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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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providência. Os escravos estão na roça; o feitor levou para o cafezal tuas<br />

companheiras, teu senhor saiu a cavalo com o André; não há talvez em toda a casa<br />

senão alguma negra lá pelos cantos da cozinha. Aproveitemos a ocasião, que<br />

parece mesmo nos vir das mãos de Deus, no momento em que aqui estou<br />

chegando. Eu já preveni tudo.<br />

Lá no fundo do quintal à beira do rio está amarrada uma canoa; é quanto<br />

nos basta. Tu sairás primeiro e irás lá ter por dentro do quintal; eu sairei por fora<br />

alguns instantes depois e lá nos encontraremos. Em menos de uma hora estaremos<br />

em Campos, onde nos espera um navio, de que é capitão um amigo meu, e que tem<br />

de seguir viagem para o Norte nesta madrugada. Quando romper o dia, estaremos<br />

longe do algoz que te persegue. Vamo-nos, Isaura; talvez por esse mundo<br />

encontremos alguma alma piedosa, que melhor do que eu te possa proteger.<br />

— Vamo-nos, meu pai; que posso eu recear?... posso acaso ser mais<br />

desgraçada do que já sou?...<br />

Isaura, cosendo-se com a sombra do muro, que rodeava o pátio, abriu o<br />

portão, que dava para o quintal, e desapareceu. Momentos depois Miguel rodeando<br />

por fora os edifícios costeava o quintal, e achava-se com ela à margem do rio.<br />

A canoa vogando sutilmente bem junto à barranca, impelida pelo braço<br />

vigoroso de Miguel, em poucos minutos perdeu de vista a fazenda.<br />

CAPÍTULO XI<br />

Já são passados mais de dois meses depois da fuga de Isaura, e agora,<br />

leitores, enquanto Leôncio emprega diligências extraordinárias e meios extremos, e<br />

desatando os cordões da bolsa, põe em atividade a polícia e uma multidão de<br />

agentes particulares para empolgar de novo a presa, que tão sorrateiramente lhe<br />

escapara, façamo-nos de vela para as províncias do Norte, onde talvez primeiro que<br />

ele deparemos com a nossa fugitiva heroína.<br />

Estamos no Recife. É noite e a formosa Veneza da América do Sul, coroada<br />

de um diadema de luzes, parece surgir dos braços do oceano, que a estreita em<br />

carinhoso amplexo e a beija com amor. É uma noite festiva: em uma das principais<br />

ruas nota-se um edifício esplendidamente iluminado, para onde concorre grande<br />

número de cavalheiros e damas das mais distintas e opulentas classes. É um lindo<br />

prédio onde uma sociedade escolhida costuma dar brilhantes e concorridos saraus.<br />

Alguns estudantes dos mais ricos e elegantes, também costumam descer da velha<br />

Olinda em noites determinadas, para ali virem se espanejar entre os esplendores e<br />

harmonias, entre as sedas e perfumes do salão do baile; e aos meigos olhares e<br />

angélicos sorrisos das belas e espirituosas pernambucanas, esquecerem por<br />

algumas horas os duros bancos da Academia e os carunchosos praxistas.<br />

Suponhamos que também somos adeptos daquele templo de Terpsícore,<br />

entremos por ele a dentro, e observemos o que por aí vai de curioso e interessante.<br />

Logo na primeira sala encontramos um grupo de elegantes mancebos, que<br />

conversam com alguma animação. Escutemo-los.<br />

— É mais uma estrela que vem brilhar nos salões do Recife, — dizia Álvaro,<br />

— e dar lustre a nossos saraus. Não há ainda três meses, que chegou a esta cidade,<br />

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