supremo Tribunal Federal; relator: Ministro Ayres Britto;<br />

data do julgamento: 05/05/2011) [grifos não originais]<br />

EMENTA. <strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. CASAMENTO <strong>CIVIL</strong> ENTRE PESSOAS<br />

DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS.<br />

1.514, i.521, l.523. i.535 e i.565 DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> DE 2002.<br />

INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA<br />

O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA<br />

CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓ­<br />

GICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ<br />

E DA ADI N. 4.277/DF.<br />

1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião<br />

do direito infraconstitucional, no estado atual em que se<br />

encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase<br />

histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível<br />

ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas"<br />

para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue<br />

ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na<br />

Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo<br />

sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional,<br />

não pode conferir à lei uma interpretação que não<br />

seja constitucionalmente aceita.<br />

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da<br />

ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do<br />

Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição<br />

para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento<br />

da união contínua, pública e duradoura entre pessoas<br />

do mesmo sexo como entidade familiar, entendida<br />

esta como sinônimo perfeito de família.<br />

145


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova<br />

fase do direito de família e, consequentemente, do casamento,<br />

baseada na adoção de um explícito poliformismo<br />

familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos<br />

a constituir esse núdeo doméstico chamado "família",<br />

recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim,<br />

é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção<br />

constitucional do conceito histórico de casamento, sempre<br />

considerado como via única para a constituição de família e,<br />

por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados<br />

princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.<br />

Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente<br />

do que ocorria com os diplomas superados - deve<br />

ser necessariamente plural, porque plurais também são as<br />

famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário<br />

final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de<br />

um propósito maior; que é a proteção da pessoa humana<br />

em sua inalienável dignidade.<br />

4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente<br />

reconhecido em precedentes tanto desta Corte<br />

quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias<br />

formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de<br />

proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas<br />

na tradição e formadas por casais heteroafetivos.<br />

5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é<br />

que essas famílias multiformes recebam efetivamente a<br />

"especial proteção do Estado", e é tão somente em razão<br />

desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar<br />

a conversão da união estável em casamento, ciente o<br />

constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege<br />

esse núcleo doméstico chamado família.<br />

6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a<br />

forma pela qual o Estado melhor protege a família, e<br />

sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos<br />

pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma<br />

família que por ela optar, independentemente de<br />

orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias<br />

constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos<br />

núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais<br />

heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de<br />

seus membros e o afeto.<br />

146


CASAMENTO<br />

7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito<br />

a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um<br />

projeto de vida independente de tradições e ortodoxias.<br />

Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza<br />

com plenitude se é garantido o direito à diferença.<br />

Conclusão diversa também não se mostra consentânea<br />

com um ordenamento constitucional que prevê o princípio<br />

do livre planejamento familiar (§ 7° do art. 226). E é<br />

importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento<br />

familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas<br />

pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e<br />

desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla<br />

liberdade de escolha pela forma em que se dará a união.<br />

8. Os arts. i.514, i.521, 1.523. i.535 e i.565, todos do Código<br />

Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento<br />

entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar<br />

uma vedação implícita ao casamento homoafetivo<br />

sem afronta a caros princípios constitucionais, como o<br />

da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da<br />

pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento<br />

familiar.<br />

9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a<br />

maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia<br />

mesmo "democraticamente" decretar a perda de<br />

direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre<br />

alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário<br />

- e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário<br />

e protetivo de especialíssima importância,<br />

exatamente por não ser compromissado com as maiorias<br />

votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição,<br />

sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais,<br />

sejam eles das minorias, sejam das maiorias.<br />

Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos,<br />

a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma<br />

como forma de governo, não das maiorias ocasionais,<br />

mas de todos.<br />

10. Enquanto o Congresso Nacional. no caso brasileiro,<br />

não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse<br />

processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente<br />

vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir­<br />

-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um<br />

Estado que somente é "democrático" formalmente, sem<br />

147


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

que tal predicativo resista a uma mínima investigação<br />

acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso<br />

especial provido. (REsp 1183378/RS; órgão julgador: Quarta<br />

Turma do Superior Tribunal de Justiça; relator: Ministro<br />

Luis Felipe Salomão; data do julgamento: 25/10/2011).<br />

Ainda na análise da existência, de forma isolada, Carlos Roberto<br />

Gonçalves'º defende como pressuposto para que o casamento seja<br />

jurídico a obediência do seu rito, estampado nos artigos i.535 e i.536<br />

do Código Civil.<br />

Questão intrigante poderia surgir quanto a transexuai. Isto porque<br />

o Superior Tribunal de Justiça, nos Informativos 411 e 415 admite<br />

a mutação registrai.<br />

É possível, por força dos julgados acima, concluir pela possibilidade<br />

do transexual que realizou a transgenitalização, alterando o<br />

nome e o sexo no assento de pessoa natural, contrair matrimônio<br />

com alguém do sexo oposto, desde que revele esta situação ao nubente,<br />

a fim de se respeitar a livre união, a boa-fé, lealdade e, principalmente,<br />

evitar hipótese de erro essencial, prevista no art. i.566<br />

do cc.<br />

À propósito, a transexualidade constitui doença, segundo o Código<br />

Internacional de Doenças (CID f.64.0), no que demanda uma cirurgia<br />

de redesignação ou readequação.<br />

~ Atenção!<br />

o transexualismo constitui doença. Eis transcrição do CID: TRANSEXUA­<br />

LISMO F-64.0 - Em transtorno de identidade sexual. O transexualismo<br />

caracteriza-se pelo desejo de viver e de ser aceito como um membro do<br />

sexo oposto. Geralmente esse transtorno vem acompanhado por uma<br />

sensação de desconforto e até de impropriedade com o sexo anatômico.<br />

Esse transtorno geralmente leva o transexual a buscar tratamentos<br />

hormonais e até mesmo cirurgias transformadoras em busca de maior<br />

conforto e congruência com o sexo preferido. Segundo o CID-10, para<br />

20. Op. Cit. p. 126.<br />

148


CASAMENTO<br />

que o diagnóstico seja feito, a identidade transexual deve estar presente<br />

pelo menos 2 anos e não deve estar associado a outros transtornos<br />

mentais, tais como: esquizofrenia e neffi estar associado a anormalidade<br />

intersexual, genético e cromossomo sexual. O transexualismo segundo<br />

a CID-10, caracteriza um transtorno de identidade sexual (F-64) estando<br />

fodificado como F64"º<br />

Após a redesignação, não haverá qualquer problema quanto à<br />

diversidade de sexos, devendo apenas verificar-se o cumprimento<br />

do dever de informação ao outro cônjuge, inclusive para que tenha<br />

ciência sobre a impossibilidade de procriação. O problema para o<br />

casamento, portanto, não irá girar em torno da diversidade de sexos,<br />

mas sim irá repercutir na questão do erro quanto à pessoa .<br />

Observe-se que, inclusive, será possível que, após a redesignação,<br />

uma pessoa transexual seja homossexual, nutra desejos sexuais por<br />

pessoas de mesmo sexo.<br />

7. DA VALIDADE DO CASAMENTO. CAPACIDADE PARA CASAR (CAPACIDADE<br />

NÚBIL)<br />

De acordo com o art. i.517 do cc, o homem e a mulher, com<br />

dezesseis anos, podem casar, exigindo-se autorização de ambos<br />

os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a<br />

maioridade civil.<br />

Portanto, o maior de 16 (dezesseis) anos tem capacidade para<br />

casar, ou seja, é titular de capacidade núbil (para o casamento). Isto<br />

vale tanto para o homem, quanto para a mulher, ante o princípio da<br />

isonomia, havendo aqui significativa adequação (e avanço histórico)<br />

da legislação cível ao Texto Constitucional.<br />

Registra-se que a igualdade etária em questão é novidade, ao<br />

passo que a legislação anterior pontuava diferentes capacidades:<br />

o homem poderia se casar aos 18 (dezoito) anos e a mulher aos 16<br />

(dezesseis).<br />

Voltando ao vigente Código Civil, percebe-se que a capacidade<br />

para o casamento (núbil) não pode ser confundida com a sua legitimação.<br />

Explica -se.<br />

749


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Capacidade núbil constitui expressão jurídica de conteúdo mais<br />

amplo, prevista nos artigos i.517 a i.520 do Código Civil. Em tese, aos<br />

16 (dezesseis) anos, tal capacidade é adquirida. Mas, então, indaga­<br />

-se: basta que os nubentes tenham 16 (dezesseis) anos para que<br />

possam se casar?<br />

A resposta é negativa!<br />

Isto porque, para a prática do matrimônio, além da capacidade<br />

núbil, faz-se necessária uma legitimação; ou seja: uma específica<br />

autorização. Justo por isto, irmãos, que possuam idade de 16 (dezesseis)<br />

anos, malgrado tenham capacidade núbil, não poderão se<br />

casar entre si, pois carecem de legitimação. Tal legitimação pode<br />

também ser chamada em sua prova como autorização, capacidade<br />

negocial ou privada.<br />

Destarte, apesar de possuir capacidade para se casar, as pessoas<br />

com mais de 16 (dezesseis) anos, e com menos de 18 (dezoito), como<br />

sabemos, são relativamente incapazes e, portanto, devem ser assistidas<br />

na prática de certos atos da vida civil. No particular, o Código<br />

Civil exige autorização, a ser concedida pelos representantes legais<br />

ou suprida por ordem judicial.<br />

É dizer: o maior de 16 (dezesseis) anos e menor de 18 (dezoito)<br />

que deseje casar, deverá obter autorização específica do seu representante<br />

legal. Esta autorização há de ser conferida no procedimento<br />

de habilitação para o casamento e poderá ser revogada até<br />

o momento da celebração do mesmo. Segundo a doutrina, caso os<br />

representantes do incapaz participem da celebração do casamento,<br />

entende-se que a autorização para o matrimônio fora conferida, ainda<br />

que de forma tácita.<br />

A banca do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, na prova<br />

para provimento do cargo de Promotor de Justiça (ano de 2013)<br />

trouxe como gabarito correto a seguinte assertiva: "O homem e a mulher<br />

com dezesseis anos podem casar; exigindo-se autorização de ambos<br />

os pais ou de seus representantes legais, enquanto não atingida<br />

a maioridade civil". Transcrição literal do art. i.517, do Código Civil.<br />

Por este mesmo fundamento é que a banca CESPE, na prova para<br />

Analista Judiciário do TRT - ioa REGIÃO (DF e TO), ano de 2on considerou<br />

errada a assertiva no que se refere à idade núbil: "O Código Civil<br />

750


CASAMENTO<br />

adotou o cnteno biopsicológico com relação à idade núbil; assim,<br />

para a mulher e o homem poderem casar é necessário que tenham<br />

completado, respectivamente, dezesseis e dezoito anos de idade".<br />

Sobre tal autorização, há algumas possíveis questões de prova:<br />

a) Se os pais do menor forem divorciados e ele estiver sob a guarda<br />

unilateral de um dos genitores, ou outro necessitará autorizar<br />

para o matrimônio?<br />

A reposta é positiva!<br />

Decerto, malgrado a guarda está unilateralmente com um dos<br />

genitores, o outro tem o dever de supervisão (art. i.583, parágrafo<br />

terceiro), sendo dotado, ainda, do poder familiar. Lembre-se, sempre,<br />

que a guarda não coloca fim ao poder familiar.<br />

b) Como proceder se houver divergência entre os pais na aludida<br />

autorização?<br />

Neste cenário, deverá a supracitada autorização ser pleiteada<br />

em juízo, mediante uma ação de supressão (arts. i.517 e i.631 do<br />

CC). Aqui, ressalta-se, o Poder Judiciário deve decidir o que é melhor<br />

para o menor, segundo o princípio da máxima proteção.<br />

e) E se a negativa dos genitores for injusta?<br />

Estar-se-á diante de mais uma hipótese de necessidade da busca<br />

do suprimento judicial, nos moldes do art. i.519 do CC. Mais uma<br />

vez, repisa-se, o Poder Judiciário deve decidir o que é melhor para<br />

o menor, segundo o princípio da máxima proteção.<br />

~ Atenção!<br />

Para as hipóteses nas quais o casamento se realiza por força de decisão<br />

judicial (suprimento), a lei impõe o regime da separação obrigatória<br />

de bens, nos termos do art. i.641 do CC. Assim, nas casuísticas acima<br />

levantas (alíneas "b" e "c"), haverá o casamento, através da autorização<br />

judicial, atento à proteção integral e obediente ao regime da separação<br />

obrigatória de bens.<br />

Todavia, como o menor vai iniciar o procedimento da supressão<br />

judicial, se precisaria ser assistido justamente por quem lhe negou<br />

a autorização?<br />

757


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Interessante notar, sob o ponto de vista do processo civil, que o<br />

procedimento levado a cabo visando a supressão judicial pode ser<br />

patrocinado pela Defensoria Pública, tendo em vista a missão institucional<br />

desta em desempenhar a função de curadoria.<br />

Além disto, como a hipótese é de nítido conflito entre o incapaz e<br />

o seu representante legal, será possível, ao Juiz de Direito, designar<br />

curador especial, nos termos do artigo 9° do CPC; afinal de contas: "O<br />

juiz dará curador especial: ao incapaz, se não tiver representante legal,<br />

ou se os interesses deste colidirem com os daquele".<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 9° do CPC ainda vigente, estcíno novo CPC (NCPC) como art. 72.<br />

Questão intrigante reside em saber se é possível, excepcionalmente,<br />

a antecipação da capacidade núbil, permitindo-se o casamento<br />

do menor de 16 (dezesseis) anos. Seria possível?<br />

A resposta está no art. i.520 do CC.<br />

Pela letra fria da lei, seria possível o casamento do menor de 16<br />

(dezesseis) anos em duas situações: (i) gravidez e (ii) para evitar<br />

imposição ou cumprimento de pena criminal. Trata-se de norma produzida<br />

em 2002.<br />

Acerca da gravidez, a doutrina é pacífica. Ou seja: havendo gestação,<br />

o menor de 16 (dezesseis) anos poderá se casar.<br />

Contudo, no que tange o casamento do menor de 16 (dezesseis)<br />

anos para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal, a<br />

doutrina é divergente. Isto, porque, com o advento de duas Leis<br />

Federais Penais (Lei Federal n. 1i.106/05 e Lei Federal n. 12.015/09), é<br />

possível sustentar a derrogação (revogação parcial) do artigo i.520,<br />

do Código Civil.<br />

As Leis Federais supracitadas foram responsáveis por retirar o<br />

casamento do rol de hipóteses de extinção da punibilidade nos crimes<br />

contra os costumes. Dessa forma, em não mais sendo hipótese<br />

de extinção da punibilidade, qual seria o interesse da manutenção<br />

da autorização cível do casamento do menor de 16 (dezesseis) anos<br />

para livrar da imposição ou cumprimento de pena criminal?<br />

O único cenário possível seria enxergar um tipo penal cometido<br />

antes da referida retirada da excludente do ordenamento jurídico,<br />

752


CASAMENTO<br />

com um casamento posterior a retirada desta excludente, autorizado<br />

civilmente, com o fito de evitar tal imposição ou cumprimento de<br />

pena criminal. Tal tese é tecnicamente possível sob a perspectiva<br />

que a norma penal não pode retroagir para piorar a situação do réu,<br />

sendo a novatio legis in pejus irretroativa.<br />

Entrementes, ainda que assim se pense, seria inviável a manutenção<br />

da normal, pois esta questão temporal não mais tem sustentação<br />

após tantos anos da retirada da excludente.<br />

Ademais, numa perspectiva processual penal, a ação crime passou<br />

a ser pública e incondicionada, de modo a se apresentar como<br />

obrigatória e irrenunciável.<br />

Mas, então, como proceder no certame concursai?<br />

Caso a questão seja objetiva e pergunte sobre o Código Civil, ou<br />

mesmo realize indagação genérica, deve o futuro aprovado informar<br />

a possibilidade do casamento do menor de 16 (dezesseis) nas duas<br />

situações legisladas: (i) gravidez e (ii) para evitar imposição ou cumprimento<br />

de pena criminal.<br />

Caso a questão, porém, seja subjetiva, ou, ainda que objetiva,<br />

pergunta sobre a doutrina, deve o futuro concursado ficar atento às<br />

ilações já realizadas.<br />

Além disto, o casamento do menor de 16 (dezesseis) anos, mesmo<br />

diante do permissivo legal, não será automático. Merece análise<br />

do magistrado à luz da proteção integral e da prioridade absoluta<br />

(melhor interesse, 227, CF) para, fundamentadamente, decidir se defere,<br />

ou não, o requerimento matrimonial.<br />

Atenção!<br />

Existem julgados e doutrina minoritária defendendo, com base no novo<br />

tratamento conferido pela Lei Penal, que o sujeito não responderia<br />

pelo crime contra os costumes, por falta de justa causa, para a ação<br />

penal na hipótese de, por ~xemplo, a relação ser aceita pelos familiares<br />

da suposta vítima, ou mesmo de se verificar socioafetividade entre<br />

a suposta vítima e o suposto agressor, a exemplo do estuprador (Pablo<br />

Stolze e Rodolfo Pamplona). Sobre o assunto, ver HC 77018 (STJ) e RE<br />

418.376 (STF).<br />

153


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona pensamento contrário<br />

violaria, a par de todas estas questões já postas, o princípio da socioafetividade.<br />

Verificando o juiz ter havido namoro sério, em uma<br />

ambiência psicológica de maturidade inequívoca das partes envolvidas,<br />

especialmente a incapaz, e ocorrendo ainda a anuência dos<br />

pais, poder-se-ia, em tese, reconhecer a atipicidade do fato criminoso<br />

por falta de justa causa".<br />

Tal pensamento, repisa-se, é minoritário, como demonstram alguns<br />

julgados colacionados:<br />

HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. NATUREZA AB­<br />

SOLUTA. EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL E DE MAIS DE UMA RELA­<br />

ÇÃO SEXUAL. INVIABILIDADE DA ANÁLISE NA VIA ELEITA. CONFISSÃO<br />

ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE DE ESTIPULAÇÃO DA PENA ABAIXO<br />

DO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231/STJ. REGIME DE CUMPRIMENTO DE<br />

PENA. DELITO PRATICADO ANTES DA LEI 11.464/07. ORDEM PARCIAL­<br />

MENTE CONCEDIDA.<br />

i. A presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código<br />

Penal, tem natureza absoluta, entendendo-se, por conseguinte,<br />

que o consentimento da vítima é irrelevante para<br />

a caracterização do delito, tendo em conta a incapacidade<br />

volitiva da pessoa menor de catorze anos de consentir na<br />

prática do ato sexual. Precedentes.<br />

2. O habeas corpus - via de cognição sumária e rito célere -<br />

não comporta análise da existência de união estável entre o<br />

autor e a vítima. Pela mesma razão, não é a via adequada<br />

para a demonstração de que houve apenas uma relação sexual,<br />

de modo a afastar a estipulação de crime continuado.<br />

3. Sendo a vítima menor de 16 anos, não há falar em extinção<br />

da punibilidade pela união estável, ante o fato de ser a<br />

vítima absolutamente incapaz para tal, já que não atingiu a<br />

idade núbil (16 anos), conforme previsto no Código Civil.<br />

4. Estipulada a pena-base no mínimo legal, não há como aplicar<br />

a redução decorrente da confissão espontânea, nos termos<br />

da Súmula 231/STJ, segundo a qual "A incidência da circunstância<br />

atenuante não pode conduzir à redução da pena<br />

abaixo do mínimo legal".<br />

2i. GANGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona . Novo Curso de Direito Civil -<br />

Vol. 6 - Direito de Família. 2• edição, Saraiva, 2012.<br />

754


CASAMENTO<br />

5. Reconhecida a inconstitucionalidade do regime integral<br />

fechado, as balizas para a fixação do regime prisional nos<br />

casos de crimes hediondos e a eles equiparados, cometidos<br />

antes do advento da Lei 11.464/07, foram remetidas para o<br />

art. 33 do Código Penal.<br />

6. Na hipótese em exame, praticado o delito em 1996 - portanto,<br />

antes do advento da Lei 11.464/07 -, não havendo<br />

notícia de reincidência e tendo a pena-base sido fixada no<br />

mínimo legal, ou seja, em 6 anos de reclusão, justamente<br />

por força do reconhecimento das circunstâncias judiciais do<br />

art. 59 do Código Penal como totalmente favoráveis a ele,<br />

impõe-se a fixação do regime semi-aberto para o início do<br />

cumprimento da pena aplicada (7 anos de reclusão), em<br />

observância ao disposto no art. 33, § 2°, letra b, do referido<br />

diploma legal.<br />

7. Ordem parcialmente concedida apenas para estipular o<br />

regime inicial semi-aberto para o cumprimento da pena aplicada.<br />

(HC 77018/SC; órgão julgador: Quinta Turma do Superior Tribunal<br />

de Justiça; relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima; data do<br />

julgamento: 17/04/2008)<br />

EMENTA: PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTUPRO. POSTERIOR<br />

CONVIVÊNCIA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE<br />

COM BASE NO ART. 107, VII, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA,<br />

NO CASO CONCRETO. ABSOLUTA INCAPACIDADE DE AUTODETERMI­<br />

NAÇÃO DA VÍTIMA. RECURSO DESPROVIDO. o crime foi praticado<br />

contra criança de nove anos de idade, absolutamente incapaz<br />

de se autodeterminar e de expressar vontade livre e<br />

autônoma. Portanto, inviável a extinção da punibilidade em<br />

razão do posterior convívio da vítima - a menor impúbere<br />

violentada - com o autor do estupro. Convívio que não pode<br />

ser caracterizado como união estável, nem mesmo para os<br />

fins do art. 226, § 3°, da Constituição Republicana, que não<br />

protege a relação marital de uma criança com seu opressor,<br />

sendo clara a inexistência de um consentimento válido, neste<br />

caso . Solução que vai ao encontro da inovação legislativa<br />

promovida pela Lei nº 11.106/2005 - embora esta seja inaplicável<br />

ao caso por ser lei posterior aos fatos -, mas que dela<br />

prescinde, pois não considera validamente existente a relação<br />

marital exigida pelo art. 107, VII, do Código Penal. Recurso<br />

extraordinário conhecido, mas desprovido.<br />

755


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

(RE 418376; órgão julgador: Pleno do Supremo Tribunal<br />

Federal; relator: Ministro Marco Aurélio; relator para o<br />

acórdão: Ministro Joaquim Barbosa; data do julgamento:<br />

09/02/2006)<br />

Interessante, ainda, uma última reflexão, de natureza histórica,<br />

sobre o atual preceito normativo em relação ao anterior. Hoje, reza<br />

o CC que, excepcionalmente, será permitido o casamento de quem<br />

ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição<br />

ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. Anteriormente,<br />

o art. 214 do CC/16 dispunha texto semelhante "Podem,<br />

entretanto, casar-se os referidos menores para evitar a imposição ou o<br />

cumprimento de pena criminal". Curioso e intrigante, entretanto, era<br />

o parágrafo único do antigo art. 214 ao arrematar: "Em tal caso o juiz<br />

poderá ordenar a separação de corpos, até que os cônjuges alcancem<br />

a idade legal".<br />

Seria o parágrafo único do art. 214 do antigo CC/16 um inusitado<br />

exemplo de pessoas casadas que não poderiam conviver. A hipótese<br />

se revela curiosíssima, pois, se convivessem (e não podem, apesar<br />

de casados), estariam violando ordem judicial!<br />

8. HABILITAÇÃO PARA O CASAMENTO<br />

Para casar, é mister que não haja obstáculos, denominados pela<br />

norma de impedimentos ou causas suspensivas (art. 1521/1524) à<br />

depender do grau de intensidade da proibição. A forma por meio<br />

do qual se verifica a ausência destes obstáculos se denomina habilitação<br />

ou processo de habilitação (art. 1525/1532), que é feita<br />

perante um Oficial de Registro Civil e envolve uma série de precauções.<br />

Processo de habilitação, portanto, é o Estado atuando preventivamente,<br />

objetivando verificar se os nubentes são capazes para<br />

o ato e se há algum impedimento ou causa suspensiva para tanto.<br />

O art. i.525 do CC/02 (equivalente ao antigo art. 180 do CC/16)<br />

disciplina: "O requerimento de habilitação para o casamento será firmado<br />

por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido,<br />

por procurador" identificando em cinco incisos quais informações e<br />

documentos devem instruir tal procedimento.<br />

156


CASAMENTO<br />

o art. i.525 não diz a quem se deve fazer tal pedido. Todavia, a<br />

teor do art. i.526 do CC, tem-se que a habilitação será feita perante<br />

o oficial de Registro Civil, que deverá ser da circunscrição de um dos<br />

nubentes, como exige o art. 73 da Lei 6.015/n<br />

Os documentos que devem instruir o pedido administrativo são<br />

os seguintes:<br />

a) certidão de idade ou prova equivalente - visa a averiguar a idade<br />

e a capacidade destes, na medida em que o artigo i.517 do CC<br />

só autoriza o matrimônio (capacidade núbil) dos maiores de 16<br />

(dezesseis) anos, vedando o matrimônio entre menores de 16 (dezesseis)<br />

anos, à exceção da possibilidade prevista no 1520. A verificação<br />

da idade também é importante para a fixação do regime<br />

de bens, isto porque os nubentes, maiores de 70 (setenta) anos, se<br />

submetem necessariamente ao regime da separação (art. i.641, li).<br />

b) declaração do estado, domicílio e residência, dos contraentes e<br />

pais dos mesmos - visa a identificar precisamente os nubentes,<br />

bem como fixar o lugar correto onde os editais deverão circular,<br />

para conhecimento de todos (publicidade máxima).<br />

c) autorização das pessoas sob cuja dependência legal estiverem,<br />

ou ato judicial que supra a mesma, inclusive para o fim de respeito<br />

à legalidade do ato e imposição do regime da separação<br />

obrigatória em tais situações (CC, 1.641). Sob as autorizações relacionadas<br />

à idade, o tema já fora estudado no tópico referente<br />

à capacidade núbil.<br />

d) Declaração de testemunhas - visa a obtenção de um maior cuidado,<br />

de uma maior segurança jurídica, dada a relevância do ato<br />

e os efeitos gerados pelo mesmo. As testemunhas podem ser<br />

parentes, neste caso.<br />

e) certidão de óbito do cônjuge falecido, da anulação de anterior<br />

casamento ou registro da sentença de divórcio (atenção, não<br />

de separação) - objetiva impedir a bigamia, bem como inferir<br />

a necessidade de regime de separação obrigatória, porquanto<br />

eventual causa suspensiva.<br />

Estas são as formalidades preliminares que colimam demonstrar<br />

a ausência de impedimentos.<br />

757


LUCIANO L FIGUEIREDO E ROBERTO L FIGUEIREDO<br />

À vista destes documentos apresentados ao oficial de cartório,<br />

após a audiência obrigatória do Ministério Público, lavram-se os<br />

proclamas, vale dizer, uma convocação geral, mediante edital, nos<br />

exatos termos do art. i.527. Tais proclamas serão afixados, durante<br />

15 (quinze) dias, nas circunscrições do Registro Civil de ambos os<br />

nubentes e, obrigatoriamente, publicado na imprensa local.<br />

Há situações especiais e de urgência na realização do matrimônio<br />

em que o direito admite a dispensa de proclamas. o parágrafo<br />

único do art. i.527 do CC/02, por exemplo, permite a dispensa da<br />

publicação dos proclamas "havendo urgência". Todavia, o conceito<br />

de urgência é genérico, cabendo ao intérprete apreciar caso a caso<br />

a situação".<br />

Analisando o tema sob o prisma doutrinário, percebe-se que o<br />

Enunciado 513 da V Jornada em Direito Civil do CJF, chegou ao entendimento<br />

de que "O juiz não pode dispensar, mesmo fundamentadamente,<br />

a publicação do edital de proclamas do casamento, mas sim o<br />

decurso do prazo". Trata-se de correta posição doutrinária, a nosso<br />

sentir, apto a adequar, a um só tempo, o interesse coletivo da publicidade<br />

com o interesse particular da urgência.<br />

A jurisprudência contém varias hipóteses de casamentos realizados<br />

em situações especiais, inclusive com dispensa de proclamas,<br />

como no caso de moléstia grave, necessidade de viagem inadiável,<br />

guerra, aprovação em concurso público em outro Estado, etc.<br />

APELAÇÃO <strong>CIVIL</strong>. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE REGISTRO DE CA·<br />

SAMENTO. MOLÉSTIA GRAVE DE UM DOS NUBENTES. ART. 1539,<br />

CCB. A urgência do ato dispensa os atos preparatórios da<br />

habilitação e proclamas. Recurso provido. (Apelação Cível N°<br />

70013292107, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,<br />

Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 11/01/2oo6).<br />

Publicado os proclamas na imprensa oficial, o cartório certifica<br />

que os nubentes se encontram habilitados para casar (art. i.531)<br />

nos noventa dias (e não três meses) imediatos (art. i.532). Trata-se<br />

da habilitação, agora vista como uma certidão passada pelo Oficial<br />

22. Em caso de urgência, destacada por meio de pedido de dispensa dos proclamas<br />

instruído com prova da alegação, a autoridade celebrante poderá dispensar a<br />

publicação do edital (art. 69, 6.015/73).<br />

758


CASAMENTO<br />

de Registro competente, informando que os nubentes se encontram<br />

aptos ao matrimônio, inexistindo obstáculos, bem como ter sido observados<br />

todos os trâmites legais.<br />

Portanto, existe um procedimento administrativo, presidido por<br />

oficial de registro, por meio do qual os nubentes, ou seja, aqueles<br />

que pretendem casar, obtém uma autorização neste sentido, mediante<br />

documento específico denominado de habilitação.<br />

O termo habilitação, nesta condições, poder ser utilizado tanto<br />

para significar o procedimento administrativo como um todo (art.<br />

1525, CC), quanto o documento em si; qual seja o certificado de habilitação<br />

(art. i.531, CC).<br />

O requerimento administrativo de habilitação para o casamento<br />

será assinado pelos nubentes, de próprio punho, ou por procurador,<br />

na forma do art. i.525 do CC. Exige-se documento escrito. A isto se<br />

denomina formalidades preliminares.<br />

Grande novidade está disposta no artigo i.526 do Código Civil,<br />

com alterações trazidas pela Lei Federal n. 12.133/09. Sim, porque<br />

antigamente era o Juiz de Direito quem homologava o requerimento<br />

de habilitação para o casamento, sendo essa atribuição<br />

judicial, portanto. A partir de 2009, foi transferida esta tarefa ao<br />

Oficial de Registro Civil, de modo que o aludido procedimento<br />

passou a ser, em regra, totalmente extrajudicial, desburocratizando.<br />

Excepcionalmente, acaso existe impugnação do oficial, do Ministério<br />

Público, ou ainda de terceiro - e somente nestes casos,<br />

o processo de habilitação será remetido (submetido) ao Juiz de<br />

Direito. Visível que a atuação judicial é exceção, o que concordamos.<br />

De qualquer modo, seja perante o oficial de registro civil, seja perante<br />

o Juiz de Direito, a atuação do Ministério Público é obrigatória,<br />

sob pena de nulidade do procedimento.<br />

Diante da possibilidade da gratuidade da celebração do casamento<br />

(CF, art. 226, 1 e CC art. i.512), o Código Civil também admitirá<br />

que a habilitação para o matrimônio, o registro e a primeira certidão<br />

serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja<br />

pobreza for declarada, sob as penas da lei.<br />

159


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Atenção!<br />

Uma vez obtida a habilitação, o casamento há de ser realizado no prazo<br />

decadencial de 90 (noventa) dias. O transcurso do prazo, sem a realização<br />

do casamento, ocasiona a caducidade da habilitação (d. artigo 67,<br />

da Lei n. 6.015/73), com a consequente necessidade de nova realização<br />

de procedimento.<br />

8.1. O incidente da oposição ao pedido de habilitação<br />

Segundo o art. i.528 do CC, o oficial de Registro deve informar os<br />

nubentes sobre aspectos táticos e jurídicos, a tornar viciado o matrimônio.<br />

Além disto, é possível também que terceiros apresentem<br />

impugnação ao casamento.<br />

O art. i.529 do CC impõe para a oposição, tanto dos impedimentos<br />

quanto das causas suspensivas, a forma escrita e assinada, instruída<br />

com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar<br />

onde possam ser obtidas.<br />

Contudo, é preciso distinguir a oposição sob o fundamento do<br />

impedimento (i.521, CC), da oposição sob o fundamento da causa<br />

suspensiva (i.523, CC).<br />

A oposição ao requerimento de habilitação para os casos de impedimento<br />

está prevista no artigo i.522 do Código Civil. Poderá ser<br />

apresentada, perante o oficial de registro, até o momento da celebração<br />

do casamento. Por ser questão de ordem pública, pode ser<br />

reconhecido, até mesmo, de ofício pelo oficial de registro.<br />

De acordo com o art. 67 da Lei de Registros Públicos, apresentado<br />

o impedimento, o oficial cientificará os nubentes, para que, no prazo<br />

de até três dias, esclareçam as provas que desejam apresentar. Posteriormente,<br />

os autos do procedimento administrativo serão encaminhados<br />

ao Juiz de Direito. Evidentemente que o Ministério Público falará,<br />

como custos legis (fiscal da lei), após o que, o caso será decidido.<br />

A oposição ao requerimento de habilitação para as causas suspensivas<br />

está prevista no artigo i.524, do Código Civil. Neste caso,<br />

somente poderão argui-las os parentes em linha reta de um dos<br />

nubentes, consanguíneos ou afins, assim como os colaterais de segundo<br />

grau. A limitação se justifica porque as causas suspensivas não<br />

envolve interesse público, mas apenas particular.<br />

160


CASAMENTO<br />

~ Na hora da prova:<br />

A prova realizada pelo TJ/SC, para provimento do cargo de Juiz de Direito<br />

Substituto, ano de 2013, trouxe a seguinte proposição como verdadeira :<br />

"As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser arguidas<br />

pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos<br />

ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos<br />

ou afins".<br />

Apresentada a oposição, o oficial de registro respeitará o contraditório,<br />

ante a constitucional presunção de inocência e o direito<br />

fundamental à ampla defesa. Na forma do art. i.530 do CC, o oficial<br />

do registro dará aos nubentes, ou a seus representantes, ciência da<br />

oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem<br />

a ofereceu. Deste modo, os nubentes poderão requerer prazo razoável<br />

para fazer prova contrária aos fatos alegados e promover as<br />

ações civis e criminais contra o oponente de má-fé.<br />

Superadas estas questões, serão publicados os editais (proclamas,<br />

éditos ou esponsais), que terão prazo de validade de 15 dias.<br />

A finalidade dos éditos é dar ampla publicidade à comunidade para,<br />

com a transparência necessária, o casamento se realize com a necessária<br />

segurança jurídica (art. i.527 do CC).<br />

~ Na hora da prova:<br />

A prova realizada pela UFG, para provimento do cargo de Defensor Público,<br />

ano de 2014, trouxe a seguinte proposição como verdadeira: "o Conselho<br />

Nacional de Justiça, por meio de resolução, veda às autoridades competentes<br />

a recusa de habilitação, de celebração de casamento civil ou de conversão<br />

de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo."<br />

8.2. Impedimentos matrimoniais<br />

Os impedimentos matrimoniais, ou impedimentos impedientes<br />

ou dirimentes absolutos, constituem obstáculos intransponíveis ao<br />

casamento. Na dicção do art. i.521 do CC, são hipóteses em que os<br />

nubentes não podem se casar. Desta maneira, o desrespeito a esta<br />

proibição legal acarreta a mais grave consequência jurídica prevista<br />

para o plano das validades; qual seja: a nulidade absoluta do matrimonio<br />

(art. i.548, li, do CC).<br />

767


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Os impedimentos resultam de questões relativas ao parentesco<br />

(certos parentes não podem casar entre si), ou mesmo da existência<br />

de vínculo conjugal anterior, ainda não dissolvido (afinal de contas<br />

bigamia é crime), ou, finalmente, por questões de moralidade jurídica,<br />

como na hipótese do crime de homicídio praticado contra um<br />

dos cônjuges.<br />

Trataremos disto agora, em uma abordagem analítica do art.<br />

1.521 do CC.<br />

Os impedimentos previstos nos incisos 1 a V do CC, decorrem de<br />

parentesco. Neste caso, a intenção legislativa é impedir relações incestuosas,<br />

assim como a concupiscência no ambiente familiar. Evita­<br />

-se também, com isto, a ocorrência de eventuais problemas genéticos<br />

de formação da prole, mais raros na exogênia (casamentos entre<br />

não parentes).<br />

Tais regras também se aplicam às relações decorrentes da adoção.<br />

Assim, foi considerada correta a seguinte assertiva: (FCC - Juiz<br />

de Direito Substituto - PE/2013) São impedidos de casar: o adotante<br />

com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do<br />

adotante.<br />

Nessa senda, informa o Código Civil:<br />

Art. i.52i. Não podem casar:<br />

1 - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco<br />

natural ou civil;<br />

li - os afins em linha reta;<br />

Ili - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado<br />

com quem o foi do adotante;<br />

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais,<br />

até o terceiro grau inclusive;<br />

V - o adotado com o filho do adotante;<br />

Acerca deste tema, a banca examinadora Cespe, na prova para<br />

Analista Judiciário do CNJ, ano de 2013, considerou como verdadeira<br />

a assertiva: "Um pai não pode se casar com a sua filha, seja ela natural<br />

ou adotiva".<br />

762


CASAMENTO<br />

• Na hora da prova:<br />

Sobre o tema, em prova realizada para Promotor do MPE-PR, ano de<br />

2014, considerou verdadeira a seguinte assertiva: "~ nulo o casamento<br />

entre afins em linha reta, em qualquer grau#.<br />

Uma importante questão sobre o impedimento por parentesco<br />

está no tema relativo ao casamento entre colaterais de 3° grau (tios<br />

e sobrinhas).<br />

Explica-se.<br />

Malgrado o Código Civil informar o impedimento matrimonial entre<br />

parentes de terceiro grau, o Decreto-Lei n° 3.200, de 19 de abril<br />

de 1941, em seu artigo 2°, afasta tal vedação, desde que haja o<br />

atestado de dois médicos afirmando inexistir problema de ordem<br />

genética no que toca à prole. A isto a doutrina nomeia de casamento<br />

avuncular.<br />

Aqui criou-se o problema de ordem temporal. Mas, afinal, deve<br />

valer o Código Civil ou o Decreto-Lei?<br />

Imaginando-se ser o Código Civil uma norma mais recente, poderia<br />

se defender a sua prevalência, revogando o Decreto- Lei anterior.<br />

Este, porém, não é o entendimento mais técnico.<br />

Com efeito, haja vista o critério da especialidade, a nova norma<br />

geral não é capaz de revogar a anterior, quando especial, havendo o<br />

que denomina a doutrina de uma diálogo das fontes. Em uma interpretação<br />

sistemática, portanto, aplica-se o impedimento do Código<br />

Civil, como regra geral, e a normatização do Decreto, como exceção,<br />

acaso existentes os pareceres.<br />

Conclui-se, portanto, que o impedimento dos colaterais até o terceiro<br />

grau inclusive, nem sempre prevalecerá, eis que, diante do<br />

atestado emitido por dois médicos, estarão autorizados a se casar<br />

os parentes colaterais de terceiro grau (Decreto Lei n. 3.200/1941).<br />

Nessa esteira que caminha o Enunciado no 98 do CJF.<br />

Na hora da prova deve o futuro aprovado ficar atento! Caso a<br />

questão refira-se ao Código Civil, deve informar o impedimento.<br />

Caso a pergunta seja direcionada ao Decreto, deve trabalhar com<br />

a exceção. Já em provas subjetivas, caminhar com as informações<br />

supracitadas.<br />

163


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Outrossim, os incisos Ili e V do CC/02 vêm sofrendo crítica da<br />

doutrina especializada (Euclides de Oliveira e Giselda H. Fernandes<br />

Novaes Hironaka), como bem adverte Maria Berenice Dias e Rodrigo<br />

Cunha Pereira' 3 • Isto, porque, as hipóteses ali previstas tratam da<br />

afinidade em linha reta, já disciplinada no inciso li. A proibição do<br />

casamento entre o adotado e o filho do adotante é situação prevista<br />

no inciso IV, na medida em que são irmãos.<br />

Além disto, o parentesco por afinidade, tratado no art. i.521, li<br />

do CC, constitui outa situação de impedimento. Recorda-se que o<br />

parentesco por afinidade é aquele que se estabelece por força do<br />

casamento, ou da união estável, entre um dos consortes ou companheiros<br />

e os parentes do outro, nos limites do art. i.595 do CC.<br />

Atenção!<br />

O impedimento de casamento entre os parentes afins na linha reta, se<br />

mantém mesmo com a dissolução do matrimônio ou da união estável, a<br />

teor do art. i.595, parágrafo 2. Isto, porque, o parentesco por afinidade<br />

na linha reta é indissolúvel. Uma vez sogra(o), sempre sogra(o). Mesmo<br />

após o divórcio, não é possível o casamento com o seu sogro(a).<br />

Entrementes, o parentes por afinidade na linha colateral será extinto<br />

com o término do casamento. Nessa senda, após o divórcio é plenamente<br />

possível o casamento com sua ex-cunhada(o).<br />

Trata-se de disciplina com alta dose de valoração moral pois, de rigor,<br />

não há preocupação com problemas genéticos, mas apenas com o bom<br />

ambiente social e familiar.<br />

• Na hora da prova:<br />

A questão com o seguinte enunciado "(Cespe - Defensor Público - T0/2013)<br />

Com base no que dispõe o Código Civil sobre as relações de parentesco,<br />

assinale a opção correta" trouxe como gabarito: Cada cônjuge ou<br />

companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.<br />

As pessoas casadas, enquanto assim se encontrarem, ficam também<br />

impedidas de contrair novo matrimônio, ante o que impõe o art. i.521,<br />

VI, do CC. Este impedimento de vínculo é consequência da monogamia,<br />

tradicionalmente considerada pelo direito brasileiro. Sobre o tema, vale<br />

recordar que bigamia é crime, nos termos do art. 235 do CP.<br />

23- ln Direito de Família e o Novo Código Civil.<br />

164


CASAMENTO<br />

No que tange ao impedimento previsto no inciso VII, do artigo<br />

i.521, do CC, em nome do princípio da eticidade, surge presunção<br />

legal absoluta (juris et de jure) de insuportabilidade da vida conjugal.Trata-se<br />

de um impedimento por crime. Em síntese: afirma<br />

o Código Civil que o cônjuge sobrevivente não poderá casar com<br />

o condenado em crime de homicídio ou tentativa de homicídio<br />

contra o seu consorte. Exige-se, para o impedimento, condenação<br />

criminal transitada em julgado.<br />

~ Curiosidade!<br />

No código antigo (CC/16), o condenado por crime de adultério também<br />

era proibido de casar. Hoje, não mais (veja-se que o adultério deixou de<br />

ser crime)! A lei cria uma presunção absoluta de forte insuportabilidade<br />

entre o consorte residual e o criminoso.<br />

Em resumo final: os impedimentos matrimoniais configuram obstáculos<br />

intransponíveis ao casamento, cujo desrespeito implicará na<br />

nulidade, na forma dos arts. i.521 e i.548 do CC. Giram basicamente<br />

em torno do: (i) parentesco; (ii) vínculo matrimonial anterior ainda<br />

não dissolvido (artigo 235, do Código Penal) e (iii) homicídio doloso<br />

(tentado ou consumado) contra o consorte.<br />

~ Contudo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu pela<br />

inaplicabilidade do mencionado art. 1.521 à união estável:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR PARA IMPEDIMENTO<br />

MATRIMONIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INAPLICABILIDADE DO ART.<br />

i.521 DO CC/02. A imposição dos impedimentos matrimoniais<br />

previstos para o casamento, no art. i.521 do<br />

CCB/02, não se aplica, por analogia, à união estável,<br />

ante a inexistência de previsão legal nos diplomas que<br />

regulam a matéria, assim como pela informalidade<br />

ínsita ao instituto da união estável, cujo rompimento<br />

pode se ocorrer pela vontade de um dos conviventes,<br />

estando desimpedido para formar nova entidade<br />

familiar, em união estável ou pelo casamento.<br />

Desfeita mesmo informalmente a alegada união estável,<br />

o convivente não está impedido para casar com outra<br />

mulher, restando eventuais direitos decorrentes da união<br />

estável resguardados para discussão em ação própria.<br />

Apelação desprovida.<br />

165


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O denominado Estatuto das Familias, Projeto de Lei 2.285/2r>07,<br />

capitaneado pelo IBDFAM tem preconizado a pouca incidência do inciso<br />

VII do art. i.521 do CC, daí a tendência do instituto ser eliminado<br />

do mundo jurídico, quem sabe, em futuro próximo.<br />

Curiosidade Histórica!<br />

Na redação original do Projeto de Lei 634/75, Mensagem n. 160/75,<br />

publicado no Diário do Congresso Nacional de 13.7.75, o art. i.521<br />

continha nove incisos. Além dos atuais sete primeiros, havia um inciso<br />

que vedava o casamento do adúltero com o có-réu, e o que proibia<br />

o casamento civil de quem já fosse casado no religioso. Logo no<br />

período inicial de tramitação, o então Deputado Tancredo Neves,<br />

acolhendo orientação do TJ/SP, propôs emenda, retirando o inciso<br />

oitavo. Após, no senado, foi proposto pelo Senador José Fragelli a<br />

retirada do inciso nono também. Códigos civis como os da Suécia,<br />

Alemanha, Holanda e Áustria ainda mantêm a questão do adultério.<br />

• Como foi cobrado em prova de concurso?<br />

(Prova: IESES - 2014 - TJ-PB) - Titular de Serviços de Notas e de Registros<br />

- Remoção. Segundo o Código Civil de 2002, são impedidas de casar as<br />

seguintes pessoas:<br />

1. Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou<br />

civil, os afins em linha reta, o adotado com o filho do adotante, as pessoas<br />

casadas.<br />

li. O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem<br />

o foi do adotante, os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais,<br />

até o quarto grau inclusive.<br />

111. o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa<br />

de homicídio contra o seu consone.<br />

IV. o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não<br />

fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros.<br />

A sequência correta é:<br />

a) Apenas as assertivas 1, li e Ili estão corretas.<br />

b) As assertivas 1, li, Ili e IV estão corretas.<br />

c) Apenas as assertivas 1 e Ili estão corretas.<br />

d) Apenas a assertiva Ili está correta.<br />

Gabarito: B<br />

766


CASAMENTO<br />

8.3. Causas suspensivas.<br />

As causas suspensivas, ou impedimentos dirimentes privados ou<br />

relativos, são situações em que os nubentes não devem se casar.<br />

Diferentemente dos impedimentos, em que os nubentes são proibidos<br />

de se casar, aqui a faculdade do casamento persiste, mas com o<br />

aconselhamento do legislador pela sua não realização.<br />

~ Atenção!<br />

o art. 7, parágrafo primeiro, da LINDB afirma que para o matrimônio<br />

no estrangeiro se aplicam as normas do direito brasileiro quanto aos<br />

impedimentos dirimentes (absolutos, portanto) e às formalidades de celebração.<br />

Quanto aos impedimentos impedientes, levar-se-á em conta o<br />

estatuto pessoal, ou seja, não se aplicará o mesmo se a lei do domicílio<br />

do estrangeiro não prever tal sanção.<br />

Enquanto os impedimentos ligam-se a questões de ordem ética,<br />

as causas suspensivas são estabelecidas em função do interesse<br />

particular. Estas têm por escopo evitar a confusio sanguínis; ou seja :<br />

a confusão patrimonial da segunda núpcia com a primeira (i.523,<br />

Ili).<br />

Caso, porém, ainda diante desta situação haja casamento - tendo<br />

em vista que a norma não o proíbe por completo - este será válido.<br />

Entrementes, haverá de obedecer ao regime da separação obrigatória<br />

de bens (art. i.641, 1 do CC).<br />

Sábia a saída legislativa. A uma por resolver a possível confusão<br />

patrimonial. A duas por permitir, após a solução da causa suspensiva,<br />

a mudança do regime de bens pelos cônjuges, desde que obedientes<br />

ao artigo i.639, parágrafo segundo do Código Civil.<br />

~ Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:<br />

EMENTA: <strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO SOB<br />

A ÉGIDE DO CC/16. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. POSSIBI­<br />

LIDADE. - A interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2°,<br />

2.035 e 2.039, do CC/02, admite a alteração do regime de<br />

bens adotado por ocasião do matrimônio, desde que<br />

ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões<br />

invocadas pelos cônjuges para tal pedido.<br />

767


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

- Assim, se o Tribunal Estadual analisou os requ1s1tos<br />

autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu<br />

pela sua viabilidade, tendo os cônjuges invocado<br />

como razões da mudança a cessação da incapacidade<br />

civil interligada à causa suspensiva da celebração do<br />

casamento a exigir a adoção do regime de separação<br />

obrigatória, além da necessária ressalva quanto a direitos<br />

de terceiros, a alteração para o regime de comunhão<br />

parcial é permitida. - Por elementar questão<br />

de razoabilidade e justiça, o desaparecimento da causa<br />

suspensiva durante ocasamento e a ausência de qualquer<br />

prejuízo ao cônjuge ou a terceiro, permite a alteração<br />

do regime de bens, antes obrigatório, para o<br />

eleito pelo casal, notadamente porque cessada a causa<br />

que exigia regime específico. - Os fatos anteriores e os<br />

efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob<br />

a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia,<br />

serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração<br />

do regime de bens, passa o CC/02 a reger a nova relação<br />

do casal. - Por isso, não há se falar em retroatividade<br />

da lei, vedada pelo art. 5°, inc. XXXVI, da CF/88, e<br />

sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos.<br />

Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 821807 PR,<br />

T3 - Terceira Turma, Relator(a): Ministra Nancy Andrighi,<br />

Julgamento 18/10/2006).<br />

Ainda sobre as causas suspensivas, fiquem atentos à novidade do<br />

parágrafo único do artigo i.523 do Código Civil, o qual permite aos<br />

nubentes requerer ao juiz que não lhe sejam aplicadas as causas<br />

suspensivas, provando-se a inexistência dos prejuízos ali indicados.<br />

Neste cenário, retorna aos nubentes a liberdade de escolha no<br />

que tange ao regime de bens.<br />

~ Atenção!<br />

Os militares convocados, da reserva ou ativa, só podem se casar com<br />

autorização de seu superior e, se quiserem casar com estrangeira, precisarão<br />

de autorização do Ministro das Forças Armadas. Os funcionários<br />

diplomáticos e consulares dependem também de autorização para se<br />

casar, nos mesmos termos, por força do interesse público e da carreira<br />

abraçada.<br />

768


CASAMENTO<br />

Passamos, neste momento, para análise das causas suspensivas<br />

elencadas no artigo i.523 do Código Civil.<br />

Segundo o Código Civil, não devem casar o(a) viúvo(a) que tiver<br />

filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do<br />

casal e der partilha aos herdeiros, ou a pessoa cujo casamento se<br />

desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do<br />

começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal.<br />

~ Como foi cobrado em prova de concurso?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora IESES, em prova realizada para o<br />

provimento de cargo de Titular de Serviços de Notas e Registros do TJ-PB,<br />

ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "O viúvo ou a viúva<br />

que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos<br />

bens do casal e der partilha aos herdeiros".<br />

Também não devem casar o divorciado, enquanto não houver sido<br />

homologada ou decidida a partilha dos bens do casal, e o tutor ou o<br />

curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou<br />

sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar<br />

a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas.<br />

~ Como foi cobrado em prova de concurso?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora UNEB, em prova realizada para o<br />

provimento de vagas de estágio, DPE-BA, ano de 2014, considerou correta<br />

a seguinte assertiva: "o divorciado, enquanto não houver sido homologada<br />

e decidida a partilha dos bens do casal".<br />

Percebe-se, pois, a clara preocupação legislativa: a confusão de<br />

patrimônios anteriores com o advindo do matrimônio.<br />

9. CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO<br />

A celebração do casamento é o ato mais solene da vida civil, a<br />

ser presidido pela autoridade competente. A solenidade é cultural e<br />

secular, sendo apontada como requisito de existência do casamento<br />

para parte da doutrina, como veremos a seguir.<br />

Esta solenidade será realizada na sede do cartório, com toda<br />

publicidade, a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas,<br />

parentes ou não dos contraentes, ou, querendo as partes e<br />

169


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

consentindo a autoridade celebrante, noutro edifício público ou particular<br />

(i.534, CC). A publicidade e solenidade serão tamanhas que,<br />

quando o casamento for celebrado em edifício particular, ficará este<br />

de portas abertas durante o ato (§ i·, i.534, CC).<br />

~ Atenção!<br />

Serão quatro as testemunhas na hipótese de celebração em edifício particular<br />

ou e se algum dos contraentes não souber ou não puder escrever.<br />

Ainda seguindo a solenidade, o casamento apenas se tornará<br />

perfeito e acabado após a leitura da fórmula sacramental, prevista<br />

no art. i.535 do CC; cita-se: "Presentes os contraentes, em pessoa ou<br />

por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do<br />

registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que<br />

pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado<br />

o casamento, nestes termos: De acordo com a vontade que ambos acabais<br />

de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher,<br />

eu, em nome da lei, vos declaro casados."<br />

A celebração do casamento será imediatamente suspensa se algum<br />

dos contraentes recusar a solene afirmação da sua vontade,<br />

declarar que esta não é livre e espontânea ou se manifestar arrependido<br />

(i.538, CC).<br />

~ Atenção!<br />

O nubente que, por algum dos fatos mencionados neste artigo, der causa<br />

à suspensão do ato, não será admitido a retratar-se no mesmo dia.<br />

10. PROVA DO CASAMENTO<br />

A prova do casamento se faz, em regra, pela certidão, a teor<br />

do artigo i.543, do Código Civil. Esta é a intitulada prova direta do<br />

casamento.<br />

Mas, diante da impossibilidade de se obter a respectiva certidão,<br />

será possível a prova do casamento pela posse do estado de casado,<br />

eis que in dubio pro matrimonio (cf. artigos i.543, i.545 e i.547, do<br />

Código Civil). Aqui estar-se-á diante da batizada prova indireta do<br />

770


CASAMENTO<br />

casamento, a qual é subsidiária, pois apenas pode ser utilizada ante<br />

a impossibilidade da prova direta.<br />

É dizer: justificada a falta ou a perda do registro civil, é admissível<br />

qualquer outra espécie de prova. Por isto, o casamento de pessoas<br />

que, na posse do estado de casadas, não possam manifestar vontade,<br />

ou tenham falecido, não se pode contestar em prejuízo da prole comum,<br />

salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era<br />

casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado.<br />

Em síntese: na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias,<br />

julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna,<br />

viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.<br />

11. CASAMENTO NULO<br />

A nulidade do casamento está prevista no artigo i.548 do CC para<br />

duas situações: (i) enfermidade mental; (ii) impedimento. Por se tratar<br />

de hipóteses taxativas, não é possível interpretar extensivamente<br />

o preceito, para incluir outras situações jurídicas não previstas pela<br />

norma.<br />

~ Como foi cobrado em prova de concurso?<br />

Sobre o tema, em prova realizada para o provimento de cargo de Promotor<br />

do MPE-PR, julgou correta a seguinte assertiva: ·t nulo o casamento<br />

do enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da<br />

vida civil".<br />

Entretanto, como a família é a base da sociedade e detém especial<br />

proteção do Estado, o regime jurídico da nulidade será distinto<br />

neste ramo do direito, em relação ao regime geral das invalidades<br />

dos negócios jurídicos.<br />

Sim. Existirão peculiaridades.<br />

A primeira é a exigência de ação judicial. Sem ela não é possível<br />

nulificar matrimônio algum (d. artigo i.549, CC e 226, da Constituição).<br />

A pertinente ação direta para a decretação da nulidade do casamento<br />

poderá ser ajuizada pelo cônjuge, por qualquer interessado ou<br />

pelo Ministério Público, mediante o procedimento comum ordinário.<br />

171


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Atenção!<br />

Há distinção no direito de família entre a legitimidade para suscitar<br />

impedimento matrimonial e a legitimidade processual para suscitar a<br />

nulidade. Enquanto a lei confere a qualquer pessoa o direito de opor<br />

impedimentos, só permite o ajuizamento da ação de nulidade aos particulares<br />

que tenham interesse em tal solução. Isto, porque, a atitude<br />

legislativa inicial é preventiva, no afã de prevenir a realização de matrimônio<br />

viciado. Contudo, na atuação legislativa corretiva, o Estado opta<br />

por dar prevalência ao ato conjugal.<br />

Ao contrário do regime geral das nulidades, no casamento somente<br />

será possível a declaração da nulidade absoluta se houver<br />

provocação do outro cônjuge, de eventuais interessados, ou do Parquet.<br />

Portanto, ao Juiz de Direito será proibido declarar de ofício a<br />

nulidade do casamento.<br />

> E na hora da prova?<br />

No que tange este tema, a banca examinadora CESPE, em prova realizada<br />

para o provimento do cargo de Promotor de Justiça, MPE-PR, ano de<br />

2014, considerou correta a seguinte assertiva: "O MP tem legitimidade<br />

para promover ação direta requerendo a decretação de nulidade do<br />

casamento".<br />

Voltando os olhos à análise das hipóteses, percebe-se ser nulo<br />

o casamento em desconformidade com qualquer dos impedimentos<br />

absolutos (art. i.521 do CC, já estudado).<br />

Mas e o casamento celebrado por autoridade incompetente? Se ­<br />

ria nulo?<br />

Tendo em vista o interesse da sociedade em proteger casamentos<br />

contraídos de boa fé, ainda que celebrados por autoridade incompetente,<br />

incluiu o legislador o casamento celebrado por autoridade<br />

incompetente como anulável, sendo, por conseguinte, passível<br />

de convalidação.<br />

Aqui há controvérsia doutrinária quanto ao conceito de incompetência,<br />

pois uns acreditam se tratar de incompetência ratione /oci;<br />

enquanto outros asseveram ser a ratione materiae, o que ensejaria<br />

dúvida sobre o ato inexistente, nesta última hipótese.<br />

712


CASAMENTO<br />

Acreditamos que se o casamento foi registrado (se houve registro),<br />

então existe e a polêmica merecerá deslinde pela teoria das<br />

invalidades, de acordo com o segundo degrau da escada ponteana.<br />

Caso não tenha havido o aludido registro, e sendo a autoridade materialmente<br />

incompetente, teríamos o casamento como inexistente,<br />

conforme o abordado no tópico relacionado ao plano de existência<br />

do matrimônio.<br />

O fato é que o Código Civil atual trata da incompetência da autoridade<br />

celebrante como causa de anulabilidade do casamento (art.<br />

i.550, VI), prevendo prazo de dois anos para a propositura da ação<br />

(i.560). Passa a ser simplesmente anulável o casamento feito perante<br />

autoridade incompetente. Deixa-se, assim, de se ter uma hipótese<br />

de ato nulo, afastando-se, por via de consequência, a legitimidade<br />

ativa ad causam do Ministério Público para propositura da ação.<br />

Quanto aos efeitos da declaração de nulidade, em regra, serão<br />

erga omnes e ex tunc, haja vista a questão de ordem pública. Contudo,<br />

nem sempre será aplicada esta regra de forma absoluta, eis<br />

que se deverá sopesar o melhor interesse da prole, assim como<br />

preservar a confiança, aparência e boa-fé dos cônjuges. Daí, porque,<br />

será possível a produção de certos efeitos no casamento nulo, como<br />

a presunção relativa de filiação (art. i.597 do CC).<br />

A fim de resguardar a boa-fé do cônjuge, foi mitigado o efeito ex<br />

tunc da declaração de nulidade neste julgado do Tribunal de Justiça<br />

do Rio Grande do Sul:<br />

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESCONTITUIÇÃO DE CASAMENTO. CA­<br />

SAMENTO PUTATIVO. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. Embora desquitada,<br />

estando a apelada casada com outra pessoa quando<br />

contraiu matrimônio com o apelante, havia nulidade absoluta<br />

deste casamento em razão de infringência de impedimento<br />

constante do artigo 183, inciso Ili, do Código Civil de 1916,<br />

que veda o casamento entre pessoas casadas, reproduzido<br />

no artigo i.521, inciso VI, do atual Código Civil. Declarada a<br />

nulidade do casamento, mas constatada a boa-fé da ré que<br />

acreditava que o primeiro marido estava morto quando do<br />

segundo casamento, e constatado que o autor tinha ciência<br />

que o casamento anterior não estivesse desfeito, configura­<br />

-se o casamento putativo e a consequente produção de efeitos<br />

até a sentença que declara sua nulidade, entre os quais o<br />

173


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

dever de prestar alimentos. Ainda que reconhecida a nulidade<br />

do casamento entre o apelante e a apelada, se viveram<br />

vários anos como marido e mulher, separaram-se judicialmente<br />

e divorciaram-se, está presente o dever de mútua assistência<br />

em decorrência da indiscutível relação matrimonial<br />

havida entre as partes. Descabe a exoneração dos alimentos<br />

acordados entre os litigantes em sede de separação judicial,<br />

não vislumbrada a alteração do binômio necessidade/<br />

possibilidade de forma a justificar a extinção do encargo.<br />

Apelação desprovida" (Apelação Cível n° 70042905992, Sétima<br />

Câmara Cível, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado<br />

em 28/09/2011).<br />

12. CASAMENTO ANULÁVEL<br />

O legislador civilista aborda sobre a anulabilidade do matrimônio<br />

a partir do artigo i.550 do CC. Assim, o casamento é anulável em<br />

seis hipóteses: de quem não completou a idade mínima para casar;<br />

menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante;<br />

por vício da vontade; do incapaz de consentir ou manifestar, de<br />

modo inequívoco, o consentimento; realizado pelo mandatário, sem<br />

que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato,<br />

e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges e, finalmente; por<br />

incompetência da autoridade celebrante.<br />

Algumas inovações podem ser constatadas no rol de anulabilidades<br />

do atual Código Civil, se comparado com o seu antecessor. Veremos,<br />

sinteticamente, tais novidades para, a posteriori, dar sequência<br />

ao tema.<br />

Inicialmente, de ver-se que o Código Civil trata da incompetência<br />

da autoridade celebrante como causa de anulabilidade do casamento<br />

(art. i.550, VI), prevendo prazo de dois anos para a propositura da<br />

ação (i.56o), o que é novidade, se comparado com o anterior Código<br />

de 1916.<br />

Acerca deste tema, segue um trecho da decisão do Superior Tribunal<br />

de Justiça:<br />

"DECISÃO: Conforme bem asseverou o Subprocurador-Geral<br />

da República EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA (fls. 77/78): Referida<br />

sentença foi prolatada na demanda formulada por 1 O<br />

de B F, que requereu a anulação de seu casamento, a qual<br />

174


CASAMENTO<br />

foi concedida por 'ter sido autorizado perante um funcionário<br />

incompetente'. Para que a referida sentença possa ser<br />

homologada e, dessa forma, passe a ter eficácia em nosso<br />

território, é necessário que haja correlação entre causa<br />

de pedir com as disposições legais do nosso ordenamento<br />

pátrio. No caso em exame, a sentença homologada dispõe<br />

que: 'Sua demanda é fundamentada, em que este contrato<br />

seria nulo por ter sido autorizado perante um funcionário<br />

incompetente, pois nenhum deles, na ocasião da celebração<br />

do mesmo, tinha o domicílio e residência no território<br />

jurisdicional da ia Circunscrição La Reina' e 'que, do estabelecido<br />

nos autos se deduz que o Sr. Oficial de Registro de La<br />

Reina que interveio na cerimônia, não era competente para<br />

celebrá-la, pelo qual cabe concluir, que o referido casamento<br />

carece de anulação, conforme o previsto no art. 31 da<br />

lei de casamento Civil. Conforme o art. i.550 do Código Civil<br />

Brasileiro, é nulo o casamento contraído por incompetência<br />

da autoridade celebrante. Ocorre que, o ordenamento pátrio<br />

estabelece um prazo para que tal ação seja intentada,<br />

qual seja, dois anos a contar da data celebração, nos termos<br />

do art. i.560 do referido código'. (. .. ) Como se vê, o lapso<br />

temporal decorrido entre a celebração do casamento e a<br />

referida ação supera, em muito, o prazo estabelecido pela<br />

legislação pátria. Incabível, destarte, a homologação da presente<br />

sentença estrangeira, o que resultaria em indubitável<br />

afronta à ordem pública. Ante o exposto, nego seguimento<br />

ao pedido de homologação, nos termos do art. 34, XVIII, do<br />

RISTJ" (STJ - SEC: 5475, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima,<br />

Data de Publicação: DJ 01/02/2011).<br />

Decerto, passa a ser simplesmente anulável o casamento feito<br />

perante autoridade incompetente, afastando-se a possibilidade de<br />

nulidade absoluta. Consequência disto será a perda, do Ministério<br />

Público, da legitimidade para propositura da ação, conforme abordado<br />

no tópico anterior desta obra.<br />

É comum no estudo do direito, quando se pesquisa a questão<br />

da competência de uma autoridade pública, dividi-la em absoluta e<br />

relativa. Nessa perspectiva, a autoridade celebrante poderia ser, em<br />

tese, absolutamente incompetente (materialmente incompetente),<br />

ou relativamente (territorialmente) incompetente.<br />

175


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Surge, então, a pergunta: se o casamento for celebrado por<br />

autoridade absolutamente incompetente, o matrimônio seria inexistente<br />

(por falta de celebração, no sentido técnico da expressão),<br />

ou nulo?<br />

Para quem sustenta a tese de haver um plano de existência do<br />

casamento, a ausência de autoridade absolutamente competente<br />

acarretaria a própria inexistência do ato. Contudo, para quem sustenta<br />

não ser possível, no direito pátrio, admitir o plano da existência<br />

(porque todo o casamento registrado sempre existirá), a única saída<br />

que se descortina seria a nulidade absoluta do ato. A discussão em<br />

comento fora abordada, também, nos tópicos relativos à existência<br />

e nulidade absoluta do casamento, para os quais se remete o futuro<br />

aprovado.<br />

Ainda sobre a questão da competência, interessante registrar<br />

que o vigente Código Civil abraçou a teoria do casamento aparente,<br />

especificamente no seu artigo i.554. Dessa forma, se a autoridade incompetente<br />

exercer publicamente o ato, ocorrendo o seu posterior<br />

registro, o casamento será válido.<br />

Entende-se que o celebrante, mesmo não tendo a competência<br />

atribuída por lei para celebrar o casamento, aparece, aos olhos do<br />

mundo, como se competente fosse. Mas isto acontece?<br />

Exemplifica-se.<br />

Se determinada pessoa, assistente do juiz de paz da Comarca,<br />

passa a celebrar regularmente casamentos, haverá um aparência de<br />

autoridade, apesar de sua incompetência absoluta.<br />

Discute-se, na doutrina, se a teoria em questão aplicar-se-ia tanto<br />

ao casamento nulo, quanto ao anulável. Vaticina Maria Helena Diniz 2 •<br />

que apenas seria possível a incidência da teoria em casamento anuláveis,<br />

a exemplo de casos relacionados a incompetência relativa,<br />

em relação ao local - ratíone locí.<br />

Por outra via, outros autores, como Carlos Roberto Gonçalves e<br />

Eduardo de Oliveira Leite, nas obras já citadas, entendem que o dispositivo<br />

também se aplica aos casos de incompetência absoluta em<br />

relação à matéria.<br />

24. Código Civil..., 2005, p. i.252.<br />

176


CASAMENTO<br />

Com todo o respeito em relação aos dois posicionamentos, Flávio<br />

Tartuce' 5 entende que a melhor solução é considerar a hipótese<br />

como sendo de nulidade absoluta, por desrespeito à forma (art. 166,<br />

IV e V, do CC). Assim sendo, o ato poderá ser convalidado, com base<br />

no art. i.554, do CC. Isso porque o motivo da convalidação é a boa-fé<br />

dos cônjuges, no caso a boa-fé objetiva, a boa conduta. E a boa-fé faz<br />

milagres no Direito, podendo convalidar o que é nulo (vide a norma<br />

do art. 167, § 2°, do CC, que traz a inoponibilidade do ato simulado<br />

perante terceiros de boa-fé).<br />

Por esse caminho, a título de exemplo, poderá ser convalidado<br />

pela coabitação um casamento nulo, o qual perdurou por muito<br />

tempo. Se considerarmos que o casamento é inexistente nesse caso,<br />

haverá entre as partes mera união estável, o que não se coaduna<br />

com a vontade dos contraentes, que sempre quiseram o casamento,<br />

Esse entendimento, na verdade, confirma a tese de que a teoria da<br />

inexistência pode gerar situações injustas e que, para o casamento,<br />

em alguns casos, deve-se buscar solução na teoria das nulidades<br />

previstas na Parte Geral do Código Civil.<br />

Ainda no rol das anulabilidades, deve-se ficar atento a questão<br />

da incapacidade. Com efeito, diferentemente da teoria geral do<br />

direito civil, independentemente da idade, o casamento contraído<br />

pelo incapaz ocasionará anulabilidade. Mais uma vez se percebe a<br />

diferença entre a teoria das nulidades do casamento e a da parte<br />

geral do direito civil.<br />

Mas que irá pleitear a anulação do casamento do menor?<br />

Segundo o Código Civil, o próprio cônjuge incapaz, seus representantes<br />

legais ou seu ascendentes (art. i.552 do CC).<br />

Interessante pergunta versa sobre a possibilidade de anulação<br />

do casamento, por motivo de idade, se dele tiver resultado gravidez?<br />

Em um olhar sistemático com o art. i.520 do CC - tratado quando<br />

do enfrentamento do tema capacidade núbil -, impossibilita o legislador<br />

a anulação por idade do casamento do qual resulte gravidez<br />

(art. i.551 do CC). A explicação é clarividente: gravidez é justamente<br />

25. TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5: Família; Rio de<br />

Janeiro: Editora Forense; São Paulo: Editora Método, 2oo8, p. 83 e 84.<br />

177


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

uma das hipóteses em que se pode casar, ainda que desprovido da<br />

capacidade núbil.<br />

Outra novidade é a indicação de um novo caso de invalidade, até<br />

então inexistente no sistema civilista matrimonial, qual seja: a anulação<br />

do casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou outro<br />

contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo a<br />

coabitação entre os cônjuges (art. 1.550, V). Equipara-se a situação à<br />

invalidade do mandato judicialmente decretada (art. i.550, parágrafo<br />

único). O prazo é de 180 dias, a partir da data em que o mandante<br />

tiver conhecimento da celebração (art. 1.560, parágrafo segundo).<br />

Se o casamento for realizado por pessoa coacta, esta pode anular<br />

o mesmo, desde que o faça no prazo de 4 anos (CC, arts. i.550,<br />

Ili, i.558, i.560, IV). Em matéria de casamento, não precisa o juiz ser<br />

tão rigoroso quanto aos requisitos da coação. Entretanto, continua<br />

vigendo a assertiva no sentido de que o mero temor referencial não<br />

importa em coação (CC, art. 153).<br />

A anulação do casamento por erro essencial é dos mais frequentes<br />

casos. O CC/02 aponta o erro essencial como vício da vontade<br />

(art. 1.556), definindo-o logo em seguida no art. i.557, em seus quatro<br />

incisos de leitura obrigatória. o que une as casuísticas é justamente<br />

a percepção de que o fato é anterior ao casamento, o seu<br />

conhecimento ulterior e ocasiona a insuportabilidade da vida conjugal.<br />

Cita-se:<br />

Ar1. i.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro<br />

cônjuge:<br />

1 - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama,<br />

sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne<br />

insuponável a vida em comum ao cônjuge enganado;<br />

li - a ignorância de crime, anterior ao casamento. que, por<br />

sua natureza, torne insuponável a vida conjugal;<br />

Ili - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico<br />

irremediável, ou de moléstia grave e transmissível. pelo contágio<br />

ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro<br />

cônjuge ou de sua descendência;<br />

IV - a ignorância. anterior ao casamento, de doença mental<br />

grave que, por sua natureza, torne insuponável a vida em<br />

comum ao cônjuge enganado.<br />

178


CASAMENTO<br />

Justamente no inciso 1 encaixa-se a famosa casuística da mudança<br />

de sexo, já tratada neste capítulo, quando verificado o requisito da<br />

diversidade de sexos para o matrimônio.<br />

Outrosssim, haja vista não ser a finalidade do casamento civil a<br />

procriação, a infertilidade (impotência generandi) não é entendida<br />

como hipótese de erro essencial. Já a impotência coeundi - impossibilidade<br />

do coito - pode configurar tal erro, desde que seja anterior<br />

ao casamento, e com descobrimento posterior, inviabilizando a vida<br />

conjugal. A hipótese é rara, ao passo que haveria de ter casamento<br />

sem relação sexual pretérita.<br />

~ Atenção!<br />

O Código inova ao prescrever que a coabiraçilo, havendo ciência do vício,<br />

valida o aro (an. i.559). O faz bem. Pois se a coação, assim como o erro<br />

essencial quanto à pessoa, ocasionam nulidade relativa, obviamente o<br />

ato pode ser convalidado.<br />

Os prazos de anulação do casamento sofrem variação, gravitando<br />

entre 18o (cento e oitenta dias) até 4 (quatro) anos, a depender da<br />

hipótese. Basta, para tanto, ficar atento a redação do art. i.56o do CC;<br />

cita-se:<br />

An. i.560. O prazo para ser intentada a ação de anulação do<br />

casamento, a contar da data da celebração, é de:<br />

1 - cento e oitenta dias, no caso do inciso IV do an. i.550;<br />

li - dois anos, se incompetente a autoridade celebrante;<br />

Ili - três anos, nos casos dos incisos 1 a IV do an. i.557;<br />

IV - quatro anos, se houver coação.<br />

§ i~ Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o<br />

casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo<br />

para o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do<br />

casamento, para seus representantes legais ou ascendentes.<br />

§ 2~ Na hipótese do inciso V do an. i.550, o prazo para anulação<br />

do casamento é de cento e oitenta dias, a panir da<br />

data em que o mandante tiver conhecimento da celebração.<br />

719


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Atenção!<br />

Questão interessante é saber se o casamento inválido pode ser validado,<br />

por conta da boa-fé dos envolvidos?<br />

A resposta é positiva. Estar-se-á diante do casamento putativo, também<br />

denominado de imaginário (art. i.561 do CC).<br />

Segundo tal teoria. o casamento inválido (nulo ou anulável) poderá ter<br />

seus efeitos preservados para aquele que estava de boa-fé; sejam ambos<br />

os cônjuges, um deles ou a prole. Tais efeitos serão salvaguardados<br />

até a data da sentença anulatória. e englobam regime de bens, alimentos,<br />

emancipação, sucessão ...<br />

Tal teoria, como visto, é abraçada pelo vigente Código Civil!<br />

~ Como este assunto foi cobrado em prova de concurso?<br />

Prova: CESPE - 2014 - TJ-DF - Titular de Serviços de Notas e de Registros -<br />

Remoção. Acerca do casamento. assinale a opção correta.<br />

a) É possível a anulação de casamento, sob o fundamento de erro essencial<br />

quanto à pessoa. em caso de impotência coeundi do cônjuge, por<br />

impossibilitar a realização da finalidade do matrimônio, ainda que tenha<br />

havido coabitação anterior à celebração do casamento e por mais de<br />

três anos após essa celebração.<br />

b) o casamento nulo ou anulável produz todos os efeitos até o dia da<br />

sentença anulatória se ambos os cônjuges o contraíram de boa-fé.<br />

c) Sobrevindo prole, não podem ser anulados os efeitos civis do casamento<br />

celebrado em infringência a impedimento dirimente decorrente<br />

de má-fé de ambos os cônjuges.<br />

d) É válido o casamento nuncupativo realizado perante o oficial do registro,<br />

em caso de interditado portador de moléstia grave. na presença<br />

de duas testemunhas e do curador.<br />

e) O casamento religioso celebrado sem a observância das formalidades<br />

legais, das causas suspensivas e da capacidade matrimonial poderá ser<br />

inscrito no registro civil, no prazo estabelecido no Código Civil. mediante<br />

requerimento do celebrante ou dos interessados.<br />

Gabarito: B<br />

13. PLANO DA EFICÁCIA (EFEITOS DO CASAMENTO)<br />

Falar sobre a eficácia do casamento é tratar sobre seus efeitos,<br />

os quais repercutem no plano social, pessoal e patrimonial. Hodiernamente,<br />

a eficácia do matrimônio deve ser lida sob o prisma da<br />

180


CASAMENTO<br />

isonomia, na forma do art. 226, parágrafo s da Constituição Federal 26 •<br />

Portanto, no plano da eficácia (efeitos jurídicos do casamento, direitos<br />

e deveres que passam a existir) o estudo há de se iniciar pelo<br />

registro da isonomia 2 1.<br />

26. Como se observa, o Código Civil inicia a questão trazendo a regra antes desti·<br />

nada somente à esposa : pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente<br />

a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da<br />

família (art. i.565) e finaliza: o planejamento familiar é de livre decisão do casal,<br />

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício<br />

desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições<br />

privadas ou públicas (parágrafo 2, art. 1.565). Aliás, já dizia o art. i.513: defeso a<br />

qualquer pessoa de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida<br />

instituída pela família.<br />

27. Assim, as restrições à atividade de um só dos cônjuges descritas nas leis ordinárias<br />

passaram a não mais ser recepcionadas pela Carta Magna, sendo tidas<br />

como não escritas. No código anterior, por exemplo, pouco restou de útil aos<br />

capítulos sobre os direitos e deveres da mulher assim como os direitos e deveres<br />

do homem. No antigo código, também, havia um capítulo sobre as disposições<br />

gerais com quatro preceitos sem ligação entre si. O primeiro deles, desta forma,<br />

restava superado pois asseverava que o casamento criaria a família legítima,<br />

o que hoje é inadmissível. O segundo regulamentava o termo inicial de vigência<br />

do regime de bens, acolhendo a tese da irrevogabilidade. O terceiro, mais<br />

importante, apresenta o elenco de deveres dos cônjuges, sendo que o quarto<br />

dispunha derredor dos efeitos da anulação do matrimônio por culpa de um dos<br />

cônjuges. Quanto a família legítima, o código oitocentista a conceituava como a<br />

decorrente de justas núpcias, ignorando a família nascida fora do matrimônio,<br />

pois a própria constituição revogada, em seu art. 175, afirmava que a família<br />

era constituída pelo casamento. Ocorre que com a norma ordem constitucional<br />

(art. 226, parágrafo sexto) deu-se proteção também à família constituída fora do<br />

casamento. O novo Código, portanto, em fiel compromisso com a nova ordem<br />

constitucional, não acolheu a legislação anterior. Quanto ao regime de bens, que<br />

é o estatuto regulamentador dos interesses patrimoniais dos cônjuges durante o<br />

matrimônio, o antigo Código admitia quatro formas distintas de regime: comunhão<br />

universal, comunhão parcial, separação e dotai. Admitia-se às partes a livre<br />

escolha dos regimes, bem como o ajuste lícito sobre as relações patrimoniais.<br />

No silêncio das partes, o regime seria o da comunhão parcial. O regime de bens<br />

começa a vigorar no momento da celebração do matrimônio, na forma do Código<br />

de 1916, que representava um avanço, pois o direito anterior só considerava<br />

como termo inicial de vigência do regime de bens o momento em que se dava<br />

a consumação do casamento (Decreto 181/1890, forte no Direito Canônico), gerando<br />

insegurança jurídica. Após o matrimônio, o regime de bens era imutável,<br />

irrevogável, baseando-se a determinação legal em duas premissas: a) defesa de<br />

interesses de terceiros; b) propósito de evitar que a influência exercida por um<br />

cônjuge sobre o outro possa extorquir a anuência deste, com lesão ao seu interesse<br />

e indevido benefício ao seu consorte (Este é o escólio de Lafayene). Ocorre<br />

que alguns países (como Alemanha, art. i.432 e Suíça, art. 18o) adotavam, como<br />

181


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

1p Eficácia Social<br />

Iniciando a análise sob o ponto de vista da eficácia social, o casamento<br />

é capaz de alterar o estado civil das pessoas. Decorrência disto<br />

é o surgimento da comunhão (em todos os planos) e do dever imposto<br />

pela norma aos cônjuges pelos encargos da família, assumindo<br />

estes a qualidade de consortes (art. i.565, i.642 e i.643 do CC).<br />

Ademais, ao alterar o estado civil das pessoas - que deixam de<br />

ostentar o estado de solteiras, passando a ostentar o estado de casadas<br />

- há repercussões jurídicas variadas, tal como no campo administrativo<br />

(ex.: nepotismo, impessoalidade), eleitoral (ex.: impedimento<br />

eleitoral), processual (ex.: impedimento judicial de julgar e de ser testemunha),<br />

etc. O casamento também, a princípio, gera a mudança de<br />

domicílio.<br />

Justo por isto, que a norma, logo em seguida, autoriza a qualquer<br />

dos nubentes acrescer, ao seu, o sobrenome do outro, para que<br />

fique clara tal mudança social' 8 •<br />

O direito ao patronímico, no plano histórico, foi originariamente<br />

conferido apenas à mulher, no sentido de facultá-la acrescer, ao seu<br />

o sobrenome, o do marido. Agora, sob o enfoque da isonomia, a<br />

prerrogativa é bilateral: qualquer dos nubentes, querendo, poderá<br />

acrescer, ao seu, o sobrenome do outro.<br />

Pergunta, corriqueira, diz respeito à possibilidade de redução no<br />

momento do acréscimo do sobrenome do outro. É possível?<br />

Malgrado o Código Civil falar apenas sobre o acréscimo (art.<br />

i.565), a prática forense vem permitindo reduções, sob pena de os<br />

nomes se tornarem cada vez maiores.<br />

adotam, a tese da mutabilidade do regime. Orlando Gomes, em seu anteprojeto<br />

ao código, também admitia a mutabilidade. Forte na doutrina do renovado jurista,<br />

o atual código prevê a alteração do regime de bens mediante ourorizoçõo<br />

judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das<br />

razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros (art. i.639, parágrafo 2).<br />

28. Observe-se que o código fala em acrescer, não prevendo a hipótese de suprimir<br />

o nome.<br />

782


CASAMENTO<br />

Se houve alteração quanto ao acréscimo do nome, decerto que a<br />

retirada deste, por conta do divórcio, também é matéria de mudança.<br />

Inicialmente, em sendo da vontade daquele que acresceu a retirada<br />

do sobrenome, é possível que o faça, tendo como único motivo<br />

o término do relacionamento. Questão intrigante, porém, é saber se<br />

é possível a imposição de retirada?<br />

Sim, mas de forma excepcional. O nome acrescido passa a integrar<br />

a personalidade do seu titular, merecendo a tutela do Código<br />

Civil (art. 11 e ss.). Assim, a imposição de retirada passa a ser bastante<br />

dificultosa. O novo codex traz disciplina própria (art. i.578),<br />

admitindo a imposição de retirada ao culpado, desde que requerido<br />

pelo inocente, e que tal fato não acarrete evidente prejuízo para a<br />

identificação do derrotado, manifesta distinção entre o seu nome de<br />

família e o dos filhos havidos da união dissolvida, ou, ainda, dano<br />

grave reconhecido na decisão judicial.<br />

Decerto, muito difícil será tal imposição. Além da complicada<br />

comprovação da culpa; mesmo diante desta, as hipóteses em que<br />

permanece o patronímico são muito amplas.<br />

Ainda sob o prisma social. o casamento cria a família matrimonial,<br />

estabelecendo o vínculo de afinidade entre cada cônjuge e os<br />

parentes do outro.<br />

13.2 Eficácia Pessoal<br />

Já no que tange a eficácia pessoal, por conta do matrimônio os<br />

cônjuges passam a ter deveres. A teor do art. i.566, são deveres<br />

dos cônjuges a fidelidade recíproca; a vida em comum no domicílio<br />

conjugal (coabitação); a mútua assistência; o sustento, a guarda e a<br />

educação dos filhos e o respeito mútuo.<br />

Não consistem tais deveres em uma relação numerus clausulus.<br />

Não fala o código no dever do amor, do entendimento, da confiança,<br />

tolerância, abnegação, razoável entrosamento de mentalidades, cultura,<br />

sensibilidade, etc.<br />

A fidelidade é resultante da organização monogâmica da família,<br />

adotada no ocidente e na cultura cristã. Representa sustentáculo<br />

básico da unidade familiar. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa<br />

183


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Santos 29 , conceitua a fidelidade como a lealdade sob o aspecto físico<br />

e moral.<br />

Todavia, de regra, a doutrina vê a fidelidade sob a ótica das<br />

relações sexuais. o adultério, destarte, continua sendo considerado<br />

ilícito civil, por constituir séria injúria ao consorte e ameaça a vida<br />

conjugal. A quebra da fidúcia dificultará, ao máximo, o convívio domiciliar.<br />

E não é só isto. A infidelidade pode dar azo à ocorrência de filhos<br />

fora do casamento, gerando insegurança nas relações humanas.<br />

A vida em comum no domicílio conjugal tem um sentido não<br />

apenas objetivo: de moradia sob o mesmo teto (more uxoria); mas<br />

também subjetivo: incluindo a satisfação dos sexos (jus in corpus e<br />

traditio corporum).<br />

Sob a lente da more uxoria, admite-se, doutrinaria e jurisprudencialmente,<br />

ausências temporárias no exercício da profissão, ou<br />

mesmo por outras necessidades, como assistência de filhos ou pais<br />

residentes em outras localidades. A infração a este dever configura<br />

o que tradicionalmente se convencionou chamar de abandono do<br />

lar, o qual exige a ausência pelo prazo ininterrupto de um ano (art.<br />

1.573, IV do CC).<br />

Ademais, doutrinariamente já admite-se, até mesmo, que pessoas<br />

casadas residam em domicílios diversos, em função de exercício<br />

da profissão ou, até mesmo, por escolha do casal.<br />

Já sob o aspecto subjetivo (debitum conjuga/e), a coabitação perde<br />

cada vez mais espaço. Historicamente advindo do Direito Canônico<br />

- Cânone 1.055, parágrafo 1, do Código Canônico que dispõe sobre<br />

o consortium ominis vitae - hoje não mais se enxerga um direito ao<br />

corpo do outro, ante ao pilar da integridade física de cada pessoa e a<br />

invariável necessidade de atual consenso para a prática do ato sexual.<br />

Os valores constitucionais de hoje exigem uma nova reflexão sobres<br />

o pensamento clássico que se formou em torno destes deveres<br />

entre os cônjuges, particularmente no que concerne à vida em comum.<br />

29. ln Dever de Assistência Imaterial entre Cônjuges, Forense Universitária, Rio de<br />

Janeiro, 1990, p. 144.<br />

184


CASAMENTO<br />

Quanto à mútua assistência, enquanto desdobramento do princípio<br />

da solidariedade familiar no plano conjugal, baseia-se na afeição<br />

(affectio maritalis) que se presume existir entre os cônjuges. Ostenta<br />

duplo conteúdo (material e moral). Trata-se de um dos mais genéricos<br />

dos conceitos jurídicos abertos. No aspecto material, traduz o<br />

auxílio econômico necessário à subsistência do cônjuge. No aspecto<br />

imaterial, refere-se à proteção aos direitos da personalidade, dentre<br />

eles, a vida, a integridade física e psíquica, a honra e a liberdade.<br />

Compreende não só o cuidado na enfermidade, como também o<br />

socorro nas desventuras, o apoio na adversidade e o auxílio constante<br />

em todas as vicissitudes da vida. Por ser genérico o conceito,<br />

dificilmente se justifica a sanção civil.<br />

O dever de prover a mantença da família, antes conferido apenas<br />

ao varão, agora é confiado a ambos (art. i.568); assim como a administração<br />

dos bens do casal.<br />

A legislação cível atual traz ainda o atual dever jurídico de respeito<br />

e consideração mútuos, os quais podem ser explicados pela vedação<br />

às práticas de sevícia, injúria grave, conduta desonrosa, ofensa<br />

à liberdade profissional, religiosa, etc. Interessante que este dever é<br />

uma novidade da atual codificação, em comparativo com a anterior.<br />

Ainda na linha da isonomia constitucional, importante lembrar<br />

que a direção da sociedade conjugal é do casal, afinal de contas,<br />

a teor do art. i.511 do CC, o casamento é disciplinado com base na<br />

igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. É por isto que o art.<br />

i.567 confia a direção da sociedade conjugal ao marido e a mulher,<br />

sempre no interesse do casal e dos filhos, deferindo ao Juiz de Família<br />

o poder de decidir quanto a tais interesses, em casos de divergência<br />

entre os cônjuges (p. u. do art. i.567) 30 •<br />

30. O código oitocentista já indicava uma tendência de igualar os direitos entre homens<br />

e mulheres; contudo, ali haviam distinções baseadas em uma série de<br />

motivos, entre os quais a necessidade de escolher um dos cônjuges para determinadas<br />

tarefas, ou então na maior prática do homem para o exercício de<br />

alguns misteres, dos quais a mulher, por muitos séculos, manteve-se afastada. A<br />

história ocidental do direito de família caracteriza-se por uma forie evolução no<br />

tratamento dado à mulher. Para se ter uma idéia, em Roma a mulher era vista<br />

como loco filiae, passando pelo casamento da família de origem para a família<br />

do marido. Nas ordenações havia possibilidade concedida ao homem de castigar<br />

185


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

E mais. De acordo com o art. i.570 do CC se qualquer dos cônjuges<br />

estiver em lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais de<br />

cento e oitenta dias, interditado judicialmente ou privado, episodicamente,<br />

de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente, o<br />

outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe<br />

a direção dos bens.<br />

A teor do art. i.569 do CC, o domicílio será escolhido por ambos<br />

os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se para atender a encargos<br />

públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares<br />

relevantes, cabendo ao judiciário dirimir eventuais conflitos.<br />

Desta forma, não mais fica a mulher obrigada a seguir o domicílio<br />

escolhido pelo marido, mesmo que sob a justificativa de o mesmo<br />

conduzir-se no interesse do casal.<br />

13.3. Eficácia patrimonial: regime de bens<br />

Os efeitos patrimoniais do casamento se relacionam com o<br />

regime de bens. Este é o estatuto patrimonial da sociedade conjugal,<br />

cujo principal objetivo é solucionar as questões relativas<br />

à comunicabilidade; ou seja: verificar, no caso concreto, se um<br />

determinado bem comunica, ou não, ao patrimônio jurídico do<br />

outro cônjuge.<br />

Segundo o art. i.639 do CC, é lícito aos nubentes, antes de<br />

celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que<br />

lhes aprouver. Esclarece o § i 0 , do aludido preceito, que o regime<br />

de bens entre os cônjuges começa a vigorar da data do<br />

casamento .<br />

a mulher, assim como o escravo, discípulo, criado, filho, etc. O poder marital<br />

também foi conclamado no Código napoleônico (art. 213), daí se dizer do avanço<br />

observado no antigo código civil de 1916. A superveniência da Lei 4.121/62,es·<br />

tatuto do mulher casado, também constituiu avanço, cujo cume foi a CF/88 (art.<br />

226, parágrafo 5). Em compasso com a evolução histórica, o atual código civil<br />

confirma a tendência (art. i.551). A chefio do sociedade conjugal atualmente cabe<br />

a ambos os cônjuges (art. 1.567, parágrafo único), ao contrário do antigo sistema.<br />

No que concerne a representação legal do familio, estranha expressão utilizada<br />

pelo direito, já que a mesma carece de personalidade jurídica, mas utilizada<br />

pela tradição, pertence a mesma a ambos os cônjuges.<br />

186


CASAMENTO<br />

Analisando o tema regime de bens, a doutrina afirma que é possível<br />

a construção de alguns princípios informadores. Destacamos<br />

dois deles: a liberdade de escolha e a mutabilidade.<br />

a) Liberdade de Escolha<br />

Em regra os nubentes são livres para escolher o seu respectivo<br />

regime de bens. Fala-se em regra porque é consabido haver hipóteses,<br />

no Código Civil, cuja escolha é inviável, haja vista a imposição<br />

do regime de separação obrigatória de bens (art. i.641 do CC). Afora<br />

das casos, os nubentes terão liberdade de escolha sobre o estatuto<br />

patrimonial do seu casamento.<br />

O instrumento hábil para o exercício desta escolha é o pacto<br />

antenupcial, também chamado de pré-nupcial, dotai ou convenção<br />

matrimonial.<br />

~ O pacto antenupcial se estende, por analogia, aos companheiros<br />

que pretendem viver em união estável?<br />

Confira a recente decisão do Tribunal de Santa Catarina:<br />

<strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. AÇÕES CONEXAS. JULGA­<br />

MENTO CONJUNTO. INSURGÊNCIA DO EX-COMPANHEIRO. CON­<br />

TRATO PARTICULAR DE CONVIVÊNCIA. NULIDADE DAS CLÁUSU­<br />

LAS QUE ESTIPULARAM O REGIME DA COMUNHAO UNIVERSAL<br />

DE BENS. CONTRATO ESCRITO QUE NAO TEM EFEITOS DE PACTO<br />

ANTENUPCIAL. ANALOGIA COM AS REGRAS DO CASAMENTO. DO­<br />

AÇAO DE BENS IMÓVEIS. FORMALIDADES ESSENCIAIS NAO ATEN­<br />

DIDAS. NULIDADE RECONHECIDA.<br />

i Nas uniões estáveis, de acordo com a previsão do<br />

art. i.725 do Código Civil, salvo contrato escrito, incide,<br />

no que tange às questões patrimoniais, a disciplina do<br />

regime da comunhão parcial de bens, no que couber;<br />

com isso, é admissível que os conviventes afastem,<br />

através contrato escrito, a presunção de comunicação<br />

dos bens adquiridos a título oneroso no interregno da<br />

vida em comum, sendo presumida essa comunhão parcial<br />

na ausência de contrato escrito dispondo de forma<br />

diversa.<br />

187


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2 Não é viável juridicamente a comunicação dos bens adquiridos<br />

por um só dos conviventes antes do início da<br />

convivência em comum, por simples contrato escrito. o<br />

contrato a que alude o nosso Código Civil, em seu art.<br />

1.725, não tem esse alcance, por não equivaler ao pacto<br />

antenupcial exigido na hipótese de casamento, como<br />

pressuposto indispensável da eficácia do regime da comunhão<br />

universal de bens.<br />

3 Conquanto entidade familiar, a união estável não é casamento,<br />

pelo que não comporta ela opção acerca do<br />

regime matrimonial de bens, limitado o ajuste a respeito<br />

ao afastamento de comunicabilidade dos bens adquiridos<br />

na constância da convivência comum, pena de se<br />

submeterem ao regime legal, que é o da comunhão parcial<br />

de bens. O regime da comunhão universal de bens,<br />

contudo, é de total incompatibilidade com a informalidade<br />

que cerca a união estável.<br />

4 Pretendendo os conviventes que os bens adquiridos<br />

precedentemente ao início da união estável se comuniquem,<br />

impõe-se-lhes que celebrem o ajuste adequado,<br />

mediante instrumento de doação, cercado das formalidades<br />

e requisitos próprios. entre os quais, em se tratando<br />

de bens imóveis, a escritura pública. (TJ-SC - AC:<br />

20110965250 SC 2011.096525-0 (Acórdão), Relator: Trindade<br />

dos Santos, Data de Julgamento: 26/06/2013, Segunda Câmara<br />

de Direito Civil).<br />

O aludido pacto é um contrato formal, realizado por escritura<br />

pública e cujos efeitos ficam sob condição suspensiva, aguardando o<br />

casamento (art. i.653 do CC).<br />

Em tendo forma vinculada - escritura pública - o seu desrespeito<br />

ocasiona a nulidade absoluta do contrato. Logo, o pacto realizado<br />

por instrumento particular é nulo.<br />

Outrossim, caso o pacto seja realizado por escritura pública - sendo<br />

válido -, mas não haja casamento, o aludido contrato será ineficaz,<br />

haja vista a estarem os efeitos sob condição suspensiva do casamento.<br />

188


CASAMENTO<br />

O citado pado é um contrato acessório, cuja eficácia está adstrita<br />

ao casamento. Dessa forma, a nulidade do contrato principal (casamento),<br />

ocasionará a invalidade do acessório (pacto), nas pegadas<br />

do princípio da gravitação jurídica. A recíproca, porém, não é verdadeira.<br />

A invalidade do acessório (pacto) não ocasionará a queda do<br />

vínculo principal (casamento).<br />

Não se descarta, ainda, que em sendo o casamento declarado<br />

putativo, o pacto produza os seus regulares efeitos, para aquele que<br />

estiverem de boa-fé e até a data da sentença anulatória, nas pegadas<br />

do art. i.561 do CC.<br />

Registra-se que malgrado ser o pacto acessório, não há no Brasil<br />

um prazo decadencial, após a realização daquele, para que o casamento<br />

seja realizado, salvo se houver disposição no próprio pacto<br />

neste sentido. Entrementes, se faz necessário que as partes não se<br />

casem com terceiros após a confecção do instrumento, sob pena<br />

deste caducar, de forma automática.<br />

Todavia, em direito comparado se percebe solução diversa. O direito<br />

Português fixa o prazo de um ano, após a realização do pado,<br />

para que haja o casamento, sob pena daquele (o pacto) vir a caducar.<br />

Destarte, caso o pacto seja realizado e não haja casamento, passando<br />

os nubentes a conviverem em união estável, tem-se como<br />

possível o seu aproveitamento em um contrato de convivência, consoante<br />

o ideal da conservação dos atos. Nesse sentido há precedente<br />

gaúcho ( TJ/RS. AC. 8 Cam, Civ. Ap Civ 70016647547. Comarca de<br />

Porto Alegre. Rei. Des. José Ataídes Siqueira Trindade. J. 28.9.06. DJRS<br />

4.10.06) aplicando o art. 170 do CC, em busca da conservação dos<br />

negócios jurídicosi 1 •<br />

O pacto antenupcial demanda o seu registro, especificamente no<br />

cartório de registro de imóveis do domicílio dos cônjuges, em livro<br />

especial, sob pena de ineficácia perante terceiros (art. i.657 do CC<br />

31. Para o aprofundamento do tema conservação dos atos, indica-se a leitura do<br />

tópico específico no volume de parte geral, inserido no capítulo referente a teoria<br />

do fato, ato e negócio jurídico.<br />

189


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

e 70 da Lei 6.015/73). Caso inexista o citado registro, conservará o<br />

pacto a sua validade - acaso confeccionado por escritura pública -,<br />

mas apenas terá efeitos entre as partes contratantes.<br />

Sistematicamente, portanto, o pacto antenupcial deve ser necessariamente<br />

feito por escritura pública, no cartório de notas, e posteriormente<br />

levado ao cartório de registro civil, onde será realizado<br />

o casamento. Após o casamento, o pacto deve ser registrado no<br />

Cartório de Registro de Imóveis do primeiro domicílio do casal, para<br />

produzir efeitos perante terceiros, e também será averbado na matrícula<br />

dos bens imóveis do casal.<br />

• E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora IESES, em prova realizada para o<br />

provimento de cargo de Titular de Serviços de Notas e de Registros do<br />

TJ-PB, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "O regime de<br />

bens determinado na escritura pública de pacto antenupcial somente se<br />

torna oponível a terceiros após registro, em livro especial, pelo oficial do<br />

Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges".<br />

Se o pacto disser respeito ao casamento de um menor de 18 (dezoito<br />

anos) - e aqui, lembra-se, a capacidade núbil inicia-se aos 16<br />

(dezesseis anos) - haverá a necessidade da presença do assistente.<br />

No particular, recorda-se, a emancipação apenas ocorrerá após o casamento,<br />

sendo o pacto pré-nupcial. Tal intervenção, porém, não será<br />

necessária no regime de separação obrigatória, por razões óbvias (art.<br />

i.654 do CC). Seria, por exemplo, a casuística do menor que se casa<br />

através de suprimento judicial, curvando-se à separação obrigatória.<br />

De outra banda, não poderá o pacto desrespeitar questão de ordem<br />

pública, afastando, por exemplo, por completo o direito sucessório<br />

do cônjuge - que é herdeiro necessário, consoante o art. i.845<br />

do CC. Neste caso, o pacto será conservado, porém reduzido, sendo<br />

invalidada a específica cláusula contra /egem. Estar-se-á, então, diante<br />

da uma redução do negócio jurídico (art. i.655 e 184 do CC) 32 •<br />

32. Para o aprofundamento do tema conservação dos atos, indica-se a leitura do<br />

tópico específico no volume de parte geral, inserido no capítulo referente a teoria<br />

do fato, ato e negócio jurídico.<br />

190


CASAMENTO<br />

~ Neste sentido, decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de<br />

Justiça:<br />

RECURSO ESPECIAL - SUCESSÃO - CÔNJUGE SUPÉRSTfTE - CON­<br />

CORRÊNCIA COM ASCENDENTE, INDEPENDENTE O REGIME DE<br />

BENS ADOTADO NO CASAMENTO - PACTO ANTENUPCIAL - EX­<br />

CLUSÃO DO SOBREVIVENTE NA SUCESSÃO DO DE CUJUS - NULI­<br />

DADE DA CLÁUSULA - RECURSO IMPROVIDO. 1 - O Código Civil<br />

de 2.002 trouxe imponante inovação, erigindo o cônjuge<br />

como concorrente dos descendentes e dos ascendentes<br />

na sucessão legítima. Com isso, passou-se a privilegiar<br />

as pessoas que, apesar de não terem qualquer grau de<br />

parentesco, são o eixo central da família. 2- Em nenhum<br />

momento o legislador condicionou a concorrência entre<br />

ascendentes e cônjuge supérstite ao regime de bens adotado<br />

no casamento. 3 - Com a dissolução da sociedade<br />

conjugal operada pela mone de um dos cônjuges, o sobrevivente<br />

terá direito, além do seu quinhão na herança<br />

do de cujus, conforme o caso, à sua meação, agora sim<br />

regulado pelo regime de bens adotado no casamento.<br />

4 - O anigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da<br />

convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha<br />

disposição absoluta de lei. 5 - Recurso improvido<br />

(STJ - REsp: 954567 PE 2007/0098236-3, Relator: Ministro<br />

MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 10/05/2011, T3 - TER­<br />

CEIRA TURMA).<br />

Ainda no tratamento do pacto antenupcial, é consabido que ao<br />

exercitar a sua liberdade de escolha, no regime de bens, poderão<br />

os nubentes escolher um daqueles estatutos pré-determinados no<br />

Código Civil (comunhão universal, participação final nos aquestos e<br />

separação convencional).<br />

Mas, indaga-se: poderia o pacto servir para a criação de um regime<br />

novo, híbrido, misturando regras dos regimes existentes?<br />

A resposta é positiva. A isto a doutrina batiza de variabilidade,<br />

sendo a possibilidade decorrente da autonomia privada e da intervenção<br />

mínima do Estado nas relações particulares. Para tanto, obviamente,<br />

haverão de ser respeitadas as questões de ordem pública<br />

(art. i.655 do CC). Neste sentido é o Enunciado 331 do Conselho da<br />

Justiça Federal: "O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por<br />

191


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil<br />

(art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância<br />

do disposto no art. i.528 do Código Civil, cumpre certificação a<br />

respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial".<br />

Outra questão polêmica versa acerca da possibilidade do pacto<br />

antenupcial versar sobre questões diversas do regime de bens. Seria<br />

possível?<br />

O tema é dos mais polêmicos!<br />

Em uma análise legalista, na forma do art. i.639 do CC, o pacto<br />

em questão serviria, tão somente, para regramentos patrimoniais.<br />

Logo, poderia ser objeto do pacto o regime de bens, doações entre<br />

os cônjuges, ou deles para terceiros, compras e vendas, trocas<br />

ou permutas, cessões ... Assim, mantida a questão patrimonial, seria<br />

possível, até mesmo, a participação de um terceiro, doador, destinando<br />

bens ao casal.<br />

Mas, indo além de uma visão legalista, a par de uma interpretação<br />

fundada na autonomia privada, seria possível o pacto tratar de<br />

questões outras?<br />

Cristiano Chaves e Nelson RosenvaldB defendem que, respeitados<br />

os direitos e garantias fundamentais e fundado na autonomia<br />

privada, faz-se possível a inserção, no pacto, de outras cláusulas,<br />

como obrigações domésticas, reconhecimento de filhos, nomeação<br />

de tutor. No mesmo sentido, caminha Maria Berenice Dias 3 •.<br />

Já em sentido oposto, percebe-se o posicionamento de Maria Helena<br />

Diniz 3 5, quem entende que o pacto antenupcial apenas deverá<br />

se servir a questões patrimoniais.<br />

Nessa senda, tem-se hoje como discutíveis as cláusulas que, em<br />

pacto antenupciais, liberam a infidelidade reciproca, veiculam cláusula<br />

penal por traição ou, até mesmo, cláusula penal pelo simples<br />

término do relacionamento.<br />

Malgrado tais cláusulas serem corriqueiras e amplamente amparadas<br />

no direito comparado, sua aceitabilidade no Brasil ainda é resistida.<br />

A questão consiste em saber quando há, ou não, o atingimento de<br />

33. Op. Cit. p. 284.<br />

34. Op. Cit. p. 217.<br />

35. Op. Cit. p. 414 e 415.<br />

192


CASAMENTO<br />

questões de ordem pública. Dessa forma, em um olhar sistematizado,<br />

passa esta obra a dedicar-se a um rol de cláusulas pessoais, cuja inserção<br />

nos pactos antenupciais é controvertida. Vejamos:<br />

a) Dispensa do dever de fidelidade recíproca?<br />

b) Dispensa do dever de coabitação?<br />

e) Inserir cláusula penal pelo término do relacionamento?<br />

d) Lançar cláusula penal para a hipótese de traição?<br />

O cerne, consoante visto acima, é saber se tais cláusulas violariam,<br />

ou não, questões de ordem pública, direitos e garantias fundamentais<br />

ou, ainda, a dignidade da pessoa humana.<br />

a) Dispensa do dever de fidelidade recíproca.<br />

O que, efetivamente, se deseja saber nesta questão é se a monogamia<br />

é um princípio jurídico e, em consequência, uma questão<br />

de ordem pública. Isto, porque, em o sendo, não haverá como<br />

aceitar a validade da cláusula em questão. Caso, porém, seja a<br />

monogamia significada como uma questão privada, apta a ser<br />

afastada pela vontade das partes, a cláusula em comento terá<br />

validade.<br />

Conforme adverte Maria Berenice Dias 36 , a monogamia não se trata<br />

de um princípio de índole constitucional, ao passo que a Constituição<br />

Federal não a contempla expressamente, e nem implicitamente.<br />

Lembra a autora que a Constituição Federal admite, inclusive, a possibilidade<br />

de filhos fora das relações protegidas pelo Estado, com<br />

igualdade de direitos em relação aos filhos legítimos 37 • Assim, tem­<br />

-se na monogamia, ainda segundo a Professora Gaúcha, uma mera<br />

função ordenadora da família, sendo a uniconjugalidade imposição<br />

de ordem mora\3 8 •<br />

36. Op. Cit. p. 58.<br />

37. Sabe-se que a diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, este englobando<br />

os adulterinos, incestuosos e clérigos, não mais deve ser utilizada, em razão da<br />

igualdade entre os filhos independentemente de sua origem. Restou utilizado<br />

o signo no texto deste poper apenas como apto a esclarecer didaticamente a<br />

situação.<br />

38. Este também é o entendimento esposado por Rolf Madaleno (Op. Cit. p. 816).<br />

Rodrigo da Cunha Pereira (op. cit. p. 107) chega a afirmar que a monogamia não<br />

193


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Como vetor ordenador, percebe-se a presença do ideal monogâmico<br />

em várias passagens do direito infraconstitucional, como se<br />

passa a verificar.<br />

Na família casamentária, inicialmente o legislador cível aborda o<br />

tema como um impedimento matrimonial. Assim, são impedidos de<br />

se casar aqueles que já são casados (art. 2521, VI). A afronta a este<br />

impedimento consiste em falta grave, apta a levar a nulificação do<br />

matrimonio, ao lado da incapacitação do agente para o atoi 9 • Ainda<br />

na seara do campo matrimonial, o adultério e a quebra do respeito<br />

mútuo•º consistem em grave violação aos deveres do casamento'',<br />

podendo ser fato gerador de um pleito indenizatório.<br />

Uma vez declarada a culpa, mediante reconhecimento Judicial de<br />

que um dos cônjuges infringiu dever conjugal de maneira grave, o<br />

consorte culpado 4 ' sofre algumas consequências, como, em regra, a<br />

perda do seu direito a alimentos•i e a possibilidade de retirada do<br />

sobrenome do cônjuge inocente, acrescido, voluntariamente, quando<br />

do casamento (art. i.565 do CC). 44<br />

mais deve ser enxergada como mera norma moral, mas sim como um preceito<br />

básico e organizador das relações jurídicas das famílias brasileiras.<br />

39. Em verdade, o desrespeito aos impedimentos deve levar à nulidade do<br />

matrimônio, assim como a incapacidade do agente, conforme preleciona o art.<br />

i.548 do Código Civil.<br />

40. Nessa linha, na ótica deste autor, desnecessário perquirir sobre a (des)necessidade<br />

de conjunção carnal para configuração do adultério no campo cível, ao<br />

passo que relações com terceiros, até mesmo virtuais, já são aptas a gerar grave<br />

violação ao deveres conjugais, pois desabonadoras do respeito mútuo.<br />

41. Conforme posto no art. 1566 do Código Civil.<br />

42. Não é o escopo dessa produção discutir sobre a desculpabilização da separação<br />

e a ineficácia da declaração de culpa, mormente em face da Emenda Constitucional<br />

66/10. Como o tema ainda é controverso, optou-se por manter a alusão<br />

às regras do codificadas acerca da culpa, sendo retomado o assunto quando da<br />

análise acerca da dissolução do vínculo matrimonial.<br />

43. Excepcionalmente, o cônjuge declarado culpado pode ser credor de alimentos<br />

do inocente, caso não tenha parentes em condição de prestá-los e nem aptidão<br />

para o trabalho (art. 1704 do Código Civil). Malgrado consistir em norma que<br />

promove o direito à vida verifica-se questionável afronta à eticidade, a qual é<br />

um dos pilares do direito civil.<br />

44. A referida perda relaciona-se ao patronímico acrescido no ato do casamento.<br />

Para que esta ocorra faz-se necessário pedido expresso do cônjuge inocente,<br />

declaração de culpa daquele que vai perder o sobrenome, e ainda a não ocorrência<br />

de uma das hipóteses enunciadas no rol de incisos do art. 1578 do CC:<br />

194


CASAMENTO<br />

Na seara dos contratos, há vedação de doações de bens pelo<br />

cônjuge adúltero ao seu cúmplice, sendo passível de anulação pelo<br />

consorte inocente, ou seus herdeiros necessários, no prazo de até<br />

dois anos, contados da dissolução da sociedade conjugal (art. 550 do<br />

CC) 45 • Diga-se que a aludida reivindicação dos bens comuns apenas<br />

será possível caso inexista separação de fato há mais de cinco anos,<br />

e não reste comprovado que tal bem foi fruto do esforço comum do<br />

adúltero com o concubino 46 •<br />

No terreno do direito sucessório, coadunando-se com a vedação<br />

pertinente à doação, proíbe o direito civil à nomeação do concubino<br />

como herdeiro ou legatário do testador casado, salvo se este, sem<br />

culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos<br />

(art. 1801 e 1802 do CC).<br />

O objetivo da vedação ao ato de disposição testamentária, assim<br />

como de doação, é justamente proteger o patrimônio advindo da<br />

relação casamentária. Ressalva-se, porém, que sempre é possível a<br />

deixa patrimonial ao filho comum do cônjuge adúltero com o concubino,<br />

pautada no ideal de isonomia filial, previsto constitucionalmente47<br />

e amparado explicitamente no Código Civil 48 •<br />

1 - evidente prejuízo para a sua identificação; li - manifesta distinção entre o<br />

seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; Ili - dano grave<br />

reconhecido na decisão judicial.<br />

45. Interessante questão colocada é acerca da qualidade do bem quando retorna ao<br />

patrimônio do cônjuge inocente ainda na constância do casamento. Consistiria na<br />

rara hipótese em que o cônjuge inocente ajuizou a ação para invalidar a doação,<br />

mas não tem interesse no término do relacionamento. Este bem passa a ser<br />

considerado com patrimônio exclusivo do cônjuge inocente, ou na hipótese de<br />

separação ou divórcio será objeto de meação como aquesto?<br />

O tema não é regulado no Código Civil. Demais disto, a interpretação das sanções<br />

deve ser restritiva. Logo, não se sustenta a tese do retorno como patrimônio<br />

exclusivo. Todavia, de lege ferendo, como mudança legislativa, revela-se interessante<br />

o bem retornar como exclusivo do cônjuge inocente, à título de sanção<br />

pelo ato.<br />

O art. 550 do Código Civil é o que regula o assunto.<br />

46. Sobre o tema, indica-se a leitura do art. i.642 do Código Civil.<br />

47. Conforme posto no art. 227 da Constituição Federal.<br />

48. Segundo o art. i.8o3 do Código Civil<br />

795


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

No âmbito previdenciário, mais especificamente, quanto à percepção<br />

da pensão por morte, existem decisões que já conferiram<br />

ao concubinato a possibilidade de geração de direitos e obrigações,<br />

como se verifica na decisão do Superior Tribunal de Justiça:<br />

"PENSÃO PREVIDENCIÁRIA - PARTILHA DE PENSÃO ENTRE A VIÚVA<br />

E A CONCUBINA - COEXIST~NCIA DE VINCULO CONJUGAL E A NÃO<br />

SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA - CONCUBINATO IMPURO DE LON­<br />

GA DURAÇÃO. Circunstâncias especiais reconhecidas em Juízo.<br />

Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime<br />

no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou<br />

à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial<br />

não conhecido" (STJ - REsp 742.685-RJ - 5• Turma - Rei. Ministro<br />

José Arnaldo da Fonseca - Publicado em 05.oçl.2005).<br />

Também nesta linha, os seguintes julgados:<br />

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE<br />

DE SEGURADO. CONCUBINATO. POSSIBILIDADE. 1 - Por mais que<br />

esteja em nosso ordenamento prestigiada a monogamia, não<br />

se pode fechar os olhos à realidade deixando desamparada<br />

a concubina, que, não obstante a inexistência de vínculo formal<br />

com o servidor, estava em igualdade de condições com a<br />

esposa. Este entendimento não traz consignada a validação<br />

da duplicidade de relações maritais; pretende-se, apenas,<br />

guiado pelo senso de justiça, regular as consequências das<br />

circunstâncias táticas, evitando-se deixar à margem da proteção<br />

jurídica a concubina, que tinha vida em comum sob o<br />

mesmo teto more uxório com o servidor, embora não com<br />

exclusividade. (TJRS, AG 2005.04.oi.056483-2/RS, Rei. Des. Federal<br />

Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 14-o6-06)"<br />

"EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA E CONCU­<br />

BINA. RATEIO. POSSIBILIDADE. 1. Para a concessão do benefício<br />

de pensão por morte, no caso de companheira, há necessidade<br />

de comprovação de união estável. 2. Na hipótese, ainda<br />

que verificada a ocorrência do concubinato impuro, não<br />

se pode ignorar a realidade fática, concretizada pela longa<br />

duração da união do falecido com a concubina, ainda que<br />

existindo simultaneamente dois relacionamentos, razão pela<br />

qual é de ser deferida à autora o benefício de pensão por<br />

morte na quota-parte que lhe cabe, a contar do ajuizamento<br />

da ação." (TRF4, AC 2000.72.04.000915-0, Quinta Turma, Relator<br />

p/ Acórdão Luiz Antonio Bonat, D.E. 15/09/2008).<br />

196


CASAMENTO<br />

Contudo, este entendimento foi alterado e de forma diversa vem<br />

se posicionando os Tribunais Superiores, porquanto os direitos inerentes<br />

às entidades familiares não alcançariam o concubinato:<br />

<strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. RECURSO ESPECIAL. PRELIMINARES<br />

DEILEGITIMIDADE PASSIVA, INÉPCIA DA INICIAL E IMPOSSIBILIDADE<br />

JURÍDICADO PEDIDO AFASTADAS. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE<br />

UNIÃO ESTÁVEL, SOCIEDADE DE FATO OU CONCUBINATO. PARTILHA<br />

DE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. SERVIDOR PÚBLICO CASADO. IMPOS­<br />

SIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Inexistindo vedação<br />

normativa explícita a que a concubina peça, em juízo, o reconhecimento<br />

jurídico de uma determinada situação para fins<br />

de recebimento de pensão previdenciária, a impossibilidade<br />

jurídica do pedido aventada pelo recorrente há de ser afastada.<br />

2. Em princípio, a viúva titular da pensão previdenciária<br />

deixada pelo marido, é parte legítima para figurar no polo<br />

passivo de ação movida pela concubina, visando o rateio da<br />

verba. 3. Não se declara a nulidade do processo por ausência<br />

de intimação do órgão previdenciário, quando o mérito<br />

é decidido favoravelmente à recorrente. 4. Não é juridicamente<br />

possível conferir ao concubinato adulterino o mesmo<br />

tratamento da união estável. 5. "A titularidade da pensão<br />

decorrente do falecimento de servidor público pressupõe<br />

vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando­<br />

-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento<br />

da família, a concubina ." (RE 590.779-1/ES; Rei. Ministro<br />

MARCO AURÉLIO, DJ 26/03/2009). 6. Recurso especial provido.<br />

(STJ - REsp: 1185653 PE 2010/0047138-7, Relator: Ministro LUIS<br />

FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 07/12/2010, T4 - QUARTA<br />

TURMA).<br />

"COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma<br />

verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões<br />

e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO<br />

ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união<br />

estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não<br />

está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MU­<br />

LHER - CONCUBINA - <strong>DIREITO</strong>. A titularidade da pensão decorrente<br />

do falecimento de servidor público pressupõe vínculo<br />

agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio<br />

o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da<br />

família, a concubina" (RE 590.779/ES, Rei. Min. Marco Aurélio,<br />

julgamento em 10-2-09, P Turma, DJE de 27-3-09).<br />

197


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

No tema alimentos, o Código Civil 49 ordena extinguir o direito a<br />

alimentos do credor que vier a ter relação concubinária. Ademais, o<br />

concubino não consta no rol de legitimados para o pleito de alimentos5º,<br />

e é proibido de figurar como beneficiário do seguro de vida do<br />

seu consorte (cônjuge adúltero) 51 •<br />

Na seara penal, malgrado a retirada do adultério como tipo penal<br />

(Lei 11.105/2006), ainda persiste tipificada a bigamia, especificamente<br />

no art. 235 do Código Penal. Infere-se, portanto, a permanência de<br />

forte freio social, objetivando preservar a monogamia.<br />

Apesar de tais constatações, cediço que direito de família é direito<br />

civil por excelência. Logo, guiado pelo princípio da autonomia, o<br />

qual apenas admite restrições acaso haja relevante interesse público<br />

apto a legitimá-las, seria possível sustentar a cláusula de dispensa à<br />

fidelidade recíproca?<br />

Pensamos que sim . Entendemos ser completamente inadvertida<br />

a intervenção estatal na vida privada, na seara da intimidade, tentando<br />

disciplinar com quantas pessoas e como cada sujeito devo se<br />

relacionar. Se há consenso. Se inexiste vício. O negócio há de prevalecer.<br />

A dispensa em comento é prerrogativa privada.<br />

Nesta linha de intelecção há, até mesmo, recente escritura pública<br />

advinda da cidade de Tupã, interior de São Paulo, regulamentando<br />

os efeitos de um triângulo amoroso. Isto, porém, não assegura<br />

nenhum reconhecimento judicial posterior.<br />

Este posicionamento, porém, é minoritário.<br />

Para a maioria da doutrina, a cláusula que dispensa a fidelidade<br />

recíproca no casamento é nula de pleno direito, atingindo questão<br />

de ordem pública: a monogamia. Neste sentido posicionam-se Rolf<br />

Madaleno 52 e Carlos Roberto Gonçalves 53 , dentre outros.<br />

49. É a dicção do art. L7o8 do Código Civil.<br />

50. Conforme a leitura do an. 1.694 do C6digo Civil.<br />

51. Segundo o an . 793 do C6digo Civil.<br />

52. Op. Cit. p. 529.<br />

53. Op. Cit. p. 414 / 415.<br />

198


CASAMENTO<br />

b) Dispensa do Dever de Coabitação?<br />

Trata-se de cláusula de índole pessoal amplamente aceita pela<br />

doutrina no pacto antenupcial. É um efeito da pós modernidade. Aliás,<br />

é muito comum no meio jurídico, por exemplo, que cônjuges não<br />

exercitem a coabitação, haja vista serem concursados em estados<br />

diversos. Sobre tal possibilidade, posiciona-se Rolf Madaleno 54 •<br />

e) Cláusula penal pelo término do relacionamento?<br />

Critiano Chaves e Nelson Rosenvald 55 entendem não ser possível<br />

a inserção de cláusula penal pelo término do relacionamento em<br />

pactos antenupciais. Neste ponto, concordo com tais autores.<br />

Isto, porque, o Superior Tribunal de Justiça não indeniza o desamor.<br />

De fato, indenizar o puro e simples desamor seria impossibilitar<br />

o término do casamento, o transformando em uma prisão pecuniária.<br />

Pessoas permaneceriam com outras por valores materiais, e não<br />

por afeto.<br />

Caso no momento do divórcio se perceba que uma pessoa largou<br />

o seu exercício profissional para se dedicar aos afazeres do lar, é<br />

possível o pleito indenizatório, através de alimentos ressarcitórios;<br />

tema que será visitado em capítulo específico.<br />

d) Lançar cláusula penal para a hipótese de traição?<br />

Não enxergo motivo para a negativa da inserção. Aqui, além da<br />

autonomia privada, há um reforço a um dos deveres do casamento:<br />

a fidelidade recíproca. Mesmo para aqueles que entendem a fidelidade<br />

como cogente e indisponível, então porque eu não poderia<br />

reforça-lo?<br />

Logo, mesmo para os defensores de uma força pública para a<br />

fidelidade recíproca, e de um olhar menos autônomo aos deveres<br />

do casamento, a aludida cláusula haveria de ser possível. Todavia,<br />

ressalta-se, a doutrina não vem abraçando tal cláusula, por enxergar<br />

o pacto, preponderantemente, como um instrumento de regramento<br />

de questões patrimoniais.<br />

54. Op. Cit. p. 529.<br />

55. Op. Cit. p. 285 / 286.<br />

199


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

o que não se admite no pacto, sob todos os olhares, são cláusulas<br />

que desrespeitem questões de ordem pública (art. i.655<br />

do CC), como a dispensa à mútua assistência, renúncia antecipada<br />

à possibilidade do divórcio, início da eficácia do regime de<br />

bens após o casamento, dispensa da vênia conjugal em hipóteses<br />

impostas por lei, retirada do cônjuge da qualidade de herdeiro<br />

necessário ... Tais cláusulas haverão de ser extirpadas do pacto,<br />

o qual continua valendo, segundo a redução do negócio jurídico<br />

(art. 184 do CC), tudo de acordo com o princípio da conservação<br />

dos atos.<br />

Para finalizar a liberdade de escolha, recorda-se que se acaso os<br />

nubentes não a exercita-la através do pacto, ou se este carecer de<br />

validade, o regime de bens a ser aplicado ao matrimônio será o da<br />

comunhão parcial (art. 1.640 do CC), sendo este o nominado regime<br />

supletivo, incidente no silêncio das partes.<br />

b) Mutabilidade<br />

Vencida a liberdade de escolha, adentra-se no segundo princípio<br />

do regime de bens: mutabilidade.<br />

Trata-se de importante inovação do atual diploma civil, em comparação<br />

com a legislação pretérita. A matéria está disciplinada no<br />

§ 2° do art. 1.639, da seguinte maneira: "É admissível alteração do<br />

regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de<br />

ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados<br />

os direitos de terceiros".<br />

~ E na hora da prova?<br />

No concurso para provimento de cargo no Cartório do TJ-BA. ano de 2014,<br />

a banca examinadora CESPE julgou correta a seguinte assertiva: Para a<br />

alteração do regime de bens do casal, será necessária, além do consentimento<br />

dos cônjuges, a autorização judicial. "<br />

Nessa intelecção, para alterar o regime de bens do casamento<br />

é necessário o pedido conjunto e motivado de ambos os cônjuges,<br />

dirigido ao juiz de direito - procedimento de jurisdição voluntária<br />

e com advogado único - e desde que não acarrete prejuízos a<br />

terceiros.<br />

200


CASAMENTO<br />

• E na hora da prova?<br />

No concurso para provimento do cargo de Promotor de Justiça - MS/2013,<br />

a seguinte proposição foi considerada correta: ~ admissível a alteração<br />

do regime de bens do'casamento, mediante autorização judicial, em pedido<br />

motivado deduzido por ambos os cônjuges, ressalvados eventuais<br />

direitos de terceiros.<br />

Assim, não se admite a mudança cartorária do regime de bens.<br />

Igualmente não é possível a imposição na mudança do regime<br />

de bens; há de se ter consenso do casal. Ademais, a alteração<br />

produzirá efeitos ex nunc, por uma questão de segurança jurídica<br />

e prudência; com eficácia a partir da data da sentença e sem prejuízo<br />

a terceiros. Há juízes que, até mesmo, exigem a publicação<br />

de editais, para assegurar a aludida inexistência de prejuízos a<br />

terceiros.<br />

Mas, então, surge uma dúvida: sendo a possibilidade de alteração<br />

do regime de bens novidade do vigente Código Civil, é possível<br />

tal alteração do regime de casamentos realizados sob a égide da<br />

Código anterior? Para ficar cristalino: quem se casou antes de 2003<br />

(data de início da vigência do atual Código Civil) pode alterar o seu<br />

regime de bens?<br />

A resposta é positiva por dois fundamentos:<br />

A uma, por conta da isonomia. Não seria crível, sob o ponto de<br />

vista da igualdade, que àqueles casados durante a égide do atual<br />

Código Civil tivessem a autorização para a mudança do regime de<br />

bens, e o mesmo não acontecesse em relação aos casados à época<br />

da lei pretérita.<br />

Mas isto não é tudo!<br />

O segundo argumento parte de uma análise intertemporal, perpassando<br />

pela sucessão de leis no tempo.<br />

É sabido, como posto neste capítulo, que o casamento é um negócio<br />

jurídico. Assim, na dúvida em análise, verifica-se um negócio<br />

celebrado durante a vigência do Código Civil anterior e, cujos efeitos,<br />

adentram o novo Código Civil. Então, pergunta-se: qual a normatização<br />

que deve ser aplicada a este negócio?<br />

207


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Atento a esta questão, o legislador civilista trouxe uma disposição<br />

transitória, especificamente no art. 2.035. Cita-se:<br />

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos,<br />

constituídos antes da entrada em vigor deste Código,<br />

obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no<br />

art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência<br />

deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se<br />

houver sido prevista pelas partes determinada forma de<br />

execução.<br />

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar<br />

preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos<br />

por este Código para assegurar a função social da propriedade<br />

e dos contratos.<br />

Nessa toada, não havendo as partes disciplinado acerca da transição<br />

legislativa - sendo isto que geralmente acontece -, aplica-se o<br />

Código Civil de 2916 no que tange a existência e validade do negócio,<br />

e o Código Civil de 2002 no que diz respeito à eficácia. Ora, em sendo<br />

regime de bens a eficácia patrimonial do casamento, e possibilitando<br />

a lei vigente a sua mutabilidade, tem-se, portanto, como crível a<br />

alteração do regime de bens, mesmo para casamentos anteriores ao<br />

vigente Código Civil.<br />

A banca examinadora CESPE, na primeira fase do concurso para<br />

Juiz/TJTO, ano de 2007, considerou a seguinte assertiva como verdadeira:<br />

"No casamento realizado sob a égide do Código Civil de 1916,<br />

no qual foi adotado o regime de separação de bens, por imposição<br />

legal em face da menoridade dos cônjuges, desde que tenha desaparecido<br />

a causa que determinou a adoção de regime legal e que<br />

não haja qualquer prejuízo aos cônjuges ou a terceiros, é permitida<br />

a alteração do regime de bens adotado anteriormente para outro<br />

regime eleito pelo casal. Os efeitos da sentença que autoriza a mudança<br />

do regime de bens se operam a partir de seu trânsito em<br />

julgado".<br />

No particular, inclusive, não deve ser aplicado o artigo 2.039 do<br />

CC, o qual apenas refere-se ao regime legal, imposto quando do casamento.<br />

Assim, em uma interpretação sistemática deste artigo com<br />

o 2.035, entende-se como possível a aludida alteração do regime de<br />

bens. Lembra-se o teor do art_ 2.039 do CC:<br />

202


CASAMENTO<br />

Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na<br />

vigência do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1° de janeiro<br />

de 1916, é o por ele estabelecido.<br />

Neste sentido é o teor do Enunciado n. 260 do Conselho da<br />

Justiça Federal: "Enunciado CJF n. 260 - Art. i.639, § 2°, e 2.039:<br />

A alteração do regime de bens prevista no § 2°, do art. i.639<br />

do Código Civil também é permitida nos casamentos realizados<br />

na vigência da legislação anterior.<br />

~ Como se posicionou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

RECURSO ESPECIAL. <strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. <strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. REGIME<br />

MATRIMONIAL DE BENS. MODIFICAÇÃO. CASAMENTO CELEBRADO<br />

NA VIG~NCIA DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> DE 1916. DISPOSIÇÕES TRANSITÓ­<br />

RIAS DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> DE 2002. CONJUGAÇÃO DO ART. i.639, §<br />

2°, COM O ART. 2.039, AMBOS DO NOVEL DIPLOMA. CABIMENTO<br />

EM TESE DA ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS. INADMISSIBILIDA­<br />

DE QUE JÁ RESTOU AFASTADA. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL.<br />

ALTERAÇÃO SUBOROINAOA À PRESENÇA DOS DEMAIS REQUISITOS<br />

CONSTANTES DO ART. 2.639, § 2°, DO CC/2002. NECESSIDADE DE<br />

REMESSA DOS AUTOS ÀS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS APRECIAÇÃO<br />

DO PEDIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO A QUE SE DÁ PAR­<br />

CIAL PROVIMENTO PARA, ADMITIDA A MUDANÇA DE REGIME,<br />

COM A REMESSA DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM. (REsp<br />

868.404/SC, Rei. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA<br />

TURMA, julgado em 12.o6.2007, DJ 06.08.2007 p. 519); (Grifos<br />

nossos)<br />

<strong>CIVIL</strong> - REGIME MATRIMONIAL DE BENS - ALTERAÇÃO JUDICIAL -<br />

CASAMENTO OCORRIDO SOB A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI N° 3.071)<br />

- POSSIBILIDADE - ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI N° 10.4o6) - COR­<br />

RENTES DOUTRINÁRIAS - ART. i.639, § 2°, C/C ART. 2.035 DO<br />

CC/2002 - NORMA GERAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA.<br />

i - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art.<br />

2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral,<br />

constante do art. i.639, § 2°, do CC/2002, concernente à<br />

alteração incidental de regime de bens nos casamentos<br />

ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados<br />

os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas<br />

pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar<br />

em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5°,<br />

XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035<br />

do CC/2002, em aplicação de norma geral com efeitos imediatos.<br />

203


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2 - Recurso conhecido e provido pela alínea "a" para,<br />

admitindo-se a possibilidade de alteração do regime de<br />

bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob<br />

o pálio do CC/1916, determinar o retorno dos autos às<br />

instâncias ordinárias a fim de que procedam à análise<br />

do pedido, nos termos do art. i.639, § 2°, do CC/2002.<br />

(REsp 730.546/MG, Rei. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA<br />

TURMA, julgado em 23.08.2005, DJ 03.10.2005 p. 279) (Grifos<br />

nossos);<br />

"STJ. Casamento. CC/1916. Comunhão parcial de bens.<br />

Alteração de regime. Comunhão universal. Possibilidade<br />

jurídica. Ambas as Turmas de Direito Privado desta Corte<br />

assentaram que o art. 2.039 do Código Civil não impede o<br />

pleito de autorização judicial para mudança de regime de<br />

bens no casamento celebrado na vigência do Código de<br />

1916, conforme a previsão do art. i.639, § 20, do Código<br />

de 2002, respeitados os direitos de terceiros~ (STJ, Quarta<br />

Turma, Resp 812.012-RS, Relator Ministro Aldir Passarinho<br />

Junior, julgador em 02/12/2008).<br />

Mas quais são os motivos que costumam ensejar a alteração do<br />

regime de bens?<br />

Dois motivos costumam ser lembrados.<br />

O primeiro deles é o objetivo de afastar a vedação do artigo<br />

977 do CC. Este informa que "Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade,<br />

entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado<br />

no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação abri·<br />

gatória". Logo, os casados em comunhão universal que desejem<br />

contratar sociedade entre si, ou com terceiros, haverão de alterar<br />

o regime de bens.<br />

Outra casuística é a queda da causa suspensiva, a qual havia<br />

imposto o regime de separação obrigatória de bens ao casamento<br />

(arts. 1.523 e 1.641 do CC). Imaginem que João havia se divorciado de<br />

Maria e, antes de dar partilha de bens (art. 1.581 do CC), resolve se<br />

casar com Ana. Neste cenário, o casamento com Ana há de obedecer<br />

o regime de separação obrigatória. Entremetes, uma vez feita a partilha<br />

de bens de João e Maria, poderá este requerer, conjuntamente<br />

com Ana, a alteração do seu regime de bens.<br />

204


CASAMENTO<br />

Neste sentido, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO<br />

CC/16. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. POSSIBILIDADE.<br />

- A interpretação conjugada dos arts. i.639, § 2°, 2.035 e<br />

2.039, do CC/02, admite a alteração do regime de bens adotado<br />

por ocasião do matrimônio, desde que ressalvados<br />

os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas<br />

pelos cônjuges para tal pedido.<br />

- Assim, se o Tribunal Estadual analisou os requisitos autorizadores<br />

da alteração do regime de bens e concluiu pela<br />

sua viabilidade, tendo os cônjuges invocado como razões<br />

da mudança a cessação da incapacidade civil interligada<br />

à causa suspensiva da celebração do casamento a exigir<br />

a adoção do regime de separação obrigatória, além da<br />

necessária ressalva quanto a direitos de terceiros, a alteração<br />

para o regime de comunhão parcial é permitida.<br />

- Por elementar questão de razoabilidade e justiça, o<br />

desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento<br />

e a ausência de qualquer prejuízo ao cônjuge ou<br />

a terceiro, permite a alteração do regime de bens, antes<br />

obrigatório, para o eleito pelo casal, notadamente porque<br />

cessada a causa que exigia regime específico.<br />

- Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior<br />

permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos<br />

posteriores, todavia, serão regulados pelo CC/02, isto é,<br />

a partir da alteração do regime de bens, passa o CC/02 a<br />

reger a nova relação do casal.<br />

- Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada<br />

pelo art. 5•, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de<br />

norma geral com efeitos imediatos. Recurso especial não<br />

conhecido (REsp 82i.8o7/PR, Rei. Ministra NANCY ANDRIGHI,<br />

TERCEIRA TURMA, julgado em 19.10.2oo6, DJ 13.11.2oo6 p. 261);<br />

(Grifos nossos)<br />

13.4. Espécies de Regime de bens<br />

Visitados os princípios norteadores do regime de bens e seus<br />

desdobramentos, passa-se a específica análise dos regimes de bens<br />

disciplinados no Código Civil nacional. Compulsando o Código Civil,<br />

percebe-se os seguintes regimes de bens:<br />

205


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

a) Comunhão Parcial ou Regime Supletivo<br />

b) Comunhão Universal<br />

c) Separação Convencional de Bens<br />

d) Separação Obrigatória de Bens<br />

e) Participação Final nos Aquestos.<br />

Vamos visita-los um a um.<br />

a) O Regime da Comunhão Parcial ou Regime Supletivo.<br />

A doutrina costuma conceituar este regime de bens como uma<br />

separação quanto ao passado, e uma comunhão quanto ao futuro<br />

(arts. i.658 e i.661 do CC). Para alguns, o regime em comento<br />

mistura as regras da separação convencional com as da comunhão<br />

universal.<br />

Trata-se do regime supletivo, ao passo que caso inexista pacto<br />

antenupcial, ou este careça de validade, o regime da comunhão parcial<br />

irá prevalecer (art. i.640 do CC).<br />

O código anterior, em conformidade com a herança deixada pelas<br />

Ordenações do Reino, rezava que no silêncio das partes vigia o regime<br />

da comunhão universal. À época já não era assim nas legislações<br />

francesa, espanhola, peruana e suíça. Orlando Gomes, ao apresentar<br />

seu anteprojeto ao código, propunha a separação de bens em tais<br />

casos, o que já em 1977 passou a viger, por força da Lei 6.515/77. Agora,<br />

a teor do art. i.640, na falta, nulidade ou ineficácia da convenção,<br />

vigorará o regime da comunhão parcial.<br />

Em síntese: trata-se do regime supletivo, aplicado quando as partes<br />

não elegem outro, ou ainda se o pacto antenupcial for nulo, de<br />

acordo com o art. i.640 do CC. Este ainda é o regime de bens que<br />

prevalece na união estável.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(MPE-MS - Promotor de Justiça - MS/2013 - Adaptada) A propósito do<br />

regime de bens, analise as seguintes proposições:<br />

1. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica­<br />

-se, quanto ao regime de bens, a comunhão parcial. (Asseniva correta)<br />

206


CASAMENTO<br />

No regime de comunhão parcial de bens se comunicam os bens<br />

que sobrevierem ao casal, à título oneroso, na constância do casamento;<br />

restando excluídos de comunicação os anteriores. Veja-se:<br />

CASAMENTO<br />

Ames<br />

Nada Comunica<br />

Depois<br />

Tudo Comunica<br />

À Exceção do 1.659,<br />

do Código Civil.<br />

Eis como fica a situação patrimonial dos cônjuges antes e depois<br />

do matrimônio quando se casam na comunhão parcial de bens.<br />

Antes<br />

Depois<br />

Após este conceito geral, o legislador civilista trata de veicular<br />

específicas hipóteses em que haverá, e outras nas quais não haverá,<br />

comunicabilidade. Vamos verifica-las!<br />

O artigo i.659 do Código Civil dedica-se a analisar quais os bens<br />

que não se comunicam na comunhão parcial, estando excluídos da<br />

meação. Nesta linha, excluem-se da comunhão: 1 - os bens que cada<br />

cônjuge possuir ao casar e os que lhes sobrevierem na constância<br />

do matrimônio por doação, sucessão e os sub-rogados em seu lugar;<br />

li - os adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos<br />

consortes, em sub-rogação aos particulares; Ili - as obrigações anteriores<br />

ao casamento; IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos,<br />

salvo reversão em proveito do casal; V - os bens de uso pessoal,<br />

os livros e instrumentos de profissão; VI - os proventos do trabalho<br />

pessoal de cada consorte; VII - as pensões, meios soldos, montepios<br />

e outras rendas semelhantes 56 •<br />

56. Bens excluídos da comunhão parcial pelo CC/02. O novo código modifica a sistemática<br />

adotada quantos aos regimes de comunhão parcial e total. Antes,<br />

207


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Já o artigo i.660 do Código Civil informa quais os bens que se<br />

comunicam, tornando-se objeto de meação. São eles: 1 - bens adquiridos<br />

na constância do casamento por título oneroso, ainda que em<br />

nome de um só dos cônjuges; li - os adquiridos por fato eventual (a<br />

exemplo de lotérica), com ou sem concurso de trabalho ou despesa<br />

anterior, Ili - os adquiridos por herança ou legado em face de ambos<br />

os consones, IV - as benfeitorias em bens particulares de cada um dos<br />

cônjuges e, V - os frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada<br />

consorte, percebidos na constância do casamento ou pendentes ao<br />

tempo de cessar a comunhão dos adquiridos.<br />

~ Neste sentido, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. INCOMUNICABILIDADE DA VALORIZAÇÃO DE CO­<br />

TAS SOCIAIS NO ÂMBITO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL.<br />

Na hipótese de dissolução de união estável subordinada<br />

ao regime da comunhão parcial de bens, não deve integrar<br />

o patrimônio comum, a ser partilhado entre os companheiros,<br />

a valorização patrimonial das cotas sociais de<br />

sociedade limitada adquiridas antes do início do período<br />

de convivência do casal. Inicialmente, cumpre ressaltar<br />

que o regime da comunhão parcial de bens-aplicável, em<br />

regra. à união estável (art. 1.725 do CC/2002) - determina<br />

que não são comunicáveis os bens e direitos que cada<br />

um dos companheiros possuir antes do início da união<br />

(como, na hipótese, as cotas sociais de sociedade limitada),<br />

bem como os adquiridos na sua constância a título<br />

gratuito (por doação, sucessão, os sub-rogados em seu<br />

lugar etc.). Ademais, para que um bem integre o patrimônio<br />

comum do casal, além de a aquisição ocorrer durante<br />

o período de convivência, é necessária a presença de um<br />

identificava a lei o patrimônio excluído da comunhão total (art. 263, CC/16) e<br />

estes mesmos bens e dívidas viriam a ser afastados da partici pação conjunta na<br />

comunhão parcial (CC/16, art. 269, IV). No novo código o patrimônio comum e as<br />

causas de exclusão indicadas no regime da comunhão parcial são apresentados<br />

de forma independente, e quando trata do patrimônio excluído do regime da<br />

comunhão total, remete-se, em complementação, a algumas exclusões do regime<br />

parcial (art. i .668, V). Nessa linha é que se inicia a apresentação dos artigos destinados<br />

à comunhão parcial para, na sequência, virem as regras da comunhão<br />

total, exatamente no sentido inverso do código oitocentista.<br />

208


CASAMENTO<br />

segundo requisito: o crescimento patrimonial deve advir<br />

de esforço comum, ainda que presumidamente. Nesse<br />

contexto, a valorização de cota social, pelo contrário, é<br />

decorrência de um fenômeno econômico, dispensando<br />

o esforço laboral da pessoa do sócio detentor, de modo<br />

que não se faz presente, mesmo que de forma presumida,<br />

o segundo requisito orientador da comunhão parcial<br />

de bens (o esforço comum). REsp u73.931-RS, Rei. Min.<br />

Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/10/2013.<br />

É interessante observar que apesar do bem imóvel particular<br />

- como o anterior ao casamento, o herdado ou o doado a um<br />

dos consortes não comunicar - as benfeitorias realizadas no bem<br />

na constância do casamento e os frutos (como safras e alugueis)<br />

comunicam.<br />

Ademais, o artigo i.662 do CC veicula uma presunção relativa<br />

(juris tantum) de comunicabilidade dos bens móveis, desde que não<br />

reste provado que foram adquiridos antes do casamento.<br />

No que tange à administração dos bens, cada cônjuge administra<br />

o que é seu. O que for do casal será administrado por ambos. O art.<br />

i.663 do CC assevera caber tal administração a qualquer dos consortes,<br />

reclamando a anuência de ambos para atos que impliquem<br />

cessão de uso ou gozo desses bens.<br />

b) Comunhão universal.<br />

O regime de comunhão universal de bens é eleito através de um<br />

pacto antenupcial, tema já estudado.<br />

Neste regime, todos os bens - sejam anteriores ou adquiridos<br />

na constância do casamento - se comunicam entre os cônjuges, formando<br />

apenas um patrimônio comum durante a vigência da união.<br />

Para muitos é o regime mais romântico, capaz de refletir a finalidade<br />

do casamento, o qual caminha com uma união físico psíquica.<br />

Nessa esteira de pensamento, informa o artigo i.667 do CC que<br />

neste regime se comunicam todos os bens presentes e futuros dos<br />

cônjuges, bem como as dívidas passivas. Assim, os patrimônios dos<br />

cônjuges se fundem em um só, surgindo uma espécie de condomínio<br />

peculiar, insuscetível de dissolução enquanto se mantiver a sociedade,<br />

abrangendo, inclusive, os bens futuros, qualquer que seja o título<br />

de aquisição.<br />

209


LUCIANO L FIGUEIREDO E ROBERTO L FIGUEIREDO<br />

Antes<br />

Depois<br />

Bens Comuns<br />

Malgrado tal comunicabilidade ampla, o legislador civilista preocupa-se<br />

em listar um rol de bens excluídos da comunhão universal. os<br />

quais, por consequência, nem se comunicam e nem se tornam objeto<br />

de meação. Nas pegadas do artigo i.668 do CC, são eles: "I - os bens<br />

doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados<br />

em seu lugar; li - os gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro<br />

fideicomissário, antes e realizada a condição suspensiva; Ili - as dívidas<br />

anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus<br />

aprestas ou reverterem em proveito comum; IV- as doações antenupciais<br />

feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;<br />

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de trabalho, bem<br />

como o salário, pensão, meio soldo, enfim: as rendas".<br />

~ Na hora da prova:<br />

(IESES - Cartório -TJ - PB/2014) Sobre os regimes de bens no Brasil pode­<br />

-se afirmar:<br />

1. No regime da separação de bens não se comunicam os adquiridos<br />

onerosamente na constância do casamento, salvo quando registrados<br />

na forma de condomínio.<br />

11. Na comunhão universal integram a massa de bens comuns os recebidos<br />

em doação ou sucessão ainda que por apenas um dos cônjuges.<br />

Ili. o regime da participação final nos aquestos presumem-se da propriedade<br />

do cônjuge devedor os bens móveis.<br />

IV. Na comunhão parcial de bens excluem-se da comunhão os frutos e<br />

rendimentos dos bens particulares.<br />

a) Estão corretas apenas as assertivas 1, li e Ili.<br />

_ b) Estão corretas apenas as assertivas li, Ili e IV.<br />

c) Estão corretas apenas as assertivas 1 e IV.<br />

d) Todas as assertivas estão corretas.<br />

Gabarito: A<br />

270


CASAMENTO<br />

A primeira coisa a se perceber é a atualização do texto vigente,<br />

em relação ao diploma pretérito. Assim, não mais aborda o legislador<br />

a incomunicabilidade dos dotes, banidos no atual sistema; bem<br />

como da fiança prestada sem a autorização do cônjuge, que representava<br />

indicação inútil, eis que o ato é anulável, incapaz de gerar<br />

efeitos no mundo jurídico (art. i.647, Ili ei.649, ambos do CC, bem<br />

como a Súmula 332 do STJ).<br />

• E na hora da prova?<br />

A banca examinadora Cespe, no concurso para provimento do cargo de<br />

Defensor Público - T0/2013, acerca do regime de bens entre cônjuges,<br />

trouxe como gabarito a assertiva: "O regime de comunhão universal implica<br />

a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges<br />

e suas dívidas passivas, com exceção, entre outras, dos bens doados ou<br />

herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em<br />

seu lugar".<br />

Quanto aos bens de herança necessária a que se impuser a cláusula<br />

de incomunicabilidade (referida no art. 263, XI, do CC/16), sua<br />

exclusão do novo código decorre da abrangência do inciso 1 do art.<br />

i.668. A expressão bens herdados soluciona a situação jurídica.<br />

~ Atenção!<br />

Apesar disto, é importante recordar as restrições para se gravar a legítima,<br />

as quais demandam justa causa (art. i.848, CC), bem como da<br />

extensão da cláusula de inalienabilidade, também implicando a incomunicabilidade<br />

e impenhorabilidade (art. i.911, CC).<br />

Quanto aos bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade<br />

e os sub-rogados em seu lugar a finalidade é preservar a<br />

manifestação de vontade do negócio jurídico (art. i.911 do CC).<br />

• Atenção!<br />

O código não mais exclui da comunhão as obrigações provenientes de<br />

ato ilícito, como antes fazia, sendo este um importante detalhe.<br />

O CC/02 também abordará, neste momento de exclusão da comunhão<br />

universal, os bens gravados de fideicomisso e o direito do<br />

herdeiro fideicomissário, antes de realizar a condição suspensiva.<br />

271


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Neste sentido, a prova para Defensor Público - MS, organizada<br />

pela VUNESP, ano de 2009, considerou como verdadeira a proposição:<br />

"No regime da comunhão universal, estão excluídos os bens gravados<br />

de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de<br />

realizada a condição suspensiva".<br />

Na substituição fideicomissária existem dois beneficiários sucessivos.<br />

O primeiro (fiduciário) recebe a propriedade de bens que deve<br />

- por sua morte, ou a certo tempo, ou sob certa condição - transmitir<br />

ao segundo (fideicomissário). O fiduciário é titular do domínio, mas<br />

tal domínio é resolúvel; enquanto o fideicomissário é apenas o titular<br />

de um eventual direito, pois só adquirirá o domínio se advier a<br />

condição suspensiva.<br />

Logo, em sendo o direito do fiduciário resolúvel, não se comunica.<br />

O direito do fideicomissário, eventual, também não se comunica,<br />

porque para o ordenamento jurídico é de alta conveniência estabelecer<br />

segurança às relações sociais. Contudo, se a propriedade se<br />

consolida nas mãos do fiduciário, em virtude da pré-morte do fideicomissário,<br />

ou se, com o advento da condição, os bens passarem<br />

para o patrimônio do fideicomissário, em ambas as hipóteses dá-se<br />

a comunicação.<br />

A título de exemplo: caso João deixe patrimônio para a prole<br />

eventual de Maria com o seu marido (Pedro), o bem ficará com Maria,<br />

até o nascimento da aludida prole. Neste contexto, enquanto<br />

pendente a condição suspensiva, ainda que Maria seja casada com<br />

Pedro em comunhão universal, o bem, objeto da fidúcia, não se comunicará,<br />

por razões óbvias.<br />

Interessante questão, direcionada tanto ao regime da comunhão<br />

parcial, como a universal, é saber se os frutos do trabalho pessoal<br />

seriam passíveis de comunicação. Seriam?<br />

Pela dicção literal do art. 1659, VI e art. 1668, V, ambos do CC, a<br />

resposta seria negativa.<br />

~ Como se posicionou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

o STJ tem sustentado que, em caso de separação do casal, créditos trabalhistas<br />

devem ser incluídos na partilha dos bens no regime de comunhão<br />

parcial ou total, em vista de uma interpretação sistemática. Cita-se:<br />

272


CASAMENTO<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. <strong>CIVIL</strong>. <strong>DIREITO</strong> DE<br />

FAMÍLIA. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL<br />

DE BENS. CRÉDITOS TRABALHISTAS ORIGINADOS NA CONSTÂNCIA<br />

DO CASAMENTO. COMUNICABILIDADE.<br />

i. A jurisprudência da Terceira Turma é firme no sentido<br />

de que integra a comunhão a indenização trabalhista correspondente<br />

a direitos adquiridos na constância do casamento.<br />

2. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (AgRg no<br />

REsp 1150046 / SP. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL<br />

2011/0057459-5. Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERI·<br />

NO. T3 - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 06/11/2012.<br />

Publicação: DJe i3/11/2012).<br />

Direito civil. Família. Recurso especial. Divórcio direto. Embargos<br />

de declaração. Multa prevista no art. 538, parágrafo<br />

único, do CPC, afastada. Partilha de bens. Crédito<br />

resultante de execução. Ausência de interesse recursai.<br />

Eventuais créditos decorrentes de indenização por danos<br />

materiais e morais proposta por um dos cônjuges em face<br />

de terceiro. Incomunicabilidade. Créditos trabalhistas. Comunicabilidade.<br />

Fixação dos alimentos. Razoabilidade na<br />

fixação. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia<br />

e da possibilidade de quem os presta.<br />

- A multa imposta à recorrente em face da interposição de<br />

embargos de declaração deve ser afastada, porquanto neste<br />

aspecto destoou o acórdão impugnado do quanto vem<br />

decidindo esta Corte, que possibilita, para fins de prequestionamento,<br />

o manejo dos embargos declaratórios, que, em<br />

tais hipóteses, não apresentam intuito protelatório.<br />

- Quanto à partilha do crédito resultante da execução, da<br />

qual consta registro de penhora sobre imóvel em favor<br />

do recorrido, carece a recorrente de interesse recursai,<br />

porquanto ficou decidido que fará ela jus à meação da<br />

importância dali ocorrência ou não de adjudicação do<br />

imóvel, tal como advinda, destacando-se que os fatos<br />

e provas do processo são tomados, na via especial,<br />

conforme delineados no acórdão impugnado, de modo<br />

que a discussão acerca da tal como deduzida pela recorrente,<br />

nesta via não pode ser tratada, quando do<br />

acórdão consta expressamente que "ausente prova de<br />

que o bem tenha sido adjudicado pela parte credora".<br />

213


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

- No que concerne aos créditos decorrentes de ação de<br />

reparação civil movida pelo ex-cônjuge em face de terceiro,<br />

considerando que não há, no acórdão impugnado,<br />

qualquer elucidação a respeito do que teria gerado a<br />

pretensão reparatória fazendo apenas alusão a "eventuais<br />

valores provenientes de ações de dano moral e patrimonial"<br />

(ti .. 389), deve ser mantida a incomunicabilidade<br />

de possíveis valores advindos do julgamento da referida<br />

ação, porque, conforme declarado no acórdão recorrido,<br />

os prováveis danos sofridos unicamente pelo ex-cônjuge<br />

revestem-se de caráter "personalíssimo".<br />

- Segue mantido, portanto, o acórdão impugnado, quanto<br />

à incomunicabilidade de créditos oriundos de ação de<br />

reparação civil ajuizada pelo recorrido, porque expressamente<br />

declarado pelo TJ/RS que se cuida de dano de<br />

"cunho personalíssimo" (fl .. 389).<br />

· Ressalve-se, apenas como esclarecimento "a latere",<br />

eventual condenação de pagamento de lucros cessantes<br />

e de danos que hipoteticamente teriam o condão de atingir<br />

o patrimônio comum, circunstâncias em que haveria<br />

resultado de acréscimo patrimonial ao casal ou mera reposição<br />

do patrimônio existente à época do dano.<br />

- O ser humano vive da retribuição pecuniária que aufere<br />

com o seu trabalho. Não é diferente quando ele contrai<br />

matrimônio, hipótese em que marido e mulher retiram<br />

de seus proventos o necessário para seu sustento, contribuindo,<br />

proporcionalmente, para a manutenção da entidade<br />

familiar.<br />

- Se é do labor de cada cônjuge, casado sob o regime da<br />

comunhão parcial de bens, que invariavelmente advêm<br />

os recursos necessários à aquisição e conservação do patrimônio<br />

comum, ainda que em determinados momentos,<br />

na constância do casamento, apenas um dos consortes<br />

desenvolva atividade remunerada, a colaboração e o esforço<br />

comum são presumidos, servindo, o regime matrimonial<br />

de bens, de lastro para a manutenção da família.<br />

- Em consideração à disparidade de proventos entre marido<br />

e mulher, comum a muitas famílias, ou, ainda, frente<br />

à opção do casal no sentido de que um deles permaneça<br />

em casa cuidando dos filhos, muito embora seja facultado<br />

214


CASAMENTO<br />

a cada cônjuge guardar, como particulares, os proventos<br />

do seu trabalho pessoal, na forma do art. 1.659,<br />

inc. VI, do CC/02, deve-se entender que, uma vez recebida<br />

a contraprestação do labor de cada um. ela se<br />

comunica.<br />

- Amplia-se, dessa forma, o conceito de panicipação na<br />

economia familiar. para que não sejam cometidas distorções<br />

que favoreçam, em frontal desproporção, aquele<br />

cônjuge que mantém em aplicação financeira sua remuneração,<br />

em detrimento daquele que se vê obrigado a<br />

satisfazer as necessidades inerentes ao casamento, tais<br />

como aquelas decorrentes da manutenção da habitação<br />

comum, da educação dos filhos ou da conservação dos<br />

bens.<br />

- Desse modo, se um dos consones suporta carga maior<br />

de contas, enquanto o outro apenas trata de acumular<br />

suas reservas pessoais, advindas da remuneração a que<br />

faz jus pelo seu trabalho, deve haver um equilíbrio para<br />

que, no momento da dissolução da sociedade conjugal,<br />

não sejam consagradas e referendadas pelo Poder Judiciário<br />

as distorções surgidas e perpetradas ao longo da<br />

união conjugal.<br />

- A tônica sob a qual se erige o regime matrimonial da<br />

comunhão parcial de bens, de que entram no patrimônio<br />

do casal os acréscimos advindos da vida em comum, por<br />

constituírem frutos da estreita colaboração que se estabelece<br />

entre marido e mulher, encontra sua essência<br />

definida no an. 1.660, incs. IV e V, do CC/02.<br />

- A interpretação harmônica dos arts. 1.659, inc. VI, e<br />

1.660, inc. V, do CC/02, permite concluir que, os valores<br />

obtidos por qualquer um dos cônjuges, a título de retribuição<br />

pelo trabalho que desenvolvem, integram o patrimônio<br />

do casal tão logo percebidos. Isto é, tratando-se<br />

de percepção de salário, este ingress mensalmente no<br />

patrimônio comum, prestigiando-se, dessa forma, o esforço<br />

comum.<br />

- "É difícil precisar o momento exato em que os valores<br />

deixam de ser proventos do trabalho e passam a ser<br />

bens comuns, volatizados para atender às necessidades<br />

do lar conjugal."<br />

215


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

- Por tudo isso, o entendimento que melhor se coaduna<br />

com a essência do regime da comunhão parcial de bens,<br />

no que se refere aos direitos trabalhistas perseguidos<br />

por um dos cônjuges em ação judicial, é aquele que estabelece<br />

sua comunicabilidade, desde o momento em que<br />

pleiteados. Assim o é porque o "fato gerador" de tais<br />

créditos ocorre no momento em que se dá o desrespeito,<br />

pelo empregador, aos direitos do empregado, fazendo<br />

surgir uma pretensão resistida.<br />

- Sob esse contexto, se os acréscimos laborais tivessem<br />

sido pagos à época em que nascidos os respectivos direitos,<br />

não haveria dúvida acerca da sua comunicação<br />

entre os cônjuges, não se justificando tratamento desigual<br />

apenas por uma questão temporal imposta pelos<br />

trâmites legais a que está sujeito um processo perante<br />

o Poder Judiciário.<br />

- Para que o ganho salarial insira-se no monte-partível é<br />

necessário, portanto, que o cônjuge tenha exercido determinada<br />

atividade laborativa e adquirido direito de<br />

retribuição pelo trabalho desenvolvido, na constância do<br />

casamento. Se um dos cônjuges efetivamente a exerceu<br />

e, pleiteando os direitos dela decorrentes, não lhe foram<br />

reconhecidas as vantagens daí advindas, tendo que buscar<br />

a via judicial, a sentença que as reconhece é declaratória,<br />

fazendo retroagir, seus efeitos, à época em que proposta<br />

a ação. O direito, por conseguinte, já lhe pertencia, ou seja,<br />

já havia ingressado na esfera de seu patrimônio, e, portanto,<br />

integrado os bens comuns do casal.<br />

- Consequentemente, ao cônjuge que durante a constância<br />

do casamento arcou com o ônus da defasagem salarial<br />

de seu consorte, o que presumivelmente demandou­<br />

-lhe maior colaboração no sustento da família, não se<br />

pode negar o direito à partilha das verbas trabalhistas<br />

nascidas e pleiteadas na constância do casamento, ainda<br />

que percebidas após a ruptura da vida conjugal.<br />

- No que se refere aos alimentos arbitrados em favor da<br />

recorrente, ao analisar a prova e definir como ocorreram<br />

os fatos, que se tornam imutáveis nesta sede especial,<br />

constou do acórdão a conclusão, pautada no binômio<br />

216


CASAMENTO<br />

necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante,<br />

bem como esquadrinhando residual capacidade<br />

para o trabalho da recorrente, que o percentual<br />

de 25"k sobre os proventos auferidos pelo recorrido<br />

junto ao INSS coaduna-se com a realidade social vivenciada<br />

pelas partes, de modo que não merece reparo,<br />

nesse aspecto, o julgado. Recurso especial parcialmente<br />

provido.<br />

(REsp 1024169 / RS. RECURSO ESPECIAL 2oo8/0012694-7. Relatora:<br />

NANCY ANDRIGHI. TERCEIRA TURMA. Data de Julgamento:<br />

13/04/2010. Publicação: DJe 28/04/2010).<br />

c) Regime de separação convencional, voluntária, absoluta ou total<br />

de bens.<br />

Quando se pactua este regime, através do pacto antenupcial,<br />

o casamento não repercute na esfera patrimonial dos consortes.<br />

Assim, os cônjuges preservam não apenas o domínio e a<br />

administração de seus bens presentes e futuros, como também<br />

a responsabilidade pelas dívidas anteriores e posteriores ao<br />

casamento.<br />

A eleição deste regime de bens, portanto, deixa claro o desejo<br />

dos cônjuges: independência e incomunicabilidade patrimonial.<br />

Nesta senda, o novo código civil, em sentido absolutamente inverso<br />

ao art. 276 do anterior, permite expressamente a alienação ou<br />

imposição de ônus real pelo titular do patrimônio, inclusive imobiliário,<br />

independentemente da autorização do respectivo cônjuge. Reza<br />

o art. i.687: "Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob<br />

a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá<br />

livremente alienar ou gravar de ônus real".<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora VUNESP, no concurso para TABELIÃO/MS (Atividades<br />

Notariais Registro), ano de 2009, trouxe o seguinte caso concreto: "Linésia,<br />

casada sob o regime de separação de bens, vendeu a Amarildo, por<br />

meio de escritura pública, um imóvel. Ocorre que, dias após o negócio,<br />

dois, dos cinco filhos de Linésia, compraram, também por escritura pública,<br />

o mesmo imóvel de Amarildo, com dinheiro que receberam da mãe.<br />

217


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Linésia faleceu em i2 de agosto de 2003. Os demais irmãos dos compradores<br />

e o marido de Linésia ingressaram com ação de anulação das<br />

escrituras de compra e venda por considerarem que houve simulação,<br />

pois a verdadeira intenção da mãe era uma doação, em 11 de julho de<br />

2008. Em análise da questão, aponte a alternativa correta".<br />

Eis o gabarito da referida questão: "O marido de Linésia não tem<br />

direito a reclamar a anulação da compra e venda, uma vez que é<br />

casado com separação de bens".<br />

Há uma grande inovação normativa.<br />

Mas como ficam as despesas do lar?<br />

Nas pegadas do art. i.688: ambos os cônjuges são obrigados a<br />

contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de<br />

seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto<br />

antenupcial.<br />

Nessa senda, nada impede que o pacto antenupcial imponha a<br />

exata participação de cada cônjuge nas despesas do lar, a exemplo<br />

de 50°/o (cinquenta por cento) para cada um. Se não o fizer, porém, a<br />

contribuição será proporcional ao seu respectivo rendimento. Logo,<br />

se a esposa recebe 80°/o (oitenta por cento) da renda do casal, haverá<br />

de contribuir com este montante nas despesas do lar, restando<br />

20% (vinte por cento) ao marido.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(MPE-SC - Promotor de Justiça- SC/2013) A mulher casada não é obrigada<br />

a concorrer com o marido, na proporção de seus bens e dos rendimentos<br />

do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos,<br />

qualquer que seja o regime patrimonial do casal. (Asseniva falsa).<br />

d) Regime de separação legal, obrigatória ou cogente<br />

O art. i.641 preceitua os casos de obrigatoriedade do regime de<br />

separação, com o fito de evitar que o interesse material venha a<br />

constituir o principal fator a mover o consorte, eliminando esta espécie<br />

de incentivo para: a) as pessoas que contraírem matrimônio<br />

com inobservância das causas suspensivas da celebração, b) para<br />

o maior de setenta anos e c) para todos que dependerem, para se<br />

casar, de suprimento judicial.<br />

278


CASAMENTO<br />

lmpende ressaltar que o vigente código deixa de impor ao menor<br />

em idade núbil (entre 16 e 18 anos) o regime da separação obrigatória<br />

de bens, e ainda permite, expressamente, a celebração de pacto<br />

antenupcial destes, condicionado à aprovação do representante legal<br />

(art. i.654 do CC).<br />

Novidade significativa, já registrada, reside no art. 1.523, parágrafo<br />

único do CC, segundo o qual é permitido aos nubentes solicitar ao<br />

juiz que não lhe sejam aplicadas as causas suspensivas, desde que<br />

comprovada a ausência de prejuízo. Nestes casos, pode ser relaxada<br />

a imposição do regime de bens. llidindo-se a causa suspensiva, cessa<br />

o obstáculo à livre convenção.<br />

Diante das especificidades do regime de separação de bens, seria<br />

válida a doação promovida na constância do casamento por cônjuges<br />

regidos pela separação.<br />

O Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu:<br />

PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECI­<br />

MENTO SOB O RITO ORDINÁRIO. CASAMENTO. REGIME DA SE­<br />

PARAÇÃO LEGAL DE BENS. CÔNJUGE COM IDADE SUPERIOR A<br />

SESSENTA ANOS. DOAÇÕES REALIZADAS POR ELE AO OUTRO<br />

CÔNJUGE NA CONSTÂNCIA DO MATRIMÔNIO. VALIDADE. - São<br />

válidas as doações promovidas, na constância do casamento,<br />

por cônjuges que contraíram matrimônio pelo<br />

regime da separação legal de bens, por três motivos:<br />

(i) o CC/16 não as veda, fazendo-no apenas com relação<br />

às doações antenupciais; (ii) o fundamento que justifica<br />

a restrição aos atos praticados por homens maiores de<br />

sessenta anos ou mulheres maiores que cinquenta, presente<br />

à época em que promulgado o CC/16, não mais se<br />

justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção<br />

de tais restrições representam ofensa ao princípio da<br />

dignidade da pessoa humana; (iii) nenhuma restrição<br />

seria imposta pela lei às referidas doações caso o doador<br />

não tivesse se casado com a donatária, de modo<br />

que o Código Civil, sob o pretexto de proteger o patrimônio<br />

dos cônjuges, acaba fomentando a união estável<br />

em detrimento do casamento, em ofensa ao art. 226,<br />

§3°, da Constituição Federal. Recurso especial não conhecido.<br />

(STJ - REsp n° 47i.958 - RS - 3ª Turma - Rei. Min.<br />

Nancy Andrighi - DJ 18/02/2009).<br />

279


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

(TJMS - 2009 - VUNESP - Adaptada) É válida a doação de um cônjuge ao<br />

outro na constância do matrimônio, quando adotado, por força da lei, o<br />

regime de separação de bens. (Assertiva correta).<br />

No que tange a idade, inúmeras são as críticas, por entenderem<br />

indevida a imposição. Quando muitos esperavam a extirpação desta<br />

imposição, o legislador aumentou o limite de idade, antes de 60<br />

(sessenta) anos e, agora, de 70 (setenta) anos.<br />

De fato, verifica-se uma possível incompatibilidade com o Estatuto<br />

do Idoso (Lei n°. 10.741/2003), particularmente ao direito fundamental<br />

ao envelhecimento previsto no artigo 80, do Estatuto): "O<br />

envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito<br />

social, nos termos desta Lei e da legislação vigente".<br />

Além disto, pode-se verificar, a restrição patrimonial deste regime<br />

de bens, ofensa à autonomia privada e ao princípio da intervenção<br />

mínima do Estado nas relações particulares.<br />

Resta perguntar: o maior de 70 anos estaria sendo tratado como<br />

um incapaz? Estaria tolhido de utilizar seu patrimônio como lhe convenha?<br />

A norma estaria a imaginar que as partes estariam atuando<br />

de má-fé? É o que sugere o Enunciado n° 261, do Conselho da Justiça<br />

Federal: "A obrigatoriedade do regime da separação de bens não se<br />

aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido<br />

de união estável iniciada antes desta idade".<br />

Seria possível uma quarta reflexão sobre o preceito criticado que<br />

opta pela presunção de má-fé das pessoas, aspecto que contraria a<br />

dignidade humana das pessoas que se casam nesta situação. o artigo<br />

i.641, do Código Civil sugere a presunção de má-fé das pessoas;<br />

a despeito da presunção de boa-fé e da presunção de inocência das<br />

pessoas que vigoram em nosso ordenamento jurídico.<br />

O Tribunal de justiça do Estado da Bahia também possui Enunciado<br />

pugnando pela inconstitucionalidade dessa imposição legal do<br />

regime da separação obrigatória aos maiores de 70 anos. Trata-se<br />

do Enunciado no 02: "Na perspectiva de respeito à dignidade da pessoa<br />

humana, é inconstitucional a imposição do regime de separação<br />

obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, li, do Código Civil, às pessoas<br />

maiores de setenta anos".<br />

220


CASAMENTO<br />

Com vem se posicionando a jurisprudência sobre o regime de<br />

separação legal?<br />

Curioso, porém, que a jurisprudência pacífica e sumulada vem<br />

ordenando comunicabilidade patrimonial no regime de separação<br />

obrigatória de bens, com fulcro no solidarismo familiar. Neste sentido,<br />

vaticina a súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal que "No<br />

regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na<br />

constância do casamento".<br />

A súmula merece elogios. Não fosse a mesma, como solucionar<br />

situações nas quais as próprias partes, a par da separação, adquirem<br />

com esforço comum, onerosamente, bens? Em nítido respeito<br />

à noção que veda o enriquecimento sem causa, diante da primazia<br />

desta realidade, a hipótese, efetivamente, é de se admitir, apenas<br />

para o bem em destaque, a comunicabilidade.<br />

Registra-se que tal súmula, apesar de editada há época da legislação<br />

pretérita, continua sendo aplicada hodiernamente pelo Superior<br />

Tribunal de Justiça; cita-se:<br />

Incide a súmula 377 do STF que, por sinal, não cogita do esforço<br />

comum, presumido, neste caso, segundo o entendimento<br />

pretoriano majoritária (STJ, 4 T, REsp 154.896/RJ, Rei. Min. Fernando<br />

Gonçalves. Julgado. 20.1i.03)<br />

Mesmo entendimento: (STJ, 3 T, REsp 736.627/PR, Rei. Min. Carlos<br />

Alberto Menezes Direto. Julgado. 11.04.06)<br />

Outra questão que a jurisprudência vem sendo convocada a analisar<br />

é derredor da aplicação do regime em comento à união estável,<br />

mormente em função da idade. Cita-se:<br />

<strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO.<br />

SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ART. 258, § ÚNICO, INCISO li, DO<br />

CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> DE 1916.<br />

1. Por força do art. 258, § único, inciso li, do Código Civil de<br />

1916 (equivalente, em parte, ao art. i.641, inciso li, do Código<br />

Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou<br />

cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação<br />

obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é<br />

aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime<br />

de separação obrigatória, sendo o homem maior de<br />

sessenta anos ou mulher maior de cinquenta.<br />

227


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da<br />

união<br />

estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem<br />

ser<br />

amealhados pela companheira, nos termos da Súmula n. 0 377<br />

do STF.<br />

3. Recurso especial provido.<br />

(REsp 646259 / RS. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Quarta Turma.<br />

DJ 22/06/2010)<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE SEXA­<br />

GENÁRIOS. REGIME DE BENS APLICÁVEL. DISTINÇÃO ENTRE FRUTOS<br />

E PRODUTO.<br />

1. Se o TJ/PR fixou os alimentos levando em consideração o<br />

binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do<br />

alimentante, suas conclusões são intensas ao reexame do STJ<br />

nesta sede recursai.<br />

2. O regime de bens aplicável na união estável é o da<br />

comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação<br />

dos bens adquiridos a título oneroso na constância<br />

da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a<br />

aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros.<br />

3. A comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da<br />

união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as<br />

exceções, as quais merecem interpretação restritiva, devendo<br />

ser consideradas as peculiaridades de cada caso.<br />

4. A restrição aos atos praticados por pessoas com idade<br />

igual ou superior a 6o (sessenta) anos representa ofensa ao<br />

princípio da dignidade da pessoa humana.<br />

5. Embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento<br />

de que o regime aplicável na união estável entre sexagenários<br />

é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime<br />

temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação<br />

dos bens adquiridos onerosamente na constância da união,<br />

sendo presumido o esforço comum, o que equivale à aplicação<br />

do regime da comunhão parcial.<br />

6. É salutar a distinção entre a incomunicabilidade do produto<br />

dos bens adquiridos anteriormente ao início da união,<br />

contida no § 1° do art. 5° da Lei n. 0 9.278, de 1996, e a comunicabilidade<br />

dos frutos dos bens comuns ou dos particulares<br />

222


CASAMENTO<br />

de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou<br />

pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão<br />

do art. 1.660, V, do CC/02, correspondente ao art. 271, V,<br />

do CC/16, aplicável na espécie.<br />

7. Se o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens<br />

particulares do ex-companheiro aqueles adquiridos ao longo<br />

da união estável, e não como produto de bens eventualmente<br />

adquiridos anteriormente ao início da união, opera-se a<br />

comunicação desses frutos para fins de partilha.<br />

8. Recurso especial de G. T. N. não provido. 9. Recurso especial<br />

de M. DE L. P. s. provido.<br />

REsp 1171820 / PR. RECURSO ESPECIAL 2009/0241311-6. Relator:<br />

SIDNEI BENETI. Relator para Acordão: NANCY ANDRIGHI. T3 -<br />

TERCEIRA TURMA. Data de Julgamento: 07/12/2010. Publicação:<br />

27/04/2011.<br />

Por fim, voltando a análise do direito legislado, percebe-se que a<br />

separação de bens é um gênero, dentro do qual se insere o regime<br />

da separação obrigatória (art. i.641, CC) e de separação convencional<br />

(art. i.687, CC). A ideia deste regime é a incomunicabilidade, seja<br />

por imposição de lei (na obrigatória), seja pela vontade dos nubentes<br />

(na convencional).<br />

Deste modo, fazendo uma análise legalista, a representação deste<br />

regime de bens seria:<br />

Antes<br />

Depois<br />

~ Atenção!<br />

•<br />

O regime da separação obrigatória de bens tem sido fortemente criticado<br />

pela doutrina, a ponto de o Instituto Brasileiro de Direito de Família<br />

propor a eliminação de tal regime no Estatuto das Famílias. Ou seja,<br />

existe Projeto de Lei em tramitação perante o Congresso Nacional, denominado<br />

Estatuto das Famílias, de autoria do IBDFAM, no qual o instituto<br />

da separação obrigatória seria abolido.<br />

223


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

Acerca desse assunto, a banca examinadora IESES, em concurso realizado<br />

para o cargo de Titular de Serviços de Notas e de Registros, TJ-BA, ano<br />

de 2014, considerou correta a seguinte asseniva: MNo regime da separação<br />

de bens não se comunicam os adquiridos onerosamente na constância<br />

do casamento, salvo quando registrados na forma de condomínio.w<br />

e) Regime da Participação Final nos Aquestos<br />

Trata-se de nova modalidade de regime de bens, até então<br />

desconhecida na legislação pátria, malgrado outros países como<br />

Alemanha, França, Espanha, Portugal e Argentina já se referirem<br />

ao mesmo.<br />

Para incidir, reclama um pacto antenupcial, assim como ocorre na<br />

comunhão universal e separação total de bens. Divide os bens nas<br />

seguintes massas patrimoniais:<br />

Patrimônio anterior ao casamento: incomunicável<br />

Patrimônio adquirido na constância do casamento de forma exclusiva<br />

por um dos cônjuges: incomunicável<br />

Patrimônio adquirido na constância do casamento ~lo casal<br />

: comunicável e chamado de aquestos. Justo este que será<br />

partilhado, em regra, na razão de 50°/o (cinquenta por cento),<br />

salvo disposição em sentido contrário no próprio ato de aquisição.<br />

Representa um regime híbrido, ao prever a separação de bens<br />

na constância do casamento, preservando cada consorte o seu patrimônio<br />

pessoal, com a livre administração.<br />

Todavia, a venda dos imóveis, ainda que particulares, vai exigir a<br />

autorização do outro, a não ser que o pacto antenupcial a dispense<br />

(art. i.672, i.673 e i. 656).<br />

Com a dissolução do casamento, fica estabelecido o direito à metade<br />

dos bens adquiridos a título oneroso, pelo casal. na constância<br />

do casamento (art. 1. 672). Justamente por isto o código estabelece<br />

224


CASAMENTO<br />

critérios para a identificação e apuração do patrimônio a ser objeto<br />

de participação recíproca (i.673).<br />

~ E na hora da prova?<br />

(MP - RN - CESPE - 2009 - Adaptada) De acordo com o regime de<br />

participação final nos aquestos, à época da dissolução da sociedade<br />

conjugal, cabe a casa cônjuge o direito à metade dos bens adquiridos<br />

pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. (Assertiva<br />

verdadeira).<br />

Pode-se dizer que o código indica a forma na qual se dará a<br />

operação contábil para o cálculo da participação de um sobre os<br />

aquestos em nome do outros, estabelecendo as regras de liquidação<br />

do acervo.<br />

Resumidamente, apuram-se os bens anteriores ao casamento, os<br />

sub-rogados a eles, os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão<br />

ou liberalidade e as dívidas relativas aos bens. Estes são excluídos<br />

da apuração dos aquestos (art. i. 674). Por outro lado, incluem-se<br />

nos aquestos o valor das doações feitas por um dos consortes sem<br />

autorização do outro, facultada, inclusive, a reinvindicação desses<br />

bens (art. i.675) e eventuais alienações feitas em detrimento da meação.<br />

Quando da dissolução, verifica-se o montante dos aquestos<br />

(i.683). Sendo possível a divisão, efetua-se a mesma na proporção<br />

alcançada. Quanto ao bens indivisíveis, apura-se o seu respectivo<br />

valor para reposição em dinheiro, em favor do cônjuge não proprietário,<br />

conforme art. i.684, acrescentando seu parágrafo único que<br />

não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e,<br />

ouvido o juiz, alienados tantos bens quantos bastarem.<br />

Com esta fórmula e de acordo com a prática, o consorte que<br />

com a ruptura conjugal passar a ter uma dívida com o outro e deve<br />

quitá-la ou com a divisão dos seus bens, ou em dinheiro, ou com a<br />

participação do outro.<br />

A participação se faz sobre os incrementas patrimoniais, de forma<br />

contábil, não através do condomínio ou da comunhão. O direito de<br />

um não é sobre o acervo do outro, adquirido durante o casamento.<br />

225


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O direito é sobre a panicipação final no valor de eventual saldo, após<br />

a compensação dos acréscimos de ambos.<br />

Quanto as dívidas, se anteriores ao casamento, só o consorte<br />

devedor responde, salvo se provado a conversão em proveito para<br />

o outro (i.677). Se um dos cônjuges solveu a dívida do outro, tal<br />

valor deve ser computado e atualizado para, na data da dissolução,<br />

recair sobre a meação do outro (i.678). O débito de um dos cônjuges,<br />

quando superiores à meação, não obrigam ao outro ou a seus<br />

herdeiros (art. i.686) 57 •<br />

E na hora da prova?<br />

A banca examinadora IESES, em concurso realizado para o cargo de<br />

Titular de Serviços de Notas e de Registros, TJ-BA, ano de 2014, considerou<br />

correta a seguinte asseniva: #No regime da participação final nos<br />

aquestos presumem-se da propriedade do cônjuge devedor os bens<br />

móveis.#<br />

Mas, o que ocorre se os cônjuges jamais divorciarem? Nada! E se<br />

houver a extinção do casamento? A resposta está no art. i.67 4 do<br />

CC: "Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o<br />

montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios":<br />

1 - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se<br />

sub-rogaram; li - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou<br />

liberalidade; Ili - as dívidas relativas a esses bens".<br />

Acerca desta modalidade de regime de bens, o informativo n°<br />

395 do Superior Tribunal de Justiça, ano de 2009, trouxe o seguinte<br />

julgado:<br />

ESPÓLIO. ÔNUS. COMUNICAÇÃO. AQUESTOS. A Turma acolheu os<br />

embargos de declaração para explicitar a questão sobre a<br />

comunicação ou não de aquestos, bens mantidos fora do espólio,<br />

provocada pela agravante originária, filha do primeiro<br />

casamento do de cujus. Destarte, cabe à ora embargante,<br />

57. Do regime dotai. Não mais existe no ordenamento jurídico, mas é aquele que<br />

um determinado conjunto de bens denominado dote é transferido ao marido<br />

para que utiliza os frutos e rendimentos produzidos sobre os encargos da vida<br />

conjugal. Trata-se de patrimônio incomunicável que retorna à mulher no ensejo<br />

da dissolução da sociedade.<br />

226


CASAMENTO<br />

que deseja ver bens trazidos para o inventário de seu genitor,<br />

o ônus da ação e o da prova de que foram adquiridos<br />

com o esforço comum do casal. No caso, como tais bens foram<br />

adquiridos em nome apenas da segunda esposa, a presunção<br />

é que a ela pertencem. Daí, compete à embargante<br />

e não ao espólio da segunda mulher de seu pai a desconstituição<br />

de tal situação. (EDcl no REsp n3.633-SP, Rei. Min. Aldir<br />

Passarinho Junior, julgados em i9/5/2009).<br />

Evidentemente, os bens móveis são, presumidamente, do casal.<br />

Tal presunção é relativa, cabendo prova em contrário.<br />

Também é importante ressaltar que se incorpora ao monte o<br />

valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver<br />

preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar.<br />

Já no que concerne às dívidas posteriores ao casamento, contraídas<br />

por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova<br />

de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro.<br />

Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu<br />

patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado,<br />

na data da dissolução, à meação do outro cônjuge. No caso de bens<br />

adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma<br />

quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido.<br />

~ Atenção!<br />

Neste regime, os bens imóveis são de propriedade do<br />

cônjuge cujo nome constar no registro. Impugnada a titularidade,<br />

caberá ao cônjuge proprietário provar a aquisição<br />

regular dos bens. Também é importante destacar que<br />

o direito à meação é irrenunciável, incessível e impenhorável<br />

durante a constância do casamento.<br />

13.5. Doações antenupciais<br />

O Código Civil de 1916 dedicava capítulo próprio para o tratamento<br />

da doação antenupcial. O mesmo não ocorre no novo Código. Assim,<br />

hodiernamente, as eventuais doações pretendidas pelos noivos devem<br />

seguir os critérios e requisitos gerais (vide art. 538 e ss. do CC).<br />

227


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Vale lembrar que tais doações não se realizam - necessariamente<br />

- de um nubente para o outro. É possível que a mesma se faça<br />

em benefício ao nascituro (art. 542, CC), a um filho do casal (art. 543)<br />

ou uem contemplação de casamento futuro com certa e determinada<br />

pessoal, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles,<br />

o ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro", como<br />

autoriza o art. 546 do CC.<br />

Destarte, a doação feita para determinado casamento não pode<br />

ser revogadas por ingratidão, tendo em vista a expressa vedação<br />

legal a esta hipótese (art. 564, IV, do CC). Além disto, não pode ser<br />

impugnada por falta de aceitação e apenas ficará sem efeito se o<br />

casamento não se realizar.<br />

De mais a mais, a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice<br />

pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários,<br />

até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. É o<br />

que afirma o art. 550 do CC.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(DEF-2009-FCC) Os herdeiros necessários podem, até dois anos de dissolvida<br />

a sociedade conjugal, requerer a anulação da doação feita por<br />

cônjuge infiel ou seu cúmplice. (Assertiva correta).<br />

Outrossim, atualmente não é o pacto antenupcial o instrumento<br />

apropriado para esta liberalidade, a qual há de ser promovida por<br />

escritura pública, acaso envolva imóveis, ou por contrato particular,<br />

no caso de móveis e direitos. Ressalta-se que se aceita, até mesmo,<br />

a doação verbal, acaso relacionada aos móveis de pequeno valor,<br />

desde que siga-lhe, incontinenti, a tradição (arts. 107, io8 e 541, CC).<br />

A única referência feita pelo novo código à doação antenupcial<br />

esta no inciso V do art. i.668, para considerar essa liberalidade excluída<br />

da comunhão universal quando promovida com cláusula de<br />

incomunicabilidade.<br />

14. VÊNIA OU OUTORGA CONJUGAL<br />

Por conta do casamento, a legislação nacional exige para a<br />

prática de certos atos a concordância do outro consorte. A isto se<br />

228


CASAMENTO<br />

denomina vênia ou outorga conjugal, gênero cujas espécies são a<br />

outorga uxórla, quando concedida pela mulher, e outorga marital,<br />

quando conferida pelo marido.<br />

Em verdade a aludida vênia é uma casuística de legitimação, também<br />

denominada de autorização, capacidade negocial ou privada.<br />

Explica-se: são casos em que, mesmo o sujeito tendo capacidade jurídica<br />

geral ou plena, a norma exige uma autorização para a prática<br />

do ato da vida civil.<br />

Nas pegadas do artigo 220 do CC, a anuência ou a autorização<br />

de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo<br />

modo que este, e constará, sempre que possível, do próprio<br />

instrumento. Este artigo viabilizará a instrumentalização da outorga<br />

conjugal no mesmo instrumento da prática do ato.<br />

O tratamento do tema se inicia no art. i.647 do Código Civil, o<br />

qual afirma a sua necessidade apenas para o casamento, não sendo,<br />

portanto, estendida à união estável. O raciocínio em questão<br />

pauta-se na ideia de que normas restritivas merecem interpretação,<br />

igualmente, restritiva.<br />

Na mesma linha de pensamento pronunciou-se o Tribunal de Justiça<br />

da Bahia, na sua 1 Jornada de Direito Civil, ao informar no Enunciado<br />

de número 5 que: "Na união estável, a alienação de imóvel ou<br />

a prestação de garantia real por um companheiro sem autorização<br />

do outro não pode ser invalidada em detrimento de terceiro de boa­<br />

-fé, resguardado o direito do companheiro prejudicado a perdas e<br />

danos em face do responsável".<br />

Demais disto, o próprio artigo ressalva a necessidade desta autorização<br />

caso o regime de bens do casamento seja o da separação<br />

absoluta. Mas esta é a separação convencional ou legal?<br />

Como lembrado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, na sua 1 Jornada<br />

de Direito Civil, especificamente no Enunciado de número 27: "A<br />

expressão "separação absoluta", constante na parte final do caput<br />

do art. 1.647 do Código Civil refere-se à separação convencional de<br />

bens, regulada nos arts. i.687 e i.688 do Código Civil."<br />

229


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Soma-se a esta exceção, a hipótese do art. i.656 do Código Civil,<br />

ao prescrever que no regime de participação final nos aquestos,<br />

caso haja dispensa no pacto antenupcial, é possível a dispensa da<br />

outorga para a alienação de bens imóveis particulares.<br />

Pois bem, fixado o campo de incidência da venia conjugal, questiona-se:<br />

quais os atos da vida civil que necessitam de sua presença?<br />

Nas pegadas do art. 1.647 do Código Civil, infere-se a necessidade<br />

da venia para: a) alienar ou gravar de ônus real bens imóveis; b)<br />

pleitear; como autor ou réu, ações acerca dos bens imóveis; c) prestar<br />

fiança ou aval; d) fazer doação não remuneratória de bens comuns.<br />

~ Nesse sentido, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 332 DO STJ À<br />

UNIÃO ESTÁVEL.<br />

Ainda que a união estável esteja formalizada por meio de<br />

escritura pública. é válida a fiança prestada por um dos<br />

conviventes sem a autorização do outro. Isso porque o<br />

entendimento de que a "fiança prestada sem autorização<br />

de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia"<br />

(Súmula 332 do STJ), conquanto seja aplicável ao casamento.<br />

não tem aplicabilidade em relação à união estável. De<br />

fato. o casamento representa. por um lado, uma entidade<br />

familiar protegida pela CF e, por outro lado, um ato jurídico<br />

formal e solene do qual decorre uma relação jurídica<br />

com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico. A união<br />

estável. por sua vez. embora também represente uma entidade<br />

familiar amparada pela CF - uma vez que não há,<br />

sob o atual regime constitucional, famílias estigmatizadas<br />

como de "segunda classe" -. difere-se do casamento no<br />

tocante à concepção deste como um ato jurídico formal<br />

e solene. Aliás, nunca se afirmou a completa e inexorável<br />

coincidência entre os institutos da união estável e do casamento,<br />

mas apenas a inexistência de predileção constitucional<br />

ou de superioridade familiar do casamento em<br />

relação a outra espécie de entidade familiar. Sendo assim,<br />

apenas o casamento (e não a união estável) representa<br />

ato jurídico cartorário e solene que gera presunção de<br />

publicidade do estado civil dos contratantes, atributo que<br />

parece ser a forma de assegurar a terceiros interessados<br />

230


CASAMENTO<br />

ciência quanto a regime de bens, estatuto pessoa, patrimônio<br />

sucessório, etc. Nesse contexto, como a outorga<br />

uxória para a prestação de fiança demanda absoluta certeza<br />

por parte dos interessados quanto à disciplina dos<br />

bens vigente, e como essa segurança só é obtida por meio<br />

de ato solene e público (como no caso do casamento), deve-se<br />

concluir que o entendimento presente na Súmula 332<br />

do STJ - segundo a qual a #fiança prestada sem autorização<br />

de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia#<br />

-. conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade<br />

em relação à união estável. Além disso, essa conclusão<br />

não é afastada diante da celebração de escritura<br />

pública entre os consortes, haja vista que a escritura pública<br />

serve apenas como prova relativa de uma união tática,<br />

que não se sabe ao certo quando começa nem quando<br />

termina, não sendo ela própria o ato constitutivo da união<br />

estável. Ademais, por não alterar o estado civil dos conviventes,<br />

para que dela o contratante tivesse conhecimento,<br />

ele teria que percorrer todos os cartórios de notas do Brasil,<br />

o que seria inviável e inexigível. REsp 1.299.866-DF, Rei.<br />

Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/2/2014.<br />

Neste sentido, o julgado do Superior Tribunal de Justiça que trata<br />

da nulidade de cessão de direitos hereditários realizadas pelos<br />

maridos sem outorga conjugal, entretanto, a cessão feita pela viúva<br />

meeira não é atingida.<br />

<strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. DESFUNDAMENTAÇÃO E<br />

OMISSÃO NÃO CONFIGURADAS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE<br />

CESSÃO DE <strong>DIREITO</strong>S HEREDITÁRIOS. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA<br />

DAS ESPOSAS DOS HERDEIROS. VÍCIO QUE NÃO ALCANÇA A CESSÃO<br />

REALIZADA PELA VIÚVA MEEIRA. CC ANTIGO, ARTS. 153. 158 E 235, 1.<br />

1. Hígido o acórdão estadual que enfrenta, suficiente e funda ­<br />

mentadamente, as questões essenciais ao deslinde da controvérsia,<br />

apenas que com conclusões desfavoráveis à parte.<br />

li. A ausência de outorga uxória na cessão de direitos hereditários<br />

de bem imóvel inventariado acarreta a invalidade do<br />

ato em relação à alienação da parte dos esposos e a ineficácia<br />

quanto à meação de suas esposas. casadas pelo regime<br />

da comunhão universal. Ili. Vício, contudo, que não atinge<br />

a mesma cessão feita pela viúva meeira, cujo patrimônio é<br />

231


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

apartado dos demais herdeiros. IV. Recurso especial conhecido<br />

em parte e parcialmente provido. (STJ - Quarta Turma,<br />

REsp: 274432 PR 2000/0086390-4, Relator: Ministro ALDIR PASSA­<br />

RINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 07/12/2006).<br />

~ Atenção!<br />

A disciplina da outorga conjugal não se aplica à separação absoluta. De<br />

igual modo, São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem<br />

ou estabelecerem economia separada, também não se aplicandó<br />

a restrição para esta específica situação jurídica.<br />

A proibição contida no inciso li, do artigo I.647 do CC tem natureza<br />

processual, porque relacionada com o ajuizamento de ações reais<br />

imobiliárias (cf. artigo 10, do CPC), devendo-se aplicar, com harmonia,<br />

o dialogo destas normas.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 10 do atual CPC passará a ser o art. 73 no novo CPC (NCPC).<br />

É que, segundo o CPC, o cônjuge necessitará do consentimento do<br />

outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários.<br />

Quando se encontrarem na condição de réus, ambos serão necessariamente<br />

citados em ações desta natureza (reais imobiliárias),<br />

a teor do § 1°, do mesmo art. io.<br />

De idêntica forma, ambos os cônjuges devem ser citados para<br />

ações resultantes de fatos que digam respeito aos mesmos, como<br />

atos praticados por eles, assim como nas ações fundadas em dívidas<br />

contraídas em favor da família, ou que tenham por objeto o reconhecimento,<br />

a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de<br />

um ou de ambos.<br />

Atenção!<br />

Não haverá necessidade de outorga conjugal nas ações possessórias.<br />

Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu<br />

somente é indispensável nos casos de compasse ou de ato por ambos<br />

praticados.<br />

232


CASAMENTO<br />

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?<br />

Na prova para Juiz Federal Substituto da 2• Região/ 2013 foi considerada<br />

incorreto a seguinte afirmativa: A fiança prestada sem autorização de<br />

um dos cônjuges implica a ineficácia parcial da garantia com relação ao<br />

cônjuge que a ela não anuiu.<br />

Já na prova para Defensoria Pública do MS / Vunesp / 2012 foi cobrada<br />

a seguinte questão: Nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do<br />

outro, exceto no regime de separação de bens,<br />

A) confessar dívida.<br />

B) prestar fiança ou aval.<br />

C) adquirir bens imóveis.<br />

D) obter empréstimo.<br />

A assertiva correta é o letra "b".<br />

A negativa injustificada de um dos cônjuges ou a impossibilidade<br />

de consentir - casos como ausência, coma - poderá ser suprida pelo<br />

magistrado (art. i.648 do CC).<br />

E qual seria a consequência da ausência da vênia conjugal?<br />

Segundo o Código Civil, a ausência de outorga gera a anulabilidade<br />

do ato, a qual pode ser pleiteada no prazo decadencial de<br />

até 2 (dois) anos, contados do término da sociedade conjugal (art.<br />

i.649 do Código Civil). Assim, o referido prazo inicia-se do nascimento<br />

da pretensão - leia-se: momento em que o ato é praticado sem a<br />

respectiva outorga - e se estende até dois anos após o término do<br />

casamento.<br />

Em coerência com a Parte Geral, no particular quanto ao princípio<br />

da conservação do negócio jurídico (no viés da ratificação,<br />

ou sanação), o parágrafo único do art. i.649 admite a posterior<br />

aprovação pelo cônjuge inicialmente prejudicado (que não havia<br />

autorizado, nos seguintes termos: "A aprovação torna válido o ato,<br />

desde que feita por instrumento público, ou particular. autenticado".<br />

Neste contexto, o cônjuge que não tenha sido chamado a dar autorização,<br />

nos termos do artigo 220, do CC, poderá comparecer a<br />

posteriori para convalidar o negócio celebrado. Aplicação do princípio<br />

da conservação dos negócios jurídicos no viés da ratificação<br />

(art. 172, CC): "O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes,<br />

salvo direito de terceiro".<br />

233


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Noutro giro, o inciso Ili, do artigo i.647, do Código Civil veda a<br />

fiança e o aval por falta de outorga. Inicialmente, deve-se lembrar<br />

que fiança e aval não se confundem. A fiança é um contrato acessório<br />

que segue a sorte do principal. Serve, aquela, como garantia deste.<br />

O aval é um título de crédito autônomo e independente. Ambos<br />

os atos exigem outorga conjugal.<br />

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?<br />

Na prova para o cargo de Juiz - TJSP, realizada pela VUNESP, no ano de<br />

2009, a seguinte alternativa foi considerada verdadeira: "No regime da<br />

comunhão parcial, o aval, como a fiança, depende da concordância do<br />

cônjuge, sob pena de anulabilidade do ato, podendo o juiz supri-la se<br />

injustificável a recusa".<br />

Também se afiguraria possível a aplicação do princípio da conservação<br />

dos negócios jurídicos, no víeis da redução, para o caso da<br />

fiança. Conforme o art. i84 do CC, respeitada a intenção das partes,<br />

a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na<br />

parte válida, se esta for separável. Portanto, a invalidade da obrigação<br />

principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas<br />

não induz a da obrigação principal. Logo, caso invalidade a fiança da<br />

locação por falta de outorga, o contrato de locação persiste.<br />

~ Atenção!<br />

O futuro aprovado, porém, deve ficar atento às hipóteses de fiança ou<br />

aval, pois, em relação a estas há dissenso doutrinário.<br />

Sobre a fiança, atente-se à Súmula 332 do Superior Tribunal de Justiça, a<br />

qual aduz que "a fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica<br />

o ineficácia total do garantia." Logo, na esteira do entendimento do<br />

STJ, a ausência de outorga uxória em fiança deve ocasionar ineficácia,<br />

ao revés de invalidade. Há quem na doutrina tente confluir as ideias,<br />

afirmando que se refere o STJ a urna eficácia em sentido amplo, a qual<br />

abraça, simultaneamente, os planos da validade e da eficácia. Assim,<br />

aqui o Superior Tribunal de Justiça utiliza o termo ineficácia no sentido<br />

amplo, admitindo a um só tempo a anulabilidade da fiança realizada<br />

sem a outorga conjugal (artigos 1.647, inciso Ili e 1.649 do Código Civil) e<br />

a ineficácia em sentido estrito, ou seja, a impossibilidade de gerar, este<br />

negócio, efeitos no mundo jurídico. Alcança-se tanto o segundo quanto o<br />

terceiro degrau da Escada Ponteana.<br />

234


CASAMENTO<br />

Já no que se relaciona ao aval, o Enunciado 114 do Conselho da Justiça<br />

Federal aduz que a ausência da outorga deve ocasionar apenas ineficácia<br />

no que tange a meação do cônjuge que não autorizou.<br />

Frise-se: os posicionamentos acima apenas devem ser utilizados para<br />

as hipóteses de provas subjetivas ou questões objetivas direcionadas<br />

sobre o posicionamento do STJ.<br />

Outra questão que merece destaque é a legitimidade ad causam<br />

para pleitear a decretação de invalidade dos atos praticados sem<br />

outorga, conferida apenas inicialmente ao cônjuge ou, posteriormente,<br />

aos seus herdeiros (cf. artigo i.650, do Código Civil).<br />

Por fim, deve-se observar que, ainda que em relação à bem imóvel<br />

de propriedade exclusiva de um dos cônjuges, no regime da<br />

comunhão parcial, dever-se-á obter a outorga conjugal para atos de<br />

disposição. Isso porque, estando casada, a pessoa terá o dever de<br />

boa-fé, lealdade, eticidade e de informação ao outro, que necessariamente<br />

deve ter ciência acerca da alienação dos bens imóveis,<br />

ainda que a este não pertença. Além disto, apesar da incomunicabilidade<br />

do imóvel em questão, os frutos e benfeitorias relativas a ele<br />

e realizadas no curso do matrimônio comunicam, na forma do art.<br />

i.660 do CC.<br />

Justo por isto, vaticinao Enunciado 340, do Conselho da Justiça<br />

Federal. "No regime da comunhão parcial de bens é sempre indispensável<br />

a autorização do cônjuge, ou seu suprimento judicial, para atos de<br />

disposição sobre bens imóveis".<br />

Mas haveria atos que o cônjuge poderia praticar de forma independente,<br />

sem a vênia conjugal?<br />

A resposta é positiva.<br />

O Código Civil estampa nos seus artigos i.642 e i.643, atos em<br />

relação aos quais o cônjuge pode praticar com autonomia, independentemente<br />

do regime de bens; quais sejam: a) praticar todos os<br />

atos de disposição e de administração necessários ao desempenho<br />

de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso 1 do art.<br />

i.647; b) administrar os bens próprios; c) desobrigar ou reivindicar<br />

os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu<br />

235


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

consentimento ou sem suprimento judicial; d) demandar a rescisão<br />

dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados<br />

pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos Ili e<br />

IV do art. i.647; e) reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis,<br />

doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que<br />

provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum<br />

destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos;<br />

f) praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente;<br />

g) comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia<br />

doméstica e h) obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição<br />

dessas coisas possa exigir.<br />

Ademais, no que as alíneas "g" e "h" supracitadas, as quais se<br />

relacionam às dívidas contraídas para o sustento do lar, ainda que<br />

praticadas de forma unilateral, obrigara aos cônjuges, solidariamente<br />

(CC, art. i.644).<br />

i5. EXTINÇÃO DO CASAMENTO: ATÉ QUE A MORTE OS SEPAREM?<br />

O direito brasileiro sofreu significativa reviravolta histórica no<br />

tema relativo à extinção do casamento. Inicialmente, o casamento<br />

era indissolúvel, forte na ideia segundo a qual "o que Deus uniu o<br />

homem não separa". A concepção jurídica do casamento era sacralizada<br />

e diretamente relacionada a influência exercida pela Igreja<br />

sobre o Estado.<br />

O advento da República e a separação progressiva entre o Estado<br />

e a Religião (fenômeno da laicização), pôs a indissolubilidade matrimonial<br />

em xeque. Hoje, a noção é outra.<br />

A dissolubilidade do casamento é prevista em texto constitucional,<br />

sendo um ato de autonomia, um exercício de liberdade.<br />

Evidentemente que este percurso histórico do direito não foi rápido,<br />

muito menos sem os percalços naturais.<br />

O art. 2 da Lei Federal 6.515/77 (Lei do Divórcio) constitui marco<br />

jurídico relevante desta situação, pois representou a eliminação do<br />

antigo art. 315 do CC/16. O divórcio no Brasil só foi permitido a partir<br />

da Emenda constitucional n. 9/77 e pela Lei do Divórcio. O CC/02 mantém,<br />

na cabeça do art. i.571, redação idêntica.<br />

236


CASAMENTO<br />

t> Atenção!<br />

Atualmente a morte fleta decorrente da ausência (CC, art. 6, última parte<br />

e arts. 22/39) também constitui hipótese de extinção do casamento, a teor<br />

do art. i.571 do atual Código. Esse seria o único avanço do texto codificado,<br />

se comparado com a Lei do Divórcio, a qual não tratava da morte<br />

presumida pela ausência como situação extintiva do vínculo matrimonial.<br />

Eis o texto atualizado do Código Civil vigente: "o casamento válido somente<br />

se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a<br />

presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente". o problema é que<br />

a lei civil brasileira não trata, como fazem o Código Civil Alemão e Italiano,<br />

dos efeitos decorrentes do retorno do presumido morto, quando o<br />

aparente viúvo tenha contraído novas núpcias. Qual dos dois casamentos<br />

deverá ser considerado válido diante do silêncio da lei?<br />

Nos parece que o primeiro casamento fora extinto, prevalecendo o segundo,<br />

ainda que haja o retorno. Com efeito, aquele que ficou, neste<br />

cenário, terá a prerrogativa de, querendo, divorciar-se nas segundas<br />

núpcias e casar-se, novamente, com o seu antigo amor.<br />

Seguindo no percurso histórico, a Lei divorcista de 77 só permitia<br />

a ocorrência de um divórcio (art. 38). Ao sujeito apenas era factível<br />

errar um vez. Tal fato apenas fora alterado em i.989, com o advento<br />

da Lei 7.841/89, revogando a artigo anterior e passando a permitir o<br />

divórcio plural.<br />

Mas o que seria o desquite?<br />

O desquite não mais existente no Brasil. Foi introduzido no direito<br />

brasileiro com o CC/16. O Decreto 181/1890, instituidor do casamento<br />

civil, utilizava a palavra divórcio, embora não o admitisse que este<br />

instituto, pasmem (para os dias de hoje) gerasse como efeito o rompimento<br />

do vínculo conjugal.<br />

Sob o ponto de vista histórico, foi oportuna a introdução, á época,<br />

do vocábulo desquite, servindo para distinguir a separação judicial<br />

de corpos e bens - única admitida no direito brasileiro de<br />

então - do instituto do divórcio, o qual dissolvia o vínculo conjugal e<br />

possibilitava o novo matrimônio, como era em quase todos os países<br />

do mundo.<br />

O termo desquite (não quite), porém, por si só já era ruim, pois<br />

revelava a ausência de quitação com o outro, sendo alvo de recriminação<br />

social.<br />

237


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Com o passar dos anos, percebendo-se a introdução do divórcio<br />

no direito nacional, o desquite passou a ser chamado por separação<br />

judicial. Tal mudança se manifestou em duas etapas. A primeira,<br />

em 1977, com a EC n. 9/77, posteriormente complementada pela Lei<br />

6.515/77, a qual colocou um final à indissolubilidade do casamento.<br />

A partir deste instante foi instituído o sistema bifásico no Brasil,<br />

pois separação e divórcio passaram a coexistir.<br />

Neste contexto, a Lei do Divórcio o permitia, juridicamente falando,<br />

em duas situações: uma de caráter permanente (obtenção do<br />

divórcio diretamente, após a separação de fato); outra transitória<br />

(primeiro a separação, a ser convertida em divórcio).<br />

Com a Constituição Federal de 1988 se percebeu enorme ampliação<br />

do campo do divórcio entre nós, não só pela redução dos prazos<br />

para a conversão da separação em divórcio, como também pela<br />

ampliação dos casos de divórcio direto.<br />

Assim, dando seguimento ao estudo dos temas, passa a ser visitada<br />

a separação para, posteriormente, adentrarmos no divórcio.<br />

15.1. A separação<br />

Portanto, a CF/88 em seu texto originário e sem emendas, previa<br />

um sistema binário, composto da separação e do divórcio. Seguindo<br />

as pegadas do texto constitucional à época, o CC/02 disciplinava as<br />

modalidades de separação e divórcio judiciais.<br />

Posteriormente avançou o Poder Legislativo, possibilitando a separação<br />

e o divórcio extrajudiciais, através da Lei 1i.441/2007.<br />

Vejamos como se deu este avanço legal.<br />

A separação consiste em medida apta a colocar fim à sociedade<br />

conjugal (art. i.571, Ili do CC). De fato, mantém-se o vínculo matrimonial,<br />

mas, cessada a sociedade conjugal, restam paralisados os<br />

deveres de fidelidade recíproca, coabitação (ocasionado separação<br />

de fato) e os efeitos do regime de bens - art. i.576 do CC.<br />

O separado, por ainda ter o vínculo matrimonial, não pode se<br />

casar com outrem, podendo retomar o seu vínculo conjugal originário<br />

a qualquer tempo, mediante simples petição conjunta, nos autos<br />

238


CASAMENTO<br />

da separação, a ser homologada. O retorno do matrimônio ocorrerá<br />

com efeitos ex nunc, resguardados os interesses de terceiros (art.<br />

1577 do CC e art. 46 da Lei 6.515/77).<br />

~ Na hora da prova?<br />

Foi considerada verdadeira a seguinte assertiva do concurso da Defensoria<br />

Pública do Estado de Sergipe, em 2006, prova do CESPE/UNB: "É<br />

facultado ao casal judicialmente separado restabelecer a qualquer momento<br />

a sociedade conjugal, por meio de petição nos autos da separação<br />

judicial, desconstituindo, assim, os efeitos da sentença da separação<br />

litigiosa ou consensual, resguardando-se eventuais direitos de terceiros.<br />

a) Separação Judicial por Mútuo Consentimento.<br />

Trata-se de hipótese que se opera por meio de acordo a ser<br />

homologado judicialmente, no qual as partes convencionam todas<br />

as cláusulas e condições. A grande vantagem deste procedimento,<br />

além da celeridade e não litigiosidade, é servir para preservar a<br />

vida privada dos cônjuges e, até mesmo, por quê assim não dizer,<br />

manter no âmbito interno da família os motivos que efetivamente<br />

levaram ao desenlace (se é que motivos outros existiram), evitando<br />

publicidades e constrangimentos.<br />

O art. i.57 4 do CC exige, para tanto, que os cônjuges estejam<br />

casados há um ano. A doutrina nomeia tal prazo como de reflexão,<br />

sendo um lapso temporal no qual os cônjuges devem maturar se<br />

desejam, ou não, efetivamente permanecer casados. Enquanto pensavam,<br />

permaneciam na então prisão civil do casamento ...<br />

O procedimento em juízo se dá na forma dos artigos i.120/i.124 do<br />

CPC. Caso haja filhos menores, se faz necessário que o acordo já discipline<br />

sobre a guarda de filhos e o regime de visitas (Lei 11.112/2005).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 1.120 e i.124, CPC, de acordo com o projeto do Novo CPC serão<br />

englobados no art. 729. É possível que após a sanção presidencial a<br />

numeração seja alterada.<br />

O parágrafo único do art. i.574 do CC, veicula a chamada cláusula<br />

de dureza ou de excepcional gravidade. Através desta, permite-se<br />

239


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

ao magistrado a negativa de homologação do acordo, caso perceba<br />

prejuízo à prole ou a um dos cônjuges.<br />

Sobre o tema, todavia, assevera o Conselho da Justiça Federal,<br />

no seu Enunciado 516, que "na separação judicial por mútuo consentimento,<br />

o juiz só poderá intervir no limite da preservação do<br />

interesse dos incapazes ou de um dos cônjuges, permitida a cindibilidade<br />

dos pedidos com a concordância das partes, aplicando-se<br />

esse entendimento também ao divórcio".<br />

De mais a mais, o art. 21 da Lei 6.515/77 possibilitava ao juiz ordenar<br />

a constituição de uma garantia real ou fidejussória na sentença<br />

de separação judicial. Admitia-se, também, que a pensão constituísse<br />

no usufruto de determinados bens ( § 1, art. 21). Estas regras<br />

não foram repetidas pelo atual Código, não significando, contudo e<br />

necessariamente, a impossibilidade de ocorrer na hipótese concreta.<br />

De qualquer modo, a tendência é o desuso de tais preceitos, que<br />

tendem a ficar no esquecimento. Ademais, a prisão civil admitida<br />

pelos artigos 732 à 735 do CPC, pela Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos),<br />

em seu art. 19, e pelo texto constitucional, acaba por se apresentar,<br />

na prática forense, como a medida mais efetiva utilizada.<br />

> E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 732 do CPC vigente passará a ser, no Novo CPC (NCPC), o art. 528,<br />

§80, com a seguinte redação: "O exequente pode optar por promover'<br />

o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto<br />

neste Livro, Título li, Capítulo Ili, caso em que não será admissível<br />

a prisão do executado e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão<br />

de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante<br />

mensalmente a importância da prestação#.<br />

Por fim, para aqueles que defendem a permanência do instituto<br />

da separação após a Emenda Constitucional 66/10, a exemplo do<br />

Conselho da Justiça Federal, o art. i.574 do CC merece uma nova<br />

interpretação, conforme a Constituição Federal. Neste sentido, assevera<br />

o Enunciado 515 do Conselho da Justiça Federal que "pela<br />

interpretação teleológica da Emenda Constitucional n. 66/2010, não<br />

há prazo mínimo de casamento para a separação consensual."<br />

Logo, restaria expurgado o supracitado prazo de reflexão e mantida<br />

a separação judicial consensual. Ressalta-se: isto para aqueles<br />

240


CASAMENTO<br />

que defendem a continuidade do instituto da separação, o que será<br />

enfrentado adiante.<br />

b) Separação Judicial Litigiosa<br />

Prevista desde a Lei do Divórcio e disciplinada também no art.<br />

i.572 do CC/02, a separação judicial litigiosa é aquela na qual os<br />

consortes não chegam a um acordo sobre a guarda dos filhos, o<br />

regime de visitas, a pensão, a divisão do patrimônio, ou, ainda<br />

quando, por razões psicológicas, um dos cônjuges quer mostrar<br />

sua inocência ou o comportamento culposo do outro, imputando<br />

grave violação do dever do casamento e a insuportabilidade da<br />

vida em comum.<br />

Haja vista o nível de discussão judicial, o qual remete a questões<br />

intimas do casal, o segredo de justiça acaba sendo determinado, a<br />

teor do art. 155 do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 155, CPC, passou a ser o art. 189, do novo CPC (NCPC).<br />

Tal separação judicial litigiosa pode assumir diversas feições. Vamos<br />

a elas!<br />

b.1) Separação Judicial Litigiosa por Ruptura da Vida em Comum ou<br />

Separação Falência.<br />

O§ 1° do art. i.572 do CC afirma que a separação judicial também<br />

pode ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em<br />

comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconciliação.<br />

Mas se a vida em comum já fora rompida, porque não se elegeu<br />

e via consensual?<br />

A resposta é simples. Porque, por vezes, mesmo diante da ruptura,<br />

um dos integrantes do matrimônio nega o desfazimento do vínculo.<br />

Ou, ainda, há lide no que tange a temas conexos, como guarda de<br />

filhos menores, regime de visita partilha de bens ...<br />

Dessa forma, ao contrário da situação na qual ambos os cônjuges<br />

pedem a separação consensualmente, apenas um dos cônjuges será<br />

247


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

o autor do pedido. Não porque o outro praticara eventual infração<br />

grave, mas apenas fundado na ausência de afeto conjugal.<br />

Para aparelhar a sua inicial, deve o autor provar a ruptura da<br />

vida em comum e, além disto, a impossibilidade de recomposição<br />

da vida em comum.<br />

Tal ruptura, para muitos, não quer significar necessariamente a<br />

saída do lar conjugal. Pasmem. Em muitas famílias no Brasil há impossibilidade<br />

financeira de um dos cônjuges sair do lar, persistindo<br />

ambos, separados, sob o mesmo teto. Assim, apenas a análise do<br />

caso concreto servirá a deslindar esta situação.<br />

b. 2) Separação Judicial Remédio.<br />

É também causa de separação a superveniência de doença mental<br />

grave, conhecida após ao matrimônio e que torne impossível a<br />

convivência, desde que ocorrida há mais de dois anos e cuja cura<br />

seja improvável (art. i.572, § 2°, do CC).<br />

Aqui, mais uma vez, percebe-se a cláusula de dureza ou de excepcional<br />

gravidade. Agora veiculada no art. 6° da Lei 5.515/77 (Lei<br />

do Divórcio), o qual prevê que a separação poderá ser negada, se<br />

constituir, respectivamente, causa de agravamento das condições<br />

pessoais ou da doença de outro cônjuge, ou determinar, em qualquer<br />

caso, consequências morais de excepcional gravidade para<br />

os filhos.<br />

Interessante que durante os debates parlamentares da lei francesa<br />

do divórcio, elaborou-se dispositivo similar ao nosso, ali denominado<br />

de clause de dureté (cláusula de dureza), partindo-se da ideia<br />

que a homologação do divórcio traria consequências de excepcional<br />

dureza para o outro cônjuge e os filhos. Aqui no Brasil, preferiu-se<br />

chamar de cláusula de excepcional gravidade.<br />

Demais disto, o § 3° do art. i.572 do CC traz uma sanção para a<br />

hipótese da separação em comento, ao informar que reverterão ao<br />

cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os<br />

remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime<br />

dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância<br />

da sociedade conjugal.<br />

242


CASAMENTO<br />

~ E na hora da prova?<br />

Foi tida como correta a seguinte assertiva, do concurso para provimento<br />

do cargo de Juiz - TJTO, banca CESPE, ano de 2007: "No caso de ação de<br />

separação judicial fundada em doença mental do outro cônjuge, este,<br />

ainda que processualmente vencido na ação de separação judicial, terá<br />

o direito de receber alimentos a serem pagos pelo outro, de reaver o<br />

remanescente dos bens que trouxe para o casamento e, se o regime de<br />

bens adotado o permitir, a meação dos bens adquiridos na constância<br />

da sociedade conjugal."<br />

Com efeito, a incidência da aludida sanção é diminuta, pois em<br />

casamentos duradouros, os remanescentes de bens particulares são<br />

mínimos. Soma-se a isto que, com a regra da comunhão parcial, a<br />

meação já aconteceria.<br />

b.3) Separação Judicial fundada em causa Subjetiva. Separação por<br />

Culpa ou Sanção.<br />

Esta, como costumo dizer aos meus pares no escritório e em<br />

aulas, é com emoção. Isto, porque, nela o autor da demanda imputa<br />

ao outro a grave violação de um dos deveres do casamento<br />

(art. i.566 do CC), com a consequente insuportabilidade da vida<br />

em comum.<br />

Mas o que seria tal grave violação?<br />

O legislador civilista, no art. i.573 do CC. trouxe um rol exemplificativo<br />

do que seria esta grave violação. Cita-se: a) adultério; b)<br />

tentativa de morte; c) sevícia ou injúria grave; d) abandono voluntário<br />

do lar conjugal, durante um ano contínuo; e) condenação por<br />

crime infamante; f) conduta desonrosa e g) outros fatos que tornem<br />

evidente a impossibilidade da vida em comum.<br />

~ Na hora da prova?<br />

O concurso da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, em 2009,<br />

prova CESPE/UNB, considerou como fato apto a gerar a separação sanção<br />

"a possibilidade de o internauta casado participar por meio do programa<br />

de computador, como o ICQ, de chats, de mire e salas de batepapo<br />

voltados a envolvimentos amorosos geradores de laços afetivo-virtuais<br />

eróticos, pode surgir, na Internet, infidelidade por e-mail e contatos sexuais<br />

imaginários com outra pessoa, que não seja o seu cônjuge". Trata­<br />

-se da infidelidade virtual, a qual é capaz de quebrar os deveres de<br />

fidelidade recíproca e respeito e consideração mútuos (art. i.566 do CC).<br />

243


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A demanda, do ponto de vista emocional, é altamente desgastante,<br />

haja vista a necessidade do autor se desincumbir do ônus probatório<br />

que lhe assiste, havendo de comprovar o fato arguido na inicial.<br />

Em muitos casos o nível de litigiosidade é tamanho, a ponto do<br />

réu contestar e reconvir, agora imputando ao autor a grave violação<br />

de um dos deveres do casamento e a impossibilidade de continuidade<br />

da vida em comum. Passa o réu, portanto, a ter que comprovar<br />

tais fatos.<br />

Aqui, como dizíamos, a emoção é garantida. Fotografias, e-mails,<br />

testemunhas ... um arsenal de provas devastadores da intimidade<br />

das partes é esparramado sobre a mesa do Juiz. As feridas, as angustias,<br />

as desilusões ... tudo é objetivo de perguntas, de dor, de<br />

angustia ...<br />

Contudo, entende o Superior Tribunal de Justiça haver limites<br />

quanto à confecção de provas que objetivam auferir a culpabilidade<br />

do outro cônjuge:<br />

SEPARAÇÃO JUDICIAL. CULPA. QUEBRA. SIGILO. TELEFÔNICO. Em<br />

audiência de instrução e julgamento da ação de separação<br />

litigiosa, o juízo deferiu o pedido formulado pela autora da<br />

ação (a cônjuge varoa) de solicitar à companhia de telefonia<br />

móvel local o extrato das ligações realizadas e recebidas<br />

pelo varão, isso com o desiderato de demonstrar a culpa<br />

dele na falência conjugal. Diante do fato de que, até ser julgado<br />

o agravo retido (art. 523, § 3°, do CPC) que opôs aquela<br />

decisão, seu direito líquido e certo à intimidade, tal como<br />

previsto na CF/1988, estaria certamente violado, o varão<br />

aviou o mandado de segurança, denegado pelo Tribunal a<br />

quo, razão pela qual interpôs o recurso. Posto isso, vê-se,<br />

primeiramente, que cabível o mandamus, pois, na hipótese,<br />

é inútil o julgamento do agravo retido, porque o Tribunal a<br />

quo só poderá examiná-lo quando da apelação, que não foi<br />

sequer interposta, ocasião em que o ato impugnado já terá<br />

produzido seus efeitos. Vê-se também que o acórdão recorrido<br />

merece ser reformado, pois, tanto pela inutilidade da<br />

prova ao fim que se destina, quanto pela violação da intimidade<br />

do impetrante, a quebra do sigilo telefônico não se<br />

justifica diante das circunstâncias em que requerida. Almeja­<br />

-se a quebra para provar a culpa do varão, o que só tem<br />

influência decisiva na fixação de alimentos ao culpado (art.<br />

1.704 do CC/2002), pois já demonstrado seu desinteresse na<br />

144


CASAMENTO<br />

manutenção do casamento. Assim, verificado que se busca a<br />

prestação dos alimentos pelo varão em favor da ex-esposa,<br />

há que tachar de desnecessária a prova, que em nada beneficiaria<br />

quem a requereu. Anote-se que a pensão não é<br />

aferida em razão da medida de culpabilidade (pensão não é<br />

pena), mas sim pela possibilidade de prestá-la associada à<br />

necessidade de recebê -la (STJ - RMS 28.336-SP, Rei. Min. joão<br />

Otávio de Noronha, julgado em 24/3/2009).<br />

Após a dolorosa instrução, enfim, há uma sentença, a qual, após<br />

todos os recursos e mudanças, transita em julgado. Aqui, duas perguntas<br />

são essenciais. Primeira: o que fazer ser não for comprovada<br />

a grave infração a um dos deveres do casamento? Segunda: O que<br />

ganha o autor caso comprove a aludida infração?<br />

Sobre isto que passaremos a tratar.<br />

Sobre a primeira dúvida, em uma análise legalista do tema, a<br />

hipótese seria de extinção do processo, haja vista o autor não ter<br />

conseguido comprovar a sua pretensão. Mas, indaga-se, seria crível<br />

que após um dos cônjuges ajuizar uma ação deste teor em face do<br />

outro, o processo fosse extinto e o casamento?<br />

~ Como já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

Atento a este fato, já se posicionou, há muito, o Superior Tribunal de<br />

Justiça no seguinte sentido:<br />

SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA<br />

EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER. DECISÃO QUE ACOLHE APRE­<br />

TENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM,<br />

INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO<br />

A AMBOS OS LITIGANTES. ADMISSIBILIDADE.<br />

- A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à<br />

ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada<br />

tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração<br />

outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade<br />

da vida em comum e, diante disso, decretar a<br />

separação judicial do casal.<br />

- Hipótese em que da decretação da separação judicial<br />

não surtem conseqüências jurídicas relevantes.<br />

Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados.<br />

(EResp. 466329 / RS. Rei. Min. Barros Monteiro. Seção 2.<br />

DJ_ 19.02.2005)<br />

245


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Na hora da prova?<br />

O concurso da Defensoria Pública do Estado da Bahia, em 2009, prova<br />

CESPE/UNB, considerou como verdadeira a seguinte asseniva: #ajuizada<br />

ação de separação judicial por insuponabilidade da vida em comum,<br />

ainda que o autor não faça prova do motivo alegado, o juiz poderá decretar<br />

a separação do casal"<br />

A outra questão relevante colocada é: e se conseguir comprovar<br />

a culpa do outro, além da homologação oficial da traição, o que ganha<br />

o autor da demanda com isto?<br />

A primeira consequência relevante é a possível perda do direito<br />

a alimentos pelo cônjuge culpado.<br />

Nas pegadas do art. i.694, parágrafo segundo e i.704, ambos do<br />

CC. o culpado, em regra, não terá sucesso na pretensão de alimentos<br />

em face do inocente. Como assim, em regra?<br />

Fala-se em regra por existir uma exceção. Sim, há hipótese em<br />

que o cônjuge inocente poderá ser condenado a pagar alimentos<br />

ao culpado, em fração mínima para a subsistência (alimentos necessários).<br />

Tal hipótese, repisa-se: excepcional, resta estampada no<br />

parágrafo único do art. i.704 do CC. Assim, se o cônjuge declarado<br />

culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições<br />

de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o cônjuge inocente<br />

será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável<br />

à sobrevivência.<br />

Outra consequência do reconhecimento da culpa diz respeito a<br />

imposição de retirada do sobrenome acrescido no casamento.<br />

Como é consabido, no momento do casamento é possível o acréscimo<br />

do sobrenome do outro, conforme já tratado neste capítulo<br />

(art. i.565 do CC). No momento da dissolução do vínculo, aquele que<br />

acresceu o sobrenome do outro poderá, espontaneamente, retirá­<br />

-lo. A dúvida é: posso obrigar ao outro cônjuge, que acresceu o meu<br />

sobrenome, retira-lo?<br />

Sim, mas apenas excepcionalmente. Isto porque o nome é um<br />

direito da personalidade. uma vez acrescido, passa a integrar a<br />

246


CASAMENTO<br />

personalidade do seu novo titular, sendo guiado pelas características<br />

dos direitos da personalidade, em especial a indisponibilidade.<br />

Todavia, caso reste comprovada a culpa no término do casamento<br />

por parte de quem fez o acréscimo do sobrenome, bem como<br />

haja pedido expresso do cônjuge inocente de retirada do sobrenome<br />

acrescido pelo outro, poderá haver tal obrigatoriedade, desde<br />

que não importe a retirada em: a) evidente prejuízo para a sua<br />

identificação; b) manifesta distinção entre o seu nome de família e o<br />

dos filhos havidos da união dissolvida e c) dano grave reconhecido<br />

na decisão judicial (art. i.578 do CC).<br />

Veja-se, portanto, que mesmo comprovando a culpa e realizando<br />

pedido expresso, a retirada é dificultosa.<br />

Acerca da permanência do nome de casada após o divórcio, segue<br />

o julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA OBJETI­<br />

VANDO COMPELIR A MULHER A RETOMAR O USO DO NOME DE<br />

SOLTEIRA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLU­<br />

ÇÃO DO MÉRITO, NOS TERMOS DOS ART. 267, 1 E VI E 295, li DO<br />

CPC. INCONFORMISMO DO EX-CÔNJUGE VARÃO COM A MANUTEN­<br />

ÇÃO DO NOME DE CASADA PELO EX-CÔNJUGE VIRAGO. É direito<br />

do cônjuge virago a manutenção do nome de casado, nos<br />

termos do artigo 1578, § 2° do Código Civil, que prevê a<br />

retirada do nome apenas nos casos em que o cônjuge seja<br />

declarado culpado pela separação. O uso do nome de casada<br />

pela mulher constitui direito de personalidade. Recurso<br />

a que se nega seguimento.<br />

(TJRJ - Nona Câmara Cível, APL: 142497820108190202 RJ, Relator:<br />

Des. CARLOS EDUARDO MOREIRA SILVA, Data de Julgamento:<br />

11/05/2011).<br />

A terceira consequência seria o possível pleito indenizatório, haja<br />

vista a culpa do outro pelo término do relacionamento. Entrementes,<br />

sobre este tema, o Superior Tribunal de Justiça vem sendo bastante<br />

restritivo, asseverando que a mera quebra de deveres conjugais não<br />

é apta a ocasionar indenização, sendo necessária a comprovação<br />

de efetiva lesão à personalidade. Não se trata de dano moral puro<br />

ou in re ipsa, exigindo-se a comprovação de lesão á personalidade,<br />

evitando a banalização do instituto.<br />

247


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

;. Como já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça?<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. RECURSOS ESPECIAIS IN­<br />

TERPOSTOS POR AMBAS AS PARTES. REPARAÇÃO POR DANOS<br />

MATERIAIS E MORAIS. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJU­<br />

GAIS DE LEALDADE E SINCERIDADE RECÍPROCOS. OMISSÃO SO­<br />

BRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA. SOLIDARIEDADE.<br />

VALOR INDENIZATÓRIO. - Exige-se, para a configuração da<br />

responsabilidade civil extracontratual, a inobservância<br />

de um dever jurídico que, na hipótese, consubstancia-se<br />

na violação dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade<br />

recíprocos, implícitos no art. 231 do CC/16 (correspondência:<br />

art. i .566 do CC/02). - Transgride o dever<br />

de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite<br />

a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados<br />

na constância do casamento, mantendo o consorte na<br />

ignorância. - O desconhecimento do fato de não ser o<br />

pai biológico dos filhos gerados durante o casamento<br />

atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação<br />

pelos danos morais suportados. - A procedência<br />

do pedido de indenização por danos materiais exige<br />

a demonstração efetiva de prejuízos suportados, o<br />

que não ficou evidenciado no acórdão recorrido, sendo<br />

certo que os fatos e provas apresentados no processo<br />

escapam da apreciação nesta via especial. - Para a materialização<br />

da solidariedade prevista no art. i.518 do<br />

CC/16 (correspondência: art. 942 do CC/02), exige-se que<br />

a condutado "cúmplice" seja ilícita, o que não se caracteriza<br />

no processo examinado. - A modificação do valor<br />

compulsório a título de danos morais mostra-se necessária<br />

tão-somente quando o valor revela-se irrisório ou<br />

exagerado, o que não ocorre na hipótese examinada.<br />

Recursos especiais não conhecidos. (STJ - REsp: 742137<br />

RJ 2005/006o295-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data<br />

de Julgamento: 21/08/2007, T3 - TERCEIRA TURMA).<br />

Em situação semelhante, noutra decisão do SUPERIOR TRIBUNAL<br />

DE JUSTIÇA, foi configurado o dano moral por omissão da verdadeira<br />

paternidade biológica de filho nascido na constância do casamento,<br />

porém, o dever de fidelidade recíproca dos cônjuges não se estende<br />

ao cúmplice de traição.<br />

248


CASAMENTO<br />

RECURSO ESPECIAL. <strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS<br />

E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DE­<br />

VER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE<br />

BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR<br />

MORAL CONFIGURADA. REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. 1. Os<br />

alimentos pagos a menor para prover as condições de sua<br />

subsistência são irrepetíveis. 2. o elo de afetividade determinante<br />

para a assunção voluntária da paternidade presumidamente<br />

legítima pelo nascimento de criança na constância<br />

do casamento não invalida a relação construída com o pai<br />

socioafetivo ao longo do período de convivência. 3. O dever<br />

de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento<br />

e não se estende ao cúmplice de traição a quem não<br />

pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta<br />

de previsão legal. 4. o cônjuge que deliberadamente omite a<br />

verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância<br />

do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade<br />

do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de<br />

relevantíssimo aspedo da vida que é o exercício da paternidade,<br />

verdadeiro projeto de vida. 5. A família é o centro de<br />

preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226<br />

CF/88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a<br />

reputação e a autoestima dos seus membros. 6. Impõe-se a<br />

redução do valor fixado a título de danos morais por representar<br />

solução coerente com o sistema. 7. Recurso especial<br />

do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente<br />

provido e do segundo corréu provido para julgar<br />

improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor,<br />

neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios.<br />

(STJ - REsp: 922462 SP 2007/0030162-4, Relator: Ministro<br />

RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de julgamento: 04/04/2013, T3<br />

- TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2013)<br />

Ainda sobre o tema, alguns julgados de diferentes Tribunais:<br />

EMBARGOS INFRINGENTES - AÇÃO INDENIZATÓRIA PROPOSTA POR<br />

EX-MULHER EM FACE DO EX-MARIDO - MÁ ADMINISTRAÇÃO DOS<br />

BENS DA EX-ESPOSA - DANOS MATERIAIS COMPROVADOS - ABOR­<br />

RECIMENTOS E FRUSTRAÇÕES INERENTES AO FIM DO RELACIO­<br />

NAMENTO AMOROSO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. É<br />

inquestionável que o fim de um relacionamento amoroso<br />

causa mágoas, frustrações e aborrecimentos. No entanto, a<br />

responsabilização do suposto ofensor depende da existência<br />

de ato ilícito ou abuso de direito, ou, ainda, na violação dos<br />

249


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos, consoante<br />

artigos 186, 187 e 1.566, do Código Civil. Improvimento<br />

dos embargos. (TJ-RJ - EI: 256o27320058190014 RJ 0025602-<br />

n2005.8.19.0014, Relator: DES. JOSE GERALDO ANTONIO, Data de<br />

Julgamento: 11/08/2010, SETIMA CAMARA CIVEL).<br />

CASAMENTO. ADULTÉRIO. DANO MORAL NÃO CONFIGURAÇÃO. Para<br />

que o adultério se traduza em dano moral é necessário repercussão<br />

extraordinária do fato e não, apenas, as conseqüências<br />

que lhes são ínsitas. Sendo a prova dos autos insuficiente<br />

tal, cabe a improcedência da pretensão - recurso<br />

provido. (TJ/SP - 6• C. D. Priv. "A", Ap. c/ Rev. n° 229 985-4/1-00,<br />

Rei. Des. MARCELO BENACCHIO, julgado em 19.op006).<br />

<strong>CIVIL</strong>. NÃO CONHECIMENTO PARCIAL. INADEQUAÇÃO DA DEMONS­<br />

TRAÇÃO DE REPERCUSSÃO GERAL EM APELAÇÃO. MÉRITO. DANOS<br />

MORAIS. VIOLAÇÃO AOS DEVERES CONJUGAIS. INFIDELIDADE. PRO­<br />

VAS CONSTITUÍDAS POR CONVERSAS EM SISTEMA DE TROCA DE<br />

MENSAGENS EM TEMPO REAL. ILICITUDE DA PROVA AFASTADA.<br />

CONTRAPROVA NÃO DILIGENCIADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO<br />

DANO MORAL. INFIDELIDADE COMO FATO GERADOR DO DEVER DE<br />

REPARAÇÃO. NECESSIDADE DE GRAVE HUMILHAÇÃO E EXPOSIÇÃO.<br />

CIÊNCIA DA INFIDELIDADE ANOS APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO. DE­<br />

CURSO TEMPORAL QUE MITIGA A SITUAÇÃO VEXATÓRIA. AUSÊNCIA<br />

DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO DANO MORAL. APELAÇÃO<br />

PROVIDA. (. .. ) 3. A jurisprudência mais responsável com a<br />

natureza jurídica do dano moral caminha no sentido de que<br />

a imposição do dever de reparar tem espaço apenas em<br />

casos p articulares, quando do rompimento da relação há<br />

mais que abalo sentimental, sendo necessária a repercussão<br />

grave nos atributos da personalidade. Ou seja, a infidelidade,<br />

por si só, não gera, via de regra, causa de indenizar,<br />

apenas configurando dano moral a situação adúltera que<br />

ocasiona grave humilhação e exposição do outro cônjuge.<br />

Interpretação de julgados do STJ e deste TJDF. 4. Quando a ciência<br />

da infidelidade ocorre anos após a separação de fato,<br />

aludida situação vexatória deve ser concebida em termos<br />

mais detidos. Assim, como a aferição do grau do abalo é<br />

inerente ao juízo de caracterização do dano moral, o decurso<br />

temporal fortalece a conclusão de que a caracterização<br />

do dano moral não se apraz com o abalo sentimental, o<br />

qual, remetendo-se a anos anteriores, não se projeta na<br />

atualidade com a intensidade exigida para a configuração<br />

de dano moral. 5. Apelação, na parte conhecida, a que se<br />

250


CASAMENTO<br />

dá provimento. (TJ-DF - APL: 1181708320058070001 DF 0118170-<br />

83.2005.807.0001, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de julgamento:<br />

15/04/2009, 2• Turma Cível).<br />

Ainda nas consequências, recorda-se que a culpa em nada influenciará<br />

na meação do patrimônio, a qual decorre do regime de<br />

bens e da vedação ao enriquecimento sem causa, e nem na guarda<br />

do menor, esta fixada em prol deste, segundo a proteção integral.<br />

Diga-se que se for melhor para o desenvolvimento do menor ficar<br />

com o culpado, assim que deverá ser decidido pelo Poder Judiciário.<br />

~ Como já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

Direito de Família. Recurso especial. Pedido de guarda<br />

de menor formulado pelo pai em face da mãe. Melhores<br />

condições. Prevalência do interesse da criança.- Impõe­<br />

-se, relativamente aos processos que envolvam interesse<br />

de menor, a predominância da diretriz legal lançada pelo<br />

Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, de proteção<br />

integral à criança e ao adolescente como pessoa humana<br />

em desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos<br />

e sociais, garantidos, originariamente, na Constituição<br />

Federal - CF. Devem, pois, as decisões que afetem a criança<br />

ou o adolescente em sua subjetividade, necessariamente,<br />

pautar-se na premissa básica de prevalência dos interesses<br />

do menor.<br />

- Nos processos em que se litiga pela guarda de menor,<br />

não se atrela a temática ao direito da mãe ou do pai, ou<br />

ainda de outro familiar, mas sim, e sobretudo, ao direito<br />

da criança a uma estrutura familiar que lhe confira segurança<br />

e todos os elementos necessários a um crescimento<br />

equilibrado.<br />

- Sob a ótica do interesse superior da criança, é preferível<br />

ao bem estar do menor, sempre que possível, o convívio<br />

harmônico com a família - tanto materna, quanto paterna.<br />

- Se a conduta da mãe, nos termos do traçado probatório<br />

delineado pelo Tribunal de origem, denota plenas condições<br />

de promover o sustento, a guarda, a educação do menor,<br />

bem assim, assegurar a efetivação de seus direitos e facultar<br />

seu desenvolvimento físico, inteleoual, moral, espiritual e<br />

social, em condições de liberdade e de dignidade, com todo<br />

o amor, carinho e zelo inerentes à relação materno-filial,<br />

257


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

deve-lhe ser atribuída a guarda da filha, porquanto revela<br />

melhores condições para exercê-la, conforme dispõe o<br />

art. 1.584 do CC/02.<br />

- Melhores condições para o exercício da guarda de menor,<br />

na acepção jurídica do termo, evidencia não só o aparelhamento<br />

econômico daquele que se pretende guardião<br />

do menor, mas, acima de tudo, oatendimento ao melhor<br />

interesse da criança, nos sentido mais completo alcançável.<br />

- Contrapõe-se à proibição de se reexaminar provas em<br />

sede de recurso especial, rever a conclusão do Tribunal<br />

de origem, que repousa na adequação dos fatos analisados<br />

à lei aplicada. Recurso especial não conhecido. (REsp<br />

916350/RN. Rei. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Publicado<br />

em 26.opo18).<br />

Por fim, para a maioria da doutrina, como restará consignado<br />

adiante, a discussão da culpa não mais merece guarida do direito<br />

das famílias. Para estes, houve uma mudança de paradigmas, saindo<br />

da culpa para a responsabilidade. Neste cenário, as consequências<br />

supracitadas perdem espaço.<br />

c) Separação de Fato.<br />

A separação de fato é uma situação extrajudicial na qual os cônjuges<br />

optam por se afastar, no mais das vezes dispensando o dever<br />

de coabitação.<br />

Questão relevante é: quais os efeitos da separação de fato para<br />

o direito civil?<br />

Em uma análise sistemática, percebe-se:<br />

a) Possibilidade do separado ter união estável (art. 1723 do CC);<br />

b) Segundo o Código Civil (art. 1642, V), a separação de fato ocasiona<br />

continuidade do regime de bens por s (cinco) anos. Todavia,<br />

para o Superior Tribunal de Justiça, tal separação é apta a paralisar<br />

os efeitos do regime de bens (STJ. Resp 32.218/SP. Ministro<br />

Aldir Passarinho), com base à vedação ao enriquecimento sem<br />

causa (art. 884 do CC/02).<br />

e) Na ótica do art. 1830 do CC, ainda tem o separado de fato, na<br />

hipótese de ausência de culpa, direito à sucessão.<br />

d) Separação Extrajudicial<br />

252


CASAMENTO<br />

A ementa do seguinte julgado demostra a possibilidade do reconhecimento<br />

da união estável quando apenas separado de fato um<br />

dos companheiros:<br />

AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL - COMPANHEIRO FALECIDO<br />

NO ESTADO DE CASADO - PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍ­<br />

DICA DO PEDIDO REJEIÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 226, § 3º<br />

DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E 1723 DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> - PROVA<br />

CONSISTENTE DA CONVIVÊNCIA DURADOURA, PÚBLICA, CONTÍNUA E<br />

COM O OBJETIVO DE FORMAÇÃO DE FAMÍLIA - SEPARAÇÃO DE FATO<br />

DO DE CUJUS COMPROVADA - INCIDÊNCIA DO ARTIGO 1723, § 1°<br />

DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL TAL COMO<br />

DECIDIDO PELO JUÍZO A QUO, INCLUSIVE QUANTO AOS EFEITOS PA­<br />

TRIMONIAIS DELA DECORRENTES. Desprovimento dos recursos,<br />

rejeitada a preliminar. (TJRJ - Sétima Câmara Cível, Apelação<br />

0000233-97.2005.8.19.0072, Des. Maria Henriqueta Lobo, Julgamento:<br />

24/08/2011).<br />

A lei 11.441/2007 instituiu a separação extrajudicial no Brasil, através<br />

do artigo u24-A do Código de Processo Civil. Para tanto, exige a<br />

normatização alguns requisitos; quais sejam:<br />

a) Todos os envolvidos sejam capazes<br />

b) Consenso<br />

c) Presença de Advogado<br />

d) Feita em cartório, sem necessidade de oitiva do Ministério Publico<br />

e Homologação Judicial, através de escritura pública.<br />

e) Que verse a escritura publica sobre: divisão dos bens, pensão<br />

alimentícia e alteração do nome.<br />

f) Possível pedido de gratuidade.<br />

Tratando do tema, o Conselho Nacional de Justiça veiculou a<br />

Resolução de número 35, com interessantes diretrizes sobre o assunto.<br />

Sobre a Resolução, elencamos algumas possíveis questões<br />

práticas:<br />

a) O que foi feito com os processos de separação em curso à época?<br />

Informa a Resolução:<br />

Art. 2° É facultada aos interessados a opção pela via judicial<br />

ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer<br />

253


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência<br />

da via judicial, para promoção da via extrajudicial.<br />

b) Qual o Tabelionato competente?<br />

Responde a aludida Resolução:<br />

Art. lº Para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei n°<br />

11.441/07, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando<br />

as regras de competência do Código de Processo Civil.<br />

No particular, portanto, não será necessário seguir o contestado<br />

art. ioo, 1 do CP(, o qual informa ser o foro competente o da mulher.<br />

Sobre tal competência, reservou esta obra espaço no capítulo de<br />

princípios, ao tratar acerca da isonomia.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o Novo Código de Processo Civil (NCPC) modificou a regra elencada no<br />

art. 100, 1, do CPC, de forma que para as ações de separação, divórcio e<br />

anulação de casamento, o foro competente será o seguinte:<br />

Art. 53 (NCPC). É competente o foro:<br />

1 - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento<br />

e reconhecimento ou dissolução de união estável:<br />

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;<br />

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;<br />

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no<br />

antigo domicílio do casal;<br />

e) É possível a gratuidade?<br />

Claro! Afirma a Resolução:<br />

Art. 6° A gratuidade prevista na Lei nº 11.441/07 compreende<br />

as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio<br />

consensuais.<br />

Art. 7º Para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei n°<br />

11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que<br />

não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda<br />

que as partes estejam assistidas por advogado constituído.<br />

d) Precisa da presença de advogado?<br />

A resposta é positiva! Verbera a Resolução:<br />

254


CASAMENTO<br />

Art. 8° É necessária a presença do advogado, dispensada a<br />

procuração, ou do defensor público, na lavratura das escrituras<br />

decorrentes da Lei 11.441/07, nelas constando seu nome<br />

e registro na OAB.<br />

e) Os separandos podem se fazer representar?<br />

Sim. É possível. Segundo a Resolução:<br />

Art. 36. O comparecimento pessoal das partes é dispensável<br />

à lavratura de escritura pública de separação e divórcio<br />

consensuais, sendo admissível ao(s) separando(s) ou ao(s)<br />

divorciando(s) se fazer representar por mandatário constituído,<br />

desde que por instrumento público com poderes especiais,<br />

descrição das cláusulas essenciais e prazo de validade<br />

de trinta dias.<br />

Interessante anotar que assim como na separação consensual<br />

e remédio, aqui na seara extrajudicial persiste a cláusula de dureza.<br />

Neste cenário, poderá o tabelião se negar a lavrar a escritura<br />

pública de separação, caso haja fundados indícios de prejuízo<br />

a um dos cônjuges ou sem caso de dúvidas acerca da declaração<br />

de vontade (art. 46 da Resolução). Tal negativa será por escrito<br />

e fundamentada, sendo possível o seu ataque por mandado de<br />

segurança.<br />

Feita a separação, a escritura pública servirá para as transferências<br />

patrimoniais, sendo desnecessária homologação do Poder Judiciário<br />

ou oitiva do Ministério Público (art. 40 da Resolução 35 do CNJ).<br />

15.2. Divórcio<br />

O divórcio surge no Brasil a partir da EC n. 9/77 e da Lei Federal<br />

6.515/77, derivando, ordinariamente, da separação. Pelo contexto<br />

cultural do país naquela época, o legislador acabou por emprestar<br />

maior ênfase ao instituto da separação do que ao próprio divórcio,<br />

até então novidade.<br />

A CF/88, entretanto, deu maior destaque à hipótese ao divórcio,<br />

tratando tanto da sua modalidade direta, como indireta. Tal regra<br />

fora repetida pelo legislador ordinário, com o art. 4 da Lei 7 .481/89 e<br />

art. 25 da Lei 8.408/92, fato também disciplinado pelo CC, especificamente<br />

em seu art. i.580.<br />

255


O divórcio dissolve o vínculo conjugal, gerando entre os cônjuges<br />

o mesmo efeito da morte de um deles em relação ao outro (parágrafo<br />

1 do art. i.571). Não se modifica, entretanto, os direitos e deveres<br />

em relação aos filhos.<br />

O dispositivo constitucional foi considerado, à época, um dos<br />

mais audazes e encontrava paralelo na nova fracción 18 do art. 267<br />

do Código Civil mexicano para o Distrito Federal.<br />

Nas pegadas da Constituição, veio o art. i.580 do CC. O legislador<br />

ordinário, então, foi além, facilitando a dissolução do casamento ao<br />

possibilitar o divórcio sem a prévia partilha de bens (art. i.581 do<br />

CC), incorporando ao texto legal pacífica súmula 197 do STJ.<br />

Como já se posicionou o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?<br />

Informativo n° 475/2007 - Conversão de Separação em<br />

Divórcio e Art. 36, li, da Lei 6.515/77 O Tribunal deu provimento<br />

a recurso extraordinário interposto contra acórdão<br />

proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que<br />

considerara que o descumprimento de obrigação assumida<br />

na separação continuava sendo causa impeditiva<br />

da conversão da separação em divórcio, uma vez que<br />

a regra do art. 36, li, da Lei 6.515/77 teria sido recepcionada<br />

pela CF/88 ("Art. 36 - Do pedido referido no artigo<br />

anterior [conversão de separação em divórcio], será<br />

citado o outro cônjuge, em cuja resposta não caberá<br />

reconvenção. Parágrafo único - A contestação só pode<br />

fundar-se em: ... li - descumprimento das obrigações assumidas<br />

pelo requerente na separação."). Entendeu-se que<br />

o mencionado dispositivo estaria em conflito com o art.<br />

226, § 60, da CF/88 ("O casamento civil pode ser dissolvido<br />

pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais<br />

de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada<br />

separação de fato por mais de dois anos."). Asseverou-se<br />

que o divórcio diz respeito à dissolução do casamento e<br />

que a referência, contida no § 6° do art. 226 da CF, aos<br />

casos expressos em lei concerne à separação em si. Ressaltou-se,<br />

ademais, que o problema relativo ao descumprimento<br />

das prestações alimentícias, sejam anteriores à<br />

separação, sejam anteriores ou posteriores ao divórcio,<br />

há de ser resolvido por meio de execução.


CASAMENTO<br />

Em seguida, o Tribunal, por maioria, resolveu questão de<br />

ordem no sentido de assentar a não recepção da norma<br />

impugnada pela CF/88. Vencido, no ponto, o Min. Marco<br />

Aurélio, relator, que declarava a sua inconstitucionalidade<br />

e propugnava a comunicação formal da decisão ao<br />

Senado Federal. (RE 387271/SP. Rei. Min. Marco Aurélio,<br />

julgado em os/08/2007).<br />

~ E na hora da prova?<br />

(DEF - PUB - ES - 2009 - CESPE) É possível que seja decretado o divórcio de<br />

casal sem que haja prévia partilha de bens. (Assertiva correta)<br />

Com o advento da Emenda Constitucional 66, especificamente em<br />

14 de julho de 2010, a qual alterou o artigo 226 da Constituição, em<br />

seu§ 6°, passou-se a falar em um "novo divórcio" no Brasil. Eis o novo<br />

conteúdo do dispositivo constitucional "§ 6° O casamento civil pode ser<br />

dissolvido pelo divórcio".<br />

Assim, em um breve percurso histórico, recorda-se que em uma<br />

primeira fase do Direito de Família brasileiro vigorava a indissolubilidade<br />

do casamento. Na década de 70, o sistema jurídico brasileiro<br />

é alterado para admitir a dissolubilidade, passando a ser possível a<br />

extinção do vínculo matrimonial (cf. Lei n. 6.515/1977).<br />

Nessa época, passou a vigorar um sistema bifásico, pautado por<br />

uma discussão de culpa; contemplando de um lado a separação e de<br />

outro o divórcio. A separação dividia-se em sanção, faiência e remédio<br />

(culpa - cf. artigo i.572, caput, do Código Civil de 2002) . O divórcio,<br />

ainda em um sistema bifásico, subdividiu-se em direto - o qual exigia<br />

como único requisito a separação de fato por 2 (dois) anos - e indir<br />

eto ou por conversão, no qual primeiro devia-se obter a separação<br />

judicial ou a decisão da cautelar da separação de corpos e, depois<br />

de I (um) anos, converte-la em divórcio.<br />

Em 2010, com o advento do novo divórcio no Brasil, acabaram-se os<br />

prazos para a dissolução do vínculo. Todavia, a discussão passou a girar<br />

em torno da separação. Surge, pela primeira vez, o questionamento:<br />

afinal de contas, a separação subsiste no Brasil após a EC 66/10?<br />

Em outras palavras: discute-se se agora vige entre nós um sistema<br />

monofásico da dissolubilidade (apenas o divórcio), ou se o<br />

sistema bifásico (separação e divórcio) ainda existiria.<br />

257


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Outras reflexões disto também foram desdobradas: a culpa ainda<br />

constitui elemento passível de debate, após a EC 66/10, para o<br />

término do casamento? O que fazer com os processos em cursos<br />

que pleiteavam separação judicial? Os prazos para o divórcio foram<br />

mesmo abolidos?<br />

Basicamente, duas correntes surgem sobre o tema principal, a<br />

saber:<br />

• Posicionamento 1: a separação foi abolida pela Emenda Constitucional<br />

n. 66/2010. Tese majoritária.<br />

Este posicionamento, diante do que se entendeu da leitura dos<br />

fundamentos da Exposição de motivos da PEC, conclui pelo fim da<br />

separação no Brasil, por compreender que efetivamente este foi<br />

o deseja do Poder Constituinte Derivado. Defendendo este pensamento,<br />

inclusive, é que se posiciona o Relator da PEC, Sérgio<br />

Barradas.<br />

Este posicionamento é adotado ainda pelo IBDFAM, prestigiando<br />

a desjudicialização e a deburocratização, simbolizando, entre outras<br />

coisas, ganho de tempo e economia para todos. Além desses fundamentos<br />

políticos e jurídicos, o posicionamento traz ainda um fundamento<br />

social, eis ser notória a pouca utilização e a diminuta utilidade<br />

prática do instituto da separação.<br />

São defensores deste posicionamento Paulo Luiz Netto Lôbo, Maria<br />

Berenice Dias, Flávio Tartuce, Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze, todos<br />

já citados neste trabalho. À exceção do professor Flávio Tartuce,<br />

todos os citados doutrinadores sustentam, além disto, que alterações<br />

trazidas pela Emenda Constitucional n. 66/10 geram o ocaso da<br />

culpa em nosso ordenamento jurídico de Família. não mais havendo<br />

espaço para caça às bruxas nas demandas familiaristas.<br />

~ Atenção!<br />

Neste sentido, conferir Enunciados TJ BA n. 21 e 22.<br />

Enunciado n° 21 - Segundo uma interpretação sistemática,<br />

histórica e social, e que leve ainda em consideração o superior<br />

princípio da afetividade, a aprovação da Emenda<br />

Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010, que alterou o<br />

§ 6° do art. 226 da Constituição Federal. suprimiu a separação<br />

judicial do nosso sistema jurídico.<br />

258


CASAMENTO<br />

Enunciado n• 22 - Em respeito à garantia constitucional do<br />

ato jurídico perfeito e ao princípio da segurança jurídica,<br />

as pessoas judicialmente separadas antes da aprovação<br />

da Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010,<br />

que alterou o § 6° do art. 226 da Constituição Federal,<br />

deverão, caso pretendam se divorciar, proceder com a<br />

conversão judicial ou administrativa da respectiva separação,<br />

dispensado o cômputo de qualquer prazo.<br />

Em síntese:<br />

Para estes defensores, vivencia-se no Brasil um sistema monofásico<br />

. Logo, quem for dissolver atualmente o casamento, haverá de<br />

fazê-lo pelo divórcio direto, sem nenhuma exigência do prazo mínimo<br />

de dois anos de separação de fato. Assim, em tese, é possível se<br />

casar pela manhã e se divorciar pela tarde.<br />

Todavia. persiste a possibilidade do divórcio indireto para aqueles<br />

que já estavam separados antes da EC 66/10, agora sem a necessidade<br />

da obse111ância do prazo mínimo de um ano da separação<br />

judicial ou da cautelar separação de corpos.<br />

Outrossim, para a maioria dos defensores desta tese, não haverá<br />

discussão da culpa em tais divórcios, verificando-se o ocaso da<br />

culpa .<br />

• Posicionamento 2 : O instituto da separação se mantém. Tese minoritária.<br />

Para esta corrente, o sistema bifásico está mantido, mas a separação<br />

passa a ser uma mera faculdade, e não mais uma imposição.<br />

Neste sentido caminha o Enunciado n. 514 CJF. A doutrina de Regina<br />

Beatriz Tavares entende da mesma maneira. Para estes, a culpa continuaria<br />

vigorando no ordenamento jurídico brasileiro, argumentando<br />

que, inclusive, o dever jurídico de fidelidade estaria esvaziado<br />

diante da eliminação da culpa.<br />

~ Atenção!<br />

Existem importantes Enunciados elaborados na V Jornada de Direito Civil<br />

sobre a Emenda Constitucional n. 66/lo, inclusive no que diz respeito aos<br />

temas mais polêmicos. Abaixo, ante a relevância dos mesmos, seguem<br />

na íntegra:<br />

259


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Enunciado n. 513 - Art. i.571. A Emenda Constitucional n.<br />

66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e<br />

extrajudicial.<br />

Enunciado n. 514 - Art. i.574, caput. Pela interpretação<br />

teleológica da Emenda Constitucional n. 66/2010, não há<br />

prazo mínimo de casamento para a separação consensual.<br />

Enunciado n. 515 - Art. i.574, parágrafo único. Na separação<br />

judicial por mútuo consentimento, o juiz só poderá<br />

intervir no limite da preservação do interesse dos incapazes<br />

ou de um dos cônjuges, permitida a cindibilidade<br />

dos pedidos com a concordância das partes, aplicando­<br />

·se esse entendimento também ao divórcio.<br />

Enunciado n. 516 - Art. 1.580. A Emenda Constitucional n.<br />

66/2010 extinguiu os prazos previstos no art. i.580 do Có·<br />

digo Civil, mantido o divórcio por conversão.<br />

Em síntese:<br />

Os defensores da segunda tese entendem que no Brasil continua<br />

a viger um sistema bifásico, subsistindo a separação e o divórcio. Todavia,<br />

tais institutos, em uma interpretação conforme a Constituição,<br />

permanecem sem a exigência dos prazos.<br />

Persiste, ainda, para a maioria dos defensores da segunda tese,<br />

a possibilidade da discussão da culpa no término do casamento.<br />

' Atenção!<br />

Assim como a separação, o divórcio também poderá ser implementado<br />

através da via extrajudicial, desde que obedecidos os mesmos requisitos<br />

(Lei 11.441/2007, art. i.124-A do CPC e Resolução 35 do CNJ). Portanto,<br />

renovam-se os comentários realizados no tópico referente à separação<br />

extrajudicial. A tais comentários, acresça-se que nada impede a realização<br />

do divórcio por conversão na seara extrajudicial, independentemente<br />

da separação ter sido feita judicialmente, desde que presentes os<br />

requisitos (art. 52 da Resolução 35 do CNJ).<br />

Ademais, a legitimidade para propositura da ação de divórcio e separação<br />

é do cônjuge. Caso este seja incapaz para propor a ação ou<br />

defender-se, poderá fazê-lo o seu curador ascendente ou irmão (art.<br />

1.582 do CC).<br />

260


CASAMENTO<br />

Outrossim, o foro competente para as ações de separação, anulação de<br />

casamento e conversão da separação em divórcio. Com efeito, o art.<br />

100, 1 do CPC propugna ser competente o foro, em tais situações, da<br />

residência da mulher.<br />

Como pode?<br />

Se há isonomia, não há porque haver privilégio.<br />

Destarte, em um ultrapassado cenário de submissão feminina, a norma<br />

até se justificaria, visando uma igualdade material e conferindo proteção<br />

diferenciada à mulher. Isto, porém, não sobrevive hodiernamente, ante<br />

a ascensão feminina.<br />

Dessa forma é possível sustentar a tese da não recepção do artigo 100, 1<br />

do CPC, devendo ser aplicada a regra geral de competência para ações<br />

de natureza pessoal, a qual propugna como foro competente do domicílio<br />

do réu (art. 94 do CPC). Apesar de tal consideração doutrinária, os<br />

Tribunais persistem aplicando o art. 100, 1 do CPC.<br />

Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

o Superior Tribunal de Justiça já referendou que se houver interesse de<br />

menor em jogo, a competência será a do domicílio daquele que possuir<br />

a guarda do menor, ante ao princípio da proteção integral.<br />

Neste sentido firma a Súmula 383 do STJ que "a competência para processar<br />

e julgar ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do<br />

foro do domicílio do detentor de sua guarda".<br />

267


Capítulo Ili<br />

Direito Convivencial<br />

Sumário • 1. Recorte Metodológico. 2. Concubinato<br />

versus União Estável. 2.1. O Antigo Concubinato Puro<br />

e a Atual União Estável. 2.1.1 Deveres Pessoais na<br />

União Estável. 2.i.2 Deveres Patrimoniais na União<br />

Estável. O Regime de Bens. Contrato de Convivência,<br />

Contrato de Namoro e Declaração de União Estável.<br />

2.2 O Concubinato (Impuro). 2.2.1. A Tutela Jurisdicional<br />

das Relações Concubinárias: O que fazer<br />

com os concubinatos e as famílias paralelas? Teses<br />

Doutrinárias e ]urisprudênciais. 2.2.2 Novos Rumos<br />

à Tutela Jurisdicional das Relações Concubinárias. A<br />

União Estável Putativa e o Concubinato Consentido.<br />

1. RECORTE METODOLÓGICO<br />

Vencido o capítulo destinado ao matrimônio é hora de enfrentarmos<br />

as relações convivenciais não matrimonializadas as quais englobam<br />

a união estável, a união homoafetiva e o concubinato.<br />

No capítulo relacionado à principiologia das relações familiares verificamos<br />

que, hodiernamente no Brasil, aplica-se à tutela plural das<br />

famílias. Assim, como já dito, há família não apenas no casamento,<br />

mas também nas relações extramatrimoniais. Desta forma, é momento<br />

de aprofundarmos os arranjos familiares convivenciais (união estável<br />

e união homoafetiva) e o concubinato, ainda considerado para<br />

o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, como um<br />

ilícito familiar por força da legislação (CC, art. i.726), assim como uma<br />

sociedade de fato disciplinada pelo direito obrigacional, a exemplo da<br />

Súmula 380 da Suprema Corte segundo a qual "Comprovada à existência<br />

de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução<br />

judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".<br />

Para tanto, será feita uma abordagem histórico evolutiva do concubinato,<br />

da sua origem e conformação até à sua atual formatação,<br />

perpassando pelo advento e vigente moldura da união estável e o<br />

conceito e desdobramentos do concubinato impuro.<br />

263


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Vamos lá!<br />

2. CONCUBINATO VERSUS UNIÃO ESTÁVEL<br />

A etimologia da expressão concubinato significa comunhão de<br />

leitos. Advém do latim cum (com), cubare (dormir), concubinatus, significando<br />

a companhia na cama, a presença mútua no leito afetivo.<br />

Durante largo período histórico, prévio à Constituição Federal de<br />

1988, o signo concubinato fora utilizado como gênero, o qual abrangia<br />

a sua:<br />

a) modalidade pura, existente entre pessoas que poderiam se casar<br />

e<br />

b) a modalidade impura, contraído entre pessoas impedidas de casar.<br />

Ocorria o concubinato puro quando o casal, apesar de autorizado<br />

a contrair casamento, não o fazia, estabelecendo uma vida<br />

em comum como se marido e mulher fossem - more uxorio - sem o<br />

solene matrimônio. Portanto, a única atipicidade nesta situação era<br />

a ausência do casamento e nada mais.<br />

o concubinato impuro ocorria quanto o casal era impedido de<br />

constituir matrimônio e - mesmo assim - estabeleciam uma relação<br />

estável, não eventual, proibida pela lei.<br />

Ambas as figuras concubinárias (pura e impura) eram tidas como<br />

ilícitas à época, isto porque apenas se verificava como lícita a família<br />

oriunda do casamento. Ainda havia aqui uma grande e indevida<br />

aproximação entre o Estado e a Igreja, de maneira que, por conta do<br />

ideal católico, apenas se tutelava o direito à família decorrente do<br />

sacramento do casamento, ou seja, das justas núpcias.<br />

Foi com o advento da Constituição Cidadã de 1988 que o tratamento<br />

do tema mudou de figura. Como tratado nesta obra, ao ser<br />

abordado o princípio do pluralismo familiar, o Constituinte inovou a<br />

ordem jurídica nacional, iniciando a tutela a novos arranjos familiares'.<br />

1. A Constituição Federal de 1988 foi o diploma responsável por abrir os poros das<br />

famílias, passando a tutelar no seu art. 226 a família extramatrimonial. Rompeu<br />

o constituinte com a elevada influência católica, a qual, durante grande lapso de<br />

tempo, influenciou o direito a apenas legitimar a família casamentaria. Recon·<br />

heceu expressamente o constituinte originário outros núcleos familiares, como a<br />

família decorrente da união estável e àquela denominada monoparental.<br />

264


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

Observou-se a adoção de uma sistemática dual, o qual separa<br />

conceitualmente a união estável do concubinato. Reserva-se à<br />

união estável o conceito dantes conhecido como de concubinato<br />

puro; e ao concubinato, propriamente, apenas sua anterior versão<br />

impura.<br />

Em síntese: o texto constitucional passa então a chamar o concubinato<br />

puro de união estável e o impuro, simplesmente, de concubinato.<br />

Aliado a isto, é especificada a denominação dos integrantes de<br />

tais figuras, sendo aqueles partidários da união estável chamados<br />

de companheiros; enquanto os que possuem relação afetiva em desatenção<br />

aos impedimentos matrimoniais (concubinária), denominados<br />

como concubinos.<br />

Seguindo a lógica constituinte do sistema dual, passamos a análise<br />

dos institutos, iniciando com a união estável e, posteriormente,<br />

avançando ao concubinato.<br />

2.1. O Antigo Concubinato Puro e a Atual União Estável<br />

O concubinato puro, diuturnamente chamado simplesmente de<br />

união estável, ingressou no ordenamento jurídico nacional positivado<br />

através do Direito Previdenciário, mediante o Decreto 20.465/31<br />

(LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social). Neste momento, conferiu­<br />

-se à companheira, à época ainda denominada de concubina, o direito<br />

de perceber pensão previdenciária.<br />

A doutrina, conduzida pelo artigo do Professor Paulo Luiz Netto Lôbo, não demorou<br />

a reconhecer que a aludida enumeração constitucional é exemplificativa,<br />

inserindo outras modalidades familiares, como a a na parental, na feliz construção<br />

de Sérgio Resende de Barros, a homoafetiva, dentre outras .. .<br />

A família, antes vista como uma finalidade em si mesma, passa a ser vista como<br />

instrumento, cujo escopo é a proteção do ser humano. Nessa trilha, reconhece o<br />

poder judiciário que o single forma uma família, para o fim de proteção do bem<br />

da família legal, em clara tutela do patrimônio mínimo e direito de moradia. Esse<br />

é o teor da Súmula 364 do STJ; in verbis: o conceito de impenhorabilidade de bem<br />

de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas<br />

e viúvas.<br />

Para verticalização do assunto, indica-se a consulta do capítulo desta obra que<br />

veicula o tema pluralismo das entidades familiares. Lá, os autores aqui indicados<br />

estão citados e referidos, ao lado de outros baluartes do direito nacional.<br />

265


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O Direito Civil, deveras conservador e guiado por uma ótica<br />

patrimonialista, apenas iniciou a positivação do tema na seara das<br />

obrigações, quando reconheceu à companheira o direito à indenização<br />

pelos serviços domésticos prestados, com nítida tutela<br />

obrigacional. Posteriormente, avançou dentro da seara obrigacional,<br />

adotando a teoria da sociedade de fato, ventilada através<br />

da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual<br />

Comprovada à existência de sociedade de fato entre os concubinas, é<br />

cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido<br />

pelo esforço comum. Ressalta -se que a expressão concubinos,<br />

neste contexto sumulado, referia-se ao concubinato puro, hoje batizado<br />

com união estável.<br />

Até então se tinha uma proteção guiada pelo patrimonialismo<br />

obrigacional. As ações, inclusive, não eram de competência específica<br />

da Vara de Família, mas sim da Vara Cível Comum. O escopo da<br />

proteção era evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes,<br />

pois o patrimônio adquirido pelo esforço em comum, em qualquer<br />

tipo de relação, deveria ser dividido como numa sociedade de fato,<br />

ou seja, como se condomínio fosse (rateio). Era este o mesmo raciocínio<br />

aplicado a duas pessoas, desprovidas de relação afetiva entre<br />

si, que haviam montado uma empresa e desistido do enlace civil.<br />

Não havia diferenciação prática!<br />

Apenas ao final do Século XX, com a Constituição Cidadã de<br />

1988, que foi dignificada a união estável, considerando-a entidade<br />

protegida pelo direito das famílias e iniciando o sistema dual<br />

(união estável x concubinato) hoje vigente. Ato contínuo, duas leis<br />

surgiram regulamentando o comando constitucional, quais sejam<br />

a Lei Federal n° 8.971/94 e a Lei Federal n° 9.278/96, conferindo<br />

aos companheiros direito a alimentos, regime de bens e sucessões.<br />

Mas o que seria, hoje, a união estável?<br />

Conceitualmente, a união estável é a convivência pública, contínua<br />

e duradoura, entre homem e mulher, desimpedidos para casar<br />

ou separados, com o intuito de estabelecer família. O conceito ora<br />

veiculado está previsto tanto no artigo 226, § 3° da Constituição Federal,<br />

quanto no artigo i.723 do Código Civil.<br />

266


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

~ Como este assunto vem sendo cobrado em concurso púbico?<br />

(Defensor Público - DPE/AM - FCC - 2013) A união estável:<br />

Gabarito: b) pode ser constituída entre pessoas casadas, desde que separados<br />

judicialmente ou de fato.<br />

A partir deste conceito algumas possíveis perguntas concursais<br />

surgem. Vamos refletir!<br />

A união estável apenas se caracteriza entre pessoas de sexos<br />

diversos?<br />

A resposta, segundo o direito legislado e artigos supracitados, é<br />

negativa. Entrementes, deve o futuro aprovado ficar atento à evolução<br />

jurisprudencial sobre o tema.<br />

Durante largo período de tempo, o Poder Judiciário afastou o<br />

pedido de união estável entre pessoas do mesmo sexo, com base<br />

na tese de carência da ação, em vista da suposta impossibilidade<br />

jurídica do pedido (CPC, art. 3°), sob o argumento segundo o qual a<br />

letra da lei utiliza o termo homem e mulher.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 3°, do CPC, passará a ser no novo CPC (NCPC) o art. 17°.<br />

Em uma primeira percepção evolutiva sobre o assunto, o Supremo<br />

Tribunal Federal (STF), no seu Informativo 414, veiculado em fevereiro<br />

de 2006, noticiou sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade<br />

de n° 3.300, oriunda do Distrito Federal e proposta pela Associação<br />

da Parada do Orgulho dos Gays, Lébiscas, Bissexuais e Transgêneros.<br />

Tal ação foi extinta sem o julgamento do seu mérito, ao passo<br />

que buscava reconhecer a inconstitucionalidade de um artigo de lei<br />

já revogado, qual seja o artigo i 0 da Lei Federal n° 9.278/96. Este<br />

artigo continha em seu texto a expressão união estável entre homem<br />

e mulher, daí o debate sobre a (im)possibilidade de constituição da<br />

mesma entre pessoas do mesmo sexo. A tese da inconstitucionalidade<br />

era pautada na violação do princípio da igualdade, estampado no<br />

artigo 5° da Constituição Federal.<br />

Todavia, o Ministro Relator Celso de Mello, ao proferir o seu voto, asseverou<br />

a necessidade de se discutir o tema, seja através de uma Ação<br />

de Descumprimento de Preceito Fundamental, seja pela via de uma<br />

267


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ação Direta de Inconstitucionalidade, em face do vigente art. 1.723 do<br />

Código Civil, o qual havia revogado o artigo i 0 da Lei Federal n° 9.278/96.<br />

Vê-se, naquele contexto histórico, que o Supremo Tribunal Fe ­<br />

deral (STF) já deixava claro haver plausibilidade jurídica no tema<br />

de mérito, qual seja a discussão da união estável entre pessoas do<br />

mesmo sexo.<br />

Outra importância referência jurisprudencial é o Informativo 366<br />

do Superior Tribunal de Justiça (STJ), datado de setembro de 2008, o<br />

qual afirmou ser juridicamente possível o pedido de união estável<br />

entre pessoas do mesmo sexo, afastando a tese da carência de ação<br />

(CP(, art. 3° e 267, IV). Segundo este entendimento do STJ. não havia<br />

mais se falar em carência da ação em vista da suposta impossibilidade<br />

jurídica do pedido de reconhecimento de união estável entre<br />

pessoas do mesmo sexo.<br />

> E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 267, IV, do CPC, passará a ser no novo CPC (NCPC) o art. 485, IV.<br />

} E na hora da prova?<br />

(Analista Judiciário - TJCE - CESPE - 2008) Segundo entendimento do Superior<br />

Tribunal de Justiça, é juridicamente possível o pedido de reconhecimento<br />

de união estável entre homossexuais.<br />

Gabarito: certo.<br />

, Como se manifestou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

Confluindo com esta evolução jurisprudencial, após as notícias supracitadas,<br />

asseverou o Supremo Tribunal Federal, através do julgamento da ADPF 132-<br />

RJ. ser a união homoafetiva uma entidade familiar e, como tal, devendo ser<br />

regida, por analogia, pelas regras da união estável. Cita-se a ementa:<br />

ADPF 132 / RJ - RIO DE JANEIRO<br />

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL<br />

Relator(a): Min. AYRES BRITIO<br />

Julgamento: 05/05/2011 órgão Julgador: Tribunal Pleno<br />

Publicação<br />

268


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

DJe-198 DIVULG 13-10-2on PUBLIC 14-10-20n<br />

EMENT VOL-026o7-01 PP-00001<br />

Parte(s)<br />

REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO<br />

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO<br />

INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO<br />

INTDO.(A/S) : TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DOS ESTADOS<br />

INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO<br />

AM. CURIAE. : CONECTAS <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS<br />

AM. CURIAE. : EDH - ESCRITÓRIO DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS DO ESTADO DE MINAS<br />

GERAIS<br />

AM. CURIAE. : GGB - GRUPO GAY DA BAHIA<br />

ADV.(A/S) : ELOISA MACHADO DE ALMEIDA<br />

AM. CURIAE. : ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA, <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS E GÊNERO<br />

ADV.(A/S) : EDUARDO BASTOS FURTADO DE MENDONÇA<br />

AM. CURIAE. : GRUPO DE ESTUDOS EM <strong>DIREITO</strong> INTERNACIONAL DA UNIVERSIDA­<br />

DE FEDERAL DE MINAS GERAIS - GEDl-UFMG<br />

AM. CURIAE. : CENTRO DE REFERÊNCIA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVES­<br />

TIS, TRANSEXUAIS E TRANSGÊNEROS DO ESTADO DE MINAS GERAIS - CENTRO DE<br />

REFERÊNCIA GLBTTT<br />

AM. CURIAE. : CENTRO DE LUTA PELA LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL - CELLOS<br />

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS DE MINAS GERAIS -<br />

ASSTRAV<br />

ADV.(A/S) : RODOLFO COMPART DE MORAES<br />

AM. CURIAE. : GRUPO ARCO-ÍRIS DE CONSCIENTIZAÇÃO HOMOSSEXUAL<br />

ADV.(A/S) : THIAGO BOTIINO DO AMARAL<br />

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVES­<br />

TIS E TRANSEXUAIS - ABGLT<br />

ADV.(A/S) : CAPRICE CAMARGO JACEWICZ<br />

AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE <strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA - IBDFAM<br />

ADV.(A/S) : RODRIGO DA CUNHA PEREIRA<br />

AM. CURIAE. : SOCIEDADE BRASILEIRA DE <strong>DIREITO</strong> PÚBLICO - SBDP<br />

ADV.(A/S) : EVORAH LUSCI COSTA CARDOSO<br />

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DO ESTADO DE<br />

SÃO PAULO<br />

269


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

ADV.(A/S) : FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO E OUTRO(A/S)<br />

AM. CURIAE. : CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB<br />

ADV.(A/S) : FELIPE INÁCIO ZANCHET MAGALHÃES E OUTRO(A/S)<br />

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS<br />

ADV.(A/S) : RALPH ANZOLIN LICHOTE E OUTRO(A/S)<br />

Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL<br />

(ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCEN­<br />

TE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETl­<br />

VA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE<br />

OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONjUNTO.<br />

Encampação dos fundamentos da ADPF n• i32-Rl pela ADI n• 4.277-DF, com<br />

a finalidade de conferir "interpretação conforme à Constituição" ao art.<br />

i.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.<br />

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO<br />

PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEIA NO PLANO DA ORIEN­<br />

TAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO<br />

CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO<br />

COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA<br />

SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS <strong>DIREITO</strong>S FUNDAMENTAIS DO INDI­<br />

VÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. <strong>DIREITO</strong> À INTIMIDADE<br />

E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição<br />

constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta<br />

como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do<br />

inciso IV do art. 3° da Constituição Federal, por colidir frontalmente com<br />

o objetivo constitucional de #promover o bem de todos". Silêncio normativo<br />

da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos<br />

como saque da kelseniana #norma geral negativa", segundo a qual "o<br />

que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente<br />

permitido". Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta<br />

emanação do princípio da "dignidade da pessoa humana": direito a<br />

auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito<br />

à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para<br />

a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade<br />

faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico<br />

uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente<br />

tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.<br />

270


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMILIA. RECONHECI­<br />

MENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO<br />

"FAMÍLIA" NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDI­<br />

CA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DI­<br />

REITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA.<br />

O caput do art. 226 confere à família. base da sociedade, especial proteção<br />

do Estado. ~nfase constitucional à instituição da família. Família<br />

em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco<br />

importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada<br />

por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição<br />

de 1988, ao utilizar-se da expressão "família", não limita sua formação<br />

a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil<br />

ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente<br />

constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a<br />

sociedade civil uma necessária relação tricotõmica. Núcleo familiar que<br />

é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais<br />

que a própria Constituição designa por "intimidade e vida privada"<br />

(inciso X do art. 5°). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos<br />

que somente ganha plenitude de sentido se desembocar<br />

no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família.<br />

Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo.<br />

Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito<br />

de família como instituição que também se forma por vias distintas do<br />

casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos<br />

costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio­<br />

-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter,<br />

interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental<br />

atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito<br />

quanto à orientação sexual das pessoas.<br />

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MU­<br />

LHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓ­<br />

SITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU<br />

SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO G~NERO HUMANO. IDENTIDADE<br />

CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE "ENTIDADE FAMILIAR" E "FAMÍLIA". A referência<br />

constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3• do seu<br />

art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade<br />

para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia<br />

no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais<br />

eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade<br />

de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175<br />

da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no<br />

patíbulo do seu parágrafo terceiro.<br />

271


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Dispositivo que, ao utilizar da terminologia #entidade familiar", não pretendeu<br />

diferenciá-la da #família". Inexistência de hierarquia ou diferença<br />

de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo<br />

e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado •entidade familiar"<br />

como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a<br />

formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo<br />

de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou<br />

de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade,<br />

o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito<br />

dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os<br />

indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2° do art. 5° da Constituição<br />

Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente<br />

listados na Constituição, emergem *do regime e dos princípios por ela<br />

adotados", verbis: uos direitos e garantias expressos nesta Constituição<br />

não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,<br />

ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do<br />

Brasil seja parte".<br />

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.<br />

Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes<br />

e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade<br />

de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas<br />

espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo,<br />

reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como<br />

uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação<br />

legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade<br />

da Constituição.<br />

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> EM CONFORMIDADE<br />

COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA ulNTERPRETAÇÃO CONFOR­<br />

ME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCE­<br />

DÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido<br />

preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não<br />

resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica<br />

de "interpretação conforme à Constituição". Isso para excluir do<br />

dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento<br />

da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do<br />

mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo<br />

as mesmas regras e com as mesmas consequências da união<br />

estável heteroafetiva.<br />

272


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

~ E na hora da prova:<br />

A banca organizadora PUC, no concurso para o cargo de Juiz Substituto<br />

PR, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "O Judiciário<br />

brasileiro admitiu o reconhecimento no país da união entre pessoas do<br />

mesmo sexo como entidade familiar, possibilitando a conversão de uniões<br />

homoafetivas em casamento."<br />

Agiu o Supremo Tribunal Federal dentro dos seus limites, como guardião<br />

da constituição, privilegiando o princípio da pluralidade das entidades<br />

familiares, ao revelar ser família a união homoafetiva e tutelar,<br />

com isto, a dignidade dos integrantes deste arranjo, atento à igualdade.<br />

Neste contexto, provocado a prestar a jurisdição constitucional,<br />

determinou a Suprema Corte que se aplicasse ao caso em debate as<br />

regras da união estável às uniões homoafetivas.<br />

l> E na hora da prova?<br />

A banca organizadora CESPE, no concurso para o cargo de Defensor Público<br />

- DPE/AC. ano de 2012, considerou verdadeira a alternativa: "o STF conferiu<br />

ao artigo do Código Civil que reconhece como entidade familiar a união<br />

estável entre o homem e a mulher uma interpretação conforme com a CF,<br />

para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união<br />

contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade<br />

familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família".<br />

Esta deve ser a tese defendida nas provas pelos futuros aprovados.<br />

Seguindo com as possíveis dúvidas concursais, pergunta-se: a<br />

união estável exige orazo mínimo para a sua configuração?<br />

A caracterização da união estável não mais demanda a presença<br />

de um prazo mínimo, como outrora aconteceu no direito nacional.<br />

Recorda-se que a norma vigente no Brasil entre i994 e i996<br />

(Lei Federal n° 8.971/94) exigia, no seu art. 1°, o prazo mínimo<br />

de 5 (cinco) anos de relacionamento para configuração da união<br />

estável.<br />

Com o passar do tempo, percebeu o legislador não ser possível<br />

matematizar o afeto, reduzindo a prazos. Além disto, verificou<br />

não ser equânime que pessoas com cinco anos e um segundo de<br />

relacionamento tivessem ampla tutela jurídica - alimentos, meação,<br />

273


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

sucessões, previdência ... -, enquanto àqueles com quatro anos e vinte<br />

e nove dias não possuíam direito algum. Um terceiro fundamento:<br />

a Constituição Federal não fixou prazo algum a partir do qual se poderia<br />

configurar uma união estável aspecto que, em certa medida,<br />

limita a atuação do legislador infraconstitucional.<br />

Logo, repisa-se, atualmente não mais são exigidos prazos para<br />

configuração de uma união estável.<br />

Se faz necessária a coabitação, para que haja a união estável?<br />

A resposta é negativa! Não se faz necessária a coabitação (more<br />

uxorio) para que se configure a união estável. O raciocínio aqui é claro.<br />

A coabitação, apesar de ser um dos deveres do casamento (art. i.566<br />

do CC), não está elencada com um dos deveres da união estável (art.<br />

I-724 do CC). Além disto, mesmo dentro do casamento a coabitação<br />

vem sendo mitigada, haja vista os vários casais que não moram juntos,<br />

conforme abordado no capítulo destinado ao matrimônio.<br />

~ Na hora da Prova:<br />

A banca examinadora CESPE, em prova de concurso realizada para o provimento<br />

de cargo de Analista e Consultor Legislativo - Câmara dos Deputados,<br />

ano de 2014, considerou verdadeira a seguinte assertiva: "Mesmo<br />

não havendo coabitação, pode ser reconhecida uma união estável, embora<br />

aquela seja relevante prova da intenção de constituir família".<br />

~ Como se pronunciou o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal<br />

de Justiça sobre o tema?<br />

Dispensando a coabitação na união estável há, inclusive, Súmula do Supremo<br />

Tribunal Federal de n° 382, segundo a qual A vida em comum sob<br />

mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato.Ressalta-se<br />

que concubinos, neste contexto, referia-se ao concubinato<br />

puro, hoje batizado com união estável. Assim vem se pronunciando<br />

o Superior Tribunal de Justiça; cita-se:<br />

AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO<br />

ESTÁVEL - COABITAÇÃO - REQUISITO QUE NÃO SE REVELA ES­<br />

SENCIAL AO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO - PRECEDENTES -<br />

AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no AREsp 59256 /<br />

SP. Rei. Min. MASSAMI UYEDA. T3 - TERCEIRA TURMA. Data do<br />

Julgamento: 18/09/2012).<br />

274


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

~ E na hora da prova?<br />

o concurso para Procurador Municipal - Prefeitura de Teresina/PI, banca<br />

examinadora FCC, ano de 2010, em relação à união estável, considerou<br />

correta a assertiva: "exige-se convivência pública, contínua e duradoura<br />

e estabelecida com o objetivo de constituição de família, mesmo que o<br />

casal não conviva sob o mesmo teto".<br />

Persistindo nas dúvidas concursais, questiona-se: para a configuração<br />

da união estável é necessário filhos em comum (prole)?<br />

Igualmente desnecessária a existência de prole em comum. Se<br />

nem o casamento, juridicamente analisado, tem por objetivo ageração<br />

de filhos, como se vê na atualidade, quiçá a união estável.<br />

~ E na horada prova?<br />

A banca examinadora FGV, em prova realizada para o provimento de<br />

cargo de Analista do DPE-DF, ano de 2014, propôs a seguinte casuística:<br />

Fernanda e Ricardo mantêm uma relação de namoro. Ricardo reside com<br />

seus pais e Fernanda mora com sua avó. Acontece que após seis anos de relacionamento,<br />

Fernanda engravidou, ficando confirmada a paternidade de<br />

Ricardo, mas os dois continuaram com suas residências originais, mantendo<br />

o relacionamento nos moldes anteriores à gravidez. É correto afirmar que:<br />

a) em momento algum se configurou uma união estável.<br />

b) após cinco anos de relacionamento, já havia uma união estável na<br />

forma da lei.<br />

c) havia uma união estável desde o início do relacionamento, independentemente<br />

do tempo em que o casal esteve junto.<br />

d) a união estável se configurou a partir do nascimento da criança.<br />

e) a união estável se configurou a partir do momento em que Fernanda<br />

ficou grávida.<br />

Gabarito: A<br />

Malgrado desnecessários os requisitos mencionados, a existência<br />

de longo prazo de relacionamento, more uxório, assim como a<br />

existência de prole, são importantes indícios processuais, na prática<br />

forense, para identificação da união estável, quando se busca a declaração<br />

do seu reconhecimento judicial.<br />

275


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Verificado o conceito de união estável infere-se como é fácil,<br />

atualmente, a sua configuração. Então, indaga-se: como distinguir a<br />

união estável do namoro?<br />

Esta é uma das perguntas que retira o sono de muitas pessoas,<br />

isto porque, enquanto o namoro não é capaz de gerar, no mundo<br />

jurídico, o dever de pagar alimentos, a meação decorrente do regime<br />

de bens e o direito hereditário, a união estável desembocará em<br />

todas estas consequências.<br />

> Como se manifestou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) o tênue traço distintivo entre a<br />

união estável e o namoro é a intenção (animus) de constituição de famíc<br />

lia, como relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo, no paradigmático<br />

caso sobre o assunto (REsp. 474.962/SP).2<br />

Tal diferenciação, de tão subjetiva, acaba por trazer consigo insegurança.<br />

Afinal, será o Juiz, verificando os indícios do caso concreto<br />

- aparições públicas, viagens, contas em conjunto, planos de casamento,<br />

coabitação, prole ... -, quem haverá de enquadrar o afeto.<br />

Pois bem.<br />

Uma vez em união estável, assim como no casamento, há deveres<br />

pessoais e eficácia patrimonial. Sobre estes temas que se passa a<br />

falar.<br />

2.i.1 Deveres Pessoais na União Estável<br />

Na relação interpessoal a união estável pressupõe a observância<br />

de deveres semelhantes ao do matrimônio.<br />

Compulsando o Código Civil, percebe-se como deveres do casamento<br />

(art. i.566 do CC) a fidelidade recíproca; vida em comum no<br />

domicílio conjugal (coabitação); mútua assistência; sustento, guarda<br />

e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos.<br />

2. Isso que observa-se no julgamento do REsp 474.962/SP. Rei. Min. Sálvio De Figueiredo<br />

Teixeira, Quarta Turma, julgado em 23,09.2003, DJ oi.opoo4 p. i86, quando<br />

assevera o relator que: [ ... ] IV - Seria indispensável nova análise do acervo fáticoprobatório<br />

para concluir que o envolvimento entre os interessados se tratava de<br />

mero passatempo, ou namoro, não havendo a intenção de constituir família.<br />

176


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

Ainda seguindo na legislação civilista, são listados como deveres<br />

da união estável (art. i.724 do CC) a lealdade, o respeito, a assistência,<br />

a guarda, sustento e educação dos filhos.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Juiz de Direito - TJMS - FCC - 2010) As relações entre os companheiros,<br />

na união estável, obedecerão aos deveres de:<br />

a) fidelidade recíproca, mútua assistência, vida em comum no domicílio<br />

conjugal.<br />

b) lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação<br />

dos filhos.<br />

c) lealdade, respeito e consideração mútuos, sendo, porém, excluído o<br />

de prestar alimentos.<br />

d) lealdade, respeito e assistência e, obrigatoriamente, a observância<br />

nas relações patrimoniais das regras atinentes à comunhão parcial de<br />

bens no casamento.<br />

e) fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal e contribuição<br />

igualitária nas despesas domésticas.<br />

Gabarito: letra B.<br />

Logo, cotejando os deveres do casamento com os da união estável,<br />

é possível verificar algumas diferenças.<br />

A primeira delas é que enquanto os deveres do casamento se<br />

referem à fidelidade recíproca, os da união estável abordam o dever<br />

jurídico da lealdade. Seriam a mesma coisa?<br />

Há dois entendimentos sobre o tema:<br />

Entendimento i (majoritário). Para a maioria da doutrina, apesar<br />

da norma abordar a lealdade, no lugar da fidelidade, esta é necessária<br />

na união estável, pois decorre da lealdade e do respeito<br />

mútuo. Segundo este posicionamento majoritário, que deve ser<br />

aplicado às provas concursais, para ser leal se faz necessário<br />

ser fiel. Neste sentido se posicionam Álvaro Villaça Azevedo 3 , Rolf<br />

3. AZEVEDO, Álvaro Villaça. O novo Código Civil brasileiro. ln DELGADO, Mário Luiz.<br />

ALVES, Jones Figueiredo. Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo:<br />

Método, V.2, 2004. Pág. 444.<br />

277


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Madaleno•, Guilherme Calmon Nogueira da Gamas dentre outros.<br />

Logo, na união estável também haveria fidelidade recíproca.<br />

• Entendimento 2 (minoritário). Data venia, com respeito à opinião<br />

dos demais, isto não é o que enxergam os autores desta obra. A<br />

lealdade é uma decorrência da boa-fé e confiança nas relações<br />

privadas, o que remete ao festejado princípio da eticidade, presente<br />

no vigente Código Civil 6 • De fato, é possível o respeito à<br />

lealdade sem a ocorrência da fidelidade recíproca, a partir do<br />

momento em que resta adimplido o dever de informação, anexo<br />

a toda relação horizontal, como decorrência da boa-fé 7 • Nessa<br />

toada, uma vez previamente pactuado e informado no relacionamento<br />

a possibilidade de relações plurais, pensamos não haver<br />

desrespeito à lealdade, malgrado o atingimento da fidelidade.<br />

As traições serão leais (ou melhor, não serão traições), pois não<br />

terão qualquer alusão à quebra da confiança. Teremos infidelidade<br />

caminhando ao lado da lealdade. Assim, defendemos a tese<br />

de que lealdade e fidelidade não se misturam. Tal pensamento,<br />

porém, é minoritário.<br />

4. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. l' ed. São Paulo: Forense, 2008. Pág.<br />

819.<br />

5. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de Família Brasileiro. São Paulo:<br />

juarez Oliveira, 2001. Pág. 232.<br />

6. Aprofundando o tema princípios do vigente Código Civil, indica-se a consulta do<br />

volume destinado à Parte Geral, o qual tem capítulo específico sobre este assunto.<br />

7. Para um estudo detalhado do princípio da boa-fé, falando por todos, indicase<br />

a leitura de Judith Martins-Costa: A Boa-Fé no Direito Privado e Cláudia<br />

Lima Marques: Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. As referidas<br />

autoras, ao realizarem aprofundado estudo sobre a boa-fé objetiva e suas<br />

funções (interpretativa, integrativa e restritiva), afirmam que este princípio<br />

é capaz de gerar deveres anexos às relações, sendo o de informação um<br />

desses deveres.<br />

Essa possibilidade, inclusive, já foi reconhecida pelo Conselho da Justiça Federal<br />

(CJF), no seu Enunciado 24, o qual equipara o descumprimento de dever anexo<br />

a descumprimento contratual, e impõe a responsabilidade independentemente<br />

de culpa. Cita-se: "En. 24.: Art. 422.: em virtude do princípio da boa-fé, positivado<br />

no art. 422 do novo Código Civil, a violação aos deveres anexos constitui espécie<br />

de inadimplemento, independentemente de culpa.• O tema é aprofundado por<br />

estes autores no volume dedicado à teoria geral dos contratos.<br />

278


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

2.1.2 Deveres Patrimoniais na União Estável. O Regime de Bens. Contrato<br />

de Convivência, Contrato de Namoro e Declaração de União Estável<br />

O regime de bens da união estável, aplicável no silêncio das partes,<br />

é o da comunhão parcial, conforme norma supletiva presente no<br />

Código Civil (art. i.725 do CC).<br />

• E na hora da prova?<br />

(FUNCAB - 2012 - Polícia Civil - RJ - Delegado de Polícia) De acordo com o<br />

Código Civil, na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros,<br />

aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime:<br />

a) da participação final nos aquestos.<br />

b) da comunhão universal.<br />

c) da comunhão parcial de bens.<br />

d) da separação de bens.<br />

e) dotai.<br />

Gaba rito: letra C.<br />

Sobre este tema, o concurso para Promotor de Justiça - MPE/MS,<br />

banca FADEMS, ano de 2013, considerou correta a proposição: "há<br />

presunção juris et de jure de que os bens adquiridos de forma onerosa<br />

na constância da união são frutos do esforço comum".<br />

A norma é supletiva por ser possível às partes, mediante contrato<br />

por escrito, estabelecer regime de bens diverso. Será o famoso<br />

contrato de convivência o instrumento para tanto. Apesar da lei<br />

apenas exigir a forma escrita, para este contrato, aconselha-se - não<br />

é exigível, porém - ser confeccionado mediante escritura pública e<br />

registrado. Observado este cuidado, o instrumento terá eficácia erga<br />

omnes.<br />

• Como este tema vem sendo cobrado em concurso público?<br />

(Defensor Público - DPE/AL - CESPE - 2009) É possível que homem e mulher<br />

que resolvam manter união estável estabeleçam entre si regime<br />

de bens por meio de um contrato de convivência, negócio jurídico que<br />

poderá, inclusive, ser formalizado por meio de instrumento particular<br />

e cuja falta acarretará a aplicação das regras atinentes ao regime da<br />

comunhão parcial.<br />

Gabarito: certo.<br />

279


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

(Defensor Público da União - DPU - CESPE - 2010) Admitida a existência de<br />

união estável e de sua regulação por contrato escrito, é lícita a disposição<br />

acerca do patrimônio adquirido durante uma união estável, com eficácia<br />

na futura sucessão, mas não é lícita com relação ao patrimônio anterior;<br />

para este, deve utilizar-se, se for o caso, escritura pública de doação.<br />

Gabarito: certo.<br />

Para que fique claro: na união estável, em não havendo contrato<br />

escrito de convivência, o regime de bens será o da comunhão parcial.<br />

Se houver o aludido contrato, as partes poderão eleger o regime<br />

que bem desejarem, ante a autonomia privada e a intervenção<br />

mínima.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Juiz - TJCE - CESPE - 2012) Considere que Carlos e Regina convivam em<br />

união estável e decidam celebrar contrato de convivência. Nessa situação,<br />

Gabarito: A) o contrato somente produzirá efeitos patrimoniais.<br />

Portanto, a grosso modo se pode dizer que o contrato de convivência<br />

é o pacto antenupcial da união estável. Fala-se a grosso modo<br />

por conta do fato do pacto antenupcial exigir a forma pública (art.<br />

i.653 do CC), enquanto o aludido contrato de convivência exigir, tão<br />

somente, a forma escrita (art. i.725 do CC). Outrossim, obviamente,<br />

o pacto antenupcial é destinado ao casamento, ao passo que o contrato<br />

de convivência à união estável.<br />

Atenção!<br />

Não devemos confundir o contrato de convivência com o contrato de<br />

namoro. São coisas diversas. Como já enfrentamos o contrato de convivência,<br />

a pergunta que surge é: o que seria o contrato de namoro?<br />

Com o advento da união estável e da judicialização das relações,<br />

surgiu um curioso fenômeno social: o interesse de muitos em documentar<br />

- via declaração - o afastamento da união estável. Neste<br />

contexto que se verifica o advento do contrato de namoro, o qual<br />

consiste em uma mera declaração de vontade na qual as partes<br />

afirmam que não vivem em uma união estável, mas em um mero<br />

280


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

namoro. Tentam as partes, mediante esta declaração, afastar o requisito<br />

subjetivo da união estável, entendido pelo animus de constituir<br />

família.<br />

o aludido contrato de namoro é atípico e tem forma livre, mas é<br />

aconselhável que seja realizado por instrumento público para que<br />

tenha eficácia erga omnes e preserve a manifestação de vontade das<br />

partes.<br />

E seria válido este contrato de namoro?<br />

Inicialmente, analisando o pacto pelo ângulo de seu objeto (quanto<br />

ao objeto do contrato) é evidente que o mesmo não teria aptidão<br />

para - por si só - alterar o estado civil das pessoas.<br />

Nessa linha, para a maioria da doutrina, o aludido pacto não<br />

deve ser considerado pelo direito. Interessante as considerações<br />

de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 8 sobre o assunto,<br />

que, observando atentamente o objetivo do contrato de namoro -<br />

frustrar as etapas naturais desse verdadeiro ritual de passagem que<br />

é a relação afetiva -, concluem afirmando que aqueles signatários<br />

deste tipo de negócio jurídico, na verdade, não pretendem namorar.<br />

Avançam, portanto, entendendo que o mero contrato de namoro<br />

não poderá afastar a configuração da união estável.<br />

Já na ótica de Pablo Stolze Gagliano 9 , em artigo sobre o tema, é<br />

de questionável validade o que usualmente vem sendo denominado<br />

de contrato de namoro. Arremata o autor afirmando o seu entendimento<br />

de ser nulo de pleno direito o aludido pacto, por invalidade<br />

de seu objeto.<br />

Particularmente e rninoritariarnente, não enxergam os autores<br />

desta obra nenhuma invalidade intrínseca neste pacto, mesmo concordando<br />

com a premissa de ser a união estável uma situação de<br />

fato, apenas reconhecida pelo direito. Decerto, ainda minoritariamente,<br />

entendem estes autores que o referido contrato de namoro<br />

8. Op. Cit. p. 555 e 556.<br />

9 STOLZE. Pablo. Contrato de Namoro. ln: Juspodivm. 2005. Disponível em http://<br />

www.juspodivm.eom .br/artigos/artigos_225.html. Acesso em: 08.07.09.<br />

287


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

afasta o requisito subjetivo da união estável, no momento em que se<br />

demonstra não ser objetivo do casal a constituição de uma família.<br />

Diga-se que o referido contrato tem presunção de validade e<br />

inexistência de vícios, no momento em que é realizado no respectivo<br />

Tabelionato, com a intervenção de um agente estatal, prestigiando a<br />

vontade livre e desembaraçada, segundo o pilar da autonomia privada<br />

. Claro, porém, que não é o contrato um instrumento absoluto,<br />

sendo possível ao magistrado, na análise do caso concreto e avaliação<br />

do conteúdo probatório, entender que o pacto em questão<br />

revela uma tentativa de fraude, o desconsiderando e configurando a<br />

união estável. Isto, repisa-se, não quer dizer que o contrato é inválido<br />

no seu nascedouro, mas sim que não mais condiz com a situação<br />

tática vivenciada pelo casal.<br />

Uma análise desta forma não seria inédita para o direito, tendo<br />

em vista que é justamente esta linha de raciocínio aplicada às hipóteses<br />

nas quais o magistrado Trabalhista desconsidera o contrato<br />

de prestação de serviços - o que seria o namoro, por analogia - e<br />

aplica às normas relativas à relação de emprego - o que seria a<br />

união estável, por analogia. Tal conduta liga-se ao festejado princípio<br />

da primazia da realidade, o qual deve ser aplicado no caso<br />

concreto.<br />

O fato juridicamente real é que as partes contratantes jamais<br />

conseguirão impedir a eventual caracterização de uma união estável<br />

pela via do contrato de namoro, máxime porque os requisitos caracterizadores<br />

de uma união estável decorrem de elementos táticos e<br />

não poderiam ser bloqueados, impedidos, por um negócio jurídico.<br />

Afinal de contas, o estado civil é direito fundamental da personalidade<br />

humana, indisponível e irrenunciável.<br />

~ E como este assunto vem sendo cobrado em concurso público?<br />

(Defensor Público - DPE/ES - CESPE - 2012) Julgue o item seguinte, a respeito<br />

da união estável e da ordem de vocação hereditária.<br />

De acordo com a jurisprudência, não se deve declarar a união estável<br />

entre duas pessoas que celebrem expressamente contrato de namoro<br />

no qual esclareçam o propósito de não viverem em união estável, sob<br />

pena de se violar a boa-fé da parte inocente.<br />

Gabarito: errado.<br />

282


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

Ainda seguindo nas distinções importantes, o que seria a declaração<br />

de união estável?<br />

A declaração de união estável não se confunde com os já estudados<br />

contrato de convivência e de namoro. Trata-se, a aludida<br />

declaração, de um instrumento mediante o qual os conviventes, tão<br />

somente, declaram que vivem em união estável. As finalidades do<br />

instrumento são plúrimas, todavia, a mais corrente é a relativa ao<br />

seguro de saúde, com o fito de inscrição como dependente. Sua<br />

forma é livre. Todavia, geralmente, as seguradoras exigem o instrumento<br />

público.<br />

Para sintetizar, temos:<br />

a) Contrato que convivência: instrumento escrito, mas geralmente<br />

realizado por escritura pública, que tem como escopo eleger regime<br />

de bens diverso do da comunhão parcial para ser aplicado<br />

a uma específica união estável;<br />

b) Contrato de namoro: instrumento atípico e com forma livre, mas<br />

geralmente realizado por escritura pública, que tem por escopo<br />

afastar a união estável, fulminando de morte o requisito subjetivo<br />

(animus) de constituir a referida relação. Para a maioria da<br />

doutrina este contrato não deve ser recebido pelo direito;<br />

e) Declaração de união estável: instrumento com forma livre, mas<br />

geralmente realizado por escritura pública, cujo escopo é atestar<br />

que vivem os conviventes em união estável. Geralmente é pedido<br />

por seguradoras para reconhecimento de dependentes em plano<br />

de saúde.<br />

Polêmica questão versa acerca da (im)possibilidade do contrato<br />

de convivência versar sobre questões diversas do regime de bens.<br />

Seria possível?<br />

Em uma análise legalista, na forma do art. i.725 do CC, o contrato<br />

em questão serviria, tão somente, para regramentos patrimoniais.<br />

Logo, apenas poderia ser objeto do acordo o regime de bens, doações<br />

entre os cônjuges, ou deles para terceiros, compras e vendas,<br />

trocas ou permutas, cessões ...<br />

283


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Nessa esteira, mantida a questão patrimonial, seria possível, até<br />

mesmo, a participação de um terceiro, doador, destinando bens ao<br />

casal.<br />

Mas, indo além de uma visão legalista, a par de uma interpretação<br />

fundada na autonomia privada, seria possível o contrato tratar<br />

de questões outras?<br />

Sobre o tema, existem dois posicionamentos na doutrina:<br />

• Posicionamento i:Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald'º defendem<br />

que sim, desde que respeitados os direitos e garantias fundamentais,<br />

em atenção à autonomia privada. Nessa linha, faz-se<br />

possível a inserção de outras cláusulas, como obrigações domésticas,<br />

reconhecimento de filhos, nomeação de tutor. No mesmo<br />

sentido se posiciona Maria Berenice Diasn.<br />

• Posicionamento 2: Em sentido oposto, coloca-se o posicionamento<br />

de Maria Helena Diniz 12 para quem o contrato apenas deverá<br />

se servir a questões patrimoniais.<br />

Nessa senda, tem-se hoje como discutíveis as cláusulas que, em<br />

contrato de convivência, liberam a infidelidade reciproca, veiculam<br />

cláusula penal por traição ou, até mesmo, cláusula penal pelo simples<br />

término do relacionamento.<br />

Malgrado tais cláusulas serem corriqueiras e amplamente amparadas<br />

no direito comparado, sua aceitabilidade no Brasil ainda é resistida.<br />

o cerne consiste em saber quando há, ou não, o atingimento<br />

de questões de ordem pública. Dessa forma, em um olhar sistematizado,<br />

passa esta obra a dedicar-se a um rol de cláusulas pessoais,<br />

cuja inserção nos contratos de convivência é controvertida. Vejamos:<br />

a) Dispensa do dever de fidelidade recíproca?<br />

b) Cláusula penal pelo término do relacionamento?<br />

e) Cláusula penal para a hipótese de traição?<br />

10. Op. Cit. p. 284.<br />

11. Op. Cit. p. 217.<br />

12. Op. Cit. p. 414 e 415.<br />

284


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

O centro da abordagem é saber se tais cláusulas violariam, ou<br />

não, questões de ordem pública, direitos e garantias fundamentais<br />

ou a dignidade da pessoa humana.<br />

a) Dispensa do dever de fidelidade recíproca.<br />

O que, efetivamente, se deseja saber nesta questão é se a monogamia<br />

é um princípio jurídico e, em consequência, uma questão<br />

de ordem pública. Isto, porque, em o sendo, não haveria como ser<br />

aceita a validade da cláusula em questão. Caso, porém, seja a monogamia<br />

significada como uma questão privada, apta a ser afastada<br />

pela vontade das partes, a cláusula em comento teria validade.<br />

Adverte Maria Berenice Dias' 3 que a monogamia não se trata de<br />

um princípio de índole constitucional, ao passo que a Constituição<br />

Federal não a contempla expressamente e nem implicitamente. Lembra<br />

a autora que a Constituição Federal admite, inclusive, a possibilidade<br />

de filhos fora das relações protegidas pelo Estado, com igualdade<br />

de direitos em relação aos filhos legítimos'•. Assim, tem-se na<br />

monogamia, ainda segundo a ilustre doutrinadora gaúcha, uma mera<br />

função ordenadora da família, sendo a uniconjugalidade imposição<br />

de ordem moral's.<br />

Como vetor ordenador, percebe-se a presença do ideal monogâmico<br />

em várias passagens do direito infraconstitucional, como se<br />

passa a verificar.<br />

Na família casamentária, inicialmente o legislador cível aborda<br />

o tema como um impedimento matrimonial. São impedidos de se<br />

casar aqueles que já são casados (CC, art. 1521, inciso VI). A afronta<br />

a este impedimento consiste em falta grave, apta a tornar nulo o<br />

13. Op. Cit. p. 58.<br />

14. Sabe-se que a diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, este englobando<br />

os adulterinos, incestuosos e clérigos, não mais deve ser utilizada, em razão da<br />

igualdade entre os filhos independentemente de sua origem. Restou utilizado o<br />

signo no texto deste capitulo apenas como apto a esclarecer didaticamente a<br />

situação.<br />

15. Este também é o entendimento esposado por Rolf Madalena (Op. Cit. p. 816).<br />

Rodrigo da Cunha Pereira (op. cit. p. 107) chega a afirmar que a monogamia não<br />

mais deve ser enxergada como mera norma moral, mas sim como um preceito<br />

básico e organizador das relações jurídicas das famílias brasileiras.<br />

285


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

matrimonio, ao lado da incapacitação do agente para o ato 16 • Ainda<br />

na seara do campo convivencial, a infidelidade e a quebra do respeito<br />

mútuo 11 traduzem grave violação aos deveres da união estável'ª,<br />

podendo ser fato gerador de um pleito indenizatório.<br />

Uma vez declarada a culpa, mediante reconhecimento Judicial de<br />

que um dos cônjuges infringiu dever conjugal de maneira grave, o<br />

consorte culpado 19 sofre algumas consequências, como, em regra, a<br />

perda do seu direito a alimentos'º e a possibilidade de retirada do<br />

sobrenome do cônjuge inocente, acrescido, voluntariamente, quando<br />

do casamento (art. i.565 do CC). 21<br />

Na seara dos contratos, há vedação de doações de bens pelo<br />

cônjuge adúltero ao seu cúmplice, sendo passível de anulação pelo<br />

consorte inocente, ou seus herdeiros necessários, no prazo de até<br />

dois anos, contados da dissolução da sociedade conjugal (art. 550 do<br />

16. Em verdade, o desrespeito aos impedimentos deve levar à nulidade do<br />

matrimônio, assim como a incapacidade do agente, conforme preleciona o art.<br />

1.548 do Código Civil.<br />

17. Nessa linha, na ótica deste autor, desnecessário perquirir sobre a (des)necessidade<br />

de conjunção carnal para configuração da infidelidade no campo cível, ao<br />

passo que relações com terceiros, até mesmo virtuais, já são aptas a gerar grave<br />

violação ao deveres convivenciais, pois desabonadoras do respeito mútuo.<br />

18. Conforme posto no art. 1725 do Código Civil.<br />

19. Não é o escopo dessa produção discutir sobre a desculpabilização da separação<br />

e a ineficácia da declaração de culpa, mormente em face da Emenda Constitucional<br />

66/10. Como o tema ainda é controverso, optou-se por manter a alusão às<br />

regras do codificadas acerca da culpa, sendo aprofundado o assunto quando da<br />

análise acerca da dissolução do vínculo matrimonial.<br />

20. Excepcionalmente, o cônjuge declarado culpado pode ser credor de alimentos<br />

do inocente, caso não tenha parentes em condição de prestá-los e nem aptidão<br />

para o trabalho (art. 1704 do Código Civil). Tal norma, por analogia, se aplica<br />

a união estável. Malgrado consistir em norma que promove o direito à vida<br />

verifica-se questionável afronta à eticidade, a qual é um dos pilares do direito<br />

civil.<br />

2i. A referida perda relaciona-se ao patronímico acrescido no ato do casamento.<br />

Para que esta ocorra faz-se necessário pedido expresso do cônjuge inocente,<br />

declaração de culpa daquele que vai perder o sobrenome, e ainda a não ocorrência<br />

de uma das hipóteses enunciadas no rol de incisos do art. 1578 do CC:<br />

1 - evidente prejuízo para a sua identificação; li - manifesta distinção entre o<br />

seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; Ili - dano grave<br />

reconhecido na decisão judicial. Tal regra se aplica, por analogia, à união estável,<br />

quando houver acréscimo de sobrenome (art. 57 da Lei 6.015/73).<br />

286


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

CC)". Diga-se que a aludida reivindicação dos bens comuns apenas<br />

será possível caso inexista separação de fato há mais de cinco anos,<br />

e não reste comprovado que tal bem foi fruto do esforço comum do<br />

adúltero com o concubino' 3 •<br />

No terreno do direito sucessório, coadunando-se com a vedação<br />

pertinente à doação, proíbe o direito civil à nomeação do concubino<br />

como herdeiro ou legatário do testador casado, salvo se este, sem<br />

culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos<br />

(art. 1801 e 1802 do cc).<br />

~ E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora IESES, em prova realizada para o<br />

provimento de cargo de Titular de Serviços de Notas e de Registros do<br />

TJ-PB, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: que vedava<br />

o recebimento da herança pelo concubino: "O concubino do testador casado,<br />

salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge<br />

há mais de cinco anos".<br />

O objetivo da vedação ao ato de disposição testamentária, assim<br />

como de doação, é justamente proteger o patrimônio advindo da relação<br />

matrimonial. Ressalva-se, porém, que sempre é possível a deixa<br />

patrimonial ao filho comum do cônjuge adúltero com o concubino,<br />

pautada no ideal de isonomia filial, previsto constitucionalmente' 4 e<br />

amparado explicitamente no Código Civil' 5 •<br />

22. Interessante questão colocada é acerca da qualidade do bem quando retorna ao<br />

patrimônio do cônjuge inocente ainda na constância do casamento. Consistiria na<br />

rara hipótese em que o cônjuge inocente ajuizou a ação para invalidar a doação,<br />

mas não tem interesse no término do relacionamento. Este bem passa a ser<br />

considerado com patrimônio exclusivo do cônjuge inocente, ou na hipótese de<br />

separação ou divórcio será objeto de meação como aquesto?<br />

O tema não é regulado no Código Civil. Demais disto, a interpretação das sanções<br />

deve ser restritiva. Logo, não se sustenta a tese do retorno como patrimônio<br />

exclusivo. Todavia, de lege ferendo, como mudança legislativa, revela-se interessante<br />

o bem retornar como exclusivo do cônjuge inocente, à título de sanção<br />

pelo ato.<br />

O art. 550 do Código Civil é o que regula o assunto.<br />

23 . Sobre o tema, indica-se a leitura do art. i.642 do Código Civil.<br />

24. Conforme posto no art. 227 da Constituição Federal.<br />

25. Segundo o art. i.8o3 do Código Civil.<br />

287


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

No tema alimentos, o Código Civi1 26 ordena extinguir o direito a<br />

alimentos do credor que vier a ter relação concubinária. Ademais, o<br />

concubino não consta no rol de legitimados para o pleito de alimentos21,<br />

e é proibido de figurar como beneficiário do seguro de vida do<br />

seu consorte (cônjuge adúltero)'ª.<br />

Na seara penal, malgrado a retirada do adultério como tipo penal<br />

(Lei 11.105/2oo6), ainda persiste tipificada a bigamia, especificamente<br />

no art. 235 do Código Penal. Infere-se, portanto, a permanência de<br />

forte freio social, objetivando preservar a monogamia.<br />

Apesar de tais constatações, cediço que direito de família é direito<br />

civil por excelência. Logo, guiado pelo princípio da autonomia, o<br />

qual apenas admite restrições acaso haja relevante interesse público<br />

apto a legitimá-las, seria possível sustentar a cláusula de dispensa à<br />

fidelidade recíproca?<br />

Pensamos que sim.<br />

Entendemos ser completamente inadvertida a intervenção estatal<br />

na vida privada, na seara da intimidade, tentando disciplinar<br />

com quantas pessoas e como cada sujeito deve se relacionar. Se há<br />

consenso, se inexiste vício de vontade, o negócio há de prevalecer.<br />

A dispensa em comento é prerrogativa privada (CF, art. 5°, incisos V<br />

e X c/c CC, art. 21).<br />

Nesta linha de intelecção há, até mesmo, recente escritura pública<br />

advinda da cidade de Tupã, interior de São Paulo, regulamentando<br />

os efeitos de um triângulo amoroso. Isto, porém, não assegura<br />

nenhum reconhecimento judicial posterior.<br />

O posicionamento aqui veiculado, porém, é minoritário.<br />

Para a maioria da doutrina a cláusula que dispensa a fidelidade<br />

recíproca no casamento é nula de pleno direito, atingindo questão<br />

de ordem pública: a monogamia. Neste sentid"O se posicionam Rolf<br />

Madaleno 29 e Carlos Roberto Gonçalves 3 º, dentre outros.<br />

26. t a dicção do art. i.708 do Código Civil.<br />

27. Conforme a leitura do an. 2.694 do Código Civil.<br />

28. Segundo o an. 793 do Código Civil.<br />

29. Op. Cit. p. 529.<br />

30. Op. Cit. p. 414 / 415.<br />

288


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

Logo, o posicionamento majoritário que deve ser lembrado nas<br />

provas reconhece na monogamia uma questão de ordem pública,<br />

sendo inválida a cláusula de infidelidade.<br />

b) Cláusula penal pelo término do relacionamento?<br />

Critiano Chaves e Nelson Rosenvald 31 entendem não ser possível a<br />

inserção de cláusula penal pelo término do relacionamento em contratos<br />

de convivência. Neste ponto, concordamos com tais autores.<br />

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça não indeniza o desamor. De<br />

fato, indenizar o puro e simples desamor seria impossibilitar o término<br />

do relacionamento, transformando o enlace socioafetivo em uma<br />

prisão pecuniária. Pessoas permaneceriam com outras por valores<br />

materiais, e não por afeto. Seria a dolarização do amor, a monetarização<br />

do afeto.<br />

Caso no momento do divórcio se perceba que uma pessoa deixou<br />

o seu exercício profissional para se dedicar aos afazeres do lar, é<br />

possível o pleito indenizatório, através de alimentos ressarcitórios,<br />

tema que será visitado em capítulo específico.<br />

e) Cláusula penal para a hipótese de traição?<br />

Na opinião destes autores é possível uma cláusula penal para o<br />

caso de traição. Sobre o tema, além da autonomia privada autorizar<br />

esta conclusão, seria possível avançar para também admitir que esta<br />

compreensão reforça um dos deveres da união, qual seja o dever<br />

de lealdade.<br />

Ora, mesmo para aqueles que entendem a lealdade como cogente<br />

e indisponível, restaria a pergunta: não seria possível reforçá-la?<br />

Logo, mesmo para os defensores de uma força pública para a lealdade<br />

e de um olhar menos autônomo aos deveres do casamento,<br />

a aludida cláusula haveria de ser possível. Todavia, ressalta-se: a<br />

doutrina majoritária não vem abraçando tal cláusula por enxergar o<br />

contrato convivencial, preponderantemente, como um instrumento<br />

de regramento de questões patrimoniais.<br />

31. Op. Cit. p. 285 / 286.<br />

289


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O que não se admite no contrato de convivência, sob todos os<br />

olhares, são cláusulas que desrespeitem questões de ordem pública,<br />

em uma aplicação, por analogia, do art. i.655 do CC.<br />

Portanto, não é possível a dispensa à mútua assistência, a renúncia<br />

antecipada à possibilidade de dissolução, retirada do companheiro<br />

da qualidade de herdeiro necessário ... Tais cláusulas haverão<br />

de ser extirpadas do pacto, o qual continua valendo, segundo a<br />

redução do negócio jurídico (art. i84 do CC), tudo de acordo com o<br />

princípio da conservação dos atos.<br />

2.2. O Concubinato (Impuro)<br />

Consoante o art. i.727 do Código Civil, significa o concubinato "as<br />

refações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar."<br />

O conceito engloba como concubinária tanto as relações ditas,<br />

coloquialmente, como extraconjugais, como àquelas entre parentes 32 •<br />

~ E na hora da prova?<br />

No concurso para o provimento do cargo de Defensor Público - DPE/RS,<br />

banca examinadora FCC, ano de 2011, foi tida como correta a proposição:<br />

"as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de<br />

casar, constituem concubinato e não união estável".<br />

Vê-se que a tradução atual do signo concubinato, o qual remetia<br />

às famílias não matrimonializadas, hoje condiz, geralmente, com as<br />

relações ilícitas, paralelas aos casamentos. Envolve o amante ou<br />

a amásia, em desrespeito ao dever de fidelidade do matrimônio.<br />

Ainda em busca de um melhor conceito contemporâneo para<br />

o concubinato, em um rigor mais técnico, pode-se denominar de<br />

concubinato a relação adulterina, infiel, desleal ou incestuosa, não<br />

remetendo apenas à amásia, ao passo que o rol de impedimentos<br />

para o casamento 33 engloba outras hipóteses, como as decorren-<br />

32. Este também é o pensamento de Rodrigo da Cunha Pereira (op. Cit.) e Cristiano<br />

Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Op. Cit.).<br />

33. Confira o art. 1521 do Digesto Civil, o qual relaciona os impedimentos matrimoniais.<br />

Além disto, o tema foi devidamente enfrentado no capítulo dedicado ao<br />

casamento.<br />

290


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

tes de parentesco. Decerto, porém, coloquialmente se acaba por<br />

remeter a noção de concubinato às relações extraconjugais, que<br />

afrontam vínculo legitimado pelo estado e violam o pilar da monogamia3•.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Quanto aos impedimentos para a instituição da união estável, a banca<br />

organizadora FCC, no concurso para Procurador do Estado - PGE/RO, ano<br />

de 2011, trouxe a seguinte questão:<br />

Estão impedidos de estabelecer união estável:<br />

a) o companheiro sobrevivente com o condenado por homicídio culposo<br />

contra o seu consorte.<br />

b) os afins em linha reta.<br />

c) os colaterais até quarto grau, inclusive.<br />

d) os viúvos ou viúvas que tiverem filho de cônjuge falecido enquanto<br />

não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros.<br />

e) pessoas divorciadas.<br />

Gabarito: letra B.<br />

Assim também, a banca examinadora CESPE trouxe a questão a seguir:<br />

(Oficial de Justiça - TJCE - CESPE - 2008) Com relação a tópicos diversos de<br />

direito civil, julgue os próximos itens.<br />

o vínculo da afinidade é extensível à união estável.<br />

Gabarito: certo<br />

Apesar deste regramento legal o fato concreto é que no Brasil<br />

a ocorrência de demandas judiciais sobre concubinatos exige uma<br />

atuação prudente dos aplicadores da lei, máxime diante das repercussões<br />

pessoais e patrimoniais que disto decorrem.<br />

O que fazer com tais concubinatos? Qual a tutela jurídica aplicável?<br />

34. Confere o trabalho um conceito mais amplo de concubinato, como entre pessoas<br />

impedidas de se casar. Todavia, costuma-se enxergar o concubinato como a<br />

relação entre amantes. Assim, afirma Rolf Madaleno (Op. Cit. p. 816) o concubinato<br />

"traduz uma união impura, representando ligação constante, duradoura e não<br />

eventual, na qual os partícipes guardam um impedimento para o matrimônio,<br />

por serem casados, ou pelo menos um deles manter íntegra a vida conjugal e<br />

continuar vivendo com seu cônjuge, enquanto ao mesmo tempo mantém um<br />

outro relacionamento, este de adultério, ou de amasiamento".<br />

291


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

2.2.i. A Tutela Jurisdicional das Relações Concubinárias: O que fazer<br />

com os concubinatos e as famílias paralelas? Teses Doutrinárias e<br />

Jurisprudenciais<br />

É cristalina a distinção legislativa entre as ligações afetivas ditas<br />

estáveis e aquelas de concubinagem. alvo de repúdio moral, social e<br />

normativo. Apesar da clara distinção. porém. há certa aproximação<br />

entre os relacionamentos estáveis e concubinários, afinal de contas<br />

ambos, aos olhos da lei, exigem habitualidade.<br />

Malgrado essa perceptível diferenciação, conceituou o legislador<br />

o concubinato (art. i.727 do CC) sem, contudo, perquirir sobre as<br />

suas consequências. Ocorre que, taticamente, as relações extraconjugais<br />

persistem, muitas das vezes com estabilidade e afetos comprovados,<br />

demandando estudo pelos operadores do direito acerca<br />

de seus efeitos.<br />

Conforme revelou pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital<br />

das Clínicas de São Paulo, a traição é um fato social no Brasil. Aduz<br />

a pesquisa que tanto os homens como as mulheres traem, apesar<br />

daqueles ainda reinarem neste cenário. Observe a notícia colhida no<br />

site da Rede Globo:<br />

As mulheres avançam, é verdade. Mas homens ainda reinam<br />

absolutos. A traição é em dobro: para cada mulher que trai,<br />

há dois homens sendo infiéis. Uma pesquisa do Instituto de<br />

Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo mostra que<br />

um dos índices menores é o do Paraná, mas é onde 43ºk dos<br />

homens já traíram. Em São Paulo, 44ºk. Em Minas Gerais, 52°k.<br />

No Rio Grande do Sul, 6oºk. No Ceará, 61°k. Mas os baianos<br />

são os campeões: 64ºk dos homens se dizem infiéis.<br />

Dessa forma, assim como os tipos penais - adjetivados como<br />

ilícitos e cujas consequências são delimitadas pelo direito - o concubinato,<br />

considerado ilícito civil em diversas passagens da codificação,<br />

há de ter os seus efeitos devidamente individualizados. E<br />

é justamente neste ponto que reside grande controvérsia, a qual<br />

cresce em dificuldade de depuração em face da existência do já<br />

referido e analisado pilar da monogamia, bem como da omissão do<br />

legislador, quem repudiou o concubinato, mas não regulou sobre<br />

seus efeitos.<br />

292


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

Diante de tais fatos, em um esforço de sistematização, é possível<br />

verificar 3 (três) teses principais sobre os direitos da concubina, as<br />

quais coabitam os mais diversos pretórios nacionais.<br />

a) Primeira Tese: A Negativa de Direitos à Concubina<br />

A primeira tese firma a noção segundo a qual vivemos um sistema<br />

monogâmico, sendo este um pilar impassível de ponderações.<br />

Em decorrência, entende o concubinato não como uma entidade familiar,<br />

significando o art. i.727 do Código Civil uma norma de exclusão.<br />

Com forte raiz católica e gozando de grande prestígio em um primeiro<br />

período histórico no direito nacional, nega essa diretriz qualquer<br />

direito ao concubino conhecedor de sua condição 35 •<br />

O posicionamento ora externado ganha ainda mais fôlego mediante<br />

a observância, em uma análise sistemática do direito posto,<br />

das vedações postas ao concubinato no próprio Código de 2002, as<br />

quais já foram abordadas neste capítulo 36 •<br />

Tal linha mais conservadora já foi adotada, até mesmo, por um<br />

dos órgãos mais vanguardistas do país, conforme ementa do Tribunal<br />

de Justiça do Rio Grande do Sul, datada de 2005:<br />

União Estável - Matrimônio Hígido - Concubinato - Relacionamento<br />

simultâneo. Embora a relação amorosa, é vasta a<br />

prova de que o varão não se desvinculou do lar matrimonial,<br />

permanecendo na companhia da esposa e familiares. Sendo<br />

o sistema monogâmico e não caracterizada a união putativa,<br />

o relacionamento lateral não gera qualquer tipo de direito.<br />

(TJRS, AP 70010075695)<br />

b) Segunda Tese: Monetarização do Afeto e Tratamento em Sede<br />

Obrigacional<br />

Confere ao concubino, de forma pioneira, a oportunidade de titular<br />

direitos. Todavia, o faz na seara patrimonial, negando a tal figura<br />

status de entidade familiar. Aplica a tese da sociedade de fato no<br />

momento da dissolução do concubinato. Revitaliza a Súmula 380 do<br />

35. Seguindo esta mesma linha, verifica o dito pelo Professor Paulo Lobô (Op. Cit. p.<br />

165).<br />

36. Neste ponto, objetivando-se sistematização, opta-se pela não repetição de tais<br />

vedações, as quais. repisa-se, foram noticiadas neste capítulo.<br />

293


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Supremo Tribunal Federal 37 - a qual fora editada ainda à época na<br />

qual o concubinato tinha significação ampla e para aplicação em seu<br />

viés puro - para lhe fazer incidir no concubinato impuro.<br />

Impossibilita, portanto, a equiparação do concubinato à urnao<br />

estável e suas consequências jurídicas, fundando-se na noção de que<br />

aquele é um ilícito civil em sede de direito das famílias, violador do<br />

paradigma da monogamia. Atribui-se ao afeto caráter patrimonial e<br />

monetário, dividindo-se o amor em cotas e desconsiderando-se por<br />

completo os momentos de carinho, dignidade e harmonia vivenciados<br />

pelos consortes. A divisão recai sobre o patrimônio amealhado<br />

como fruto do esforço comum (aquestos), em atenção ao princípio<br />

da vedação ao enriquecimento sem causa e promoção do solidarismo<br />

38. Sobre o tema, assevera o Superior Tribunal de Justiça39:<br />

[ ... ] admite o entendimento pretoriano a possibilidade de<br />

dissolução da sociedade de fato, ainda que um dos concubinas<br />

seja casado, situação, aliás, não impeditiva da aplicabilidade<br />

da súmula 380 do Supremo Tribunal Federal que,<br />

no entanto, reclama haja patrimônio, cuja partilha se busca,<br />

tenha sido adquirido pelo uesforço comum" (STJ, AC., 4 Turma,<br />

REsp 257115/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 29.06.04, DJU<br />

04.10.04)<br />

Ainda em clara monetarização do afeto, aliado à premissa de<br />

vedação ao enriquecimento sem causa de uma das partes, os adeptos<br />

desta corrente sustentavam a possibilidade de deferimento de<br />

indenização à concubina por serviços domésticos prestados. o argumento<br />

ganhava ainda mais força naquelas hipóteses em que não há<br />

aquestos aptos a ser dividido.<br />

37. A referida súmula já foi tratada, transcrita e aprofundada neste capítulo.<br />

38. o Projeto de Lei 6960/02, o qual tem como escopo vasta alteração do Código Civil,<br />

pretende modificar a redação do art. i727, passando a prever que, em havendo<br />

comprovação da sociedade de fato. se aplique ao concubinato as regras pertinentes<br />

ao contrato de sociedade, na trilha do entendimento esposado.<br />

39. Conferir, no próprio STJ e no mesmo sentido o REsp 47.103-SP de 1995 e o REsp<br />

229.o69-SP, 2005.<br />

40. Sobre o tema conferir também precedente, na mesma linha, da Casa Judicial<br />

Gaúcha, de 2005: TJRS, AP 70011093481.<br />

194


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

~ Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

Citam-se julgamentos sobre o tema:'º<br />

São indenizáveis os serviços prestados pela concubina durante o período<br />

de vida em comum com seu amásio. (STJ, REsp 14.476-SP, 1991).<br />

Concubinato - Relação extraconjugal mantida por longos anos - Vida em<br />

comum configurada ainda que não exclusivamente - Indenização por<br />

serviços domésticos. Pacífica é a orientação das Turmas das 2 Secção do<br />

STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina<br />

ao companheiro durante o período de relação, direito que não é<br />

esvaziado pela dupla vida em comum, com a esposa e a companheira,<br />

por período superior a trinta anos. Pensão devida durante o período de<br />

concubinato até o óbito do concubino. (STJ, 4 T, REsp 303.6o4/SP. Rei. Min.<br />

Aldir Passarinho Júnior. DPJ 23.06.2003)<br />

A tese vem sofrendo duras críticas doutrinárias", por ser demasiadamente<br />

patrimonialista. As vozes defensoras de mudança trazem<br />

à baila uma terceira via, a qual passa a ser enunciada e enfrentada.<br />

c) Terceira Corrente: Efeitos Familiares às Relações Concubinárias<br />

A geração de efeitos jurídicos familiares às relações concubinárias<br />

não vem sendo de todo descartada, sendo escutadas vozes defensoras<br />

da tutela familiar, com base no princípio do pluralismo e<br />

defesa da dignidade da pessoa humana.<br />

O concubinato é capaz de gerar grandes laços de afeto, dos quais<br />

decorrem filhos e patrimônio como frutos da socioafetividade•'. Não<br />

reconhecer os efeitos familiares a tais entidades, lastreando o posicionamento<br />

apenas sobre a sociedade de fato para fins obrigacionais,<br />

equivale, para aqueles que advogam esta ideia, negar dignidade<br />

aos entes desta família, levando a indevida exclusão jurídica.<br />

Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça, em 2005 e em um<br />

precedente baiano, já entendeu pelo fracionamento de valores<br />

41. Nesse mesmo sentido, consultar Paulo Lobo (Op. Cit., p. 166) e Maria Berenice<br />

Dias (Op. Cit. p. 172).<br />

42. Na mesma linha conferir Maria Berenice Dias (Op. Cit. p. 161).<br />

295


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

oriundos de seguro de vida realizado por homem casado em favor<br />

da concubina, mitigando a vedação codificada. Segue a ementa 43 :<br />

lnobstante a regra protetora da família, consubstanciada nos<br />

arts. 1474. 1.177 e 248, IV, da lei substantiva civil, impedindo<br />

a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de<br />

vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos,<br />

que demonstra espécie de "bigamia", em que o extinto<br />

mantinha-se ligado à família legítima e concubinária, tendo<br />

prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica,<br />

atendendo-se a melhor aplicação do direito. Recurso conhecido<br />

e provido em parte, para determinar o fracionamento,<br />

por igual, da indenização securitária. (STJ, 4 T, REsp 742685/RJ,<br />

Rei. Min, José Arnaldo da Fonseca, J. 04.08.2005)<br />

o Superior Tribunal de Justiça, em outro precedente baiano<br />

também datado de 2005, já decidiu pela possibilidade de partilha<br />

do benefício previdenciário entre a concubina e a esposa. ln<br />

verbis:<br />

Pensão previdenciária - Partilha da pensão entre viúva e<br />

concubina - Coexistência de vínculo conjugal e a não separação<br />

de fato da esposa - Concubinato impuro de longa<br />

duração - "Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo"<br />

- Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime<br />

no plano de assistência social - Recurso especial não<br />

conhecido. (STJ, REsp 100888/BA, Rei. Min. Aldir Passarinho<br />

Júnior, J. 04.08.2005)<br />

Segundo os defensores desta terceira tese, seria o momento atual<br />

uma fase de rompimento - tentativa de superação de paradigmas<br />

- na qual o enquadramento dos efeitos das relações concubinárias<br />

transborda a seara do patrimônio e ingressa na familiar«. O raciocínio,<br />

malgrado sedutor, encontra graves obstáculos de ordem moral<br />

e jurídica: aquela é abalada quando o Estado chancela relações<br />

extraconjugais; e esta ao ir de encontro à estabilidade das relações<br />

afetivas legitimadas pelo direito.<br />

43. Sobre o tema conferir ainda o precedente do Tribunal de justiça Paranaense<br />

(TjPR, 4. C Cív. AC 115.277-6. Rei. Des. josé Wanderley Resende. j. 03.04.2002).<br />

44. Fazendo expressa menção a esta fase de rompimento. verificar julgamento da<br />

Casa judicial Gaúcha relatado pelo Desembargador Luiz Felipe Brasil: TjRS. 7 C. Cív.<br />

AC 70003959640. Rei. Luiz Felipe Brasil Santos. J. 10.04.02.<br />

296


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

Além disso, o ideal de que tal reconhecimento promoveria dignidade<br />

e proteção ao afeto é, ao menos, dúbio, pois poderia se<br />

perguntar dignidade e afeto de quem? Do concubino ou do esposo<br />

ou companheiro cuja relação é tutelada pelo direito e legitimada<br />

pelo Estado?<br />

d) Predominância no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal<br />

de Justiça: Qual a tese?<br />

Diante de tantas teses, qual deverá ser adotada nas provas, por<br />

retratar o atual posicionamento das Casas Judiciais de cúpula no<br />

Brasil?<br />

~ Como se pronunciou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

O Supremo Tribunal Federal, em 2oo8, vedou a divisão de pensão entre<br />

a esposa e a concubina de um servidor público, por ser impossível o<br />

reconhecimento de famílias paralelas pelo direito. o posicionamento foi<br />

externado no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 397-762, oriundo<br />

do Estado da Bahia e relatado pelo Ministro Marco Aurélio (Informativo<br />

Jurisprudencial de número 509). Transcreve-se a ementa:<br />

RE N. 397.762-BA<br />

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO<br />

COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito<br />

uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos,<br />

expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel.<br />

UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado<br />

à união estável alcança apenas as situações legítimas<br />

e nestas não está incluído o concubinato.<br />

PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREI­<br />

TO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento<br />

de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo<br />

ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento<br />

de divisão a beneficiar, em detrimento da família,<br />

a concubina.<br />

Agora em 2009, com expressa menção ao supracitado julgamento<br />

de 2008, o Supremo Tribunal Federal manteve o mesmo entendimento.<br />

A notícia restou veiculada na análise do RE 590779/ES, relatado<br />

pelo Ministro Marco Aurélio (Informativo Jurisprudencial 535). Neste<br />

297


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

acórdão, o Supremo Tribunal Federal reformou decisão do Juizado<br />

Especial Federal de Vitória, afirmando a impossibilidade do rateio<br />

da pensão por morte entre o cônjuge supérstite e o concubino, por<br />

impossibilidade de configuração de famílias paralelas legitimadas<br />

pelo direito. Cita-se:<br />

A Turma, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário<br />

no qual esposa questionava decisão de Turma Recursai dos<br />

Juizados Especiais Federais de Vitória-ES, que determinara o<br />

rateio, com concubina, da pensão por morte do cônjuge, tendo<br />

em conta a estabilidade, publicidade e continuidade da união<br />

entre a recorrida e o falecido. Reiterou-se o entendimento firmado<br />

no RE 397762/BA (DJE de n.9.2oo8) no sentido da impossibilidade<br />

de configuração de união estável quando um dos<br />

seus componentes é casado e vive matrimonialmente com o<br />

cônjuge, como na espécie. Ressaltou-se que, apesar de o Código<br />

Civil versar a união estável como núcleo familiar, excepciona<br />

a proteção do Estado quando existente impedimento para<br />

o casamento relativamente aos integrantes da união, sendo<br />

que, se um deles é casado, esse estado civil apenas deixa de<br />

ser óbice quando verificada a separação de fato. Concluiu-se,<br />

dessa forma, estar-se diante de concubinato (CC, art. i.727) e<br />

não de união estável. Vencido o Min. Carlos Britto que, conferindo<br />

trato conceituai mais dilatado para a figura jurídica da<br />

família. desprovia o recurso ao fundamento de que, para a<br />

Constituição, não existe concubinato, mas companheirismo. (RE<br />

590779/ES, rei. Min. Marco Aurélio, io.2.2009. (RE-590779)<br />

Neste último caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal havia<br />

relação concubinária há mais de três décadas, estável e com filhos.<br />

Mesmo assim, manteve esta Egrégia Casa o entendimento no sentido<br />

de que a família protegida constitucionalmente é a matrimonial e<br />

companheira. Cumpre salientar que o, á época Ministro Carlos Ayres<br />

Brito, foi vencido, por entender que "se há um núcleo doméstico estabilizado<br />

no tempo é dever do Estado ampará-lo, como se entidade<br />

familiar o fosse".<br />

~ Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

Não é diversa a linha seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, trilhando<br />

também o entendimento segundo o qual não há direitos pertinentes às<br />

relações familiares entre os concubinos. No mesmo ano de 2009, especificamente<br />

no mês de março, é possível encontrar dois julgamentos sobre<br />

o tema, cujas ementas restam transcritas abaixo:<br />

298


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

PENSÃO POR MORTE. CONCUBINA.<br />

A concubina mantinha com o de cujus, homem casado,<br />

um relacionamento que gerou filhos e uma convivência<br />

pública. Porém, a jurisprudência deste Superior Tribunal<br />

afirma que a existência de impedimento de um dos companheiros<br />

para se casar, como, por exemplo, a hipótese<br />

de a pessoa ser casada, mas não separada de fato ou<br />

judicialmente, obsta a constituição de união estável. Assim,<br />

na espécie, não tem a agravante direito à pensão<br />

previdenciária. A Turma, por maioria, negou provimento<br />

ao agravo. Precedentes citados do STF: MS 2i..449-SP, DJ<br />

17/11/1995; do STJ: REsp 532.549-RS, DJ 20/6/2005, e REsp<br />

684.407-RS, DJ 22/6/2005. AgRg no REsp 1.016.574-SC, Rei.<br />

Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2009.<br />

CONCUBINATO. PENSÃO. MORTE.<br />

A recorrida, por cerca de 28 anos, manteve com o segurado<br />

relação amorosa tida por adulterina (visto ser ele<br />

casado com outra mulher), situação que perdurou até a<br />

morte dele. Anote-se que não houve separação de fato<br />

durante o casamento (que durou 30 anos até o óbito),<br />

que sempre seguiu sem nenhum transtorno ao desconhecer-se<br />

essa outra relação oculta, bem como o fato<br />

de que, ao mudar de cidade com a esposa e filhos, o<br />

de cujus preservou a relação adulterina ao providenciar,<br />

também, a remoção da recorrida para a nova cidade.<br />

Com o falecimento, a recorrida, ao alegar ter sempre<br />

vivido sob a dependência econômica do falecido, buscou<br />

receber, em rateio com os demais dependentes, a<br />

pensão previdenciária. Diante disso, o Min. Nilson Naves,<br />

Relator originário, ao repesar o teor das Súmulas ns. 380<br />

e 382 do STF, bem como precedente do STJ, entendeu que<br />

o acórdão ora recorrido, diante dos fatos acima descritos,<br />

adotou a melhor solução: proteger a boa-fé da<br />

concubina resultante da longa relação, sem ofender as<br />

Leis ns. 8.213/1991 e 9.278/1996, que sequer foram expressamente<br />

tratadas no acórdão recorrido. Sucede que,<br />

mediante o voto de desempate do Min. Paulo Gallotti,<br />

prevaleceu o entendimento adotado pelo Min. Hamilton<br />

Carvalhido, que, após resgatar a evolução da legislação<br />

299


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

sobre o tema, firmou que o concubinato impuro, concubinagem<br />

ou concubinato adulterino (simultâneo à relação<br />

de casamento) mantém-se à margem da legislação previdenciária.<br />

De acordo com esse entendimento, a proteção<br />

da lei submete-se ao reconhecimento da união estável,<br />

que exige, tal como apregoado pela jurisprudência, que<br />

ambos (segurado e companheira) sejam solteiros, separados<br />

de fato ou judicialmente, divorciados ou viúvos,<br />

além de conviverem em uma entidade familiar, ainda que<br />

não sob o mesmo teto. Assim, estão excluídas as situações<br />

de concomitância, de simultaneidade de relação<br />

marital e de concubinato, como a da hipótese em questão.<br />

Precedentes citados: REsp 362.743-PB, DJ 11/10/2004,<br />

e AgRg no REsp 628.937-RJ, DJ 2713/2006. REsp 674.176-PE,<br />

Rei. originário Min. Nilson Naves, Rei. para acórdão Min.<br />

Hamilton Carvalhido, julgado em 17/3/2009.<br />

Observa-se que em ambas as situações a relação paralela àquela legitimada<br />

pelo Estado já subsistia há mais de duas décadas e, ainda assim,<br />

foi entendido que não haveria de se conceder efeitos familiares a tais<br />

enlaces.<br />

Ressalta-se, porém, que a negativa é de conferir efeitos familiares<br />

às relações concubinárias, sendo plenamente possível a atribuição<br />

de efeitos patrimoniais nos moldes da sociedade de fato e consoante<br />

a súmula 380 do STF, como já posto neste trabalho. Todavia, avançando<br />

na linha da tutela obrigacional, o Superior Tribunal de Justiça<br />

não mais vem deferindo a já mencionada indenização por serviços<br />

prestados. O argumento de exclusão da verba é simples. Como pode<br />

o concubino receber a aludida indenização, enquanto a esposa e a<br />

companheira, quando da dissolução do vínculo, não a recebem?<br />

O deferimento da mencionada verba vinha afrontando, de sobremaneira,<br />

a isonomia. Pior: privilegiava a família ilegítima (concubina)<br />

em face das legitimadas (casamentaria e decorrente da união<br />

estável), ao passo que àquela tinha direito à aludida indenização,<br />

enquanto estas não o tinham.<br />

Como se posiciona o Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto?<br />

Desde 2012 o Superior Tribunal de Justiça, por reiteradas oportunidades,<br />

vem afastando a aludida indenização por serviços prestados,<br />

300


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

mantendo, porém, a aplicação da Súmula 38o do Supremos Tribunal<br />

Federal.<br />

Cita-se um julgado recente a título de exemplo:<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 535.<br />

OMISSÃO. INEXIST~NCIA. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO CONCUBINÁ­<br />

RIA ENTRE A AUTORA E O FALECIDO. PARTILHA DE BENS. NÃO COMPRO­<br />

VAÇÃO DE ESFORÇO COMUM PARA A AQUISIÇÃO DO PATRIMÔNIO. INDE­<br />

NIZAÇÃO. SERVIÇOS PRESTADOS. DESCABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL<br />

A QUE SE NEGA PROVIMENTO COM APLICAÇÃO DE MULTA.<br />

i. Não caracteriza omissão quando o tribunal adota outro<br />

fundamento que não aquele defendido pela parte. Destarte,<br />

não há que se falar em violação do art. 535, do Código de<br />

Processo Civil, pois o tribunal de origem dirimiu as questões<br />

pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha<br />

examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos<br />

pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que<br />

decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não<br />

sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados<br />

preceitos legais.<br />

2. o Tribunal de origem erigiu seu entendimento totalmente<br />

calcado nas provas dos autos, valendo-se delas para afastar a<br />

existência de união estável, bem como a ausência de contribuição<br />

direta da agravante, com o objetivo de meação dos bens.<br />

Rever os fundamentos que ensejaram esse entendimento exigiria<br />

reapreciação do conjunto probatório, o que é vedado<br />

em recurso especial. Incidência do enunciado da Súmula 7/STJ.<br />

3. Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera<br />

relacionamento com homem casado, uma vez que tal<br />

providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado<br />

que o existente no casamento e na união estável, tendo<br />

em vista que nessas uniões não se há falar em indenização<br />

por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente,<br />

de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição<br />

mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios<br />

ambos experimentam ainda na constância da união.<br />

4. Agravo regimental a que se nega provimento com aplicação<br />

de multa.<br />

(AgRg no AREsp 249761 / RS. Relator Ministro LUIS FELIPE SALO­<br />

MÃO. T4 - QUARTA TURMA. julgado em 28/05/2013).<br />

301


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

2.2.2 Novos Rumos à Tutela Jurisdicional das Relações Concubinárias.<br />

A União Estável Putativa e o Concubinato Consentido<br />

Explicitada as três teses existentes no direito nacional, recheada<br />

dos seus argumentos doutrinários e jurisprudenciais, bem como visto<br />

o posicionamento dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, uma<br />

indagação deve ser feita: o caminho atualmente percorrido pelo Superior<br />

Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal é o que deve,<br />

hoje, prevalecer no Brasil?<br />

A pergunta se impõe haja vista que são muitas as notícias de<br />

decisões de Juízos singulares e Tribunais tutelando as relações concubinárias,<br />

conferindo status familiares como alimentos, meação e<br />

pensões.<br />

Afinal, como proceder?<br />

Em uma linha construtivista, defendemos que os efeitos obrigacionais<br />

das relações concubinárias sempre devem existir, ao passo<br />

que a vedação ao enriquecimento sem causa impõe a divisão do patrimônio<br />

comum amealhado pelas partes no decorrer dessa relação<br />

concubinária.<br />

Alinha-se em coro este trabalho, portanto, com aqueles que revitalizam<br />

os efeitos da Súmula 38o do Supremo Tribunal Federal e<br />

atribuem à relação de concubinato as decorrências relativas à sociedade<br />

de fato.<br />

Tal posicionamento funda-se no ideal de que, em regra, não é<br />

possível o reconhecimento familiar de união paralela àquela legitimada<br />

pelo ente estatal, até mesmo em atenção à necessidade de<br />

estabilizar as relações sociais.<br />

De mais a mais, pensamos, igualmente, que não é possível o deferimento<br />

de indenização por serviços prestados, pois não é crível<br />

que tenha o concubinato proteção maior do que a da família regular.<br />

O dito aqui, inclusive, é o posicionamento hoje defendido pelo<br />

Superior Tribunal de justiça e Supremo Tribunal Federal, conforme<br />

amplamente verificado neste capítulo. Registra-se que não há<br />

aqui qualquer alusão à necessidade de observância do catolicismo<br />

ou influências morais extremas. O que existe é o cuidado com a ·<br />

302


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

estabilidade das relações jurídicas, as quais devem ser tuteladas e<br />

blindadas para que cumpram o seu devido papel.<br />

Demais disto, não se defende a necessidade de atribuição dos<br />

efeitos familiares a tais enlaces, por tutela a dignidade da pessoa<br />

humana e proteção ao afeto. Isto, porque, se entende, na ponderação<br />

de interesses, tão importante ou mais importante quanto à dignidade<br />

do amante e seu afeto, a dignidade e afeto do companheiro<br />

ou esposo, cuja relação é legitimada pelo Estado.<br />

Essa noção, porém, não é absoluta, como qualquer ideal em direito.<br />

É possível a sua mitigação a partir das especiais condições do<br />

caso concreto, ao passo que as relações afetivas humanas envolvem<br />

as infindáveis complexidades e subjetividades.<br />

Assim, há, ao menos, duas situações em que entendemos que já<br />

se pode, a priori, falar-se em direitos de família à(o) amásia(o). o<br />

dito a partir daqui, porém, é minoritário no Brasil, não sendo o defendido<br />

pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal,<br />

malgrado já haver decisões em Tribunais Estaduais.<br />

Vamos aos casos!<br />

a) A União Estável Putativa<br />

No vigente Código Civil verifica-se a possibilidade do casamento<br />

putativo, o qual consiste no matrimônio inválido cujos efeitos são<br />

resguardados para o cônjuge e filhos, desde que estejam de boa<br />

fé45.<br />

Malgrado o dispositivo versando sobre o casamento putativo,<br />

não há no Código Civil artigo dedicado à união estável putativa, na<br />

qual há um terceiro desconhecedor de sua condição de amante. A<br />

questão que se coloca é justamente saber se o terceiro de boa-fé,<br />

que imagina estar em união estável por ser desconhecedor dos seus<br />

impedimentos, poderia ser contemplado com direitos decorrentes<br />

de uma união estável (putativa)?<br />

Seguindo o sistema codificado que, pautado na ética, conflui para<br />

a necessidade de tutela ao terceiro de boa-fé, pensamos que se<br />

45. Indica-se a leitura do art. 1.561 do Código Civil.<br />

303


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

impõe a resposta positiva. Destarte, na união estável putativa há de<br />

se falar em vício de consentimento a atingir o terceiro, seja decorrente<br />

de erro seu, ou até mesmo dolo da outra parte, ao passo que<br />

este terceiro é desconhecedor de sua real condição jurídica.<br />

Nesta linha doutrinária não estamos sozinhos. A defesa do terceiro<br />

de boa-fé na união estável encontra acolhimento no Brasil na<br />

doutrina de Rolf Madaleno 46 , Cristiano Chaves de Farias e Nelson<br />

Rosenvald• 1 • dentre outros. Também há jurisprudência acolhendo o<br />

dito, como demonstram as ementas abaixo transcritas do Tribunal de<br />

Justiça Gaúcho e Carioca•ª:<br />

UNIÃO ESTÁVEL. SITUAÇÃO PUTATIVA. AFFECTIO MARITALIS. NOTO­<br />

RIEDADE E PUBLICIDADE. DO RELACIONAMENTO. BOA-Ft DA COMPA­<br />

NHEIRA. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. JUNTADA DE DOCU­<br />

MENTOS COM A APELAÇÃO. DESCABIMENTO.<br />

i. Descabe juntar com a apelação documentos que não sejam<br />

novos ou relativos a fatos supervenientes. Inteligência do art.<br />

397 do CPC.<br />

2. Tendo o relacionamento perdurado até o falecimento do<br />

varão e se assemelhado a um casamento de fato, com coabi·<br />

tação, clara comunhão de vida e interesses, resta induvidosa<br />

o affectio maritalis.<br />

3. Comprovada a notoriedade e a publicidade do relaciona·<br />

mento amoroso havido entre a autora e o de cujus, é cabível<br />

o reconhecimento da união estável putativa, quando fica demonstrado<br />

que a autora não sabia do relacionamento para·<br />

leio do varão com a mãe da ré. Recurso Provido.<br />

(Apelação Cível n 70025094707, 7 Câmara Cível do TJ/RS. Relator:<br />

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado<br />

em 22/10/2008)<br />

Ação de alimentos. Face à induvidosa situação de dependência<br />

financeira, mostra-se adequada a fixação de alimentos<br />

46. Op. Cit. p. 819.<br />

47. Op. Cit. p. 399.<br />

48. Ainda sobre o tema, confira os seguintes precedentes gaúchos: AP 70015693476, 8<br />

Câmara Cível do TJ/RS, Rei. Min. Rui Portanova; TJRS, 7 C Cív. AC 70016969552. Rei.<br />

Des. Maria Berenice Dias. J. o6.12.2oo6; AP 7oo6o46122, 8 Câmara Cível do TJ/RS, Rei.<br />

Min. Rui Portanova; TJRS, 4 C. Cív. EI 7001770962. Rei, Des. Claudir Fidélis Faccenda.<br />

J. 09.03.2007 e AP 2008.0001.18825, TJ/RJ, Relator: Des. André Andrade.<br />

304


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

em favor da concubina, mesmo quando seu companheiro<br />

encontra-se casado. Configuração de situação análoga à<br />

união estável, que merece proteção estatal, em nome do<br />

princípio da dignidade da pessoa humana. O direito não há<br />

de proteger aquele que se vale de situação à margem da lei,<br />

a qual deu causa, em detrimento da pane adversa. Recurso<br />

provido em pane, por maioria, vencido o revisor. (TJRS, 8 e.<br />

Cív., AI 70010698074, Rei. Des. Catarina Rita lirieger Manins, J.<br />

07.04.2005).<br />

Como se posiciona o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

Todavia, apesar dos precedentes supracitados, o Superior Tribunal<br />

de Justiça vem asseverando entendimento contrário, não reconhecendo<br />

efeitos familiares em tais situações; in verbis:<br />

União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes.<br />

Equiparação ao casamento putativo. Lei n° 9.728/96.<br />

i. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher,<br />

o posterior relacionamento com outra, sem que se haja<br />

desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como<br />

se fossem marido e mulher, não há como configurar união<br />

estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento<br />

putativo.<br />

2. Recurso especial conhecido e provido.<br />

(REsp 789.293/RJ, Rei. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREI­<br />

TO, TERCEIRA TURMA, julgado em<br />

16.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 271)<br />

Nessa ordem de ideias, para as provas deve ser acolhido, preponderantemente,<br />

o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça,<br />

sendo mencionada a doutrina contrária apenas em questões subjetivas<br />

e/ou específicas.<br />

b) O Concubinato Consentido<br />

Outra situação jurídica na qual resta cristalizada a figura do terceiro<br />

de boa-fé, não ofensor da relação legitimada pelo Estado,<br />

é quando se verifica um triângulo amoroso, no qual todos partícipes<br />

assentem com os relacionamentos múltiplos. Há um triângulo,<br />

305


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

quarteto, quinteto, sexteto ... enfim, uma relação amorosa plural na<br />

qual todos consentem previamente.<br />

Neste caso pensamos que não cabe ao Estado interierir, ao passo<br />

que consiste em relação de índole privada, a qual deve ser guiada<br />

pela autonomia negocial, principalmente por ser o Estado laico e não<br />

consistir a monogamia em princípio constitucional. Nessa senda, devem<br />

ser reconhecidas as uniões estáveis paralelas, como já externou<br />

Tribunal de Justiça Gaúcho:<br />

A 8• Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um<br />

cidadão viveu duas uniões afetivas: com a sua esposa e com<br />

uma companheira. Assim, decidiram repartir 5oºk do patrimônio<br />

imóvel. adquirido no período do concubinato, entre<br />

as duas. A outra metade ficará, dentro da normalidade, com<br />

os filhos. A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da<br />

análise das especificidades do caso.<br />

A companheira entrou na Justiça com Ação Ordinária de Partilha<br />

de Bens contra a esposa e filho do falecido.<br />

Alegou que manteve relacionamento público e notório com<br />

ele entre i970 e i998.<br />

o relator, Desembargador Rui Portanova, concedeu apenas<br />

em parte o pedido da autora pois "não há como retirar dos<br />

filhos o direito de herança ou totalmente da esposa o seu<br />

direito de meação". Assim, declarou que a companheira tem<br />

direito a 25°k do patrimônio imóvel adquirido pelo falecido<br />

durante a existência do concubinato.<br />

A companheira vivia em Santana do Livramento e também<br />

teve um filho com o cidadão. Já a família legalizada vivia em<br />

São Gabriel. Para o magistrado, apesar de não se aplicar o<br />

novo Código Civil diretamente, a situação é prevista no artigo<br />

i.727. Para ele. o novo Código Civil não proibiu o concubinato.<br />

"Agora é possível dizer que o novo sistema do direito<br />

de família se assenta em três institutos: um, preferencial e<br />

longamente tratado, o casamento; outro, reconhecido e sinteticamente<br />

previsto, a união estável; e um terceiro, residual,<br />

aberto às apreciações caso a caso, o concubinato", afirmou.<br />

Para o Desembargador Portanova, "a experiência tem demonstrado<br />

que os casos de concubinato apresentam uma<br />

série infindável de peculiaridades possíveis". Avaliou que se<br />

306


<strong>DIREITO</strong> CONVIVENCIAL<br />

pode estar diante da situação em que o trio de concubino<br />

esteja perteitamente de acordo com a vida a três. No caso,<br />

houve uma relação "não eventual" contínua e pública, que<br />

durou 28 anos, inclusive com prole, observou.<br />

"Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa<br />

e o filho do casamento sequer negam os fatos - pelo contrário,<br />

confirmam; é quase um concubinato consentido."<br />

O Desembargador José Ataides Siqueira Trindade acompanhou<br />

as conclusões do relator, ressaltando a singularidade<br />

do caso concreto: "Não resta a menor dúvida que é um caso<br />

que foge completamente daqueles parâmetros de normalidade<br />

e apresenta particularidades específicas, que deve merecer<br />

do julgador tratamento especial".<br />

Já o Desembargador Alfredo Guilherme Englert, que presidiu<br />

a sessão ocorrida em 27/2. acompanhou também, nas conclusões,<br />

o relator.<br />

c.o.s.<br />

A tendência, porém, também neste campo, é a negativa do Superior<br />

Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, por conta do<br />

mesmo entendimento externado no tópico da união estável putativa,<br />

fulcrado na impossibilidade de famílias paralelas.<br />

Mais uma vez deverá o futuro aprovado fica atento nos certames<br />

concursais.<br />

307


Capítulo IV<br />

Parentesco<br />

Sumário • i. O Parentesco sob a Lente da Constituição<br />

Federal. 2. O conceito de Parentesco e a<br />

Importância do Assunto. 3. Vínculo Parental: linhas<br />

e graus. Modalidades. 4. Filiação. 4.1. Gestação de<br />

útero Alheio. 4.1.1. O caso "Baby M" - New Jersey<br />

(EUA). 4.i.2. A pluriparentalidade ou multiparentalidade:<br />

teoria tridimensional da filiação. 4.2. Sistema<br />

de presunção de filiação. 4.3. Investigação de<br />

paternidade. 4.3.1. Competência para processar e<br />

julgar a ação de investigação de paternidade. 0 .2.<br />

A questão dos alimentos ante a investigação de paternidade.<br />

4.3.3. O Exame de DNA e a investigação<br />

de paternidade. 4·3-4· O procedimento administrativo<br />

de averiguação oficiosa. 4.3.5. Litisconsórcio passivo<br />

facultativo e a exceptio plurium concubentium<br />

(exceção de múltiplos relacionamentos). Questões<br />

Processuais. 4.3.6. Prova ilícita: art. 5°, inciso LVI, da<br />

Constituição. 4.3.7. A coisa julgada na investigação<br />

de paternidade. 4.4. Parto anônimo. 4.5. Ação contestatória<br />

ou negatória de paternidade. 5- A socioafetividade<br />

e a filiação. 6. Reconhecimento de filhos<br />

extraconjugais ou extraconvivenciais. Reconhecimento<br />

voluntário de filiação. A perfilhação.<br />

1. O PARENTESCO SOB A LENTE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.<br />

Segundo Maria Helena Diniz' o parentesco é a relação vinculatória<br />

existente não só entre pessoas que descendem umas das outras,<br />

ou de um mesmo tronco comum, mas também entre um cônjuge ou<br />

companheiro e os parentes do outro, entre adotante e adotado e<br />

entre pai institucional e filho socioafetivo.<br />

Sem o menor laivo de dúvidas, a Constituição Federal alterou<br />

significativamente a forma de se enxergar as relações de parentesco.<br />

1. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26• Ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2011, p.467.<br />

309


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

De um lado, o garantismo e a solidariedade social previstos na Lex<br />

Fundamenta/is; e, de outro, a modificação dos usos e costumes, importaram<br />

na superação da perspectiva exclusivamente biologizada<br />

das relações familiares. Se, outrora, imaginava-se que os vínculos<br />

parentais eram apenas aqueles decorrentes dos laços de sangue,<br />

hoje o desenvolvimento científico, atrelado à nova perspectiva paradigmática<br />

constitucional, permitem uma releitura do instituto civil<br />

do parentesco.<br />

Nessa toada, passa-se a admitir vínculos parentais para além do<br />

sangue, tais como aqueles decorrentes dos laços afetivos e civis. A<br />

isto a doutrina denomina a desbiologização do direito de família.<br />

Nesta linha, vaticina o art. i.593 do CC que: "O parentesco é natural ou<br />

civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem". Trata­<br />

-se de preceito diretamente harmônico com o art. 226, § 7° da Constituição<br />

Federal, o qual assegura os "mesmos direitos", tanto aos filhos<br />

havidos no casamento, quanto aos filhos extraconjugais.<br />

A doutrina é firme neste entendimento, como se ilustra pela teia<br />

do Enunciado 339 da Jornada de Direito Civil, para o qual "A paternidade<br />

socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em<br />

detrimento do melhor interesse do filho".<br />

Soma-se a isto a redação do Enunciado 103 da Jornada de Direito<br />

Civil "O Código Civil reconhece, no artigo 1593, outras espécies de parentesco<br />

civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção<br />

de que há também parentesco civil no vinculo parental decorrente<br />

das técnicas de reprodução assistida heretóloga relativamente ao pai<br />

(ou a mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da<br />

paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho".<br />

Está claro para a doutrina este novo sistema aberto, plural e<br />

democratizante das relações de parentesco, afinal de contas para<br />

ter família é preciso haver tão somente afeto, ética, dignidade e<br />

solidariedade. Talvez por isto, o Enunciado 256 da Jornada de Direito<br />

Civil reconheça que "A posse do estado de filho (parenta/idade socioafetiva)<br />

constitui modalidade de parentesco civil".<br />

Em arremate, afirma agora o Enunciado 519 do CJF:"O reconhecimento<br />

judicial do vínculo de parentesco em virtude do socioafetividade<br />

deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s) com base na<br />

posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais".<br />

310


PARENTESCO<br />

Voltando para uma análise do direito legislado, infere-se que o<br />

Código Civil define quem são os parentes em linha reta (1.591) e<br />

quem são os parentes nas linhas colaterais ou transversais (1.592).<br />

Já aqui se observa o avanço sistemático na tendência à uniformidade<br />

e, ainda, a ideia de limitação da família na sociedade moderna ao<br />

colateral de quarto grau. Agora a família do Direito de Família se<br />

aproxima da Família do Direito Sucessório. Antes, no CC/16, não era<br />

assim. A família do Direito de Família vigente em 1916 envolvia os<br />

colaterais até o sexto grau (art. 331 do CC/16), quebrando a pureza<br />

sistemática. O atual Código inova para uniformizar nesta parte e, com<br />

isto, atender ao princípio da operabilidade do Direito Civil.<br />

~ De que forma este assunto vem sendo abordado em concurso público?<br />

(Analista Judiciário - TRE/BA - CESPE - 2010) Em linha colateral, o parentesco<br />

provém de um só tronco comum de pessoas, sem descenderem uma<br />

da outra, limitado pela lei ao sexto grau.<br />

Gabarito: errado.<br />

Outra novidade está no art. 1.593 do CC segundo o qual o parentesco<br />

pode ser decorrente de laço natural ou mesmo civil. Tal dispositivo<br />

resulta de um melhoramento feito pelo Senado ao projeto originário,<br />

o qual pecava ao falar em parentesco legítimo e ilegítimo. O art. 1594<br />

do CC orienta na contagem dos graus de parentesco, eliminando muitas<br />

dúvidas que o senso comum apresenta derredor do tema.<br />

~ Como a jurisprudência atual tem decidido estas questões?<br />

No Superior Tribunal de Justiça é pacífico o entendimento de que a socioafetividade<br />

pode ensejar relação de parentesco. Eis trecho de interessante<br />

julgado: ·o Superior Tribunal de Justiça ampliou a possibilidade<br />

de reconhecimento de relação de parentesco, nos moldes da moderna<br />

concepção de Direito de Familia. A pretensão dos autores de, através de<br />

declaratória, buscar estabelecer, com provas hábeis, a legitimidade e certeza<br />

da relação de parentesco não caracteriza hipótese de impossibilidade<br />

jurídica do pedidon (STJ, REsp. 326.136, Relatora Ministra Nancy Andrighi.<br />

DJU 20.o6.05). Interessantes julgados também são aqueles que envolvem<br />

a troca de bebês em maternidades, especialmente à vista da séria questão<br />

entre o parentesco afetivo e o biológico. O Superior Tribunal de Justiça<br />

possui julgado importante sobre o tema reconhecendo o damnum in<br />

re ipsa contra a maternidade onde a troca dos bebês aconteceu (REsp. n•<br />

355.392). Confira também o Supremo Tribunal Federal no RE n• 327143/PE).<br />

311


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• E na hora da prova?<br />

A banca examinadora FCC, no concurso para o cargo de Juiz Substituto<br />

- T]MS, ano de 2010, considerou verdadeira a assertiva: ·o parentesco<br />

é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou de outra<br />

origem".<br />

Carlos Roberto Gonçalves' adverte que preteritamente a CF/88<br />

os filhos de pais não casados entre si eram chamados de ilegítimos<br />

e podiam ser naturais ou espúrios. Naturais eram aqueles fruto de<br />

relacionamento entre pessoas desimpedidas de se casar; enquanto<br />

os espúrios eram fruto de relacionamento entre pessoas impedidas<br />

de se casar. Atualmente, o art. 227, §6° da CF proíbe qualquer forma<br />

de discriminação, inclusive no tocante à designações, impondo a<br />

igualdade ou isonomia filial.<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 3 sustentam até<br />

mesmo a possibilidade do "filho de criação ou da adoção à brasileira"<br />

ocorrida quando se registra, como seu, o filho de outrem, defendendo<br />

a impossibilidade, uma vez surgido o afeto, de se desconstituir<br />

esta paternidade. Os ilustres doutrinadores avançam para afirmar<br />

que, atualmente, existe um tríplice critério de parentalidade, a saber:<br />

(i) parentesco biológico, (ii) parentesco registrai e (iii) parentesco<br />

socioafetivo.<br />

2. O CONCEITO DE PARENTESCO E A IMPORTÂNCIA DO ASSUNTO.<br />

Inegavelmente, a configuração do parentesco acarreta importantes<br />

consequências jurídicas em todos os ramos do direito. No campo<br />

do Direito Administrativo, por exemplo, iluminado pela republicana e<br />

democrática noção de impessoalidade (art. 37, caput da CF/88), a relação<br />

de parentesco impede a nomeação de cônjuge, companheiro,<br />

parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau para o exercício<br />

de cargo, emprego ou função de confiança na mesma pessoa<br />

jurídica da autoridade nomeante.<br />

2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.339.<br />

3. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Editora JusPodivm, 2012, p.590.<br />

372


PARENTESCO<br />

~ Como o Supremo Tribunal Federal já decidiu o assunto?<br />

o princípio da impessoalidade tem sido aplicado na solução de várias<br />

questões envolvendo a administração pública, sendo notável o domínio<br />

da técnica do parentesco para solução desse conflito. Sobre o tema, vide<br />

no Supremo Tribunal Federal a súmula Vinculante 13:<br />

Súmula Vinculante n. 13: A nomeação de cônjuge, com·<br />

panheiro ou parente em linha reta, colateral ou por<br />

afinidade. até o terceiro grau, inclusive, da autoridade<br />

nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica in·<br />

vestido em cargo de direção, chefia ou assessoramento,<br />

para o exercício de cargo em comissão ou de confiança<br />

ou, ainda, de função gratificada na administração pública<br />

direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos<br />

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. compreen·<br />

dido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a<br />

Constituição Federal.<br />

Em síntese: no Direito Administrativo o princípio da im·<br />

pessoalidade, imposto ao Poder Público, nos termos do<br />

artigo 37, caput é induvidoso: "A administração público<br />

direta e indireto de qualquer dos Poderes da União, dos<br />

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos<br />

princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, pu·<br />

blicidade e efici~ncia [ ... r.<br />

Orlando Gomes 4 já advertia que o estudo do parentesco se revela<br />

juridicamente importante até mesmo para fins eleitorais. Esta ideia<br />

continua viva. De fato, no campo do Direito Eleitoral, o artigo 14,<br />

§1° da Constituição, que trata da inelegibilidade, atesta que certos<br />

parentes não podem disputar eleição para cargos ocupados por ou·<br />

tros parentes. Reza o aludido preceito que a soberania popular será<br />

exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com va·<br />

lor igual para todos, arrematando: serem inelegíveis, no território de<br />

jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins.<br />

até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de<br />

Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito<br />

ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao<br />

pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.<br />

4. Introdução ao Direito Civil - l


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como os tribunais estão entendendo isso?<br />

No Recurso Especial Eleitoral n• 9997/PB, o TSE levou em conta o parentesco<br />

por afinidade para detenninar a inelegibilidade de determinado<br />

candidato:<br />

CANDIDATA A PREFEITA. IRMA DE CONCUBINA DO ATUAL CHEFE<br />

DO EXECUTIVO MUNICIPAL. REGISTRO DE CANDIDATO. INELEGIBI­<br />

LIDADE. PARENTESCO (ART. 14, PARAGRAFO 7, DA CF).O PAREN­<br />

TESCO NATURAL E O QUE RESULTA DA CONSANGUINIDADE (ART.<br />

332, CC). A AFINIDADE GERALMENTE PREVISTA E A EM LINHA<br />

RETA (ART. 335, CC).A EXTENSAO DE AFINIDADE EM CONCUBI­<br />

NATO PARA INTEGRAR O CONCEITO DE FAMILIA AINDA NAO SE<br />

PERCEBE EM NOSSO <strong>DIREITO</strong>.<br />

A FAMILIA LEGITIMA E DECORRENTE DO CASAMENTO E SEUS<br />

DESCEDENTES. A NATURAL, QUALQUER DOS PAIS E SEUS DES­<br />

CENDENTES. PARENTES AFINS (ART. 14, PAR. 7, CF) SAO AQUE­<br />

LES RESULTANTES DA UNIAO NATURAL E ESTAVEL ENTRE HO­<br />

MEM E MULHER, EM SITUACAO ANALOGA A DOS CONJUGES.<br />

TRATANDO-SE DE AFINIDADE EM SEGUNDO GRAU COLATERAL E<br />

AFIM, FICA CLARA A INELEGIBILIDADE DA IRMA DA CONCUBINA.<br />

RECURSO CONHECIDO E NAO PROVIDO.<br />

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n° 9997, Acórdão n• 12678 de<br />

21/09/1992, Relator Ministro HUGO GUEIROS BERNARDES, Publicação:<br />

PSESS - Publicado em Sessão, Data 21/09/1992,<br />

Página 1)<br />

Por outro lado, no âmbito do Direito Processual Civil, também<br />

repercute o tema do parentesco, por exemplo, no que tange às cau ­<br />

sas de impedimento e suspeição (cf. artigos 134 a i38, do CPC); ou<br />

mesmo em relação ao impedimento da prática do ato citatório do<br />

cônjuge nos sete dias que sucederem a morte do outro (cf. artigo<br />

217, inciso 1, do CPC). Por outro lado, certos parentes são impedidos<br />

de serem ouvidos como testemunhas no processo (cf. artigo 405, §2°,<br />

inciso 1, do CPC).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 134 do CPC, no novo CPC (NCPC) passará a ser o art. 144.<br />

O art. 138 do CPC, no novo CPC (NCPC) passará a ser o art. 148.<br />

o art. 217, 1, do CPC, fora excluído do novo (NCPC).<br />

O art. 405 do CPC, no novo CPC NCPC passará a ser o art. 447, §2°, 1.<br />

314


PARENTESCO<br />

A norma processual proíbe a citação, salvo para evitar o perecimento<br />

do direito, ao cônjuge ou a qualquer parente do morto, consanguíneo<br />

ou afim, em linha reta, ou na linha colateral em segundo<br />

grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes. É o tempo<br />

do luto familiar.<br />

Ainda em termos de processo civil não podem depor como o cônjuge,<br />

bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou<br />

colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade<br />

ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando­<br />

-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de<br />

outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do<br />

mérito. Nestes casos, ressalta-se, o parente será ouvido como mero<br />

informante do juízo, não prestando compromisso.<br />

Por fim, no Direito Penal o parentesco é causa agravante da pena<br />

(cf. artigo 61, inciso li, alínea e, do Código Penal) e, também, é causa<br />

de isenção de pena nos crimes contra o patrimônio (d. artigo 181, do<br />

Código Penal). Com efeito, são circunstâncias que sempre agravam a<br />

pena, quando não constituem ou qualificam o crime, o fato deste ter<br />

sido cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge.<br />

O parentesco também pode ensejar impedimento matrimonial,<br />

pois isto é o que prescreve o art. i.521 do cc ao afirmar que certos<br />

parentes não podem casar. Ainda no campo do Direito Civil de Família<br />

o parentesco autoriza o pedido de alimentos à guisa do princípio da<br />

solidariedade familiar. o mesmo se diga no Direito das Sucessões, particularmente<br />

a denominada sucessão legítima, na qual o parentesco é<br />

a base da distribuição dos quinhões hereditários (CC, art. 1.829).<br />

Estes exemplos demonstram que o estudo do chamado direito<br />

parental transborda o próprio direito de família ou, melhor, o próprio<br />

direito civil e irradia por todo o sistema jurídico. Não há escapatória.<br />

Todo o profissional do direito, ainda que não milite na área<br />

das famílias, necessariamente irá se deparar com a problemática<br />

e, não a dominando, poderá experimentar dissabores profissionais.<br />

A busca pelo conceito apropriado do signo parentesco, muito mais<br />

do que um exercício de mera retórica acadêmica, constitui necessidade<br />

prático-profissional a todo e qualquer aplicador do direito.<br />

Conforme se alargue, ou restrinja o conteúdo semântico da palavra,<br />

mais se terá ampliações ou restrições dos efeitos do direito sobre<br />

esta ou aquela pessoa tida como parente.<br />

315


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A noção e o conceito de parentesco estão intimamente relacionados<br />

a ideia do vínculo jurídico entre duas ou mais pessoas<br />

físicas. No dizer de Caio Mário da Silva Pereiras, o parentesco é a<br />

mais importante e a mais constante das relações humanas, "seja no<br />

comércio jurídico, seja na vida social". Disto não destoam Cristiano<br />

Chaves de Farias e Nelson Rosenvald6, para quem o sentimento<br />

de pertencer ao mesmo grupo social, marcado pela transmissão<br />

de valores e costumes cultivados para o bem estar e a felicidade<br />

de todos sendo que, numa visão sociológica-antropológica estaria<br />

esta perspectiva submetida a "variáveis da cultura de cada tempo<br />

e lugar".<br />

Carlos Roberto Gonçalves 7 recorda em outros tempos agnatio (agnação)<br />

era o parentesco estabelecido pelo lado masculino e cognatio<br />

(cognação) o estabelecido pelo lado feminino.<br />

Ainda na busca da identificação do melhor conceito de parentesco,<br />

deve-se notar que este não se confunde com o conceito de<br />

família. Exemplo ilustrativo, apresentado por Pontes de Mirandaª é<br />

o cônjuge. Apesar de pertencer a família, o cônjuge não é parente<br />

do outro cônjuge, mas apenas do parente do outro (sogro(a) e<br />

cunhando(a)).<br />

Numa concepção clássica, o parentesco era conceituado como<br />

uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas que descendem<br />

do mesmo tronco comum. Esta perspectiva é insuficiente, contudo,<br />

na atualidade, tendo em vista o tecido constitucional a impor, como<br />

vimos acima, novos arranjos parentais.<br />

O conceito contemporâneo de parentesco deve abranger, portanto,<br />

as relações legais, socioafetivas, biológicas, civis e tecnológicas.<br />

5. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de faneiro: Editora<br />

Forense, 2004, 14' Edição, Volume V, p.309.<br />

6. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Editora fusPodivm, 2012, p.590.<br />

7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.295.<br />

8. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de; Tratado de Direito de Família. Campinas:<br />

Bookseller, 2001, p. 23.<br />

316


PARENTESCO<br />

Para Maria Helena Diniz 9 grande será a importância do tema ante<br />

os efeitos jurídicos de ordem pessoal ou econômica, que estabelecem<br />

direitos e deveres recíprocos entre os parentes, no âmbito dos<br />

alimentos, herança e interdição. Também adverte que o parentesco<br />

impõe certas restrições com fundamento na sua ocorrência, como na<br />

seara dos impedimentos matrimoniais, processuais, eleitorais, etc.<br />

Portanto, para a notável civilista'º, o parentesco seria uma relação<br />

jurídica existente não apenas entre pessoas que descendem<br />

da mesma ancestralidade, como também entre o cônjuge ou o companheiro<br />

e os respectivos parentes do outro, entre o adotante e o<br />

adotado e, finalmente, entre o pai institucional e o filho socioafetivo.<br />

Dentro desta necessidade, Cristiano Chaves de Farias e Nelson<br />

Rosenvald" conceituam o parentesco como sendo um vínculo jurídico<br />

de diferentes origens "que atrela determinadas pessoas, implicando<br />

efeitos jurídicos diversos".<br />

Pontes de Miranda 12 conceituava parentesco como a relação<br />

apta a vincular entre si pessoas descendentes umas das outras,<br />

por sangue ou por afinidade, também admitindo aquele constituído<br />

por fictio iuris pela adoção. Como se vê, na contemporaneidade os<br />

conceitos clássicos serão insuficientes ante as mudanças culturais e<br />

tecnológicas.<br />

~ Como este tema vem sendo abordado em concurso público?<br />

(Oficial de Justiça Avaliador - TJ/ES - CESPE - 2011) De acordo com a sistemática<br />

adotada pelo Código Civil, o parentesco pode ser natural ou civil,<br />

de maneira que duas pessoas podem ser parentes por consaguinidade<br />

ou por afinidade, o que se dá, por exemplo, em relação a determinada<br />

pessoa e aos ascendentes, descendentes e irmãos de seu cônjuge.<br />

Gabarito: certo.<br />

9. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26• Ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2011, p.469.<br />

10. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva,<br />

2008, p.431.<br />

11. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Editora JusPodivm, 2012, p.594.<br />

12. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de; Tratado de Direito de Família. v. Ili,<br />

§201, Campinas: Bookseller, 2001, p. 21.<br />

377


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Como visto acima, os conceitos apresentados doutrinariamente<br />

se harmonizam com o próprio art. i.593 do CC, que reconhece a<br />

possibilidade tanto do parentesco natural, quanto do civil, "conforme<br />

resulte de consanguinidade ou outra origem".<br />

Carlos Roberto Gonçalves 13 , de maneira muito clara e direta, destaca<br />

que o emprego da expressão outra origem constitui um grande<br />

avanço do atual Código em relação ao anterior, que considerava<br />

parentesco civil apenas o da adoção.<br />

o Enunciado 103 do CJF, ao estabelecer análise sobre o aludido<br />

preceito normativo, afirma categoricamente que o Código Civil brasileiro<br />

admite outras espécies de parentesco civil, além daquele decorrente<br />

da adoção, acolhendo, pois, a possibilidade do parentesco<br />

decorrer ainda da reprodução assistida homóloga, heteróloga, da<br />

adoção e, até mesmo, da socioafetividade.<br />

Interessante a reflexão de Luiz Edson FAchin 1 • ao afirmar que o<br />

conceito de parentesco constitui uma "moldura a ser preenchida"<br />

pela via da vida "na qual pessoas espelham sentimentos".<br />

3. VÍNCULO PARENTAL: LINHAS E GRAUS. MODALIDADES.<br />

Três serão os critérios possíveis de utilização para identificar o<br />

parentesco, à luz desta nova ordem jurídica, a saber:<br />

a) Critério Biológico: Segundo o qual a fixação da relação de<br />

parentesco decorre da transmissão da carga genética (importância<br />

do exame de DNA);<br />

b) Critério Registrai: Que leva em consideração o assento<br />

realizado no registro civil das pessoas naturais, sob o qual<br />

impera presunção relativa de veracidade; e<br />

e) Critério Socioafetivo: Que leva em consideração o afeto<br />

como vínculo a constituir laços de parentesco.<br />

13. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.296.<br />

14. FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: elementos críticos à Luz do novo Código<br />

Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2• Edição, 2003, p.29.<br />

378


PARENTESCO<br />

Evidentemente, em uma visão deontológica do direito, bom seria<br />

reunir estas três realidades. Em outras palavras, o parente ideal seria<br />

aquele a se encontrar dentro destas três dimensões.<br />

A prática demonstra, contudo, que nem sempre essa situação<br />

ideal se verifica. Nesse sentido, importante destacar que não há<br />

qualquer hierarquização entre os critérios (vedada a categorização<br />

de parentes). Os três critérios devem sempre ser considerados<br />

para a definição de uma relação de parentesco. o correto, portanto,<br />

é que se utilize tão somente da expressão parentalidade, afastando<br />

expressões recorrentes, tais como filho legítimo e filho ilegítimo,<br />

filho adotivo e filho não adotivo. Tais expressões representam<br />

verdadeiras discriminações e são vedadas constitucionalmente,<br />

ante a igualdade filial (cf. artigos 226, § 7° e 227, da Constituição).<br />

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,<br />

ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à<br />

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,<br />

à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência<br />

familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de<br />

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.<br />

Isto é o que impõe o art. 227 da CF a justificar, constitucionalmente,<br />

a não discriminação.<br />

No plano infraconstitucional, o art. i .593 do cc reconhece ser o<br />

parentesco natural, ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou<br />

outra origem. Durante a tramitação do Projeto de Lei que resultou<br />

na edição do atual Código Civil, o dispositivo passou por uma reanálise<br />

em face dos preceitos da Constituição de i988, inserindo-se a<br />

importante expressão "ou outra origem", a qual, segundo a doutrina<br />

atual, foi responsável por destruir as classificações de parentesco<br />

apresentadas pela doutrina clássica de Pontes de Miranda, Orlando<br />

Gomes, Eduardo Espínola e Caio Mário da Silva Pereira.<br />

Luiz Edson FAchin' 5 afirma categoricamente que a filiação socioafetiva<br />

é realidade brasileira típica dos chamados filhos de criação.<br />

Caio Mário da Silva Pereira' 6 avança para admitir que o novo Código<br />

15. FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: elementos críticos à Luz do novo Código<br />

Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2• Edição, 2003, p.18.<br />

16. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora<br />

Forense, 2004, 14' Edição, Volume V, p.312.<br />

319


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Civil inaugura uma nova modalidade de filiação advinda da relação<br />

social, denominada pelo mesmo de filiação social, pela qual o marido<br />

ou o companheiro aceitam como seu filho o gerado de reprodução<br />

assistida.<br />

Carlos Roberto Gonçalves 17 reconhece o avanço doutrinário a permitir,<br />

no âmbito jurisprudencial, a construção da paternidade socioafetiva,<br />

também no conteúdo do art. i.593 do CC.<br />

~ Atenção!<br />

A doutrina clássica utilizava apenas o critério biológico para<br />

identificar o parentesco, excetuando, apenas, a adoção. Veja alguns<br />

exemplos conceituais:<br />

"Parentesco é vínculo existente entre pessoas descendentes<br />

umas das outras oriundas do tronco comum." (Eduardo Espínola).<br />

"A relação que vincula entre si pessoas que descem umas as<br />

outras ou do autor comum, que aproxima um dos cônjuges<br />

aos parentes do outro e entre o adotando e o adotante."<br />

(Pontes de Miranda).<br />

Atualmente, o parentesco pode ser definido como um vínculo<br />

jurídico de diferentes origens que atrela determinadas pessoas a<br />

efeitos jurídicos diversos. Neste sentido, os Enunciados CJF n. io3 e<br />

256 e a doutrina de Luiz Edson Fachin.<br />

Enunciado CJF n. 103 - Art. i.593: O Código Civil reconhece, no<br />

art. i.593, outras espécies de parentesco civil além daquele<br />

decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que<br />

há também parentesco civil no vínculo parental proveniente<br />

quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente<br />

ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material<br />

fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada<br />

na posse do estado de filho.<br />

"Em síntese, a disciplina jurídica das relações de parentesco<br />

não atende exclusivamente aos valores biológicos ou aos juízos<br />

sociológicos, é uma moldura a ser preenchida não com<br />

meros conceitos jurídicos ou abstrações, mas com vida, na<br />

qual pessoas espelham sentimentos."<br />

i7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.297.<br />

320


PARENTESCO<br />

(Luiz Edson Fachin).<br />

Enunciado CJF n. 256 - Art. i.593: A posse do estado de filho<br />

(parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco<br />

civil.<br />

Para Carlos Roberto Gonçalves' 8 o vínculo de parentesco se estabelece<br />

por linhas (reta e colateral) e a sua contagem se faz por<br />

graus. A teor do art. i.591 do CC são parentes em linha reta as pessoas<br />

que estão umas para com as outras na relação de ascendentes<br />

e descendentes. É possível afirmar, diante disto, que a legislação<br />

brasileira reconhece o parentesco na linha reta como aquele decorrente<br />

de uma relação direta de descendência ou ascendência, seja<br />

por consanguinidade ou por outra origem.<br />

Partindo-se para a descendência, os parentes em linha reta são<br />

os filhos, os netos, os bisnetos e, assim, sucessivamente. Na perspectiva<br />

da ascendência, os parentes em linha reta serão os pais, avôs,<br />

bisavôs em diante.<br />

~ Como este assunto foi abordado em concurso público?<br />

O concurso para provimento do cargo de Delegado de Polícia - PC/ES,<br />

banca FUNCAB, ano de 2013, considerou verdadeira a seguinte afirmativa:<br />

"o Código Civil vigente, ao regular as relações de parentesco em linha<br />

reta, não estipula limitação dada sua infinidade, de modo que todas as<br />

pessoas oriundas de um tronco ancestral comum sempre serão consideradas<br />

parentes entre si, por mais afastadas que estejam as gerações".<br />

~ Atenção!<br />

Deve.:se lembrar. também, que, na linha reta, os ascendentes podem<br />

ser subdivididos de acordo com a linhagem (materna ou paterna). Desta<br />

forma, os ascendentes na linhagem paterna são os avôs paternos, os<br />

bisav§s paternos, enquanto que os ascendentes na linhagem materna<br />

serão os avôs maternos, os bisavôs maternos e assim por diante. Parentesco<br />

em linha reta é ilimitado.<br />

18. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.298.<br />

327


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da ?<br />

(Técnico Judiciário - Área Administrativa - TRE/BA - CESPE - 2010) Julgue os<br />

itens seguintes, referentes às relações de parentesco do direito de família.<br />

O pai é parente em linha reta do trisavô.<br />

Gabarito: certo.<br />

Acresça-se a isto que o art. i.592 do CC disciplina os parentes colaterais,<br />

também denominados de transversais, como aqueles que<br />

são provenientes de um só tronco, até o quarto grau, sem descenderem,<br />

portanto, um do outro. São parentes colaterais os irmãos<br />

(colaterais de segundo grau), sobrinhos (colaterais de terceiro grau),<br />

tios (colaterais de terceiro grau) e primos (colaterais de quarto grau).<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Analista Judiciário - Área Administrativa - TRE/CE 2012 - FCC) Lisbela possui<br />

um irmão chamado Gregório que é casado com Silmara. Lisbela, em<br />

razão de desavenças com Silmara, insiste em afirmar que não possui<br />

grau de parentesco com ela, mas resolveu estudar o assunto com sua vizinha<br />

Magda, advogada. Magda respondeu para Lisbela que, de acordo<br />

com o Código Civil brasileiro, Silmara é sua parente:<br />

a) por afinidade em linha colateral de primeiro grau.<br />

b) por afinidade em linha colateral de terceiro grau.<br />

c) por afinidade em linha colateral de segundo grau.<br />

d) civil em linha colateral de terceiro grau.<br />

e) natural em linha colateral de primeiro grau.<br />

Gabarito: letra e.<br />

(Técnico de Judiciário - Área Administrativa - TRE/BA - CESPE - 2010) Se<br />

João for primo de Roberto, o parentesco entre eles será colateral em<br />

terceiro grau.<br />

Gabarito: errado.<br />

Regina Beatriz Tavares 19 recorda a lição de Clóvis Beviláqua no<br />

sentido de que a redução do parentesco na colateralidade do sexto<br />

para o quarto grau, além de se compatibilizar com o direito sucessório,<br />

constitui tendência moderna de limitação dos laços familiares.<br />

19. TAVARES, Regina Beatriz. Novo Código Civil Comentado, p.1.402.<br />

322


PARENTESCO<br />

~ Atenção!<br />

Enquanto na linha reta não existe limitação legal para a ascendência, ou<br />

descendência, os parentes colaterais são limitados até o quano grau.<br />

Desta maneira, não é possível, juridicamente falando, utilizar a expressão<br />

colateral de quinto grau, na medida da limitação imposta aos colaterais<br />

pelo art. 1.592 do CC.<br />

Quanto aos irmãos, também é importante considerar que a norma acaba<br />

por os subdividir em bilaterais ou germanos, quando provenientes e<br />

originários dos mesmos genitores e unilaterais, quando descendem de<br />

apenas um genitor em comum (o meio irmão). Isto acabará por ensejar,<br />

no direito sucessório, importante efeito prático quando da distribuição<br />

da herança, na forma dos artigos 1.841 e 1.843, afinal de contas, concorrendo<br />

irmão unilateral com bilateral, àqueles receberão apenas metade<br />

do que estes vierem a herdar.<br />

Sob o prisma do garantismo e da solidariedade social, enquanto<br />

valores constitucionais que devem ser maximizados, é preciso lembrar<br />

que pessoas não podem ser subjugadas, muito menos "classificadas"<br />

ou "categorizadas", daí porque o estudo das modalidades<br />

ou espécies de parentes se justifica tão somente pela necessidade<br />

prática da própria sistematização, sendo que isto, nem de longe,<br />

pode interferir na perspectiva da igualdade constitucional.<br />

E é justamente dentro deste espírito meramente sistemático<br />

(para fins de aprendizado), que Maria Helena Diniz'º apresenta as<br />

espécies de parentesco, dividindo-o em natural (ou consanguíneo),<br />

afim e, finalmente, civil.<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald" demonstram a<br />

inutilidade, para não se dizer inconstitucionalidade, em se distinguir<br />

parentes civis dos parentes naturais. Os ilustres doutrinadores preferem,<br />

simplesmente, a expressão "sem adjetivizações ou acréscimos<br />

classificatórios", no que concordamos inteiramente; afinal de contas,<br />

todos são iguais perante a lei e não podem ser discriminados por<br />

critérios de origem.<br />

20. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26' Ed. São Paulo: Saraiva.<br />

2011, p.467/469.<br />

21. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Editora )usPodivm, 2012, p.6o2.<br />

323


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Contudo, mesmo a doutrina clássica já se permitiu dar ao parentesco,<br />

como por exemplo à filiação, um cunho classificatório. Orlando<br />

Gomes 22 , por exemplo, conceituava filhos naturais como os que descendem<br />

de pais que, quando da concepção, não possuíam impedimento<br />

matrimonial. Maria Helena Diniz 23 apresenta "didaticamente"<br />

os filhos espúrios (oriundos de uma relação de impedimento matrimonial)<br />

e os subclassifica em adulterinos (impedimento por força da<br />

existência de casamento anterior não desfeito) e incestuosos (nascidos<br />

de pais que não poderiam contrair matrimonio de forma alguma<br />

na época da concepção).<br />

Por esta perspectiva fica mesmo difícil compreender a razão do<br />

art. i.593 do cc na. atualidade, nada obstante, em sua origem, ser até<br />

mesmo compreensível às razões que levaram o codificador àquela<br />

redação.<br />

Ao qualificar o Código Civil certos parentes como naturais seria<br />

possível uma crítica no que diz respeito aos outros parentes que<br />

assim não o foram. Seriam estes parentes artificiais?<br />

O fato é que o Código Civil brasileiro adota o critério segundo o<br />

qual o parente natural é o de sangue, enquanto que o parente civil<br />

seriam todos os demais havidos por outra origem, ali se enquadrando<br />

a adoção, técnicas de reprodução medicamente assistida e os<br />

parentes por socioafetividade.<br />

Não por outro motivo o Conselho da Justiça Federal lavrou o<br />

Enunciado 256 no sentido de que "a posse do estado de filho (pa ­<br />

rentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil". Em<br />

idêntico sentido, o Enunciado 203 do (JF.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Cespe - Can6rlos - TJ - SE/2014) Com relação ao direito de família, assinale<br />

a opção correta.<br />

a) Na união estável, o regime patrimonial deve obedecer à norma vigente<br />

no início da relação afetiva, salvo contrato escrito.<br />

22. Introdução ao Direito Civil - io- Edição. Rio de Janeiro: Forense. 1993, p. 361.<br />

23. DINIZ, Maria Helena . Curso de Direito Civil Brasileiro. 26• Ed. São Paulo: Saraiva.<br />

2011, p.504/505.<br />

324


PARENTESCÓ<br />

b) A posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil.<br />

c) As expressões fecundação artificial, concepção artificial e inseminação<br />

artificial, utilizadas no Código Civil, devem ser interpretadas extensivamente<br />

para abranger as hipóteses de utilização de óvulos doados e de<br />

gestação de substituição.<br />

d) De acordo com o Código Civil, não é possível o reconhecimento da<br />

· validade e eficácia da renúncia do direito a alimento manifestada por<br />

ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da união estável,<br />

visto que tal direito é irrenunciável, conquanto possa não ser exercido<br />

pelo credor.<br />

e) Ainda que superada causa suspensiva para a celebração de casamento,<br />

não é possível a alteração do regime da separação obrigatória<br />

de bens.<br />

Gabarito: B<br />

~ Atenção!<br />

O parentesco espiritual ou religioso decorre da tradição canônica, para<br />

os famosos #compadres" e Hcomadres", como ocorre, por exemplo, nos<br />

casos de batizados, crismas, entre outros, e dá azo à vários efeitos<br />

no chamado Direito Canônico. Todavia, não é tal modalidade parental<br />

admitida na legislação civil brasileira, por um sem número de fatores,<br />

entre os quais, cite-se por todos, o fenômeno da laicização do direito;<br />

ou seja: a separação entre o Estado e a Igreja.<br />

Assim, pode-se afirmar que o parentesco espiritual (spiritua/is cognatio)<br />

é inaplicável ao Direito Brasileiro, não gerando efeito algum. Não serve,<br />

por exemplo, para embasar o pleito alimentar.<br />

Outra questão que não gera qualquer tipo de repercussão na matéria<br />

de parentesco envolve os chamados "concunhados", que, para<br />

qualquer fim, não são parentes e têm apenas apelo social.<br />

Cite-se, em arremate, o parentesco por afinidade previsto no art.<br />

i.595 do CC., segundo o qual cada cônjuge ou companheiro se torna<br />

aliado aos parentes do outro. O parentesco por afinidade, na linha<br />

reta, jamais será desfeito (não existe ex-sogra, recordem!). Todavia,<br />

na colateralidade é plenamente possível o desfazimento, acaso<br />

supervenha divórcio, morte ou dissolução da união estável (há ex<br />

cunhado(a)).<br />

325


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Analista Judiciário - Taquigrafia - TJ/ES - CESPE - 2011) Julgue o próximo<br />

item, referente às relações de parentesco no direito de família.<br />

A afinidade constitui liame jurídico firmado entre um cônjuge ou convivente<br />

e os parentes consanguíneos ou civis do outro, decorrente<br />

de matrimônio válido ou de união estável, extinguindo-se a afinidade<br />

em linha reta e colateral com a dissolução do casamento ou união<br />

estável.<br />

Gabarito: errado.<br />

Ainda sobre parentesco por afinidade, a prova para o cargo de<br />

Defensor Público - DPE/TO, banca CESPE, ano de 2013, trouxe como<br />

opção correta a alternativa a seguir: "cada cônjuge ou companheiro<br />

é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade".<br />

Bem observado, infere-se que o parentesco por afinidade retrata<br />

relação de parentesco por simetria, em relação ao parentesco do<br />

cônjuge. Ex: mãe da esposa é parente em primeiro grau na linha<br />

reta, na ascendência e por consaguinidade, no que para o marido<br />

será essa mesma pessoa parente em primeiro grau na linha reta, na<br />

ascendência, mas por afinidade.<br />

Nesse sentido, interessantes são as expressões utilizadas na língua<br />

inglesa, como lembra Washington de Barros Monteiro": brother­<br />

-in-law, father-in-law etc.<br />

o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes<br />

e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. Na linha reta,<br />

como já dito, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento<br />

ou da união estável. É o que leciona Carlos Roberto Gonçalves21.<br />

24. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil v. 6: Direito de Família. 37•<br />

Edição. São Paulo, p.299.<br />

25. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.302.<br />

326


PARENTESCO<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Analista Judiciário - Taquigrafia - mE/BA - CESPE - 2010) O parentesco por<br />

afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos parentes<br />

do cônjuge ou companheiro até o quarto grau.<br />

Gabarito: errado.<br />

A mais importante consequência do parentesco por afinidade é<br />

o impedimento matrimonial previsto no art. i.521, li, do CC: "Não<br />

podem casar: li - os afins em linha reta".<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca organizadora IESES, em prova para o Cartório do TJ-PB, ano<br />

2014, considerou correta a seguinte assertiva: "Os ascendentes com os<br />

descendentes, seja o parentesco natural ou civil. os afins em linha reta,<br />

o adotado com o filho do adotante, as pessoas casadas".<br />

Registra-se: haja vista a indissolubilidade do parentesco por afinidade<br />

em linha reta, resta inviável o casamento com o sogro(a), mesmo<br />

após a extinção do casamento pretérito. Nada obsta, porém, que após<br />

o casamento seja extinto, haja um novo vínculo com o ex-cunhando(a);<br />

posto que o desfazimento do casamento primitivo acabou por colocar<br />

fim ao parentesco por afinidade na colateralidade.<br />

Questiona-se: a leitura constitucional do parentesco por afinidade<br />

deve se restringir ao impedimento matrimonial?<br />

A grande parte da doutrina, chancelada pela jurisprudência atual,<br />

sustentam que sim, o que gera uma reflexão curiosa. De acordo com<br />

a visão atual, portanto, não é possível postular alimentos em face de<br />

parentes por afinidades.<br />

Maria Berenice Dias e Cristiano Chaves de Farias, minoritariamente,<br />

divergem deste posicionamento. Para tais doutrinadores, o en ­<br />

tendimento majoritário causa estranheza, ainda mais quando se verifica<br />

que o vínculo alimentar se verifica em todas as outras espécies<br />

de parentesco (consaguinidade, adoção, socioafetividade), somente<br />

não se verificando na afinidade.<br />

Assim, ainda segundo a maioria, o princípio da solidariedade familiar<br />

não existe no parentesco por afinidade, o que estaria, a nosso<br />

sentir, incorreto.<br />

327


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Por outro lado, não há direito hereditário em relação aos parentes<br />

por afinidade. Os parentes por afinidade não são sucessores<br />

legítimos e não integram a ordem de sucessão hereditária.<br />

~ Atenção!<br />

A Lei Federal n° lt.924/09 acrescentou o§ 8° ao artigo 57, da Lei n. 6.015/73<br />

(Lei de Registros Públicos) para permitir a inclusão do nome de família<br />

da madrasta ou do padrasto ao do enteado, caso aqueles concordem.<br />

Isso comprova que haveria espaço para ampliar as repercussões do<br />

parentesco por afinidade, dialogando com outros valores, como a socioafetividade.<br />

Cita-se a norma:<br />

•Art. 57. A alteração posterior de nome. somente por exceçõo<br />

e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será<br />

pennitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro,<br />

arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração<br />

pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. IJO desta Lei.<br />

{ ... ]<br />

§ B 0 o enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e<br />

na forma dos§§ 2° e 7° deste artigo, poderá requerer ao juiz<br />

competente que, no registro de nascimento, seja averbado<br />

o nome de familia de seu padrasto ou de sua madrasta,<br />

desde que haja expressa concordância destes. sem prejuízo<br />

de seus apelidos de fam11ia•.<br />

4. FILIAÇÃO.<br />

Ao longo da história o tema da filiação sofreu várias modificações<br />

e mudanças de perspectivas. Longe de se desejar neste capítulo desenvolver<br />

qualquer tipo de verticalização história, apresentaremos,<br />

brevemente, algumas fundamentais notas históricas que permitam<br />

compreender tais transformações.<br />

Na Roma antiga, o filho era visto como objeto de direito. Ao contrário<br />

dos dias de hoje, a criança e o adolescente não eram sujeitos de<br />

direito. Sequer eram chamados de criança ou adolescente, expressões<br />

que efetivamente ganharam significado com a CF/88 e o ECA.<br />

Percebe-se na Roma antiga o filho era subjugado ao Pater Família.<br />

Este, por sua vez, tinha poder e direito de vida e de morte sobre a<br />

criança. Poderia o Pater, por exemplo, renegar o filho sem, por conta<br />

disto, sofrer qualquer tipo de repressão jurídica ou social.<br />

328


PARENTESCO<br />

Esta ideia da criança enquanto objeto do direito, apesar de absurda<br />

aos nossos ouvidos, manteve-se por muito tempo ao longo da<br />

nossa história.<br />

Nas Ordenações Filipinas (Direito Lusitano), aplicado no Brasil durante<br />

muito tempo, a filiação era vista como "uma espécie de favor<br />

concedido aos filhos e um meio concedido aos pais de exonerar a sua<br />

consciência e de melhorar a sorte dos inocentes frutos de seus erros"<br />

(cf. artigo 35, § 12, do Livro li). Quanto aos filhos espúrios "hão de<br />

decorrer as suas más qualidades".<br />

Se era assim para os filhos de uma relação matrimonial, pior seria,<br />

como o foi, para os filhos fora do casamento. Já se atribuiu uma<br />

frase ao Napoleão Bonaparte, sobre filhos bastardos, extremamente<br />

drástica e peremptória: "A sociedade não tem interesse em que os<br />

bastardos sejam reconhecidos".<br />

Esse é o contexto histórico refletido no Código Civil de 1916, que<br />

trazia a proibição de reconhecimento dos filhos espúrios (filhos adulterinos<br />

ou incestuosos). Admitia apenas, o CC/16, os filhos legítimos<br />

provenientes do que se chamava de "justas núpcias" e os filhos naturais,<br />

desde que não espúrios.<br />

~ Atenção!<br />

Historicamente, os filhos foram classificados em legítimos (ou matrimoniais)<br />

e ilegítimos.<br />

Apenas eram legítimos os filhos oriundos do casamento, pois somente<br />

havia família legítima no matrimônio. Vivia-se uma fase de<br />

extrema e indevida aproximação entre o Estado e a Igreja.<br />

O Código de 16 conceituava família legítima como aquela oriunda<br />

de justas núpcias, surgindo disto a presunção de paternidade: Pater<br />

is est quem justae nuptiae demonstram.<br />

Ilegítimos eram os filhos oriundos de relações não matrimoniais.<br />

Os filhos ilegítimos se dividiam em:<br />

a) Naturais. Frutos de relacionamentos entre pessoas desimpedidas<br />

para se casar mas que, ·por opção, persistiam unidas sem matrimônio.<br />

Estes, também já eram reconhecidos pelo Código Civil de<br />

1916.<br />

329


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

b) Espúrios. São àqueles frutos de relações extraconjugais. Poderiam<br />

ser: bl) espúrio incestuoso e bi) espúrio adulterino.<br />

c) Sacrílegos. Fruto de violação do dever de castidade dos devotos.<br />

Eram chamados de filhos clérigos e freiras.<br />

A Constituição Federal de 1988, porém, acabou com esta indevida<br />

distinção, vedando qualquer tipo de designação discriminatória.<br />

Registra-se que o movimento de igualdade iniciou-se antes do<br />

Texto Constitucional atual. A Lei 883/ 49 já permitia o reconhecimento<br />

dos adulterinos em certos casos. Assim também a Lei 6.515/75 .<br />

Mas o que seria a filiação?<br />

Hodiernamente entende-se como filiação, na doutrina de Maria<br />

Helena Diniz 26 , o vínculo existente entre pais e filhos, ou seja, a relação<br />

jurídica de parentesco em linha reta e de primeiro grau.<br />

Tal vínculo pode ser de diversas ordens: natural, civil ou socioafetivo.<br />

Independente da origem deste vínculo, os filhos, diuturnamente,<br />

terão iguais direitos, consoante a isonomia filial. Assim, não mais há de<br />

se falar em qualquer distinção sucessória, alimentar ou de qualquer<br />

ordem.<br />

~ Como este assunto vem sendo cobrado em concurso público?<br />

(Agente de Suporte Educacional - SEDU/ES - CESPE - 2010) Julgue os próximos<br />

itens com base nas normas constitucionais acerca da família.<br />

Os filhos gerados fora da relação do casamento não terão os mesmos direitos<br />

e qualificações em relação aos que provierem da relação conjugal.<br />

Gabarito: errado.<br />

4.1. Gestação de Útero Alheio.<br />

Dentro deste contexto de progressivo avanço do tema filiação, o<br />

avanço da medicina colocou o direito, mais uma vez, em posição crítica,<br />

exigindo-lhe um novo esforço de hermenêutica. Tal se deu com<br />

a famosa barriga de aluguel, também referida como maternidade<br />

sub-rogada ou gestação de útero alheio.<br />

26. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26a Ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2011, p.478.<br />

330


PARENTESCO<br />

A casuística ensejou, até mesmo, novela no Brasil.<br />

A primeira notícia relevante é a completa ausência de norma a<br />

disciplinar o tema no Brasil. O que há, tão somente, é uma Resolução<br />

do Conselho Federal de Medicina (Resolução do CFM n° 2.013/2013),<br />

apresentando critérios éticos para que o profissional da medicina<br />

possa realizar o procedimento.<br />

Ante a lacuna legislativa, a Resolução do Conselho Federal de<br />

Medicina - que, de rigor, haveria de ser aplicada apenas para os<br />

médicos, vinculando-os disciplinarmente - acaba por ser utilizada<br />

nos processos judiciais e na doutrina.<br />

Assim, pautado na Resolução, é possível afirmar que a gestação<br />

em útero alheio é permitida no Brasil. Logo, a primeira indagação<br />

sobre o tema - qual seja: eventual alegação de impossibilidade jurídica<br />

do pedido - fica superada, até porque não há norma que proíba<br />

a prática e temos uma resolução autorizativa.<br />

Registra-se, todavia, que a prática é possível, porém com finalidade<br />

médica, como uma opção terapêutica, atendendo àqueles<br />

pacientes que não conseguiram gestar por si só. Não se admite no<br />

Brasil, por exemplo, que alguém que não deseje sofrer com os descompassos<br />

corporais da gestação, se utilize da técnica.<br />

Em síntese: seja pelo princípio da intervenção mínima do Estado<br />

nas relações privadas (CF/88, 199), seja porque os negócios jurídicos<br />

devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e os usos e costumes<br />

do lugar (CC, art. 113), seja visando a promoção da saúde, a<br />

maternidade sub-rogada é prática aceitável no Brasil.<br />

Malgrado possível, a mãe hospedeira (aquela que gesta) haverá<br />

de fazê-lo gratuitamente. Proíbe-se a contraprestação financeira,<br />

pois a gestação em útero alheio é bem jurídico fora do comércio.<br />

Este pensamento deriva, inclusive, da proibição constitucional da<br />

venda de partes do próprio corpo (cf. artigo 199. § 4°, da CF/88).<br />

~ Atenção!<br />

O texto constitucional é expresso ao proibir a comercialização de órgãos<br />

humanos. Eis o conteúdo do art. i99: MArt. i99. A assistência à saúde é livre<br />

à inicÍlltiva privada.<br />

[ ... }<br />

337


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

§ 4• -A lei dispo r@ sobre .às condições e os requisitos que facilitem<br />

a remoçõo de órgl'los, tecidos e substâncias humanas<br />

para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como<br />

a coleta, proces~pmento e transfusão de sangue e se.µs derivados,<br />

sendo vedado todo tipo de comercializaçclo ...<br />

Nessa toada, a expressão popular barriga de aluguel é - no mínimo<br />

- inadequada sob o prisma constitucional, tendo em vista a proibição<br />

de comércio deste bem jurídico. Não há pagamento de contraprestação<br />

(aluguel). Em rigor técnico o melhor termo seria barriga de<br />

comodato (empréstimo de coisa infungível e gratuita).<br />

Entrementes, confessamos, o termo não seria dos mais comerciais.<br />

Destarte, entendemos que nada impede que durante o período<br />

gestacional a mãe hospedeira receba contraprestação à título de<br />

alimentos gravídicos (Lei 11.804/2008). A gestação trás consigo seus<br />

custos: alimentação especial, consultas médicas, exames, vestuário ...<br />

Pensamos ser equânime e juridicamente possível que os doadores<br />

do material genético arquem com tais montantes.<br />

Visando manter o caráter gratuito de tal gestação, a Resolução<br />

prioriza o procedimento entre parentes até o quarto grau. Entende­<br />

-se por priorizar porque, no caso de tais parentes, o médico não<br />

precisará requerer autorização ao Conselho Regional de Medicina<br />

para a realização do procedimento.<br />

Mais uma vez está demonstrada a importância em se dominar<br />

o instituto do parentesco como instrumento decisivo a interferir na<br />

licitude de negócios jurídicos.<br />

Para os demais casos nos quais não se tenha parentes até o<br />

quarto grau, a Resolução impôs ao médico, sob pena de falta profissional,<br />

que obtenha autorização específica do Conselho Regional<br />

de Medicina.<br />

Ademais, a resolução fixa como idade máxima das candidatas à<br />

realização do procedimento 50 (cinquenta) anos. Apesar de questionável,<br />

entendemos ser salutar a medida, pois a gestação é um ato<br />

responsável, o qual demanda, no futuro, o desenvolvimento de um<br />

332


PARENTESCO<br />

ser. A paternidade responsável, pensada em sentido amplo, deve<br />

trazer consigo a possibilidade de prover e acompanhar o menor no<br />

seu desenvolvimento.<br />

De mais a mais, ante a Resolução, casais homoafetivos e pessoas<br />

solteiras também podem se utilizar do procedimento; o que,<br />

entendemos, salutar. Com efeito, a tutela do ser, a igualdade e a<br />

dignidade da pessoa humana, em um direito civil repersonificado e<br />

despatrimonializado, não poderia impor outro caminho, senão o ora<br />

aceito pela Resolução.<br />

Não se poderia concluir o tema da maternidade sub-rogada sem<br />

apresentar uma reflexão importante e crítica sobre o tema. Como se<br />

percebeu, a Resolução do Conselho Federal de Medicina acaba por<br />

vir a ser utilizada, na prática e ainda que inconscientemente, como<br />

se Lei Federal fosse, o que está incorreto, pois o aludido órgão não<br />

possui competência para legislar sobre o Direito Civil, determinando,<br />

por exemplo a quem competiria autorizar, ou não, a gestação de<br />

útero alheio.<br />

4.1.i. O caso "Baby M" - New Jersey (EUA).<br />

Sem dúvida, o maior problema jurídico a ser enfrentado nas<br />

situações envolvendo maternidade em útero alheio aconteceria se<br />

a pessoa que ofertou e permitiu a utilização do útero viesse a se<br />

arrepender e, por conta disto, a se insurgir contra a entrega da<br />

criança.<br />

Quando esta questão é posta em debate, surge sempre a lembrança<br />

de um caso jurídico tido como paradigmático pela doutrina<br />

internacional, decidido na Suprema Corte do Estado de New Jersey,<br />

nos EUA.<br />

Naquela ação judicial se concluiu pela proibição de contrato oneroso<br />

para o fim de gerar filho, em favor de casal infértil, em útero<br />

alheio. Restou reconhecida como legitima a recusa da mãe hospedeira<br />

que, a despeito de ter celebrado contrato com o casal que<br />

adotaria seu filho, desistiu do intento durante o período gestacional,<br />

ressaltando-se assim o melhor interesse da criança e o caráter oneroso<br />

do ajuste, a tornar ilegal a prática.<br />

333


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A partir do caso, constituiu-se o entendimento mundial de que,<br />

em hipóteses marcadas pela atribuição econômica, o contrato deve<br />

ser rescindido e a criança deve ser mantida preferencialmente com a<br />

mãe biológica.<br />

Isto porque o contrato é nulo de pleno direito, ao passo que<br />

comercializa-se algo impassível de negociação. Em sendo nulo, contrato<br />

não há . Não havendo contrato, o caminho é, justamente, a<br />

continuidade do gerado com sua mãe gestacional.<br />

~ Curiosidade!<br />

The uaaby M" Case ln the "Baby M"case, Mrs. Whitehead, a married woman<br />

with an eleven-year-old son and an eight-year-old daughter, signed a<br />

contract with William Stern and his wife Elizabeth, who believed pregnancy<br />

and childbirth were medically inadvisable for her. Mrs. Whitehead, by the<br />

terms of the contract, was impregnated with Mr. Stern's sperm through<br />

artificial insemination. The child, born on March 27, 1986-named Sarah<br />

by Mrs. Whitehead, and Melissa by the Sterns-was genetically related to<br />

Mrs. Whitehead and Mr. Stern. The surrogacy arrangement was made by a<br />

broker named Noel Keone. By the terms of the contract, the Sterns would<br />

pay Mrs. Whitehead $10,000 following the birth. The contract forbade Mrs.<br />

Whitehead to have an abortion. Following the binh o/ her daughter, Mrs.<br />

Whitehead refused to give up custody to the Sterns. After a two-month triai,<br />

)udge Harvey Sorkow declared that the terms of the contract that required<br />

the terminotion of Mrs. Whiteheod's parental rights, against her will, were<br />

enforceable. At the some time, Judge Sorkow ruled thot the terms of the<br />

contract that prohibited terminoting the life of the child by abortion were<br />

unenforceable. The child, he ruled, was the mother's to kill, but not hers<br />

to core for. The surrogacy arrangement first started to unravel when Mrs.<br />

Whitehead was seven months pregnant. One evening. her daughter, then<br />

eight years o/d, was hugging her mother and rubbing her now round and<br />

protruding abdomen. The little girl blurted out, "Mommy, I want you to<br />

have a girl so I can have a baby sister." That night and late into the morning.<br />

Mr. and Mrs. Whitehead were /orced to discuss what it would be like<br />

for the children to see their mother tum over their baby sister in exchange<br />

for $10,000. Their original plan, since Mr. Whitehead held a blue-collar job<br />

with a sanitation company, was to put the money aside for their children's<br />

education. Then they wondered how they could tell their daughter that<br />

they sold her baby sister so she could go to college. About three years<br />

later, Dr. Ruben Pannor, one of the authors of The Adoption Triangle, to/d<br />

me of his television debate with Bill Handle, a surrogacy broker located in<br />

Los Angeles. Handle had a<br />

334


PARENTESCO<br />

"happy" surrogate with him who spoke of the joys of "giving the giµ of life"<br />

to a couple by acting as a surrogate mother. During a commercial break, Dr.<br />

Pannor tumed to the surrogate and asked how her other children were doing.<br />

She started to tell him how they had to be put in therapy, and suddenly she<br />

broke down, crying hysterically. She could not continue on the program and<br />

was helped off the stage. When the New Jersey Supreme Court reversed the<br />

triai court's ruling in the Baby M case, by a unanimous 7-0 decision, the surrogacy<br />

contract was declared unenforceable, in violation of New Jersey statutes<br />

and public policy. Chief Justice Robert Wilentz wrote the opinion, which<br />

many commentators described as "poetic" and "beautiful." That opinion has<br />

been studied in most law schools since that time, as it is a classic teaching<br />

case about the kinds of contracts which will not be enforced because they<br />

violate public policy. Sixteen separate policies and statutory provisions were<br />

violated in the Baby M case. Today, gestational surrogacy arrangements violate<br />

those sarne policies and statutes. The central purpose of all forms of surrogacy<br />

contracts is to terminate the parental rights of the legal mother who<br />

carries and bears the child, and to conter legal status as mother or parent<br />

on a different person-usually a stranger genetically unrelated to the child.<br />

Both termination of the mother's rights and legal adoption as replacement of<br />

the birth mother did not exist at common law and are creations of statutory<br />

law. They can be accomplished only by strict adherence to the provisions of<br />

the statutory schemes that authorize them. The effort to create surrogacy arrangements<br />

are not legally authorized in New Jersey by an enabling statute.<br />

ln the absence of such an enabling statute, the Sterns and others since have<br />

tried to circumvent the requirements of the law by moking a voriery of legal<br />

arguments that have been rejected, as in Baby M. The contract, the Baby M<br />

court observed, constituted a plan, in advance of conception, to deliberately<br />

separate a child from his or her mother. Our policies have always been that<br />

o child, to the fullest extent possible, should get to know, love, and be raised<br />

by both his or her natural parents. lt is the traditional policy of every state<br />

that no consent to surrender a child to adoption made prior to the birth of<br />

the child is ever considered a legal basis to terminate a mother's rights if<br />

she wants to maintain her relationship with her child following birth. The<br />

Baby M court made the following observations: private adoptions are disfavored;<br />

the surrogacy arrangement places a child without any regard for the<br />

child's best interests; it circumvents all laws that require counseling of the<br />

mother before she surrenders her rights; and the compulsion of the contract<br />

makes surrender of the child aµer birth not truly voluntary or informed.<br />

Beyond that, the arrangement exploits women as o "surrogate uterus" or<br />

an "incubator" and expects a mother to act as an inanimate object, which<br />

335


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

denigrates the woman in hér role as mother. The arrangement o~en achieves<br />

its forbidden goals with the corrupting influence of money. lt has been a<br />

crime in all states to make offers of money in connection with adoption,<br />

or surrender o/ a mother's parental rights. The influence o/ money creates<br />

the potential for exploitation of the poor by the wealthy. lt has been said<br />

that the millionaire's wife will not carry a child for the wife o/ the sanitation<br />

worker. A woman in financial need is particularly vulnerable, and her love<br />

for and sense of moral duty to her child, along with the child's besr interests,<br />

are all subordinated to the corrupting influence of money, and the rigid<br />

compulsion o/ the terms of the contract. ( ... ) [Fonte: http://www.thepublicdiscourse.com/2012/09/62JJ/<br />

}.<br />

Por outro lado, deve-se questionar: qual seria a solução jurídica<br />

a ser dada nesse caso diante da ausência de atribuição econômica?<br />

A tendência é conferir preferência ao critério registrai, ou seja,<br />

atribuir direito à mãe e ao pai registrai. Este tem sido o entendi·<br />

mento da doutrina majoritária, com base no princípio da vedação<br />

aos comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium),<br />

imposto pela boa-fé objetiva, e no respeito à segurança jurídica do<br />

pacta sunt servanda. Assim, a autonomia privada exercida no momento<br />

da celebração do pacto deve prevalecer. Logo, a mãe hospedeira<br />

seria obrigada a entregar o seu filho gerado.<br />

4.i.2. A pluriparentalidade ou multiparentalidade: teoria tridimensional<br />

da filiação<br />

Como já aduzido neste capítulo, a filiação pode ser biológica,<br />

registrai ou socioafetiva, sendo todos os critérios importantes e não<br />

hierarquizados.<br />

Nesse sentido, alguns autores questionam o paradigma da filiação<br />

unitária, pugnando pela possibilidade de filho com dois pais ou<br />

duas mães. Essa questão, contudo, é vista com extrema resistência<br />

na doutrina atual.<br />

De fato, a pluriparentalidade acarreta o problema inevitável da<br />

multi-hereditariedade. A quebra paradigmática ao ordenamento jurídico<br />

legislado, o risco futuro à ordem de vocação hereditária, são<br />

obstáculos a se considerar contra a tese da pluriparentalidade.<br />

336


PARENTESCO<br />

O princípio da legalidade e da segurança jurídica constituem relevantes<br />

empecilhos ao desenvolvimento da tese.<br />

Toda a legislação vigente é construída partindo do pressuposto<br />

do parentesco unitário. A ideia de se iniciar uma nova análise partindo<br />

do pressuposto do parentesco tridimensional provoca ruptura<br />

agressiva em demasia ao texto legal.<br />

O comprometimento da legalidade é visível e isto já seria bastante<br />

para impedir a aplicação da multiparentalidade.<br />

Ao lado disto, o princípio da segurança jurídica, reconhecido por<br />

todos, é posto em situação de risco pela teoria tridimensional do<br />

parentesco, não sendo possível extrair desta mais do que a mesma<br />

poderia efetivamente dar.<br />

Portanto, em casos de provas nos concursos públicos o candidato<br />

deve fazer referência à existência desta teoria com as ressalvar<br />

acima.<br />

• Como os tribunais estão entendendo a questão da pluriparentalidade?<br />

Apesar do Superior Tribunal de Justiça ainda não ter se manifestado à<br />

respeito do tema, encontramos em alguns Tribunais de Justiça acórdãos<br />

sobre a multiparentalidade. No Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul<br />

já se entendeu - por duas oponunidades - pela inadmissibilidade da<br />

pluriparentalidade. A este respeito confira a apelação cível 70018836130<br />

e 70031164676.<br />

Entrementes, doutrinariamente há que entenda a possibilidade de uma<br />

paternidade alimentar. Leia-se, que tanto o pai biológico como o sócioafetivo<br />

sejam condenados ao pagamento de alimentos.<br />

4.2. Sistema de Presunção de Filiação<br />

Maria Helena Diniz' 7 esclarece que o Código Civil adotou um "jogo<br />

de presunções, fundadas em probabilidades" para os filhos havidos<br />

ou gerados na constância do matrimônio. Tais presunções, malgrado<br />

forte, são relativas (juris tantum), admitindo prova contrária.<br />

27. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26• Ed . São Paulo: Saraiva,<br />

2011, p.483.<br />

337


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A expressão pater is este quaem justae iwptiae demonstrante (pai<br />

é aquele indicado pelas núpcias) é antiga e conhecida de todos, ao<br />

lado de uma outra tão importante quanto: mater semper certa est<br />

(a mãe é sempre certa). O pressuposto natural deste sistema de<br />

presunções, segundo o qual o filho nascido seria do casal, revela-se<br />

desde o Código de Hamurabi e funda-se numa concepção patrimonialista<br />

de família.<br />

Cediço que a mãe é sempre certa, ao passo que gesta a criança<br />

e dá a luz. Já sobre o pai, apesar das presunções, há dúvidas. Justo<br />

por isto, as presunções ora analisadas são aplicadas à figura paterna,<br />

na hipótese de matrimônio.<br />

Porém, o avanço tecnológico trouxe outras formas de se dar origem<br />

aos filhos, tendo o CC apresentado avanço neste particular, forte<br />

no princípio da verdade real. Tanto é assim que o Superior Tribunal<br />

de Justiça já decidiu: "o filho nascido na constância do casamento pode<br />

buscar o seu verdadeiro pai em ação de investigação de paternidade"<br />

(REsp. 195527/SP).<br />

Esclarecedora a doutrina de Flávio Tartuce' 8 ao reconhecer a diminuição<br />

da relevância prática do sistema de presunções, nada obstante<br />

remanescer utilidade deste "na questão do regístro da criança".<br />

o mesmo é advertido por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald29,<br />

para quem estas presunções não consideram a verdade<br />

biológica, presumindo a mãe pelo parto e o pai pelo casamento,<br />

ignorando problemas como a gestação em útero alheio, troca de<br />

bebês em maternidades, infidelidade, ou mesmo técnicas de reprodução<br />

assistida heteróloga.<br />

Como a jurisprudência atual tem decidido estas questões?<br />

Quanto à troca de bebês em maternidades, especialmente à vista<br />

da séria questão entre o parentesco afetivo e o biológico, o Superior<br />

Tribunal de Justiça possui julgado importante sobre o tema, reconhecendo<br />

o damnum in re ipsa em desfavor da maternidade, que há de<br />

arcar com indenização, pelo fato de a troca dos bebês ter acontecido<br />

28. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.331.<br />

29. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Editora JusPodivm, 2012, p.643.<br />

338


PARENTESCO<br />

em seu estabelecimento. (REsp. n° 355.392). Também já decidiu assim<br />

o Supremo Tribunal Federal no RE n° 327143/PE). O dano em comento<br />

é puro, decorrendo da simples troca.<br />

De fato, tais sistemas estão envelhecendo e se tornando obsoletos.<br />

O advento do DNA e o avanço da cultura jurídica apresentam<br />

novas formas de abordagem de tais institutos.<br />

Já estudamos os diversos efeitos que o casamento acarreta na<br />

vida das pessoas. Poderíamos destacar, para compreender o sistema<br />

de presunção de filiação, que o matrimônio gera a um só tempo<br />

o dever de fidelidade, decorrente da monogamia, a convivência em<br />

more uxória, e, finalmente, o debitum conjugale.<br />

Nesta ordem de ideias, é fácil concluir que os filhos concebidos<br />

ou nascidos na constância do casamento são presumidamente do<br />

casal. É isto o que irá afirmar o art. i.597 do CC.<br />

Cinco são as hipóteses presumidas. Presumem-se concebidos<br />

na constância do casamento os filhos: a) nascidos cento e oitenta<br />

dias depois de estabelecida a convivência conjugal; b) nascidos nos<br />

trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal; c)<br />

havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o<br />

marido; d) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões<br />

excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga e,<br />

finalmente, e) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde<br />

que tenha prévia autorização do marido.<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca organizadora CESPE, em concurso público realizado para o provimento<br />

de cargo de Analista e Consultor Legislativo da Câmara do Deputados,<br />

ano de 2014, considerou verdadeira a seguinte assertiva: uÀ união<br />

estável, constitucionalmente reconhecida como entidade familiar, aplica ­<br />

-se, da mesma forma que nos casamentos, o princípio da presunção de<br />

paternidade aos filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à sua<br />

dissolução pela morte do convivente".<br />

~ E na hora da prova?<br />

O concurso público destinado a Serviço de Notas e de Registro - TJMA,<br />

banca IESES, ano de 2011, considerou correta a afirmativa: "presumem-se<br />

concebidos na constância do casamento os filhos havidos por inseminação<br />

artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido".<br />

339


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução n°<br />

2.013/2013, anteriormente referida, a qual reconhece as técnicas de<br />

reprodução assistidas como aptas ao auxílio nos problemas da reprodução<br />

humana, por facilitar a procriação quando outras opções<br />

terapêuticas se apresentarem ineficazes.<br />

Estas técnicas devem ser utilizadas apenas quando haja probabilidade<br />

efetiva de sucesso e desde que não exista risco grade à<br />

saúde do paciente ou do descendente desejado. O consentimento<br />

informado é obrigatório e constitui dever ético do profissional da<br />

medicina não apenas aos pacientes, como aos doadores, com dados<br />

de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. A seleção sexual<br />

(sexagem) é proibida expressamente, assim como a eleição de qualquer<br />

tipo de característica biológica "exceto quando se trate de evitar<br />

doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer".<br />

Outrossim, para a doação de material genético também fora fixada<br />

idade máxima de 30 (trinta) anos para as mulheres de 50 (cinquenta)<br />

anos para os homens.<br />

Neste contexto é plenamente possível que após o nascimento da<br />

criança haja embriões excedentários. Aqui uma importante dúvida<br />

surgirá: seria possível as pesquisas em embriões excedentários das<br />

técnicas artificiais de criação?<br />

O tema é altamente divergente.<br />

Quando do surgimento da polêmica, consignou o CJF, nas suas<br />

Jornadas de Direito Civil, especificamente em seu Enunciado de n• 2,<br />

que: "sem prejuízo dos direitos da personalidade, nele assegurados, o<br />

art. 2° do Código Cívil não é sede adequada para questões emergentes<br />

da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio".<br />

Tempos depois, o Congresso Nacional editou a Lei 11.105/2005, intitulada<br />

de Lei de Biossegurança. Tal norma, específica sobre o tema,<br />

assevera em seu art. 5° a possibilidade da utilização de células-tronco<br />

embrionárias, obtidas de embriões humanos, produzidos por fertilização<br />

in vitro e não utilizados no procedimento, para pesquisa e<br />

terapia genética, desde que:<br />

• Sejam embriões inviáveis; ou<br />

• sejam embriões congelados há 3 (três) anos, ou mais.<br />

340


PARENTESCO<br />

• Em ambas as hipóteses exige-se a autorização dos pais.<br />

Ademais, a utilização destes embriões está condicionada à apreciação<br />

e aprovação do projeto, pelos Comitês de Ética Médica da<br />

instituição ou entidade responsável. Veda-se, ainda, a comercialização<br />

dos embriões, sob pena de configuração do tipo penal, previsto<br />

no art. 15 da Lei em referência, com pena de reclusão de 3 (três) a<br />

8 (oito) anos e multa.<br />

Neste cenário, muitas vozes se levantaram contra o aludido artigo,<br />

clamando pela sua inconstitucionalidade. Foi, então, agitada a<br />

ADI 3510, aduzindo a inconstitucionalidade do artigo em questão, por<br />

desrespeito do direito à vida.<br />

~ Como entendeu o Supremo Tribunal Federal?<br />

o Supremo Tribunal Federal, em maio de 2oo8, por maioria afastou a pretendida<br />

inconstitucionalidade do anigo 5°. A constitucionalidade fundou­<br />

-se em um juízo de ponderação de interesses, afirmando a Suprema<br />

Cone que o direito à saúde de milhares de pessoas, dependentes de<br />

tais pesquisas para avanço e melhora e suas patologias, haveria de ser<br />

contemplado. Não se posicionou, porém, de forma clara, a respeito se<br />

haveria vida, ou não, em tais embriões.<br />

Logo, é plenamente possível a utilização dos embriões excedentários<br />

em pesquisas e terapias genéticas, desde que respeitado os<br />

requisitos postos.<br />

Mas surge disto um problema a ser abordado!<br />

No mesmo ano de 2008, agora no dia 3 de dezembro, o Supremo<br />

Tribunal Federal entendeu pela inconstitucionalidade da prisão civil<br />

de depositário infiel, tendo em vista o conteúdo supralegal do Pacto<br />

de San José da Costa Rica .<br />

Mas o que isso tem de relação com nosso tema? Muito! De fato,<br />

realizando uma leitura do aludido instrumento internacional infere­<br />

-se no seu art. 4, n• 1, que a vida é protegida desde a concepção.<br />

Transcreve-se:<br />

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.<br />

Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o<br />

momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida<br />

arbitrariamente.<br />

347


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ora, ao ser elevado o pacto à categoria supralegal, será que não<br />

deveria sobrepor-se ao Código Civil e à Lei de Biossegurança, conferindo-se<br />

a aplicação da tese concepcionista, ao revés da natalista?<br />

E, na mesma linha, já que a vida deve ser protegida desde a<br />

concepção, em virtude de decisão da Corte Suprema, como pode<br />

ser mantida a decisão anterior que ordena as pesquisa em células­<br />

-tronco? Tais raciocínios apenas devem ser levantados em provas<br />

subjetivas. Fiquem atentos! No futuro, seguramente, o Supremo Tri ­<br />

bunal Federal haverá de aparar mais essa aresta.<br />

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?<br />

A propósito deste assunto, em concurso prestado para Procurador da<br />

República (13° ao 24° CPR), na fase subjetiva (22• questão), o concursado<br />

deveria abordar o seguinte tema: Acesso a recursos genéticos. Pesquisa<br />

científica em seres humanos. Limites éticos e legais (até 15 lin).<br />

Segundo no estudo do tema e no atual cenário científico, ganha<br />

importância a análise das técnicas de reprodução assistida, gênero<br />

no qual são espécies a inseminação artificial (concepção no próprio<br />

corpo da mulher) e a fertilização in vitro (concepção fora do corpo<br />

da mulher).<br />

~ Atenção!<br />

Fecundação: /ecundotio, fecundare = fertilizar.<br />

Inseminação: inseminori, in - dentro + semen - semente = colocação do<br />

sêmen ou do óvulo fecundado na mulher.<br />

Muitas vezes fecundação e inseminação vêm sendo utilizadas<br />

como sinônimos. A inseminação homóloga é feita com sêmen do marido<br />

e a heteróloga com o de pessoa terceira. A inseminação post<br />

mortem é a realizada com sêmen ou embrião após a morte do doador<br />

do sêmen.<br />

Há, basicamente, dois métodos de reprodução artificial: o ZIFT<br />

- fecundação realizada fora do corpo da mulher (in vitro) e o GIFT<br />

- introdução de gameta, por meio artificial, no corpo da mulher, esperando<br />

que a própria natureza faça a fecundação.<br />

O Enunciado n° 105 do CJF afirma que as expressões fecundação,<br />

ou concepção artificial, assim como inseminação artificial devem ser<br />

342


PARENTESCO<br />

interpretadas como "técnicas de reprodução assistida", no que concordamos<br />

pois assim é realizada a operabilidade do direito privado<br />

e, por consequência, implementada a força e o espírito da lei.<br />

Já o Enunciado n° 257 faz a advertência de que tais expressões, entretanto,<br />

não devem ser confundidas com óvulos doados, ou gestação de<br />

substituição, pois tais assuntos são distintos e alheios ao art. 1.597 do CC.<br />

• E na hora da prova?<br />

sobre o tema, a banca CESPE em concurso destinado ao cartório do TJ-SE. ano<br />

de 2014. considerou INCORRETA a seguinte assertiva: "As expressões fea.mdação<br />

artificial, concepção artificial e inseminação artificial, utilizadas no Código<br />

CMI, devem ser interpretadas extensivamente para abranger as hipóteses de<br />

utilização de ówlos doados e de gestação de substituição".<br />

Segundo o inciso Ili do art. i.597 do CC, deve ser reconhecido<br />

como gerado na constância do casamento o filho derivado de inseminação<br />

artificial homóloga, ou seja, proveniente de material genético<br />

do próprio casal.<br />

Interessante notar que o codificador admite, de maneira aberta,<br />

a possibilidade de inseminação após a morte, sem qualquer tipo de<br />

exigência. Apesar disto, a doutrina limita sobremaneira a prática post<br />

morrem, havendo enunciado em jornada de direito civil a impor que<br />

a mulher somente poderá utilizar da aludida técnica acaso tenha autorização<br />

expressa e específica do marido para tanto e, cumulativamente<br />

a isto, esteja na condição de viúva. Interessante esta situação<br />

diante do princípio da legalidade, posto no art. 5°, li, da CF.<br />

Afirma-se que a ninguém é dado fazer, ou deixar de fazer, senão<br />

em virtude de lei. Apesar disto, a doutrina elabora limitações<br />

não apresentadas pelo texto da lei. Sobre o assunto, conferir<br />

Enunciado n° 106 segundo o qual. "Para que seja presumida a paternidade<br />

do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se<br />

submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material<br />

genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória,<br />

ainda, a autorização escrito do marido para que se utilize seu<br />

material genético após sua morte".<br />

O enunciado em destaque avança para além do texto legal,<br />

apresentando exigência e restrições não traçadas pela lei, de<br />

343


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

modo que, não estando viúva ou não havendo autorização para<br />

uso do material após a morte, ficaria proibida a presunção em<br />

tela.<br />

Também entende a doutrina que a extinção da sociedade conjugal<br />

impede a inseminação artificial, salvo se houver autorização<br />

expressa e específica para tal prática, ainda que nesta hipótese.<br />

É o Enunciado n° 107 do C]F: "finda a sociedade conjugal, na forma<br />

do art. 1.571, deste Código, a regra do inciso IV somente poderá ser<br />

aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges,<br />

para utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revoga ­<br />

da até o início do procedimento de implantação destes embriões".<br />

Interessante notar que a doutrina - à exemplo do Enunciado<br />

n° 127 do CJF - propõe a alteração do inciso Ili do art. i.597 para<br />

excluir a possibilidade de inseminação pos mortem, sob o argumento<br />

segundo o qual os princípios da paternidade responsável<br />

e da dignidade humana vedariam a possibilidade de nascimento de<br />

uma criança sem pai.<br />

Flávio Tartuce 3 º vê a polêmica desta proposta de alteração normativa<br />

e afirma, acertadamente, que não há proibitivo expresso<br />

para tanto no direito nacional.<br />

• Atenção!<br />

A doutrina sustenta que o inciso IV do art. i.597 do CC deveria ser revogado<br />

tendo em vista violentar o princípio constitucional da igualdade,<br />

isto, porque, apenas a mulher poderia se valer do reconhecimento dos<br />

embriões excedentários, o que seria incompatível com o art. 5°, I, da CF.<br />

Este é o mesmo entendimento do IBDFAM, que apresentou ao Congresso<br />

Nacional o Estatuto das Famílias, cujo art. 73 revogaria o dispositivo cível<br />

vigente. Interessante ainda é o Enunciado 129 do CJF ao propor alteração<br />

ao CC para acrescer-lhe o art. 1.797-A, para autorizar à mulher infértil ou<br />

estéril utilizar as técnicas da reprodução assistida, deixando induvidosa tal<br />

possibilidade para, com isto, englobar solução à maternidade sub-rogada.<br />

30. TAllTUCE, Flãvio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.33i.<br />

344


PARENTESCO<br />

Atenta a todas estas questões, a atual Res.olução do Conselho Federal<br />

de Medicina sobre o tema (Resolução 2.013?2013), afirma, categoricamente,<br />

a possibilidade de utilização do método por famílias homoafetivas<br />

e pessoas solteiras.<br />

O permissivo veio em boa hora, ao passo que já há, no ordenamento<br />

jurídico pátrio, vasto reconhecimento ao caráter instrumental das famílias,<br />

em busca da tutela do ser. Soma-se a isto o reconhecimento da<br />

família homoafetiva como núcleo familiar (ADPF 132/RJ), bem como o<br />

síngle (Súmula 364 do STJ).<br />

Surge, outrossim, a necessidade de se analisar o art. i.597 do<br />

CC em harmonia com o art. i.798 do CC. o qual legitima a suceder<br />

as pessoas nascidas, ou já concebidas no momento do óbito. Desta<br />

maneira, é possível afirmar haver um critério objetivo a reconhecer<br />

o direito sucessório ao concebido em tais casos.<br />

Na doutrina o tema é enfrentado pelo Enunciado n° 267 do CJF,<br />

para o qual: "A regra do art. 1198 do Código Civil deve ser estendida<br />

aos embriões formados mediante o uso e técnicas de reprodução assistida,<br />

abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a<br />

nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para<br />

a petição da herança".<br />

Trata-se de importante afirmação doutrinária por reconhecer direito<br />

hereditário à embrião. O assunto será visto, de forma mais<br />

aprofundada no direito sucessório.<br />

Importa notar que no âmbito das técnicas de reprodução assistida<br />

envolvendo o emprego do material genético de terceiro (heteróloga),<br />

o pressuposto tático da relação sexual é substituído pela autonomia<br />

privada, juridicamente qualificada, acarretando presunção de<br />

paternidade, na forma do Enunciado n° 104 do CJF.<br />

Há, inclusive, possibilidade de se configurar presunção absoluta<br />

(iure et de iure) de paternidade proibida, pois, de ser elidida por<br />

ajuizamento a posteriori de eventual ação negatória de paternidade,<br />

prevista no art. i.601 do CC. sob pena de venire contra factum proprio<br />

e quebra ao princípio da boa-fé objetiva, enquanto regra de conduta,<br />

na forma do Enunciado n° 258 do CJF.<br />

345


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Com efeito, a vedação do comportamento contraditório funda-se<br />

na proteção da confiança, tal como se extrai do art. 187 e 422 do<br />

CC, aplicando-se efetivamente ao direito de família. Sobre o tema, o<br />

Enunciado n° 362 do CJF.<br />

Finalmente é chegada a hora de tratar do inciso V, do art. 1.597<br />

do CC, avançando para analisar os casos em que o material genético<br />

utilizado é de pessoa estranha ao casal, daí o termo inseminação<br />

artificial heteróloga.<br />

Existe no âmbito do Conselho Federal de Medicina a Resolução<br />

n. i.358/92 que disciplina a conduta médica a ser adotada na reprodução<br />

assistida e garante o sigilo do doador de sêmen, vedando a<br />

utilização desta técnica em mulheres não casadas, ou fora de união<br />

estável, sob pena de facilitar o surgimento de filhos sem pai. Outra<br />

importante disciplina é a Resolução n. 2.013/2013 do Conselho Federal<br />

de Medicina a exigir consentimento prévio, expresso e escrito de<br />

todos os envolvidos.<br />

Quanto ao anonimato, duas correntes se formam derredor do<br />

assunto, a saber:<br />

• Posicionamento 1: o sigilo é absoluto e deve ser respeitado, pois isto<br />

significa garantia jurídica a ambas as partes, de modo que apenas<br />

os médicos poderiam conhecer de tais informações (Fábio Ulhôa<br />

Coelho).<br />

• Posicionamento 2: o sigilo pode ser flexibilizado em situações<br />

relevantes, como tratamento médico, sempre por decisão judicial,<br />

assegurando os direitos da personalidade do filho, além dos<br />

casos de investigação de ancestralidade, e de origem genética<br />

(Cristiano Chaves de Farias).<br />

Ainda que se flexibilize o sigilo, nunca se poderá admitir uma imposição<br />

de paternidade indesejada em situações como estas, como<br />

já afirma a doutrina no Enunciado n° 258 do CJF ao afirmar que a<br />

presunção, neste caso, é absoluta.<br />

Em síntese: na inseminação artificial heteróloga o material genético<br />

utilizado provém de terceira pessoa (doador de material genético).<br />

Nesse sentido, imprescindível o consentimento do marido, eis<br />

que o parentesco biológico irá se curvar ao parentesco registrai. Não<br />

haverá vínculo a ser formado com o doador do material genético<br />

346


PARENTESCO<br />

(cf. artigo 311-19, do Código Civil Francês - de onde se retira que o<br />

doador do material genético jamais será pai). Trata-se da autonomia<br />

privada como mecanismo ensejador da relação de filiação.<br />

Todavia, uma pergunta há de ser feita : o fruto do método artificial<br />

de criação tem direito ao conhecimento da sua origem genética?<br />

À luz dos direitos da personalidade parte da doutrina, a exemplo<br />

de Selma Pertele, defende a tese de que há um direito fundamental<br />

ao conhecimento da origem genética. O habeas genoma poderia ser<br />

imaginado como remédio heróico apto a tal finalidade, ante o direito<br />

constitucional ao conhecimento da ancestralidade.<br />

~ Como se pronunciou o STJ?<br />

O Superior Tribunal de Justiça, por mais de uma oportunidade, já assegurou<br />

tal direito. Transcreve-se ementa mais recente:<br />

RELAÇÃO AVOENGA. ANCESTRALIDADE. <strong>DIREITO</strong> PERSONALÍSSIMO.<br />

Trata-se de matéria remetida da Terceira Turma à Segunda<br />

Seção. A questão versa sobre a legitimidade dos netos<br />

para ajuizar, em face dos sucessores de seu pretenso<br />

avô, ação declaratória de relação avoenga c/c petição de<br />

herança, considerado o falecimento do pai, que não buscou<br />

em vida o reconhecimento da filiação. Predominou,<br />

no acórdão recorrido, o entendimento de faltar aos netos<br />

legitimidade para agir, pois não poderiam pleitear direito<br />

alheio em nome próprio, conduzindo à carência da ação.<br />

Porém, para a Min. Relatora, os direitos da personalidade,<br />

entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da<br />

origem genética, são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis,<br />

extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e<br />

oponíveis erga omnes. Os netos, assim como os filhos,<br />

possuem direito de agir próprio e personalíssimo, de pleitear<br />

declaratória de relação de parentesco em face do<br />

avô ou dos herdeiros, se morto aquele, porque o direito<br />

ao nome, à identidade e à origem genética está intimamente<br />

ligado ao conceito de dignidade da pessoa humana.<br />

O direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e,<br />

dessa forma, possui tutela jurídica integral e especial<br />

nos moldes dos arts. 5° e 226 da CF/1988. O art. 1.591 do<br />

CC/2002, ao regular as relações de parentesco em linha<br />

reta, não estipula limitação dada sua infinidade, de modo<br />

347


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

que todas as pessoas oriundàs de um tronco ancestral comum<br />

sempre serão consideradas parentes entre si, por<br />

mais afastadas que estejam as gerações. Dessa forma,<br />

uma vez declarada a existência de relação de parentesco<br />

na linha reta a partir do segundo grau, essa gerará todos<br />

os efeitos que o parentesco em primeiro grau (filiação)<br />

faria nascer. As relações de família, tal como reguladas<br />

pelo Direito, ao considerarem a possibilidade de reconhecimento<br />

amplo de parentesco na linha reta, ao outorgarem<br />

aos descendentes direitos sucessórios na qualidade<br />

de herdeiros necessários e lhes resguardando a legítima e,<br />

por fim, ao reconhecerem, como família monoparental, a<br />

comunidade formada pelos pais e seus descendentes, inequivocamente<br />

se movem no sentido de assegurar a possibilidade<br />

de que sejam declaradas relações de parentesco<br />

pelo Judiciário para além das hipóteses de filiação. Por<br />

fim, considerada a jurisprudência deste Superior Tribunal<br />

no sentido de ampliar a possibilidade de reconhecimento<br />

de relações de parentesco e desde que, na origem, seja<br />

conferida a amplitude probatória que a hipótese requer.<br />

há perfeita viabilidade jurídica do pleito dos netos de verem<br />

reconhecida a relação avoenga, afastadas, de rigor,<br />

as preliminares de carência da ação por ilegitimidade de<br />

parte e impossibilidade jurídica do pedido, sustentadas<br />

pelos herdeiros do avô. Isso posto, a Seção, por maioria,<br />

deu provimento ao recurso. REsp 8o7.849-RJ, Rei. Min.<br />

Nancy Andrighi, julgado em 24/3/2010 (ver Informativos ns.<br />

257 e 425).<br />

Recente mudança legislativa (2009) nas normas referentes à adoção<br />

prestigiou esta tese, como se infere do artigo 48 do ECA. Cita-se:<br />

Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica,<br />

bem como de obter acesso irrestrito ao processo no<br />

qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após<br />

completar 18 (dezoito) anos. (Redação dada pela Lei n• 12.010,<br />

de 2009).<br />

Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser<br />

também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a<br />

seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e<br />

psicológica. (Incluído pela Lei n• 12.010, de 2009).<br />

348


PARENTESCO<br />

O entendimento ora exposado também é doutrinário, nas pegadas<br />

do Enunciado n° 258 do CJF.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Cespe - Juiz de Direito - TJ-DFT/2014) Assinale a opção correta à luz do<br />

entendimento jurisprudencial predominante no STJ.<br />

A) Admite-se a alteração do regime de bens dos casamentos celebrados<br />

após a vigência do Código Civil de 2002, independentemente de qualquer<br />

ressalva em relação a direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos,<br />

em respeito ao princípio da autonomia dos consortes.<br />

B) A paternidade socioafetiva decorrente de adoção à brasileira impede<br />

a anulação do registro de nascimento para o reconhecimento da paternidade<br />

biológica, ainda quando requerida pelo filho adotado nessas<br />

circunstâncias.<br />

C) Permite-se a averbação, no termo de nascimento do filho, da alteração<br />

do patronímico materno em decorrência do casamento, mas não a<br />

averbação do nome de solteira da genitora, caso esta, em decorrência<br />

de divórcio ou separação judicial, deixe de utilizar o nome de casada.<br />

D) A prática conhecida como adoção à brasileira, assim como a adoção<br />

legal, rompe definitivamente os vínculos civis entre o filho e os pais<br />

biológicos, desfazendo, por consequência, todos os conseáários legais<br />

da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditários.<br />

E) O direito de reconhecimento da origem genética insere-se nos atributos<br />

da própria personalidade, de modo que, entre o vínculo socioafetivo<br />

decorrente da adoção à brasileira e os vínculos biológicos decorrentes<br />

do nascimento, devem prevalecer os vínculos biológicos, sempre que o<br />

filho assim desejar.<br />

Gabarito: E<br />

A Constituição da Confederação da Suíça de 1999. em seu art. u9,<br />

prevê o direito à origem genética assegurando o acesso a toda e<br />

qualquer informação a este respeito em fiel respeito à origem ancestral<br />

sem que isto venha a significar qualquer tipo de consequência<br />

jurídica de filiação.<br />

Neste ponto, porém, uma distinção há de ser realizada. Não se<br />

deve confundir direito à origem genética com reconhecimento de<br />

filiação. O que é assegurado pelo artigo 48 da Lei de Adoção, acima<br />

transcrito, é o direito subjetivo fundamental de conhecimento da<br />

349


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

origem genética. Isto, porém, não vai assegurar o necessário reconhecimento<br />

da filiação, com os decorrentes direitos a alimentos, sucessões,<br />

sobrenome, entre outras questões. Em suma: não se deve<br />

impor uma paternidade indesejada ao nobre ato de doação do material<br />

genético.<br />

Seguindo com as possíveis dúvidas, pergunta-se: o que fazer se<br />

não houver o consentimento?<br />

Faltando o consentimento, a paternidade na inseminação heteróloga<br />

não será presumida. Tratar-se-ia de algo parecido a um adultério<br />

casto, por envolver infidelidade sem relação carnal.<br />

Outra questão interessante é perquirir se as presunções, ora tratadas,<br />

se aplicam à união estável?<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo isto?<br />

No Informativo STJ n• 508 (REsp 1.194.059-SP, julgado em o6/11/2012)<br />

o Superior Tribuna de Justiça entendeu que o sistema de presunção<br />

da paternidade para o casamento (d. artigo 1.597, do Código<br />

Civil) também se aplica à união estável. Trata-se de uma importante<br />

novidade no STJ que, pela primeira vez, entendeu assim.<br />

Aguardemos a formação de jurisprudência sobre o assunto que, certamente,<br />

seguirá a trilha deste precedente. Eis o conteúdo do julgado:<br />

Informativo STJ n• 508, de 14 de novembro de 2012. TER­<br />

CEIRA TURMA. <strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. UNIÃO ESTÁVEL. PRESUNÇÃO DE<br />

CONCEPÇÃO DE FILHOS. A presunção de concepção dos filhos<br />

na constância do casamento prevista no art. 1.597,<br />

li, do cc se estende à união estável. Para a identificação<br />

da união estável como entidade familiar, exige-se a convivência<br />

pública, contínua e duradoura estabelecida com<br />

o objetivo de constituição de família com atenção aos<br />

deveres de lealdade, respeito, assistência, de guarda,<br />

sustento e educação dos filhos em comum. O art. i.597,<br />

li, do cc dispõe que os filhos nascidos nos trezentos dias<br />

subsequentes à dissolução da sociedade conjugal presumem-se<br />

concebidos na constância do casamento. Assim,<br />

admitida pelo ordenamento jurídico pátrio (art. 1.723 do<br />

CC), inclusive pela CF (art. 226, § 3° ), a união estável e<br />

reconhecendo-se nela a existência de entidade familiar,<br />

aplicam-se as disposições contidas no art. i.597, li, do CC<br />

ao regime de união estável. Precedentes citados do STF:<br />

350


PARENTESCO<br />

ADPF 132-RJ, OJe 14/10/2011; do STJ: REsp 1.263.015-RN, DJe<br />

26/6/2012, e REsp 646.259-RS, DJe 24/8/2010. REsp 1.194-059·<br />

SP, Rei. Min. Massami Uyeda, julgado em 6/11/2012.<br />

Registra-se que este entendimento já era consagrado por Maria<br />

Berenice Dias 11 e Rolf Madaleno 32 , autores que já sustentavam em<br />

suas obras a absoluta incongruência do legislador em não observar,<br />

por isonomia, a incidência do sistema de presunções à união estável.<br />

Ao que parece, a jurisprudência caminhará ao encontro da doutrina.<br />

O sistema de presunção de filiação ocorre para a lei, portanto,<br />

em situações envolvendo o casamento, e para a doutrina, em situações<br />

envolvendo união estável.<br />

Lembrando que tais presunções são relativas, poder-se-ia falar<br />

em afastamento em alguns casos?<br />

O Código Civil veicula ressalvas a tais presunções de paternidade,<br />

como no caso do art. i.599 (prova da impotência generandi à época<br />

da concepção), o art. i.6oo e i.602 (a confissão materna não é suficiente<br />

para excluir a paternidade, ou seja, a confissão do adultério<br />

pela mulher não é suficiente para excluir a paternidade).<br />

Vistas as presunções, questiona-se: o que seria a perfilhação?<br />

Perfilhação é o reconhecimento voluntário de filiação. Tem larga<br />

aplicação fora do casamento e união estável, pois, durante o matrimônio<br />

e união estável, vigem as presunções.<br />

De acordo com o art. i.609 do CC, o reconhecimento dos filhos<br />

havidos fora do casamento é irretratável e irrevogável e será feito<br />

no registro do nascimento, por escritura pública ou escrito particular,<br />

a ser arquivado em cartório, por testamento, ainda que incidentalmente<br />

manifestado ou, finalmente, por manifestação direta e expressa<br />

perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o<br />

objeto único e principal do ato que o contém.<br />

3i. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 4• Ed, 2007, p,<br />

323.<br />

32. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família, Rio de Janeiro: Forense, 2oo8, p, 420.<br />

351


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como este assunto vem sendo cobrado em concurso público?<br />

(Promotor de Justiça Substituto - MPE/SE - CESPE - 2010) Com relação ao<br />

reconhecimento dos filhos. assinale a opção correta.<br />

Gabarito: d) O ato de reconhecimento de paternidade é espontâneo, solene,<br />

público, incondicional, irrevogável e indisponível, porquanto gera o estado<br />

de filiação.<br />

O reconhecimento não pode ser revogado, mesmo quando feito<br />

em testamento. Assim, ainda que se revogue o testamento, acaso<br />

este veicule um reconhecimento de filiação, o mesmo permanecerá.<br />

~ Atenção!<br />

O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior<br />

ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. No último caso, a lei<br />

objetiva evitar que sentimentos menores e egoístas, de cunho exclusivamente<br />

patrimoniais, levem alguém à reconhecer filho morto. Permite-se<br />

o reconhecimento do filho já falecido, contudo, nesse caso, o reconhecimento<br />

somente será possível na hipótese de existirem descendentes<br />

do filho falecido. Isso, porque, nessa situação, o pai que reconhece a<br />

paternidade não será chamado a suceder no inventário do filho reconhecido,<br />

eis que os descendentes deste preferem na ordem de sucessão<br />

hereditária.<br />

Nas pegadas do art. 1.614 do CC, o reconhecimento voluntário de<br />

filhos exige a concordância do reconhecido, acaso maior. Em sendo<br />

menor, não haverá como este manifestar a sua aquiescência. Neste<br />

caso, quando da maioridade, haverá o prazo decadencial de quatro<br />

anos, para impugnar o reconhecimento. Para muitos o prazo deve<br />

ser considerado como impróprio, pois a demanda filiatória (seja<br />

positiva ou negativa) envolve direito subjetivo, extrapatrimonial e<br />

indisponível, sendo imprescritível.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Promotor de Justiça - MPE/AP - FCC - 2012) Mauro e José contam, respectivamente,<br />

com dezoito e treze anos de idade. Paulo declara-se pai<br />

de Mauro e José neste ano de 2012 e pretende reconhecê-los como<br />

filhos. pois ambos seriam frutos de um relacionamento de oito anos que<br />

manteve com Ana. genitora de Mauro e José. Nesta hipótese, de acordo<br />

com o Código Civil,<br />

352


PARENTESCO<br />

Gabarito: d) precisará do consentimento expresso de Mauro para o reconhecimento<br />

e José poderá impugnar o reconhecimento nos quatro anos que<br />

se seguirem à maioridade ou à emancipação.<br />

4.3. Investigação de Paternidade<br />

É um procedimento comum ordinário que se manifesta por meio<br />

de uma ação declaratória e, portanto, com pretensão imprescritível.<br />

Visa o reconhecimento forçado de filiação, haja vista a ausência de<br />

incidência do sistema de presunções e de perfilhação.<br />

I> E na hora da prova?<br />

A banca organizadora CESPE, em certame destinado ao provimento de<br />

cargo de Analista e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, ano<br />

de 2014, considerou verdadeira a seguinte assertiva: "Por tratar de direito<br />

personalíssimo, a ação de investigação de paternidade é imprescritível,<br />

sendo a sua sentença de cunho declaratório".<br />

A investigatória de paternidade tem por escopo reconhecer uma<br />

relação de parentesco de primeiro grau. Busca-se tutelar direito subjetivo<br />

personalíssimo, extrapatrimonial e indisponível; qual seja: o<br />

estado civil das pessoas. Por envolver direito fundamental, além de<br />

ter como escopo uma declaração, a aludida imprescritibilidade é visível.<br />

nas pegadas do art. 27 do ECA e da doutrina de Flávio Tartuce 33 •<br />

Segundo o ECA o reconhecimento do estado de filiação é direito<br />

personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado<br />

contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado<br />

o segredo de Justiça.<br />

Malgrado a imprescritibilidade do reconhecimento de filiação ou<br />

paternidade, o eventual direito à herança, este, sim, prescreve. Oraciocínio<br />

é claro: petição de herança tem como objetivo uma pretensão<br />

de cunho subjetivo, patrimonial e disponível, sendo manejada<br />

por uma ação condenatória. O que se quer, na petição de herança, é<br />

a condenação dos demais herdeiros à divisão patrimonial.<br />

33. TARTUCE, Flâvio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.355.<br />

353


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende a<br />

questão?<br />

Súmula n• 149: É imprescritível a ação de investigação de paternidade,<br />

mas não o é a de petição de herança.<br />

Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao distinguir<br />

o pedido de investigação de paternidade, do pedido de herança e<br />

afirmar que apenas este último sujeita-se à prescrição. Neste sentido, o<br />

Recurso Especial n• 69p30/MG.<br />

Atualmente, doutrina e jurisprudência afirmam que o prazo para a petição<br />

da herança é de dez anos, a contar da data do óbito, por força do<br />

art. 205 do CC.<br />

Este reconhecimento forçado da filiação surge através de sentença<br />

judicial, nos autos de uma ação de estado.<br />

A doutrina tem avançado para alargar a possibilidade prática<br />

desta ação para viabilizar o ajuizamento da mesma em favor de<br />

avós, tios, sobrinhos, etc. Maria Berenice dias 34 sugere que o termo<br />

limitador investigação demonstraria um "ranço cultural", daí porque,<br />

tal qual sustentam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 3 s,<br />

melhor é a expressão investigação de parentalidade.<br />

~ Como os tribunais superiores estão entendendo isso?<br />

O Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 6o4.154/RS entendeu<br />

ser Mjuridicamente possível o pedido dos netos formulado conta o avô,<br />

ou seus herdeiros deste, visando o reconhecimento de relação avoenga".<br />

No mesmo sentido, o Recurso Especial n• 8o7.849/RJ. No mesmo sentido<br />

o Recurso Especial n• 6o3.885/RS: MAção dos netos para identificar rela·<br />

ção avoenga. Precedente da Terceira Turma reconheceu a possibilidade da<br />

ação declaratória para que diga o judiciário existir ou não a relação material<br />

de parentesco com o suposto avô (REsp. 269/RS). Recursos Especiais<br />

conhecidos e providosn.<br />

34. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo, 4• Ed, 2007, p.345.<br />

35. FARIAS. Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm. 2012, p.68o.<br />

354


PARENTESCO<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca organizadora CESPE, em certame realizado para o provimento do<br />

cargo de Analista e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, ano<br />

de 2014, julgou correta a seguinte afirmação: "Os netos possuem direito<br />

próprio e personalíssimo de pleitear a declaração do parentesco com o<br />

avô, ou com os herdeiros deste#.<br />

O cancelamento do anterior registro, julgada procedente a investigação<br />

de paternidade, constitui efeito natural da sentença, razão<br />

pela qual não precisa, de rigor, ser objeto do pedido. Justo por isto,<br />

o pai registrai deve ser litisconsórcio passivo necessário na demanda,<br />

figurando ao lado do investigado (futuro pai).<br />

Na hipótese de investigatória pós morte, os herdeiros (e não o<br />

espólio) do pai falecido haverão de figurar como litisconsórcio passivo<br />

necessário. Isto, porque, a demanda é de cunho pessoal, ao revés<br />

de patrimonial. Ademais, os herdeiros possuem interesse, pelo viés<br />

patrimonial indireto, de possível rateio de herança.<br />

Caso haja desrespeito ao litisconsórcio passivo necessário, ter­<br />

-se-á nulidade dos atos processuais, a teor do art. 47 do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o an. 47 do CPC, no novo CPC (NCPC) passará a ser o art. 114. Interessante<br />

pontuar que o NCPC expressamente inclui a assistência como<br />

modalidade de intervenção de terceiros, pondo fim a uma divergência<br />

que existia na doutrina processual.<br />

~ Como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende a<br />

questão?<br />

Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de<br />

paternidade c/c petição de herança e anulação de partilha. Decadência.<br />

Prescrição. Anulação da paternidade constante do registro civil. Decorrência<br />

lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento<br />

da nova paternidade. Citação do pai registrai. Litisconsórcio passivo<br />

necessário. - Não se extingue o direito ao reconhecimento do estado<br />

de filiação exercido com fundamento em falso registro. - Na petição de<br />

herança e anulação de partilha o prazo prescricional é de vinte anos,<br />

porque ainda na vigência do CC/16. - o cancelamento da paternidade<br />

constante do registro civil é decorrência lógica e jurídica da eventual<br />

procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade, o que<br />

torna dispensável o prévio ajuizamento de ação com tal finalidade. -<br />

355


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Não se pode prescindir da citação daquele que figura como pai na<br />

certidão de nascimento do investigante para integrar a relação processual<br />

na condição de litisconsórcio passivo necessário. Recurso especial<br />

parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 693230/<br />

MG; órgão julgador: Terceira Turma do Superior Tribunal de justiça; relatora:<br />

Ministra Nancy Andrighi; data do julgamento: 11/04/2006 - grifos<br />

não originais).<br />

EMENTA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, CUMULADA COM PETIÇÃO DE HE­<br />

RANÇA. CANCELAMENTO DO REGISTRO DE NASCIMENTO. EFEITO DA SENTENÇA<br />

DE PROCEDÊNCIA. CITAÇÃO DO PAI REGISTRAL. - É prescindível o prévio ou<br />

concomitante ajuizamento do pedido de anulação do registro de nascimento<br />

do investigante, dado que esse cancelamento é simples conseqüência<br />

da sentença que der pela procedência da ação investigatória.<br />

Precedentes do STJ. - É litisconsorte passivo necessário o pai registrai,<br />

cuja citação é de ser efetivada como interessado no desfecho da lide.<br />

Recurso especial conhecido, em parte, e provido parcialmente. (REsp<br />

402.859-SP; órgão julgador: Quarta Turma do Superior Tribunal de justic<br />

ça; relator: Ministro Barros Monteiro; data do julgamento: 22/02/2005).<br />

EMENTA. Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação<br />

de paternidade. Decisão interlocutória que rejeita preliminares<br />

argüidas pelo investigado. Agravo de instrumento que mantém a decisão.<br />

Decadência do direito do investigante. Não ocorrência. Litisconsórcio<br />

passivo necessário. Demais herdeiros do pai registrai falecido. Imposição<br />

sob pena de nulidade processual. - A regra que impõe o prazo d~<br />

quatro anos para impugnar o reconhecimento da paternidade constante<br />

do registro civil só é aplicável ao filho natural que pretende afastar a<br />

paternidade por mero ato de vontade, com o objetivo único de desconstituir<br />

o reconhecimento da filiação, sem contudo buscar constituir nova<br />

relação.<br />

- A decadência, portanto, não atinge o direito do filho que busca o reconhecimento<br />

da verdade biológica em investigação de paternidade e<br />

a conseqüente anulação do registro com base na falsidade deste. - Em<br />

investigatória de paternidade, a ausência de citação do pai registrai<br />

ou, na hipótese de seu falecimento, de seus demais herdeiros, para<br />

a conseqüente formação de litisconsórcio passivo necessário, implica<br />

em nulidade processual, nos termos do art. 47, parágrafo único, do<br />

CPC. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.<br />

(REsp 987 .987-SP; órgão julgador: Terceira Turma do Superior Tribunal<br />

de justiça; relatora: Ministra Nancy Andrighi; data do julgamento:<br />

21/08/2008).<br />

356


PARENTESCO<br />

EMENTA. <strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. "PAI<br />

REGISTRAL" NÃO CITADO PARA INTEGRAR A LIDE. LITISCONSÔRCIO NECESSÁRIO.<br />

NULIDADE DO PROCEDIMENTO. CC ANTERIOR, ART. 348. LEI N. 6.015/1973, ART.<br />

113. CPC, ART. 47, PARÁGRAFO ÚNICO. 1. Conquanto desnecessária a prévia<br />

propositura de ação anulatória de registro civil, sendo bastante o ajuizamento<br />

direto da ação investigatória de paternidade, é essencial, sob<br />

pena de nulidade, a integração à lide, como litisconsorte necessário,<br />

do pai registrai, que deve ser obrigatoriamente citado para a demanda<br />

onde é interessado direto, pois nela concomitantemente postulada a<br />

desconstituição da sua condição de genitor. Precedentes do STJ. li. Aplicação<br />

combinada das disposições dos arts. 348 do Código Civil anterior,<br />

113 da Lei de Registros Públicos e 47, parágrafo único, do CPC. Ili. Recurso<br />

especial conhecido e provido, para declarar nulo o processo a partir<br />

da contestação, inclusive. determinada a citação do pai registrai. (REsp<br />

512.278-GO; órgão julgador: Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça;<br />

relator: Ministro Aldir Passarinho Junior; data do julgamento: 14/10/2008<br />

- grifos não originais).<br />

É preciso distinguir, entretanto, a investigação de paternidade<br />

da investigação de origem genética, também denominada de investigação<br />

de ancestralidade ou de ascendência genética ou habeas<br />

genoma. cuja causa de pedir é outra e jamais impõe paternidade<br />

indesejada ao doador de material genético.<br />

Na investigação da ascendência genética o estado civil não é posto<br />

em xeque . Portanto, não surgirá efeito sucessório, muito menos<br />

alimentar desta sentença. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald36,<br />

com precisão, arrematam: "Promove-se, então, a definitiva<br />

distinção entre os conceitos de pai (quem cria) e genitor (quem procria.<br />

gera).<br />

~ Como os tribunais entendem esta questão?<br />

O Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 833.712/RS entendeu<br />

caracterizar ·violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear<br />

o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguintes,<br />

a necessidade psicol6gica de se conhecer a verdade biol6gica*.<br />

36. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.68o.<br />

357


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

No mesmo sentido o Recurso Especial n• 12].541/RS segundo o qual "Admitir-se<br />

o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade, nao envolve<br />

qualquer desconsideraçao ao disposto no art. 48 do ECA, pois a adoção subsiste<br />

inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos juridicos<br />

entre pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva<br />

quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda,<br />

respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais".<br />

Este direito a ancestralidade brota do sistema constitucional<br />

aberto e do art. 48 do ECA, que reconhece ao adotado o direito de<br />

conhecer sua origem biológica, obtendo acesso irrestrito ao processo<br />

no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Cespe - can6rio - TJ - BA/2014) Assinale a opção correta no que se<br />

refere à adoção.<br />

a) A adoção à brasileira, assim como a adoção legal, tem aptidão de<br />

romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, não sendo<br />

possível restabelecer os consectários legais da paternidade biológica,<br />

como os registrais, os patrimoniais e os hereditários.<br />

b) A adoção intuito personae e a promovida por escritura pública são<br />

mecanismos que fortalecem esse instituto, na medida em que conferem<br />

maior dignidade e proteção à criança e ao adolescente.<br />

c) Em se tratando de adoção à brasileira, é permitida a declaração da<br />

nulidade do registro pelo pai-adotante, independentemente da constituição<br />

do vínculo de socioafetividade com o adotado.<br />

d) Na adoção realizada por escritura pública, mesmo havendo vínculo<br />

socioafetivo entre o filho e o pai adotante, é permitido ao filho ter<br />

acesso a sua verdade biológica, podendo pleitear, judicialmente, o reconhecimento<br />

do vínculo biológico de parentesco.<br />

e) A adoção faz cessar os vínculos jurídico-legais entre a criança e os<br />

parentes consanguíneos.<br />

Gabarito: D<br />

Clarifica-se aqui a diferença do reconhecimento e do conhecimento<br />

da filiação. No primeiro há todas as consequências do parentesco,<br />

com alimentos e sucessão; enquanto no segundo, há, apenas,<br />

notícia sobre a ancestralidade.<br />

358


PARENTESCO<br />

Em conclusão é importante recordar a possibilidade de desistência<br />

da ação de investigação de paternidade, na forma do art.<br />

267, VIII, do CPC. desde que o autor seja maior e capaz. Em sentido<br />

contrário, tratando-se de acionante incapaz, seu direito processual<br />

é indisponível, de modo que haverá de se nomear curador para<br />

prosseguimento da demanda, na forma do art. 9° do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 267, VIII, do CPC, passará a ser o art. 485, VIII do novo CPC (NCPC).<br />

o art. 9• do CPC, passará a ser o art. 72 do novo CPC (NCPC).<br />

4.3.i. Competência para Processar e Julgar a Ação de Investigação de<br />

Paternidade.<br />

Flávio Tartuce 37 reconhece ser a investigação de paternidade uma<br />

ação pessoal e, por isto, a regra geral contida no art. 94, do CPC deve<br />

ser observada. Deste modo, a ação de investigação de paternidade<br />

deverá ser proposta no domicílio do réu, direcionando-se a petição<br />

inicial ao juízo da Vara de Família, acaso existente.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 94 do CPC, passará a ser o art. 46 do novo CPC (NCPC)<br />

A regra, portanto, está no art. 94 do CPC. segundo a qual a ação<br />

fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre<br />

bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu,<br />

sendo digno de nota que, tendo mais de um domicílio, o réu será<br />

demandado no foro de qualquer deles. Sendo incerto ou desconhecido<br />

o domicílio do réu, ele será demandado onde for encontrado<br />

ou no foro do domicílio do autor. Finalmente, Quando o réu não tiver<br />

domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro<br />

do domicílio do autor. Se este também residir fora do Brasil, a ação<br />

será proposta em qualquer foro. Havendo dois ou mais réus, com<br />

diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles,<br />

à escolha do autor.<br />

37. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família . 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.356.<br />

359


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

De se atentar, contudo, para a interpretação contida na Súmula<br />

do Superior Tribunal de justiça de nº 1, eis que a regra geral do domicílio<br />

do réu será afastada, quando o pedido de investigação de<br />

paternidade for cumulado com o pedido de alimentos em favor do<br />

investigante. por força do art. 100, li do mesmo CPC. Trata-se de competência<br />

relativa e prorrogável a teor do art. 112 do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. ioo, li, do CPC, passará a ser o art. 53, li, do novo CPC (NCPC).<br />

O art. 112 do CPC, dispõe que a competência relativa será arguida por<br />

meio de exceção. Contudo, no novo CPC, a incompetência relativa ou<br />

absoluta será alegada em preliminar d contestação. É o que dispõe o<br />

art. 64 do novo CPC (NCPC):<br />

Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada<br />

como questão preliminar de contestação.<br />

Esta opção legislativa prestigia a simplificação, economia, celeridade<br />

e efetividade do processo, reduzindo ainda a quantidade de recursos<br />

dentro de um mesmo processo. Andou bem o legislador a este respeito.<br />

; Como o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo a situação?<br />

Segundo o Superior Tribunal de Justiça o foro do domicílio ou da residência<br />

do alimentando é o competente para a ação de investigação de<br />

paternidade quando cumulada com a de alimentos. Neste sentido, a<br />

súmula 1° do Superior Tribunal de Justiça. Vide ainda o Recurso Especial<br />

257.885: •a sentença de procedência da ação investigatória de paternidade<br />

pode condenar o réu em alimentos provisionais ou definitivos, independentemente<br />

de pedido expresso na inicial#.<br />

Analisando, contudo, uma doutrina minoritária, uma ponderação<br />

deve ser feita, conforme ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria An ­<br />

drade Nery 38 •<br />

Uma reflexão se revela, entretanto, à luz do art. 7º da Lei 8.560/92,<br />

pois esta norma impõe ao magistrado, quando proferir sentença reconhecendo<br />

paternidade, fixar imediatamente os alimentos, ainda<br />

que não haja pedido expresso. Seria possível sustentar, portanto, à<br />

38. NERY, Nelson a Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4•<br />

Ed, São Paulo, RT, 1999. p. 2.235.<br />

360


PARENTESCO<br />

luz deste dispositivo, que nas ações de alimentos sempre existiria<br />

um pedido implícito imposto pela norma, em exceção ao art. 293 do<br />

CPC. segundo o qual os pedidos devem ser sempre expressos?<br />

Por este ângulo, é possível afirmar que a competência para o<br />

ajuizamento da ação de alimentos seria do domicílio ou residência<br />

do autor, na forma do art. lOO, li, do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 100, li, do CPC, passará a ser o art. 53, li, do novo CPC (NCPC).<br />

Flávio Tartuce 39 traz outra interessante questão. Para este autor,<br />

caso o ajuizamento de investigação de paternidade seja cumulada<br />

com petição de herança, e ainda não tendo findado o inventário, o<br />

Juízo deste será o competente, por força do art. 96 do CPC. Caso o<br />

inventário já tenha terminado, voltará a incidir a regra geral do domicílio<br />

do réu, a teor do art. 94 do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 96 do CPC, passara a ser o art. 48 do novo CPC (NCPC).<br />

O art. 94 do CPC, passará a ser o art. 46 do novo CPC (NCPC).<br />

E se houver uma ação com pedido reconhecimento de filiação<br />

por morte, cumulado com petição de herança e alimentos?<br />

~ Como os tribunais entendem esta questão?<br />

O Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência n• 28.535/PR<br />

entendeu que o inventário e a petição de herança devem tramitar no<br />

foro do domicílio do autor da finado na forma do art. 96 do CPC. Haveria,<br />

pois, uma vis attractiva do juízo do inventário. Agora, de a ação de petição<br />

de herança for cumulada com alimentos, neste caso o art. 100, li, do<br />

CPC prevalece, de modo que preferirá o foro competente do domicílio<br />

do alimentando. Neste sentido o Conflito de Competência n• 51.061/GO.<br />

Em síntese: havendo pedido de alimentos este atrai a força do<br />

art. 100, 11, do CPC. Ou seja, a súmula n° 1 da Corte Especial prepondera<br />

diante de todas as situações acima colocadas.<br />

39. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.356.<br />

367


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Recorda-se que o pleito de alimentos em tela é possível com<br />

base na transmissibilidade da obrigação alimentar, com fulcro no<br />

art. i700 do Código Civil, como será estudado no capítulo específico.<br />

4.3.2. A questão dos alimentos ante a Investigação de Paternidade<br />

É muito comum, na ação de investigação de paternidade, a parte<br />

autora (suposto filho) cumular ao pedido de reconhecimento da filiação<br />

com o requerimento de alimentos. A cumulação é possível, tendo<br />

em vista a adequação do rito (comum ordinário) e a competência do<br />

juízo de família para ambos os pleitos (art. 292 do CPC).<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 292 do CPC, passará a ser o 327 do novo CPC (NCPC).<br />

De acordo com a pacífica orientação do Superior Tribunal de Justiça,<br />

na Súmula 227, "julgada procedente a investigação de paternidade,<br />

os alimentos são devidos a partir da citação" sendo esta, inclusive, a<br />

regra a ser aplicada as ações de alimentos (serem devidos a partir<br />

da citação).<br />

Esta regra, todavia, comporta, ao menos, duas exceções:<br />

a) Ação cautelar de alimentos provisionais (art. 852, li do CPC), quando<br />

os alimentos serão devidos a partir do despacho;<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 852 do CPC fora exduído do novo CPC (NCPC). Contudo, permanece<br />

a regra nele elencada, em razão da teoria geral processual.<br />

b) Alimentos provisórios (art. 4° da Lei de Alimentos), fixados na<br />

ação de rito especial da Lei de Alimentos, desde o despacho da<br />

inicial, ainda que não requeridos, desde que não tenham sido<br />

dispensados e sejam necessários;<br />

Portanto, julgada procedente a ação de investigação de paternidade<br />

cumulada com fixação de alimentos, estes se consideram devidos,<br />

retroativamente, desde a data da citação do réu, salvo as<br />

exceções postas. Neste sentido, o não pagamento das prestações<br />

vencidas ensejará o ajuizamento da chamada ação autônoma de<br />

execução de alimentos com prisão civil.<br />

362


PARENTESCO<br />

Nada impede que nos autos da ação de investigação de paternidade,<br />

cumulada com fixação de alimentos, o alimentando, que venha a<br />

obter um título judicial favorável, proponha o procedimento de cumprimento<br />

de sentença. Apesar disto, vale registrar que o cumprimento<br />

de sentença cabe apenas para a obrigação pecuniária (art. 317, CC),<br />

exequível mediante a utilização dos instrumentos coercitivos comuns.<br />

Para que possa o credor se valer da prisão civil como instrumento<br />

coercitivo, o alimentando deverá se valer de uma ação autônoma<br />

de execução da prisão civil. Nesse sentido, a jurisprudência do STJ<br />

afasta, inclusive, a possibilidade de conversão do procedimento de<br />

cumprimento de sentença em execução de prisão civil.<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo esta questão?<br />

Informativo STJ n• 500, de 29 de junho de 2012.<br />

lIRCEIRA TURMA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. APLICABILIDADE DO<br />

ART. 475-J DO CPC. A Turma decidiu ser possível a cobrança<br />

de verbas alimentares pretéritas mediante cumprimento de<br />

sentença (art. 475-J do CPC). Sustentou-se que, após a reforma<br />

processual promovida pela Lei n. 11.232/2005, em que se<br />

buscou a simplificação do processo de execução, há de se<br />

conferir ao artigo 732 do CPC - que prevê rito especial para a<br />

satisfação de créditos alimentares - interpretação consoante<br />

a urgência e a importância da execução de alimentos. Assim,<br />

tendo como escopo conferir maior celeridade à entrega na<br />

prestação jurisdicional, devem ser aplicadas às execuções de<br />

alimentos as regras do cumprimento de sentença estabelecidas<br />

no art. 475-J do CPC. REsp 1-177.594-RJ, Rei. Min. Massami<br />

Uyeda, julgado em 21/6/2012.<br />

Nesse curso de ideias, possibilita-se, inclusive, a execução provisória<br />

da prisão civil, antes mesmo do trânsito em julgado da ação<br />

de alimentos, desde que, insista-se, por meio de ação autônoma<br />

de execução. Em síntese: admite-se a decretação de prisão civil em<br />

sede de ação cautelar preparatória (cf. Informativo STJ n. 506).<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo esta questão?<br />

Informativo STJ n. 506, de 27 de outubro de 2012<br />

lIRCEIRA TURMA. <strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. PRISÃO DECRETADA COM BASE EM<br />

DECISÃO_ DE CAUTELAR ENVOLVENDO <strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. DÚVIDA<br />

SOBRE A EFICÁCIA DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS.<br />

363


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Não é razoável manter a prisão civil decretada em execução<br />

de decisão liminar proferida em ação cautelar preparatória<br />

de separação de corpos c/c guarda de menor e alimentos<br />

provisionais, na hipótese em que o tribunal de origem não<br />

decidiu se houve perda da eficácia da cautelar com o não<br />

ajuizamento da ação principal no prazo previsto no an. Bo6<br />

do CPC. Conforme a Súm . n. 482/STJ e o art. 806 do CPC, a<br />

parte tem 30 dias para propor a ação principal, sob pena<br />

de perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do<br />

processo cautelar. A doutrina majoritária afasta a aplicação<br />

dessa regra quando se trata de ações cautelares<br />

envolvendo Direito de Família.<br />

Todavia, a Terceira Turma, em outra oportunidade, ao<br />

apreciar a questão entendeu que os arts. 806 e 808<br />

do CPC incidem nos processos cautelares de alimentos<br />

provisionais. Assim, há dúvida acerca da eficácia do título<br />

que embasa a execução de alimentos, devendo o<br />

tribunal de origem determinar se o não ajuizamento da<br />

ação principal no prazo decadencial do an. 806 do CPC<br />

acarreta a perda da eficácia da decisão liminar concedida<br />

na cautelar preparatória e, em caso positivo, qual<br />

o período em que a referida decisão produziu efeitos.<br />

A definição dessa questão é relevante, pois poderá<br />

acarretar a redução do quantum devido ou, até mesmo,<br />

a extinção da execução. Dessa forma, não se mostra<br />

razoável o constrangimento à liberdade de ir e vir do<br />

paciente (art. 5•, LXVll, da CF), medida sabidamente excepcional,<br />

antes de se definir a eficácia e liquidez do<br />

título que embasa a execução de alimentos e, assim, a<br />

legalidade da decretação da prisão. Precedente citado:<br />

REsp 436.763-SP, DJ 6/12/2007. RHC 33.395-MG, Rei. Min.<br />

Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/10/2012.<br />

Destarte, a possibilidade da prisão civil do devedor de alimentos<br />

está amplamente assentada na jurisprudência dos tribunais superiores.<br />

A súmula n° 309 do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo,<br />

admite a possibilidade da sua decretação contra o devedor de alimentos<br />

que esteja em débito em relação as três últimas prestações,<br />

a contar da data do ajuizamento da ação de execução da prisão, e<br />

as que se vencerem no curso do processo.<br />

364


PARENTESCO<br />

Visível a necessidade da ação autônoma para tal finalidade e a<br />

impossibilidade de utilização do cumprimento de sentença para este<br />

fim específico.<br />

4.3.3. O Exame do DNA e a investigação de paternidade<br />

A matéria relativa ao exame de DNA nos autos de uma ação ordinária<br />

de investigação de paternidade está assentada tanto na jurisprudência<br />

do Superior Tribunal de Justiça, quanto na legislação.<br />

Portanto, trata-se de tema pacificado.<br />

Notável, sobre o assunto, a advertência doutrinária de Maria Helena<br />

Diniz 4 º, segundo a qual o órgão judicante não poderá se transformar<br />

em "simples homologador de laudos periciais", seja porque o<br />

art. 436 do CPC, baseado na prudência objetiva, autoriza o magistrado<br />

a concluir de maneira diversa daquela, máxime ante o conjunto<br />

probatório e os valores da afetividade, solidariedade, ética e dignidade.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 436 do CPC fora excluído do novo CPC (NCPC).<br />

Orlando Gomes 41 admite até mesmo, em casos excepcionais, a<br />

prova pela denominada posse do estado de filho, quando no plano<br />

tático estão presentes os requisitos do nomem ou nominatio, assim<br />

como o tratactus e, finalmente, a fama ou reputatio, de modo que,<br />

assim, seria possível reconhecer filiação.<br />

Pois bem. Feitas tais considerações iniciais, vamos ao aludido<br />

exame de DNA.<br />

Trata-se de prova pericial a ser determinada de ofício pelo magistrado,<br />

na forma do art. 130 do CPC, e diante do interesse público<br />

envolvendo o direito fundamental de filiação, máxime diante do seu<br />

grau de certeza apto a solucionar de forma ágil o conflito judicial. A<br />

40. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26> Ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2011, p.469.<br />

41. Introdução ao Direito Civil - 10" Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 345.<br />

365


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

teor do art. 434 do CPC, o exame de DNA há de ser realizado, sempre<br />

que possível, por instituição pública.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 130 do CPC, passará a ser o art. 370 do novo CPC (NCPC).<br />

O art. 434 do CPC, passará a ser o art. 478 do novo CPC (NCPC).<br />

Flávio Tartuce• 2 reconhece que o exame do DNA veio em bom<br />

momento para substituir a fragilidade da prova testemunhal, principalmente<br />

quando o réu alegava a ocorrência de relacionamento sexual<br />

plúrimo da mulher a ensejar "verdadeira devassa na vida íntima<br />

dessa mãe".<br />

~ Como os tribunais estão decidindo esta questão?<br />

O Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 31p19/CE determinou<br />

o retorno dos autos à origem para o juiz de direito a quo realizar o<br />

exame de DNA que "por sua confiabilidade, permitirá ao julgador em juízo<br />

de fortíssima probabilidade, senão certezan aferir a paternidade. De igual<br />

sorte, a súmula 301 do STJ é clara ao reconhecer a importância deste exame,<br />

afirmando que a negativa em realizá-lo gera presunção em desfavor<br />

daquele que o recursou.<br />

Afirma o Superior Tribunal de Justiça que, em ação investigatória<br />

de paternidade, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame<br />

de DNA induz presunção juris tantum de paternidade (Súmula 301).<br />

Este entendimento jurisprudencial guarda harmonia com a legislação<br />

em vigor, particularmente os arts. 231 e 232 do CC segundo o qual<br />

a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova<br />

que se pretendia obter com o exame. De fato, aquele que se nega a<br />

submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de<br />

sua recursa. nos exatos limites da lei e norteado pelo princípio da boa­<br />

-fé processual. Por esta razão, a recursa a perícia médica ordenada<br />

pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.<br />

42. TARTUCE, Flãvio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.368.<br />

366


PARENTESCO<br />

Sobre o tema, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 43<br />

recordam o debate à respeito da possibilidade ou não da condução<br />

coercitiva (obrigatoriedade real do exame) em relação daquele que<br />

se recursa à realizar o DNA. Eis as correntes sobre o tema:<br />

• Posicionamento i: a recursa impõe a condução coercitiva do réu<br />

para realização do exame à exemplo do direito alemão (§ 372ª<br />

ZPO) e direito suíço (art. 254-2° ZGB).<br />

• Posicionamento 2: a recursa decorre do exercício legítimo do direito<br />

constitucional de não produzir prova alguma contra si mesmo.<br />

A condução coercitiva é proibida e inconstitucional. Neste<br />

sentido, a Suprema Corte dos EUA no case Miranda vs. Arisona,<br />

384 U.S. 436,86 S. Ct. 16o2, em 1966. Assim se entendeu com base<br />

no art. 5 da Emenda à Constituição dos EUA.<br />

• Posicionamento 3: (aplicável no Brasil) a recursa gera presunção<br />

contrária àquele que não se submete à prova, sem a necessidade<br />

de condução coercitiva, na forma da súmula 301 do STJ e dos arts.<br />

231 e 232 do CC. Este é o entendimento consagrado no Supremo<br />

Tribunal Federal no HC 7i.373-4/RS.<br />

Recorde-se que no Enunciado n° 274 do C]F a doutrina se firmou<br />

no sentido de que os direitos da personalidade são regulados de<br />

forma não exaustiva e exprimem a cláusula geral de tutela à dignidade<br />

humana, daí porque, em caso de colisão, como nenhum<br />

pode sobrelevar os demais, aplica-se a técnica da ponderação. É<br />

exatamente isto o que ocorre na situação analisada. Pondera-se o<br />

direito fundamento à paternidade responsável e ao reconhecimento<br />

da filiação, de um lado, e, de outro, o direito à integridade física<br />

e à intimidade. No caso, venceu a tese da prevalência do direito à<br />

paternidade.<br />

Interessante lembrar que no Supremo Tribunal Federal esta tese<br />

saiu-se vitoriosa por pequeníssima maioria (6x5), no leanding case<br />

espetacular no qual o réu se negava à submeter-se ao exame por<br />

ter medo de injeção, apimentado pelo fato de a Juíza de Família ter<br />

43. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.728.<br />

367


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

determinado a condução "sob vara" do mesmo (condução coercitiva),<br />

tendo a Corte Suprema concedida a ordem no habeas (HC no<br />

n.373/RS, Tribunal Pleno, 22.1i.94).<br />

~ Atenção!<br />

Com o advento da Lei Federal i2.004/09, que acresceu o art. 2-A a Lei<br />

Federal 8.560/92, ficou assentado que na ação de investigação de paternidade<br />

todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, para<br />

fins de prova, serão permitidos, sendo que a recursa do réu em se submeter<br />

ao exame de código genético gerará a presunção de paternidade<br />

a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. Surge, agora,<br />

uma presunção legal de filiação.<br />

Veja que a lei curvou-se ao entendimento sumulado, outrora referido<br />

(Súmula 301 do STJ).<br />

Vale lembrar que a Lei i.060/50 disciplinadora da assistência judiciária<br />

gratuita, em seu art. 3, com as alterações geradas pela Lei<br />

Federal 10.317/01, passou a incluir o exame de DNA na gratuidade<br />

da justiça; leia-se: "as despesas com a realização do exame de código<br />

genético - DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações<br />

de investigação de paternidade ou maternidade" submetem-se a tal<br />

benefício, em fiel harmonia com o art. 5, XX.XV, da CF/88.<br />

É possível afirmar hoje que, ante a jurisprudência construída e<br />

acima citada, assim como diante dos arts. 231 e 232 do CC, analisados<br />

em conjunto com o art. 2° - A da Lei Federal n° 8.560/92, é admissível<br />

na investigação de paternidade todas as provas em direito permitidas<br />

sendo que "a recusa do réu em se submeter ao exame do código<br />

genético - DNA - gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada<br />

em conjunto com o contexto probatório", na forma do parágrafo único<br />

do alud ido preceito.<br />

4.3.4. O Procedimento Administrativo de Averiguação Oficiosa.<br />

A Lei Federal n° 8.560/92 disciplina hipótese de grande relevância<br />

social constituída mediante processo administrativo, instaurado<br />

por oficial de registro, e que pode dar ensejo a uma posterior ação<br />

de investigação de paternidade manejada pelo Ministério Público.<br />

368


PARENTESCO<br />

Flávio Tartuce 44 afirma que o procedimento de averiguação oficiosa<br />

da paternidade permite ao Ministério Público adotar todas as<br />

medidas (extrajudiciais e judiciais) aptas ao reconhecimento da pa ­<br />

ternidade. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald' 5 recordam<br />

que tal procedimento se origina do CC de Portugal, arts. i.864 e i.865,<br />

o qual, "por sua vez, buscou inspiração na legislação dinamarquesa (de<br />

7 de maio de 1937)". O procedimento também está presente no CC<br />

argentino. em seu art. 255. No caso brasileiro, a regra está fora do<br />

Código, em legislação extravagante.<br />

De acordo com a norma, a mulher que dá a luz a filho seu e não<br />

obtém o reconhecimento voluntário da paternidade, poderá informar<br />

ao cartório o nome do suposto genitor. Neste caso, o oficial de<br />

registro encaminhará os autos do processo administrativo ao Juiz da<br />

Vara de Registros Públicos. O magistrado que irá presidir esta averiguação<br />

oficiosa, expedirá mandado notificatório ao suposto pai,<br />

para que, no prazo de 30 (trinta) dias, manifeste-se.<br />

Por se tratar de procedimento administrativo é possível ouvir a mãe,<br />

assim como designar audiência administrativa para oitiva das partes.<br />

Mas o que acontece se o suposto genitor nega a paternidade, ou<br />

não responde a notificação?<br />

Neste caso, o juiz da Vara de Registro remeterá os autos ao Ministério<br />

Público, para que este analise a possibilidade de ajuizamento<br />

da investigação de paternidade. Trata-se de importante atitude capaz<br />

de promover o princípio da proteção integral.<br />

~ Atenção!<br />

O Ministério Público atuará apenas nos casos em que o suposto pai negar<br />

a condição de genitor ou nada responder. Neste caso, duas são as<br />

possibilidades confiadas ao Ministério Público. Poderá de logo manejar<br />

ação judicial de investigação de paternidade, ou ainda converter o expediente<br />

administrativo em diligência para colher mais elementos de<br />

convicção. Aqui o Parquet atua com legitimidade ativa extraordinária, ou<br />

anômala. Postula em nome próprio direito de outrem, na forma ressalvada<br />

pela última parte do art. 6 do CPC.<br />

44. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. s: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.354.<br />

45. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.691.<br />

369


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Acaso o suposto pai não atenda à solicitação, os autos deste<br />

procedimento administrativo de averiguação oficiosa serão obrigatoriamente<br />

encaminhados ao juiz da Vara de Registros Públicos, pelo<br />

oficial de registro, instruído com a certidão de nascimento, com os<br />

dados do suposto pai que não realizou o registro.<br />

Portanto, ao Ministério Público é conferida uma legitimidade ativa<br />

ad causam extraordinária, lhe sendo autorizado o ajuizamento<br />

de investigação de paternidade em benefício da criança e contra o<br />

suposto pai. Aliás, como adverte Flávio Tartuce 46 , a ação de investigação<br />

de paternidade é personalíssima do filho que, sendo menor,<br />

deverá ser representado ou assistido, sendo que o Parquet também<br />

pode agir como substituto processual "tendo legitimação extraordinária,<br />

conforme a Lei B.560/92".<br />

A dispensa do ajuizamento da investigação de paternidade, por<br />

parte do Parquet, se justificaria apenas se a criança, após o não comparecimento<br />

ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade<br />

a ele atribuída, for encaminhada para adoção. Nesta hipótese, a lei<br />

dispensa o ajuizamento da investigatória de paternidade.<br />

Importante lembrar que a legitimidade ativa no caso concreto é<br />

concorrente, de modo que tal iniciativa, conferida ao Ministério Público,<br />

não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação,<br />

visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade.<br />

Em síntese. o procedimento de averiguação oficiosa será instaurado<br />

pelo oficial registrador, após as informações fornecidas pela<br />

mãe no momento do registro civil de nascimento do filho. O procedimento<br />

será acompanhado pelo Ministério Público que, diante da ausência<br />

de reconhecimento voluntário por parte do pai indicado, irá<br />

instaurar procedimento contencioso de investigação de paternidade<br />

(d. artigo 2°, da Lei n. 8.560/92). A legitimidade ativa ad causam anômala<br />

do Ministério Público guarda fundamento nesta lei e amolda-se<br />

ao artigo 6°, última parte, do CPC.<br />

46. TARTUCE. Flávio. Direito Civil. v. 5: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.357.<br />

370


PARENTESCO<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 6o do CPC, passará a ser o art. 18 do novo CPC (NCPC).<br />

Reza o art. 2° da Lei Federal n° 8.560/92: "Em registro de nascimento<br />

de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá<br />

ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão,<br />

identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente<br />

a procedência da alegação". Neste caso, o juiz, sempre que<br />

possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará. em<br />

qualquer caso, notificar o suposto pai, independente de seu estado<br />

civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.<br />

~ Como este assunto foi cobrado em concurso público?<br />

(Outorga de Delegação de Serviços de Notas e Registro - TJAP - FCC - 2011)<br />

Nos casos em que houver registro de nascimento sem paternidade definida,<br />

mas em que a mãe declinar o nome de suposto pai, o Oficial de<br />

Registro Civil das Pessoas Naturais:<br />

Gabarito: e) efetuará o assento e remeterá a certidão ao juízo da familia, que<br />

intimará o suposto pai para se manifestar a respeito e determinará a averbação<br />

da paternidade confirmada, se for o caso, ou remeterá os autos ao Ministério<br />

Público para propor ação de investigação de paternidade.<br />

Quando entender necessário, o magistrado, evidentemente, poderá<br />

determinar que a diligência seja realizada em segredo de justiça,<br />

na forma do art. 155 do CPC, visando a preservação da vida privada<br />

das partes envolvidas, já que estamos diante de nítido direito<br />

da personalidade (CC. art. 21).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 155 do CPC, passará a ser o art. 189 do novo CPC (NCPC).<br />

4.3.5. Litisconsórcio passivo facultativo e a fxceptio Plurium Concubentium<br />

(Exceção de Múltiplos Relacionamentos). Questões Processuais<br />

Evidentemente que o Réu de uma investigatória de paternidade<br />

não poderá reconvir; por óbvio. Na forma do art. 297 e seguintes<br />

do CPC, restar-lhe-á apenas contestar e apresentas as exceções de<br />

371


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

incompetência relativa, suspeição ou impedimento, na forma do art.<br />

304 do CPC.<br />

E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 297 do CPC, fora suprimido do novo CPC (NCPC). Contudo, o seu<br />

conteúdo encontra-se disponível nos artigos pertinentes às formas de<br />

resposta do réu.<br />

Flávio Tartuce' 7 registra que a ação de investigação de paternidade<br />

é ajuizada, em regra, contra o suposto pai ou a suposta<br />

mãe, diante do seu caráter pessoal ou, eventualmente, em face dos<br />

herdeiros da pessoa investigada "não contra o espólio, justamente<br />

diante desse caráter pessoal" ou, numa inusitada hipótese de sequer<br />

existirem herdeiros, contra o Município ou a União, a quem caberia<br />

recolher os bens vagos (herança vacante).<br />

Carlos Roberto Gonçalves'ª vaticina ser possível o litisconsórcio<br />

ativo facultativo dos filhos da mesma mãe, na investigação de paternidade<br />

do mesmo (suposto) genitor, com fundamento nos arts. 46 e<br />

125, li do CPC, asseverando, ainda, que a inserção da genitora (ao<br />

invés do filho) no polo ativo da ação é mera irregularidade, o que<br />

não torna a inicial inepta, muito menos acarretaria extinção do feito.<br />

Concordamos com as duas opiniões.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 125, li, do CPC, passará a ser no novo CPC (NCPC) o art. 139, li.<br />

O art. 46 do CPC, passará a ser o art. 113 do novo CPC (NCPC).<br />

Quanto ao autor da investigatória de paternidade, a doutrina de<br />

Maria Berenice Dias admite esta seja manejada contra dois ou mais<br />

réus : "Não dispondo o filho da certeza de quem é seu pai, até por sua<br />

genitora ter mantido contatos sexuais com mais de uma pessoa durante<br />

o período da concepção, tal não inibe o uso da demanda investigatória,<br />

sendo possível que a ação seja movida contra mais de um réu, todos<br />

47. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.359.<br />

48. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.339.<br />

372


PARENTESCO<br />

os prováveis, formando litisconsórcio passivo alternativo eventual (ou<br />

facultativo)."<br />

Como resposta defensiva a esta situação processual, seria possível<br />

ao réu, em tese, alegar na contestação que a mãe do suposto filho<br />

manteve relações sexuais com outras pessoas durante o período<br />

da concepção, suscitando fundada dúvida em relação à paternidade<br />

por conta disto.<br />

Por se tratar de fato impeditivo do alegado direito, o réu, na<br />

ação de investigação de paternidade, que alega esta situação jurídica,<br />

atrai para si o ônus de provar esta questão, o que, portanto, não<br />

se apresenta como uma boa linha de defesa. De qualquer modo, a<br />

ressalva do art. 320, li, do CPC fica mantida.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 320, li, do CPC, passará a ser o art. 345, li, do novo CPC (NCPC).<br />

Ainda nos comentários processuais, lembra-se que a natureza<br />

indisponível do bem jurídico objeto do litígio afastará os efeitos da<br />

revelia e da confissão.<br />

Portanto, a tese defensiva da exceção de múltiplos relacionamentos<br />

(Exceptio Plurium Concubentium) exige cuidado no sentido de não<br />

desemborcar em abuso de direito, podendo a argumentação vir a<br />

ser considerada chicana processual a ensejar para a parte contrária<br />

danos processuais indenizáveis, além da aplicação de pena por litigância<br />

de má-fé.<br />

Não obstante, o fato é que a exceptio plurium concubentium<br />

está cada vez mais em desuso, ante a possibilidade de realização<br />

do exame de DNA. Nesse sentido, caso as partes aleguem<br />

não possuírem condições financeiras para arcar com tal exam e,<br />

ainda assim farão jus ao procedimento; o exame de DNA integra<br />

hoje a gratuidade de justiça (cf. inciso VI, do artigo 30, da Lei n.<br />

i.060/70, acrescido pela Lei n. io.31701): "Art. 3°. A assistência judiciária<br />

compreende as seguintes isenções: ( ... ) VI - das despesas com<br />

a realização do exame de código genético - DNA que for requisitado<br />

pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade<br />

ou maternidade".<br />

373


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

4.3.6. Prova ilícita: art. 5°, inciso LVI, da Constituição<br />

Em se tratando de ação ordinária, aplica-se à investigação de<br />

paternidade a orientação do art. 332 do CPC, segundo o qual todos<br />

os meios de prova permitidas no direito são possíveis aqui. Provas<br />

lícitas, ressalta-se.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 332 do CPC, passará a ser o art. 369 do novo CPC (NCPC).<br />

Envolvendo tema de direito fundamental e indisponível, o magistrado<br />

deverá lançar mão do art. i30 do CPC e utilizar de seu poder­<br />

-dever de colher as provas para melhor decidir. Neste sentido, o<br />

Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 43.467/MG.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. i30 do CPC, passará a ser o art. 370 do novo CPC (NCPC).<br />

Evidente que a prova documental é possível e deve instruir a<br />

inicial (CPC, 283), ou a contestação (CPC, 297). É possível extrair do<br />

ordenamento processual a possibilidade de juntada posterior de<br />

documentos, apesar disto não ser o ideal. A teor do art. 398 do<br />

CPC "sempre que uma das partes requerer a juntada de documentos<br />

aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de cinco<br />

dias". Tais escritos podem ser público ou particulares, nacionais<br />

ou internacionais (desde que devidamente traduzidos, cf. art. i57<br />

e 356 do CPC).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 283 do CPC, passará a ser o art. 320 do novo CPC (NCPC).<br />

O art. 398 do CPC, passará a ser o an. 437, §1°, do novo CPC (NCPC).<br />

o art. 157 do CPC, passará a ser o an. 192, parágrafo único, do novo CPC<br />

(NCPC).<br />

o art. 356 do CPC, passará a ser o art. 397, do novo CPC (NCPC).<br />

De igual forma, a prova testemunhal também é permitida e será<br />

colhida na audiência de instrução, a correr em segrego de justiça<br />

(CPC, 155, li e 444).<br />

374


PARENTESCO<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. iss. li, do CPC. passará a ser o art. 189, li, do novo CPC (NCPC).<br />

o art. 444 do CPC, passará a ser o art. 368, do novo CPC (NCPC).<br />

Contudo, é preciso lembrar que o art. 5°, inciso LVI, da CF veda a<br />

prova ilícita no ordenamento jurídico brasileiro, proibição que decorre<br />

diretamente do ideário de boa-fé processual e da própria essência<br />

da dignidade da pessoa humana.<br />

O tema da prova ilícita costuma ser desenvolvido de maneira<br />

mais aprofundada no direito penal. A este respeito, o Supremo Tribunal<br />

Federal já teve a oportunidade de decidir, nos autos da Ação<br />

Penal n. 307/DF, que a prova ilícita não se reveste de idoneidade<br />

necessária como meio de formação do convencimento do julgador,<br />

devendo ser desprezada "ainda que em prejuízo da apuração da<br />

verdade", em prol de um ideário maior, qual seja o do processo<br />

justo e garantista. No mesmo sentido o Recurso Extraordinário<br />

25 i.445/GO.<br />

Em hipóteses nitidamente excepcionais, e apenas no âmbito do<br />

Direito Penal, com o intuito de resguardar o bem jurídico mais relevante<br />

- qual seja: a liberdade humana - é que o Supremo Tribunal<br />

Federal admite, numa ponderação de interesses, a prova ilícita,<br />

ocorrida em situações extremas que retiram a antijuridicidade da<br />

conduta. Exemplo disto foi o HC 74.678-1/SP.<br />

Portanto, no Direito Penal a prova ilícita somente poderá ser utilizada<br />

em hipóteses extremamente excepcionais, na defesa da liberdade<br />

humana.<br />

No Direito Civil o entendimento consolidado majoritariamente é<br />

o de que a prova ilícita jamais será admitida. Na esfera cível não há<br />

razão alguma para se excepcionar a vedação categórica do art. 5°,<br />

inciso LVI, da Constituição. A liberdade humana não está em jogo. Por<br />

conta disto, é vedada em toda e qualquer hipótese a prova ilícita no<br />

âmbito cível.<br />

Data vênia, com todo o respeito ao posicionamento majoritário,<br />

ousamos divergir. Isto por entender que há situações jurídicas cíveis<br />

375


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

que também podem comportar relevância jurídica diferenciada, apta<br />

a justificar a prova ilícita. Ficamos com exemplo já indicado na doutrina<br />

relativa a uma gravação audiovisual, obtida sem a devida autorização,<br />

em que se retrate um pai cometendo abusos sexuais contra o<br />

seu filho. Neste caso, não seria possível admitir a viabilidade jurídica<br />

da prova apta a destituir o agressor de seu poder familiar por conta<br />

da prova supostamente ilícita?<br />

Seguramente, pensamento que sim. Todavia, ainda pensamos,<br />

desta maneira, com a minoria.<br />

4.3.7. Coisa Julgada na Ação de Investigação de Paternidade<br />

o art. 5°, XXXVI, da CF reconhece a res judicato como garantia constitucional<br />

que, entretanto, não é absoluta (como nada é) no sistema<br />

jurídico nacional. O relativismo se impões ante à ponderação de interesses<br />

e os direitos fundamentais, também consagrados no texto<br />

maior, sob pena do próprio direito material ser posto em xeque.<br />

Flávio Tartuce• 9 afirma que o tema da relativização da coisa julgada<br />

é um dos mais polêmicos na ótica processual contemporânea,<br />

apresentando o posicionamento daqueles que são contra a tese,<br />

como Nelson Nery Jr", assim como aqueles que a admitem, à exemplo<br />

de Maria Helena Diniz 51 •<br />

A jurisprudência do STJ sustentava tradicionalmente que a coisa<br />

julgada no Direito de Família tende a ser absoluta, e não pode ser<br />

desconstituída, ainda que sobrevenham provas novas (d. Informativos<br />

STJ n° 384 e 385). Funda-se esse entendimento no fato de que a medida<br />

adequada para desconstituir a aludida coisa julgada, inclusive em<br />

matéria de família, é a ação rescisória, manejada no prazo de dois<br />

anos; prazo este que, acaso não observado, ocasiona a decadência<br />

do direito.<br />

49. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 5: Direito de família . 7• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2012, p.364.<br />

50. Op. cit p. 365.<br />

51. Op cit, p. 365.<br />

376


PARENTESCO<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre o tema?<br />

Informativo STJ n. 384, de 27 de fevereiro de 2009.<br />

QUARTA TURMA. AÇÃO. PATERNIDADE. REITERAÇÃO. COISA JUL­<br />

GADA.<br />

Trata-se de reiteração de ajuizamento de ação de paternidade,<br />

quando já houve o reconhecimento pelo Tribunal de<br />

Justiça da existência da coisa julgada material. Logo, não<br />

se deve afastar a coisa julgada, para que seja renovada<br />

a investigação de paternidade sob o fundamento de que<br />

o exame de ONA, por ser prova moderna e cientificamen·<br />

te segura, demonstraria a vinculação entre autor e réu.<br />

A cada nova técnica (nova descoberta científica), não se<br />

pode rever tudo o que já foi decidido, pois tal posição teria<br />

reflexos sobre a vida das pessoas que há muito seguiram<br />

suas vidas - investigantes, investigado, descendentes,<br />

parentes, cônjuges etc. Deve-se preservar uma ordem jurídica<br />

estabilizada pela coisa julgada, garantida na Constituição<br />

da República e leis do país. Precedente citado: REsp<br />

7o6.987-SP, OJe io/10/2008. REsp 960.8o5-RS, Rei. Min. Aldir<br />

Passarinho Junior, julgado em 17/2/2009.<br />

Informativo STJ n. 385, de 6 de março de 2009<br />

TERCEIRA TURMA. REGISTRO <strong>CIVIL</strong> DÚVIDA. PATERNIDADE. Em<br />

ação negatória de paternidade por dúvida do vínculo<br />

biológico, o ora recorrente solicitou exame pericial de<br />

DNA da criança nascida da união estável, observando que<br />

a mãe não se opõe ao exame. Alegou que, dias após<br />

o registro de nascimento do menor, a mãe, juntamente<br />

com o filho, foi morar com o irmão do recorrente, daí a<br />

dúvida, e que, à época da concepção da criança, o irmão<br />

morava com o casal. Nessa ocasião, já suspeitava, mas<br />

cumpriu sua obrigação de pai do menor e o registrou .<br />

Para a Min. Relatora, a causa de pedir da negatória repousa<br />

em uma mera dúvida entre as partes, impondo a<br />

extinção do processo, sem resolução de mérito (art. 267,<br />

VI, do CPC). A dúvida, curiosidade, desconfiança do vínculo<br />

biológico viria em detrimento do menor. Conforme<br />

ficou demonstrado nas instâncias ordinárias, o pai sempre<br />

suspeitou, mesmo assim, voluntariamente registrou<br />

o menor, o que lhe tira a possibilidade de alegar vício de<br />

371


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

consentimento. Quanto à tese de que houve cerceamento<br />

de defesa ao ser negada ao recorrente a perícia de DNA,<br />

o juiz é soberano para examinar a necessidade ou não<br />

da prova requerida. Acrescentou, ainda, que mesmo se<br />

o juiz deferisse o exame e ele lhe fosse contrário, o resultado<br />

não serviria para a elucidação do processo, porquanto<br />

não poderia essa prova fazer ressurgir o vício de<br />

consentimento não comprovado pelo recorrente. Diante<br />

do exposto, a Turma negou provimento ao recurso, confirmando<br />

as decisões de extinguir o processo por carência<br />

de ação. REsp 1.067.438-RS, Rei. Min. Nancy Andrighi,<br />

julgado em 3/3/2009.<br />

Contudo, o avanço no próprio Superior Tribunal de justiça é<br />

visível de forma que a jurisprudência que se construiu avança para<br />

entender que coisa julgada em sede de investigação de paternidade<br />

deve ser apenas secundum eventum probationis, especialmente<br />

porque o bem jurídico tutelado é o estado de parentesco, matéria<br />

de ordem pública, verdadeiro direito fundamental, indisponível<br />

e, portanto, insuscetível de submeter-se à coisa julgada. Ademais,<br />

sendo a família a base da sociedade a gozar de especial proteção<br />

do Estado, seria o caso de se admitir a flexibilização da res iudicata.<br />

No Enunciado n° 109 do CJF a doutrina se firmou no sentido de<br />

que a restrição a coisa julgada oriunda de demandas reputadas improcedentes<br />

por insuficiência de prova, não deve prevalecer para<br />

inibir a busca da identidade genética pelo investigando.<br />

Neste sentido, o Superior Tribunal de justiça, no Recurso Especial<br />

179.243/RS, admitiu o ajuizamento de uma nova ação investigatória<br />

de paternidade contra coisa julgada anterior "em atenção à prevalência<br />

do interesse público na ação de estado de pessoa e da busca da<br />

verdade real".<br />

~ Como os tribunais entendem hoje a questão?<br />

O Superior Tribunal de justiça no Recurso Especial 226.436/PR admitiu a<br />

repetição da investigatória de paternidade quando inicialmente a primeira<br />

demanda foi julgada improcedente por falta de provas. No mesmo<br />

378


PARENTESCO<br />

sentido, o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 363.889/DF<br />

em seu plenário: #2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em<br />

ações de investigaçõo de paternidade em que não foi possível determinar­<br />

-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência<br />

da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança<br />

quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser<br />

impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental<br />

à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade<br />

de um ser; de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à<br />

igualdade entre filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da<br />

paternidade responsável".<br />

Concordamos com Maria Helena Dinizs' ao sustentar ser possível<br />

a "revisão da coisa julgada" para fins de investigação de paternidade<br />

nos casos em que há insuficiência de provas realizadas na ocasião<br />

da prolação da sentença, tudo na garantia de proteção da dignidade<br />

humana.<br />

A técnica da ponderação entre a dignidade humana do suposto<br />

filho, enquanto direito fundamental (CF, art. 1°, li), há de prevalecer à<br />

coisa julgada (CF, art. 5°, XXXVI), como arrematou o Supremo Tribunal<br />

Federal nos autos do Recurso Extraordinário de n° 363.889), reconhecendo<br />

a repercussão geral do assunto ante o conflito entre a segurança<br />

jurídica exortada pela coisa julgada, de um lado, e a dignidade<br />

humana ante o dever da paternidade responsável, de outro.<br />

Curioso recordar, após todos estes avanços, que o art. 363 do<br />

antigo e revogado CC/16, restringia o ajuizamento da investigação<br />

de paternidade a presença de concubinato, rapto no período da<br />

concepção, contemporaneidade de relações sexuais, presença de<br />

escritos do suposto pai a quem é atribuída a paternidade.<br />

Evidentemente que tais restrições são incompatíveis com a cláusula<br />

geral de tutela à dignidade humana, assim como o texto constitucional<br />

vigente e, também, os padrões de pluralidade, intel'\/enção<br />

mínima e solidariedade familiar. A lição é de Gustavo Tepedino 53 •<br />

52. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26• Ed. São Paulo: Saraiva.<br />

2011, p.469.<br />

53. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 411.<br />

379


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Amadurecida a doutrina sobre o tema, é interessante verificarmos,<br />

em uma linha cronológica, como se deu a força do exame de<br />

DNA perante a coisa julgado, segundo os olhos da legislação e do<br />

Superior Tribunal de Justiça.<br />

Inicialmente, o STJ consignou o DNA como rainha das provas<br />

(REsp 397.DI3/MG Relatado pela Ministra Nancy Andrighi, Terceira<br />

Turma, julgado em 11.11.2003, DJ 09.12.2003 p. 279), afirmando que:<br />

a) se o exame de DNA contradiz as demais provas produzidas, não se<br />

deve afastar a conclusão do laudo, mas converter o julgamento em<br />

diligência, a fim de que novo teste de DNA seja produzido, em laboratório<br />

diverso, com o fito de assim minimizar a possibilidade de erro<br />

resultante seja da técnica em si, seja da falibilidade humana na coleta<br />

e manuseio do material necessário ao exame; b) se o segundo teste<br />

de DNA corroborar a conclusão do primeiro, devem ser afastadas as<br />

demais provas produzidas, a fim de se acolher a direção indicada nos<br />

laudos periciais; e c) se o segundo teste de DNA contradiz o primeiro<br />

laudo, deve o pedido ser apreciado em atenção às demais provas<br />

produzidas.<br />

Tal entendimento inicial acabou por tornar-se Súmula, especificamente<br />

o verbete 301, aduzindo que em ação investigatória, a recusa<br />

do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris<br />

tantum de paternidade. O entendimento em tela se baseia no próprio<br />

Código Civil, o qual afirma no seu art. 231 que aquele que se nega a<br />

submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de<br />

sua recusa.<br />

Em 2009, por conta da publicação da Lei n.004, o entendimento<br />

em comento fora positivado de uma vez por todas no ordenamento<br />

jurídico nacional, afirmando o parágrafo único do artigo 2° que a<br />

recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará<br />

a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o<br />

contexto probatório.<br />

• Como esse assunto foi cobrado em concurso?<br />

Abordando a existência de presunção relativa nas hipóteses de recusa<br />

em realização do exame de DNA, no concurso para Promotor de Justiça<br />

do Estado de Minas Gerais/2012 foi considerada inverídica a afirmativa<br />

que enunciava:<br />

380


PARENTESCO<br />

"Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem<br />

como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos<br />

fatos. A recusa do réu, entretanto, em se submeter ao exame de código<br />

genético - DNA gerará a presunção da paternidade, prescindindo-se da<br />

apreciação do conjunto probatório". Neste caso, por se tratar de presunção<br />

júris tantum, entende-se necessário analisar o lastro probatório<br />

para que seja comprovada a paternidade, posto que se admite prova<br />

em contrário, de acordo, inclusive, com o entendimento consolidado<br />

pelo STJ na Súmula n° 301. O equivoco deve-se à percepção de que a<br />

presunção em comento é relativa, devendo ser analisada consoante o<br />

conjunto probatório, ainda que seja o DNA uma rainha das provas.<br />

Um parêntese! Para o STJ, a presunção relativa em comento apenas<br />

se aplica na negativa do primeiro exame. Consignou o STJ que "A<br />

recusa do suposto pai em realizar segundo exame pericial, quando o<br />

primeiro exame concluiu pela negativa de paternidade, não pode ser<br />

acolhida como prova desfavorável ao réu, tendo em vista que tal presunção<br />

esbarraria no resultado do laudo apresentado pelos peritos<br />

no primeiro exame, não contestado em nenhum aspecto pelo recorrente.<br />

REsp 777-435, rei. Min. Sidnei Beneti, j. 15.12.2009. 3ª T. (lnfo 420)".<br />

Ainda em 2009, ratificando o posicionamento explicitado, o STJ<br />

(informativo 388) referendou que a negativa ao exame de DNA, por<br />

mais de 15 (quinze) anos, impossibilita o deferimento à parte condenada<br />

com base na presunção relativa de paternidade, o pleito<br />

de conversão do processo em diligência para realização do exame.<br />

Tem-se na hipótese mais um exemplo de nemo potest venire contra<br />

factum proprium (proibição do comportamento contraditório), tema<br />

a ser aprofundado no volume destinado à responsabilidade civil.<br />

De fato, aquele que se nega ao exame e sofre condenação, após 15<br />

(quinze) longos anos, não poderá exercitar o direito ao recurso com<br />

base em novo exame. Veja:<br />

Investigação. Paternidade. DNA.<br />

Superada a fase de conciliação e julgada a causa, não seria<br />

possível, nesta fase processual, anular o processo para realizar<br />

a audiência de conciliação a fim de abrir prazo para a realização<br />

de perícia de DNA. Ademais, a necessidade de produzir<br />

prova ou não é faculdade somente do juiz da causa e,<br />

387


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

em processo similar, este STJ entendeu que o exame de DNA<br />

só pode ser pleiteado posteriormente pela parte que não<br />

deu causa ao obstáculo para sua realização na fase instrutória.<br />

Assim, se o quadro probatório do processo mostra-se<br />

suficiente para atestar a paternidade, não há por que retardar<br />

ainda a entrega da prestação jurisdicional.REsp 914.429,<br />

rei. Min. Nancy Andrighi, j. 15.12.2009. 3° T. (/nfo 420)<br />

Seguindo na evolução jurisprudencial, infere-se que há muito no<br />

STJ defende-se a tese sobre a possibilidade do exame de DNA ser<br />

fato novo capaz de aparelhar ação rescisória com base em documento<br />

novo (art. 485, VII, CPC). Apenas a título ilustrativo, observa-se<br />

o REsp 300.084-GO, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, 2• Seção,<br />

julgado em 28/1/2004.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 495, VII, do CPC, passará a ser o art. 966. VII, do novo CPC (NCPC).<br />

Caso já estivesse ultrapassado o prazo para ajuizamento da<br />

ação rescisória, verberava o STJ a possibilidade de propositura de<br />

nova ação, com base no exame de DNA, haja vista que a coisa<br />

julgada deveria ser interpretada modus in rebus (REsp 22636/PR.<br />

Data da decisão: 28.06.2001. Órgão julgador 4• Turma. Rei. Ministro<br />

Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ 04.02.2002 e Informativo 354 do STJ).<br />

O juízo em tela é de ponderação de interesses, sendo mitigado o<br />

paradigma da coisa julgada em prol da promoção da dignidade da<br />

pessoa humana.<br />

Cuidado! Tal entendimento, porém, que se reporta ao DNA como<br />

fato novo a aparelhar ação rescisória ou, até mesmo, nova ação,<br />

começa a ser combatido no próprio STJ, sob o argumento da segurança<br />

jurídica, pois como posto no Informativo 384, a cada nova<br />

técnica (nova descoberta científica), não se pode rever tudo o que já<br />

foi decidido, pois tal posição teria reflexos sobre a vida das pessoas<br />

que há muito seguiram suas vidas - investigantes, investigado, descendentes,<br />

parentes, cônjuges etc. Deve-se preservar uma ordem jurídica<br />

estabilizada pela coisa julgada, garantida na Constituição da República<br />

e leis do país.<br />

382


PARENTESCO<br />

Tal raciocínio tende, progressivamente, a ganhar mais força. Até<br />

mesmo com base no alargamento do acesso à técnica, hoje já presente<br />

em boa parte do nosso país continental. Logo, a argumentação<br />

de ausência de acesso à técnica, ou fato novo, perde força, repisa­<br />

-se, progressivamente! O futuro aprovado deve ficar atento a tais mudanças<br />

e a discussão posta, principalmente em provas de segunda<br />

fase de direito de família.<br />

Soma-se a isso, ainda, a preocupação da relativização da coisa<br />

julgada abrir as portas para a mitigação de garantias fundamentais,<br />

em estímulo ao autoritarismo. Fora assim na Alemanha de Hitler,<br />

como lembra Nelson Nery.<br />

Para finalizar essa importante digressão sobre os limites da coisa<br />

íulgada no exame de DNA, lembre-se que em nenhuma hipótese poderá<br />

a coisa íulgada impedir o direito e garantia fundamental, integrante<br />

da personalidade, do cidadão buscar a sua origem genética,<br />

o que, não necessariamente, vai gerar o reconhecimento de filiação.<br />

Sobre o tema, inclusive, há o Enunciado io9 do CJF, o qual afirma que<br />

a restrição da coisa julgada oriunda das demandas reputadas improcedentes<br />

por insuficiência de prova não deve prevalecer para inibir a<br />

busca da identidade genética pelo investigando.<br />

4.4. O parto anônimo<br />

O tema parto anônimo tem, cada vez mais, ficado no tempo, por<br />

não comportar aceitação normativa. Remonta ao instituto medieval<br />

batizado de roda dos expostos (ou dos enjeitados), o qual influenciou<br />

o direito português. O direito brasileiro não viu o instituto no<br />

plano legislativo, mas na prática, através das Santas Casas de Misericórdia.<br />

Consistia a roda dos expostos na prática de se deixar aposto<br />

na parede um artefato que permitia, de modo discreto, deixar uma<br />

criança recém-nascida, girando a portinhola e, ato contínuo, tocando<br />

- acionando uma sineta, ou badalando um sino -, de modo a preservar<br />

a identidade de quem deixava o infante. Do outro lado havia, a<br />

espreita, uma família que desejava adotar um menor.<br />

Vez ou outra, no Brasil de hoje, o tema da roda dos enjeitados<br />

volta a cena, agora com uma nova terminologia, sem, perder,<br />

383


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

contudo, a origem medieval. Fala-se em parto anônimo, cuja finalidade<br />

estaria em garantir a vida de uma criança, que poderia vir a ser<br />

abandonada ou morta, acaso o instituto não existisse.<br />

Sob esta justificativa é que se poderia sustentar a necessidade de<br />

se produzir uma lei versando sobre o parto anônimo.<br />

Nesta, segundo um projeto apresentado, os pais, não desejosos<br />

da filiação, poderiam informar ao Poder Judiciário o seu intuito de,<br />

após o parto, conferir o recém-nascido à adoção. Assim, receberia a<br />

aludida genitora acompanhamento e, quando do parto, seria renovada<br />

a possibilidade de permanecerem (genitores) com o seu filho.<br />

Estando, porém, inequívoca a vontade dos genitores em conferir o<br />

menor à adoção, logo seria dado início ao processo de adoção, o<br />

qual seria mais célere ante a desnecessidade de desconstituir o Poder<br />

Familiar pretérito.<br />

O projeto de lei, específico sobre o tema. não teve sucesso.<br />

O que se vê, hoje é, tão somente, uma normatização no ECA<br />

que pode ser aplicada a casos análogos. Trata-se do art. 8°, § 5º.<br />

com a nova redação advinda da Lei Federal n° 12.010/09, o qual<br />

reconhece à gestante direito a orientação jurídica e psicológica<br />

para que a mesma, querendo, submeta-se ao procedimento de<br />

adoção, o qual, obrigatoriamente, acontecerá perante o Juízo da<br />

Infância e Juventude, na forma do art. 13, parágrafo único, também<br />

do ECA.<br />

4.5. Ação contestatória ou negatória de paternidade<br />

A ação contestatária (ou negatória) de paternidade está prevista<br />

no art. i.601 do CC. Trata-se de pretensão imprescritível, porque<br />

declaratória e relativa a direito da personalidade. Com esta<br />

demanda, o "marido" (expressão utilizada pelo texto de lei) vai de<br />

encontro ao sistema de presunção relativa contra si criado pelo<br />

art. i.597 do CC.<br />

Aqui houve significativo avanço, pois no CC/16 havia prazo exíguo<br />

para o ajuizamento desta ação. Agora não há mais. Deu-se força ao<br />

princípio da verdade real. Pela letra da lei, reforça-se a ideia de que<br />

realmente a presunção de paternidade é relativa.<br />

384


PARENTESCO<br />

Esclarece Maria Helena Diniz 54 se tratar de uma demanda personalíssima<br />

privativa do marido, de modo que a vida privada deste,<br />

sua moral e honra, assim como seu interesse econômico, seriam os<br />

fatores aptos a justificar a exclusiva legitimidade ativa ad causam<br />

para propor a ação a qualquer tempo.<br />

Como dito, a ação negatória é pessoal. Só o marido pode ajuizar.<br />

Com sua morte, se não ajuizada, não poderão os herdeiros iniciarem<br />

a demanda. Contudo, uma vez iniciada a ação, podem os herdeiros<br />

dar prosseguimento.<br />

Evidentemente, dentro de uma dimensão constitucional e isonômica,<br />

é possível estender o texto e legitimar também a mulher no<br />

ajuizamento de tais demandas, valendo para a mulher as mesmas<br />

considerações supra.<br />

Nessa senda, é possível utilizar como fundamento jurídico para<br />

o ajuizamento da negatória de paternidade o art. 27 do ECA (direito<br />

personalíssimo) e a Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal (imprescritibilidade<br />

por se tratar de ação declaratória).<br />

O fundamento jurídico da causa de pedir pode ser a impotência<br />

do marido para gerar, há época da concepção (i.599 do CC), ou qualquer<br />

outra matéria juridicamente plausível, à exemplo das indicadas<br />

nos artigos 1600, i.6o2 e i.597, última parte, do CC.<br />

Tal processo é movido contra o filho que, se menor, deverá ser<br />

assistido ou representado pelo outro cônjuge, ou ainda por curador<br />

ad hoc, na forma do art. 9 do CPC.<br />

Para Segundo Orlando Gomes 55 a ação negatória de paternidade<br />

deve ser movida contra o filho, que será o réu desta relação processual,<br />

sendo que a genitora, ou um curador especial, poderão<br />

representar o filho incapaz, valendo ainda a lembrança de que o<br />

Ministério Público atua em todo o feito e, havendo sentença pela<br />

procedência do pedido, deverá esta ser averbada à margem do<br />

54. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26• Ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2011, p.496.<br />

55. Introdução ao Direito Civil - loa Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 350.<br />

385


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

registro de nascimento, na forma da Lei de Registros Públicos (Lei<br />

Federal n° 6.015/n art. 29, §10, b).<br />

~ Acerca do tema, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:<br />

Efeitos do nilo comparecimento do filho menor de idade<br />

para submeter-se a exame de ONA.<br />

Em ação negatória de paternidade, o não comparecimento<br />

do filho menor de idade para submeter-se ao exame<br />

de DNA não induz presunção de inexistência de paternidade.<br />

REsp u72.691-SP, rei. Min. Nancy Andrighi, 5.11.13. 3•<br />

r. (ln/o m)<br />

O juízo competente será o foro do domicílio do réu, a teor do<br />

art. 94 do CPC, perante a Vara de Família, contando com a intervenção<br />

do Ministério Público. Evidentemente que se a ação for ajuizada<br />

no domicílio do autor e a parte contrária não suscitar exceção<br />

de incompetência territorial, na forma dos arts. 112 e 304 do CPC, a<br />

hipótese será de prorrogação da mesma, ante o seu caráter relativo,<br />

de modo que o juiz da causa ficará impedido de pronunciá-la<br />

acaso não seja provocado (Superior Tribunal de Justiça, súmula 33).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 94 do CPC, passará a ser o art. 46 do novo CPC (NCPC)<br />

O art. 112 do CPC, dispõe que a competência relativa será arguida por<br />

meio de exceção. Contudo, no novo CPC, a incompetência relativa ou<br />

absoluta será alegada em preliminar de contestação. É o que dispõe o<br />

art. 64 do novo CPC (NCPC):<br />

Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada<br />

como questão preliminar de contestação.<br />

A mãe só pode contestar a paternidade constante do termo de<br />

nascimento do filho se provar a falsidade desse documento ou das<br />

declarações nele contidas, equívoco na qualificação da verdadeira<br />

mãe, por não ter ocorrido o parto, por atribuição à filho de outra<br />

mulher, por troca de embrião na fertilização assistida, por erro, dolo<br />

ou fraude, etc. (CC, art. i.608). Trata-se de texto tradicional, fincado<br />

na máxima romana: Mater semper certa est, etiam si vulgo conceperit,<br />

mas que vem sendo superado pela doutrina e pela jurisprudência,<br />

que alargam a possibilidade de ajuizamento da demanda, seja pela<br />

isonomia constitucional, seja pela verdade real.<br />

386


PARENTESCO<br />

~ Como os tribunais estão entendendo esta questão??<br />

No Recurso Especial 693.230/MG o Superior Tribunal de Justiça entendeu<br />

que o cancelamento da paternidade constante do registro civil é decorrência<br />

lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento<br />

da nova paternidade, o que torna dispensável o prévio<br />

ajuizarnento de ação com tal finalidade.<br />

Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu na apelação cível<br />

2005.001.05757 que a negatória de paternidade não deve ser acolhida<br />

quando se constata que o autor da ação assumiu a paternidade conscientemente,<br />

mesmo sabendo não haver filiação na hipótese, seja por<br />

conta da socioafetividade construída, seja pela proteção a boa-fé objeti·<br />

va, pelo fato de registrar corno seu filho alheio. Valeu a rnáxirne de que<br />

a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza.<br />

O art. 1614 do CC admite outra hipótese de ação judicial, denominada<br />

na prática forense de ação de impugnação ao estado de filiação.<br />

Esta poderá ser ajuizada pelo suposto filho contra a paternidade<br />

que lhe foi imputada, segundo a lei, no prazo decadência de<br />

4 (quatro) anos após a maioridade civil. Utiliza-se desta demanda o<br />

menor que foi reconhecido sem sua aquiescência, por ser incapaz.<br />

Para muitos o prazo em comento deve ser considerado como<br />

impróprio, pois a demanda filiatória (seja positiva ou negativa) envolve<br />

direito subjetivo, extrapatrimonial e indisponível, sendo imprescritível.<br />

5. A SOCIOAFETIVIDADE E A FILIAÇÃO<br />

Já tivemos a oportunidade de registrar no item 3.i. do Capítulo<br />

i desta obra que a família é "marcada pelo afeto e pelo amor[ ... ] é o<br />

núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa" 56 •<br />

A construção do princípio da afetividade se faz decisiva à solução<br />

de um sem número de demandas envolvendo o direito das famílias,<br />

em uma visão utilitarista da técnica principiológica. A busca deste<br />

novo paradigma se contextualiza com a própria (re)construção do<br />

56. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22• Ed . São Paulo: Saraiva,<br />

2007, p.13.<br />

387


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Direito Civil, constitucionalizado, funcional, socializado, desbiologizado,<br />

igualitário, acessível, democratizado, inclusivo, cidadão, repersonalizado,<br />

despatrimonializado e digno.<br />

Como já esclarecem Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona:<br />

" ... o próprio conceito de famr1ia, elemento chave da nossa investigação<br />

científica, deriva e encontra sua raiz ôntica na própria felicidade. Vale<br />

dizer, a comunidade de existência formada pelos membros de uma fami1ia<br />

é moldada pelo liame socioafetivo que os vincula sem aniquilar as<br />

suas individualidades" 57 •<br />

O afeto passa a constituir valor impregnado de natureza constitucional<br />

a consolidar, no contexto do sistema normativo brasileiro, este<br />

novo paradigma no plano das relações familiares. Esta questão está<br />

intimamente relacionada a outro importante elemento jurídico, que<br />

vem ganhando força no estudo do direito civil-constitucional, qual<br />

seja: o direito a busca da felicidade e da importante função contra­<br />

-majoritária que o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado,<br />

para fazer valer os direitos fundamentais em favor das minorias e<br />

superar a omissão dos demais atores da República na formulação de<br />

medidas destinadas a assegurar, aos grupos minoritários, a fruição<br />

dos direitos fundamentais.<br />

~ Como se posicionou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

Neste sentido, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento<br />

do RE 477554-MG (Informativo STF n. 625) quando ali reconheceu<br />

o direito à busca da felicidade, reconhecendo o afeto como um princípio<br />

de cunho constitucional.<br />

UNIÃO <strong>CIVIL</strong> ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA RELEVÂN­<br />

CIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINEN­<br />

TE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL<br />

DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HO­<br />

MOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA<br />

NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF<br />

i32/RJ E ADI 4.277 /DF)<br />

57. Novo Curso de Direito Civil -Vol. 6 - Direito de Família - l' Ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2012, p.13.<br />

388


PARENTESCO<br />

- O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATURE­<br />

ZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIG­<br />

MA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA<br />

- O <strong>DIREITO</strong> À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO<br />

CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA<br />

QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PES­<br />

SOA HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL<br />

FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O <strong>DIREITO</strong><br />

FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE - PRINCÍPIOS DE YO­<br />

GYAKARTA (2006) [ ... )<br />

58. <strong>DIREITO</strong> DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA<br />

ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO - <strong>DIREITO</strong> DO COMPANHEIRO, NA<br />

UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE<br />

DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓ·<br />

DIGO <strong>CIVIL</strong> - O ART. 226, § 3°, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE IN·<br />

CLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO<br />

DEMOCRÁTICO DE <strong>DIREITO</strong> - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA<br />

DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER CON·<br />

STITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) " QUALQUER OIS·<br />

CRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS <strong>DIREITO</strong>S E LIBERDADES FUNDAMENTAIS" (CF, ART. 5°,<br />

XLI) - A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO<br />

DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO<br />

QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO<br />

IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS <strong>DIREITO</strong>S EM RAZÃO DE SUA ORI·<br />

ENTAÇÃO SEXUAL. - Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de di·<br />

reitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua<br />

orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a<br />

igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela<br />

Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto<br />

que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que<br />

estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação<br />

sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE<br />

FAMILIAR. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica<br />

construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa<br />

humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo,<br />

da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece<br />

assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo<br />

proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união<br />

homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro<br />

estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor<br />

de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito,<br />

notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações<br />

389


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

sociais e familiares. - A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime<br />

jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e<br />

legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais<br />

da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado<br />

constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais<br />

configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente<br />

da própria Constituição da República (art. i•, Ili, e art. 3°, IV), fundamentos<br />

autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação<br />

das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade<br />

familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família,<br />

independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A<br />

família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe<br />

os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se<br />

mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas.<br />

A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA<br />

FAMÍLIA MODERNA. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado<br />

de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira<br />

a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA<br />

HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - o postulado da dignidade da pessoa humana,<br />

que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art.<br />

i•. 11 1) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma<br />

e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de<br />

modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem<br />

republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional<br />

positivo. Doutrina . - o princípio constitucional da busca da felicidade, que<br />

decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade<br />

da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação,<br />

gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando -se, em função<br />

de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões<br />

lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar<br />

direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem<br />

qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional<br />

implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que<br />

deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do<br />

Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse<br />

princípio no pla no do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SU­<br />

PREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias<br />

e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena<br />

legitimação material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso<br />

mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda<br />

da Constituição (o que lhe confere "o monopólio da última palavra# em matéria<br />

de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em<br />

ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou<br />

omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos<br />

majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores<br />

consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina. (RE 477554<br />

390


PARENTESCO<br />

~ Como se posicionou o Supremo Tribunal Federal sobre o tema?<br />

Também no Superior Tribunal de Justiça existem imponantes decisões<br />

reconhecendo o valor jurídico do afeto. No REsp. 450.566 se admitiu, por<br />

exemplo, a filiação sócioafetiva. Por sua vez, no REsp. i.085.646 a união<br />

homoafetiva foi admitida em benefício à duas mulheres que conviviam<br />

more uxoria. Sem dúvida, o afeto é princípio já presente na jurisprudên·<br />

eia dos tribunais superiores, que se coadunam com a melhor doutrina<br />

do direito das famílias.<br />

A socioafetividade também pode ser verificada no fenômeno<br />

jurídico da desbiologização do direito de família (Teoria da Dessacralização<br />

do DNA), estando consagrada no Enunciado n. 341 da IV<br />

jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, cujo conteúdo<br />

é o seguinte "Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser<br />

elemento gerador de obrigação alimentar".<br />

Neste contexto, a filiação socioafetiva se torna realidade inquestionável<br />

e surge como nova modalídade de filiação. Certamente que em<br />

tempos passados seria inimaginável reconhecer, pelo simples laço do<br />

afeto e sem qualquer tipo de traço biológico, que alguém se tornasse<br />

pai de outrem. mesmo sem procedimento de adoção ou algo análogo.<br />

Hoje, contudo, este paradigma também é quebrado.<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 19 são esclarecedores<br />

quando dizem que "O pai afetivo é aquele que ocupa, na vida<br />

do filho, o lugar do pai (função). t uma espécie de adoção de fato".<br />

Concordamos com os doutrinadores ao reconhecerem que o carinho,<br />

o abrigo, a educação e o amor, ofertados continuamente,<br />

devem gerar importantes efeitos jurídicos. como o de filiação, alimentos,<br />

herança, etc. Há uma cisão entre o signo genitor e o signo<br />

pai. São dos diletos doutrinadores a afirmação de que o Código de<br />

Hamurabi já dispunha e reconhecia os efeitos da afetividade em<br />

seus artigos 185 e 19i.<br />

AgR / MG; órgão julgador: Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal; relator:<br />

Ministro Celso de Mello; data do julgamento: 16/08/2011) [grifos não originais]<br />

59. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.669.<br />

397


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como os tribunais superio~ estã.o entendendo a matéria?<br />

No Recurso Especial iooo356/SP o Superior Tribunal de Justiça entendel!l<br />

que a filiação socioafetiva encontra amparo constitucional e envolve não<br />

apenas a adoção, como ainda o parentesco por outra origem, na forma<br />

do art. 1.593 do CC, para além das relações biológicas e de ordem<br />

natural. Trata-se de uma relação de fato a ser amparada e reconhecida<br />

juridicamente.<br />

De igual sorte, Tribunal Superior Eleitoral no Recurso Especial Eleitoral<br />

5410103 entendeu que a socioafetividade, em razão da sua influência<br />

social, gera direitos e deveres inerentes ao parentesco, inclusive para<br />

fim de inelegibilidade eleitoral.<br />

Tema intrigante sobre a paternidade socioafetiva reside no debate<br />

da criminalização do que se convencionou chamar de adoção à<br />

brasileira. Prevista no art. 242 do CP, registrar como seu filho alheio<br />

constitui crime. Contudo, à vista do princípio da socioafetividade, é<br />

possível afastar a hipótese por ausência de justa causa. Aguardem<br />

e fiquem atentos a como se posicionará a jurisprudência sobre esta<br />

questão.<br />

6. RECONHECIMENTO DE FILHOS EXTRACONJUGAIS OU EXTRACONVIVENCIAIS.<br />

RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE FILIAÇÃO. A PERFILHAÇÃO<br />

O reconhecimento de filhos pode decorrer de ordem judicial (reconhecimento<br />

forçado), ou de ato voluntário (reconhecimento convencional<br />

ou voluntário). O CC disciplina as formas pelas quais é<br />

possível reconhecer filho fora do casamento, ou mesmo sem união<br />

estável em curso.<br />

Ficou para traz o anacrônico sistema do CC/16 que proibia filhos<br />

adulterinos, ou mesmo incestuosos, de obter reconhecimento judicial<br />

de filiação (cf. art. 363 do CC/16).<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 60 recordam que<br />

apenas a partir de 1942 foi que se permitiu o reconhecimento de<br />

filhos oriundos de relação extraconjugal, desde que o pai estivesse<br />

desquitado. Afirmam os doutrinadores que a Declaração Universal<br />

6o. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

juspodivm, 2012, p.68o.<br />

392


PARENTESCO<br />

dos Direitos do Homem de i948, em seu art. 25, veio a impor a igualdade<br />

máxima entre todas as crianças, no que também não destoou<br />

o Pacto de São José da Costa Rica, o qual veio a prescrever igualdade<br />

de direitos dos filhos nascidos fora do matrimônio, tudo em fiel<br />

harmonia com a CF/88.<br />

Como o sistema de presunção de paternidade e maternidade<br />

do art. i.597 do CC se aplica tão somente aos casados - e à união<br />

estável, por construção doutrinária e jurisprudencial isonômica -, o<br />

CC/02 trouxe previsão para a situação de reconhecimento dos filhos<br />

fora do casamento e da união estável.<br />

O ideal é que os filhos sejam reconhecidos espontaneamente,<br />

seja ao mesmo tempo, seja sucessivamente, pelos genitores. O ECA,<br />

em seu art. 26, prevê esta possibilidade e a Lei de Registros Públicos<br />

permite que a prática deste ato seja realizada, inclusive, por mandatário,<br />

a teor do art. 59.<br />

Perfilhação, portanto, é o reconhecimento voluntário de filiação.<br />

Tem larga aplicação fora do casamento e união estável, pois, durante<br />

o matrimônio e união estável, vigem as presunções.<br />

O art. i.613 do CC afirma que o ato de reconhecimento é irretratável<br />

e irrevogável. Para Maria Berenice Dias 61 , trata-se de ato de<br />

eficácia declaratória. Assim, ainda que se revogue o testamento,<br />

acaso este veicule um reconhecimento de filiação, o mesmo permanecerá.<br />

• Atenção!<br />

o reconhecimento voluntário presume que o filho não tenha em seu<br />

registro o nome de nenhum genitor. Se isto ocorrer, evidentemente que<br />

não será possível o reconhecimento voluntário ante a necessidade prévia<br />

de cancelamento do registro anterior. Neste caso, apenas uma ação<br />

judicial surtiria o efeito de impor o cancelamento do registro civil. Sobre<br />

o tema, vide o art. i.604 do cc para quem "Ninguém pode vindicar estado<br />

contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro<br />

ou falsidade do registro".<br />

61. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 4• Ed, 2007,<br />

p.338.<br />

393


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Segundo Pontes de Miranda 6 ' o reconhecimento voluntário de<br />

filiação pode anteceder até mesmo o nascimento do filho, seja porque<br />

a lei põe a salvo deste a concepção os direitos do nascituro,<br />

seja diante da possibilidade deste pai, por medo de morrer antes<br />

de nascer o próprio filho, utiliza-se deste expediente previsto pela<br />

norma.<br />

De fato, o parágrafo único do art. i.609 do CC admite tanto o<br />

reconhecimento do filho ainda não nascido, quanto o reconhecimento<br />

de filho morto. Contudo, ressalva o Código que o filho já morto<br />

somente poderá ser reconhecido se houver deixado descendentes<br />

"até para impedir a torpeza que seria o pai tornar-se herdeiro do filho<br />

falecido", como leciona Zeno Veloso 63 •<br />

O art. i.614 do CC, seguindo as pegadas do art. 4º da Lei nº<br />

8.560/92, restringe os efeitos do reconhecimento quando se tratar de<br />

filho maior, hipótese na qual este precisara consentir. Neste caso, o<br />

ato não será unilateral, como ocorreria em relação aos filhos menores.<br />

Em se tratando de filho maior de 18 anos, este deve aquiescer,<br />

revelando-se hipótese de ato bilateral.<br />

No caso do menor, como já registrado neste capítulo, havendo o<br />

reconhecimento, o reconhecido, ao atingir a maioridade civil, terá o<br />

prazo decadencial de 4 (quatro) anos para impugná-lo. Como também<br />

já asseverado, muitos entendem que o prazo é impróprio, haja<br />

vista tratar-se de um direito fundamental, subjetivo, extrapatrimonial<br />

e indisponível.<br />

Interessante observar que o art. 45, parágrafo segundo, do ECA,<br />

utilizado para o fim de adoção, exige a manifestação de vontade<br />

daqueles entre 12 (doze) a 18 (dezoito) anos. Neste compasso,<br />

deve-se aplicar a regra, por similitude, aos casos do art. i.609 e<br />

i.614 do cc.<br />

62. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de; Tratado de Direito de Família. Campinas:<br />

Bookseller; 2001, p.109.<br />

63. VELOSO, Zeno. Direito Brasileiro de Filiação e Paternidade. São Paulo: Malheiros.<br />

1997. p.37.<br />

394


PARENTESCO<br />

~ Como os tribunais estão entendendo a impugnação registrai ao estado<br />

de filiação do 1.614 do CC?<br />

No Recurso Especial 765.479-RI o Superior Tribunal de justiça entendeu<br />

que o prazo decadencial de quatro anos para impugnar o reconhecimento<br />

só é aplicável ao filho natural que visa afastar a paternidade<br />

por mero ato de vontade. a fim de desconstituir o reconhecimento<br />

de filiação sem buscar constituir nova relação. No Recurso Especial<br />

987.987-SP reafirmou que a regra do art. i.614 do CC só é aplicável<br />

ao filho natural que pretende afastar a paternidade por mero ato de<br />

vontade e que tal decadência não atinge o direito do filho que busca<br />

a verdade biológica em investigação de paternidade. Confira ainda,<br />

porque no mesmo sentido, o Recurso Especial 485.511-MG e o AgRg no<br />

Ag. 853.665-MG.<br />

O art. i.609 do CC admite o reconhecimento voluntário no próprio<br />

registro de nascimento, o que é desejável no melhor interesse da<br />

criança. Também será possível registrá-lo por escritura pública ou<br />

instrumento particular, a ser arquivado em cartório, por testamento.<br />

em qualquer de suas formas e, finalmente, por manifestação expressa<br />

e direta perante juiz de direito, ainda que não se trate de objeto<br />

principal e único do ato, pouco importando a competência material<br />

do magistrado.<br />

~ E na hora da prova?<br />

No que se refere ao reconhecimento de filho extraconjugal ou extraconvivencial,<br />

o concurso para Auditor da Receita Estadual - SEAD/AP, banca<br />

examinadora FGV, ano de 2011, trouxe a seguinte questão:<br />

Mévia e Tício contraem núpcias no dia 14 de abril de 2007. Em 21 de janeiro<br />

de 2008 nasce o filho do casal Nero da Silva. No dia 22 de janeiro<br />

do mesmo ano, Tício vem a falecer. Após três meses de luto. Mévia vem<br />

a conhecer Caio e. com ele, mantém relações sexuais. Em 23 de janeiro<br />

de 2009 nasce Kate. Caio veio a se casar com Antônia em maio de 2008.<br />

não tendo filhos dessa união. Procurado por Mévia decide reconhecer<br />

Kate. por escritura pública. devidamente averbada no registro civil.<br />

Mévia decide trilhar novos caminhos e viajar para a Índia. onde realizará<br />

o seu encontro espiritual e comunica o fato a Caio, dizendo-lhe que a<br />

guarda de Kate lhe será transferida. assim que seus preparativos de viagem<br />

forem ultimados. Caio, ansioso. comunica a situação à sua esposa<br />

Antônia que não concorda com a presença da menor Kate no lar conjugal.<br />

Diante dos fatos narrados analise as afirmativas a seguir:<br />

395


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

1. o reconhecimento da filiação pode ser unilateral por um dos genitores<br />

e constante de escritura pública.<br />

li. o menor reconhecido por um dos cônjuges e sendo fruto de relação<br />

extraconjugal somente poderá residir no lar conjugal se o outro aquiescer.<br />

Ili. Antônia, esposa de Caio poderá impugnar o reconhecimento de paternidade<br />

da menor Kate, por via judicial.<br />

IV. o ato de reconhecimento da maternidade ou paternidade é irrevogável.<br />

V. os filhos nascidos de quaisquer relações não podem ser discriminados<br />

pela origem, se oriundos ou não do casamento ou mesmo adotados.<br />

Assinale:<br />

a) se somente as afirmativas IV e V forem verdadeiras.<br />

b) se somente as afirmativas li e IV forem verdadeiras.<br />

c) se somente as afirmativas li e Ili forem verdadeiras.<br />

d) se somente as afirmativas 1, li e V forem verdadeiras.<br />

e) se somente as afirmativas 1, li, IV e V forem verdadeiras.<br />

Gabarito: letra E.<br />

O art. 3° da Lei nº 8.560/92 veda o reconhecimento de filhos<br />

na ata do casamento, inexistindo qualquer texto de lei que tenha,<br />

posteriormente e de modo expresso, revogado o aludido diploma<br />

. Apesar disto, com os nossos aplausos, Maria Berenice Dias 6 '<br />

sustenta que o silêncio do CC/02 afasta o preceito, que não mais<br />

se justificaria no regime jurídico-constitucional vigente, ante a não<br />

discriminação.<br />

O art. i.617 do CC afirma que a filiação pode decorrer de matrimônio<br />

nulo, o que está a toda evidência, correto, afinal de contas<br />

o estado de filiação não depende do estado civil de seus genitores.<br />

64. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 4• Ed, 2007,<br />

p.342.<br />

396


Capítulo V<br />

Alimentos<br />

Sumário • 1. Recorte Epistemológico. 2. Os alimentos,<br />

a solidariedade familiar e a dignidade humana.<br />

3. Sujeitos Obrigados. 4. Conceito, caracteres<br />

e natureza jurídica. 4.1. Caráter Personalíssimo.<br />

4.2. lrrenunciabilidade. o. Atualidade. 4.4. Futuridade<br />

ou Irretroatividade. 4.5. Imprescritibilidade.<br />

4.6. Intransmissibilidade. 4.7. Subsidiariedade. 4.8.<br />

lrrepetibilidade. 4.9. lncompensabilidade. 4.10. lmpenhorabilidade.<br />

4.11. Reciprocidade. 5. Obrigação<br />

alimentar e dever assistencial alimentar. 6. Alimentos<br />

na conjugalidade e na união estável: assistência<br />

mútua x alimentos. Os alimentos transitórios e<br />

os alimentos compensatórios. 6.1. Alimentos para<br />

depois do divórcio. 7. Alimentos entre parentes. 8.<br />

Classificação dos alimentos. 8.1. Quanto à origem.<br />

8.2. Quanto à extensão. 8.3. Quanto à finalidade. 9.<br />

Aspectos processuais sobre os alimentos: breves<br />

notas.<br />

1. RECORTE EPISTEMOLÓGICO<br />

Inicialmente é importante ressaltar que este capítulo se dedica a<br />

uma análise dos alimentos nas relações familiares (alimentos civis).<br />

Assim, serão estudados os alimentos decorrentes da relação de parentesco,<br />

bem como de casamento e união estável.<br />

Não será objeto deste capítulo a verificação do tema alimentos<br />

ressarcitórios ou compensatórios, cujo fato gerador é a responsabilidade<br />

civil. Estes foram tratados no volume dedicado à responsabilidade<br />

civil, para o qual se remete o leitor que queira se debruçar<br />

sobre o tema.<br />

A opção metodológica se dá por razões óbvias: entendemos que,<br />

topologicamente, não se ouve bem falar de reparação civil, de forma<br />

geral, em um volume dedicado às famílias. Outrossim, escrever um<br />

volume de responsabilidade civil sem abordar os alimentos ressarcitórios,<br />

nos pareceria incompleto.<br />

397


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Visto o recorte, vamos iniciar o conteúdo programático.<br />

2. OS ALIMENTOS, A SOLIDARIEDADE FAMILIAR E A DIGNIDADE HUMANA<br />

A dignidade humana encerra o dever jurídico de respeito e solidariedade<br />

familiar na proteção do mínimo existencial. Desse modo,<br />

a ordem jurídica assegura a certos parentes (ascendentes, descendentes<br />

e irmãos) o direito recíproco de receber alimentos, estendendo<br />

tal disciplina ao cônjuge e ao companheiro.<br />

A Constituição Federal veicula a solidariedade como um dos fundamentos<br />

e objetivos da República (art. 30, inciso 1). Se a sociedade<br />

deve ser justa, fraterna e solidaria, e se a família é a base desta sociedade<br />

(CF, 226), é óbvia a existência de uma solidariedade familiar<br />

apta a fundamentar o pleito dos alimentos. Ademais, ainda como<br />

fundamento dos alimentos, percebe-se os princípio da eticidade e<br />

da boa-fé objetiva, enquanto regras de conduta capazes de gerar o<br />

mútuo auxílio nos núcleos familiares.<br />

Importa relembrar, como já dito, que a EC n° 64/10 incluiu entre<br />

os direitos sociais a alimentação, assim como a moradia, a proteção<br />

à maternidade, à infância, o lazer e a assistência aos desamparados<br />

(art. 60 da CF). Desse modo, é possível amparar os alimentos na<br />

perspectiva não apenas da solidariedade familiar, boa-fé e dignidade<br />

humana. Além disto, pode-se afirmar que os alimentos constituem<br />

direito social. Este é o entendimento de Flávio Tartuce e José Simão,<br />

que recordam, ainda, a direta aplicação deste direito e garantia fundamental<br />

às relações privadas, em clara eficácia irradiante ou horizontal'.<br />

Alimentos, então, consistem em direito fundamental e da personalidade,<br />

destinado a assegurar a integridade biopsiquica, como<br />

alerta Maria Berenice Dias 2 • Dentro deste contexto é que a disciplina<br />

jurídica dos alimentos deve ser estudada.<br />

i. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 418.<br />

2. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 4• Ed, 2007, p,<br />

450.<br />

398


ALIMENTOS<br />

Atualmente, o conteúdo dos alimentos gira em torno da manutenção<br />

do status quo do credor, envolvendo uma série de prestações.<br />

Nem sempre foi assim, ao passo que quando do CC/16 (art. 396), os<br />

alimentos se restringiam àquilo necessário à subsistência. Hoje, em<br />

nítido avanço, ao se falar em alimentos se remete não só à subsistência,<br />

mas também à manutenção de um padrão social do credor.<br />

Acaso um parente, cônjuge ou companheiro necessite (credor de<br />

alimentos) e, ao mesmo tempo, existam pessoas no âmbito familiar<br />

em condições de fornecer (devedor de alimentos), estará configurado<br />

o imprescindível binômio necessidade-possibilidade (capacidade),<br />

surgindo a possibilidade do pleito alimentar.<br />

O art. i.694 do cc prescreve que os parentes, os cônjuges ou os<br />

companheiros podem pedir, uns aos outros, os alimentos de que<br />

necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social.<br />

Assim, os alimentos envolvem alimentação, vestuário, habitação,<br />

tratamento médico, lazer, educação e, excepcionalmente, parcelas<br />

despendidas com o sepultamento, por parentes legalmente responsáveis<br />

(art. 872 do CC). Tal enumeração é exemplificativa, na exata<br />

lição de Orlando Gomes 3 •<br />

Ainda nas pegadas do art. 1.694 do cc, especificamente do seu<br />

parágrafo primeiro, é que se percebe o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade.<br />

Assim, os alimentos devem ser fixados<br />

na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da<br />

pessoa obrigada. Esta ideia também brota do art. i.695 do CC, ao<br />

descrever que os alimentos serão devidos quando quem os pretende<br />

não possuir condições (bens suficientes) de prover a si mesmo, e<br />

aquele em face de quem se reclama puder adimpli-los "sem desfalque<br />

do necessário ao seu sustento".<br />

Com base no referido trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade,<br />

segue a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande<br />

do Sul:<br />

3. GOMES, Orlando. Direito de Família. 7• Edição. Rio de Janeiro: Forense, i992, p.<br />

427. Vide ainda o art. 372 do cc argentino ao incluir nos alimentos tanto as despesas<br />

ordinárias, quanto as extraordinárias.<br />

399


LUCIANO L FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

EMBARGOS INFRINGENTES. ALIMENTOS. COISA JULGADA. EXCEP­<br />

CIONALIDADE. MÉRITO. ANÁLISE DO TRINÔMIO ALIMENTAR. A ação<br />

de alimentos faz coisa julgada material no que toca à causa<br />

de pedir, leia-se, mesmos fatos. Consubstancia-se a mesma<br />

causa de pedir quando forem as mesmas situações fáticas<br />

quanto à necessidade, possibilidade e proporcionalidade.<br />

Os alimentos originais foram fixados em ação de oferta de<br />

alimentos, em que não houve a participação da alimentanda,<br />

e, consequentemente, não houve discussão do trinômio<br />

alimentar. A análise do trinômio indica a necessária redução.<br />

Acolheram os embargos infringentes e deram parcial provimento<br />

à apelação e negaram provimento ao recurso adesivo<br />

(segredo de justiça). (TJRS - EI: 70008660896 RS, Relator: Rui<br />

Portanova, Data de Julgamento: 18/06/2004, Quarto Grupo de<br />

Câmaras Cíveis).<br />

Diuturnamente, então, não há como pensar os alimentos divorciado<br />

da noção da dignidade humana, do garantismo constitucional<br />

e, portanto, do mínimo existencial que todo e qualquer um merecem<br />

ter (e ser). Os alimentos constituem direito fundamental da personsalidade<br />

humana e, portanto, são indisponíveis, intransacionáveis,<br />

impenhoráveis, incompensáveis, incessíveis, inerentes e inatos à<br />

condição humana.<br />

~ Como a jurisprudência vem entendendo esta questão?<br />

No REsp. 933.355-SP o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser inconcebível<br />

que o ex-cônjuge postule alimentos com base em simplista<br />

cálculo aritimético ensejador de rateio proporcional da renda integral<br />

da família desfeita tendo em vista que o conceito de condição social<br />

deve ser compreendido à luz de padrões mais amplos "mediante inevitável<br />

correlação entre divisão social em classes, critério que, conquanto<br />

impreciso, ao menos aponte norte ao julgador que deverá, a partir<br />

desses valores e das particularidades de cada processo, desconhecer<br />

ou não a necessidade dos alimentos pleiteador e, se for o caso, arbitrá- .<br />

-los". No julgado, entendeu-se que o autor do pedido de alimentos<br />

possuía atividade profissional que não ensejaria uma diminuição do<br />

seu status social de modo que não seria justificável o arbitramento,<br />

naquele caso, de alimentos. Interessante notar que o Superior Tribunal<br />

de Justiça passa, com isto, a sustentar a tese de que alimentos entre<br />

cônjuges é figura de exceção.<br />

400


ALIMENTOS<br />

3. SUJEITOS OBRIGADOS<br />

No que tange ao devedor de alimentos, há de se recordar o seu<br />

fato gerador familiar. Ou seja: há de se verificar se tais alimentos<br />

são entre cônjuges ou companheiros, ou, ainda, se eles decorrem da<br />

relação de parentesco.<br />

Com efeito, alimentos entre cônjuges e companheiros não tem<br />

grandes discussões quando ao obrigado. Obviamente, será o ex-cônjuge<br />

ou ex-companheiro. Mas e nos alimentos fruto da relação de<br />

parentesco; como proceder?<br />

Aqui, o legislador civilista trabalho com uma ordem preferencial<br />

(subsidiária) daqueles que devem pagar os alimentos (art. i.696 do<br />

CC). Dessa forma, o direito à prestação de alimentos é recíproco e<br />

extensivo aos ascendentes, recaindo a obrigação "nos mais próximos<br />

em grau", uns na falta dos outros. Quando a lei afirma isto (mais<br />

próximos em graus), o efeito processual é o do benefício da ordem,<br />

qualificando-se tal obrigação como subsidiária. No mesmo sentido, o<br />

art. i.607 do CC ao rezar que na falta dos ascendentes, cabe tal obrigação<br />

aos descendentes, guardada a ordem de sucessão. Na falta de<br />

descendentes, os irmãos devem pagar alimentos.<br />

Entre os sujeitos da mesma classe - ascendentes entre si, descendentes<br />

entre si e irmãos entre si - haverá solidariedade.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Senado Federal - Advogado - FGV - 2008) Francisco (68) e Adair Souza<br />

(67), pais de Roberto Souza, ingressam em juízo em face do filho, pleiteando<br />

alimentos de RS 2 mil. Em sua resposta, o filho alega que só poderia<br />

arcar com alimentos de RS i mil e requer que seja chamada à lide sua<br />

irmã, Clarice. A obrigação dos filhos de Francisco e Adair, com relação a<br />

prestar alimentos aos pais, é:<br />

Gabarito: solidária.<br />

Em síntese, portanto, nos alimentos decorrentes de parentesco<br />

são devedores, preferencialmente - de forma subsidiária e com benefício<br />

de ordem: a) os ascendentes, preferindo os mais próximos aos<br />

mais remotos; b) os descendentes, preferindo os mais próximos aos<br />

mais remotos e c) os irmãos, que são colaterais de segundo grau.<br />

407


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Resta visível a ordem preferencial estabelecida pela norma, de<br />

forma a impedir a cobrança dos alimentos per saltum. Caso esta<br />

exista, caberá ao demandado, em defesa, alegar o seu direito de<br />

preferência, no sentido de somente puder ser condenado acaso o<br />

autor viesse a comprovar a impossibilidade do parente mais próximo<br />

suprir os alimentos.<br />

Nesta toada é que caminha a redação do Enunciado 342 do Conselho<br />

da Justiça Federal, segundo o qual "Observadas as suas condições<br />

pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos<br />

aos netos em caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não-solidário,<br />

quando os pois destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em<br />

que as necessidades básicas dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente,<br />

segundo o nível econômico-financeiro dos seus genitores."<br />

~ Como se posicionou o Superior Tribunal de Justiça?<br />

~ Atenção!<br />

<strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL. AÇÃO DE ALIMENTOS MOVIDA CONTRA PAI E<br />

AVÓ PATERNA DO MENOR. REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS. ADVOCA­<br />

CIA DA MÃE DO MENOR AUTOR EM SUA DEFESA. REGULARIDADE.<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.<br />

CC ANTIGO, ART. 397. EXEGESE. 1. Regular a defesa do menor<br />

por sua mãe, advogada, que atua diretamente nos autos,<br />

mesmo que existam, ainda, outros causídicos já constituídos.<br />

11. Há possibilidade jurídica no pedido alimentar direcionado<br />

concomitantemente contra o pai do menor e sua<br />

avó, se a exordial justifica o pleito esclarecendo que os<br />

valores que o genitor paga não são suficientes às necessidades<br />

do alimentando, e a capacidade em supri-los é muito<br />

duvidosa, eles podem, em tese, ser complementados<br />

pela segunda ré, cabendo à segunda instância examinar o<br />

mérito da postulação quanto aos provisionais, deferidos<br />

que foram pelo juízo singular. Ili. Recurso especial conhecido<br />

e parcialmente provido (STJ - REsp 373004-RJ, Relator:<br />

Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento:<br />

27/03/2007, T4 - QUARTA TURMA).<br />

Existem apenas duas hipóteses na qual o crédito alimentar será solidário.<br />

A primeira delas diz respeito ao idoso. De acordo com o artigo 12 do<br />

Estatuto do Idoso (Lei Federal n• 10.741/03), este poderá requer alimentos<br />

de qualquer um dos seus parentes, de forma solidária. Eis o conteúdo do<br />

preceito normativo:<br />

402


ALIMENTOS<br />

·A obrigoçêJo alimentar é soliddria, podendo o Idoso optar entre os prestadores•.<br />

Como a solidariedade não se presume. decorre de lei ou da<br />

vontade das panes. a teor do artigo 265 do Código Civil. esta excepcional<br />

situação jurídica não é estendida aos demais parentes. como entende o<br />

Superior Tribunal de Justiça. Adiante apresentaremos critica a este pensamento.<br />

Outra situação de solidariedade, agora visível dentro do próprio<br />

Código Civil, acontece quando os devedores dos alimentos são parentes<br />

do mesmo grau. a exemplo de ascendentes entre si, descendentes<br />

entre si e irmãos entre si. Também aqui será possível a<br />

cobrança solidária contra todos.<br />

Importante questão polêmica tem sido apresentada por conta<br />

desta subsidiariedade e está prevista no art. I.698 do CC. Segundo<br />

o preceito, se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não<br />

tiver condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados<br />

a concorrer os de grau imediato. Sendo várias as pessoas obrigadas<br />

a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos<br />

recursos e, intentada a ação contra uma delas. poderão as<br />

demais ser chamadas a integrar a lide.<br />

Reza o art. I.698 do CC que se o parente devedor de alimentos<br />

"em primeiro lugar" não estiver em condições de suportar totalmente<br />

o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato e. sendo<br />

várias as pessoas obrigadas. todas devem concorrer na proporção<br />

de seus recursos, de modo que "intentada ação contra uma delas,<br />

poderão as demais ser chamadas a integrar a lide" 4 •<br />

Aqui temos uma das mais acesas discussões no campo da prestação<br />

alimentícia. Qual a natureza jurídica do instituto em debate? Isto<br />

seria uma hipótese de intervenção de terceiro? Há relação jurídica<br />

com o instituto do chamamento ao processo previsto no art. 77 do<br />

CPC? O que significaria chamados a integrar a lide?<br />

4. Grifamos.<br />

403


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 77, CPC, passará a ser o art. i30 do novo CPC (NCPC).<br />

Sobre o tema, existem três entendimentos:<br />

• Entendimento i: Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 5<br />

defendem ser o caso hipótese especial de intervenção de terceiro<br />

criada pelo CC, apta a permitir que os coobrigados à prestação<br />

alimentícia sejam convocados supervenientemente. Este é o<br />

mesmo entendimento de Maria Berenice Dias 6 , ao sustentar ser<br />

esta uma intervenção de terceiros distinta daquela prevista no<br />

processo civil. Tanto autor, quanto réu, estariam autorizados à<br />

lançar mão deste expediente.<br />

• Entendimento 2: Para Alexandre Freitas CÂmara 7 a situação seria<br />

de um litisconsórcio passivo facultativo, no qual o autor da<br />

ação (e somente o autor) teria a faculdade de utilizar deste<br />

expediente, Dependeria sua utilização, portanto, da vontade de<br />

quem propõe a ação. Assim também entendem Flávio Tartuce e<br />

José Simão, enxergando o instituto como uma permissão processual<br />

para que o autor, após a contestação do réu, convoque<br />

outros réus supervenientemente para integrar o polo passivo<br />

da lide. 8<br />

• Entendimento 3: O Superior Tribunal de Justiça 9 já entendeu que<br />

a hipótese é de litisconsórcio passivo necessário no que denominou<br />

de ação de alimentos complementares, mesmo não existindo<br />

norma jurídica alguma determinando a sua formação.<br />

5. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.777.<br />

6. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 4• Ed, 2007, p,<br />

444.<br />

7. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Lumen<br />

Juris, 12ª Ed, 2007, vol. Ili, p, 172.<br />

8. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 434.<br />

9. 4• Turma do STJ, REsp . 958.513/SP e REsp. 658.139/RS.<br />

404


ALIMENTOS<br />

~ Atenção!<br />

É possível invocar a doutrina majoritária consagrada no Enunciado 342 do<br />

CJF. segundo o qual #observadas as suas condições pessoais e sociais, os<br />

avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos, em caráter exclusivo,<br />

sucessivo, complementar e não-solidário, quando os pais destes estiverem<br />

impossibilitados de fazâ-lo, caso em que as necessidades básicas<br />

dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro<br />

dos seus genitoresN. Também há decisões no âmbito do<br />

Superior Tribunal de Justiça admitindo o caráter subsidiário, sucessivo<br />

e complementar (REsp. 579.385/SP). Na V Jornada em Direito Civil foi<br />

aprovado o Enunciado 523 do CJF: NO chamamento ao processo dos co­<br />

-devedores para integrar a lide, na forma do an. i.698 do Código Civil pode<br />

ser requerido por qualquer das partes, bem como pelo Ministério Público,<br />

quando legitimado".<br />

Evidentemente que esta discussão jurídica não se aplica ao idoso,<br />

que por força de Estatuto próprio (Lei Federal 10.7 41/03) é credor<br />

solidário de alimentos e pode, à vista disto, postular contra qualquer<br />

um dos co-devedores (CC. 275).<br />

4. CONCEITO, CARACTERES E NATUREZA JURÍDICA<br />

A definição de um conceito técnico de alimentos exige, previamente,<br />

uma análise dos caracteres deste instituto, assim como da<br />

sua natureza jurídica. Deste modo, traçaremos o caminho inverso. A<br />

princípio vamos identificar os debates sobre a natureza jurídica dos<br />

alimentos. Após, estudaremos os seus caracteres. Feito isto, será<br />

possível apresentar um conceito que se alinhe à natureza e às características<br />

do instituto.<br />

O tema relativo à natureza jurídica dos alimentos não é pacífico.<br />

Há, em sede doutrinária, aqueles que enxergam nos alimentos uma<br />

natureza eclética ou mista, com conteúdo patrimonial e finalidade<br />

pessoal, apresentando-se como uma relação patrimonial de crédito<br />

e débito. Outros, por sua vez, vêm os alimentos como expressão da<br />

solidariedade familiar, qualificando-os como direito da personalidade.<br />

Abaixo, sintetizamos os dois posicionamentos doutrinários mais<br />

marcantes:<br />

405


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

• Posicionamento 1. Os alimentos constituem direito da personalidade,<br />

em virtude de seu fundamento ético-social. Soma-se a isto o<br />

fato de que o alimentando, de rigor, não possui interesse econômico<br />

algum, pois a verba perseguida não aumentará o seu patrimônio,<br />

nem servirá de garantia aos credores, apresentando-se como<br />

manifestação do direito à vida, o qual é personalíssimo. Neste sentido,<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald'º. É o nosso<br />

posicionamento também. De igual modo, Maria Berenice Dias".<br />

• Posicionamento 2. Os alimentos constituem direito especial de<br />

caráter patrimonial e finalidade pessoal conexa a um interesse<br />

superior familiar, apresentando-se como uma relação prestacional,<br />

de crédito e débito. É o que pensam Orlando Gomes" e Maria<br />

Helena Diniz 1 i.<br />

Portanto, conforme for a orientação adotada quanto à natureza<br />

jurídica, teremos conceitos distintos sobre o instituto dos alimentos,<br />

daí a ressalva.<br />

Já no que toca às características, a doutrina, de um modo geral,<br />

as elenca da seguinte maneira:<br />

4.1. Caráter personalíssimo<br />

Os alimentos são intuito personae ou ainda necessarium personae,<br />

ou seja, devidos em razão das qualidades específicas das<br />

pessoas que integram uma relação de conjugalidade, convivência<br />

ou parentalidade. E não poderia ser diferente, afinal de contas os<br />

alimentos se justificam por força de aspectos táticos inerentes à figura<br />

do credor, tais como idade avançada, doença, falta de emprego,<br />

incapacidade ...<br />

A morte do credor de alimentos, por exemplo, extingue a existência<br />

e os direitos da personalidade deste, na forma do art. 60, do CC.<br />

10. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALO, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.68o.<br />

11. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 4 1 Ed, 2007, p,<br />

450.<br />

12. GOMES, Orlando. Direito de Família. 7 1 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.<br />

13. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito CMI Brasileiro. 22• Ed . São Paulo: Saraiva,<br />

2007, p.556.<br />

406


ALIMENTOS<br />

Eis um exemplo claro do caráter personalíssimo e intransferível dos<br />

alimentos. De igual forma, o art. i.708 do CC é claro ao prescrever<br />

que o casamento, a união estável, o concubinato ou a indignidade do<br />

credor, acarretará a extinção do crédito alimentar. Mais uma ilustração<br />

do caráter pessoal desta relação jurídica.<br />

Ressalta-se, porém, que, em regra, pouco importa o casamento,<br />

a união estável ou o concubinato do devedor, ao passo que não é<br />

capaz de alterar a obrigação alimentar.<br />

Todavia, estes julgados demonstram a redução do quantum da<br />

pensão alimentícia, em razão de novo casamento, bem como o nascimento<br />

de outro filho, alterando a capacidade contributiva do alimentante.<br />

APELAÇÃO CÍVEL - REVISIONAL DE ALIMENTOS - PEDIDO JULGADO PRO­<br />

CEDENTE - RECURSO VISANDO REFORMA DA SENTENÇA PARA MANTER<br />

O VALOR DOS ALIMENTOS ANTERIORMENTE FIXADO - IMPOSSIBILIDADE<br />

- PROLE DO NOVO CASAMENTO - REDUÇÃO NA POSSIBILIDADE DO ALI­<br />

MENTANTE - ALTERAÇÃO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE - FI­<br />

XAÇÃO MANTIDA - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - NÃO CONFIGURAÇÃO<br />

- RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Havendo prole do novo casamento,<br />

este ' novo' filho tem similar direito de ser sustentado<br />

pelo genitor comum, o que resulta na configuração de um encargo<br />

superveniente que autorizaria a minoração do quantum<br />

antes estipulado, para que todos os filhos menores possam ser<br />

atendidos equitativamente da natureza de suas necessidades.<br />

(TJPR - AC: 5322672 PR 053226,.i, Relator: Antonio Loyola Vieira,<br />

Data de Julgamento: 30/o6/2010, 12• Câmara Cível).<br />

<strong>CIVIL</strong>. REVISÃO DE ALIMENTOS. MODIFICAÇÃO DA CAPACIDADE CON­<br />

TRIBUTIVA DO ALIMENTANTE. NOVO CASAMENTO. REDUÇÃO E FIXA­<br />

ÇÃO DE TERMO FINAL QUANTO À EX-CÔNJUGE. MANUTENÇÃO QUAN­<br />

TO AOS FILHOS. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. 1. Comprovada<br />

a modificação da capacidade contributiva do alimentante,<br />

mormente pela superveniência de novo casamento, defere­<br />

-se o pedido de revisão de alimentos para reduzi-los em relação<br />

ao ex-cônjuge, fixando-se termo final para o seu recebimento,<br />

a panir de quando ocorrerá a respectiva exoneração,<br />

e para manter a verba fixada em relação aos filhos, que não<br />

deve ser minorada pela circunstância de os enteados residirem<br />

com o postulante. 2. Recursos não providos (TJDF - APL:<br />

123180220078070001 DF 0012318-02.2007.807.0001, Relator: CRUZ<br />

MACEDO, Data de Julgamento: 27/05/2009, 4• Turma Cível).<br />

407


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ademais, o credor poderá constituir namoro, não sendo este fato<br />

capaz, igualmente, de extinguir o seu crédito alimentar. Neste sentindo,<br />

um precedente do Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. <strong>CIVIL</strong>. ALIMENTOS. EX-CÔNJUGE. EXONERAÇÃO.<br />

NAMORO APÓS A SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DEVER DE FIDELIDADE.<br />

PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. 1 - Não autoriza exoneração da<br />

obrigação de prestar alimentos à ex-mulher o só fato desta<br />

namorar terceiro após a separação. li - A separação judicial<br />

põe termo ao dever de fidelidade recíproca. As relações sexuais<br />

eventualmente mantidas com terceiros após a dissolução<br />

da sociedade conjugal, desde que não se comprove<br />

desregramento de conduta, não têm o condão de ensejar a<br />

exoneração da obrigação alimentar, dado que não estão os<br />

ex-cônjuges impedidos de estabelecer novas relações e buscar,<br />

em novos parceiros, afinidades e sentimentos capazes<br />

de possibilitar-lhes um futuro convívio afetivo e feliz. Ili - Em<br />

linha de princípio, a exoneração de prestação alimentar, estipulada<br />

quando da separação consensual, somente se mostra<br />

possível em uma das seguintes situações: a) convolação de<br />

novas núpcias ou estabelecimento de relação concubinária<br />

pelo ex-cônjuge pensionado, não se caracterizando como tal<br />

o simples envolvimento afetivo, mesmo abrangendo relações<br />

sexuais; b) adoção de comportamento indigno; c) alteração<br />

das condições econômicas dos ex-cônjuges em relação às<br />

existentes ao tempo da dissolução da sociedade conjugal.<br />

(STJ - REsp: 111476-MG, Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo<br />

Teixeira, Data de Julgamento: 25/03/1999, T4- QUARTA TURMA).<br />

Para o operador do direito é fácil verificar se houve o casamento,<br />

a união estável ou o concubinato do credor de alimentos. Mas o que<br />

seria a sua indiginidade?<br />

Uma das possibilidades legais de cessação do dever de pagar<br />

alimentos está na situação jurídica denominada normativamente de<br />

procedimento indigno contra o devedor, como se nota do art. i.708<br />

do CC.<br />

De acordo com o diploma legal, cessa também o direito aos alimentos,<br />

com relação ao credor, se este adotar procedimento indigno<br />

em relação ao devedor.<br />

Mas o que seria tal indignidade?<br />

408


ALIMENTOS<br />

Na secção dedicada aos alimentos, o Código Civil não conceitua<br />

o instituto. Todavia, percebe-se a presença da indignidade nos arts.<br />

557 e i.814. No primeiro, possibilita-se a revogação da doação. Já no<br />

segundo, percebe-se a exclusão da herança.<br />

Nessa linha, é razoável que em sede de alimentos, por analogia,<br />

se valia dos conceitos de indignidade das outras secções do Código<br />

Civil, ante a lacuna legislativa (art. 4 da LINDB). Neste sentido, inclusive,<br />

afirma o Enunciado 264 do Conselho da Justiça Federal, ao informar<br />

a analogia da indignidade hereditária, prevista no art. i.814 do<br />

CC, para elucidar problemas concernentes ao procedimento indigno<br />

em sede de pensão alimentícia.<br />

Com amparo neste critério, é possível afirmar que se o credor de<br />

alimentos incorrer em homicídio doloso, atentado à honra, ou quaisquer<br />

outras das situações indicadas nos arts. 557 e i.814, perderá -<br />

após regular ação ordinária com todas as garantias fundamentais - o<br />

direito de receber alimentos.<br />

Mas tal indignidade desembocará na exoneração do alimentos?<br />

O Enunciado 345 do Conselho da Justiça Federal conclui que o procedimento<br />

indigno do credor de alimentos contra o devedor pode<br />

ensejar a exoneração, ou apenas a redução do valor da pensão<br />

alimentícia, agora fixada em quantia indispensável à sobrevivência,<br />

transmudando os alimentos naturais para necessários. Tal dependerá<br />

da análise do caso concreto.<br />

Voltando à análise dos alimentos, em sendo direito personalíssimo<br />

que visa a tutela da integridade física do indivíduo, sua<br />

titularidade não pode ser transferida para outrem, daí porque<br />

será intransmissível, quanto ao credor, e incessível também em<br />

relação a este, porquanto o crédito é inseparável desta pessoa<br />

(i.770, CC).<br />

Também por conta deste caráter personalíssimo é possível afirmar<br />

que os alimentos são incompensáveis (CC, art. 373, li), pois caso<br />

fosse admitida a extinção da obrigação através daquele instituto,<br />

privar-se-ia o alimentando dos meios de sobrevivência, desvirtuando<br />

a finalidade da norma.<br />

409


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Também é intransacionável, porquanto não pode ser objeto de<br />

transação o direito de pedir alimentos (CC, 841). Apesar disto, o crédito<br />

alimentar pode ser passível de transação. Justo por isto, admite<br />

o Estatuto do Idoso a transação, perante o promotor de justiça ou<br />

defensor público, que as referendará, passando a ter efeito de título<br />

executivo extrajudicial, conforme a lei processual civil (art. 13 do Estatuto<br />

do Idoso). Tal pensamento pode ser aplicado a outras searas,<br />

por analogia.<br />

Ademais, curiosamente será admitida a possibilidade jurídica de<br />

transmissão do débito alimentar do devedor que morre. A inusitada<br />

hipótese será explicada nas próximas linhas, ao se abordas a intransmissibilidade.<br />

4.2. lrrenunciabilidade<br />

Na forma do art. i.707 do CC os alimentos não podem ser renunciados<br />

aspecto que, diante de sua relevância, foi cristalizado na<br />

súmula 379 do Supremo Tribunal Federal: "no acordo de desquite não<br />

se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente<br />

verificados os pressupostos legais". Esta súmula foi construída<br />

ainda sob a vigência do CC/16, cujo art. 404 continha texto semelhante<br />

derredor da irrenunciabilidade dos alimentos. A lição é de Cristiano<br />

Chaves de Farias e Nelson Rosenvald".<br />

De rigor, não seria estranho, à primeira vista, admitir-se a irrenunciabilidade<br />

dos alimentos, por força do art. 11 do CC. Afinal,<br />

enquanto direito fundamental da personalidade humana, a característica<br />

da impossibilidade de renúncia é bem vista. A regra é de<br />

clareza induvidosa. Diz, com todas as letras: "é vedado renunciar o<br />

direito a alimentos".<br />

Curioso, porém, que em todo o país se observa uma prática<br />

aparentemente contrária ao gélido texto normativo. Casais costumam<br />

formular pedidos consensuais de divórcio e neles, expressamente,<br />

registrarem que estão a renunciar aos alimentos reciprocamente.<br />

J.4.<br />

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das fammas. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.763.<br />

470


ALIMENTOS<br />

Acertadamente Flávio Tartuce e José Simão sustentam que o CC/02<br />

sepultou aparentemente a discussão anterior sobre a possibilidade<br />

de renúncia aos alimentos. Contudo, este sepultamento, de fato, foi<br />

apenas aparente, pois "a jurisprudência e a doutrina vinham entendendo,<br />

quase que com unanimidade, pela possibilidade de renúncia<br />

aos alimentos quando da separação judicial, do divórcio ou da dissolução<br />

da união estável". 15<br />

Esta práxis tem gerando nas Casas Judiciais brasileiras a aceitação<br />

da renúncia aos alimentos pelos casais. Aparentemente, seria algo<br />

contrário ao texto de lei. Na verdade, interpretando-se a quaestio<br />

sob as luzes do direito mínimo de família, considerando que o Estado<br />

só deve intervir nas relações familiares para assegurar a realização<br />

dos direitos e garantias fundamentais, na forma do princípio da<br />

intervenção mínima estatal nas relações familiares, a única conclusão<br />

a que se pode chegar é pelo total respeito à autonomia privada,<br />

especialmente porque externada por adultos capazes.<br />

Desta forma, se a renúncia não ferir nenhuma cláusula pétrea, ou<br />

direito fundamental no caso concreto, deve ser considerada válida e<br />

eficaz. Logo, é crível a aludida renúncia.<br />

~ Como a jurisprudência de hoje tem entendido isto?<br />

o Superior Tribunal de Justiça no RHC ii.690/DF afirma que "a jurisprudência<br />

dominante neste Tribunal firmou o entendimento no sentido de que,<br />

porquanto manifestada a renúncia aos alimentos por um dos cônjuges, por<br />

dispor de meios necessários a sua mantença, não lhe é lícito ingressar em<br />

juízo pleiteando-os". Portanto, hoje o entendimento é no sentido de que<br />

a irrenunciabilidade dos alimentos referida no art. i.707 do CC se limita<br />

apenas aos incapazes.<br />

No mesmo sentido, o Recurso Especial n° 7oi.902/SP, segundo o qual "a<br />

cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente<br />

homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que<br />

renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo".<br />

15. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, g.<br />

Edição, Método, 2013. P. 430.<br />

411


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Infelizmente, o Superior Tribunal de Justiça também possui julgados pela<br />

irrenunciabilidade dos aludidos alimentos, o que deixa acesa a discussão<br />

derredor do assunto e causa nítida insegurança jurídica:<br />

UA mulher que recusa os alimentos na separação pode pleiteá-los<br />

futuramente, desde que comprove a sua dependência<br />

econômica" (AgRg n• 668.207-MG).<br />

Em curta síntese: apesar do art. i.707 do CC categoricamente<br />

afirmar ser vedado ao credor renunciar aos alimentos, sendo o respectivo<br />

crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora, a<br />

jurisprudência atual flexibiliza, quando não se contradiz, o texto de<br />

lei, e afirma que tal restrição se aplica apenas aos incapazes, de<br />

modo que cônjuges e companheiros podem renunciar aos alimentos.<br />

Ademais, malgrado o credor não puder renunciar o direito à alimento,<br />

lhe é facultado deixar de exercê-lo; afinal a ninguém é dada<br />

obrigação de litigar.<br />

Assim, o para o cargo de Defensor Público/MS - VUNESP, ano de 2009,<br />

considerou errada a seguinte assertiva: "Não pode o credor deixar de<br />

exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o<br />

respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora".<br />

Ademais, caminha a jurisprudência no sentido de que uma vez<br />

verificada a renúncia, não será possível o pleito posterior de alimentos<br />

por parte do renunciante, sob pena de configuração, inclusive,<br />

de abuso de direito (art. i87, CC), através do nemo potest venire<br />

contra factum proprium (proibição do comportamento contraditório).<br />

Recordo, inclusive, que em sendo abuso de direito, a responsabilidade<br />

civil é objetiva.<br />

Com efeito, é clara a quebra de boa-fé e confiança no momento<br />

em que se cria no outro a expectativa legítima de não se ter a necessidade<br />

de alimentos, através de clara renúncia, e depois se faz um<br />

novo pleito. Não se pode admitir ...<br />

No mesmo sentido caminham Cristiano Chaves de Farias e Nelson<br />

Rosenvald 16 , ao sustentarem que a postulação pós renúncia a<br />

16. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALO, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.765.<br />

412


ALIMENTOS<br />

alimentos configuraria abuso do direito, na forma do art. i87 do CC,<br />

aplicando-se na hipótese a Teoria dos Atos Próprios para vedar esta<br />

prática ilícita ante o dever de lealdade e confiança recíproco.<br />

Mas tal renuncia seria possível apenas entre ex-cônjuges e ex­<br />

-companheiros ou também se estenderia aos alimentos decorrentes<br />

de parentesco?<br />

Nos parece que a aludida renúncia apenas terá lugar entre ex­<br />

-cônjuges e ex-companheiros, ainda sim capazes e praticantes do<br />

ato sem nenhum tipo de vício de consentimento. Isto, porque, enquanto<br />

subsistir relação familiarista, há mutua assistência e, por conseguinte,<br />

irrenunciabilidade dos alimentos. Neste sentido é que se<br />

posiciona o Enunciado 263 do CJF: "o art. 1107 do CC não impede que<br />

seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião<br />

do divórcio ou da dissolução da união estável. A irrenunciabi/idade do<br />

direito a alimentos somente é admitida enquanto subsista vínculo do<br />

Direito de FamOia".<br />

~ Na hora da Prova:<br />

Abanca examinadora CESPE, em concurso público realizado para o Cartório<br />

do TJ-BA, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "De<br />

acordo com o Código Civil, é vedado ao credor renunciar o direito de alimentos,<br />

entretanto, considera-se válida e eficaz a renúncia manifestada<br />

por um dos cônjuges por ocasião do divórcio, pois a irrenunciabilidade<br />

prevalece apenas enquanto subsista o vínculo de direito de família".<br />

Já quanto ao crédito alimentar pretérito, é possível a renúncia,<br />

ainda que se trate de filho menor. Eis a decisão do Tribunal de Justiça<br />

do Rio Grande do Sul:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE GUARDA. RENÚNCIA DE CRÉDITO ALI­<br />

MENTAR PRETÉRITO. ACORDO FIRMADO PELOS GENITORES DO ME­<br />

NOR. HOMOLOGAÇÃO E EXTINÇÃO DOS FEITOS. POSSIBILIDADE. 1.<br />

É irrenunciável o direito de alimentos presentes e futuros<br />

(art. 1.707 do CC), mas pode o alimentando renunciar aos<br />

alimentos pretéritos devidos e não prestados, pois nada impede<br />

que ele deixe exigir tais alimentos. 2. Cabe a ambos os<br />

genitores o dever de sustentar a prole comum e o eventual<br />

não pagamento da pensão alimentícia por um genitor não<br />

473


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

enseja necessariamente prejuízo direto para o alimentando,<br />

quando este recebe os alimentos in natura do outro genitor,<br />

sendo que a renúncia a crédito alimentar não se confunde<br />

com renúncia ao direito aos alimentos, inexistindo qualquer<br />

óbice legal para a homologação do acordo entabulado pelas<br />

partes. Recurso desprovido. (TJRS, AC 70035692656 RS, Relator:<br />

Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento:<br />

29/06/2011, Sétima Câmara Cível)<br />

Em certa medida também é possível afirmar que a súmula 336 do<br />

Superior Tribunal de Justiça admite a renúncia aos alimentos entre<br />

cônjuges e companheiros, quando afirma que: "A mulher que renunciou<br />

aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária<br />

por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica<br />

superveniente". Em outras palavras: admite-se a renúncia dos alimentos,<br />

mas isto não interfere na relação jurídica de direito público<br />

perante o INSS, de modo que será possível a obtenção do benefício<br />

previdenciário.<br />

4.3. Atualidade<br />

o signo atualidade tem dois significados.<br />

Em primeiro lugar, importa dizer que devem corresponder sempre,<br />

quando do seu pagamento, a um valor correspondente àquele<br />

originariamente fixado. Neste contexto, é sinônimo da própria ideia<br />

de atualização e isto é o que emerge do artigo 1.710 do CC, ao prescrever<br />

o uso do índice oficial para este fim. Desta forma, garante-se<br />

à prestação alimentícia o seu valor real.<br />

É muito comum nas lides envolvendo alimentos o juiz de direito<br />

utilizar o salário mínimo como critério seguro, apto a garantir o valor<br />

real da pensão alimentícia. A medida poderia suscitar questionamento,<br />

tendo em vista que o art. 7°, inciso IV da CF proíbe a indexação<br />

do salário mínimo. Contudo, no Supremo Tribunal Federal é<br />

pacífico o entendimento no sentido de que a vedação constitucional<br />

não abrange a prestação alimentícia. Sobre o tema, cita-se a Sumula<br />

Vinculante n 4°, segundo a qual "salvo nos casos previstos na constituição,<br />

o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base<br />

de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser<br />

substituído por decisão judicial".<br />

414


ALIMENTOS<br />

~ Como os Tribunais Superiores estão entendendo o assunto?<br />

No Recurso Extraordinário n° i70.203, a Suprema Corte entendeu que a<br />

vedação constitucional do salário mínimo, referida no artigo 7° da Carta<br />

Magna, visa a impedir a utilização do aludido parâmetro como fator de<br />

indexação para obrigações não salariais e não alimentares. No mesmo<br />

sentido caminha a súmula 490 do Supremo Tribunal Federal, ao admitir<br />

expressamente a indexação do salário mínimo quando a hipótese envolver<br />

verba de natureza alimentar: Ma pensão correspondente à indenização<br />

oriundo de responsabilidade civil deve ser calculada com base no<br />

solário mínimo vigente ao tempo da sentença a ajustar-se-á às variações<br />

ulteriores#.<br />

Mas, entendemos que o signo atualidade tem um segundo e não<br />

menos importante significado. É que se os alimentos servem para a<br />

manutenção e subsistência atual e futura de alguém, não havendo<br />

justificativa jurídica alguma para pretendê-los retroativamente. Logo,<br />

alimentos são devidos a partir da citação, como regra.<br />

A este respeito cita-se a Súmula 277 do Superior Tribunal de<br />

Justiça para qual "julgada procedente a investigação de paternidade,<br />

os alimentos são devidos a partir da citação". Soma-se a isto o art.<br />

13, parágrafo segundo da Lei de Alimentos (Lei 5.478/68), segundo<br />

o qual "em qualquer caso os alimentos fixados retroagem à data da<br />

citação".<br />

Portanto, tendo o credor de alimentos sobrevivido e não ajuizado<br />

demanda alguma até então, não haveria plausibilidade jurídica<br />

justificadora de pagamento de crédito alimentar para data<br />

anterior.<br />

Entretanto, a doutrina costuma batizar esta segunda particularidade<br />

dos alimentos de futuridade. Em respeito ao pensamento<br />

doutrinário, passaremos, então, à destacar o assunto em tópico<br />

próprio.<br />

4.4. Futuridade ou Irretroatividade<br />

Os alimentos são ex nunc. Desta forma, dirigem-se ao futuro. Devem<br />

ser exigidos para a manutenção das necessidades atuais e futuras<br />

de quem os postula.<br />

415


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Como recordam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 17 ,<br />

esta é a justificativa para que o Código de Processo Civil, em seus<br />

arts. 732/734, permitir o desconto em folha de pagamento das parcelas<br />

vincendas da prestação alimentícia.<br />

Ademais, também é a futuridade a justificativa de existir prazo<br />

prescricional de dois anos para execução dos créditos alimentares já<br />

fixados e não pagos (art. 206, § 2° do CC).<br />

Vamos aprofundar esta questão!<br />

4.5. A imprescritibilidade<br />

Sustentam Flávio Tartuce e José Simão existirem três razões para<br />

a imprescritibilidade do crédito alimentar; quais sejam: a) trata-se<br />

de ação de estado de pessoas; b) a aludida ação envolve direito de<br />

família e c) possui pretensão natureza declaratória'ª.<br />

Ainda que não exercido o direito por longo tempo, enquanto vivo<br />

o credor de alimentos, poderá manejar o seu pleito alimentar a<br />

qualquer momento. Como expressão da personalidade que o são,<br />

nitidamente relacionados com a teoria do patrimônio mínimo existencial<br />

e à dignidade da pessoa humana, não é crível limitar no<br />

tempo prazo para o pleito alimentar.<br />

À vista disto, não seria possível admitir a prescrição de direitos<br />

desta magnitude. Qualquer pessoa poderá, portanto, exercer o<br />

direito de obter pensão alimentícia à qualquer momento. Em rigor<br />

mais técnico, não há prazo prescricional para a pretensão cognitiva<br />

os alimentos.<br />

A dúvida surge, entretanto, por conta do art. 206, § 2° do CC,<br />

cuja redação afirma: "Prescreve em dois anos, a pretensão para haver<br />

prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem".<br />

A leitura do dispositivo poderia levar o intérprete a negar a denominada<br />

imprescritibilidade da obrigação alimentar. Apesar disto, é<br />

17. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

]uspodivm, 2012, p.766.<br />

18. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 435.<br />

416


ALIMENTOS<br />

preciso que fique claro: a prescrição referida no preceito normativo<br />

diz respeito apenas à execução dos alimentos vencidos e já fixados<br />

pelo juiz de direito. É dizer: tendo o magistrado fixado o crédito<br />

alimentar deve o exequente postular a execução deste no prazo de<br />

dois anos, sob pena de prescrição.<br />

o Informativo 323 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA trouxe o seguinte<br />

julgado acerca deste tema:<br />

ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. MAIORIDADE. PRESCRIÇÃO. PARCELAS<br />

VENCIDAS. Duas são as questões em debate nesse processo.<br />

A primeira trata da possibilidade ou não de haver exonera·<br />

ção automática da obrigação alimentícia. No caso, o juiz fez<br />

retroagir tal exoneração à data em que cada filha atingiu a<br />

maioridade. Essa decisão foi mantida pelo TJ . A Min. Relatora<br />

lembrou que este Superior Tribunal tem entendido que<br />

não tem lugar a exoneração automática do dever de prestar<br />

alimentos em decorrência do advento da maioridade do alimentando,<br />

devendo-se propiciar a ele a oportunidade de<br />

se manifestar e comprovar, se for o caso, a impossibilidade<br />

de prover a própria subsistência. Isso porque, a despeito<br />

de extinguir-se o poder familiar com a maioridade, não cessão<br />

dever de prestar alimentos fundados no parentesco. A<br />

segunda questão cuida da incidência ou não do instituto da<br />

prescrição sobre a pretensão da ex-cônjuge de obter o pagamento<br />

das parcelas alimentares vencidas. A Min. Relatora<br />

esclareceu que o acórdão recorrido, ao manter o instituto<br />

da prescrição sobre a pretensão da alimentanda, vulnerou o<br />

art. 178, § 10, 1, do CC/1916. A prescrição aqui tratada não é a<br />

do direito a alimentos em si, esse imprescritível, e sim a das<br />

prestações vencidas e não cobradas dentro do quinquênio<br />

legal (art. 178, § 10, 1, do CC/1916). Na hipótese, a ação foi<br />

ajuizada em 13/12/2000, por meio da qual pugna a recorrente,<br />

ex-cônjuge do recorrido, prestações alimentícias por<br />

ele não pagas desde janeiro de 1994 até novembro de 2000.<br />

Aplicando-se o dispositivo mencionado, há de incidir o instituto<br />

da prescrição tão-somente sobre as parcelas vencidas<br />

anteriormente ao mês de dezembro de 1995 (grifos nossos)<br />

(STJ, Quarta Turma, REsp 896.739-RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi,<br />

julgado em 14/6/2007).<br />

Assim, caso eu deseje hoje ajuizar ação de alimentos em face de<br />

meus parentes, eu poderia fazê-lo, mesmo que até a presente data<br />

477


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

jamais o tenha feito. A pretensão cognitiva é imprescritível. Entrementes,<br />

se a minha pretensão for precedente, e após a condenação<br />

o devedor passar anos sem pagar alimentos, eu apenas poderei<br />

executar os últimos dois anos. O prazo prescricional para a pretensão<br />

executiva ou executória dos alimentos é de dois anos.<br />

~ Atenção!<br />

Entre ascendentes e descendentes menores o prazo prescricional começa<br />

a correr apenas a partir dos i8 anos de idade, tendo em vista a<br />

existência da autoridade parental. Portanto, não há prazo em curso nesta<br />

situação. De igual forma, deve-se lembrar que contra o absolutamente<br />

incapaz não corre prazo prescricional. Em arremate, recorde-se ser<br />

possível correr prazo prescricional contra relativamente incapaz. Sobre<br />

estes assuntos, importante a leitura dos artigos 195. 197, li e 198 do cc.<br />

4.6. A intransmissibilidade<br />

Uma leitura sistêmica dos arts. 286/298, 368/380, 841 e i.707 do<br />

CC, demonstrará que os alimentos não podem ser objeto de cessão,<br />

alienação, compensação ou transação, porque são intransmissíveis.<br />

Aliás, o art. 852 do CC é claro ao proibir arbitragem para conflitos<br />

envolvendo alimentos, haja vista o seu caráter indisponível.<br />

Flávio Tartuce e josé Simão advertem, entretanto, que há jurisprudência<br />

aceitando a compensação dos alimentos pagos à mais<br />

pelo devedor, com o abatimento de prestações futuras, para evitar<br />

o enriquecimento sem causa (CC, 884).<br />

A reflexão que fazemos vai ao encontro desta doutrina. O texto<br />

da lei expressamente veda a compensação (CC, 373, li) para os<br />

alimentos que, por outro lado, constituem crédito privilegiado, se<br />

comparados a outros créditos. de natureza quirografária.' 9<br />

Lembram Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 20 que<br />

na estrutura do CC/16, era induvidoso o caráter intransmissível dos<br />

alimentos, tendo em vista o que prescrevia o art. 402 da época, se-<br />

19. TARTUCE. Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 439.<br />

20. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das familias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.768.<br />

418


ALIMENTOS<br />

gundo o qual "A obrigação de prestar alimentos não se transmite aos<br />

herdeiros do devedor". Sustentam os insignes doutrinadores a lógica<br />

da intransmissibilidade, tendo em vista a natureza personalíssima da<br />

relação jurídica em destaque, cujo óbito deveria ensejar a sua extinção:<br />

"a transmissão da obrigação de prestar alimentos poderá ensejar<br />

uma desconfortável situação que é a diminuição da herança, que foi<br />

transmitida, para o pagamento de uma dívida, não vencida, que não é<br />

devida pelo titular do patrimônio recebido" 21 •<br />

De forma embrionária, a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), no seu artigo<br />

23, passou a possibilitar a transmissão da obrigação de prestar alimentos,<br />

tão somente para os alimentos fixados em separação judicial.<br />

Nas pegadas da inovação de 77, o atual CC sufragou no seu art.<br />

1.700 que "A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros<br />

do devedor, na forma do art. 1.694".<br />

~ E na hora da prova?<br />

(DEFENSOR PÚBLICO - MS - WNESP - 2009 - Adaptada) Transmite-se aos<br />

herdeiros do devedor, nos limites da herança, a obrigação de prestar<br />

alimentos à ex-companheira. (Assertiva correta).<br />

A virada é de cento e oitenta graus e nos traz inúmeras dúvidas.<br />

A primeira delas é se a transmissão relaciona-se apenas ao crédito<br />

ou à obrigação de prestar alimentos?<br />

Pela redação do artigo, transmite-se a obrigação de prestar, o<br />

que englobaria tanto as prestações vencidas, como as vincendas.<br />

Para Para Yussef Said Cahalli 22 , o dispositivo deve ser interpretado<br />

com inteligência, sob pen de profundas incoerências.<br />

Voltando à redação do artigo, passam os alimentos a serem considerados<br />

como dívidas do falecido, a qual há de ser quitada nas<br />

forças da herança e até a data da partilha (art. i.792 do CC e Enunciado<br />

343 do CJF).<br />

21. Op. Cit, p. 768.<br />

22. CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: RT, 4• Edição, 2002, p. 95.<br />

479


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora CESPE, em concurso realizado para o provimento<br />

de cargo de Analista Legislativo-Câmara dos Deputados, ano de 2014,<br />

julgou INCORRETA a seguinte assertiva: "Transmite-se aos herdeiros do<br />

devedor de alimentos a obrigação de pagar as prestações vencidas e<br />

não pagas, na força da herança, extinguindo-se a obrigação alimentar<br />

em virtude da morte".<br />

~ Como os tribunais superiores estão decidindo?<br />

No Recurso Especial n• 219.199/PB, o Superior Tribunal de Justiça entendeu<br />

que o espólio tem a obrigação de prestar alimentos àquele a quem<br />

o de cujus devia, mesmo vencidos após a sua morte. Enquanto não encerrado<br />

o inventário e pagas as quotas devidas aos sucessores, o autor<br />

da ação de alimentos e presumível herdeiro, não podendo ficar sem<br />

condições de subsistência no decorrer do processo.<br />

Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald' 3 a tese é<br />

absurda, tendo em vista que a herança é garantia constitucional (CF,<br />

art. 5°, XXX). Afirmam os doutrinadores que o aludido entendimento<br />

jurisprudencial permite, em última análise, que um herdeiro receba<br />

quinhão superior aos demais, no que se atentaria, por outro viés, ao<br />

princípio da igualdade substancial. Para tais doutrinadores, portanto,<br />

o crédito alimentar recebido há de ser levado à colação.<br />

O fato é que em outras oportunidades, este mesmo Superior Tri ­<br />

bunal de justiça entendeu ser transmissível aos herdeiros do alimentante<br />

a obrigação de prestar alimentos, nos termos do art. 1.700 do<br />

CC, de modo que o espólio tem a obrigação de continuar prestando<br />

alimentos àquele a quem o falecido devia (REsp. i.010.693).<br />

Todavia, o entendimento é outro quando inexistente a condenação<br />

à prestação de alimentos antes do falecimento do autor da<br />

herança. Eis o julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. AÇÃO DE ALIMENTOS. ESPÓLIO. TRANSMISSÃO DO<br />

DEVER JURÍDICO DE ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexistindo<br />

condenação prévia do autor da herança, não há por que<br />

23. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

]uspodivm, 2012, p.768.<br />

420


ALIMENTOS<br />

falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos,<br />

em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível.<br />

2. Recurso especial provido. (STJ, REsp 775.180-MT,<br />

Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento:<br />

15/12/2009, T4 - QUARTA TURMA)<br />

~ E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora CESPE, em concurso realizado para<br />

o provimento de cargo de Analista Judiciário do TJ-CE, ano de 2014, considerou<br />

FALSA a seguinte assertiva: ªO espólio de genitor do autor de ação<br />

de alimentos possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação,<br />

mesmo que inexista obrigação alimentar assumida pelo genitor por acordo<br />

ou decisão judicial antes da sua morten.<br />

~ Acerca do tema, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:<br />

Obrigaçêfo de prestar alimentos.<br />

O espólio de genitor do autor de ação de alimentos não<br />

possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação<br />

na hipótese em que inexista obrigação alimentar assumida<br />

pelo genitor por acordo ou decisão judicial antes da<br />

sua morte. REsp 1.337.862-SP. rei. Min. Luís Felipe Salomão,<br />

u .2.14. 4º T. (lnfo 534)<br />

o tema ainda merece melhor elucidação doutrinária e jurisprudencial,<br />

devendo o futuro aprovado ficar atendo aos próximos informativos.<br />

4.7. A subsidiariedade<br />

Conforme estudado no tópico intitulado sujeitos obrigados, bem<br />

como da inteligência dos artigos 1.696 e 1.697 do cc. é inegável que<br />

a lei cível impõe uma ordem preferencial dos devedores de alimentos.<br />

Isto permite àqueles mais distantes alegarem, defensivamente,<br />

benefício de ordem, ante a clara responsabilidade civil subsidiária.<br />

A situação é curiosa, afinal de contas um dos fundamentos jurídicos<br />

do dever de prestar alimentos é a solidariedade familiar. Apesar disto,<br />

o que vemos é uma subsidiariedade familiar. Pior, parentes afins e<br />

colaterais de terceiro e quarto grau estão fora deste dever jurídico.<br />

421


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Quanto à obrigação dos avós em prestar alimentos aos netos,<br />

entendeu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:<br />

"A obrigação avoenga possui caráter subsidiário e complementar,<br />

sendo o dever de sustentar a prole primordialmente<br />

dos genitores. No entanto, ante o falecimento do varão,<br />

cabível o direcionamento da pretensão alimentar contra os<br />

avós paternos que, pelo menos por ora, não demonstraram<br />

a insuportabilidade de arcar com o pensionamento arbitrado#.<br />

(TJRS, Agravo de Instrumento 70009729435, Sétima<br />

Câmara Cível, Rei. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em<br />

03/ 11/ 2004).<br />

No caso dos colaterais de terceiro e quarto grau a situação é ainda<br />

mais atípica_ Não devem alimentos, mas são herdeiros e podem<br />

receber a herança de quem hoje está morto, mas um dia necessitou<br />

de alimentos dos mesmos, na forma do art. i.829 do CC. Curioso<br />

ainda lembrar que parentes de terceiro grau, em regra, estão impedidos<br />

de se casar entre si, mas não são devedores de alimentos<br />

recíprocos.<br />

Acresça-se a isto que o Estatuto do Idoso possui regra sui generir<br />

aos maiores de sessenta anos, prescrevendo em seu art. i2 que<br />

"A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os<br />

prestadores". Em síntese: apenas o idoso será credor solidário de<br />

alimentos. Todas as demais pessoas, inclusive o nascituro, a criança,<br />

o adolescente e os portadores de necessidades especiais, serão<br />

credores subsidiários.<br />

Cristalino, portanto, que o princípio da igualdade substancial é<br />

posto em xeque com o Estatuto do Idoso no particular, isto porque<br />

se coloca o maior de sessenta anos numa posição jurídica de crédito<br />

alimentar distinta do nascituro, da criança, do adolescente e do<br />

portador de necessidades especiais, sem que haja justa causa para<br />

tanto. Pior, o art. 265 do cc é claro ao afirmar que "a solidariedade<br />

não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes", aspecto<br />

que dificulta ainda mais a aplicação analógica deste preceito às<br />

pessoas que, em tese, também mereceriam de idêntica proteção<br />

jurídica.<br />

422


ALIMENTOS<br />

~ Como os tribunais estão decidindo esta questão?<br />

No Recurso Especial n• 775.665/SP o Superior Tribunal de Justiça entendeu<br />

ser solidário o crédito alimentício do idoso por força da legislação<br />

especial que deve prevalecer sobre as disposições gerais<br />

do Código Civil. Por via de consequência, a Corte afirmou a natureza<br />

subsidiária do débito para as demais pessoas não cobertas pela legislação<br />

especial do idoso.<br />

Contudo, em sentido contrário, porém minoritário, o Tribunal de Justiça<br />

do Rio Grande do Sul, na apelação cível 70006634414, já decidiu que o<br />

art. 12 do Estatuto do Idoso, ao reconhecer a solidariedade do débito<br />

alimentar em favor do idoso, contraria a própria essência da obrigação,<br />

a qual, na forma do art. 1.694 do CC, deve ser fixada na proporção<br />

da necessidade de quem pede e da possibilidade de quem é chamado<br />

a prestar. Logo, é uma obrigação divisível, mas não solidária.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Vunesp - Defensor Público - MS/2014) Assinale a alternativa correta no<br />

que tange às prestações de natureza alimentar.<br />

a) Na falta dos ascendentes, a obrigação de prestar alimentos cabe aos<br />

descendentes e aos irmãos, solidariamente.<br />

b) A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos é subsidiária<br />

e complementar em relação à responsabilidade dos pais.<br />

c) A determinação de pagamento de alimentos gravídicos depende da<br />

efetiva constatação da paternidade, em virtude do princípio da irrepetibilidade<br />

das prestações alimentícias.<br />

d) O direito de pleitear alimentos prescreve em 2 (dois) anos, a contar<br />

da data em que a nasce a pretensão.<br />

Gabarito: B<br />

Como a obrigação alimentícia é divisível (i.694, CC), cada parente<br />

deve arcar com a mesma, nos limites da sua possibilidade, não sendo<br />

correto falar-se em solidariedade alimentícia.<br />

De igual modo, Maria Berenice Dias'' adverte para o desrespeito<br />

ao princípio da igualdade e à dignidade humana, ao passo que<br />

24. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 4• Ed, 2007, p,<br />

409.<br />

423


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

"menores de idade sem condições de prover o próprio sustento, são em<br />

tudo equiparáveis aos idosos".<br />

Ante, porém, a barreira do art. 265 do CC, nos parece forçada,<br />

como já posto, a tese da analogia. Cabe, então, rogar que de lege<br />

ferenda (buscando uma mudança legislativa), os legisladores editem<br />

preceito que imponha solidariedade para os demais créditos relacionados<br />

àqueles que merecem especial proteção estatal.<br />

Evidentemente que esta discussão jurídica não se aplica ao idoso,<br />

que por força de Estatuto próprio (Lei Federal 10.741/03) é credor<br />

solidário de alimentos e pode, à vista disto, postular contra qualquer<br />

um dos co-devedores (CC, 275).<br />

Por fim, neste tópico renovam-se as considerações já realizadas,<br />

quando do tratamento acerca dos sujeitos obrigados, mormente no<br />

que diz respeito à polêmica expressão chamados a integrar a lide,<br />

nos termos do art. i.698 do CC.<br />

4.8. lrrepetibilidade<br />

Os alimentos são bens consumíveis, daí porque, na forma do art.<br />

86 do CC, seu "uso importa destruição imediata da própria substância",<br />

na medida em que servem para viabilizar a subsistência humana.<br />

Desta maneira, na perspectiva do direito de família uma vez consumidos<br />

os alimentos, não poderão mais ser devolvidos.<br />

Assim, afirmar que os alimentos são irrepetíveis é reconhecer a<br />

impossibilidade jurídica de restituir o crédito já fornecido (e consumido).<br />

Neste sentido, interessante reflexão fazem Flávio Tartuce e José<br />

Simão, para quem "a alegação de pagamento indevido ou enriquecimento<br />

sem causa não consegue vencer a obrigação alimentar; diante da<br />

tão costumeira proteção da dignidade relacionada ao instituto". 25<br />

Imagine, a título de exemplo, que um magistrado tenha antecipado<br />

os efeitos da tutela jurisdicional (CPC, 273) mas, ao fim do processo,<br />

quando da prolação da sentença, entenda que a hipótese não é de<br />

pagamento dos alimentos. Neste caso, a sentença será de improcedência<br />

do pedido, aspecto que impõe, logicamente, a cassação da<br />

decisão interlocutória. O réu, entretanto, não terá direito a obter, de<br />

25. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 439.<br />

414


ALIMENTOS<br />

volta, o crédito que pagou por força da decisão antecipatória dos<br />

efeitos da tutela.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo Código de Processo Civil (NCPC), a tutela antecipada passará a ser<br />

tratada a partir do art. 303.<br />

• Sobre o tema, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong> E <strong>CIVIL</strong>. LIMITES DOS EFEITOS DA<br />

SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS.<br />

Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão<br />

de alimentos - seja em caso de redução, majoração ou<br />

exoneração - retroagem à data da citação (art. 13, §<br />

20, da Lei 5.478/1968), ressalvada a irrepetibilidade dos<br />

valores adimplidos e a impossibilidade de compensação<br />

do excesso pago com prestações vincendas. Com<br />

efeito, os alimentos pagos presumem-se consumidos,<br />

motivo pelo qual não podem ser restituídos, tratando­<br />

-se de princípio de observância obrigatória e que deve<br />

orientar e preceder a análise dos efeitos das sentenças<br />

proferidas nas ações de revisão de verbas alimentares.<br />

Ademais, convém apontar que o ajuizamento de ação<br />

pleiteando exoneração/revisão de alimentos não exime<br />

o devedor de continuar a prestá-los até o trânsito em<br />

julgado da decisão que modifica o valor da prestação<br />

alimentar ou exonerá-lo do encargo alimentar (art. 13,<br />

§ 3°, da Lei 5.478/1968). Da sentença revisional/exoneratória<br />

caberá apelação com efeito suspensivo e, ainda<br />

que a referida decisão seja confirmada em segundo<br />

grau, não haverá liberação da prestação alimentar se<br />

for interposto recurso de natureza extraordinária. Durante<br />

todo o período de tramitação da ação revisionai/<br />

exoneratória, salvo se concedida antecipação de tutela<br />

suspendendo o pagamento, o devedor deverá adimplir<br />

a obrigação, sob pena de prisão (art. 733 do CPC). Desse<br />

modo, pretendeu a lei conferir ao alimentado o benefício<br />

da dúvida, dando-lhe a segurança de que, enquanto<br />

não assentada, definitivamente, a impossibilidade do<br />

cumprimento da obrigação alimentar nos termos anteriormente<br />

firmados, as alegadas necessidades do credor<br />

não deixarão de ser providas.<br />

425


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Nesse passo, transitada em julgado a sentença revisional/exoneratória,<br />

se, por qualquer motivo, não tiverem<br />

sido pagos os alimentos, a exoneração ou a redução<br />

terá efeito retroativo à citação, por força do disposto<br />

no art. 13, § 2°, da Lei 5.478/1968, não sendo cabível a<br />

execução de verba já afirmada indevida por decisão<br />

transitada em julgado. Esse "qualquer motivo" pode ser<br />

imputável ao credor, que demorou ajuizar ou dar andamento<br />

à ação de execução; ao devedor que, mesmo<br />

sujeito à possibilidade de prisão, deixou de pagar; à<br />

demora da tramitação da execução, devido ao congestionamento<br />

do Poder Judiciário; ou à concessão de liminar<br />

ou antecipação de tutela liberando provisoriamente<br />

o alimentante. Assinale-se que não foi feita ressalva à<br />

determinação expressa do § 2• do art. 13 da citada lei,<br />

segundo o qual "em qualquer caso, os alimentos fixados<br />

retroagem à data da citação". Isso porque a alteração<br />

do binômio possibilidade-necessidade não se<br />

dá na data da sentença ou do respectivo trânsito em<br />

julgado. Esse alegado desequilíbrio é a causa de pedir<br />

da ação revisionai e por esse motivo a lei dispõe que<br />

o valor fixado na sentença retroagirá à data da citação.<br />

A exceção poderá dar-se caso a revisionai seja julgada<br />

procedente em razão de fato superveniente ao ajuizamento<br />

da ação, reconhecido com base no art. 462 do<br />

CPC, circunstância que deverá ser levada em consideração<br />

para o efeito de definição do termo inicial dos efeitos<br />

da sentença. Nessa linha intelectiva, especialmente<br />

em atenção ao princípio da irrepetibilidade, em caso<br />

de redução da pensão alimentícia, não poderá haver<br />

compensação do excesso pago com prestações vincendas.<br />

Essa solução afasta o enriquecimento sem causa do<br />

credor dos alimentos, porque o entendimento contrário<br />

- sentença de redução ou exoneração dos alimentos<br />

produzindo efeitos somente após o seu trânsito em julgado<br />

- ensejaria a inusitada consequência de submeter<br />

o alimentante à execução das parcelas pretéritas não<br />

adimplidas (por qualquer razão), mesmo estando ele<br />

amparado por decisão judicial transitada em julgado<br />

que diminuiu ou até mesmo eliminou o encargo, desfecho<br />

que configuraria manifesta negativa de vigência aos<br />

arts. 15 da Lei 5.478/1968 e i.699 do CC/2002 (correspondente<br />

ao art. 401 do CC/1916).<br />

426


ALIMENTOS<br />

Por fim, destaca-se que a jurisprudência do STF consolidou-se<br />

no sentido de ser possível a fixação de alimentos<br />

provisórios em ação de revisão, desde que circunstâncias<br />

posteriores demonstrem a alteração do binômio<br />

necessidade/possibilidade, hipótese em que o novo<br />

valor estabelecido ou a extinção da obrigação devem<br />

retroagir à data da citação (RHC 58.090-RS, Primeira Turma,<br />

DJ 10.10.1980; e RE 86.064/MG, Primeira Turma, DJ<br />

25.5.1979). Precedentes citados: REsp 172.526-RS, Quarta<br />

Turma, DJ 15/3/1999; e REsp 96p68-SP, Terceira Turma,<br />

DJe 28/5/2008. EREsp u8i.119-RJ, Rei. originário Min.<br />

Luis Felipe Salomão, Rei. para acórdão Min. Maria Isabel<br />

Gallotti, julgado em 27/11/2013.<br />

Este é o pensamento hoje corrente, porquanto o já mencionado<br />

caráter irrepetível dos alimentos. Mas isto seria equânime?<br />

Nos parece que não.<br />

Nessa linha, há minoritária doutrina respeitável a defender, com<br />

base no princípio que veda o enriquecimento sem causa, ser injusto<br />

não restituir. A lição é de Rolf Madaleno 26 • Maria Berenice Dias' 7 assim<br />

também entende, sustentando a relativização do princípio da irrepetibilidade,<br />

mediante ação autônoma de cobrança, com ampla defesa,<br />

contraditório e devido processo legal.<br />

De fato, o art. 884 do CC é claro ao advertir: "Aquele que, sem<br />

justa causa, se enriquecer a custa de outrem, será obrigado a restituir<br />

o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários".<br />

O parágrafo único do aludido preceito afirma que "quem a recebeu<br />

é obrigado a restituí-la e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se<br />

fará pelo valor do bem na época em que foi exigido".<br />

A tese é sedutora e merece respeito acadêmico, apesar, insista­<br />

-se, de minoritária. Adernais, ainda na minoria, não é admitida em<br />

toda e qualquer hipótese, exigindo, para tanto, a especial análise<br />

das circunstâncias táticas.<br />

26. MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos, Porto Alegre: Livraria do<br />

Advogado, 2• Ed, i999, p, 54.<br />

27. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 4• Ed, 2007, p,<br />

456.<br />

427


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

~ Como este assunto tem sido entendido nos tribunais?<br />

O Superior Tribunal de justiça no Recurso Especial n° 513.645, assim<br />

como no Recurso Especial no 412.684, já entendeu existir o princípio<br />

da irrepetibilidade dos alimentos e que, justamente por isto,<br />

não seria possível retroagir à data da citação os efeitos da ação<br />

de revisão para redução ou exoneração da pensão alimentícia. De<br />

igual modo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais nos autos de no<br />

i.0647.04.045684/8/001 sustentou a irrepetibilidade dos alimentos na<br />

improcedência da investigação de paternidade, não sendo possível<br />

restituir o que se pagou, nem obrigar o alimentando a devolver o<br />

que recebeu.<br />

Assim também, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. EFEITOS RETRO­<br />

ATIVOS DA DECISÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA IRREPE­<br />

TIBILIDADE DOS ALIMENTOS. 1. A sentença que julga procedente<br />

o pedido de exoneração da obrigação alimentar<br />

não tem efeito ex tunc, eis que os alimentos, uma vez fixados,<br />

integram o patrimônio do alimentado, de modo que<br />

a redução ou a exoneração só produzirá efeitos a partir<br />

da data em que reconhecida essa situação. 2. Eventual<br />

reconhecimento de efeitos retroativos da sentença de<br />

exoneração de alimentos importaria incentivar o alimentante<br />

inadimplente, porquanto alcançaria as parcelas<br />

vencidas e não pagas, havendo clara violação ao princípio<br />

da igualdade, pois aquele que adimpliu regularmente<br />

a verba alimentar durante a tramitação de uma revisionai<br />

de alimentos, seja para reduzi-los, seja para deixar<br />

de pagá-los, não poderá reaver eventuais diferenças,<br />

diante da irrepetibilidade do encargo alimentar. (TJRS, AC:<br />

70049069776 RS, Relator: Ricardo Moreira Uns Pastl, Data<br />

de Julgamento: 05/07/2012, Oitava Câmara Cível).<br />

Neste julgado, o Tribunal de Justiça do São Paulo entendeu que<br />

caso não haja vício de vontade ou má-fé do credor. não há que se<br />

falar em restituição dos valores pagos.<br />

ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. Obrigação<br />

alimentar que tem como caraáerística a irrepetibilidade. Valores<br />

que foram pagos a maior de forma espontânea pelo<br />

credor. Ausência de vício de vontade ou de consentimento e<br />

428


ALIMENTOS<br />

da má-fé do credor ou de sua genitora. Princípio da irrepetibilidade<br />

que deve prevalecer. Sentença mantida Apelo improvido.<br />

(TJ-SP-APL: 9219112372008826 SP 9219112-3poo8.8.26.oooo,<br />

Relator: Ramon Mateo Júnior, Data de Julgamento: 28/11/2012,<br />

7• Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/11/2012)<br />

4.9. lncompensabilidade<br />

Os alimentos são incompensáveis, na forma do art. 373, li do CC,<br />

o qual veda a utilização desta forma indireta de extinção das obrigações<br />

(leia-se compensação), ante a natureza jurídica do crédito e<br />

seu relevante significado constitucional.<br />

Admitir a extinção dos alimentos pela via do instituto da compensação<br />

é, em última análise, privar o alimentando dos meios de<br />

sobrevivência, desvirtuando a finalidade da norma. Em síntese: os<br />

alimentos são personalíssimos, daí porque não poderiam ser abatidos<br />

com outros créditos, nem se admitiria encontro de contas.<br />

Por força destas circunstâncias, o art. i.707 do CC arremata: "Pode<br />

o credor não exercer; porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos,<br />

sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou<br />

penhora".<br />

Eis a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul :<br />

4.10. lmpenhorabilidade<br />

AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMEN­<br />

TO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INCOMPENSABILIDADE. l. Mantém-se<br />

a decisão monocrática que negou provimento ao agravo de<br />

instrumento, pois em consonância com a orientação jurisprudencial<br />

deste Tribunal. 2. Os alimentos são incompensáveis,<br />

não obstante tenha se reconhecido em outro recurso que há a<br />

retroatividade da decisão proferida em ação revisionai à data<br />

da citação, a qual se refere apenas à verba alimentar pendente<br />

e impaga, não podendo se cogitar- em ação de execução<br />

de alimentos- em compensação com valores já alcançados ao<br />

alimentado no curso daquela demanda. RECURSO DESPROVIDO,<br />

POR MAIORIA (TJRS, Agravo 70031722796 RS, Oitava Câmara Cível,<br />

Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Data de Julgamento:<br />

03/09/2009).<br />

Por analogia as mesmas razões da incompensabilidade, na forma<br />

do mesmo art. i.707 do CC, é intuitivo reconhecer que o ordenamento<br />

jurídico veda a penhora de tais créditos, como decorrência da<br />

429


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

própria cláusula geral de tutela à dignidade da pessoa humana (CF,<br />

art. Iº, Ili) e da solidariedade social (CF, art. 30).<br />

Sendo o crédito alimentar bem fora do comércio, sua penhora<br />

configuraria ato atentatório à dignidade humana.<br />

~ Atenção!<br />

A Lei Federal n° 8.009/90, popularmente conhecida como Lei do Bem de<br />

Família, admite que o crédito alimentar decorrente de pensão alimentícia<br />

se sobreponha ao bem de família que, neste caso e por exceção, seria<br />

penhorado e executado, para garantir o pagamentos e a efetivação dos<br />

alimentos. Ou seja: o bem de família pode ser executado em função de<br />

crédito alimentar.<br />

Tal raciocínio aplica-se a qualquer modalidade de alimentos, pouco importando<br />

o seu fato gerador. Assim, já pontuou o Superior Tribunal de Justiça<br />

que como a Lei 80o9/90 não especifica os alimentos, a exceção à impenhorabilidade<br />

do bem de família abrange, até mesmo, alimentos decorrentes<br />

de ato ilícito (REsp u86225 / RS. Terceira Turma. Rei. Min. Massami Uyeda.<br />

Julgado em 04/09/2012).<br />

4.11. Reciprocidade<br />

O art. i.694 do CC prescreve ser a obrigação alimentar recíproca<br />

entre cônjuges e companheiros, assim como pais e filhos, estendendo<br />

o aludido débito aos ascendentes e descendentes, como alude o art.<br />

I.696.<br />

Portanto, há um caráter dúplice ou bifronte no débito alimentar,<br />

de modo que podem os parentes postular alimentos uns dos outros.<br />

À vista dos preceitos legais, pode-se afirmar que o filho que hoje<br />

pleiteia, contra seu pai, alimentos, pode (e deve) amanhã figurar<br />

como réu numa ação de alimentos manejada por seu genitor, quem,<br />

na velhice, venha a necessitar dos alimentos. Por isto a linha é de<br />

mão dupla, significando solidariedade e reciprocidade.<br />

Interessante questão é saber se o genitor, que tinha possibilidade<br />

econômica e abandonou o seu filho na infância, não provendo<br />

com os alimentos, poderia pleiteá-los na velhice?<br />

Entendemos que apesar de ser juridicamente possível o pleito,<br />

o correto seria o seu indeferimento. Isto porque não houve reciprocidade.<br />

Ora, se o genitor não proveu com os alimentos do seu<br />

430


ALIMENTOS<br />

filho, não seria recíproco, agora, obrigar ao descendente arcar com<br />

alimentos em face daquele.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(FCC - Promotor de Justiça - PA/2014) Embora jamais lhes tenha faltado<br />

com o respeito, Giovana nunca teve bom relacionamento com os pais.<br />

Por esta razão, no dia em que atingiu a maioridade, seus pais determinaram<br />

que deixasse a residência, e, mesmo em boas condições financeiras,<br />

negaram-se a pagar qualquer auxílio à filha, embora Giovana<br />

não possuísse bens nem condições de prover, pelo trabalho, à própria<br />

mantença. De acordo com o Código Civil, e considerada a peculiar situação<br />

de Giovana, as ações dos pais, neste caso, são:<br />

(A) parcialmente corretas. porque. embora cessado o poder familiar,<br />

deveriam ter concedido prazo razoável para a filha deixar a residência,<br />

além de prestar alimentos até o seu casamento.<br />

(B) parcialmente corretas, porque deixou de existir o dever de guarda e<br />

companhia, mas não necessariamente o de prestar alimentos.<br />

(C) inteiramente corretas, porque, com a maioridade, cessou o dever de<br />

guarda e companhia. bem como o de prestar alimentos.<br />

(D) inteiramente incorretas, pois o poder familiar perdura até a conclusão<br />

dos estudos dos filhos.<br />

(E) inteiramente incorretas, pois o dever de guarda e companhia. bem<br />

como o de prestar alimentos, decorrem não do poder familiar, mas do<br />

princípio constitucional da dignidade.<br />

Gabarito: B<br />

Nesta linha de raciocínio, segue o julgado do Tribunal de Justiça<br />

do Rio Grande do Sul:<br />

ALIMENTOS. SOLIDARIEDADE FAMILIAR. DESCUMPRIMENTO DOS DE­<br />

VERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. É descabido o pedido de<br />

alimentos. com fundamento no dever de solidariedade, pelo<br />

genitor que nunca cumpriu com os deveres inerentes ao poder<br />

familiar. deixando de pagar alimentos e prestar aos filhos<br />

os cuidados e o afeto de que necessitavam em fase precoce<br />

do seu desenvolvimento. Negado provimento ao apelo (SE­<br />

GREDO DE JUSTIÇA). (TJRS, Apelação Cível n• 70013502331, Sétima<br />

Câmara Cível, Relatora: Des. Maria Berenice Dias. Julgado<br />

em 15/02/2006).<br />

431


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E DEVER ASSISTENCIAL ALIMENTAR<br />

Obrigação alimentar e dever assistencial de prestar alimentos<br />

são sinônimos?<br />

De acordo com a doutrina especializada, a resposta é negativa.<br />

A obrigação alimentar decorre do parentesco entre pais e<br />

filhos, possuindo natureza recíproca, relacionada, pois, a autoridade<br />

parental e submetida a uma presunção juris tantum de<br />

necessidade.<br />

Contrariamente a isto, o dever assistencial alimentar é fruto do<br />

casamento, da união estável ou da união homoafetiva e, como diriam<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 18 , dos demais<br />

parentes que não sejam pais e filhos.<br />

Nesta hipótese, não há presunção jurídica alguma em favor do<br />

credor que, ao contrário disto, deve provar o que alega de forma<br />

robusta, induvidosa e convincente, na forma do art. 333, 1, do CPC.<br />

Visto isto, passamos a detalhar as regras acerca do dever alimentar<br />

(alimentos entre cônjuges e companheiros) e da obrigação<br />

alimentar (alimentos entre parentes).<br />

6. ALIMENTOS NA CONJUGALIDADE E NA UNIÃO ESTÁVEL: ASSISlÍNCIA MÚ­<br />

TUA X ALIMENTOS. OS ALIMENTOS TRANSITÓRIOS E OS ALIMENTOS COMPEN­<br />

SATÓRIOS<br />

O art. i.566, inciso Ili do CC impõe aos cônjuges o dever jurídico<br />

de mútua assistência. O mesmo ocorre na união estável, agora<br />

diante da disciplina do art. i.724 do CC. Tal assistência é tanto moral,<br />

como material. Assim, devem os cônjuges e companheiros prover-se<br />

reciprocamente, objetivando alicerçar a vida a dois.<br />

Nessa esteira de pensamento, enquanto existir união estável<br />

ou casamento, com a presença de fato desta entidade familiar, é<br />

possível afirmar a mútua assistência e, por via de consequência,<br />

a desnecessidade do pleito alimentar. Logo, não há porque ser<br />

28. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

]uspodivm, 2012, p.784.<br />

432


ALIMENTOS<br />

ajuizada ação de alimentos no curso do casamento ou da un1ao<br />

estável, ao passo que aqueles são decorrentes, tão somente, da<br />

mútua assistência.<br />

Contudo, é possível que haja uma ruptura da vida em comum, seja<br />

na união estável ou no casamento, percebendo-se uma separação de<br />

fato. Aqui a mútua assistência costuma cessar. É a partir deste momento<br />

que os alimentos passam a ser devidos, de maneira isonômica.<br />

Todavia, uma vez pleiteados tais alimentos a obrigação de pagamento<br />

será vitalícia?<br />

Na atualidade é crescente a adoção da tese dos alimentos transitórios,<br />

tendo importante aplicação no término da união estável ou<br />

do casamento. Assim a verba é adimplida transitoriamente, durante<br />

prazo determinado, com o escopo de promover ao necessitado o<br />

lapso temporal necessário para que ingresse no mercado de trabalho<br />

e busque os meios para a sua subsistência.<br />

Ressalta-se que o caráter resolúvel de tais alimentos se coaduna<br />

com o instituto, haja vista promover a igualdade jurídica e o estímulo<br />

ao auto-sustento.<br />

~ Como os tribunais estão entendendo isto?<br />

O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n° 1.188.399/PR, entendeu<br />

que os alimentos devidos entre os cônjuges devem ser fixados<br />

por tempo certo, a depender dos aspectos concretos dos autos, a fim<br />

de assegurar ao necessitado a sua inserção em tempo hábil no mercado<br />

de trabalho; ou, ainda, sua recolocação ou progressão.<br />

No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,<br />

especificamente na Apelação Cível n° 1998.001.2706. Neste acórdão,<br />

informou o Egrégio Tribunal, que diante da percepção de ter a esposa<br />

se casado ainda jovem, nada obstante se encontrar saudável, dever-se­<br />

-ia assegurar à mesma pensão Npor prazo razoável a fim de se preparar<br />

para o exercício de atividade laboral digna".<br />

Quanto à união estável, aplica-se o mesmo embasamento jurídico<br />

dos julgados acima, vez que o dever de prestar alimentos não possui<br />

natureza perpétua. Eis a decisão do Tribunal de Santa Catarina:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE<br />

UNIÃO ESTÁVEL C/C ALIMENTOS, GUARDA, <strong>DIREITO</strong> DE VISITAS E<br />

433


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

PARTILHA DE BENS. IRRESIGNAÇÃO DO RÉU QUANTO À VERBA ALI­<br />

MENTAR FIXADA EM FAVOR DA EX-COMPANHEIRA. COMPROVAÇÃO<br />

DA CAPACIDADE LABORATIVA DA ALIMENTANDA. NECESSIDADE DE<br />

PERCEPÇÃO DE ALIMENTOS NÃO EVIDENCIADA. GUARDA DOS FILHOS<br />

EM FAVOR DO ALIMENTANTE. CONSTITUIÇÃO DE NOVA FAMÍLIA.<br />

UNIÃO DESFEITA HÁ CINCO ANOS. NÃO PERPETUIDADE DA OBRIGA­<br />

ÇÃO. EXONERAÇÃO QUE SE FAZ NECESSÁRIA. RECURSO PROVIDO.<br />

1 - A regra insculpida no artigo i.694, caput, do Código Civil<br />

há de ser interpretada restritivamente e com comedimento,<br />

sem perder de vista que o dever de prestar alimentos para<br />

ex-cônjuge ou ex-companheira não é perpétuo, sob pena de<br />

se transformar em penalidade, e isso, por certo, é inadmissível.<br />

li - Da não perpetuidade da obrigação alimentícia entre<br />

ex-cônjuges ou ex-companheiros advém o corolário da imprescindibilidade<br />

de cada um envidar todos os seus esforços<br />

para a manutenção de sua própria subsistência, e não se<br />

admite que, em pleno século XXI, prestigie-se o ócio de qualquer<br />

um deles em prejuízo do outro. Ili - A mens legis contida<br />

no dispositivo legal supracitado está em sintonia com o dever<br />

de solidariedade entre ex-companheiros ou ex-cônjuges,<br />

e é aceitável até que o necessitado consiga adequar-se à<br />

nova realidade social e financeira, desde que em prazo razoável,<br />

a ser concedido para a realização ou conclusão de<br />

cursos e obtenção de emprego compatível com a respectiva<br />

habilitação, sem que se prestigie a preguiça e a desocupação<br />

laboral. Nesse sentido, por certo, o decurso de cinco anos a<br />

contar da data da separação de fato do casal é tempo mais<br />

que suficiente para que a recorrida tenha encontrado o seu<br />

lugar no mercado de trabalho, de maneira a garantir o próprio<br />

sustento. No presente caso, além da guarda dos filhos<br />

ter sido estabelecida em favor do genitor (que, até mesmo,<br />

constituiu nova família), a própria ré, além de ser jovem e<br />

de não haver notícias nos autos de que possua alguma doença<br />

incapacitante, afirma que trabalha como doméstica, mora<br />

com os patrões e aufere o aluguel da casa que pertencia ao<br />

casal, situação esta que acarreta a exoneração da pensão<br />

alimentícia paga pelo ex-companheiro (TJSC, AC: 791566 SC<br />

2010.079156-6, Relator: Joel Figueira Júnior, Primeira Câmara<br />

de Direito Civil, Data de Julgamento: 17/08/2011).<br />

Em síntese, portanto, os alimentos transitórios ganham cada vez<br />

mais espaço e força no direito brasileiro. São fixados por tempo<br />

determinado e se encerram automaticamente, independente de<br />

434


ALIMENTOS<br />

decisão judicial exoneratória, tendo em vista que desde o seu nascimento<br />

já resta fixada a data do seu término.<br />

Não se deve, todavia, confundir os alimentos transitórios com<br />

os compensatórios. A pensão alimentícia compensatória serve para<br />

"equilibrar os perversos efeitos decorrentes da ruptura da conjugalidade,<br />

diminuindo as perdas do padrão de vida social e econômico de<br />

um dos consortes", como alertam Cristiano Chaves de Farias e Nelson<br />

Rosenvald' 9 •<br />

O escopo dos alimentos compensatórios é indenizar, por tempo<br />

determinado, o desequilíbrio econômico decorrente da diminuição<br />

do status social e padrão econômico daquele cônjuge que, quando<br />

do divórcio, fica desprovido de bens e meação.<br />

Segundo Flávio Tartuce e José Simão, os alimentos compensatórios<br />

decorrem, no Brasil, de uma construção doutrinária de Rolf Madaleno,<br />

a partir dos estudos do Direito Espanhol, especificamente<br />

das lições de Jorge o. Azpiri. Para tais autores os alimentos compensatórios<br />

consistem em uma "prestação periódica em dinheiro,<br />

efetuada por um cônjuge em favor do outro na ocasião da separação<br />

ou do divórcio [ ... ] onde se produziu um desequillbrio econômico em<br />

comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência<br />

marrímoníal, compensando, deste modo, a dísparidade social e econômica<br />

com a qual se depara o alimentando em função da separação,<br />

compromentendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e a sua<br />

subsistência pessoal". i 0 •<br />

A abruta ruptura do matrimônio não poderia ensejar, na visão desta<br />

doutrina, "súbita índígêncía social, causada pela ausência de recursos<br />

pessoais, quando todos os ingressos eram mantidos pelo parceiro".<br />

Registra-se não haver impedimento para que esta compensação<br />

seja adimplida em uma única parcela, ou, ainda, como já registrado,<br />

durante certo lapso de tempo.<br />

29. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.790.<br />

30. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 423.<br />

435


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como os tribunais estão vendo a questão dos alimentos compensatórios?<br />

Ainda são poucos os precedentes em tribunais do país acerca dos alimentos<br />

compensatórios, apesar da avançada doutrina em direito de<br />

família já abordar, há algum tempo, o assunto.<br />

Contudo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já tratou do tema, especificamente<br />

no autos do Agravo de Instrumento de n• 201i.005966-7, de<br />

Joinville, 6• Câmara Cível, publicado no DJSC em 14.10.201i. Neste processo<br />

foi admitida a fixação da alimentos compensatórios em benefício da<br />

ex-esposa "face à empresa pertencente a ambos encontrar-se sob administração<br />

exclusiva do agravante".<br />

De igual sorte, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, agora nos autos<br />

do Agravo de Instrumento de n• 2011.00.2.003519-3, acórdão 508.103, da<br />

4• Turma Cível, publicado no DJDFTE em 03.06.11, entendeu ser possível a<br />

fixação de alimentos compensatórios, em ação de dissolução de união<br />

estável, para o fim de "correção do desequilíbrio existente no momento<br />

da separação".<br />

Estes julgados, extraídos da excelente doutrina de Flávio Tartuce<br />

e josé Simão, estão diretamente relacionados à vedação da onerosidade<br />

excessiva, ou do desequilíbrio negocial, ao término do negócio<br />

jurídico do casamento, bem como dialogam com os princípios da<br />

boa-fé objetiva e função social dos contratosll.<br />

Em outras palavras, se prestam os alimentos compensatórios à<br />

manutenção do padrão social ou econômico de alguém, em situações<br />

nas quais a relação matrimonial é longa e o histórico de cooperação<br />

conjugal resta comprovado, como adverte Rodrigo da Cunha<br />

Pereira .32 Justifica-se quando um dos cônjuges sofre queda brusca<br />

no padrão social e econômico que mantinha até então, de modo a<br />

necessitar de pensão alimentícia reparatória.<br />

31. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 425.<br />

32. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. Rio de Janeiro: GZ Editora,<br />

2010, p.134.<br />

436


ALIMENTOS<br />

• Atenção!<br />

Como visto, os alimentos compensatórios já são tratados na doutrina<br />

brasileira. Em termos de legislação, o art. 271 do CC da França o admite,<br />

nos seguintes termos, "a prestação compensatória será fixada segundo<br />

as necessidades do cônjuge a quem se deve pagar e os recursos do outro,<br />

levando em conta a situaçêlo no momento do divórcio e a evoluçêlo desta<br />

no futuro possível#.<br />

Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, o princípio da boa­<br />

-fé objetiva seria o fundamento jurídico no Brasil apto a justificar os<br />

alimentos compensatórios, ante a justa expectativa criada por um dos<br />

cônjuges, no que diz respeito ao padrão social do outro, observado por<br />

este comportamento ao longo de anos de casamento.<br />

Neste sentido, o TJ/DF no AI n• 2009.002.0030046 assim decidiu: #Alimentos<br />

compensatórios. Manutenção do equil1brio econômico-financeiro. Os alimentos<br />

compensatórios são pagos por um dos cônjuges ao outro, por ocasião<br />

da ruptura do vínculo conjugal. Servem para amenizar o desequihbrio econômico<br />

no padrão de vida de um dos cônjuges, por ocasiêlo do fim do<br />

casamento".<br />

Ainda sobre cônjuges e companheiros é importante observar que<br />

o elemento da culpa tem sido cada vez mais superado nas questões<br />

de família, na medida na qual os alimentos não possuem caráter<br />

reparatório mas, ao revés, destinam-se à dignidade e sobrevivência<br />

humana, enquanto expressão da solidariedade familiar.<br />

O certo é que o CC/02 utiliza do critério da culpa apenas para a<br />

aferição do quantum dos alimentos, como se pode perceber do parágrafo<br />

único, do art. 1.704, denominado pela doutrina de alimentos<br />

naturais, quais sejam aqueles meramente necessários à sobrevivência<br />

do credor. Sobre estes, iremos nos debruçar ao tratar acerca da<br />

classificação dos alimentos.<br />

6.1. Alimentos para depois do divórcio<br />

Há quem sustente, como Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald<br />

33, ser possível pedir alimentos após o divórcio, ou seja, con-<br />

33. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm, 2012, p.796.<br />

437


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

tra um ex-cônjuge. Isto, porque, "o simples fato de ter sido dissolvida<br />

a relação jurídica matrimonial não pode implicar na cessação dos efeitos<br />

que dela decorrem. São coisas distintas".<br />

Nesta toada, seria possível sustentar a projeção do dever de<br />

assistência ao ex-cônjuge, mesmo após do divórcio.<br />

Com o devido respeito à abalizada doutrina, ousamos divergir. Os<br />

alimentos devem se justificar ante a presença de alguns elementos<br />

jurídicos, entre os quais, o nexo de causalidade. Este caracteriza-se<br />

pela pela conjugalidade, união estável, parentesco, autonomia privada<br />

ou, ainda, ato ilícito. Presentes seus elementos configuradores,<br />

justificado estará o dever de prestar alimentos.<br />

Pois bem.<br />

Não tendo o cônjuge postulado alimentos em momento algum,<br />

máxime até o divórcio, pensamos não mais ser possível ao mesmo<br />

pretendê-los, sob pena de ferida ao princípio da confiança, através<br />

da configuração do abuso de direito (art. i87 do CC), sob o viés da<br />

nemo potest venire contra factum proprium (proibição do comportamento<br />

contraditório).<br />

Soma-se a isto, ainda, a percepção de que findo o casamento ou<br />

união estável, o dever jurídico de mútua assistência não mais existe.<br />

Faltante a conjugalidade, por exemplo, faltará o liame justificador do<br />

aludido pensionamento.<br />

~ Atenção!<br />

Não se encontra na jurisprudência dos tribunais superiores pensamento<br />

definido sobre este assunto. Por analogia à boa-fé objetiva, entendemos<br />

que o fato de o cônjuge adulto não postular, quando do divórcio, alimentos,<br />

o impede de a posteriori pedi-los. O Superior Tribunal de Justiça, no<br />

Recurso Especial n• 9286/RJ, assim já decidiu para caso específico de renúncia:<br />

MRenunciando o cônjuge a alimentos, em acordo de separação, por<br />

dispor de meios para manter-se, a cláusula é válida e eficaz, não podendo<br />

mais pretender seja pensionado".<br />

o fundamento do pensamento doutrinário supracitado é o abuso da<br />

confiança e a configuração de abuso de direito, sob o viés da nemo<br />

potest venire contra factum proprium (proibição do comportamento contraditório).<br />

438


ALIMENTOS<br />

7. ALIMENTOS ENTRE PARENTES<br />

O Código Civil, claramente, autoriza aos parentes pedirem alimentos<br />

uns dos outros. Tais alimentos são àqueles necessários para<br />

sobreviver de modo compatível com a sua condição social, inclusive<br />

para atender às necessidades de educação, fixados "na proporção<br />

das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada"<br />

(CC, art. i.694, § 1° ).<br />

Entre parentes os alimentos são irrenunciáveis (CC, art. i.707),<br />

extensivos a todos os ascendentes, de modo que os mais próximos<br />

devem pagar em detrimento dos mais distantes em grau de parentesco<br />

(CC, i.696). Percebe-se uma clara subsidiariedade.<br />

Seguindo a ordem preferencial, na falta dos ascendentes este<br />

dever jurídico é transmitido aos descendentes, numa ordem de sucessão<br />

(preferencial), como determina o art. i.697, do CC. Na descendência,<br />

os mais próximos também preferem os mais remotos. Já na<br />

ausência dos descendentes, a hipótese é que o pleito seja dirigido<br />

em face dos colaterais de segundo grau (irmãos).<br />

Evidentemente que a relação parental mais sensível à dívida alimentar<br />

é aquela entre pais e filhos, em especial dos alimentos pleiteados<br />

pelo filho em relação ao seu pai.<br />

Nos alimentos entre pais e filhos é possível se verificar uma estrutura<br />

binária. Explica-se: a) se o filho é menor, os alimentos decorrem<br />

do poder familiar, da autoridade parental e tem íntima relação<br />

com as regras concernentes à infância e juventude; b) se o filho é<br />

maior, o pleito alimentar dialoga com a relação de parentesco.<br />

~ E como se posicionou o Superior Tribunal de Justiça?<br />

PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. RECURSO ESPECIAL. FAMILIA. ALIMENiliOS.<br />

EXONERAÇÃO. MAIORIDADE. NECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA. 1.<br />

o advento da maioridade não extingue, de forma au~omática,<br />

o direito à percepção de alimentos, mas esses<br />

deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam<br />

a ter fundamento nas relações de parentesco, em<br />

que se exige a prova da necessidade do alimentado.<br />

439


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2. A necessidade do alimentado, na ação de exoneração<br />

de alimentos, é fato impeditivo do direito do autor, cabendo<br />

àquele a comprovação de que permanece tendo<br />

necessidade de receber alimentos. 3. A percepção de que<br />

uma determinada regra de experiência está sujeita a numerosas<br />

exceções acaba por impedir sua aplicação para<br />

o convencimento do julgador, salvo se secundada por outros<br />

elementos de prova. 4. Recurso provido. (STJ - REsp:<br />

1198105 RJ 2010/0111457-4, Relator: Ministra NANCY ANDRl­<br />

GHI, Data de julgamento: 01/09/2011, T3 - TERCEIRA TURMA).<br />

Vamos analisar tais questões, iniciando com os alimentos entre<br />

pais e filhos quando o filho é menor.<br />

Em sendo menor, os alimentos em comento envolvem questão<br />

relativa à infância e juventude, ante o princípio do melhor interesse<br />

(CF, 227). Neste caso, o fundamento do dever alimentar é a<br />

própria autoridade parental (CC i.566, i.630/i.633) sendo digno<br />

de nota que a relevância jurídica deste dever é tamanha que seu<br />

inadimplemento pode configurar crime de abandono, na forma do<br />

art. 244 do CP.<br />

Ante a menoridade, a necessidade de alimentos do credor (filho)<br />

é presumida. Com feito, não é crível pensar que o filho menor teria<br />

condições de se auto-sustentar. A discussão processual, por conseguinte,<br />

costuma se dirigir ao outro pilar da relação, discutindo-se<br />

acerca da possibilidade do ascendente.<br />

~ Atenção!<br />

De acordo com o Enunciado 341 do Conselho da Justiça Federal para<br />

os fins do art. i.696 do Código Civil se considera a relação socioafetiva<br />

como elemento gerador da obrigação alimentar, no que concordamos,<br />

afinal de contas a filiação poderá ser biológica, registrai ou afetiva.<br />

Dúvida interessante diz respeito acerca da permanência de tal<br />

dever jurídico acaso haja destituição do Poder Familiar. Para Yussef<br />

Said Cahalli, neste cenário, haveria manutenção do dever jurídico 34 •<br />

Estes alimentos também continuarão devidos ainda que os genitores<br />

34. CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: RT, 4• Edição, 2002, p.527.<br />

440


ALIMENTOS<br />

emancipem, voluntariamente, seus filhos menores. Raciocínio diverso<br />

configuraria a emancipação voluntária como um mecanismo de fuga<br />

dos deveres parentais. Decerto, muitos emancipariam seus filhos apenas<br />

para se exonerar da obrigação alimentar, o que não pode ser<br />

admitido.<br />

Atingida a maioridade, os alimentos aos filhos se justificam não<br />

mais por força da autoridade parental, mas sim pela própria noção<br />

de parentesco. Aqui restará aplicada a mesma disciplina dirigida aos<br />

adultos. Cresce em importância a necessidade de uma cristalina demonstração<br />

da necessidade, haja vista que uma vez maior o filho já<br />

teria aptidão de auto-sustento. Permanece, ainda, a necessidade de<br />

comprovação da possibilidade do credor, no claro binômio necessidade<br />

x possibilidade.<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora CESPE, em concurso realizado para provimento de<br />

vaga no Cartório-TJ-BA, ano de 2014, julgou INCORRETA a seguinte assertiva:<br />

"O dever do pai, de prestar alimentos ao filho, extingue-se automaticamente,<br />

tão logo este atinja a maioridade".<br />

Sobre o tema, o Informativo 518 do Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DOS PAIS DE FORNECER<br />

ALIMENTOS À FILHA MAIOR DE 25 ANOS E COM CURSO SUPERIOR<br />

COMPLETO, NO CASO DE AUSÊNCIA DE PROVA REFERENTE A PROBLE­<br />

MAS QUANTO À SUA SAÚDE FÍSICA OU MENTAL.<br />

Os pais não têm obrigação de fornecer alimentos à filha maior<br />

de 25 anos e com curso superior completo, se inexistirem<br />

elementos que indiquem quaisquer problemas quanto à sua<br />

saúde física ou mental. Durante a menoridade, ou seja, até<br />

os dezoitos anos de idade, não é necessário que o alimentando<br />

faça prova efetiva da inexistência de meios próprios<br />

de subsistência, o que se presume pela incapacidade civil,<br />

estando o dever de alimentos fundamentado no poder familiar.<br />

Alcançada a maioridade, essa prova é necessária e, uma<br />

vez realizada, o filho continuará com o direito de receber<br />

alimentos dos pais, inclusive no que se refere às verbas necessárias<br />

à sua educação. Nesse contexto, haverá presunção<br />

de dependência do alimentando que, quando da extinção<br />

do poder familiar, estiver frequentando regularmente curso<br />

441


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

superior ou de natureza técnica, mas o dever de prestar<br />

alimentos passará a ser fundado na relação de parentesco,<br />

e não no poder familiar. Tratando-se, entretanto, de filho<br />

maior, capaz e com curso superior completo, não mais se<br />

admite a presunção da necessidade, que deverá ser efetivamente<br />

demonstrada. Com efeito, nessa situação, há de se<br />

considerar que os filhos civilmente capazes e graduados podem<br />

e devem gerir suas próprias vidas, inclusive buscando<br />

meios de assegurar sua própria subsistência (REsp i.312.706-<br />

AL, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/2/2013).<br />

~ Atenção!<br />

Em Jornada de Direito Civil foi editado o Enunciado 344 segundo o qual a<br />

obrigação alimentar originada do poder familiar, especialmente para atender<br />

às necessidades educacionais, pode não cessar com a maioridade.<br />

Portanto, a maioridade nem de longe cancelaria o dever de prestar alimentos.<br />

Sobre isto, aliás, a súmula 358 do Superior Tribunal de Justiça: uo cancelamento<br />

de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito<br />

à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos#.<br />

Outrossim, há interessante posicionamento jurisprudencial que tenta estender<br />

a dependência econômica até os 24 (vinte e quatro) anos de<br />

idade, acaso o filho ainda esteja cursando faculdade. Trata-se de aplicação,<br />

por analogia, da legislação do imposto de renda (Lei Federal no<br />

1.474/51).<br />

Recorda-se, ainda, que os alimentos entre pais e filhos são recíprocos.<br />

Logo, nada impede que o pai pleiteie alimentos em face do<br />

seu filho. Aqui fica clara a noção de que os alimentos não decorrem<br />

da idade, mas sim de uma relação parental.<br />

Caso o credor de alimentos seja idoso, a questão também é digna<br />

de peculiaridades, a uma porque o art. 229 da CF impõe o dever<br />

jurídico de amparo na velhice, enfermidade e carência; a duas pelo<br />

próprio Estatuto do Idoso, o qual prevê em seu art. 12 a solidariedade<br />

entre os devedores.<br />

Deste modo, o parente idoso poderá cobrar alimentos de qualquer<br />

parente seu, de forma solidária, utilizando-se da disciplina dos<br />

artigos 264 e seguintes do CC.<br />

E o nascituro, poderia pleitear alimentos?<br />

442


ALIMENTOS<br />

É certo afirmar que a lei põe a salvo, desde a concepção (CC, art.<br />

20 e ECA, 27), os direitos do nascituro. Nessa esteira, foi editada a<br />

Lei Federal no 11.804/08, destinada à manutenção do nascituro e da<br />

gestante. Tal norma fora batizada de alimentos gravídicos.<br />

Mas o que seriam os alimentos gravídicos?<br />

Consistem nos valores suficientes para cobrir as despesas adicionais<br />

do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da<br />

concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial,<br />

assistência médica e psicológica, exames complementares, internações,<br />

parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas<br />

indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz<br />

entenda necessárias (art. 2 da Lei 11.804/2008).<br />

Veja, pela dicção legal, que os alimentos gravídicos se submetem<br />

a um rol exemplificativo de despesas adicionais da gestação.<br />

Dúvida interessante é: quem será o autor da ação (legitimado<br />

ativo)?<br />

A ambiguidade normativa, de um lado, a instrumentalidade, economia<br />

e efetividade do processo, de outro e, finalmente, o melhor<br />

interesse, tudo isto evidencia a admissibilidade tanto do nascituro,<br />

quanto da gestante, ou até mesmo do Ministério Público Estadual<br />

para figurar como autor da ação.<br />

É possível, inclusive, que a gestante forme litisconsórcio com o<br />

nascituro. Litisconsórcio, registra-se, facultativo. Nessa linha é que<br />

se coloca o Enunciado de número 3 do Tribunal de Justiça do Estado<br />

da Bahia, segundo o qual "à luz dos princípios da efetividade e da<br />

solidariedade familiar, estõo legitimados para postular alimentos gravídicos,<br />

nos termos da Lei número 11.804/2008, tanto a gestante como o<br />

nascituro, em litisconsórcio ou não".<br />

O posicionamento explicitado, porém, não é pacífico. Carlos Roberto<br />

Gonçalves 35 , por exemplo, defende a tese de ser a legitimidade<br />

35. Op. Cit. Pág. 554.<br />

443


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

em questão apenas da gestante. Idem Paulo Lobô 36 • O futuro aprovado<br />

deve ficar atento aos informativos jurisprudenciais sobre o tema.<br />

O legitimado passivo da demanda de alimentos gravídicos é o<br />

suposto pai. Contenta-se a norma com a mera prova indiciária da<br />

paternidade (não há, pois, técnica de cognição exauriente). o suposto<br />

pai vai custear os alimentos na proporção de seus rendimentos e<br />

suas obrigações, pois a mãe também tem obrigação de custeio (art.<br />

2, parágrafo único da Lei 11.804/2008).<br />

Eis os julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. Embora não<br />

haja provas da existência do alegado relacionamento, o que<br />

poderia levantar indícios acerca da paternidade, mostra-se<br />

viável a fixação liminar dos alimentos gravídicos quando comprovada<br />

a gravidez. Com efeito, por tratar-se de alimentos<br />

gravídicos, é preciso ter em conta a dificuldade de se produzir<br />

de imediato os indícios acerca da paternidade que se alega.<br />

Nesse passo, em casos como o presente, deve-se dar algum<br />

crédito às alegações iniciais a fim de garantir o direito de<br />

maior valor, que é a vida e o bem estar da alimentada, em detrimento<br />

da dúvida acerca da paternidade. RECURSO PARCIAL­<br />

MENTE PROVIDO, POR MAIORIA. (TJRS, AI: 7005o691674 RS, Relator:<br />

Rui Portanova, Data de Julgamento: 01/11/2012, Oitava Câmara<br />

Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/11/2012).<br />

ALIMENTOS EM FAVOR DE NASCITURO. Havendo indícios da paternidade,<br />

não negando o agravante contatos sexuais à época<br />

da concepção, impositiva a manutenção dos alimentos à<br />

mãe no montante de meio salário mínimo para suprir suas<br />

necessidades e também as do infante que acaba de nascer.<br />

Não afasta tal direito o ingresso da ação de investigação<br />

de paternidade cumulada com alimentos. Agravo desprovido.<br />

(SEGREDO DE JUSTIÇA) (TJRS, Agravo de Instrumento<br />

N• 700184o6652, Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice<br />

Dias, Julgado em 11/04/2007).<br />

Registra-se que a legitimidade passiva é exclusiva. Não estende a<br />

norma legitimação aos demais parentes do nascituro.<br />

36. Op. Cit. Pág. 381.<br />

444


ALIMENTOS<br />

E o que fazer se o demandando tiver conhecimento que a autora<br />

também tenha mantido relação sexual com outra pessoa?<br />

A doutrina não trata do tema.<br />

Nos parece que a casuística seria de um litisconsórcio superveniente.<br />

Isto porque não sendo obrigação solidária, não há como se falar<br />

de chamamento ao processo (art. 77 do CPC). Relembra-se que não<br />

haveria como defender a solidariedade in casu, ante a ausência de<br />

lei prévia (art. 265 do CC).<br />

• E no Novo Código de Processô Civil?<br />

Q art 77, dp CPC, passará a ser o art. 130, do novo CPC (NCPC).<br />

Outrossim, não havendo incorreção no ajuizamento primário,<br />

bem como inexistindo saída do demandado da lide, não há de falar­<br />

-se em nomeação a autoria.<br />

Neste- cenário, nos parece que o magistrado, haja vista a presença<br />

de possível paternidade de um dos dois e a urgência do caso,<br />

deveria determinar a divisibilidade obrigacional, cada um arcando<br />

com 50°/o (cinquenta por cento) da obrigação paterna alimentar. Posteriormente,<br />

confirmada a paternidade, o pai efetivo haveria de devolver<br />

(repetir) os valores àquele que, indevidamente, realizou o<br />

pagamento.<br />

A proposta é fundada em equidade e em um juízo de urgência.<br />

Além disto, não é do nosso conhecimento decisões sobre o tema,<br />

devendo o futuro aprovado ficar atento aos informativos jurisprudenciais<br />

vindouros.<br />

Voltando a análise legal, o deferimento dos alimentos gravídicos<br />

dar-se-á com base na existência de indícios de paternidade, perdurando<br />

a obrigação desde a concepção até o nascimento da criança,<br />

segundo binômio necessidade-possibilidade.<br />

Além disto, são devidos os alimentos gravídicos desde a concepção.<br />

Nos parece, então, que desde a concepção se possibilita-se o<br />

pleito em tela. Entrementes, o requerido apenas irá adimplir com<br />

a obrigação a partir da citação, sendo este o momento no qual ele<br />

445


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

toma conhecimento da demanda (art. i3, § 3° da Lei de Alimentos<br />

aplicada subsidiariamente).<br />

O prazo para contestar o pedido de alimentos gravídicos é de<br />

apenas 5 dias (art. 5 da Lei 11.804/2208). A lógica de pensamento aqui<br />

é clara: se o prazo fosse longo, o processo não findaria antes do<br />

parto, o que retiraria, por completo, a sua eficácia.<br />

Sobre as demais questões procedimentais, deve ser regido o<br />

processo através da aplicação subsidiária do Código de Processo<br />

Civil e da Lei de Alimentos (Lei Federal n° 5.478/68).<br />

Interessante verificar que após o nascimento, os alimentos gravídicos<br />

deverão ser convenidos em pensão alimentícia, de forma<br />

automática, cabendo ao suposto pai o pedido de revisão, a teor do<br />

artigo 6° da Lei 11.804/2008.<br />

A Lei de Alimentos Gravídicos vários vetos. Dois, porém, crescem<br />

em importância. O primeiro impossibilitou a realização do exame de<br />

DNA para aferição da paternidade, em vista da grande possibilidade<br />

de aborto; o segundo retirou a responsabilidade objetiva da mãe na<br />

hipótese de não ser confirmada a paternidade.<br />

Tais vetos levantam uma questão extremamente polêmica: se o<br />

suposto pai, que adimpliu com os alimentos gravídicos, descobrir<br />

através de exame de DNA, após o nascimento, a inexistência de vínculo<br />

de filiação, as verbas adimplidas haverão de ser devolvidas?<br />

O tema ainda não fora elucidado pela doutrina jurisprudência,<br />

havendo teses múltiplas.<br />

Há quem entenda pela irrepetibilidade, com a consequente impossibilidade<br />

de cobrança dos valores já pagos, haja vista o caráter<br />

irrepetível dos alimentos.<br />

Outros advogam a responsabilidade da mãe, pois teria violado a<br />

boa-fé e confiança no momento em que ajuizou a ação contra uma<br />

pessoa, conhecedora de que havia possibilidade da filiação ser de<br />

outrem. Aqui a responsabilidade civil há de ser subjetiva, pois não<br />

há norma imputando objetivação.<br />

446


ALIMENTOS<br />

Neste segundo cenário nos parece possível, porém, a presunção<br />

da culpa, com a decorrente inversão do ônus da prova, porquanto a<br />

malfadada e já citada ausência do dever de informação.<br />

Carlos Roberto Gonçalves 37 , ao defender a responsabilidade subjetiva<br />

da genitora, afirma que esta há de ser vista com temperamentos<br />

pelos Tribunais. Isto porque a adoção irrestrita da tese poderia<br />

acabar por funcionar como um mecanismo de cerceamento ao direito<br />

de ação, ao criar receio na gestante em ser demandada por<br />

futuras repetições.<br />

Existe, ainda, aqueles que pensam ser a responsabilidade do efetivo<br />

pai, que deveria ter adimplido com a obrigação, e não o fez.<br />

Neste julgado, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela<br />

relativização do princípio da irrepetibilidade:<br />

ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência<br />

de filiação declarada em sentença. Enriquecimento<br />

sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser<br />

deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis<br />

pela manutenção do alimentário. Restituição por este<br />

não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente<br />

que os devia pode exigir a restituição do seu valor<br />

do terceiro que realmente devia fornecê-los. (TJSP, Apelação<br />

248/25, Luiz Antônio de Godoy, i• Câmara de Direito Privado,<br />

Julgado em: 24/01/2007).<br />

Quanto aos demais colaterais, para além dos irmãos (parentes<br />

de segundo grau), assim como os parentes afins, não será possível<br />

pedir alimentos por força da restrição legislativa. Tios (parentes de<br />

terceiro grau) e primos (parentes de quarto grau), que fique claro,<br />

não são devedores de alimentos.<br />

~ Atenção!<br />

A competência processual para a ação de alimentos é a do domicílio do<br />

credor (at. ioo, li do Ci>C).<br />

37. Op. Cit. Pág. 557.<br />

447


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Soma-se a isto, ainda, o dito na:<br />

a) Súmula 383 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "A comperência<br />

para processar e julgar as ações conexas de menor é, em princípio,<br />

do foro do domici1io do detentor de sua guarda".<br />

b) Súmula i do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "O foro do<br />

domicr1io do alimentando é o competente para a ação de investigaçilo de<br />

paternidade, quando cumulada com alimentos".<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 200, li, CPC, passará a ser o art. 53, li, no novo CPC (NCPC).<br />

8. CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS<br />

Classificar é um ato doutrinário. Assim, a depender do manual<br />

consultado será verificada uma classificação maior ou menor do<br />

tema. Tentamos, em vista da proposta desta obra, veicular extensa<br />

classificação, para que o futuro aprovado não seja surpreendido no<br />

momento da prova.<br />

Vamos lá!<br />

8.i. Quanto à origem<br />

De acordo com a doutrina majoritária, é possível afirmar que os<br />

alimentos podem ser classificados, inicialmente, quanto a sua origem.<br />

Neste sentido, é possível afirmar que os alimentos brotam da<br />

lei (alimentos legais ou legítimos), do contrato (alimentos convencionais<br />

ou voluntários) ou do ato lícito (alimentos indenizatórios ou<br />

ressarcitórios).<br />

a) Alimentos legítimos ou legais<br />

Chamam-se legítimos os alimentos oriundos do elo familiar<br />

(cf. artigo 3°, inciso 1, da CF). Conforme já afirmamos no Capítulo<br />

1, a família é a base da sociedade e tem especial proteção<br />

do Estado. Neste sentido "a solidariedade social é reconhecida<br />

como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo<br />

artigo 3°, 1, da CF, no sentido de buscar uma sociedade livre, justa<br />

e solidária. Por essas razões, esse princípio acaba repercutindo<br />

448


ALIMENTOS<br />

nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses<br />

relacionamentos pessoais. Isso justifica, entre outras coisas, o pagamento<br />

de alimentos."iª<br />

Nos termos do art. i.593 do CC, o parentesco (e, portanto, a família)<br />

será civil, biológico ou por outra origem. De fato, pouco importará<br />

a origem. O certo é que, em havendo família, haverá solidariedade<br />

familiar, enquanto dimensão coletiva da dignidade humana. Ato<br />

contínuo, haverá dever alimentar, presentes os requisitos.<br />

O art. i.694 do CC constitui o cerne desta solidariedade e bem<br />

ilustra a classificação dos alimentos legítimos ou legais. Segundo o<br />

aludido preceito, podem os parentes, cônjuges ou companheiros<br />

pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de<br />

modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender<br />

as necessidades de educação.<br />

Também é certo afirmar acerca da solidariedade social, em termos<br />

de perspectiva infraconstitucional, se imaginarmos que o Código<br />

Civil de hoje elegeu a eticidade como princípio geral das relações<br />

privadas brasileiras. A própria noção de boa-fé objetiva, enquanto<br />

regra de conduta imposta pelo art. i87 do CC, exige o comportamento<br />

das partes pela tessitura da solidariedade familiar.<br />

Nesta concepção fraterna e solidária do ordenamento jurídico é<br />

que se poderá legitimar o dever de pagamento dos débitos alimentares,<br />

pela simples decorrência da relação de parentesco. Tal tem fundamento<br />

constitucional no art. 229, bem como infraconstitucional no<br />

art. i.694 do CC.<br />

b) Alimentos voluntários<br />

Alimentos voluntários são os que decorrem da autonomia privada.<br />

t a hipótese da doação em forma de subvenção periódica. Eis o que<br />

prescreve o art. 545 do CC sobre o assunto: "A doação em forma de subvenção<br />

periódica ao beneficiário extingue-se morrendo o doador, salvo se<br />

este outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a vida do donatário".<br />

Outro exemplo de alimentos voluntários se encontra no art. i.920,<br />

do CC (legado sob forma de alimentos, ou alimentos testamentários).<br />

38. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013).<br />

449


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Para ilustrar, segue o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo<br />

acerca dos alimentos testamentários:<br />

LEGADO DE ALIMENTOS - Disposição testamentária que beneficia<br />

herdeira - Valores provenientes de renda de imóvel locado,<br />

pertencente ao espólio - Decisão agravada que, em inventário,<br />

determina o levantamento das quantias depositadas em juízo<br />

em favor da legatária, bem como ordena à inquilina que faça<br />

o pagamento da quantia correspondente ao legado de alimentos<br />

diretamente à beneficiária da quantia - Correção- Disposição<br />

testamentária plena e eficaz - Legado de alimentos devidos<br />

desde a morte da testadora (artigo 1926 CC/2002)- Decisão<br />

mantida - Recurso desprovido, na parte conhecida (TJSP. AG:<br />

994092729370 SP, Relator: De Santi Ribeiro, Data de Julgamento:<br />

16/03/2010, ia Câmara de Direito Privado).<br />

Os alimentos voluntários ou convencionais, como se pode notar,<br />

brotam do princípio da autonomia privada e da intervenção mínima<br />

do Estado nas relações particulares, assegurando, como decorrência<br />

natural da liberdade, o direito de se pactuar pagamento de pensão<br />

alimentícia a quem bem se entender.<br />

Enquanto afirmação da liberdade humana e da autonomia privada,<br />

esta autodeterminação foi objeto de apurado estudo realizado<br />

por Leonardo Barreto Moreira Alvesi 9 , quem reconheceu a desistintucionalização<br />

da família e, portanto, sua autorregulamentação. Para<br />

Rodrigo da Cunha Pereira, a postura intervencionista estatal é afastada'º·,<br />

daí se justificando, por falta deste dirigismo estatal, a possibilidade<br />

de pactuação de alimentos a quem se desejar.<br />

e) Alimentos ressarcitórios, reparatórios ou compensatórios.<br />

Os alimentos ressarcitórios têm como fato gerador a responsabilidade<br />

civil.<br />

Em uma primeira casuística, recorda-se de tais alimentos para a<br />

hipótese de homicídio (CC, art. 948, li), quando a indenização consistirá,<br />

entre outras coisas, na prestação de alimentos às pessoas a<br />

39, ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de<br />

aplicação e o campo de Incidência da autonomia privada no Direito de Familia.<br />

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 141.<br />

40. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de<br />

Família. Belo Horizonte: Dei Rey, 2oo6, p.157.<br />

450


ALIMENTOS<br />

quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da<br />

vida do de cujus.<br />

De acordo com Heloísa Helena Barbosa''. na hipótese de homicídio,<br />

"o artigo estabelece a indenização que cabe aos sucessores",<br />

estando legitimados a postular reparação os que dependiam economicamente<br />

do falecido "além das que sofreram a perda pela morte,<br />

geralmente os integrantes da sua familia , em sentido estrito".<br />

A popularmente denominada pensão vitalícia também será admitida<br />

para os casos de ofensa à saúde que resultarem em obstrução/<br />

impedimento ao exercício do trabalho, ou diminuição da capacidade<br />

laboral. Com efeito, o art. 950 prevê para este caso "pensão correspondente<br />

à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da<br />

depreciação que ele sofreu".<br />

~ Como foi este assunto, referente à percepção da indenização pelos<br />

sucessores, foi abordado em concurso público?<br />

Em concurso para o TCE-PR/2011 foi considerada verdadeira a assertiva<br />

que apresentava o seguinte texto: uo direito de exigir reparação de dano<br />

e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança".<br />

~ Como os tribunais estão decidindo a questão?<br />

O Superior Tribunal de Justiça também já entendeu que para um caso de<br />

lesão corporal, seguida de morte, será possível a "Indenização por ato<br />

ilícito" mediante "Pensão de natureza alimentar" que se implementaria<br />

"através de desconto em folha" (REsp. 194.581/MG).<br />

Sob o ponto de vista processual, caso se esteja diante de um pesionamento<br />

vitalício, reza o art. 475-Q do CPC, o dever procedimental<br />

deste também determinar, em face do condenado, a constituição<br />

de capital apto à garantir o pagamento desta indenização. Para que<br />

o pensionamento seja eficaz, há de ser garantido no decorrer do<br />

tempo, através de garantias como hipoteca, desconto em folho etc.<br />

41 ln Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba :<br />

Juruá, 2009. p. 524.<br />

451


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo CPC (NCPC), o an. 475-Q, passará a ser o an. 533.<br />

Aliás, de acordo com a súmula 313 do Superior Tribunal de Justiça<br />

"Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a<br />

constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento<br />

da pensão, independentemente da situação financeira do<br />

demandado".<br />

~ Atenção!<br />

O parágrafo único do an. 950 reconhece direito em favor do prejudicado<br />

que "se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga<br />

de uma só vez". Sobre o tema, o Enunciado 48 do CJF sustenta que tal<br />

preceito normativo "institui direito potestativo do lesado para exigir pagamento<br />

da indenização de uma só vez, mediante arbitramento do valor pelo<br />

juiz, atendidos os ans. 944 e 945 e a possibilidade econômica do ofensor·.<br />

No mesmo sentido percebe-se o Enunciado 381, segundo o qual o lesado<br />

poderá exigir que a pensão seja arbitrada, e paga, de uma só vez,<br />

salvo impossibilidade econômica do devedor, hipótese na qual o juiz<br />

pode fixar outra forma de pagamento de acordo com a condição financeira<br />

do ofensor e os benefícios resultantes do pagamento antecipado.<br />

Também é importante recordar que o art. 951 do CC admite a aplicação<br />

dos arts. 948, 949 e 950 a toda e qualquer hipótese na qual alguém, no<br />

exercício de atividade profissional, culposa ou dolosamente, causar a<br />

mone de um paciente, ou agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou, finalmente,<br />

inabilitá-lo para o trabalho.<br />

Vale lembrar que a pessoa jurídica para quem o profissional da<br />

saúde efetivamente trabalhe terá, em casos como estes, responsabilidade<br />

civil objetiva, seja particular, à luz do CC e do CDC, seja<br />

público, como já entendeu o Supremo Tribunal Federal, forte na Teoria<br />

do Risco Administrativo, em situação envolvendo erro médico<br />

(Informativo 364. Al455.846 e Informativo 266. RE 217389).<br />

Portanto, a responsabilidade do profissional da saúde será subjetiva<br />

(Informativo 438. REsp. 1.184.128-MS) e a da pessoa jurídica<br />

objetiva (Informativo 472. REsp. 986.648-PR). Importante recordar<br />

que algumas obrigações médicas são de resultados, como aquelas<br />

decorrentes da cirurgia plástica estética. Nestas condições, caso o<br />

452


ALIMENTOS<br />

fim almejado não seja atingido, o profissional da saúde será responsabilizado<br />

objetivamente. Este entendimento foi reafirmado em 24<br />

de fevereiro de 2012 pelo Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer<br />

"vasta jurisprudência desta Corte no sentido de que é de resultado a<br />

obrigação nas cirurgias estéticas". (Informativo 491. REsp. 985.888).<br />

Curioso o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido<br />

de que se o hospital apenas aluga, ou cede, o centro cirúrgico<br />

sem qualquer tipo de ingerência ou fiscalização sobre o ato médico<br />

do cirurgião, não há falar-se em responsabilidade alguma da pessoa<br />

jurídica por hipótese de ofensa à saúde causada pelo locatário do<br />

espaço (Informativo 467. REsp. i.019.404).<br />

• Como os tribunais estão decidindo a questão?<br />

Segundo a súmula 490 do Supremo Tribunal Federal "A pensão correspondente<br />

a indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada<br />

com base no salário mínimo vigente no tempo da sentença e ajustar-se às<br />

variações ulterioresn.<br />

Ademais, de acordo com a súmula 246 do Superior Tribunal de Justiça,<br />

o valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização<br />

judicialmente fixada. Assim, atento ao paradigma de ser a medida da<br />

indenização a extensão do dano - reparação integral, an. 944 do CC ·,<br />

caso a vítima tenha recebido verbas de seguro obrigatório, a exemplo<br />

do DPVAT, o ofensor condenado terá tal parcela abatida. Ex.: se o dano<br />

foi de RS 15.000,00 (quinze mil reais), mas o lesado há havia recebido RS<br />

2.000,00 (dois mil reais) a título de DPVAT, o ofensor apenas indenizará RS<br />

13.000,00 (treze mil reais).<br />

Por fim, mister lembrar haver entendimento acerca da possibilidade<br />

de alimentos compensatórios em relações conjugais ou de<br />

união estável. Sobre o tema, dedicamos tratamento no tópico relacionado<br />

aos alimentos entre cônjuges e companheiros, para o qual<br />

remete-se o leitor.<br />

8.2. Quanto à extensão<br />

De acordo com a doutrina de Flávio Tartuce e José Simão''. os<br />

alimentos também podem ser classificados de acordo com a própria<br />

42. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 443.<br />

453


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

extensão que possuem e, desta forma, serão subdivididos em civis<br />

ou côngruos e, finalmente, indispensáveis, naturais ou necessários.<br />

a) Civis ou côngruos.<br />

Os alimentos civis ou côngruos são aqueles previstos no art. 1.694<br />

do CC e se prestam à manutenção do status quo, de modo à assegurar<br />

a mantença do padrão de vida até então existente. A regra é a<br />

de que os alimentos sejam fixados nesta modalidade, ou seja, para<br />

assegurar o padrão de vida.<br />

Nas lições de de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald• 3 ,<br />

o codificador disciplinou os alimentos civis "também chamados de<br />

côngruos, conforme disposição do art. 323 do Código Civil do Chile - porque<br />

se destinam à manutenção do credor em todos os seus aspectos<br />

vitais e sociais".<br />

b) Alimentos indispensáveis, naturais ou necessários<br />

Os alimentos necessários, por sua vez, são aqueles que visam<br />

apenas a sobrevivência do credor (e não a mantença do padrão<br />

social deste) e estão previstos no § 2° do art. 1.694 e 1704, parágrafo<br />

único, ambos do CC. Trata-se de classificação diretamente relacionada<br />

à situação jurídica da culpa.<br />

Uma reflexão interessante, passível de ser realizada, gira em torno<br />

da suposta abolição do instituto jurídico da culpa em decorrência<br />

da Emenda Constitucional n° 66/10 e os efeitos disto em relação aos<br />

dois preceitos normativos do CC.<br />

Sim, porque acaso se entenda que o instituto da culpa efetivamente<br />

foi retirado do mundo jurídico pela Emenda do Divórcio, a<br />

consequência disto seria reconhecer ao a não recepção superveniente<br />

dos artigos supracitados, de modo a não mais se aceitar a<br />

aludida classificação, neste ponto.<br />

Em sentido contrário, entendendo-se pela manutenção do instituto<br />

da culpa mesmo após o advento do Novo Divórcio no Brasil,<br />

será possível sustentar a permanência dos alimentos necessários no<br />

ordenamento jurídico pátrio.<br />

43. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm. 2012, p.831.<br />

454


ALIMENTOS<br />

~ E na hora da prova?<br />

o concurso para provimento do cargo de Juiz - TJRR, realizado pela banca<br />

FCC, ano de 2008, em busca da alternativa correta, considerou como<br />

gabarito: "Os alimentos serão devidos: se o cônjuge declarado culpado<br />

vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de<br />

prestá-los nem aptidão para o trabalho, pelo outro cônjuge, fixado o juiz<br />

o valor indispensável à sobrevivência".<br />

No mesmo sentido: (TJDFT - Juiz - 2007 - Adaptada) "O cônjuge, mesmo<br />

culpado pela separação, assiste direito aos alimentos indispensáveis à<br />

subsistência". (Assertiva correra).<br />

Àqueles que desejam estudar acerca da culpa como critério de<br />

fixação dos alimentos no divórcio e dissolução da união estável, remete-se<br />

ao capítulo de casamento, especificamente aos efeitos da separação<br />

fundada em culpa. Neste local discute-se sobre a (in)constitucionalidade<br />

do critério e acerca de sua permanência no direito nacional.<br />

8.3. Quanto à finalidade<br />

Outra classificação bastante comum gira em torno da finalidade,<br />

ou mesmo do momento processual no qual os alimentos são fixados.<br />

Neste sentido, os alimentos são classificados como provisórios, provisionais,<br />

definitivos e transitórios.<br />

a) Alimentos provisórios.<br />

Provisórios são os alimentos disciplinados no art. 4º da Lei Federal<br />

n° 5.478/68. Para estes, exige-se a prova pré-constituída do<br />

parentesco, da conjugalidade ou, finalmente, da união estável. São<br />

antecipatórios dos efeitos da tutela jurisdicional (modalidade específica<br />

de antecipação de tutela). Podem ser concedidos de ofício pelo<br />

magistrado.<br />

Eis o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca<br />

do tema, demostrando que a relação de parentesco é imprescindível<br />

para a percepção dos alimentos provisórios:<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. <strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA. ANTECIPAÇÃO<br />

DE TUTELA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS<br />

PROVISÓRIOS. Ausentes os requisitos autorizadores à fixação<br />

de alimentos provisórios, que reclama, na hipótese de investigação<br />

de paternidade, elementos de convicção que<br />

evidenciem a relação de parentesco perseguida, deve ser<br />

455


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mantida a decisão recorrida. NEGADO SEGUIMENTO. (Agravo de<br />

Instrumento N° 70052960085, Sétima Câmara Cível, Tribunal de<br />

Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado<br />

em 23/01/2013).<br />

• E na hora da prova?<br />

A banca examinadora FEPESE, em concurso realizado para o provimento<br />

do cargo de Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, ano de<br />

2014, considerou correta o seguinte quesito: #Conforme estipula a Lei n.<br />

8.560/92, que regula a investigação de paternidade de filhos havidos<br />

fora do casamento, sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer<br />

a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou<br />

definitivos do reconhecido que deles necessitew.<br />

b) Alimentos provisionais<br />

Os alimentos provisionais são aqueles onde não há prova pré­<br />

-constituída. Estão previstos no art. 852 do CPC, como ação cautelar<br />

típica. De igual forma, são referidos no art. qo6 do CC.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

Sobre o an. 852, CPC não há anigo correspondente no Novo CPC.<br />

Basicamente, a única distinção entre alimentos provisionais e<br />

provisórios é a existência da prova pré-constituída. Ambos serão<br />

dados em caráter liminar. A própria Lei Maria da Penha, em seu<br />

art. 22, também contempla modalidade específica de alimentos in<br />

limine, nos casos de urgência, perante o Juizado de Violência Doméstica.<br />

A distinção não altera, portanto, a natureza jurídica antecipatória<br />

e irrepetível dos alimentos, os quais, como se pode deduzir, decorrendo<br />

de liminar são fixados através de decisão judicial interlocutória,<br />

a qual desafia o recurso de agravo (CPC, 522).<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o an. 522 do CPC, passará a ser o an. 1.015 do novo CPC (NCPC)<br />

456


ALIMENTOS<br />

• Segue a decisão do Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>DIREITO</strong> DE FAMÍLIA. ALIMENTOS PROVISIONAIS FIXADOS EM<br />

PROCESSO CAUTELAR PREPARATÓRIO. AÇÃO PRINCIPAL IMPRO­<br />

CEDENTE. EXIGIBILIDADE DOS ALIMENTOS. EXCEÇÃO DE PRÉ­<br />

-EXECUTIVIDADE. 1. É pacifico o entendimento do Superior<br />

Tribunal de Justiça de que são devidos os alimentos provisionais<br />

desde a sua fixação até a sentença definitiva,<br />

mesmo que esta desconstitua a obrigação de pagar, pois<br />

alimentos já quitados incorporam-se ao patrimônio do<br />

alimentado. 2. Contudo, esse entendimento não prevalece<br />

nas hipóteses em que a obrigação tenha sido suspensa<br />

por decisão de agravo de instrumento aviado com<br />

essa finalidade. 3. Recurso especial não conhecido. (STJ,<br />

REsp: 857228 SP 2006/0119651-7, Relator: Ministro JOÃO<br />

OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 01/12/2009, T4 -<br />

QUARTA TURMA).<br />

e) Alimentos definitivos<br />

Definitivos são os alimentos emanados de sentença que serão<br />

mantidos rebus sic stantibus, ou seja, enquanto as coisas assim continuarem.<br />

Inexistindo mudança no quadro tático, tais alimentos continuarão<br />

sendo devidos.<br />

Havendo alteração, seja na necessidade, seja na possibilidade,<br />

é possível o ajuizamento de ação revisionai ou exoneratória de alimentos;<br />

ou mesmo a apresentação de petição avulsa ao Juiz de Família,<br />

na forma do art. 471 do CPC.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 471 do CPC, passará a ser o art. 505 do novo CPC (NCPC)<br />

• Atenção!<br />

Os alimentos retroagem, em regra, à data da citação do réu na forma<br />

da súmula 277 do Superior Tribunal de Justiça e do art. i3, § 2° da Lei de<br />

Alimentos.<br />

d) Alimentos transitórios<br />

Interessante a recente construção doutrinária e jurisprudencial<br />

que tem sido observada em oposição ao caráter definitivo dos<br />

457


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

alimentos. Os alimentos transitórios ou resolúveis são fruto desta<br />

inovação do direito de família. Objetivam evitar o enriquecimento<br />

sem causa e o abuso, ou a desproporcionalidade, que em certos<br />

casos podem advir da fixação dos alimentos definitivos.<br />

Os alimentos transitórios servem a viabilizar, permitir, o retorno<br />

do credor de alimentos, dentro de um determinado espaço de<br />

tempo pré-fixado, ao mercado de trabalho, de modo que se fixa um<br />

termo ad quem após o que tais alimentos serão automaticamente<br />

cancelados, sem a necessidade de exoneração, ou determinação judicial<br />

posterior.<br />

Para Flávio Tartuce e José Simão o "princípio da razoabilidade e da<br />

proporcionalidade deve incidir na fixação dos alimentos no sentido de<br />

que a sua quantificação não pode gerar enriquecimento sem causa" 44 •<br />

Evita-se, outrossim, o ócio do credor de alimentos que, em conduta<br />

abusiva poderia se beneficiar eternamente da cláusula rebus sic<br />

stantibus e jamais se retirar desta situação tática de necessidade,<br />

como se os alimentos se prestassem a uma aposentadoria prévia,<br />

ou servissem como sucedâneo previdenciário.<br />

Assim, os alimentos transitórios ou resolúveis constituem alternativa<br />

inteligente à disposição dos operadores do direito autorizando<br />

o Juiz de Família à fixar por tempo determinado o dever de pagamento<br />

de tal crédito.<br />

~ Como a jurisprudência tem fixado os alimentos transitórios?<br />

No REsp. i.025.769/MG o Superior Tribunal de Justiça reconheceu os alimentos<br />

transitórios como sendo aqueles cabíveis #quando o alimentando<br />

é pessoa com idade, condições e formaçõo profissional compatíveis com<br />

uma provável inserção no mercado de trabalho, necessitando dos alimentos<br />

apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em que se emancipará<br />

da tutela do alimentante - outrora provedor do lar - que será então<br />

liberado da obrigação a qual se extinguirá automaticamentew.<br />

Sobre este tema se falou também, neste mesmo capítulo, no tópico<br />

relativo aos alimentos na conjugalidade, para o qual remete-se<br />

o futuro aprovado.<br />

44. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Vol.5 - Direito de Família, 8•<br />

Edição, Método, 2013. P. 420.<br />

458


ALIMENTOS<br />

9. ASPECTOS PROCESSUAIS SOBRE ALIMENTOS: BREVES NOTAS<br />

A primeira questão a ser ressaltada quanto aos aspectos processuais<br />

dos alimentos gira em torno do procedimento a ser eleito,<br />

tendo em vista a possibilidade de a ação alimentícia ter fundamento:<br />

a) ou na lei de alimentos; b) ou na cautelar nominada; c) ou em sede<br />

de alimentos gravídicos d) ou, finalmente, por via de procedimento<br />

comum ordinário, este último para o caso de cumulação de pedidos,<br />

na forma do art. 292 do CPC (ex: investigação da paternidade cumulada<br />

com alimentos).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 292 do CPC, passará ser o art. 327 no novo CPC (NCPC).<br />

Assim, a ação alimentícia deve atender aos requisitos do rito eleito.<br />

Eis o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:<br />

AÇÃO DE ALIMENTOS. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INEXISTÊNCIA. A<br />

ação de alimentos, que se caracteriza como ação de estado,<br />

de rito especial, pressupõe prova pré-constituída do parentesco<br />

ou da obrigação alimentar do devedor. Se inexiste essa<br />

prova, inviável a ação pelo rito da 1. 5.478/68. Apelação provida.<br />

(TJDF, APL: 0023739-05.2006.807.0007, Relator: JAIR SOARES,<br />

Data de Julgamento: 07/11/2007, 6• Turma Cível).<br />

A importância disto é tanta que, a depender do procedimento,<br />

o prazo para contestar será de 5 dias (alimentos gravídicos e ação<br />

cautelar de alimentos), ou de 15 dias (procedimento comum ordinário).<br />

O prazo poderá, ainda, ser aquele fixado pelo Juiz de Família<br />

como razoável para contestar (lei de alimentos).<br />

De qualquer forma, o Código de Processo Civil será sempre norteador<br />

de toda e qualquer ação de alimentos, a exemplo dos requisitos<br />

mínimos para a elaboração da petição inicial, atendendo aos<br />

pressupostos de constituição e regular desenvolvimento do processo<br />

(CPC, 282), a correta indicação do valor da causa (259, VI, CPC), os<br />

critérios para contagens dos prazos, as provas passíveis de se produzir,<br />

os recursos, etc ...<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 282 do CPC, passará a ser o art. 319 no novo CPC (NCPC)<br />

O art. 259, IV, CPC, passará a ser o art. 292, VIII, do novo CPC (NCPC).<br />

459


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A ideia que nos parece compatível com a obra ora escrita é transmitir<br />

ao leitor orientações gerais de processo, para que este entenda<br />

melhor o funcionamento prático de uma ação de alimentos, buscando<br />

o diálogo das fontes entre o direito material e o processual,<br />

em uma construção do conhecimento interdisciplinar.<br />

De acordo com a Lei de Alimentos, ao despachar a petição inicial<br />

o Juiz da Causa deverá adotar uma série de providências, inclusive a<br />

de fixar liminarmente alimentos, a exceção do credor expressamente<br />

dizer que não os necessita (art. 4º da Lei de Alimentos). Trata-se de<br />

interessante medida a excepcionar o princípio da inércia da jurisdição<br />

(CPC. art. 2°), daí porque merece destaque.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 2•, do novo CPC terá a seguinte redação: ·o processo começa por<br />

iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções<br />

previstas em lei".<br />

Realmente, em regra, aquele pede alimentos está a necessitar<br />

do crédito desde quando ajuíza a ação. Seria mesmo incomum alguém<br />

bater as portas do judiciário para pedir tão somente alimentos<br />

definitivos. Além de incomum, estrategicamente seria ruim, ao<br />

passo que no livro convencimento motivado enfraqueceria o pleito<br />

definitivo.<br />

Talvez por isto, a Lei de Alimentos tenha excepcionado o princípio<br />

da inércia da jurisdição e permitido ao magistrado, liminarmente,<br />

fixar o que denominou de alimentos provisórios, mesmo sem pedido<br />

liminar expresso na inicial.<br />

Isto, contudo, é admitido tão somente na ação submetida à Lei<br />

de Alimentos que, como sabemos, exige prova pré-constituída da<br />

relação de parentesco, conjugalidade ou união estável. Acaso a<br />

ação seja submetida ao procedimento comum ordinário (ou seja,<br />

inexistindo prova pré-constituída), não será possível ao magistrado<br />

adotar tutela jurisdicional de ofício, especialmente porque<br />

a própria falta de comprovação prévia do laço justificador do<br />

débito alimentar constituiria um obstáculo à mais a esta exceção<br />

à inércia.<br />

460


ALIMENTOS<br />

Avançando no procedimento, a citação do réu importará em importantes<br />

efeitos de natureza processual, entre os quais, como regra,<br />

o de constituí-lo em mora. Segundo o Superior Tribunal de justiça<br />

na súmula 277 "julgada procedente a investigação de paternidade, os<br />

alimentos são devidos a partir da citação" sendo esta a regra também<br />

das ações de alimentos (serem estes devidos a partir da citação -<br />

art. 13 da Lei de Alimentos).<br />

Exceções a isto, entretanto, existem. Três nos chamam a atenção:<br />

a) Na ação cautelar de alimentos provisionais (art. 852, li, do CPC),<br />

os alimentos serão devidos a partir do despacho;<br />

~ li no Novo Código de Processo Civil?<br />

o a.n. 852, li, do CPC, não possui correspondente no novo CPC (NCPC).<br />

b) Os alimentos provisórios, fixados na ação de rito especial da Lei<br />

de Alimentos, na forma do art. 4°, serão fixados desde o despacho<br />

da inicial;<br />

c) A gestante tem direito aos denominados alimentos gravídicos,<br />

nos termos da Lei Federal na 11.804/08 e, neste caso, o juiz os<br />

fixará desde a concepção .<br />

Feita a citação, a fase procedimental que se segue envolve a instrução,<br />

ou seja, a colheita das provas necessárias à subsidiar uma<br />

futura sentença. A busca, aqui, é acerca da necessidade x possibilidade<br />

(capacidade).<br />

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 4 s admitem a possibilidade<br />

de utilização da teoria da aparência daquele que ostenta<br />

alto padrão social e econômico (sinais exteriores de riqueza) quando<br />

houver dificuldade em identificar a capacidade contributiva do<br />

devedor. A prática forense evidencia que - muitas vezes - a alegada<br />

incapacidade financeira do devedor é incompatível com os sinais de<br />

riqueza que ele exterioriza socialmente, mormente para o caso de<br />

profissionais sem renda comprovada em carteira de trabalho.<br />

45. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador:<br />

Juspodivm. 2012, p.855.<br />

461


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

À vista dos princípios da celeridade, oralidade, economia e concentração<br />

dos atos processuais, recomendável que o procedimento,<br />

ante a natureza do bem jurídico tutelado, respeite a garantia da duração<br />

razoável do processo, maximizada na hipótese pela especialidade<br />

do direito fundamental debatido. Sobre o tema, o art. 10° da<br />

Lei de Alimentos limita a possibilidade de o magistrado suspender a<br />

audiência à casos excepcionais.<br />

Entendemos que toda e qualquer ação de alimentos recomendaria<br />

audiência una de conciliação, instrução e julgamento. Infelizmente,<br />

presos à formalidades processuais, ou mesmo a uma pauta de<br />

audiência carregada dos mais variados processos, magistrados nem<br />

sempre realizam a audiência de instrução de maneira una. É muito<br />

comum o adiamento destas assentadas, mesmo diante da natureza<br />

fundamental do direito debatido.<br />

De acordo com a Lei de Alimentos, o não comparecimento do autor<br />

da demanda à audiência acarreta o arquivamento dos autos (art.<br />

7°). O não comparecimento do réu, de seu turno, enseja a revelia.<br />

Esta, entretanto, não vem acompanhada de seus regulares efeitos,<br />

porque o direito em destaque é indisponível.<br />

Tal revelia, entrementes, não se aplicará às ações ordinárias, as<br />

quais se caracterizam pelo fato de a contestação ser apresentada<br />

antes mesmo da audiência. Esta, por sua vez, costuma ser fracionada:<br />

inicialmente conciliação e, posteriormente, instrução e julgamento,<br />

ou, apenas, instrução. Então, no procedimento ordinário, o não<br />

comparecimento das partes acarretará, quando muito, o julgamento<br />

antecipado da lide.<br />

De qualquer modo, o poder instrutório do magistrado é mais<br />

significativo nas ações alimentícias, ante a natureza indisponível do<br />

direito objeto da lide. A instrução deve ser feita de modo a permitir<br />

a colheita ampla da prova desejada pelas partes, pelo Ministério<br />

Público e, porque não, pelo Juiz de Família.<br />

Mesmo funcionando como fiscal da lei, o Ministério Público está<br />

autorizado (CPC, art. 83 e SS), a produzir todas as provas também<br />

permitidas à parte. Desta forma, o Parquet poderá juntar documentos,<br />

arrolar testemunhas, requerer perícia, entre outras providências.<br />

462


ALIMENTOS<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 83 do CPC, passará a ser o art. 179 do novo CPC (NCPC).<br />

A atuação do Ministério Público como fiscal da lei será imprescindível,<br />

sob pena de nulidade processual, a teor dos arts. 9° e n da<br />

Lei de Alimentos, assim como 82, 1 e 246 do CPC. Lembre-se ainda,<br />

que por força da súmula 99 do Superior Tribunal de Justiça, o Ministério<br />

Público terá legitimidade para recorrer nos processos em que<br />

funcionar como fiscal da lei, ainda que não exista recurso voluntário<br />

das partes.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 82, CPC, passará a ser o art_ 178, li, no novo CPC (NCPC<br />

O art. 246, CPC, passará a ser o art. 279 do novo CPC (NCPC).<br />

Por outro lado, o Ministério Público também possui legitimidade<br />

ativa ad causam extraordinária para ajuizar ação de alimentos em<br />

favor da criança e do adolescente. Curiosa, portanto, a situação processual<br />

do Promotor de Justiça nas ações de alimentos. Poderá atuar<br />

tanto como parte, como fiscal da lei.<br />

A sentença que reconhecer a relação jurídica justificadora do<br />

pagamento de alimentos, constituirá este direito em benefício do<br />

autor, condenando o réu ao pagamento de pensão alimentícia, sempre<br />

considerando a capacidade econômica daquele que irá pagar os<br />

alimentos. a necessidade do credor e, evidentemente, a proporcionalidade.<br />

Na forma do art. 513 do CPC e do art. 14 da Lei de Alimentos,<br />

poderá a parte interpor recurso de apelação cível contra a aludida<br />

sentença. Neste caso, o apelo será recebido apenas no efeito devolutivo<br />

(art. 520, li do CPC). O maior para a retirada do duplo efeito é<br />

a natureza da condenação, a qual objetiva manter a subsistência do<br />

credor de alimentos.<br />

E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 513 do CPC, passará a ser o art. 1.009 no novo CPC (NCPC).<br />

O art. 520 foi suprimido do novo CPC (NCPC). O art. i.012 tratará do efeito<br />

suspensivo, e o art. 1.013 trata do efeito devolutivo.<br />

463


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Formado o título judicial, certificados do débito alimentar, surge<br />

a possibilidade de execução do mesmo, que se dará, em regra, pela<br />

via do cumprimento de sentença, na forma do art. 475-J do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 475-J, CPC, passará a ser o 523, §1•, com a seguinte redação:<br />

Art. 523. "No caso de condenação em quantia certa, ou já<br />

fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela<br />

incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far­<br />

-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado<br />

intimado para pagar o débito, no prazo de quinze dias,<br />

acrescido de custas, se houver. § lº Não ocorrendo pagamento<br />

voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido<br />

de multa de dez por cento e, também, de honorários<br />

de advogado de dez por cento".<br />

~ Atenção!<br />

O cumprimento de sentença nos casos de pensão alimentícia cabe apenas<br />

para a obrigação pecuniária (art. 317, CC), exequível mediante a<br />

utilização dos instrumentos coercitivos comuns.<br />

Em se tratando, pois, de obrigação pecuniária, o ágil cumprimento<br />

de sentença se adéqua precisamente ao caráter expedito do crédito<br />

alimentar e, naturalmente, apresenta-se compatível com o sistema.<br />

Importa lembrar, como prescreve o art. 3°, inciso Ili da Lei 8.009/90,<br />

que a pensão alimentícia autoriza, até mesmo, a penhora sobre o<br />

único imóvel do devedor. A alegação da impenhorabilidade do bem<br />

de família não se aplica à situação do crédito decorrente da pensão<br />

alimentícia. Destarte, caberá a aludida exceção até mesmo em alimentos<br />

decorrentes de responsabilidade civil, como já pontuado neste<br />

capítulo e segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.<br />

Nada impede, apesar do quanto dito acima, que o exequente<br />

também lance mão dos arts. 732 a 735 do CPC, requerendo o desconto<br />

em folha de pagamento do executado, ou ainda em outros<br />

rendimentos destes. à exemplo de aluguéis; bem como a penhora<br />

e a prisão civil, autorizada pelo art. 5°, inciso LXVll, da CF. Tais medidas<br />

figuram como método de coerção e agilidade de execução.<br />

Com relação aos arts. 732 e 735, do CPC, que tratam do cumprimento<br />

da sentença de alimentos, o novo CPC (NCPC) disporá<br />

deles nos arts. 523 ao 527.<br />

464


ALIMENTOS<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Vunesp - Defensor Público - MS/2014) A prisão civil no direito brasileiro,<br />

atualmente,<br />

a) não é admitida em caso de inadimplemento de débito alimentar e<br />

também não é admitida para a hipótese de depositário infiel.<br />

b) é admitida pelo inadimplemento de débito de natureza alimentar,<br />

mas vedada para o depositário infiel.<br />

c) é admitida para o depositário infiel, mas vedada pelo inadimplemento<br />

de débito de natureza alimentar.<br />

d) é admitida em caso de inadimplemento de débito alimentar e também<br />

é admitida para a hipótese de depositário infiel.<br />

Gabarito: B<br />

Contudo, para que possa o credor se valer da prisão civil como<br />

instrumento coercitivo, o alimentando deverá se valer de uma ação<br />

autônoma de execução (da prisão civil). Ou seja, o sincrético processo<br />

de cumprimento de sentença não se aplica ao caso de prisão civil,<br />

mas apenas à obrigação pecuniária. A jurisprudência do STJ repele,<br />

inclusive, a possibilidade de conversão do procedimento de cumprimento<br />

de sentença em execução de prisão civil.<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo esta questão?<br />

Informativo STJ n• 500, de 29 de junho de 2012.<br />

TERCEIRA TURMA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. APLICABILIDA­<br />

DE DO ART. 475-J DO CPC. A Turma decidiu ser possível<br />

a cobrança de verbas alimentares pretéritas mediante<br />

cumprimento de sentença (art. 475-J do CPC). Sustentou­<br />

-se que, após a reforma processual promovida pela Lei<br />

n. 11.232/2005, em que se buscou a simplificação do processo<br />

de execução, há de se conferir ao artigo 732 do<br />

CPC - que prevê rito especial para a satisfação de créditos<br />

alimentares - interpretação consoante a urgência<br />

e a importância da execução de alimentos. Assim, tendo<br />

como escopo conferir maior celeridade à entrega na<br />

prestação jurisdicional, devem ser aplicadas às execuções<br />

de alimentos as regras do cumprimento de sentença<br />

estabelecidas no art. 475-J do CPC. REsp 2.177.594-RJ,<br />

Rei. Min. Massami Uyeda, julgado em 21/6/2012.<br />

465


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A execução do título pode ser provisória ou definitiva, tanto para<br />

o caso de obrigação de pagar (cumprimento provisório de sentença),<br />

quanto para a situação jurídica da ação autônoma de execução da<br />

prisão civil.<br />

A execução provisória da prisão civil, antes mesmo do trânsito<br />

em julgado da ação de alimentos, por meio de ação autônoma de<br />

execução, é admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de<br />

justiça. Admite-se a decretação de prisão civil até mesmo em sede<br />

de ação cautelar preparatória, desde que a ação definitiva seja proposta<br />

no prazo legal (cf. Informativo STJ n. 506).<br />

• Como o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo esta questão?<br />

Informativo STJ n. 506, de 27 de outubro de 2012<br />

TERCEIRA TURMA. <strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. PRISÃO DECRETADA COM<br />

BASE EM DECISÃO DE CAUTELAR ENVOLVENDO <strong>DIREITO</strong> DE FA­<br />

MÍLIA. DÚVIDA SOBRE A EFICÁCIA DA EXECUÇÃO DE ALIMEN­<br />

TOS. Não é razoável manter a prisão civil decretada em<br />

execução de decisão liminar proferida em ação cautelar<br />

preparat6ria de separação de corpos c/c guarda de<br />

menor e alimentos provisionais, na hip6tese em que o<br />

tribunal de origem não decidiu se houve perda da eficácia<br />

da cautelar com o não ajuizamento da ação principal<br />

no prazo previsto no art. 806 do CPC. Conforme a Súm.<br />

n. 482/STJ e o art. 8o6 do CPC, a parte tem 30 dias para<br />

propor a ação principal, sob pena de perda da eficácia<br />

da liminar deferida e a extinção do processo cautelar.<br />

A doutrina majoritária afasta a aplicação dessa regra<br />

quando se trata de ações cautelares envolvendo Direito<br />

de Família. Todavia, a Terceira Turma, em outra oportunidade,<br />

ao apreciar a questão entendeu que os arts. 8o6 e<br />

BoB do CPC incidem nos processos cautelares de alimentos<br />

provisionais. Assim, há dúvida acerca da eficácia do<br />

título que embasa a execução de alimentos, devendo o<br />

tribunal de origem determinar se o não ajuizamento da<br />

ação principal no prazo decadencial do art. 8o6 do CPC<br />

acarreta a perda da eficácia da decisão liminar concedida<br />

na cautelar preparatória e, em caso positivo, qual<br />

o período em que a referida decisão produziu efeitos.<br />

466


ALIMENTOS<br />

A definição dessa questão é relevante, pois poderá<br />

acarretar a redução do quantum devido ou, até mesmo,<br />

a extinção da execução.<br />

Dessa forma, não se mostra razoável o constrangimento<br />

à liberdade de ir e vir do paciente (art. 5°, LXVll, da CF),<br />

medida sabidamente excepcional, antes de se definir a<br />

eficácia e liquidez do título que embasa a execução de<br />

alimentos e, assim, a legalidade da decretação da prisão.<br />

Precedente citado: REsp 436.763-SP, DJ 6/12/2007. RHC<br />

33.395-MG, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado<br />

em 4/10/2012.<br />

Registra-se que em relação aos alimentos, a prisão civil consiste<br />

em salutar medida, ao passo que atende ao princípio da dignidade<br />

da pessoa humana e a promoção da tutela do mínimo para a subsistência.<br />

Com efeito, ao ser ordenada a prisão civil do devedor de<br />

alimentos, o dinheiro aparece, gerando os alimentos necessários à<br />

vida humana.<br />

Alcança esta modalidade de prisão o devedor que, citado na<br />

execução de alimentos, deixe escoar o prazo de três dias sem: (i)<br />

pagar; (ii) provar que já havia pago; (iii) arguir motivo relevante para<br />

a ausência do pagamento (CPC, art. 733).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O an. 733 do CPC, passará a ser o an. 528 do novo CPC (NCPC).<br />

Entende-se que a prisão civil haverá de ser utilizada em relação<br />

ao inadimplemento das últimas três parcelas antes da execução, ou<br />

das três parcelas vencidas no curso do processo. O pensamento decorre<br />

da atualidade dos alimentos. As demais parcelas deverão ser<br />

executadas através de uma execução por quantia certa (CPC, art. 732<br />

e Súmula 309 do STJ).<br />

Doutrinariamente, há quem conteste o fato de apenas serem as<br />

últimas três parcelas passíveis de gerar prisão, em função do prazo<br />

prescricional de dois anos do Código Civil para a execução dos<br />

alimentos (art. 206, § 2. 0 ). O entendimento hoje vigente é nefasto ao<br />

credor de alimentos, pois o procedimento de execução por quantia<br />

certa é demasiadamente moroso.<br />

467


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Todavia, para as provas concursais deve o futuro aprovado caminhar<br />

com a súmula do STJ. Ademais, o entendimento doutrinário<br />

que dilata o prazo para dois anos apenas deve ser lançado em fases<br />

mais avançadas do certame, após o estudo do posicionamento da<br />

banca.<br />

Como a prisão civil tem como única finalidade assegurar o pagamento<br />

de alimentos (e não a finalidade de punir), o pagamento do<br />

débito alimentar impõe a imediata soltura do devedor de alimentos,<br />

nos termos do art. 733, §3°, do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 733, §3°, CPC, passará a ser o art. 528, §6 no novo CPC (NCPC).<br />

Visível a necessidade da ação autônoma para tal finalidade e a<br />

impossibilidade de utilização do cumprimento de sentença para este<br />

fim específico.<br />

O art. 19 da Lei de Alimentos fixa em 60 (sessenta) dias o prazo<br />

máximo da prisão civil. Já o art. 733, § 1°, do CPC estabelece o prazo<br />

de 3 meses. Evidentemente, esta contradição legislativa enseja duras<br />

críticas e controvérsias. A tendência, contudo, é afirmar que o<br />

prazo máximo será de 60 (sessenta) dias, interpretando-se sempre<br />

de modo a prestigiar o direito fundamental à liberdade humana.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 733, §1•, CPC, passará a ser o art. 528, §3° no novo CPC (NCPC):<br />

Não se ignora, entretanto, a possibilidade de também se impetrar<br />

habeas corpus perante as Câmaras Cíveis, o que é uma curiosidade,<br />

quando ordens arbitrárias de prisões forem exaradas. Muitos<br />

colegas se valem, ainda, de um habeas corpus preventivo, quando a<br />

ordem de prisão é iminente.<br />

Outra importante consideração acerca da prisão civil gira em torno<br />

do cabimento da mesma para a hipótese de alimentos gravídicos,<br />

previstos na Lei Federal no 1i.804/2oo8. Sobre este assunto em particular,<br />

vale apena a transcrição do Enunciado 522 do CJF: "Cabe prisão<br />

civil do devedor nos casos de não prestação de alimentos gravídicos<br />

468


ALIMENTOS<br />

estabelecidos com base na Lei n° 1I.8o4/2008, inclusive deferidos em<br />

qualquer caso de tutela de urgência".<br />

Destarte, não caberá a aludida prisão civil em alimentos decorrentes<br />

de responsabilidade civil, haja vista objetivarem mera reparação,<br />

não tendo ligação com o direito à vida. Assim é pacífica a jurisprudência<br />

do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser incabível<br />

a prisão civil do devedor de alimentos cujo fato gerador foi um ato<br />

ilícito (HC i82228 / SP. Rei. Min. João Otávio Noronha. Quarta Turma.<br />

Julgado em: 01/03/2011).<br />

Ainda sobre a prisão civil, o Superior Tribunal de Justiça, no Informativo<br />

391, entendeu não ser possível a sua decretação ex officio:<br />

EXECUÇÃO. PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA. PRISÃO <strong>CIVIL</strong> DE OFÍCIO.<br />

Na espécie, constata-se que a alimentanda, ao ajuizarºa ação<br />

de execução de alimentos, expôs os fatos e fundamentos que<br />

dão supedâneo à sua pretensão, sem fazer qualquer referência<br />

ao procedimento a ser adotado. Apenas requereu,<br />

em síntese, a condenação do executado para pagar o valor<br />

integral decorrente da pensão alimentícia do período de dezembro<br />

de 2000 até março de 2005, deduzindo-se os valores<br />

parcialmente pagos, não havendo qualquer pedido no sentido<br />

de que, pelo inadimplemento do débito alimentar pleiteado,<br />

seja utilizado o meio coercitivo da prisão civil. Diante<br />

disso, a Turma concedeu a ordem ao entendimento de que é<br />

certo que a execução de sentença condenatória de prestação<br />

alimentícia, em princípio, rege-se pelo procedimento da execução<br />

por quantia certa, ressaltando-se contudo, que a considerar<br />

o relevo das prestações de natureza alimentar, que<br />

possuem nobres e urgentes desideratos, a lei adjetiva civil<br />

confere ao exequente a possibilidade de requerer a adoção<br />

de mecanismos que propiciam a célere satisfação do débito<br />

alimentar seja pelo meio coercitivo da prisão civil do devedor<br />

seja pelo desconto em folha de pagamentos da importância<br />

devida. Todavia, é inconcebível que a exequente da verba<br />

alimentar, maior interessada na satisfação de seu crédito que<br />

detém efetivamente legitimidade para propor os meios executivos<br />

que entenda conveniente, seja compelida a adotar<br />

procedimento mais gravoso para o executado, do qual não se<br />

utilizou voluntariamente. Vale ressaltar que a prisão civil não<br />

deve ser decretada ex officio, isso porque é o credor quem<br />

sempre estará em melhores condições que o juiz para avaliar<br />

sua eficácia e oportunidade.<br />

469


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Deixa-se, pois, ao exequente a liberdade de pedir ou não a<br />

aplicação desse meio executivo de coação, quando entenda<br />

que lhe vai ser de utilidade, pois pode acontecer que o exequente,<br />

maior interessado na questão, por qualquer motivo,<br />

não julgue oportuna e até considere inconveniente a prisão do<br />

executado. (STJ, HC 128.229-SP, Rei. Min. Massami Uyeda, julgado<br />

em 2314/2009).<br />

Outra importante questão processual a recordar é a coisa julgada<br />

na ação de alimentos, seja por força do que prescreve o art. 15 da<br />

Lei de Alimentos, seja ante o caráter rebus sic stantibus da mesma<br />

(CPC, 471, 1 e CC, 1699).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 471, 1, CPC, passará a ser o art. 505, 1 no novo CPC (NCPC).<br />

Deste modo, em havendo mudança do binômio necessidade x possibilidade,<br />

é possível o ajuizamento posterior da ação revisionai de<br />

alimentos. ou, até mesmo. da ação de exoneração. Aqui, os pedidos e<br />

causa de pedir serão distintos daqueles formadores da coisa julgada<br />

originária e, por conta disto, não representará qualquer tipo de desrespeito<br />

à garantia constitucional da intangibilidade da res iudicata.<br />

Atento a possibilidade de alteração da coisa julgada na seara<br />

dos alimentos, muitos autores afirmam que neste campo há, tão somente,<br />

uma coisa julgada formal, não sendo formada a coisa julgada<br />

material.<br />

470


Capítulo VI<br />

Poder familiar. Guarda.<br />

Tutela e curatela.<br />

Sumário • 1. Nota Explicativa. 2. Poder Familiar. 2. 1.<br />

Disposições Gerais. 2.2. O Exercício do Poder Familiar<br />

e o seu Conteúdo. 2.3. Do Usufruto Legal e<br />

da Administração dos Bens. 2.4. A Suspensão e a<br />

Extinção do Poder Familiar. 3. Guarda. 4. Tutela. 5.<br />

Cu rateia.<br />

1. NOTA EXPLICATIVA<br />

Os institutos assistencialistas (poder familiar, guarda, tutela e<br />

curatela) estão sendo, cada vez mais, explorados e desenvolvidos<br />

na seara do Estatuto da Criança e do Adolescente, fundados no pilar<br />

da proteção integral e melhor interesse do menor.<br />

Nessa senda, na seara do Direito das Famílias os temas em comento<br />

merecem uma análise sistemática, seja com a principiologia<br />

constitucional, seja com os valores norteadores do Estatuto da Criança<br />

e do Adolescente.<br />

Registra-se que o intitulado direito assistencial de família se caracteriza<br />

pelo viés preponderantemente protetivo. Esta proteção,<br />

baseada na solidariedade familiar, manifesta-se pelo exercício da<br />

denominada autoridade parental, mas também é expressão da guarda,<br />

tutela e curatela.<br />

Feito tais esclarecimentos, convidamos o leitor a uma leve visita<br />

a cada um destes institutos do direito assistencial de família, de<br />

forma analítica, clara, sistematizada e concisa, de maneira a rever<br />

os tópicos usualmente cobrados nas provas concursais e exigidos na<br />

atuação profissional.<br />

Vamos lá!<br />

471


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2. DO PODER FAMILIAR<br />

Maria Helena Diniz afirma que o poder familiar é o conjunto de<br />

direitos e deveres exercido pelos pais, em igualdade de condições,<br />

quanto à pessoa e aos bens de seus filhos menores não emancipados,<br />

a fim de que possam desempenhar os encargos que a norma<br />

jurídica lhes impõe, em vista do melhor interessa da infância e juventude.<br />

'<br />

Um dos mais relevantes efeitos da relação jurídica paterno-filial<br />

é o dever-poder imposto aos genitores de criar, educar e orientar<br />

seus filhos menores de dezoito anos, não emancipados. Esta disciplina<br />

jurídica é prevista entre os artigos i.630 e i.838 do CC.<br />

Fala-se em dever-poder porque a norma confere prerrogativas<br />

aos genitores, justamente, para que cumpram com suas obrigações.<br />

Carlos Roberto Gonçalves conceitua o poder familiar como o "conjunto<br />

de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e<br />

aos bens dos filhos menores".'<br />

Sustentam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 3 , que<br />

a melhor maneira de se compreender o instituto da guarda é, primeiramente,<br />

estudando o poder familiar, o qual "consiste em uma<br />

premissa para a devida compreensão da matéria".<br />

Dessa forma, abre-se o direito assistencial voltando-se os olhos<br />

ao poder familiar.<br />

Sintetizando o posto, conceituamos o poder familiar, também intitulado<br />

como autoridade parental, como o conjunto de deveres e<br />

direitos reconhecidos aos genitores em face de seus filhos menores<br />

de 18 (dezoito) anos e não emancipados, visando a administração<br />

patrimonial e existencial destes.<br />

l. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: Direito de Família. 26•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 588.<br />

2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.396.<br />

3. ln Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 591.<br />

472


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Para a doutrina Paulo Lobo\ o termo poder familiar não revela<br />

o real significado do instituto. Isto, porque, a palavra poder não expressa<br />

a verdadeira ligação surgida entre pais e filhos. Ademais, o<br />

termo familiar estaria deslocado do contexto, pois pode levar a acreditar<br />

que os avós e irmãos também estariam investidos da função.<br />

o fato é que hoje o termo é diuturnamente utilizado pelo direito<br />

nacional.<br />

Ainda sobre o tema, relembramos que não mais é corrente a<br />

expressão pátrio poder; hoje em defasada. Tal expressão remetia a<br />

uma preponderância da linha paterna sobre a materna, levando à<br />

época do pater famílias romano. Este pensamento não mais resiste<br />

em uma sociedade igualitária, conforme visto no capítulo dedicado<br />

à principiologia.<br />

Desta forma, o melhor é seguir o futuro aprovado sempre com a<br />

expressão poder familiar ou autoridade parental.<br />

Outrossim, ainda segundo a doutrina, a expressão autoridade parental<br />

tem especial significado, ao refletir a ideia constitucional da<br />

prioridade absoluta e da proteção integral do menor, bem como a<br />

isonomia entre os genitores, nas exatas pegadas dos ensinamentos<br />

do ECA e da Constituição Federal.<br />

2.1. Disposições gerais<br />

Segundo o art. i.630 do CC "Os filhos estão sujeitos ao poder familiar,<br />

enquanto menores". Tal autoridade parental, durante o matrimônio<br />

ou união estável, "compete aos pais", na forma do art. i.631 do<br />

mesmo CC e "na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá<br />

com exclusividade".<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Analista Processual - MPE-RJ - FUBJ - 2011) Sobre o poder familiar, considerou-se<br />

correta a seguinte assertiva: o filho, não reconhecido pelo pai,<br />

fica sob o poder familiar exclusivo da mãe.<br />

4. LÔBO. Paulo Luiz Neno. Do poder familiar. ln direito de Família e o novo código<br />

civil. Belo Horizonte: Dei Rey, Coord. DIAS. Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo de<br />

Cunha, 4• ed., 2005, p. i47.<br />

473


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Justo por isto, o art. 21 do ECA confere a titularidade do poder familiar<br />

aos pais, alinhando-se ao princípio da igualdade previsto nos<br />

arts. 5°, li e 226, §5° da CF.<br />

Maria Helena Diniz recorda que a hipótese-padrão de exercício<br />

do poder familiar é a da família bilateral, a qual é unida pelo matrimônio<br />

ou união estável, encontrando-se ambos os genitores plenamente<br />

capazes para exercer esta autoridade familiar. 5<br />

Ainda nessa corrente de pensamento, Maria Berenice Dias 6 afirma<br />

o poder familiar é exercido, em igualdade de condições, pelo pai<br />

e pela mãe, nos termos da legislação civil (inclusive o ECA, art. 21).<br />

Além da hipótese dita padrão, há aquela denominada de excepcional.<br />

Esta decorre de divórcio, dissolução da união estável, viuvez,<br />

famílias recombinadas, produção independente ... Curioso que tais<br />

casuísticas excepcionais se tornam, cada vez mais, corriqueiras, já<br />

sendo, de certa maneira, padrões.<br />

Carlos Roberto Gonçalves recorda que o aludido poder familiar é<br />

parte integrante do estado civil das pessoas "e por isso não pode ser<br />

alienado, nem renunciado, delegado ou substabelecido' 7 , o que concordamos,<br />

afinal de contas se trata de bem fora do comércio, sendo<br />

verdadeiro "múnus público, pois ao Estado, que fixa normas para o seu<br />

exercício, interessa o seu bom desempenho" ª.<br />

~ Atenção!<br />

O art. 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente, excepcionalmente,<br />

autoriza aos pais adesão expressa ao pedido de colocação em família<br />

substituta, desde que ouvidos mediante termo de declarações pelo Magistrado<br />

e Ministério Público, disto surgindo uma curiosa situação na qual<br />

se renuncia ao poder familiar, sempre no melhor interesse da infância<br />

e juventude.<br />

5. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: Direito de Família. 26•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 589.<br />

6. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Familias,4• Edição. Porto Alegre: Editora<br />

Revista dos Tribunais, 2007, p.380<br />

7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2010, p.397.<br />

8. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.397.<br />

474


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição, acaso exista<br />

divergência quanto ao exercício da autoridade parental, será assegurada<br />

a qualquer dos pais recorrer ao Judiciário, para a solução<br />

do conflito. O magistrado, neste caso, haverá de decidir consoante<br />

o melhor interesse da criança ou do adolescente e a sua proteção<br />

(art. i.630 do CC).<br />

Como a relação jurídica travada no poder familiar é entre os genitores<br />

e o filho menor não emancipado, fica evidente que a extinção<br />

do matrimônio, ou mesmo da união estável, não terá o condão de<br />

extingui-lo (i.632, CC). A única consequência do término da relação<br />

de conjugalidade, ou de convivência, será relacionado à guarda, tópico<br />

adiante estudado.<br />

O Enunciado 337 do CJF caminha neste sentido: "O fato de o pai<br />

ou a mãe constituírem nova união não repercute no direito de terem os<br />

filhos do leito anterior em sua companhia, salvo quando houver comprometimento<br />

da sadia formação e do integral desenvolvimento da personalidade<br />

destes".<br />

Portanto, apenas de forma excepcional (CC, i.588) é que será<br />

possível privar um genitor da guarda de seu filho, ou mesmo privá-lo<br />

do poder familiar. Tais exceções englobam a suspensão ou extinção<br />

do poder familiar, adiante estudadas.<br />

~ Atenção!<br />

Não reconhecido o pai, o filho ficará sob a autoridade exclusiva da mãe.<br />

e se a genitora não for conhecida ou capaz de exercer o poder familiar,<br />

dar-se-á tutor. Portanto, a tutela é o instituto jurídico que se presta ao<br />

preenchimento da falta do poder familiar.<br />

2.2. O Exercício do Poder Familiar e o seu Conteúdo<br />

Maria Helena Diniz é clara ao advertir que "O poder familiar engloba<br />

um complexo de normas concernentes aos direitos e deveres<br />

dos pais relativamente à pessoa e aos bens dos filhos menores não<br />

emancipados''9.<br />

9. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: Direito de Família. 26•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 593.<br />

475


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Carlos Roberto Gonçalves caminha na mesma linha, ao informar<br />

que a autoridade parental é constituída por um conjunto de regras<br />

"que engloba direitos e deveres atribuído aos pais, no tocante à pessoa<br />

e aos bens dos filhos menores" 10 •<br />

Eis, com claridade, o conteúdo do poder familiar.<br />

Voltando os olhos ao direito legislado, verifica-se que o Código<br />

Civil enumera, exemplificativamente, em seu art. i.634, o conteúdo<br />

da autoridade parental. Segundo a norma, compete aos pais quanto<br />

à pessoa dos filhos menores (a) dirigir-lhes a criação e a educação,<br />

(b) tê-los em companhia e guarda, (c) conceder-lhes ou negar-lhes<br />

consentimento para casarem, (d) nomear-lhes tutor por testamento<br />

ou documento autêntico, (e) representar ou assisti-los nos atos da<br />

vida civil, (f) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e, finalmente,<br />

(g) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços<br />

próprios de sua idade e condição.<br />

Inadvertidamente, o legislador ignora os deveres impostos à família<br />

pelo constituinte, particularmente os dos artigos 227 e 229 da<br />

Constituição Federal. Estes também integram o conteúdo da autoridade<br />

parental, à vista da dignidade, eticidade e do melhor interesse do<br />

menor.<br />

Este conteúdo do poder familiar será exercido pelos genitores,<br />

em igualdade de condições, à atenção à isonomia.<br />

À luz do princípio da operabilidade 11 , entendemos que o rol acima<br />

indicado é meramente exemplificativo, afinal de contas a legislação<br />

não seria jamais apta à prever todo o conteúdo da autoridade<br />

parental em um texto taxativo.<br />

Importa advertir que o descumprimento dos deveres impostos<br />

pela norma pode ensejar grave repercussão na esfera jurídica dos<br />

genitores. À título de exemplo, recorde-se a previsão do art. 244 do<br />

CP (crime de abandono) a ensejar, além das consequências penais,<br />

a sanção cível da perda da autoridade parental, maximizando o art.<br />

205 da CF que exorta a educação. Ilustre-se também com o art. 245 do<br />

CP que criminaliza a conduta de entrega de filho a pessoa inidônea.<br />

10. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.4oi.<br />

11. Sobre os princípios do Código Civil, consultar o tomo da Parte Geral.<br />

476


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Importante polêmica que poderia surgir sobre o assunto residiria<br />

no inciso VII do referido art. i.634, segundo o qual os genitores<br />

teriam como prerrogativa exigir que seus filhos lhes prestem<br />

serviços próprios de sua idade e condição. Seria isto inconstitucional?<br />

Na opinião de Paulo Luiz Netto Lôbo 12 a previsão legal em destaque<br />

violaria a dignidade humana e representaria uma exploração da<br />

vulnerabilidade da criança e do adolescente, indo de encontro, portanto,<br />

aos artigos i 0 , Ili e 227, §4° da Constituição Federal. Sustenta<br />

que o aludido preceito se origina de contexto histórico ultrapassado<br />

e não poderia ser tolerado na atualidade.<br />

Outrossim, seguindo a mesma linha de pensamento, Pablo Stolze<br />

Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho' 3 entendem que o preceito objeto<br />

de crítica vai de encontro ao art. 32 da Convenção sobre os Direitos<br />

da Criança, subvertendo a lógica que se esperaria do sistema jurídico.<br />

De seu turno, Carlos Roberto Gonçalves recorda que a CLT protege<br />

o menor quando veda o labor deste fora do lar até os i6 anos<br />

(art. 403), salvo como aprendiz (CF, art. 7°, XXXlll), proibindo, de igual<br />

modo, labor noturno (CLT, art. 404). ' 4<br />

De fato, as referida normas reconhecem como direito da criança<br />

e do adolescente estar protegido contra toda e qualquer exploração<br />

econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa<br />

ser perigoso ou interferir em sua educação, ou ainda que seja nocivo<br />

a sua saúde ou desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou<br />

social.<br />

Entrementes, pensamos que desde que dentro do razoável e<br />

tolerável - a exemplo de, eventualmente, lavar o carro dos pais<br />

ou ajudá-los nas compras - o labor não só será legítimo, como<br />

educativo.<br />

12. ln Do Poder Familiar - Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 1057, 24 maio 2006.<br />

13. ln Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 593.<br />

14. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 406.<br />

477


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2.3. Do Usufruto Legal e da Administração dos Bens<br />

O Código Civil de 2002 reconhece a existência de um direito real<br />

de gozo e fruição tecnicamente denominado de usufruto. Este é aplicado<br />

enquanto os genitores estiverem no exercício da autoridade<br />

parental em relação aos bens da criança ou adolescente, este último<br />

não emancipado.<br />

Reza o art. i.689, inciso 1, que os pais "são usufrutuários dos bens<br />

dos filhos" e que, na forma do inciso li do mesmo preceito "têm a<br />

administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade". Esta é<br />

a regra. Trata-se, como se pode notar, de usufruto legal. Decorre de<br />

lei e não da autonomia da vontade do proprietário do bem.<br />

Neste sentido, recorda Carlos Roberto Gonçalves que os pais são<br />

os administradores legais dos bens de seus filhos, desde que menores<br />

e sob sua autoridade. 15<br />

Evidentemente que, mais uma vez, será imprescindível compreender<br />

que este usufruto imposto pela lei se submete ao princípio do<br />

melhor interesse da infância e juventude. Desta forma, estará diretamente<br />

relacionado ao princípio da proteção integral e da prioridade<br />

absoluta (CF, 227).<br />

~ Atenção!<br />

Apesar do exercício da autoridade parental, o an. i .691 do CC proíbe os<br />

pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, assim como<br />

não poderão contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os<br />

limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente<br />

interesse da prole, mediante prévia autorização judicial.<br />

o desrespeito a esta prática acarreta a nulidade absoluta do ato. A norma<br />

legitima os filhos, os herdeiros e o representante legal do menor à<br />

postular a aludida invalidade.<br />

O Ministério Público. no exercício de sua missão institucional (CF,<br />

127), especificamente autorizado pelo art. 1.692 do CC e 82 do CPC,<br />

sempre deverá intervir no feito, sob pena de nulidade processual<br />

(CPC. 256). Tal se impõe ante à presença de interesse de menor.<br />

15. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 407.<br />

478


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 82 do CPC vigente, o qual trata sobre a intervenção do Ministério<br />

Público, no novo CPC (NCPC) terá correspondência à partir do an. 278. Percebe-se,<br />

pela nova sistemática processual, que o parquet somente deverá<br />

se manifestar, nas causas de família, quando houver interesse de incapaz.<br />

Assim, em temas exclusivamente de divórcio, partilha de bens, separação,<br />

inventário e partilha, alimentos conjugais, entre outros, quando não<br />

haja interesse de incapaz, não deverá o Ministério Público atuar. Evidentemente<br />

que em causas versando sobre autoridade parental ou interesse<br />

direto de incapaz, a manifestação do Ministério Público é obrigatória.<br />

Em suma-síntese: deixa o Ministério Público de preocupar-se com meras<br />

questões registrais, passando a atuar, apenas, na defesa da preservação<br />

dos interesses do hipossuficiente.<br />

Havendo conflito entre os interesses dos pais em relação aos<br />

filhos a hipótese será de nomeação de curador especial. É o que<br />

também afirma o art. 9° do CPC.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 9, do CPC, passará a ser o art. 72 no novo CPC (NCPC).<br />

2.4. A Suspensão e a Extinção do Poder Familiar<br />

Maria Helena Diniz adverte: "Sendo o poder familiar um munus<br />

público, que deve ser exercido no interesse dos filhos menores não<br />

emancipados, o Estado controla-o, prescrevendo normas que arrolam<br />

casos que autorizam o magistrado privar o genitor de seu exercício<br />

temporariamente". 16<br />

Na forma do art. 157 do ECA, o magistrado poderá, liminarmente<br />

ou incidentalmente, decretar a suspensão da autoridade parental.<br />

Esta decisão haverá de ser registrada, à margem do registro de<br />

nascimento da criança ou do adolescente, ex vi do art. 163 do ECA.<br />

Outrossim, lembra Carlos Roberto Gonçalves que a perda ou a<br />

destituição da autoridade parental é uma das hipóteses de extinção<br />

deste múnus, a qual exige decisão transitada em julgado 1 1.<br />

16. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: Direito de Família. 26'<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 6oo.<br />

l]. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família . 7•<br />

Ed ição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 410.<br />

479


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Tais sanções poderão ser pleiteadas por algum parente ou, até<br />

mesmo, pelo Ministério Público.<br />

Em síntese: havendo pleito de algum parente ou do Ministério<br />

Público, é possível que, mediante decisão judicial atenta ao devido<br />

processo legal, se verifique a suspensão ou destituição do<br />

poder familiar.<br />

Decerto, a suspensão até poderá ser imposta liminarmente, enquanto<br />

que a destituição demanda decisão transitada em julgado.<br />

Logo, em ação de destituição é muito usual a suspensão liminar, com<br />

a posterior destituição em decisão definitiva.<br />

Obviamente, tais situações (suspensão, perda ou destituição poder<br />

familiar) sempre haverão de ser estudadas e significadas consoante<br />

o pilar da proteção integral.<br />

> Como se posiciona da jurisprudência sobre o tema?<br />

Assim, buscando proteger o interesse do menor, o Tribunal de Justiça de<br />

Santa Catarina decidiu pela destituição do poder familiar in casu:<br />

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FA·<br />

MILIAR - MANIFESTA AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES PSICOLÔGI·<br />

CAS E EMOCIONAIS DA GENITORA - CONJUNTO PROBATÓRIO<br />

CONCLUSIVO - FAMÍLIA FLAGRANTEMENTE DESESTRUTURA·<br />

DA - PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO INFANTE - APLICAÇÃO<br />

DO ART. 24 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCEN·<br />

TE - PODER FAMILIAR EXTINTO. "Ante a demonstração do<br />

descaso e abandono afetivo e material por parte da<br />

mãe biológica em relação ao filho, em tenra idade, a<br />

destituição do poder familiar é medida que se impõe,<br />

a teor das normas insculpidas nos arts. i.638 do novel<br />

Código Civil e 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente".<br />

(TJ-SC, AC: 381094 se 2006.038109-4, Relator: Sa·<br />

lete Silva Sommariva, Data de Julgamento: 19/12/2006,<br />

Terceira Câmara de Direito Civil).<br />

Mas, quando há suspensão e quando há destituição do poder<br />

familiar?<br />

A suspensão do poder familiar ocorre quando "o pai, ou a mãe<br />

abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou<br />

480


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

arruinando os bens dos filhos, ou o pai ou à mãe forem condenados por<br />

sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos<br />

de prisão" (art. 1.637 do CC).<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora VUNESP, em concurso para Cartório-TJ-SP, ano de<br />

2014, considerou como gabarito a seguinte alternativa: "Se o pai, ou a<br />

mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes<br />

ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente,<br />

ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada<br />

pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder<br />

familiar, quando convenha".<br />

Ainda passeando pelo rol de hipótese de suspensão do poder<br />

familiar, salta aos olhos o disposto na Lei Federal n° 12.318/10 (Lei de<br />

Alienação Parental).<br />

De acordo com o art. 2° da aludida norma, alienação parental é a<br />

interierência na formação psicológica da criança ou do adolescente,<br />

promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos<br />

que tenham a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda,<br />

ou vigilância, para que repudie genitor, ou lhe causa dano ao estabelecimento,<br />

ou manutenção do vínculo afetivo.<br />

• E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora VUNESP, em concurso realizado para<br />

o provimento de cargo de Defensor Público, julgou INCORRETA a seguinte<br />

alternativa: "A lei determina que a alienação parental sancionável é<br />

aquela praticada pelo genitor, avós e ou.tros familiares, não se estendendo·<br />

ao tui:or e outras pessoas que· tenham a cri ança ou adolescente sob<br />

a sua autoridade•.<br />

Uma vez configurada a alienação, uma das penalidades possível<br />

é a suspensão do poder familiar (art. 6° ).<br />

Já a destituição do poder familiar acontecerá quando "o pa i ou<br />

a mãe castigar imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono;<br />

praticar atos contrários à moral e aos bons costumes e incidir, reiteradamente,<br />

nas faltas previstas no artigo antecedente" (art. 1.638 do CC).<br />

Extingue-se, ainda, o poder familiar, caso haja morte dos pais ou do<br />

filho, emancipação voluntária, maioridade e adoção (art. i.635 do CC).<br />

481


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Além disto, o art. 437, parágrafo único, da CLT prevê situação<br />

específica de destituição da autoridade parental: o caso de os pais<br />

permitirem o trabalho dos filhos em locais nocivos à saúde ou em<br />

condições contrárias e atentatórias à moral e aos bons costumes.<br />

Neste cenário, recordam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona<br />

Filho' 8 que a extinção da autoridade parental pode ocorrer<br />

por ato não imputável aos pais (morte, emancipação, maioridade<br />

ou adoção), ou por conduta imputável aos pais (castigo imoderado,<br />

abandono, atos contrários à moral e aos bons costumes, reiteração<br />

de algumas destas práticas).<br />

• Atenção!<br />

A falta ou carência de recursos financeiros não é motivo jurídico que permita<br />

a suspensão ou destituição da autoridade parental (art. 23 do ECA)<br />

Novas núpcias ou união estável também não é capaz de extinguir<br />

o poder familiar. Além disto, o novo cônjuge ou companheiro não<br />

deverá interierir no exercício da aludida autoridade parental (art.<br />

i.636 do CC).<br />

Por fim, na forma da súmula 383 do Superior Tribunal de Justiça, a<br />

competência para processar e julgar as ações conexas de interesse do<br />

menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.<br />

Logo, este será o foro para discussões pertinentes ao poder familiar:<br />

3. GUARDA<br />

A guarda constitui um "meio de colocar o menor em famma substituta",<br />

na lição de Maria Helena Diniz. '9<br />

Já para Carlos Roberto Gonçalves, a guarda constitui um "direito<br />

natural dos genitores" que, por força da Lei Federal n° 1i.698/08, ganhou<br />

importantes contornos. 2 º<br />

18. ln Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 596.<br />

19. OINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: Direito de Família. 26•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 661.<br />

20. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 283.<br />

482


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Para Maria Berenice Dias", a guarda dos filhos é conjunta, apenas<br />

se individualizando quando ocorre a separação de fato ou de direito<br />

dos pais.<br />

Todas estas lições devem ser somadas na busca de um melhor<br />

estudo sobre o tema.<br />

A guarda constitui instituto assistencial do direito de família, a<br />

qual pressupõe processo judicial e, em hipótese alguma, extingue o<br />

poder familiar. Serve regular o estado de fato relativo à posse da<br />

criança ou do adolescente, menor de dezoito anos e não emancipado.<br />

Dialoga com o regulamento da convivência do menor com os<br />

seus genitores ou terceiros.<br />

Em razão do direcionamento desta obra, impende ressaltar que,<br />

por opção de método, iremos tratar aqui apenas da guarda disciplinada<br />

no Código Civil, a qual há de ser entendida como consequência<br />

da autoridade parental. Fazemos esta advertência técnica para deixar<br />

claro que não se encontra em nossa área de interesse acadêmico<br />

discorrer sobre o instituto da guarda enquanto medida de inserção<br />

da criança e do adolescente em família substituta; tema afeto ao ECA.<br />

Evita-se, assim, incursões aos artigos 28 e seguintes do Estatuto<br />

da Criança e do Adolescente, as quais ocasionariam desvios no nosso<br />

foco de estudo.<br />

Voltando os olhos para o Código Civil, observa-se que a guarda<br />

é tratada sob a expressão Proteção à Pessoa dos Filhos (arts. i.583<br />

e ss.). Antes disto, contudo, deve-se lembrar que o ECA prevê (art.<br />

33) que a guarda obriga à prestação de assistência material, moral<br />

e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor<br />

o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais, sendo ali tratada<br />

como uma das medidas de inserção da criança e do adolescente em<br />

família substituta.<br />

Visível, pela letra da lei, que a guarda deve ser concedida a quem<br />

possuir melhor relação de socioafetividade, além de proporcionar as<br />

melhores condições de segurança, saúde e educação para a criança<br />

ou o adolescente. Considera-se não apenas a relação individual, mas<br />

21. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4• edição. Porto Alegre.<br />

Revista dos Tribunais. 2007, p.393<br />

483


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

também a relação com a linhagem familiar (paterna ou materna),<br />

independentemente do sexo (masculino ou feminino).<br />

Em vista de uma leitura sob a lente constitucional, a guarda há de<br />

ser deferida em atenção ao princípio da proteção integral e prioridade<br />

absoluta (art. 227 da CF), segundo o melhor interesse do menor.<br />

Justo por isto, permite o Código Civil, até mesmo, que a guarda<br />

seja deferida a um terceiro, caso os pais não revelem condições.<br />

Nessa toada, caminha o Enunciado io2 do CJF ao afirmar que "A<br />

expressão melhores condições no exercício da guarda, na hipótese do<br />

art. i.584, significa atender ao melhor interesse da criança", no que<br />

concordamos, afinal, a disciplina constitucional do art. 227 impõe que<br />

a construção do direito se faça à luz da proteção integral e prioridade<br />

absoluta da criança e do adolescente.<br />

Compulsando a legislação civilista, infere-se, basicamente, a presença<br />

de duas modalidades legais de guarda: a guarda unilateral e<br />

a guarda compartilhada (CC, art. i.583).<br />

A própria legislação se dá ao trabalho de apresentar, ainda que<br />

por linhas gerais, tais conceitos. Vamos trabalhar com tais espécies.<br />

O § 1° do art. i.583 afirma que a guarda unilateral é aquela atribuída<br />

a um só dos genitores, ou a alguém que os substitua. Assim,<br />

o § 5° do artigo i.584 do Código Civil prevê a possibilidade do juiz<br />

entregar a guarda da criança ou do adolescente à pessoa distinta,<br />

a qual revele compatibilidade com a natureza da medida, devendo,<br />

neste caso, observar os graus de parentesco e as relações de afinidade<br />

e afetividade.<br />

Avança o preceito normativo para também esclarecer que aguarda<br />

compartilhada ou conjunta é a responsabilização conjunta e o<br />

exercício de direitos e deveres do pai e da mãe, concernentes ao<br />

poder familiar dos filhos comuns. Aqui, inexistirá exclusividade. Ambos<br />

exercerão, simultaneamente, a guarda.<br />

Fiquem atentos! Compartilhar não significa o compartilhamento<br />

do menor, mas sim uma responsabilidade conjunta e simultânea<br />

para com a criança ou o adolescente, menor e não emancipado.<br />

Dessa forma, mesmo tendo o menor domicílio com um dos genitores<br />

- com direito de visitas do outro - ambos os genitores devem compartilhar<br />

a responsabilidade parental<br />

484


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Ademais, por opção legislativa, diuturnamente a regra legal é a<br />

guarda compartilhada. Tal modalidade de guarda há de ser, inclusive,<br />

estimulada pelo magistrado (§§ 1° e 3° do art. i.584 do CC). Neste<br />

sentido, afirma o Enunciado 335 do CJF que a guarda compartilhada<br />

deve ser sempre estimulada "utilizando-se, sempre que possível, da<br />

mediação e da orientação da equipe multidisciplinar".<br />

Há, então, uma regra de preferência. Inicialmente deve o magistrado<br />

advertir as parte e estimular a guarda compartilhada. Para,<br />

apenas posteriormente e diante da inviabilidade do compartilhamento,<br />

buscar a medida unilateral. Justo por isto, vaticinam Pablo<br />

Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 22 que "claro está, todavia,<br />

que o deferimento da guarda unilateral só será possível depois de esgotada<br />

a tentativa de implementação da guarda compartilhada".<br />

Todavia, recorda Rolf Madaleno' 3 que não é da índole da guarda<br />

compartilhada a disputa litigiosa, típica dos processos impregnados<br />

de ódio e de ressentimentos pessoais, quando pensam os pais ser<br />

compensados pela decisão judicial. Compartilhamento, à priori, exige<br />

acordo.<br />

Tal premissa, para todos, parece lógica e razoável. Mas não foi<br />

assim que caminhou o legislador nacional. Da leitura do texto codificado<br />

vê-se a possibilidade do magistrado, até mesmo, impor o<br />

compartilhamento, quando não houver consenso entre os genitores<br />

(art. i.584, parágrafo segundo).<br />

Trata-se de artigo polêmico, bastante discutido. Afinal, como impor<br />

a duas pessoas que litigam, o compartilhamento de algo?<br />

Os defensores da tese afirmam que há, ao menos, uma hipótese<br />

de imposição: quando houver um conflito positivo, no qual ambos os<br />

genitores buscando a guarda para si.<br />

22. ln Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 6o2.<br />

23. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 1• ed ição. Rio de Janeiro. Editora<br />

Forense. 2oo8, p. 358.<br />

485


LUCIANO L FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como a jurisprudência vem entendendo a questão?<br />

o Superior Tribunal de Justiça no EDclAgRG n• u21.907/SP entendeu que a<br />

guarda-compartilhada será sempre que possível fixada pelo magistrado<br />

no melhor interesse da criança e do adolescente Hconforme, o caso das<br />

orientações técnico-profissionais de que trata o art. I.584, § 3°, do CC/02",<br />

sendo que esta decisão estará submetida aos regulares meios de impugnação<br />

previstos no CPC.<br />

No REsp n° 1.251.000/MG entendeu O Superior Tribunal de justiça que o<br />

magistrado poderá determinar a guarda compartilhada mesmo contra a<br />

vontade dos genitores, por entender que isto propicia um processo integrativo<br />

da criança que viabiliza a interação dos genitores no processo de<br />

envolvimento com a questão e o melhor interesse da infância e juventude.<br />

Data venia, acreditamos que a exigência legal de optar pela guarda<br />

compartilhada, ainda que não exista acordo entre os pais, é prática<br />

que, no caso concreto, pode ser contraindicada. Sim, porque<br />

se o casal sequer chega a um acordo no que toca ao convívio dos<br />

filhos, certamente que será necessário ao Magistrado, ao membro<br />

do Ministério Público e Advogados, analisarem a conveniência em<br />

se impor, a contra gosto, uma guarda compartilhada, aumentando o<br />

nível de litigiosidade.<br />

A ponderação deve ser considerada para, com razoabilidade e<br />

prudência, avaliar a imposição da guarda compartilhada por sentença.<br />

Talvez isso não se revele, em um caso concreto, o melhor interesse<br />

da criança e do adolescente.<br />

Ainda sobre a guarda compartilhada, seria ela impeditivo para o<br />

pleito de alimentos?<br />

Para Maria Berenice Dias' 4 , a guarda compartilhada não revela<br />

impeditivo na fixação de alimentos. Até mesmo porque, nem sempre<br />

os genitores gozam das mesmas condições econômicas financeiras.<br />

A guarda haverá de ser deferida no Poder Judiciário, em "atenção<br />

às necessidades específicas do filho", como adverte o inciso li,<br />

do art. i.584 do CC, "ou em razão da distribuição do tempo necessário<br />

24. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4• edição. Porto Alegre. Revista<br />

dos Tribunais. 2007, p.394.<br />

486


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

ao convívio deste com o pai e com a mãen. Tendo em vista a necessidade<br />

de decisão judicial. afirma Maria Berenice Dias' 5 que aquilo<br />

que for acordado depende da chancela judicial; o que somente<br />

poderá ocorre após a oitiva do Ministério Público, haja vista o interesse<br />

do incapaz.<br />

O Enunciado 334 do CJF sustenta, entretanto, que "A guarda de fato<br />

pode ser reputada como consolidada diante da estabilidade da convivência<br />

familiar entre a criança ou adolescente e o terceiro guardião,<br />

desde que seja atendido o princípio do melhor interessen. Dessa forma,<br />

deve, sim, o Estado Juiz. considerar a situação tática, na análise do<br />

caso concreto.<br />

o princípio da socioafetividade também é objeto de consideração<br />

na solução dos casos envolvendo o instituto da guarda. Tanto é<br />

assim ·que o Enunciado 336 do CJF admitirá a aplicação do fenômeno<br />

jurídico da guarda também "aos fühos advindos de qualquer forma de<br />

famfüa", disto incluindo a socioafetiva.<br />

Seguindo com as premissas aqui levantadas. a guarda unilateral<br />

constitui exceção à regra. a qual apenas deve ocorrer quando não<br />

for possível a guarda compartilhada. Na guarda unilateral um dos<br />

cônjuges. companheiros, ou representante legal terá o deferimento<br />

do instituto a seu favor. estabelecendo-se, em face do outro genitor,<br />

tão somente o regime de visitas (regulação das visitas).<br />

Consoante a redação do art. i.589 do CC, o genitor que não obtiver<br />

a guarda poderá visitar seus filhos, segundo o que acordar com o<br />

outro, ou de acordo com aquilo que for determinado judicialmente.<br />

~ Dica!<br />

Atualmente, a expressão regulaçao de vlsiros tem sido substituída por<br />

regulaçao do direito de convivência. Entende-se que o genitor jamais poderia<br />

ser alguém que simplesmente visitasse o seu filho. O termo afasta<br />

a relação entre genitor e filho. Diante do novo direito civil, repersonalizado,<br />

funcionalizado, democratizante e digno, nada melhor do que reconhecer<br />

o direito de convivência fraterna no bojo das relações familiares.<br />

25. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4• edição. Porto Alegre.<br />

Revista dos Tribunais. 2007, p.394<br />

487


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Mas há outras hipóteses de guarda, além da unilateral e da compartilhada?<br />

A resposta é positiva. Apesar da omissão legislativa, é possível<br />

ampliar as modalidades da guarda, sob o ponto de vista doutrinário<br />

e jurisprudencial, sempre em busca do melhor interesse. Informa o<br />

Enunciado 518 da V Jornada do CJF que o Código Civil não restringe<br />

a guarda apenas a duas modalidades (unilateral e compartilhada),<br />

sendo possível se admitir a modalidade mais adequada ao melhor<br />

interesse da criança e do adolescente.<br />

Nesta perspediva fala-se na guarda alternada e na guarda por<br />

nidação ou aninhamento.<br />

Na guarda alternada existe um revezamento de períodos exclusivos<br />

de guarda com cada um dos genitores. Assim, a criança ou<br />

o adolescente divide, de forma sequenciada, um período com um<br />

genitor, e outro período com o outro genitor (ex: a primeira parte<br />

da semana com a mãe e a segunda parte da mesma semana com o<br />

pai). Assim sucessivamente.<br />

Enquanto o menor estiver com um genitor, ao outro caberá, tão<br />

somente, o direito de visitas.<br />

Flávio Tartuce 26 sustenta que a guarda alternada também é denominada<br />

de pingue-pongue, ou guarda do mochileiro, porque o filho<br />

sempre deve arrumar sua mochila para ir à outra casa, sendo<br />

isto, para o doutrinador, "altamente inconveniente". Perde o menor a<br />

oportunidade de consolidar relações sociais na vizinhança, além de<br />

ganhar maiores dificuldades de estudo e organização.<br />

Na guarda por nidação ou aninhamento, a criança ou o adolescente<br />

permanecerá no mesmo domicílio, no qual o casal originariamente vivia,<br />

sendo que os genitores revezarão períodos de convívio neste lar:<br />

Tal modalidade trás consigo grande inconveniente prático, ao passo<br />

que os genitores que se tornariam mochileiros. Com efeito, a dinâmica<br />

da vida moderna e a noção de lar dificultam, por demais, este<br />

modelo.<br />

26 ln Manual de Direito Civil, Volume único. Cap. 8. 3•. Ed. Método, 2013. p. 116o.<br />

488


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Ademais, a guarda não gera a perda da autoridade parental, razão<br />

pela qual mesmo o genitor que não possua a guarda da criança<br />

ou do adolescente, continuará legitimado a dar consentimento a este<br />

para casar, viajar, entre outras questões, afinal persistirá com o poder<br />

familiar.<br />

Oestarte, por força do art. i.579 do CC, eventual divórcio não alte·<br />

ra os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.<br />

' Atenção!<br />

Novidade importante surgiu com a Lei Federal n• 12.398/11, responsável<br />

por reconhecer a extensão do direito de visita aos avós, sempre à critério<br />

do juiz e observado o melhor interesse da criança e do adolescente.<br />

Por força da nova legislação, foi acrescido um parágrafo único ao art.<br />

1.589 do cc e alterado o inciso VII, do art. 888 do CPC.<br />

A inovação legal se harmoniza com o que a doutrina já anunciava. À exemplo<br />

disto, veja-se o Enunciado 333 do C)F, segundo o qual "O direito de<br />

visita pode ser estendido aos avós e pessoas com as quais a criança ou o<br />

adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse".<br />

O titular da guarda deverá exerce-la no melhor interesse da criança<br />

ou do adolescente, de modo que se este não emprestar a correta<br />

função (social) a esta, o privando indevidamente, por exemplo, do<br />

convívio com outros parentes, perderá a guarda. Neste sentido caminha<br />

o Enunciado 338 do CJF: "A cláusula de não tratamento conveniente<br />

para a perda da guarda dirige-se a todos os que integrem, de modo<br />

direito ou reflexo, as novas relações familiares".<br />

~ Atenção!<br />

A disciplina jurídica da guarda se estende a todos os demais incapazes<br />

(inclusive os maiores) nos exatos termos do art .. 1.590 do cc.<br />

Ademais, a guarda poderá ser requerida pelos pais, consensualmente,<br />

ou por qualquer um deles em face do outro (hipótese de litígio). nas<br />

ações autônomas de separação, divórcio, dissolução de união estável,<br />

medida cautelar, ou, até mesmo, procedimento ordinário no qual apenas<br />

o tema seja debatido.<br />

4. TUTELA<br />

Assim como feito quando do estudo da guarda, também aqui, no<br />

tópico relacionado à tutela, se faz necessário um recorte temático.<br />

489


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Debruçando-se sobre o ordenamento jurídico nacional, percebe­<br />

-se que o tema ora em estudo é tratado tanto no Código Civil, como<br />

no Estatuto da Criança e do Adolescentes.<br />

Decerto, a teor do art. 28 do ECA, a tutela é forma de inserção<br />

da criança ou do adolescente em família substituta. Já para o CC/02,<br />

a tutela objetiva a representação e administração da criança ou do<br />

adolescente, não emancipado, e seus bens, por força de extinção/<br />

suspensão da autoridade parental.<br />

Tento em vista a proposta deste trabalho - uma sinopse voltada<br />

para o Direito Civil - dedicar-se-á este tópico a análise da tutela<br />

como posta no vigente Código Civil, sendo isto que se passa a fazer.<br />

Assim, serão evitadas digressões desnecessárias para a elucidação<br />

do tema.<br />

Nas lições de Maria Helena Diniz, "a tutela é um instituto de caráter<br />

assistencial, que tem por escopo substituir o poder familiar. Protege<br />

o menor não emancipado e seus bens, se seus pais faleceram, foram<br />

declarados ausentes, suspensos ou destituídos do poder familiar". ' 7<br />

Carlos Roberto Gonçalves afirma que a tutela constitui "o encargo<br />

conferido por lei a uma pessoa capaz, para cuidar da pessoa do menor<br />

e administrar seus bens. Destina-se a suprir a falta do poder familiar e<br />

tem nítido caráter assistencial". 28<br />

Partindo para a análise do direito legislado, reza o artigo i.728<br />

do Código Civil que os filhos menores serão postos em tutela no<br />

caso do falecimento dos seu pais, ou se "os pais decaírem do poder<br />

familiar".<br />

o escopo da tutela, nas palavras de Flávio Tartuce' 9 , é a administração<br />

do patrimônio da criança ou do adolescente, bem como a sua<br />

orientação educacional, sendo entendida esta de forma ampla. Paulo<br />

Luiz Netto Lôbo 30 aduz que o fundamento jurídico institucional está na<br />

solidariedade familiar; a qual é atribuída ao Estado, à sociedade e aos<br />

parentes, responsáveis por direcionar a criação e proteger os menores.<br />

27. OINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. s: Direito de Família. 26'<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 665.<br />

28. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2010, p. 623.<br />

29 ln Manual de Direito Civil. Volume único. Cap. 8. 3•. Ed. Método, 2013. p. 1.248.<br />

30. ln Famílias. 2• Edição, Ed. Saraiva. São Paulo. 2009, p. 388.<br />

490


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Infere-se, portanto, ser a tutela um mecanismo de supressão do<br />

poder familiar.<br />

É um instituto de direito assistencial de família, o qual existe para<br />

preenchimento um espaço vazio: a falta da autoridade parental (poder<br />

familiar). Justifica-se a sua existência no melhor interesse da<br />

criança e do adolescente, menor de i8 anos e não emancipado, que.<br />

sem os pais, carecem de ajuda.<br />

Nessa toada, lecionam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald 31 que<br />

"a tutela é uma medida assistencial, tendente a substituir a autoridade<br />

parental, com o escopo de proteger a criança ou adolescente, obstando<br />

que a ausência de uma pessoa para exercer o poder familiar possa<br />

prejudica-la".<br />

A tutela possui dois sujeitos: o tutor e o tutelado. Tutor é a pessoa<br />

física que irá exercer o encargo em benefício de uma criança ou<br />

de um adolescente, administrando o patrimônio do menor e orientando<br />

a sua formação pessoal. Tutelado é a pessoa incapaz sobre<br />

quem se exerce a tutela.<br />

A doutrina classifica a tutela, a exemplo de Flávio Tartuce 3 ' , em<br />

três categorias: testamentária, legítima e dativa. Trata-se de uma ordem<br />

preferencial e subsidiária.<br />

Ocorre a testamentária quando indicado o tutor pelos pais,<br />

através de declaração de última vontade, a exemplo de testamento<br />

ou outro documento autêntico, a exemplo do codicilo (art. i.729<br />

do CC). Por óbvio, é "nula a nomeação de tutor pelo pai ou pela<br />

mãe que, ao tempo de sua morte, não tinha o poder familiar" (art.<br />

i.730, CC).<br />

~ E na hora da prova?<br />

Sobre o assunto, a banca examinadora CESPE, em concurso realizado<br />

para o provimento de cargo de Promotor de Justiça do MPE-AC, ano de<br />

2014, julgou INCORRETA a seguinte assertiva: "A tutela testamentária é válida<br />

ainda que o nomeante, no momento de sua morte, não tenha pleno<br />

exercício do poder familiar".<br />

31. FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direto Civil, v. 6: Direito<br />

de Família. 5• Edição. Salvador: Editora juspodvim, 2013, p. 978.<br />

32 ln Manual de Direito Civil, Volume único. Cap. 8. 3•. Ed. Método, 2013. p. 1249.<br />

497


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ainda sobre o tema, uma interessante casuística foi proposta pela banca<br />

VUNESP, observe:<br />

• E na hora da prova?<br />

(Vunesp - Defensor Público - MS/2014) Júlia, aos 16 (dezesseis) anos,<br />

mora com sua mãe Maria, que é viciada em substância tóxica. Negligenciando<br />

suas obrigações familiares, Maria perdeu, por decisão judicial,<br />

o poder familiar sobre sua filha Júlia, nomeando-se tutor para assistir<br />

Júlia em seus atos da vida civil. Maria foi internada para tratamento de<br />

saúde, com o objetivo de se recuperar do vício. Durante a internação,<br />

em razão de seu grave estado de saúde, Maria nomeou tutor, por testamento<br />

público, para assistir sua filha Júlia caso não recuperasse sua boa<br />

saúde e o poder familiar. Maria faleceu alguns meses após sua internação<br />

e, logo em seguida, Júlia casou-se com seu namorado. Diante deste<br />

cenário tático, assinale a alternativa correta.<br />

a) É nula a disposição testamentária realizada por Maria para nomear<br />

tutor para Júlia e a tutela vigente cessou com o casamento da menor.<br />

b) o casamento de Júlia não interfere na tutela, devendo ser assistida<br />

nos atos de sua vida civil até que complete 18 (dezoito) anos de idade.<br />

c) Em que pese a perda do poder familiar por Maria, a eficácia do<br />

casamento de Júlia depende da autorização de sua mãe e do tutor em<br />

exercício.<br />

d) Com o falecimento de Maria, necessária a substituição do tutor por<br />

aquele indicado no testamento público confeccionado, devendo Júlia ser<br />

assistida nos atos de sua vida civil até que complete 18 (dezoito) anos<br />

de idade.<br />

Gabarito: A<br />

Já a legítima se verifica quando o tutor é indicado diretamente<br />

pelo texto legal, sem manifestação de vontade dos genitores e segundo<br />

a proximidade de parentesco (art. i.731 do CC). Em vista da<br />

aludida preferência, apenas será lançada mão do tutor legítimo na<br />

ausência de tutor indicado por testamento.<br />

Por fim, dativo é o tutor nomeado pelo Juiz de Direito, na falta de nomeação<br />

testamentária e impossibilidade de indicação legítima. Na modalidade<br />

dativa, o Juiz de Direito irá indicar alguém de sua confiança.<br />

33. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4• edição. Porto Alegre.<br />

Revista dos Tribunais. 2007, p.537.<br />

492


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

~ Atenção!<br />

Com a categoria corriqueira, Maria Berenice Dias33 afirma que qualquer<br />

um dos pais pode instituir a tutela por meio de testamento. Contudo,<br />

como é vedado o testamento conjuntivo (CC 1.863), cada um dos pais<br />

indicará o tutor em instrumentos distintos.<br />

Ainda sobre a classificação, há quem faça a inserção da tutela irregular<br />

ou à brasileira. o termo costuma ser utilizado para as situações nas<br />

quais alguém exerce, de fato, a tutela, sem, contudo, existir qualquer<br />

processo ou ato judicial o constituindo tutor.<br />

Por força da lei, o tutor será sempre designado nos autos de um processo<br />

judicial, no qual o Ministério Público deve atuar, porque há incapaz.<br />

Além disto, o tutor designado deverá comparecer em juízo, para assinar<br />

o termo de compromisso.<br />

Logo, tutela sem ato judicial, invariavelmente, será irregular, para não<br />

dizer ilegal. Claro, que, se já houver tal situação consolidada, haverá o<br />

Poder Judiciário de considera-la quando do deferimento da tutela, em<br />

atenção à socioafetividade.<br />

Pois bem.<br />

Tendo em vista que a tutela testamentária é de escolha dos pais.<br />

passa-se a verificar quem será o tutor legítimo.<br />

Seguindo a lógica legislativa, a tutela incumbe aos parentes do<br />

menor. O Código Civil, então, veicula uma ordem preferencial e subsidiária.<br />

Inicia-se pelos as ce ndentes. preferindo os mais próximos<br />

aos mais remotos. Na falta destes. será a tutela deferida aos colaterais<br />

até o terceiro gra u, mais uma vez preferindo os mais próximos<br />

aos mais remotos.<br />

Na falta, impossibilidade ou incompatibilidade dos parentes supracitados.<br />

caberá ao Juiz a escolha do tutor (art. i.744, 1, CC). quem<br />

"nomeará turor idôneo e residente no domicr1io do menor" (art. i.732,<br />

CC). É a já chamada tutela dniva.<br />

Como a jurisprudência vem entendendo a questão?<br />

O Superior Tribunal de Justiça, no REsp n° 710.204/Al, entendeu que a<br />

ordem de nomeação do tutor, prevista no Código Civil, pode ser flexibilizada,<br />

sempre no melhor interesse da criança e do adolescente.<br />

493


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Atenção!<br />

Aos irmãos 6rfãos há de se dar um s6 tutor, a fim de permitir a manutenção<br />

do que ainda restou dos laços familiares originários. A isso se<br />

denomina unidade da tutela.<br />

No que diz respeito aos menores abandonados, originariamente o art.<br />

i.734 do CC afirmava que deveriam ser #recolhidos a estabelecimento público,<br />

para este fim destinado". Nada obstante, na falta desse estabelecimento,<br />

ficariam estes menores sob a tutela das pessoas que, voluntária<br />

e gratuitamente, se encarregarem da sua criação.<br />

Contudo, a partir da Lei Federal n° 12.010/09, os menores em situações<br />

como estas serão incluídos nos programas de colocação familiar, aludido<br />

pela Lei 8.o69/90 (ECA). Por outro lado, a expressão menor abandonado<br />

não mais se apresenta adequada ou conveniente, sendo afastada ante<br />

ao seu cunho discriminatório.<br />

Surge, então, uma dúvida. Quando da nomeação do tutor - seja<br />

pelos pais ou pelo juiz - qualquer pessoa poderá ser escolhida? Ou<br />

há restrições?<br />

De fato, existem pessoas que são impedidas de exercer a tutela.<br />

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 3 ' advertem que<br />

não é qualquer um que poderá ser tutor, afinal de contas "trota­<br />

-se de um múnus público de grande responsabilidade, em que não é<br />

simplesmente a capacidade civil que autoriza o seu exercício, sendo<br />

necessária uma legitimidade específica (capacidade especial)".<br />

Acrescenta Rolf Madaleno 35 que "o tutor exerce um múnus público<br />

delegado pelo Estado ao transferir a uma terceiro pessoa o encargo de<br />

zelar pela criação, educação e pelos bens do menor posto sob tutela".<br />

Logo, a escolha do tutor há de ser cuidadosa, criteriosa.<br />

Atento a esta situação, o legislador civilista veicula um rol de<br />

pessoas impedidas, por lei, de exercitar a tutela. Os aludidos impedimentos<br />

decorrem de fatores diversos, a exemplo de não possuir a<br />

livre administração dos próprios bens; possuir obrigação para com<br />

34. ln Novo curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 716.<br />

35. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. i• edição. Rio de Janeiro. Editora<br />

Forense. 2oo8, p. 824.<br />

494


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

o menor, demanda em face deste, inimizade, conflito de interesses;<br />

ou, ainda, porque foram condenados por crime, qualificando-se<br />

como pessoas de mau procedimento ou com falhas em probidade,<br />

culpadas de abuso em tutorias anteriores ou, em arremate, porque<br />

exercerem função pública incompatível com a boa administração da<br />

tutela (art. i.735 do CC).<br />

Tais impedimentos envolvem temas de ordem pública, os quais<br />

haverão de ser reconhecidos pelo Magistrado, ainda que inexista<br />

provocação das partes ou do Ministério Público. Repisa-se: o interesse<br />

em jogo é de um menor; uma questão pública.<br />

Fiquem atentos, porém, porque ao lado dos impedidos de exercer<br />

a tutela, existem aqueles que podem se escusar do múnus, postulando<br />

dispensa do dever da tutela. A escusa não se confunde com<br />

o impedimento. Enquanto este deve ser indicado pelo Juiz, até mesmo<br />

ex oficio, aquela exige postulação do interessado.<br />

Podem se escusar da tutela as mulheres casadas, os maiores<br />

de sessenta anos, aqueles que tiverem sob autoridade _mais de<br />

três filhos, os impossibilitados por enfermidade, os que habitam<br />

longe do lugar onde se haja de exercer a tutela, aqueles que já<br />

exercerem tutela ou curatela e os militares em serviço (art. i.736<br />

do CC)<br />

Para Maria Berenice Dias 36 , esse elenco revela a preocupação do<br />

legislador em preservar a convivência dos tutores com seus pupilos,<br />

tanto que quer que sejam pessoas sadias, jovens, que não tenham<br />

muitos filhos e se mantenham por perto.<br />

Como já dito no capítulo reservado aos princípios do direito das<br />

famílias, há severa crítica a escusa da mulher casada, por ferir a<br />

isonomia. Afinal, porque a mulher casada poderia se escusar e o<br />

homem casado? Porque apenas quem está em casamento poderia<br />

se escusar e quem está em união estável não?<br />

Remete a norma ao ultrapassado período no qual apenas a mulher<br />

se dedicava aos afazeres doméstico, merecendo reforma. Neste<br />

sentido, caminha com acerto o Enunciado i36 do CJF, ao advertir que<br />

36. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4• edição. Porto Alegre.<br />

Revista dos Tribunais. 2007, p.538.<br />

495


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

não há qualquer justificativa para autorizar às mulheres casadas a<br />

se escusar da tutela, aspecto que vai de encontro ao princípio da<br />

igualdade, seja entre homem e mulher, seja entre casamento e união<br />

estável.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(ANALISTA JUDICIÁRIO - TRE/CE - FCC - 2012) João e Vicentina faleceram deixando<br />

um filho, Bruno, de dez anos de idade. Eva, avó materna de Bruno,<br />

possui 65 anos de idade; Clodoaldo, avô materno de Bruno, possui<br />

71 anos de idade; José, irmão de João, possui 30 anos de idade e quatro<br />

filhos dependentes, e Murilo, irmão de Vicentina, possui quarenta anos<br />

de idade e dois filhos dependentes. Neste caso, considerando que todos<br />

gozam de boa saúde, bem como que todos residem no mesmo bairro,<br />

na mesma cidade, e que nunca exerceram tutela ou curatela, de acordo<br />

com o Código Civil brasileiro, podem escusar-se da tutela APENAS:<br />

a) Clodoaldo.<br />

b) Eva e Clodoaldo.<br />

c) José e Murilo.<br />

d) José.<br />

e) Eva, Clodoaldo e José.<br />

Gabarito: letra f .<br />

A escusa tem forma e prazo para argu1çao . Deve ser oposta<br />

pela parte a quem aproveite, mediante petição, nos dez dias subsequentes<br />

à designação da tutela, sob pena de se entender renunciado<br />

ao direito de alegá-la. Este prazo poderá ser contado, ainda,<br />

a partir do fato superveniente, a exemplo de um casamento no<br />

curso da tutela.<br />

• E na hora da prova?<br />

(ANALISTA MINISTERIAL - <strong>DIREITO</strong> - MPE/AP - FCC - 2012) Marta e Gabriel,<br />

casados e pais de Vicente, faleceram em um acidente aéreo. Gabriel,<br />

em testamento, nomeou seu amigo de infância, o gerente bancário e<br />

proprietário de diversos imóveis, Fabian, como tutor de Vicente mesmo<br />

possuindo dois irmãos e uma tia, pessoas idôneas e em situação financeira<br />

favorável. Neste caso, considerando que Marta era órfã e filha<br />

única, em regra. Fabian:<br />

Gabarito: d) poderá recusar a tutela, mas deverá apresentar a escusa nos<br />

dez dias subsequentes à designação.<br />

496


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Obviamente, o pleito de escusa poderá ser deferido, ou indeferido<br />

pelo Magistrado. Caso o Juiz não admita a escusa, o prejudicado<br />

poderá manejar recurso. Neste caso, exercerá o nomeado<br />

a tutela enquanto o seu recurso não for provido, respondendo,<br />

desde logo, pelas perdas e danos que o menor venha a experimentar.<br />

Que fique claro: o recurso interposto contra decisão que indefere<br />

a escusa não possui efeito suspensivo.<br />

Pois bem! Um vez nomeado o tutor, este deverá ser intimado<br />

pelo Magistrado para prestar compromisso, no prazo de cinco dias<br />

(art. i.187 do CPC). Trata-se de norma com importância salutar, afinal<br />

o tutor irá gerenciar patrimônio alheio, respondendo civilmente por<br />

eventuais danos.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 1.187, CPC, passará a ser o art. 759 no novo CPC (NCPC).<br />

Uma vez compromissado, de acordo com o art. i.745 do CC, os<br />

bens do tutelado deverão ser entregue ao tutor, após inventariados,<br />

por termo nos autos. Verificando o Juiz que se tratar de largo patrimônio,<br />

poderá exigir caução.<br />

Veja-se que não há imposição de caução, mas sim faculdade de<br />

análise do magistrado. o legislador vai além, ao afirmar a possibilidade<br />

de dispensa da referida garantia, de modo fundamentado,<br />

caso o tutor seja pessoa idônea.<br />

r E na hora da prova?<br />

(Cespe - Promotor de Justiça - MPE-AC/2014) Assinale a opção correta a<br />

respeito da tutela.<br />

A) Aquele que, não sendo parente do menor, seja nomeado, por sentença,<br />

tutor, é obrigado a aceitar a tutela, sob pena de crime de desobediência,<br />

ainda que haja parentes idôneos, consanguíneos ou afins, em<br />

condições de exercê-la.<br />

B) Os tutores são obrigados a prestar contas de sua administração,<br />

podendo ser dispensados desse dever pelos pais do tutelado, em testamento,<br />

ou pelo juiz, por decisão judicial.<br />

497


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

C) O tutor poderá delegar a outra pessoa, física ou jurídica, o exercício<br />

total da tutela.<br />

D) Se o patrimônio do menor for de valor considerável, poderá o juiz<br />

condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante ou<br />

dispensá-la se for o tutor de reconhecida idoneidade.<br />

E) A tutela testamentária é válida ainda que o nomeante, no momento<br />

de sua morte, não tenha pleno exercício do poder familiar.<br />

Gabarito: D<br />

Percebe-se, aqui, importante alteração legislativa no Código Civil<br />

de 2002, em comparação com o anterior de 1916. Explica-se. O artigo<br />

827, IV do CC/16 - bem como os artigos 1.188 usque u91 do CPC,<br />

assim como 37 e 38 do ECA - impunham hipoteca legal contra os tutores,<br />

para o fim de garantir o patrimônio do tutelado.<br />

~ Atenção!<br />

No NCPC não hã artigo correspondente ao atual an. 1.191, CPC.<br />

Contudo, o CC/02 alterou esta disciplina, não mais exigindo, automaticamente,<br />

a referida hipoteca. No mesmo sentido caminha a<br />

Nova Lei de Adoção (Lei Federal n° 12.010/09). Por conseguinte, hoje<br />

fica à cargo do Magistrado analisar a (des)necessidade de hipoteca,<br />

cotejando o vulto patrimonial a ser administrado e a (in)idoneidade<br />

do tutor.<br />

E como proceder com as hipotecas legais firmadas pelas tutores,<br />

antes da vigência do atual Código Civil, e cujas tutelas adentraram o<br />

novel diploma? Exemplifica-se com uma tutela iniciada em 2001, com<br />

hipoteca legal, e que permanecia em 2003?<br />

A resposta a esta indagação encontra guarida no art. 2.040 do CC,<br />

o qual prescreve que "a hipoteca legal dos bens do tutor ou curador,<br />

inscrita em conformidade com o inciso IV do art. 827 do Código Civil<br />

anterior, Lei 3071, de lº de janeiro de 1916, poderá ser cancelada, obedecido<br />

o disposto no parágrafo único do art. i.745 desde Código".<br />

Agora que já vimos o que é a tutela e quem é o tutor, é momento<br />

de estudarmos quais são as sua atribuições, também chamadas de<br />

funções ou competências.<br />

498


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

De acordo com o artigo i.740 do Código Civil, compete ao tutor<br />

dirigir a educação do tutelado, defendê-lo, prestar alimentos, adimplir<br />

os deveres dos pais, dentre outras hipóteses, sempre se colhendo<br />

a opinião do menor, especialmente se este já contar doze anos<br />

de idade, administrando os bens do tutelado com zelo e boa-fé.<br />

A isto denominaremos do objeto da tutela, ou do seu conteúdo.<br />

Sustentam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 37 que o<br />

exercício da tutela envolve a administração do patrimônio do menor<br />

e, além disto, a representação do mesmo, "suprindo, ainda que parcialmente,<br />

a ausência das figuras parentais".<br />

Carlos Roberto Gonçalves conclui que o "tutor obriga-se também<br />

à prestação de assistência material e moral ao menor, podendo opor­<br />

-se a terceiros, inclusive aos pais, quando suspenso ou extinto o poder<br />

familiar (ECA, art. 33). 38<br />

Na análise do objeto da tutela é curioso perceber que o legislador<br />

indicou atos em relação aos quais: a) o tutor poderá praticar de<br />

forma independente; b) o tutor dependerá de autorização judicial,<br />

seja prévia ou posterior e c) o tutor não poderá praticar.<br />

Vejamos!<br />

As competências elencadas no artigo i.740 e i.747 serão exercidas<br />

livremente pelo tutor, sem a necessidade de autorização do<br />

juiz. Assim. poderá o tutor. com plena liberdade, dirigir a educação<br />

do menor, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres<br />

e condição; reclamar do juiz que providencie, como houver<br />

por bem, quando o menor haja mister correção; adimplir os demais<br />

deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor,<br />

se este já contar doze anos de idade; representar o menor,<br />

até os dezesseis anos. nos atos da vida civil. e assisti-lo, após essa<br />

idade, nos atos em que for parte; receber as rendas e pensões do<br />

menor, e as quantias a ele devidas; fazer-lhe as despesas de subsistência<br />

e educação, bem como as de administração, conservação e<br />

37. ln Novo Cur3o de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 720.<br />

38. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 6: Direito de Família. 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 643.<br />

499


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

melhoramentos de seus bens; alienar os bens do menor destinados<br />

a venda e promover-lhe, mediante preço conveniente, o arrendamento<br />

de bens de raiz.<br />

Já as competências previstas no artigo i.748 do cc. apenas poderá<br />

as praticar o tutor com autorização judicial. A grande novidade<br />

é que tal autorização, não necessariamente, será pretérita ao ato,<br />

admitindo-se autorização posterior.<br />

Quando posterior a autorização, até ela o ato praticado pelo<br />

tutor será válido, porém, ineficaz. Assim, apenas poderá o tutor,<br />

mediante autorização judicial, pagar as dívidas do menor; aceitar<br />

por ele heranças, legados ou doações, ainda que com encargos;<br />

transigir; vender-lhe os bens móveis, cuja conservação não convier,<br />

e os imóveis nos casos em que for permitido; propor em<br />

juízo as ações, ou nelas assistir o menor. e promover todas as<br />

diligências a bem deste. assim como defendê-lo nos pleitos contra<br />

ele movidos.<br />

De igual maneira, estabelece o artigo 1.749 do Código Civil hipóteses<br />

em que o tutor não está autorizado a agir, sob pena de nulidade<br />

absoluta. São elas: adquirir por si, ou por interposta pessoa,<br />

mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes<br />

ao menor; dispor dos bens do menor a título gratuito e constituir-se<br />

cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.<br />

• Na hora da prova:<br />

Sobre o tema, a banca examinadora IBCF, em prova realizada no ano de<br />

2014 para Cartório do TJ-PR, considerou verdadeira a seguinte alternativa:<br />

"É nula a aquisição, pelo tutor, dos bens confiados à sua guarda e<br />

administração".<br />

Em se tratando de situações que envolvem nulidade absoluta, o<br />

melhor interesse (CF/88) e o art. 169 do CC autorizam concluir ser a<br />

mesma passível de reconhecimento em qualquer instante, podendo<br />

ser alegada por qualquer pessoa, não se submetendo a prescrição,<br />

ou decadência.<br />

500


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

~ Na hora da prova:<br />

Sobre o tema, a banca examinadora IESES, em concurso para Cartório o<br />

TJ-PB, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: #Entre tutelados<br />

ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou<br />

curatela".<br />

~ Atenção!<br />

Quanto aos imóveis, de acordo com o art. i.750 do CC, os mesmos apenas<br />

poderão ser vendidos quando o magistrado autorizar (alvará ou<br />

mandado judicial), após prévia avaliação judicial que reconheça existir<br />

manifesta vantagem na realização do negócio jurídico, sob pena de nulidade<br />

absoluta (CC, 166, VII).<br />

De mais a mais, não é dado ao tutor a onipresença e nem ser<br />

conhecedor de todos os temas e tudo saber. Logo, se forem necessários<br />

conhecimentos técnicos específicos para a gestão do patrimônio<br />

do menor, ou a gestão de patrimônio em lugares distantes,<br />

é possível, mediante aprovação judicial, a delegação de parte dos<br />

poderes da tutela, seja à pessoa física ou jurídica, configurando-se<br />

um exercício parcial da tutela (art. i.743 do CC).<br />

Em se tratando de gestão de patrimônio alheiro, o Código Civil<br />

demonstra séria imputação de responsabilização sobre situações<br />

envolvendo a tutela.<br />

Vamos a elas!<br />

A responsabilidade civil do tutor, perante o tutelado, durante<br />

o exercício do encargo, é subjetiva (art. i.752 do CC), respondendo<br />

pelos danos causados por sua conduta culposa ou dolosa. Já a responsabilidade<br />

civil do tutor, perante terceiros, por danos causados<br />

pelo tutelado, é indireta e objetiva (arts. 932 e 933 do CC).<br />

No caso da responsabilidade civil indireta, poderá o tutor manejar<br />

ação regressiva, em face do tutelado, desde que não seja<br />

ascendente deste (art. 934 do CC). Tal ação regressiva será guiada<br />

pela responsabilidade subjetiva, apenas respondendo o tutelado,<br />

perante o tutor, se houver culpa.<br />

501


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Na hora da prova:<br />

A banca examinadora CESPE, em prova de concurso para o Cartório do<br />

TJ-DF, considerou INCORRETA a seguinte alternativa: "Tem responsabilidade<br />

subjetiva perante terceiros o tutor em relação ao ato ilícito praticado<br />

pelo tutelado que estiver sob sua autoridade e em sua companhia,<br />

fazendo-se necessária a comprovação de culpa in vigilando, ou negligência,<br />

por encerrar a tutela munus público".<br />

Ademais, imputa o legislador civilista, ainda, responsabilidade<br />

civil ao Juiz; afinal, ele deverá inspecionar o tutor no exercício do<br />

seu múnus (art. 1.7 41 do CC). À propósito, o art. 1.7 44 afirma que o<br />

Juiz terá responsabilidade civil direta e pessoal quando não houver<br />

nomeado o tutor ou o fizer à destempo (inciso 1), assim como terá<br />

responsabilidade subsidiária quando não exigir garantia legal do tutor,<br />

acaso necessária, e nem o remover em situações de suspeição<br />

deste.<br />

Atento ao fato de que o Magistrado tem afazeres diversos, o<br />

artigo i.742 do CC lhe autoriza a "nomear um protutor"; ou seja:<br />

alguém que atue na condição fiscalizadora. Destarte, protutor é<br />

a pessoa física designada pelo magistrado para exercer, por delegação<br />

do juízo, o dever de fiscalizar os atos de gestão do tutor.<br />

Poderá o protutor, inclusive, fiscalizar mais de um tutor e terá responsabilidade<br />

solidária pelos danos ocasionados ao tutelado (art.<br />

i.752 do CC).<br />

Para que não haja mistura de interesses no curso da tutela, o<br />

tutor haverá de declarar, antes de assumir o encargo, tudo aquilo<br />

que o menor lhe devia, sob pena de não lhe poder cobrar durante<br />

a tutoria, salvo prova de desconhecimento do débito quando da assunção<br />

do encargo (art. i.751 do CC). Lembra-se, como visto no nosso<br />

tomo da Parte Geral, que durante a tutoria o prazo prescricional<br />

restará impedido ou suspenso, não havendo perda da pretensão de<br />

cobrança (art. 197, Ili do CC).<br />

Vamos em frente! Diante de tantas restrições, responsabilidade<br />

e funções, algumas perguntas surgem na cabeça do operador do<br />

direito. O tutor haverá de arcar com o sustento do menor, como sua<br />

alimentação, vestuário, habitação, educação ... ? Todo este encargo,<br />

decorrente da tutela, é exercitado gratuitamente?<br />

502


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

Em tendo o menor patrimônio, será através do rendimento deste<br />

que arcará o tutor com os custos de manutenção do tutelado (art.<br />

i.746 do CC). Se não o tiver, poderá o tutor manejar ação de alimentos,<br />

segundo o estudado no capítulo dedicado ao tema (alimentos).<br />

Além disto, os gastos realizados pelo tutor no exercício do encargo<br />

haverão de ser reembolsados (art. i.752 do CC).<br />

Outrossim, tanto o tutor, como o protutor, merecem remuneração<br />

pelo exercício da função. Tal será arbitrada de forma proporcional à<br />

importância dos bens geridos; afinal: quanto maior o patrimônio a ser<br />

administrado, maior o trabalho e o nível de responsabilidade. Obviamente,<br />

os encargos do tutor são mais largos do que os do protutor.<br />

Justo por isto, aquele receberá remuneração maior do que este.<br />

Como consequência da gestão de bens alheios, o tutor haverá de<br />

prestar contas. "No fim de cada ano de administração, os tutores submeterão<br />

ao juiz o balanço respectivo, que, depois de aprovado, se anexará<br />

aos autos do inventário", a teor do art. i.756 do Código Civil. Trata-se<br />

de ato obrigatório, o qual não poderá ser dispensado nem mesmo<br />

pelos pais do tutelado, a teor da vedação contida no art. i.755 do CC.<br />

A sempre atenta Maria Berenice Diasi 9 já relatava sobre tal dever<br />

do tutor "o tutor administra bens alheios, tem o dever de prestar<br />

contas de sua administração, mesmo que os pois do menor, quando<br />

da sua indicação, o tenham dispensado do encargo (1.755 CC). A cada<br />

ano, deve o tutor submeter à apreciação do juiz um balanço (l.756<br />

CC)" .<br />

Acaso haja alguma falha e a necessidade de cobrança de valores<br />

pelo tutelado em face do tutor, o prazo prescricional, para tanto,<br />

será de quatro anos, contados da aprovação das contas (art. 206,<br />

parágrafo quarto do Código Civil). Se o tutelado for absolutamente<br />

incapaz, o aludido prazo apenas irá se iniciar da sua incapacidade<br />

relativa (art. 198, 1 e 195 do CC).<br />

39. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4• edição. Porto Alegre. Revista<br />

dos Tribunais. 2007, p.541<br />

503


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

> Como este tema foi cobrado em concurso público?<br />

(PROMOTOR DE JUSTIÇA - MPE/AP - FCC- 2012) João e Maria, casados,<br />

quando transitavam por uma estrada no Estado do Amapá com seu<br />

veículo, sofreram um acidente de trânsito no mês de maio de 2011 e<br />

colidiram frontalmente com uma carreta, falecendo no local do acidente.<br />

O casal João e Maria deixou uma filha, Priscila, que contava com 17<br />

anos de idade, completados naquele mesmo mês de maio, e não era<br />

emancipada.<br />

O juiz Henrique, na ausência de nomeação de tutor pelos pais falecidos,<br />

nomeou o avô materno Pedro como tutor da menor Priscila. Cessada<br />

a tutela com a maioridade de Priscila no mês de maio deste ano<br />

de 2012, Pedro cumpriu com suas obrigações e prestou contas em juízo<br />

sobre o período em que exerceu a tutela. Priscila, discordando das<br />

contas prestadas pelo seu ex-tutor, por conta de valores que teriam<br />

sido omitidos e desviados pelo tutor, deverá exercer a sua pretensão<br />

relativa à tutela observando o prazo prescricional de:<br />

Gabarito: b) 4 anos, a contar da data da aprovação de contas.<br />

Além do balanço anual, os tutores prestarão contas de dois em<br />

dois anos, e também quando deixarem o exercício da tutela, ou toda<br />

vez que o Juiz achar conveniente.<br />

Mas a tutela seria eterna?<br />

Não! Conforme lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona<br />

Filho 4 º, a tutela é uma relação jurídica, por essência, provisória,<br />

de modo que sua tendência natural é a vigência temporária. Dessa<br />

forma, extingue-se a tutela pela: (a) maioridade ou emancipação do<br />

tutelado, (b) surgimento de novo poder familiar decorrente de adoção,<br />

investigação de paternidade, etc. .. (c) termo final fixado para o<br />

exercício da tutela, (d) decisão judicial acolhendo a escusa do tutor<br />

e (e) remoção judicial do tutor (arts. q63 e i.766 do CC).<br />

Mas, insista-se, o efeito liberatório do tutor - ou seja: a quitação<br />

- só ocorrerá após aprovadas as contas pelo Magistrado (arts. q58<br />

e i.759 do CC).<br />

40. Para aqueles que estão desejosos de estudar a curatela do ausente, remete-se<br />

ao volume da Parte Geral. No particular, seguiu-se a normatização do Código Civil,<br />

que trata do instituto na sua parte geral.<br />

504


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATElA.<br />

~ Na hora da prova?<br />

Sobre o tema, observe como este foi cobrado em prova de concurso<br />

público:<br />

A emancipação judicial é a deferida por sentença, ouvido o tutor, em<br />

favor do tutelado que já completou 16 anos.<br />

A alternativa foi considerada pela banca examinadora como verdadeira.f<br />

5. CURATEL.A.<br />

A curatela - ou curadoria - constitui instituto mais amplo do que<br />

tutela, pois se dirigir aos demais incapazes - absolutos ou relativos,<br />

maiores de dezoito anos - como ainda ao nascituro, ao ausente 4 ', ao<br />

revel citado por edital, entre outras hipóteses.<br />

Para a doutrina, na lição de Maria Helena Diniz 42 , "a curatela é o<br />

encargo público, cometido, por lei, a alguém para reger e defender a<br />

pessoa e administrar os bens maiores, que, por si sós, não estão em<br />

condições de fazê-los, em razão de enfermidade ou deficiência menta/".<br />

Enxergam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald 43 a curatela como<br />

"o encargo imposto a uma pessoa natural para cuidar e proteger uma<br />

pessoa maior de idade que não pode se autodeterminar patrimonialmente<br />

por conta de uma incapacidade".<br />

Para Carlos Roberto Gonçalves, "curate/a é encargo deferido por lei<br />

a alguém capaz, para reger a pessoa e administrar os bens de quem,<br />

em regra, maior, não pode fazê-lo por si mesmo". 44<br />

Sustentam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 45 que<br />

a curatela tem como objetivo proteger a pessoa maior padecente<br />

de alguma incapacidade, ou de certa circunstância que impeça a sua<br />

41. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: Direito de Família. 26•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 686.<br />

42. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Cívil Brasileiro, v. 5: Direito de Família. 26•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 686.<br />

43- FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direto Cívil, v. 6: Direito<br />

de Família. 5• Edição. Salvador: Editora Juspodvim, 2013, p. 1018.<br />

44. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 6: Direito de Família . 7•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 659.<br />

45. ln Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 728.<br />

505


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

livre manifestação de vontade, "resguardando-se, com isso, também,<br />

o seu patrimônio, como se dá, na mesma linha, na curadoria (curatela)<br />

dos bens do ausente, disciplinada nos arts. 22/25, CC-02".<br />

A cu rateia possui dois sujeitos: o curador e o curatelado. Curador<br />

é a pessoa designada pelo magistrado para exercer a curatela em<br />

favor do incapaz. Esta, por sua vez, é o curatelado.<br />

E quem poderá ser colocado em curatela?<br />

De acordo com o artigo i.767 do Código Civil, estão sujeitos a<br />

curatela aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não<br />

tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil, os<br />

que por outra causa duradoura não puderem exprimir a sua vontade,<br />

os deficientes mentais, os ébrios habituais, os viciados em<br />

tóxicos, os excepcionais sem completo desenvolvimento mental e<br />

os pródigos.<br />

Igualmente poderá receber curador o nascituro, "se o pai falecer<br />

estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar". De acordo<br />

com o parágrafo único daquele preceito, "Se a mulher estiver interdita,<br />

seu curador será o do nascituro". Trata-se, aqui, da curatela estendida<br />

ou prorrogada, quando o mesmo curador da gestante será o<br />

do nascituro (art. i.779 do CC).<br />

~ E na hora da prova?<br />

(OFICIAL DE JUSTIÇA AVALIADOR - TJ/ES - CESPE - 2011) Apesar de não reconhecer<br />

a personalidade do nascituro, o Código Civil põe a salvo os seus<br />

direitos desde a concepção. Nesse sentido, na hipótese de interdição de<br />

mulher grávida, o curador desta será também o curador do nascituro.<br />

Gabarito: certo.<br />

Assim como na tutela, a curatela pressupõe o devido processo<br />

legal judicial. Há, para tanto, uma ação típica, intitulada como processo<br />

de interdição.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Quanto ao conceito de interdição, o concurso para Analista de Promotoria<br />

- MPE/SP, banca organizadora VUNESP, ano de 2010, trouxe como opção<br />

correta a asseniva: "é medida judicial de proteção ao maior incapaz<br />

por meio da qual se lhe nomeia curador com o tito de administrar-lhe os<br />

bens e acompanhá-lo na prática dos atos da vi da civil·.<br />

506


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

A legitimidade ativa para requerer a medida é dos pais ou tutores,<br />

cônjuge, qualquer parente, ou o Ministério Público Estadual (art.<br />

I.768 do Código Civil).<br />

A lei civil exige que o magistrado examine pessoalmente o interditando,<br />

assistido por especialistas (art. i.771, CC), falando-se em<br />

perícia médica obrigatória. Após esta, de acordo com o artigo i.772<br />

do Código Civil, o "o juiz assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento<br />

mental do interdito, os limites da curatela ... ". Logo, poderá o<br />

juiz declarar uma incapacidade absoluta ou relativa.<br />

~ Como a jurisprudência se pronuncia sobre o tema?<br />

Apesar de a perícia médica ser a regra nas ações de interdição, o Tribunal<br />

de Justiça do Rio Grande do Sul, decidiu pela dispensa da prova<br />

pericial neste caso concreto:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. DESNECESSIDADE DE<br />

REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL NO CASO CONCRETO. A interdição<br />

de uma pessoa para atos da vida civil é uma medida<br />

grave, que deve se cercar de todas as cautelas, devendo<br />

vir escorada num juízo pleno de certeza e segurança, sob<br />

pena de se retirar aquilo que há de mais valioso na vida<br />

de cada um, e de transformar um ser humano, que deveria<br />

ser livre, em um prisioneiro da sua própria vida. Por<br />

tudo isso, decretar a interdição de alguém requer certeza<br />

absoluta de que essa pessoa esteja efetivamente incapacitada<br />

para os atos da vida civil. Contudo, a infinita diversidade<br />

de casos que a vida apresenta, por vezes, permite<br />

que essa absoluta certeza da incapacidade de uma pessoa<br />

possa ser alcançada sem a perícia médica. Caso em que o<br />

contato pessoal entre o juiz e a interditanda não deixa dúvida<br />

de que ela realmente está incapacitada para prática<br />

dos atos da vida civil. Consequentemente, o atestado médico,<br />

corroborado pela impressão pessoal do magistrado,<br />

fornece prova segura e suficiente da incapacidade, sem<br />

perder de vista que o juiz "não está adstrito ao laudo pericial,<br />

podendo formar sua convicção com outros elementos<br />

ou fatos provados nos autos" (artigo 436 do Código de Processo<br />

Civil). NEGARAM PROVIMENTO. (TJRS, Apelação Cível, no<br />

70032677387, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova,<br />

Julgado em 05/11/2009).<br />

507


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Obrigatório, também, no processo de interdição, será a intervenção<br />

do Ministério Público, afinal de contas a hipótese versar sobre<br />

uma ação de estado da pessoa, especificamente acerca da (in)capacidade<br />

(art. 82, 1 do CPC). E se não houver esta intervenção?<br />

Ter-se-á uma nulidade absoluta, nas pegadas do art. 246 do CPC.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 246, CPC, passará a ser o art. 279 no novo CPC (NCPC).<br />

Ainda sobre estas breves notas de natureza processual, a sentença<br />

que declara a interdição produzir efeitos desde logo, independentemente<br />

de eventual recurso a ser interposto, o qual tem mero<br />

efeito devolutivo, mas não suspensivo.<br />

~ Atenção!<br />

No Conflito de Competência n° 30.715/MA. o Superior Tribunal de justiça<br />

entendeu ser a Justiça Estadual Comum competente para conhecer e<br />

decidir interdição, ainda que dentro do pedido haja requerimento cumulado<br />

de aposentadoria junto ao INSS.<br />

De modo conclusivo, é possível afirmar que o procedimento judicial<br />

da interdição ocorre da seguinte forma:<br />

• Petição inicial indicando os fatos justificadores do pedido de interdição<br />

(CPC, u8o).<br />

• Citação do interditando para comparecer à audiência e ser interrogado<br />

pelo juiz (CPC, 1.181).<br />

• Abertura da prazo de cinco dias após a audiência para contestação<br />

(CPC, i.182).<br />

• Designação de perícia técnica (CPC, u82 e CC, i.771).<br />

• Apresentado o laudo, designação de audiência de instrução e<br />

julgamento (CPC, 1.183).<br />

• Sentença (CPC, i.183).<br />

1· E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O procedimento de interdição está previsto, no novo CPC (NCPC), a partir<br />

do art. 747. No particular, muitas novidades surgiram, dentre as quais<br />

destacam-se:<br />

508


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATELA.<br />

a) a substituição do interrogatório pela palavra #entrevista" do interditado,<br />

com a utilização de recursos tecnológicos e equipe multidisciplinar;<br />

b) a possibilidade do interditado indicar o seu próprio curador; em fiel<br />

respeito à dignidade humana e a autodeterminação, sendo observadas<br />

as preferências do interditando;<br />

c) o reposicionamento da missão constitucional do Ministério Público nas<br />

ações de interdição, atuando com legitimidade ativa apenas para caso<br />

de doença grave e deixando de exercer a atividade de curadoria do<br />

incapaz, atribuição esta típica da Defensoria Pública;<br />

d) Dilação do prazo de impugnação do interditando de cinco para quinze<br />

dias.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Analista do Seguro Social - Direito - INSS - CESPE - 2008) Acerca da tutela<br />

e curatela no direito civil, julgue os seguintes itens.<br />

A sentença que declara a interdição do incapaz só produz efeitos após<br />

o seu trânsito em julgado.<br />

Gabarito: errado.<br />

À vista do princípio da intervenção mínima do Estado nas relações<br />

familiares, deve a interdição estabelecer os seus limites, de modo<br />

a permitir certa dose de independência e liberdade para a pessoa<br />

interditada. Talvez por isto o artigo i.782 do Código Civil estabeleça<br />

que "a interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar,<br />

transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado,<br />

e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração".<br />

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho' 6 entendem que<br />

a sentença de interdição tem natureza declaratória e eficácia ex<br />

tunc, pois "o magistrado apenas declara a incapacidade já existente",<br />

podendo invalidar eventuais atos pretéritos.<br />

Importante reflexão é a realizada por Flávio Tartuce• 1 , no que se<br />

refere ao entendimento clássico e majoritário no sentido de que,<br />

após a prolação da sentença, os atos que o interditado praticar serão<br />

nulos ou anuláveis, à depender da gradação da sua respectiva<br />

46. ln Novo Curso de Direito Civil - Direito de Família, Vol. VI, 3• Edição, São Paulo:<br />

Saraiva. 2013, p. 731.<br />

47 ln Manual de Direito Civil, Volume Único. Cap. 8. 3•. Ed. Método, 2013. p. 1.265.<br />

509


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

interdição; enquanto que os atos praticados antes da prolação da<br />

sentença, seriam apenas anuláveis.<br />

De acordo com o doutrinador, o novo direito civil constitucionalizado<br />

e repersonalizado impõe proteção ao terceiro de boa-fé, à<br />

ilustração do que prescreve o § 2° do art. i67 e art. 563 do CC. Arremata<br />

autor: "de fato, se o terceiro negociou com o incapaz antes de<br />

sua interdição não percebeu e nem poderia perceber a incapacidade, o<br />

negócio deve ser tido como válido".<br />

Todavia, caso se esteja diante de uma flagrante incapacidade,<br />

clarividente mesmo antes do processo de interdição, o ato praticado<br />

haverá de ser invalidado, segundo a tese da incapacidade natural.<br />

Tal tese está legislada no direito francês (art. 503 do code de France),<br />

e é abraçada doutrinariamente e jurisprudencialmente no Brasil.<br />

Configura-se a incapacidade natural quando, malgrado a enfermidade<br />

ou deficiência não se encontre judicialmente declarada, a incapacidade<br />

é cristalina. Com efeito, se a incapacidade é clara, aquele<br />

que contrata com o incapaz age em desrespeito à boa-fé, não sendo<br />

possível a manutenção do ato.<br />

~ E na jurisprudência, qual é o entendimento?<br />

O Superior Tribunal de Justiça no REsp. 296.895/PR entendeu com fundamento<br />

em precedentes da cone que a decretação da nulidade do negócio<br />

jurídico celebrado por incapaz não depende de sentença judicial de<br />

interdição. mas. por outro lado, mesmo quando decretada (a nulidade),<br />

deve-se proteger o adquirente de boa-fé (no caso, com a retenção do<br />

imóvel até a devolução do valor pago).<br />

Outra dúvida corriqueira diz respeito ao ato praticado pelo interditado<br />

em intervalo de lucidez. Seria este ato válido?<br />

Não. Declarada judicialmente a incapacidade, não são considerados<br />

válidos os atos praticados pelo incapaz, ainda que nos intervalos<br />

de perfeita lucidez. O Código Civil não adotou a teoria dos intervalos<br />

de lucidez. Nosso ordenamento jurídico firma incapacidade, em regra,<br />

decorrente de uma razão duradoura, permanente e contínua.<br />

Logo inócua é a linha de raciocínio que tenta comprovar o intervalo<br />

de lucidez como legitimador para a prática do ato.<br />

510


PODER FAMILIAR. GUARDA. TUTELA E CURATElA.<br />

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?<br />

No concurso de Promotor de Justiça de Sergipe (2010/CESPE) foi considerada<br />

correta a seguinte asseniva: -uma vez declarada a interdição, não<br />

é correto falar em intermitência na incapacidade, razão pela qual todos os<br />

atos praticados pelo interditado são considerados inválidos".<br />

E quem deve ser nomeado o curador?<br />

Na forma do artigo i.775 do Código Civil, há uma ordem preferencial<br />

e subsidiária. Assim, será o curador o cônjuge ou o companheiro,<br />

não separado judicialmente ou de fato. Na falta destes, o pai ou a<br />

mãe. Na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto,<br />

sendo "os mais próximos precedem aos mais remotos".<br />

O desejo é que a curatela seja transitória, de modo que se o interditado<br />

restabelecer a saúde psíquica, poderá formalizar judicialmente<br />

pedido de levantamento da interdição, retomando a gestão<br />

própria de seu patrimônio.<br />

Por fim, aplicar-se à curatela, de forma subsidiária, aquilo que<br />

fora estudado quando da tutela (art. i774 do CC).<br />

~ Como este tema vem sendo abordado em concurso público?<br />

(PROMOTOR DE JUSTIÇA - MPE/AL - FCC - 2012) o Ministério Público do Estado<br />

de Alagoas propõe a interdição de Luan, deficiente mental e viúvo,<br />

sendo nomeada como curadora pelo magistrado a sua irmã Regina. Durante<br />

a curatela Regina poderá, com autorização judicial,<br />

Gabarito: d) aceitar as doações. ainda que com encargos.<br />

511


Capítulo VII<br />

Bem de Família<br />

Sumário • 1. Histórico. 2. Conceito e Natureza jurídica<br />

3. o Sistema Dualista Brasileiro. 3-1 Bem de<br />

Família Legal, Cogente, Involuntário ou Obrigatório.<br />

3.2 Bem de Família Convencional, Não Cogente, Voluntário<br />

ou Facultativo. 4. Espécies de impenhorabilidade.<br />

5. Bem de família convencional. 5.1 Exceções<br />

à regra de lmpenhorabilidade do Bem de Família<br />

convencional. 5.2 Duração. 6. Bem de Família Legal.<br />

6.1 Beneficiários. 6.2 Rural. 6.3. Dívida alimentar. 6.4<br />

Créditos Trabalhistas. 6.5. Dívida de fiança concedida<br />

em contrato de Locação<br />

1. HISTÓRICO<br />

Debruçando-se em uma análise histórica do Direito Civil, percebe­<br />

-se que o seu produto advindo da Revolução Francesa foi eminentemente<br />

liberal. Inegavelmente o Brasil experimentou a influência do<br />

denominado Código Napoleônico_ Neste cenário, fundava-se o direito<br />

privado em uma sólida base patrimonialista (ter), com clara homenagem<br />

à propriedade privada e ao pacto sunt servanda (obrigatoriedade<br />

dos contratos).<br />

o Direito Civil de então era atemporal, estático, compartimentalizado<br />

e não sensibilizado com as questões de ordem pública, ou<br />

mesmo existenciais. A vontade era elevada a um dogma, capaz de<br />

obrigar. O Estado não tinha autorização para interferir nas manifestações<br />

de vontade, sob nenhum pretexto ou motivo.<br />

Com o passar do tempo, o Direito Civil deixa de ser atemporal e<br />

passa a ser influenciado pelos ideais sociais. Surge o neoconstitucionalismo.<br />

Os direitos fundamentais, lastreados na dignidade humana,<br />

ensejam nítida influência nas relações particulares. Analisando sob a<br />

ótica nacional, este fenômeno é asseverado com o advento da Constituição<br />

Cidadã de i988. Aqui se verifica, claramente, a migração do<br />

direito privado do pilar do ter para o ser. Há uma mudança de cento<br />

573


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

e oitenta graus. Surge a necessidade de revisitação dos clássicos<br />

institutos patrimonialistas, funcionalizando-os, com vista à dignidade<br />

da pessoa humana e do solidarismo social.<br />

Fala-se, por conseguinte, na repersonificação e despatrimonialização<br />

do Direito Civil, em busca da promoção do valor fonte da<br />

Dignidade da Pessoa Humana.'. Neste fecundo cenário para novas<br />

ideias e ideais, propugna o festejado Professor Paranaense Luiz<br />

Edson Fachin' a defesa de uma nova tese. Segundo ele, a promoção<br />

da dignidade da pessoa humana exige, para a sua concretização,<br />

a existência de um patrimônio mínimo. Em sentido análogo, posi·<br />

dona-se Ana Paula Barcellos 3 , utilizando-se da expressão mínimo<br />

existencial. Ou seja: para viver dignamente todo ser necessita do<br />

mínimo de habitação, vestuário, lazer, cultura, moradia, alimentação,<br />

etc.<br />

Em certa medida, esta irradiação dos valores fundamentais às relações<br />

privadas (Teoria da Irradiação) prestigia a eficácia horizontal<br />

destes mesmos direitos em um sem número de matizes.<br />

o patrimônio é funcionalizado como um verdadeiro instrumento<br />

de cidadania. Assim, nada mais sensato do que separar uma parcela<br />

básica, mínima do ter (patrimônio), para atender às necessidades<br />

elementares do ser (pessoa humana).<br />

Malgrado o paradigma da responsabilidade patrimonial• - ex vi<br />

o art. 391 do CC - é cediço que o patrimônio do devedor não deve<br />

ser reduzido a pó, retirando dele o mínimo existencial para a sua<br />

i. Aqueles que estejam desejosos de se aprofundar sobre a Constitucionalização<br />

do Direito Civil e a nova ótica do ser, em detrimento do ter, devem<br />

buscar o específico capítulo desta coleção, situado na Parte Geral. Lá são<br />

noticiados, de forma referida, as novas ideias sobre este importantíssimo<br />

fenômeno.<br />

2. Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra do Professor Paranaense:<br />

O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.<br />

3. Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra da Professora: A Eficácia<br />

Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.<br />

2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2oo8.<br />

4. Aqueles que desejam se aprofundar acerca do assunto responsabilidade patrimonial,<br />

indica-se a consulta ao volume de Obrigações e Responsabilidade Civil, a<br />

qual dedica espaço específico a este tema.<br />

514


BEM DE FAMÍLIA<br />

subsistência. Um dos exemplos mais marcantes na prática forense<br />

nacional sobre este assunto é a tutela do bem de família 5 (Lei n°<br />

8.009/90 e CC arts. i.711 usque i.722).<br />

De outra banda, partindo para a gênese do bem de família, indo<br />

a períodos mais distantes, afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo<br />

Pamplona Filho 6 que o primeiro antecedente histórico do instituto<br />

é o Direito Romano. Neste, em razão da forte raiz religiosa familiar,<br />

entendia-se a alienação de bens familiares como motivo de enorme<br />

desonra. Era na propriedade familiar que os antepassados - considerados<br />

deuses familiares - eram adorados e cultuados, segundo as<br />

informações de Fustel de Coulanes 7 •<br />

Ainda em um mergulho histórico, recordam Carlos Roberto Gonçalvesª<br />

e Paulo Lobô 9 que o primeiro marco legislativo internacional<br />

mais efetivo sobre o tema surgiu no Estado do Texas, após a sua<br />

independência do México e antes de sua incorporação aos Estados<br />

Unidos, a qual apenas aconteceu em i.845.<br />

Naquele cenário, em virtude de uma devastadora crise econômica,<br />

foi promulgada no dia 26 de janeiro de i.839 a Lei do Homestead<br />

act, asseverando a isenção da penhora da pequena propriedade<br />

residencial do devedor.<br />

O Texas, como dito, passava por uma severa crise. Para que se<br />

tenha uma noção, recordam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona<br />

Filho'º. entre 1837 e i839 cerca de 959 (novecentos e cinquenta e nove)<br />

bancos ali situados fecharam, computando-se 33.0000,00 (trinta e três<br />

mil) falências. Foi dentro deste terrível cenário que surgiu, nos Estados<br />

Unidos da Aémica, mais precisamente no Texas, a homestead act, afirmando<br />

a impenhorabilidade da propriedade rural, bem como a impenhorabilidade<br />

dos instrumentos de trabalho. Esta impenhorabilidade<br />

se referia as áreas de até 50 (cinquenta) hectares na zona rural, ou do<br />

terreno urbano não superior a S 500,00 (quinhentos dólares).<br />

5. Fala-se em um dos exemplos porque há outros, como o rol de impenhorabilidades<br />

do Código de Processo Civil (art. 649 e ss.).<br />

6. Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 323-<br />

7. ln Cidade Antiga.<br />

8. Op. Cit. Pág. 558.<br />

9. Op. Cit. Pág. 396.<br />

10. Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 323.<br />

515


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Sob a perspectiva sociológica, importa reconhecer que esta atitude<br />

legislativa da época reaqueceu a economia e fixou o homem na terra.<br />

A normatização texana logo iluminou outros estados americanos<br />

e, até mesmo, países, a exemplo da Suíça, Espanha, Portugal, Chile<br />

e Brasil. Com batismos diferentes, todos estas nações abraçaram a<br />

ideia do mínimo existencial e a tutela do ser, reconhecendo a necessidade<br />

de preservação da moradia digna, incorporando o preceito<br />

no seus respectivos ordenamentos jurídicos. Já há, até mesmo, quem<br />

defenda uma espécie de bem de família internacional, como lembram<br />

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho".<br />

Mas qual seria o conceito deste bem de família e qual seria a sua<br />

natureza jurídica?<br />

2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA.<br />

O escopo da tutela do bem de família é a proteção ao mínimo<br />

existencial dos integrantes do núcleo familiar. A família atual deve<br />

ser estudada sob o prisma de uma visão instrumental, em busca<br />

do projeto de felicidade de seus membros - conceito instrumental e<br />

eudemonístico de família".<br />

A um só tempo se promove a proteção do ser humano, em sua<br />

digna individualidade, como também se permite a tutela da família,<br />

base da sociedade, a merecer especial proteção do Estado, na forma<br />

do artigo 236 da Constituição Federal.<br />

Nessa linha de pensamento, vaticina Maria Berenice Dias 13 que o<br />

bem de família tutela, em verdade, os integrantes da família. A moradia<br />

é um direito constitucionalmente assegurado a todos (art. 6 da<br />

CF/88). o objetivo do legislador foi garantir a cada individuo, ao menos,<br />

um teto onde morar, prevalecendo a moradia à tutela do crédito,<br />

em um claro juízo de ponderação de interesses" . Assim, ao revés<br />

de restringir, o conceito de bem de fa mília há de ser ampliado nesta<br />

nítida opção entre proteger a pessoa e a família sobre o crédito.<br />

11. Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 323.<br />

12. Op . Cit. p. 522.<br />

13. Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra do Professor Paranaense:<br />

o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2ooi.<br />

14. No mesmo sentido, Paulo Lobô. Op. Cit. Pág. 395.<br />

516


BEM DE FAMÍLIA<br />

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o<br />

tema?<br />

Há muito já afirma o Superior Tribunal de Justiça a impenhorabilidade do<br />

bem de família para as mais diversas espécies de entidades familiares.<br />

Apenas a título ilustrativo, cita-se um julgado de 1998, no qual firmou a<br />

Egrégia Casa Judicial a impenhorabilidade, por ser de família, do imóvel<br />

destinado a residência de dois irmãos. Cita-se:<br />

STJ - PENHORA. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MORADIA DA FA­<br />

MÍLIA. IRMÃOS SOLTEIROS. ENTIDADE FAMILIAR RECONHECIDA.<br />

IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. LEI 8.009/90, ART. 1°.<br />

Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem<br />

uma entidade familiar e por isso o apartamento<br />

onde moram goza da proteção de impenhorabilidade,<br />

prevista na Lei 8.009/90, não podendo ser penhorado na<br />

execução de dívida assumida por um deles. (REsp 159851<br />

/ SP. Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Quarta Turma.<br />

Julgado em 19.03.1998)<br />

Não soa razoável e proporcional deixar à margem da lei - e, por<br />

conseguinte, ao relento - o indivíduo que, por contingencia ou opção,<br />

vive só e não constitui uma família . Pelo mesmo mecanismo de pensamento,<br />

o cidadão que é sozinho (single family ou família unipessoal)<br />

também merece tutela, ou sej a, merece igualmente proteção a<br />

sua moradia. Tal premissa inclui-se na proteção do bem de família<br />

dos solteiros, viúvos, celibatários, padres, divorciados e de todos<br />

aqueles que, por opção ou necessidade, residem sozinhos.<br />

Tal pensamento hoje também já se encontra pacificado na jurisprudência<br />

nacional, consoante a redação da Súmula 364 do Egrégio<br />

Superior Tribunal de Justiça ' 5 : "o conceito de impenhorabi/idade de<br />

bem de familia abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras,<br />

separadas e viúvas."<br />

No que diz respeito à natureza jurídica do bem de família, a polêmica<br />

é antiga. Os manuais informam longa divergência, com claras<br />

discussões teóricas. Inicialmente, recorda Carlos Roberto Gonçalves' 6<br />

15. Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra do Professor Paranaense:<br />

O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Ri o de Janeiro: Renovar, 2001.<br />

16. Op. Cit. Pág. 558.<br />

517


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

que a coisa, objeto do bem de família, não muda a sua natureza,<br />

persistindo como objeto de propriedade. O que resta alterada, efetivamente,<br />

é a sua finalidade.<br />

O bem de família se caracteriza por ser, em última análise, nada<br />

mais. nada menos do que uma forma de afetação de bens a um<br />

destino especial, qual seja assegurar a dignidade humana dos componentes<br />

do núcleo familiar. Mais uma vez se percebe a visão instrumental<br />

do instituto, como bem afirmam Cristiano Chaves de Farias e<br />

Nelson Rosenvald 17 • Protege-se o bem, o qual abriga a família, com o<br />

escopo de garantir a sobrevivência digna dos seus integrantes.<br />

No mesmo sentido caminha a doutrina de Álvaro Villaça Azevedo 18<br />

para quem "O bem de família é um meio de garantir um asilo à família,<br />

tornando-se o imóvel onde ela se instala domict1io impenhorável e<br />

inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem<br />

sua maioridade".<br />

Em síntese: o bem de família legal é o imóvel no qual a pessoa<br />

reside e tem seu domicílio, impenhorável por força do interesse<br />

público-estatal de garantir o direito social de moradia. Sua natureza<br />

jurídica é a de um bem particular imobiliário impenhorável.<br />

3. O SISTEMA DUALISTA BRASILEIRO<br />

o bem de família foi instituído no Brasil na Parte Geral do Código<br />

Civil de 1916, especificamente no tema dos Bens Jurídicos (arts. 70 a<br />

73). Também se dedicaram ao instituto o Decreto-Lei poo/41, a Lei<br />

6.015/73 (Lei de Registros Públicos), o Código de Processo Civil e a Lei<br />

Federal n° 6.742/79.<br />

Hoje podemos afirmar que o direito privado brasileiro ad ota um<br />

sistema dualista na disciplina do bem de família. Convivem no Brasil<br />

tanto o bem de família legal, cogente, involuntário ou obrigatório<br />

(Lei 8.009/90), quanto o bem de família voluntário ou convencional<br />

(art. i.711 e ss. do CC/02).<br />

Isto é muito interessante, para não se dizer curioso sob o ponto<br />

de vista da sistematização do direito. Sim, porque há uma lei federal<br />

17. Op. Cit.<br />

18. Comentários ao Código Civil. V. 19, p. 11.<br />

518


BEM DE FAMÍLIA<br />

extravagante que disciplina apenas uma modalidade de bem de família<br />

e, ao mesmo tempo, um Código que disciplina apenas outra<br />

modalidade.<br />

O fato concreto é o de que a lei federal e o Código Civil convivem<br />

entre si segundo o diálogo das fontes, sendo possível reconhecer,<br />

sem dúvida alguma, estas duas espécies de bens de família. Tal raciocínio<br />

se torna claro a partir da leitura do próprio texto legislativo,<br />

quando se verifica no artigo i.711 do Código Civil o reconhecimento<br />

da manutenção da vigência das leis especiais sobre o tema.<br />

Outra conclusão não se poderia chegar, mesmo se o Código Civil<br />

fosse omisso. Nas pegadas do artigo 2°, § 2° da LINDB, a lei nova que<br />

apresente disposições gerais ou especiais a par (ao lado) de norma<br />

já existente, não revoga e nem modifica a lei anterior. Trata-se<br />

do conhecido critério da Lex Especialis no estudo, recorde-se, das<br />

antinomias jurídicas aparentes (conflitos temporal das normas, ou<br />

conflito das leis no tempo).<br />

Portanto, o advento do Código Civil não revogou a normatização<br />

do bem de família legal. Aliás, doutrina e jurisprudência assim entendem<br />

com franca tranquilidade.<br />

O bem de família legal, regulado pela Lei Federal n° 8.009/1990 independente<br />

de ato volitivo para a sua constituição. Brota do simples<br />

fato jurídico, ou seja, do singelo enquadramento da situação jurídica<br />

à norma. Tem por objeto o imóvel, em regra, residencial do devedor<br />

e de sua família, bem como os móveis que o guarnecem (desde que<br />

quitados) e, finalmente, todos os equipamentos de uso profissional.<br />

Curiosamente, o bem de família legal foi incorporado ao Direito<br />

Legislado Brasileiro posteriormente ao bem de família voluntário, o<br />

qual está entre nós desde o Código Civil de 1916.<br />

Já o bem de família convencional é, como visto, regulado pelo Código<br />

Civil vigente, exigindo ato volitivo para a sua instituição. O bem de<br />

família voluntário pode ser constituído pelos cônjuges, companheiros<br />

ou até por terceiros. E mais: pode dizer respeito a bens imóveis ou<br />

móveis. Trata-se, como dito, da modalidade pioneira no país. Hoje,<br />

porém, merece tratamento no Código Civil em sua parte relacionada<br />

ao Direito das Famílias, ao revés da Parte Geral, como outrora.<br />

Na prática, poucas são as pessoas que se utilizam do bem de<br />

família convencional.<br />

579


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Visto os conceitos iniciais sobre o sistema dual é hora de aprofundarmos,<br />

em itens apartados, o regime do bem de família legal e,<br />

depois disto, o regime jurídico do bem de família voluntário.<br />

3.1. Bem de Família Legal, Cogente, Involuntário ou Obrigatório<br />

Instituído no Brasil pela Lei Federal n° 8.009/90, fruto da conversão<br />

da medida provisória no 143 de 1990, o bem de família legal traduz<br />

a imposição de um patrimônio mínimo, mediante a impenhorabilidade<br />

do imóvel residencial, utilizado para a moradia permanente<br />

da entidade familiar (art. 5° da Lei 8oo9/90).<br />

É, pois, norma cogente, de ordem pública que se impõe independentemente<br />

da vontade do titular deste direito.<br />

Segundo Carlos Roberto Gonçalves 19 , o bem de família em análise<br />

há de ser um imóvel e seus pertences, o que afasta a terra nua, o<br />

terreno não edificado e os direitos reais sobre coisa alheia.<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca organizadora CESPE, na prova para o cargo de Juiz- TJAC, ano de<br />

2012, considerou correta a seguinte afirmativa: *o terreno nêlo edificado<br />

nêlo caracteriza bem de família, pois nêlo serve à moradia familiar".<br />

o bem de família legal decorre de um caráter impositivo, com<br />

vistas ao fato do Estado tutelar a família. Tem íntima relação com o<br />

direito social de moradia, constitucionalmente assegurada no art. 6°<br />

da CF/88. É uma clara verificação do chamado direito civil constitucional,<br />

enfrentado em específico capítulo dedicado à Parte Geral.<br />

Em sendo cogente, concordamos com Carlos Roberto Gonçalves'º<br />

sobre a possibilidade de o Juiz reconhecer de ofício tal impenhorabilidade,<br />

quando devidamente verificado os seus requisitos nos autos.<br />

Trata-se de verdadeira objeção processual.<br />

Entretanto, a exceção de pré-executividade (chamada de objeção<br />

por alguns), os embargos de terceiros e os embargos do devedor<br />

constituem os meios mais adequados de defesa deste bem.<br />

i9. Op. Cit. Pág. 397.<br />

20. Op. Cit. Pág. 578.<br />

520


BEM DE FAMÍLIA<br />

Acreditamos, à luz da efetividade, economia e celeridade processual<br />

que uma simples petição comprobatória da natureza do bem de família<br />

é bastante para o magistrado proceder à sua defesa.<br />

Caso a entidade familiar possua vários imóveis utilizados como<br />

residência, em clara hipótese de pluralidade domiciliar (art. 71 do CC)<br />

21 , a impenhorabilidade do bem de família legal incidirá sobre o imóvel<br />

de menor valor, ainda que a aludida família deseje residir no outro" .<br />

À vista disto, acaso o interessado deseje proteger o bem de família<br />

mais valioso, deverá lançar mão da modalidade voluntária, ainda<br />

assim respeitas algumas questões legais, adiante visitadas.<br />

~ E na hora prova?<br />

O concurso para provimento do cargo de Juiz do Trabalho, TRT 1ia Região,<br />

banca FCC, ano de 2007, considerou a seguinte assertiva como verdadeira:<br />

Hnão havendo instituição voluntária e possuindo os cônjuges mais de<br />

um imóvel residencial, será considerado bem de famma o de menor valo~.<br />

~ E na hora prova?<br />

A banca examinadora CESPE, em prova realizada para o Cartório, Tj-BA,<br />

ano de 2014, considerou incorreta a seguinte alternativa: HD) Não é possível<br />

estabelecer a impenhorabilidade do imóvel de maior valor, pois,<br />

para tanto, seria necessário considerá-lo bem de família, o que só é<br />

permitido em relação ao imóvel residencial de menor valor".<br />

Situação curiosa é a seguinte: como proceder caso o devedor<br />

insolvente adquira, em clara má-fé, um imóvel mais valioso com o<br />

único escopo de transferir a sua residência familiar para assegurar<br />

uma tutela mais larga do bem de família legal?<br />

2 1. Verifica-se o domicílio plural quando a pessoa física possui duas ou mais residências<br />

nas quais vive alternadamente. Para o aprofundamento sobre o tema, indica-se<br />

a leitura do capítulo de domicílio, na Parte Geral.<br />

22. Aqui - quando o titular possui mais de um imóvel e deseja instituir o mais valioso<br />

como bem de família - a saída é a utilização das regras do bem de família<br />

voluntário. Neste sentido, o titular poderá instituir como bem de família o imóvel<br />

mais valioso, desde que tal bem não ultrapasse 1/3 do seu patrimônio líquido à<br />

época da instituição. Tal tema será enfrentado mais ad iante, ainda neste capítulo.<br />

No mesmo sentido do dito aqui, conferir Cristiano Chaves de Farias e Nelson<br />

Rosenvald (Op. Cit. p. 708).<br />

521


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O pilar da eticidade nas relações jurídicas 23 impõe o respeito<br />

à probidade, boa-fé e confiança. Logo, não seria crível proteger a<br />

situação em comento. Atento a isto, o legislador (Lei 8.009/90, art.<br />

4°) informa que não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que,<br />

sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para<br />

transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.<br />

Neste cenário, poderá o magistrado transferir a aludida impenhorabilidade<br />

para a moradia familiar anterior ou, até mesmo,<br />

invalidar a alienação, liberando a propriedade mais valiosa à execução<br />

e repousando a impenhorabilidade do bem de família legal<br />

sobre o bem mais antigo, menos valioso e capaz de assegurar a<br />

moradia.<br />

A conduta narrada acima poderia configurar, inclusive, fraude<br />

contra credores, o que autorizaria a anulação do negócio jurídico,<br />

como estudado no volume da Parte Geral, especificamente ao se<br />

tratar acerca da teoria do fato, ato e negócio jurídico.<br />

Outra questão interessante, agora de direito intertemporal, é a<br />

seguinte: aplica-se à tutela do bem de família aos imóveis cuja penhora<br />

ocorreu antes da edição da legislação do bem de família legal?<br />

Mesmo tendo a Lei Federal n° 8.009/90 iniciado sua vigência na<br />

época da publicação (art. 7° da Lei 8.009/90) a resposta é positiva.<br />

o entendimento ora veiculado, inclusive, é objeto de Súmula, a de<br />

número 205 do Superior Tribunal de Justiça, a qual informa que a lei<br />

8.009/90 (bem de família legal) aplica-se às penhoras realizadas mesmo<br />

antes de sua vigência.<br />

Mas qual seria o fundamento? Explica-se.<br />

Nas pegadas do Informativo 467 do Supremo Tribunal Federal,<br />

a penhora não constitui ato jurídico perfeito, configurando mero<br />

início da execução. Logo, não gera direito adquirido a levar o<br />

bem à hasta publica . Soma-se a isto a percepção segund o a qual,<br />

apesar da lei nova ser irretroativa, tendo efeito imediato e geral,<br />

ela é capaz de atingir as novas partes do fato pendente (facto<br />

23- Como visto no volume dedicado à Parte Geral, o vigente Código Civil foi erguido<br />

com base em três pilares: eticidade, sociabilidade e operabilidade. Para o aprofundamento<br />

sobre o tema, indica-se a leitura do capítulo específico sobre o assunto,<br />

na Parte Geral.<br />

522


BEM DE FAMÍLIA<br />

pendentia). Como a hasta pública ainda estava pendente, já seria<br />

guiada pela nova norma, que regeria o ato (tempus regit actum),<br />

a impossibilitando''.<br />

Assim, a Lei Federal no 8.009/90 deve ser aplicada para desconstituir<br />

penhoras realizadas anteriormente à sua vigência.<br />

Conclusão diversa obviamente se chegará para o caso do bem<br />

em comento já ter sido alienado, em hasta pública, antes da edição<br />

normativa. Aqui não seria possível se falar na aplicação da nova Lei<br />

do bem de família legal, pois esta, além de ser irretroativa, não teria<br />

o condão de atingir o ato jurídico perieito e acabado - ao passo que<br />

todas as fases para a alienação judicial já haviam sido ultrapassadas<br />

- e o direito adquirido do terceiro de boa-fé.<br />

Voltando a análise do direito legislado, o manto da impenhorabilidade<br />

em análise cobre o imóvel residencial, próprio da entidade<br />

familiar, bem como as suas construções, plantações, benfeitorias de<br />

qualquer natureza, os equipamentos, inclusive de uso profissional,<br />

e os móveis que guarnecem o lar, desde que quitados (art. i 0 da Lei<br />

8009/90). Aplica-se a clara regra segundo a qual o acessório segue<br />

a sorte do principal (princípio da gravitação jurídica ou universal).<br />

~ Como a temática do bem de legal vem sendo cobrada em concurso<br />

público?<br />

(Juiz - TJDFT - 2011) Bem de família obrigatório ou legal é aquele que resulta<br />

diretamente da lei, de ordem pública, que tornou impenhorãvel o imóvel<br />

residencial, próprio do casal, ou da entidade familiar; daí por que não podera<br />

ser objeto de penhora por dívida de natureza civil, comercial, fiscal,<br />

previdenciãria ou de outra natureza, salvo nas hipóteses expressamente<br />

previstas nos artigos 2° e 3°, 1 a VII da Lei n• 8.009, de 29 de março de 1990.<br />

Assim, considere as proposições abaixo, assinalando a incorreta:<br />

A) Ao solteiro, não obstante resida e ocupe o imóvel sozinho, aplica-se<br />

esta mesma regra;<br />

24. O tema os efeitos da lei no tempo foi abordado, com afinco. no capítulo dedicado<br />

à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), no tópico dedicado<br />

ao direito intertemporal. Aqueles que estão desejosos de se aprofundar no assunto,<br />

devem se dirigir a esta parte específica da obra. O objetivo aqui foi apenas<br />

correlacionar este tema com o bem de família, o qual é o atual objeto de<br />

análise.<br />

523


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

B) Ao viúvo, ao contrário, não se aplica tal regra, máxime quando seus<br />

descendentes hajam constituído outras famílias;<br />

C) É entendimento assente que a lei n° 8.009/90 tem aplicabilidade mesmo<br />

nos casos em que a penhora for anterior à sua vigência.<br />

D) Todos os residentes do imóvel, sujeitos do bem de família, portanto beneficiários<br />

da regra da impenhorabilidade, têm em seu favor esse direito,<br />

ou seja, a lei confere-lhes o poder de não ver constrita a casa onde moram.<br />

Gabarito: letra B.<br />

Em comparação ao bem de família voluntário, estudado a seguir,<br />

percebe-se aqui um objeto protetivo mais largo.<br />

Tema interessante, já enfrentado pelo Egrégio Superior Tribunal<br />

de Justiça, diz respeito a um cidadão que, titular de uma empresa<br />

individual, residia no mesmo imóvel (da empresa). Sim, sem nenhum<br />

tipo de divisão, um único imóvel destinava-se tanto à empresa como<br />

a residência individual. Será que a impenhorabiliadade deve cobrir<br />

todo este bem?<br />

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?<br />

UA lei deve ser aplicada tendo em vista os fins sociais a<br />

que ela se destina (REsp 621399)", ponderou em seu voto<br />

o então Ministro do STJ Luiz Fux, atualmente no Supremo<br />

Tribunal Federal (STF).<br />

O Ministro observou que o uso da sede da empresa como<br />

moradia da família ficou comprovado, o que exigia do Judiciário<br />

uma posição "humanizada". Para o Ministro, expropriar<br />

aquele imóvel significaria o mesmo que alienar<br />

o bem de família.<br />

"A impenhorabilidade da Lei n. 8.009/90, ainda que tenha<br />

como destinatárias as pessoas físicas, merece ser aplicada<br />

a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas<br />

empresas com conotação familiar; por exemplo, por<br />

haver identidade de patrimônios", concluiu o ministro.<br />

Em outra ocasião, o Superior Tribunal de Justiça discutiu<br />

sobre a (im)possibilidade de (im)penhorabilidade, por ser<br />

um bem de família, de um imóvel misto, o qual, um dos<br />

andares destina-se ao estabelecimento comercial, e o outro<br />

à residência familiar.<br />

524


BEM DE FAMÍLIA<br />

Como proceder?<br />

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o<br />

tema?<br />

No caso de um imóvel misto, cujo andar inferior era ocupado<br />

por estabelecimento comercial e garagem, enquanto<br />

a família morava no andar de cima, a Terceira Turma permitiu<br />

o desmembramento do sobrado, ao julgar, em 2009,<br />

o REsp 968_907, oriundo do Rio Grande do Sul. Com isso,<br />

a pane inferior foi penhorada para satisfação do credor.<br />

NA jurisprudência desta Corte admite o desmembramento<br />

do imóvel, desde que tal providência não acarrete a<br />

descaracterização daquele e que não haja prejuízo para<br />

a área residencial", declarou a Ministra Nancy Andrighi,<br />

relatora do recurso.<br />

E o locatário - aquele que não tem imóvel próprio e aluga um<br />

bem para moradia - teria a tutela do bem de família?<br />

A resposta é positiva. Todavia, por lógica tal proteção não poderá<br />

recair sobre o imóvel, o qual, obviamente, é de propriedade do<br />

locador. Nessa senda, a impenhorabilidade em comento será dirigida<br />

aos bens móveis, de propriedade do locatário e que guarnecem<br />

o lar, desde que quitados (art. 2°, parágrafo único, da Lei 8009/90).<br />

Sobre este tema, concordamos com Carlos Roberto Gonçalves 21 ,<br />

para quem o mesmo pensamento pode ser aplicado ao comodatário.<br />

Comungamos, ainda, do pensamento de Pablo Stolze Gagliano e<br />

Rodolfo Pamplona Filho' 6 , ao estenderem a tutela ao usufrutuário e<br />

promissário comprador.<br />

Visto o objeto da impenhorabilidade do bem de família legal, é<br />

hora de saber se tal objeção de penhora pode ser aplicada em todo<br />

e qualquer caso concreto, ou se haveria exceções. E então?<br />

Apesar de a regra geral informar que a impenhorabilidade do<br />

bem de família legal pode ser arguida em qualquer processo de execução<br />

civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, o<br />

fato concreto é que há exceções.<br />

25. Op. Cit. Pág. 570.<br />

26. Novo Direito Civil. Parte Geral. i5 edição. Pág. 327.<br />

525


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Leia-se: há um rol de situações em que o bem de família poderá<br />

ser alvo de execução.<br />

Inicialmente, na forma do art. 2° da Lei n° 8.009/90, a impenhorabilidade<br />

do bem de família legal não alcança Nos veículos de transportes,<br />

obras de arte e adornos suntuosos", os quais poderão ser<br />

penhorados para o pagamento das dividas do titular.<br />

É certo que veículos de transporte englobam bicicletas, motocicletas,<br />

automóveis. Mas o que seriam adornos suntuosos?<br />

Pergunta intrigante.<br />

Diuturnamente entende-se que são impenhoráveis não apenas<br />

os bens indispensáveis à moradia, mas, igualmente, aqueles que<br />

usualmente integram uma residência. Estes não são suntuosos.<br />

Assim, a jurisprudência pátria já teve oportunidade de dar aval<br />

à impenhorabilidade da televisão, da geladeira, dos eletrodomésticos,<br />

do aparelho de som, do forno micro-ondas, do freezer, do<br />

exaustor de fogão, do computador, da maquina de lavar roupas ...<br />

entre outros bens que, não sendo suntuosos, integram o lar.<br />

Obviamente, contudo, a questão deve ser olhada com temperamentos,<br />

buscando uma ponderação de interesses entre a tutela do<br />

crédito e a proteção do mínimo existencial.<br />

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o<br />

tema?<br />

E uma arca-oratório e um bufê de madeira entram na<br />

lista de bens penhoráveis?<br />

De acordo com a Segunda Turma, sim. Para os Ministros,<br />

esses móveis não são indispensáveis ao funcionamento<br />

da casa e apenas embelezam o ambiente doméstico. O<br />

mesmo vale para o piano. Se o devedor tem em casa um<br />

instrumento musical que não é utilizado para fins profissionais<br />

ou de aprendizagem, este pode ser penhorado<br />

para saldar dívidas.<br />

Os Ministros da Segunda Turma consideraram que aparelhos<br />

de televisão e de som, microondas e videocassete,<br />

assim como o computador e a impressora são protegidos<br />

da penhora. Mas o piano, no caso analisado, foi considerado<br />

adorno suntuoso e entrou na lista de bens penhoráveis.<br />

526


BEM DE FAMÍLIA<br />

A complexidade dessas causas é tão grande que os Ministros<br />

sempre levam em conta o contexto social de cada<br />

família. O que é indispensável para a sobrevivência digna<br />

de uma casa pode não ser para outra. A situação do devedor<br />

não pode ser desprezada.<br />

Foi por isso que a Quarta Turma manteve a penhora da<br />

área de lazer com piscina, quadra de tênis, sauna e jardins<br />

de um arquiteto de Anápolis, em Goiás. Os Ministros<br />

confirmaram que o terreno de 480 metros vinculado à<br />

residência principal podia ser penhorado por se tratar<br />

de benfeitorias consideradas suntuosas.' 7<br />

A conclusão do que venha, ou não, a ser suntuoso, dependerá<br />

do contexto vivido.<br />

Elucidativo é o caso do videocassete, mencionado por Paulo<br />

Lobô ' 8 em sua obra. Segundo o aludido autor, em uma análise da<br />

evolução jurisprudencial sobre o tema, as primeiras decisões permitiam<br />

a sua penhora, por entendê-lo como um bem de alto luxo, um<br />

ad orno suntuoso. Posteriormente, com a galopante reduçã o do seu<br />

valor e acessibilidade, concluiu -se pela sua impenhorabilidade, haja<br />

vista integrar o bem de família, como algo indispensável. Hodiernamente,<br />

sequer ouvimos falar no referido produto.<br />

Isto mostra como algo suntuoso torna-se trivial e, posteriormente,<br />

inútil, a depender do contexto. Cabe ao operador do direito tal análise.<br />

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho' 9 defendem, lastreados<br />

em notícias do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais<br />

e do Tribunal Superior do Trabalho, a impenhorabilidade de jazigos<br />

familiares, ante a noção de ser a residência familiar pós mortem, no<br />

que concordamos. Trata-se de uma interessante reflexão.<br />

Ainda hoje é fruto de larga divergência no Superior Tribunal de<br />

justiça a (im)penhorabilidade do ar condicionado e o seu alcance<br />

como bem de família. Com efeito, a jurisprudência não se assenta<br />

sobre o assunto.<br />

27. Encontrado em http://expresso-noticia.jusbrasil.corn.br/noticias/625116/stf-define-bens-de-devedor-que-podem-ser-penhorados<br />

28. Op. Cit. Pág. 400.<br />

29. Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 328/329.<br />

527


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o<br />

tema?<br />

PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA. APA­<br />

RELHO DE AR CONDICIONADO. IMPENHORABILIDADE. LEI N.•<br />

8.009/90.<br />

1. É impenhorável o imóvel residencial caracterizado<br />

como bem de família, bem como os móveis que guarnecem<br />

a casa, nos termos do artigo 1. 0 , e seu parágrafo único,<br />

da Lei n.• 8.009, de 25 de março de 1990. Precedentes:<br />

AgRg no AG n. 0 822.465/RJ, Rei. Min. José Delgado, DJU de<br />

10/05/2007; REsp n. 0 277.976/RJ, Rei. Min. Humberto Gomes<br />

de Barros, DJU de OS/03/2005; REsp n. 0 69i.729/SC, Rei. Min.<br />

Franciulli Netto, DJU de 25/04/2005; e REsp n. 0 300.411/MG,<br />

Rei. Min. Eliana Calmon, DJU de 06/10/2003.<br />

2. O artigo 2. 0 da mencionada Lei, que dispõe sobre a<br />

impenhorabilidade do bem de família, aponta os bens<br />

que devem ser excluídos da impenhorabilidade, quais<br />

sejam: veículos de transporte obras de arte e adornos<br />

suntuosos.<br />

3. ln casu, os bens de propriedade dos recorridos, sob os<br />

quais externa o exequente a pretensão de fazer recair a<br />

penhora (aparelhos de ar condicionado), não se enquadram<br />

em nenhuma das hipóteses previstas no referido<br />

dispositivo, pelo que não há falar em ofensa ou negativa<br />

de vigência a lei federal.<br />

4. Recurso especial a que se nega provimento.<br />

Apesar disto, como posto, o tema ainda é complexo. A<br />

prova desta afirmação está numa decisão da Segunda<br />

Turma do STJ que, ao contrário dos magistrados das Terceira<br />

e Quinta Turmas, concluiu que o aparelho de ar-condicionado<br />

não é indispensável à sobrevivência e pode<br />

ser penhorado. Para os Ministros, o equipamento não<br />

deve ser considerado bem suntuoso, mas também não é<br />

imprescindível à sobrevivência familiar.<br />

A Turma ressaltou que o ar-condicionado não representa<br />

uma demonstração exterior de riqueza, mas não seria<br />

justo a família continuar usufruindo desse conforto e utilidade<br />

se tinha dívidas a quitar."'<br />

528


BEM DE FAMÍLIA<br />

E a vaga de garagem? Entra, ou não, como bem de família?<br />

Este tema já fora pacificado. Afirma a Súmula 449 do Superior Tribunal<br />

de Justiça que "a vaga de garagem que possui matrícula própria no<br />

registro de imóveis não constitui bem de fami1ia para efeito de penhora".<br />

~ E na hora da prova?<br />

No que se refere ao enfrentamento jurisprudencial do bem de família, a<br />

prova para o cargo de Juiz - T]AC, banca CESPE, ano de 2012, considerou<br />

falsa a seguinte assertiva: "vaga de garagem com matrícula própria no<br />

registro de imóveis constitui bem de família para efeito de penhora".<br />

Logo, em não tendo a vaga de garage matrícula própria, considera-se<br />

como integrante do imóvel e, por consequência, merecedora<br />

da tutela do bem de família legal. Caso, porém, tal vaga tenha a sua<br />

matrícula individualizada, a jurisprudência a considerará como um<br />

bem autônomo e, por conseguinte, não estará sob o manto protetivo<br />

do bem de família legal.<br />

Mas até quando dura a proteção do bem de família? Seria eterna?<br />

Devemos ficar atentos ao fato de que a mera dissolução da entidade<br />

familiar não gera, como consequência automática, a extinção<br />

do bem de família. De fato, permanecendo o bem na posse do ex­<br />

-cônjuge, ou ex-convivente, e filhos, ainda persiste como natureza<br />

familiar e, por conseguinte, como impenhorável.<br />

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o<br />

tema?<br />

Processo: AgRg no REsp 1216187 SC 2010/0192345-0<br />

Relator(a): Ministro HUMBERTO MARTINS<br />

Julgamento: 22/02/2011<br />

Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA<br />

Publicação: DJe 04/03/2011<br />

30. Encontrado em http://expresso-noticia.jusbrasil.com .br/noticias/625116/stf-define-bens-de-devedor-que-podem·ser-penhorados<br />

529


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ementa: PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. BEM DE FAMÍLIA. OCUPAÇÃO DO<br />

IMÓVEL POR FILHO, INTEGRANTE DA ENTIDADE FAMILIAR. IMPE·<br />

NHORABILIDADE.<br />

A Lei n. 8.009/90 estabeleceu a impenhorabilidade do bem<br />

de família, incluindo na série o imóvel destinado à moradia<br />

do casal ou da entidade familiar; a teor do disposto<br />

em seu art. i•. 2. Sendo a finalidade da Lei n. 8.009/90 a<br />

proteção da habitação familiar, é correta a decisão da<br />

Corte de origem que reconheceu a impenhorabilidade do<br />

único imóvel onde reside um dos filhos do casal. Precedentes<br />

da Segunda Turma do STJ (REsp i.059.8o5/RS, Rei.<br />

Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 26.8.2008,<br />

D)e 2.10.2008; REsp I.024.394/RS, Rei. Min. Humberto Martins,<br />

Segunda Turma, julgado em 4.poo8, D)e i4.3.2008).<br />

Agravo regimental improvido.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

Acerca do tema acima abordado, o julgado do Superior Tribunal de justiça:<br />

caracterização como bem de família do único imóvel residencial<br />

do devedor cedido a familiares.<br />

Constitui bem de família, insuscetível de penhora, o único<br />

imóvel residencial do devedor em que resida seu familiar,<br />

ainda que o proprietário nele não habite. De fato,<br />

deve ser dada a maior amplitude possível à proteção<br />

consignada na lei que dispõe sobre o bem de família (Lei<br />

8.009/90), que decorre do direito constitucional à moradia<br />

estabelecido no caput do art. 6• da CF. para concluir<br />

que a ocupação do imóvel por qualquer integrante da<br />

entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica<br />

do bem de família. fRfsp 1.216.187-SC. rei. Min. Amoldo Esteves<br />

Lima, 14.5.14. 2° S. (ln/o 543)<br />

Recente e interessante fenômeno, decorrente da pós-modernidade<br />

e o qual vem impactando na seara do bem de família,<br />

é a mitigação da coabitação nas entidades familiares. Não raro,<br />

nos dias atuais, cônjuges e companheiros coabitam em imóveis<br />

diversos. Em outros casos, o sujeito tem uniões paralelas, com<br />

mais de um núcleo familiar simultâneo, em imóveis diversos de<br />

sua titularidade.<br />

530


BEM DE FAM ÍLIA<br />

Como proceder, neste caso, no que tange à tutela do bem de<br />

família?<br />

Para Maria Berenice Dias 3 ', em tais cenários - nos quais devedor<br />

é proprietário de dois imóveis, cada um destinado à residência de<br />

uma das entidades familiares - é mister reconhecer que as duas<br />

residências estão resguardadas pelo manto da impenhorabilidade<br />

do bem de família. A problemática, porém, ainda não está dissolvida<br />

na jurisprudência extraordinária nacional, merecendo ponderações.<br />

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o<br />

tema?<br />

AgRg no AREsp 30158o / RJ<br />

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL<br />

2013/0047456-0<br />

Ministro SIDNEI BENETI (1137)<br />

T3 - TERCEIRA TURMA<br />

28/05/2013<br />

D]e 18/06/2013<br />

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPE­<br />

CIAL. EXECUÇÃO. DEVEDORES PROPRIETÁRIOS DE DOIS IMÓVEIS.<br />

HIPÓTESE DE UM DOS IMÓVEIS DESTINAR A MORADIA DO FILHO.<br />

PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE BEM DE<br />

FAMÍLIA. IMPOSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO.<br />

1.- O Superior Tribunal de Justiça já consolidou seu entendimento<br />

no sentido de que a proteção ao bem de família<br />

pode ser estendida ao imóvel no qual resida o devedor<br />

solteiro e solitário.<br />

2.- Esse entendimento, porém, não se estende à hipótese<br />

de mera separação de fato de um dos membros da<br />

família, do ponto de vista jurídico, denota a existência<br />

de uma família e dois imóveis por ela utilizados como<br />

residência e proteger ambos com a impenhorabilidade<br />

disposta na Lei n. 8.009/1990 significaria ampliar demasiadamente<br />

o âmbito da lei, o que apresenta um risco<br />

adicional a facilitar a prática de fraudes. Além disso, a<br />

abertura dessa possibilidade de alargamento da impenhorabilidade<br />

significaria abertura de oportunidade de<br />

criação de incidentes processuais que levariam a mais<br />

uma hipótese de eternização do processo de execução.<br />

31. Op. Cit. p. 529.<br />

531


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Precedente: REsp 518.711/RO, Relator Ministro ARI PARGEN­<br />

DLER, Relator(a) p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira<br />

Turma, DJe 05/09/2008.<br />

Ainda seguindo na análise das exceções às impenhorabilidades<br />

do bem de família legal - ou seja, hipóteses em que mesmo o bem<br />

de família legal pode ser alcançado por execuções - interessante a<br />

visita ao art. 3° da Lei 8009/90. Tal norma veicula um rol taxativo de<br />

exceções a impenhorabilidade. Cita -se:<br />

Art. 3° A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo<br />

de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de<br />

outra natureza, salvo se movido:<br />

1 - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência<br />

e das respectivas contribuições previdenciárias;<br />

li - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado<br />

à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos<br />

créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo<br />

contrato;<br />

Ili - pelo credor de pensão alimentícia;<br />

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e<br />

contribuições devidas em função do imóvel familiar;<br />

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido<br />

como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;<br />

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para<br />

execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,<br />

indenização ou perdimento de bens.<br />

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em con ­<br />

trato de locação. (Incluído pela Lei n° 8.245, de 1991)<br />

~ E na hora da prova?<br />

O concurso para a seleção do cargo de Promotor Substituto, MPE - PR,<br />

ano de 2013, trouxe a seguinte questão:<br />

A impenhorabilidade do bem de família legal (Lei n° 8.009/90) não é<br />

oponível:<br />

1 - Em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das<br />

respeàivas contribuições previdenciárias;<br />

532


BEM DE FAMÍLIA<br />

li - Pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção<br />

ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos<br />

constituídos em função do respectivo contrato;<br />

Ili - Pelo credor de pensão alimentícia;<br />

IV - Para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições<br />

devidas em função do imóvel familiar.<br />

Gabarito: todos os alternativas estão corretos.<br />

Vamos visitar as exceções!<br />

A primeira exceção capitulada na norma informa a penhorabilidade<br />

do bem de família para créditos dos trabalhadores da própria<br />

residência e respectivas contribuições previdenciárias. A exceção<br />

funda-se em dois argumentos:<br />

a) A natureza alimentar do crédito;<br />

b) O nexo de causalidade do crédito com o bem imóvel.<br />

Segundo Carlos Roberto Gonçalves 3 ', a exceção em comento também<br />

abrange os créditos dos trabalhadores que ajudaram a edificar<br />

a residência, a exemplo de pedreiros, marceneiros, eletricistas, entre<br />

outros. Concordamos com a ilustre doutrina. Outrossim, a contribuição<br />

previdenciária referida na norma é a oficial, não abrangendo<br />

planos de previdência privada.<br />

Todavia, ainda de acordo com o aludido autor, não estão abrangidos<br />

os créditos decorrentes de trabalhos domésticos terceirizados,<br />

nem de serviços prestados por empregados do condomínio, pois tais<br />

pessoas não se subsumem a expressão "empregados da residência".<br />

Com efeito, como recordam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona<br />

Filho 33 , segundo a Lei Federal no 2.757/56, os empregados porteiros,<br />

zeladores e serventes de prédios de apartamentos residenciais<br />

estão excluídos da condição de trabalhadores domésticos (art.<br />

i 0 ) e, pelos seus créditos trabalhistas, responderão os condôminos,<br />

de forma proporcional (art. 3° ).<br />

32. Op. Cit. p. 572.<br />

33. Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 330.<br />

533


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A segunda exceção diz respeito à crédito decorrente de financiamento<br />

para aquisição ou construção do próprio imóvel, o qual se<br />

tornou bem de família. Não seria crível a possibilidade de alguém<br />

obter um empréstimo (financiamento) para a aquisição do imóvel e,<br />

posteriormente, arguir a sua impenhorabilidade em face da execução<br />

dos valores do financiamento. A segurança jurídica seria posta<br />

em xeque.<br />

De fato, se assim não o fosse os desprovidos de imóvel obteriam<br />

financiamento e não o pagariam, arguindo a tese do bem de família,<br />

numa ostensiva situação de abuso de direito (CC, 187), desatendendo<br />

a função social dos contratos (CC, 421) e da propriedade (CC,<br />

1.228, §1 o).<br />

Avançando no rol de exceções à impenhorabilidade, a terceira se<br />

relaciona ao credor de pensão alimentícia. A obrigação alimentícia<br />

acaba, por última análise, promovendo o direito à vida. Justo por<br />

isto merece especial atenção no direito brasileiro. Tanto é assim que<br />

optamos, no Brasil, em permitir a prisão do devedor de alimentos<br />

em algumas situaçõesi•.<br />

Nessa linha de pensamento, alinhando-se ao fato de que a execução<br />

há de ser a menos gravosa ao devedor (art. 620 do CPC), melhor<br />

do que o cerceamento de sua liberdade, com a respectiva prisão<br />

civil, é a penhora do bem de família.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 620, CPC, passará a ser o art. Bo5 no novo CPC (NCPC).<br />

Caso o imóvel seja de um núcleo familiar e a dívida de apenas um<br />

dos integrantes, é possível o outro titular do direito de propriedade,<br />

mediante embargos de terceiros, resguardar a sua parcela proprietária.<br />

Veja como a jurisprudência enfrenta o tema:<br />

Processo: AI 564780 SC 2011.056478-0<br />

Relator(a): Luiz Carlos Freyesleben<br />

Julgamento: io/11/2011<br />

34. Para o aprofundamento do tema, remete-se o futuro aprovado ao capítulo dedicado<br />

ao tema alimentos. Lá verifica-se todo o procedimento da prisão civil em<br />

tela e a menção a legislação, doutrina e jurisprudência nacionais.<br />

534


BEM DE FAMÍLIA<br />

Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil<br />

Publicação: Agravo de Instrumento n., de Garopaba<br />

Parte(s): Agravante: L. G. K.<br />

Agravado: E. M. C. K.<br />

Ementa: <strong>CIVIL</strong>. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. BEM DE FAMÍLIA. IM­<br />

PENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. EXEGESE DO ART. 3°, Ili, DA LEI N°<br />

8.009/90. IMÓVEL ADQUIRIDO EM CONDOMÍNIO ENTRE O DEVEDOR<br />

E SUA ATUAL ESPOSA. PENHORA SOBRE 50º.b DO IMÓVEL. NULIDADE<br />

INEXISTENTE. BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. PENHORA RECAIN­<br />

DO SOBRE O CRÉDITO E NÃO SOBRE O IMÓVEL EM SI. DECISÃO<br />

MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.<br />

Não é oponível a impenhorabilidade do bem de família quando<br />

a execução tem por escopo satisfazer verba alimentar,<br />

a teor do art. 3°, Ili, da Lei 8.009/1990. Não há nulidade da<br />

penhora quando ela atinge somente 50º.b do imóvel, por se<br />

tratar de bem em condomínio. A penhora sobre bem alienado<br />

fiduciariamente incide sobre os créditos contratuais e não<br />

sobre o imóvel em si mesmo. Daí a possibilidade da penhora.<br />

Entendemos que tal exceção não abrange os alimentos decorrentes<br />

da prática de ilícito civil (CC, arts. 948 e 950), os quais referem-se<br />

a indenização ex de/icto, dizendo respeito apenas a alimentos decorrentes<br />

do casamento, da união estável ou do parentesco (alimentos<br />

familiares). É o mesmo raciocínio que se aplica a prisão civil, a qual<br />

também não se estende aos alimentos decorrentes de responsabilidade<br />

civil.<br />

Dando continuidade ao rol de exceções, percebe-se a impossibilidade<br />

de arguição da tese do bem de família em face de cobrança<br />

de obrigações propter rem 35 (IPTU, ITR, taxas e contribuições devidas<br />

em função do imóvel). O pensamento aqui é cristalino. O imóvel há<br />

de responder pelas obrigações dele decorrentes.<br />

Mas a exceção em comento não abrange outros tributos, a exemplo<br />

de Imposto de Renda e Imposto Sobre Serviços. Sim, porque não<br />

35. Entende-se por obrigações propter rem aquelas que aderem à coisa, e a acompanham<br />

onde quer que ela vá. O devedor da obrigação propter rem é o proprietário<br />

da coisa. O tema foi devidamente aprofundado no volume dedicado às<br />

obrigações.<br />

535


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

é possível atingir o bem de moradia por tributos que nenhum vínculo<br />

de causalidade possua com os mesmos.<br />

Dúvida relevante é se a exceção em comento abrangeria as taxas<br />

condominiais, as quais não estão expressas no texto legislativo.<br />

Há na doutrina - a exemplo de Carlos Roberto Gonçalves 36 - e na<br />

jurisprudência - Superior Tribunal de Justiça (Resp 152.512-SP. Terceira<br />

Turma. Rei. Min. Waldemar Zveiter. Julgado em 3-2-1999), quem admita<br />

tal exceção.<br />

Mas o tema ainda é divergente. Entre os que discordam, merecem<br />

lembrança Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 37 , os<br />

quais entendem que a exceção não contempla as taxas condominiais.<br />

Igualmente não é possível a objeção do bem de família quando o<br />

imóvel houver sido adquirido com o produto do crime ou para execução<br />

de sentença penal condenatória de ressarcimento, indenização<br />

ou perdimento de bens. Claramente, aqui, a questão é de visível<br />

opção legislativa, considerando o direito penal como ultima ratio e a<br />

prevalência do combate à este tipo de situação que, por outro viés,<br />

agride a própria noção de eticidade.<br />

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o<br />

tema?<br />

Informativo 524:<br />

<strong>DIREITO</strong> PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. EXCEÇÃO À IMPENHDRABIUDADE<br />

DO BEM DE FAMÍLIA.<br />

No âmbito de execução de sentença civil condenatória<br />

decorrente da prática de ato ilícito, é possível a penhora<br />

do bem de família na hipótese em que o réu também<br />

tenha sido condenado na esfera penal pelo mesmo fundamento<br />

de fato. A Lei 8.009/1990 institui a impenhorabi·<br />

lidade do bem de família como instrumento de tutela do<br />

direito fundamental à moradia. Por sua vez, o inciso VI do<br />

art. 3° desse diploma legal estabelece que Ha impenhora·<br />

bilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,<br />

fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,<br />

salvo se movido por ter sido adquirido com produto de<br />

crime ou para execução de sentença penal condenatória<br />

a ressarcimento, indenização ou perdimento de bensH.<br />

36. Op. Cit. Pág. 571.<br />

~3o Novo Direito Civil. Parte Geral. IS edição. Pág. 330/331.


BEM DE FAMÍLIA<br />

O legislador. ao registrar a exceção, não tratou do caso de<br />

execução de título judicial civil decorrente da prática de<br />

ato ilícito, ainda que devidamente apurado e cuja decisão<br />

tenha transitado em julgado. Nesse contexto, pode-se con ­<br />

cluir que o legislador optou pela prevalência do dever do<br />

infrator de indenizar a vítima de ato ilícito que tenha atingido<br />

bem jurídico tutelado pelo direito penal e que nesta<br />

esfera tenha sido apurado, sendo objeto, portanto, de<br />

sentença penal condenatória transitada em julgado. Dessa<br />

forma, é possível afirmar que a ressalva contida no inciso<br />

VI do art. 3° da referida lei somente abrange a execução<br />

de sentença penal condenatória - ação civil ex delicto -,<br />

não alcançando a sentença cível de indenização, salvo<br />

se, verificada a coexistência dos dois tipos, as decisões<br />

tiverem o mesmo fundamento de fato. Precedente citado:<br />

REsp 209.403-RS, Terceira Turma, DJ 5/2/2001. REsp i.02i.440-<br />

SP, Min. Rei. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013.<br />

A última e mais polêmica exceção diz respeito à possibilidade<br />

de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação de<br />

imóveis urbanos.<br />

Extremamente contestada pela doutrina, tal exceção foi incluída na<br />

Lei Federal n° 8.009/90 (Lei do Bem de Família Legal) pelo artigo 82 da<br />

Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), o que fora declarado constitucional pelo<br />

Supremo Tribunal Federal (STF, RE 407.688-SP. Rei. Min. Cezar Peluso).<br />

Para a doutrina, verifica-se um grave e claro equívoco legislativo,<br />

pois além de ferir o direito à moradia, patrimônio mínimo e dignidade<br />

da pessoa humana do fiador - quem poderá perder o seu único<br />

bem de moradia - fulmina a isonomia. Afinal os bens - moveis ou<br />

imóveis- eventualmente existentes do locatário (o devedor principal)<br />

não poderão ser penhorados, uma vez que incidirá sobre eles<br />

a impenhorabilidade legal (arts. 1° e 2° da Lei 8009/90). Já o bem do<br />

garantidor (fiador) poderá ser penhorado. Como pode?<br />

Não há lógica de pensamento que referende esta linha legislativa,<br />

como afirmam Álvaro Villaça de Azevedo 38 , Pablo Stolze Gagliano e<br />

Rodolfo Pamplona Filho 39 e tantos outros.<br />

38. Bem de Família. P. 55.<br />

39. Novo Direito Civil. Parte Geral. 15 edição. Pág. 331.<br />

537


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Fiquem atentos!<br />

A Constituição Federal (an. 5• XXVI e 186), atenta ao ideal de uma propriedade<br />

funcionalizada, impossibilita a penhora da pequena propriedade<br />

rural, assim definida na lei, em relação aos débitos decorrentes da atividade<br />

produtiva desempenhada pela família.<br />

Verifica-se, in casu, uma impenhorabilidade relativa, a qual exige três<br />

pressupostos cumulativos: a) o bem identificado como pequena propriedade<br />

rural b) utilização da terra para o trabalho familiar e c) a dívida deve<br />

ter sido contraída em razão da atividade produtiva.<br />

Destane, mesmo que não se encontre regulamentação de tal dispositivo<br />

constitucional, não há como lhe negar vigência, em face da determinação<br />

de eficácia imediata das garantias fundamentais.<br />

Panindo para a análise infraconstitucional, a Lei 8.009/1990, bem como o<br />

Código de Processo Civil (an. 649, X), concederam uma nova dimensão à<br />

impenhorabilidade do imóvel rural, mesmo que se restrinja à sede da moradia,<br />

não a condicionando à natureza do débito. Isto, porque, ao elencar<br />

as impenhorabilidades, a Lei 8.009/90 a defere à pequena propriedade<br />

rural, assim definida em lei, desde que trabalhada em família (an. 4°,<br />

parágrafo segundo).<br />

Mas, então: o que seria a pequena propriedade rural?<br />

Ante a ausência de uma referência específica, aplica-se. por analogia, o<br />

conceito de propriedade familiar do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64). Este,<br />

ao identificar o módulo rural, afirma consistir naquele que é direta e pessoalmente<br />

explorada pelo agricultor e sua família, lhes absorta toda a força<br />

de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social.<br />

3.2. Bem de Família Convencional, Não Cogente, Voluntário ou Facultativo<br />

Voltando-se os olhos para o Código Civil, agora adentraremos<br />

na análise do bem de família voluntário. Trata -se de modalidade<br />

subsidiária, pois a proteção do bem de família legal é automática,<br />

restando a tutela voluntária apenas para as hipóteses de instituição<br />

de tal bem por ato de vontade.<br />

Nas pegadas do art. 1.711 do Código Civil vigente, os cônjuges, a<br />

entidade familiar ou até mesmo um terceiro, possuem legitimação<br />

para instituir o bem de família convencional (CC 1.711). Caso tal bem<br />

seja instituído pelo cônjuge ou pela entidade familiar, haverá de ser<br />

feito mediante escritura pública (doação) ou testamento. Já se o<br />

ato de instituição for realizado por um terceiro, o será através de<br />

doação ou testamento.<br />

538


BEM DE FAMÍLIA<br />

Curioso perceber que apesar dos artigos codificados subsequentes,<br />

destinados ao tema, apenas mencionarem sobre os cônjuges, a<br />

doutrina vem admitindo a possibilidade de instituição por qualquer<br />

entidade familiar, aplicando-se a união estável, família monoparental,<br />

homoafetiva, etc. Este é o posicionamento, por exemplo, de Zeno<br />

Veloso 4 º, com o qual concordamos.<br />

Como o testamento é um ato essencialmente revogável, cujos<br />

efeitos apenas se darão após a morte, é plenamente possível que<br />

o instituidor, antes da sua morte, mude de ideia sobre o bem de<br />

família. Ademais, haverá o testador de atender a legítima e não desrespeitar<br />

interesses de terceiros, a exemplo de credores, como bem<br />

lembra Álvaro Villaça de Azevedo 4 '.<br />

Já a escritura pública de doação, perfeita e acabada, é irretratável,<br />

devendo o instituidor redobrar a sua atenção na referida manifestação<br />

de vontade.<br />

Por razões de ordem lógica, a instituição do bem de família demanda<br />

aceitação, não sendo imposta aos beneficiários.<br />

No sentido técnico, a oponibilidade deste bem de família, com a<br />

real percepção de sua impenhorabilidade, decorrerá do seu registro<br />

no respectivo cartório de imóveis (art. i.714 do CC). Neste momento,<br />

o bem em destaque será gravado como de família, passando a<br />

possuir, perante todos, ou seja, com eficácia erga omnes, a especial<br />

característica de impenhorabilidade.<br />

~ E na hora da prova?<br />

o concurso para o cargo de Promotor - MP/MG, ano de 2012, considerou<br />

correta a proposição: ·bem de família, quer instituído pelos cônjuges<br />

ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de<br />

Imóveis".<br />

Acerca do registro, seguimos com Zeno Veloso 42 , para quem o Código<br />

Civil, no particular, derrogou a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Pú-<br />

40. Op. Cit. p. 524.<br />

41. Bem de Família. Pág. 159<br />

42. Código Civil Comentado: Direito de Família, Alimentos, Bem de Família, União<br />

Estável, Tutela e Curatela. V. XVII, p. 92.<br />

539


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

blicos), dispensando-se a publicação de edital pelo oficial de registro<br />

imobiliário quando da instituição do bem de família. Isto, porque o<br />

próprio registro, puro e simples, já trás consigo o atributo da publicidade.<br />

Uma vez instituído o bem de família voluntário, deixa o imóvel de<br />

responder pelas dívidas futuras do devedor. Tal impenhorabilidade,<br />

porém, não terá efeitos retroativos (art. i.715 do CC). A lógica, aqui,<br />

é a tentativa de se evitar fraudes. Se a garantia do crédito está domiciliada<br />

no patrimônio do devedor, adverte Maria Berenice Dias 43<br />

que concedido um empréstimo a alguém, pelo lastro patrimonial que<br />

possui, descabida que a posterior instituição de bem de família venha<br />

a afastar a garantia do credor. Protege-se, ademais, a segurança<br />

jurídica e prestigia o tempus regit actum.<br />

Por se dirigir ao futuro, afirma Paulo Lobô 44 que o bem de família<br />

voluntário tem natureza preventiva, diferentemente do legal, o qual<br />

pode alcançar penhoras anteriores à vigência da Lei 8.009/90 - Súmula<br />

205 do STJ -, sendo de natureza repressiva.<br />

Contudo, apesar do manto da impenhorabilidade irretroativa, é<br />

possível se verificar, excepcionalmente, o atingimento do bem de<br />

família por dívidas futuras. Sim. O Código Civil trás exceções à impenhorabilidade.<br />

Logo, verifica-se na hipótese uma impenhorabilidade<br />

limitada.<br />

Tem-se como possível, então, que o bem de família voluntário<br />

responda, mesmo após a sua instituição, por tributos relativos ao<br />

imóvel - a exemplo do IPTU e ITR - ou despesas de condomínio. Ou<br />

seja: o bem de família voluntário pode ser atingido por obrigações<br />

propter rem.<br />

Assim, sistematicamente, pode-se informar que a instituição do<br />

bem de família será ineficaz no que diz respeito às dívidas anteriores,<br />

bem como aquelas, ainda que posteriores à instituição, relacionadas<br />

a tributos do imóvel ou despesas de condomínio, em razão<br />

da natureza propter rem.<br />

43. Código Civil Comentado. V. XVII, p. 78. No mesmo sentido coloca-se a doutrina de<br />

Eduardo de Oliveira Leite, em Famílias Monoparentais, p. 18-19.<br />

44. Op. Cit. Pág. 403.<br />

540


BEM DE FAMÍLIA<br />

Nas supracitadas e raras hipóteses em que o bem de família for<br />

atingido, o eventual saldo remanescente da execução deverá de ser<br />

destinado a outro bem, com a mesma natureza familiar, ou em títulos<br />

da dívida pública, para sustento da família, salvo se o magistrado<br />

entender por solução diversa (art. i.715 do CC).<br />

o objeto do bem de família convencional é o máximo de um<br />

terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição. Deve<br />

dizer respeito a um bem livre e desembaraçado, não sendo possível<br />

causar prejuízo aos credores do instituidor. Caso gere tal prejuízo,<br />

percebe-se a configuração de fraude contra credores, devidamente<br />

combatia mediante ação pauliana ou revocatória, estudada no volume<br />

da Parte Geral.<br />

Concordamos com Paulo Lobô 45 para quem a verificação do limite<br />

de um terço dar-se-á: a) no caso de escritura pública, quando da sua<br />

lavratura e b) na hipótese de testamento, no momento da abertura<br />

da sucessão (morte do de cujus).<br />

Tal limite de um terço acaba ocasionando uma elitização do bem<br />

de família voluntário. Isto, porque, as classes menos abastadas - esmagadora<br />

maioria da população brasileira - terão no bem de moradia<br />

patrimônio superior a um terço do acervo pessoal. Logo, em<br />

tais casos, não seria inteligente a instituição do bem de família em<br />

comento, sendo mais aconselhável manter-se na tutela da modalidade<br />

legal (bem de família legal). Neste mesmo sentido posiciona-se a<br />

doutrina de Carlos Roberto Gonçalves 46 e Paulo Lobô 47<br />

O bem destinado como de família pode ser um imóvel urbano ou<br />

rural, com os seus respectivos bens móveis que o guarnecem (pertenças<br />

e acessórios). Tal bem deve ser destinado ao domicílio familiar.<br />

No que tange a tais bens que guarnecem o lar, a jurisprudência<br />

informa a necessidade de análise segundo um juízo de ponderação<br />

de interesses, sendo possível o atingimento aos bens supérfluos.<br />

Pensa-se inconcebível a tese de que integram o bem de família, por<br />

exemplo, quinze televisores de LCD. Tais não são indispensáveis à<br />

manutenção de um padrão mínimo de vida.<br />

45. Op. Cit. Pág. 404.<br />

46. Op. Cit. Pág. 558.<br />

47. Op. Cit. Pág. 563.<br />

541


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

D concurso para provimento do cargo de Juiz do Trabalho, TRT 6• Região<br />

(PE), banca FCC, ano de 2013, considerou verdadeira a seguinte proposição:<br />

"podem os cônjuges ou a entidade familiar destinar parte de seu<br />

patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um<br />

terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição: mediante<br />

escritura pública ou testamento, sem prejuízo das regras sobre a impenhorabilidade<br />

do imóvel residencial estabelecida em lei especial, que<br />

consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e<br />

acessórios, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada<br />

na conservação do imóvel e no sustento da família".<br />

É admissível a instituição de valores mobiliários como bem de<br />

família, cujos rendimentos se destinam à conservação do imóvel e<br />

ao sustento da família (CC, art. 1712). Ações, portanto, podem ser<br />

gravadas como bem de família. Entrementes, lembra Maria Berenice<br />

Dias 48 , tais valores ficam vinculados ao imóvel e não podem exceder<br />

o valor do bem. Igualmente serão estes valores devidamente<br />

individualizados (CC, art. i.713, § 1°) e nominados no instrumento de<br />

instituição (CC, art. i.713, §2°).<br />

Neste ponto é elucidativa a doutrina de Marcione Pereira dos<br />

Santos 49 para quem a ampliação do bem de família convencional,<br />

oriunda da Codificação pátria, "permite ao instituidor destinar à família<br />

ou entidade familiar meios de prover a própria subsistência".<br />

Então, é crível afirmar que não mais se faz necessário residir<br />

em um bem para que ele seja de família. Tal ideal já fora, até mesmo,<br />

sumulado. Entende o Superior Tribunal de Justiça, através da<br />

sua Súmula 486 que é impenhorável o único imóvel residencial do<br />

devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com<br />

a locação seja revertida para a subsistência ou moradia da famflia.<br />

Exemplifica-se com o cidadão que, por força do trabalho, alterou o<br />

seu domicílio, colocando o imóvel do antigo domicílio em locação e<br />

provendo, com tais valores, a sua moradia e subsistência no novo<br />

domicílio.<br />

48. Op. Cit. p. 397.<br />

49. ln Bem de Família: Voluntário e Legal. P. ioo.<br />

542


BEM DE FAMÍLIA<br />

• E na hora da prova?<br />

Acerca deste tema, quanto ao bem que é objeto do contrato de locação,<br />

o concurso para Juiz/TJSP, organizado pela banca VUNESP, ano de 2013,<br />

trouxe como gabarito a seguinte alternativa: ué impenhorável o único<br />

imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que<br />

a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a<br />

moradia da sua famíliaw.<br />

A administração do bem de família compete a ambos os cônjuges,<br />

cabendo ao Poder Judiciário resolver as eventuais divergências<br />

(CC, art. i.720). Mais uma vez há indevida intromissão estatal<br />

na vida privada, em afronta ao paradigma do direito de família<br />

mínimo 5 º.<br />

Apesar do silêncio da norma, a doutrina, por equiparação, vem<br />

informando que na hipótese de união estável, os companheiros serão<br />

coadministradores.<br />

No falecimento de um dos cônjuges, ou companheiros, a referida<br />

administração caberá ao outro. Falecendo ambos, ao filho mais velho,<br />

caso maior. Se o citado filho não for maior, caberá ao seu tutor.<br />

Nada impede que a administração seja realizada por instituição<br />

financeira, quando disser respeito a valores mobiliários. Aqui, há<br />

de ser disciplinada a forma de pagamento da respectiva renda aos<br />

beneficiários, guiando-se a responsabilidade dos administradores<br />

pelas normas relacionadas ao depósito. Além disto, caso a aludida<br />

instituição entre em liquidação ou recuperação, os valores confiados<br />

a título de bem de família serão transferidos, por ordem do Juiz, a<br />

outra instituição semelhante (art. i.718 do CC).<br />

O bem de família voluntário é inalienável?<br />

A resposta é negativa. Cuidadosamente, afirma o legislador que<br />

o prédio e os valores mobiliários instituídos como bem de família<br />

apenas poderão ser alienados mediante consentimento dos interessados<br />

e seus representantes legais, após oitiva do Ministério Público.<br />

50. Sobre o tema há uma interessante obra do autor Leonardo Moreira Alves, intitulada<br />

Direito de Família Mínimo, da editora Lúmen Juris. Indica-se a consulta!<br />

543


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

O valor decorrente da venda deverá ser destinado a outrom bem, o<br />

qual manterá a sua afetação familiar (sub-rogação), após a competente<br />

oitiva do Ministério Público (art. i.719 do CC).<br />

Em sendo necessária a oitiva do Ministério Público, crível concluir,<br />

como o faz Carlos Roberto Gonçalves 5 ', ser necessária a autorização<br />

judicial para tal alienação, inclusive com nomeação de curador aos<br />

filhos menores, caso necessário.<br />

Infere-se, então, que a inalienabilidade do bem de família voluntário<br />

é relativa.<br />

Mas, até quando perdurará o bem de família voluntário? o Código<br />

Civil possui alguns artigos sobre o tema, os quais demandam uma<br />

interpretação sistemática.<br />

Veja-se.<br />

Na forma do artigo i.721 do Código Civil, tal bem de família<br />

não restará extinto pela dissolução da entidade familiar. Já no<br />

artigo 1.716, do mesmo diploma legal, percebe-se que o bem de<br />

família durará enquanto tiver vida um dos cônjuges ou, na sua<br />

falta, até a maioridade civil da prole. Indo além, agora fazendo<br />

a leitura do artigo 1.722 do Código Civil, infere-se que ainda persistirá<br />

o bem de família voluntário, mesmo após o falecimento<br />

dos cônjuges e maioridade dos filhos, desde que haja algum<br />

filho em curatela.<br />

Em uma interpretação sistemática, portanto, percebe-se que enquanto<br />

houver cônjuges, filhos menores ou incapazes, persistirá o<br />

bem de família voluntário.<br />

Conclui Caio Mário da Silva Pereira 52 que a impenhorabilidade do<br />

bem de família voluntário é relativa em dois sentidos: a) seletivamente,<br />

pois é irretroativa e b) temporária, pois apenas persistirá<br />

enquanto houver núcleo familiar.<br />

Por fim, recorda Álvaro Villaça de Azevedo 5 i, em específica monografia<br />

sobre o tema, que nada impede que o próprio cônjuge ou<br />

51. Op. Cit. Pág. 566.<br />

52. Instituições do Direito Civil. V. 5. P. 561-562.<br />

53. Bem de família.<br />

544


BEM DE FAMÍLIA<br />

companheiro, em virtude da morte do outro, requeira a extinção<br />

do bem de família, desde que tal ato não gere prejuízo à prole, na<br />

forma do artigo 1.721, parágrafo único do Código Civil.<br />

• E na hora da prova?<br />

Quanto ao conceito do bem de família, o concurso para o provimento<br />

do cargo de Promotor - MP/MG, ano de 2012, considerou verdadeira a<br />

assertiva: uo bem de família consistirá em prédio residencial urbano<br />

ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os<br />

casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja<br />

renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família".<br />

No que se refere a esta matéria, a banca organizadora CESPE, na prova<br />

para Procurador - Assistência Judiciária, DPE-DF, ano de 2006, considerou<br />

errada a assertiva: uo ordenamento jurídico pátrio possui como regra a<br />

impenhorabilidade do bem de família. Essa impenhorabilidade é oponível<br />

em qualquer ação de execução movida por descumprimento de<br />

obrigação assumida pelo devedor, ainda que decorrente de fiança concedida<br />

em contrato de locação".<br />

545


PARTE li<br />

Direito Sucessório<br />

Capítulo 1 ~<br />

Introdução ao Direito Sucessório<br />

Capítulo li ~ Sucessão em Geral<br />

Capítulo Ili ~ Sucessão Legítima<br />

Capítulo IV ~ Sucessão Testamentária


Capítulo 1<br />

Introdução ao<br />

Direito Sucessório<br />

Sumário • L O Significado da Expressão Direito Sucessório.<br />

2. O Conteúdo do Direito Hereditário. 3.<br />

Pressupostos do Direito Hereditário. 4. Fundamento<br />

Jurídico do Direito Sucessório. 5. Algumas Situações<br />

Nas Quais os Problemas Hereditários serão Resolvidos<br />

por Preceitos Específicos. 6. A Natureza jurídica<br />

da Herança. 7. As Pessoas Jurídicas de Direito Público<br />

e o Direito Hereditário. 8. O Pacto de Corvina.<br />

9. Princípios Específicos do Direito Hereditário. 9.i.<br />

Princípio da Saisine ou Droit Saisine. 9.2. Princípio<br />

da Coexistência. 9.3. Princípio da Intangibilidade da<br />

Legítima. 9.4. Tempus Regit Actum. 10. Conceitos Fundamentais.<br />

1. O SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Ao longo do tempo muitos foram aqueles que buscaram identificar<br />

o melhor sentido para a expressão direito sucessório. Seguramente,<br />

não somos nem os primeiros e nem os últimos nesta tarefa.<br />

Falando-se em sentido amplo, suceder significa substituir. Tal<br />

substituição pode ser objetiva, quando diga respeito ao objeto da<br />

relação jurídica (sucessão real); ou subjetiva, quando atinente aos<br />

sujeitos desta relação.<br />

Na seara subjetiva, tal sucessão pode se dar em vida (inter vivos),<br />

a exemplo da transmissão da obrigações; ou após a morte<br />

(mortis causa). Neste último caso, estar-se-á diante da sucessão em<br />

sentido estrito. Ou seja: do direito sucessório.<br />

Objetiva<br />

Sucessão<br />

{<br />

Subjetivo {<br />

Inter Vivos<br />

Mortis Causa<br />

549


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A sucessão objetiva e subjetiva inter vivos tem como locus de análise<br />

os volumes dedicados aos direitos obrigacionais e reais. Assim,<br />

neste volume, o escopo é o estudo da sucessão em sentido estrito;<br />

àquilo que se convencionou chamar, simplesmente, de direito sucessório.<br />

A doutrina, há muito, se dedica a conceituar o direito sucessório<br />

em sentido estrito. Logo, torna-se desnecessário reinventar aquilo<br />

que já se encontra assente na doutrina e na jurisprudência. Por tais<br />

razões, optamos por apresentar o significado do direito hereditário<br />

pelas vozes da clássica doutrina.<br />

Para Clóvis Beviláqua, Direito Sucessório é o "Complexo dos princípios<br />

segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém<br />

que deixa de existir"\ ou, ainda, o "conjunto das normas reguladoras<br />

da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em<br />

consequência de sua morte".<br />

Segundo Maria Helena Diniz, "O direito das sucessões vem a ser o<br />

conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de<br />

alguém, para depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou<br />

testamento [ ... ]no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão<br />

do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro'".<br />

Estudaremos agora este ramo do direito civil, que disciplina, a<br />

partir do evento morte, o que se deve fazer com o patrimônio jurídico<br />

transmissível (material ou imaterial) do falecido (de cujus), levando<br />

em consideração a vontade do mesmo (real ou presumida),<br />

os ativos e passivos, bem como a presença, ou não, de eventuais<br />

herdeiros para, deste modo, transmitir todas estas relações do finado<br />

a quem de direito .<br />

._<br />

Atenção!<br />

O termo de cujus é muito utilizado no direito hereditário e significa em<br />

latim •daquele de quem a sucessllo se trora•, ou como se diria ·de cujus<br />

sucessione agirur".<br />

i. ln Direito das Sucessões. p. 44.<br />

2. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 17<br />

550


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Outrossim, desnecessário evidenciar a relevância desta cadeira<br />

do direito civil. Todos morrem. Se é certo dizer que eventualmente<br />

alguém pode atravessar a vida sem nunca necessitar desta ou<br />

daquela especialização jurídica, uma coisa também é inegável: do<br />

direito hereditário todos necessitarão.<br />

2. O CONTEÚDO DO <strong>DIREITO</strong> HEREDITÁRIO<br />

Na fiel lição de Maria Helena Diniz, bem como atentos à estrutura<br />

legislativa e doutrinária existentes, é possível dividir o direito<br />

hereditário em quatro grandes áreas de interesse acadêmico: (a)<br />

Sucessão em Geral, (b) Sucessão Legítima, (c) Sucessão Testamentária<br />

e (d) Inventário ou partilha. 3 •<br />

Não são diversos os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves,<br />

ao afirmar que a Constituição Federal assegura o direito à herança em<br />

seu art. 5°, inciso XXX e o Código Civil disciplina este direito em quatro<br />

títulos que tratam, respectivamente, da sucessão em geral, da sucessão<br />

legítima, da sucessão testamentária e do inventário e da partilha 4 •<br />

A sucessão em geral tem como objeto de estudo as disposições<br />

relativas à abertura da sucessão (arts. i.784/i.790, CC), a administração<br />

da herança (arts. i.791/i.797, CC), a vocação hereditária<br />

(arts. i.798/1.803, CC), a aceitação e a renúncia da herança (arts.<br />

i.804/i.813, CC), a herança jacente (arts. i.819/i.823, CC), os excluídos<br />

da sucessão (arts. i.814/1,818, CC) e, finalmente, a petição da herança<br />

(arts. i.824/i.828, CC).<br />

A sucessão legítima disciplina a ordem de vocação hereditária<br />

(CC, arts. i.829/i.844), os herdeiros necessários (i.845/i.850, CC) e o<br />

direito de representação (CC, arts. i.851/i.856).<br />

A sucessão testamentária prescreverá sobre o testamento em<br />

geral, a capacidade de fazê-lo, as formas de testamento, o codicilo,<br />

as disposições testamentárias, os legados, o direito de acrescer, a<br />

redução das disposições testamentárias, as substituições, a deserdação,<br />

a revogação do testamento, o rompimento do testamento e,<br />

finalmente, o testamenteiro (CC, arts. i.857/i.990).<br />

3. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 27 Edição, 2013.<br />

4. ln Direito Civil Brasileiro, 7• Ed ição, 2013, p. 29.<br />

551


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Finalmente, o inventário e a partilha, tratado entre os artigos<br />

i.991/2.027, disciplina a questão dos sonegado, das colações, a garantia<br />

dos quinhões hereditários e a ação de anulação de partilha.<br />

A par desta visão panorâmica, infere-se que a sucessão em<br />

geral envolve o estudo do conceito do direito hereditário e de<br />

seus pressupostos, a análise da natureza jurídica da herança, os<br />

específicos princípios que norteiam as sucessões, a herança e a<br />

sua administração, os legitimados a suceder, a formas de aceitação<br />

e renúncia da herança, a exclusão dos herdeiros indignos,<br />

enfim, aquilo que as legislações costumam denominar de disposições<br />

gerais.<br />

Sobre estes temas se dedicará este capítulo.<br />

Após fincarmos as bases, será possível avançarmos no estudo<br />

das duas grandes modalidades hereditárias: a sucessão legítima e a<br />

sucessão testamentária.<br />

O direito hereditário tem como vetor o respeito à última vontade<br />

do falecido, que pode ser real ou presumida. A vontade real<br />

do de cujus é manifestada, em regra, através de um testamento. A<br />

sucessão testamentária, por assim dizer, é o ramo do direito hereditário<br />

que estuda todo o regime jurídico dos testamentos e das<br />

disposições de última vontade, nos planos da existência, validade<br />

e eficácia.<br />

Contudo, inexistindo testamento, aplica-se a vontade presumida<br />

do falecido, a qual é denominada pelo Código Civil como ordem de<br />

vocação hereditária. Em última análise, seria aquilo que o legislador<br />

brasileiro imaginou como desejo do de cujus, na falta de manifestação<br />

de vontade deste.<br />

Ademais, impõe-se a sucessão legítima, ainda, sempre que houver<br />

herdeiros necessários. Aqui, poderá a legítima conviver com a<br />

testamentária, em um diálogo das forças, como será visto no desenrolar<br />

desta obra.<br />

Finalmente, o direito sucessório irá prescrever a disciplina jurídica<br />

do inventário e da partilha, ou seja, a prática procedimental por<br />

meio da qual efetivamente se realiza a transferência dos direitos e<br />

deveres do finado; a quem de direito. Em certos casos, este inventário<br />

será judicial. Em outros, poderá ser extrajudicial.<br />

552


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Dividido em quatro grandes departamentos o direito hereditário,<br />

é tempo de avançar para uma ligeira reflexão a respeito dos seus<br />

pressupostos.<br />

3. PRESSUPOSTOS DO <strong>DIREITO</strong> HEREDITÁRIO<br />

Duas situações táticas devem estar presentes para que o direito<br />

hereditário se justifique na teoria jurídica. Denominaremos isto de<br />

pressupostos (aquilo que vem antes) do direito sucessório.<br />

Como diriam os.romanos viventis nu/la hereditatis (vivo o autor da<br />

herança, não existe sucessão, ou então: não há herança de pessoa<br />

viva). Portanto, o primeiro pressuposto tático-ju rídico do direito hereditário<br />

é, por razões óbvias, a morte.<br />

Sem o óbito, o direito sucessório não acontece. Vivo o autor da<br />

herança, não há de se falar em aplicação de nenhum dos artigos de<br />

lei relativos· ao direito hereditário (em regra). Justo por isto, inclusive,<br />

com o Código Civil proíbe a contratação sobre a herança pessoa<br />

viva (vedação à Pacta de Corvina - art. 426 do CC/02) 5 •<br />

Neste sentido, o Informativo 305/2006 do Superior Tribunal de Justiça:<br />

NULIDADE. PARTILHA. BEM. TERCEIROS.<br />

Foi realizada a partilha no processo de separação amigável<br />

entre o recorrente e a recorrida. Ficou ajustado que a varoa<br />

ficaria com a totalidade do único imóvel do casal e ao varão<br />

caberia "direito sucessório" ou "doação" de parte de um ter·<br />

reno de propriedade de seus sogros (ainda vivos à época da<br />

partilha) que sequer participaram do acordo. Diante disso, a<br />

Turma entendeu tornar nula a partilha, pois é certo que não<br />

se pode contratar herança de pessoa viva ou, nesses termos,<br />

obrigar quem não é parte no acordo à doação. (REsp 300.143-<br />

SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 21/11/2006).<br />

O segundo pressuposto para que se opere o direito sucessório é<br />

a existência de pessoas (físicas ou jurídicas) legitimadas a receber a<br />

5. Sobre o tema morte, indica-se a leitura da Parte Geral, quando foi aprofundado<br />

o tema morte real e fleta, tanto com ou sem o procedimento de ausência.<br />

Igualmente resta enfrentado, na Parte Geral, o tema comoriência.<br />

553


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

herança. Afinal de contas, se estamos a tratar de transmissão, há de<br />

se existir, a grosso modo, quem transmite (o falecido) e quem recebe<br />

(os herdeiros).<br />

Vistos os pressupostos básicos do direito sucessório, avançamos<br />

ao seu fundamento de existência.<br />

4. O FUNDAMENTO DO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

É de Maria Helena Diniz a advertência de que o fundamento do<br />

direito das sucessões tem sido objeto de muitas discussões doutrinárias:<br />

"Na verdade, pode-se dizer que o fundamento do direito sucessório<br />

é a propriedade, conjugada ou não com o direito de fam11ia . "6<br />

Uma pergunta importante deve ser feita para que possamos<br />

anuir com a reflexão posta: afinal de contas, se vivêssemos em uma<br />

sociedade na qual não existisse a propriedade, ou ainda se vivêssemos<br />

em um regime jurídico absoluta e exageradamente comunista,<br />

existiria o direito hereditário?<br />

A clássica doutrina de Orlando Gomes afirma que os fundamentos<br />

do direito sucessório estariam nos "mesmos princípios que explicam<br />

e justificam o direito de propriedade individual, do qual é a expressão<br />

mais enérgica e a extrema, direta e lógica consequência. Esse, o seu<br />

fundamento racional' 7 .<br />

Na mesma linha Washington de Barros Monteiro, para quem "o<br />

verdadeiro ponto de vista é aquele que, sem perder a visão de seu<br />

aspecto econômico, descortina no direito das sucessões natural complemento<br />

do direito de propriedade, projetando-se além da morte do<br />

autor da herança conjugado ou não com o direito de fami1ia" 8 •<br />

A doutrina uníssona caminha neste sentido, ao de afirmar que<br />

o fundamento ideológico do direito hereditário é a propriedade.<br />

Também a este respeito convergem Maria Helena Diniz, Caio Mário<br />

da Silva Pereira, Silvio do Salvo venosa e Carlos Alberto Gonçalves,<br />

este último a citar magnífica passagem atribuída à Silvio Rodrigues:<br />

6. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. i9.<br />

7. ln sucessões .... p 3.<br />

8. ln curso de Direito das sucessões. v 6, p 7/8.<br />

554


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

A extinta URSS, depois de abolir a herança, logo após a revolução<br />

de outubro (Dec. De 27-4-1918, art. 1), voltou atrás.<br />

Tal experiência demonstrou na prática, como assinala Silvio<br />

Rodrigues, Nse não a impossibilidade, ao menos a inconveniência<br />

da supressão do direito hereditário, pois, havendo abolido<br />

a sucessão causa mortis e assim suspendido a atuação do interesse<br />

pessoa/, não conseguiu manter a proibição. Com efeito,<br />

de tal orientação resultaram tamanhas e tão funestas consequências<br />

para a economia nacional que o legislador russo teve de<br />

recuar de sua posição inicia/, estabelecendo a possibilidade da<br />

transmissão de bens causa mortis. E de fato, na antiga União Soviética,<br />

o direito sucessório não encontrava barreiras maiores<br />

que nos países capitalistas" (Instituições, v. VI, p. 9).<br />

Realmente, a propriedade se apresenta como um relevante fundamento<br />

ideológico e teórico para a existência do direito hereditário.<br />

Mas seria mesmo só isso? Um único fundamento?<br />

Acreditamos que não. A dignidade humana do de cujus também<br />

a fundamenta, através do respeito a sua última vontade (real ou<br />

presumida), ainda que sobre situações existenciais, sem conteúdo<br />

econômico - manifestações políticas, ideológicas, sentimentais ou religiosas.<br />

Percebe-se, no direito sucessório, um verdadeiro respeito<br />

da autonomia privada post morrem.<br />

Para chegar a este entendimento, talvez seja interessante uma<br />

reflexão sobre o assunto pela via da perspectiva constitucional.<br />

Visto o fundamento ideológico do direito sucessório, questiona­<br />

-se: qual seria o seu fundamento legal?<br />

O seu primeiro fundamento legal deve ser buscado no texto constitucional.<br />

Como bem obseNa CArlos Roberto Gonçalves "A Constituição Federal<br />

trouxe duas importantes disposições atinentes ao direito sucessório:<br />

a do art. 5°, XXX, que inclui entre a garantias fundamentais o direito<br />

de herança; e a do art. 227, § 6°, que assegura a paridade de direitos,<br />

inclusive sucessórios, entre todos os filhos, havidos ou não da relação<br />

do casamento, assim como por adoção.''9.<br />

9. Direito Civil Brasileiro, 6• Edição, 2012, Editora Saraiva, São Paulo, p. 24.<br />

555


LUCIANO L FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Nós vamos além. De fato, compulsando-se o an. 5° da Constituição<br />

Federal, percebe-se que ela dedica dois incisos ao direito sucessório.<br />

Primeiramente, afirma que "é garantido o direito à herança"<br />

(inciso XXX). Após (inciso XXXI), prescreve: "a sucessão de bens de<br />

estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício<br />

do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais<br />

favorável a lei pessoal do de cujus".<br />

Conclui-se, por força disto, que o Poder Constituinte originário<br />

efetivamente desejou conferir ao direito hereditário um status constitucional<br />

diferenciado, inserindo-o no rol exemplificativo das cláusulas<br />

pétreas, como um direito e garantia fundamental.<br />

Isto, porque, como recorda Silvio de Salvo Venosa "A ideia da<br />

sucessão por causa da morte não aflora unicamente no interesse privado:<br />

o Estado também tem o maior interesse de que um patrimônio não<br />

reste sem titular; o que lhe traria um ônus a mais. Para ele, resguardar<br />

o direito à sucessão (agora como princípio constitucional, art. 5°, XXX,<br />

da Carta de 1988), está também protegendo a família e ordenando sua<br />

própria economia " 1 º.<br />

Percebe-se, então, que assim como a propriedade foi garantida<br />

como um direito constitucional (inciso XXII, do art. 5°), a herança<br />

- fundada nesta mesma propriedade, na família e nos valores da<br />

ordem econômica - também o foi. Ambos, repisa-se, como cláusulas<br />

pétreas e direitos e garantias fundamentais.<br />

Em se tratando de uma cláusula pétrea e um direito e garantia<br />

fundamental, algumas conclusões podem se pensadas sobre este<br />

direito hereditário. Poder-se afirmar que, por força disto, submete­<br />

-se o direito sucessório ao princípio do não retrocesso e à eficácia<br />

horizontal. Outra conclusão, disto decorrente, é a de que o Código<br />

Civil jamais poderá retirar da sua disciplina o livro das sucessões,<br />

ante o garantismo constitucional a impedir isto.<br />

Ainda voltando os olhos à análise constitucional do tema, o inciso<br />

XXXI, do art. 50 também possui importância ímpar. Isto, porque, o<br />

legislador co nstitucional assegura ao cônjuge ou filh o brasileiro, do<br />

de cujus estrangeiro que possua bens no Brasil, a aplicação da normalização<br />

mais favorável, entre a nacional e a estrangeira.<br />

io.<br />

Direito Civil, 7• Edição, 2007, Editora Atlas, São Paulo, p.7.<br />

556


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

~ Vamos ilustrar para entender?<br />

Imagine uma situação fática na qual o autor da herança é mexicano, casado<br />

com brasileira, sem filhos. Imagine, ainda neste exemplo, que os bens<br />

deste estrangeiros estejam situados no Brasil e que o mesmo tenha pai e<br />

mãe vivos. Ora, diante do óbito deste mexicano, a herança haverá de ser<br />

panilhada entre o cônjuge sobrevivente e os ascendentes do mono. Neste<br />

caso, não se aplicaria a legislação brasileira, mas sim a mexicana, pois,<br />

pelo CC do México (art. i.626), concorrendo à sucessão cônjuge supérstite<br />

e ascendentes de primeiro grau, dividir-se-á a herança ao meio, ficando<br />

uma metade com o consorte e outra metade com os ascendentes. Esta lei<br />

é mais favorável, em comparação com a nacional brasileira. De fato, se<br />

fôssemos aplicar a lei do Brasil, o cônjuge herdaria um terço do acervo, e<br />

os ascendentes do extinto, dois terços (i.837 c/c i.829, li).<br />

Poderíamos concluir afirmando que existe um princípio da norma<br />

hereditária mais favorável ao brasileiro, na específica situação acima<br />

tratada.<br />

Além disto, fechando a análise do fundamento constitucional<br />

maior, o artigo 227 da Constituição Federal regula sobre a isonomia<br />

ou igualdade filial. Como visto no capítulo dos princípios do direito<br />

das famílias, diuturnamente não mais há diferenças entre os filhos<br />

em função de sua origem. Pouco importa se a filiação decorre do<br />

casamento, da união estável, de adoção, de concubinato ... O direito<br />

os tratará isonomicamente, inclusive quanto à sucessão.<br />

5. ALGUMAS SITUAÇÕES NAS QUAIS OS PROBLEMAS HEREDITÁRIOS SERÃO<br />

RESOLVIDOS POR PRECEITOS ESPECÍFICOS<br />

É importante saber que a legislação brasileira disciplina algumas<br />

situações jurídicas nas quais, mesmo havendo o evento morte, a<br />

solução não se dará pelo direito hereditário, afastando a disciplina<br />

sucessória da parte especial do Código Civil.<br />

Nessa esteira de pensamento, informa Carlos Roberto Gonçalves11,<br />

há situações, previstas em normas extravagantes e atinentes<br />

ao direito sucessório, cuja aplicação, em situações específicas, prefere<br />

aos preceitos codificados na parte relativa à sucessão.<br />

11. ln Direito Civil Brasileiro, 7• Edição, 2013, p. 27<br />

557


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Vamos apresentar alguns exemplos para ilustrar esta situação<br />

jurídica.<br />

Segundo o art. 520 do Código Civil "O direito de preferência não<br />

se pode ceder nem possa aos herdeiros". Como se pode observar há<br />

uma disciplina normativa fora da parte especial do direito sucessório<br />

que, de rigor, trata do tema. Na hipótese, a legislação cível disciplina<br />

a intransmissibilidade hereditária no campo dos contratos em espécie,<br />

especificamente sobre o direito de prelação.<br />

A Lei Federal n° 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), em seu art.<br />

45, inciso 1, afirma pertencer ao domínio público, além das obras em<br />

relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais,<br />

"as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores".<br />

Aqui se tem mais uma regra de exceção.<br />

De fato, a parte especial do Código Civil aduz que, na falta de<br />

herdeiros, a herança se torna vacante e passa ao Município. Apesar<br />

disto, esta regra não se aplica ao tema dos direitos autores, por<br />

força da legislação própria supracitada.<br />

De igual sorte, o Decreto-Lei 3.438/41 proíbe a sucessão do cônjuge<br />

estrangeiro em terreno de marinha (artigo 18, § 2°), o que evidencia.<br />

Mas certamente um dos temas mais instigantes sobre o assunto<br />

posto gira em torno das Leis Federais n° 6.858/80 e n° 8.036/90,<br />

artigo 20, inciso IV. Segundo tais diplomas, em havendo morte do<br />

trabalhador, o saldo do FGTS deverá ser destinado, em cotas iguais,<br />

aos habilitados para este fim perante a previdência, "segundo o<br />

critério adotado para a concessão das pensões por mortes". Apenas<br />

na falta destes dependentes é que farão jus ao recebimento do<br />

saldo os sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial,<br />

expedido a requerimento, independentemente de inventário<br />

ou arrolamento.<br />

Destarte, além da hipótese supracitada, há outras nas quais a<br />

liberação dos valores sequer demandará o ajuizamento de ação de<br />

inventário e partilha, bastando mera demanda autônoma. São elas:<br />

• quantias devidas pelos empregadores (públicos ou privados),<br />

sob qualquer título.<br />

558


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

• saldos em contas individuais do FGTS e do PIS-PASEP.<br />

• Restituições do IRPF e demais tributos.<br />

• Saldos de contas bancárias, caderneta de poupança e fundos de<br />

investimento.<br />

Assim decidiu o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul:<br />

APELAÇÃO CÍVEL PEDIDO DE ALVARÁ PARA LIBERAÇÃO DE VALO­<br />

RES DEPOSITADOS A TÍTULO DE FGTS. EXISTÊNCIA DE BEM IMÓVEL<br />

A INVENTARIAR. DESNECESSIDADE DE ABERTURA DE INVENTÁRIO.<br />

Independentemente da existência de bens e herdeiros não<br />

habilitados como dependentes previdenciários, aplica-se o<br />

art. i 0 da Lei 6858/80 para fins de autorizar, via alvará judicial,<br />

o recebimento de valores não recebidos em vida pelo<br />

titular, oriundos do FGTS, dispensado o inventário. Precedentes.<br />

Deram provimento. Unânime. (TJ-RS - AC: 70042120840 RS,<br />

Oitava Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de<br />

Julgamento: 28/07/2on)<br />

Percebe-se, do aqui explicitado, que há um rol de situações na<br />

quais as soluções não estão postas na legislação sucessória, mas sim<br />

em normas especiais.<br />

Vencida esta questão, é chegada a oportunidade de se refletir<br />

sobre a natureza jurídica da herança.<br />

6. NATUREZA JURÍDICA DA HERANÇA: INDIVISIBILIDADE DA HERANÇA E JUÍZO<br />

UNIVERSAL<br />

A análise conjunta do sistema normativo do Código Civil em vigor<br />

nos leva à inevitável conclusão de que a herança é bem legalmente<br />

im6vel, submetida ao regime jurídico de um condomínio indivisível,<br />

surgindo, a partir de então, o juízo universal da herança . Trata-se a<br />

herança de um conceito de direito material.<br />

Flávio Tartuce apresenta esta ideia com muita clareza "a sucessão<br />

aberta é considerada um bem imóvel por força de lei, ou seja, um bem<br />

imóvel por determinação legal (art. Bo, li, do CC), ainda que a universalidade<br />

em questão seja composta apenas por coisas móveis, tais como<br />

veículos, dinheiro, ações etc" 12 •<br />

12. ln Direito Civil, v 6 , Editora Método, São Paulo, 2013, p 13.<br />

559


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

No mesmo sentido coloca-se Silvio de Salvo Venosa, para quem<br />

por uma necessidade prática, mesmo após a morte do sujeito, o<br />

patrimônio permanece íntegro sob a denominação de espólio,<br />

com "caráter de indiviso. como consequência da universalidade que<br />

é ".13<br />

justo por ser juridicamente qualificado como imóvel (CC, artigo<br />

Bo, li), a cessão da herança exigirá escritura pública (CC, i.793) sob<br />

pena de nulidade absoluta por vício de forma (arts. 104 e 166, IV,<br />

CC). Também por ser imóvel, a exigência da outorga conjugal será<br />

necessária, independente de ser o autor da herança único dono do<br />

bem (art. 1.647, 1, CC).<br />

~ E na hora da prova?<br />

A seguinte assertiva, extraída de uma questão da prova de Titular de<br />

Serviços de Notas e de Registros - TJMS, banca VUNESP, ano de 2009, foi<br />

considerada falsa: "os direitos hereditários podem ser objeto de cessão,<br />

podendo ser realizada por meio de instrumento particular".<br />

Quanto à necessidade da outorga conjugal para a cessão de direitos<br />

hereditários, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:<br />

<strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. DESFUNDAMENTA­<br />

ÇÃO E OMISSÃO NÃO CONFIGURADAS. Aí,ÃO DECLARATÓRIA DE<br />

NULIDADE DE CESSÃO DE <strong>DIREITO</strong>S HEREDITÁRIOS. AUSÊNCIA<br />

DE OUTORGA UXÓRIA DAS ESPOSAS DOS HERDEIROS. VÍCIO QUE<br />

NÃO ALCANÇA A CESSÃO REALIZADA PELA VIÚVA MEEIRA. CC<br />

ANTIGO, ARTS. 153, 158 E 235, 1. 1. Hígido o acórdão estadual<br />

que enfrenta, suficiente e fundamentadamente, as<br />

questões essenciais ao deslinde da controvérsia, apenas<br />

que com conclusões desfavoráveis à parte. li. A ausência<br />

de outorga uxória na cessão de direitos hereditários<br />

de bem imóvel inventariado acarreta a invalidade do<br />

ato em relação à alienação da parte dos esposos e a<br />

ineficácia quanto à meação de suas esposas, casadas<br />

pelo regime da comunhão universal. Ili. Vício, contudo,<br />

que não atinge a mesma cessão feita pela viúva meeira,<br />

cujo patrimônio é apartado dos demais herdeiros.<br />

i3. Direito Civil, 7• Edição, 2007, Editora Atlas, São Paulo, p.7.<br />

560


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente<br />

provido. (STJ - REsp: 274432 PR 2000/0086390-4, Relator:<br />

Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento:<br />

07/12/2006, T4 - QUARTA TURMA).<br />

O mesmo pensamento aplica-se à renúncia da herança (CC, art.<br />

i.806), a qual há de acontecer por instrumento público ou termo<br />

judicial, sob pena de nulidade absoluta (arts. 104 e 166, IV, CC), e<br />

igualmente exige vênia conjugal (art. i.647, 1, CC).<br />

A teor do art. 91 do CC é possível afirmar ainda que a herança é<br />

uma universalidade de direito, afinal de contas traduz "o complexo<br />

de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico".<br />

Confirma a tese o art. i.791 do CC, segundo o qual "A herança<br />

defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros",<br />

razão pela qual até a sua partilha o direito de propriedade dos<br />

coerdeiros será indivisível e regular-se-á pelas normas relativas ao<br />

condomínio.<br />

~ E na hora da prova?<br />

O exame para Promotor de Justiça Substituto - MPE/AM, banca CESPE,<br />

ano de 2007, em busca da opção correta, trouxe como gabarito de<br />

uma questão a afirmativa: "abre-se a sucessão causa mortis com o<br />

falecimento do autor da herança. o direito à sucessão aberta é considerado<br />

bem imóvel mesmo que o acervo hereditário se constitua<br />

exclusivamente de bens móveis, ou de direitos pessoais, ou de ambos.<br />

E o direito dos coerdeiros será indivisível, até que se ultime a partilha<br />

dos bens".<br />

Sendo a herança um condomínio, enquanto não houver a partilha,<br />

a situação será de compasse, como se pode justificar pelo art.<br />

1.199 do CC: "Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá<br />

cada uma exercer sobre ela os atos possessórios, contanto que não<br />

excluam os dos outros". Se encontram os herdeiros na condição de<br />

compasse, porque são condôminos.<br />

Como condomínio que o é, os herdeiros terão de contribuir, na<br />

proporção de suas cotas, para as despesas de conservação da coisa,<br />

suportando os ônus a que estiverem sujeitas (CC, i.315).<br />

561


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Como os tribunais estão decidindo estas questões?<br />

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na apelação cível<br />

2007.001.64225, Relatada pelo Desembargador Benedicto<br />

Abicair, julgada em 23 de janeiro de 2008, entendeu que<br />

"o tronsmisstlo do herança aos herdeiros ocorre no momento<br />

do morte do titular do patrimônio" e "é nesse momento<br />

que nasce o indivisão do monte hereditário, até a partilha<br />

final, o que significo dizer que todos os herdeiros têm os<br />

mesmos direitos e deveres em relaçtlo ao todo".<br />

Considerando a transmissão da herança desde a data<br />

do óbito, é possível afirmar que os herdeiros se tornam<br />

possuidores do bem a partir deste momento. Certamente<br />

por isto, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp. 515175/RJ,<br />

entendeu que "Em linho de princípio, pode o viúvo inventariante,<br />

em seu nome ou em nome do espólio, promover<br />

oçtlo de reintegração de posse contra herdeiro que praticar<br />

esbulho em bem da herança"<br />

7. AS PESSOAS JURÍDICAS DE <strong>DIREITO</strong> PÚBLICO E O <strong>DIREITO</strong> HEREDITÁRIO<br />

O art. i.844 do CC prescreve nos casos de morte, se o de cujus<br />

não possuir cônjuge ou companheiro sobrevivente "nem parente algum<br />

sucessível", ou se tais pessoas renunciarem à herança, que "esta se devolve<br />

ao Município ou ao Distrito Federal", se localizadas nas respectivas<br />

circunscrições "ou à União, quando situada em território federal".<br />

• Atenção!<br />

STF - Súmula i49: É imprescritível a ação de investigação de paternidade,<br />

mas não o é a de petição de herança.<br />

Portanto, algumas pessoas jurídicas de direito público interno<br />

(Município, Distrito Federal ou União) podem se tornar proprietários<br />

da herança, nas hipóteses acima identificadas.<br />

Pergunta-se: desta forma, significa dizer que tais entes s.ão herdeiros?<br />

Em qual qualidade jurídica se dá esta aquisição da herança?<br />

A resposta a esta reflexão exige uma prévia leitura do art. i.829<br />

do CC, o qual se dedica a disciplinar a ordem de vocação hereditária.<br />

Em tal artigo não há menção ao Poder Público como herdeiro.<br />

562


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Também na união estável, o art. i.790 do CC traz a regra da<br />

distribuição hereditária, sem qualquer referência ao Município, à<br />

União ou ao Distrito Federal.<br />

Dessa forma se infere mudança legislativa sobre o tema, ao<br />

passo que o Código Civil de 1916 disciplinava o assunto de forma<br />

diversa, quando inseria no seu art. i.603, inciso V, o Estado no rol<br />

da vocação hereditária; fato que hoje não mais ocorre.<br />

Assim, em uma análise histórica conclui-se que o Poder Público<br />

não é herdeiro, mas sucessor anômalo ou irregular, constituído pela<br />

norma por força de um básico fundamento jurídico: não convém propriedade<br />

sem dono, muito menos sem função social. Se herdeiro não<br />

há, que tal propriedade seja destinada ao Poder Público.<br />

Tanto isto é certo que as pessoas jurídicas de direito público<br />

apenas receberão a herança em caso de vacância, sendo que o<br />

próprio Código Civil vigente distingue o Poder Público dos herdeiros<br />

nesta situação, quando adverte: "A declaração de vacância da<br />

herança não prejudicará os herdeiros" (art. i.822), afirmando que<br />

"decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados<br />

passarão ao domínio do Município [ ... ]"sendo visível a diferença.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(VUNESP - 2007 - Câmara de São Paulo - Procurador Legislativo) João<br />

faleceu em 13 de junho de 1991, sem ter testamento, nem herdeiro legítimo<br />

notoriamente conhecido, conforme ficou demonstrado em processo<br />

de arrecadação e de inventário, após as diligências reclamadas pela lei<br />

para localizá-los, que somente findou em 12 de março de 2002. Porém<br />

deixou um imóvel localizado na rua São João, 64, São Paulo, Capital, com<br />

metragem superior a 250 m2. Neste imóvel residia Maria Paula, que não<br />

tinha nenhum laço de parentesco com João ou relação de afinidade,<br />

sendo certo que começou a possuir o imóvel, sem qualquer oposição e<br />

como se dona fosse, a partir da morte de João. Diante dos fatos relatados,<br />

é correto afirmar que Maria Paula:<br />

Gabarito: não poderá ser proprietária do imóvel, uma vez que o imóvel é de<br />

propriedade da municipalidade desde 14 de junho de 1996.<br />

E mais: reza o art. i.823 do CC que se todos os herdeiros chamados<br />

a suceder renunciarem à herança, será esta desde logo declarada<br />

vacante.<br />

563


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O Poder Público não consta mais no rol dos herdeiros necessários<br />

apontados na ordem da vocação hereditária (art. i.844); ao contrário<br />

do CC/16 (art. i.603, V). O certo é que em nosso sistema não há<br />

herança sem dono - res nullius. O Poder Público não é herdeiro. É sucessor<br />

anômalo ou irregular, criado apenas por fundamento político<br />

social. Só age o Poder Estatal quando ocorre a vacância.<br />

Uma vez passada à propriedade Estatal, cabe ao Poder Público,<br />

com base em sua discricionariedade, conferir função e finalidade ao<br />

patrimônio. buscando maximizar sua utilização.<br />

~ Atenção!<br />

Entendemos que o Decreto-Lei de n• 8.207/45 não vige nos dias de hoje.<br />

Tal norma fora elaborada com o fito de alterar os artigos 1.594 a i.612 do<br />

CC/16. Assim, informava o Decreto no seu artigo 3• que adquirido o domínio<br />

dos bens arrecadados, estes devem ser utilizados nas fundações destinadas<br />

ao ensino universitário, cabendo o monitoramento do Ministério Público.<br />

Acreditamos que este Decreto-Lei, produzido em época de exceção, não<br />

mais vigora por ser incompatível com a Constituição Federal em um sem<br />

número de aspectos, desde a invasão da competência administrativa do<br />

ente federal sobre o município (auto-governo e auto-administração), à<br />

Supremacia do Interesse Público, perpassando pela proporcionalidade<br />

e razoabilidade. Com efeito, situações inusitadas na nova ordem cível.<br />

8. O PACTO DE CORVINA<br />

O direito brasileiro não admite contrato que tenha como objeto<br />

herança de pessoa viva. Seria hipótese de ajuste com objeto ilícito,<br />

ou melhor, vedado em lei (art. 426 do CC).<br />

Tecnicamente, pode-se afirmar à vista disto que ninguém poderá<br />

elaborar uma convenção cujo objeto seja transferir uma futura herança.<br />

A consequência inevitável seria a nulidade absoluta, conforme<br />

art. 166, li e VII do cc. Afinal de contas, se a norma proibiu a prática<br />

do ato, sem cominar sanção, a consequência inevitável é a nulidade.<br />

~ E a jurisprudência dos tribunais superiores, como entende a questão?<br />

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n• 300.143, ra ­<br />

tificou o tradicional entendimento doutrinário, segundo o qual, no Brasil,<br />

o pacto sucessório - ou de corvina - é proibido.<br />

564


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

É possível defender fundamentadamente a ideia de proibição ao<br />

pacto sucessório, expressão sinônima ao pacto de corvina, pelo argumento<br />

segundo o qual o pressuposto da incidência do direito hereditário<br />

é a morte. Sendo assim, não havendo óbito, ter-se-ia contrato<br />

construído sobre algo futuro, que sequer se tem noção razoável.<br />

Sob o fundamento lateral, também se poderia sustentar que contratos<br />

desta natureza despertam no ser humano pensamentos ilícitos,<br />

estimulando, quem sabe, o desejo de óbito. Imagina se eu lhe prometo<br />

doar a futura herança que receberei de minha mãe? Isto por ocasionar<br />

em você o desejo de mata-la, para receber, de logo, a benesse.<br />

Entrementes, malgrado a vedação do pacta de corvina, há exceções.<br />

Ou seja: há hipóteses nas quais se admite a contratação sobre<br />

herança de pessoa viva. Veja, por exemplo, o art. 2.018 do CC, o qual<br />

considera válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos<br />

ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos<br />

herdeiros necessários. A isto se denomina partilha em vida, a qual é<br />

expressamente autorizada pela legislação nacional.<br />

Neste sentido, o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do<br />

Sul:<br />

SUCESSÃO. AÇÃO DE NULIDADE. DOAÇÃO. PARTILHA EM VIDA.<br />

Tratando-se de partilha feita em vida, cumpre declarar que são<br />

inoficiosas as doações feitas apenas na parte excedente ao quinhão<br />

legitimário de cada herdeiro, o que deverá ser apurado<br />

no processo de inventário. APELO DESPROVIDO. (TJRS, Apelação<br />

Cível N° 70045375631, Sétima Câmara Cível, Relator: Liselena Schifino<br />

Robles Ribeiro, Julgado em 28/03/2012).<br />

Em certa medida, a partilha em vida excepciona a vedação ao<br />

pacto sucessório.<br />

No direito comparado, nações como a Alemanha (BGB, art. i.941)<br />

e a Suíça (art. 468, CC suíço) permitem o pacto sucessório. Isto demonstra<br />

que realmente o direito é fruto não apenas da lógica, mas<br />

da cultura das civilizações, que pensam, por diversas maneiras, os<br />

mesmos institutos jurídicos.<br />

9. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO <strong>DIREITO</strong> HEREDITÁRIO<br />

Como não cansamos de afirmar, princípios são normas de caráter<br />

geral, que norteiam os aplicadores do direito. Assim, ensina<br />

565


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Humberto Ávila 1 4. "violar um princípio é muito mais grave que transgredir<br />

uma norma qualquer", constituindo isto a "mais grave forma de ilegalidade",<br />

por simbolizar nítida contrariedade a todo Ordenamento<br />

Jurídico, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello 11 •<br />

A teoria dos princípios tem sido desenvolvida a tal ponto no Brasil<br />

que cada ramo do direito civil desenvolve - sistematicamente - uma<br />

específica teia principiológica. Os princípios, hoje, são fundamentais<br />

para solucionar os novos problemas da contemporaneidade 16 •<br />

Na lição de Miguel Reale, princípios são "Valores jurídicos transnacionais,<br />

universo/mente reconhecidos como invariantes jurídico-axiológicas,<br />

como o Declaração Universal dos Direitos dos Homens" 17 • É útil,<br />

ainda, a advertência de Paulo Bonavides 18 , para quem seriam válvulas<br />

de segurança que não superariam a lei.<br />

14. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios<br />

jurídicos. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2oo6, p.167. Para este, princípios seriam<br />

"Normas imediatamente finalísticas, para cuja concretização estabelecem com<br />

menor determinação qual o comportamento devido, e por isso dependem mais<br />

intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente<br />

legitimados de interpretação para determinação da conduta devida".<br />

15. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. curso de direito administrativo. 17.ed. São<br />

Paulo: Malheiros, 2002, p.842.<br />

16. ÁVILA, Humberto, Op.cit, 2006, p.8o. Afirma ele: "os princípios não são apenas<br />

valores cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais.<br />

Eles são, ao mesmo tempo, mais do que isso e algo diferente disso. Os princípios<br />

instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado<br />

de coisas ou, inversamente, instituírem o dever de efetivação de um estado<br />

de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários. Essa perspeáiva<br />

de analise evidencia que os princípios implicam comportamentos, ainda que por<br />

via indireta e regressiva. Mais ainda, essa investigação permite verificar que os<br />

princípios. embora indeterminados. não o são absolutamente. Pode até haver<br />

incerteza quanto ao conteúdo do comportamento a ser adotado, mas não há<br />

quanto à sua espécie: o que for necessário para promover o fim é devido."<br />

17. REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito. Para um Novo Paradigma Hermenêutico.<br />

São Paulo: Saraiva, 1999, p.13.<br />

18. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Malheiros,<br />

2003, p.262. Para quem: "os princípios entram nos Códigos unicamente como<br />

válvulas de segurança, e não como algo que se sobrepusesse à lei. ou lhe fosse<br />

anterior, senão que, extraídos da mesma, foram ali introduzidos para estender<br />

sua eficácia de modo a impedir o vazio normativo."<br />

566


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Num determinado momento histórico 19 se entendeu pela necessidade<br />

de positivar (inserir expressamente no ordenamento jurídico)<br />

alguns princípios. Viu-se o positivismo.<br />

Nesta fase histórica, norma era apenas aquilo que constava no<br />

texto de lei, atribuindo-se à Hans Kelsen toda esta visão jusfilosófica<br />

segundo a qual as regras'º configurariam julgamentos hipotéticos vinculados<br />

a certas consequências e condições".<br />

As críticas que se seguiram a esta fase giram basicamente em<br />

torno da premissa segundo a qual o positivismo não conseguiu superar<br />

os problemas da pós-modernidade. É o que diz Machado Neto".<br />

Justo por isto, surgiu uma nova visão pós segunda-guerra mundial,<br />

denominada neoconstitucionalista. Agora os princípios são as fontes<br />

principais do Direito. Na tese de Ronald Dworkin: "Os juristas e juízes,<br />

ao debaterem e decidirem ações judiciais invocam não somente a essas<br />

regras em negrito, como também outros tipos de padrões que denominei<br />

de princípios jurídicos"' 3 •<br />

i9. TÂMEGA, Bruna Carolina. A Concretização dos Princípios Constitucionais pelo<br />

Poder Judiciário. Disponível em: . Acesso em : 25 maio 2007, p. 4-5: "A corrente filosófica<br />

do jusnaturalismo defende a existência de um direito natural, consubstanciado<br />

em valores e pretensões desvinculados da norma jurídica emanada/positivada<br />

pelo Estado, legitimado por uma ética superior e limitadora da própria norma<br />

estatal. Apesar de suas múltiplas facetas, apresenta-se basicamente, num primeiro<br />

momento, como uma lei advinda da vontade de Deus (antiguidade clássica e<br />

época medieval) e posteriormente como uma lei ditada pela razão (a partir da<br />

Idade Moderna)."<br />

20. O positivismo imaginara possível utilizar métodos das ciências exatas para as<br />

sociais, como se fórmulas legislativas fossem capazes de disciplinar todas os<br />

conflitos jurídicos futuros sem qualquer preocupação com o elemento valorativo,<br />

moral, época bem caricaturada pela insígnia do suposto legislador racional.<br />

21. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado . 3.ed. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2000, p.64.<br />

22. MACHADO NETO, Antônio Luiz. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 6.ed .<br />

São Paulo: Saraiva, i998, p.20: "Aí defende o mais estrito positivismo legal, doutrinando<br />

que a sentença judicial deve fundamentar-se exclusivamente no texto<br />

legal. A interpretação é mera exegese dos textos e sua finalidade, a descoberta<br />

da intenção psicológica do legislador."<br />

23. DWORKIN, Ronald. uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2001,<br />

p.]3.<br />

567


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Belíssima é a expressão de Paulo Bonavides, para quem os princípios<br />

hoje se converteram no coração das constituições' 4 •<br />

Hoje, como já abordamos antes e insistimos ante a importância<br />

da lição, as normas são o grande gênero, dentro do qual os princípios<br />

e regras constituem espécies:<br />

Normas<br />

{<br />

Princípios<br />

Regras<br />

(cf. Ronald Dworkin; Robert Alexi; Humberto Hávila;<br />

Luis Roberto Barroso; Celso Antônio Bandeira de Mello).<br />

Logo, existem normas que são princípios e existem normas que<br />

são regras.<br />

É possível existirem normas princípios, ou normas regras, portanto.<br />

o direito sucessório também se submeterá a esta perspectiva<br />

incidente sobre todo o ordenamento jurídico. Interessa aqui, portanto,<br />

apresentar os princípios específicos do direito hereditário, razão<br />

pela qual o leitor deve ser esclarecido: dignidade humana, igualdade,<br />

legalidade, enfim, os princípios constitucionais e os princípios<br />

gerais não serão objeto de nosso interesse neste momento, pois<br />

inespecíficos à herança.<br />

9.1. Princípio da Saisine ou Droit Saisine<br />

Trata-se de expressão originária do Direito Gaulês, ou seja, nos<br />

primórdios do direito francês, segundo a expressão le mort saisit le<br />

vif, son hoir pel plus proche, habile à lui suceder (o morto prende o<br />

vivo, seu herdeiro mais próximo, hábil a lhe suceder).<br />

É o que sustenta Flávio Tartuce, recordando que a saisine surge<br />

no art. 724 do Código Civil francês e traz consigo a ideia de que com<br />

a morte a herança se transmite imediatamente aos sucessores, independentemente<br />

de qualquer ato do herdeiro 25 •<br />

24. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Malheiros,<br />

2003, p.281.<br />

25. ln Direito Civil, v 6, Editora Método, São Paulo, 2013, p 13.<br />

568


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Pontes de Miranda realiza interessante estudo histórico da saisine<br />

no Brasil, relembrando que a mesma surgiu aqui a partir do<br />

Direito Português (luso-brasileiro), especificamente através do Alvará<br />

de 9 de novembro de i754, se mantendo presente ao longo das constituições<br />

e dos demais atos legislativos' 6 •<br />

o princípio da saisine também é denominado de delação ou devolução<br />

sucessória, ou ainda de delação hereditária (período que<br />

medeia entre a abertura da sucessão e o aceite da herança, segundo<br />

Washington de Barros' 7 ).<br />

Para Maria Helena Diniz, segundo a saisine o óbito acarreta,<br />

sem solução de continuidade, a transmissão automática da herança<br />

ipso iure, de forma que com a morte do hereditando, seus herdeiros<br />

"recebem por efeito direto (son saisis de plein droit) as suas<br />

obrigações, a sua propriedade de coisas móveis e imóveis e os seus<br />

direitos. " 28<br />

Debruçando-se sobre o Código Civil atual, percebe-se a saisine em<br />

seu art. i.784, segundo o qual "Aberta a sucessão, a herança transmite­<br />

-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Interessante<br />

será relacionar este preceito normativo com o art. i.207 do CC, afinal<br />

de contas "O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor;<br />

e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor<br />

para os efeitos legais", como numa hipótese específica de sub-rogação<br />

hereditária.<br />

Esta posse é transmitida ao herdeiro do possuidor com os mesmos<br />

caracteres, na forma do art. i.2o6 do CC.<br />

~ E na hora da prova?<br />

O concurso para o cargo de Julz-TJIR. ano de 2007, considerou a seguinte<br />

proposição como verdadeira: •a posse precária adquirida pelo de<br />

cujus não perde esse caráter quando transmitida mortis causa aos seus<br />

sucessores, ainda que estes estejam de boa-fé•.<br />

26. Tratado de Direito Privado, v. 55, p. 16-17.<br />

27. Op. Cit, 2004, V. 4, p. 186.<br />

28. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 17<br />

569


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Para Carlos Roberto Gonçalves, este é o "princípio da saisine, segundo<br />

o qual o próprio defunto transmite ao sucessor a propriedade<br />

e a posse da herança", embora esta não se confunda com aquela: a<br />

morte é pressuposto e causa da herança.' 9<br />

Por força deste princípio, os herdeiros já são titulares da herança<br />

mesmo sem o registro da mesma no cartório competente, ainda que<br />

se trate de bem imóvel. Como se pode notar, trata-se de uma exceção<br />

à exigência do registro público típica dos direitos reais.<br />

No direito hereditário - e por conta do droi saisine - o herdeiro<br />

obtém a propriedade antes mesmo do processo de inventário ser<br />

concluído. Justo por isto a decisão da partilha terá efeitos ex runc (retroativos)<br />

à data do óbito. E é neste momento - óbito - que incidirá<br />

o tributo relativo à transmissão patrimonial, segundo a sua alíquota.<br />

~ Como este assunto é apresentado na jurisprudência?<br />

Jurisprudência: STF Súmula n• 112 - O imposto de transmissão "couso mortis"<br />

é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão.<br />

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL DECOR­<br />

RENTE DA TRANSFERÊNCIA DE BENS E <strong>DIREITO</strong>S POR SUCESSÃO<br />

HEREDITÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO<br />

ART. 23 DA LEI 9.532/97. 1.239.532• art. 81, li, da Lei 9.532/97,<br />

fixou o início da vigência do art. 23 da mesma lei a partir<br />

de 1° de janeiro de 1998. O Tribunal de origem, em face<br />

do que dispõe o art. 1.572 do Código Civil de 1916, decidiu<br />

pela inaplicabilidade, ao presente caso, da Lei 9.532/97,<br />

que foi editada em data posterior à abertura da sucessão,<br />

conforme entendimento assim ementado: "1. A solução da<br />

controvérsia trazida à colação está em fixar o momento<br />

da transmissão da herança e, partindo deste, em aplicar<br />

o princípio da irretroatividade da lei tributária. 2. O artigo<br />

1.572 do antigo Código Civil, em vigor ao tempo do falecimento<br />

do autor da herança, transmitiam-se, desde logo,<br />

aos herdeiros legítimos e testamentários, no que encon·<br />

tra correspondência no artigo i.784 do novo Código Civil.<br />

29. ln Direito Civil Brasileiro, 7• Edição, 2013, p. 38.<br />

570


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

3. Adotou-se o princípio originário do droit de saisine, que<br />

dá à sentença de partilha caráter meramente declaratório,<br />

haja vista que a transmissão dos bens aos herdeiros<br />

e legatários se dá no momento do óbito do transmitente.<br />

4. As regras a serem observadas na transmissão da herança<br />

serão aquelas em vigor ao tempo do óbito do de<br />

cujus que, no caso em tela, e no que tange à incidência<br />

do Imposto de Renda, encontravam-se na Lei 7.713/88. 5.<br />

Dispunha o citado diploma legal, no inciso XIV, do artigo<br />

6°, e no inciso Ili, do artigo 22, que o valor dos bens adquiridos<br />

por herança serão isentos do imposto de renda<br />

e que as transferências causa mortis serão excluídas do<br />

ganho de capital dos herdeiros e legatários. 6. A tese<br />

defendida pela recorrida, de que o fato gerador do imposto<br />

na espécie, a ensejar o recolhimento do imposto,<br />

é o acréscimo patrimonial decorrente da reavaliação patrimonial<br />

dos bens constantes da última declaração do<br />

de cujus, há de ser refutada, haja vista que faz incidir ao<br />

caso em comento sistemática criada por lei posterior à<br />

transmissão dos bens deixados pelo transmitente, que<br />

se deu sob a égide da Lei 7.713/1988, com consequente<br />

violação do princípio da irretroatividade das leis tributárias."<br />

2. Em assim decidindo. a Turma Regional não<br />

contrariou o art. 23 da Lei 9.532/97; ao contrário, deu-lhe<br />

interpretação consentânea com a lei civil, observando,<br />

ainda, o disposto nos arts. 104, 105 e 116 do Código Tributário<br />

Nacional. 3. Recurso especial desprovido. (STJ - T1<br />

- Primeira Turma, REsp n° 8058o6/RJ, Relatora Ministra DE­<br />

NISE ARRUDA, DJ 18/02/2008, julgado em 13/11/2007).<br />

Interessante notar que a Lei de Registros Públicos de n° 6.015/73,<br />

em seu artigo 167, inciso 1, impõe a obrigatoriedade do registro dos<br />

atos de entrega de legados de imóveis, dos formais de partilha e<br />

das sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento, quando<br />

não houver partilha. Este preceito normativo deve ser compreendido<br />

à luz do princípio da saisine. A conclusão que se chega, à vista<br />

disto, é a de que a transcrição no registro de imóveis não acarretou<br />

a transmissão da propriedade, a qual ocorreu desde o óbito, por<br />

força do art. i.784 do CC. O registro, aqui, trata-se de um ato meramente<br />

consectário. Neste sentido coloca-se o Superior Tribunal de<br />

justiça no REsp. n° 515175/RJ e 513783 .<br />

571


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Contudo, verificaremos adiante que a transmissão imediata da<br />

propriedade se condiciona a um evento futuro; qual seja: o da aceitação<br />

da herança, na forma do art. i.805. Sim, porque a legislação<br />

brasileira admite a renúncia da herança, na forma disciplinada pelo<br />

art. i.806 do CC. Portanto, a aceitação terá efeito ex tunc, retroagindo<br />

à data do óbito.<br />

9.2. Princípio da Coexistência<br />

Na lição de Carlos Roberto Gonçalves 3 º, para o direito hereditário<br />

se aplicar será preciso haver, a um só tempo, sucessor e sucedido;<br />

ou seja: hereditando e herdeiro, testador e legatário. Neste sentido,<br />

mister se faz que o sucessor esteja vivo quando o falecimento do<br />

de cujus.<br />

Tal premissa é extraída da dicção do artigo q88 do Código Civil,<br />

quando afirma que "Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a<br />

herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens<br />

que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão<br />

legítima se o testamento caducar; ou for julgado nulo.<br />

A Súmula 590 do Supremo Tribunal Federal é um belo exemplo da<br />

presença do princípio da coexistência no direito hereditário, quando<br />

aborda a ação anulatória e afirma que a existência de testamento válido<br />

afasta a subsistência da sucessão legítima. Eis o teor do verbete:<br />

"Ação anulatório. Pretensão de subsistência de sucessão legítima. Inadmissibilidade<br />

se existe testamento válido. Interpretação do art. 1.575 do CC'.<br />

De acordo com Flávio Tartuce o período que medeia a data do<br />

óbito (i.784, CC) e a data da aceitação da herança (i.805, CC) é denominado<br />

de delação hereditária, ou devolução sucessória 31 • É neste<br />

período que o ideal da coexistência deve ser buscado.<br />

9.3. Princípio da Intangibilidade da Legítima<br />

Observa-se da leitura de todo o Código Civil que a legislação brasileira<br />

efetivamente se preocupa em destacar uma parte da propriedade<br />

hereditária (espólio) em benefício dos herdeiros necessários.<br />

30. Op. Cit. p. 52.<br />

3i. ln Direito Civil, v 6, Ed itora Método, São Paulo, 2013, p 9.<br />

572


Esta parte da propriedade é denominada de legítima. Deste modo,<br />

havendo herdeiros necessários, eventual testamento somente poderá<br />

dispor sobre metade da herança (art. i.789 do CC).<br />

~ Como os tribunais já decidiram a respeito deste assunto?<br />

Ação de anulação de testamento. Improcedência. Inconformismo.<br />

Acolhimento em parte. Testamento que<br />

excedeu a legítima. Hipótese em que caberia pedido<br />

de redução de disposições testamentárias e não de<br />

anulação. Aplicação do princípio da economia processual,<br />

tendo em vista a idade da viúva e a paralisação<br />

do inventário por longo período. Procedência parcial<br />

do pedido. Observância da vontade do testador, que<br />

pretendeu deixar a viúva como única proprietária do<br />

imóvel onde reside - Redução do excesso cometido no<br />

testamento que deve recair sobre os demais bens. Sentença<br />

reformada para essa finalidade. Recurso provido<br />

em parte. (TJSP, APL n• 994080612632, Relator Desembargador<br />

GRAVA BRAZIL, Data de Publicação: 20/05/2010, julgado<br />

em 11/05/2010).<br />

Cláusula testamentária. Legítima. Usufruto a favor de terceiro.<br />

Nulidade. 1- A interpretação da cláusula testamentária<br />

deve estar em consonância com os limites e restrições<br />

legais, sob pena de ser declarada sua nulidade. 2- Nesse<br />

contexto, nula é a cláusula que institui, sobre bens dos herdeiros<br />

necessários, usufruto vitalício a favor de terceiro.<br />

(TJRJ, Ap. n° 032906-31.2oo6.8.19.0001, Relator Desembargador<br />

MILTON FERNANDES DE SOUZA, julgado em 26/03/2010).<br />

Se a lei afirma que havendo herdeiros necessários a liberdade de<br />

fazer testamento será limitada a 50°b (cinquenta por cento) do patrimônio<br />

do finado, então será preciso saber quem seriam estes herdeiros<br />

para - somente assim - ter condições de afirmar, no caso concreto,<br />

a possibilidade de testar toda a herança, ou apenas a metade desta.<br />

O art. i .845 do CC afirma que os herdeiros necessários são os<br />

descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Desta maneira, se o de<br />

cujus possuir filhos, netos, bisnetos (descendentes), ou pais, avós,<br />

bisavós (ascendentes), ou se for casado, significa dizer que o testamento<br />

somente poderá dispor derredor de metade da herança.<br />

573


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Tão enfatico ~ o Codl~o Clvll brasileiro sobre este assunto que.<br />

em seu art. i.845, prescreve: #Pertence aos herdeiros necessários, de<br />

pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima".<br />

No Brasil, portanto, esclarece Flávio Tartuce, a liberdade de testar<br />

não é plena. Há limitação é de ordem pública em função do Nrespeito<br />

à legítima". Segundo o autor, os herdeiros necessários, também<br />

chamados de legitimários ou forçados, são titulares desta parte indisponível<br />

32 •<br />

Não há dúvida, pois, sobre o tema.<br />

Curiosamente, porém, a lei civil não inseriu o companheiro no rol<br />

dos herdeiros necessários, aspecto que acarreta um grande problema<br />

de interpretação jurídica, especialmente por força do princípio<br />

da igualdade.<br />

De fato, à luz da dignidade da pessoa humana (art. i 0 , Ili, da CF)<br />

seria possível refletir: estaria correto reconhecer ao cônjuge a qualidade<br />

de herdeiro legítimo e ao companheiro não?<br />

O art. 3°, 1, Ili e IV da CF/88 evidenciam o desejo do constituinte<br />

em formar uma sociedade justa, com a redução das desigualdades, a<br />

promoção do bem de todos "sem preconceitos de origem, raça, sexo,<br />

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".<br />

O que levaria o legislador cível a não ter inserido o companheiro<br />

na condição de herdeiro necessário?<br />

A questão ganha relevo ainda maior quando o próprio texto<br />

constitucional, em seu art. 5°, clama pela igualdade de todos perante<br />

a lei.<br />

A lei ordinária poderia desigualar entes familiares?<br />

A tese é sedutora e leva à conclusão segundo a qual o companheiro,<br />

por interpretação extensiva, deveria ser herdeiro necessário,<br />

ladeando a condição do cônjuge. Entretanto, não é assim que se<br />

tem entendido, ao menos majoritariamente.<br />

O entendimento prevalecente é no sentido de que a disciplina<br />

do herdeiro necessário é restritiva de direito e, por conta disto,<br />

não pode experimentar interpretação extensiva. Aliás, o próprio<br />

32. ln Direito Civil, v 6, Editora Método, São Paulo, 2013, p 4.<br />

574


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

legislador constituinte deixou claro o seu entendimento diferenciado<br />

entre a união estável e o casamento, em seu art. 226, § 3°, quando<br />

afirma a facilitação da conversão da união estável em casamento.<br />

A disciplina constitucional admite a conversão de uma entidade<br />

familiar (união estável) em outra (casamento), evidenciando que o<br />

próprio constituinte as diferencia.<br />

A conclusão a que se chega, pois, é a de que o companheiro não<br />

é herdeiro necessário.<br />

9.4. Tempus Regit Actum<br />

O tempo rege o ato, eis o significado da expressão de origem<br />

latina tempus regit actum.<br />

A ideia, aqui, é muito simples: os fatos, atos e negócios jurídicos<br />

são regidos pela norma do momento em que aconteceram.<br />

Trazendo tais ilações para o direito sucessório, afirma o art. i.787<br />

do CC que "Regula-se a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente<br />

ao tempo da abertura daquela". A norma não se preocupa com<br />

as alterações futuras que, eventualmente, venham a incluir alguém<br />

na qualidade de herdeiro, pois isto não irá interferir na sucessão,<br />

muito menos nos legitimados a suceder.<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora CESPE, na prova para o cargo de Promotor de Justiça<br />

- MP/PI, ano de 2012, considerou verdadeira a afinnativa: #a aptidão para<br />

ser sucessor regula-se pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão".<br />

Uma situação que bem ilustra este tema é a da mudança normativa<br />

que inseriu os companheiros e companheiras na qualidade<br />

jurídica de herdeiros. Mesmo assim, se à época do óbito<br />

tais sujeitos ainda não eram sucessores, por força da omissão<br />

normativa a respeito dos mesmos, não será possível deferir-lhes<br />

herança alguma.<br />

A jurisprudência, entretanto, vem apresentando ponderações<br />

aos casos de união estável para - em certa medida - reconhecer<br />

direitos sucessórios.<br />

575


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como esse assunto já foi decidido?<br />

INVENTÁRIO. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. COMPANHEI­<br />

RA. 1. Tendo o óbito do companheiro da recorrida ocorrido<br />

antes da vigência do atual Código Civil, a capacidade<br />

sucessória é regida pelas Leis n• 8.971/94 e n• 9.278/96,<br />

que disciplinavam a capacidade sucessória decorrente da<br />

união estável ex vi do art. 1.577 do CCB/1916, cuja regra foi<br />

reprisada no art. 1.787 do Novo Código Civil. 2. Em razão<br />

disso, a companheira ocupa o terceiro lugar na ordem de<br />

vocação hereditária, quando o de cujus não deixar descendentes<br />

ou ascendentes, o que não é o caso dos autos.<br />

2. Existindo descendentes, a companheira do de cujus não<br />

ostenta a condição de herdeira, mas poderá ter interesse<br />

juridicamente protegido na sucessão, sendo cabível a sua<br />

citação. Recurso desprovido. (TJRS, Agravo de Instrumento<br />

n• 700228o3753, Relator Desembargador Sérgio Fernando<br />

de Vasconcellos Chaves, julgado em 28/05/2oo8).<br />

RECURSO ESPECIAL. <strong>DIREITO</strong> SUCESSORIO. UNIÃO ESTÁVEL. APLICA·<br />

ÇÃO DO AIUIGO l.6o3, Ili, DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong>. l. Não nega vigência<br />

ao artigo l.6o3, Ili, do Código Civil o acordão que considerou<br />

a companheira, comprovada a união estável por longo período,<br />

na ordem da vocação hereditária. 2. Recurso conhecido<br />

pela alínea C, mas improvido. (STJ - T3 - Terceira Turma,<br />

REsp. n• 74467/RS, Relator: Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES<br />

<strong>DIREITO</strong>, DJ 30/o6/l997, julgado em 19/05/1997).<br />

Outro artigo importante do CC que evidencia a presença do tempus<br />

regit actum no direito sucessório e o 2.041, segundo o qual "As disposições<br />

deste Código relativas à ordem de vocação hereditária (arts.<br />

1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência,<br />

prevalecendo o disposto na lei anterior".<br />

Dentro deste contexto é que se deve prosseguir no conteúdo deste<br />

direito hereditário através da análise das disposições gerais do Código<br />

Civil brasileiro, a fim de, após, adentrar no campo da sucessão legítima.<br />

10. CONCEITOS FUNDAMENTAIS<br />

Os operadores do direito, ao se depararem com o direito sucessório,<br />

costumam ter uma dificuldade conceituai. Isto, porque. descortina-se<br />

todo um vocabulário específico, com expressões inéditas, até<br />

então, aos estudiosos do tema.<br />

576


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

Assim, com o intento de facilitar àqueles que se dedicam ao assunto,<br />

em sede de introdução é interessante recordarmos algumas significações,<br />

as quais serão retomadas nos específicos capítulos desta obra.<br />

Neste momento, os conceitos aqui veiculados serão iniciais, sem<br />

verticalização doutrinária ou jurisprudencial. Isto, porque, o escopo<br />

é apenas de uma compreensão primeira. Quando dos capítulos, nos<br />

tópicos especificamente dedicados a cada tema, os signos serão retomados,<br />

com uma atenção acadêmica mais diferenciada.<br />

vamos lá:<br />

a) De cujus sucessione agitur ou de cujus ou extinto ou inventariado<br />

ou falecido ou autor da herança: É aquele cujo falecimento está<br />

gerando a transferência proprietária. É o morto.<br />

b) Herança ou massa hereditária ou patrimônio hereditário ou<br />

acervo hereditário monte (mont mor): Consiste em um universalidade<br />

de direito - complexo de relações jurídicas deixada por<br />

uma pessoa com valor econômico (art. 91 do CC). É um bem imóvel<br />

(art. Bo, li do CC). Um condomínio indivisível. Logo, ainda que o<br />

herdeiro titularize apenas lºb do patrimônio hereditário, poderá<br />

sair na defesa do todo.<br />

e) Sucessor: É aquele que sucede. É quem vai dar continuidade às<br />

relações jurídicas titularizadas pelo falecido. Trata-se de um gênero,<br />

que possui como espécies o legatário e o herdeiro. Este<br />

pode ser legítimo ou testamentário. O legítimo pode ser necessário<br />

ou facultativo.<br />

Sucessor<br />

{<br />

Herdeiro<br />

Legatário<br />

{<br />

Legítimo { Necessário<br />

Facultativo<br />

Testamentário<br />

d) Herdeiros e Legatários: São espécies de sucessores. Os herdeiros<br />

recebem a título universal, em percentual - ex vi: lo%, lSºb, soºb da<br />

herança. Já os legatários são pessoas certas e determinadas que<br />

recebem bens certos e determinados, estabelecidos através de testamento<br />

- ex vi: deixo para João um imóvel na rua x, casa z, lote y.<br />

577


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Curioso que, coloquialmente, é usual chamarmos quem sucede de<br />

herdeiro. Neste cenário, é possível chamarmos o legatário de herdeiros<br />

legatário. Tal nomenclatura, apesar de corriqueira, é desprovida<br />

da melhor técnica, pois confunde os conceitos de sucessor com o e<br />

herdeiro.<br />

e) Herdeiro legítimo e testamentário: O legítimo é aquele beneficiado<br />

por força de lei - arts. 1829H e 1790 3 • do CC/02 - e o testamentário<br />

o foi por força da vontade do autor da herança.<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca organizadora CESPE, na prova para o cargo de Juiz Substituto<br />

- TJTO, ano de 2007, considerou verdadeira a proposição: Nos parentes<br />

colaterais são herdeiros legítimos, mas não necessários. Esses herdeiros<br />

serão chamados se não houver deliberação em contrário do autor<br />

da herança. Para excluí-los da sucessão, basta que o testador disponha,<br />

em favor de terceiros, da totalidade do seu patrimônio".<br />

f) Herdeiros necessários e facultativos: Os necessários são aqueles<br />

previstos no art. 1845 35 do CC/02 - os descendentes, os ascendentes<br />

e o cônjuge. O Código antigo apenas fazia referência aos ascendentes<br />

e descendentes. O atual melhorou o posicionamento do<br />

cônjuge.<br />

33. Art. i .829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:<br />

1 - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado<br />

este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação<br />

obrigatória de bens (art. i.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão<br />

parcial. o autor da herança não houver deixado bens particulares;<br />

li - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;<br />

Ili - ao cônjuge sobrevivente;<br />

IV - aos colaterais.<br />

34_ Art. i.790_ A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,<br />

quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas<br />

condições seguintes:<br />

1 - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que<br />

por lei for atribuída ao filho;<br />

li - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade<br />

do que couber a cada um daqueles;<br />

Ili - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da<br />

herança;<br />

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.<br />

35. Art. i.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o<br />

cônjuge.<br />

578


INTRODUÇÃO AO <strong>DIREITO</strong> SUCESSÓRIO<br />

g) Legítima: Representa a quota indisponível do patrimônio do fale ­<br />

cido. Ao seu respeito, o Código optou pelo sistema da cota fixa,<br />

invariável. Tal solução não é uníssona no globo terrestre. Outros<br />

ordenamentos - como o de Portugal, o da Itália e o da França<br />

- estabelecem uma cota variável da legítima, de acordo com a<br />

qualidade e quantidade de herdeiros necessários.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Promotor - MPSP - 2012) Em direito das sucessões, constitui a legítima:<br />

A) Na metade dos bens da herança pertencente aos herdeiros necessários.<br />

B) No legado recebido, pelo herdeiro necessário, da parte disponível<br />

dos bens do testador.<br />

C) N.a ordem ocupada pelo cônjuge sobrevivente na sucessão legítima.<br />

D) No direito do herdeiro, em ação de petição de herança, demandar o<br />

reconhecimento de seu direito sucessório.<br />

E) Na exclusão da sucessão do herdeiro ou legatário declarado, por<br />

sentença, indigno.<br />

Gabarito: letra A.<br />

h) Espólio: É a expressão processual da herança. É a herança em<br />

juízo, em movimento. Quem o representa é batizado de inventariante.<br />

i) Inventário e Partilha - Inventário é um procedimento obrigatório<br />

que tem por finalidade arrecadar a herança e partilhá-la.<br />

No inventário, então, é realizada uma arrecadação patrimonial,<br />

apurando o ativo e o passivo do extinto. Tal apuração, uma vez<br />

realizada, desembocará na partilha, que é, justamente, a divisão<br />

patrimonial.<br />

Assim como o júri, inventário e partilha, portanto, traduz um procedimento<br />

bifásico.<br />

Admite-se, atualmente e em algumas situações, até mesmo o inventário<br />

e partilha extrajudicial, como será estudado ao longo desta<br />

obra.<br />

579


Capítulo li<br />

Da Sucessão em geral<br />

sumário • 1. Modalidades de Sucessão. 2. O Juízo<br />

Competente para Abertura do Inventário. 3. Capacidade<br />

e Legitimação para Suceder. 4. Dos Excluídos<br />

da Sucessão por Indignidade. 4.i. A Necessidade de<br />

Sentença Judicial. 4.2. Causas de Exclusão por lndig·<br />

nidade. 4.3. Efeitos da Indignidade. 4.4. Reabilitação<br />

do Indigno. 5. Aceitação ou Adição da Herança. 5.1.<br />

Modalidades de Aceitação. p . O Conteúdo da Aceitação.<br />

6. Renúncia da Herança. 6.1 Espécies de Renúncia.<br />

7. Cessão da Herança ou Cessão de Direitos<br />

Hereditários. 8. Herança jacente e Herança Vacante.<br />

8.1. Natureza Jurídica. 8.2. Casos de Jacência. 8.3. O<br />

Procedimento e os Prazos dos Editais. 8.4 Vacância.<br />

8.5. Natureza Jurídica da Sentença de Vacância.<br />

2. MODALIDADES DE SUCESSÃO<br />

A sucessão admite classificação quanto à fonte e aos efeitos.<br />

Ao apreciar o art. 1.786 do Código Civil, Maria Helena Diniz esclarece<br />

que, quanto à fonte da qual deriva, a sucessão poderá ser:<br />

a) testamentária, advinda da disposição de última vontade' e<br />

b) egítima ou ab intestato, oriunda da lei, "nos casos de ausência,<br />

nulidade, anulabilidade ou caducidade de testamento (CC. art. 1.786<br />

e i.788)" '.<br />

Tal classificação não é excludente entre si. Lembra Carlos Roberto<br />

Gonçalves> que nas pegadas do art. i.788 do Código Civil, falecendo<br />

uma pessoa sem testamento, transmite-se a herança aos herdeiros<br />

legítimos; o mesmo acontecendo em relação a bens não compreendidos<br />

em testamento ou no caso de invalidade deste.<br />

i. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 28.<br />

2. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 17<br />

3. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 4 Edição, 2010, p. 42<br />

581


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Infere-se, por conseguinte, ser plenamente possível o convívio no<br />

Brasil da sucessão legítima e da testamentária em um mesmo caso<br />

concreto, quando a ato de disposição de vontade contemplar, apenas,<br />

uma fração do patrimônio.<br />

A sucessão legítima, ou reserva legitimária, será endereçada aos<br />

herdeiros legítimos necessários. Estes são aqueles que o legislador,<br />

por presunção, pensa que o testador endereçaria o patrimônio. Trata-se<br />

de uma vontade presumida.<br />

No que diz respeito à sucessão por testamento, já se viu que o<br />

sistema brasileiro limita o alcance da disposição quando o autor<br />

da herança possuir herdeiros legítimos necessários. Ao adotar o<br />

sistema sucessório da divisão necessária, o patrimônio do de cujus<br />

há de ser dividido em uma parte indisponível (devida aos herdeiros<br />

necessários) e uma parte disponível (que pode ser objeto<br />

do testamento). Tal divisão é exata, cabendo 50°k (cinquenta por<br />

cento) para cada cota - ex vi os artigos L?89, i.845 e i.846, todos<br />

do Código Civil. -<br />

Entrementes, caso o testador herdeiros não possua legítimos necessários,<br />

é possível que ele faça a disposição de todo o seu patrimônio,<br />

a título de testamento.<br />

Analisando o contexto social nacional, percebe-se que no<br />

Brasil não há tradição na confecção de testamentos. O brasileiro<br />

não tem uma boa relação com a morte; afinal: o brasileiro não<br />

desiste nunca! Alia-se a isto a percepção de que o legislador nacional<br />

foi extremamente detalhista ao trabalhar com a legítima,<br />

o que ocasiona certo desinteresse na confecção de testamentos.<br />

Há um verdadeiro testamento tácito ou presumido regulado no<br />

Código Civil.<br />

Em sendo assim, a prática forense demonstra que a grande parte<br />

dos casos envolverá a sucessão ab intestato (sem testamento),<br />

aplicando-se a regra do art. 1.788 do Código Civil.<br />

Dando seguimento à classificação do direito sucessório, é possível<br />

dividi-lo quanto aos efeitos. Aqui, Maria Helena Diniz sustenta<br />

que a sucessão poderá ser:<br />

582


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

a) a título universal, para o caso de transferência total da herança,<br />

ou de uma parte indeterminada da mesma (fração hereditária),<br />

para um determinado herdeiro. Esta pode acontecer tanto na<br />

legítima como na testamentária e<br />

b) a título singular, quando, por testamento, coisas determinadas<br />

são transferidas aos herdeiros~. Estar-se-á diante de um legado.<br />

Justo por isto é que se afirma que o herdeiro sucede a título universal,<br />

enquanto que o legatário o faz a título singular.<br />

Lembra Francisco Cahali 5 que, na hora da prova, o candidato deve<br />

ficar atento se o recebimento é através de percentual do patrimônio<br />

- quando se estiver diante de uma herança a título universal- ou<br />

de um bem certo e determinado - quando se estiver diante de uma<br />

deixa a título singular (legado).<br />

Imagine, por exemplo, que um herdeiro receba uma poção de<br />

ativos e passivos hereditários, ou mesmo toda a herança. Neste<br />

caso, será este herdeiro universal. Já para o caso de o herdeiro<br />

receber uma coisa ex re certa - ou seja, determinada, individuada,<br />

a exemplo de um carro - será denominado herdeiro singular e,<br />

portanto, não responderá por passivo algum, pois não recebeu<br />

quota-parte de ativos e passivos.<br />

2. O JUÍZO COMPETENTE PARA ABERTURA DO INVENTÁRIO<br />

O inventário é um procedimento obrigatório. Tanto é assim que<br />

caso nenhum dos legitimados o inicie (arts 987 e 988 do CPC), o<br />

próprio magistrado pode começá-lo, de ofício, na forma do art. 989<br />

do Código de Processo Civil. Trata-se de uma raríssima e criticada<br />

exceção ao princípio da inércia.<br />

4. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 3i.<br />

5. ln Curso Avançado de Direito Civil. Coordenador: Everaldo Cambler. Vol. VI. 2 ed,<br />

2003, p. 53.<br />

583


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo CPC (NCPC), o art. 987 do CPC ainda vigente, passou a ser o art.<br />

615.<br />

Já o art. 988, do CPC ainda vigente passou a ser o art. 616, no novo CPC<br />

(NCPC).<br />

Seguindo o teor do texto legislativo, decidiu o Superior Tribunal<br />

de Justiça:<br />

~ E na hora da prova?<br />

PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong>. INVENTÁRIO. ABERTURA EX OFFICIO. ARTS . 987<br />

E 988 DO CPC.<br />

Ao tomar conhecimento de que ultrapassado o prazo (Art.<br />

983 do CPC) ninguém requereu a abertura do inventário, o<br />

juiz deve fazê-lo de ofício. A norma do Art. 989 do CPC é imperativa<br />

. (REsp 515.034/RS, Rei. Ministro HUMBERTO GOMES DE<br />

BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2007, D) 26/03/2007<br />

p. 231).<br />

O concurso para o provimento do cargo de Juiz Substituto - TJPR, ano de<br />

2011, considerou falsa a seguinte proposição: "em nenhuma hipótese<br />

poderá o juiz iniciar, de ofício, o inventário, uma vez que afronta o princípio<br />

da inércia da jurisdição, estatuído no art. 2. 0 do CPC (Nemo ludex<br />

sine Actore. Ne Procedat ludex ex Officio)n.<br />

Todavia, a regra geral é que quem esteja na posse e administração<br />

dos bens inicie o inventário. Caso o não faça, poderá<br />

fazê -lo, concorrentemente, o cônjuge supérstite (sobrevivente); o<br />

herdeiro; o legatário; o testamenteiro; o cessionário do herdeiro,<br />

legatário ou autor da herança; o síndico da falência do herdeiro,<br />

do legatário ou do autor da herança; o Ministério Público, caso<br />

haja herdeiros incapazes e, até mesmo, a Fazenda Pública, quando<br />

tiver interesse.<br />

O requerimento de abertura do inventário será instruído com a<br />

certidão de óbito do inventariado.<br />

Ressalta-se que se afirma ser o inventário um procedimento obrigatório,<br />

haja vista que na forma do art. 982 do Código de Processo<br />

Civil, ele poderá ser judicial ou administrativo (extrajudicial). Pa ra<br />

que seja extrajudicial há de existir consenso, capacidade plena de<br />

todos os envolvidos e a presença de um advogado.<br />

584


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora IESES, em concurso realizado para Cartório do TJ­<br />

·PB, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: HFaculta-se a<br />

via extrajudicial quando todos os herdeiros forem capazes, concordes e<br />

inexistir testamento do autor da herança".<br />

Mas existe um prazo para o início deste procedimento?<br />

A resposta é positiva. Todavia, neste tema se verifica uma incongruência<br />

entre o Código Civil e o Código de Processo Civil.<br />

Explica-se.<br />

O Código de Processo Civil afirma, na redação do seu artigo 983,<br />

que o inventário deve ser iniciado no prazo de 60 (sessenta) dias,<br />

contados do falecimento (abertura da sucessão).<br />

Já o Código Civil, especificamente no seu artigo i.796, fala em um<br />

prazo de 30 (trinta) dias), contados da abertura da sucessão (morte).<br />

Afinal, qual prazo deverá prevalecer?<br />

Entendemos que pelo critério da Lex Nova/is (LINDB, art. 2° e seus<br />

§§)deve se considerar o prazo de 60 (sessenta dias), posto que o artigo<br />

983 do CPC foi alterado pela Lei Federal n° 1i.441/2007, posterior,<br />

portanto, à disposição do CC/02, revogada na hipótese.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 983 do CPC vigente passou a ser o art. 6n do novo CPC (NCPC). Houve<br />

sensível alteração na redação do prazo de início do procedimento do<br />

· inventário: de sessenta dias para dois meses. in verbis:<br />

Art. 611. o processo de inventário e de partilha deve ser<br />

instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura<br />

da sucessão, ultiman- do-se nos 12 (doze) meses<br />

subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de<br />

ofício ou a requerimento de parte.<br />

Em síntese: a lei posterior derroga a anterior (Lex posterior derogat<br />

legi priori), razão pela qual o prazo é de 60 (sessenta) dias,<br />

prevalecendo o Código de Processo Civil no particular.<br />

O que acontece se houver a perda o prazo?<br />

Neste caso, incidirá uma multa. Sobre o tema, o Supremo Tribunal<br />

Federal possui a Súmula 542, afirmando não ser inconstitucional<br />

585


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

a multa, instituída pelo Estado-Membro da Federação, para quem não<br />

abrir o processo de inventário no prazo fixado por lei.<br />

Verificado que o inventário é obrigatório, a questão muda de<br />

foco: onde o mesmo deverá tramitar?<br />

O Código Civil, no seu art. i.785, informa que o inventário será<br />

aberto no último domicílio do falecido. Tal determinação é razoável.<br />

Isto, porque, a teor do art. 70 do mesmo Código Civil, o domicílio é o<br />

lugar onde provavelmente se encontrarão os bens do de cujus, pois<br />

consiste em sua sede para prática de negócios jurídicos.<br />

Mas não é apenas o Código Civil que afirma ser o foro do último<br />

domicílio do finado o competente para o ajuizamento da ação de<br />

inventário. Também diz isto o art. 96 do Código de Processo Civil,<br />

firmando a competência do último domicílio do extinto não apenas<br />

para o inventário, como também para "todas as ações em que o<br />

espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiron.<br />

Recorda Carlos Roberto Gonçalves 6 que se o finado tivesse vários<br />

domicílios, o critério será o da prevenção, fixando-se a competência<br />

no primeiro destes domicílios onde for ajuizada a ação (art. 94, parágrafo<br />

primeiro do Código de Processo Civil).<br />

Assim, após fixar a regra geral de competência como do último domicílio<br />

do falecido, passa o legislador processualista a trabalhar com<br />

critérios sucessivos e subsidiários de determinação da competência.<br />

Nessa esteira, o parágrafo único do art. 96 do CPC firma que será<br />

competente o foro da situação dos bens, caso o autor da herança<br />

não possua domicílio certo. Já na situação em que o de cujus não<br />

tenha domicílio certo e possua bens e vários locais, será competente<br />

o local do óbito.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 96 do CPC ainda vigente, passou a ser o art. 48 do novo CPC<br />

(NCPC).<br />

Esta competência é absoluta ou relativa?<br />

6. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 4 Edição, 2010, p. 48.<br />

586


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

Já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que "A competência<br />

poro o processo sucessório é relativo, não podendo ser arguido de<br />

ofício" (TJRJ, 11 Câmara Cível, Agln 2007.002.36145, Desembargador José<br />

C. Figueiredo, j. 09.oi.2008), sendo mister analisar tanto o Código Civil<br />

(artigo 1.785) quanto o Código de Processo (artigos 89 e 96). Tal posicionamento<br />

é majoritário, como afirma Carlos Roberto Gonçalves 7 •<br />

Entretanto, minoritariamente, para Maria Helena Diniz a competência<br />

do juiz do último domicílio do falecido é absoluta, seja porque o finado<br />

se encontrava, quando do óbito, sob a jurisdição deste magistrado,<br />

seja porque este juízo é o que melhor se encontrará aparelhado para<br />

dirimir as questões, daí a conveniência da "unidade de liquidação". 8<br />

~ Como os bibunais estão entendendo esse assunto?<br />

COMPETÊNCIA. CONFLITO. CPC, ART. 96. FORO COMPETENTE.<br />

INVENTÁRIO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. NATUREZA RELATIVA.<br />

IMPOSSIBILIDADE DE DECLINAÇÃO DE OFICIO. ENUNCIADO N•<br />

33 DA SÚMULA/STJ. FALTA DE ATENÇÃO. CONFLITO CONHECIDO.<br />

Cuidando-se de competência territorial, cuja natureza<br />

relativa comporta prorrogação, não é dado ao juiz declarar-se<br />

incompetente de ofício, incidindo, no ponto, o<br />

enunciado n° 33 da sumula deste Tribunal.li - Nos termos<br />

do art. 96, CPC, é competente para processar o inventário<br />

o foro do domicílio do autor da herança, somente havendo<br />

superfície para outras considerações a esse respeito<br />

quando ele não tenha tido domicílio certo, 96CPC Ili - Sem<br />

embargo do habitual e desumano excesso de serviço na<br />

Justiça, não se justifica que, em casos como o dos autos.<br />

não se dê a devida atenção à espécie, tornando ainda<br />

mais difícil, para o cidadão, a prestação jurisdicional. ( STI.<br />

Conflito de competência n• 19334. Relator Ministro SÁLVIO<br />

DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data de julgamento: 27/11/2001,<br />

S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 25,02.2002).<br />

7. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 4 Edição, 2010, p. 48.<br />

8. Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 45.<br />

587


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

CONFLITO DE COMPETENCIA. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. BEM<br />

DE ESPOLIO. FORO COMPETENTE. DECRETO-LEI N. 3.565/41 (ART.<br />

11) E CPC (ARTS. 95 E 96). 1. NAS AÇÕES DE DESAPROPRIAÇÃO,<br />

O FORO COMPETENTE É O DA SITUAÇÃO DO IMOVEL, AINDA<br />

QUE O INVENTÁRIO DOS BENS DO AUTOR DA HERANÇA CORRA<br />

NO FORO 00 DOMICÍLIO DESTE. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA<br />

DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DE <strong>DIREITO</strong> DA COMARCA DE<br />

MAR DE ESPANHA-MG, SUSCITADO. (STJ - S1 - Primeira Seção,<br />

Conflito de Competência n° 5579/RJ, Relator Ministro PEÇA­<br />

NHA MARTINS, DJ 13/12/1993, julgado em 23/11/1993).<br />

Ainda perquirindo sobre a competência, se o extinto for domiciliado<br />

no estrangeiro, mas possuir bens no Brasil, em relação a estes<br />

bens será competente para o inventário e partilha a autoridade judiciária<br />

brasileira, com exclusão de qualquer outa (art. 89, li do CPC<br />

e art. 12, parágrafo primeiro da LINDB).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo CPC (NCPC), o art. 89 do CPC ainda vigente, passou a ser o art. 21.<br />

A imposição relaciona-se à soberania nacional. Assim percebe-se<br />

uma rara hipótese de competência territorial absoluta.<br />

Que fique claro: esta competência territorial absoluta da autoridade<br />

brasileira apenas prevalecerá caso o falecido no estrangeiro<br />

- seja brasileiro ou estrangeiro - tenha deixado bens no<br />

Brasil. Caso não os tenha, a competência escapará a Jurisdição<br />

brasileira.<br />

Mas qual a lei aplicável a esse inventário que tramita no Brasil: a<br />

nacional ou a estrangeira?<br />

Na forma do art. 10, parágrafo primeiro da LINDB e 5°, XXXI da<br />

CF/88, aplicar-se-á a norma mais benéfica, entre a brasileira e a do<br />

domicílio do de cujus, ao cônjuge ou filhos brasileiros, ou daqueles<br />

que os representem. Caberá ao magistrado, na análise do caso concreto,<br />

verificar qual a norma mais benéfica, lembrando que aquele<br />

que arguir a incidência do direito estrangeiro deverá comprovar a<br />

sua validade e eficácia (art. 14 da LINDB).<br />

588


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

• Como esse assunto foi cobrado em concurso público?<br />

Na prova para Analista Judiciário -Área Judiciária - TRT 1• Região, ano de<br />

2013, o candidato se deparou com a seguinte questão:<br />

Ryan, inglês, em uma de suas viagens a lazer pelo Brasil e pelo Estado<br />

do Espírito Santo, conheceu Perla, brasileira nata, e ambos iniciaram<br />

relacionamento amoroso e casaram-se na cidade de Vitória, onde residiram<br />

por cerca de dez anos e adquiriram um imóvel residencial de<br />

alto padrão e dois conjuntos comerciais. Do relacionamento entre Ryan<br />

e Perla nasceram Pedro e Mariana, também na cidade de Vitória. No<br />

mês de Janeiro de 2012 Ryan e Perla mudaram-se definitivamente para a<br />

Inglaterra e, no mês de Julho, Ryan faleceu em decorrência de um infarto<br />

fulminante. Neste caso. em regra, a sucessão de bens amealhados pelo<br />

casal e que estão no Brasil, será regulada pela lei<br />

A) brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, independentemente<br />

de eventual conteúdo favorável aos herdeiros da lei<br />

inglesa.<br />

B) inglesa. tendo em vista a nacionalidade de Ryan.<br />

C) brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de<br />

quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei<br />

pessoal do de cujus.<br />

D) inglesa, tendo em vista o local do falecimento de Ryan.<br />

E) brasileira ou inglesa, cabendo aos herdeiros exercer a opção no momento<br />

da abertura da sucessão.<br />

A assertiva correta é a "C'.<br />

E como proceder caso haja a morte do cônjuge supérstite (viúvo)<br />

antes da partilha do outro cônjuge pré-morto?<br />

Quem regula o assunto é o artigo i.043 do Código de Processo<br />

Civil.<br />

A regra é simples: em existindo coincidência de herdeiros, as<br />

duas heranças serão cumulativamente inventariadas e partilhadas,<br />

havendo, neste caso, um só inventariante. Por força desta regra, o<br />

segundo inventário será distribuído por dependência, processando­<br />

-se em apenso ao primeiro.<br />

Recorda-se que o Juízo do inventário, em virtude do caráter universal<br />

da sucessão (CC, art. 91). exerce vis atrativa sobre todas as<br />

ações que lhe digam respeito (CPC, art. 96), a exceção daquelas que<br />

possuem outras competências absolutas, como possessórias.<br />

589


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Atenção!<br />

Feita a pa11ilha, não existe mais a universalidade de direito do inventário<br />

(CC, 1.791), muito menos a competência do juízo universal do inventário<br />

(CPC, 96), de modo que a competência passará a ser do domicílio<br />

dos herdeiros, ou das demais regras processuais.<br />

Para o caso dos inventários administrativos não haverá o problema<br />

da competência (tema de processo judicial), de modo que o<br />

mesmo será realizado em qualquer Tabelionato, lavrando-se a respectiva<br />

escritura pública. Esta é a determinação da Resolução 35 do<br />

Conselho Nacional de Justiça (CNJ).<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O novo CPC (NCPC) aboliu a possibilidade de o magistrado instaurar de<br />

ofício processo de inventário e par1ilha, o que é digno de aplausos,<br />

afinal de contas a jurisdição deve atuar apenas quando provocada, de<br />

maneira imparcial e equidistante.<br />

3. CAPACIDADE E LEGITIMAÇÃO PARA SUCEDER<br />

É muito usual que o operador do Direito, ao se debruçar sobre<br />

o tema legitimidade para suceder, confunda este assunto com a capacidade<br />

civil e a capacidade para suceder, como adverte Maria<br />

Helena Diniz 9 •<br />

A capacidade civil, como visto na nossa Parte Geral, consiste na aptidão<br />

genérica de titularizar direitos e contrair deveres na ordem jurídica.<br />

Já a capacidade para suceder se destina a analisar aqueles que<br />

tem aptidão para o recebimento de bens deixados pelo extinto.<br />

Se o direito hereditário se prestar a realizar a transmissão da herança,<br />

é preciso que verifique àqueles que estarão capacitados a<br />

recebê-la.<br />

A capacidade para suceder, portanto, é uma legitimação genérica<br />

para receber a herança. Já a capacidade civil consiste em coisa diversa,<br />

sendo a aptidão para a prática de atos da vida privada.<br />

Curioso perceber, portanto, que uma pessoa pode ter plena<br />

capacidade para a prática dos atos na vida civil e ser incapaz de<br />

9. Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 45.<br />

590


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

suceder. A incapacidade sucessória se identifica com impedimento<br />

legal para receber a herança.<br />

À título de exemplo cita-se a testemunha do testamento do finado.<br />

Trata-se de alguém com capacidade civil, mas sem capacidade<br />

sucessória, pois desprovida desta legitimação geral para suceder.<br />

A verificação do capazes (legitimados gerais) para suceder dar­<br />

-se-á segundo a lei da abertura da sucessão (do óbito). Em matéria<br />

de direito sucessório não se legisla para alcançar o passado, mas<br />

apenas para reger o futuro, afinal de contas tempus regit actum -<br />

arts. i.787, 2.041 e 2.042 do CC.<br />

Desta maneira, pouco importa se a lei posterior à data do óbito<br />

altera, ou não, a vocação hereditária. O direito ao recebimento da<br />

herança - por força da saisine e da lei da época do óbito - obsta a<br />

incidência da lei posterior.<br />

Pois bem.<br />

Afirma Flávio Tartuce 1 º que art. I.798 do Código Civil traz a regra<br />

geral dos legitimados a suceder na sucessão legítima. Assim, legitimam-se<br />

a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento<br />

da abertura da sucessão. Desta forma, será necessário observar<br />

a data do óbito e verificar, à época, aqueles capacitados a adir a<br />

herança (nascidos e concebidos).<br />

• Segue o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:<br />

APELAÇAO CÍVEL. SUCESSÕES. SOBREPARTILHA. INVENTÁRIO<br />

FINDO HÁ MAIS DE 100 ANOS. SUCESSÃO ABERTA EM 1867 E<br />

1898. PRESCRIÇÃO. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. INOCORRÊNCIA.<br />

APLICAÇÃO DO ART. 1798 DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong>. Não bastasse a<br />

prescrição, ocorrente em relação aos inventários processados<br />

há mais de 100 anos, há outro fator que obsta a<br />

pretensão, pois o autor e aqueles arrolados como herdeiros<br />

não ostentam tal condição, pois não eram nascidos<br />

nem já concebidos ao tempo da abe11ura da sucessão,<br />

que ocorreu nos autos de 1867 e 1898, respectivamente.<br />

NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJRS - AC: 70048619167<br />

RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento:<br />

26/07/2012, Oitava Câmara Cível).<br />

io. ln Direito Civil. Volume VI. Direito das Sucessões. 2 Edição, 2008, p. 39-40.<br />

597


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Veja-se que apenas pessoas podem suceder, o que já afasta, de<br />

logo, os animais, entidades místicas (santos) e seres inanimados,<br />

como leciona Carlos Roberto Gonçalves 11<br />

Resta claro, à luz destas ideias, que o nascituro herda, seja por<br />

força do art. 2° do Código Civil - quando afirma que a lei põe a salvo,<br />

desde a concepção, os direitos do nascituro - seja ante a permissão<br />

explícita do art. q98 do Código Civil - legitimam-se a suceder as<br />

pessoas já concebidas.<br />

~ Como esse assunto foi cobrado em prova de concurso:<br />

(Vunesp - Juiz de Direito Substituto - PA/2014) Quanto à capacidade sucessória<br />

do nascituro, assinale a alternativa correta.<br />

A) Não possui legitimidade para receber herança ou legado.<br />

B) Legitima-se a suceder desde que contemplado em testamento.<br />

C) Legitima-se a suceder desde que concebido quando da abertura da<br />

sucessão.<br />

D) Legitima-se a suceder desde que se trate de herança pela via direta<br />

e não colateral.<br />

E) Legitima-se a suceder por legado desde que concebido até iBo dias<br />

anteriores à abertura da sucessão.<br />

Gabarito: C<br />

~ Atenção!<br />

A capacidade hereditária do nascituro é condicional. Em outras palavras:<br />

será preciso o nascimento com vida deste. Se nascer morto, implementa­<br />

-se a condição e não haverá transmissão hereditária. Até esta verificação,<br />

um curador tomará conta do quinhão hereditário do nascituro (CC,<br />

1.779 e CPC 878).<br />

Situação curiosa, entretanto, é a do embrião. Teria ele legitimação<br />

para suceder?<br />

Sobre o tema há o Enunciado 267 da Ili Jornada em Direito Civil "A regra<br />

do art. 1198 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados<br />

mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a<br />

11. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 4 Edição, 2010, p. 69.<br />

592


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais<br />

se submetem às regras previstas para a petição da herança".<br />

É exatamente este o raciocínio sustentado por Maria Helena Diniz.<br />

Para ela, se na época do óbito existir um embrião gerado com<br />

material genético do finado, e se este embrião for implantado em<br />

um útero, vindo a nascer, terá direito hereditário, podendo ajuizar<br />

petição da herança no prazo prescricional de 10 anos (CC, art. 205)."<br />

A doutrina, entretanto, apresenta divergência sobre o assunto<br />

(mesmo havendo Enunciado do CJF). Vamos aos entendimentos:<br />

Entendimento 1. Doutrinadores que entendem que somente o<br />

nascituro sucede. Entre eles: Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira,<br />

Jones Figueiredo, Mário Luiz Delgado, Flávio Tartuce e José Simão.<br />

Entendimento 2. Doutrinadores que entendem que o embrião<br />

também sucede. Entre eles, Maria Helena Diniz, Zeno Veloso, Francisco<br />

José Cahali, Giselda Hironala e Silmara Juny Chinellato.<br />

Seguindo na análise da legitimação para suceder, após a regra<br />

geral do art. i.798 do Código Civil, passa o legislador a elencar, de<br />

forma mais extensiva, àqueles que podem ser contemplados na herança<br />

testamentária. Que fique claro: passa o Código Civil a alargar o<br />

rol de legitimados gerais, abraçando novos sujeitos para a sucessão<br />

testamentária.<br />

O primeiro deles é a prole eventual ou concepturo. São os filhos<br />

ainda não concebidos (nondum conceptus), que podem ser beneficiados<br />

hereditariamente, pela via do testamento, na forma do inciso 1,<br />

do art. i.799 do CC.<br />

Mas há prazo para ser concebida esta prole eventual?<br />

Sim. O Código Civil incluiu o chamado prazo de espera. O art.<br />

i.800, § 4º do Código Civil prescreve que se decorridos dois anos<br />

após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado,<br />

os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador,<br />

caberão aos herdeiros legítimos.<br />

Há, portanto, um prazo decadencial de dois anos para concepção<br />

- e não nascimento -, após o qual se perde o direito hereditário.<br />

Ultrapassado o prazo, o quinhão hereditário respectivo retornará ao<br />

12. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 17<br />

593


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mont mor, para ser partilhado entre os demais herdeiros, salvo se<br />

o próprio testamento disciplinar de outra maneira, prevendo uma<br />

substituição testamentária.<br />

O segundo sujeito que alarga o rol de legitimados na sucessão<br />

testamentária são as pessoas jurídicas (Incisos li e Ili do art. i.799<br />

do Código Civil). Aqui pode ser tanto a pessoa jurídica atual como<br />

a futura. Recorda-se que é possível até mesmo a criação de uma<br />

fundação através de testamento, sendo afetado patrimônio para a<br />

mesma'i.<br />

Verificou-se, então, aqueles que têm capacidade para suceder,<br />

pois presente uma legitimação genérica. Entrementes, questiona-se:<br />

será que basta esta capacidade genérica para suceder?<br />

A resposta é negativa.<br />

Há pessoas que malgrado detenham a capacidade geral para suceder<br />

- direito em abstrato de receber herança - são ilegítimas para<br />

tal caso concreto. Ou seja: são vedadas de suceder. São ilegitimadas<br />

de suceder ou incapazes passivas de herdar.<br />

o art. i.801 do cc veicula um rol de pessoas que não podem ser<br />

nomeadas herdeiras, nem legatárias, a saber: a) a pessoa que, a<br />

rogo, escreveu o testamento, seu cônjuge ou companheiro, ou seus<br />

ascendentes e irmãos; b) as testemunhas do testamento; c) o concubino<br />

do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver<br />

separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos; d) o tabelião,<br />

civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer,<br />

assim como o que fizer ou aprovar o testamento.<br />

~ E na hora da prova?<br />

O exame para o cargo de Promotor de Justiça - MP/PR. ano de 2012, considerou<br />

verdadeira a proposição: •as testemunhas do testamento não<br />

podem ser nomeadas herdeiras ou legatárias ...<br />

Infere-se do rol que a preocupação ora diz respeito à indevida<br />

influência na manifestação de vontade, ora a questões de ordem ética.<br />

Tem por escopo evitar o abuso da confiança, não deixando, por<br />

i3. Quem quiser se aprofundar sobre o tema deve consultar o nosso Volume dedi·<br />

cada à Parte Geral, especificamente o capítulo referente à pessoa jurídica.<br />

594


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

exemplo, uma testemunha do testamento se valer de sua posição<br />

para obter vantagem indevida.<br />

~ Atenção!<br />

Deve-se realizar atenta crítica ao prazo de cinco anos sugerido pelo<br />

inciso Ili do art. i.8o1 do CC. Uma interpretação sistêmica do Código Civil<br />

demonstra que o prazo utilizado costumeiramente para a separação<br />

de fato é de dois anos. A utilização pelo legislador do prazo de cinco<br />

anos enseja quebra da pureza sistemática do CC. Neste mesmo sentido<br />

coloca-se Carlos Roberto Gonçalves.'•<br />

Outra crítica é a percepção de que este inciso Ili ainda trabalha com a<br />

noção de culpa, afastada do direito brasileiro, para a maioria da doutrina,<br />

pela Emenda Constitucional 66/10.<br />

Evidentemente que os filhos oriundos do concubinato terão o<br />

mesmo direito hereditário dos demais, afinal de contas jamais poderiam<br />

ser discriminados, ante ao princípio da igualdade filial. Neste<br />

sentido, posiciona-se a Súmula 447 do Supremo Tribunal Federal,<br />

segundo a qual "É válida a disposição testamentária em favor de filho<br />

adulterino do testador com sua concubina". Na mesma linha caminha o<br />

art. i.803 do Código Civil, quando dispõe que: "É lícita a deixa ao filho<br />

do concubino, quando também o for do testador".<br />

Também será importante recordar que a vedação do art. i.801<br />

do CC não abrange a união estável, mas apenas o concubinato, ou<br />

seja, as relações não eventuais entre homem e mulher impedidos<br />

de casar (CC, i.727).<br />

~ Como a jurisprudência e a doutrina compreendem o assunto?<br />

O Superior Tribunal de Justiça no REsp. n.234-RJ entendeu<br />

que esta vedação "não abrange a companheira do homem<br />

casado, mas separado de fato. E como tal se considera<br />

a mulher que com ele manr~m união estável, convivendo<br />

como se casados fossem" (no mesmo sentido o REsp. 296-<br />

RS, DJU 28.9.89).<br />

i4. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 4 Edição, 2010, p. 83.<br />

595


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O Enunciado 269 do CJF é no mesmo sentido: "A vedaçdo<br />

do art. i.8o1, Ili, do C6digo Civil ndo se aplica à unido<br />

estável, independentemente do período de separoç


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

As pessoas que se encontrarem nesta situação serão excluídas<br />

do direito de receber a herança, em função da aludida indignidade.<br />

Percebe-se, neste cenário, uma clara hipótese de ilegitimidade sucessória,<br />

ao passo que os listados possuem capacidade para suceder,<br />

sendo, porém, afastados da herança em função de conduta antiética.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Promotor - MPCE - FCC - 2011) São excluídos da sucessão os herdeiros<br />

ou legatários que:<br />

A) houverem acusado em juízo o autor da herança, seu cônjuge ou companheiro.<br />

B) houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio culposo<br />

ou doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar,<br />

seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente.<br />

C) praticarem lesão corporal grave em detrimento do autor da herança,<br />

ainda que culposa.<br />

D) cometerem crime de d,ifamação contra o autor da herança, seu cônjuge<br />

ou seu companheiro.<br />

E) por qualquer meio, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor<br />

livremente de seus bens por ato de última vontade.<br />

Gabarito: letra D.<br />

Maria Helena Diniz 16 sustenta que a indignidade é uma pena civil<br />

apta a privar o direito hereditário de quem incorreu nas situações<br />

indicadas no art. 1.814 do Código Civil. Evidente, portanto, que a indignidade<br />

está intimamente relacionada com o princípio da eticidade,<br />

o qual norteia o Código Civil. o escopo é punir atos atentatórios<br />

a ética com a perda do direito sucessório.<br />

A sucessão se pauta em um razão ética, guiando-se pela vontade<br />

real ou presumida do defunto para transmissão do seu patrimônio.<br />

Nas palavras de Lacerda de Almeida 11 , tal transferência patrimonial é<br />

guiada pelo sentimento de gratidão, ou, ao menos, de respeito ao de<br />

cujus. Aqueles que não nutrem tais questões, em relação ao extinto,<br />

devem ser excluídos da sucessão.<br />

16. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 65.<br />

l]. ln Sucessões. p. 71.<br />

597


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A indignidade consiste em um instituto da teoria geral do direito<br />

sucessório, aplicando-se tanto à sucessão legítima, como à testamentária.<br />

Trata-se, nas palavras de Clóvis Beviláqua 18 , na "privação do<br />

direito, cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à<br />

pessoa ou ao interesse do hereditando".<br />

Em se tratando de sanção cível deve ser interpretada restritivamente<br />

(nu/la poena sine lege). Logo, para a maioria da doutrina, a<br />

exemplo de Francisco Cahali' 9 e Carlos Roberto Gonçalves'º, o rol de<br />

atos capazes de ocasionar a indignidade é taxativo (numerus clausus).<br />

Minoritariamente, porém, é possível defender a inclusão de novas<br />

hipóteses no rol de indignidades, segundo o ideal da tipicidade<br />

finalística. Assim o magistrado poderá considerar outras hipóteses,<br />

desde que mantida a finalidade do rol. Nesta toada se recorda o<br />

induzimento, auxílio e instigação ao suicídio; o qual não é mencionada<br />

como indignidade, mas deve ser lembrada, segundo a tipicidade<br />

finalística.<br />

4.1. A Necessidade de Sentença Judicial<br />

O reconhecimento da indignidade exige devido processo legal.<br />

com contraditório, ampla defesa e condenação transitada em julgado.<br />

Afinal de contas ninguém pode ser privado de seu patrimônio<br />

sem o devido processo legal (art. 5, LIV da CF/88).<br />

Trata-se de processo civil que desembocará na exclusão do indigno<br />

da sucessão, mediante sentença (art. i.815 do Código Civil).<br />

Verifica-se, assim, que há um direito potestativo de demandar a<br />

exclusão do herdeiro ou legatário indigno, exercitado mediante uma<br />

ação ordinária desconstitutiva, batizada de ação de indignidade, a<br />

qual se submete ao prazo decadencial de quatro anos, contados da<br />

abertura da sucessão (morte).<br />

18. ln Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Obs. l ao art. i.595 (CC/1916).<br />

19. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 4 Edição, 2010, p. 136.<br />

20. ln Op. Cit. p. 115.<br />

598


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

• E na hora da prova?<br />

A seguinte assertiva foi considerada verdadeira na prova para o cargo<br />

de Juiz - TJPR, ano de 2ou: ·a exclusão dos herdeiros ou legatários, por<br />

ato de indignidade extingue-se em 04 anos contados da abertura da<br />

sucessão".<br />

Neste sentido, Maria Helena Diniz" afirma que a exclusão do herdeiro<br />

indigno não se dá arbitrariamente, em ipso iure. Deve existir<br />

uma sentença nos autos de uma ação judicial movida, em regra, por<br />

um herdeiro ou por quem demonstre interesse de agir e legitimidade<br />

(CPC, arts. 3° e 6° ).<br />

~ Atenção!<br />

O Enunciado u6 do CJF afirma que o Ministério Público, por força do<br />

art. i.815 do Código Civil, desde que presente o interesse público, tem<br />

legitimidade para promover ação visando à declaração da indignidade<br />

de herdeiro ou legatário.<br />

Sílvio de Salvo Venosa e Maria Helena Diniz defendem a legitimidade do<br />

Parquet, sendo essa a corrente a ser indicada nos concursos públicos. Já<br />

Carlos Roberto Gonçalves é contra tal legitimação, por entender que a<br />

questão é fundamentalmente privada.<br />

O art. 127 da CF pode ser utilizado como fundamento jurídico para, no<br />

caso concreto, autorizar a atuação ministerial. Um exemplo clássico em<br />

que é perceptível a presença do interesse público é a casuística do<br />

homicídio, sendo possível aqui o Ministério Público manejar ação de<br />

indignidade em face do herdeiro homicida, caso nenhum outro herdeiro<br />

venha a capitanear a ação.<br />

Malgrado a omissão legislativa. vem se defendendo a ideia de<br />

que o rito da ação é o ordinário, para que haja uma larga dilação<br />

probatória. A demanda será proposta após o falecimento do hereditando.<br />

Caso, porém, aquele que cometeu o ato de indignidade seja<br />

pré-morto, não mais haverá interesse de agir, ao passo que a penalização<br />

de submete à intranscedência, como bem recorda Carlos<br />

Roberto Gonçalves".<br />

21. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2ou, p. 69.<br />

22. Op. Cit. p. 226.<br />

599


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

4.2. Causas de Exclusão por Indignidade<br />

A primeira casuística apta ao reconhecimento da indignidade<br />

ocorre para hipótese de autoria, coautoria ou participação em homicídio<br />

doloso, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,<br />

companheiro, ascendente ou descendente.<br />

Trata-se da mais grave hipótese de indignidade, ao passo que,<br />

nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves 23 , é a manifestação do<br />

herdeiro que priva, ou tenta privar, o hereditando de um dos seus<br />

principais bens: a vida. Relaciona-se ao provérbio alemão mão ensanguentada<br />

não apanha herança (blutige hand nimmt kein erbe).<br />

Para Maria Helena Diniz'', essa regra "Não se estende, no caso, ao<br />

homicídio culposo por imprudência, imperícia ou negligência, como ainda<br />

não tem cabimento no error in persona, na aberratio ictus (CP, art. 20, §<br />

3°), nos casos de legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular<br />

de um direito, loucura ou embriaguez (CP, arts. 23. Ia Ili, 26 e 28, li). Em<br />

todas estas circunstâncias o ato lesivo não é voluntário, para efeito de<br />

afastar o agente da sucessão[ ... ] ausência de animus necandi.".<br />

Em síntese: o homicídio deve ser doloso; seja consumado ou tentado.<br />

Os casos de homicídio culposo afastam a incidência da regra.<br />

Ao contrário do Direito Português, Belga e Francês, no Brasil a<br />

indignidade não está condicionada à condenação no processo criminal,<br />

especialmente diante da independência das instâncias prevista<br />

no artigo 935 do Código Civil de 2002, estudada no volume de Responsabilidade<br />

Civil. No mesmo sentido se coloca Maria Helena Diniz 21 •<br />

A segunda hipótese de indignidade, como visto acima, acontecerá<br />

se alguém acusar caluniosamente em juízo o autor da herança, ou<br />

incorrer em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro<br />

(CC, i.814, li). Percebe-se, pelo texto expresso, que o Código<br />

Civil contempla duas formas: a) denunciação caluniosa do extinto em<br />

juízo e b) prática de crime contra sua honra.<br />

De acordo com o art. 339 do CP, que poderá servir de norte interpretativo<br />

ao Código Civil, a denúncia caluniosa acontece quando<br />

23- ln Op. Cit. p. 115.<br />

24. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 45 e 66.<br />

25. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 67.<br />

600


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

alguém é causador de investigação policial, ou judicial, contra outrem,<br />

por indicar a ocorrência de crime, mesmo sabendo que o mesmo<br />

inexistiu. Há de ser dolosa.<br />

Assim, independente das consequências penais, aquele que<br />

apresentar denunciação caluniosa pode ser decretado indigno. Ressalta-se,<br />

porém, que a literalidade da norma há de ser seguida, ao<br />

passo que se exige a denunciação caluniosa em juízo. A doutrina vai<br />

além e exige que seja em juízo criminal.<br />

No que tange a hipótese de crime contra a honra, acaba por<br />

abraçar a injúria, a calúnia e a difamação (CP, 138, 139 e 140).<br />

Ademais, na esteira do art. 138, parágrafo segundo do Código Penal,<br />

que o crime contra a honra pode atingir a pessoa já morta, sendo<br />

possível, nesta situação, constatar-se uma indignidade por ato pós<br />

mortem. Nesta mesma linha é a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves'6.<br />

Entendemos que ante a independência das instâncias (CC, 935)<br />

o juiz cível poderá reconhecer a ocorrência da indignidade nesta<br />

hipótese, ainda que não exista sentença condenatória de crime contra<br />

a honra na seara penal. Alia-se a isto a noção de que quando o<br />

Código Civil fale em incorrem, está exigindo a prática do ato, e não a<br />

condenação penal em sua razão.<br />

A terceira e última hipótese de indignidade acontecerá se por violência<br />

ou meios fraudulentos alguém inibir ou obstar o autor da herança<br />

de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.<br />

O escopo é evitar a nefasta interferência na manifestação de<br />

vontade, quando da destinação do patrimônio sucessório. A ideia é<br />

preservar a liberdade de testar.<br />

4.3. Efeitos da Indignidade<br />

Seguindo no tratamento do tema, percebe-se que se a hipótese<br />

é de aplicação de uma pena, se deve estar atento ao regramento<br />

constitucional (art. 5°, XLV, da CF). Assim, incidirá o princípio da<br />

responsabilidade pessoal (intranscedência) e a velha parêmia do<br />

26. ln Op. Cit. p. 118.<br />

607


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Hnullum patris delictum delictum innocenti filio poena este (nenhum crime<br />

do pai pode prejudicar o filho inocente)".<br />

A consequência jurídica da procedência do pedido de indignidade<br />

é a de exclusão do indigno da sucessão, de modo que este perderá<br />

seu quinhão hereditário. Interessante notar (CC, i.816) que se o<br />

finado possuir descendentes, estes herdarão por substituição, como<br />

se o indigno ficticiamente já fosse pré-morto (direito de representação).<br />

Esta é a melhor forma de se prestigiar a ideia constitucional da<br />

intranscedência.<br />

Por analogia, então, é possível consignar que a situação do excluído<br />

é a mesma do herdeiro pré-morto. Há um resquício do instituto<br />

da morte civil romana, já excluída do nosso ordenamento jurídico.<br />

Tal intranscedência, porém, há de ser seguida em outras sucessões<br />

e, até mesmo, no que tange à gestão patrimonial. Assim, o indigno<br />

não poderá, jamais, receber o patrimônio hereditário do qual<br />

foi excluído, mesmo que em decorrência da sucessão de outrem; ou<br />

gerir tal patrimônio de um filho menor, por exemplo, que o haveria<br />

recebido por representação.<br />

O indigno, então, não terá direito de usufruto, administração e<br />

sucessão sobre tais bens. Veda-se a contato, direito e indireto, do<br />

indigno com tais bens.<br />

~ Como os Tribunais vem analisando a matéria?<br />

Meação. Divórcio. Indignidade. Quem matou o autor da herança<br />

fica excluído da sucessão. Este é o princípio consagrado<br />

no inc. 1 do art. 1595 do cc, que revela a repulsa do legislador<br />

em contemplar com direito sucessório quem atenta<br />

contra a vida de alguém, rejeitando a possibilidade de que,<br />

quem assim age, venha a ser beneficiado com seu ato.<br />

Esta norma jurídica de elevado teor moral deve ser respeitada<br />

ainda que o autor do delito não seja herdeiro legítimo.<br />

Tendo o genro assassinado o sogro, não faz jus ao<br />

acervo patrimonial decorrente da abertura da sucessão.<br />

Mesmo quando do divórcio, e ainda que o regime do casamento<br />

seja o da comunhão de bens, não pode o varão<br />

receber a meação constituída dos bens percebidos por herança.<br />

Apelo provido por maioria, vencido o relator. (TJRS,<br />

Apelação Cível n• 70.005.798.004, Relator Desembargador<br />

LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, julgado em 09/04/2003).<br />

602


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

Maria Helena Diniz 27 defende a ideia de que os efeitos da sentença<br />

são ex tunc, porque retroagem à data do óbito, considerando o<br />

indigno pré-morto ao de cujus. Logo, o indigno é obrigado a restituir<br />

os frutos e rendimentos, bem como terá direito à indenização pelas<br />

benfeitorias e conservação dos bens (CC, art. i.817, parágrafo único).<br />

Assemelha-se o indigno ao possuidor de má-fé.<br />

Entrementes, antes da sentença de exclusão, aplica-se ao herdeiro<br />

a tutela da confiança e aparência, validando-se os atos praticados<br />

de boa-fé. Neste cenário são válidas as alienações onerosas de bens<br />

hereditários a terceiros de boa-fé e os atos legalmente praticados<br />

pelo herdeiro, antes da sentença de exclusão (CC, art. i.817). Em<br />

havendo algum prejuízo aos demais herdeiros, a questão haverá de<br />

ser resolvida como perdas e danos.<br />

Clarividente aqui que o herdeiros, ainda não excluído, atua nesta<br />

qualidade perante terceiros, que haverão de ser protegidos.<br />

4.4. A Reabilitação do Indigno.<br />

Atento à ressocialização o Código Civil permite a reabilitação do<br />

indigno, seja de forma:<br />

a) expressa (através de testamento ou outro instrumento autêntico) ou<br />

b) tácita, caso, após o conhecimento do testador do fato gerador<br />

da indignidade, contemple o indigno em testamento, sucedendo<br />

o indigno no limite da disposição testamentária. o direito brasileiro,<br />

nesta hipótese, teve como grande inspiração o direito<br />

português (art. 2.038 do Código Civil Português).<br />

A aludida habilitação será irretratável. Logo, ainda que seja revogado<br />

o testamento no qual há o perdão, este permanecerá.<br />

27. ln Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 72.<br />

603


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como os tribunais estão decidindo a indignidade?<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. HABILITAÇÃO DE HER­<br />

DEIROS. Revogação de adoção por ingratidão de um dos<br />

herdeiros do ude cujus" que não ultrapassa a pessoa<br />

do indigno/ingrato. Efeitos da revogação da adoção interpretados<br />

à luz dos dispositivos constitucionais e em<br />

simetria com o Código Civil de 2002. Doutrina. Habilitação<br />

do agravado adequada. Sucessão de seu genitor na herança<br />

por representação. Ocorrência. Recurso improvido.<br />

(TJSP. Agravo de Instrumento n• 6.226.444.900, Relator Desembargador<br />

Guimarães e Souza, julgado em 11/08/2009).<br />

5. ACEITAÇÃO OU ADIÇÃO DA HERANÇA<br />

De acordo com o art. i.804 do Código Civil, aceita a herança,<br />

torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura<br />

da sucessão. Obviamente e a contrário sensu, a transmissão se tem<br />

por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.<br />

Percebe-se, então, que no Brasil não vigora a máxima tilius ergo<br />

heres, a qual impunha a herança necessariamente ao herdeiro. Assim,<br />

entre nós, não há obrigatoriedade de aceite da herança. Ao revés,<br />

o sucessor poderá aceitá-la (CC. i.805) ou renunciá-la (CC. i.806).<br />

Percebe Carlos Roberto Gonçalves'ª que há uma período de deliberação<br />

(ius delinerandí), no qual o herdeiro ou legatário poderá<br />

confirmar a aceitação ou renúncia à herança. No particular caminhamos<br />

com a legislação suíça e escandinava. Haja vista a ausência de<br />

prazo específico no Código Civil para tal decisão, a doutrina vem<br />

caminhando com o prazo prescricional de dez anos, o qual é a regra<br />

no Código Civil (art. 205).<br />

Sempre que se inicia o tratamento do tema adição da herança,<br />

uma dúvida inicial costuma contaminar a cabeça dos alunos: ao<br />

aceitar a herança, o herdeiro passa a responder pelas dívidas do<br />

falecido?<br />

28. Op. Cit. p. 88.<br />

604


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

De fato, há um grande receio nesta possibilidade. Mas se trata de<br />

um mero receio, como aponta Francisco Cahali' 9 • Quem responde pelas<br />

dívidas do morto é o seu patrimônio (ultra vires hereditatis - CC, art.<br />

i.792). Sendo assim, o máximo que poderá acontecer é que o herdeiro<br />

responda nos exatos limites da herança recebida (nas forças da herança),<br />

reduzindo o seu crédito. Ressalta-se que o ônus da prova do<br />

excesso de execução, nesta hipótese, é do próprio herdeiro.<br />

Nada impende, todavia, que o herdeiro, com o fito de honrar<br />

a memória do morto, venha a adimplir com as dívidas do falecido,<br />

mesmo que além das forças da herança. Tal conduta, entrementes,<br />

não é imposta, mas sim, facultada, sendo uma mera liberalidade.<br />

Conceituando a aceitação da herança, afirma Maria Helena Diniz 3 º<br />

consistir em um ato jurídico unilateral, não-receptivo, irrevogável,<br />

indivisível e irretratável, pelo qual o herdeiro manifesta o desejo<br />

de receber a herança e, assim, confirmar a transmissão. Fala-se em<br />

confirmar porque, em atenção ao droit de saisine, é cediço que com<br />

a morte já há automática (ex vi legis) transmissão do patrimônio (CC,<br />

i.804). Portanto, a aceitação terá efeito ex tunc.<br />

Não há direito potestativo de arrependimento na aceitação. o ato<br />

é irretratável e irrevogável.<br />

Obviamente, malgrado irretratável, é possível a invalidação da<br />

aceitação da herança, caso o ato esteja eivado de uma nulidade<br />

absoluta ou relativa, tema enfrentando quando do tratamento dos<br />

atos jurídicos, na parte geral.<br />

5.1. Modalidades de Aceitação<br />

Quanto à forma, a teor do art. i.805 do CC, a aceitação da herança<br />

pode ser expressa, tácita e presumida ou fleta.<br />

Quando expressa, a aceitação da herança dar-se-á por declaração<br />

escrita (particular ou pública) ou por termo nos autos. O herdeiro,<br />

inequivocamente e por escrito, manifesta o seu desejo de aceite,<br />

através de uma forma vinculada. Caminhamos com a mesma regra<br />

do direito português.<br />

29. Op. Cit. p. 87.<br />

30. Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 82.<br />

605


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Tácita é a aceitação decorrente da prática de atos compatíveis<br />

com a condição de herdeiros, típicos e peculiares de quem deseja<br />

se tornar dono, receber a herança. Registra-se, porém, que não exprimem<br />

aceitação tácita da herança os:<br />

a) atos oficiosos - como o funeral do finado;<br />

b) meramente conservatórios, para lhes garantir a segurança e evitar<br />

o perecimento ou ruína;<br />

c) de administração e guarda provisória interina e urgente.<br />

d) a cessão gratuita, pura e simples da herança, aos demais coerdeiros;<br />

e) requerimento de inventário.<br />

Exemplifica-se a aceitação tácita quando um herdeiro, apesar<br />

de não informar se aceitou a herança, passa a utilizar o bem móvel<br />

e agir socialmente como seu proprietário. Ou, ainda, já realiza<br />

um contrato de promessa de alienação do patrimônio que virá a<br />

receber.<br />

Já a aceitação presumida ou ficta se dá quando 20 (vinte) dias<br />

após a abertura da sucessão (morte do de cujus), o herdeiro ainda<br />

não informou se aceita, ou não, a herança. Neste caso, qualquer<br />

interessado poderá requerer ao juiz que, em prazo razoável e não<br />

superior a 30 (trinta) dias, o herdeiro diga se aceita, ou não, a herança,<br />

importando o seu silêncio em aceite (CC. art. i.807). Justo este<br />

silêncio que gera o aceite ficto.<br />

~ Como os Tribunais estão analisando esta questão?<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. HERANÇA. RENÚNCIA. PRAZO PRE­<br />

VISTO NO ART. i.807 DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong>. O prazo previsto no<br />

art. i.807 do Código Civil é assinado ao interessado em<br />

provocar o herdeiro vacilante, para que decida se aceita<br />

ou não a herança. Não se trata de prazo para que<br />

o herdeiro possa renunciar à herança. (TJMG, Agravo de<br />

Instrumento n° i.0342.o6.075272-8/001(1), Relator Desembargador<br />

JARBAS LADEIRA, julgado em 16/10/2007).<br />

606


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

Destarte, nas situações envolvendo incapazes, especialmente a<br />

criança e o adolescente, à vista do princípio do melhor interesse (CF,<br />

207), igualmente presume-se o aceite. Observa-se que isto não ocasionará<br />

nenhum prejuízo ao incapaz, mas apenas benefícios.<br />

Ainda seguindo nas modalidades de aceitação da herança, há<br />

quem também a classifique quanto à pessoa que a exerce. Neste<br />

caso, poderá a dita aceitação ser direta ou indireta.<br />

A aceitação direta acontece quando o próprio herdeiro manifesta,<br />

expressa ou tacitamente, seu direito potestativo de adir a herança.<br />

Já a aceitação indireta se dá quando outra pessoa a faz em<br />

nome, no lugar do herdeiro, por representação.<br />

Vejamos alguns exemplos de aceitação indireta da herança:<br />

a) O tutor ou o curador do herdeiro morto pratica o ato em substituição<br />

do incapaz, como autoriza, por exemplo, os arts. 1.748, li e<br />

i.781 do CC;<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora CESPE, na prova para o cargo de Juiz - TJTO, ano de<br />

2007, considerou verdadeira a assertiva: "o tutor ou o curador não pode,<br />

em nome de seus representados, aceitar direitos de herança ou a eles<br />

renunciar sem autorização judicial, pois isso implicaria ato de disposição<br />

e, não, de administração e representação".<br />

b) O mandatário ou gestor de negócios poderão realizar o aceite<br />

indireta. O procurador, porém, haverá de ter poderes especiais<br />

para tanto, na forma do art. 661 e seu parágrafo primeiro.<br />

e) Os credores dos herdeiros poderão realizar esta aceitação indireta<br />

(art. i.813, §1°, CC).<br />

Na hipótese do aceite pelo credor, ele o faz nos limites (nas forças)<br />

do seu crédito, mediante habilitação no juízo sucessório e autorização<br />

judicial. O escopo é impossibilitar uma tentativa de fraude<br />

contra credores, haja vista que o herdeiro poderia desejar não aceitar<br />

a herança para atingir o crédito de outrem.<br />

607


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como os tribunais vêm se manifestando sobre o tema?<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. RENÚNCIA DE HER­<br />

DEIROS EM FAVOR DO MONTE. LESÃO A <strong>DIREITO</strong> DE CREDOR.<br />

PEDIDO DE ACEITAÇÃO DA HERANÇA. ARTIGO i.813 DO CÓ­<br />

DIGO <strong>CIVIL</strong>. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS DO<br />

CASO. AVALISTA QUE AINDA NÃO PAGOU A DÍVIDA, MAS JÁ<br />

REALIZADA PENHORA DE BEM IMÓVEL DE SUA PROPRIEDADE.<br />

POSSIBILIDADE DE RESERVA DO QUINHÃO QUE CABERIA AOS<br />

RENUNCIANTES. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA<br />

PROCESSUAL.<br />

O art. i.813 do Código Civil pretende coibir renúncia lesiva<br />

aos credores. Se há prejuízo com a renúncia, podem<br />

estes aceitar a herança, em nome dos renunciantes. independentemente<br />

da verificação do consilium fraudis.<br />

Basta que, com o ato da renúncia, venha o herdeiro a<br />

prejudicar credores. A aceitação independe da propositura<br />

de ação revocatória ou pauliana, sendo suficiente<br />

que o credor a requeira ao juiz do inventário e que<br />

este autorize o ato.Mas o avalista. que ainda não pagou<br />

a dívida, não pode se sub-rogar antecipadamente<br />

nos direitos do credor originário. No entanto, já estando<br />

penhorado bem da propriedade do agravado, existe o<br />

iminente perigo de prejuízo. pelo que é razoável. em<br />

atenção aos princípios da celeridade e economia pro·<br />

cessual, reservar-se o quinhão que caberia aos herdei·<br />

ros renunciantes até que transite em julgado a decisão<br />

de mérito dos embargos à execução por ele apresentados.<br />

Recurso a que se dá parcial provimento. (TJMG, Agravo<br />

de Instrumento n• 1.0074.06.031733-1/001(1). Relatora<br />

Desembargadora HELOISA COMBAT, Data de publicação:<br />

julgado em 04/09/2007).<br />

d) O direito à aceitação da herança se transmite, fato que ocasiona<br />

mais uma possibilidade de aceite indireto (CC, art. 1.809). Imaginem<br />

o seguinte exemplo. João é pai de Maria e Caio. Caio é pai<br />

de Ana - neta de João. Maira e pai de Alberto - neto de João.<br />

João vem a falecer. Maria, quando recebe a notícia da morte do<br />

pai e antes de aceitar a sua herança, vem a óbito. Neste cenário,<br />

pergunta-se: Alberto receberá a herança de João?<br />

608


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

É simples. O direito de aceite à herança de João está no patrimônio<br />

de Maria. Logo, no momento que Alberto aceita a herança de Maria,<br />

passará a ter a prerrogativa de aceite da herança de João. Nas<br />

palavras de Francisco Cahali3 1 , percebe-se a sucessão hereditária do<br />

direito de aceitar a herança.<br />

Tendo em vista que a prescrição iniciada contra uma pessoa continua<br />

a correr normalmente em face de seus sucessores (art. 196 do<br />

CC), a transmissão do aceite em nada modificará o prazo prescricional<br />

de deliberação de 10 (dez) anos.<br />

o que não se tolera, porém, é que Alberto renuncie a herança<br />

de Maria e aceite a de João. Por óbvio, a conduta é impossível, haja<br />

vista que o direito de aceite da herança de João está no patrimônio<br />

de Maria. Não é possível, então, a aceitação per saltum.<br />

p. o Conteúdo da Aceitação<br />

Inicialmente, é importante observar que não será possível aceitar<br />

a herança antes de aberta a sucessão, pois isto equivaleria ao<br />

proibido pacto sucessório (pacta de corvina), violando o art. 426 do<br />

Código Civil.<br />

Outra importante reflexão é a de que existe autonomia dos quinhões,<br />

de modo que o herdeiro poderá aceitar um quinhão hereditário<br />

e renunciar ao outro. É o que acontece, por exemplo, na<br />

situação jurídica em que alguém se beneficia com dois títulos (CC,<br />

i.808, § 2° ). Aqui, poderá o herdeiro livremente deliberar quanto aos<br />

quinhões que aceita e aos que renuncia.<br />

Imagine que uma pessoa, por exemplo, se beneficie, a um só tempo,<br />

com a sucessão legítima e a testamentária. Neste caso, será possível<br />

aceitar o testamento e rejeitar a legítima, em vice-versa. Também<br />

será possível o herdeiro receber ambas, ou renunciar aos dois quinhões.<br />

O que não se admite é a aceitação ou renúncia parcial de um<br />

mesmo quinhão. Por exemplo: aceitar 50°k (cinquenta por cento) da<br />

legítima e 3oºk (trinta por cento) da testamentária. Isto não é possível.<br />

31. Op. Cit. p. 92.<br />

609


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como os Tribunais vem decidindo o tema?<br />

ARROLAMENTO. SOBREPARTILHA ENTRE OS HERDEIROS DO ES­<br />

PÓLIO AGRAVADO. NÃO CABIMENTO. Indivisibilidade da herança<br />

se estende a todos os bens declarados, sonegados,<br />

esquecidos ou alvo de litígio. Renúncia translativa cedeu<br />

e transferiu à agravante todo o quinhão. Lei não admite<br />

renúncia parcial. Inteligência do artigo i8o8 do Código<br />

Civil. Decisão revogada. Recurso provido. (TJSP, Agravo<br />

de Instrumento n° 6.425.624.000, Relator Desembargador<br />

SOUSA LIMA, julgado em 17/o6/2009).<br />

A aceitação deve ser livre e desembaraçada, de modo que não<br />

será possível aceitá-la sob condição ou termo. Também não será<br />

possível aceitar apenas o bônus e enjeitar o ônus, sendo a conduta<br />

quanto ao quinhão indivisível (CC, art. i.808).<br />

6. RENÚNCIA DA HERANÇA<br />

A renúncia à herança é um ato unilateral e abdicativo, mediante<br />

o qual há o afastamento da qualidade de herdeiro. O renunciante, na<br />

prática, será considerado como se nunca houvesse existido, tendo a<br />

renúncia efeitos ex tunc (CC, art. i804).<br />

Nas palavras de Itabaiana de Oliveiraii, é o "ato através do qual<br />

o herdeiro declara, expressamente, que não quer aceitar a herança,<br />

preferindo-se conservar completamente estranho àquela sucessão".<br />

Para Francisco Cahali 33 é a antítese da aceitação da herança. É<br />

um repúdio à herança. justo por isto não se deve confundir renúncia<br />

com desistência da herança. Esta (a desistência) exige anterior aceitação;<br />

o que não ocorre na renúncia.<br />

Segundo Maria Helena Diniz 3 ' a renúncia é ato importantíssimo,<br />

pois acarreta a perda irretratável do direito de herdar e, por conta<br />

disto, exige a presença de sete requisitos jurídicos a saber: capa ­<br />

cidade jurídica de quem renuncia, forma prescrita em lei, inadmissibilidade<br />

de condição ou termo, não realização de qualquer ato<br />

32. Tratado. Vol. 1. p. 96.<br />

33. Op. Cit. p. 96.<br />

34. curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 91.<br />

610


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

equivalente à aceitação, impossibilidade de repúdio parcial da herança,<br />

objeto lícito e, finalmente, abertura da sucessão.<br />

Iniciamos pela análise da capacidade jurídica. Como é consabido,<br />

a capacidade jurídica plena é requisito para a prática de todo<br />

e qualquer ato da vida civil, sob pena de invalidade (arts, 171, 1 e<br />

166, 1, CC).<br />

Assim, não se admite renúncia realizada por incapaz, nem por<br />

seu representante legal ou assistente, a menos que obtenha prévia<br />

permissão do juízo, com fulcro no princípio da proteção integral (art.<br />

i.691 do CC). Logicamente que o representante ou assistente do incapaz<br />

tem. poder de administração, mas não de alienação patrimonial.<br />

Na renúncia feita por mandatário, a procuração deve conter poderes<br />

especiais e expressos, conforme o art. 661 e seu parágrafo<br />

primeiro.<br />

~ Como os Tribunais vem analisando o tema?<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO ARROLAMENTO. Renúncia à herança<br />

tomada por termo judicial. Validade. Renunciantes representados<br />

por advogado constituído mediante instrumento<br />

panicular, com poderes específicos para o ato. Desnecessidade<br />

que o mandato seja outorgado mediante instrumento<br />

público, sendo suficiente a forma panicular. Inteligência<br />

dos artigos 661, § 1° e l.8o6 do Código Civil e 38 do Código<br />

de Processo Civil.<br />

Vícios de consentimento que deverão ser comprovados e<br />

postulados em ação própria. Decisão reformada. Recurso<br />

provido. (TJSP. AI 0278493-95.2009.8.26.0000, Relator Desembargador<br />

SALLES ROSSI, Data de Publicação: 04/03/2010, julgado<br />

em 24/02/2010).<br />

Para a maioria da doutrina e jurisprudência, caso o herdeiro renunciante<br />

seja casado, a prática do ato exigirá um plus, ao passo<br />

que demandará uma legitimação, também batizada de autorização,<br />

capacidade privada ou negocial.<br />

Em sendo o direito à sucessão aberta um bem imóvel por força<br />

da lei (art. 80, li do CC), ainda que seu objeto seja composto somente<br />

de objetos móveis, a renúncia demandará outorga ou vênia<br />

671


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

conjugal3 1 , ressalvada a hipótese de casamento em regime de separação<br />

absoluta (art. i.647, 1 do CC) e no de participação final nos<br />

aquestos, caso. nesta última hipótese, o pacto antenupcial dispense<br />

a outorga para a alienação de bens imóveis particulares. Este é o<br />

posicionamento, por exemplo, de Zeno Veloso 36 •<br />

Por analogia, Gilselda Hironaka 37 aplica o mesmo pensamento à<br />

união estável, o que concordamos.<br />

Exemplifica-se: se João é casado com Maria em comunhão parcial<br />

de bens e deseja renunciar a herança, haverá de colher a autorização<br />

de Maria. Não bastará, nesta situação, a capacidade civil de<br />

João. Ele precisará de algo a mais; um plus, uma legitimação.<br />

A ausência desta legitimação desembocará na anulabilidade da<br />

renúncia, no prazo decadencial de até dois anos depois de terminada<br />

a sociedade conjugal (CC, art. i.649 do CC). Tal prazo já se iniciará<br />

quando da renúncia, caminhando até dois anos após a dissolução<br />

do casamento.<br />

Aqueles de divergem da necessidade de vênia - posição minoritária<br />

- se apegam a ideia de que o inciso 1 do art. i.647, ao aborda<br />

alienar, não contempla renunciar. Logo, não se faria necessária a<br />

outorga. Repiso, este pensamento é minoritário. Para a maioria, a<br />

vênia se impõe.<br />

Também se deve recordar que a renúncia não se presume (CC,<br />

114). Deve acontecer de forma solene, por termos nos autos, ou por<br />

escritura pública (i.806, CC). Mais uma vez se lembra que em sendo<br />

imóvel, o ato demanda uma formalidade diferenciada, trazendo a lei<br />

uma forma vinculada.<br />

~ E na hora da prova?<br />

O concurso para Promotor de Justiça, - MP/PR, ano de 2012, considerou<br />

verdadeira a afirmativa: "a aceitação da herança pode ser tácita ou<br />

expressa, mas a renúncia deve ser. sempre, expressa".<br />

35. O tema vênia conjugal foi enfrentado no capitulo relativo ao regime de bens do<br />

casamento.<br />

36. Op. Cit.p. 1625.<br />

37. Op. Cit.p. 122.<br />

612


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

Concordamos com Francisco Cahali3 8 para quem a renúncia por<br />

termo dos autos independe da homologação do Juiz, sendo um direito<br />

potestativo.<br />

Do visto até então, resta claro que inexiste renúncia tácita; como<br />

sucede na aceitação.<br />

A renúncia não poderá ocasionar lesão a interesses de terceiros,<br />

à luz da boa-fé objetiva e da eticidade. Tal acontece, por exemplo,<br />

se o herdeiro renunciante for devedor de terceiros. Em situações<br />

como estas, bastam aos credores peticionar ao juízo universal do<br />

inventário, acaso ainda em curso o inventário, e habilitar-se no lugar<br />

do renunciante, recebendo a deixa sucessória nos limites de seu<br />

crédito (CC, art. i.813).<br />

• E na hora da prova?<br />

O concurso para o cargo de Juiz - TJPI, CESPE, ano de 2007, trouxe como<br />

gabarito de uma questão a seguinte afirmativa correta: "O credor que se<br />

sentir prejudicado pela renúncia do herdeiro poderá, mediante autorização<br />

do juiz, aceitar a herança em nome do renunciante. Quitadas as<br />

dívidas do renunciante e se houver saldo, prevalece a renúncia quanto<br />

ao remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros"<br />

Sob o viés procedimental, deve o credor embasar o seu pleito<br />

nos arts. i.017, § 3° e i.022 do CPC, habilitando-se, no prazo de 30<br />

dias, para o fim de aceitar a herança em nome do renunciante. Neste<br />

cenário haverá uma ineficácia da renúncia da herança do herdeiro,<br />

ordenando o juiz o aceite pelo credor, nas forças do seu crédito.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

No novo CPC (NCPC), o art. i.017, §3°. passou a ser o art. 642, §3°.<br />

Já o art. 1.022 do CPC, no novo CPC (NCPC) estará como art. 647.<br />

Atendo à vedação à pacto de corvina (CC, art. 426) a renúncia à<br />

herança apenas poderá acontecer após o falecimento do de cujus,<br />

sendo inconcebível a sua promessa pretérita.<br />

38. Op. Cit. p. 96/97.<br />

673


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A renúncia é irretratável e irrevogável (CC, art. 1812). Nada impede,<br />

porém, que seja invalidada a partir da verificação de nulidades,<br />

segundo a teoria geral do direito civil.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Foi considerada verdadeira, na prova para o cargo de Juiz - TJBA, CESPE,<br />

ano de 2012, a seguinte proposição: ué vedada a retratação da renúncia<br />

à herança, ainda que essa retratação não prejudique os credoresu.<br />

~ Como os tribunais vêm se manifestando sobre este tema?<br />

Arrolamento de bens. Renúncia da herança pelas apelantes,<br />

reduzida a termo nos autos. Pretensão de anulação<br />

da renúncia, sob o argumento da existência de vícios a<br />

envolvê-la. Irrevogabilidade da renúncia no âmbito do<br />

arrolamento. Aplicação do disposto no art. 1.812 do Código<br />

Civil. Discussão sobre eventuais vícios envolvendo a<br />

renúncia deve ser travada em demanda apartada. Homologação<br />

da partilha mantida. Apelo improvido. (TJSP,<br />

Ap. n° OOOSooo-78.2009.8.26.0032, Relator Desembargador<br />

DONEGÁ MORANDINI, Data de Publicação: 05/11/2010, julgado<br />

26/10/2010).<br />

Assim como a aceitação, a renúncia é indivisível e incondicional,<br />

reiterando-se o dito quando do estudo do aceite.<br />

Uma vez operada a renúncia, o patrimônio retorna ao mont mor,<br />

seguindo a ordem e vocação hereditária. Não há de falar-se em direito<br />

de representação na renúncia da herança, mas sim em acréscimo<br />

da cota os demais herdeiros da mesma classe ou da subsequente<br />

(CC, arts. i.810 e i.811).<br />

~ Atenção!<br />

Recorde-se que não há de se falar em direito de representação na<br />

renúncia. Significa isto dizer que o quinhão do renunciante não será objeto<br />

do direito de representação para, por exemplo, os seus fllhos (CC,<br />

1.811). Caso, porém, o renunciante for o único de sua classe, ou todos os<br />

da mesma classe renunciarem, os filhos sucederão por cabeça.<br />

674


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

~ Como vem se posicionando os Tribunais sobre este tema?<br />

ANUL4ÇÃO DE PARTILHA. EXCLUSÃO DE HERDEIRO NECESSÁRIO.<br />

EFEITO DA RENÚNCIA. RENUNCIANTE FILHO ÚNICO. 1. A neta,<br />

filha de filho único, que renunciou à herança do genitor,<br />

tem legitimidade para postular a anulação da partilha,<br />

pois é herdeira necessária e foi preterida. 2. Quando o<br />

renunciante é filho único ou o único herdeiro de sua classe,<br />

os seus descendentes de primeiro grau o sucedem<br />

como se ele houvesse pré-falecido. Inteligência dos art.<br />

1.588, CC/1916 e art. 1.811 do CC/2002. Recurso provido.<br />

(TJRS, Ap. n• 70.014.390.934, Relator Desembargador Sérgio<br />

Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em io/05/2006).<br />

6.1. Espécies de Renúncia<br />

A renúncia, tecnicamente, é um ato abdicativo de direito, puro<br />

e simples (renúncia abdicativa ou propriamente dita). Logo, o patrimônio<br />

renunciado deve retornar ao acervo hereditário, seguindo<br />

a ordem sucessória. Nesta, o único tributo devido é o causa mortis.<br />

justo por isto, não é possível renunciar em favor de alguém.<br />

Todavia, se observa na prática que tal acontece com alguma frequência.<br />

A isto deu-se o nome de renúncia translativa, imprópria,<br />

cessão ou desistência.<br />

Assim, há quem na doutrina, a exemplo de Carlos Roberto Gonçalves39,<br />

afirma haver no Brasil duas modalidades possíveis de renúncia.<br />

Data venia, não concordamos com a tese. Tecnicamente, renúncia<br />

é apenas uma: ato abdicativo.<br />

Mas, então, o que seria a renúncia translativa?<br />

Traduz, em verdade, um ato complexo de aceitação e transmissão<br />

da herança. Logicamente, eu apenas posso transmitir algo que<br />

já tenho (aceitei).<br />

No campo tributário, a renúncia translativa é capaz de ocasionar<br />

bitributação, pois haverá uma transmissão proprietária do falecido<br />

ao herdeiro, e outra do herdeiro ao destinatário final. Tem-se, por<br />

39. Op. Cit. p. 104.<br />

675


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

duas oportunidades, a incidência do ITCMD. Uma por morte e outra<br />

por doação. Exemplo: joão renuncia a herança de sua mãe em favor<br />

de Maria. Aqui joão, inicialmente, será tributado no recebimento da<br />

herança de sua mãe; e Maria, posteriormente, será tributada no<br />

recebimento de tal acervo de João.<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora IESES, em concurso realizado para o Cartório do<br />

TJ-PB, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: HA renúncia<br />

translativa equivale à cessão do direito hereditário para fins tributários".<br />

~ Vejam como os Tribunais analisam o tema:<br />

Agravo de instrumento. Renúncia à herança. Adjudicação<br />

em favor do viúvo meeiro que se configura como<br />

renúncia translativa. Renunciante filho único, possuindo,<br />

no entanto, uma filha que passaria a ser herdeira, caso<br />

a renúncia fosse abdicativa. Incidência do imposto tanto<br />

sobre a transmissão causa mortis como sobre a doação<br />

(ITCMD). Decisão mantida. Recurso não provido. (TJSP,<br />

Agravo de instrumento no 0288452-90.2009.8.26.0000, Relator<br />

Desembargador ERICKSON GAVAZZA MARQUES, Data de<br />

Publicação: 03/09/2010, julgado em 01/09/2010).<br />

7. CESSÃO DA HERANÇA OU CESSÃO DE <strong>DIREITO</strong>S HEREDITÁRIOS<br />

A obrigação não é um vínculo imóvel. Ao revés, admite trânsito.<br />

Nas palavras Karl Larenz 4 º, todos os direitos suscetíveis de avaliação<br />

pecuniária constituem patrimônio da pessoa. A obrigação se insere<br />

neste contexto. Em sendo patrimônio, há propriedade e, ainda,<br />

admite-se o trânsito jurídico.<br />

Foi assim que se verificou a desmaterialização do crédito. Este se<br />

tornou um bem incorpóreo, um objeto de patrimônio, sendo passível<br />

de tráfego jurídico. Fora rompida a noção do crédito como algo<br />

inerente ao seu titular.<br />

Seguindo esta premissa, ordenamento jurídico pátrio admite<br />

a possibilidade de cessão de direito hereditário (CC, art. i.793),<br />

40. Derecho de Obrigaciones. T. 1. p. 445.<br />

676


mediante ato inter vivos, de forma onerosa ou gratuita, total ou<br />

parcial. Neste negócio há três personagens:<br />

a) o cedente - herdeiro que está transferindo sua cota hereditária;<br />

b) o cessionário - àquele que recebe o respectivo quinhão hereditário;<br />

e) o cedido - o falecido que era detentor do quinhão hereditário.<br />

Deste modo, o herdeiro cedente que possuir capacidade jurídica<br />

para alienar pode, após a abertura da sucessão, transmitir esta universalidade<br />

de direito. Como vaticina Francisco Cahali'1, é possível<br />

que a herança esteja gravada com cláusula de inalienabilidade, o<br />

que impede a sua transferência.<br />

Informa Carlos Roberto Gonçalves'' que esta cessão possui um<br />

lapso temporal para ser implementada. Deve se dar após a abertura<br />

da sucessão (morte) e antes da partilha (divisão). A justificativa<br />

é simples. Antes da abertura da sucessão não é possível em razão<br />

da vedação à pacto de corvina (art. 426 do CC). Já após a partilha,<br />

não mais se dará a cessão de herança, mas sim a transferência de<br />

patrimônio próprio, seja mediante venda ou doação.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Cespe - Cartório - TJ - BA/2014) Em relação ao direito de sucessões,<br />

assinale a opção correta.<br />

A) Se um herdeiro vender um imóvel que componha, isoladamente, a<br />

herança, tal alienação será nula de pleno direito.<br />

B) Caso alguém faleça sem deixar quaisquer herdeiros necessários ou<br />

testamentários, o possuidor de imóvel pertencente a essa pessoa não<br />

poderá intentar ação de usucapião, visto que, por se tratar de herança<br />

jacente, os bens são transferidos ao Estado, sendo impossível a usucapião<br />

sobre imóveis públicos.<br />

C) A inserção de terceiros na sucessão testamentária é válida desde que<br />

não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.<br />

41. Op. Cit. p. 76.<br />

42. Op. Cit. p. 55.


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

D) A renúncia a herança sempre deve ser expressa, constando de instrumento<br />

público ou termo judicial, não se admitindo que seja realizada<br />

por advogado constituído para tal fim.<br />

E) No direito brasileiro, não se admite o pacto sucessório, razão por que<br />

é inadmissível constar como objeto de contrato a herança de pessoa<br />

viva, o que não impede a panilha em vida pelo ascendente, desde que<br />

reserve bem ou renda para a sua sobrevivência.<br />

Gabarito: E<br />

Em sendo a herança um bem imóvel e um condomínio indivisível,<br />

a aludida cessão tem forma vinculada, havendo de ser realizada<br />

por escritura pública, sob pena de nulidade absoluta (art. i66 do<br />

CC). Ademais, exige a vênia conjugal do cedente, sob pena de anulabilidade<br />

do ato no prazo decadencial de até dois anos, contados<br />

da dissolução do casamento (arts. i.647 e i.649 do CC). A outorga,<br />

todavia, não será necessária nas hipóteses do regime de separação<br />

absoluta de bens (CC. art. i.647) e participação final nos aquestos;<br />

esta última apenas quando o pacto antenupcial dispensar a outorga<br />

para a alienação de bens imóveis particulares (art. i.656 do CC).<br />

~ Como os tribunais estão entendendo a cessão hereditária?<br />

<strong>CIVIL</strong> E PROCESSUAL ACÓRDÃO ESTADUAL NULIDADE INEXISTENTE.<br />

JULGAMENTO DA APEIAÇÃO. DIVERG~NCIA EFETIVA ENTRE MAIORIA<br />

E MINORIA. EMBARGOS INFRINGENTES. CABIMENTO. MANDATO. IR­<br />

REGUIARIDADE SANADA. CPC, ARTS. 13 E 37. EXEGESE. SÚMUIA N.<br />

7-STJ. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO POR ESPÓLIO. TOMADA<br />

DE EMPRÉSTIMO E CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA POR VIÚVO MEEI­<br />

RO EM REIAÇÃO A IMÓVEL AINDA NÃO PARTILHADO. INVENTÁRIO<br />

EM CURSO HÁ VÁRIOS ANOS. DECISÃO QUE ADMITE A HIGIDEZ<br />

DO ÔNUS REAL E RESPECTIVA PENHORA SOBRE A PAIUE DO BEM<br />

QUE COUBER AO EXECLITADO. IMPOSSIBILIDADE. INDIVISIBILIDADE<br />

DO PATRIMÔNIO E HERANÇA. DOMÍNIO TRANSMITIDO DE IMEDIATO<br />

COM A ABERTURA DA SUCESSÃO. CPC13377CONSTITUIÇÃO.<br />

1. Não se identifica nulidade em acórdão que enfrenta suficientemente<br />

as questões essenciais ao deslinde da controvérsia.<br />

li. Possível nas instâncias ordinárias a convalidação<br />

do mandato, ao teor dos arts. 13 e 37 do CPC, com a regularização<br />

dos atos já praticados, necessária, por outro<br />

lado, a prévia oponunização para tanto pelo órgão julgador.<br />

Precedentes do STJ.<br />

678


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

Ili. "A pretensão de simples reexame de prova não en·<br />

seja recurso especial" (Súmula n. 7-STJ). IV. Aberta a sucessão,<br />

o domínio é transmitido de imediato aos herdeiros<br />

e os direitos são indivisíveis, até a partilha, de<br />

sorte que é vedado ao viúvo-meeiro, da mesma forma<br />

que em vida não poderia fazê-lo sem a outorga ux6ria,<br />

gravar imóvel objeto do inventário já aberto com ônus<br />

hipotecário, resultando, ao depois, na execução e penhora<br />

do bem ainda comum a todos, posto que o ato<br />

é viciado em sua origem. V. Recurso especial conhecido<br />

parcialmente e provido. com a procedência dos embargos<br />

de terceiro opostos pelo espólio. (STJ - T4 - Quarta<br />

Turma, REsp. n• 304.800, Relator Ministro ALDIR PASSARI·<br />

NHO JUNIOR, DJ 28/05/2007, julgado em 19/04/2007).<br />

Curioso que é possível encontrar na jurisprudência nacional, bem<br />

como na doutrina, pensamento embasado no pilar da conservação<br />

dos atos jurídicos e defensor da validade da cessão da herança realizada<br />

por termo nos autos, ao revés de escritura pública. Tal pensamento,<br />

repisa-se. é excepcional, jurisprudencial e controvertido.<br />

~ Como os tribunais estão entendendo a cessão hereditária?<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO. CESSÃO DE DIREI­<br />

TOS HEREDITÁRIOS. TERMO NOS AUTOS. POSSIBILIDADE. É certo<br />

que a lei determina que a cessão de direitos hereditários<br />

deve ser feita através de escritura pública (CCB, art.<br />

i.793). No entanto, em atenção à economia, à celeridade<br />

e à instrumentalidade processuais, convém, atento às peculiaridades<br />

de cada caso concreto, mitigar o rigor formal<br />

e permitir seja a cessão feita por termo nos autos. Agravo<br />

provido. Em monocrática. (TJRS, Agravo de Instrumento<br />

n• 70.016.386.385, Relator Desembargador RUI PORTANOVA,<br />

julgado em o8/o8/2006).<br />

Divergência jurisprudencial: Não se mostra possível a<br />

cessão de direitos hereditários, por termo nos autos, em<br />

favor de uma terceira pessoa, mas sim em favor de monte-mor.<br />

Tal pretensão deveria se dar através de escritura<br />

pública, nos termos do art. 134. li c/c o art.44, Ili, do Código<br />

Civil. Agravo improvido. (TJRS, Agravo de Instrumento<br />

n• 70.005.173-786, Relator Desembargador ANTONIO CARLOS<br />

STANGLER PEREIRA, julgado em 05/12/2002).<br />

619


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O objeto da cessão, nas lições de Carlos Roberto Gonçalves 43 , são<br />

os direitos hereditários havidos até a data de sua realização. Se,<br />

após tal realização, se dê substituição ou direito de acrescer ao<br />

cedente, não serão abrangidas pela cessão. Nada impede, todavia,<br />

que consoante a autonomia privada, as partes já deixem regulada<br />

tal questão.<br />

É ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito hereditário<br />

sobre qualquer bem da herança singularmente considerado, a teor<br />

do § 2°, do art. i.793 do CC. Afinal de contas, enquanto não houver a<br />

partilha, o espólio terá natureza de condomínio indivisível e de universalidade<br />

de direito, não sendo possível destinar a cessão sobre<br />

um específico bem.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Acerca do dispositivo legal acima mencionado, a prova para o cargo<br />

de Promotor de Justiça - MPE/MS, ano de 2003, considerou incorreta a<br />

seguinte afirmativa: "é eficaz a cessão. pelo coerdeiro, de seu direito<br />

hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente ..<br />

Por conta disto, também prescreve o atual Código Civil ser ineficaz<br />

a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por<br />

qualquer herdeiro. de bem componente do acervo hereditário, pendente<br />

a indivisibilidade (§ 3°, art. 1.793, CC).<br />

Com efeito, nas palavra de Carlos Roberto Gonçalves 4 4, apenas<br />

depois da partilha que os bens poderão ser individualizados.<br />

Ao se informar que a cessão será ineficaz, entende-se que não<br />

obrigará aos demais herdeiros, os quais poderão não implementá­<br />

-la. Entrementes, como adverte Giselda Hironaka 45 , nada impede que<br />

a aludida individualização seja realizada a título de cortesia, sem<br />

nenhuma obrigatoriedade.<br />

Tal cessão traduz um negócio aleatório, pois envolve uma álea.<br />

fator de sorte e risco. Isto, porque, cede-se um quinhão hereditário,<br />

o qual está pendente de apuração, após a verificação de ativos e<br />

43. Op. Cit. p. 58.<br />

44. Op. Cit. p. 56.<br />

45. ln Comentários. Vol. V XXI, p. Bo/81.<br />

620


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

passivos do extinto. Caso muitos credores de habilitem durante o inventário,<br />

o valor pecuniário do quinhão será reduzido. Logicamente<br />

que ioºk (dez por cento) de um milhão é bem maior do que ioºk (dez<br />

por cento) de cem mil.<br />

A cessão de herança onerosa deve observar o direito de preferência<br />

dos demais coerdeiros (CC. art. i.794). Tal pensamento já<br />

decorreria, até mesmo, da teoria geral do direito civil, ao passo que<br />

o bem condominial, ao ser alienado, deve respeitar tal prelação (art.<br />

504 do CC).<br />

Assim, o coerdeiro não poderá ceder onerosamente a sua quota<br />

hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro coerdeiro a<br />

quiser, tanto por tanto. Veja que a regra apenas se aplica à cessão<br />

onerosa, não contaminando a gratuita.<br />

• E na hora da prova?<br />

No concurso para o provimento do cargo de Promotor de Justiça - MP/<br />

PR, ano de 2012, a seguinte assertiva foi tida como correta: "o coerdeiro<br />

não pode ceder sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se<br />

outro coerdeiro a quiser, nas mesmas condições".<br />

O coerdeiro não cientificado da cessão para o exercício da sua<br />

preferência, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida<br />

a estranho, se o requerer no prazo decadencial de até cento e<br />

oitenta dias após a transmissão (art. i.795 do CC). Em sendo vários<br />

os coerdeiros a exercitarem a preferência, entre eles se distribuirá o<br />

quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.<br />

• Como os tribunais vêm analisando a questão?<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. CESSÃO DE <strong>DIREITO</strong>S HEREDITÁRIOS. <strong>DIREITO</strong> DE<br />

PRELAÇÃO. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 1139, CC.<br />

PRECEDENTES (RESP 4180-SP E 9934-SP). RECURSO PROVIDO.<br />

[ ... ] Ili - Em que pese a controvérsia existente no tema,<br />

merece ser prestigiado o entendimento segundo o qual<br />

a venda e a cessão de direitos hereditários, em se tratando<br />

de bem indivisível, se subordinam à regra do an.<br />

1139 do Código Civil, que reclama seja dada preferencia<br />

ao condômino coerdeiro. (STJ, T4 - Quarta Turma, REsp. n°<br />

50.226/BA, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,<br />

DJ 19/09/1994, julgado em 22/08/1994).<br />

621


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

A cessão de direitos hereditários, sem a observância do<br />

direito de preferência dos demais herdeiros, encontra<br />

óbice no art. l.795 do Código Civil/2002, que prescreve<br />

que "o coerdeiro, a quem não se der conhecimento da<br />

cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a<br />

quota cedida a estranho, se o requerer até l8o (cento e<br />

oitenta) dias após a transmissão". - O prazo decadencial<br />

imposto ao coerdeiro prejudicado conta-se a partir da<br />

transmissão, contudo será contado apenas da sua ciência<br />

acerca do negócio jurídico quando não é seguida a formalidade<br />

legal imposta pelo art. i.793 do CC e a transmissão<br />

não se dá por escritura pública. (TJMG, Apelação cível nº<br />

i.025i.07.021397-9/001, Relator Desembargador FERNANDO<br />

CALDEIRA BRANT DJe 28/10/2009, julgado em oS/07/2009).<br />

~ Atenção!<br />

Em sendo a cessão de herança um negócio jurídico aleatório, o cedente<br />

não responde pela evicção, com bem recorda Arnaldo Rizzardo.'6<br />

8. HERANÇA JACENTE E HERANÇA VACANTE<br />

Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo<br />

notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados,<br />

deverão ficar sob a guarda e administração de um curador, até<br />

a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração<br />

de sua vacância (CC, art. i.819).<br />

Segundo Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira "A jacência constitui-se<br />

em fase provisória e temporária, de expectativa de surgimento<br />

de interessados na herança'" 7 • Se dá quando o falecido não deixou<br />

herdeiros notoriamente conhecidos.<br />

Herdeiros notoriamente conhecidos são àqueles presentes no<br />

lugar em que se abre a sucessão. Fama ou referência pública já<br />

é bastante para o enquadramento. A teor do art. 334, 1 do CPC, tal<br />

aspecto se observa independentemente de prova - non probandum<br />

factum notorium.<br />

46. ln Direito das Sucessões. P. 100.<br />

47. Inventários e Partilhas. 2oo6, p. 209.<br />

611


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 334, 1, do CPC ainda vigente, no novo CPC (NCPC) passará a ser o<br />

art. 374, 1. .<br />

Logo, falecendo alguém sem herdeiros notoriamente conhecido,<br />

o juiz ordenará a arrecadação dos bens e inquirirá os moradores da<br />

casa e da vizinhança sobre a qualificação do falecido e o paradeiro<br />

de seus sucessores, bem como sobre a existência de outros bens,<br />

lavrando-se de tudo um auto de inquirição e informação (CPC, art.<br />

u50). Segundo Francisco Cahali• 8 , o Ministério Público e a Fazenda<br />

Pública serão intimados para acompanhar a arrecadação, mas tais<br />

presenças não são essenciais.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O artigo 1.150 do CPC ainda vigente, no novo CPC (NCPC) passará a ser o<br />

art. 7 40, §3··<br />

Ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir editais (art.<br />

u52, CPC). A arrecadação não se fará, ou mesmo será suspensa, se<br />

aparecer herdeiro notoriamente conhecido ou qualquer interessado<br />

(art. 1.151, CPC).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. u52, CPC ainda vigente, no novo CPC (NCPC) passará a ser o art.<br />

741.<br />

o art. u51, CPC ainda vigente, no novo CPC (NCPC) passará a ser o art.<br />

740, §6•.<br />

Acaso iniciada a arrecadação, porém habilitado herdeiro - reconhecido<br />

pelo juízo detentor desta qualidade após o julgamento do<br />

incidente de habilitação -, a arrecadação converter-se-á em inventário<br />

(art. i.153, CPC).<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. 1.153, CPC, no novo CPC (NCPC) passará a ser o art. 741, §3°.<br />

48. Inventários e Partilhas. 2oo6, p. 209.<br />

623


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Verificado existir herdeiro em lugar certo, far-se-á sua citação<br />

sem prejuízo do edital (CPC, art. 1.152, § 1°). Se o falecido for estrangeiro,<br />

será tal fato comunicado à autoridade consular (CPC, art.<br />

1.152, § 20).<br />

As ações de cobrança, investigação de paternidade e qualquer<br />

outra dirigida contra a herança, devem ser propostas perante o juízo<br />

da arrecadação, findando-se tal competência apenas com a deserência,<br />

ou seja, com a decretação de vacância.<br />

A vacância da herança, para os mesmos doutrinadores, "considera­<br />

-se [ ... ] quando, realizadas todas as diligências, inclusive com a publicação<br />

dos editais, e passados um ano, não surgirem pessoas sucessíveis,<br />

deferindo-se os bens arrecadados ao ente público designado na lei".<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Juiz - TJRJ - VUNESP - 2013) Herança jacente é:<br />

a)aquela em que o de cujus deixou bens, mas não deixou testamento,<br />

sendo que não há conhecimento da existência de algum herdeiro.<br />

b)aquela em que o de cujus deixou bens, mas não deixou testamento,<br />

sendo que não há conhecimento da existência de algum herdeiro.<br />

c)o reconhecimento por sentença de que não há bens, mas apenas herdeiros,<br />

sendo que não tem personalidade jurídica nem é patrimônio<br />

autônomo sem sujeito.<br />

d) aquela em que o falecido deixou bens e herdeiros, além de disposição<br />

de última vontade, por meio de testamento particular.<br />

e)aquela em que o falecido deixou bens e herdeiros, além de testamento<br />

público.<br />

Gabarito: letra A<br />

Na forma do art. i.142 do CPC, nos casos em que a lei civil considere<br />

jacente a herança, o juiz, em cuja comarca tiver domicílio o<br />

falecido, procederá à imediata arrecadação de todos os bens do<br />

finado, os quais ficarão sob a guarda, conservação e administração<br />

de um curador, até a entrega ao sucessor legitimamente habilitado,<br />

ou a declaração de vacância (CPC, i.143).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o an. 1.142, CPC, no novo CPC (NCPC) passará a ser o an. 738.<br />

Já o art. i.143, CPC, passará a ser o art. 739, do novo CPC (NCPC).<br />

624


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

~ Atenção!<br />

Incumbe ao curador: a) representar a herança em juízo ou fora dele,<br />

com assistência do órgão do Ministério Público; b) ter em boa guarda e<br />

conservação os bens arrecadados; c) promover a arrecadação de outros<br />

bens porventura existentes; d) executar as medidas conservatórias dos<br />

direitos da herança; e) apresentar, mensalmente ao juiz, um balancete<br />

da receita e da despesa e f) prestar contas a final de sua gestão, na<br />

forma do art. 1.144 do CPC.<br />

8.1. Natureza Jurídica<br />

Questão interessante é definir a natureza jurídica da herança<br />

jacente e vacante. Várias são as teorias. Para uns, constitui pessoa<br />

jurídica. Para outros, patrimônio autônomo sem sujeito, destinado a<br />

um fim. Há também quem sustente se tratar de um acervo de bens<br />

submetido à administração por outrem, até que se identifique a existência<br />

ou não de herdeiros.<br />

Fato, é que, o direito civil brasileiro não reconhece personalidade<br />

jurídica à herança jacente e vacante. Tanto é assim que os artigos 41<br />

à 44 do CC não fazem qualquer menção à esta.<br />

Nessa ordem de ideias, a herança jacente representa estado<br />

de fato, efêmero, transeunte. Não passa de um acervo de bens,<br />

de patrimônio especial, arrecadado por morte e administrado pelo<br />

curador, sob fiscalização de uma autoridade judiciária, até que se<br />

habilitem eventuais herdeiros ou se declare vacante a herança.<br />

O Código de Processo Civil (artigo 12, IV e u44) admite que as<br />

heranças jacente e vacante seja representada em juízo por curador,<br />

daí porque Silvio de Salvo Venosa a qualifica como "personalidade<br />

jurídica anômala"' 9 • Este costuma ser o posicionamento mais adotado<br />

nas provas, caminhando com a noção de um ente despersonalizado.<br />

Recorda Carlos Roberto Gonçalves 10 que a herança jacente não se<br />

confunde com o espólio. Malgrado ambos terem natureza jurídica de<br />

ente despersonalizado, no espólio os herdeiros são conhecidos, fato<br />

que não ocorre na jacência.<br />

49. Direito Civil. 2003, Volume 6, Editora Atlas, São Paulo, p. 88.<br />

50. Op. Cit. p. i36.<br />

625


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

É o curador (art. 12, IV e 1.144. 1, CPC) quem representará em<br />

juízo ativa e passivamente a herança vacante ou jacente. Enquanto<br />

não for nomeado, será designado pelo juiz um depositário, a quem<br />

serão entregues os bens mediante simples termo nos autos, depois<br />

de compromissado (CPC, art. i.145, § 1°). Tanto o depositário, como<br />

o curador, devem ser remunerados pelo serviço (CPC, art. u49),<br />

pois realizam gestão de patrimônio alheio. Haverão, igualmente, de<br />

prestar contas.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 1.142 do CPC passará a ser, no novo CPC (NCPC). o an. 738.<br />

O art. 1.145, §1•, do CPC. no novo CPC (NCPC) passará a ser o art. 740, §2°.<br />

Art 1.149, CPC, passará a ser no novo CPC (NCPC) o art. 740, §s•.<br />

8.2. Casos de Jacência<br />

Basicamente, duas são as modalidades de jacência da herança:<br />

a) Jacência sem testamento e b) Jacência com testamento. Ambas<br />

estão disciplinadas no art. i.819 do CC.<br />

Não havendo testamento, a herança é jacente e ficará sob a guarda,<br />

conservação e administração de um curador, caso o falecido não<br />

tenha deixado cônjuge, companheiro, descendente ou ascendente,<br />

nem colateral sucessível notoriamente conhecido. O mesmo ocorre<br />

se os herdeiros renunciarem à herança.<br />

A jacência sem testamento se desdobra, então, em duas hipóteses<br />

distintas: a) inexistência de herdeiros conhecidos e b) renúncia<br />

da herança por parte destes.<br />

Quanto à jacência com testamento, ocorre quando o extinto não<br />

deixa cônjuge. nem companheiro. nem herdeiro presente e/ou quando<br />

o herdeiro instituído ou testamenteiro não existir. não aceitar a<br />

herança ou não aceitar a testamentária.<br />

Outro caso de jacência se verifica quando se aguarda o nascimento<br />

de um único herdeiro do de cujos. Enquanto não ocorrer o<br />

evento, os bens são arrecadados à espera do sucessor, que está<br />

para chegar.<br />

626


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

O mesmo se dá com as hipóteses do artigo i.597 do CC, malgrado<br />

não haja ainda jurisprudência sobre o assunto. Mutatis mutandis,<br />

jacente também será a herança enquanto se aguarda a formação<br />

ou constituição da pessoa jurídica a que se atribuíram os bens. Da<br />

mesma maneira, nos casos de instituição de herdeiro sob condição<br />

suspensiva.<br />

• Como os bibunais estão decidindo o tema?<br />

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO DE TESTA­<br />

MENTO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AFASTAMENTO DA MUL­<br />

TA IMPOSTA. SÚMULA N° 98. [...) 3. No caso, pretende-se<br />

a anulação de testamento por suposta fraude, sendo<br />

que, alegadamente, a herança tornar-se-ia jacente. Daí<br />

não decorre. todavia, nem mesmo em tese, uma lesão<br />

aos interesses diretos da Administração. Isso porque,<br />

ainda que se prosperasse a alegação de fraude na lavratura<br />

do testamento, não se teria, por si só, uma lesão<br />

ao patrimônio público, porquanto tal provimento<br />

apenas teria o condão de propiciar a arrecadação dos<br />

bens do falecido, com subsequente procedimento de publicações<br />

de editais. 4. A jacência, ao reverso do que<br />

pretende demonstrar o recorrente, pressupõe a incerteza<br />

de herdeiros, não percorrendo, necessariamente,<br />

o caminho rumo à vacância, tendo em vista que, após<br />

publicados os editais de convocação, podem eventuais<br />

herdeiros se apresentarem, dando-se início ao inventário,<br />

nos termos dos arts. 1.819 a i.823 do Código<br />

Civil. 5. "Embargos de declaração manifestados com notório<br />

propósito de prequestionamento não têm caráter<br />

protelatório" (Súmula n• 98). 6. Recurso especial parcialmente<br />

conhecido e, na extensão, provido. (STJ - T4<br />

- Quarta Turma, REsp. n• 445.653/RS, Relator Ministro LUIS<br />

FELIPE SALOMÃO, Dle 26/10/2009, julgado em 15/10/2009).<br />

Sucessão hereditária. Declaração de vacância da herança,<br />

nos termos do art. 1.157, CPC c/c art. 1.820 do CC/02.<br />

Substituição de antiga curadora da herança jacente por<br />

novo curador. que se mostra desnecessária. tendo em<br />

vista que com a declaração de vacância cessa o exercício<br />

da curatela dos bens deixados pelo de cujus. (TJSP, Apelação<br />

cível no 5.781.554.200. Relator Desembargador FRAN­<br />

CISCO LOUREIRO, julgado em 18/06/2009).<br />

627


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Apelação cível. Sucessões. Inventário. Pedido de abertura<br />

por quem entende ser credor da falecida. Art. i.821 do<br />

Código Civil. Existência de bens a inventariar quando da<br />

propositura da demanda. Possibilidade jurídica do pedido<br />

e legitimidade ativa ad causam presentes. Sentença<br />

desconstituída. Apelação provida. (TJRS, Apelação cível n•<br />

70.026.167.247, Relator Desembargador VASCO DELLA GIUS­<br />

TINA, julgado em 08/10/2008).<br />

HERANÇA JACENTE. SUCESSÃO. LEGITIMIDADE. DECLARAÇÃO<br />

DE VACÂNCIA. - Ao ente público não se aplica o princípio<br />

da saisine. Segundo entendimento firmado pela Constituição,<br />

Segunda Seção, a declaração de vacância é o momento<br />

em que o domínio dos bens jacentes se transfere<br />

ao patrimônio público. Ocorrida a declaração de vacância<br />

após a vigência da Lei n• 8.049, de 20.6.1990, legitimidade<br />

cabe ao Município para recolher os bens jacentes.<br />

Recurso especial conhecido e provido. (STJ - T4 - Quarta<br />

Turma, REsp n• 100.290/SP, Relator Ministro BARROS MON­<br />

TEIRO, DJ 26/08/2002, julgado em 13/05/2002).<br />

<strong>DIREITO</strong> PROCESSUAL <strong>CIVIL</strong> E ADMINISTRATIVO. BEM PÚBLICO.<br />

AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. FRAÇÃO PERTENCENTE A<br />

MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA.<br />

PRESCINDIBILIDADE. 1. É direito potestativo do condômino<br />

de bem imóvel indivisível promover a extinção do condomínio<br />

mediante alienação judicial da coisa (CC/16, art.<br />

632; CC/2002, art. 1322; CPC, art. i.117, 11). Tal direito não<br />

fica comprometido com a aquisição, por arrecadação de<br />

herança jacente, de parte ideal do imóvel por pessoa<br />

jurídica de direito público. 2. Os bens públicos dominicais<br />

podem ser alienados "nos casos e na forma que a lei<br />

prescrever" (CC de 1916, art. 66, Ili e 67; CC de 2002, art.<br />

101).<br />

Mesmo sendo pessoa jurídica de direito público a proprietária<br />

de fração ideal do bem imóvel indivisível, é legítima<br />

a sua alienação pela forma da extinção de condomínio,<br />

por provocação de outro condômino. Nesse caso,<br />

a autorização legislativa para a alienação da fração ideal<br />

pertencente ao domínio público é dispensável, porque<br />

inerente ao regime da propriedade condominial.<br />

628


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

3. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - Ti -<br />

Primeira Turma, REsp. N°655.787/MG, Relator Ministro TEO­<br />

R! ALBINO ZAVASCKI, DJ 05/09/2005, julgado em 09/08/2005).<br />

8.3. O procedimento da Jacência e os Prazo dos Editais<br />

O procedimento da jacência é judicial e se divide em três fases:<br />

i) arrecadação dos bens. ii) publicação dos editais e iii) entrega dos<br />

bens.<br />

Os prazos para publicação dos editais (CPC, artigo u52) assim<br />

ocorrem: (1) a primeira publicação logo após a arrecadação, (2) a<br />

segunda se dá 30 (trinta) dias depois da primeira e (3) a terceira se<br />

dá 30 dias após a segunda, ou 60 dias após a primeira, conforme<br />

doutrina majoritária (Sílvio de Salvo Venosa. Euclides de Oliveira e<br />

Flávio Tartuce). Contudo, há quem tenha entendimento diverso. É o<br />

que ocorre com Giselda Hironaka (corrente minoritária). para quem<br />

seriam quatro publicações.<br />

Terá o herdeiro. tanto necessário como facultativo. o prazo de 6<br />

(seis) meses para se habilitar (a habilitação se faz em autos apensos).<br />

Como a lei não aplica pena civil alguma a quem desrespeita o<br />

aludido prazo. entende-se ser possível requerer a habilitação até a<br />

declaração da vacância. Após a declaração da vacância, os colaterais<br />

ficam excluídos. e os demais herdeiros necessários somente poderão<br />

pleitear habilitação em ação própria.<br />

~ E na hora da prova?<br />

No concurso para o cargo de Promotor de Justiça - MP/MG, ano de 2005,<br />

foi tida como correta a assertiva: "devem os colaterais habilitarem-se<br />

para recolher a herança jacente até a declaração de vacância, sob pena<br />

de, não o fazendo, serem excluídos da sucessão".<br />

8.4. A Vacância<br />

Reza o art. i.820 do CC que praticadas as diligências de arrecadação<br />

e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da<br />

lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem<br />

que haja herdeiro habilitado, ou penda a habilitação, será a herança<br />

declarada vacante.<br />

629


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Portanto um ano após a jacência da herança, esta será convertida<br />

em vacante (vaga). Tal herança vaga será direcionada ao município,<br />

distrito federal ou união, por ter se verificado não haver herdeiro, ou<br />

porque estes renunciaram ou foram excluídos por indignidade, ou deserdação.<br />

Assim, enquanto na jacente, aguarda-se o aparecimento do beneficiário<br />

- jacens hereditas dicitur quae heredem nondum habet,<br />

sed habere sperat heredem -, na vacante já se foi comprovada a<br />

ausência de tais herdeiros.<br />

Disto decorre que, na vacante, não mais se espera a habilitação de<br />

qualquer herdeiro - vacans vero quae nec habet, nec habere sperat.<br />

É por isto que a herança vacante é deferida ao município, distrito<br />

federal ou união.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora FEPESE, em prova realizada para<br />

provimento do Cargo de Promotor de Justiça de Santa Catarina, ano de<br />

2014, considerou FALSA a seguinte proposição: "Herança vacante consiste<br />

em um acervo de bens, administrado por um curador, sob fiscalização<br />

da autoridade judiciária, até que se habilitem os herdeiros, incertos ou<br />

desconhecidos, ou se declare por sentença que a transmita ao patrimônio<br />

do Estado".<br />

Entrementes, por resguardo, o legislador civilista espera até o<br />

último minuto a habilitação dos herdeiros necessários. Nessa linha,<br />

reza o art. i.822 do CC que a declaração de vacância não prejudicará<br />

os herdeiros necessários que legalmente se habilitarem no prazo de<br />

cinco anos da abertura da sucessão (morte).<br />

Logo, o município, distrito federal e união irão deter uma propriedade<br />

resolúvel até o quinto ano após a abertura da sucessão.<br />

Neste momento, passarão a ter propriedade plena dos bens.<br />

~ Atenção!<br />

A vacância poderá ser sumariamente decretada (vacância sumária) se todos<br />

os chamados a suceder renunciarem à herança, a teor do art. i.823<br />

do cc.<br />

630


DA SUCESSÃO EM GERAL<br />

• Atenção!<br />

Sistematicamente, portanto:<br />

a) Se ao falecer o de cujus não possuía herdeiro notoriamente conhecido, o<br />

Juiz determinará que um curador gerencie o patrimônio hereditário e encetará<br />

esforço para a localização dos herdeiros. Aqui temos a herança jacente.<br />

b) A jacência de herança dura o prazo de um ano, no qual serão publicados<br />

editais, visando localizar os herdeiros. Neste período é possível a<br />

habilitação tanto dos herdeiros colaterais, como dos necessários.<br />

c) Após um ano, a herança toma-se vacante (vaga). Assim, o patrimônio é<br />

endereçado ao município, distrito federal ou união, a depender de onde<br />

esteja localizado, os quais terão, por cinco anos, contados da abertura da<br />

sucessão, propriedade resolúvel. Após estes cinco anos da abertura da sucessão<br />

(morte), o patrimônio será definitivamente incorporado a tais pessoas<br />

públicas. Registre-se que até o último instante espera o legislador civil<br />

que os herdeiros legítimos necessários se habilitem na herança.<br />

Interessante que não há saisine para os entes públicos, haja vista não<br />

existir a transferência patrimonial automática com o falecimento.<br />

8.5. Natureza Jurídica da Sentença de Vacância<br />

Importante reflexão é a da natureza jurídica da sentença que<br />

decreta a vacância (se declaratória ou constitutiva), tendo em vista<br />

que, a depender da corrente adotada, surgirá, ou não, a possibilidade<br />

de usucapião dos bens.<br />

A tese vitoriosa nos tribunais superiores é de que a sentença é<br />

constitutiva da propriedade (e não meramente declaratória), sendo<br />

este o entendimento a ser adotado nos concursos públicos e,<br />

por via de consequência, será possível a usucapião do bem hereditário,<br />

se houver demora no processamento e na decretação da<br />

vacância.<br />

Para quem entende ser sentença de vacância meramente declaratória,<br />

não será possível admitir a usucapião, tendo em vista que<br />

desde o óbito (saisine, art. q84, CC) o bem seria público e, na forma<br />

do art. 102 do CC e da súmula 340 do STF, bens públicos não podem<br />

ser usucapidos, mesmo os dominicais. Tal entendimento, hoje, é minoritário.<br />

631


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Como os tribunais estão decidindo o tema?<br />

Herança Jacente. usucapião. Admissibilidade se não houver<br />

declaração de vacância. Para que a herança jacente se incorpore<br />

ao patrimônio público, tomando-se, assim, insuscetível<br />

de aquisição por usucapião, é necessário que haja a<br />

declaração de vacância, conforme o disposto no art. 1.143<br />

do CPC c/c o art. 1.594 do cc (de 1916). (REsp. 55.728-SP. 4<br />

Turma. Rei. Min. César Asfor Rocha. DJU 18-5-1998).<br />

632


Capítulo Ili<br />

Da Sucessão legítima<br />

Sumário • 1. Ordem de Vocação Hereditária. 2. Sucessão<br />

dos descendentes. 3. Direito de Representação.<br />

4. Os Casos em Que o Cônjuge Concorre com<br />

os Descendentes. 5. Sucessão dos Ascendentes. 5.1.<br />

A Concorrência entre Cônjuge e Ascendentes. 6. Sucessão<br />

do Cônjuge. 6.1. A Separação de Fato e a<br />

Perda do Direito Hereditário. 6.2. O Direito Real de<br />

Habitação. 6.3. O Piso Hereditário. 7. Sucessão dos<br />

<strong>Col</strong>aterais. 8. o Código Civil e a Sucessão na União<br />

Estável. 8.1. A Concorrência Sucessória Simultânea<br />

entre o Companheiro e o Cônjuge sobrevivente. 8.2.<br />

O Direito Real de Habitação na União Estável.<br />

1. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA<br />

É de Sílvio de Salvo venosa a ideia de segundo a qual "se a pessoa<br />

falecer sem testamento (ab intestato), a lei determinará a ordem pela<br />

qual serão chamados os herdeiros: a ordem de vocação hereditária'".<br />

Como já tivemos a oportunidade de observar à luz dos arts. i.786<br />

e i.789 do CC, a sucessão pode se dar sem testamento ou com testamento.<br />

Neste capítulo, estudaremos a sucessão ab intestato, ou<br />

seja, sem testamento, denominada no Brasil de sucessão legítima, a<br />

qual decorre da lei.<br />

Também englobará este capítulo a sucessão legítima ao lado da<br />

testamentária, quando esta alcance apenas uma parte da herança<br />

(máximo de soºk), haja vista a presença de herdeiros legítimos (arts.<br />

1.789 e i.856 do CC).<br />

A sucessão legítima é estabelecida pelo legislador, segundo uma<br />

presunção de manifestação de vontade do autor da herança. Em<br />

estando na lei, os bens que serão o seu objeto são batizados com<br />

legítima e os seus destinatários com herdeiros legítimos.<br />

i. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 101.<br />

633


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Segundo Maria Helena Diniz a lei distribui os herdeiros em classes<br />

preferenciais, baseada em situações de família e de sangue'. O art.<br />

1.829 do CC traz esta sequência de pessoas vocacionadas ao recebimento<br />

da herança, de modo que, em havendo uma classe mais próxima, a<br />

outra nada receberá. São quatro estas classes, hierarquicamente postas<br />

pela norma, a saber: descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais.<br />

Esta regra, segundo a qual os parentes mais próximos recebem<br />

a herança em detrimento dos parentes mais distantes, é antiga. De<br />

acordo com Flávio Tartuce, a Lei das XII Tábuas de 450 a.e. já contemplava<br />

hipótese sucessória na qual certos parentes de grau mais<br />

próximo deveriam receber a herança. 3<br />

Diz Carlos Roberto Gonçalves que nestes casos a lei irá deferir a<br />

herança a pessoas da família do finado, ou, na falta ou renúncia destes,<br />

ao Poder Público, advertindo que, na classificação dos herdeiros<br />

legítimos, existem os necessários, também chamados legitimários ou<br />

reservatários e os facultativos (colaterais que não terão direito à<br />

legítima), tema já visto nesta obra. 4<br />

Mas qual seria esta ordem de vocação hereditária?<br />

Inicia-se com os herdeiros legítimos necessários, os quais apenas<br />

não herdarão em situações bem excepcionais, como nos já estudados<br />

casos de indignidade. São herdeiros legítimos necessários os<br />

descendentes, os ascendentes e o cônjuge (art. 1.845 do CC).<br />

Os descendentes são herdeiros de primeira classe. A sucessão,<br />

seguindo a lei natural da vida, sempre se inicia pela descendência.<br />

Na presença destes, os ascendentes, o cônjuge e os colaterais, por<br />

exemplo, não herdarão. Os ascendentes são os herdeiros da segunda<br />

classe. Na falta de descendentes, os ascendentes herdarão. O<br />

cônjuge é o herdeiro da terceira classe. Apesar de não ser parente<br />

(cônjuge não é parente), herda.<br />

Na ausência dos herdeiros legítimos necessários, chama-se a suceder<br />

os herdeiros legítimos facultativos (herdeiros da quarta classe),<br />

caso o autor da herança não tenha feito disposição de todo o<br />

seu patrimônio.<br />

2. Curso de Direito Civil Brasileiro, 25• Edição, 2011, p. 122.<br />

3. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6" Edição, 2013, p. 124.<br />

4. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Edição, 2012, p. 155.<br />

634


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

~ E na hora da prova?<br />

(FGV - 2010) Em 2004, Joaquim, que não tinha herdeiros necessários, lavrou<br />

um testamento contemplando como sua herdeira universal Ana. Em<br />

2006, arrependido, Joaquim revogou o testamento de 2004, nomeando<br />

como seu herdeiro universal Sérgio. Em 2008, Sérgio faleceu, deixando<br />

uma filha Catarina. No mês de julho de 2010, faleceu Joaquim. O único<br />

parente vivo de Joaquim era seu irmão, Rubens.<br />

Assinale a alternativa que indique a quem caberá a herança de Joaquim.<br />

a) Rubens.<br />

b) Catarina.<br />

c) Ana.<br />

d) A herança será vacante.<br />

Gabarito: letra A.<br />

Decerto, como já visto nesta obra, apenas os herdeiros legítimos<br />

necessários tem a reserva legitimária mínima da metade dos bens<br />

do falecido. Logo, na sua ausência, o de cujus poderá dispor de 10oºk<br />

(cem por cento) do seu patrimônio. Se não o fizer, porém, os bens<br />

seguirão a sorte da legítima, indo para os colaterais até quarto grau.<br />

Na colateralidade também vigorará o ideal da proximidade, de<br />

maneira que os mais próximos preferirão aos mais remotos. Logo,<br />

os irmãos (colaterais de segundo grau) preferem aos sobrinhos (colaterais<br />

de terceiro grau descendentes), que preferem aos tios (colaterais<br />

de terceiros grau ascendentes) e que preferem aos primos<br />

(colaterais de quarto grau). Infere-se que na colateralidade também<br />

persiste a regra segundo a qual a descendência preferirá a ascendência.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(FCC - Procurador Município - Prefeitura Cuiabá-MT/2014) Quando faleceu,<br />

Arlindo possuía um irmão, Armando, e dois sobrinhos, João e Josué. À época<br />

do falecimento, a lei estipulava que o irmão precedia os sobrinhos na<br />

sucessão. No entanto, antes da partilha, sobreveio lei alterando a ordem<br />

de vocação hereditária, colocando os sobrinhos à frente do irmão. A lei<br />

não previu regras de transição. Os bens de Arlindo passaram a ser de<br />

A) Armando, que adquiriu tal direito por ocasião do falecimento de Arlindo.<br />

635


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

B) João e Josué, porque a lei de ordem pública possui efeito retroativo.<br />

C) João e Josué, porque, até a partilha, Armando possuía mera expectativa<br />

de direito.<br />

D) João e Josué, porque a lei nova não previu regras de transição.<br />

E) Armando, porque a lei equipara os direitos sob condição suspensiva<br />

ao direito adquirido.<br />

Gabarito: A<br />

Como se vê, a base desta sucessão é o parentesco, favorecendo<br />

as linhas e os graus próximos aos remotos, respeitando-se a afeição<br />

conjugal. A lei tenta conformar-se com a ordem de afeição familiar,<br />

sem perder de mira a ideia segundo a qual parentes mais próximos<br />

recebem em detrimento dos mais distantes.<br />

Contudo, existem duas exceções ao princípio da proximidade.<br />

A lição é de Flávio Tartuce ao sustentar, a uma, que na classe dos<br />

colaterais o sobrinho do morto (parente em 3° grau) recebe toda a<br />

herança em detrimento do tio do morto (parente que também é de<br />

3° grau), por força do art. i.843 do CC e, finalmente, a duas, as situações<br />

envolvendo o direito de representação (arts. i.851-i.856, CC),<br />

que será estudado ainda neste capítulo. 5<br />

Ademais, em clara diferenciação à legislação anterior, verificaremos<br />

à frente que o cônjuge se encontra em uma situação jurídica<br />

sucessória diferenciada, pois poderá concorrer à herança com descendentes,<br />

assim como para hipóteses do finado ter deixado ascendentes.<br />

Além disto, o cônjuge é herdeiro de terceira classe e, nesta<br />

condição, receberá toda a herança, na falta de descendentes e ascendentes.<br />

Juridicamente falando, a posição do consorte é realmente<br />

diferenciada e melhor do que a legislação anterior, como aponta<br />

Carlos Roberto Gonçalves. 6<br />

5. Direito Civil, v 6: direito das sucessões. 6• Edição, 2013, p. 125.<br />

6. Direito Civil Brasileiro. v 7: 6• Edição, 2012, p. 159.<br />

636


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

~ Atenção!<br />

Para melhor compreender a ordem de vocação hereditária é imprescindível<br />

analisar a literalidade do art. i.829 do CC, cuja redação é a seguinte:<br />

NA sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 1 - aos descendentes,<br />

em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o<br />

falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória<br />

de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não<br />

houver deixado bens particulares; li - aos ascendentes, em concorrência<br />

com o cônjuge; Ili - ao cônjuge sobrevivente; IV aos colaterais#.<br />

Recorda Maria Helena Diniz que a regra da ordem de vocação<br />

hereditária possui exceções: situações jurídicas em que a herança<br />

será distribuída sem observar o art. i.829 do CC, a saber: 7<br />

• Nas hipóteses do art. 5°, XXX, da CF e do art. 10, §1° da LINDB que<br />

englobam os casos da sucessão de bens de estrangeiros situados<br />

no país, quando será regulada a distribuição da herança pela lei<br />

mais favorável ao cônjuge ou aos filhos brasileiros. Portanto, é<br />

possível neste caso que se aplique uma lei estrangeira, afastando<br />

a incidência do art. 1.829 do CC.<br />

• Nas situações do art. i.831 do CC, segundo o qual será assegurado<br />

ao cônjuge, independente do regime de bens, o direito real<br />

de habitação quanto ao imóvel destinado à residência da família,<br />

desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.<br />

• Nos situações do art. 7, parágrafo único, da Lei 9.278/96, o qual<br />

garante ao companheiro, independentemente do regime de<br />

bens, o direito real de habitação quanto ao imóvel destinado à<br />

residência da família, desde que seja o único daquela natureza a<br />

inventariar.<br />

Quando estivermos diante da incidência da Lei Federal n° 6.858/80<br />

a admitir o pagamento, mediante alvará judicial, em quotas<br />

iguais, aos dependentes habilitados perante o INSS ou, na falta<br />

destes, àqueles sucessores da lei civil, de créditos decorrentes<br />

da relação de emprego privado, ou público, saldos em conta do<br />

FGTS, restituições tributárias e saldos em conta bancária.<br />

7. Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. i23.<br />

637


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Nos casos de aplicação da Lei Federal n° 9.610/98, cujo art. 41<br />

disciplina a transmissão dos direitos autorais, em caso de óbito,<br />

para os herdeiros pelo prazo de 70 (setenta) anos, após os quais<br />

estes direitos passam ao domínio público.<br />

Como visto, nem todas as situações jurídicas de morte sem testamento<br />

passarão pelo art. i.829 do CC.<br />

Pois bem.<br />

Verificada a introdução ao tema, passa a ser enfrentada a ordem<br />

de vocação hereditária, evoluindo o capítulo, exatamente, como o<br />

faz a normatização, consoante a legítima.<br />

2. SUCESSÃO NA DESCENDfNCIA<br />

Os herdeiros de primeira classe são os descendentes, pois estão<br />

contemplados em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária.<br />

Em existindo, os descendentes preferem à herança, de modo que<br />

nem os ascendentes, nem o cônjuge e nem os colaterais herdarão.<br />

A sucessão dos descendentes será guiada por dois princípios: a)<br />

Proximidade e b) Igualdade.<br />

Se o autor da herança houver deixado filhos, netos, bisnetos, trinetos,<br />

tetranetos, por exemplo, estaremos diante de uma sucessão<br />

legítima de primeira classe. E, como a proximidade é um pilar do<br />

direito hereditário, os descendentes mais próximos receberão a herança<br />

em detrimento dos descendentes mais distantes. É o que dirá<br />

o art. i.833 do CC: "Entre os descendentes, os em grau mais próximo<br />

excluem os mais remotos, salvo o direito de representação".<br />

Diz Carlos Roberto Gonçalves 8 que a primeira classe a ser convocada<br />

nesta ordem de vocação hereditária é a dos descendentes, de<br />

maneira que "Havendo alguém que a ela pertença, afastados ficam todos<br />

os herdeiros pertencentes às subsequentes" à exceção do cônjuge<br />

sobrevivente, ou mesmo do companheiro. No mesmo sentido Sílvio<br />

de Salvo Venosa 9 •<br />

8. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6" Edição, 2012, p. i6o.<br />

9. Direito Civil. 7• Edição, v 7, 2007, p. io2.<br />

638


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Flávio Tartuce estabelece uma crítica ao conteúdo do art. i.834 do<br />

CC segundo o qual "os descendentes da mesma classe têm os mesmos<br />

direitos à sucessão de seus ascendentes". Isto, porque, a verdadeira<br />

intenção legislativa foi apenas a de afirmar a igualdade hereditária<br />

e constitucional de todos os descendentes. Sobre o tema tramita, inclusive,<br />

o Projeto de Lei 699/2011, cuja proposta é adequar a redação<br />

do dispositivo.'º<br />

Com efeito, por força do princípio da igualdade (CF, arts. 5°, li<br />

e 227, §6°), os descendentes herdarão quotas idênticas, independentemente<br />

de sua origem: "Os filhos, havidos ou não da relação de<br />

casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,<br />

proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".<br />

Esta ideia será consagrada, em certa, medida, no art. i.835 do CC, ao<br />

prescrever que os descendentes da mesma classe têm os mesmos<br />

direitos à sucessão de seus ascendentes.<br />

Em síntese: pouco importará a origem do descendente. Se a filiação<br />

decorreu de registro, consanguinidade ou afeição, nada disto<br />

interfere no direito sucessório, que será o mesmo.<br />

Voltando a análise do texto legislado, prescreve o art. i.835 que<br />

"Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes<br />

por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no<br />

mesmo grau".<br />

Há, pela letra da lei, duas modalidades de sucessão quanto aos<br />

descendentes, quais sejam: a) a sucessão direta, ou por cabeça e b)<br />

a sucessão indireta, por estirpe, ou por direito de representação.<br />

Explica-se. Se o autor da herança, por exemplo, deixa três filhos<br />

e um sobrinho, apenas os filhos do finado herdarão, afinal de contas<br />

são herdeiros de primeira classe (i.829, 1, CC). O sobrinho, herdeiro<br />

de quarta classe, (i.829, IV, CC), nada herdará. Estes três filhos sucederão<br />

por cabeça, ou seja, receberão em nome próprio quinhões<br />

iguais, haja vista se encontrarem no mesmo grau de descendência.<br />

Cada um herdará um terço da herança: sucessão direta.<br />

10. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 134-<br />

639


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Mas é possível que existam descendentes em grau diverso (i.835,<br />

CC). Numa situação de descendentes distribuídos em graus diversos,<br />

os de grau mais próximo recebem por cabeça a sucessão direta,<br />

enquanto que os de grau mais distante, em regra, não receberão.<br />

Em alguns casos, porém, é possível que os descendentes mais<br />

distantes recebam, ao lados dos mais próximos. Estes herdando por<br />

cabeça e, aqueles, por representação. Para melhor compreender o<br />

tema, faremos um parêntese sobre o direito de representação e,<br />

após, retornaremos à ordem de vocação hereditária.<br />

3. <strong>DIREITO</strong> DE REPRESENTAÇÃO<br />

Esclarece Carlos Roberto Gonçalves que o direito de representação<br />

acontece quando a lei chama a suceder uma determinada pessoa<br />

em lugar do parente mais próximo do de cujos, em casos de<br />

pré-morto, ausente ou incapaz de suceder, como bem posto no art.<br />

i.851 do Código Civil. 11<br />

Elucidativa é a tese Sílvio de Salvo Venosa para quem a legislação<br />

determina que "havendo desigualdade de graus de parentesco na<br />

linha descendente, a herança pode ser atribuída a herdeiros de dois<br />

graus diversos".".<br />

O direito de representação se aplica aos descendentes e aos<br />

colaterais (CC, i.853), não tendo incidência sobre os ascendentes.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca IESES, em prova realizada para o Cartório do TJ­<br />

-PB, ano de 2014, considerou INCORRETO o seguinte quesito: "O direito de<br />

representação limita-se aos parentes na linha reta.".<br />

O direito de representação está previsto nos arts. 1.851/i.856 do<br />

CC. Dá-se o direito de representação quando a lei confere a certos<br />

parentes do falecido a possibilidade de suceder em todos os direitos<br />

em que ele sucederia, se vivo fosse.<br />

11. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Edição, 2012, p. 216.<br />

12. Direito Civil, 7 1 Edição, v 7, 2007, p. 110.<br />

640


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

~ E na hora da prova?<br />

O concurso para o provimento do cargo de Juiz - TJDFT, ano de 2011, considerou<br />

verdadeira a seguinte assertiva: Mos representantes só podem<br />

herdar, como tais, o que herdaria o representado, se vivo fosse".<br />

Portanto, a primeira dica para bem compreender o direito de representação<br />

é verificar no caso concreto se existe algum pré-moriente<br />

ao de cujus, ou seja, se o autor da herança deixou descendente<br />

pré-morto ao seu óbito.<br />

Vamos a um exemplo disto: imagine que João é pai de Lucas e<br />

Miguel. Agora, imagine que Miguel falece em 2010. João, certamente,<br />

sofrerá com isto. Neste exemplo, o inventário de Miguel é feito e<br />

Carlos, único filho de Miguel, recebe a herança deste.<br />

Memorizou o exemplo?<br />

Pois bem. Agora imagine que João falece em 2014 (após a morte<br />

de Miguel, seu filho). O autor da herança (João) deixou dois herdeiros:<br />

o filho (Lucas) e o neto Carlos.<br />

Aqui reside um belo exemplo do direito de representação e do<br />

art. i.835 do CC. Lucas sucederá por cabeça (sucessão direta) e Carlos<br />

sucederá por estirpe (sucessão indireta) recebendo aquilo que<br />

seu genitor pré-morto (Miguel) receberia se vivo fosse!<br />

É o que reza o art .. i.851do CC:"Dá-se o direito de representação,<br />

quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os<br />

direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse".<br />

Adverte Carlos Roberto Gonçalves que o presente instituto, direito<br />

de representação, restringe-se à sucessão legítima e não se aplica<br />

à testamentária. ' 3 No mesmo sentido Sílvio de Salvo Venosa' 4 • Isto,<br />

porque, na sucessão testamentária deve valer a vontade expressa<br />

pelo falecido, que apenas queria destinar a uma determinada pessoa<br />

e, não, aos descendentes dele.<br />

13. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Edição, 2012, p. 217.<br />

14. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 111.<br />

641


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Herda-se pelo direito de representação quando alguém é convocado<br />

a suceder em lugar de outro herdeiro, parente mais próximo<br />

do falecido, que está pré-morto, ausente ou incapaz de suceder no<br />

instante em que se abre a sucessão.<br />

Trata-se de substituição hereditária operada pela lei cuja finalidade<br />

é mitigar a rigorosa e exagerada aplicação do princípio da proximidade,<br />

segundo o qual o herdeiro mais próximo exclui o mais remoto,<br />

corrigindo a injustiça decorrente da inflexível aplicação daquele dispositivo.<br />

Também objetiva manter o equilíbrio entre as pessoas sucessíveis<br />

da mesma classe, substituindo a que faltar por sua estirpe.<br />

• Como os tribunais estão decidindo esta questão?<br />

Inventário. Agravante que pretende se habilitar no inventário<br />

do de cujus. por direito de representação de tia pré­<br />

-morta. Direito de representação inexistente, em razão da<br />

existência de tia sobrevivente, que exclui os sobrinhos­<br />

-netos quando com tia concorrem. Agravo improvido. (TJSP.<br />

Agravo de Instrumento n° 458.918.4/0-00, Relator Desembargador<br />

TESTA MARCHI. julgado em 07/n/20o6).<br />

Alvará. Autora da herança deixou dois filhos vivos, ora<br />

agravantes. Filho solteiro pré-morto não deixou descendentes.<br />

Genitor na condição de ascendente não tem direito<br />

à herança. Aplicação do art. 1.852 do Código Civil ora vigente.<br />

Agravo provido. (TJSP. Agravo de Instrumento n° 504.844-<br />

4/0-00, Relator Desembargador ZELINSCHI DE ARRUDA, julgado<br />

em 24/05/2007). Agravo de instrumento. Sucessão. Direito<br />

de representação. Linha colateral ou transversal. Inexistência<br />

de herdeiros em linha reta. Agravantes que são netos da<br />

irmã pré-morta do de cujus. Direito à sucessão inexistente.<br />

Inteligência do disposto no artigo 1853, do Código Civil. Decisão<br />

mantida. Agravo improvido. (TJSP, Agravo de Instrumento<br />

n° 990104637090, Relator Desembargador DONEGÁ MORANDINI,<br />

Data de Publicação: 29/n/2010, julgado em 16/n/2010).<br />

Prossegue Carlos Rob erto Gonçalves esclarecendo que o fundamento<br />

jurídico do direito de representação consiste em flexibilizar a<br />

rigidez da regra segundo a qual os parentes mais próximos sucedem<br />

em detrimento dos mais distantes, de modo a viabilizar um equilíbrio<br />

na participação dos herdeiros. 15<br />

15. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Edição, 2012, p. 217.<br />

641


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Sílvio de Salvo Venosa ' 6 a vontade normativa está em manter o<br />

equilíbrio justamente nesta distribuição hereditária entre os herdeiros<br />

para o fim de evitar concentração patrimonial.<br />

3.1. Requisitos do Direito de Representação<br />

Para haver o direito de representação alguns requisitos devem<br />

estar presentes, a saber:<br />

a) que o representado seja pré-morto ao autor da herança, salvo<br />

a hipótese do indigno, que para o direito sucessório equivale à<br />

morte (i.816, CC). É dizer: não se representa pessoa viva - viventis<br />

non datur repraesentatio (à exceção do indigno e do ausente,<br />

insista-se). Relembra-se que na renúncia não haverá representação<br />

(art. 1811 do CC).<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Promotor de Justiça - MP/PE - FCC - 2002) Luís teve três filhos: Edílson,<br />

Rogério e José. Os filhos deram a Luís, respectivamente, os netos Edílson<br />

Júnior, Rogério Júnior e José Júnior. Edílson matou o irmão Rogério e, no<br />

dia seguinte, matou também Luís e teve sua indignidade declarada por<br />

sentença. Na sucessão de Luís concorrem:<br />

a) Edílson Júnior, por direito de representação, e José; Rogério era pré­<br />

-mono.<br />

b) Edílson, Rogério Júnior e José, o segundo por direito de representação.<br />

c) Rogério Júnior, por direito de representação, e José; o indigno não<br />

herda nem é representado.<br />

d) José, unicamente; Edílson foi declarado indigno e Rogério era pré­<br />

-mono.<br />

e) Edílson Júnior, Rogério Júnior e José, os dois primeiros por direito de<br />

representação.<br />

Gabarito: letra E.<br />

b) que o representante seja descendente do representado: só ocorre<br />

a representação na linha reta da descendência ou da colateralidade,<br />

nunca na ascendência (art. i.852, CC);<br />

16. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 110.<br />

643


LUCIANO L. FIGUEIRfDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora CESPE, em prova realizada para o<br />

provimento de cargo de Analista e Consultor Legislativo, ano de 2014,<br />

considerou correta a seguinte assertiva: "O direito de representação é<br />

possível na linha transversal em favor dos filhos de irmão do falecido<br />

quando estes concorrerem com irmãos do de cujus".<br />

• Como esta questão já foi decidida na jurisprudência?<br />

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DECLA­<br />

RATÓRIOS. PRETENSÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. VIOLAÇÃO<br />

DO ARTIGO 535, 1 E li, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMEN­<br />

TAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF. 1. Na classe colateral,<br />

apenas os sobrinhos herdam por representação,<br />

sendo que, nas demais situações, aqueles que se encontrarem<br />

em grau de parentesco mais próximo herdarão,<br />

exc!uindo o direito de representação dos mais distantes.<br />

2. Os parentes colaterais de 4° grau só são chamados a<br />

suceder por direito próprio, mas não por representação,<br />

ou seja, só herdam se o falecido não tiver deixado<br />

nenhum colateral de 3° grau. 3. Agravo regimental provido<br />

para dar parcial provimento ao recurso especial. (STJ<br />

- T4 - Quarta Turma, Ag. Reg. no REsp. n° 950.301, Relator<br />

Ministro OTÁVIO DE NORONHA, julgado em 22/06/2010).<br />

• E na hora da prova?<br />

(Juiz - TJDFT - 2011) Cuidando-se da sucessão legítima, segundo a lei civil<br />

em vigência, "dá-se o direito de representação, quando a lei chama<br />

certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que<br />

ele sucederia, se vivo fosse". Assim exposto, considere as proposições<br />

abaixo e assinale a incorreta:<br />

Gabarito: a) O direito de representação dá-se na linha reta descendente<br />

como também na ascendente.<br />

e) que o representante esteja hábil a suceder o representado. Trata-se<br />

da questão da legitimação sucessória;<br />

d) que não haja solução de continuidade no encadeamento dos graus<br />

entre representante e substituto, ou melhor, que a representação<br />

644


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

não se opere per saltum (Ex: não se admite que um descendente<br />

salte sobre o pai vivo, a fim de representá-lo na herança do avô).<br />

~ Dica!<br />

Atente-se para a regra do art. i.811: ninguém pode suceder representando<br />

herdeiro renunciante. O herdeiro renunciante é havido como estranho<br />

à herança e por isto não pode ser substituído pelo seu descendente.<br />

Curiosa é a leitura do art. i.856 segundo a qual o renunciante à herança<br />

de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra, até porque<br />

a renúncia se interpreta de forma restritiva. Um exemplo bem ilustra<br />

essa hipótese: se eu renuncio a herança de meu pai, não significa que<br />

não possa receber a de meu avô na medida em que, interpretando-se<br />

restritivamente a renúncia jamais se teria, com isto, como atingir outra<br />

situação, de herança por estirpe de outra pessoa.<br />

Na forma do art. i.854 do CC, os representantes só podem herdar<br />

o que herdaria o representado se vivo fosse. Além disto, não poderão<br />

receber nem menos, nem mais daquilo que seria deferido ao<br />

pré-morto, pois atuam em substituição a este. Em sendo substituição,<br />

atuam nos limites do direito do titular hereditário anterior.<br />

~ E na hora da prova?<br />

O concurso para juiz - TlDFT, ano de 2011, considerou correta a assertiva:<br />

"na linha transversal, somente se dá o direito de representação<br />

em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste<br />

concorrerem".<br />

De acordo com o art. i.855 do CC o quinhão do representado<br />

partir-se-á por igual entre os representantes. Portanto, sempre que<br />

houver representação, a partilha efetuar-se-á por estirpe, distribuindo-se<br />

o quinhão do representado por igual entre os seus representantes.<br />

Sempre que ocorrer a representação, a partilha dar-se-á por<br />

estirpe.<br />

Exemplifica-se: Se joão faleceu e tem como filhos Marcos e Antônio.<br />

Em sendo Marcos pré-morto, e tendo como filhas Ana e Beatriz,<br />

a divisão do patrimônio hereditário será a seguinte: Antônio terá 5oºk<br />

(cinquenta por cento) do patrimônio de joão e Ana e Beatriz receberão,<br />

cada uma, 25ºk (vinte e cinco por cento).<br />

Voltamos à ordem de vocação hereditária.<br />

645


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l . FIGUEIREDO<br />

4. OS CASOS EM QUE O CÔNJUGE CONCORRE COM OS DESCENDENTES<br />

Recorda Sílvio de Salvo Venosa 11 que a doutrina sempre sustentou<br />

que o cônjuge supérstite deveria ter uma posição sucessória melhor,<br />

o que foi conquistado no atual Código Civil de 2002 que, visivelmente,<br />

posiciona-o em situação jurídica muito melhor quando comparado<br />

com o anterior Código de 1916.<br />

Lembra Carlos Roberto Gonçalves que o atual Código Civil modificou<br />

profundamente a situação jurídica do cônjuge sobrevivente. Entre<br />

as novidades, passou o cônjuge supérstite à qualidade de herdeiro<br />

necessário (CC, i.845). Entre outras mudanças se tem a inserção<br />

do cônjuge na concorrência com o descendente, em certos casos, a<br />

depender do regime de bens. 18<br />

De fato, a posição do cônjuge é destacada na sucessão legítima.<br />

Em certos casos, à depender do regime matrimonial de bens, concorrerá<br />

com os descendentes. Por outro lado, sempre concorrerá com<br />

os ascendentes. É o que se extrai dos incisos 1 e li do art. i.829 do CC.<br />

Importa agora abordar os casos em que o cônjuge concorrerá com<br />

os descendentes, ou seja, analisar cada uma das situações apresentadas<br />

no inciso 1, do art. i.829 do CC. De acordo com este preceito<br />

normativo, a sucessão legítima defere-se "aos descendentes, em concorrência<br />

com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido<br />

no regime da comunhão universo/, ou no da separação obrigatória de<br />

bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial,<br />

o autor da herança não houver deixado bens particulares".<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Promotor de Justiça Substituto - MPE/MS - 2009) Em caso de sucessão, é<br />

correto afirmar que o cônjuge sobrevivente concorre com:<br />

a) os descendentes, se casado no regime da comunhão de bens e se<br />

houver bens particulares do falecido.<br />

b) os descendentes independentemente do regime de bens.<br />

c) os descendentes, se casado no regime da comunhão universal.<br />

d) os descendentes, se casado no regime da separação obrigatória.<br />

17. Direito Civil. 7• Edição, v 7, 2007, p. 117.<br />

18. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Ediçil.o, 2012, p. 168.<br />

646


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

e) os ascendentes dependendo do regime de bens.<br />

Gabarito: letra A.<br />

Interessante o erro material da norma, que se refere à separação<br />

obrigatória como o regime tratado no art. i.640 do CC, quando, em<br />

verdade, o é no art. i.641.<br />

Pela lei, o cônjuge supérstite concorrerá com os descendentes,<br />

salvo se três exceções: a) Regime de Comunhão Universal, b) Regime<br />

de Separação Obrigatória e c) Regime de Comunhão Parcial, excepcionando<br />

os bens particulares, os quais serão objeto de meação.<br />

Vejamos o detalhamento de tais situações.<br />

A primeira situação jurídica na qual o consorte vivo não concorrerá<br />

com os descendentes será no regime da comunhão universal de<br />

bens. Parece lógico. Neste regime, já existe uma meação, decorrente<br />

do regime matrimonial, sob todo o patrimônio. Assim, não há necessidade<br />

do cônjuge sobrevivente disputar a herança com herdeiro de<br />

primeira classe (os descendentes) que, no caso merecem, por opção<br />

legislativa, receber entre si toda a herança - abatendo-se, por óbvio,<br />

a meação que já é por ato em vida daquele.<br />

O exemplo é simples: uma pessoa é casada no regime da comunhão<br />

universal e, com sua esposa, possuem um patrimônio líquido<br />

de RS i.000.000,00 (um milhão e reais). Este casal possui dois filhos.<br />

No caso de óbito do marido, a herança (RS 500.000,00 - quinhentos<br />

mil reais) será partilhada entre os dois filhos. Aqui se tem um belo<br />

exemplo de situação em que o cônjuge sobrevivente não concorre,<br />

afinal de contas já é meeiro, ou seja, já é titular por regime de bens<br />

da comunhão universal de (RS 500.000,00 - quinhentos mil reais).<br />

~ E na hora da prova?<br />

(FCC - Promotor de Justiça - PE/2014) Roberto e Renata, casados sob o<br />

regime da comunhão universal de bens faleceram, em acidente aéreo,<br />

sem que se pudesse estabelecer quem morreu primeiro, e não deixaram<br />

testamento. Não tinham descendentes nem ascendentes, mas<br />

Roberto deixou um tio paterno (José) e um sobrinho (João), filho de<br />

uma irmã pré-morta. Renata deixou um irmão (Joaquim) e dois sobrinhos<br />

(Romeu e Beatriz), filhos de outro irmão pré-morto. Nesse caso,<br />

a herança de<br />

647


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

A) Roberto será atribuída integralmente a João e a herança de Renata<br />

será partilhada à razão de SOºb para Joaquim, 25°k para Romeu e 25°k<br />

para Beatriz.<br />

B) Roberto e a herança de Renata serão partilhadas em proporções<br />

iguais entre José, João, Joaquim, Romeu e Beatriz.<br />

C) Roberto será atribuída integralmente a José e a herança de Renata<br />

será partilhada à razão de 5oºk para Joaquim, 25ºk para Romeu e 25°k<br />

para Beatriz.<br />

D) Roberto será partilhada igualmente entre João e José e a herança de<br />

Renata será partilhada em 1/3 para Joaquim, 1/3 para Romeu e 1/3 para<br />

Beatriz.<br />

E) Roberto será partilhada igualmente entre João e José e a herança de<br />

Renata será partilhada em 5oºk para Joaquim, 25ºk para Romeu e 25°k<br />

para Beatriz.<br />

Gabarito: A<br />

Outra situação clara na qual o cônjuge não disputa a herança com<br />

os descendentes é no regime da separação obrigatória, disciplinada<br />

no art. i.641 do CC. Optou o legislador por manter a mesma ideia da<br />

incomunicabilidade patrimonial em vida, decorrente deste regime de<br />

bens por força de lei, para depois da morte.<br />

Imagine um exemplo no qual alguém, casado no regime da separação<br />

obrigatória, é proprietário de um patrimônio avaliado em<br />

RS i.000.000,00 (um milhão e reais), possuindo dois filhos. Se esta<br />

pessoa morre, a herança será dividida em quotas iguais apenas<br />

para os filhos, cada um recebendo (RS 500.000,00 - quinhentos mil<br />

reais).<br />

~ Esta restrição se aplica à separação convencional?<br />

Seguindo a interpretação literal do Código Civil, não.<br />

De fato, aborda o art. 1.829, 1 do CC, dentre as exceções, apenas o regime<br />

de separação obrigatória (art. i.641 do CC). Assim, na separação<br />

convencional haveria, sim, a concorrência. Esta é a interpretação literal<br />

da norma que deve ser considerada para questões objetivas legalistas.<br />

Em questões aprofundadas, porém, percebe-se que tal concorrência não<br />

se coaduna com a vontade dos cônjuges. Isto, porque, se em vida determinaram<br />

a incomunicabilidade por completo, dos bens, por que haver<br />

comunicação após o falecimento?<br />

648


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Não há lógica de pensamento nisto.<br />

Seguindo a tese da incomunicabilidade é possível verificarmos jurisprudência<br />

sobre o assunto:<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA E SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. INVEN­<br />

TÁRIO E PARTILHA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE CASADO PELO REGIME<br />

DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS, CELEBRADO POR MEIO<br />

DE PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. INTERPRETAÇÃO<br />

DO ART. 1.829, 1, DO CC/02. <strong>DIREITO</strong> DE CONCORRtNCIA HEREDITÁ­<br />

RIA COM DESCENDENTES DO FALECIDO. NÃO OCORRtNCIA. lmpositiva<br />

a análise do art. i.829, 1, do CC/02, dentro do contexto<br />

do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia<br />

com os demais que enfeixam a temática, em atenta<br />

observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão<br />

forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana,<br />

que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade<br />

humana, por meio da autonomia da vontade, da autonomia<br />

privada e da consequente autorresponsabilidade, bem<br />

como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade,<br />

por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico<br />

que deve delinear os contornos da norma jurídica.<br />

- Até o advento da Lei n. 0 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu<br />

no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da<br />

comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não<br />

concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação<br />

sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da<br />

vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de<br />

bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial,<br />

o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.<br />

- PreseNa-se o regime da comunhão parcial de bens, de<br />

acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar<br />

o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além<br />

da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo<br />

que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese.<br />

são partilhados unicamente entre os descendentes.<br />

- o regime de separação obrigatória de bens, previsto no<br />

art. 1.829, inc. 1, do CC/02, é gênero que congrega duas<br />

espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional.<br />

uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e<br />

ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime<br />

de separação de bens, à sua observância.<br />

649


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação<br />

de bens, direito à meação, tampouco à concorrência<br />

sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado,<br />

que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois<br />

casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro<br />

necessário.<br />

- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia<br />

entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que<br />

geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada,<br />

e provocaria a morte do regime de separação<br />

de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que<br />

conjuga e torna complementares os citados dispositivos.<br />

· No processo analisado, a situação tática vivenciada<br />

pelo casal declarada desde já a insuscetibilidade de seu<br />

reexame nesta via recursai é a seguinte: (i) não houve<br />

longa convivência, mas um casamento que durou meses,<br />

mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo<br />

casamento, o autor da herança já havia formado<br />

todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante;<br />

(iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo<br />

regime da separação convencional, optando, por meio<br />

de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela<br />

incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes<br />

e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.<br />

- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactua·<br />

ção quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo<br />

Direito Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela<br />

imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque<br />

o fenômeno sucessório "traduz a continuação da perso·<br />

nalidade do mono pela projeção jurídica dos arranjos<br />

patrimoniais feitos em vida".<br />

· Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente<br />

exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer<br />

limitações.<br />

· Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio<br />

comum e, se não requereu a alteração do regime<br />

estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro<br />

durante o casamento, tampouco foi deixado testamento<br />

ou legado para o cônjuge sobrevivente,<br />

650


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

quando seria livre e lícita qualquer dessas providências,<br />

não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente<br />

à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os<br />

descendentes, sob pena de clara violação ao regime de<br />

bens pactuado.<br />

- Haveria, induvidosamente, em tais situações. a alteração<br />

do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja,<br />

com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges,<br />

seria alterado o regime de separação convencional de<br />

bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente<br />

o recebimento de bens de exclusiva propriedade<br />

do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando<br />

do pacto antenupcial, por vontade própria.<br />

- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência<br />

de lealdade e honestidade na conduta das partes. no<br />

sentido de que o cônjuge sobrevivente, após manifestar<br />

de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se<br />

esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do<br />

qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de<br />

habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor<br />

da herança, o regime de separação convencional de<br />

bens, em pacto antenupcial por escritura pública.<br />

-o princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e<br />

veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado<br />

nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais<br />

e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a<br />

única interpretação viável do art. 1.829, inc. 1, do CC/02,<br />

em consonância com o art. 1.687 do mesmo código, que<br />

assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente<br />

escolhido, bem como preserva a autonomia privada<br />

guindada pela eticidade. Recurso especial provido. Pedido<br />

cautelar incidental julgado prejudicado. (STJ. REsp. n•<br />

992.749/MS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em<br />

01/12/2009).<br />

A terceira e última situação em que não há concorrência será no<br />

regime da comunhão parcial de bens, quando o de cujus não deixou<br />

bens particulares. Em outras palavras: se um casal se encontra em<br />

regime de comunhão parcial e ao longo do casamento somente adquirem<br />

bens comuns. inexistindo o surgimento de bens particulares<br />

(herança, doação, etc), na prática estes cônjuges são meeiros sob<br />

todo o patrimônio, incidindo a lógica da comunhão universal.<br />

651


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Para esta última hipótese (comunhão parcial sem bens particulares)<br />

é fundamental relembrar alguns conceitos do direito de família,<br />

os quais irão interferir na correta compreensão do caso.<br />

A ideia de bens particulares está diretamente relacionada com<br />

o regime de bens e, precisamente, com a situação jurídica na qual<br />

um cônjuge adquire um bem no curso do matrimônio e que este não<br />

se comunicará ao outro consorte (CC, i.659). Os bens particulares,<br />

portanto, não integram a meação, porque incomunicáveis. Assim,<br />

constituem herança e devem ser deferidos, em concorrência com os<br />

descendentes, ao consorte residual.<br />

Mas uma vez verifica a existência de bens particulares, como dar­<br />

-se-á a concorrência. Certa é a constatação de Carlos Roberto Gonçalves<br />

quando afirma que o assunto tem se demonstrado polêmico. ' 9<br />

É possível sistematizar esta polêmica através dos três entendimentos<br />

mais emblemáticos trazidos à baila pela doutrina, a saber:<br />

• Entendimento 1 (majoritário) - o cônjuge sobrevivente concorre<br />

apenas sobre o bem particular. Neste sentido, o Conselho da<br />

Justiça Federal lavrou o Enunciado 270 "o artigo 1.829, inciso 1, só<br />

assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com<br />

os descendentes do autor da herança quando casados no regime<br />

da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes<br />

da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido<br />

possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência<br />

restringe-se a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser<br />

partilhados exclusivamente entre os descendentes". Este é também<br />

o entendimento de Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno,<br />

Christiano Cassettari, Zeno Veloso, Francisco Cahali, Mário<br />

Delgado, Euclides de Oliveira. Este é o entendimento que vem<br />

preponderando nas provas.<br />

Veja-se, inclusive, que é o mesmo raciocínio aplicado ao regime<br />

de participação final nos aquestos, posto o silêncio da norma.<br />

Outrossim, doutrinariamente, amplia-se o pensamento à separação<br />

convencional de bens, o que é, igualmente, correto em nosso sentir.<br />

19. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6' Edição, 2012, p. 155.<br />

652


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

• Entendimento 2 (minoritário) - A corrente minoritária capitaneada<br />

por Maria Helena Diniz, Guilherme Calmon Nogueira e Luiz Paulo<br />

Vieira de Carvalho sustenta a participação do cônjuge, quando a<br />

hipótese versar sobre comunhão com bens particulares, na totalidade<br />

da herança.<br />

• Entendimento 3 (minoritário) - Este entendimento é sustentado<br />

por Maria Berenice Dias, para quem a concorrência ocorreria tão<br />

somente sobre os bens comuns, de modo que não atingiria os<br />

bens particulares.'°<br />

~ Atenção!<br />

Esta é uma curiosa corrente, de Maria Berenice Dias, em artigo denominado<br />

Ponto-e-vírgula cuja tese seria o descabimento de concorrência com<br />

os bens particulares por falta de esforço comum, sendo devido apenas<br />

a participação no que toca aos bens comuns.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Vunesp - Procurador Município - Prefeitura São Paulo - SP/2014) De<br />

acordo com a disciplina do Código Civil de 2002 acerca da sucessão legítima,<br />

assinale a alternativa correta .<br />

A) Não se admite o direito de representação na linha colateral.<br />

B) No regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente herda<br />

em concorrência com os descendentes do falecido, quando o autor<br />

da herança houver deixado bens particulares.<br />

C) São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes, o cônjuge<br />

e os colaterais, até o quarto grau.<br />

D) De acordo com a ordem de vocação hereditária, não havendo descendentes,<br />

a herança é transmitida aos ascendentes, que não concorrem<br />

com o cônjuge sobrevivente.<br />

E) O direito de representação pode se dar na linha reta descendente<br />

ou ascendente.<br />

Gabarito: B<br />

20. Ponto·e-vírgulo. Artigo científico publicado e disponibilizado na rede mundial de<br />

computadores. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br. Acesso em: 28 ago. 2oo6.<br />

653


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Em uma interpretação às avessas, infere-se que há concorrência<br />

com os descendentes no regime de separação convencional, participação<br />

final nos aquestos e comunhão parcial, nos limites já analisados.<br />

5. SUCESSÃO DOS ASCENDENTES<br />

Leciona Sílvio de Salvo Venosa " que na falta de descendentes o<br />

atual CC/02 convoca a suceder os ascendentes, em concorrência com<br />

o cônjuge, qualquer que seja o regime de bens.<br />

De fato, é o que diz a norma. Na falta de descendentes, o inciso<br />

li do art. i.829 do CC c/c o art. i.836 do mesmo Diploma convocará<br />

os ascendentes a receber a herança: "Na falta de descendentes, são<br />

chamados a suceder os ascendentes, em concorrência com o cônjuge<br />

sobrevivente".<br />

~ E na hora da prova?<br />

No concurso para o cargo de Promotor de Justiça - MP/MS, banca organizadora<br />

FAOEMS, ano de 2011, foi tida como verdadeira a afirmativa: "de<br />

acordo com o CC/2002, caso o morto não deixe descendentes, herdam<br />

concorrentemente, em igualdade de condições, seus ascendentes e o<br />

cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens do casamento,<br />

desde que preenchidos por ele os requisitos fixados na lei".<br />

Sustenta Carlos Roberto Gonçalves que esta hipótese sucessória<br />

se guiará por duas importantes premissas: a) Proximidade e b)<br />

Igualdade.<br />

Assim, o ascendente de grau mais próximo excluirá o mais remoto<br />

e, se surgir uma situação jurídica de igualdade em grau e diversidade<br />

em linha, os ascendentes em linha paterna herdam metade<br />

"cabendo à outra aos da linha materna". "<br />

Logo, a ideia à qual os parentes mais próximos recebem a herança<br />

também estará presente aqui. À propósito o §1° do art. i.836<br />

segundo o qual na classe de ascendentes o grau mais próximo exclui<br />

o mais remoto, sem distinção de linhas.<br />

21. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 114.<br />

22. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Edição, 2012, p. 178.<br />

654


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

À título de exemplo, imagine uma situação jurídica na qual um<br />

solteiro venha à morrer deixando pais e avós vivos, sem descendentes.<br />

Em decorrência do princípio da proximidade, por assim dizer,<br />

os pais herdarão em detrimento dos avós. Apesar de todos serem<br />

ascendentes, os de grau mais próximo (pais) excluirão os de grau<br />

mais distantes (avós do falecido).<br />

Seguindo no exemplo dado, caso um dos genitores seja pré-morto,<br />

ao outro concentrará toda a herança, não havendo de falar-se<br />

em representação, a qual não incide na ascendência (art. i852 do<br />

CC). Infere-se, então, que a proximidade na ascendência é absoluta.<br />

Outrossim, no que tange à igualdade esta dar-se-á nas linhas, de<br />

forma que metade irá para a linha paterna e metade para a materna.<br />

Logo, se o falecido não tinha descendentes e possuía apenas<br />

um ascendente de segundo grau da linha paterna vivo (avó) e dois<br />

ascendentes de segundo grau da linha materna, o da linha paterna<br />

receberá 50°&. e os da linha materna 25ºt, cada um. Isto, porque, a<br />

igualdade é nas linhas e não por cabeça.<br />

~ Como este assunto vem sendo cobrado nos concursos públicos?<br />

A prova para o cargo de Juiz -TJRJ, VUNESP, ano de 2012, trouxe a seguinte<br />

questão:<br />

Considerando as disposições positivadas no Código Civil, é correto afirmar<br />

sobre a sucessão dos ascendentes:<br />

A) Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes<br />

em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo e casado este com o<br />

falecido no regime da comunhão universal, panicipação final nos aquestos,<br />

ou da separação obrigatória de bens se. no regime da comunhão<br />

parcial, o autor da herança houver deixado bens paniculares.<br />

B) Na falta de descendentes, são chamados a suceder os ascendentes<br />

em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente, salvo se<br />

casado este como falecido no regime da comunhão parcial de bens, ou<br />

da separação obrigatória, desde que haja bens paniculares.<br />

C) Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes<br />

da linha paterna herdam à metade, cabendo a outra aos da linha materna.<br />

D) Concorrendo com ascendente em primeiro grau. ao cônjuge tocará a<br />

metade da herança; caberlheá um quano desta se houver um só ascendente<br />

ou se maior for aquele grau.<br />

Gabarito: letra e.<br />

655


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

E na ascendência o cônjuge concorrerá na sucessão?<br />

Seguramente, independentemente do regime de bens.<br />

O art. I.837 do CC estabelece que: "Concorrendo com ascendente em<br />

primeiro grau, oo cônjuge tocará um terço da herança; cober-lhe-á o metade<br />

desta se houver um só ascendente, ou se o maior for aquele grou".<br />

A ideia prevista é simples. Se alguém, sem descendentes, falece<br />

no estado civil de casado e deixa pai e mãe vivos, a herança será<br />

dividida por três quotas iguais, afinal de contas concorrendo com<br />

"ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço do herança".<br />

Outra situação: imagine agora uma situação na qual alguém falece<br />

sem deixar descendente algum. Esta pessoa era casada e deixou o<br />

cônjuge e apenas a mãe viva. Neste caso, aplica-se a segunda parte do<br />

art. I.837 do CC, ou seja, o cônjuge sobrevivente receberá metade da<br />

herança e a outra metade será deferida ao único ascendente do finado.<br />

• Dica!<br />

Em todos os casos de sucessão na ascendência em que não existir ascendente<br />

de primeiro grau, ou existir apenas um ascendente em primeiro<br />

grau, a herança será partilhada da seguinte maneira: metade (50"1.) para<br />

o cônjuge sobrevivente e a outra metade para os demais parentes.<br />

Em conclusão: não havendo herdeiros da classe dos descendentes,<br />

chamar-se-ão à suceder em concorrência com o cônjuge sobrevivente<br />

qualquer que seja o regime matrimonial de bens, os seus ascendentes,<br />

sendo que o grau mais próximo exclui o mais remoto, não se devendo<br />

atender à distinção de linhas (I.836, p.u., CC). Inexiste o direito<br />

de representação na linha de ascendência (vide o art. I.852, in fine).<br />

• Dica!<br />

Quando utiliza a norma a expressão sem distinção de linhas, significa<br />

dizer sem distinguir a linha materna da linha paterna. Ex. Se o falecido<br />

deixou pai e mãe, herdarão ambos em partes iguais. Se apenas um<br />

dos genitores for vivo, a este entregar-se-á toda a herança, ainda que<br />

sobrevivam os ascendentes do outro, pois existindo pai ou mãe do de<br />

cujus não herdam avós ou bisavós, seja da linha paterna, seja da linha<br />

materna. Não hã falar-se no direito de representação, neste caso. Deixando<br />

o falecido ascendentes do mesmo grau, porém de distintas linhas,<br />

a herança partir-se-á entre as duas linhas, meio a meio.<br />

656


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

A regra do § 2°, do art. i.836 é importantíssima: Havendo igualdade em<br />

grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade,<br />

cabendo a outra aos da linha materna. Ex: o falecido possui apenas<br />

três avós (igualdade de graus), dois maternos e um paterno (diversidade<br />

em linha). Todos receberão a herança, que será repartida entre as<br />

duas linhas, meio a meio, metade será entregue aos dois avós maternos<br />

(uma linha) e a outra metade ao único avô paterno (outra linha).<br />

Por fim, recorde-se que estamos tratando da herança. Antes dela,<br />

se o extinto era casado, mister ser retirada a meação. Exemplo: João,<br />

casado com Maria em comunhão universal de bens, veio a óbito.<br />

João não tinha filhos e deixou seus pais. O patrimônio deixado por<br />

João foi de RS 600.000,00 (seiscentos mil reais). Aqui, Maria, de logo,<br />

receberá meação de RS 300.000,00 (trezentos mil reais). No que tange<br />

à sucessão, cada genitor de João e Mari receberá RS 100.000,00 (cem<br />

mil reais).<br />

6. SUCESSÃO DO CÔNJUGE<br />

Reza o art. i.838 do CC que "Em falta de descendentes e ascendentes,<br />

será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente".<br />

Este cônjuge residual, supérstite ou sobrevivente é o herdeiro da<br />

terceira classe, que receberá a totalidade da herança se o de cujus<br />

não deixar descendentes, ou ascendentes (ou se estes renunciarem<br />

à herança), tornando-se herdeiro único e universal. Pouco importará,<br />

aqui, o regime de bens.<br />

Sílvio de Salvo Venosa' 3 afirma que o cônjuge sobrevivente está<br />

posicionado em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária "recolhendo<br />

a herança integralmente, quando não houver descendentes<br />

ou ascendentes do de cujus" .<br />

., E na hora da prova?<br />

A banca examinadora FCC, na prova para o cargo de Juiz - TJPE, ano de<br />

2011, considerou verdadeira a proposição: "na sucessão legítima, em<br />

falta de descendente e ascendente, será deferida a sucessão por inteiro<br />

ao cônjuge sobrevivente, mesmo que casado tiver sido sob o regime da<br />

separação obrigatória de bens".<br />

23- Direito Civil, 7ª Edição, v 7, 2007, p. 102.<br />

657


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Maria Helena Diniz desenvolve uma interessante reflexão sobre<br />

o cônjuge putativo (CC, art. i.562, §§ Iº 2° )'4. Diz a doutrinadora que<br />

no casamento putativo (aparente), se deve proteger o cônjuge do<br />

boa-fé que Hsucede ao pré-defunto se a sentença anulatório for posterior<br />

ao falecimento do cônjuge". Concordamos com a tese. A legítima<br />

confiança e as justas expectativas, ocorridas dentro de uma teoria<br />

da aparência, impõem o dever de tutela e proteção, alinhado à ideia<br />

da boa-fé. O cônjuge putativo é tão vítima quanto o cônjuge real e<br />

merece proteção na mesma medida.<br />

Evidentemente que para o caso de má-fé não haverá direito hereditário<br />

algum, afinal de contas ninguém poderá se beneficiar da<br />

própria torpeza.<br />

Em síntese: deve-se levar em conta a data da sentença de invalidade<br />

do matrimônio, em confronto com a data do óbito e, simultaneamente,<br />

a boa-fé dos contraentes para solução do problema jurídico.<br />

6.1. O Artigo i.830 e a Separação Há Mais de Dois Anos<br />

Mas qual é o pressuposto hereditário para que o cônjuge sobrevivente<br />

venha a herdar?<br />

O art. i.830 do CC informa que "somente é reconhecido o direito sucessório<br />

ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não<br />

estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de<br />

dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara<br />

impossível sem culpa do sobrevivente.<br />

Pela norma, a separação de fato há mais de dois anos, sem culpa,<br />

afasta o direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Às avessas,<br />

e no exato rigor literal, se não houver separação há mais de dois<br />

anos, ou se a mesma se der por situação jurídica de culpa, haverá<br />

direito hereditário do cônjuge sobrevivente.<br />

Flávio Tartuce apresenta uma interessante reflexão do problema<br />

para as ações de divórcio em curso quando, antes da sentença, um<br />

dos cônjuges vier a óbito. Com apoio em doutrina especializada,<br />

discute a existência do direito sucessório neste caso, ante a ausência<br />

de sentença judicial pondo fim ao vínculo jurídico.' 5<br />

24. Curso de Direito Civil Brasileiro, 25 Edição, 2011, p. 141.<br />

25. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 148.<br />

658


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Recorda Carlos Roberto Gonçalves que o Superior Tribunal de Justiça,<br />

mesmo antes da vigência do atual Código Civil, já reconhecia<br />

a paralisação do regime de bens para casos de separação de fato<br />

prolongadas, impedindo a comunicação dos bens adquiridos após<br />

este período, o que concordamos.' 6<br />

A intenção normativa é legítima, apesar de algumas controvérsias<br />

que o texto posto enseja. E é legítima porque prestigia aquilo que se<br />

poderia denominar de primazia da realidade. Não seria justo, nem<br />

razoável, que alguém já separado participasse do direito sucessório<br />

apenas porque, formalmente, não deu baixa no registro matrimonial.<br />

Vamos além. Não é justo que alguém, separado de fato, possa<br />

participar ada herança o outro, principalmente em um sistema jurídico<br />

no qual o separado pode contrair união estável (Art. i.723 do CC).<br />

Nessa senda, caminhamos com a tese segundo a qual uma vez<br />

ocorrida a separação de fato, independentemente do prazo ou da<br />

presença da culpa, não mais há de se falar em herança legítima do<br />

cônjuge. Tal ideal liga-se, até mesmo, à vedação do enriquecimento<br />

sem causa, ao passo que após a separação de fato não há como<br />

haver comunhão de forças para aquisição patrimonial.<br />

~ Como os tribunais estão decidindo esta questão?<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. FAMÍLIA. SUCESSÃO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE<br />

BENS. SUCESSÃO ABERTA QUANDO HAVIA SEPARAÇÃO DE FATO.<br />

IMPOSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS<br />

APÓS A RUPTURA DA VIDA CONJUGAL. 1. O cônjuge que se<br />

encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de<br />

quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida<br />

após decisão liminar de separação de corpos. 2. Na<br />

data em que se concede a separação de corpos, desfazem­<br />

-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial<br />

de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença<br />

de separação judicial ou divórcio. 3. Recurso especial não<br />

conhecido. (STJ - T4 - Quana Turma, REsp. n• i.o65.209/SP.<br />

Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 16/06/2010,<br />

julgado em oB/o6/2010).<br />

26. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Edição, 2012, p. 180.<br />

659


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

INVENTARIO. SUSPENSÃO. MATÉRIA DE ALTA INDAGAÇÃO. Questões<br />

controvertidas que dependem de dilação probatória<br />

e de outros elementos de convicção. Art. 984 do CPC.<br />

Necessidade de definição da qualidade de herdeiro do<br />

cônjuge sobrevivente, à luz do art. 1830 do Código Civil,<br />

bem como a data da ruptura da convivência de fato, para<br />

apuração de sua meação. Remessa das partes às vias<br />

ordinárias para acertamento de seu direito. Correta decisão<br />

de sobrestamento do inventário. Recurso desprovido.<br />

(TJSP, AI n° 411222-51.2010.8.26.0000, Relator Desembargador<br />

PAULO ALCJDES, Data de Publicação: 13/12/2010,<br />

julgado em 25/11/2010).<br />

Em 08 de maio de 2009 o Superior Tribunal de Justiça no<br />

REsp . n° 555771 assim decidiu, segundo noticiário extraído<br />

do seu sítio oficial: "Casada em comunhão universal,<br />

mas separada de fato, não tem direito à herança do<br />

marido. É impossível a comunicação dos bens adquiridos<br />

após a ruptura da vida conjugal, ainda que os<br />

cônjuges estejam casados em regime de comunhão universal.<br />

Esse entendimento levou a Quarta Turma do Superior<br />

Tribunal de Justiça (STJ) a reformar a decisão da<br />

Justiça paulista que havia admitido a inclusão da esposa<br />

de um dos herdeiros no inventário do irmão dele, falecido,<br />

ainda que o casal estivesse separado de fato há<br />

mais de seis anos. Para os ministros da Quarta Turma,<br />

caso se mantivesse a interpretação dada pela Justiça<br />

paulista, haveria enriquecimento sem causa, já que o<br />

patrimônio foi adquirido individualmente, sem qualquer<br />

colaboração do cônjuge. Além disso, no caso específico,<br />

o marido já estabeleceu união estável com outra mulher,<br />

que é regulado pelo regime de comunhão parcial<br />

de bens. Essa conduta é autorizada pelo novo Código<br />

Civil (artigo i.723, § 1°)".<br />

Além deste debate, outra polêmica gira em torno da possibilidade<br />

de se suscitar o término do prazo de dois anos para configuração<br />

da separação de fato à luz da EC n° 66/10, que alterou o § 6° do art.<br />

226 da CF, eliminando os prazos. Não fosse isto, seria possível também<br />

debater a questão da culpa póstuma, a uma ante a crescente<br />

doutrina da desculpabilização das relações familiares, a duas pela<br />

impossibilidade prática de se apurar a culpa de quem já faleceu e<br />

não poderá se defender.<br />

660


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Para Flávio Tartuce a culpa deveria ser abolida do debate hereditário<br />

haja vista a sua irrelevância, especialmente por força da EC n°<br />

66/10, como o que concordamos' 7<br />

O fato concreto é que o aludido texto de lei constitui inovação<br />

legislativa, pois o CC/16 não abordava o tema. Agora, desfeitos os<br />

laços da afeição no plano da relação substancial, cai o direito sucessório.<br />

No Direito Comparado, vários países possuem semelhante<br />

previsão em seus Códigos Civis, à exemplo da França (art. 767),<br />

Alemanha (art.i.933), Espanha (art.834), Itália (art.585), Portugal (art.<br />

2.133), Argentina (arts.3.574 e 3.575) e Chile (art.994, ai. 1).<br />

6.2. o Direito Real de Habitação<br />

Outra questão importante do CC está em seu art. i.831 que, atento<br />

ao direito social de moradia, consagra um direito hereditário que<br />

não é de propriedade, mas de uso, gozo e fruição em benefício do<br />

cônjuge sobrevivente.<br />

Falando-se sobre o direito real de habitação, genericamente, há<br />

duas espécies: (i) a voluntário, que exige escritura pública registrada<br />

em cartório (Lei de Registros Públicos, artigo 167, inciso 1, 7); (ii) a legal,<br />

que brota do fato jurídico por imposição normativa antes mesmo<br />

de qualquer registro, como no exemplo do art. i.831, do CC.<br />

No caso em apreço, estamos diante de um direito real de habitação<br />

legal, imposto por lei. Eis o conteúdo da norma: UAo cônjuge<br />

sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado,<br />

sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de<br />

habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família,<br />

desde que seja o único daquela natureza a inventariar".<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Promotor de Justiça Adjunto - MP/DFT - 2005) Considere a hipótese em<br />

que um casamento foi celebrado em i995, sob o regime separação total<br />

de bens. Em 2001, a mulher fez o seu testamento deixando o imóvel<br />

herdado de seu pai, e destinado à residência da família, aos quatro<br />

filhos do casal. Em 2004, ocorreu o óbito da esposa. Durante a sociedade<br />

conjugal não foram adquiridos bens móveis ou imóveis. Nessa situação e<br />

acerca do direito da sucessão em geral, assinale a opção correta.<br />

27. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6' Edição, 2013, p. 151.<br />

667


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Gabarito: Mo cônjuge sobrevivente, sem prejuízo da participação que lhe<br />

cabe na herança, tem o direito real de habitação relativamente ao imóvel<br />

destinado à resid~ncia da faml1ia".<br />

Flávio Tartuce afirma que o atual cc ampliou o direito real de<br />

habitação para todos os regime de bens (no CC/16 só se aplicava na<br />

comunhão universal), ampliando o limite temporal deste direito de<br />

gozo ou de fruição sobre coisa alheia, a permitir que o seu titular<br />

habite gratuitamente imóvel que não lhe pertence de movo vitalício.<br />

28 Logo, novo casamento, união estável, namoro ou concubinato<br />

do cônjuge não extingue o seu direito real de habitação, enquanto<br />

estiver vivo.<br />

Além disto, trata-se de um direito personalíssimo e intransferível.<br />

Portanto, não existirá em segundo grau, ou seja, para o caso de<br />

seu titular contrair matrimônio e, posteriormente, falecer, de modo<br />

que este cônjuge sobrevivente não poderá alegá-lo.<br />

• E na hora da prova?<br />

Sobre o tema, a banca examinadora FCC, em prova realizada para o<br />

provimento do cargo de Procurador Judicial da Prefeitura de Recife-PE,<br />

ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: MO titular de direito<br />

real de habitação não pode alugar nem emprestar o imóvel, mas simplesmente<br />

ocupá-lo com sua família".<br />

Afirma Carlos Roberto Gonçalves que ante a existência de dois ou<br />

mais imóveis residenciais, não será possível admitir o direito real de<br />

habitação, sustentando o entendimento de que o artigo i.831 do CC<br />

não se aplicaria neste caso, em atenção à interpretação teleológica<br />

d o instituto. 29<br />

Apesar disto, diverge a doutrina acerca da eventual existência de<br />

outros imóveis a inventariar. Sobre o assunto, dois posicionamentos<br />

existem:<br />

• Posicionamento i) se outros imóveis existirem, também aptos a<br />

serem utilizados como residência da família, não será possível<br />

28. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 199/200.<br />

29. Direito Civil Brasileiro, v 7: 6• Edição, 2012, p. 185.<br />

662


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

aplicar o art. i.831 do CC, de modo que não haverá direito real<br />

de habitação. (Francisco José Cahali).<br />

• Posicionamento 2) mesmo que hajam outros bens imóveis residenciais,<br />

isto não basta para afastar o direito real de habitação,<br />

em face da residência que efetivamente servia à moradia do cônjuge<br />

sobrevivente, que deverá ter garantida a mesma situação<br />

jurídica anterior (Zeno Veloso).<br />

Entendemos que o fato de o autor da herança deixar mais de um<br />

imóvel não obsta a existência do direito real de habitação que, mesmo<br />

assim, prevalecerá sempre que possível sobre o bem já utilizado<br />

como moradia.<br />

Destarte, como se verifica, nem todo o direito hereditário será direito<br />

de propriedade. É possível um direito sucessório de habitação.<br />

Um exemplo bem ilustra a hipótese: imagine que Roberto, dono de<br />

um imóvel, case com Ana Cristina no regime da separação obrigatória<br />

e com esta tenha três filhos. O imóvel pertence exclusivamente a<br />

Roberto, que o adquiriu antes do matrimônio, cujo regime, por outro<br />

viés, é de separação. Pois bem. Se Roberto falecer, na forma do art.<br />

i.829, inciso 1, do CC, os três filhos deste se tornarão proprietários<br />

deste imóvel. Mas seria justo e razoável despejar Ana Cristina no<br />

caso desta não ser proprietária de outro imóvel e ali se encontrar<br />

morando? A resposta será negativa. Ana Cristina não possui direito<br />

de propriedade decorrente da sucessão, doravante é titular do direito<br />

real de gozo e fruição daquele único imóvel, pois a moradia<br />

constitui relevante direito social, enquanto expressão da dignidade<br />

humana (CF, art. 60).<br />

~ Como este assunto vem sendo cobrado em concurso público?<br />

A prova para Promotor de Justiça - MP/TO, organizada pelo CESPE, ano<br />

de 2012, em busca da alternativa correta, teve como gabarito de uma<br />

questão a afirmativa: "em uma sucessão, sobrevindo cônjuge, a ele<br />

será conferido direito real de habitação relativo ao imóvel destinado<br />

à residência da família, desde que seja o único bem dessa natureza,<br />

em qualquer situação de regime de bens".<br />

663


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Pensamos que os custos de manutenção do lar (ordinários), obviamente<br />

haverão de ser arcados pelo cônjuge residente. Mas e as<br />

reformas?<br />

~ Como os tribunais estão decidindo esta questão?<br />

Inventário. Despesas com conservação, manutenção e impostos do imóvel<br />

que devem ser suportadas por todos os herdeiros, na proporção de<br />

sua cota parte, ainda que à cônjuge sobrevivente seja conferido o direito<br />

real de habitação (art. i.831 do Código Civil). Ausência de prova do<br />

caráter voluptuoso das reformas. Decisão mantida. Recurso improvido.<br />

(TJSP, AI n° 990102065618, Relator Desembargador SALLES ROSSI, Data de<br />

Publicação: 01/09/2010, julgado em 25/08/2010).<br />

Conhecido o instituto, algumas críticas ou reflexões merecem ser<br />

apresentadas.<br />

Se o titular deste direito real de habitação (cônjuge sobrevivente)<br />

contrair novo casamento isto importa na extinção do direito real de<br />

habitação? E mais: existiria direito real de habitação de segundo grau,<br />

ou seja, quando o cônjuge residual contemplado com este direito real<br />

se casa novamente, falece depois e o segundo cônjuge, agora residual<br />

também, passa a ter o aludido direito real de habitação?<br />

Polêmicas à parte, para os concursos públicos a tese mais confortável<br />

ao candidato será afirmar que este usufruto é direito real<br />

personalíssimo, nos termos do artigo i.416, que se extingue com o<br />

óbito. De igual sorte, o novo casamento importa na extinção do aludido<br />

direito real de habitação, ou como se diz popularmente, quem<br />

casa quer casa.<br />

Seria renunciável o direito real de habitação? Sobre o tema, dois<br />

entendimentos existem e devem ser consignados:<br />

• Entendimento 1 (majoritário) - É possível a renúncia ao direito<br />

real de habitação ante o princípio da intervenção mínima do<br />

Estado nas relações de família, também denominado de direito<br />

mínimo de família. A este respeito, o Conselho da Justiça Federal<br />

lavrou o Enunciado 271 "O cônjuge pode renunciar ao direito real<br />

de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem<br />

prejuízo de sua participação na herança".<br />

• Entendimento 2 (minoritário) - Não é possível a renúncia tendo em<br />

vista que o acesso à moradia é direito social de segunda dimensão<br />

664


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

e, ante sua fundamentalidade, presta-se à assegurar o mínimo<br />

existencial (Teoria do Patrimônio Mínimo), de modo que não se poderia<br />

renunciar àquilo que é irrenunciável. A este respeito, Flávio<br />

Tartuce, para quem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais<br />

impede a renúncia, na forma do art. 11 e 166, li, do CC. 3 º<br />

À luz do princípio da isonomia e diante da interpretação sistemática<br />

do ordenamento jurídico, a doutrina reconhece a aplicação do<br />

direito real de habitação não apenas ao casamento, como também<br />

à união estável.<br />

Sobre o tema, o Conselho Nacional de Justiça possui o Enunciado<br />

n° 117 com o seguinte conteúdo: "O direito real de habitação deve ser<br />

estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão<br />

da Lei n°. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art.<br />

1.831, informado pelo art. 6°, caput, da CF/88".<br />

De fato, o art. 7°, parágrafo único, da Lei Federal n° 9.278/96 é<br />

claro ao dispor: "Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes,<br />

o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver<br />

ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel<br />

destinado à residência da fam11ia". Pelo critério da Lex Especialis (LIN­<br />

DB, art. 2°, §2°) é possível afirmar que esta norma, especial, não foi<br />

tacitamente revogada por nenhuma outra.<br />

Nisto concordamos com a doutrina majoritária. De fato, não existiria<br />

qualquer justificativa para discriminar um companheiro retirando<br />

deste o direito real de habitação, ou seja, a moradia e a dignidade.<br />

~ Como os tribunais estão decidindo esta questão?<br />

Família. União estável. Demanda movida pela companheira<br />

supérstite contra o espólio. Existência de união estável e<br />

de coabitação dos conviventes reconhecidas pelos sucessores.<br />

Direito real de habitação provisoriamente assegurado.<br />

Art. 7°, § único, da lei n°. 9.278/96. Divisão de objetos que<br />

guarnecem a casa diferida para o inventário. Realização de<br />

benfeitorias obstada pela sentença. Apelação desprovida.<br />

(TJRS, Apelação Cível n° 70.019.828.201, Relator Desembargador<br />

LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, julgado em 02/o8/2007).<br />

30. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 202.<br />

665


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Malgrado ter o seu direito real de habitação, há importantes diferenças<br />

jurídicas entre o do cônjuge e o do companheiro. Este, malgrado<br />

ser vitalício, é condicionado. Logo, em havendo nova união ou<br />

casamento, não mais persistirá.<br />

6.3. O Piso Hereditário Mínimo Do Cônjuge Residual<br />

O cônjuge sobrevivente, por expressa determinação do art.<br />

i.832 do CC, possui direito sucessório a um quinhão igual ao dos<br />

que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à<br />

quarta parte do espólio, se for ascendente dos herdeiros com que<br />

concorre. Trata-se de uma importante inovação, sem precedentes<br />

no CC/16.<br />

Temos hoje, portanto, uma reserva hereditária mínima de 1 /.<br />

para o cônjuge sobrevivente, desde que concorra apenas com descendentes<br />

comuns. Em outras palavras, se os descendentes do fina ­<br />

do não forem comuns, por brotarem de outros relacionamentos, por<br />

exemplo, não se aplica a reserva hereditária. Exemplo: se o falecido<br />

deixou três filhos comuns, a partilha se faz por cabeça, dividindo-se<br />

a herança em partes iguais entre os filhos comuns e o cônjuge. Ago ­<br />

ra, no caso de o extinto deixar quatro filhos comuns ou mais, será<br />

reservada a quota hereditária mínima de 1/ 4 em favor do supérstite,<br />

os filhos receberão o restante.<br />

~ Como esta questão já foi decidida nos tribunais?<br />

Falecido que deixou apenas um bem imóvel, adquirido antes do casamento.<br />

Direito da mulher de concorrer com os descendentes na proporção<br />

determinada pelo art. 1.832 do Código Civil, assegurado ainda o direito<br />

real de habitação. Aplicação dos arts. i.829, 1, e i.831 do Código Civil. Recurso<br />

Provido_ (TJSP. Agravo de Instrumento n• 0371315-06.2009.8.26.0000,<br />

Relator Desembargador MORATO DE ANDRADE, julgado em 01/06/2010)<br />

Obviamente, em sendo filhos exclusivos do falecido, não haverá<br />

de falar-se da reserva mínima de 1/., sendo conservado, porém, o direito<br />

de recebimento de uma cota igualitária. Exemplo: Caso o extinto<br />

venha a falecer, deixando quatro filhos exclusivos seus e esposa,<br />

cada um receberá 1/5 da herança.<br />

Mas o que fazer se houver filhos comuns e não comuns?<br />

666


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Este é um tema extremamente polêmico, o qual costuma a ser<br />

batizado pela doutrina como filiação híbrida. Acerca deste assunto,<br />

dois entendimentos foram construídos:<br />

• Entendimento 1 (majoritário). Não se deve reservar piso hereditário<br />

para situação de filiação híbrida. Sobre isto, na V Jornada<br />

de Direito Civil foi elaborado o Enunciado 527, segundo o qual<br />

"Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não<br />

será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no<br />

caso de filiação híbrida". É o que pensam Flávio Tartuce, Sebastião<br />

Amorim e Euclides de Oliveira.<br />

• Entendimento 2 (minoritário). Mesmo para os casos de filiação<br />

híbrida, deve-se respeitar a reserva da quarta parte da herança<br />

ao cônjuge sobrevivente. Neste sentido, Silvio de Salvo Venosa,<br />

Francisco José Cahali e José FErnando Simão.31<br />

Concordamos com a primeira tese, a qual, repisa-se, é majoritária.<br />

O tema não costuma ser cobrado em provas objetivas, haja vista<br />

a divergência. Todavia, pode aparecer em provas subjetivas. Fiquem<br />

atentos!<br />

7. SUCESSÃO DOS COLATERAIS<br />

Na falta dos herdeiros legítimos necessários (descendentes, ascendentes<br />

e cônjuge), os herdeiros legítimos facultativos (colaterais<br />

até quarto grau) serão chamados a suceder.<br />

Portanto, na linha colateral o direito de representação somente<br />

se dá em favor de filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos<br />

deste concorrerem (art. i.853).<br />

Seguindo a noção de proximidade, na colateralidade a preferência<br />

se inicia com a sucessão dos colaterais de segundo grau (irmãos).<br />

Nesta sucessão, nas pegadas do art. i.840, também valerá o<br />

princípio da proximidade, afinal, na classe dos colaterais, os mais<br />

próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação<br />

concedido aos filhos de irmãos.<br />

31. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 184.<br />

667


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

No concurso para o provimento do cargo de Defensor Público - DPE/AM,<br />

ano de 2011, trouxe como gabarito a seguinte proposição: "na classe dos<br />

colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de<br />

representação concedido aos filhos de irmãos".<br />

O art. i.841, para efeito de sucessão de colateral, distingue o<br />

irmão bilateral ou germano (filho do mesmo pai e da mesma mãe),<br />

do irmão unilateral, ou consanguíneo ou uterino (aquele em que só<br />

um dos genitores é comum). Diz a norma: "concorrendo à herança do<br />

falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdara<br />

metade do que cada um daqueles herdar". Os irmãos germanos<br />

gozam, pois, de privilégio.<br />

Obviamente que esta norma apenas será aplicada se houver concorrência<br />

de irmãos germanos com unilaterais, pois na hipótese de<br />

todos serem unilaterais ou bilaterais, o recebimento será em cotas<br />

igualitárias.<br />

O artigo 1.841 do CC é digno de críticas, pois afasta, por completo,<br />

o critério da afetividade, pautando-se em um anacronismo<br />

discriminatório. Todavia, a norma persiste vigente, devendo o futuro<br />

aprovado ficar atento às provas.<br />

Caso exista uma irmão pré-morto é possível a verificação do direito<br />

de representação, em favor dos sobrinhos, que herdarão nos<br />

limites do quinhão do pré-morto, como dito. Exemplo: João veio a falecer.<br />

Não possui nenhum herdeiro legítimo necessário (descendentes.<br />

ascendentes e cônjuge). Tem três irmãos, um deles pré-morto e<br />

com dois filhos. João deixou RS 600.000,00 (seiscentos mil reais). Neste<br />

cenário, cada irmão receberá RS 200.000,00 (duzentos mil reais),<br />

herdando por cabeça, e os sobrinhos do pré-morto irão receber RS<br />

100.000,00 (cem mil reais) cada um, herdando por representação ou<br />

estirpe.<br />

Caso não haja irmãos. dando continuidade à ordem de vocação<br />

hereditária, segundo o princípio da proximidade, serão contemplados<br />

os parentes de terceiros grau. Mas aqui uma dúvida se instala:<br />

tanto os sobrinhos, como os tios, são parentes de terceiro grau?<br />

Quem deverá preferir?<br />

668


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Os sobrinhos. Como já dito, o direito sucessório, seguindo a ordem<br />

natural da vida, sempre irá privilegiar a descendência. Afinal, os<br />

descentes tendem a enterra os seus ascendentes.<br />

Assim, os sobrinhos são parentes em terceiro grau que, na falta<br />

dos irmãos, são chamados a herdar (CC, art. i.843). Não havendo sobrinhos,<br />

chamam-se os tios do finado e, depois, os sobrinhos netos,<br />

tios avós e primos irmãos do autor da herança, que se encontram no<br />

quarto grau de parentesco para com este.<br />

Caso inexistam colaterais, a herança será declarada jacente e<br />

depois vacante, nos moldes do já estudado nesta obra.<br />

8. O CÓDIGO <strong>CIVIL</strong> E A SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL<br />

Sobre o assunto, o atual CC dedica apenas um artigo. Pior, localiza<br />

o tema no conteúdo das disposições gerais da sucessão e não na<br />

sucessão legítima, ao lado da vocação hereditária. Trata-se de uma<br />

das maiores aberrações da vigente legislação, a qual já inicia topograficamente<br />

mal localizado.<br />

o art. i.790 do CC instituí a ordem de vocação hereditária na<br />

união estável, de modo que a sucessão nesta modalidade familiar é<br />

distinta de todas as demais, aspecto no mínimo curioso.<br />

~ De que forma esse tema vem sendo cobrado em concurso público?<br />

O exame para Promotor de Justiça - MP/MS, banca organizadora FADE­<br />

MS, ano de 2011, em busca da alternativa falsa, trouxe como gabarito a<br />

assertiva: ua sucessão legítima do companheiro se dá da mesma forma<br />

daquela reservada ao cônjuge sobrevivente. Assim, na ordem da vocação<br />

hereditária o companheiro sobrevivente terá o mesmo tratamento<br />

dispensado aos parentes sucessível ou aos colaterais#.<br />

Uma primeira consequência disto é admitir a revogação do art.<br />

2°, da Lei Federal n° 8.971/94, que reconhecia em benefício do companheiro<br />

sobrevivente direito hereditário ao usufruto. Agora, o Código<br />

Civil reconhece direito hereditário à propriedade, bem como<br />

direito real de habitação sobre o único imóvel da família, acaso o<br />

companheiro sobrevivente não tenha outra moradia, nos moldes do<br />

art. i.831 do CC, aplicável também à união estável por força da isonomia<br />

e direito social à moradia, garantidos constitucionalmente, bem<br />

como o art. 7 da Lei 9.278/96.<br />

669


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Para Flávio Tartuce o art. 2° da Lei Federal n° 8.971/94 foi revogado,<br />

ressaltando acertadamente que a disciplina do art. i.790 do<br />

CC também se aplicará às uniões homoafetivas por força da equiparação<br />

constitucional dada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n°<br />

4.277/DF e pela ADPF n° 132/RJ.32<br />

A pergunta a se fazer aqui é: quais bens herdará o companheiro,<br />

e quanto herdará?<br />

Para obter resposta a este questionamento será importante ler o<br />

art. 1.790 do CC. Antecipamos, de logo, que esta leitura exigirá uma<br />

constatação imediata, qual seja: a de que o companheiro sobrevivente<br />

participa apenas sobre os bens onerosamente adquiridos na<br />

constância da união estável. Em conclusão: se os bens foram adquiridos<br />

antes da união estável ou de modo gratuito, o companheiro<br />

residual não participará deste quinhão, ficando completamente excluído<br />

da herança.<br />

• E na hora da prova?<br />

(Vunesp - Cartório -TJ - SP/2014) De acordo com previsão no Código Civil,<br />

assinale a alternativa correta.<br />

A) Por se tratar de bem móvel por equiparação, o direito à sucessão<br />

aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser<br />

objeto de cessão por escritura pública ou instrumento particular.<br />

B) A renúncia da herança deve constar expressamente de declaração<br />

particular, instrumento público ou termo judicial.<br />

C) O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá,<br />

depositado metade do preço, haver para si a quota cedida a estranho,<br />

se o requerer até em noventa dias após a transmissão.<br />

D) A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,<br />

quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável,<br />

se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à<br />

que por lei for atribuída ao filho.<br />

Gabarito: D<br />

32. Direito Civil. v 6: direito das sucessões, 6a Edição, 2013, p. 210.<br />

670


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Sustenta Flávio Tartucen que a massa patrimonial do espólio que<br />

será objeto da herança, na forma do art. i.790 do cc considera duas<br />

premissas:<br />

• O primeiro bloco patrimonial composto apenas pelos bens que o<br />

falecido adquiriu onerosamente depois de iniciada a união estável.<br />

• O segundo bloco composto dos demais bens existentes antes da<br />

união estável ou mesmo aqueles adquiridos gratuitamente e sem<br />

o esforço comum após a união, tais como herança e doação.<br />

Neste contexto, prossegue o doutrinador afirmando que se o<br />

companheiro conviver em regime de comunhão parcial (CC, i.559,<br />

i.660 e i.725) receberá, por meação, a metade dos bens referidos no<br />

primeiro bloco (onerosamente adquiridos) e, quando do falecimento,<br />

participará também da sucessão em concorrência com aquele<br />

patrimônio 3 '.<br />

Sim. Terá o companheiro situação jurídica melhor do que a do<br />

cônjuge casado no regime de comunhão parcial de bens nesta hipótese,<br />

pois receberá por duas oportunidades sobre a massa de bens<br />

adquiridos na união estável.<br />

Vamos a um exemplo: imagine que durante a união estável uma<br />

casa seja adquirida. Ora, metade desta casa já é - por ato inter vivos<br />

- de um dos companheiros e metade será do outro (regime da comunhão<br />

parcial de bens, hipótese regra). Se houvesse uma dissolução<br />

da união estável assim seria realizada a partilha. Contudo, não havendo<br />

separação destes companheiros, acaso haja um óbito, o outro<br />

Oá meeiro) participara sobre a metade do falecido, em concorrência<br />

com outros herdeiros, pois isto é o que afirma os incisos do aludido<br />

art. i.790 do CC.<br />

Tal fato não aconteceria no casamento, pois o cônjuge sobrevivo<br />

apenas receberia a sua meação, salvo a inexistência de descendentes<br />

e ascendentes.<br />

33. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 210.<br />

34. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 212.<br />

671


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Apesar disto, quanto ao segundo bloco, o companheiro nem será<br />

meeiro, nem terá direito hereditário. Em outras palavras: não participará<br />

da herança sobre os bens gratuitamente adquiridos durante<br />

a união estável, ou sobre os demais bens não onerosos, anteriores<br />

ao enlace, ou incomunicáveis.<br />

Aqui a situação será pior do que a do cônjuge, que poderá herdar<br />

sob os bens particulares no regime de comunhão parcial caso<br />

concorra com descendentes ou ascendentes, como já estudado.<br />

Este é o correto sentido do art. i.790 do CC, segundo o qual a<br />

companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,<br />

quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável,<br />

nas condições seguintes, elencando, após isto, quatro incisos.<br />

Nada mais natural, portanto, que o companheiro sobrevivente<br />

não apenas participe da herança, como também seja inventariante<br />

do processo judicial.<br />

~ Como os tribunais estão decidindo esta questão?<br />

INVENTÁRIO. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. COMPANHEI­<br />

RA. 1. Tendo o óbito do companheiro da recorrida ocorrido<br />

antes da vigência do atual Código Civil, a capacidade<br />

sucessória é regida pelas Leis n° 8.971/94 e n° 9.278/96,<br />

que disciplinavam a capacidade sucessória decorrente da<br />

união estável ex vi do art. 1.577 do CCB/1916, cuja regra<br />

foi reprisada no art. 1.787 do Novo Código Civil. 2. Em<br />

razão disso, a companheira ocupa o terceiro lugar na ordem<br />

de vocação hereditária, quando o de cujus não deixar<br />

descendentes ou ascendentes, o que não é o caso dos<br />

autos. 2. Existindo descendentes, a companheira do de<br />

cujus não ostenta a condição de herdeira, mas poderá ter<br />

interesse juridicamente protegido na sucessão, sendo cabível<br />

a sua citação. Recurso desprovido. (TJRS, Agravo de<br />

Instrumento n° 70022803753, Relator Desembargador Sérgio<br />

Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 28/05/2008).<br />

RECURSO ESPECIAL <strong>DIREITO</strong> SUCESSORIO. UNIÃO ESTÁVEL APLICA­<br />

ÇÃO DO ARTIGO l.6o3, Ili, DO CÓDIGO <strong>CIVIL</strong>. l. Não nega vigência<br />

ao artigo i.6o3, Ili, do Código Civil o acordão que considerou<br />

a companheira, comprovada a união estável por<br />

longo período, na ordem da vocação hereditária. 2. Recurso<br />

conhecido pela alínea e, mas improvido. (STJ - T3 - Terceira<br />

Turma, REsp. n• 74467/RS, Relator: Ministro CARLOS ALBER­<br />

TO MENEZES <strong>DIREITO</strong>, DJ 30/o6/1997, julgado em 19/05/1997).<br />

672


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Os incisos que seguem ao art. i.790 contemplarão a concorrência<br />

sucessória do companheiro com os descendentes e demais parentes.<br />

Diz o inciso 1: "se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma<br />

quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho". Como se constata,<br />

o inciso disciplina apenas a situação dos filhos comuns, na qual o<br />

companheiro será ascendente dos filhos com quem concorrer.<br />

• E na hora da prova?<br />

(Promotor de Justiça - MP/AP - FCC - 2012) Ricardo mantém relação de<br />

união estável com sua companheira Maria desde o ano de 2005. Não<br />

tiveram filhos comuns. Neste ano de 2012, Maria, que já possuía três<br />

filhos (José, Antonio e Pedro), de 10, 13 e 15 anos de idade, oriundos<br />

de um relacionamento amoroso anterior, faleceu vítima de um acidente<br />

automobilístico. Não há testamento. Neste caso, Ricardo, na condição de<br />

companheiro sobrevivente, panicipará legitimamente da sucessão de<br />

Maria quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união<br />

estável e terá direito a:<br />

A) 1/3 da herança.<br />

B) metade do que couber a cada um dos filhos de Maria.<br />

C) uma cota equivalente à que por lei for atribuída aos filhos de Maria.<br />

D) metade da herança.<br />

E) metade da herança mais 1/4 da outra pane, juntamente com os filhos<br />

de Maria.<br />

Gabarito : letra B.<br />

• Atenção!<br />

A hipótese do inciso 1, do art. i.790 do CC não envolve a denominada<br />

filiação híbrida, situação em que o companheiro mono possuí descendentes<br />

exclusivos e descendentes comuns, simultaneamente. De igual<br />

modo, o inciso 1 do an. 1.790 do cc não envolve a hipótese de filiação<br />

exclusiva, ou seja, circunstância na qual os descendentes são apenas do<br />

autor da herança.<br />

De qualquer modo, a doutrina majoritária (Francisco Cahali,<br />

Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Zeno Veloso, Christiano<br />

Cassettari, Giselda Hironaka), ao analisar o aludido inciso chega à<br />

673


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

conclusão que a melhor interpretação a ser conferida ao texto será<br />

a de estender a aplicação deste inciso também aos descendentes<br />

comuns, ou seja, onde se lê filhos comuns, leia-se descendentes comuns.<br />

Sobre o assunto, foi elaborado uma orientação doutrinária estampada<br />

no Enunciado 266 do CJF, assim redigido: "Aplica-se o inciso<br />

I do artigo i.790 também na hipótese de concorrência do companheiro<br />

sobrevivente com outros descendentes comuns e não apenas na concorrência<br />

com filhos comuns".<br />

Logo, aplica-se a regra na concorrência com netos, bisnetos, tataranetos<br />

... desde que comuns.<br />

Mas também será possível que o companheiro deixe filhos exclusivos,<br />

ou seja, não comuns. Imagine-se uma situação na qual a<br />

pessoa é divorciada, com filhos do casamento extinto, e contrai posteriormente<br />

união estável. Se esta pessoa falece, a hipótese é de<br />

aplicação do inciso li, do art. i.790 do CC, pois não há filhos comuns,<br />

mas apenas do finado.<br />

Diz o inciso li, referido: "se concorrer com descendentes só do autor<br />

da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles".<br />

No Informativo 474 o Superior Tribunal de Justiça discutiu a possibilidade<br />

de a companheira, ainda não reconhecida por sentença<br />

judicial, receber, por herança, verbas decorrentes do trabalho pessoal<br />

do falecido e, em caso positivo, concorrer com o único filho,<br />

exclusivo, do autor da herança. Aplicou-se, naquele julgamento, o<br />

inciso li do art. i.790 do CC, para afirmar que concorrendo a companheira<br />

com descendente exclusivo do finado, cabe à mesma metade<br />

da quinta-parte destinada ao herdeiro, vale dizer, no caso concreto,<br />

i/3 do patrimônio partilhado, admitindo-se a imediata liberação de<br />

2/3 do valor depositado (REsp. 887 .990).<br />

Mas, aparentemente, o Código Civil não resolveu um problema<br />

muito comum nos dias atuais, batizado por Giselda Hironaka de filiação<br />

híbrida, como bem adverte Flávio Tartuce 35 •<br />

35. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6" Edição, 2013, p. 219.<br />

674


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

A filiação híbrida acontece quando concorrem com o companheiro<br />

filhos comuns e os filhos exclusivos, simultaneamente, o<br />

que acontece com certa frequência na prática. Mais uma vez foi o<br />

Código lacunoso sobre a problemática, como já o foi na sucessão<br />

casamentaria.<br />

Sobre o assunto, correntes doutrinárias foram erigidas, a saber:<br />

• 1• Corrente (majoritária) - Para esta corrente o companheiro recebe<br />

idêntica quota que cada um dos descendentes receberia.<br />

Assim entendem Sílvio de Salvo Venosa, Maria Berenice, Rolf Madaleno<br />

e Rodrigo da Cunha Pereira. A ideia é simples: aplica por<br />

extensão o inciso 1, do artigo i.790 à filiação híbrida, dividindo<br />

igualitariamente entre o companheiro e todos os filhos, comuns<br />

ou exclusivos, a herança, sob o fundam ento de que o legislador<br />

disse menos do qu e deveria dizer (técnica de interpretação<br />

extensiva). Também se entende que o inciso 1 do art. i.790 não<br />

utiliza a expressão apenas ou só concorrer com filhos comuns, de<br />

modo a permitir interpretação que contemple a situação da filiação<br />

híbrida, ou melhor, não há legalmente falando, motivo para<br />

restringir a interpretação a partir do texto da lei.<br />

• 2• Corrente (minoritária) - o companheiro recebe meia quota.<br />

Assi m entendem Euclides de Oliveira, Maria Helena Diniz e Flávio<br />

Tartuce. Aplica-se, para a filiação híbrida, o inciso li, do artigo<br />

i.790 do CC e, com isto, privilegia-se a situação dos filhos (herdeiros<br />

de primeira classe) em detrimento do companheiro. Segundo<br />

esta corrente, ante a dúvida doutrinária melhor será adotar a<br />

opção interpretativa que beneficie hereditariamente a situação<br />

jurídica dos descendentes, herdeiros por excelência. Por outro<br />

lado, entende a corrente doutrinária em questão que isto iria<br />

privilegiar o princípio da igualdade e não discriminação entre<br />

todos os filhos, interpretando-se a norma de acordo com os seus<br />

fins sociais (LINDB, art. 4º ).<br />

É possível, entretanto, que o autor da herança não tenha deixado<br />

descendentes, mesmo vivendo em união estável. Neste caso, impossível<br />

aplicar os incisos 1 e li do art. i.790 do CC. Restaria, pois, avançar<br />

ao preceito subsequente (inciso Ili), segundo o qual "se concorrer<br />

com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança".<br />

675


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Séria crítica pode ser feita ao CC/02 no que concerne a disciplina<br />

do direito hereditário do companheiro em face dos outros parentes,<br />

máxime quanto aos colaterais, que para casos de união estável irão<br />

obter uma vantagem sucessória significativa em relação ao próprio<br />

companheiro sobrevivente, porquanto receberão 2/3 dos bens onerosamente<br />

adquiridos, quanto aquele auferirá apenas i/3.<br />

Houve visível retrocesso quando se compara a situação de hoje<br />

(inciso 111, i.790) à disciplina anterior ao CC/02, ou seja, à Lei Federal<br />

n° 8.271/94, cujo artigo 2°, inciso Ili, garantia ao companheiro o direito<br />

de receber toda a herança nesta mesma situação jurídica.<br />

Para Flávio Tartuce 36 há chapada inconstitucionalidade no caso em<br />

análise, seja por vedação ao princípio do não retrocesso, nas lembradas<br />

doutrinas constitucionais de Vital Moreira, JJ Gomes Canotitho<br />

e lngo Wolfgang Sarlet, seja ainda ante a discriminação e a violência<br />

à isonomia no tratamento sucessório de cônjuges e companheiros.<br />

~ Como os tribunais estão entendendo esta questão??<br />

STF - Decisão: Cuida-se de reclamação, com pedido liminar,<br />

proposta contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo<br />

que, ao deixar de aplicar a norma estabelecida no artigo<br />

i.790, Ili, do Código Civil, teria violado a Súmula Vinculante<br />

n° 10 desta Corte, segundo a qual: "Viola a cláusula de reserva<br />

de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário<br />

de tribunal que, embora não declare expressamente<br />

a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder<br />

público, afasta sua incidência, no todo ou em parte" [ ... ]. A<br />

decisão reclamada possui a seguinte ementa "Inventário.<br />

Herdeiros. Condição reconhecida ao companheiro da falecida.<br />

União estável incontroversa. Existência de parentes<br />

colaterais sucessíveis. Regra estabelecida pelo art. i.790,<br />

Ili, do Código Civil que deve ser interpretada restritivamente,<br />

devendo-se estender ao companheiro a prevalência<br />

estabelecida nos artigos 1.829 e 1.838, à luz do art. 226, §<br />

3°, da CF. Decisão que excluiu do processo sucessório os<br />

colaterais, nomeando o companheiro como único herdeiro,<br />

que deve ser mantida. Recurso desprovido".<br />

36. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6' Edição, 2013, p. 228.<br />

676


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Verifico, portanto, que o tribunal de origem, embora não<br />

o declare expressamente. deixou de aplicar, no caso concreto,<br />

o artigo 1.790, Ili, do Código Civil, sem obediência<br />

ao princípio da reserva de plenário. Nesse sentido, registro<br />

o julgamento do Recurso Extraordinário 597.952, Rei.<br />

Min. Ayres Brino, DJe 4.8.2009, cujo trânsito em julgado<br />

ocorreu em 14.8.2009. Ante o exposto, com base na jurisprudência<br />

desta Corte (art. 161, parágrafo único, RISTF),<br />

conheço da reclamação e julgo-a procedente, para cassar<br />

o acórdão reclamado e determinar que outro seja proferido<br />

em seu lugar. de acordo com o art. 97 da Constituição<br />

. (STF, Rei. n° l0.813 SP, Relator Ministro GILMAR MENDES,<br />

DJe 23/03/2011, julgado em 17/03/2011).<br />

Direito das sucessões. Recurso especial. Inventário. De<br />

cujus que, após o falecimento de sua esposa. com quem<br />

tivera uma filha, vivia, em união estável, há mais de trinta<br />

anos, com sua companheira, sem contrair matrimônio.<br />

Incidência, quanto à vocação hereditária, da regra do art.<br />

i.790 do CC/02. Alegação, pela filha, de que a regra é<br />

mais favorável para a convivente que a norma do art.<br />

1829, 1, do CC/02, que incidiria caso o falecido e sua companheira<br />

tivessem se casado pelo regime da comunhão<br />

parcial. Afirmação de que a Lei não pode privilegiar a<br />

união estável, em detrimento do casamento. - o art. i.790<br />

do CC/02, que regula a sucessão do 'de cujus' que vivia<br />

em comunhão parcial com sua companheira, estabelece<br />

que esta concorre com os filhos daquele na herança,<br />

calculada sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido<br />

durante a convivência. - A regra do art. 1.829, 1, do<br />

CC/02. que seria aplicável caso a companheira tivesse se<br />

casado com o 'de cujus' pelo regime da comunhão parcial<br />

de bens, tem interpretação muito controvertida na<br />

doutrina, identificando-se três correntes de pensamento<br />

sobre a matéria: (i) a primeira. baseada no Enunciado<br />

270 das Jornadas de Direito Civil, estabelece que a sucessão<br />

do cônjuge, pela comunhão parcial, somente se<br />

dá na hipótese em que o falecido tenha deixa do bens<br />

particulares, incidindo apenas sobre esses bens; (ii) a<br />

segunda, capitaneada por parte da doutrina, defende<br />

que a sucessão na comunhão parcial também ocorre<br />

apenas se o 'de cujus' tiver deixado bens particulares,<br />

617


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mas incide sobre todo o patrimônio, sem distinção; (iii) a<br />

terceira defende que a sucessão do cônjuge, na comunhão<br />

parcial, só ocorre se o falecido não tiver deixado bens particulares.<br />

Não é possível dizer, aprioristicamente e com as vistas<br />

volta dasapenas para as regras de sucessão, que a união<br />

estável possa ser mais vantajosa em algumas hipóteses,<br />

porquanto o casamento comporta inúmeros outros benefícios<br />

cuja mensuração é difícil. - É possível encontrar, paralelamente<br />

às três linhas de interpretação do art. i.829,<br />

1, do CC/02 defendidas pela doutrina, uma quarta linha<br />

de interpretação, que toma em consideração a vontade<br />

manifestada no momento da celebração do casamento,<br />

como norte para a interpretação das regras sucessórias.­<br />

lmpositiva a análise do art. i.829, 1, do CC/02, dentro do<br />

contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo<br />

em harmonia com os demais que enfeixam a temática,<br />

em atenta observância dos princípios e diretrizes<br />

teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade<br />

da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre<br />

manifestação da vontade humana, por meio da autonomia<br />

privada e da consequente autor responsabilidade,<br />

bem como da confiança legítima, da qual brota a boa<br />

fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo<br />

principiológico que deve delinear os contornos da<br />

norma jurídica. - Até o advento da Lei n. 6.515/77 (Lei do<br />

Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal<br />

de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge<br />

sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida<br />

a meação sobre a totalidade do patrimônio do<br />

casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo,<br />

o regime legal de bens no casamento passou a ser o<br />

da comunhão parcial. o que foi referendado pelo art.<br />

1.640 do CC/02. - Preserva-se o regime da comunhão<br />

parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação,<br />

ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o<br />

direito à meação, além da concorrência hereditária sobre<br />

os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os<br />

quais, em qualquer hipótese, são partilhados apenas entre<br />

os descendentes. Recurso especial improvido. (STJ - T3<br />

- Terceira Turma, REsp. n° 1.117.563/SP, Relatora Ministra<br />

NANCY ANDRIGHI, DJe 06/04/2010, julgado em 17/12/2009)<br />

678


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

Adverte Flávio Tartuce 37 que o inciso IV do art. i.790 do CC possibilita<br />

ao companheiro sobrevivente receber toda a herança para<br />

o caso de inexistirem descendentes, ascendentes e colaterais até o<br />

4° grau. Indaga o festejado doutrinador se esta aquisição hereditária<br />

seria apenas sobre os bens onerosamente adquiridos durante a<br />

união estável, ou se a hipótese envolveria a aquisição de todos os<br />

bens. Sobre o tema, apresenta ele dois importantes posicionamentos:<br />

• Posicionamento i) o inciso IV deve ser interpretado à luz do caput,<br />

pois a este será subordinado, de maneira que o companheiro<br />

sobrevivente participará apenas dos bens adquiridos à título<br />

oneroso adquiridos na constância da união estável. Desta forma,<br />

os demais bens serão herança vacante, deferidos ao Poder Público,<br />

em regra o Município ou Distrito Federal. Assim entendem<br />

Francisco José Cahali, Giselda Fernandes Novaes Hironaka, Mario<br />

Luiz Delgado, Inácio de Carvalho Neto, Rodrigo da Cunha Pereira<br />

e Zeno Veloso.<br />

• Posicionamento 2) O inciso IV do art. i.790 deve ser interpretado<br />

separadamente do seu caput e em sistematização com o artigo<br />

i.844 do CC que trata da herança vacante afirmando que "Não<br />

sobrevindo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível,<br />

ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município<br />

ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições,<br />

ou à União, quando situada em território federal". Portanto, somente<br />

é possível ser decretada a vacância se não existir parente<br />

algum sucessível, ou no caso destes renunciarem. Não é o caso<br />

do inciso IV do art. i.790 do CC. que pressupõe a existência de um<br />

parente sucessível, qual seja o companheiro sobrevivente. Este<br />

é o nosso entendimento. De igual modo, assim pensam Adverte<br />

Flávio Tartuce 38 , Eduardo de Oliveira Leite, Maria Helena Diniz, Maria<br />

Berenice Dias, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim e Euclides de<br />

Oliveira.<br />

Caminhamos com a segunda tese.<br />

37. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 229.<br />

38. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 230.<br />

679


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Atenção!<br />

O art. i.790 do CC é um dos mais criticado no âmbito doutrinário. Há<br />

quem sustente a inconstitucionalidade do mesmo por força da discriminação<br />

da entidade familiar união estável em relação ao casamento.<br />

Alguns projetos de lei tramitaram e tramitam no Congresso Nacional por<br />

força disto. o primeiro de todos foi o Projeto de lei 6.960/2002. Mais<br />

recentemente surgiram os Projetos de lei 4.944/2005 e 699/2011. Estes aspectos<br />

demonstram que ainda teremos novidades e aperfeiçoamentos<br />

derredor da sucessão na união estável.<br />

Em arremate, vale recordar a existência de sena controvers1a<br />

jurídica sobre a possível inconstitucionalidade do art. q90 do CC.<br />

A questão é saber se o casamento é instituto insuscetível de comparação<br />

ao matrimônio tendo em vista o §3° do art. 226 da CF que<br />

disciplina a conversão da união estável em matrimônio.<br />

Acaso se entenda que o casamento está, hierarquicamente, em<br />

plano superior à união estável, seria mais fácil sustentar a possibilidade<br />

de tratamento sucessório diferenciado, e até menos vantajoso,<br />

na convivência. Contudo, entendendo-se que todos os arranjos familiares<br />

merecem idêntico tratamento jurídico, abre-se a oportunidade<br />

de admitir-se a inconstitucionalidade.<br />

Segundo Flávio Tartuce39 esta inconstitucionalidade pode se justificar<br />

(i) por preterição do companheiro e favorecimento dos colaterais,<br />

no caso do inciso Ili, do art. i.790 do CC, ou (ii) por privilegiar<br />

a união estável se comparada ao casamento no caso do inciso li, do<br />

art. i.790 do CC, (c)<br />

8.1. A Concorrência Sucessória Simultânea Do Companheiro E Do Cônjuge<br />

Sobrevivente<br />

É possível existir uma inusitada situação jurídica de concorrência<br />

sucessória simultânea entre o companheiro e o cônjuge sobrevivente<br />

para o caso do art. i.830 do CC.<br />

Imagine. por exemplo, que alguém, casado, esteja separado de<br />

fato há menos de dois anos (o art. i.830 do CC exigem dois anos) e<br />

39. Direito Civil, v 6: direito das sucessões, 6• Edição, 2013, p. 229 .<br />

680


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

que, ainda dentre deste período, esta pessoa constituía união estável,<br />

autorizada que se encontra pelo art. i.723 do cc.<br />

Neste caso, abre-se hipótese de discussão sobre a possibilidade<br />

de concorrência hereditária entre companheiro e cônjuge, como advertem<br />

Flávio Tartuce, José Cahali, Euclides de Oliveira, entre outros.<br />

Particularmente pensamos que não há tal concorrência, ao passo<br />

que a união estável, ainda que do separado de fato, paralisa os<br />

efeitos do casamento. Aliás, abordamos este tema, inclusive com um<br />

viés jurisprudencial, quando no tratamento da sucessão do cônjuge.<br />

8.2. o Direito De Habitação Na União Estável<br />

Já vimos existir corrente majoritária sustentando a possibilidade<br />

de também se assegurar o direito real de habitação nas situações<br />

hereditárias da união estável, em que pese o atual Código Civil não<br />

repetir em seu texto a regra do art. 7° da Lei Federal n° 9.278/96.<br />

Contudo, para finalizar o tema, devemos deixar um registro acerca<br />

das duas correntes, e fundamentos, que se dedicam à responder<br />

se efetivamente o companheiro sobrevivente teria direito real de<br />

habitação:<br />

• 1• Corrente (majoritária) - Entende subsistir o direito real de<br />

habilitação para a união estável porque o art. 7° da Lei Federal<br />

n° 9.278/96 não foi revogado, a par do princípio da isonomia,<br />

como afirmou o Enunciado 17 do CJF. A hipótese é de antinomia<br />

jurídica aparente de segundo grau envolvendo conflito normativo<br />

intertemporal entre uma lei especial e uma lei geral (Lex posterior<br />

generalís non derrogat priori epeciali), na forma dos artigos 2°, 4°<br />

e 5°, da LINDB. Neste sentido Maria Helena Diniz, Maria Berenice,<br />

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Rodrigo da Cunha Pereira,<br />

Rolf Madaleno, Francisco José Cahati, Sebastião Amorim e<br />

Euclides de Oliveira.<br />

• 2• Corrente (minoritária) - Entende que o artigo 7°, da Lei no<br />

9.278/96, teria sido revogado pelo artigo i.790 do CC/02, o qual<br />

teria regulado inteiramente o assunto, sem referir-se ao direito<br />

real de habitação. Para os adeptos deste entendimento, o atual<br />

Código Civil ab-rogou (revogou totalmente) todas as legislações<br />

681


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

anteriores sobre direito sucessório na união estável, sendo o<br />

caso de silêncio eloquente - beredis schweigen, intencional, proposital,<br />

da atual codificação que, portanto, não quis prever o aludido<br />

direito. Neste sentido, Silvio Rodrigues atualizado por Zeno<br />

Veloso e Francisco Cahali, Inácio de Carvalho Neto, Mario Luis<br />

Delgado, Flávio Augusto Monteiro de Barros e Zeno Veloso.<br />

Como já pontuado nesta norma, ficamos com a primeira corrente.<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado acerca do<br />

tema?<br />

Reconhecimento do direito real de habitaçclo do companheiro<br />

sobrevivente em açclo possessório.<br />

Ainda que o companheiro supérstite não tenha buscado<br />

em ação própria o reconhecimento da união estável antes<br />

do falecimento, é admissível que invoque o direito real<br />

de habitação em ação possessória, a fim de ser mantido<br />

na posse do imóvel em que residia com o falecido. Rfsp<br />

uop44-RS, rei. Min. luis Felipe Salomão, 2r.5.14. 4ª T. (lnfo 543)<br />

~ Como os tribunais estão decidindo o tema?<br />

O Superior Tribunal de Justiça no REsp. n° 821.66o/DF reconheceu em 2011<br />

que a legislação federal conferiu ao companheiro sobrevivente direito<br />

real de habitação e que o atual CC estendeu este instituto ao casamento,<br />

o que confirma a tese de admissibilidade na Cone Superior do Instituto e,<br />

portanto, ausência de revogação tácita.<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. <strong>DIREITO</strong> REAL DE HABITAÇÃO À COMPA­<br />

NHEIRA SOBREVIVENTE. RECONHECIMENTO. Apesar de o Código<br />

Civil não ter conferido expressamente o direito real de habitação<br />

àqueles que viveram em união estável, tal direito<br />

subsiste no ordenamento jurídico em razão do parágrafo<br />

único do an. 7° da Lei 9.278/96. Inexiste incompatibilidade<br />

entre essa Lei e o Código Civil em vigor. A equiparação entre<br />

união estável e casamento foi levada a efeito pela Constituição<br />

Federal. Caso em que se reconhece o direito real de<br />

habitação à companheira, considerando a verossimilhança<br />

na alegação de que ela conviveu com o de cujus por mais de<br />

20 anos, pelo fato dela atualmente estar morando de favor<br />

e por ser o imóvel que serviu de morada ao casal o único<br />

dessa espécie a inventariar.<br />

682


DA SUCESSÃO LEGÍTIMA<br />

AGRAVO PROVIDO. EM MONOCRÁTICA. (TJ/RS - 8• Câmara Cível,<br />

Agravo de Instrumento n• 70019892595, Relator Desembargador<br />

Rui Ponanova, julgamento 29.05.2007).<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Vunesp - Juiz de Direito Substituto - PA/2014) Quanto à companheira sobrevivente<br />

que adquiriu imóvel próprio e o direito real de habitação no<br />

qual convivia com companheiro falecido, assinale a alternativa correta.<br />

A) O direito real de habitação não é extensivo à união estável, não tendo<br />

a companheira sobrevivente direito a reclamá-lo, ainda que possua<br />

direito sucessório sobre os bens do companheiro falecido.<br />

B) A companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação sobre<br />

o imóvel no qual convivia com o companheiro falecido.<br />

C) Havendo vários tipos de imóveis a inventariar, caberá à companheira<br />

sobrevivente a escolha sobre qual habitar, independentemente de ter<br />

imóvel próprio.<br />

D) Considerando a aquisição de imóvel próprio, a companheira perde o<br />

direito de habitação.<br />

E) No caso de possuir imóvel próprio, a companheira sobrevivente terá<br />

direito à habitação concomitantemente com os herdeiros do companheiro<br />

falecido.<br />

683


Capítulo IV<br />

Da Sucessão<br />

Testamentária<br />

sumário • i. Do Testamento em Geral. i.i. Capacidade<br />

Testamentária. 2. Formas Ordinárias, Comuns<br />

ou Vulgares de Testamento. 2.i. Testamento Público.<br />

2.2. Testamento Cerrado, Secreto ou Místico. 2.3.<br />

Testamento Particular. 3. Dos Codicilos. 4. Dos Testamentos<br />

Especiais: Formas Especiais de Testamento.<br />

5. Das Disposições Testamentárias. 6. Dos Legados.<br />

6.1. Dos Efeitos do Legado e de seu Pagamento.<br />

6.2. Dos Frutos e dos juros da Coisa Legada.6.3. Do<br />

Legado de Renda ou de Pensão Periódica. 6.4. Caducidade<br />

dos Legados. 7. Do Direito de Acrescer e<br />

dos Rateios. 8. Das Substituições. 9. Deserdação. 10.<br />

Da Redução das Disposições Testamentárias. 11. Da<br />

Revogação do Testamento. 12. Do Rompimento do<br />

Testamento. 13. Do Testamenteiro. 14. Dos Sonegados.<br />

15. Da <strong>Col</strong>ação.<br />

1. DO TESTAMENTO EM GERAL<br />

De acordo com Flávio Tartuce• são exemplos clássicos de negócio<br />

jurídico o contrato e o testamento, que se distinguem, basicamente,<br />

quanto a sua natureza jurídica e quanto à produção de seus efeitos.<br />

O testamento é negócio jurídico unilateral, gratuito, mortis causa,<br />

formal, revogável e personalíssimo. É uma expressão da autonomia<br />

privada, incidindo a lei na sucessão, apenas, na hipótese de herdeiros<br />

legítimos necessários e ante a ausência de testamento. Como já<br />

tivemos a oportunidade de observar, a liberdade de testar restará<br />

limitada à existência de eventuais herdeiros necessários, afinal de<br />

contas a legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída<br />

no testamento(§ i 0 , art. i.857), sendo intangível.<br />

i. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.288.<br />

685


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Serviços Notariais e de Registros - TJPE - FCC - 2013) Em relação ao testamento<br />

é correto afirmar que:<br />

Gabarito: o) o legítimo dos herdeiros necessários não poderá ser incluído<br />

no testamento.<br />

No mesmo sentido, quanto à intangibilidade da legítima, na prova para<br />

o cargo de Juiz -TJDF, ano de 2007, foi tida como verdadeira a assertiva:<br />

"o testador deve preservar a legítima do filho adotivo".<br />

Justo por isto afirma Sílvio de Salvo Venosa que "se a pessoa<br />

falecer sem testamento (ab intestato), a lei determinará a ordem pela<br />

qual serão chamados os herdeiros: a ordem de vocação hereditária"',<br />

demonstrando que esta autonomia privada presumida (sucessão legítima)<br />

poderá ser substituída pela autonomia privada real (sucessão<br />

testamentária).<br />

Por sua vez, recorda Carlos Roberto Gonçalves recorda que "o<br />

casamento e o testamento são considerados os dois atos mais solenes<br />

do nosso direito".i<br />

O Código Civil de 1916 conceituava o testamento em seu art. i.626,<br />

o considerando como um ato revogável pelo qual alguém, de conformidade<br />

com a lei, dispõe, no todo ou em parte, de seu patrimônio<br />

para depois da sua morte. O vigente Código Civil preferiu não conceituar<br />

o instituto.<br />

Na atualidade mantém-se, na doutrina, o conceito da legislação<br />

anterior, avançando para também admitir testamentos não patrimonializados<br />

(§ 2° do art. i.857 do CC/02), atendendo à noção segundo<br />

a qual o testamento nada mais é do que a expressão da última vontade<br />

de alguém, seja no campo patrimonial, seja no campo extrapatrimonial.<br />

No mesmo sentido o art. 2.179 do Código Civil Português e<br />

o art. 587 do Código Civil Italiano.<br />

Percebe-se avanço neste tema, ao passo que sob o enfoque de<br />

um direito civil constitucionalizado, repersonalizado, despatrimonializado<br />

e construído pelo eixo da dignidade humana, passamos<br />

2. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 10 1.<br />

3. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 7: Direito das Sucessões. 6•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 251.<br />

686


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

a admitir a elaboração de testamento ainda que tenha a finalidade<br />

exclusiva de dispor sobre questões não patrimoniais.<br />

A doutrina avança a este respeito para admitir disposições de<br />

última vontade, via testamento, que envolva determinado tipo de<br />

tratamento de saúde, ou diretivas antecipadas do paciente acaso<br />

este não se encontra em condições de manifestar sua vontade por<br />

situação de quadro clínico. A isto se denomina testamento vital. Sobre<br />

o assunto, o Enunciado 528 da V Jornada do CJF afirma: "É válida<br />

a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também<br />

chamado "testamento vital", em que a pessoa estabelece disposições<br />

sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja<br />

no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade".<br />

Doutrina Sílvio de Salvo Venosa ser o testamento negócio jurídico<br />

unilateral, porque aperfeiçoado pela própria vontade do testador,<br />

independentemente da recepção da vontade pelo herdeiro, cuja<br />

vontade testamentária é ambulatória, porque revogável a qualquer<br />

tempo, solene e personalíssimo'.<br />

~ Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

Compete ao legatário interessado a comprovação do<br />

vício na declaração da real intenção do testador, não<br />

bastando para a procedência de seu pedido a mera alegação<br />

de tratar-se de pessoa humilde e portadora de<br />

doença de Alzheimer que o impedia de expressar de forma<br />

juridicamente correta a sua vontade. (TJMG, Apelação<br />

cível n• 1.0607.04.019962-4/001(1), Relator Desembargador<br />

ELIAS CAMILO, julgado em 21/05/2009).<br />

i.1. Capacidade Testamentária<br />

O testamento é negócio jurídico personalíssimo e revogável (CC,<br />

i.858), formal, unilateral e gratuito, por meio do qual alguém disciplina<br />

a transmissão do patrimônio ou da última vontade para depois<br />

da morte. Para celebração deste negócio jurídico será necessário<br />

que o testador possua capacidade testamentária.<br />

4. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 167 - 170.<br />

687


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Flávio Tartuce 1 adverte que a capacidade testamentária não se<br />

confunde com a capacidade genérica.<br />

De acordo com a legislação cível, toda pessoa com 16 (dezesseis)<br />

anos completos pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus<br />

bens, ou de parte deles, para depois de sua morte (CC, art. i.857 e<br />

i.860). Percebe-se que a capacidade para testar no Brasil é iniciada<br />

aos 16 (dezesseis) anos, diferentemente da civil genérica e plena, a<br />

qual começa aos 18 (dezoito) anos.<br />

Ainda no viés da capacidade, além de ter idade superior aos<br />

16 (dezesseis) anos, o testador há de estar no pleno gozo de suas<br />

faculdades mentais.<br />

Em sendo um ato personalíssimo. o maior de 16 (dezesseis) anos,<br />

no pleno gozo de suas faculdades mentais, irá testar sozinho, sem a<br />

necessidade de assistente.<br />

Recorda Sílvio de Salvo Venosa que esta capacidade para testar<br />

deve ser aferida no momento em que o ato é praticado, ou seja,<br />

no dia em que o negócio jurídico é feito e assinado pelo testado~.<br />

pouco importando a capacidade ou incapacidade posterior.<br />

• Atenção!<br />

A incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem<br />

o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.<br />

• Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

Testamento particular. Documento elaborado no ano<br />

de 1990. Requisitos de validade devem ser apreciados<br />

de acordo com os ditames do Código Civil de 1916. Requisitos<br />

essenciais do testamento particular não foram<br />

observados, nos termos do artigo i.645 do Código Civil.<br />

Formalidade que não pode ser mitigada. Manutenção da<br />

r. Sentença. (TJSP, Ap. n° 994051224009, Relatora Desembargadora<br />

CHRISTINE SANTINI ANAFE, Data de Publicação:<br />

27/10/2010, julgado em 20/10/2010).<br />

5. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.290.<br />

6. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 167 - 176.<br />

688


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Testamento. Anulação. Impossibilidade da discussão<br />

em vida do testador. Inteligência do art. i.859 do Código<br />

Civil. Recurso não provido. (TJSP, Apelação cível n•<br />

5.041.164.900, Relator Desembargador JOAQUIM GARCIA,<br />

julgado em 11/02/2009).<br />

<strong>CIVIL</strong>. SUCESSÃO. TESTAMENTO. FORMALIDADES. EXTENSÃO. O<br />

testamento é um ato solene que deve submeter-se a numerosas<br />

formalidades que não podem ser descuradas<br />

ou postergadas, sob pena de nulidade. Mas todas essas<br />

formalidades não podem ser consagradas de modo exacerbado,<br />

pois a sua exigibilidade deve ser acentuada ou<br />

minorada em razão da preservação dos dois valores a<br />

que elas se destinam - razão mesma de ser do testamento<br />

-, na seguinte ordem de importância: o primeiro,<br />

para assegurar a vontade do testador, que já não poderá<br />

mais, após o seu falecimento, por óbvio, confirmar a<br />

sua vontade ou corrigir distorções, nem explicitar o seu<br />

querer que possa ter sido expresso de forma obscura ou<br />

confusa; o segundo, para proteger o direito dos herdeiros<br />

do testador, sobretudo dos seus filhos. Recurso não<br />

conhecido. (STJ - T4 - Quarta Turma, REsp. 302.767/PR, Relator<br />

Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA, DJ 24/09/2001, julgado<br />

em 05/06/2001).<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca organizadora FCC, na prova para o cargo de Juiz de Direito -TJMS,<br />

ano de 2010, trouxe a seguinte assertiva como o gabarito da questão:<br />

Na sucessão testamentária, aplica-se a seguinte regra: a incapacidade<br />

superveniente do testador não invalida o testamento, nem o testamento<br />

do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.<br />

Sobre esta capacidade testamentária prevista na lei e constatada<br />

quando da celebração do testamento, Flávio Tartuce7 estabelece<br />

correta crítica ao caráter genérico e não esclarecedor do art. i.860<br />

do Código Civil, por aparentemente vedar ao ébrio habitual e ao<br />

toxicômano a capacidade para firmar testamento. Isto, porque, estes<br />

7. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6' Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.290.<br />

689


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

sujeitos de direito, ainda que não possuam total discernimento, podem,<br />

no caso concreto, se encontrar aptos, ao menos, para firmar o<br />

aludido negócio, com o intuito, por exemplo, de reconhecer um filho.<br />

Curioso perceber ainda que o art. i.859 do CC estabelece o prazo<br />

de cinco anos para impugnar a validade do testamento, sendo o termo<br />

inicial desta contagem a data do registro do mesmo. Para Sílvio<br />

de Salvo Venosa a legislação "se refere tanto aos casos de nulidade<br />

como de anulabilidade", havendo uma norma especial ao art. i69 do<br />

Código Civil, o qual obsta a convalidação dos negócios nulos, como<br />

numa "exceção ao princípio geral". 8 • Sim, no direito sucessório, por<br />

norma especial, é possível que o ato nulo venha a ser convalidado.<br />

2. FORMAS ORDINÁRIAS, COMUNS OU VULCiARES DE TESTAMENTO<br />

Segundo Sílvio de Salvo Venosa "Sob o manto da solenidade, o<br />

legislador protege a manifestação de vontade do testador; sua autonomia,<br />

diminuindo as possibilidade de pressões físicas ou psíquicas",<br />

ressaltando a importância jurídica das formalidades neste sério momento<br />

da vida civil 9 •<br />

Mas, "apesar de ser um ato solene, não se deve priorizar a forma<br />

em detrimento da vontade do testador", como entende o Superior<br />

Tribunal de Justiça (REsp. 828.616-MG). Afirma Flávio Tartuce'º que a<br />

mitigação destas formalidades no testamento "parece ser tendência"<br />

nos Tribunais Superiores, trazendo à reflexão o REsp. 600.746/PR no<br />

mesmo sentido. Tal noção liga-se, até mesmo, à teoria geral dos negócios<br />

jurídicos, segundo a qual deve ser privilegiada à intenção, ao<br />

revés do sentido literal da linguagem (art. 110 do CC).<br />

Três são as formas ordinárias do testamento: público, cerrado e<br />

particular (art. i.862 do CC).<br />

Ademais, em sendo o testamento um negócio personalíssimo, o<br />

CC veda a elaboração do mesmo de forma conjuntiva, seja o conjuntivo<br />

simultâneo, recíproco ou correspectivo (CC, i.863).<br />

8. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 18o.<br />

9. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 194.<br />

10. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6' Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.294.<br />

690


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

~ Mas o que são estas figuras?<br />

Testamento conjuntivo é aquele realizado em um só instrumento, por<br />

uma pluralidade de sujeitos. É de mão comum ou conjunta.<br />

Conjuntivo recíproco é o testamento de dois sujeitos no qual um atribui<br />

os bens ao outro, em vice versa.<br />

Já o conjuntivo correspectivo é aquele em que dois ou mais sujeitos<br />

realizam o testamento em um único instrumento, deixando um a cota<br />

disponível para o outro, em vice versa .<br />

O que proíbe a norma é que haja influência na manifestação de vontade,<br />

sendo impedida a declaração conjunta de última vontade.<br />

Evidentemente que tais formas são autônomas sendo proibida a<br />

forma mista.<br />

~ Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

<strong>CIVIL</strong>. TESTAMENTOS CONJUNTIVOS. REALIZAÇÃO EM ATOS DIS­<br />

TINTOS. CC, ART. 1.630. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. O testamento<br />

é consubstanciado por ato personalíssimo de manifestação<br />

de vontade quanto à disponibilização do patrimônio<br />

do testador, pelo que pressupõe, para sua validade, a<br />

espontaneidade, em que titular dos bens, em solenidade<br />

cartorária, unilateral, livremente se predispõe a destiná­<br />

-los a outrem. sem interferência, ao menos sob o aspecto<br />

formal, de terceiros. li. O art. 1.630 da lei substantiva civil<br />

veda o testamento conjuntivo. em que há, no mesmo<br />

ato, a participação de mais alguém além do testador, a<br />

indicar que o ato, necessariamente unilateral na sua realização,<br />

assim não o foi, pela presença direta de outro<br />

testador, a descaracterizá-lo com o vício da nulidade.<br />

Ili. Não se configurando, na espécie, a última hipótese.<br />

já que o testamento do de cujus, deixando suas cotas<br />

para sua ex-sócia e concubina, e o outro por ela feito,<br />

constituíram atos distintos, em que cada um compareceu<br />

individualmente para expressar seu desejo sucessório,<br />

inaplicável, à espécie, a cominação prevista no referenciado<br />

dispositivo legal, corretamente interpretado pelo<br />

Tribunal a quo. IV. Recurso especial não conhecido. (STJ -<br />

T4 - Quarta Turma. REsp. 88.388/SP. Relator Ministro ALDIR<br />

PASSARINHO JÚNIOR. DJ 27/11/2000. julgado em 04/10/2000).<br />

691


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Compete ao legatário interessado a comprovação do<br />

vício na declaração da real intenção do testador, não<br />

bastando para a procedência de seu pedido a mera alegação<br />

de tratar-se de pessoa humilde e portadora de<br />

doença de Alzheimer que o impedia de expressar de forma<br />

juridicamente correta a sua vontade. (TJMG, Apelação<br />

cível n° i.0607.04.019962-4/001(1), Relator Desembargador<br />

ELIAS CAMILO, julgado em 21/05/2009).<br />

~ Atenção!<br />

Ante o princípio da unicidade ou unidade do testamento, exige-se que o<br />

mesmo seja elaborado de uma só vez, na presença de todos (testador,<br />

registrador, quanto houver e testemunhas), proibindo-se o fracionamento<br />

temporal na elaboração do documento. Sobre o assunto confira o<br />

REsp. 2i.731-CE do Superior Tribunal de Justiça.<br />

~ E na hora da prova?<br />

A banca examinadora FMP, em prova realizada para o Cartório do TJ-MT,<br />

ano de 2014, considerou INCORRETA a seguinte assertiva: NÉ proibido o<br />

testamento conjuntivo na forma simultânea, mas se admite na forma<br />

recíproca, com a instituição de benefícios mútuos, de modo que o sobrevivente<br />

recolha a herança do outro".<br />

2.i. Testamento Público<br />

É de Sílvio de Salvo Venosa a afirmação de que o testamento público<br />

é um ato aberto no qual um oficial público exara a última vontade<br />

do testador. É a forma mais segura de se elaborar testamentos, nada<br />

obstante o inconveniente de não se guardar segredos com o mesmon.<br />

Pondera Flávio Tartuce 12 que esta publicidade não poderá ser<br />

desmedida a ponto de autorizar acesso a qualquer pessoa "incluindo-se<br />

eventuais curiosos". Concordamos com o autor, afinal de contas<br />

a vida privada constitui importante direito da personalidade a ser<br />

observado também em situações como estas (art. 21 do CC).<br />

u. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 196.<br />

u . TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.300.<br />

692


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

A elaboração do testamento público exige a observância de certos<br />

requisitos, entre os quais ser escrito por tabelião ou por seu<br />

substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações<br />

do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos,<br />

ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas,<br />

a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença<br />

destas e do oficial, ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado<br />

pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião (i.864, CC).<br />

O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente,<br />

bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade<br />

em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas<br />

todas as páginas pelo testador, se mais de uma.<br />

Importante ressaltar que o cônsul, assim como as autoridades<br />

diplomáticas, estão autorizadas, pelo art. 18 da Lei de Introdução<br />

às Normas de Direito Brasileiro - LINDB, a atuarem como oficiais de<br />

registro e, com isto, lavras testamentos públicos.<br />

~ Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

Anulatória de testamento público. Improcedência. Testamento<br />

público que atendeu aos requisitos legais previstos<br />

no art. I.864 do Código Civil. Desnecessidade da<br />

rubrica do testador em todas as folhas. Exigência apenas<br />

se o ato de disposição de última vontade for escrito<br />

mecanicamente ou manualmente. Hipótese diversa dos<br />

autos, já que lavrado perante o tabelião, na presença<br />

de testemunhas e do próprio testador, bastando apenas<br />

a assinatura dos presentes. (TJSP. Apelação cível n•<br />

6.074.784.000, Relator Desembargador SALLES ROSSI, julgado<br />

em 29/04/2009).<br />

TABELIÃO. LEGITIMIDADE E RESPONSABILIDADE. Hipótese em que<br />

o testamento foi anulado judicialmente por inobservância<br />

de formalidade legal inerente ao ato típico do tabelião,<br />

causando prejuízos patrimoniais ao autor. Responsabilidade<br />

civil pessoal e objetiva do tabelião, ainda que à época dos<br />

fatos fosse tabelião designado, exercendo o cargo a título<br />

precário. Artigos 37, § 6o e 236 da Constituição Federal. Precedentes<br />

jurisprudenciais.<br />

693


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ressarcimento dos prejuízos causados ao autor apurados<br />

mediante contraposição do patrimônio que lhe tocaria caso<br />

válido o testamento com o que lhe efetivamente lhe coube<br />

com a panilha. (TJRS, Apelação cível n• 70.019.691.674, Relator<br />

Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY, julgado<br />

em 18/o6/2oo8).<br />

O testamento público se mostra aparentemente mais seguro por<br />

ser elaborado perante o tabelião, quem verificará a lisura do ato.<br />

Justo por isto, diz a norma que se o testador não souber, ou não<br />

puder, assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará,<br />

assinando, neste caso, pelo testador e a seu rogo, uma das testemunhas<br />

instrumentárias (CC. i.865). Logo, o analfabeto, por exemplo<br />

haverá de testar pela forma pública.<br />

• E na hora da prova?<br />

(Auditor Fiscal li - SEFAZ - RJ - FGV - 2011) A sucessão poderá se dar por<br />

força de testamento. Toda pessoa capaz poderá dispor, por testamento,<br />

de pane ou da totalidade de seus bens para depois de sua mone. Nesse<br />

sentido, é correto afirmar que:<br />

Gabarito: d) caso o testador nllo saiba ou não possa assinar o testamento<br />

público, o tabelião ou seu substituto legal assinará pelo testador, declarando<br />

tal impossibilidade.<br />

Também se permite ao indivíduo inteiramente surdo, que saiba<br />

ler, a possibilidade de elaborar testamento público. Neste caso Nlerá<br />

o seu testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu<br />

lugar, presentes as testemunhas" (CC. i.866).<br />

Quanto ao cego a lei só permite que o mesmo celebre testamento<br />

na forma pública "que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma<br />

pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas,<br />

designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada<br />

menção no testamento" (CC, i.867 ).<br />

• E na hora da prova?<br />

(Juiz - TJPR - UFPR - 2012) Sobre o direito das sucessões, assinale a alternativa<br />

correta.<br />

Garariro: B) Ao cego só se permite o testamento público.<br />

694


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Ouiz - TJPE - FCC - 2013) Só se permite o testamento público:<br />

Gabarito: e) ao cego, a quem lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma<br />

pelo tabelião ou por seu substituto legal e a outra por uma dos testemunhos,<br />

designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção<br />

no testamento.<br />

Em sendo um ato notorial, o testamento público deverá ser lavrado<br />

em idioma nacional (português), seguindo os ditames do art. i3 da<br />

CF/88.<br />

~ Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

Testamento. Pedido de confirmação. Testadora analfa·<br />

beta e com mal de Parkinson. Dúvidas quanto à elaboração<br />

do documento e imprecisão das testemunhas.<br />

Necessidade de testamento público. Inobservância,<br />

ademais, dos § 1° e § 2• do art. i.876 do Código Civil.<br />

Sentença de improcedência mantida. Recurso Improvido.<br />

(TJSP, Ap. n• 512.319.4/9-00, Relator Desembargador<br />

CAETANO LAGRASTA, julgado em 05/09/2007).<br />

Anulatória de testamento público. Improcedência.<br />

Ausência de qualquer irregularidade no testamento.<br />

Inexistência de prova do alegado de vício de consentimento.<br />

Provas documental e testemunhal que<br />

atestam a lucidez da testadora por ocasião da la·<br />

vratura da escritura de testamento, conferindo-lhe<br />

pleno conhecimento de seus atos. Cegueira da testadora.<br />

Circunstância que não enseja a invalidade<br />

do testamento. Atendidos os requisitos do art. i.637<br />

do Código Civil de 1916 (vigente à data da lavratura<br />

da escritura). Testamento válido. Sentença mantida.<br />

Recurso improvido. (TJSP, Ap. 994092987000. Relator<br />

Desembargador SALLES ROSSI, Data de Publicação:<br />

19/05/2010, julgado em 12/05/2010).<br />

Um vez falecido o testador, o testamento haverá de ser registrado<br />

e cumprido. O Código de Processo Civil disciplina este<br />

procedimento a partir do art. 1.128, exigindo a apresentação do<br />

695


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

mesmo ao Juiz de Direito. De acordo com Sílvio de Salvo Venosa,<br />

neste momento se fará uma análise superficial da validade do<br />

mesmo e, achando-se em ordem, determinar-se-á seu registro,<br />

arquivamento e cumprimento (CPC, i.126)ll.<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o an. i.128 do CPC, passará a se o an. 736 do novo CPC (NCPC), com a<br />

seguinte redação:<br />

Art. 736. Qualquer interessado, exibindo o traslado ou a<br />

certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz<br />

que ordene o seu cumprimento, observando-se, no que<br />

couber, o disposto nos parágrafos do art. 735.<br />

O art. i.126, CPC, passará a ser no novo CPC (NCPC) o art. 735, §2•.<br />

O Ministério Público deverá intervir no feito, emitindo parecer e<br />

requerendo as diligências que entender pertinentes.<br />

~ Atenção!<br />

Aquele que eventualmente vier à desaparecer ou dar fim ao testamento<br />

pode, em tese, incorrer no tipo penal de supressão de documento, na<br />

forma do art. 305 do Código Penal e, com isto, responder à processo<br />

judicial crime.<br />

2.2. Testamento Cerrado, secreto ou místico<br />

O testamento cerrado, secreto ou místico é aquele escrito pelo<br />

testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado,<br />

aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, na forma do art.<br />

i.868 do cc.<br />

O testamento cerrado exige alguns requisitos para a sua validade,<br />

quais sejam: que o testador o entregue ao tabelião em presença<br />

de duas testemunhas; que o testador declare que aquele é o seu<br />

testamento e quer que seja aprovado; que o tabelião lavre, desde<br />

logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o<br />

13. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 203.<br />

696


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

leia, em seguida, ao testador e testemunhas; que o auto de aprovação<br />

seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(FMP - Cartório - TJ - MT/2014) No que diz com o Direito das Sucessões,<br />

assinale a afirmativa correta.<br />

A) O testamento cerrado pode ser escrito pelo testador, ou por outra<br />

pessoa, a seu rogo, devendo ser assinado pelo testador ou, se este não<br />

souber ou não puder fazê-lo, pela pessoa que lho escreveu.<br />

B) A entrega do testamento cerrado ao tabelião constitui ato personalíssimo<br />

do testador, não se admitindo, por isso, a utilização de portador,<br />

mandatário ou representante para tal desiderato.<br />

C) O testamento particular deve ser escrito de próprio punho pelo testador<br />

e em língua nacional, sob pena de nulidade.<br />

D) O poder de o testador revogar o testamento, no todo ou em parte, no<br />

que diz com as disposições patrimoniais, é revogável.<br />

E) Os incapazes podem testar por testamento público.<br />

Gabarito: B<br />

O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente, desde<br />

que seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas<br />

as páginas. Somente será feito por aquele que saiba ler. É possível<br />

que a cédula testamentária se faça em língua estrangeira, por ser um<br />

instrumento particular. O que se exige seja feito em idioma nacional<br />

é o auto de aprovação, o qual é um ato notorial.<br />

Flávio Tartuce'• esclarece que no testamento cerrado o conteúdo<br />

da última vontade não será conhecido por terceiros e "nem necessariamente<br />

pelo tabelião, que apenas fará sua aprovação". É de Sílvio<br />

de Salvo Venosa a lembrança de que este negócio jurídico é eleito<br />

por aqueles que optam por manter sua última vontade em segredo.<br />

Ainda segundo o aludido professor, a grande desvantagem do testamento<br />

secreto é a possibilidade de perda ou destruição da cártula,<br />

o que ocasionará a sua ineficácia ' 5 •<br />

14. TARTUCE, Flávio. Direito Cívil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.303.<br />

15. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 204.<br />

697


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

TESTAMENTO CERRADO. FALTA DE ASSINATURA DA TESTADORA EM TESTAMENTO<br />

DATILOGRAFADO POR UMA SOBRINHA, QUE APARECE NA RELAÇÃO DE HERDEI­<br />

ROS. i. Por mais elástica que possa ser a interpretação em matéria testamentária,<br />

de modo a fazer prevalecer a vontade do testador, não é<br />

possível admitir o testamento cerrado, datilografado por outra pessoa,<br />

no caso uma sobrinha, ausente a assinatura do testador, que é requisito<br />

essencial nos termos da lei (art. i.638, li, do Código Civil). 2. Recurso<br />

especial não conhecido. (STJ - T3 - Terceira Turma, REsp. 163.617/RS, Relator<br />

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES <strong>DIREITO</strong>, DJ 24/04/2000, julgado em<br />

o6/10/1999).<br />

Procedimentalmente, será apresentado ao tabelião uma cédula<br />

testamentária elaborada pelo testador, com o pedido para que se<br />

lavre um auto de aprovação. Então, "o tabelião deve começar o ouro<br />

de aprovação imediatamente depois da última palavra do testador,<br />

declarando, sob sua fé, que o testador lhe entregou para ser aprovado<br />

na presença das testemunhas; passando a cerrar e coser o instrumento<br />

aprovado " (CC, i.869).<br />

Também será possível o tabelião escrever o testamento cerrado<br />

a rogo do testador (CC, art. i.870). O testamento pode ser escrito em<br />

língua nacional ou estrangeira, pelo próprio testador. ou por outrem,<br />

a seu rogo (CC, i.871). Contudo, não poderá dispor de seus bens em<br />

testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler.<br />

• Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

1- Tanto o Código Civil de 1916, quanto o atual de 2002, proíbem o testamento<br />

conjuntivo, ou seja, com mais de um autor e vedam a possibilidade<br />

de realizar testamento cerrado, aquele que não sabe ler. 2- Deverá<br />

ser anulado o testamento que tiver dois autores. 3- Também deverá<br />

ser anulado o testamento cerrado realizado por quem não sabe ler. 4-<br />

Apelação não provida. (TJMG, Apelação cível n° i.0440.05.002241-5/001(1),<br />

Relator Desembargador NILSON REIS, julgado em 16/12/2008).<br />

Importa recordar que o Código de Processo Civil disciplina a<br />

abertura. o registro e o cumprimento do testamento cerrado (arts.<br />

i.225 e ss.). O testamento cerrado haverá de ser aberto apenas pelo<br />

magistrado, quem deverá determinar o seu registro no competente<br />

698


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

cartório, após uma análise acerca das condições do aludido documento,<br />

em sede de jurisdição especial graciosa ou voluntária. O Ministério<br />

Público deverá se manifestar no aludido procedimento que,<br />

enquanto não restar finalizado, obsta a partilha do patrimônio do<br />

de cujus.<br />

~ Atenção!<br />

Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz, que o abrirá<br />

e o fará registrar, ordenando seja cumprido, se não achar vício externo<br />

que o torne eivado de nulidade oú suspeito de falsidade. É o que prescreve<br />

o art. i.875 do CC.<br />

Pode fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o<br />

escreva todo e o assine de sua .mão, e que, ao entregá-lo ao oficial<br />

público, ante as duas testemunhas, escreva, na face externa do papel<br />

ou do envoltório, que aquele é o seu testamento, cuja aprovação<br />

lhe pede (CC, i.873).<br />

O fato é que depois de aprovado e cerrado (fechado), será o<br />

testamento entregue ao testador e o tabelião lançará, no seu livro,<br />

nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e<br />

entregue (CC, i.87 4).<br />

2.3. Testamento Particular ou hológrafo<br />

O testamento particular é o menos praticado. Contra si milita a<br />

insegurança de não se submeter ao exame prévio de uma atividade<br />

notarial. Por conta disto, são maiores as arguições de invalidade do<br />

ato. Recorda Flávio Tartuce 16 , quanto ao testamento hológrafo, que o<br />

mesmo também é grafado sem o "h", ou seja, testamento hológrafo.<br />

Sílvio de Salvo Venosa afirma que em favor do mesmo milita a<br />

"rapidez de elaboração, facilidade e gratuidade'" 7 • Contudo, a simplificação<br />

da solenidade pode se tornar um ambiente propício à fraude<br />

e pressões.<br />

16. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6a Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.3o6.<br />

17. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 211.<br />

699


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante<br />

processo mecânico (CC, i.876). Se escrito de próprio punho, para<br />

valer deverá ser lido e assinado por quem o escreveu, na presença de<br />

pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. Se elaborado<br />

por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco,<br />

devendo ser assinado pelo testador, depois de tê-lo lido na presença<br />

de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.<br />

~ Acerca do tema, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:<br />

Assinatura do testador como requisito essencial de validade<br />

de testamento particular.<br />

Será inválido o testamento panicular redigido de próprio<br />

punho quando não for assinado pelo testador. De fato,<br />

diante da falta de assinatura, não é possível concluir, de<br />

modo seguro, que o testamento escrito de próprio punho<br />

exprime a real vontade do testador. Rfsp i.444.867-Df, rei.<br />

Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 23.9.14. 3" T. (lnfo 551)<br />

Infere-se um número maior de testemunhas, porquanto a maior<br />

insegurança do ato.<br />

Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação<br />

dos herdeiros legítimos (i.877, CC).<br />

Importa recordar ser juridicamente possível a elaboração do testamento<br />

particular em qualquer idioma, desde que datado, assinado<br />

pelo testador e, finalmente, por três testemunhas, sob pena de invalidade.<br />

As testemunhas, obviamente, haverão de conhecer o idioma<br />

estrangeiro, para compreenderem a leitura.<br />

~ Como a jurisprudência tem entendido esta questão?<br />

Testamento particular. Requisito do art. 1645, li, do Código<br />

Civil. Não havendo dúvida quanto à autenticidade<br />

do documento de última vontade e conhecida, induvidosamente,<br />

no próprio, a vontade do testador, deve<br />

prevalecer o testamento particular, que as testemunhas<br />

ouviram ler e assinaram uma a uma, na presença do<br />

testador, mesmo sem que tivessem elas reunidas, todas,<br />

simultaneamente, para aquele fim.<br />

700


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Não se deve alimentar a superstição do formalismo obsoleto,<br />

que prejudica mais do que ajuda. Embora as formas<br />

testamentárias operem como jus cogens, entretanto a lei<br />

da forma está sujeita ã interpretação e construção apropriadas<br />

às circunstancias. Recurso conhecido, mas desprovido.<br />

(STJ, REsp. n° i.422/RS, Relator Ministro CUEIROS LEITE, DJ<br />

04/03/1991, julgado em 02/10/1990).<br />

o pedido de abertura, registro e cumprimento do testamento<br />

particular deve ser instituído com a cédula do<br />

testamento original, não sendo possível a substituição de<br />

referido documento por cópia, ainda que autenticada;<br />

pelo que deve ser reformada a sentença que julgou procedente<br />

o pedido formalizado sem observância deste requisito<br />

essencial. (TJMG, Apelação cível n° i.0024.02.853814-<br />

8/001, Relator Desembargador LAMBERTO SANT'ANNA,<br />

julgado em 31/03/2005).<br />

Reza o art. i.878 do CC que se as testemunhas forem contestes<br />

sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante<br />

elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do<br />

testador, o testamento será confirmado. Se faltarem testemunhas,<br />

por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas reconhecer o tes ­<br />

tamento, este poderá ser confirmado, se, ao critério do juiz, houver<br />

prova suficiente de sua veracidade.<br />

~ E na hora da prova?<br />

o concurso para o cargo de Juiz - TJMG, organizado pela banca VUNESP,<br />

ano de 2012, considerou correta a seguinte assertiva: Hse as testemunhas<br />

forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua<br />

leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim<br />

como a do testador, o testamento serã confirmado".<br />

~ Atenção!<br />

O testamento particular excepcional é admitido desde que as referidas<br />

circunstâncias excepcionais sejam declaradas na cédula, o testamento<br />

particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas,<br />

poderã ser confirmado, a critério do juiz. É o que reza o art. i.879 do CC,<br />

que não constava no projeto originário do CC, sendo sugerido por Miguel<br />

Reale e aditado mediante a Emenda 483-r subscrita pelo então Senador<br />

baiano Josaphat Marinho.<br />

701


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• E na hora da prova?<br />

Sobre o testamento particular, a banca organizadora VUNESP, na prova<br />

para o cargo de Juiz - TJMG, ano de 2012, considerou correta a alternativa:<br />

uem circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento<br />

particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas,<br />

poderá ser confirmado, a critério do juiz".<br />

(Promotor de Justiça Substituto - MPE/BA - CESPE - 2010) Bernardo, em 12<br />

de maio de 2008, mediante testamento particular, reconheceu a paternidade<br />

de Cecília, bem assim dispôs da metade de seu patrimônio. Consta<br />

que o referido testamento foi celebrado em circunstâncias excepcionais,<br />

devidamente declaradas na cédula, contudo, sem testemunhas. Assinale<br />

a alternativa correta.<br />

A. O testamento é anulável.<br />

B. O testamento é inexistente.<br />

e. o testamento é ineficaz.<br />

D. O testamento somente será válido no que concerne à disposição do<br />

patrimônio.<br />

E. o testamento poderá ser confirmado, a critério do Juiz.<br />

Gabarito: letra E.<br />

O Código de Processo Civil (u30 e ss.) também disciplina o procedimento<br />

pelo qual se deverá publicar, confirmar e mandar cumprir<br />

o testamento particular.<br />

3. DOS CODICILOS<br />

De acordo com o art. i.881 do CC "Toda pessoa capaz de testar<br />

poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições<br />

especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta<br />

a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres<br />

de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor,<br />

de seu uso pessoal". A isto se denomina codicilo.<br />

• E na hora da prova?<br />

A banca organizadora, considerou FALSA a seguinte assentva: " o codicilo<br />

pode ser realizado mediante escritura pública ou escrito particular;<br />

neste último caso deverá ser subscrito por duas testemunhas".<br />

702


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Na doutrina de Sílvio de Salvo Venosa "O termo codicilo é diminutivo<br />

de codex, derivado do latim clássico, de caudex, que significava<br />

inicialmente tronco de árvore, e daí o sentido de tabuinhas de escrever<br />

e, depois, livro, registro. Portanto, significa pequeno livro, pequeno<br />

registro"'ª. Na atualidade, raras são as legislações que o disciplinam.<br />

Flávio Tartuce' 9 sustenta que o codicilo constitui expressão da<br />

última vontade de forma mais simplificada, não exigindo a lei para<br />

este a mesma solenidade, se comparado ao testamento.<br />

Carlos Roberto Gonçalves, seguindo a linha, afirma que o codicilo "é<br />

ato da última vontade, destinado, porém, a disposição de pequeno valor<br />

ou recomendações para serem atendidas e cumpridas após a morte'"º.<br />

~ O que seria pequeno valor?<br />

Para a doutrina e jurisprudência, de forma pacífica, o pequeno valor no<br />

codicilo diz respeito a 1o°k (dez por cento) do valor do monte mor. Tal<br />

quantificação, porém, não é feita pela norma. Neste sentido que caminha,<br />

por exemplo, a doutrina de Washington de Barros Monteiro.<br />

~ Como a jurisprudência vem se manifestando sobre o tema?<br />

INDENIZAÇÃO - DANOS MORAL E MATERIAL - <strong>DIREITO</strong> AUTORAL<br />

- PUBLICAÇÃO DE OBRA LITERÁRIA DE FALECIDO AUTOR DE RE­<br />

NOME SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO DOS SUCESSORES - VERBA<br />

DEVIDA INTEGRALMENTE. Ausência de interesse de agir e<br />

ilegitimidade ativa dos autores alegada porque apenas<br />

invocaram condição de sobrinhos sem indicação da aquisição<br />

dos pleiteados direitos autorais, não dependendo<br />

de autorização a republicação dos escritos como "artigos<br />

informativos".<br />

18. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 224.<br />

19. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.322.<br />

20. GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v . 7: Direito das Sucessões. 6•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 294.<br />

21. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões, v.<br />

o6. 35• ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.<br />

703


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Os autores não reclamam direito alheio em nome próprio<br />

de modo a desafiar dicção do artigo 3°, da Lei<br />

processual, emergindo límpido o meio de aquisição do<br />

direito, receberam o legado, pelo codicilo, de eficácia<br />

plena independente de procedimento judicial não caracterizando<br />

"artigo" informativo publicação de obra<br />

literária. Bem fixada a reparação. Recurso improvido.<br />

(TJSP, Apelação Cível 370.263-14/9-00, Relator Desembargador<br />

FRANCISCO CASCONI, julgado em 23/02/2005).<br />

AÇÃO ANULATÔRIA DE CODICILO. MEIO HÁBIL PARA LEGAR<br />

BENS MÓVEIS DE REDUZIDO VALOR. REDUÇÃO DAS DISPO­<br />

SIÇÕES. Excluem-se do codicilo joias e relógios, bens<br />

de alto valor, por serem incompatíveis com a natureza<br />

da disposição de vontade, restrita a bens móveis<br />

de reduzido valor. (TJRS, Ap. n• 70.015.923.808, Relator<br />

Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, julgado<br />

em 29/11/2006).<br />

Os codicilos podem existir independentemente dos testamentos<br />

(CC, i.882) e servem ainda para nomear ou substituir testa ­<br />

menteiro (CC, i.883), admitindo-se até mesmo o codicilo cerrado<br />

ou secreto (i.885, CC). Portanto, basicamente, pelos codicilos se<br />

disciplinam o sufrágio da alma (realização de missas, por exemplo),<br />

a nomeação ou a substituição do testamenteiro e o perdão<br />

do indigno.<br />

É preciso que se ressalte o fato de os codicilos. quando do óbito,<br />

exigirem apresentação em juízo para abertura, registro e cumprimento.<br />

~ Atenção!<br />

Os codicilos não revogam testamentos. E mais: os codicilos se consideram<br />

revogados se, havendo testamento posterior; de qualquer natureza,<br />

este os não confirmar ou modificar. No RE 18.012 o Supremo Tribunal<br />

Federal entendeu não ser possível a cláusula codicilar que em última<br />

análise significaria converter um testamento nulo em um codicilo para o<br />

fim de aproveitar o negócio jurídico<br />

704


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

4. DOS TESTAMENTOS ESPECIAIS: FORMAS ESPECIAIS DE TESTAMENTO<br />

Três são os testamentos especiais: o marítimo, o aeronáutico e o<br />

militar (CC, i.886). A enumeração é numerus c/ausulus, como se vê do<br />

art. i .887 do CC: "Não se admitem outros testamentos especiais além<br />

dos contemplados neste Código".<br />

Adverte Sílvio de Salvo Venosa ser restrita e pouco provável a<br />

utilização das formas especiais de testamento, afinal de contas "é<br />

muito difícil que se elabore testamento a bordo de uma aeronave'm,<br />

assim como, dizemos nós agora, nos outros casos.<br />

Tanto o testamento marítimo, quanto o aeronáutico envolverão<br />

situações de quem "estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de<br />

guerra ou mercante". Nestas condições, a norma permite que a pessoa<br />

elabore um testamento, desde que na presença do comandante<br />

e de duas testemunhas, por forma que corresponda à pública ou à<br />

cerrada (CC, i.888). O registro deste testamento será feito no diário<br />

de bordo.<br />

• E na hora da prova?<br />

(Titular de Serviços de Notas e de Registros - TJMG - FUMARC - 2012) Pelo<br />

Código Civil, a pessoa que estiver em viagem, a bordo de navio nacional,<br />

pode testar perante o comandante. Sobre o testamento marítimo, é<br />

correto afirmar que:<br />

A assertiva tida como verdadeira foi a seguinte: "B) será feito na presença<br />

de duas testemunhos, por forma que corresponda ao testamento público<br />

ou cerrado".<br />

Assim, àquele que estiver em viagem, a bordo de aeronave militar<br />

ou comercial, pode testar perante pessoa designada pelo comandante,<br />

observado o disposto no artigo antecedente (CC, i.889). O<br />

testamento marítimo ou aeronáutico ficará sob a guarda do comandante,<br />

que o entregará às autoridades administrativas do primeiro<br />

porto ou aeroporto nacional, contra recibo averbado no diário de<br />

bordo.<br />

22. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 218.<br />

705


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Uma curiosíssima situação é prevista no Código Civil relativa ao<br />

prazo de decadência no qual o testamento caducará. Segundo a lei<br />

"Caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não<br />

morrer na viagem, nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque<br />

em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento".<br />

É o que prevê o art. i.891 do CC.<br />

Outra norma curiosa é a do art. i.892 do CC: "Não valerá o testamento<br />

marítimo, ainda que feito no curso de uma viagem, se, ao tempo<br />

em que se fez, o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar<br />

e testar na forma ordinária".<br />

As razões destas disposições são claras. Testamentos especiais<br />

são excepcionais, não devendo permanecer, ou serem confeccionados,<br />

quando possível as figuras ordinárias.<br />

Já o testamento militar é aquele disponibilizado não apenas<br />

aos militares, mas as demais pessoas a serviço das Forças Armadas<br />

e que estejam em campanha, dentro ou fora do País, assim como<br />

em praça sitiada, ou que esteja de comunicações interrompidas.<br />

Neste caso, mesmo não havendo tabelião ou seu substituto legal,<br />

será possível fazê-lo, perante duas testemunhas. Caso o testador<br />

não possa ou não saiba assinar, será necessária uma terceira testemunha.<br />

I> Dica!<br />

Se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo destacado, o testamento<br />

será escrito pelo respectivo comandante, ainda que de graduação<br />

ou posto inferior.<br />

Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será<br />

escrito pelo respectivo oficial de saúde, ou pelo diretor do estabelecimento.<br />

Se o testador for o oficial mais graduado, o testamento será escrito por<br />

aquele que o substituir.<br />

A mesma situação de caducidade (decadência) existirá aqui: "Caduca<br />

o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja,<br />

noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária,<br />

salvo se esse testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo<br />

único do artigo antecedente" (CC, i.895).<br />

706


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

~ Atenção!<br />

As pessoas designadas no an. 1.893, estando empenhadas em combate,<br />

ou feridas, podem testar oralmente. confiando a sua última vontade a<br />

duas testemunhas. Não terá efeito o testamento se o testador não morrer<br />

na guerra ou convalescer do ferimento. É o que afirma o an. 1.895<br />

do cc.<br />

5. DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS<br />

Ao longo do presente capítulo e até este momento tivemos a<br />

oportunidade de analisar os elementos formais, exógenos, extrínsecos<br />

do testamento. É chegada a hora de avaliar o conteúdo da<br />

disposição testamentária: "O que pode a vontade testamentária expressar;<br />

como pode dispor; para quem; até que limite; qual a redação<br />

das cláusulas e seu sentido, todas essas são questões que interessam<br />

ao testamento do ponto de vista intrínseco", como adverte Sílvio de<br />

Salvo Venosa 2 1.<br />

Segundo Flávio Tartuce'4, as disposições testamentárias constituem<br />

a busca legislativa de suprir a vontade do finado e identificar<br />

seu real alcance nas situações em que o testamento não se apresentar<br />

em seu texto suficientemente claro.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(FMP - Cartório - TJ - MT/2014) Em relação às sucessões, assinale a afirmativa<br />

correta.<br />

A) O testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.<br />

B) São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial,<br />

ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.<br />

C) É proibido o testamento conjuntivo na forma simultânea, mas se admite<br />

na forma recíproca, com a instituição de benefícios mútuos, de modo<br />

que o sobrevivente recolha a herança do outro.<br />

23- Direito Civil, 7• Ediçã o, v 7, 2007, p. 226.<br />

24. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p.3 29.<br />

707


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

D) O codicilo é meio idôneo para efetuar deserdações e legar imóveis<br />

urbanos, com área não superior a 250,oom2 (duzentos e cinquenta metros<br />

quadrados).<br />

E) É válida a disposição que institua herdeiro ou legatário sob a condição<br />

captatória, no sentido de que este disponha, também por testamento,<br />

em benefício de terceiro, sendo vedado, entretanto, dispor em prol do<br />

testador.<br />

Gabarito: B<br />

A título de exemplo, verifique que a nomeação de herdeiro, ou<br />

legatário, pode se fazer pura e simplesmente, sob condição, para<br />

certo fim ou modo, ou por certo motivo. Contudo, a designação do<br />

tempo em que deva começar ou cessar o direito do herdeiro, salvo<br />

nas disposições fideicomissárias, ter-se-á por não escrita. Estas são<br />

algumas das previsões legais contidas no estudo das disposições<br />

testamentárias.<br />

Carlos Roberto Gonçalves, forte em Pontes de Miranda, relembra<br />

que a interpretação das cláusulas testamentárias objetiva salvar ao<br />

máximo possível a vontade do testador, constituindo o nobile officium<br />

do juiz dos testamentos.' 5 O escopo é a maximização do testamento,<br />

da vontade do de cujus.<br />

Às escâncaras, percebe-se que o CC contempla neste momento<br />

uma série de disciplinas interpretativas do testamento, aspecto semelhante<br />

ao que ocorreu na sua parte geral, máxime entre os arts.<br />

112 a 114 do CC, que também apresentam regramemos interpretativos<br />

dos negócios jurídicos em geral.<br />

Diz a legislação vigente, ilustre-se, que quando a cláusula testamentária<br />

for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a<br />

que melhor assegure a observância da vontade do testador. Aproximam-se<br />

aqui os artigos 112 e i.899 do CC, numa nítida harmonia e<br />

sistemática.<br />

Andou bem o legislador ao se dedicar às disposições testamentárias.<br />

o testamento constitui negócio jurídico íntimo, personalíssimo,<br />

25. GONÇALVES, Carlos Roberio. Direito Civil Brasileiro, v. 7: Direito das Sucessões. 6•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 351.<br />

708


a ensejar um sem número de particulares e até mesmo dúvidas<br />

de compreensão, daí a prudência normativa em tentar antecipar<br />

algum destes problemas, apresentando a solução jurídica para o<br />

caso.<br />

I> Como os tribunais estão se pronunciando sobre o assunto?<br />

Súmula 49/STF: A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade<br />

dos bens.<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. FILHOS LEGÍTIMOS<br />

DO NETO. LEGATÁRIOS. ALCANCE DA EXPRESSÃO. INTERPRE­<br />

TAÇÃO DO TESTAMENTO. ENUNCIADO N• 5 DA SÚMULA/STJ.<br />

LEGATÁRIO AINDA NÃO CONCEBIDO À DATA DO TESTADOR. CA­<br />

PACIDADE SUCESSÓRIA. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO.<br />

1 - A análise da vontade do testador e o contexto em<br />

que inserida a expressão "filhos legítimos" na cédula<br />

testamentária vincula-se, na espécie, à situação de fato<br />

descrita nas instâncias ordinárias, cujo reexame nesta<br />

instância especial demandaria a interpretação de cláusula<br />

e a reapreciação do conjunto probatório dos autos,<br />

sabidamente vedados, a teor dos Verbetes Sumulares 5<br />

e 7/STJ. Não se trata, no caso, de escolher entre a acepção<br />

técnico-jurídica e a comum de "filhos legítimos", mas<br />

de aprofundar-se no encadeamento dos fatos, como a<br />

época em que produzido o testamento, a formação cultural<br />

do testador, as condições familiares e sobretudo<br />

a fase de vida de seu neto, para dessas circunstâncias<br />

extrair o adequado sentido dos termos expressos no<br />

testamento. li - A prole eventual de pessoa determinada<br />

no testamento e existente ao tempo da morte do testador<br />

e abertura da sucessão tem capacidade sucessória<br />

passiva. Ili - Sem terem as instâncias ordinárias abordado<br />

os temas da capacidade para suceder e da retroatividade<br />

da lei, carece o recurso especial do prequestionamento<br />

em relação à alegada ofensa aos arts. i.572 e<br />

i.577 do Código Civil. IV - O Superior Tribunal de Justiça<br />

não tem competência para apreciar violação de norma<br />

constitucional, missão reservada ao Supremo Tribunal<br />

Federal. (STJ - T4 - Quarta Turma, REsp. 203.137/PR, Relator<br />

Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 12/08/2002,<br />

julgado em 25/02/2002).


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

INVENTÁRIO. TESTAMENTO, INTERPRETAÇÃO DE ClÁUSULA. VONTA­<br />

DE DO TESTADOR. 1. Se o autor da herança era viúvo, não<br />

tinha herdeiros necessários e dispôs da totalidade dos seus<br />

bens em testamento, ressalvando inclusive a hipótese de<br />

estar viúvo na data da abertura da sucessão, não havia ra·<br />

zão para que fosse reduzida a participação patrimonial dos<br />

legatários pela metade, devendo ser cumprida a vontade<br />

do testador. 2. Parece claro que o testador; ao dispor sobre<br />

a metade dos seus bens em favor dos legatários, ele estava<br />

se referindo à totalidade do que lhe pertencia, já que meeiro<br />

do patrimônio comum do casal, tendo o cuidado de enfatizar<br />

que não tinha herdeiros necessários. Assim, ele deixava<br />

a sua parte para os legatários e, se sua esposa morresse<br />

antes, ele, por igual, mantinha a disposição testamentária.<br />

3. Não fosse essa a vontade do falecido e a ressalva seria<br />

vazia, devendo ser interpretada a cláusula testamentária de<br />

fonna a buscar aquela que melhor assegure a observância<br />

da vontade do testador. Interpretação do art. 1.899 do Código<br />

Civil. Recurso provido. (TJRS, Ap. n• 70.015.oi6.446, Relator<br />

Desembargador SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,<br />

julgado em 16/o8/2oo6).<br />

Testamento. Nulidade. Disposição testamentária que se refere<br />

a pessoa incerta, cuja identidade não se pode averiguar<br />

(art. 1900, li, do Código Civil). Tratando-se de nulidade<br />

de negócio jurídico, pode ser pronunciada de ofício pelo<br />

juiz (art. 168, parágrafo único, do Código Civil). Decisão que<br />

deve ser mantida. Agravo de instrumento improvido. (TJSP.<br />

Agravo de instrumento n• 6.017.174.900, Relator Desembargador<br />

PAULO EDUARDO RAZUK, julgado em 17/02/2009).<br />

~ E como este assunto vem sendo cobrado em concurso público?<br />

(Titular de Serviços de Notas e de Registros - TJMG - FUMARC - 2012) Um<br />

testador estabeleceu cláusula de incomunicabilidade sobre os bens da<br />

legítima. Este testamento é:<br />

A) nulo.<br />

B) ineficaz.<br />

C) válido, se houver justa causa declarada no testamento.<br />

D) nulo, somente se os herdeiros forem casados sob o regime de comunhão<br />

universal de bens.<br />

Gabarito: letra e.<br />

710


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Igualmente, o concurso para Serviço de Notas e de Registro, TJMA, banca<br />

IESES, ano de 2011, considerou verdadeira a alternativa: "havendo justa<br />

causa, declarada no testamento, poderá o testador estabelecer cláusula<br />

de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre<br />

os bens da legítima".<br />

Seguindo no estudo do conteúdo das disposições testamentárias,<br />

de acordo com o art.i.900 do CC é nula a disposição que: a) institua<br />

herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha,<br />

também por testamento, em benefício do testador, ou de<br />

terceiro; b) que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se<br />

possa averiguar; c) que favoreça a pessoa incerta, cometendo a<br />

determinação de sua identidade a terceiro; d) que deixe ao arbítrio<br />

do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado ou, finalmente e)<br />

que favoreça as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802, as<br />

quais são vedadas de suceder.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Em busca do gabarito correto, a banca organizadora FMP. em prova de<br />

concurso realizada no ano de 2014, considerou INCORRETA a seguinte assertiva:<br />

"É válida a disposição que institua herdeiro ou legatário sob<br />

a condição captatória, no sentido de que este disponha, também por<br />

testamento, em benefício de terceiro, sendo vedado, entretanto, dispor<br />

em prol do testador".<br />

Por outro lado, valerá a disposição em favor de pessoa incerta<br />

que deva ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas<br />

mencionadas pelo testador, ou pertencentes a uma família, ou<br />

a um corpo coletivo, ou a um estabelecimento por ele designado;<br />

em remuneração de serviços prestados ao testador, por ocasião da<br />

moléstia de que faleceu, ainda que fique ao arbítrio do herdeiro ou<br />

de outrem determinar o valor do legado.<br />

Infere-se que é possível favorecer pessoa determinável, mas não<br />

indeterminada.<br />

A disposição geral em favor dos pobres, dos estabelecimentos<br />

particulares de caridade, ou dos de assistência pública, entender-se­<br />

-á relativa aos pobres do lugar do domicílio do testador ao tempo<br />

de sua morte, ou dos estabelecimentos aí sitos, salvo se manifestamente<br />

constar que tinha em mente beneficiar os de outra localidade.<br />

117


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Aqui, por imposição normativa, as instituições particulares preferirão<br />

sempre às públicas. Nada impede, todavia, que o testador faça<br />

a imputação.<br />

O erro na designação da pessoa do herdeiro, do legatário ou da<br />

coisa legada, anula a disposição, salvo se, pelo contexto do testamento,<br />

por outros documentos, ou por fatos inequívocos, se puder<br />

identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referir-se.<br />

Para Sílvio de Salvo Venosa a regra é óbvia e dispensável, especialmente<br />

porque há uma detalhada disciplina jurídica sobre o instituto<br />

do erro na parte geral do CC a tornar, de fato, desnecessária a<br />

disciplina semelhante. Afinal de contas, o testamento também é um<br />

negócio jurídico e, como tal, submete-se a tais regras.' 6 •<br />

~ Como os tribunais estão se pronunciando sobre o assunto?<br />

Testamento particular. Codicilo. Fita de VHS descrevendo<br />

os bens. Documento tido como imprestável pelo Juízo.<br />

Descabimento, uma vez que, sem substituir os atos de<br />

última vontade, pode funcionar como documento de interpretação<br />

complementar a eles. Agravo retido provido.<br />

(TJSP, Apelação cível n° 3.759.254.700, Relator Desembargador<br />

JOAQUIM GARCIA, Data de Publicação: 26/02/2009,<br />

julgado em 11/02/2009).<br />

Se o testamento nomear dois ou mais herdeiros, sem discriminar<br />

a parte de cada um, partilhar-se-á por igual, entre todos, a porção<br />

disponível do testador. Ex.: Deixo minha cota disponível para João e<br />

Ricardo. Aqui, João deverá receber metade da cota disponível, enquanto<br />

Ricardo a outra metade.<br />

Se o testador nomear certos herdeiros individualmente e outros<br />

coletivamente, a herança será dividida em tantas quotas quantos<br />

forem os indivíduos e os grupos designados. Ex.: Deixo minha cota<br />

disponível para: a) João; b) Ricardo e Maria; e) Caio e d) Tício. Aqui a<br />

cota disponível será dividida em quatro partes, sendo 25°/o de João;<br />

i2,5°/o de Ricardo; i2,5°b de Maria; 25°/o de Caio e 25% de Tício.<br />

26. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 236.<br />

772


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Se forem determinadas as quotas de cada herdeiro, e não absorverem<br />

toda a herança, o remanescente pertencerá aos herdeiros<br />

legítimos, segundo a ordem da vocação hereditária. Ex.: Deixo ioºk<br />

do meu patrimônio para Mario. Os outros 90°k devem seguir a ordem<br />

de vocação hereditária.<br />

Se forem determinados os quinhões de uns e não os de outros<br />

herdeiros, distribuir-se-á por igual a estes últimos o que restar, depois<br />

de completas as porções hereditárias dos primeiros. Ex.: Deixo<br />

minha cota disponível para: a) João, na razão de 2oºk; b) Caio e Maria.<br />

Caio e Maria receberão, cada um, 4oºk da cota disponível.<br />

Dispondo o testador que não caiba ao herdeiro instituído certo e<br />

determinado objeto, dentre os da herança, tocará ele aos herdeiros<br />

legítimos.<br />

São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro,<br />

dolo ou coação. Aplica-se, no particular, o estudado na parte geral<br />

no que diz respeito aos defeitos do negócio jurídico. A anulabilidade<br />

em comento submete-se ao prazo decadencial de 4 (quatro) anos,<br />

contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício.<br />

A ineficácia de uma disposição testamentária importa a das outras<br />

que, sem aquela, não teriam sido determinadas pelo testador.<br />

A de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade,<br />

implica impenhorabilidade e incomunicabilidade, nos moldes do art.<br />

i.911 do CC.<br />

No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação<br />

por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro,<br />

mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á<br />

em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos<br />

primeiros. Há, claramente, subrogação.<br />

~ Como o SUperior Tribunal de Justiça se pronunciou sobre o assunto?<br />

Usucapião_ Bem com cláusula de inalienabilidade. Testamento.<br />

Art. 1676 do Código Civil. O bem objeto de legado<br />

com cláusula de inalienabilidade pode ser usucapido.<br />

Peculiaridade do caso. Recurso não conhecido. (STJ - T4<br />

- Quarta Turma, REsp. 418.945/SP. Relator Ministro RUV RO­<br />

SADO DE AGUIAR, DJ 30/09/2002, julgado em 14/oS/2002).<br />

713


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Também já entendeu o Superior Tribunal de Justiça que<br />

as dívidas do morto serão garantidas pelos imóveis que<br />

o mesmo deixou ainda que haja testamento com cláusula<br />

de inalienabilidade e impenhorabilidade, de maneira<br />

que será possível a realização de penhora nestas situações<br />

(REsp. 998.031/SP).<br />

De igual sorte, entende o Superior Tribunal de Justiça ser<br />

possível o abrandamento de cláusulas vitalícias em situações<br />

excepcionais de necessidade financeira através do<br />

procedimento especial de jurisdição voluntária na qual<br />

se postule este abrandamento (REsp. u58.679/MG).<br />

6. DOS LEGADOS<br />

Flávio Tartuce' 7 esclarece que o legado é forma de disposição<br />

causa mortis a título singular, que recai sobre coisa determinada. O<br />

Código Civil apresenta várias modalidades de legado, as quais variam<br />

conforme o tipo de deixa testamentária realizada pelo testador.<br />

Como já anotado à linhas atrás, não há cultura de testamentos no<br />

Brasil. Via de consequência, os legados também são igualmente raros.<br />

Apesar disto, curiosamente, o legislador nacional optou por apresentar<br />

várias hipóteses de legado, detalhando, bastante, o tema.<br />

Carlos Roberto Gonçalves adverte que em nosso direito não existem<br />

legados universais e que todo legado constitui liberalidade a<br />

titulo singular'ª. No mesmo sentido, Silvio Rodrigues.' 9 .<br />

~ E na hora da prova?<br />

(IESES - Cartório - TJ - PB/2014) Segundo o ordenamento civilista brasileiro,<br />

em matéria de direito das sucessões, NÃO podem ser nomeados<br />

herdeiros nem legatários:<br />

27. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p. 357.<br />

28. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 7: Direito das Sucessões. 6•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 359.<br />

29. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, V. 7, p. 197.<br />

774


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

1. A pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou<br />

companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos.<br />

li. As testemunhas do testamento.<br />

Ili. O concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver<br />

separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos.<br />

IV. O tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante<br />

quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.<br />

A sequência correta é:<br />

a) Apenas as assertivas 1 e Ili estão corretas.<br />

b) Apenas as assertivas 1, li e Ili estão corretas.<br />

e) Apenas a assertiva Ili está correta.<br />

d) As assertivas 1, li, Ili e IV estão corretas<br />

Gabarito: D<br />

Antes disto, importa ressaltar que o legado pode ser dirigido a<br />

qualquer pessoa, parente ou não, natural ou jurídica. É possível que<br />

se deixe o legado ao próprio herdeiro legítimo, que, neste caso,<br />

receberá o nome de prelegado ou legado precípuo. Aqui, uma única<br />

pessoa reunirá a qualidade de legatário e herdeiro.<br />

Traduz o legado mais uma das manifestações previstas no Código<br />

Civil de autonomia privada, intimamente relacionada ao princípio da<br />

liberdade e da intervenção mínima. Trata-se de negócio jurídico que<br />

surge mediante testamento.<br />

É de Sílvio de Salvo Venosa a lembrança de que "O legado é uma<br />

deixa testamentária determinada dentro do acervo transmitido pelo<br />

autor da herança: um anel ou as joias da herança; um terreno ou um<br />

número determinado de lotes; as ações de companhias, ou as ações de<br />

determinada companhia". 3 º.<br />

O legado pressupõe a existência de um testamento. Em outras<br />

palavras: não há como se fazer um legado senão pela via testamentária.<br />

Envolve qualquer bem jurídico comerciável. O legatário<br />

(aquele que o recebe) adquire o objeto do legado a título singular,<br />

ex re certa. Mesmo numa hipótese na qual o legado envolva uma<br />

30. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 239.<br />

715


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

universalidade de fato (coleção, rebanho de gado, biblioteca, etc),<br />

tecnicamente aquele bem ser visto como uma deixa a título singular.<br />

Vamos agora analisar, em breve síntese, as modalidades de legado<br />

apresentadas pelo Código Civil.<br />

O legado de coisa alheia é previsto no art. i.912 do CC: "É ineficaz<br />

o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da<br />

abertura da sucessão". Aqui se tem uma curiosa situação de legado. O<br />

autor da herança elabora um testamento cujo objeto é um bem que<br />

não lhe pertence à época do óbito.<br />

~ Curiosidade:<br />

No Direito Romano existiam duas situações envolvendo esta modalidade de<br />

legado: (i) quando o testador tinha ciência de que a coisa legada pertencia a<br />

outra pessoa e (ii) quando o testador não tinha ciência de que o bem objeto<br />

do legado não lhe pertencia. Naquele tempo se entendia que no primeiro<br />

caso o legado deveria ser válido, surgindo disto o dever juridico do herdeiro<br />

de adquirir o bem referido no testamento e adimplir a disposição de última<br />

vontade. Já na segunda situação, deveria ser invalidado o legado.<br />

Atualmente pode-se afirmar que o CC optou por solucionar a questão<br />

a partir do terceiro degrau da escada ponteana, ou seja, no plano<br />

da eficácia. Não se diz, portanto, que o testamento seria nulo ou anulável.<br />

Ao contrário disto, o legado será apenas ineficaz, de modo que não<br />

gerará efeito jurídico algum. Em outras palavras: será ineficaz o legado<br />

de coisa que não pertença ao testador no momento da sua morte.<br />

~ Como esta situação já foi decidida?<br />

Ação anulatória de disposição testamentária. Legado.<br />

Universalidade. Contas bancárias e aplicações. Possibilidade.<br />

lnocorrência de Vícios. Recurso Improvido. Para caracterização<br />

do legado basta o destacamento do bem ou<br />

dos bens do monte sobre o qual o testador está dispondo.<br />

(TJMG, Apelação cível n° 1.0693.04.026325-5/001, Relator<br />

Desembargador ALVIM SOARES, julgado em 13/07/2007).<br />

o legado de coisa de herdeiro ou do legatário está previsto no art.<br />

i.913 do CC: "se o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue<br />

coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se­<br />

-á que renunciou à herança ou ao legado". Nesta espécie de legado<br />

716


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

surgirá, em face do legatário, um importante dilema: ou aceitará o<br />

legado e, por força disto, terá que dar a coisa própria a um terceiro,<br />

em cumprimento da última vontade do finado; ou não aceitará o legado,<br />

hipótese na qual a não execução equivalerá à renúncia. Surge no<br />

legado de coisa de herdeiro a figura do sublegatário, que é o terceiro<br />

a se beneficiar com a coisa, que será denominada de sublegado.<br />

Na sequência, o Código Civil dispõe sobre o legado de coisa comum<br />

(CC, i.914). Acontece se a coisa legada pertence apenas parcialmente<br />

ao testador (condomínio), quando, então, o legado valerá<br />

e será eficaz tão somente em relação à esta parte; afinal de contas,<br />

quanto à outra, será ineficaz.<br />

o legado de coisa genérica se caracteriza quando o testador<br />

identifica o objeto do legado apenas pelo gênero e quantidade,<br />

razão pela qual, para a lei, deverá ser cumprido mesmo se não<br />

existir tais bens no patrimônio jurídico do testador, a teor do art.<br />

i.915 do CC.<br />

o legado de coisa ex re certa ou singularizada, será eficaz apenas<br />

se a mesma existir entre os bens da herança quando do óbito (art.<br />

i.916 do CC).<br />

Outrossim, o legado de coisa localizada é aquele na qual o bem<br />

haverá de se encontrar em determinado lugar e será eficaz se ali<br />

estiver; salvo acaso provisoriamente retirado: "O legado de coisa que<br />

deva encontrar-se habitual e permanentemente em determinado lugar;<br />

só terá eficácia se nele for achada, salvo se removida a título transitório"<br />

(CC, i.917).<br />

Em seguida, a legislação trata do legado de crédito (legatum nominis)<br />

ou de quitação de dívida (legatum liberationls). Nesta modalidade<br />

cumpre-se o legado se entregando ao legatário o título<br />

comprobatório do crédito. A norma também disciplina o legado de<br />

quitação, quando o devedor recebe, à título de legado, a quitação<br />

de uma específica dívida que possuía para com o finado. Equivale à<br />

um perdão, ou seja, a uma forma indireta de extinção da obrigação<br />

e encontra disciplina no art. i.818 do CC.<br />

O legado de alimentos é aquele que em regra haverá de envolver<br />

sustento, vestuário, e moradia em benefício do legatário. Também deverá<br />

envolver educação, quando o beneficiário for menor. O art. i.920<br />

do CC trata do assunto. Para Sílvio de Salvo Venosa é possível indeferir<br />

717


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

o legado de alimentos quando, no caso concreto, restar constatado<br />

que o beneficiário (legatário) não necessita do mesmo. Entende o<br />

doutrinador, portanto, que o binômio necessidade-possibilidade também<br />

se aplicaria no caso, sob pena de desvirtuamento do instituto 31 •<br />

Flávio TartuceP adverte que o legado de alimentos deverá ser fixado<br />

por tempo determinado, de modo que se o testamento for omisso<br />

a este respeito, caberá ao Juiz de Direito determinar seu dies ad quem.<br />

Se o legatário for menor, presume-se incluído neste dever a educação.<br />

~ Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

Legado de alimentos. Disposição testamentária que beneficia<br />

herdeira. Valores provenientes de renda de imóvel<br />

locado, pertencente ao espólio. Decisão agravada que,<br />

em inventário, determina o levantamento das quantias<br />

depositadas em juízo em favor da legatária, bem como<br />

ordena à inquilina que faça o pagamento da quantia<br />

correspondente ao legado de alimentos diretamente à<br />

beneficiária da quantia. Correção. Disposição testamentária<br />

plena e eficaz. Legado de alimentos devidos desde a<br />

morte da testadora (artigo 1.926, CC/2002). Decisão mantida.<br />

Recurso desprovido, na parte conhecida. (TJSP, Agravo<br />

de instrumento n• 994092729370, Relator Desembargador<br />

DE SANTI RIBEIRO, Data de Publicação: 25/03/2010, julgado<br />

em 16/03/2010).<br />

No legado de usufruto e de direitos reais limitados, sem fixação<br />

de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida. É,<br />

portanto, vitalício. Pode envolver não apenas o usufruto, como o uso<br />

e o direito real de habitação. A previsão se encontra no art. i.921 do<br />

CC. Morto o usufrutuário a propriedade se consolidará.<br />

~ Atenção!<br />

Se a deixa em usufruto for para pessoa jurídica, a vigência do legado<br />

será, no máximo, de trinta anos, na forma do art. 1.410, Ili, do CC.<br />

31. Direito Civil, 7• Edição, v 7, 2007, p. 246.<br />

32. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p. 363.<br />

718


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

O legado de imóvel está previsto no art. i.922 do CC: "Se aquele<br />

que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda<br />

que contíguas, não se compreendem no legado, salvo expressa declaração<br />

em contrário do testador". Contudo, não se aplica esta disciplina<br />

às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas no prédio<br />

legado. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa<br />

certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição<br />

suspensiva. Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela<br />

pode o legatário entrar por autoridade própria. O legado de coisa<br />

certa, existente na herança, transfere também ao legatário os frutos<br />

que produzir, desde a morte do testador, exceto se dependente de<br />

condição suspensiva ou de termo inicial.<br />

~ E na hora da prova?<br />

Ouiz - TJCE - CESPE - 2012) Suponha que uma pessoa tenha falecido e<br />

deixado testamento válido no qual tenha disposto a propriedade da<br />

casa onde residia a sua caseira, ficando o restante dos seus bens aos<br />

herdeiros necessários. Nessa situação,<br />

A) tendo sido a casa alienada a terceiros, considera-se revigorado<br />

o legado se for obtida a anulação do negócio por ocorrência de<br />

simulação.<br />

B) ao contrário do que ocorre com os herdeiros necessários, a caseira<br />

somente adquirirá a propriedade após o encerramento da partilha.<br />

C) a posse direta do imóvel será conferida à caseira por consentimento<br />

dos demais herdeiros, não lhe sendo lícito obtê- la por sua própria<br />

autoridade.<br />

D) o imóvel, por ser bem individualizado e em razão de os legatários<br />

não concorrer<br />

em para o resgate de débitos, deverá ser entregue à caseira desde<br />

logo.<br />

E) se for verificado que, após o testamento, a casa foi demolida e reconstruída<br />

com algumas transformações, estará configurada a caducidade<br />

do legado.<br />

Gaba rito: letra C.<br />

719


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• E como os tribunais já decidiram acerca deste tema?<br />

Inventário. Plano de partilha. lnsurgência dos legatários<br />

e da testamenteira contra sua homologação. Os<br />

legatários entendem não ser de sua responsabilidade<br />

o pagamento quer das dividas condominiais do<br />

imóvel legado. quer do imposto de transmissão causa<br />

mortis. A testamenteira reclama da falta de fixação da<br />

vintena. Princípio da saisine aplicável apenas quanto<br />

ao domínio nos legados. Com a morte do de cujus.<br />

transfere-se somente a propriedade do bem aos legatários.<br />

enquanto a posse é diferida para o momento<br />

da entrega da posse direta. No caso. a transmissão<br />

da posse do imóvel aos legatários ocorreu 08 anos<br />

após a morte do de cujus. Legatários não são responsáveis<br />

pelo pagamento das despesas do condomínio<br />

anteriores à transmissão da posse do imóvel. pois na<br />

tinham o seu uso. Dever dos legatários de arcar com<br />

o imposto de transmissão causa mortis. Inteligência<br />

do art. 1936 do CC/02. Devida a atribuição da vintena<br />

postulada pela testamenteira. nos termos dos art. 1987<br />

do CC/02 e art. 1138 do CPC. Recurso parcialmente provido.<br />

(TJSP, Ap. n° 0058229-opo10.826.oooo, Relator Desembargador<br />

FRANCISCO LOUREIRO, julgado em 08/07/2010).<br />

Inventário. Testamento. Legado. Determinação de pagamento<br />

direto dos aluguéis do imóvel legado à legatária.<br />

Ação de nulidade do testamento ainda pendente de recurso.<br />

Possibilidade da legatária de percebimento de aluguéis,<br />

a teor do art. 1.692 do Código Civil de 1916, não se<br />

tratando de entrega de bem legado. que está obstada<br />

pela ação de nulidade em curso, apenas de entrega dos<br />

frutos da coisa. (TJSP, Agravo de Instrumento n° 438.639-<br />

4/0-00, Relator Desembargador TESTA MARCHI, julgado em<br />

26/09/2006).<br />

O direito de pedir o legado não se exercerá. enquanto se litigue<br />

sobre a validade do testamento e, nos legados condicionais ou a<br />

prazo, enquanto esteja pendente a condição ou o prazo não se vença<br />

. Já no legado em dinheiro. só vencem juros desde o dia em que<br />

se constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-lo.<br />

720


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

~ Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

Testamento. Legado. Valor em dinheiro estabelecido em equivalência<br />

a ORTNs. Atualização monetária integral, inclusive em consideração<br />

dos índices expurgados. Expediente justo e que atende a real intenção<br />

e vontade da testadora. Recurso provido para esse fim. (TJSP, JTJ<br />

166/210).<br />

6.1. Dos Efeitos do Legado e seu Pagamento<br />

Ao contrário da sucessão legítima, o direito de pedir o legado<br />

apresenta peculiaridades. É possível afirmar, por exemplo, que a<br />

condição jurídica do herdeiro é melhor do que a do legatário, pois<br />

receberá a posse e a propriedade desde logo (CC, 1.784). O legatário<br />

somente adquire o bem com a partilha, isto se fungível a coisa<br />

legada. Quanto à posse, somente nela se investe o legatário com a<br />

partilha, exceto se anteriormente obteve a entrega dos bens legados<br />

(CC, art. i.923).<br />

De fato, o legatário terá que requerer ao juiz do inventário a posse<br />

e não poderá obtê-la por sua própria autoridade. O magistrado,<br />

antes de decidir, deve ouvir o testamenteiro, os herdeiros e outros<br />

interessados, como a Fazenda, decidindo em seguida e lavrando termo<br />

de entrega ou de pagamento.<br />

E mais: o legado não poderá ser entregue antes do pagamento<br />

dos créditos fiscais devidos à Fazenda Pública. Se a coisa legada estiver<br />

em poder de terceiro, o caso é de ajuizamento da ação reivindicatória.<br />

Se não houver anuência dos interessados, o legatário terá<br />

que aguardar a partilha na qual será contemplado (art. i.022, CPC).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. i.022, do CPC, no novo CPC (NCPC), passará a ser o art. 647, com a<br />

seguinte redação:<br />

"Cumprindo o disposto no art. 642, §3°, o juiz facultará às<br />

partes que, no prazo comum de quinze dias, formulem o<br />

pedido de quinhão; em seguida proferirá a decisão de<br />

deliberação da partilha, resolvendo os pedidos das partes<br />

e designando os bens que devam constituir quinhão<br />

de cada herdeiro e legatário".<br />

727


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

• Atenção!<br />

Ao testamenteiro incumbe cumprir as disposições testamentárias, inclusive<br />

o pagamento de legados, requerendo do juiz lhe conceda os<br />

meios necessários para tanto (CPC, i.137). Este legado poderá ser puro<br />

e simples; condicional e a tenno.<br />

Puro e simples é aquele no qual se adquire o domínio desde o óbito<br />

do testador (coisa infungível). Lavra-se o termo de entrega ou de<br />

pagamento, pelo juízo, quando deferido o legado. Entretantt>, o legatário<br />

não pode executar tal decisão pelo processo comum das execuções<br />

de sentença, que só ocorre nos feitos contenciosos. Se houver<br />

resistências, cumpre ao legatário exigir a entrega por ação própria,<br />

a qual há se ser intentada em face dos herdeiros e o testamenteiro.<br />

Se a coisa legada se encontra em poder de terceiro, o caso é de<br />

ação reivindicatória. Se não houver anuência dos interessados, o<br />

legatário terá de aguardar a partilha, na qual será contemplado (art.<br />

i.022, CPC).<br />

Se condicional o legado, a aquisição do bem só se opera com o implemento<br />

desta condição. A capacidade para suceder, no caso de legado<br />

sujeito a condição, é a do tempo de verificação desta, e não do tempo<br />

da abertura da sucessão.<br />

Se a termo o legado, o legatário o adquire desde logo, mas só pode<br />

pedi-lo no respeàivo vencimento.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

O art. i.137, do CPC que dispõe sobre o testamenteiro cumprir as obrigações<br />

do testamento, no novo CPC (NCPC) passará a ser o art. 735, §4°,<br />

com a seguinte redação: Mo testamenteiro deverá cumprir as disposições<br />

testamentárias e prestar contas em juízo do que recebeu e despendeu,<br />

observando-se o disposto na lei".<br />

Reza o art. i.924 do CC não ser possível pedir legado enquanto<br />

houver litígio sobre a validade do testamento e, nos legados condicionais<br />

ou a prazo, enquanto estiver pendente a condição ou enquanto<br />

o prazo não se vencer; Ex.: se alguém ajuizar ação de petição<br />

de herança e postular o rompimento do testamento, surgirá uma<br />

situação jurídica de sobrestamento do legado, até o trânsito em julgado<br />

desta demanda.<br />

722


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

• Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

Inventário. Plano de partilha. lnsurg@ncia dos legatários e<br />

da testamenteira contra sua homologação.<br />

Os legatários entendem não ser de sua responsabilidade<br />

o pagamento quer das dividas condominiais do imóvel legado,<br />

quer do imposto de transmissão causa monis [ ... ].<br />

Dever dos legatários de arcar com o imposto de transmissão<br />

causa mortis. Inteligência do art. 1936 do CC/2002.<br />

Devida a atribuição da vintena postulada pela testamenteira,<br />

nos termos dos art. 1987 do CC/2002 e art. 1138 do<br />

CPC. Recurso parcialmente provido (TJSP. Ap. n° 0058229-<br />

opo10.8.26.oooo, Relator Desembargador FRANCISCO LOU­<br />

REIRO, julgado em oS/07/2010).<br />

6.2. Dos Frutos e dos Juros da Coisa Legada<br />

Desde a morte do testador pertence ao legatário a coisa legada<br />

com os frutos que produzir, exceto se dependente de condição ou<br />

termo inicial (CC, art. i.923, § 2° ). Entretanto, como já vimos, esta<br />

regra não é absoluta. O art. i.925 prevê a exceção: "o legado em<br />

dinheiro só vence juros desde o dia em que se constituir em mora a pessoa<br />

obrigada a prestá-lo". Trata-se de situação jurídica na qual, para<br />

o legatário fazer jus aos juros vencíveis após a morte do testador,<br />

terá de interpelar o herdeiro ou testamenteiro. Em outras palavras:<br />

enquanto isto não acontecer, nem o espólio, nem a pessoa obrigada<br />

responderão pelos juros.<br />

E mais: se o legado vem a ser subordinado à condição suspensiva<br />

ou a termo inicial, o legatário só terá direito aos frutos após<br />

o implemento desta condição ou vencimento do prazo. Até então,<br />

pertencerão ao espólio ou aos herdeiros. Outra exceção diz respeito<br />

ao legado de coisa incerta, ou de coisa não encontrada entre os bens<br />

deixados pelo extinto.<br />

• Atenção!<br />

Se não dispuser de modo diferente o testador, as despesas correram<br />

por conta do legatário (art. 1.936), que arcará com o imposto de transmissão<br />

causa mortis. Também pagará as despesas de depósito, transporte,<br />

embalagem, sustento, etc. As custas processuais e honorários de<br />

advogado, entretanto, são dívidas dos herdeiros, por força do que reza<br />

o art. 25 do CPC.<br />

723


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o an. 25, do CPC, passará a ser o an. 89, no novo CPC (NCPC).<br />

6.3. Do legado de renda ou pensão periódica<br />

Já afirmava o art. 803 do CC ser possível uma pessoa, pelo contrato<br />

de constituição de renda, obrigar-se para com a outra a uma<br />

prestação periódica, à título gratuito. Também autoriza a mesma legislação<br />

o ajuste de uma constituição de renda a título oneroso,<br />

entregando-se bens móveis ou imóveis a pessoa que se obriga asatisfazer<br />

as prestações a favor do credor ou de terceiro (CC. art. 804).<br />

Em paralelo à disciplina jurídica contratual acima referida, no<br />

campo sucessório há importante disciplina prevista no art. i.927 do<br />

CC: "Se o legado for de quantidades certas, em prestações periódicas,<br />

datará da morte do testador o primeiro período, e o legatário terá<br />

direito a cada prestação, uma vez encetado cada um dos períodos sucessivos,<br />

ainda que venha a falecer antes do termo dele".<br />

Diferem substancialmente a renda constituída por causa mortis<br />

e a pactuada inter vivos, poise esta vence dia a dia, se não houver<br />

de ser paga adiantadamente (CC, 811); enquanto aquela há de ser<br />

quitada ao final de cada período (CC, i.928), se outra coisa não determinar<br />

o de cujus.<br />

~ Atenção!<br />

Se a prestação tiver natureza alimentar, paga-se no começo de cada<br />

período, e não ao final (parágrafo único, 1.928).<br />

6.4. Da Caducidade dos Legados<br />

Caducar é perder a força originária. É a ineficácia posterior do<br />

negócio jurídico. O art. i.939 do CC descreve situações desta natureza,<br />

destacando a transformação da coisa legada, a alienação, o perecimento<br />

ou a evicção, a indignidade do legatário e pré-moriência<br />

como hipóteses de ineficácia do legado. Abaixo, um breve comentário<br />

sobre cada uma destas circunstâncias.<br />

724


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

a) A transformação da coisa legada: nesta hipótese, o legislador<br />

parte da circunstância tática do testador, após a elaboração do<br />

testamento, modificar a coisa legada ao ponto desta perder a<br />

forma que originariamente possuía (CC, i.939, 1). Assim, acaso<br />

esta transformação seja substancial e realizada pelo testador, direta<br />

ou indiretamente, não haverá razão jurídica para se manter<br />

a deixa testamentária. Surge a caducidade do legado. Um belo<br />

exemplo poderia se dar no caso do testador beneficiar alguém<br />

com dois quilos de prata, mas, tempos depois, utilizar desse material<br />

para confeccionar talheres para uso pessoal. Em vista da<br />

substancial alteração, há caducidade do legado.<br />

b) A alienação da coisa legada: de igual sorte, é razoável afirmar<br />

que a alienação posterior do bem objeto do legado (doação ou<br />

venda) evidencia claramente e de modo absoluto a revogação<br />

do legado (CC, i.939, li). Não seria natural imaginar a eficácia do<br />

legado após uma situação destas.<br />

c) Perecimento da coisa legada: é o terceiro caso de caducidade<br />

(CC, i.939, Ili). Para o caso de a coisa se perder teremos legado<br />

sem objeto (p~rda superveniente do objeto do legado), à exceção<br />

do quanto prevê o art. i.940 do CC: "Se o legado for de duas<br />

ou mais coisas alternativamente, e algumas delas perecer; subsistirá<br />

quanto as restantes, perecendo parte de uma, valerá, quanto ao<br />

seu remanescente, o legado".<br />

d) Evicção: o art. i.939, Ili do CC também contempla outra hipótese<br />

de caducidade, qual seja para a evicção da coisa legada. Como é<br />

digno de lembrança, a evicção é a perda da coisa em decorrência<br />

de decisão judicial ou administrativa. Se ocorreu a evicção é<br />

porque a coisa pertence à outra pessoa e, justamente por isto, o<br />

legado que a teve como objeto deve ser considerado ineficaz. Em<br />

síntese: a evicção gera a ineficácia do legado. Isto, contudo, não<br />

acontecerá com a herança. Segundo a legislação, após a partilha,<br />

se o herdeiro se tornar evicto terá direito subjetivo a postular<br />

regresso dos coerdeiros (CC, art. 2.026), de forma recíproca, proporcional<br />

e indistinta (CC, 2.024).<br />

e) Indignidade do legatário. Agora não se trata mais de uma causa<br />

objetiva de caducidade, mas sim de uma causa subjetiva. Reza o<br />

inciso IV, do art. i.939 do CC que caducará o legado se o legatário<br />

for excluído da sucessão. Recorde-se que a exclusão da herança<br />

725


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

por indignidade exige processo judicial, com ampla defesa e contraditório,<br />

sendo disciplinada nos arts. i.814 - i.818 do CC.<br />

f) Premoriência. Se estivermos numa situação tática em que o legatário<br />

morra antes do autor do legado, na forma do inciso IV,<br />

do art. i.939 do CC, surgiria uma hipótese jurídica de legado sem<br />

sujeito, daí porque se terá uma sua caducidade.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Analista Judiciário - Execução de Mandado - TRT lO• Região - CESPE -<br />

2013) No que concerne à sucessão no direito civil, julgue os itens subsequentes.<br />

Caso ocorra a premoriência do legatário, o legado deverá ser transmitido<br />

aos seus herdeiros.<br />

Gabarito: errado.<br />

g) Outros casos. Numa análise sistêmica da legislação brasileira é possível<br />

descobrir outras exemplificações de caducidade, entre elas: a<br />

renúncia do legatário, ou falecimento deste anteriormente à realização<br />

de condição suspensiva da vontade, como ainda em casos de<br />

nulidade ou anulabilidade da disposição de última vontade.<br />

Caduco o legado, volta o bem à massa hereditária, aproveitando<br />

aos herdeiros, entre os quais se partilhará, a teor do art. i.788 do CC.<br />

~ Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

Tendo em vista que a legatária veio a falecer antes da mone da testadora,<br />

operou-se a caducidade do legado, podendo os herdeiros da<br />

pré-mona habilitarem-se no feito pelo permissivo das disposições testamentárias<br />

que assim dispôs e agraciaria a pré-falecida. Agravo de instrumento<br />

provido. (TJRS, Agravo de Instrumento n• 70.028.748.341, Relator<br />

Desembargador JOS~ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR, julgado em 13/05/2009).<br />

7. DO <strong>DIREITO</strong> DE ACRESCER E DOS RATIIOS<br />

Flávio Tartucen afirma que o direito de acrescer acontece toda<br />

vez que o testador beneficiar mais de uma pessoa com a mesma<br />

33. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6' Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p. 374.<br />

726


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

herança ou legado "em porções não determinadas" e se, por qualquer<br />

motivo, uma destas pessoas vier a falecer antes mesmo do<br />

testador ou vier à renunciar, ou a ser excluído da herança. Neste<br />

caso, o quinhão será acrescido ao dos demais beneficiários, salvo se<br />

houver no próprio testamento disciplina de substituição prevista em<br />

sentido diferente.<br />

• Atenção!<br />

Existe uma exceção por meio da qual não se aplicará o direito de acrescer.<br />

Ocorre quando o testador nomear um substituto prevendo a situação<br />

da falta. Este é o instituto das substituições, o qual será adiante<br />

estudado.<br />

Se o testador beneficiar mais de uma pessoa e acaso uma destas<br />

venha a faltar, a sua quota-parte acrescerá à dos beneficiários<br />

sobreviventes. Em outras palavras: quando vários herdeiros, pela<br />

mesma disposição testamentária, forem conjuntamente chamados à<br />

herança em quinhões não determinados, e qualquer deles não puder<br />

ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos coerdeiros,<br />

salvo o direito do substituto.<br />

O direito de acrescer será dos colegatários quando nomeados<br />

conjuntamente a respeito de uma só coisa, determinada e certa,<br />

ou quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de<br />

desvalorização.<br />

Só é possível falar-se de direito de acrescer na sucessão testamentária.<br />

Na legítima a herança reparte-se entre os herdeiros existentes<br />

à época da abertura da sucessão, sem que a falta de um<br />

possa aumentar o quinhão do outro. Impede-o o direito de representação,<br />

nos casos permitidos em lei.<br />

• Atenção!<br />

o direito de acrescer não é exclusivo das sucessões, pois também no<br />

direito das coisas pode ele ser convencionado entre usufrutuários conjuntos.<br />

Também em sede de direito autoral é possível percebê-lo, corno<br />

dispõe o art. 42, parágrafo único da Lei 9.610/98. Ademais, no direito<br />

das obrigações o art. 812 do CC traz, para o contrato de constituição de<br />

renda, hipótese semelhante. Vide também o art. 551 do CC, que trata do<br />

direito de acréscimo do cônjuge.<br />

727


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

O direito de acrescer é um belo exemplo da vontade presumida<br />

do testador, ao passo que o Código Civil irá presumir o que desejaria<br />

o autor da herança, na situação de falta beneficiar os demais herdeiros,<br />

com o acréscimo desta quota-parte. Trata-se de acréscimo forçado<br />

cuja finalidade jurídica está intimamente relacionada com outro<br />

desejo normativo: evitar o múltiplo fracionamento ou condomínio.<br />

~ Curiosidade!<br />

No direito romano três eram as espécies de constituição proprietária<br />

conjunção:<br />

Re et verbis.<br />

Re tantum<br />

Verbis tantum.<br />

Re et verbis. Dava-se quando a mesma coisa era deixada a duas ou mais<br />

pessoas por uma s6 frase, no testamento, sem designação de partes:<br />

deixo minha casa situada em tal rua a Pedro e Paulo. Aqui, os dois legatários<br />

são conjuntos re, porque uma só coisa lhes foi legada e verbis,<br />

porque compreendidos ambos na mesma frase e na mesma disposição.<br />

Re tantum. Aqui, a coisa era deixada a pessoas diferentes, mas por frases<br />

distintas: deixo minha casa situada em tal rua a Paulo e, mais adiante ne o<br />

mesmo testamento, afirmo que deixo aquela mesma casa a Pedro. Nessa<br />

instituição, os dois legatários são conjuntos re, porque contemplados<br />

com a mesma coisa, mas não conjuntos verbis, porque efetivados os legados<br />

através de disposições diferentes, embora constantes do mesmo<br />

testamento.<br />

Verbis tantum. Finalmente ocorria a terceira forma de conjunção, sempre<br />

que a mesma coisa era deixada a duas ou mais pessoas, na mesma frase,<br />

mas com designação das quotas de cada um: lego minha casa situada<br />

a rua tal a Pedro e a Paulo, metade para cada um. Nesta modalidade de<br />

conjunção, duas frações distintas do mesmo imóvel eram deixadas a<br />

cada legatário. Na realidade, existiam dois legados, com objetos distintos.<br />

o direito de acrescer verificava-se nas duas primeiras conjunções. Entre<br />

estas duas, a segunda com mais energia do que a primeira. Não ocorria<br />

na terceira hipótese em que, de fato e a rigor, não chegava a operar<br />

a conjunção. A expressão uma só coisa, apesar de sua literalidade, não<br />

impede o direito de acrescer quando o legado consista em muitas coisas<br />

certas e determinadas, como entende a doutrina.<br />

728


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Já o rateio de herança entre dois ou mais herdeiros é disciplina<br />

jurídica cuja previsão se encontra no art. i.904 do Código Civil, para o<br />

qual: "se o testamento nomear dois ou mais herdeiros, sem discriminar<br />

a parte de cada um, partilhar-se-á por igual, entre todos, a porção disponível<br />

do testador. O rateio constitui presunção jurídica e se dá por<br />

cabeça, considerando individualmente os herdeiros beneficiados. Há<br />

exceção prevista no do art. i.905 do Código Civil, segundo o qual "se o<br />

testador nomear certos herdeiros individualmente e outros coletivamente,<br />

a herança será dividida em tantas quotas quantos forem os indivíduos<br />

e os grupos designados". Aqui a divisão pode se dar por estirpes.<br />

• Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

1 - Quando o testador fixa a cota ou o objeto de cada<br />

sucessor, não há direito de acrescer entre os demais herdeiros<br />

ou legatários. Ocorre a conjunção verbis tantum<br />

quando são utilizadas as expressões partes iguais, partes<br />

equivalentes, ou outras que denotem o mesmo significado,<br />

o que exclui o direito de acrescer. li- No âmbito do recurso<br />

especial, é inadmissível a verificação da real intenção<br />

ou vontade do testador, em razão do enunciado n.o 7<br />

da Súmula desta Corte. Recurso especial não conhecido.<br />

(STJ - T3 - Terceira Turma, REsp. 565.097/RS, Relator Ministro<br />

CASTRO FILHO, DJ 19/04/2004, julgado em o8/03/2004).<br />

Inventário. Testamento. Instituição de diversos herdeiros<br />

e legatários. Pré- morte de um destes. Direito de acrescer<br />

dos demais. Inexistência. Destinação de quinhão<br />

certo a cada um, evidenciando a intenção da testadora<br />

de nada mais deixar além do estabelecido no legado.<br />

Aplicação do an. i.942 do CC. Recurso desprovido. (TJSP,<br />

Agravo de instrumento n° 994.09.349908-7/SP, Relator Desembargador<br />

GALDINO TOLEDO JÚNIOR, Data de Publicação:<br />

19/03/2010, julgado em 09/03/2010).<br />

8. DAS SUBSITTUIÇÕES<br />

Permite o Código que o autor do testamento nomeie substitutos<br />

aos sucessores ali designados. Flávio Tartuce 34 esclarece que a vonta-<br />

34. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo:<br />

Editora Método, 2013, p. 357.<br />

729


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

de do morto é que deverá determinar para quem o patrimônio será<br />

transferido e, justamente por isto, este também poderá prever substituições<br />

dos beneficiários que eventualmente faleçam antes dele.<br />

Nessa linha, as substituições configuram a vontade real do testador;<br />

enquanto o direito de acrescer a vontade presumida do mesmo.<br />

Carlos Roberto Gonçalves afirma ser juridicamente possível à pessoa<br />

capaz determine que seus bens, ou parte deles, se transmitam<br />

a um primeiro beneficiário, que os passará, quando ao fim de certo<br />

tempo, a um substituto. 35 É o fideicomissio.<br />

Portanto, estará o testador autorizado a indicar sujeitos beneficiados,<br />

assim como, no mesmo testamento, prever a quem se transmitirão<br />

os bens na ausência, ou quando não mais existam, estes<br />

herdeiros ou legatários originais. A isto se denominará substituições,<br />

expressão consagrada ao instituto.<br />

Na forma do art. i.947 do CC "O testador pode substituir outra pessoa<br />

ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro<br />

não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se<br />

que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que<br />

o testador só a uma se refira". Também é lícito ao testador substituir<br />

muitas pessoas por uma só, ou vice-versa, e ainda substituir com<br />

reciprocidade ou sem ela.<br />

Da análise legislativa, consoante a doutrina de Carlos Roberto<br />

Gonça lves l6, é possível classificar as substituições em: a) vulgar ou<br />

ordinária; b) fideicomissária e, finalmente, e) compendiosa.<br />

Vamos a elas!<br />

a) Substituição vulgar. É a comum, ou ordinária. Acontece quando<br />

o herdeiro falta ou não deseja receber a herança e, simultaneamente<br />

a isto, o próprio testamento já prevê quem receberá o<br />

35. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 7: Direito das Sucessões. 6•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 399.<br />

36. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 7: Direito das Sucessões. 6•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 400 e seguintes.<br />

730


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

aludido quinhão no lugar daquele. O art. i.947 do CC é um belo<br />

exemplo da substituição vulgar.<br />

b) Substituição Fideicomissária<br />

Está prevista no art. i.951 do CC e ocorre para os casos de<br />

prole eventual ou concepturo. Segundo a norma "Pode o testador<br />

instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião<br />

de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário,<br />

resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob<br />

certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário".<br />

Esta substituição fideicomissária somente se permitirá em<br />

favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador (prole<br />

eventual), a teor do art. i.952 do CC e, se, ao tempo da morte<br />

do testador, já houver nascido o fideicomissário, adquirirá este a<br />

propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-se em usufruto<br />

o direito do fiduciário.<br />

~ E na hora da prova ?<br />

Acerca deste tema, o concurso para o cargo de Promotor de Justiça - MP/<br />

DFT, ano de 2011, considerou correta a afirmativa: "são requisitos para a<br />

configuração da substituição fideicomissária: a dupla vocação hereditária;<br />

a ordem sucessiva; a instituição em favor de pessoas não concebidas a<br />

tempo da morte do testador e a obrigação de conservar para depois<br />

restituir".<br />

• Atenção!<br />

O fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e<br />

resolúvel. Justo por isto, o fiduciário é obrigado a proceder ao inventário<br />

dos bens gravados e a prestar caução de restituí-los, se o exigir o<br />

fideicomissário.<br />

Salvo disposição em contrário do testador, se o fiduciário renunciar a<br />

herança ou o legado, defere-se ao fideicomissário o poder de aceitar.<br />

O fideicomissário pode renunciar a herança ou o legado, e, neste caso,<br />

o fideicomisso caduca, deixando de ser resolúvel a propriedade do<br />

fiduciário, se não houver disposição contrária do testador. Se o fideicomissário<br />

aceitar a herança ou o legado, terá direito à parte que, ao<br />

fiduciário, em qualquer tempo acrescer.<br />

737


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ao sobrevir a sucessão, o fideicomissário responde pelos encargos da<br />

herança que ainda restarem.<br />

Caduca o fideicomisso se o fideicomissário morrer antes do fiduciário, ou<br />

antes de realizar-se a condição resolutória do direito deste último; nesse<br />

caso, a propriedade se consolida no fiduciário, nos termos do art. i.955.<br />

São nulos os fideicomissos além do segundo grau. A nulidade da substituição<br />

ilegal não prejudica a instituição, que valerá sem o encargo<br />

resolutório.<br />

Ademais, o bem objeto do fideicomissio, quando transitoriariamente<br />

com o fiduciário, não incorporará o patrimônio de meação do seu cônjuge,<br />

haja vista o caráter transitório. Tal pensamento vale mesmo na<br />

comunhão universal (art. i.668, li do CC).<br />

Em síntese: o testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro<br />

ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer<br />

ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a<br />

substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o<br />

testador só a uma se refira.<br />

~ Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

Sucessão testamentária. Herdeiros testamentários instituídos<br />

por substituição recíproca. Pretensão das filhas<br />

do substituto pré-morto serem beneficiadas com os bens<br />

adquiridos por disposição testamentária. Inviabilidade.<br />

Capacidade testamentária passiva que reclama a existência<br />

da pessoa ao tempo da morte do testador. Exegese<br />

do art. 1.717da lei substantiva civil. Recurso desprovido.<br />

(TJSP, Agravo de instrumento n° 197.351-4, Relator Desembargador<br />

JULIO VIDAL, julgado em 06/o6/2001).<br />

Nesta situação, o substituto sujeitar-se-á à condição ou encargo imposto<br />

ao substituído, quando não for diversa a intenção manifestada<br />

pelo testador, ou não resultar outra coisa da natureza da condição<br />

ou do encargo. Se, entre muitos coerdeiros ou legatários de partes<br />

desiguais, for estabelecida substituição recíproca, a proporção dos<br />

quinhões fixada na primeira disposição entender-se-á mantida na<br />

segunda; se, com as outras anteriormente nomeadas, for incluída<br />

mais alguma pessoa na substituição, o quinhão vago pertencerá em<br />

partes iguais aos substitutos.<br />

732


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Mas não é só!<br />

Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo<br />

que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita<br />

ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo<br />

tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica<br />

de fideicomissário.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Cespe - Cartório - TJ-DFT/2014) A respeito da substituição fideicomissária,<br />

assinale a opção correta.<br />

A) A capacidade testamentária passiva do fiduciário e do fideicomissário<br />

é apurada na abertura da sucessão, e não no momento da morte do<br />

fideicomitente.<br />

B) Renunciando o fideicomissário à substituição da herança do legado ao<br />

tempo da abertura da sucessão, a propriedade consolida-se em favor<br />

do fiduciário.<br />

C) A substituição fideicomissária caracteriza-se pela simultaneidade e<br />

dupla liberalidade ao fiduciário, que recebe o usufruto dos bens herdados,<br />

e o fideicomissário, desde logo, a propriedade.<br />

D) A instituição de fideicomisso em dupla vocação, para beneficiar dois<br />

herdeiros existentes ao tempo da abertura da sucessão visa ao atendimento<br />

da vontade do testador, fideicomitente, de transmitir herança ou<br />

legado a duas pessoas na ordem hereditária.<br />

E) Constitui requisito à configuração da substituição fideicomissária a<br />

eventualidade da vocação do fideicomissário, porquanto, até a substituição,<br />

o fiduciário será o proprietário sob condição resolutiva, e o<br />

fideicomissário o será sob condição suspensiva.<br />

Gabarito: E<br />

~ Como os tribunais já decidiram a questão e a doutrina se manifesta<br />

sobre o tema?<br />

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A DOAÇÃO. FIDEICOMISSO. EXTEN­<br />

SÃO. i. Não é devido o imposto de doação sobre extinção<br />

de fideicomisso, sob pena de ocorrência de bitributação.<br />

2. Ao extinguir-se o fideicomisso não há transmissão de<br />

propriedade. 3. Ausência de previsão legal para a imposição<br />

do tributo. Princípio da legalidade. 4. Recurso improvido.<br />

(STJ - T1 - Primeira Turma, REsp. 6o6.133/RJ, Relator Ministro<br />

JOSt DELGADO, DJ 11/04/2005, julgado em 07/03/2005).<br />

733


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Enunciado 529, CJF - V Jornada: O fideicomisso, previsto<br />

no art. 1.951 do Código Civil. somente pode ser instituído<br />

por testamento.<br />

Se, ao tempo da morte do testador. já houver nascido o fideicomissário.<br />

adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos.<br />

convertendo-se em usufruto o direito do fiduciário.<br />

O fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita<br />

e resolúvel. O fiduciário é obrigado a proceder ao inventário<br />

dos bens gravados e a prestar caução de restituí-los, se o exigir o<br />

fideicomissário.<br />

~ Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

i. A substituição fideicomissária verifica-se quando o testador<br />

nomeia pessoa favorecida e também designa um<br />

substituto, a quem cabe recolher a herança ou legado,<br />

quando da morte do favorecido. 2. Existe fideicomisso<br />

quando os avós-fideicomitentes nominam como fideicomissárias<br />

três filhas do filho-fiduciário, através de testamentos<br />

válidos. 3. Se a morte do autor da herança<br />

ocorreu quando vigia o Código Civil de 1916, esta a lei<br />

que rege a sucessão, não tendo aplicação a regra do an.<br />

i.952 do CC/2002, que restringe a cláusula de fideicomisso<br />

àqueles não concebidos ao tempo da morte do testador.<br />

(TJRS, Agravo de Instrumento n° 70.015.005.341, Relator<br />

Dsembargador Sérgio FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,<br />

julgado em 02/08/2006).<br />

Fideicomisso. Alegação de perecimento do objeto. Ação<br />

reparatória de danos ajuizada pelo fideicomissário contra<br />

o fiduciário contra o fiduciário desde logo. Na hipótese<br />

de culpa do fiduciário pelo perecimento dos bens<br />

objeto do fideicomisso, e permitido ao fideicomissário<br />

intentar desde logo a ação reparatória de danos contra o<br />

mesmo, independentemente do implemento da condição<br />

suspensiva imposta pelo fideicomitente. Recurso especial<br />

não conhecido. (STJ - T4 - Quarta Turma, REsp. 15.648/SP,<br />

Relator Ministro BARROS MONTEIRO, DJ 05/09/1994, Data de<br />

Julgamento: 07/06/1994).<br />

734


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Salvo disposição em contrário do testador, se o fiduciário renunciar<br />

a herança ou o legado, defere-se ao fideicomissário o poder de<br />

aceitar.<br />

O fideicomissário pode renunciar a herança ou o legado, e, neste<br />

caso, o fideicomisso caduca, deixando de ser resolúvel a propriedade<br />

do fiduciário, se não houver disposição contrária do testador.<br />

Se o fideicomissário aceitar a herança ou o legado, terá direito à<br />

parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer.<br />

> Como o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a questão?<br />

Habilitação de crédito dos fideicomissários no inventário<br />

da fiduciária falecida. Reconhecimento do direito dos fideicomissários<br />

de receber a indenização decorrente da<br />

desapropriação de parte do imóvel levantada pela fiduciária,<br />

do direito de acrescer aos seus quinhões o da fideicomissária<br />

pré-morta, bem como o direito dos sucessores<br />

de fideicomissário falecido após a fiduciária. Recurso<br />

provido em parte. (TlSP. Agravo de instrumento n° 396.229-<br />

4/4, Relator Desembargador DE SANTI RIBEIRO, julgado em<br />

18/10/2005).<br />

Ao sobrevir a sucessão, o fideicomissário responde pelos encargos<br />

da herança que ainda restarem.<br />

Caduca o fideicomisso se o fideicomissário morrer antes do fiduciário,<br />

ou antes de realizar-se a condição resolutória do direito<br />

deste último; nesse caso, a propriedade consolida-se no fiduciário,<br />

nos termos do art. i.955.<br />

> Como o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a questão?<br />

A substituição fideicomissária caduca se o fideicomissário<br />

morrer antes dos fiduciários, caso em que a propriedade<br />

destes consolida-se, deixando, assim, de ser restrita e resolúvel<br />

(arts. 1.955 e i.958, do CC/02). Afastada a hipótese<br />

de sucessão por disposição de última vontade, oriunda do<br />

extinto fideicomisso, e, por consequência, consolidando­<br />

-se a propriedade nas mãos dos fiduciários, o falecimento<br />

de um destes sem deixar testamento, impõe estrita obediência<br />

aos critérios da sucessão legal, transmitindo-se a<br />

735


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

herança, desde logo, aos herdeiros legítimos, inexistindo<br />

herdeiros necessános. (STJ, ,.REsp. n• 820.814/SP. R.~ latô ra<br />

Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 09/10/2007).<br />

São nulos os fideicomissos além do segundo grau. A nulidade<br />

da substituição ilegal não prejudica a instituição, que valerá sem o<br />

encargo resolutório, como de primeiro grau.<br />

9. DESERDAÇÃO<br />

A deserdação é instituto jurídico típico da sucessão testamentária,<br />

bem próximo ao da indignidade, estudado na teoria geral do<br />

direito sucessório.<br />

Contudo, a deserdação tem uma finalidade específica: privar<br />

os herdeiros de receber a legítima. De acordo com a norma, os<br />

herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima ou deserdados,<br />

em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.<br />

Trata-se de ato pelo qual o testador retira a legítima do<br />

herdeiro necessário.<br />

Não se confunde com a indignidade, malgrado seus efeitos e<br />

causas geradoras serem os mesmos. A indignidade é instituto geral,<br />

enquanto a deserdação existe apenas na sucessão testamentária.<br />

Ademais, apenas se deserda herdeiro necessário. Já a indignidade<br />

atinge qualquer herdeiro, bem como o legatário.<br />

Por se tratar de instituto testamentário, a deserdação pressupõe<br />

a existência de um testamento.<br />

Assim, como a indignidade, enquadra-se a deserdação como uma<br />

pena civil. apta privar a herança dos herdeiros necessários e concretiza<br />

a boa-fé, a eticidade e a função social da propriedade.<br />

Como já afirmamos quando da indignidade, em se tratando de<br />

sanção civil, deve ser interpretada restritivamente (nulla poena sine<br />

lege), ou seja numerus clausus. Além disto, exige condenação em ação<br />

judicial, afinal de contas ninguém pode ser privado de seu patrimônio<br />

sem o devido processo legal. A presunção de inocência ecoa<br />

da dignidade humana, assim como as garantias constitucionais da<br />

ampla defesa, do contraditório e do devido processo, tudo a exigir<br />

o manejamento de ação judicial contra o indigno.<br />

736


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Se a hipótese é de aplicação de uma pena, deve-se estar atento<br />

ao regramento constitucional (art. 5°, XLV, da CF), qual seja: o princípio<br />

da responsabilidade pessoal, a ser respeitado ante a velha parêmia<br />

"nu//um patris delictum de/ictum innocenti filio poena este (nenhum<br />

crime do pai pode prejudicar o filho inocente)".<br />

A pena civil da deserdação se encontra disciplinada no art. 1.961,<br />

i.962 e i.963 do CC. Há visível atecnia, pois o tratamento distinto dos<br />

deserdados não se justifica.<br />

Para se ter a deserdação, dois atos devem acontecer, a uma a<br />

decretação pelo testador no ato da última vontade, com motivação<br />

da causa (CC, art. i.964) e a duas a prova em juízo (CC, i.965). O ônus<br />

da prova da deserdação cabe a quem alega. O interesse processual<br />

deve ser econômico. O testamenteiro, a quem não aproveite a deserdação,<br />

não pode propor a mencionada ação (CC, art. i.981). A<br />

declaração do testador somente viabilizará o ajuizamento da ação<br />

(CC, art. i.965).<br />

~ E na hora da prova?<br />

O concurso para o cargo de Advogado do Banco do Nordeste do Brasil,<br />

banca organizadora ACEP, ano de 2oo6, considerou verdadeira a alternativa:<br />

"a deserdação só pode se efetivar quando a causa for expressamente<br />

declarada em testamento''.<br />

Dessa forma, uma vez declarada a deserdação no testamento,<br />

caberá ao interessado ajuizar a com petente ação de deserdação, no<br />

prazo decadencial de quatro anos, contados da abertura do testamento.<br />

Haverá de ser assegurado neste processo civil o contraditório<br />

e a ampla defesa, podendo o suposto deserdado tentar afastar<br />

a causa aposta no testamento.<br />

~ Como os tribunais já decidiram a questão?<br />

Tendo a falecida exaràda em testamento a firme disposição<br />

de deserdar a filha e as netas, por ofensa moral,<br />

injúria e desamparo na velhice e, havendo comprovação<br />

destes fatos, há que ser mantida a última vontade<br />

da testadora. Apelação desprovida. (TJRS, Apelação cível<br />

n° 70002568863, Relator Desembargador ATAÍDES SIQUEIRA<br />

TRINDADE, julgado em 31/05/2001).<br />

737


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Portanto, além das causas mencionadas no art. i.814, autorizam<br />

a também a deserdação, dos descendentes por seus ascendentes,<br />

a ofensa física; injúria grave; relações ilícitas com a<br />

madrasta ou com o padrasto, desamparo do ascendente em alienação<br />

mental ou grave enfermidade. De igual modo, autorizam a<br />

deserdação dos ascendentes pelos descendentes a ofensa física;<br />

injúria grave; relações ilícitas com a mulher ou companheira do<br />

filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou<br />

o da neta; desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou<br />

grave enfermidade.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Analista Judiciário - Execução de Mandados - TRT 10- Região - CESPE<br />

- 2013) No que concerne à sucessão no direito civil, julgue os itens subsequentes.<br />

A ofensa física é uma das causas que autorizam a deserdação, não sendo<br />

necessário que haja condenação criminal ou que a lesão corporal<br />

seja grave ou gravíssima.<br />

Gabarito: Certo<br />

~ E como os tribunais já decidiram a questão?<br />

Deserdação. Injúria grave. Art. 1.963, li, CC/2002 (art. i.745<br />

- CC/1916). Inexistência. Ação visando confirmação dos fatos<br />

que dão ensejo à deserdação. Não caracterização de<br />

injúria grave. Ausência de provas. Art. 1.965 - CC/2002 (art.<br />

2.743 - CC/1916). O herdeiro instituído ou aquele a quem<br />

aproveita a deserdação de outrem, deve promover ação<br />

própria e nela provar a veracidade dos fatos alegados<br />

pelo testador para o fim de confirmar a deserdação.<br />

(TJSP, Apelação cível no 4.949.904.000, Relator desembargador<br />

ROBERTO MAC CRACKEN, julgado em 01/07/2009).<br />

Testamento. Particular. Deserdação. Filhos havidos fora<br />

do casamento. Expressa declaração da causa. Tipicidade<br />

fechada. Aplicação do art. 1.742 c/c os arts. i.595, 2.744 e<br />

1.745, todos do Código Civil de 1916. Recurso não provido.<br />

(TJSP, JTJ 213/188).<br />

738


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Testamento cerrado. Pretensão de herdeira instituída de<br />

provar a causa da deserdação da filha da testadora, na<br />

forma do art. 1965, do CC. Caso nítido de prova póstuma,<br />

não sendo permitido antecipar isso enquanto viva<br />

a testadora, inclusive para não romper o segredo que<br />

caracteriza essa modalidade de ato. Testamento e a deserdação<br />

serão atos válidos somente quando do falecimento,<br />

sob pena de adiantar discussão sobre herança de<br />

pessoa viva, embora ressalvadas situações especiais em<br />

que se permite a discussão prévia. Provimento, em parte,<br />

apenas para excluir a condenação em honorários (por<br />

não ter ocorrido a citação). (TJSP, Ap. n• 990102546900, Relator<br />

Desembargador fNIO ZULIANI, Data de Publicação:<br />

25/0S/2010, julgado em 11/0S/2010).<br />

~ Curiosidade!<br />

A deserção é de pouca prática na atualidade. Origina-se da ex heredotio<br />

do direito romano (Novela 115 de Justiniano) e continua presente nos<br />

códigos da Alemanha, Portugal, Espanha, Argentina e Chile .<br />

10. DA REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS<br />

O direito brasileiro possui um instituto sucessório interessantíssimo.<br />

intimamente relacionado com o princípio da conservação do<br />

negócio jurídico no viés da redução. Imagine uma situação jurídica na<br />

qual o testador disponha acima daquilo que efetivamente poderia<br />

dispor. Nesta situação, diz a lei, o remanescente pertencerá aos herdeiros<br />

legítimos, quando o testador só em parte dispuser da quota<br />

hereditária disponível. A isto se denomina redução das disposições<br />

testamentárias.<br />

A redução é instituto previsto em muitas legislações, como a francesa<br />

(art. 921), o BGB (art. 2.325), o CC espanhol (art. 817), o CC italiano<br />

(554), o português (2.169), o argentino (3.795) e o suíço (art. 486).<br />

Todos visam a intangibilidade da legítima.<br />

Portanto, as disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão<br />

aos limites dela. Em se verificando excederem as disposições<br />

testame ntárias a porção disponível, serão proporcionalmente<br />

reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos, até onde<br />

739


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

bastem, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu<br />

valor.<br />

Mas, se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem,<br />

de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se -á nos<br />

outros quinhões ou legados, observando-se, a seu respeito, a ordem<br />

estabelecida no parágrafo antecedente.<br />

~ Como os tribunais e a doutrina já entenderam o assunto?<br />

O fato de o testador ter extrapolado os limites da legítima<br />

não enseja a nulidade do testamento, impondo-se, tão-somente,<br />

a redução das disposições testamentárias. Aplicação<br />

do artigo i.967, do Código Civil. Recurso parcialmente provido.<br />

(T]RS, Apelação cível n° 70.026.646.075, Relator Desembargador<br />

CLAUDIR FIDELIS FACCENDA, julgado em 29/03/2(g}).<br />

Enunciado 118, CNJ - 1 Jornada: O testamento anterior à<br />

vigência do novo Código Civil se submeterá à redução<br />

prevista no § 1° do art. i.967 naquilo que atingir a porção<br />

reservada ao cônjuge sobrevivente, elevado que foi à<br />

condição de herdeiro necessário.<br />

Quando consistir em prédio divisível o legado sujeito a redução,<br />

far-se-á esta dividindo-o proporcionalmente. Se não for possível a divisão<br />

e o excesso do legado montar a mais de um quarto do valor do<br />

prédio, o legatário deixará inteiro na herança o imóvel legado, ficando<br />

com o direito de pedir aos herdeiros o valor que couber na parte<br />

disponível; se o excesso não for de mais de um quarto, aos herdeiros<br />

fará tornar em dinheiro o legatário, que ficará com o prédio.<br />

Se o legatário for ao mesmo tempo herdeiro necessário, poderá<br />

inteirar sua legítima no mesmo imóvel, de preferência aos outros, sempre<br />

que ela e a parte subsistente do legado lhe absorverem o valor.<br />

11. DA REVOGAÇÃO DO TESTAMENTO<br />

Diz o art. 1969 do CC/02 que o testamento pode ser revogado<br />

pelo mesmo modo e forma como pode ser feito. Neste ponto, o Código<br />

Civil brasileiro acompanha o alemão, argentino e suíço, porém<br />

se afasta do francês, italiano e português, os quais admitem a revogação<br />

do testamento por escritura pública.<br />

740


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

É dizer: o testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e<br />

forma como pode ser feito. Mas seria a mesma forma do testamento?<br />

Para quase toda a doutrina a resposta é negativa. A revogação<br />

pode ser parcial ou mesmo integral. A revogaçã o produzirá seus<br />

efeitos ainda que o testamento originário caducar por exclusão,<br />

incapacidade ou renúncia do herdeiro nela nomeado. Agora, não<br />

valerá se o testamento revocatório for anulado por omissão ou<br />

infração de solenidades essenciais (vícios extrínsecos). Neste sentido,<br />

nosso Código copia fielmente o artigo i.738 do CC/16 e i.037<br />

do CC da França.<br />

• Curiosidade!<br />

Admitem o cc Italiano em seu artigo 681 quando regula a<br />

Revocazione della Revocazione. Haveria um efeito repristinatório<br />

imediato. Já o cc português (art. 2314) só admite<br />

se assim registrar formalmente o testador. No Brasil,<br />

inexiste disciplina jurídica sobre o assunto: "Testamento.<br />

Revogação do revogador. Restabelecimento do primeiro<br />

testamento. Inadmissibilidade. Inexistência no terceiro de<br />

declaração explícita do testador nesse sentido. Recurso não<br />

provido. (TJSP. /TI 150/151)".<br />

Há regra sobre a revogação do testamento cerrado, contida no<br />

art. 1972 do CC. Considerar-se-á revogad o o testamento quando o<br />

testador o abrir ou dilacerar ou consentir neste procedimento. Assim<br />

também o é em outras legislações comparadas, tais como o BGB<br />

(2.255), o suíço (510), o português (2.315) e o argentino (3.836).<br />

A revogação do testamento pode ser total ou parcial. Se parcial,<br />

ou se o testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa,<br />

o anterior subsiste em tudo que não for contrário ao posterior.<br />

• Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

Inventário. Testamento público elaborado pelo de cujus<br />

está apto a ser observado. Declaração de vontade formalizada<br />

pelo testador a posteriori, mediante simples escritura<br />

pública, não tem o condão de revogar o conteúdo<br />

do testamento, ainda que parcialmente.<br />

741


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Disposição de última vontade que apenas poderia ter<br />

sido revogada pelo mesmo modo e forma como pode<br />

se feita. Inteligência do anigo i.969 do Código Civil. Agravo<br />

desprovido. (TJSP, Agravo de instrumento n• 0278978-<br />

95.2009.8.26.0000, Relator Desembargador NATAN ZELINSCHI<br />

DE ARRUDA, julgado em 08/04/2010). Sucessões. Testamento.<br />

Ação declaratória de validade.<br />

Revogação de testamento. Testamento anterior não revogado<br />

pelo posterior, mediante cláusula expressa. Revogação<br />

tácita inocorrente, beneficiários e bens legados<br />

distintos.<br />

Incompatibilidade inexistente entre as disposições<br />

testamentárias, devendo prevalecer a vontade do<br />

testador. Subsistência do anterior testamento, não revogado<br />

por qualquer forma e sem incompatibilidade<br />

com o segundo. Ação procedente. Apelação desprovida.<br />

(TJRS, Apelação cível n• 70.014.619.456, Relator<br />

Desembargador LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, julgado em<br />

01/06/2006).<br />

A revogação produzirá seus efeitos, ainda quando o testamento,<br />

que a encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade ou renúncia<br />

do herdeiro nele nomeado; não valerá, se o testamento revogatório<br />

for anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais<br />

ou por vícios intrínsecos.<br />

12. DO ROMPIMENTO DO TESTAMENTO<br />

Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha<br />

ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas<br />

as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador. A<br />

isto se denomina rompimento do testamento. Rompe-se também o<br />

testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.<br />

Entende-se por rompimento uma hipótese de ineficácia, não mais<br />

produzindo efeito a aludida disposição de última vontade.<br />

742


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

~ Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. CONFLITO DE NOR­<br />

MAS. PRIMAZIA DA VONTADE DO TESTADOR. 1 - Nos termos do<br />

artigo 1.750 do Código Civil de 1916 (a que corresponde o<br />

art. 1793 do Cód. Civil de 2002) "Sobrevindo descendente<br />

sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia,<br />

quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas<br />

disposições, se esse descendente sobreviver ao testador".<br />

li - No caso concreto, o novo herdeiro, que sobreveio, por<br />

adoção post mortem, já era conhecido do testador que expressamente<br />

o contemplou no testamento e ali consignou,<br />

também, a sua intenção de adotá-lo.<br />

A pretendida incidência absoluta do art. 1750 do Código<br />

Civil de 1916 em vez de preservar a vontade esclarecida<br />

do testador, implicaria a sua frustração. Ili - A aplicação<br />

do texto da lei não deve violar a razão de ser da norma<br />

jurídica que encerra, mas é de se recusar, no caso concre·<br />

to, a incidência absoluta do dispositivo legal, a fim de se<br />

preservar a mens legis que justamente inspirou a sua criação.<br />

IV - Recurso Especial não conhecido. (STJ - T3 - Terceira<br />

Turma, REsp. 985.093/RJ, Relator Ministro HUMBERTO GOMES<br />

DE BARROS, DJe uJ09/2010, julgado em os/OS/2010).<br />

Caducidade. lnocorrência. Superveniência de filho do testador.<br />

Fato que não provoca a ruptio tesramenti se aquele<br />

já possuía descendentes anteriormente ao ato de última<br />

vontade. (TJPB, RT 695/176).<br />

Não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade,<br />

não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência<br />

saiba, ou quando os exclua dessa parte.<br />

~ Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

Testamento. Rompimento. lnocorrência. Desconsideração<br />

de herdeiro necessário, cuja existência era do conhecimento<br />

do testador. Existência, ademais, de disposição<br />

quanto à parte disponível. Incidência do art. i.752 e não<br />

dos arts. 1.750 e 1.751, todos do Código Civil. Recurso não<br />

provido. (TJSP. JTJ 142/119).<br />

743


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

13. DO TESTAMENTEIRO<br />

Carlos Roberto Gonçalves afirma que o testamenteiro "é o executor<br />

do testamento. É a pessoa encarregada de cumprir as disposições<br />

de última vontade".37<br />

A legislação brasileira autoriza o autor do testamento a eleger<br />

pessoa de sua confiança para o fim de cumprir justamente a última<br />

vontade: "O testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos<br />

ou separados, para lhe darem cumprimento às disposições de<br />

última vontade" (CC, art. i.976).<br />

Já a testamentaria é o conjunto de atribuições confiadas ao testamenteiro.<br />

A doutrina majoritária sustenta que a testamentaria possui<br />

natureza jurídica de mandato sui generis. O testamenteiro pode<br />

ser instituído pelo testador, ou ser dativo, quanto o magistrado o<br />

nomeia, na forma do art. i.127 do CPC. Também poderá ser testamenteiro<br />

universal ou particular, a depender do múnus envolver<br />

toda a herança, ou parte da mesma.<br />

• E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. i.127, CPC, passará a ser o art. 735, §3•, no novo CPC (NCPC).<br />

• Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

<strong>DIREITO</strong> <strong>CIVIL</strong>. SUCESSÕES. TESTAMENTO. REVOGAÇÃO DO AN­<br />

TERIOR. INVALIDADE DA NOMEAÇÃO DO TESTAMENTEIRO. SIS­<br />

TEMATICA RECURSAL. RECURSO DESPROVIDO. 1 - revogado<br />

pelo posterior o testamento anterior, fica sem validade<br />

a nomeação do testamenteiro neste efetuada, do que<br />

resulta a sua ilegitimidade ad causam. li - não se conhece<br />

do recurso especial, pelo dissidio, quando fundado em<br />

repertórios não autorizados e sem a demonstração analítica<br />

do confronto. Ili - A sistemática do recurso especial,<br />

quanto a admissibilidade, deriva da sua natureza extraordinária.<br />

(STJ - T4 - Quarta Turma, Ag. l0.639/PE, Relator<br />

Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. DJ 30.09.1991, Data<br />

de Julgamento: 21/08/1991).<br />

37. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 7: Direito das Sucessões. 6•<br />

Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 464.<br />

744


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

O testador pode conceder ao testamenteiro a posse e a administração<br />

da herança, ou de parte dela, não havendo cônjuge ou herdeiros<br />

necessários. Qualquer herdeiro pode requerer partilha imediata,<br />

ou devolução da herança, habilitando o testamenteiro com os<br />

meios necessários para o cumprimento dos legados, ou dando caução<br />

de prestá-los. Tendo o testamenteiro a posse e a administração<br />

dos bens, incumbe-lhe requerer inventário e cumprir o testamento.<br />

O testamenteiro nomeado, ou qualquer parte interessada, pode<br />

requerer, assim como o juiz pode ordenar, de ofício, ao detentor do<br />

testamento, que o leve a registro. No que pese isto, deve-se advertir<br />

que a pessoa é livre para recusar a testamentaria, pois é um múnus<br />

e, como tal, não deve ser imposto.<br />

Aceito o múnus, o testamenteiro será obrigado a cumprir as disposições<br />

testamentárias, no prazo marcado pelo testador, e a dar<br />

contas do que recebeu e despendeu, subsistindo sua responsabilidade<br />

enquanto durar a execução do testamento. Compete ainda<br />

ao testamenteiro, com ou sem o concurso do inventariante e dos<br />

herdeiros instituídos, defender a validade do testamento.<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu o assunto?<br />

Processo civil. Recurso especial. Inventário. Falta de citação<br />

do testamenteiro. Ausência de nulidade. Finalidade<br />

atingida. Tendo o falecido deixado testamento, é necessária<br />

a citação do testamenteiro no processo de inventário<br />

para que fiscalize o efetivo cumprimento das disposições<br />

testamentárias. Entretanto, tendo o testamenteiro<br />

tomado ciência da tramitação do inventário, prescindível<br />

sua citação, não havendo nulidade, pois a finalidade da<br />

norma já teria sido atingida. A falta de impugnação às<br />

primeiras declarações pelo testamenteiro implica em sua<br />

concordância tácita. Recurso especial não conhecido. (STJ<br />

- T3 - Terceira Turma, REsp. 277.932/RJ, Relatora Ministra<br />

NANCY ANDRIGHI, DJ 17/12/2004, julgado em 07/12/2004).<br />

Além das atribuições exaradas nos artigos antecedentes, terá o<br />

testamenteiro as que lhe conferir o testador, nos limites da lei.<br />

~ E na hora da prova?<br />

(Serviço de Notas e de Registro - TJMA - IESES - 2011) Com relação à incumbência<br />

do Testamenteiro, assinale a alternativa correta:<br />

745


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

1. Cumprir as obrigações do testamento.<br />

li. Propugnar a validade do testamento.<br />

Ili. Defender a posse dos bens da herança.<br />

IV. Requerer ao juiz que lhe conceda os meios necessários para cumprir<br />

as disposições testamentárias.<br />

V. A tutela dos herdeiros incapazes do testador.<br />

a) 1, Ili e V estão corretas.<br />

b) IV e V estão incorretas.<br />

c) li, Ili e IV estão incorretas.<br />

d) 1, li e IV estão corretas.<br />

Gabarito: letra D.<br />

O múnus em comento não é exercido de forma gratuita, devendo<br />

a remuneração do testamenteiro ser fixada na forma de um prêmio,<br />

estipulado pelo testador. Na hipótese de omissão deste, o Juiz deverá<br />

fixar a contraprestação, no montante de um a cinco por cento sobre<br />

a herança líquida, variando consoante a dificuldade no exercício<br />

do mister (CC, i.987). O prêmio arbitrado será pago à conta da parte<br />

disponível, quando houver herdeiro necessário.<br />

Não concedendo o testador prazo maior, cumprirá o testamenteiro<br />

o testamento e prestará contas em cento e oitenta dias, contados<br />

da aceitação da testamentaria. Pode esse prazo ser prorrogado, se<br />

houver motivo suficiente.<br />

~ Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

Prescrição. Não cumprimento de obrigação pelo testamento<br />

no prazo previsto no art. 1.762 do Código Civil<br />

de 1916. lnocorrência. Prazo referente à execução<br />

da disposição de última vontade que não se confunde<br />

com prescrição ou lapso temporal relativo à eficácia da<br />

cártula, cuja invalidade somente poderá se verificar nas<br />

hipóteses previstas em lei [ ... ). (T)SP. Ap. n° 498.837-4/2-<br />

00, Relator Desembargador ENCINAS MANFRt Julgado em<br />

21/02/2oo8).<br />

746


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Assim. não há direito líquido e ceno a amparar pretensão<br />

de irmão do de cujus que, nomeado inventariante,<br />

posteriormente veio a ser removido da inventariança,<br />

consoante despacho proferido pelo Dr. juiz de Direito da<br />

Vara de Órfão e Sucessões, vez que, tal como estabelece<br />

o art. 990 do CPC, compete ao magistrado a nomeação do<br />

inventariante. dentre as pessoas ali enumeradas, recaindo<br />

um testamenteiro quando não houver viúvo meeiro e<br />

herdeiro na posse e administração do espólio, hipótese<br />

em que não se enquadra o impetrante. (STJ - Sexta Turma,<br />

REsp. n• i.938/RJ, Relator Ministro ANSELMO SANTIAGO,<br />

julgado em 15/10/1998).<br />

O encargo da testamentaria é personalíssimo. Logo, não se transmite<br />

aos herdeiros do testamenteiro, nem é delegável; mas o testamenteiro<br />

pode fazer-se representar em juízo e fora dele, mediante<br />

mandatário com poderes especiais.<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu o assunto?<br />

Processual civil. Testamento-inventariante. Honorários de<br />

advogado. Os honorários de advogado do testamenteiro­<br />

-inventariante, sem interesse em conflito com os herdeiros.<br />

devem ser suponados pela herança. (STJ - T3 -<br />

Terceira Turma, REsp. n° 34.672/SP, Relator Ministro DIAS<br />

TRINDADE, DJ 02.08.1993, Data de Julgamento: 31/05/1993).<br />

Havendo simultaneamente mais de um testamenteiro, que tenham<br />

aceitado ao cargo, poderá cada qual exercê-lo, em falta dos<br />

outros; mas todos ficam solidariamente obrigados a dar conta dos<br />

bens que lhes forem confiados. salvo se cada um tiver, pelo testamento,<br />

funções distintas e a elas se limitar.<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu o assunto?<br />

Se é lícito ao juiz remover o testamenteiro ou determinar<br />

a perda do prêmio por não cumprir as disposições testamentárias<br />

(CPC. An. 1.140). é-lhe possível arbitrar um<br />

valor compatível para remunerar o trabalho irregular e<br />

negligente na execução do testamento. (STJ - T3 - Terceira<br />

Turma. REsp. 418.931/PR, Relator Ministro HUMBERTO GO­<br />

MES DE BARROS, DJ 01.o8.2oo6, julgado em 24/04/2oo6).<br />

147


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

14. DOS SONEGADOS<br />

O que é sonegação?<br />

"O termo sonegação tem sentido genérico de cunho delitivo. Vem do<br />

verbo sonegar, em composição mais severa do que simplesmente negar<br />

por significar um procedimento consciente de caráter omissivo, com o<br />

intuito de subtrair determinado bem ou valor da posse de seu legítimo<br />

dono. Em certos aspectos, essa ocultação dolosa de informações pode<br />

constituir crime, como se dá na Nsonegação fiscal", relativa a tributos,<br />

na "apropriação indébita" pelo apossamento de bens de particulares e,<br />

ainda, no "peculato", praticado por funcionário sobre bens de propriedade<br />

do ente público''3 8 •<br />

É de Euclides de Oliveira 39 a advertência segundo a qual "Ao cuidar<br />

da sonegação dos bens no inventário, o Código Civil reafirma o dever<br />

legal que tem o inventariante e os herdeiros de proceder à declaração<br />

de todos os bens que constitui o acervo da herança", afinal de contas<br />

"A finalidade é assegurar que se efetue a transmissão desses bens aos<br />

herdeiros legítimos ou testamentários".<br />

o insigne doutrinador apresenta conceito jurídico do instituto recordando<br />

que "Sonegar significa omitir, subtrair, deixar de descrever os<br />

bens sujeitos a inventário ou negar-lhe a trazê-los à colação".<br />

Conclui Silvio de Salvo Venosa 4 º: "Assim, quem, relacionado com a<br />

herança, ocultar maliciosamente bens do processo de inventário pratica<br />

ato que prejudica todo esse conjunto de pessoas com interesse econômico<br />

nesse patrimônio".<br />

Vaticina Orlando Gomes que sonegação "é a ocultação dolosa de<br />

bens do espólio. Ocorre tanto se não descrito bens pelo inventariante<br />

com o propósito de subtraí-los à partilha como se não trazidos à colação<br />

pelo donatário" 41 •<br />

38. Oliveira, Euclides de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. ·<br />

55-56.<br />

39. Oliveira, Euclides de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 51.<br />

40. Venosa, Silvio de Salvo de. Direito Civil - Direito das Sucessões. 7• Edição. Sao<br />

Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 339.<br />

41. Gomes. Orlando. Curso de Direito Civil. Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2001,<br />

p. 279.<br />

748


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

A sonegação pode abranger bens móveis, 1moveis, créditos e<br />

qualquer outro direito deixado pelo autor da herança. Para a doutrina<br />

especializada "servem de exemplos a retirada de depósitos<br />

bancários do falecido pelo cotitular de conta conjunta, recebimento de<br />

créditos deixados pelo autor da herança, ocultação de bens de valor,<br />

como joias, quadros, objetos de arte, veículos, animais, apossamento<br />

de valores deixados em cofre ou sob guarda de terceiro, e tantas outras<br />

modalidades de agir fraudulento por parte de quem detenha bens<br />

deixados pelo autor da herança. Embora menos usual, nada impede<br />

ocorra também a fraudelenta omissão ou mesmo o desvio de bens imóveis,<br />

especialmente quando adquiridos pelo autor da herança mas não<br />

levados a registro em seu nome, como se dá nas compras ou cessões<br />

de direitos por instrumento particular"''.<br />

Ocorrendo a sonegação o sonegador ficará sujeito às penalidades<br />

previstas nos arts. 1992 a 1996 do CC. Sobre o tema, a doutrina<br />

adverte 43 : "uma vez comprovada a falta de declaração do bem por parte<br />

do herdeiro, ou a recusa em entregá-lo, ser-lhe-ó aplicada a severa<br />

pena patrimonial, à moda do talião: perda do direito que o herdeiro<br />

detinha sobre o bem sonegado. Se o sonegador for o inventariante,<br />

ficará também sujeito à remoção do cargo".<br />

Segue Silvio de Salvo Venosa" "Não podemos negar que toda aquele<br />

que detiver bens hereditários sob ocultação, não sendo estranhos à<br />

herança, se sujeita à sonegação".<br />

~ E na hora da prova?<br />

(IESES - Cartório - TJ - PB/2014) Assinale a alternativa correta:<br />

1. A doação feita de ascendentes a descendentes é considerada adiantamento<br />

de legítima, e devem ser apresentadas à colação no momento da<br />

abertura da sucessão, sob pena de sonegação.<br />

li. A colação pode ser dispensada se o doador determinar no próprio<br />

título da liberalidade tal dispensa, não sendo permitido a inclusão posterior<br />

da dispensa de colação em testamento.<br />

42. Oliveira, Euclides de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 57.<br />

43. Oliveira, Euclides de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 51.<br />

44. Venosa, Silvio de Salvo de. Direito Civil - Direito das Sucessões. 7• Edição. São<br />

Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 343.<br />

749


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Ili. Se houver a renúncia dos direitos hereditários, o renunciante não<br />

precisa conferir as doações recebidas em vida para o fim de repor o que<br />

exceder a parte disponível.<br />

a) Apenas a assertiva 1 é verdadeira.<br />

b) Apenas a assertiva li é verdadeira.<br />

e) Apenas as assertivas 1 e Ili são verdadeiras.<br />

d) Todas as assertivas são verdadeiras.<br />

Gabarito: A<br />

Em respeito ao devido processo legal e ao contraditório, a aplicação<br />

desta pena exige sentença judicial proferida nos autos de uma<br />

ação ordinária de sonegados, a qual a de ser movida por qualquer<br />

herdeiro "com extensão dos efeitos da decisão judicial aos demais interessados"<br />

45 •<br />

Para a hipótese de o sonegador não mais possuir o bem in natura,<br />

deverá o mesmo indenizar a importância dos valores que ocultou<br />

"mais perdas e danos" 46 •<br />

Diz Flávio Tartuce que 47 "Quanto ao prazo prescricional para sua propositura,<br />

a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem aplicando o<br />

prazo de 20 anos, constante do art. 177 do CC/1916, que deve ser contado<br />

da prática de cada ato irregular (STJ, REsp. 26.650-SP [ ... ] REsp. 330.953/ES<br />

e REsp. 259.406/PR)". Com o advento do CC/02, este prazo prescricional<br />

será de 10 anos, na forma do art. 205 do novo Código Civil.<br />

A doutrina é pacífica quanto a possibilidade de indenização nas perdas<br />

e danos. Euclides de Oliveira afirma justamente isto: "Na verdade,<br />

porém, essa indenização se mostra cabível mesmo quando seja feita a restituição<br />

dos bens sonegados, pois poderá ter havido prejuízo aos herdeiros<br />

com a indébita retenção ou ocultação da coisa, justificando que se reparem<br />

as lesões patrimoniais daí decorrentes. Aplica-se, no caso, o princípio geral<br />

45. Oliveira. Euclides de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas. 2004, p. 52.<br />

46. Oliveira, Euclides de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas. 2004, p. 52.<br />

47. Tartuce, Flávio. Direito Civil - Direito das Sucessões. 6a Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2013, p. 467.<br />

750


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

da responsabilidade por ato ilícito, previsto no artigo 186 do Código Civil<br />

com dispositivo de reforço no artigo 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186<br />

e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-/o". 48 :<br />

Segundo Silvio de Salvo Venosa 49 "Deve o inventariante indenizar<br />

o valor do que o espólio perdeu e do que deixou razoavelmente de<br />

ganhar". No mesmo sentido caminha Flávio Tartuce 5 º "Em casos excepcionais,<br />

não sendo possível a restituição dos bens sonegados pelo<br />

sonegador, tendo em vista que já não os tem em seu poder, este pagará<br />

a importância correspondente aos valores que ocultou, mais as perdas<br />

e danos. Essa é a regra prevista no art. 1.995 do CC, que deve ser analisada<br />

tendo como parâmetro o princípio da reparação integra/ dos danos.<br />

Desse modo, é possível o ressarcimento dos danos materiais - nas<br />

modalidades danos emergentes (valores que a pessoa efetivamente<br />

perdeu) e lucros cessantes (valores que a pessoa efetivamente deixou<br />

de lucrar) - nos termos do art. 402 do CC.Sendo o caso, também são<br />

reparáveis os danos morais se o herdeiro ou credor sofrer um prejuízo<br />

imaterial que possa ser demonstrado''.<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu este assunto?<br />

A ação de sonegados deve ser intentada após as últimas<br />

declarações prestadas no inventário, no sentido de não<br />

haver mais bens a inventariar. li - Sem haver a declaração,<br />

no inventário, de não haver outros bens a inventariar,<br />

falta à ação de sonegados urna das condições, o<br />

interesse processual, em face da desnecessidade de utilização<br />

do procedimento. (STJ - T4 - Quarta Turma, REsp. n•<br />

265.859/SP, Relator: Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,<br />

DJ 07/04/2003, julgado em i9/03/2003).<br />

48. Oliveira, Euclides de. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. n<br />

49. Venosa. Silvio de Salvo de. Direito Civil - Direito das Sucessões. 7• Edição. São<br />

Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 348.<br />

50. Tartuce, Flávio. Direito Civil - Direito das Sucessões. 6• Edição. São Paulo: Editora<br />

Método, 2013, p. 467.<br />

751


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

Agravo de instrumento. Inventário. Agravo atende aos<br />

requisitos previstos ao disposto no artigo 524 do Código<br />

de Processo Civil. Remoção de inventariante. Admissibilidade.<br />

Inventariante deixou de mencionar nas primeiras<br />

declarações bens que lhe foram doados pela falecida.<br />

Dispensa de colação não permite esta omissão, pois<br />

necessário considerar os referidos bens inclusive para<br />

verificar se não ocorreu doação inoficiosa. Animosidade<br />

existente entre as partes viabiliza a nomeação de inventariante<br />

dativo. Preliminar rejeitada. Recurso provido.<br />

(TJSP. Agravo de instrumento n° 601.585-4/5-00, Relator<br />

Desembargador OLDEMAR AZEVEDO. Data de Publicação:<br />

09/12/2008, julgado em 03/12/2008).<br />

Sistematicamente, portanto:<br />

a) A pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação<br />

movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança. A sentença<br />

que se proferir na ação de sonegados, movida por qualquer<br />

dos herdeiros ou credores, aproveita aos demais interessados.<br />

Lembra-se que a configuração do instituto exige o dolo.<br />

~ Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

APELAÇÕES CÍVEIS. SONEGADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. PRAZO<br />

PRESCRICIONAL. DOAÇÕES TRAVESTIDAS DE COMPRAS E VEN­<br />

DAS. DOAÇÕES REMUNERATÓRIAS. INEXISTÊNCIA.<br />

l. Não é requisito para o ingresso da ação de sonegados o<br />

processamento de prévia ação declaratória de nulidade da<br />

compra e venda realizada pelos herdeiros, uma vez que era<br />

mera liberalidade dos autores ver reconhecida a nulidade<br />

das vendas dos imóveis aos sucessores em demanda específica.<br />

2. Todo o beneficiário dos bens nos autos do inventário<br />

é parte legítima a postular em ação de sonegados, estando<br />

equiparado ao credor do espólio (art. 1.994 do CC/02)<br />

( ... ]. (TJRS, Ap. n° 70.023.886.849, Relator Desembargador JOSÉ<br />

ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE, julgado em l0/07/2oo8).<br />

b) Se não se restituírem os bens sonegados. por já não os ter o so ­<br />

negador em seu poder, pagará ele a importância dos valores que<br />

ocultou, mais as perdas e danos.<br />

752


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

• Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu este assunto?<br />

A venda de bens sonegados a terceiros e o direito às<br />

perdas e danos dos lesados em relação ao inventariante.<br />

prevista no art. 1.783 do Código Civil anterior, não exclui a<br />

pretensão de nulificação da venda a terceiros e a recomposição<br />

do patrimônio do espólio, se esta foi a via legal<br />

escolhida pelos herdeiros. (STJ - T4 - Quarta Turma, REsp.<br />

n• 54.519/SP, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ<br />

22/o8/2005, julgado em i4/o6/2005).<br />

e) E mais: só se pode arguir de sonegação o inventariante depois de<br />

encerrada a descrição dos bens, com a declaração, por ele feita,<br />

de não existirem outros por inventariar e partir. assim como arguir<br />

o herdeiro. depois de declarar-se no inventário que não os possui.<br />

• Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

Somente há sonegação quando o inventariante ou o<br />

herdeiro omite a existência de bens objeto de doação.<br />

que recebeu do autor da herança, deixando de trazer<br />

tais dados ao processo de inventário, sendo que descabe<br />

aplicar as penalidades por sonegados enquanto<br />

não estiver encerrada a descrição dos bens e prestadas<br />

as últimas declarações, e enquanto o herdeiro acusado<br />

de sonegação não afirmar que não possui os bens pretendidos.<br />

Inteligência do art. 1996 do CCB. Recurso conhecido<br />

e desprovido. (TJRS, Agravo de Instrumento n•<br />

70.028.798.015, Relator Desembargador SÉRGIO FERNANDO<br />

DE VASCONCELLOS CHAVES, julgado em 16/09/2009).<br />

15. DA COLAÇÃO<br />

Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente<br />

comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor<br />

das doações que dele em vida receberam. sob pena de colação.<br />

• E na hora da prova?<br />

(Cespe - can6rio - TJ - BA/2014) Antônio, nascido em 1940, teve um<br />

único filho com sua primeira esposa e, em 2012. casou-se pela segunda<br />

vez. Em janeiro de 2013, ele doou a um de seus netos, José. um<br />

imóvel. Em março do mesmo ano, um mês antes do óbito de seu filho.<br />

Antônio faleceu.<br />

753


LUCIANO l. FIGUEIREDO E ROBERTO l. FIGUEIREDO<br />

Com base nessa situação hipotética, assinale a opção correta.<br />

A) Se todos os herdeiros fossem capazes, poderia ser realizada, por<br />

escritura pública, partilha amigável, cuja eficácia depende de posterior<br />

homologação judicial.<br />

B) Um dos netos de Antônio poderia ser excluído da sucessão por indignidade,<br />

mas não deserdado, se desamparasse o avô enfermo.<br />

C) Tendo o novo Código Civil incluído o cônjuge como herdeiro necessário,<br />

na sucessão legítima, a viúva de Antônio concorrerá com os netos<br />

do falecido.<br />

D) José, herdeiro necessário de Antônio, não precisará levar à colação,<br />

no inventário de seu avô, o imóvel que lhe foi doado em janeiro de<br />

2013.<br />

E) Antônio não poderia nomear herdeiro testamentário sob condição.<br />

Gabarito: D<br />

Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será compu ­<br />

tado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.<br />

~ Como os tribunais já decidiram sobre o assunto?<br />

[ ... ] Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a<br />

descendente e/ou herdeiro necessário nada mais é que<br />

adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever<br />

de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos<br />

demais herdeiros: se supervenientes ao ato de liberalidade,<br />

se irmãos germanos ou unilaterais. (STJ - T3 - Terceira<br />

Turma, REsp. 730.483/MG, Relatora Ministra NANCY<br />

ANDRIGHI, DJ 20/o6/2005, julgado em 02/05/2005).<br />

Efeitos da sentença que declara a paternidade. Retroação<br />

para atingir cessão e transferência de quotas de<br />

sociedade que o pai fez para outros filhos, em ato simulado,<br />

como se de cessão onerosa se cuidasse, embora<br />

com preço vil. Reconhecimento da doação e consequente<br />

dever de colacionar a parte que seria transmitida aos filhos,<br />

no inventário. Provimento, em parte, para essa finalidade.<br />

(TJSP. Ap. n• 459.146.4/3-00, Relator Desembargador<br />

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI, julgado em 13/09/2007)<br />

754


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Traduz a colação uma operação matemática que tem por fim<br />

igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos<br />

descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários<br />

que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem<br />

os bens doados.<br />

Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento<br />

de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar<br />

as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim doados<br />

serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o<br />

donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.<br />

• Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

Inventário. Doações de imóveis, que beneficiaram apenas<br />

dois, dos três herdeiros existentes. Doações que abrangem<br />

a quase totalidade dos bens do autor da herança e<br />

são notoriamente inoficiosas. Inexistência de dispensa.<br />

no contrato ou em testamento posterior. dos donatários<br />

trazerem os bens à colação.<br />

<strong>Col</strong>ação que, em princípio, se faz pelo valor dos bens<br />

doados. Elementos dos autos que demonstram a insuficiência<br />

de outros bens do espólio para igualar as legítimas.<br />

Enquadramento da hipótese no parágrafo único do artigo<br />

2.003 do Código Civil. <strong>Col</strong>ação a ser conferida em espécie,<br />

com retorno dos bens ao acervo hereditário. Recurso<br />

provido. (TJSP, Agravo de Instrumento n° 530.150.4/9-00,<br />

Relator Desembargador FRANCISCO LOUREIRO, julgado em<br />

o8/11/2007).<br />

O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo,<br />

que lhes atribuir o ato de liberalidade. Se do ato de doação<br />

não constar valor certo, nem houver estimação feita naquela época,<br />

os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem<br />

ao tempo da liberalidade. Só o valor dos bens doados entrará<br />

em colação; não assim o das benfeitorias acrescidas, as quais<br />

pertencerão ao herdeiro donatário, correndo também à conta deste<br />

os rendimentos ou lucros, assim como os danos e perdas que eles<br />

sofrerem.<br />

755


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu o assunto?<br />

[ ... ) Os bens trazidos à colação, para efeito de acertamento<br />

das legítimas, devem ser avaliados com base no<br />

valor que possuírem à época da abertura da sucessão,<br />

conforme o disposto no art. I.014, parágrafo único, do<br />

CPC, dispositivo esse que corresponde à norma vigente<br />

à época da abertura das sucessões examinadas nos presentes<br />

autos. Recurso especial parcialmente conhecido<br />

e provido. (STJ - T3 - TERCEIRA TURMA, REsp. 595742/SC,<br />

Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 01/12/2003, julgado<br />

em 05/11/2003).<br />

E a doutrina majoritária?<br />

Enunciado 119, CJF - 1 Jornada: Para evitar o enriquecimento sem<br />

causa, a colação será efetuada com base no valor da época da doação,<br />

nos termos do caput do art. 2.004, exclusivamente na hipótese<br />

em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário.<br />

Se, ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação<br />

se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão,<br />

nos termos do art. i.014 do CPC, de modo a preservar a quantia<br />

que efetivamente integrará a legítima quando esta se constituiu, ou<br />

seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do<br />

art. 2.004 e seus parágrafos, juntamente com os arts. i.832 e 884 do<br />

Código Civil).<br />

~ E no Novo Código de Processo Civil?<br />

o art. 1.014, do CPC, passará a ser o art. 639, do novo CPC (NCPC).<br />

São dispensadas da colação as doações que o doador determinar<br />

saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado<br />

o seu valor ao tempo da doação. Presume-se imputada na<br />

parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo<br />

do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro<br />

necessário.<br />

~ Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

Prestação de Contas. Apelante pretende que inventariante apelado preste<br />

contas acerca de imóvel doado pelo inventariado aos netos.<br />

756


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Netos não são sucessores do avô inventariado. Bem doado não representa<br />

adiantamento da legítima.<br />

Desnecessidade de colação do bem. Vencido o apelante, devida<br />

sua condenação na sucumbência. Recurso não provido. (TJSP, Ap. n°<br />

99010317o6o1, Relator Desembargador LUIZ ANTONIO COSTA, Data de Publicação:<br />

08/10/2010, julgado em o6/10/2010).<br />

A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento,<br />

ou no próprio título de liberalidade.<br />

~ Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

AGRAVO DE INSTRUMENTO. <strong>DIREITO</strong> DAS SUCESSÕES. INVEN­<br />

TÁRIO. COLAÇÃO. "Os descendentes que concorrerem à<br />

sucessão do ascendente comum são obrigados, para<br />

igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que<br />

dele em vida receberam, sob pena de sonegação." (art.<br />

2002, caput, nCC). Decisão que determina a indisponibilidade<br />

de bens imóveis adjudicados ao sucessor do<br />

donatário e sua colação ao inventário da doadora, que<br />

possuía outros dois filhos e fez a doação de bens a<br />

um dos herdeiros, em vida. Adiantamento da legítima.<br />

1 - Tanto pelo art. 1789 do cc de 1916 quanto pelo art.<br />

2006 do cc em vigor. para que produza efeito jurídico,<br />

a dispensa da colação deve ser declarada pelo doador,<br />

em cláusula expressa, ou no próprio título de liberalidade<br />

ou no testamento. Não havendo essa dispensa,<br />

obriga-se o donatário, ou, quando falecido antes do<br />

doador, seus sucessores, a trazer os bens à colação.<br />

Necessidade de apuração se o montante doado excedeu<br />

a parte disponível do patrimônio do falecido. li -<br />

Indisponibilidade dos bens doados. Medida necessária,<br />

para impedir a transferência a terceiros, protegendo<br />

o patrimônio dos demais herdeiros, até o deslinde da<br />

lide. Recurso desprovido. (TJRJ, Agravo de Instrumento<br />

n° 0020943-87.2010.8.19.0000, Relatora Desembargadora<br />

LUISA BOTTREL SOUZA, Data de Publicação: 02/09/2010, julgado<br />

em 25/08/2010).<br />

757


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

~ E na hora da prova?<br />

No concurso para o provimento do cargo de Juiz de Direito - TJMT, banca<br />

examinadora VUNESP, ano de 2009, foi tida como verdadeira a assertiva:<br />

"a dispensa de colação, ou seja, o modo de igualar as legítimas dos<br />

descendentes e do cônjuge, pode ser outorgada pelo doador em testamento,<br />

ou no próprio título de liberalidade".<br />

São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso<br />

quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.<br />

O excesso será apurado com base no valor que os bens doados<br />

tinham, no momento da liberalidade.<br />

Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes<br />

datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação<br />

do excesso.<br />

~ Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

Anulatória de ato jurídico. Extinção. Inadequação. Pedido<br />

de reconhecimento de doação inoficiosa. Ajuizamento da<br />

ação em vida do doador. Possibilidade. Recurso provido<br />

para anular a sentença, a fim de que o processo retome<br />

seu curso. A ação de redução das doações inoficiosas<br />

poderá ser ajuizada em vida, tratando-se de contrato de<br />

doação, negócio jurídico inter vivos, cuja nulidade surge ao<br />

tempo da liberalidade.<br />

O pedido de nulificação pode ser feito ainda com o doador<br />

em vida, já que não se postula a herança para si próprio,<br />

mas que os bens excedentes da parte disponível retomem<br />

ao patrimônio do futuro autor da herança, preservando­<br />

-se a legítima e recolocando os herdeiros necessários em<br />

igualdade de condições. (TJSP. Ap. n• 990100943812, Rela·<br />

tor Desembargador JESUS LOFRANO, Data de Publicação:<br />

13/07/2010, julgado em 29/06/2010).<br />

Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído deve, não<br />

obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de repor o que<br />

exceder o disponível.<br />

Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos<br />

avós, serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam<br />

herdado, o que os pais teriam de conferir.<br />

758


DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA<br />

Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o<br />

descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento,<br />

vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim como as<br />

despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em<br />

processo-crime.<br />

As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também<br />

não estão sujeitas a colação.<br />

• Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

APELAÇÃO. AÇÃO DE SONEGADOS. DOAÇÃO REMUNERATÓRIA.<br />

COLAÇÃO. DESNECESSIDADE. OCULTAÇÃO DOLOSA DE BENS.<br />

INOCORR~NCIA . A doação feita pelo pai a um dos filhos,<br />

que com ele trabalhou a vida toda, ajudando a manter e<br />

aumentar o patrimônio, não é adiantamento de legítima,<br />

mas sim remuneratória. E como tal, está liberada de colação.<br />

Inteligência do an. 2.011 do CCB. Caso em que inexiste<br />

qualquer intenção dolosa de ocultar bens. Aliás, o<br />

próprio apelante panicipou de pedido de avaliação dos<br />

bens alegadamente sonegados, o que demonstra sequer<br />

ter havido alguma ocultação. Negaram provimento. (TJRS,<br />

Apelação cível n° 70.026.oo6.635, Relator Desembargador<br />

RUI PORTANOVA, julgado em 18/o6/2009).<br />

Sendo feita a doação por ambos os cônjuges, no inventário de<br />

cada um se conferirá por metade.<br />

• Como os tribunais já entenderam o assunto?<br />

<strong>Col</strong>ação de bens. Doação feita pelo casal. Preservação<br />

da pane correspondente a meação da viúva. Inteligência<br />

do an. 1.795 do CC. Declaração de voto. (TJMS, RT 697/154<br />

- 1993).<br />

Eis a síntese da colação:<br />

i. Finalidade: igualar a legítima dos descendentes e do cônjuge sobrevivente<br />

(art. 2.003), obrigando também os donatários que, ao<br />

tempo da morte do doador, já não possuírem os bens doados.<br />

Portanto, os bens conferidos não aumentam a metade disponível<br />

(arts. 1.846 e i.847). De acordo com o art. 2.002 do NCC, os que os<br />

sucessores receberam em vida dos seus ascendentes se devolve<br />

ou acervo, que assim se recompõe para, depois, partilhar-se novamente<br />

entre os herdeiros.<br />

759


LUCIANO L. FIGUEIREDO E ROBERTO L. FIGUEIREDO<br />

2. Conceito: acréscimo à massa/acervo sucessório, tornando comuns<br />

os bens conferidos. É a restituição ao acervo hereditário<br />

dos valores recebidos pelos herdeiros à título de doação, para<br />

subsequente inclusão igualitária na partilha.<br />

3. Fundamento: igualdade das legítimas - equidade. Perfeita igualdade<br />

de tratamento, através da vontade presumida do extinto.<br />

O tema está regulado no art. 2.002: Os descendentes que concorrerem<br />

à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as<br />

legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam,<br />

sob pena de sonegação. Parágrafo único: Para cálculo da legítima, o<br />

valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem<br />

aumentar a disponível. A propósito, reza o art. 544 do NCC que a<br />

doação feita por ascendentes à descendentes, ou de um cônjuge à<br />

outro, importa adiantamento do que lhe cabe por herança.<br />

~ Atenção!<br />

No CC/16 a colação era feita in natura ou substância e, se<br />

não mais se possuísse o bem, trar-se-ia o respedivo valor<br />

para o acervo hereditário. A regra era a substância, a<br />

exceção era a colação por estimação. Fato este refletido<br />

no CPC, art. i.014 segundo o qual o herdeiro obrigado à<br />

colação conferirá por termo nos autos os bens que recebeu<br />

ou se já não os possuir, trar-lhes-á o valor. Hoje, a colação<br />

adotada é pelo valor do bem, ou por estimação constante<br />

no ato da liberalidade ou pelo valor da época em<br />

que se realizou. Portanto, a lei nova CC revogou implicitamente<br />

a antiga CPC. o art. 2.004 do NCC traz importante<br />

modificação ao i.014, parágrafo único, do CPC.<br />

A colação só se verifica no caso de doação e não na hipótese<br />

de partilha em vida. Somente o valor dos bens entrará<br />

em colação, e não o das benfeitorias acrescidas, nem os<br />

rendimentos, lucros e perdas e danos, que correm às custas<br />

dos herdeiro donatário (§ 2°, art. 2.004). É possível a dispensa<br />

da colação para a parte disponível da herança (CC,<br />

artigos 2005 e 2.oo6), desde que esta dispensa seja feita no<br />

próprio título constitutivo da liberalidade, ou mesmo por<br />

testamento, ou seja, apenas nestes taxativos casos. As doações<br />

remuneratórias não estão sujeitas à colação, porque<br />

de rigor não se tratam de doações (art. 564, 1 e 2.011, CC).<br />

760


lmprlS&AO e AcabamenlO<br />

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