Trendbook | Comunicação no centro da mudança
A publicação reúne entrevistas e artigos que abordam a comunicação como pilar para mudar o mundo.
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DA NOTÍCIA AO CONTEÚDO DE CAUSA: SEIS TENDÊNCIAS QUE ESTÃO MUDANDO O JORNALISMO<br />
MARCELO VIEIRA<br />
desses conteúdos, existe uma expectativa de que eles também possam ser usados mais<br />
frequentemente por jornalistas na produção de matérias sobre projetos e sobre a relação<br />
de políticos com a socie<strong>da</strong>de.<br />
O Vote na Web é uma <strong>da</strong>s faces mais bem-sucedi<strong>da</strong>s de um grupo de iniciativas que surgiram<br />
na última déca<strong>da</strong> influencia<strong>da</strong>s pelo conceito de webci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, que basicamente consiste<br />
em usar as ferramentas proporciona<strong>da</strong>s pela tec<strong>no</strong>logia para possibilitar um acompanhamento<br />
mais próximo <strong>da</strong> política por parte dos ci<strong>da</strong>dãos.<br />
Com isso, surgiu um número variado de iniciativas – entre sites, plataformas e aplicativos –,<br />
volta<strong>da</strong>s para a produção de conteúdo, criação de canais de comunicação entre o ci<strong>da</strong>dão e<br />
o poder público e, ain<strong>da</strong>, de acompanhamento <strong>da</strong> atuação dos políticos, desde os gastos do<br />
gabinete até o cumprimento <strong>da</strong>s propostas de campanha.<br />
To<strong>da</strong>s elas de alguma forma liga<strong>da</strong>s ao papel de “lobista do ci<strong>da</strong>dão”, que exerce pressão sobre<br />
os políticos para deman<strong>da</strong>r uma atuação mais próxima aos anseios <strong>da</strong>s pessoas, e <strong>da</strong> ideia de<br />
que é possível “hackear” a democracia, isto é, usar a tec<strong>no</strong>logia para infiltrar-se em frestas do<br />
processo político em prol <strong>da</strong> defesa de direitos e <strong>da</strong> melhor quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> representação.<br />
[ENTREVISTA]<br />
COM FABIO MALINI<br />
ENSAÍSTA, PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO<br />
SANTO E PESQUISADOR SOBRE CIÊNCIAS DE DADOS, REDES SOCIAIS E<br />
COMUNICAÇÃO POLÍTICA.<br />
JUNTOS: De que forma a tec<strong>no</strong>logia está relaciona<strong>da</strong> às<br />
mu<strong>da</strong>nças recentes <strong>no</strong> comportamento do brasileiro?<br />
FABIO MALINI: Em junho de 2013, o Brasil foi para a rua e,<br />
com ele, uma geração que viveu o mais intenso processo<br />
de transformação <strong>da</strong> história do país. A primeira dessas mu<strong>da</strong>nças foi o deslocamento<br />
<strong>da</strong> agen<strong>da</strong> política do país, até então centra<strong>da</strong> na discussão e <strong>no</strong> combate à pobreza. Do<br />
protagonismo dos movimentos sociais obtido na “era Lula”, surge uma <strong>no</strong>va agen<strong>da</strong>, múltipla,<br />
fruto <strong>da</strong> dinâmica interna de um <strong>no</strong>vo modelo de socie<strong>da</strong>de civil, que passou a levantar<br />
bandeiras que até então não eram contempla<strong>da</strong>s pelos movimentos mais tradicionais.<br />
Foi uma aluvião, uma diversificação de mi<strong>no</strong>rias, que se manifestavam, entre outras formas,<br />
pela produção de conteúdos. Esses produtores passaram a utilizar as várias formas<br />
de expressão disponíveis para <strong>da</strong>r visibili<strong>da</strong>de a temas e lutas até então invisíveis. Ao mesmo<br />
tempo em que se consoli<strong>da</strong>m grandes “hubs” de informação, surgem vozes que vão dos<br />
comunicadores rurais, passando pelos militantes<br />
étnico-raciais, de multiplici<strong>da</strong>de de gê-<br />
ELEGEM UM ASSUNTO PARA EMERGIR NO<br />
QUANDO ESSES GRUPOS SE ARTICULAM E<br />
nero, moradores de favelas, até o campo <strong>da</strong>s<br />
DEBATE PÚBLICO, TORNA-SE MUITO MAIS<br />
mi<strong>no</strong>rias religiosas. Passamos a ter acesso às<br />
DIFÍCIL SILENCIAR ESSES TEMAS, QUE COMEÇAM<br />
narrativas <strong>da</strong>s experiências culturais marginais<br />
e às pautas políticas de resistência, de<br />
A REVERBERAR COM MUITA FORÇA.<br />
nenhum direito a me<strong>no</strong>s (ou <strong>da</strong> ampliação de direitos).<br />
JUNTOS: De que formas e por meio de que tec<strong>no</strong>logias essas mu<strong>da</strong>nças estão se processando?<br />
FABIO MALINI: Outra mu<strong>da</strong>nça que influenciou diretamente esse quadro está relaciona<strong>da</strong> à<br />
própria linguagem: os celulares revolucionam o cenário de produção de informações com<br />
aplicativos que possibilitam o surgimento <strong>da</strong> comunicação instantânea e facilita<strong>da</strong> em grupos<br />
e, ao mesmo tempo, a miniaturização <strong>da</strong> tec<strong>no</strong>logia de gravação. Esse sistema, que podemos<br />
chamar de “grande <strong>no</strong>va mídia”, funciona em rede, que, com o passar do tempo, é<br />
ca<strong>da</strong> vez me<strong>no</strong>s hierarquiza<strong>da</strong>. A comunicação se radicaliza e o cenário está pronto para o<br />
aprofun<strong>da</strong>mento que se dá nas ocupações às escolas públicas que ocorreram, principalmente,<br />
em São Paulo e <strong>no</strong> Rio de Janeiro, em 2015 e 2016.<br />
Se, <strong>no</strong> primeiro momento, em 2013, há uma aglutinação de páginas, que se articulam para<br />
viralizar um conjunto de conteúdos idênticos, possibilitando uma elastici<strong>da</strong>de de públicos<br />
em um momento em que ain<strong>da</strong> não existiam os grandes hubs de informação, em 2015, durante<br />
os “Ocupas”, to<strong>da</strong> a estrutura de comunicação tende para a construção de redes identitárias,<br />
profun<strong>da</strong>mente relaciona<strong>da</strong>s com as causas e com os autores <strong>da</strong>s manifestações,<br />
e que se conectam a redes parceiras/alia<strong>da</strong>s.<br />
Esse movimento que vem <strong>da</strong>s margens, <strong>da</strong>s<br />
páginas dos “Ocupas”, que atingem dezenas<br />
de milhares de seguidores, atingem hubs e<br />
portais, dentro <strong>da</strong> lógica <strong>da</strong> sincronização de<br />
lutas, que também é fruto <strong>da</strong> cultura mobile,<br />
mas emula a estratégia clássica <strong>da</strong> sincronização midiática, do agen<strong>da</strong>mento. Atores convergem<br />
para colocar em pauta os mesmos conteúdos, repetindo a mesma lógica dos jornais.<br />
Quando esses grupos se articulam e elegem um assunto para emergir <strong>no</strong> debate público, torna-se<br />
muito mais difícil silenciar esses temas, que começam a reverberar com muita força.<br />
Por isso, a sincronização entre a reivindicação dos movimentos e a internet chegou para ficar.<br />
JUNTOS: Existe uma linguagem comum a esses processos?<br />
PASSAMOS A TER ACESSO ÀS NARRATIVAS<br />
DAS EXPERIÊNCIAS CULTURAIS MARGINAIS E<br />
ÀS PAUTAS POLÍTICAS DE RESISTÊNCIA, DE<br />
NENHUM DIREITO A MENOS (OU DA AMPLIAÇÃO<br />
DE DIREITOS).<br />
FABIO MALINI: Essa questão é a de ordem estética. A terceira, levando em conta as outras<br />
que já apontei. Resultantes <strong>da</strong> combinação entre o design <strong>da</strong> luta política e a instantanei<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> cultura mobile, as <strong>no</strong>vas linguagens buscam na publici<strong>da</strong>de a dinâmica dos memes,<br />
dos gifs e o uso intenso <strong>da</strong> ironia, alimentando um modo de ver a reali<strong>da</strong>de que até então<br />
não existia.<br />
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