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REBOSTEIO Nº 3

Revista REBOSTEIO DIGITAL número três - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

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Prazer é aquele emaranhado de sensações<br />

extraordinariamente boas e gostosas que nos<br />

levam para as nuvens, fazendo vibrar, de modo<br />

único e inconfundível, cada uma e todas as<br />

células do nosso corpo, abastecendo-nos de uma<br />

energia tão incrível que parece saída da própria<br />

fonte criadora do universo.<br />

Intuitivamente, cada um de nós sabe existir um<br />

vínculo essencial entre vida e prazer: - a vida é<br />

impossível sem prazer e sem prazer é<br />

simplesmente impossível viver. O problema é<br />

que a sociedade que construímos para viver e<br />

desfrutar a vida está mais próxima de um presídio<br />

do que de um parque de diversões. Para a<br />

maioria, viver é somente cumprir pena pelo crime<br />

de ter nascido...<br />

Para que ninguém morresse de inanição por falta<br />

de prazer, foram convenientemente inventados<br />

“prazeres substitutos”, que de alguma forma<br />

pudessem tornar tolerável viver uma vida sem<br />

prazer. Assim, entram em cena os objetos de<br />

consumo, que suamos para incorporar ao nosso<br />

patrimônio material como se este fosse capaz de<br />

suprir a miséria do nosso próprio “patrimônio<br />

existencial”. Prazeres fetichizados, no pior<br />

sentido do fetiche, já que não nos proporcionam<br />

nenhum tipo de gozo. Apenas nos mantêm vivos<br />

o suficiente para ir morrendo lentamente.<br />

“É proibido gozar” - eis o primeiro mandamento<br />

de uma sociedade onde prazer sempre foi a<br />

palavra maldita, como tudo a ela relacionado – e<br />

não é pouca coisa não, já que praticamente tudo<br />

que nos dá prazer é imoral, ilegal ou engorda. A<br />

“proibição ao gozo” é matriz de todas as demais<br />

interdições que transformam a vida natural e<br />

espontânea no tal “vale de lágrimas”, onde<br />

tentamos manter a respiração, debaixo do sufoco<br />

da permanente vigilância e repressão moral,<br />

sexual, intelectual, política, social, cultural e<br />

religiosa.<br />

Subjugados dentro do nosso próprio território<br />

individual – o nosso corpo – tornamo-nos<br />

indivíduos inteiramente desamparados e<br />

fragilizados, incapazes e temerosos de expressar<br />

qualquer lance da nossa individualidade no<br />

mundo. Em vez de “gozar”, manifestando o<br />

nosso eu no mundo, repetimos à exaustão<br />

surrados padrões de conduta que “gozam” de<br />

nós...<br />

Separados bruscamente dos nossos desejos mais<br />

originais e verdadeiros, como o sexo, somos<br />

presas fáceis para as promessas redentoras de<br />

religiões e sistemas sociopolíticoeconômicos,<br />

que se valem da nossa privação e frustração para<br />

nos empurrar goela abaixo os seus “jardins de<br />

delícias”, onde desfrutaremos todas as formas de<br />

prazer... Depois que morrermos, é claro.<br />

O “gozo na eternidade” é o prêmio pelo nosso<br />

sofrimento no dia-a-dia. Quem sofrer mais,<br />

agora, gozará mais, depois. E vice versa, de<br />

sorte que aos devassos, aos excêntricos, aos<br />

“diferentes” e aos desencaixados só restará o<br />

mármore ardente do inferno...<br />

Por mais execrável que seja tal constatação,<br />

somos todos socialmente programados para não<br />

buscar o prazer, para evita-lo a todo custo, para<br />

fugir dele como o capeta da cruz. Em nome da<br />

“ordem” e do “progresso”, a civilização fez de<br />

página 20

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