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REBOSTEIO Nº 1

Revista REBOSTEIO DIGITAL número um - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

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nº 1<br />

dezembro/2011


nº 1<br />

DISPA-SE<br />

DE PRECONCEITOS.<br />

VOCÊ ESTÁ PRESTES<br />

A EMBARCAR<br />

- CONOSCO -<br />

NESTA LEITURA<br />

COM TODO<br />

PRAZER.


Editores<br />

Mercedes Lorenzo<br />

Rubens Guilherme Pesenti<br />

Contato<br />

revistarebosteio@gmail.com<br />

Blog para mailing-list:<br />

http://rebosteio-revistadigital.blogspot.com/<br />

Colaboradores deste <strong>Nº</strong><br />

Adelaide do Julinho<br />

Al Chaer<br />

Alice Barreira<br />

Elizabete Baptista de Oliveira<br />

José Agripino<br />

Laerth Mota<br />

Letícia Lanz<br />

Luciano Ogura Buralli<br />

Marcelino Freire<br />

Mauricio Maia<br />

Nirton Venancio<br />

Rodrigo Machado Freire<br />

Romulo Garcias<br />

Rubens Guilherme Pesenti<br />

Tiago Costa<br />

Willian Delarte<br />

<strong>REBOSTEIO</strong><br />

é uma publicação digital<br />

sem fins lucrativos, construída com a<br />

ajuda de colaboradores voluntários,<br />

independente, apartidária e voltada<br />

para a divulgação de arte em geral,<br />

de idéias, provocações neurais e<br />

expansão dos sentidos... não temos<br />

todas as respostas, mas estamos<br />

interessados nas melhores perguntas.<br />

SE( )O<br />

múltipla escolha<br />

nº 1<br />

dezembro/2011<br />

capa: Mercedes Lorenzo<br />

http://olhardelambe-lambe.blogspot.com<br />

PROJETO GRÁFICO:<br />

Rubens Guilherme Pesenti<br />

http://ru666.blogspot.com<br />

O sexo em muita das suas posições depende de abertura, por isso abrimos este texto<br />

com a definição da palavra sexo pelos dicionários. Ah, sim, tivemos que abrir um para<br />

isso.<br />

Sexo<br />

Datação<br />

1572 cf. IAVL<br />

Acepções<br />

¦ substantivo masculino<br />

1 no Homem, conformação física, orgânica, celular, particular que permite distinguir o<br />

homem e a mullher, atribuindo-lhes um papel específico na reprodução<br />

2 nos animais, conjunto das características corporais que diferenciam, numa espécie, os<br />

machos e as fêmeas e que lhes permitem reproduzir-se<br />

3 nos vegetais, conjunto de características que distinguem os órgãos reprodutores<br />

femininos e masculinos<br />

4 conjunto das pessoas que pertencem ao mesmo sexo<br />

5 Derivação: por extensão de sentido.<br />

sensualidade, lubricidade, volúpia, sexualidade<br />

6 Regionalismo: Brasil.<br />

os órgãos sexuais externos<br />

Ex.: protegia-lhe o s. uma estreita tira de pano<br />

Como podem perceber, sexo vai além daquela opção para vocês escolherem entre<br />

feminino e masculino nos formulários. Mas o dicionário, em sua frieza de significados,<br />

também não é a melhor referência para o sexo. Claro, a não ser que alguém<br />

tenha tesão por um Aurelião bem pesado.<br />

Assim como a justiça o sexo é muito falado, porém mal praticado ou não praticado.<br />

Pergunta: os responsáveis pela justiça gozam sexualmente ou apenas da nossa cara?<br />

Há uma série de formas de se praticar o sexo: desde a prática solitária e «culposa» até o<br />

sexo grupal. No entanto, entre e um e outro existe uma infinidade de maneiras de<br />

praticá-lo. Há formas perversas e violentas, com o consentimento do casal, mas também<br />

há os estupros, o sexo coercitivo por condições sociais e profissionais; há o sexo casual<br />

em que o tesão é um fator preponderante, e há o sexo em que o parceiro ou parceira é<br />

um mero detalhe, o que vale é a sua satisfação, ou insatisfação; assim como existe o sexo<br />

hetero, também há o homo e tem quem o pratique com a natureza; alguns gostam<br />

de sexo com animais outros são bestiais no sexo. Há sexo pago e inclusive sexo com<br />

amor. Neste caso não importa a opção sexual de cada um ou a forma de praticá-lo. No<br />

geral o sexo com amor é muito carinhoso. Um tesão!<br />

Tá vendo, não é fácil! Nós nem bem começamos a falar de sexo e suas múltiplas<br />

variações e vocês pensaram que era apenas uma questão de colocar “aquilo” “naquilo”.<br />

Desculpem-nos, mas ainda não saíram da fase das mãos e dos dedos.<br />

Dependendo dos muitos fatores na formação das pessoas, inclusive o cultural, podem<br />

pedir conselhos sexuais para um padre ou um pastor protestante. Receberão o troféu<br />

Virgem Maria e a garantia da intocabilidade do corpo para toda eternidade, sem a<br />

tentação vermelha e sexual do demônio e resguardados por anjinhos sem pinto e nem<br />

xota.<br />

Outra opção, para uma classe média desestimulada sexualmente, são os sexólogos e<br />

sexólogas de plantão. Não sabemos se dá resultado, mas sairão grandes teóricos e com<br />

um discurso que deixará a todos boquiabertos diante de tanto conhecimento dessa<br />

prática tão desejada quanto um orgasmo. Aliás, o orgasmo é o estertor do sexo.<br />

Queridos leitores, talvez com esse papo todo estejamos atrapalhando aquela sua<br />

“rapidinha”, portanto, esqueçam tudo isso e vão para a prática. Sexo é prática.<br />

Sexo é a fonte das desrepressões, por isso é perigoso. Cuidado: sexo é liberdade.<br />

FALHA NOSSA: na edição anterior (número zero) de Rebosteio Digital faltou constar o link do blog do nosso<br />

caríssimo entrevistado, ADRIAN DORADO.<br />

Seu blog é La Zona Irredenta >> http://adriandorado.blogspot.com<br />

página 03


ENTRE TANTAS MENSAGENS SUPER BACANAS,<br />

AQUI VÃO ALGUMAS QUE SEPARAMOS PARA<br />

AGRADECER IMENSAMENTE A RECEPTIVIDADE<br />

QUE TEVE O <strong>REBOSTEIO</strong> nº ZERO:<br />

05<br />

12<br />

28<br />

34<br />

17<br />

24<br />

39<br />

40<br />

26<br />

A Ditadura do Gênero - Letícia<br />

Lanz<br />

11<br />

16<br />

37<br />

Sem Rumo e com Romulo<br />

Romulo Garcias<br />

Sexo Melhor - Rodrigo Machado<br />

Freire<br />

22<br />

23<br />

32<br />

38<br />

36<br />

14<br />

Druuna - Serpieri<br />

Tesão d’Outrora - Poemas<br />

O Amor de Nietzsche - Nirton<br />

Venancio<br />

18<br />

Poesia<br />

Meus Amigos Coloridos<br />

Marcelino Freire<br />

Texto - Wilhelm Reich<br />

Minha Boneca Juliete - Willian<br />

Delarte<br />

Artes Plásticas - Laerth Motta<br />

Moças da Noite - Luciano Ogura<br />

Poliamor - Zé Agripino<br />

Assexulalidade - Elizabete Baptista<br />

de Oliveira<br />

Palito Aceso - Muret<br />

Namoradinha Nova? Então<br />

se Liga ! - Maurício Maia<br />

Texto - Roberto Freire<br />

Rebosteio In Dica / O Papa Não<br />

é Pop<br />

A Gente Não Quer Só Comida<br />

João Alberto Lupin:<br />

muito legal a revista <strong>REBOSTEIO</strong>. Ficaria mais bonita<br />

ainda em papel.<br />

Rosangela:<br />

Folheei a revista...<br />

Nossa! Que poeta este Marcantonio Costa.<br />

Pelo pouco que li já me encantei.<br />

Abraço.<br />

Sylvio de Alencar:<br />

Bem bem bem... Uma revista de sustança!!!<br />

Muito bem inaugurada!<br />

Embora não, como direi, esteja tão perto do carinho que<br />

vcs devotam ao mestre (Augusto de Campos), percebo em<br />

mim a sensibilidade necessária para valorizar suas<br />

criações, e sua pessoa! Me sinto honrado e feliz por poder<br />

compartilhar seus sentimentos com relação a este sublime<br />

evento (Showversa) e, te digo, lendo-a, ouvindo-a, é como<br />

se eu estivesse estado com vocês dois participando<br />

daquele momento. Sem dúvida o mestre tem, em você Mê,<br />

e em você Rubens, dois discípulos à altura; leio e aprecio<br />

de montão suas criações, então sei do que estou falando.<br />

Vida longa ao Rebosteio pois que, sem um, a vida fica<br />

bem mais sem graça.<br />

Elizabeth Zimpeck:<br />

Acabei de ler e tá tudo fresquinho aqui na veia.<br />

A entrevista do Adrian é excelente... bem, meio<br />

pretensioso pra quem se identifica mas assim é a vida,<br />

gostamos do que vemos de nós no outro... mas o texto, o<br />

conteúdo, as experiências de vida e a honestidade e<br />

cuidado nas respostas vão prendendo e no fim queria<br />

mais... ainda de quebra aprendi duas palavras novas! As<br />

referência às manifestações nas periferias e a reflexão da<br />

arte que se apóia na subjetividade, dão a direção do<br />

coração que bate... a foto dele colorido rsrsrs, enfim<br />

vontade de trazê-lo pra perto como amigo! O conto do<br />

Rodrigo é mesmo surpreendente, provoca um julgamento<br />

que morre antes de nascer diante da angústia e da ternura<br />

que se mesclam e atingem minhas próprias ‘visages’<br />

insuspeitas pra quem me vê de fora. O texto do Nirton<br />

que delícia, com as referências necessárias e um toque<br />

intimista que nos coloca próximos num contexto explícito.<br />

A grande surpresa foi o Tonho de quem tenho guardadas<br />

tantas ilustrações, com a devida referência, claro.<br />

O ensaio da Laura faz um contraponto com os<br />

"sonetos sacanas" do Henrique e ambos despertam facetas<br />

diferentes de nossa humana pretensão em SER... pelo<br />

menos na alquimia diária que nos cabe.A poesia do<br />

Marcantonio e a visual do Thiago capturam e fiquei por lá<br />

um bom tempo relendo... A diagramação tá chic e limpa,<br />

cores, formas e informações na devida proporção e a mão<br />

quando buscamos... Claro que fiquei feliz de ver o autoral<br />

da Mercedes na contracapa, ficou incrível de bonito<br />

naquele fundo preto. Foi uma viagem que começou por<br />

cumplicidade e curiosidade e terminou num sabor de<br />

quero mais, realmente acrescentou informações valiosas,<br />

reflexões necessárias e deleites merecidos! Valeu!<br />

PARA ESCREVER AO <strong>REBOSTEIO</strong>:<br />

revistarebosteio@gmail.com


Neste número especial de Rebosteio,<br />

um depoimento<br />

de primeira grandeza. Dispensamos a tradicional<br />

entrevista para apresentar a vocês Letícia Lanz e sua<br />

história, que foge a todos os padrões pré-estabelecidos<br />

sobre gênero, sexualidade, afetividade.<br />

Sua clareza nos surpreendeu desde o primeiro<br />

momento. Sua simpatia, posteriormente em<br />

contato conosco, resultou em futura parceria<br />

nos próximos números da revista.<br />

Conheça agora alguém que rompeu<br />

corajosamente com a ditadura do gênero.<br />

Ao nascer (ou até muito antes disso, ainda no<br />

útero de nossas mães…), com base exclusiva no<br />

órgão genital que trazemos entre as pernas,<br />

somos enquadrados em uma das duas únicas<br />

categorias oficiais de pessoas que a sociedade<br />

“autoriza” existir nesse mundo. Quem nasce<br />

macho, isto é, com um pinto, é chamado de<br />

homem e quem nasce fêmea, ou seja, com uma<br />

vagina, é chamado de mulher. Embora baseada<br />

tão somente no órgão genital do bebê, essa<br />

rotulação condiciona, de maneira drástica e<br />

definitiva, tudo o que o recém-nascido poderá ou<br />

não fazer da sua vida durante sua (breve) estadia<br />

nesse planeta. Através dessa apropriação do<br />

“sexo biológico” e de sua transformação em<br />

“sexo social”, a Sociedade cria e mantém o mais<br />

poderoso dispositivo de controle sobre os seus<br />

membros: – o “Gênero”. Assim, dessa forma,<br />

arrogante e arbitrária – e não através de uma<br />

herança genética determinista como,<br />

ingenuamente, a maioria das pessoas continua<br />

acreditando – são criados e perpetuados os<br />

padrões de conduta, os papéis e as funções<br />

específicas que “machos” e “fêmeas” biológicos<br />

deverão desempenhar dentro da comunidade e<br />

da época em que viverem.<br />

Talvez não seja pura coincidência que essas duas<br />

categorias sociais – “homem” e “mulher” ou<br />

“masculino” e “feminino” – sejam chamadas de<br />

“gênero”. O gênero é uma “ultra-super-mais-doq<br />

u e ” g e n e r a l i z a ç ã o , u m a g r o s s e i r a<br />

“simplificação” das infinitas e totalmente<br />

singulares possibilidades de expressão de cada<br />

ser humano. Por causa do gênero, a maioria das<br />

pessoas – sem saber disso – passam a vida<br />

confinadas dentro de uma “camisa-de-força<br />

social”, impedidas de explorar e de manifestar ao<br />

mundo aspectos absolutamente fundamentais da<br />

sua individualidade.<br />

Todo o imenso arcabouço psico-sócio-políticoeconômico<br />

da nossa sociedade repousa na<br />

divisão dos seres humanos nesses dois grupos<br />

distintos: – masculino e feminino. É com base<br />

nessa plataforma binária, simplista e totalmente<br />

“sexualizada”, que a sociedade identifica, separa<br />

e classifica seus bilhões de membros, pouco se<br />

importando que eles se sintam ou não<br />

confortáveis dentro do “'rótulo social” que<br />

receberam ao nascer.<br />

Muitos, realmente, jamais se sentem. Eu sou um<br />

deles.<br />

Quem não se adequa ao rótulo de gênero<br />

recebido ao nascer torna-se, obviamente, um<br />

página 05


o<br />

Nos momentos<br />

de maior solidão<br />

e desesperança,<br />

cheguei a pensar<br />

que morreria sem<br />

me permitir<br />

experimentar<br />

outras formas<br />

e canais de<br />

expressão<br />

página 06<br />

“trans-gressor” diante da sociedade em geral,<br />

sendo que a transgressão é considerada maior<br />

ainda na medida em que a pessoa tenta<br />

“exteriorizar” de alguma maneira a sua<br />

inadequação.<br />

Por isso mesmo, os “trans-gressores” da conduta<br />

oficialmente estabelecida para o gênero em que<br />

foram enquadrados ao nascer são chamados de<br />

“de-generados”, palavra que significa,<br />

literalmente, “aqueles que perderam o gênero”.<br />

Esses “delinqüentes” dos padrões oficiais de<br />

gênero são excluídos do convívio com pessoas<br />

“normais”, ou seja, aquelas pessoas<br />

“devidamente generadas” (leia-se: obedientes,<br />

submissas e perfeitamente enquadradas nos<br />

dispositivos de gênero), passando a ser tratados<br />

como indivíduos doentes, pervertidos,<br />

decadentes e depravados. Para eles, tudo que a<br />

sociedade reserva é o estigma, a marginalização,<br />

a exclusão e o “limbo social”.<br />

Ao mesmo tempo em que a sociedade impõem<br />

penas tão humilhantes e constrangedoras aos<br />

seus filhos “de-generados”, todo um enorme<br />

aparato social é montado no sentido de “regenerá-los”,<br />

o que significa literalmente<br />

reenquadrá-los aos padrões de conduta<br />

estabelecida e aceita para o gênero a que<br />

pertencem, devolvendo-os assim ao “caminho da<br />

moral, do bem e da ordem”…<br />

Com a escalada de conquistas na área dos<br />

“Direitos Humanos” e a busca por um “discurso<br />

politicamente correto”, “degenerados”, isto é,<br />

pessoas que por qualquer motivo não se<br />

enquadram nos dispositivos de gênero fixados<br />

pela sociedade, passaram a ser chamados de<br />

“trans-gêneros”(T*), termo muito mais<br />

adequado e muito menos hostil. A<br />

“degeneração”, por assim dizer, ganhou o status<br />

de “transgeneridade”, uma condição que,<br />

embora ainda muito mal digerida pelo<br />

pensamento conservador, já representa um início<br />

de reconhecimento explícito por parte da<br />

sociedade de que seu binômio de gêneros<br />

(homem/mulher ou masculino/feminino) não é<br />

tão categórico, definitivo e “adequado” para<br />

todos os indivíduos, como ela desejava que<br />

fosse.<br />

Evidentemente, só muito mais tarde em minha<br />

vida eu vim a saber disso tudo que falei até agora.<br />

Na minha “inocência infantil”, eu ainda não tinha<br />

a menor idéia do que era “agir” de maneira<br />

masculina ou de maneira feminina e já era<br />

insistentemente cobrado por todos os adultos à<br />

minha volta para me comportar de maneira<br />

“masculina”, uma vez que eu tinha nascido<br />

macho. Com exceção da minha avó materna que<br />

Albrecht Dürer (1471-1528), Adão e Eva, Museu<br />

parecia entender e proteger a minha condição<br />

diferente, eu percebia o temor de todos os adultos<br />

à minha volta de que eu não me comportasse<br />

como um verdadeiro macho. Pouco a pouco, fui<br />

entendendo que um homem “parecer com uma<br />

mulher”, seja se vestindo, seja se portando de<br />

maneira considerada feminino, é a pior desgraça<br />

que pode ocorrer para a manutenção de uma boa<br />

imagem pública.<br />

Nas lembranças mais remotas que eu tenho de<br />

mim, já me vejo diante desse conflito que tem me<br />

acompanhado por toda a vida: – ser quem eu


s editores indicam<br />

do Prado, Madrid<br />

realmente sou ou ser quem a sociedade acha que<br />

eu devo ser, em função de ter sido classificado<br />

como membro do gênero masculino ao nascer.<br />

Para mim foi ao mesmo tempo reconfortante e<br />

doloroso descobrir que a minha transgeneridade<br />

tinha sido, desde sempre, a razão desse meu<br />

grande conflito. Reconfortante, por eu ter<br />

encontrado afinal o nome e a origem de toda a<br />

minha angústia existencial. Doloroso, por<br />

perceber que eu teria pela frente um caminho<br />

ainda mais difícil do que aquele que eu havia<br />

percorrido até aqui.<br />

Nos momentos de maior solidão e desesperança,<br />

cheguei a pensar que morreria sem me permitir<br />

experimentar outras formas e canais de<br />

expressão fora do rígido “modelo de homem”<br />

que me tinha sido empurrado “goela abaixo”. E<br />

ao qual eu tive que me submeter, em nome de<br />

sobreviver numa sociedade machista e<br />

violentamente cruel com pessoas “diferentes”.<br />

P o r t e r n a s c i d o m a c h o e , a s s i m ,<br />

automaticamente enquadrado no “gênero<br />

masculino”, fui forçado, desde cedo, a controlar<br />

e reprimir a maioria dos meus sentimentos e<br />

percepções a respeito de mim mesmo. Para não<br />

sofrer fortíssimas reações negativas do<br />

ambiente, fui obrigado a negar quem eu sentia<br />

ser e quem eu realmente era, sem nunca poder<br />

manifestar abertamente algumas das<br />

características mais marcantes e fundamentais<br />

da minha própria personalidade. E assim, em<br />

alguns dos momentos mais importantes e<br />

cruciais da minha vida, fui obrigado a fingir que<br />

quem eu realmente era simplesmente não<br />

existia.<br />

Na educação que recebi, destinada a fazer do<br />

“macho” um homem, fui “sutilmente” instruído<br />

a limitar drasticamente, a embotar<br />

c o m p l e t a m e n t e o u a t é a e l i m i n a r<br />

definitivamente do meu comportamento<br />

algumas das formas mais ricas e naturais de<br />

expressão do meu ser. Estas são características<br />

que cada ser humano traz dentro de si,<br />

independentemente de ser macho ou fêmea, mas<br />

que a sociedade o obriga a renunciar em função<br />

de tê-lo classificado no gênero masculino ou no<br />

feminino. No meu caso de macho, tais<br />

proibições incluíram coisas como gestos<br />

graciosos e bem desenhados no ar, o caminhar<br />

leve e suave, a fala macia, a dança sensual e o<br />

contato físico – toque – em mim e nas outras<br />

pessoas. Também por ser macho, fui<br />

exaustivamente treinado para exercer uma<br />

permanente vigilância sobre a minha<br />

sexualidade, de modo a mantê-la confinada ao<br />

meu pênis, conforme determinam os<br />

regulamentos oficiais de como deve ser o gozo<br />

sexual masculino. Meu confinamento foi ainda<br />

maior, na medida em que eu nunca me senti<br />

atraído por nenhum dos consagrados canais de<br />

expressão vinculados à masculinidade. Jamais<br />

me interessei por esportes radicais, técnicas<br />

marciais, automóveis, papo de botequim,<br />

finanças, guerra ou futebol, preferindo sempre a<br />

“boneca” ao revólver, o “brincar de casinha” à<br />

pelada de rua, a poesia e a arte em lugar da luta e<br />

da guerra.<br />

Foi assim que eu cresci e sobrevivi, por décadas,<br />

«Meu grande<br />

desafio tem sido<br />

conviver de<br />

maneira mais<br />

confortável com<br />

o pesado estigma<br />

social que paira<br />

sobre pessoas<br />

como eu»<br />

página 07


o<br />

«Ser eu mesmo/a”<br />

me obrigava,<br />

antes de mais<br />

nada, a<br />

aprender a não<br />

mais me sentir<br />

culpado por<br />

“trans-gredir”<br />

regras opressoras<br />

de conduta»<br />

No seu "projeto rosa<br />

e azul", o coreano<br />

Jeong-Mee Yoon<br />

fotografou quartos<br />

de crianças cercadas<br />

por itens que<br />

tipificam seu gênero.<br />

dentro de uma verdadeira “couraça masculina”,<br />

limitando, tolhendo e podando os movimentos<br />

mais naturais e espontâneos do meu ser.<br />

A certa altura da minha vida, um grande trauma<br />

familiar fez cair por terra todo o meu esforço de<br />

anos para manter a expressão da minha<br />

individualidade confinada dentro do gênero que<br />

me haviam imposto.<br />

Foi um momento de muita dor e angústia, diante<br />

da perda de um “modelo de virtude superior” que<br />

caíra por terra mostrando sua face duramente<br />

humana. A partir dali, comecei a perceber todo o<br />

mal que eu estivera fazendo comigo por tanto<br />

tempo, em nome de manter uma fachada<br />

“socialmente aceitável”. E olha que eu nem<br />

podia me considerar no grupo dos mais<br />

reprimidos! Usei brincos muito antes que virasse<br />

moda até pra jogador de futebol machão e o meu<br />

vestuário habitual sempre esteve muito mais<br />

próximo dos coloridos e diversificados padrões<br />

femininos do que dos austeros cortes pretos,<br />

cinzas e marrons socialmente impostos ao<br />

homem.<br />

Entretanto, aquele momento traumático<br />

apontava para recalques muito mais antigos,<br />

doloridos e profundos. Apontava para a minha<br />

“masculinidade dúbia”, construída e mantida a<br />

ferro e fogo, e que servira até então como freio ao<br />

desejo de expressar livremente o meu verdadeiro<br />

ser. Apontava para a verdade desconcertante de<br />

que, por mais que eu parecesse superficialmente<br />

uma pessoa descolada, a camisa de força do<br />

gênero masculino estava me sufocando.<br />

Mostrava, sem nenhum “artifício atenuante”,<br />

que eu estivera vivendo confinado dentro dos<br />

estreitíssimos limites psicossociais fixados para<br />

o homem. Apontava, sobretudo, para a<br />

constatação de que, para “sobreviver”, eu havia<br />

amputado, fragmentado, sublimado e excluído a<br />

minha própria identidade transgênera, que foi<br />

desde sempre a parte mais verdadeira, original e<br />

criativa do meu ser.<br />

Poucas coisas permanecem de pé depois de uma<br />

revelação dessas, num momento tão caótico da<br />

minha vida. Tive que recorrer à análise e ao apoio<br />

médico, pois sentia que a minha “sólida”<br />

estrutura existencial, construída através de anos<br />

de trabalho intenso comigo mesmo, não estava<br />

resistindo ao impacto dessas descobertas.<br />

A saída era clara, mas faltava-me coragem e<br />

determinação para “trans-figurar-me”, por<br />

dentro e por fora, livrando-me dos recalques,<br />

censuras, bloqueios e interdições que ao longo da<br />

vida tinham sido impostos e/ou auto-impostos à<br />

livre manifestação da minha transgeneridade.<br />

Para conquistar minha liberdade, seria preciso<br />

me “trans-viar” do gênero que a sociedade<br />

projetou para para mim. Era necessário “transpor”<br />

os terríveis muros fortificados que, na<br />

minha mente, separavam o gênero masculino do<br />

gênero feminino e me “trans-vestir” para me<br />

“trans-formar” no projeto de pessoa que eu<br />

queria ser.<br />

Nada fácil, nada imediato, nada prometendo<br />

flores e aplausos. Apenas um longo e cansativo<br />

processo de lagarta, crisálida e borboleta.<br />

“Ser eu mesmo/a” me obrigava, antes de mais<br />

nada, a aprender a não mais me sentir culpado<br />

por “trans-gredir” regras opressoras de conduta<br />

que me haviam imposto desde a minha chegada a<br />

esse mundo. Ao mesmo tempo, em vez de sofrer,<br />

eu precisava aprender a me sentir feliz e<br />

realizado por conseguir “trans-cender”,<br />

consciente e deliberadamente, o absurdo código<br />

de masculinidade que a sociedade impõe aos<br />

machos biológicos. Um código esdrúxulo,<br />

ultrapassado, inteiramente ridículo e fora da<br />

realidade, que o macho, por ser macho, está<br />

obrigado a seguir, a fim de ser considerado<br />

“homem” e poder ser aceito no “clube do<br />

Bolinha” como membro respeitável do gênero<br />

masculino. Um “código carrasco”, violento e<br />

cruel, que me perseguiu e me torturou durante<br />

toda a vida e, embora em grau infinitamente<br />

menor, continua a me perseguir e a me torturar,<br />

exigindo de mim o cumprimento de regras e mais<br />

regras idiotas, das quais eu não devo me desviar<br />

nunca, sob pena de ser taxado de “boiola”, na<br />

melhor das hipóteses, ou de “mulherzinha”, na<br />

pior de todas.<br />

Meu grande desafio tem sido conviver de<br />

maneira mais confortável com o pesado estigma<br />

social que paira sobre pessoas como eu.


s editores indicam<br />

Infelizes, desconfortáveis e inconformados de<br />

permanecer confinados em um dos dois únicos<br />

gêneros existentes, somos obrigados a partir em<br />

busca de um outro gênero – que simplesmente<br />

não existe. Um gênero indefinido, flutuante,<br />

ambíguo, desuniforme e impreciso. Na verdade,<br />

um “não-gênero”, de tantas infinitas<br />

possibilidades que a transgeneridade apresenta,<br />

todas elas ainda vistas com muita suspeita pelo<br />

pensamento conservador.<br />

Acredito que as pessoas, deixadas a si mesmas,<br />

sem nenhuma triagem e classificação besta ao<br />

nascer, tipo essa que é feita com base exclusiva<br />

no órgão genital de cada um, naturalmente iriam<br />

se instalar nos papéis e condutas sociais em que<br />

se sentissem mais confortavelmente ajustadas,<br />

que fossem os mais condizentes com o perfil e<br />

com as aspirações de cada uma. É exatamente<br />

isso que está ocorrendo no mundo virtual da<br />

internet, onde cada um tem plena e total<br />

liberdade de escolher participar da “tribo” com a<br />

qual tenha mais afinidade e se sinta mais a<br />

vontade. Ah, e de mudar de tribo, livremente,<br />

quantas vezes quiser, sem nenhuma complicação<br />

burocrática!<br />

Totalmente na contramão da web, com seus<br />

“zilhões” de possibilidades de cada pessoa<br />

“encontrar sua turma”, a Sociedade estabeleceu<br />

apenas duas únicas “turmas” que cada ser<br />

humano pode pertencer. Isto é, dois únicos<br />

gêneros, para abrigar, “genericamente”, os<br />

bilhões de pessoas desse mundo. E da forma que<br />

é hoje, com os gêneros tão rigidamente<br />

estabelecidos , é extremamente difícil, para não<br />

dizer impossível, mudar de gênero se você não<br />

estiver se sentindo bem dentro do que lhe deram<br />

ao nascer.<br />

Quando deixar de ser apenas um discurso<br />

pomposo, o Princípio Universal de Respeito à<br />

Individualidade e à “Diversidade de<br />

Individualidades”, garantida na própria<br />

Constituição Brasileira, através do Direito à<br />

Livre Expressão Individual de Cada Cidadão,<br />

implicará na existência de infinitos gêneros, cada<br />

um correspondendo ao sujeito absolutamente<br />

único e singular que cada pessoa é. Ou, então, na<br />

abolição pura e simples das duas arbitrárias<br />

categorias de gênero existentes, o masculino e o<br />

feminino, de tal forma que não prevaleça gênero<br />

nenhum além do “gênero humano”, ao qual<br />

todos nós pertencemos, independentemente de<br />

ser macho ou fêmea.<br />

Repassando minha vida até aqui, lembro-me de<br />

ter vivido momentos de intensa angústia e<br />

ansiedade por não ter podido manifestar, ainda<br />

que parcialmente, o meu verdadeiro eu, mas<br />

continuo a sonhar e ter esperança de que, um dia,<br />

cada um possa ser e expressar livremente a<br />

pessoa que é.<br />

Afora esse (duríssimo) aspecto, como transgênero<br />

considero-me igual a qualquer<br />

“cisgênero”, isto é, qualquer pessoa que, ao<br />

contrário de mim, se sente plenamente<br />

confortável no enquadramento de gênero que<br />

recebeu ao nascer.<br />

Como qualquer outro cidadão médio de classe<br />

média, procurei construir minha vida pessoal e<br />

profissional com o máximo empenho e<br />

dedicação, encontrando e desempenhando até<br />

agora meu papel dentro da família e da<br />

comunidade, da melhor maneira que pude.<br />

Estudei, adquiri uma profissão, ingressei no<br />

mercado de trabalho, sempre respeitei e me fiz<br />

respeitar no meio em que vivo, tornando-me,<br />

inclusive, um profissional de bastante<br />

prestígio na área em que atuo.<br />

Nunca usei drogas e nunca tive uma vida<br />

sexual promíscua, assim como minha<br />

preferência sexual sempre foi por mulheres.<br />

Claro que esse último aspecto não tem a<br />

menor importância. Para mim tanto faz ser<br />

hetero, homo, bi, tri, nada ou seja lá o que<br />

for. Orientação sexual, como categoria de<br />

expressão individual de cada ser humano,<br />

deve ser sempre reconhecida e respeitada,<br />

desde que respeite a liberdade de escolha<br />

dos outros indivíduos. Sexo, gênero e<br />

orientação sexual são três coisas<br />

inteiramente distintas uma da outra que a<br />

sociedade, por conveniência e facilidade de<br />

«Contrariando<br />

uma das crenças<br />

mais arraigadas<br />

a respeito de<br />

transgêneros – a<br />

de que todos<br />

nós somos<br />

No seu "projeto rosa<br />

e azul", o coreano<br />

Jeong-Mee Yoon<br />

fotografou quartos<br />

de crianças cercadas<br />

por itens que<br />

tipificam seu gênero.<br />

homossexuais –<br />

eu sou hetero.<br />

página 09


Aceitar-me como<br />

transgênero tem<br />

implicado em<br />

lidar com forças<br />

muito poderosas,<br />

dentro e fora<br />

de mim<br />

página 10<br />

No Hinduísmo, Shiva<br />

Ardanarishvara é a<br />

manifestação transgênera<br />

do deus Shiva, onde ele<br />

se apresenta como homem<br />

e mulher, ao mesmo tempo.<br />

controle, reduziu a uma só. Ou seja, se você<br />

é macho tem que ser homem/masculino e<br />

tem que ter orientação sexual hetero, ou<br />

seja, gostar de transar xclusivamente com<br />

mulheres. É claro que isso é apenas um<br />

“grosseiro besteirol”, inventado por algum<br />

moralista desocupado, pois não tem nada a<br />

ver com a Natureza biológica dos seres<br />

humanos, todos bissexuais como assinalou<br />

Freud.<br />

Contrariando uma das crenças mais<br />

arraigadas a respeito de transgêneros – a de<br />

que todos nós somos homossexuais – eu sou<br />

hetero. Aliás, como muito poucos homens,<br />

encontrei uma mulher como muito poucas,<br />

por quem me apaixonei, com quem me<br />

casei, com quem tive filhos e com quem<br />

tenho dividido minha vida em todos os seus<br />

aspectos há mais de 30 anos.<br />

Quando se tornou insuportável continuar<br />

vivendo alienado dessa verdade maior a<br />

respeito de mim mesmo/a, foi a ela que me<br />

dirigi, em primeiro lugar, revelando a minha<br />

transgeneridade. Minha primeira idéia – e<br />

que me doía muito – era de que, após essa<br />

revelação, ela fosse me deixar. Eu jamais lhe<br />

pediria para dividir comigo o peso do<br />

estigma social que eu ia ter que carregar ao<br />

assumir a minha condição de transgênero.<br />

Mas, ao contrário de me atirar pedras ou<br />

fazer uma cena de terrorismo explícito, me<br />

expulsando de casa, cheia de ódio, medo e<br />

preconceito (como, infelizmente, costuma<br />

ser lugar-comum entre transgêneros<br />

casados…), ela me estendeu a mão e me deu<br />

seu apoio incondicional, no momento em<br />

que eu mais precisei de alguém para me<br />

entender e me aceitar. Depois de lhe fazer a<br />

“terrível revelação”, ela disse-me apenas “é<br />

só isso que você tem pra me dizer? Ainda<br />

bem que é só isso! O que me interessa é a<br />

pessoa que você é, e não os rótulos que a<br />

sociedade possa lhe dar”.<br />

Amiga, amante, parceira e cúmplice de<br />

todas as horas, muito antes que eu próprio<br />

conseguisse vencer minha resistência em<br />

admitir e deixar aflorar a minha<br />

transgeneridade, foi ela quem primeiro me<br />

acolheu e me aceitou, por mais que ela<br />

própria jamais consiga compreender<br />

exatamente o que se passa comigo,<br />

conforme ela própria declara.<br />

Acho que ninguém entenderá, nunca. A<br />

menos que a pessoa se encontre em condição<br />

semelhante, jamais poderá nem ao menos<br />

descrever o que é a busca por uma expressão<br />

de identidade de gênero que não é nem<br />

masculina, nem feminina, mas “transgênera”.<br />

Aceitar-me como transgênero tem<br />

implicado em lidar com forças muito<br />

poderosas, dentro e fora de mim. Um<br />

trabalho permanente comigo mesmo/a a fim<br />

de manter minha auto-confiança e minha<br />

auto-aceitação, ao mesmo tempo em que<br />

busco formas mais livres, autênticas e<br />

espontâneas com que me expressar de<br />

maneira mais integral, confortável e feliz.<br />

Para isso, nunca precisei de tanta coragem,<br />

firmeza e determinação, qualidades<br />

consideradas como masculinas por<br />

excelência, por mais paradoxal que possa<br />

parecer…<br />

Letícia Lanz<br />

Curitiba - Paraná<br />

http://www.leticialanz.org/


ROMULO GARCIAS<br />

Mineiro, é ilustrador e programador<br />

visual. Alguns de seus trabalhos<br />

podem ser vistos em:<br />

http://dapenha.multiply.com<br />

página 11


O sexo melhor é negligente<br />

atrasa o operário no serviço<br />

deixa a chuva entrar pela janela do apartamento...<br />

desobedece os médicos<br />

e cuidado!, pode causar acidentes no trânsito!<br />

grita bunda<br />

e toma cuidado em dizer bumbum!<br />

talvez quando num tapa<br />

para compensar...<br />

sexo<br />

fala besteiras descabidas<br />

sopradas no ouvido<br />

com cara de pau<br />

cutuca pés sob mesas<br />

roça partes, atrevido<br />

come casadas, primas etc.<br />

negligente mesmo<br />

até desobedecerá estes meus<br />

conceitos de negligência<br />

acontece em que e onde não poderia<br />

invade terrenos, casas abandonadas,<br />

ignora - dentro d'água - praias lotadas,<br />

dá de ombros de dentro do armário<br />

amante<br />

e diz que a calcinha na cama é presente<br />

que estenderam o expediente<br />

sinto muito, padres!<br />

mas o sexo bom mesmo é negligente<br />

não jura eternidade<br />

sem sorrir sacana e sincero:<br />

“na verdade não sabemos!”<br />

não se prepara na igreja<br />

à religião, só agradece o condimento:<br />

"é pecado antes do casamento!"<br />

aliás, sexo negligente é pecado<br />

até depois!<br />

gosta do perigo<br />

no incerto, deita e rola<br />

frio na barriga<br />

pernas bambas<br />

mãos incontroláveis...<br />

não!,<br />

o melhor sexo atirou as calças<br />

no galho duma goiabeira<br />

e toma sorvete sem colherzinha<br />

fora da taça<br />

no... (nem preciso completar o verso)<br />

página 12<br />

faz aquilo de provocar o outro<br />

no ápice da vulnerabilidade:<br />

demora mais um pouquinho,<br />

perde o compasso!<br />

gosta de pular um muro,<br />

descer por uma janela<br />

e até olha os classificados<br />

precisando de uma nova empregada<br />

compra roupas de odalisca<br />

de surpresa de aniversário<br />

ou de natal<br />

no cartão, um recado sacana<br />

no quarto, uma algema<br />

Les Amants - René Magritte


melhor<br />

largou a fila e correu pra casa<br />

e diz: “melhor é esse escurinho”<br />

correu pra cama, pra mesa, pro<br />

elevador...<br />

pobre de quem domesticou o sexo<br />

a ponto de fazer dele só amor<br />

e do amor a coisa careta<br />

de ser só um sexo nupcial<br />

e cartão-de-ponto<br />

semidesabafo ajuizado e comedido:<br />

“o que será propício?”<br />

“ e se eu passar vergonha?”<br />

sexo negligente não pensa nisso!<br />

sexo negligente não pensa!<br />

sexo do tipo que os filhos querem crer:<br />

“papai e mamãe eram assim:<br />

gravíssimos!”<br />

“acho que foi praticamente inseminação<br />

natural”<br />

sexo negligente diz:<br />

“que absurdo, deixa de ser bobo! eles<br />

treparam!”<br />

é privilegiado<br />

e só pra quem é livre<br />

e justo porque não é permitido<br />

é para quem é livre<br />

apesar de - muito capaz<br />

- ir preso para experimentar na cadeia<br />

de roupinha listrada<br />

quebra um braço<br />

rasga um vestido novo e caro<br />

sucede sem-vergonha uma briga<br />

não faz contas de despesa!<br />

aliás, nem pode com fila de bancos<br />

nem pagou a conta de luz<br />

se você na estrofe anterior fez<br />

mentalmente que seja:<br />

_nãããããããããããããããõ! – assustado!<br />

você nem sabe que é sexo negligente<br />

- que peninha!<br />

sexo prometido<br />

sob jura sóbria eclesiástica<br />

e perante a família?<br />

é possível que seja mesmo sexo?<br />

sexo que projeta os filhos<br />

é fábrica, trabalho<br />

deveria ter salário<br />

hora-sexo<br />

é o tipo que faz o sujeito<br />

chegar atrasado<br />

DO serviço<br />

- que vergonhoso!<br />

RODRIGO MACHADO<br />

FREIRE<br />

eu não / e a que me nego pouco<br />

importa!/ digo de minha áspera<br />

inconstância: eu não / antes de<br />

tudo digo “eu não” - nisto vou<br />

agarrado / porque antes de tudo<br />

já não me perdoam “não ser” /<br />

e me inventam “imperdoável” /<br />

“eu não” é como eu sou /<br />

não principalmente.<br />

http://entimesmado.blogspot.com<br />

página 13


`<br />

Nosso homenageado deste número<br />

especial do Rebosteio é o veneziano Paolo<br />

Eleuteri Serpieri, em sua obra de<br />

ilustração de quadrinhos mundialmente<br />

conhecida: DRUUNA.<br />

Italiano nascido em 1944, hoje residente<br />

em Roma, estudou pintura e arquitetura, e<br />

já ilustrou publicações com diversos<br />

temas, incluindo histórias do velho oeste<br />

americano, do qual é fã, e até mesmo uma<br />

versão da Bíblia para a editora Larousse.<br />

No Liceu de Artes de Roma, ao se formar<br />

com pouco mais de 20 anos, foi convidado<br />

para dar aulas, tal a perfeição de seu traço<br />

e o conhecimento de anatomia.<br />

Esse detalhismo foi transportado mais<br />

tarde para todo o seu trabalho de<br />

quadrinhos eróticos, culminando com a<br />

nossa personagem aqui retratada: uma<br />

mulher sexualmente livre e sem pudores,<br />

que vive num mundo de ficção científica<br />

caótico e decadente, cercada por todo tipo<br />

de perigos e disposta a encontrar a cura de<br />

uma doença fatal adquirida por seu<br />

namorado. Para isso, inclusive, não poupa<br />

esforços e nem se esquiva de satisfazer as<br />

mais bizarras taras de monstros de toda estirpe.<br />

Reza a lenda que Serpieri teria se inspirado na modelo brasileira Ana Lima,<br />

sucesso na Playboy de 1989 (veja na página ao lado a comparação da foto<br />

real com o desenho de Serpieri). Porém essa versão é duvidosa, visto que a<br />

primeira aparição de Druuna aconteceu em 1985, na revista L'Eternauta,<br />

com a minissérie Morbus Gravis. A idéia surgiu durante uma convenção de<br />

quadrinhos na Espanha, naquele mesmo ano, quando ele disse aos amigos<br />

que em breve estaria lançando algo que faria muito sucesso e lhe traria<br />

muito dinheiro. Dito e feito.<br />

Deixamos vocês agora com Druuna, apreciando suas formas tão bem<br />

traçadas por este mago da ilustração.


site oficial de Druuna>> http://www.druuna.net/


~<br />

ELEGIA<br />

(INDO PARA O LEITO)<br />

POESIA<br />

Dá a surpresa de ser.<br />

É alta, de um louro escuro.<br />

Faz bem só pensar em ver<br />

Seu corpo meio maduro.<br />

Seus seios altos parecem<br />

(Se ela estivesse deitada)<br />

Dois montinhos que amanhecem<br />

Sem ter que haver madrugada.<br />

E a mão do seu braço branco<br />

Assenta em palmo espalhado<br />

Sobre a saliência do flanco<br />

Do seu relevo tapado.<br />

Apetece como um barco.<br />

Tem qualquer coisa de gomo.<br />

Meu Deus, quando é que eu embarco?<br />

Ó fome, quando é que eu como?<br />

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;<br />

Até que eu lute, em luta o corpo jaz.<br />

Como o inimigo diante do inimigo,<br />

Canso-me de esperar se nunca brigo.<br />

Solta esse cinto sideral que vela,<br />

Céu cintilante, uma área ainda mais bela.<br />

Desata esse corpete constelado,<br />

Feito para deter o olhar ousado.<br />

Entrega-te ao torpor que se derrama<br />

De ti a mim, dizendo: hora da cama.<br />

Tira o espartilho, quero descoberto<br />

O que ele guarda quieto, tão de perto.<br />

O corpo que de tuas saias sai<br />

É um campo em flor quando a sombra se esvai.<br />

Arranca essa grinalda armada e deixa<br />

Que cresça o diadema da madeixa.<br />

Tira os sapatos e entra sem receio<br />

Nesse templo de amor que é o nosso leito.<br />

Os anjos mostram-se num branco véu<br />

Aos homens. Tu, meu anjo, és como o Céu<br />

De Maomé. E se no branco têm contigo<br />

Semelhança os espíritos, distingo:<br />

O que o meu Anjo branco põe não é<br />

O cabelo mas sim a carne em pé.<br />

Deixa que minha mão errante adentre.<br />

Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.<br />

Minha América! Minha terra a vista,<br />

Reino de paz, se um homem só a conquista,<br />

Minha Mina preciosa, meu império,<br />

Feliz de quem penetre o teu mistério!<br />

Liberto-me ficando teu escravo;<br />

Onde cai minha mão, meu selo gravo.<br />

Nudez total! Todo o prazer provém<br />

De um corpo (como a alma sem corpo) sem<br />

Vestes. As jóias que a mulher ostenta<br />

São como as bolas de ouro de Atalanta:<br />

O olho do tolo que uma gema inflama<br />

Ilude-se com ela e perde a dama.<br />

Como encadernação vistosa, feita<br />

Para iletrados a mulher se enfeita;<br />

Mas ela é um livro místico e somente<br />

A alguns (a que tal graça se consente)<br />

É dado lê-la. Eu sou um que sabe;<br />

Como se diante da parteira, abre-<br />

Te: atira, sim, o linho branco fora,<br />

Nem penitência nem decência agora.<br />

Para ensinar-te eu me desnudo antes:<br />

A coberta de um homem te é bastante.<br />

página 16


Adeus. Não a verei mais. Proteja sua<br />

alma contra ações semelhantes e<br />

realize melhor com os outros aquilo<br />

que comigo não tem reparação. Não<br />

li sua carta, mas li demais.”<br />

O bilhete em tom firme, dolorido e<br />

poético é de autoria do filósofo alemão<br />

Friedrich Nietzsche, endereçado com a<br />

pontaria de um dardo à psicanalista e<br />

escritora de origem russa Lou Andreas-<br />

Salomé, em 1882, depois de ter seu<br />

pedido de casamento por ela recusado.<br />

Nietzsche, o grande pensador da<br />

evolução humana, sucumbiu à beleza e<br />

magnetismo de Lou ao ser apresentado<br />

a ela pelo amigo Paul Rée, também<br />

alemão e filósofo, autor do clássico<br />

“Escritas básicas”. “Que estrelas em<br />

nós caíram para nos encontrarmos<br />

aqui?”, teria dito Nietzsche quando a<br />

viu na Basílica de São Pedro, em Roma.<br />

Mas as intenções de Lou eram outras.<br />

Os três, na verdade, mantiveram um<br />

intenso relacionamento até que Lou e<br />

Paul decidiram viver juntos, quando<br />

Nietzsche parte para Veneza. A foto<br />

acima é dessa época do triângulo<br />

amoroso, onde se vê Lou com um<br />

pequeno chicote e os dois amigos no<br />

lugar onde se puxa a carroça... Mas<br />

Nietzsche não aceitou a situação e<br />

deprimido recolheuse na casa de sua<br />

irmã Elisabeth, falecendo em 1900. Um<br />

ano depois Paul abandona Lou e<br />

suicida-se.<br />

A escritora tinha convicções e<br />

curiosidades avançadas para aquele<br />

final do século 19. Frequentava<br />

regularmente clubes para encontros<br />

lésbicos em Viena. Casou-se com o<br />

filologista Frederick Carl, 16 anos mais<br />

velho que ela, e tinha como amante<br />

nada menos que o famoso poeta Rainer<br />

Maria Rilke, 14 anos mais novo. Em<br />

1952 foram publicadas as<br />

correspondências entre os dois.<br />

Lou faleceu em 1937, aos 76 anos, de<br />

O amor de<br />

Nietzsche<br />

uremia. Sobre o relacionamento dos<br />

três, a cineasta italiana Liliana Cavani<br />

dirigiu em 1977 “Além do bem e do<br />

mal” (Al di là del bene e del male),<br />

tendo a bela Dominique Sanda no papel<br />

de Lou. Mas o filme não foi bem<br />

recebido. O sensacionalismo em torno<br />

do tema deformou a vida de Nietzsche,<br />

na fita interpretado pelo desconhecido<br />

Erland Jose, enquanto o inglês Robert<br />

Powell, que um ano antes pegaram-no<br />

para Cristo em “Jesus de Nazaré”, de<br />

Franco Zeffirelli, ressuscitou no papel<br />

de Paul.<br />

Melhor é o livro “Quando Nietzsche<br />

chorou”, um magnífico romance sobre<br />

o nascimento da psicanálise, lançado no<br />

Brasil em 1995. Nele, o autor Irvin D.<br />

Yalom, um psicoterapeuta americano,<br />

traça com personagens reais e situações<br />

que não aconteceram um interessante<br />

paralelo entre ficção e realidade. Lá<br />

estão Nietzsche, Lou, e os médicos<br />

austríacos Josef Breuer e Sigmund<br />

Freud. Já o filme, baseado do livro,<br />

dirigido por um tal de Pinchas Perry em<br />

2007, é de fazer Nietzsche chorar.<br />

Lou Andreas-Salom, Paul Ree e Friedrich Nietzsche<br />

foto de Jules Bonnet<br />

NIRTON VENANCIO<br />

Livros publicados:<br />

"Roteiro dos pássaros", poesia,<br />

"Cumplicidade poética", poesia<br />

Filmes realizados:<br />

"Um cotidiano perdido no<br />

tempo", curta, ficção<br />

"Walking on water", média,<br />

documentário,<br />

"O último dia de sol", curta,<br />

ficção,<br />

"Dim", curta, documentário<br />

Blogs:<br />

www.nirtonvenancio.blogspot.com<br />

www.olharpanoramico.blogspot.com<br />

Atividades recentes:<br />

projeto em andamento, longa<br />

documentário "Pessoal do Ceará"<br />

página 17


sacanário<br />

na sua língua do p<br />

a festa do meu ponto g<br />

(o segredo da alma é o negócio)<br />

fidelidade<br />

que<br />

seja<br />

infinita<br />

enquanto<br />

duro<br />

[de um poema de Vinicius de Moraes]<br />

picolé<br />

mindinho<br />

no final<br />

dá pra lamber<br />

um mala<br />

o pau<br />

mole<br />

cabeça<br />

: destamanhim<br />

me poupe<br />

isole<br />

esqueça<br />

intransitivo<br />

: xô, pingulim<br />

tudo faz sentido<br />

sua mão<br />

dentro do meu vestido<br />

3 limeiriques<br />

Estes poemas vão para<br />

Xico Sá, Luiz Roberto Guedes<br />

e Rodrigo de Souza Leão<br />

[Mamãe, não leia, por favor]<br />

1.<br />

Bebeu muita vodka orlofe,<br />

catou pelas ruas o bofe:<br />

furor uterino<br />

fodeu-lhe o intestino:<br />

a pica entalou no roscofe.<br />

2.<br />

"Ai" — Diva gritava em falsete:<br />

"meu cu virou um ramalhete!".<br />

O macho, coitado,<br />

meteu só de um lado.<br />

E teve cãibra no cacete.<br />

3.<br />

Moça singela, a Catarina<br />

tem um dilema na vagina:<br />

com cheiro de alho,<br />

engole o caralho<br />

e arrota linguiça da fina.<br />

Notas da autora:<br />

1. segundo o poeta Luiz Roberto Guedes, "o limerick é um poema popular, basicamente oral, de tradição inglesa, cuja temática, dixit Glauco Mattoso, oscila entre o nonsense e o<br />

escatológico. Foi introduzido no Brasil, no final dos anos 70, pelo poeta, escritor e letrista Braulio Tavares, nas páginas então avulsas do Jornal Dobrabil, do próprio Mattoso, que<br />

também lançaria os seus Limeiriques (Edições Dubolso, 1989)". (...) "Algumas autoras de livrosinfantojuvenis vêm usando essa forma poética para fins didáticos, mas limericks são<br />

mesmo os jogos florais do baixo calão e do bom humor";<br />

2. conforme Barros Toledo, "quanto ao abrasileiramento do nome, trata-se dum trocadilho proposto por Braulio Tavares, aludindo ao lendário 'poeta do absurdo' Zé Limeira, popular<br />

no nordeste";<br />

3. ganhei a aposta.<br />

Adelaide do Julinho, [adelaidedojulinho@gmail.com]. Viúva. Do lar. Vive discretamente em Belo Horizonte, Minas Gerais. Musa de<br />

quatro importantes personalidades do cenário nacional (um poeta, um escritor, um músico e um político — de direita). Poeta neobarraco,<br />

foi publicada em Amar é abanar o rabo, de Jovino Machado (Belo Horizonte: Excelente Projetos Editoriais, 2009) e Dedo de moça —<br />

uma antologia das escritoras suicidas (São Paulo: Terracota Editora, 2009).<br />

Sobre ela, clique aqui [http://www.germinaliteratura.com.br/literatura_set2007_robertoamaral.htm] e leia.<br />

Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, albanês, latim, romeno, entre outros. Mas se pudesse escolher,<br />

preferia ser a Gisele Bündchen, com um pouco mais de bunda.<br />

página 18


alvo roço<br />

nus<br />

preferência<br />

voyeur<br />

é pró libido<br />

Alberto Al Chaer, é goiano, engenheiro civil e garimpeiro de pedras e poemas. Apaixonado por futebol, mantém um blog sobre<br />

o tema, em paralelo com seu blog de poesia visual, onde se define: «nascido nos Cedros / criado no garimpo / educado no Cerrado /<br />

pós-graduado no Caribe»<br />

Seus blogs:<br />

http://visu-al-chaer.blogspot.com/<br />

http://futeb-al-chaer.blogspot.com/


. .<br />

.<br />

percorro perpasso me perco<br />

às escuras<br />

até onde a mão alcança & a vista turva<br />

meus dedos anunciam<br />

a mina daguamel<br />

do vale gramado das coxas<br />

brotam meus abaulados gemidos<br />

te conto histórias<br />

de fadas bem debochadas<br />

brincando atrás do muro<br />

com valetes de pau duro<br />

imagino sem o pensamento<br />

só com a vagina<br />

tiro lá do fundo<br />

teu desejo mais abismal<br />

teu abismo mais desejado<br />

enquanto minha mão encontra o teu pau<br />

dedo-mindinho<br />

seu-vizinho<br />

pai-de-todos<br />

fura-bolo<br />

mata-piolho<br />

cadê o toucinho que estava aqui<br />

a gata comeu<br />

& lambeu os dedos<br />

.<br />

a poesia não faz cópia<br />

foda que fode a si própria<br />

essa fome<br />

que se come<br />

a si mesma<br />

e a seu nome<br />

.<br />

como bicho do mato<br />

sigo meu tato<br />

atrás do teu capricho<br />

escondido<br />

no mato do teu bicho<br />

.<br />

abra em frente ao espelho<br />

minha caixa de pandora<br />

loucura mentira paixão<br />

tudo se espalha no mundo<br />

& me roube o fogo dos deuses<br />

pra sempre escondido<br />

escandido<br />

entre minhas pernas<br />

. . .<br />

ora na frente ora no verso<br />

começo<br />

começo<br />

começo<br />

aflita<br />

aflita<br />

aflita<br />

& me acabo<br />

no berro da boa cabrita<br />

uma puta vontade<br />

uma vontade de puta<br />

& a solidão<br />

minha melhor companhia<br />

no cine desluz<br />

eu & minha greta tão garbo<br />

coming soon<br />

...<br />

and that's all folks!<br />

Alice Barreira [alice.barreira@gmail.com] nasceu em Barura, no Amapá, em 1968. Trabalhou como enfermeira no Manicômio<br />

Municipal de Barura, publicou por conta própria Pequena Enciclopédia de Inutilidades (contos, 1987) e já manteve os blogs<br />

“coralsemvozes” e “vivernavespera”. Como fotógrafa, participou da Quarta Bienal Internacional de Fotografia, com a exposição “A Fé<br />

Não Costuma”, em Lisboa, 1995. Atualmente, vive no Rio de Janeiro, está desempregada e escreve para o blog PATAVINA'S<br />

( http://cesarcar.blogspot.com). Em 2012, pretende lançar o livro de poemas coisa diacho tralha.<br />

página 20


Rubens Guilherme Pesenti é um sujeitinho tão à toa que nem uma biografia conseguiu construir, mas não se esconde, dá a<br />

cara pra bater.<br />

Escreve no blog POEMASTIGANDO >><br />

http://ru666.blogspot.com


meus amigos coloridos<br />

por Marcelino Freire<br />

- em Contos Negreiros, Ed. Record, 2005 -<br />

Primeiro foi o Cadu. Não lembro. Kiko, o<br />

meu primo. Não lembro. Tudo no banho de<br />

ribeirão. A gente ia mergulhar o açude.<br />

Lodo de caramujo.<br />

O Cadu foi o segundo, perto do campo. O<br />

segundo. A gente jogou bola. A mulecada<br />

era só gritar que eu deixava o atacante<br />

passar. Minha lembrança de futebol é zero.<br />

Depois veio o Beto. Beto com 11 anos. A<br />

gente ia jogar bafo. Essa figurinha é<br />

minha. E o vento assanhando as figurinhas.<br />

Passar a língua na palma da mão.<br />

O irmão de Beto também queria. O primo<br />

do Beto. Tem que completar o álbum para<br />

ganhar uma bicicleta. A gente se juntava e<br />

pulava o muro do cemitério. O cemitério<br />

quente. E as caveiras contentes. A gente<br />

chutava osso. A alma não doía.<br />

Aí depois eu conheci o Humberto.<br />

Humberto me levava para ver vídeo. E a<br />

gente discutia fotografia. E jazz. Humberto<br />

tocava saxofone. A gente desligava o<br />

telefone. E ficava aquela melodia.<br />

Humberto fumava maconha.<br />

Depois apareceu o João Gilberto. A gente<br />

foi ver o filme: Não lembro. Só sei que foi<br />

uma merda.<br />

Conheci também o dr. Salém. Nunca tive<br />

um amigo assim, bem mais velho.<br />

Aconteceu. Quando vi, viajamos para<br />

Nova Guiné. E Kawasaki. Não sabia que<br />

havia uma floresta fálica em Kawasaki.<br />

Depois apareceu o Hermes. Ele trabalhava<br />

onde eu trabalhava. E a gente saía para<br />

tomar um chope. E comer batata. O que<br />

me incomodava nele era o cheiro de<br />

cigarro. No cabelo encaracolado.<br />

Hermes morava na Pompéia. Não podia<br />

ficar tarde. Eu tinha de pegar o metrô. Foi<br />

numa noite dessas que um assobio me<br />

convidou para descer na Liberdade. Segui<br />

o assobio.<br />

Lembrei de novo da floresta fálica. E do<br />

dr. Salém. Fiquei sabendo que o dr. Salém<br />

não está lá muito bem. Pegou uma uretrite.<br />

Faz frio, mas tudo bem.<br />

Eu enrolo o cachecol e meto as mãos no<br />

casaco. Passeio no centro. Marcelo eu<br />

conheci no centro. Marcelo faz design. Eu<br />

também gosto de garrafas. De rótulos.<br />

Latas. E de cadeiras italianas.<br />

Marcelo foi uma amizade mais longa. A<br />

gente chegou a dividir apartamento. Ele<br />

leva as garotas dele. E eu não levo<br />

ninguém. Saí fora. Segui o conselho da<br />

minha mãe e fui procurar um lugar só para<br />

mim. No Brooklin.<br />

Decorei a sala com umas plantas. E um<br />

quadro verde. Acabei de conhecer um<br />

arquiteto muito bom, antes de ontem.<br />

Rogério é seu nome. Ele me deu uns<br />

conselhos a respeito de escadarias. De<br />

banheiros de cinema. Azulejos azuis. E<br />

amarelos. É dele o projeto da Praça do<br />

Choro. Da Passarela do Samba. Um dia<br />

fomos lá, à Passarela do Samba.<br />

Enquanto o arquiteto sumiu na bateria,<br />

fiquei pensando. Tenho certeza que agora,<br />

finalmente, conheci o amor da minha vida.<br />

Meu primeiro amor, depois de tantos anos.<br />

Falo daquele negronegronegronegro ali,<br />

rebolando.<br />

foto de Renato Parada<br />

MARCELINO FREIRE nasceu<br />

em 1967 em Sertânia, PE.<br />

Viveu no Recife e, desde 1991,<br />

reside em São Paulo. É autor,<br />

entre outros, de "Contos<br />

Negreiros" (Editora Record -<br />

Prêmio Jabuti 2006) e de "Amar<br />

É Crime" (Edith - visiteedith.com).<br />

É criador e articulador da<br />

Balada Literária em São Paulo.<br />

Para saber mais sobre autor e<br />

obra, acesse:<br />

marcelinofreire.wordpress.com


foto: Mercedes Lorenzo<br />

http://olhardelambe-lambe.blogspot.com<br />

"Fui acusado de ser um utópico, de<br />

querer eliminar o desprazer do<br />

mundo e defender apenas o prazer.<br />

Contudo, tenho declarado claramente<br />

que a educação tradicional torna as<br />

pessoas incapazes para o prazer<br />

encouraçando-as contra o desprazer.<br />

Prazer e alegria de viver são<br />

inconcebíveis sem luta, experiências<br />

dolorosas e embates desagradáveis<br />

consigo mesmo. A saúde psíquica não<br />

se caracteriza pela teoria do nirvana<br />

dos iogues e dos budistas, nem pelo<br />

hedonismo dos epicuristas, nem pela<br />

renúncia monástica; caracteriza-se,<br />

isso sim, pela alternância entre a luta<br />

desprazerosa e a felicidade, o erro e a<br />

verdade, o desvio e a correção da<br />

rota, a raiva irracional e o amor<br />

racional; em suma, estar plenamente<br />

vivo em todas as situações da vida.<br />

A capacidade de suportar o desprazer<br />

e a dor sem se tornar amargurado e<br />

sem se refugiar na rigidez, anda de<br />

mãos dadas com a capacidade<br />

de aceitar a felicidade e dar amor."<br />

Wilhelm Reich (1942)<br />

em Function of the Orgasm, Vol 1


Eu devia saber que tecnologia não substitui,<br />

amplifica o Homem, quero dizer, até por trás<br />

(ou por dentro) do mais avançado robô<br />

japonês encontra-se um homem, ainda que<br />

japonês, mas um homem; e também nem é<br />

propriamente do Homem, muito menos de<br />

japonês, que quero falar, é dela, da Mulher,<br />

esse Ser tão saboroso, enigmático e caro!<br />

Antes que eu sofra maus e fáceis préj<br />

u l g a m e n t o s , d e i x e - m e e x p l i c a r<br />

sucintamente o caso.<br />

Ocorre que não é sempre que você<br />

está disposto a conversas, nem com<br />

paciência ou tempo para muitos afagos,<br />

chamegos e todas aquelas preliminares que<br />

nós, homens, sabemos o quanto pode ser<br />

desgastantes ou, até, enfadonho... Soma-se a<br />

isso o fator “despesa” para presente, jantar,<br />

cinema, motel, todas essas coisas que<br />

c u s t a m o o l h o - d a - c a r a e n ã o<br />

n e c e s s a r i a m e n t e t e r e s s a r c e m<br />

proporcionalmente com gozo, no sentido<br />

fisiológico mesmo deste termo...<br />

Resumindo, fiz a contabilidade, e o fato de<br />

eu ser Contador não teve nada a ver com<br />

isso, foi uma contabilidade que todo homo<br />

sapien varão já fez um dia, mesmo que<br />

jamais a confesse: balanceei o ativo com o<br />

passivo, provisionei as despesas, abati as<br />

receitas e cheguei à conclusão de que tudo o<br />

que eu precisava era de uma boneca inflável.<br />

Conto:<br />

Willian Delarte<br />

Ilustração:<br />

Tiago Costa<br />

O fato de eu ter chegado a essa<br />

conclusão não quer dizer que eu tenha<br />

entrado no primeiro sex-shopping e<br />

comprado uma daquelas horrendas bonecas<br />

de plástico com boquinha aberta, não,<br />

jamais!, era preciso uma boneca<br />

tecnologicamente similar ao modelo<br />

humano e, para isso, só a internet poderia vir<br />

em meu socorro... Ah, não precisei de<br />

muitos sites de busca para encontrá-la, ela,<br />

Juliette Monroe! (nome civil do manual de<br />

instruções), sendo “Juju Mon” seu nome de<br />

guerra (ou de embalagem).<br />

Foi paixão ao primeiro clic: aquele<br />

rostinho afrancesado num corpão de


americanas protuberâncias!, mistura tão<br />

perfeita quanto o nome... Linda, carnuda, ou<br />

melhor, siliconuda, nas versões “verdadeira<br />

loira-falsa gostosa” e “morena falsa-magra<br />

verdadeira”. Fui na morena, claro.<br />

Juju não foi barata, mas, nos meus<br />

cálculos, dez noites seriam o suficiente para<br />

ela se autocustear, sendo que, a partir daí,<br />

tudo o que viesse seria líquido e cristalino<br />

lucro!<br />

Chegou dois dias depois da<br />

aquisição virtual, coincidindo com a sextafeira<br />

especial que preparei para nós com<br />

direito a vinho (brasileiro mesmo) e uma<br />

massa fina (instantânea), sem contar o<br />

melhor: no calor e no conforto do meu ninho<br />

amoroso (kitnet) que quitarei, se Deus<br />

permitir, até o fim deste ano.<br />

Tirei-a da enorme embalagem e<br />

percebi que seu tamanho era real, batia em<br />

meu peito, mas foi o seu, ostentando dois<br />

melões corados e incrivelmente reais, que<br />

de imediato me fisgou a atenção.<br />

Minha doce Juliette veio com três<br />

trocas de roupas para três ocasiões<br />

diferentes, mas não tive saco de vesti-la,<br />

queria mesmo investigar logo os seus<br />

interiores... Virei-a de costas e contemplei<br />

uma obra memorável da engenharia<br />

humana. Uma pequena celulite lhe dava<br />

ainda mais charme e verossimilhança!<br />

Admiro muito celulites assim, admiro muito<br />

os japoneses que com sua engenharia devem<br />

ter desenhado Juju em todos esses mínimos<br />

detalhes.<br />

Dei-lhe uma tapa e apertei o botão<br />

“on” no centro de suas costas.<br />

“Olá, meu amor, acabe comigo!”<br />

Deus meu, ela falava, e que voz!<br />

Entornei todo o vinho, joguei as minhas e as<br />

roupas dela no chão, e parti lascivamente<br />

para o abraço.<br />

Juju era fantástica, a mulher<br />

perfeita, e teria sido minha esposa e mãe dos<br />

meus Max Stell´s se não fosse o broxante<br />

detalhe que descobriria a seguir... O fato é<br />

que tentei de todas as maneiras concluir o<br />

que Adão e Eva cansaram de simular no<br />

paraíso; em outras palavras, era impossível<br />

conhecê-la por dentro, e olha que não sou<br />

nenhum monstro galopante, embora<br />

Mamãe tenha caprichado um pouco,<br />

confesso.<br />

Em dado momento os olhos de<br />

Juju começaram a piscar numa luz aguda e<br />

de intenso vermelho. “Excita-me!”, diziame<br />

imperativamente... Mas que raios!,<br />

como eu poderia excitar aquela boneca?<br />

Dando flores? Massageando algum ponto<br />

erógeno que não consta no manual? Depois<br />

de cinco “excita-me´s”, todo o seu jogo me<br />

veio à tona:<br />

“Para lubrificação rápida, insira o<br />

cartão de crédito na fenda abaixo do botão<br />

vital”, disse-me, sorrateira.<br />

Reparei bem, e não é que tinha a<br />

bendita entrada com um mini-visor<br />

numérico para a digitação da senha! Esse<br />

método de excitação, tão antigo quanto a<br />

criação da moeda, era mesmo o cúmulo do<br />

realismo!... Descontrolei-me, embrutecime<br />

e perdi totalmente a cabeça (no sentido<br />

de “a sanidade”, entendam-me bem).<br />

Não entrarei nos profundos<br />

detalhes, além do que isto não é um conto<br />

erótico, é um relato cível que se juntará nos<br />

autos do processo que dei entrada já no dia<br />

seguinte do nosso enlace... Acionei o<br />

Código do Consumidor, ao passo que o<br />

fabricante levou o caso ao Fórum Criminal,<br />

evocando uma tal de “Lei Maria da Penha”,<br />

e, no meio dessa briga de advogados, só me<br />

conforta o fato de meus bens não entrarem<br />

em jogo, o que a longo prazo, no custob<br />

e n e f í c i o , s i g n i f i c a r e c e i t a<br />

antecipadamente recuperada de ativos não<br />

depreciados.<br />

Ah, Juliette... Ah, maldita<br />

tecnologia! Bom mesmo era na roça onde<br />

galinhas e cabritas faziam a festa dos meus<br />

ancestrais... Qualquer dia desses eu<br />

compro um pedaço de terra, germino uma<br />

boa ninhada ou me enterro fundo nela.<br />

WILLIAN DELARTE<br />

Autor do livro de poesia “Sentimento<br />

do Fim do Mundo” (Editora Patuá,<br />

2011), foi um dos vencedores do II<br />

e III Festival de Literatura da<br />

Faculdade de Letras da USP na<br />

categoria “Conto”. Graduado pela<br />

mesma faculdade, foi também<br />

finalista da 15ª edição do “Projeto<br />

Nascente” (USP). Escreve<br />

periodicamente no jornal<br />

“Conteúdo Independente” e em<br />

seu blog:<br />

http://williandelarte.blogspot.com/<br />

TIAGO COSTA<br />

Publicitário de formação, designer<br />

gráfico de profissão e ilustrador de<br />

coração.<br />

Nas horas vagas gosta de um violão<br />

e explorar novos conhecimentos em<br />

projetos voltados ao universo das<br />

artes plásticas.<br />

Atualmente é ilustrador da coluna<br />

Cronista de 5ª junto ao escritor<br />

Rubem Leite na revista cultura Nota<br />

Independente e Designer Gráfico<br />

em agência de publicidade.<br />

http://tiagocostailustra.blogspot.com/<br />

tiagodef@hotmail.com<br />

página 25


´<br />

Asa-delta<br />

Rebosteio (trabalho executado especialmente para este número da revista, e cujo<br />

original nos foi presenteado por Laerth)


Paris<br />

Capela<br />

Brincadeira<br />

LAERTH MOTTA<br />

Artista plástico multimídia<br />

contemporâneo , brasileiro.<br />

(- tá bom assim?<br />

- tá ótimo assim sim.)<br />

http://oburacodosolhos.blogspot.com/


´<br />

´<br />

A vida noturna paulistana sempre me<br />

encantou de muitas formas, através de<br />

suas luzes e seus inúmeros personagens.<br />

Essa série de fotografias de travestis<br />

começou numa saída fotográfica de um<br />

projeto chamado Foto São Paulo e que<br />

foi realizado em 2001, para que<br />

fizéssemos uma “radiografia” fotográfica<br />

do centro velho de São Paulo. Dentre os<br />

diversos temas e logradouros a serem<br />

retratados, um deles me chamou atenção<br />

por ser o único a ser realizado no período<br />

noturno, no caso era para que<br />

registrássemos bares e restaurantes, mas<br />

eu sugeri que dividíssemos o grupo e<br />

também fizéssemos os registros dos<br />

travestis e prostitutas da região central.<br />

Alguns toparam e lá fomos nós.<br />

Os registros desse dia são as fotos em<br />

preto & branco em que vemos belos<br />

sorrisos e os corpos dos travestis.<br />

A experiência de registrar os travestis e o<br />

contato com esse universo foi tão incrível,<br />

que resolvi fazer novas fotos em<br />

2008 e 2011.<br />

LUCIANO OGURA<br />

luburalli@gmail.com<br />

http://luogura.wordpress.com/<br />

http://facebook.com/luciano.buralli<br />

MOÇAS<br />

da<br />

NOITE


Luciano Ogura Buralli nasceu em 1973 em São<br />

Paulo, onde vive e trabalha. Arquiteto formado<br />

pela Universidade Mackenzie em 2001; atua<br />

como fotógrafo freelancer e também como artista<br />

plástico. Participa de Jornadas Fotográficas desde<br />

2001, realiza fotos para jornais e revistas.<br />

Exposição Des-generando Espaço de Convivência<br />

Gambalaia, Santo André, 2011 . Foto selecionada para a exposição do IV Concurso de<br />

Fotografia Árvores da Cidade de São Paulo, realizada pelo Senac em parceria com a Secretaria<br />

Municipal do Verde e Meio Ambiente. (Senac Lapa, São Paulo Brasil) 2009. Iniciou-se na<br />

gravura em 1997, participou do Projeto Lambe Lambe dos Ateliês Coringa e Piratininga 2003;<br />

Projeto Vamos Gravar o Rinoceronte do Dürer! (Projeto Lambe Lambe) São Paulo 2003;<br />

1º Salão Aberto, Paralelo à XXVI Bienal de São Paulo 2004; Atelier Amarelo em 2005; “Entre<br />

La Habana e São Paulo” intercâmbio entre gravadores brasileiros e cubanos, São Paulo 2008;<br />

27º Salão de Artes de Embu 2010; Projeto Caixa Umburana 2010; 5º Bienal de Gravura de<br />

Santo André 2010; Projeto Páginas Impressas na SP Estampa 2011 e Diálogos - Um olhar<br />

sobre a Escola do Horto, Museu Octavio Vecchi - São Paulo 2011; Projeto "Páginas Impressas"<br />

no 1º Encuentro Internacional de Grabadores em Santa Rosa, Patagonia, Argentina 2011;<br />

Exposição circulação Gráfica na Galeria Gravura Brasileira, São Paulo 2011; Projeto Volante,<br />

Atelier Presse Papier em Trois-Rivières, Canadá 2011/2012; dentre outros.<br />

´


Definições?<br />

A melhor definição para poliamor está na<br />

wikipedia. Lá diz: o poliamor, como opção ou<br />

modo de vida, defende a possibilidade prática e<br />

sustentável de se estar envolvido de modo<br />

responsável em relações íntimas, profundas e<br />

eventualmente duradouras com vários parceiros<br />

simultaneamente.<br />

Essa definição dá conta de todos os principais<br />

aspectos do poliamor, entre eles o fato de ser<br />

uma relação responsável (poliamor não é<br />

traição pois existe um acordo e consentimento<br />

das partes), e de ser uma relação afetiva<br />

simultânea (amor para mais de um ao mesmo<br />

tempo). Mas prefiro as definições menos<br />

cartesianas.<br />

Fotos: Julio Brunet.<br />

Cenas do filme Poliamor,de José Agripino<br />

Descobri a profundidade do Poliamor por volta<br />

de Junho de 2009 quanto estava fazendo<br />

pesquisa para a realização de um documentário<br />

sobre o assunto. Comecei a pesquisar na<br />

internet e acabei indo parar no Orkut, na<br />

counidade “Poliamor Brasil”, e lá encontrei<br />

várias histórias que me deixaram comovido e<br />

instigado. Eram histórias de pessoas que<br />

ousavam seguir seus sentimentos e que se<br />

esforçavam para começar e manter um<br />

relacionamento poliamorista. Lembro de uma<br />

história comovente de um homem que estava<br />

apaixonado por uma colega de trabalho, mas<br />

não conseguia contar para sua esposa, que ele<br />

também amava. Ele se perguntava o que<br />

poderia haver de errado em amar uma outra<br />

pessoas, mas ao mesmo tempo tinha o medo de<br />

contar para sua esposa e perdê-la. Lendo essas<br />

histórias me dei conta que havia ali uma<br />

questão social relevante.<br />

P O L I A M O R<br />

Poliamor são relações interpessoais amorosas que recusam a monogamia como<br />

princípio ou necessidade. Por outras palavras,<br />

o poliamor, como opção ou modo de vida,<br />

defende a possibilidade prática e sustentável<br />

de se estar envolvido de modo responsável<br />

em relações íntimas, profundas e<br />

eventualmente duradouras com vários<br />

parceiros simultaneamente.<br />

página 32


Amor que alimenta o amor.<br />

Em um relacionamento poliamorista, cada uma<br />

das relações complementa a outra criando uma<br />

sinergia que é única daquele conjunto de<br />

relacionamento.<br />

Cada um dos amores pode preencher espaços<br />

diferentes da vida do amante em comum. Essa<br />

certamente é um dos aspectos mais maduros de<br />

um relacionamento poliamorista. É muito<br />

comum nos relacionamentos “monogâmicos”<br />

que o casal se feche no seu mundo, excluindo<br />

alguns círculos de amizade e contatos. Na vida,<br />

podemos perceber que situações assim<br />

geralmente resultam em relacionamentos<br />

frágeis. E com o poliamor e a possibilidade de<br />

múltiplas trocas surgem situações de maior<br />

riqueza de vivências afetivas.<br />

Poliamor e vida prática.<br />

O Poliamor é algo muito bonito, mas será que<br />

funciona mesmo? Para muita gente o poliamor<br />

é uma realidade e funciona sim. Para outras<br />

simplesmente não funciona. O poliamor, como<br />

qualquer forma de amor, não se força,<br />

simplesmente acontece!! Algumas pessoas não<br />

teriam maturidade afetiva para viver um<br />

relacionamento poliamorista e outras<br />

simplesmente não querem. Enfim, o<br />

“monoamor” também tem suas vantagens.<br />

Para viver um relacionamento poliamorista o<br />

cara vai precisar de jogo de cintura, vai ter que<br />

lidar com o ciúme e com possíveis<br />

preconceitos, vai ter que acertar sua agenda<br />

com a dos outros amores (isso pensando nas<br />

rotinas de correria do dia a dia). E levando em<br />

conta essa rotina da vida moderna, pensem<br />

como pode ser prático “dividir” a pessoa amada<br />

com outro amante. Brincadeiras à parte, a<br />

questão do tempo parece ser sim um tema<br />

relevante dentro dos relacionamentos<br />

poliamoristas.<br />

Poliamor e nova consciência afetiva.<br />

Acredito que o poliamor possa fazer parte de<br />

um novo momento de conciência e vivências<br />

afetivas.<br />

Momento que pode está começando por agora.<br />

É inegável o fato de que as redes sociais fazem<br />

parte de um novo momento de vivência afetiva<br />

e sexual. Quem nunca stalkeou alguém que<br />

atire a primeira pedra. Ou não podemos ignorar<br />

o poder de uma “cutucada” no Facebook. Além<br />

disso, temos agora o sucesso de algumas redes<br />

sociais que são exclusivas para se encontrar um<br />

amante. Regina Navarro, Psicanalista e<br />

escritora, diz que o amor é uma construção<br />

social. E como a popularização da internet é<br />

um fenômeno social acredito que começaremos<br />

a ter algumas pequenas mudanças nas questões<br />

afetivas e sexuais devido a essas<br />

transformações.<br />

Amor e política?<br />

Em algumas exibições do documentário,<br />

algumas pessoas afirmaram que o meu filme<br />

era além de tudo um filme político. Eu achava<br />

isso curioso, pois nunca tinha passado pela<br />

minha cabeça fazer um filme sobre política. E<br />

depois pensando, acabei por perceber que as<br />

atitudes que temos em relação ao mundo são<br />

sempre atos políticos. Da mesma forma não<br />

seria deferente em relação a afetividade e aos<br />

personagens do filme.<br />

“Pela lei natural dos encontros eu deixo e<br />

recebo um tanto”<br />

Poliamor aumenta a possibilidade de encontros.<br />

Quando estamos abertos a possibilidade de nos<br />

apaixonarmos poderemos mais facilmente<br />

encontrar pessoas especiais pelo caminho. Não<br />

pode haver nada mais bonito na vida do que<br />

encontros verdadeiros. Quando as pessoas se<br />

encontram elas se modificam mutuamente,<br />

surge algo novo. E o poliamor aumenta a<br />

probabilidade de encontros.<br />

Poliamor é a possibilidade de amores. É uma<br />

abertura. Um possível.<br />

Acredito que logo menos, cada vez mais<br />

pessoas se descobrirão poliamoristas.<br />

(2) Regina Navarro é psicanalista e escritora. Certamente<br />

uma das mais importantes pensadoras da sexualidade e<br />

afetividade. Sua obra merece ser lida e debatida.<br />

(3) Trecho da música Mistério do Planeta dos Novos<br />

Baianos.<br />

amor<br />

é uma<br />

construção<br />

social<br />

ZÉ AGRIPINO<br />

Produtor e realizador audiovisual.<br />

Formado em Audiovisual<br />

pelo Senac - SP. Cresceu no interior<br />

e agora vive em Sâo Paulo.<br />

Poliamor é seu primeiro trabalho<br />

como diretor.<br />

Clique no link abaixo e assista<br />

o filme Poliamor, de Zé Agripino:<br />

http://vimeo.com/23988620<br />

página 33 37


ASSEXUALIDADE:<br />

uma nova perspectiva para<br />

a falta de interesse pelo sexo.<br />

Mas será que<br />

todo mundo dá<br />

a mesma<br />

importância ao<br />

sexo? Será que<br />

é possível ser<br />

feliz sem sexo?<br />

página 34<br />

Vivemos numa sociedade na qual a atividade<br />

sexual frequente e prazerosa é estabelecida<br />

como elemento indispensável para a saúde e<br />

felicidade dos indivíduos. Nesse sentido, um<br />

amplo mercado de produtos e serviços –<br />

criados pela indústria da saúde e divulgados<br />

pela mídia - é oferecido aos consumidores.<br />

Revistas e jornais de grande circulação em<br />

todo mundo, assim como programas de rádio<br />

e televisão, enfatizam a importância da saúde<br />

sexual, sempre com fundamento em<br />

pesquisas científicas. Novos conhecimentos<br />

sobre a relevância do sexo são produzidos e<br />

disseminados todos os dias no mundo todo.<br />

Medicamentos e terapias para os transtornos<br />

sexuais – como falta de desejo, prazer,<br />

problemas com excitação e orgasmo –<br />

anualmente movimentam milhões de dólares<br />

em todo o planeta.<br />

Nesta lógica, que coloca o sexo como central<br />

na vida dos indivíduos, a falta de desejo<br />

sexual é definida pelas ciências médicas<br />

como transtorno, um distúrbio que pode<br />

dificultar a conquista do tão almejado estado<br />

de saúde física e mental. Mas será que todo<br />

mundo dá a mesma importância ao sexo?<br />

Será que é possível ser feliz sem sexo? Será<br />

que o sexo ocupa lugar central na vida de<br />

todas as pessoas, de todas as culturas, de<br />

todas as épocas? Existe diferença entre sexo<br />

e amor? Estas são questões que estão sendo<br />

colocadas pelos assexuais, indivíduos da<br />

contemporaneidade que afirmam não ter<br />

interesse pelo sexo, sem que isto constitua<br />

motivo de infelicidade ou frustração.<br />

A partir do início do século XXI, essa nova<br />

perspectiva para a falta de desejo sexual<br />

passou a emergir, principalmente em<br />

comunidades e redes sociais da internet.<br />

Com a criação da AVEN – Asexual Visibility<br />

and Education Network, em 2001 nos<br />

Estados Unidos, milhares de pessoas no<br />

mundo todo têm “saído do armário”,<br />

afirmando não ter nenhum interesse pela<br />

atividade sexual, colocando em questão o<br />

pressuposto de que o desejo sexual é natural<br />

e universal para toda a raça humana. As<br />

pessoas, que se autodefinem como assexuais,<br />

membros da comunidade, reivindicam para a<br />

assexualidade o mesmo status de orientação<br />

sexual já conquistado pela<br />

homossexualidade, bissexualidade e<br />

heterossexualidade. O movimento assexual<br />

tem crescido em diversos países e tem dado<br />

visibilidade à falta de desejo sexual dentro<br />

de uma ótica totalmente nova, a de<br />

orientação sexual. A AVEN possui sites em<br />

diversos idiomas (chinês, checo, holandês,<br />

finlandês, francês, alemão, hebraico,<br />

italiano, espanhol, japonês, polonês, russo e<br />

turco, além do original em inglês),<br />

abrangendo dezenas de países nos quais<br />

essas línguas são faladas.<br />

Em linhas gerais, a AVEN define assexual<br />

como a pessoa que não sente atração sexual.<br />

Embora a definição possa parecer simples,<br />

ela é de grande complexidade, pois<br />

pressupõe, como veremos mais adiante, a<br />

diferenciação entre amor e sexo, a diferença<br />

entre desejo e atração, e não contempla a<br />

diversidade que existe entre os assexuais.<br />

Um pressuposto básico enfatizado nesta<br />

comunidade é que assexualidade e celibato<br />

são coisas diferentes. O celibato seria uma<br />

escolha do indivíduo por viver sem sexo.<br />

Assim como ocorre com outras orientações<br />

sexuais, a assexualidade, segundo os<br />

assexuais, não é uma questão de escolha, é<br />

um modo de ser do indivíduo. Outro<br />

postulado assexual é que sexo e amor são<br />

coisas diferentes, sendo possível manter um<br />

relacionamento amoroso e feliz, sem que<br />

este seja necessariamente sexual.<br />

A principal característica compartilhada<br />

pelos assexuais, portanto, parece ser o fato<br />

de não sentirem atração sexual por ninguém.<br />

Isso não significa que exista algum problema<br />

fisiológico ou psicológico. Grande parte<br />

deles (não todos) têm as mesmas respostas<br />

fisiológicas (excitação e orgasmo) que<br />

qualquer outra pessoa; só que não sentem a<br />

necessidade, nem o desejo, de engajar-se em<br />

atividade sexual com outrem. É importante<br />

notar que a assexualidade não diz respeito ao<br />

comportamento sexual. A prática sexual com<br />

parceiro não entra em conflito com a<br />

definição de assexualidade, pois a simples<br />

atividade sexual não significa que exista<br />

atração sexual. Muitos assexuais revelam, na<br />

comunidade, estar em parcerias românticas


por Elisabete Baptista de Oliveira<br />

com pessoas não assexuais, fazendo<br />

concessões à prática do sexo para agradar<br />

seus parceiros, ou permitindo que os mesmos<br />

busquem sexo fora do relacionamento<br />

amoroso.<br />

Segundo a AVEN, parte dos assexuais (não<br />

todos) pratica a masturbação, mas esta prática<br />

também não entra em conflito com a<br />

definição de assexualidade da comunidade.<br />

Relembrando, para a AVEN, assexualidade é<br />

a falta de atração sexual. Atração sexual<br />

pressupõe o desejo sexual direcionado a outra<br />

pessoa. Como a masturbação é uma prática<br />

autodirecionada, não destoa da definição de<br />

assexualidade. Aqueles que praticam a<br />

masturbação podem fazê-lo para liberação do<br />

stress, ou como fonte de autoprazer. A prática<br />

não é considerada uma atividade imatura,<br />

infantil ou substitutiva, que deverá evoluir<br />

para o ato sexual com parceiro.<br />

Como mencionado anteriormente, para os<br />

assexuais sexo e amor são coisas diferentes e<br />

separadas. Conforme informações constantes<br />

no site da AVEN, muitos assexuais sentem<br />

atração romântica por outras pessoas,<br />

podendo apaixonar-se e constituir relações<br />

amorosas com ou sem atividade sexual. Sabese,<br />

também, que a atração romântica pode ser<br />

pelo mesmo sexo, por sexo diferente, por<br />

ambos os sexos ou ocorrer independente de<br />

sexo e identidade de gênero. Outra<br />

constatação é que parte dos assexuais não<br />

sente atração romântica, ou seja, não sente<br />

desejo, interesse ou necessidade de formar<br />

parcerias amorosas.<br />

Como existem pouquíssimas pesquisas<br />

científicas sobre a assexualidade, os próprios<br />

assexuais da AVEN têm construído<br />

conhecimentos sobre si mesmos por meio da<br />

troca de experiências no interior da<br />

comunidade. A diversidade dessas<br />

experiências – por exemplo, em relação a<br />

parcerias amorosas, à prática da masturbação<br />

e atividade sexual - torna o conceito de<br />

assexualidade ainda muito frágil e bastante<br />

complexo quando comparado a outras<br />

orientações sexuais. A escassez de pesquisas<br />

sobre a assexualidade revelam muitas lacunas<br />

de conhecimento. Não sabemos com certeza,<br />

por exemplo, que percentual da população é<br />

assexual (ou se identifica dessa forma),<br />

embora haja algumas pistas.<br />

Em suas pesquisas sobre o comportamento<br />

sexual dos norte-americanos, nos anos 1940 e<br />

1950, o biólogo Alfred Kinsey apurou que<br />

1% de seus entrevistados não tinha nenhum<br />

interesse pelo sexo. Em 2004, o psicólogo<br />

Anthony Bogaert, a partir de uma pesquisa<br />

britânica pré-existente, chegou<br />

aproximadamente ao mesmo percentual.<br />

Fora essas duas pesquisas, ainda não existem<br />

levantamentos rigorosos sobre a<br />

porcentagem de pessoas assexuais na<br />

população. Sendo a assexualidade<br />

praticamente desconhecida, muitas pessoas<br />

potencialmente assexuais não se identificam<br />

dessa forma por desconhecerem essa nova<br />

abordagem para a falta de desejo sexual.<br />

Portanto, é possível que, com o crescimento<br />

das pesquisas e da visibilidade, um número<br />

maior de pessoas passe a se identificar como<br />

assexual nas próximas décadas, fazendo<br />

crescer a esta estatística.<br />

A AVEN ainda não chegou ao Brasil, mas<br />

diversos assexuais brasileiros participam da<br />

comunidade norte-americana. O principal<br />

espaço virtual de encontro e sociabilidade<br />

dos assexuais brasileiros é a rede social<br />

Orkut, na qual existem diversas<br />

comunidades assexuais que agregam<br />

milhares de participantes. Além do Orkut, o<br />

Blog Assexualidade A2 oferece um fórum<br />

para troca de ideias e espaço para a<br />

discussão da assexualidade. O interesse da<br />

mídia brasileira pela assexualidade emerge<br />

de tempos em tempos. Esporadicamente,<br />

jornais e revistas veiculam artigos sobre o<br />

tema, apresentando entrevistas com<br />

assexuais, psicólogos e especialistas em<br />

sexualidade. No Brasil, assim como no resto<br />

do mundo, a pesquisa científica da<br />

assexualidade ainda está em fase incipiente,<br />

mas é quase certo que haja crescimento de<br />

estudos nos próximos anos.<br />

O conceito de assexualidade como<br />

orientação sexual é muito novo; sua<br />

solidificação demandará muito tempo e<br />

muitos estudos por diversas áreas do<br />

conhecimento. A ideia enfrenta muita<br />

estranheza por parte da população de um<br />

modo geral, desconfiança de médicos e<br />

terapeutas sexuais, bem como dúvidas dos<br />

próprios assexuais. Espera-se que os estudos<br />

que estão sendo desenvolvidos, sobretudo<br />

nos Estados Unidos e Canadá, possam<br />

auxiliar a iluminar este conceito para que<br />

haja melhor compreensão das reivindicações<br />

feitas pelos assexuais, bem como formas de<br />

conferir dignidade, direitos e respeito a essa<br />

parcela da população.<br />

Sites citados:<br />

http://www.assexualidade.com.br/blog<br />

www.aven.org.br<br />

ELISABETE BAPTISTA<br />

DE OLIVEIRA<br />

Pedagoga com mestrado em<br />

Sociologia da Educação, atualmente<br />

desenvolvendo pesquisa de<br />

doutorado sobre assexualidade na<br />

Faculdade de Educação da<br />

Universidade de São Paulo-USP,<br />

pesquisadora da ECOS -<br />

Comunicação em Sexualidade.<br />

E-mail para contato:<br />

elisabete.regina.oliveira@usp.br<br />

http://assexualidades.blogspot.com/<br />

página 35


Não se engane com a singeleza do desenho das tirinhas de MURET, feito de palitos<br />

do mesmo jeito que a gente rabiscava na escola primária... suas personagens são<br />

palitos muito «acesos», como já diz o nome do blog. Vão da pura sacanagem até a<br />

escatologia num riscar de fósforo. Tirem as crianças da sala e apreciem sem<br />

moderação.<br />

http://palitoaceso.blogspot.com/<br />

página 36


NAMORADINHA NOVA?<br />

A parada é a seguinte: se você arrumou uma<br />

namoradinha nova e, pela primeira vez, vai<br />

à praia com ela e o filhinho "mala" dela de 6<br />

anos de idade, tome muito cuidado. Repito:<br />

muito cuidado! Não vá fazer como o<br />

cidadão que vi hoje na praia do Leblon...<br />

sem sacanagem....o cara fez tudo errado!!<br />

Nada prestou!! Pelo amor de Deus! Acho<br />

que esse encerrou o romance logo ali,<br />

tirando a areia dos pés no calçadão.<br />

Tipo: Então tá, meu querido, encerramos<br />

aqui nossa programação. Passar bem, viu?<br />

Bóra, Luisinho! Dá adeus pro tio que tu num<br />

vai ”marvê” ele não!!<br />

Então...vou falar mais ou menos o que<br />

aconteceu e enumerar o que nós, homens,<br />

devemos evitar nesse dia tão significante de<br />

nossas vidas. Praticamente um workshop!<br />

ENTÃO, SE LIGA!<br />

leva uma canga discreta. Mas abrir uma<br />

toalha branca e azul com a frase "Sauna do<br />

Clube Caiçaras"? Fala sério, mermão! Tem<br />

vergonha, não?<br />

Terceiro - Muito bem, primeira vez que você<br />

a viu na praia e, para sua surpresa, ela é bem<br />

mais gostosa do que você imaginava. Sendo<br />

assim, você ficou muito inseguro, não parou<br />

de passar os braços em volta dela, toda hora<br />

dava uns tapinhas na bunda da moça e<br />

soltava uns risos nervosos. Faz isso não,<br />

meu fio! Pare de abraçar e dar beijinhos no<br />

pescoço da menina sem parar. É ridículo!<br />

Até porque, olha a cara do filho dela<br />

querendo te matar, morrendo de ciúmes e<br />

achando você gordo, careca e peludo<br />

demais.<br />

Quarto - Ok. Você não precisa mostrar que é<br />

pessoa ágil feito uma jaguatirica. Desastres<br />

acontecem, fio! Inventar de correr atrás da<br />

criança ali no rasinho, levar uma banda da<br />

mesma e meter os cornos no banco de areia<br />

foi visão desagradável. Nessa hora foi que a<br />

criança riu e disse para mãe que a baleia<br />

havia encalhado.<br />

Quinto - Meu querido, guerra de areia com a<br />

criança não, né? Entupir a sunga do Luisinho<br />

de areia não foi boa ideia. A mãe vai ficar<br />

puta quando ele estiver tomando banho e o<br />

moleque ainda vai dizer que a culpa é sua.<br />

FOTO: MAU MAIA<br />

Então já sabe né, amiguinho? Da próxima<br />

vez que for à praia com a namoradinha<br />

nova... com uma outra, né? Porque essa aí já<br />

era! Fica relax, meu camarada! Vai dar certo.<br />

Fica no sapato que dá certo... hehehehehe<br />

Primeiro - Amigo, se você está gordo e há<br />

tempos não usa aquela sunga branca que a<br />

ex-mulher malvada deu, com o escrito ”Bad<br />

Boy” na bunda, saia agora e vá comprar um<br />

sungão. Ninguém merece, mermão...vai<br />

lá...pode ser nas Lojas Americanas mermo...<br />

vai...compra uma preta, que não esteja<br />

parecendo a tanga do Gabeira nesse seu<br />

corpinho graúdo.<br />

Segundo -Meu querido, se você quer trazer<br />

o guarda-sol de casa, beleza! Agora, armar a<br />

barraca e a parada sair voando três vezes? É<br />

muito mico! Fora que na terceira vez o pau<br />

da barraca quase matou uma senhora<br />

distraída. Outra coisa, amigo, ou você aluga<br />

uma cadeira para sentar o rabo gordo ou<br />

MAURICIO MAIA<br />

Maurício Maia é carioca da gema<br />

e fotógrafo de profissão . Muito<br />

metido e fanfarrão , escreve crônicas<br />

por pura diversão, focando o<br />

cotidiano urbano da cidade do Rio<br />

de Janeiro.<br />

http://www.wix.com/maumaia/mauricio-maia<br />

página 37


"É chegado o momento de acrescentarmos ao<br />

tempo e ao espaço mais uma dimensão<br />

fundamental à vida no Universo: o tesão.<br />

Fritz Perls, que era alemão e escrevia também<br />

em inglês, deu a essa dimensão o nome de<br />

awareness.<br />

Palavra de tradução difícil para o português e,<br />

à falta de outra melhor, escolheu-se<br />

conscientização.<br />

Mas, para compreender o que Fritz queria<br />

designar por awareness, é preciso utilizar<br />

vários outros conceitos, além do estado de<br />

aptidão mental responsável: o estar física e<br />

emocionalmente em prontidão, alertas,<br />

atentos, disponíveis, sintonizados,<br />

sensibilizados, sensorializados, sensualizados a<br />

todos os estímulos internos e externos da vida<br />

cotidiana. Coisas que quase significam tesão<br />

no português falado no Brasil. Mas apenas<br />

quase, porque tesão é mais que isso. Fritz<br />

devia ser um homem muito tesudo, sem<br />

dúvida, além de genial. Mas tanto a sua língua<br />

materna quanto a adotiva não possuem, talvez<br />

por puritanismo hipócrita anglo-saxônico e<br />

germânico ancestral, algo equivalente a tesão.<br />

Enfim, sentia e vivia uma coisa que lhe<br />

pareceu ser uma das dimensões fundamentais<br />

da vida no Universo, mas que não possuía<br />

nome próprio autorizado. Por isso socorreu-se<br />

de awareness para sugerir que, graças a essa<br />

dimensão, nós sentimos a vida à flor da pele,<br />

podemos fazer fluir e tornar disponíveis nossos<br />

potenciais humanos e biológicos. Além disso,<br />

nos permite estar prontos para agir e reagir<br />

satisfatoriamente aos estímulos naturais e<br />

sociais, nos possibilitando também perceber e<br />

expressar de modo espontâneo os sentimentos<br />

e as emoções. Finalmente, ela nos faz criar,<br />

amar, jogar, brincar, lutar pelo simples e<br />

encantado prazer de estar vivo.<br />

Awareness, pois, nessa conceituação ampla de<br />

vida pulsando no tempo e no espaço, na<br />

duração e no ritmo de cada ser, representaria<br />

o que produz no homem o seu desejo-prazer<br />

essencial: a liberdade. Assim, por liberdade<br />

entenderíamos o tesão do tesão pelo tesão."<br />

ROBERTO FREIRE<br />

(excerto do livro SEM TESÃO NÃO HÁ SOLUÇÃO, 1987)


Rebosteio indica vários sites<br />

sintonizados com este número da<br />

revista, a saber:<br />

* ÍNDICE DE POEMAS ERÓTICOS, com 800<br />

poemas dos mais variados autores:<br />

http://cseabra.utopia.com.br/poesia/poesias/poesias.html<br />

* POESIA ERÓTICA E PORNOGRÁFICA NO<br />

GERMINA LITERATURA - de Brecht a<br />

Drummond, de Chico Doido do Caicó a<br />

Joyce... muita gente boa:<br />

http://www.germinaliteratura.com.br/advert_erot.htm<br />

* CANTAR de AMOR entre os ESCOMBROS,<br />

de Frederico Barbosa - poemas eróticos com<br />

imagens:<br />

http://cantardeamor.sites.uol.com.br/erotica.html<br />

* PUTAS RESOLUTAS - poemas de Nina Rizzi,<br />

Liria Porto e Roberta Silva:<br />

http://putasresolutas.blogspot.com/<br />

* O belíssimo e sensual vídeo DANCE, no<br />

Youtube:<br />

http://youtu.be/Lp1kEYohU0E<br />

* A polêmica censura da Oi ao trabalho da<br />

fotógrafa Nan Goldin:<br />

http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/2011/11/28/<br />

a-fotografa-polemica-que-a-oi-censurou-no-brasil/<br />

* O vídeo irônico e sensível como campanha<br />

de prevenção à AIDS, criado por Fabrice<br />

Rouaud, DES MAJORETTES DANS L’ESPACE<br />

(As balizas no espaço):<br />

http://youtu.be/EUN_6hsqt8s<br />

* E-books gratuitos de quadrinhos eróticos:<br />

http://ebooksgratis.com.br/category/quadrinhos/eroticos/<br />

* E-books gratuitos dos quadrinhos eróticos<br />

de Milo Manara:<br />

http://ebooksgratis.com.br/tag/milo-manara/<br />

*As incríveis ilustrações de Keith P. Rein em<br />

THE PIS FOR PENIS:<br />

http://www.thepisforpenis.com/<br />

* A FACULDADE INTERNACIONAL DE SEXO<br />

na Áustria:<br />

http://topassada.virgula.uol.com.br/2011/12/06/austriaganha-faculdade-internacional-de-sexo-que-promete-aula<br />

s-praticas/<br />

O Papa não é pop<br />

Rebosteio deste número, consoante com o<br />

tema geral da revista e dissonante da<br />

hipocrisia que reina em determinados círculos<br />

religiosos, lasca o pau num pronunciamento<br />

do Papa Bento XVI, que embora já tenha um<br />

ano, não deixa de ser atual na medida em que<br />

pouco foi feito por parte da Igreja Católica para<br />

coibir e punir os sacerdotes pedófilos, e dessa<br />

forma responder devidamente não só à sua<br />

comunidade de fiéis, mas à sociedade como um<br />

todo.<br />

O dito pronunciamento, que escandalizou boa<br />

parte das vítimas de pedofilia, pode ser lido<br />

neste site, em espanhol:<br />

http://es.sott.net/articles/show/2323-Indignante<br />

-El-Papa-dice-que-la-violacion-de-ninos-no-es<br />

-tan-malo-era-normal-en-su-epoca:<br />

Aqui a tradução dos trechos principais:<br />

«A pedofilia não era considerada um mal<br />

absoluto até meados dos anos 70.<br />

Nos anos 70 ela era entendida como algo<br />

em completa conformidade com o homem e<br />

inclusive com as crianças.<br />

Mantinha-se, inclusive dentro do âmbito da<br />

teologia católica, que não há tal coisa como o<br />

mal em si mesmo ou o bem em si mesmo.<br />

As revelações de abuso em 2010 alcançaram<br />

uma dimensão inimaginável que trouxe<br />

consigo humilhação para a Igreja.»<br />

Não é preciso ter a idade do sumo pontífice<br />

nem mesmo ter estudado história de uma forma<br />

profunda para saber que, infelizmente, o<br />

«normal» apregoado pela Igreja já produziu<br />

coisas impensáveis, como a condenação e<br />

queima de mulheres, torturas na inquisição,<br />

perseguição a cientistas como Galileu e outras<br />

tantas coisas que não caberiam nesta coluna.<br />

Ademais vejamos (agora só para os bem<br />

jovens)... década de 70, planeta terra: quem<br />

em sã consciência poderia achar a pedofilia<br />

normal numa época em que já tínhamos<br />

chegado com espaçonaves à lua, já tínhamos o<br />

primeiro microprocessador fabricado pela Intel,<br />

e o fenômeno que nos transformou<br />

inexoravelmente - os Beatles - já tinha deixado<br />

seu rastro indelével e se extinguido em março<br />

de 1970?<br />

página 39


créditos da ilustração:<br />

http://www.gearfuse.com/kama-sutra-cookie-cutters/<br />

página 40<br />

Produzir e editar este número da Rebosteio<br />

foi foda.<br />

Nos dois sentidos.<br />

Foi foda no sentido de ser uma coisa<br />

tesuda e gostosa, aquela foda da qual<br />

tentamos abordar o maior número de<br />

vertentes possível dentro dos nossos<br />

limitados recursos de “equipe de dois”.<br />

E foi também foda naquele sentido usado<br />

cotidianamente de coisa trabalhosa, suada.<br />

Dizemos isto porque a revista é alimentada<br />

pelos colaboradores, então tivemos que<br />

sair a campo procurando matérias sobre os<br />

mais diversos tipos de manifestação da<br />

sexualidade, e juntar tudo isso num único<br />

veículo com coerência e respeito, requereu<br />

um certo jogo de cintura da nossa parte.<br />

O melhor foi que conseguimos quase tudo<br />

o que nos propusemos quando tivemos a<br />

idéia deste número, e embora não sendo<br />

atendidos em algumas solicitações de<br />

matérias, em termos de qualidade<br />

ultrapassamos nossas metas originais.<br />

Obtivemos um leque bastante razoável<br />

expresso por todos os parceiros, desde o<br />

depoimento corajoso e lúcido de Letícia<br />

Lanz, que abre esta edição e que temos<br />

agora o orgulho declarado de ter como<br />

colunista permanente; passando pelo<br />

ensaio fotográfico de Luciano Ogura que<br />

nos aproxima das moças com seu olhar<br />

incrível; do conto de Marcelino Freire que<br />

nos coloca na primeira pessoa do gay bem<br />

resolvido que narra suas paixões de forma<br />

natural; da participação generosa de Zé<br />

Agripino cujo vídeo do Poliamor é<br />

imperdível; dos poetas e seus<br />

versos/imagens provocativas que vão do<br />

clássico 'papai-e-mamãe' até a<br />

masturbação feminina com requintes de<br />

lirismo; da perfeição anatômica e tesuda da<br />

Druuna no traço de Serpieri; das artes<br />

plásticas de Laerth Motta; do triângulo<br />

amoroso vivido por Nietzsche e pincelado<br />

por nosso sócio Nirton Venancio; e<br />

inclusive – paradoxalmente para uma<br />

revista que nasceu temática sobre sexo –<br />

abordando a orientação da Assexualidade<br />

por Elisabete Baptista, mostrando assim<br />

que a escolha é verdadeiramente múltipla<br />

- como anunciado na capa – quando se<br />

trata de ser feliz.<br />

Permeamos também a revista com<br />

pensamentos dos inesquecíveis Wilhelm<br />

Reich e Roberto Freire, para que aqueles<br />

que não conhecem sua obra, ficassem<br />

suficientemente curiosos para pesquisar<br />

http://pt.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Reich<br />

http://www.org2.com.br/wreich.htm<br />

http://www.lsrprojekt.de/poly/ptwrinnuce.html<br />

http://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Freir<br />

e_(psiquiatra)<br />

http://www.somaterapia.com.br/galeria/vid<br />

eos/entrevista-com-roberto-freire/<br />

http://www.brasilescola.com/biografia/rob<br />

erto-freire.htm<br />

Enfim, tentamos trazer pra vocês alguma<br />

coisa que não tivesse aquele estereótipo de<br />

publicação asséptica, mas que também não<br />

caísse na vala comum da vulgaridade, e<br />

sobretudo que fosse em si mesma um<br />

manifesto artístico-culturalcomportamental<br />

a favor das liberdades, da<br />

liberdade de ter a sua própria versão de<br />

tesão pela vida e pelas pessoas.<br />

Acreditamos que essa liberdade, já citada<br />

em nosso editorial, é o solo fértil onde<br />

pode brotar uma civilização apta para o<br />

amor.<br />

Por último, e não menos importante,<br />

queremos fazer uma última observação<br />

nestes tempos de relacionamentos virtuais,<br />

que nunca é demais lembrar: embora todos<br />

estejamos conectados pela rede, inclusive<br />

embora esta revista se valha da internet<br />

para alcançar vocês, ainda que tenhamos<br />

essa facilidade em descobrir afinidades<br />

com pessoas que jamais saberíamos da<br />

existência... ainda assim, nada substitui o<br />

encontro real. Uma pessoa é também seu<br />

cheiro, sua voz, sua postura corporal, seu<br />

olhar quando fala com você, seu aperto de<br />

mão firme ou frouxo, seus gestos, seu<br />

modo de estar no mundo fisicamente.<br />

Porque nós não somos cérebros boiando<br />

numa solução líquida e teclando<br />

alucinadamente - nós estamos metidos em<br />

corpos vivos que exprimem sobretudo o<br />

que não queremos dizer, já sabia Wilhelm<br />

Reich há muito tempo. Então, incitamos<br />

vocês a se encontrarem no mundo 'real',<br />

marcarem um chopp, um papo no boteco,<br />

na livraria, na praça. Conheçam-se,<br />

sintam-se.<br />

E se for o caso, fodam-se, no melhor<br />

sentido da palavra, claro.<br />

E pra não terminar por aqui, vai um<br />

BRINDE ESPECIAL... uma versão do<br />

Kama Sutra para download:<br />

http://www.4shared.com/get/6FYv_voE/_2<br />

__Kama_sutra_-_O_livro_do_am.html


foi bom pra você?<br />

...<br />

então a gente se vê<br />

no próximo número.<br />

foto: Rubens Guilherme Pesenti<br />

http://ru666.blogspot.com<br />

foto e montagem: Rubens Guilherme Pesenti<br />

http://ru666.blogspot.com


anti-propaganda<br />

concepção e imagem: mercedes lorenzo<br />

http://olhardelambe-lambe.blogspot.com

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