Espresso 56
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café, gastronomia e viver bem<br />
2003 - 2017<br />
14 anos<br />
Nº <strong>56</strong> • ANO 14<br />
Queijos<br />
e cafés<br />
Sempre presentes nas<br />
mesas dos brasileiros,<br />
saiba quais são as<br />
melhores combinações<br />
ISSN 1806-2970<br />
R$ 14,00<br />
Rosamaria<br />
Murtinho<br />
A atriz completa sessenta<br />
anos de carreira e fala de<br />
sua paixão por café<br />
A colheita<br />
começa<br />
no Brasil<br />
Conheça a história<br />
de produtoras de café<br />
em fazenda mineira<br />
Receitas<br />
de drinques<br />
deliciosos com<br />
amaros<br />
E MAIS: especiarias para provar com café + métodos novos de preparo + resultados dos campeonatos de barista
Sumário<br />
colaboradores<br />
Carlos Ribeiro<br />
Nascido em João Pessoa (PB), sempre foi curioso<br />
e é apaixonado por culinária. Em 2009, abriu seu<br />
próprio restaurante de comida típica do Brasil,<br />
Na Cozinha, na cidade de São Paulo. Lá, Carlos<br />
também dá aula para pessoas interessadas em<br />
aprender “arte e culinária”. Elaborou as delícias<br />
na seção Receitas. (pág. 38)<br />
Paula Dulgheroff<br />
Barista há onze anos, nasceu na cidade de<br />
Uberlândia, no Cerrado Mineiro. Sócia na<br />
Mundo Café, microtorrefação e escola de<br />
baristas, faz eventos com café em todo o<br />
País e está sempre buscando aperfeiçoar<br />
seus conhecimentos. Colaborou na seção<br />
Você Barista. (pág. 44)<br />
Márcio Silva<br />
Fez sua carreira de bartender na Europa,<br />
onde passou vinte anos entre idas e vindas.<br />
Trabalhou em inúmeros bares até que abriu o<br />
próprio na cidade de São Paulo, o Guilhotina.<br />
Acredita que não há drinque que não mereça<br />
ser feito. Nesta edição, participou da seção<br />
Gastronomia. (pág. 64)<br />
Gui Gomes<br />
Nosso colaborador mais antigo, o fotógrafo Gui<br />
costuma capturar imagens da arquitetura, da<br />
gastronomia e do turismo. Retratista e documentarista,<br />
o fotógrafo busca expressar sua curiosidade pelo ser<br />
humano através de seus trabalhos autorais, utilizando<br />
diferentes técnicas e linguagens. Fez as fotos das<br />
seções Doppio, Gastronomia e Perfil. (págs. 17, 64 e 70)<br />
seções<br />
14 Contato + On-line<br />
Mensagens dos leitores e outras<br />
novidades da rede<br />
17 Doppio<br />
O café da atriz Rosamaria Murtinho<br />
18 Curtas<br />
Café + gastronomia + livros + agenda<br />
+ degustações + dicas<br />
26 Outra Esquina<br />
Cafeterias charmosas e microtorrefações<br />
pelo Brasil<br />
38 Receitas<br />
Duas delícias preparadas pelo cozinheiro<br />
Carlos Ribeiro<br />
62 Degustação<br />
Provamos oito cafés nacionais e internacionais<br />
48 Fala, Barista!<br />
Entrevista com a pernambucana Lidiane Santos<br />
50 Produtos<br />
Objetos de madeira para incrementar sua casa<br />
86 Pontos de Venda<br />
Onde encontrar a <strong>Espresso</strong> e cursos no Brasil<br />
colunas<br />
42 Coluna Café<br />
Conexão entre exportadores e<br />
produtores, por Marco Antonio Matos<br />
e Eduardo Heron Santos<br />
glossário<br />
Massa puba (pág. 39)<br />
Massa extraída da macaxeira.<br />
Em Alagoas, dá origem a bolos<br />
e cuscuz, por exemplo.<br />
Ibrik (pág. 45)<br />
Recipiente especial de cobre ou latão<br />
com uma longa haste, utilizado na<br />
preparação do chamado café turco.<br />
Amaro (pág. 64)<br />
O mesmo que amargo.<br />
Twist (pág. 66)<br />
É um pedaço da parte mais externa<br />
da casca de uma fruta cítrica usado<br />
em um coquetel, geralmente para<br />
decoração e para dar sabor quando<br />
adicionado a uma bebida mista.<br />
68 Na Cozinha<br />
As invencionices do chef Washington Silvera,<br />
por Cristiana Couto<br />
90 Coluna Barística<br />
Centenas já somos, milhares queremos ser,<br />
por Mariana Proença<br />
Fontes: CaféPoint, Guia do Barista e dicionários Aurélio e Houaiss<br />
10 ESPRESSO
junho • julho • agosto • 2017 • EDIÇÃO <strong>56</strong> - 14 anos<br />
54<br />
nesta edição<br />
CAPA<br />
54 Queijos e<br />
cafés brasileiros<br />
A combinação perfeita entre os<br />
queridinhos da nossa culinária<br />
64<br />
44 Você Barista<br />
Receitas de especiarias com café<br />
para aquecer<br />
64 Gastronomia<br />
Drinques com amaros são tendência<br />
para surpreender<br />
70 Perfil<br />
Os sessenta anos de carreira da<br />
atriz Rosamaria Murtinho<br />
74 Mundo Café<br />
Os resultados dos campeonatos<br />
nacionais de barista<br />
70<br />
80 Fazendas<br />
Mulheres cafeicultoras fazem história<br />
no Sul de Minas<br />
ESPRESSO 11
Receitas<br />
Pula a fogueira iaiá,<br />
pula a fogueira ioiô<br />
Nem só com milho e bolo de fubá se comemora uma festa junina.<br />
O chef Carlos Ribeiro, do Na Cozinha, em São Paulo, ensina duas<br />
receitas tradicionais da sua Paraíba, que, como todo o Nordeste<br />
do País, faz do São João a sua maior celebração<br />
Texto Janice Kiss Fotografias Daniel Ozana/Studio Oz<br />
Ambrosia de café Rende 15 porções<br />
Ingredientes<br />
• 3 xícaras (chá) de açúcar refinado<br />
• 4 xícaras (chá) de leite<br />
• 1 xícara (chá) de suco de laranja<br />
• 1/2 xícara (chá) de café forte coado<br />
• 1 colher (sopa) de raspas de laranja<br />
• 5 ovos<br />
• 2 claras<br />
• Canela para polvilhar<br />
Preparo<br />
Com exceção da canela, bata os demais ingredientes<br />
no liquidificador. Transfira a mistura para uma panela<br />
e leve ao fogo alto até levantar fervura. Reduza a<br />
chama ao nível médio e mexa por 40 minutos ou<br />
até que o leite fique bem talhado, cheio de grumos.<br />
Abaixe o fogo e mexa o doce de vez em quando até<br />
a calda engrossar. Coloque em taças, sirva frio e<br />
polvilhe um pouco de canela.<br />
O uso de especiarias<br />
em bolos e na culinária<br />
paraibana, de forma geral,<br />
deve-se à influência dos judeus<br />
que chegaram ao estado,<br />
principalmente ao sertão,<br />
na época do Brasil Colônia.<br />
38 ESPRESSO
Bolo pé de moleque Rende 15 porções (em média)<br />
Ingredientes<br />
• 500 g de massa puba*<br />
• 1 xícara (chá) de açúcar cristal<br />
• 1 xícara (chá) de açúcar mascavo<br />
• 1/2 xícara (chá) de café coado forte ou espresso<br />
• 1 e 1/2 colher (sopa) de manteiga<br />
• 2 ovos<br />
• 150 ml de leite tirado de 1 coco seco ralado**<br />
• 150 g de castanha-de-caju sem sal e moída<br />
• 100 g de castanha-de-caju inteira para decorar<br />
• 1/2 colher (sobremesa) de sal<br />
• 1/2 colher (café) de cravo-da-índia levemente<br />
tostado e triturado no pilão<br />
• 1/2 colher (sobremesa) de erva-doce levemente<br />
tostada e triturada no pilão<br />
• 1/2 colher (sopa) de canela em pó<br />
• Manteiga e farinha de trigo para untar<br />
a forma<br />
Preparo<br />
Primeiro, faça o leite de coco natural: bata no liquidificador um coco ralado (a fruta e não<br />
o de saquinho) com água morna, o suficiente para cobrir, por cerca de 4 minutos ou até<br />
triturar bem. Sobre uma tigela, passe o coco batido por uma peneira de malha bem fina,<br />
apertando com as costas da colher para extrair todo o leite (se preferir, esprema bem<br />
num pano de prato limpo). Descarte o bagaço e reserve o líquido. Derreta a manteiga em<br />
uma vasilha e transfira para uma tigela junto aos demais ingredientes, com exceção da<br />
castanha-de-caju inteira. Mexa bem com uma colher de pau e transfira para uma assadeira<br />
untada com manteiga e farinha. Leve para assar em forno preaquecido (180 ºC) por 30<br />
minutos. Nesse meio-tempo (quando a massa apresentar superfície firme, porém não<br />
assada) acrescente as castanhas inteiras sobre o bolo formando uma bonita decoração.<br />
Termine de assar (o bolo não cresce muito porque não leva fermento) e faça o teste do<br />
palito – ele precisa sair limpo depois de espetado na massa. Tradicional nas festas juninas,<br />
esse bolo também é preparado em ocasiões especiais pelas famílias paraibanas.<br />
*massa mole de mandioca encontrada em casas do Norte<br />
**ou 200 ml de leite de coco industrializado<br />
ESPRESSO 39
Fala, Barista!<br />
“Amo ver como as pessoas<br />
se apaixonam por café”<br />
Lidiane Santos é um dos nomes fortes da cena cafeeira de Pernambuco e,<br />
depois de se tornar barista e professora, agora segue em novo espaço<br />
com os desafios da torra<br />
Texto Cíntia Marcucci Fotografia Eudes Santana<br />
No meio do caminho de Lidiane tinha um cappuccino. Ela já<br />
tinha começado seu percurso na cultura do café quando o cappuccino<br />
virou um latte e não a deixou tirar o certificado de barista do Centro<br />
de Preparação do Café, em São Paulo. Mas ela voltou no mês seguinte,<br />
porque desistir não estava nos planos.<br />
“Meu cappuccino de novo não ficou perfeito. É fato que não<br />
tenho perfil de competidora, mas de barista e de conhecedora de<br />
café!”, conta ela, que voltou para casa naquele junho de 2011 com<br />
o diploma nas mãos e a confiança que precisava para repassar seus<br />
conhecimentos.<br />
A verdade é que o nome de Lidiane Santos tem muito a ver com<br />
o desenvolvimento da cena cafeeira do Recife. Quando ela começou<br />
a se interessar por café, em 2009, não havia cursos nem muitas<br />
opções por lá. “Eu sou de Gravatá, que é uma cidade turística a 80<br />
quilômetros do Recife, e minha família tem uma confeitaria. Muita<br />
gente entrava lá procurando por café e não encontrava. Um dia<br />
eu dei um basta nisso e procurei entender como ter um bom café.<br />
Meu desafio era fazer com que os moradores, não só os turistas,<br />
frequentassem o local para beber café e conhecessem mais sobre<br />
a bebida; não queria só apertar botões”, lembra.<br />
Ela foi a São Paulo, fez um primeiro curso no Coffee Lab com<br />
a barista Regina Machado e na volta deu início à viagem cafeeira<br />
sem volta: cautelosa, antes alugou uma máquina automática. Viu<br />
que daria certo, comprou uma máquina e logo depois passou para<br />
uma profissional. Com o tempo e a boa administração da Arte<br />
Café Gravatá, ela deixou o emprego de pedagoga em uma escola.<br />
Assinou a <strong>Espresso</strong> – sim, estas páginas fazem parte da história<br />
de Lidiane e agora ela faz parte da nossa história também – e<br />
começou a fazer todos os cursos que conseguia e ir a todas as<br />
feiras e eventos possíveis.<br />
Visitou fazendas, foi convidada para dar treinamentos por<br />
representantes de fazendas e produtos e um dia já estava sendo<br />
procurada por uma universidade de Gastronomia para dar aulas na<br />
disciplina de serviço de café e chás. “Mas quem era Lidiane? Eu não<br />
era ninguém, por isso fui atrás de me certificar.” Então foi reprovada<br />
por aquele famigerado cappuccino-latte no primeiro curso de<br />
certificação. Mas nada que uma segunda tentativa não resolvesse.<br />
Nova torrefação pernambucana<br />
No final das contas, a ideia de estudar café tirou Lidiane da sala<br />
de aula para levá-la... à sala de aula. Trocou crianças por adultos.<br />
Atua na universidade ou no Kaffe, o espaço que Lidiane recém-<br />
-inaugurou para vender equipamentos, utensílios, grãos e para fazer<br />
a própria torra, além de degustações da bebida. Lá ela forma<br />
baristas, e ensina o que sabe a pessoas apaixonadas por café e a<br />
quem tem interesse em aprender um pouco mais. Da universidade<br />
saem chefs mais entrosados com a bebida.<br />
“Hoje o mercado do Recife já tem mais de trinta cafeterias autorais,<br />
mas ainda há muito espaço para quem quer trabalhar bem<br />
com o café. Acho que o barista tem responsabilidade com muita<br />
gente. Ele precisa ter amor, precisa ter informação, técnica e comprometimento<br />
para que o trabalho do produtor chegue à xícara<br />
de quem consome a bebida da melhor maneira possível”, conta<br />
ela, que, hoje, além das aulas e dos cuidados com o espaço Kaffe,<br />
no Recife, que toca junto com o marido Eudes Santana, volta aos<br />
finais de semana e feriados prolongados para ajudar na Arte Café<br />
de Gravatá, tocada pela sua família.<br />
As metas de Lidiane agora são aperfeiçoar seu processo de torra<br />
e ter grãos consistentes. Para testar os cafés e para o dia a dia,<br />
ela prefere uma extração na hario v60, que, segundo ela, é a que<br />
possibilita o melhor de um café. E, quando quer se dar um carinho<br />
especial, prepara o café no seu xodó, a chemex. “Foi a primeira<br />
peça especial de café que comprei e tenho muito carinho por ela.<br />
A primeira a gente não vai esquecer, não é mesmo?”<br />
48 ESPRESSO
“Meu desafio era<br />
fazer com que os<br />
moradores, não<br />
só os turistas,<br />
frequentassem<br />
o local para<br />
beber café e<br />
conhecessem<br />
mais sobre a<br />
bebida.”<br />
ESPRESSO 49
Capa<br />
54 ESPRESSO
Um naco<br />
e um gole<br />
Queijo e café formam um par daqueles que dão muito certo e um<br />
na companhia do outro fica muito melhor! O território nacional<br />
está cheio de queijos típicos para ser explorados e degustados<br />
ao lado da sua xícara favorita<br />
Texto Cíntia Marcucci Fotografias Daniel Ozana/Studio Oz<br />
ESPRESSO 55
No início do século passado,<br />
o funcionamento da primeira fase da República no<br />
Brasil ganhou o famoso nome de “política do café<br />
com leite”, quando se alternavam no poder presidentes<br />
vindos de São Paulo - o café - e de Minas Gerais - o<br />
leite. Mas, pensando gastronomicamente, também<br />
ficaria uma delícia se o nome fosse “política do café<br />
com queijo”.<br />
A combinação entre esses dois pode não ser familiar<br />
principalmente para o brasileiro que vive nos<br />
grandes centros urbanos, mas basta ir a uma fazenda<br />
que tenha uma cabeça de gado leiteiro (vaca, cabra,<br />
ovelha ou búfala) para que a mesa esteja sempre posta,<br />
com o café e o queijo. “Você chega a uma fazenda<br />
na Canastra e vai ter sempre uma térmica com café<br />
fresco, uma garrafa de cachaça e um queijo novo –<br />
nunca um já aberto – para te receber”, conta Bruno<br />
Cabral, especialista que toca a loja Mestre Queijeiro,<br />
em São Paulo, especializada em queijos artesanais.<br />
Ainda falando de história, o queijo chegou aqui<br />
primeiro com as vacas trazidas pelos portugueses. A<br />
possibilidade de conservar o leite coalhado e salgado<br />
e carregá-lo como alimento durante a exploração do<br />
ouro nas Minas Gerais fez com que o gado leiteiro se<br />
adaptasse muito bem e transformasse o estado no<br />
maior polo queijeiro do País. As regiões do Serro,<br />
da Canastra e do Salitre têm seus produtos e feituras<br />
reconhecidos como Patrimônio Cultural Imaterial<br />
Brasileiro. E é bem nessa área que o café e o queijo<br />
acontecem em conjunto, afinal, tem queijo no Norte,<br />
no Nordeste e no Sul, mas por lá o café é muito mais<br />
consumido e não necessariamente plantado, já que<br />
é planta que funciona entre os trópicos.<br />
Do jeitinho deles<br />
Pão de queijo, queijo curado, queijo fresco,<br />
cachaça e café na Serra da Canastra<br />
Câmara de maturação de queijo<br />
É fato comprovado pela reportagem da <strong>Espresso</strong>. É só chegar a uma fazenda<br />
em São Roque de Minas que os queijeiros põem na mesa um café<br />
coado na hora, uma garrafinha com cachaça e um queijo novo. E também<br />
pão de queijo, bolo de fubá; quem sabe um docinho de leite cortado<br />
faz pouco? Além do famoso queijo, a região tem grande quantidade de<br />
produtores de café, por vezes até na mesma propriedade. Cada vez mais<br />
o lugar tem se dedicado a aprimorar não só seu produto mais famoso,<br />
como os grãos para o cafezinho. “Café da manhã aqui é café preto e<br />
queijo curado. E pão de queijo tem sempre! Estamos fazendo manteiga<br />
com o soro do queijo. Aí a gente pega o creme do soro do leite e coloca<br />
no café sem açúcar para tomar comendo um pedaço de queijo. Fica<br />
muito bom! E uma pitadinha de manteiga na xícara de café também eu<br />
recomendo provar, viu?”, conta Guilherme Ferreira, produtor do queijo<br />
Capim Canastra, que ganhou medalha de prata na categoria leite cru de<br />
vaca prensado e não cozido no Mondial du Fromage da cidade de Tours,<br />
na França em 2015, desbancando queijos de diversos outros países.<br />
<strong>56</strong> ESPRESSO
“Queijos curados,<br />
mais picantes,<br />
ficam com gordura<br />
e sal pronunciados e<br />
combinam bem com<br />
grãos de maior acidez.”<br />
Ensei Neto, especialista em café<br />
ESPRESSO 57
Gastronomia<br />
Cheios<br />
de presença<br />
Bebidas de personalidade, os amaros<br />
transformam qualquer drinque e motivam<br />
bartenders como Márcio Silva, do Guilhotina,<br />
a preparar o próprio blend da casa<br />
Texto Janice Kiss Fotografias Gui Gomes<br />
"Como beber dessa bebida amarga?", podem indagar sobre os amaros<br />
– licores amargos feitos com infusão de plantas e ervas – os que preferem sabores<br />
menos intensos. O Campari é o representante mais famoso dos amaros, que têm<br />
sido considerados fundamentais para a evolução dos drinques. “Bebidas de personalidade,<br />
eles transformam qualquer drinque”, explica o bartender Márcio Silva,<br />
sócio do Guilhotina, bar recém-aberto em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.<br />
Mais do que a nova moda da coquetelaria, Márcio prefere deixar tal rótulo de<br />
lado para analisar o ressurgimento dos amaros por meio do trabalho de bartenders<br />
italianos (a Itália tem forte tradição em aperitivos à base de amaros e de vermute),<br />
que pesquisam há dez anos antigas bebidas e receitas para trazê-las à tona.<br />
“O negroni (clássico que leva gim, vermute e Campari) ajudou a abrir as portas<br />
para os drinques com amaro”, analisa. Segundo o bartender, o Brasil é muito aberto<br />
às influências e assim “vai aprendendo a beber”, diz. Ele faz o próprio blend do<br />
Guilhotina a partir de marcas de qualidade no mercado e recomenda cuidado com as<br />
infusões para os que pretendem “fazer o próprio amaro”. “As ervas têm benefícios,<br />
mas também veneno. É preciso saber dosar”, diz.<br />
Mesmo que o Brasil seja receptivo às tendências mundiais, Márcio é da opinião<br />
de que o País precisa criar sua identidade na coquetelaria. “E ela passa pelas frutas,<br />
ervas frescas e secas que há em abundância por aqui”, analisa. É com esse viés tropical<br />
que ele pretende colaborar na construção desse perfil com o seu Guilhotina, com o<br />
exemplo do Mr. Funk, que leva vodca com semente de coentro, hortelã, manjericão,<br />
maracujá, limão, mel, tintura de pimentas e própolis. Depois de passar vinte anos entre<br />
idas e vindas ao País a trabalho – ele abriu o SubAstor em 2009 –, o bar é o resultado<br />
64 ESPRESSO
Origem controversa<br />
Existem muitas teorias sobre o surgimento dos<br />
coquetéis e uma delas atribui a criação dos primeiros à<br />
Inglaterra a partir da metade do século XIX. Mas a sua<br />
popularização aconteceu nos bares americanos nos<br />
anos 1920, durante a Lei Seca, de acordo com o livro<br />
200 Receitas de Coquetéis Inesquecíveis (Publifolha).<br />
Com a proibição de bebida alcoólica, as pessoas<br />
procuraram formas interessantes de dar sabor ao gim<br />
e a outros destilados de má qualidade da época, que<br />
eram contrabandeados.<br />
ESPRESSO 65
Perfil<br />
Sessenta anos de carreira de<br />
rosamaria<br />
murtinho<br />
Ela se descobriu atriz por um convite de Paulo Francis<br />
e só entendeu o que era fazer televisão quando uma multidão<br />
a impediu de sair do supermercado. Essa e outras histórias<br />
da grande diva do teatro brasileiro<br />
Texto Leonardo Valle Fotografias Gui Gomes<br />
Adivinhar a idade da atriz Rosamaria Murtinho quando ela está no palco é uma tarefa difícil. Sua potência<br />
em cena confunde a todos, principalmente a quem acompanha a sua trajetória artística desde o início. O fato<br />
é que Rosinha – como é chamada pelos amigos – comemora, em 2017, incríveis 78 anos de idade e seis décadas de<br />
carreira. Um grande feito para uma aspirante a bailarina e advogada que nem sequer imaginou que um dia seria atriz.<br />
“Um problema no menisco me afastou da dança. Meu irmão Carlos fazia parte de um grupo no<br />
Teatro de Bolso, no Rio de Janeiro, com o Paulo Francis. Às vezes, eu ia assistir ao ensaio, mas nunca me passou<br />
pela cabeça estar no palco. Até que, dez dias antes da estreia, uma das atrizes teve um ataque de anemia. Aí<br />
o Francis falou para o Carlos com estas palavras: ‘Murtinho, se não tem ninguém, bota a sua irmã mesmo’.<br />
Topei e nunca mais saí do teatro”, relembra.<br />
Amor de teatro<br />
O talento de Rosamaria foi abrindo uma porta atrás da outra. O amigo Alfredo Souto de Almeida<br />
levou-a ao Teatro dos Sete, trupe de Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Fernando<br />
Torres e Nathália Timberg. De lá, foi convidada para excursionar por Portugal com o<br />
Teatro Maria Della Costa. Abílio Pereira de Almeida, o autor mais montado pelo<br />
Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), viu-a em cena e convidou-a para se juntar<br />
ao seu time. Por fim, Zé Celso Martinez encantou-se com a sua atuação no<br />
TBC e ela teve uma rápida passagem pelo Teatro Oficina.<br />
“Fui colega e aluna do grande Eugenio Kusnet. O Kusnet não gostava<br />
que a gente brincasse de ‘enterrar a peça’ no último dia. Consistia em fazer<br />
algumas coisas diferentes, que o público não notava: somente os colegas<br />
entendiam”, relata. “Na última cena, ele apontava o dedo para mim. Eu fiz<br />
uma tesoura com meus dois dedos e ‘cortei’ o dele. Kusnet ficou possesso.<br />
Quando a sessão acabou, o elenco todo dizia: ‘Corre, Rosinha, que ele está<br />
atrás de você’”, diverte-se.<br />
70 ESPRESSO
ESPRESSO 71
Fazendas<br />
80 ESPRESSO
Mulheres<br />
da terra,<br />
• cafeicultoras de coração •<br />
Na Fazenda Nova Esperança, no Sul de Minas, o cafezal balança<br />
com o sopro do ar e marca a história de vida de Leda Castellani<br />
e de sua filha Arabela Pereira Lima<br />
Texto Cintia Marcucci Fotografias Lucas Albin/Agência Ophelia<br />
ESPRESSO 81
Dali do alto dá para ver<br />
tudo: o cafezal, os lagos<br />
da região, a cidade ao<br />
longe. O ponto mais alto<br />
da Fazenda Nova Esperança,<br />
em Monte Santo<br />
de Minas, uma região de<br />
serra ao sul do estado,<br />
está a pouco menos de 1.200 metros de altitude em<br />
um terreno inclinado, com forte incidência de sol e<br />
vento. Quando a chuva deu uma trégua de três horas<br />
naquela sexta-feira de maio, foi possível montar na<br />
caminhonete, guiada sempre pelo cachorro Xereta,<br />
ou Shrek – como todo bom vira-lata, ele tem vários<br />
nomes –, e ver os pés de catucaí, mundo novo, catuaí<br />
vermelho (IAC 99) e amarelo (IAC 62) que salpicavam<br />
o cafezal de uma mistura de verde das folhas refrescadas pela água com o<br />
vermelho e o amarelo dos frutos maduros, quase prontos para a colheita.<br />
A história da Nova Esperança começa em 1972. A fazenda já existia antes,<br />
com o nome de Jambeirinho, mas foi ali que sua trajetória se transformou, assim<br />
como a de dona Leda Castellani, proprietária e produtora até hoje no comando da<br />
propriedade. Seu marido, Léo Pereira Lima, comprou a fazenda, mas sofreu um<br />
acidente no ano seguinte, antes de ver a primeira colheita de café. Foi então que<br />
Leda, com a ajuda de seu pai, passou a tocar o projeto que Léo começou. Afinal,<br />
era dali que ela, professora de inglês, passaria a tirar o sustento de si mesma e<br />
das duas filhas, ainda pequenas. Daí o novo nome da fazenda: a nova esperança<br />
para toda uma família.<br />
No início, a fazenda tinha granja e gado leiteiro, mas, aos poucos, o café<br />
tomou conta do pedaço. Ao todo, a propriedade tem 153 hectares, dos quais 75<br />
são de cafezais e o restante se divide em reserva legal de mata nativa e plantação<br />
de eucalipto. Mas, até chegar aí, dona Leda precisou aprender muita coisa,<br />
pesquisar e desbravar o mundo do café na unha.<br />
Buscou ajuda da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé),<br />
que tem mais de oitenta anos de história na região, e depois ganhou a<br />
companhia da filha mais nova, Arabela Pereira Lima, engenheira agrônoma formada<br />
pela Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, numa época<br />
em que apenas ela e outra amiga compunham a classe e tinham de deparar com<br />
o preconceito dos colegas e professores.<br />
Nada que a intimidasse. Hoje, Arabela é quem toca o dia a dia da fazenda.<br />
Arabela Pereira Lima<br />
aos pés da paineira<br />
que seu pai escolheu<br />
como símbolo da<br />
fazenda. É ali que<br />
ela busca refúgio<br />
sempre que precisa<br />
São oito funcionários fixos durante o ano todo, que<br />
mantêm a organização de tudo impecável, como<br />
dona Leda gosta e com a confiança de que precisa.<br />
Adriano Aparecido Alves , por exemplo, chegou à fazenda<br />
ainda criança, com a família dele, há 25 anos, e<br />
segue como braço-direito da família. “O empregado<br />
com menos tempo de casa tem quinze anos com a<br />
gente”, conta dona Leda.<br />
Produção e premiação<br />
Além do trabalho com o café verde commodity para<br />
diversos compradores, a Nova Esperança é uma<br />
das fornecedoras de grãos para a torrefação italiana<br />
illy, já pelo quinto ano consecutivo. Em 2016, o<br />
café venceu o 25 o Prêmio Ernesto Illy de Qualidade<br />
do Café para <strong>Espresso</strong> na categoria Sul de Minas,<br />
ficou em terceiro na classificação geral e a história<br />
de vida com o café contada por Leda Castellani foi<br />
considerada a melhor daquele ano. Os méritos foram<br />
divididos com todos: os funcionários também<br />
receberam bonificações pelo trabalho que ajudou a<br />
família a chegar lá.<br />
“Muita gente vê o café como uma fonte fácil de<br />
82 ESPRESSO
Somente oito<br />
funcionários tocam<br />
a fazenda durante<br />
todo o ano. “O<br />
empregado com<br />
menos tempo de<br />
casa tem quinze<br />
anos com a gente.”<br />
Leda Castellani<br />
ESPRESSO 83
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