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Casa de Sementes Z? Noca em busca das esp?cies nativas perdidas

O Milho-Catingueiro resiste ao sol, sobrevive com poucas chuvas, sabe esperar o tempo certo para brotar no cho do Semirido e vingar novas espigas. O Feijo Pingo-de-Ouro semente preciosa, mas no pertence a ningum, no tem patente, ele de quem cultiva e, no Serto, quem cultiva gosta de partilhar o que tem.

O Milho-Catingueiro resiste ao sol, sobrevive com poucas chuvas, sabe esperar o tempo certo para brotar no cho do Semirido e vingar novas espigas. O Feijo Pingo-de-Ouro semente preciosa, mas no pertence a ningum, no tem patente, ele de quem cultiva e, no Serto, quem cultiva gosta de partilhar o que tem.

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Ano 11 • nº2306<br />

Março/2017<br />

Quixeramobim<br />

Boletim Informativo do Programa <strong>S<strong>em</strong>entes</strong> do S<strong>em</strong>iárido<br />

<strong>Casa</strong> <strong>de</strong> <strong>S<strong>em</strong>entes</strong> Zé <strong>Noca</strong> <strong>em</strong> <strong>busca</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>esp</strong>é<strong>cies</strong> <strong>nativas</strong> perdi<strong>das</strong><br />

O Milho-Catingueiro resiste ao sol,<br />

sobrevive com poucas chuvas, sabe<br />

<strong>esp</strong>erar o t<strong>em</strong>po certo para brotar no<br />

chão do S<strong>em</strong>iárido e vingar novas<br />

<strong>esp</strong>igas. O Feijão Pingo-<strong>de</strong>-Ouro é<br />

s<strong>em</strong>ente preciosa, mas não pertence a<br />

ninguém, não t<strong>em</strong> patente, ele é <strong>de</strong> qu<strong>em</strong><br />

cultiva e, no Sertão, qu<strong>em</strong> cultiva gosta<br />

<strong>de</strong> partilhar o que t<strong>em</strong>. Por isso, vinte<br />

famílias <strong>das</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aroeiras,<br />

Patos, Onça e Jardins, localiza<strong>das</strong> no<br />

município <strong>de</strong> Quixeramobim (CE),<br />

ajuntaram suas <strong>esp</strong>é<strong>cies</strong> <strong>nativas</strong> e hoje<br />

guardam um vasto patrimônio <strong>de</strong><br />

agrobiodiversida<strong>de</strong> na <strong>Casa</strong> <strong>de</strong> <strong>S<strong>em</strong>entes</strong><br />

Zé <strong>Noca</strong>.No ano <strong>de</strong> 2015, o grupo <strong>de</strong>cidiu<br />

participar do Programa <strong>S<strong>em</strong>entes</strong> do<br />

S<strong>em</strong>iárido, uma iniciativa da socieda<strong>de</strong> civil, coor<strong>de</strong>nada pela ASA (Articulação S<strong>em</strong>iárido Brasileiro)<br />

para estimular a agricultura familiar com a construção e organização <strong>de</strong> estoques comunitários <strong>de</strong><br />

s<strong>em</strong>entes crioulas para o plantio.<br />

Há muito t<strong>em</strong>po, as trabalhadoras e os trabalhadores rurais <strong>de</strong> Aroeiras <strong>de</strong>sejavam ter uma <strong>Casa</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>S<strong>em</strong>entes</strong>. Nos encontros da Feira da Agricultura Familiar <strong>de</strong> Quixeramobim, que existe há 15 anos,<br />

as/os integrantes já haviam conversado sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter esta reserva coletiva <strong>de</strong><br />

s<strong>em</strong>entes crioulas, que como elas e eles sab<strong>em</strong>, são mais resistentes ao sol forte e ao tipo <strong>de</strong> solo do<br />

Nor<strong>de</strong>ste. “A gente tinha um sonho <strong>de</strong> ter uma casa <strong>de</strong> s<strong>em</strong>entes e hoje é uma realida<strong>de</strong>”, disse<br />

Aureliano Soares Martins, agricultor agroecológico que coor<strong>de</strong>na a Feira e vive <strong>em</strong> Aroeiras há mais<br />

<strong>de</strong> 60 anos.<br />

Para que a <strong>Casa</strong> <strong>de</strong> <strong>S<strong>em</strong>entes</strong> Zé <strong>Noca</strong> pu<strong>de</strong>sse ser iniciada, to<strong>das</strong>/os tiveram <strong>de</strong> colaborar. Nas<br />

reuniões do projeto, o grupo l<strong>em</strong>brou os tipos <strong>de</strong> feijão, milho, jerimum, maxixe, ervas medicinais e<br />

tantas varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> frutas, cultivados ali há mais <strong>de</strong> cinquenta anos. Des<strong>de</strong> então, elas e eles têm se<br />

esforçado para localizar estas s<strong>em</strong>entes, como o Milho-Branco, o Feijão-Rabo–<strong>de</strong>-Peba, o Feijão-<br />

Chifre-<strong>de</strong>-Carneiro e o Milho-Vermelho, que foram perdidos <strong>de</strong>vido aos anos <strong>de</strong> seca e <strong>de</strong> crise<br />

hídrica. “T<strong>em</strong> s<strong>em</strong>entes que ainda vamos trabalhar muito para recuperar”, percebe Aureliano.<br />

As sócias e os sócios criaram então um regimento interno e estabeleceram as regras para qu<strong>em</strong><br />

quisesse participar. Para se associar, <strong>de</strong>ve ser feita a doação inicial <strong>de</strong> três quilos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>entes e,<br />

s<strong>em</strong>pre que alguém tomar s<strong>em</strong>entes <strong>em</strong>presta<strong>das</strong> para plantar, <strong>de</strong>volverá o dobro do que retirou,


Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas<br />

Articulação S<strong>em</strong>iárido Brasileiro – Ceará<br />

Replantar as s<strong>em</strong>entes crioulas e aumentar o<br />

estoque comunitário é um dos objetivos <strong>das</strong><br />

sócias e sócios<br />

assim s<strong>em</strong>pre haverá reserva garantida todos os anos.O<br />

compromisso fundamental, segundo Sr Aureliano, é seguir os<br />

princípios agroecológicos “A <strong>Casa</strong> <strong>de</strong> <strong>S<strong>em</strong>entes</strong> não admite<br />

ninguém que planta com agrotóxico”, diz. Ele explica que,<br />

naturalmente, as pessoas que não se adaptam a isso se<br />

afastam do grupo. “Dev<strong>em</strong>os parar <strong>de</strong> usar do agrotóxico<br />

que, não só contamina os alimentos, como também as águas.<br />

Nossa comunida<strong>de</strong> está brigando para que isso venha a<br />

acontecer <strong>em</strong> to<strong>das</strong> as outras, não só aqui”, explica Maria<br />

Liduína Leal Martins, agricultora, sócia da casa e <strong>esp</strong>osa <strong>de</strong><br />

Aureliano.<br />

As s<strong>em</strong>eadoras e os s<strong>em</strong>eadores da agricultura familiar<br />

conhec<strong>em</strong> b<strong>em</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>das</strong> plantas <strong>nativas</strong>. O<br />

Feijão-Pitiúba e Rabo-<strong>de</strong>-Peba são ligeiros, rapidinho se<br />

plantava e colhia, já o Barriguda-Azul era um feijão mais<br />

resistente que rebrotava com a chuva. “A gente t<strong>em</strong> que<br />

resgatar estas s<strong>em</strong>entes, mas on<strong>de</strong> a gente vai encontrar um<br />

agricultor com ela é que ainda estamos pensando”, afirma o<br />

agricultor. A produtivida<strong>de</strong> da plantação com a s<strong>em</strong>ente<br />

nativa é b<strong>em</strong> maior.“No ano passado, um agricultor da nossa<br />

casa <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ente plantou nosso Feijão-Raul e, mesmo com<br />

todo t<strong>em</strong>po seco, ele tirou setecentos quilos. Isso é para<br />

mostrar para as pessoas que nossa s<strong>em</strong>ente crioula é muito<br />

mais resistente”, diz ele<br />

Em 2012, após anos seguidos <strong>de</strong> seca, o casal viu as<br />

colheitas diminuír<strong>em</strong> e suas s<strong>em</strong>entes crioulas se per<strong>de</strong>r<strong>em</strong>.<br />

Tiveram então <strong>de</strong> recorrer aos grãos que são fornecidos pelo<br />

governo e logo viram a diferença. “A lagarta atacava nossa<br />

s<strong>em</strong>ente crioula, mas não matava. Já a s<strong>em</strong>ente do governo,<br />

se você plantar e <strong>de</strong>r <strong>de</strong>z dias <strong>de</strong> sol, ela não t<strong>em</strong> mais como<br />

produzir ”, diz Aureliano. Liduína l<strong>em</strong>bra a necessida<strong>de</strong> ter a<br />

s<strong>em</strong>ente à disposição, tão logo comec<strong>em</strong> as primeiras<br />

chuvas, o que só é possível com a <strong>Casa</strong> <strong>de</strong> <strong>S<strong>em</strong>entes</strong>. “A do<br />

governo, quando v<strong>em</strong> chegar aqui, já t<strong>em</strong> dado umas cinco<br />

chuvas boas, e esta daí já está nascendo”, diz a trabalhadora<br />

rural.<br />

A comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aroeiras faz parte da Re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Agricultores/as Agroecológicos/as do Sertão Central, composta por trabalhadoras e trabalhadores<br />

rurais dos municípios <strong>de</strong> Choró Limão, Quixadá, Quixeramobim e Pedra Branca. O grupo <strong>de</strong>seja<br />

ampliar a extensão do território alcançado pela <strong>Casa</strong> <strong>de</strong> <strong>S<strong>em</strong>entes</strong> Zé <strong>Noca</strong> e ter mais pessoas<br />

engaja<strong>das</strong> no resgate <strong>das</strong> s<strong>em</strong>entes crioulas. Também estão dispostas/os a contribuir com outros<br />

grupos abrindo o <strong>esp</strong>aço para visitação e formação sobre a importância <strong>de</strong> cultivar estas s<strong>em</strong>entes.<br />

Ao contrário <strong>das</strong> s<strong>em</strong>entes transgênicas, <strong>de</strong>senvolvi<strong>das</strong> por <strong>em</strong>presas <strong>em</strong> laboratórios e<br />

potencialmente cancerígenas, as <strong>esp</strong>é<strong>cies</strong> crioulas foram melhora<strong>das</strong> pela própria natureza,<br />

seleciona<strong>das</strong> e replanta<strong>das</strong> pelas famílias agricultoras, e inseri<strong>das</strong> nos hábitos alimentares humanos<br />

há séculos, não oferecendo risco à saú<strong>de</strong>. Liduína afirma que, na sua comunida<strong>de</strong>, muitas pessoas<br />

viv<strong>em</strong> muito t<strong>em</strong>po e com boa saú<strong>de</strong> e consi<strong>de</strong>ra que um dos motivos para esta longevida<strong>de</strong> são as<br />

boas tradições alimentares, que estão agora sendo valoriza<strong>das</strong> e revivi<strong>das</strong>.<br />

Realização:<br />

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