09.08.2017 Views

Revista Dr. Plinio 202

Janeiro de 2015

Janeiro de 2015

SHOW MORE
SHOW LESS

Transforme seus PDFs em revista digital e aumente sua receita!

Otimize suas revistas digitais para SEO, use backlinks fortes e conteúdo multimídia para aumentar sua visibilidade e receita.

Publicação Mensal Ano XVIII - Nº <strong>202</strong> Janeiro de 2015<br />

Fidelidade à estrela


O Anjo das Escolas<br />

N<br />

os últimos dias de sua vida, estando hospedado<br />

em uma Cartuxa, São Tomás de<br />

Aquino fez um comentário ao “Cântico dos Cânticos”,<br />

Livro da Bíblia que canta o amor divino.<br />

Ele, que era o Anjo das Escolas, morreu ensinando<br />

a perfeição do amor de Deus a esses religiosos,<br />

almas puríssimas, todas feitas para o amor de<br />

Deus, cuja função não é tanto de meditar sobre a<br />

ciência quanto sobre a caridade, suscitadas para<br />

se separarem de tudo no mundo e viverem apenas<br />

pensando no divino amor.<br />

Que bela cena: as últimas palavras de São Tomás<br />

de Aquino engrandecendo o amor de Deus, e aqueles<br />

monges reverentes, bebendo aquelas palavras como<br />

se cada um sorvesse uma gota descida do Céu!<br />

Assim se fechou, no extremo da contemplação e<br />

do isolamento de todas as coisas do mundo, a vida<br />

desse grande Doutor da Igreja.<br />

(Extraído de conferência de 6/3/1967)<br />

Dornicke (CC 3.0)<br />

São Tomás de Aquino<br />

Museu de Arte de Lima, Peru<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XVIII - Nº <strong>202</strong> Janeiro de 2015<br />

Ano XVIII - Nº <strong>202</strong> Janeiro de 2015<br />

Fidelidade à estrela<br />

Na capa, “A visão<br />

dos Magos”<br />

Museu Estadual de<br />

Berlim, Alemanha<br />

Foto: Reprodução<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Editorial<br />

4 Fidelidade à estrela<br />

Dona Lucilia<br />

6 Bondade, doçura e<br />

respeito aveludados<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

10 Grandeza infinita<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

14 Inocência e senso do combate<br />

De Maria nunquam satis<br />

18 Mãe de Deus e dos homens<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

22 Teoria do progresso - I<br />

Calendário dos Santos<br />

26 Santos de Janeiro<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 122,00<br />

Colaborador .......... R$ 170,00<br />

Propulsor ............. R$ 395,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 620,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 17,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

Hagiografia<br />

28 Santa Genoveva<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

32 O belo e o prático - I<br />

Última página<br />

36 Ternura da Mãe de Deus<br />

3


Editorial<br />

Fidelidade à estrela<br />

Segundo uma bela tradição, baseada na exegese de algumas passagens da Escritura Sagrada 1 ,<br />

os Magos guiados pela estrela até Belém eram reis, possivelmente provenientes de pequenos<br />

e longínquos reinos.<br />

Para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> 2 , os três Reis Magos tinham como missão predispor seus respectivos reinos para a<br />

aceitação da Boa-Nova levada pelos Apóstolos ou por seus sucessores, cuja pregação encontraria receptividade<br />

da parte da população previamente preparada por seus monarcas.<br />

Para isso — dizia <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> —, o Menino-Deus deve ter tornado presente aos Reis Magos, por<br />

meio de graças místicas, algo de tudo quanto a Igreja e a Cristandade trariam de belo para a humanidade<br />

no decorrer dos séculos, com a promessa de que nas regiões por eles governadas isso se realizaria,<br />

se aqueles povos fossem fiéis.<br />

Baltasar, Gaspar e Melchior eram, por certo, almas escolhidas e muito propensas ao maravilhoso,<br />

a ponto de se deixarem conduzir por uma estrela. Por isso suas pessoas aparecem nimbadas de uma<br />

atmosfera extraordinária, irradiando esse maravilhoso para o qual devem ter preparado seus pequenos<br />

reinos.<br />

Sem dúvida, os Reis Magos foram objeto das orações de Nossa Senhora e de São José junto ao Divino<br />

Infante para o cumprimento de sua bela missão que, na opinião de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> 3 , ultrapassou os limites<br />

do tempo e do espaço, estendendo-se a toda a História.<br />

Procedentes de diversas raças, prefiguravam eles todos os povos que viriam adorar o Salvador.<br />

Por essa razão, os episódios históricos por eles vividos — a visão da estrela no Oriente; o encontro<br />

com Herodes; a insegurança deste rei iníquo e, com ele, de toda a cidade de Jerusalém; a alegria ao<br />

reavistarem a estrela; a adoração feita ao Menino, junto a Maria, sua Mãe; a oferenda de ouro, incenso<br />

e mirra; o aviso recebido, em sonho, para voltarem por outro caminho 4 — estavam envoltos<br />

em aspectos simbólicos que indicavam terem os Magos recebido de Deus uma autêntica e misteriosa<br />

delegação: representar as nações que, no futuro, se abririam à influência da Santa Igreja Católica.<br />

Delegação semelhante encontramos junto à Cruz, onde Nossa Senhora, São João e Santa Maria<br />

Madalena representavam todos os católicos que ao longo da História permaneceriam fiéis aos pés do<br />

Crucificado.<br />

Essa ideia deve dar muito alento àqueles que, nas horas difíceis da Igreja ou da Civilização Cristã,<br />

padecem incompreensões, humilhações, perseguições, e que, embora pouco numerosos, procuram<br />

representar em seus respectivos ambientes, a pureza, a ortodoxia, a intrepidez, o espírito de iniciativa,<br />

no momento em que tudo pareceria falar em recuo, em transigência, em fuga. Esses, por sua fidelidade,<br />

além de alegrar o Menino Jesus em sua pobre manjedoura ou consolar o Redentor em seus<br />

padecimentos no alto da Cruz, representam de algum modo os católicos fiéis do passado e os que o<br />

serão no futuro.<br />

Há, portanto, uma espécie de reversibilidade por cima do tempo e do espaço, por onde essas várias<br />

ações se fundem numa cena única e grandiosa.<br />

4


Adoração dos Magos<br />

Galleria degli Uffizi,<br />

Florença, Itália<br />

Peçamos aos Reis Magos que orem por nós para que tenhamos uma das muitas formas de coragem<br />

que poderão nos ser pedidas: a de estarmos sós como eles estavam no mundo pagão, à espera<br />

da estrela, isto é, da hora de Deus para cumprir com toda retidão, constância e pontualidade a vontade<br />

divina.<br />

Para eles, a hora consoladora foi aquela em que contemplaram o Divino Infante nos braços de<br />

Maria Santíssima.<br />

Também para nós chegará um momento muito preciso em que uma estrela nos dirá que a hora<br />

esperada chegou!<br />

Não será, provavelmente, uma estrela exterior, mas uma voz interior, à qual devemos estar atentos<br />

e dóceis, a fim de nos prepararmos para, nessa hora, sermos modelos de exatidão e fidelidade<br />

como os Reis Magos.<br />

1) Cf. Sl 72, 10-11; Is 60, 3.<br />

2) Cf. Conferência de 22/12/1989.<br />

3) Cf. Conferência de 5/1/1964.<br />

4) Cf. Mt 2, 1-12.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

5


Dona Lucilia<br />

Bondade,<br />

doçura e<br />

respeito<br />

aveludados<br />

Por um particular<br />

discernimento dos espíritos,<br />

Dona Lucilia compreendia<br />

o lado por onde as pessoas<br />

seriam boas e o sofrimento de<br />

cada uma, e as ajudava com<br />

muito afeto, acompanhado de<br />

uma disponibilidade prévia<br />

de perdoar.<br />

Mário Shinoda<br />

N<br />

o centro e no ápice da afetividade de mamãe,<br />

da bondade e de todo seu modo de<br />

ser, havia a devoção dela ao Sagrado Coração<br />

de Jesus e, naturalmente, a Nossa Senhora<br />

também. Muitas e muitas vezes me impressionou<br />

vê-la rezar diante da imagem do Sagrado Coração<br />

de Jesus que havia em seu oratório, e considerar a<br />

relação existente entre ela e aquela imagem.<br />

6


Transparência do divino no humano<br />

Notava-se que a alma de Dona Lucilia era ansiosa de<br />

encontrar aquele termo do afeto dela. Quer dizer, mamãe<br />

era configurada de tal maneira pela graça e por algo<br />

da natureza, que se ela não conhecesse o Sagrado Coração<br />

de Jesus, ela O procuraria. E encontrando-O, ela O<br />

identificaria como sendo aquilo que procurou. E aquilo<br />

tomaria a alma dela inteiramente, como tendo sido criada<br />

para isso. Suposto, é claro, que ela fosse sempre fiel.<br />

Assim, ela era, sob vários aspectos, o espelho do Sagrado<br />

Coração de Jesus para mim. E encontrava nela o<br />

que eu adorava n’Ele, o que estava na Igreja do Sagrado<br />

Coração de Jesus e que eu via estar na Igreja Católica.<br />

Muito cedo, graças a Nossa Senhora, meus olhos se<br />

abriram para a Santa Igreja, e com grande entusiasmo.<br />

Portanto, o elemento determinante foi a minha fé na<br />

Igreja Católica. O amor de filho tinha entrado muito, e<br />

continuou sempre, mas o determinante foi isto: a Igreja<br />

é infalível, santa, verdadeira e ensina que isso deve ser<br />

assim. Logo, a respeito de tudo quanto me leva a crer<br />

que isso é assim, tenho aquela certeza necessária pelo<br />

fato de ver na Igreja Católica.<br />

Nessa adoração a Nosso Senhor e nessa veneração<br />

a Nossa Senhora, o objeto de nossa sensibilidade, de<br />

nossa afetividade fica elevado a alguma coisa que não<br />

está fora do âmbito humano. Ele é o Homem-Deus e,<br />

na unidade de Pessoa d’Ele, possuía duas naturezas: a<br />

humana e a divina. E nós conhecemos a natureza divina,<br />

em larga medida, através da humana. De maneira<br />

que não estava desterrado do humano, como, por<br />

exemplo, se estou olhando para o Sol através de um<br />

vitral, não me encontro desterrado de dentro da catedral.<br />

Eu estou vendo o Sol através do vitral.<br />

Essa transparência do divino no humano eleva e<br />

desperta na afetividade humana possibilidades e modalidades<br />

que ela não teria se não fosse isso.<br />

De maneira que ao amar seres de uma tão alta categoria,<br />

algo de muito elevado se desperta em nós e passa<br />

a viver em nossas almas. Começamos a pedir coisas<br />

que antigamente não pedíamos antes de darmos esse<br />

passo. E, portanto, a procurar também nos outros, no<br />

convívio comum, algo do que vimos n’Ele, n’Ela e na<br />

Igreja Católica.<br />

Surge aí uma coisa sobre a qual fico incerto, indeciso,<br />

mas que mais ou menos pode apresentar-se do seguinte<br />

modo: quem viu Nosso Senhor e Nossa Senhora<br />

assim, de algum modo ganhou um discernimento<br />

dos espíritos, ao menos para certo efeito. Porque não<br />

é possível considerar o Redentor sem ser pelo sobrenatural.<br />

Transparecendo através da natureza humana, é<br />

verdade, mas é o sobrenatural que aparece. E em Maria<br />

Santíssima, analogamente, a mesma coisa.<br />

O resultado é que, na Terra, esse certo discernimento<br />

dos espíritos — ora discreto, ora saliente, conforme<br />

os desígnios da Providência, mas sempre intenso — leva<br />

certamente ao desejo de que outros com quem convivamos<br />

participem desse modo de amar a Nosso Senhor<br />

e a Nossa Senhora, para efeito de podermos ter uma sociedade.<br />

Porque não se tem uma sociedade verdadeira a<br />

não ser assim. Uma vez que se conheceu esse padrão, temos<br />

o desejo de encontrá-lo nos outros e nos pomos inconscientemente<br />

à procura; e essa procura, ao cabo de<br />

algum tempo, passa a ser consciente.<br />

Entra, então, uma distinção entre afeto e afeto, que é<br />

uma bifurcação: de um lado, procurar nos outros o que<br />

me distrai, me diverte, ou então os outros me transformarem<br />

num padrão para eles, mas não enquanto ligado<br />

Lumen sobrenatural<br />

João Dias<br />

7


Dona Lucilia<br />

Reprodução<br />

ao Padrão dos padrões, e sim enquanto um homem em<br />

quem acharam graça e de quem gostaram. Isso não torna<br />

essas pessoas apetecíveis a mim, pois conheci outro valor<br />

muito maior, não tem comparação!<br />

Outro afeto é aquele que nasce quando percebemos<br />

— mais em uns, menos em outros — o que seriam se<br />

também eles se deixassem tocar pelo mesmo amor. Então<br />

começamos a querê-los bem não pelo que são, mas<br />

pelo que poderiam ser.<br />

De maneira que, por amor a eles, mas principalmente<br />

por amor a esse lumen sobrenatural que se acende neles,<br />

suportamos qualquer coisa, com paciência. E os amamos<br />

com um amor, o qual é uma participação do amor<br />

que se tem ao foco desse lumen, que é Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, e ao canal necessário desse lumen por vontade<br />

de Deus, Nossa Senhora.<br />

Luta de amor<br />

“A tentação”, por Nikolay Shilder - Galeria Tretyakov, Moscou, Rússia<br />

Por causa disso, toda a nossa vida afetiva toma um caráter<br />

de salvação religiosa para efeito de conseguir que<br />

o outro se eleve, e nada mais do que isso. Donde o nosso<br />

convívio acaba sendo, em última análise, um contínuo<br />

convite para que o outro seja melhor.<br />

Entretanto, isso não é uma coisa impessoal. Queremos<br />

bem a determinadas pessoas por causa da possibilidade<br />

que elas têm de se assemelharem de tal maneira ao Divino<br />

Salvador. São “rascunhos” de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

que amamos na medida em que o rascunho é melhorável,<br />

adaptável e que pode chegar a um certo resultado.<br />

Pode acontecer encontrarmos uma pessoa que odeie<br />

isso. Há graus de ódio em que, embora não se possa dizer<br />

propriamente que a pessoa esteja condenada, segundo<br />

as vias normais da graça ela estaria perdida. E nela<br />

nada disso reluz. Aí nasce a incompatibilidade e a batalha<br />

inexorável — também levada por esse amor — contra<br />

quem está perdendo almas. Não só, nem principalmente,<br />

no sentido de que a pessoa está levando almas para as<br />

dores infinitas do Inferno, mas porque ela está extinguindo<br />

aquela luz na alma de outro. É uma espécie de deicídio<br />

que é feito. E esse “deicídio” leva-nos, então, à luta.<br />

E daí esta luta ser, de algum modo, dulcíssima, porque<br />

é uma luta de amor. Porque mesmo quando ataca aquele<br />

que está se diferenciando, ela tem por efeito aproximá-lo.<br />

Investe contra o mal que está nele como o médico<br />

ataca o câncer que se encontra dentro do doente. Quer<br />

dizer, é para salvar o enfermo. E, debruçado sobre o doente,<br />

perguntando: “Você não sara?!” É este o sentido<br />

do combate.<br />

O mais entranhado e generoso grau de amor<br />

Há, às vezes, almas que fazem Nossa Senhora esperar.<br />

No Purgatório terá de haver acerto de contas sobre<br />

isso, mas para efeito da salvação Ela tolera, muitas vezes,<br />

a demora dessas almas. E quer que as resgatemos, obtenhamos-lhes<br />

o perdão, esperando, também nós, por elas.<br />

E se eu espero vinte anos que alguém se emende, estou<br />

ajudando-o a conseguir a emenda.<br />

Daí nasce um afeto feito de alegria e de esperança,<br />

que contém em si um grau de amizade, de paciência, de<br />

perdão e, muito mais do que isso, um grau de intercompreensão,<br />

desde que a pessoa me compreenda também.<br />

Ela representa um aspecto de Nosso Senhor, e eu outro.<br />

É Jesus Se amando a Si próprio nos seus vários<br />

aspectos, no interior de nossas almas.<br />

Uma pessoa que chegasse a amar os vários<br />

aspectos de si própria, refletidos em seres distintos,<br />

possuiria o grau mais entranhado e mais<br />

generoso de amor que há. Por exemplo, um<br />

pai que tem muitos filhos: ele se sente retratado<br />

por cada um deles em sua personalidade,<br />

de algum modo. Vendo-os em torno da mesa,<br />

comendo com ele, ele tem um amor a esses filhos<br />

que não pode ser descrito adequadamente<br />

nos graus diversos, pela linguagem comum.<br />

Eu nem sei se a linguagem sabe descrever isso.<br />

Porque as expressões muito legítimas, muito<br />

boas, no fundo não querem dizer isto inteiramente.<br />

E quando não está dito isto inteiramente,<br />

não está dito quase nada.<br />

Por exemplo, “meus filhos queridos” é uma<br />

expressão boa. Mas pode designar tanta outra<br />

coisa inferior a isso de que estamos falando!<br />

8


Reprodução<br />

Um Natal em família - Museu Metropolitano<br />

de Arte, Nova Iorque, EUA<br />

Então, só mesmo formas de convívio de alma que se cifram<br />

nos imponderáveis, mas que são o mais real da vida,<br />

exprimem isso.<br />

Tenho pena das pessoas que não têm isso dentro da<br />

alma porque esta é um deserto na vida, uma tristeza,<br />

uma axiologia quebrada, da qual nem sei o que dizer. E<br />

que deve constituir horas de furor, de depressão, de suscetibilidades,<br />

enfim, equívocos e erros de todo tamanho,<br />

e que tiram o sossego da alma completamente.<br />

Discernimento dos espíritos<br />

já de antemão acompanhado do perdão eventualmente<br />

necessário e ao longo de um caminho por onde não se<br />

sabe até onde ia.<br />

Por detrás disso havia qualquer coisa de aveludado na<br />

alma dela; uma bondade e uma doçura aveludadas. Ao<br />

menos era minha impressão.<br />

Então, uma pergunta qualquer: “Você quer água, meu<br />

filho?” Conforme a ocasião em que fosse dita, poderia<br />

trazer isso. E o timbre, a inflexão de voz, a impostação<br />

do olhar, a maneira do trato, etc., tinha isso às grosas.<br />

Acompanhado de uma coisa curiosa que é o seguinte:<br />

um respeito por todo mundo. Qualquer um que retamente<br />

quisesse olhá-la e analisá-la, se sentiria respeitado.<br />

Eu nunca a vi faltar com o respeito à criatura mais insignificante<br />

como à mais extraordinária.<br />

Era, também, por sua vez, um respeito afetuoso, um<br />

respeito aveludado, que implicava num contentamento<br />

em que o outro tivesse tal coisa para se respeitar. A alegria<br />

de respeitar, de homenagear, ou de ter compaixão<br />

porque o outro não tinha nada, não era nada, tudo isso tinha<br />

uma espécie de “veludo” especial na alma dela<br />

que eu não encontro outra expressão para designar,<br />

e que a tornava imensamente atraente<br />

para mim.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 30/4/1987)<br />

Mamãe teve muitas decepções. E esperou até o fim da<br />

vida dela, mas sempre com paz, porque estava presente<br />

essa noção religiosa por detrás.<br />

O que havia de característico no afeto de Dona Lucilia<br />

era algo de nativo, de superacrescentado pela graça<br />

e modelado pela vida. No trato com as pessoas, ela<br />

manifestava uma compreensão muito profunda daquele<br />

com quem ela tratava. Era um discernimento dos espíritos<br />

pelo qual ela compreendia perfeitamente o<br />

lado por onde a pessoa seria boa, e amava muito.<br />

Depois, de outro lado, ela compreendia muito<br />

o por onde a pessoa sofria. Ainda que não parecesse<br />

uma pessoa sofredora, esse conhecimento<br />

do sofrimento dos outros era muito profundo<br />

nela, com um reservatório indefinido de disposições<br />

de alma aplicadas a cada sofrimento. E<br />

João Dias<br />

9


Sagrado Coração de Jesus<br />

Grandeza infinita<br />

Ao adorar o Homem-Deus, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> buscava explicitar<br />

o cume de suas perfeições infinitas, cujos maravilhosos<br />

aspectos, aparentemente antagônicos — compaixão, cólera,<br />

serenidade, seriedade, perdão, gáudio, tristeza — deveriam<br />

enfeixar-se em um ponto supremo.<br />

Durante toda a vida, na contemplação de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, o ponto mais alto da minha<br />

admiração é considerar como Ele é perfeitíssimo<br />

debaixo de todos os pontos de vista. E procurar na personalidade<br />

d’Ele o ponto supremo, no qual todas as virtudes<br />

convergem para uma que é um sol de todas as outras.<br />

Poulos (CC 3.0)<br />

Catedral de León, Espanha<br />

10<br />

Ronn (CC 3.0)


Píncaro de toda<br />

a Criação<br />

Como é esse ponto?<br />

Se pudéssemos<br />

ver isso n’Ele, como<br />

O consideraríamos?<br />

Imaginem uma<br />

catedral composta<br />

de numerosas ogivas<br />

que se sucedem<br />

umas às outras, desde<br />

a porta principal<br />

até o presbitério, e<br />

— existe isso em certas<br />

catedrais — há<br />

uma ogiva mais alta<br />

que abarca todas<br />

as outras. Qual é, em<br />

Nosso Senhor, essa<br />

ogiva suprema?<br />

Gosto de figurar<br />

que é uma grandeza<br />

a qual contém todos<br />

os abismos de perfeição d’Ele. Por exemplo, analisando<br />

toda a Criação, considerar aquilo que podemos<br />

chamar o ponto alfa de todo o criado, o ponto mais alto<br />

que, em última análise, é Ele mesmo, porque é o Homem-Deus.<br />

Enquanto Deus, Ele está infinitamente acima<br />

dos seres criados, mas enquanto Homem é o píncaro<br />

de toda a Criação.<br />

Outro aspecto: uma seriedade infinita, olhando todas<br />

as coisas pelos seus mais altos e mais profundos aspectos,<br />

pela ordenação que as coisas têm entre si, e amando-as<br />

enquanto tais, porque são e devem ser assim.<br />

Depois, uma serenidade insondável, que absolutamente<br />

não é indiferença para com os outros. Pelo contrário,<br />

um amor a cada ser, sobretudo às criaturas humanas,<br />

um amor transcendente do qual não podemos nem<br />

ter uma ideia!<br />

Se o olhar d’Ele pousasse sobre uma multidão com<br />

dez milhões de pessoas, e nós pudéssemos acompanhar<br />

esse olhar enquanto incidindo sobre uma delas, ficaríamos<br />

conhecendo como ela é, como é o amor d’Ele para<br />

com ela, qual o gáudio que Ele tem se essa pessoa for<br />

fiel, e a tristeza se for infiel. Que amor, que alegria e que<br />

tristeza!<br />

É um olhar cheio de serenidade e de seriedade, compreendendo<br />

o que vale cada criatura humana, disposto<br />

a fazer-lhe todo o bem possível, e amando-a totalmente.<br />

De maneira que essa pessoa, se salvando, é para Nosso<br />

Senhor um estremecimento de alegria.<br />

Pórtico do Juízo Final - Cadedral Notre-Dame de Paris, França<br />

Mas se ela se perde, é uma iracúndia sublime! As<br />

tempestades do mar mais terríveis não são senão brincadeira<br />

em comparação com isso. E quando Ele expulsa<br />

alguém para o Inferno, então ficamos pasmos do<br />

horror que Jesus tem àquela criatura que até o fim não<br />

quis atender o chamado d’Ele, e que por causa disso se<br />

precipita no Inferno. Não podemos ter ideia do que é a<br />

cólera se não pensamos na cólera divina de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo.<br />

Grandeza fulgurante de Nosso Senhor<br />

Ao mesmo tempo em que n’Ele existe esse amor e essa<br />

cólera, há uma compaixão enorme, porque Nosso Senhor<br />

sabe perfeitamente que todos nós, homens, fomos<br />

postos nesta vida para sofrer, somos filhos de Adão e Eva<br />

e, portanto, herdamos o pecado original, temos defeitos<br />

e estamos na Terra para purgá-los e expiá-los, sermos fiéis<br />

e irmos para o Céu.<br />

Jesus manda as provações, as dificuldades, as tormentas,<br />

e Ele mesmo prepara para nós a solução, arranja um<br />

jeito de, suportando-as e vencendo-as, acabarmos sendo<br />

fiéis.<br />

Considerar que tudo isso em relação a todos os homens,<br />

desde o primeiro até ao último, cabe naquela mente<br />

e naquele Coração, nos dá uma ideia da grandeza<br />

d’Ele. Perto da qual, o que adianta dizer que fulano é<br />

um grande homem? Ninguém é grande, todo o mundo é<br />

Sérgio Hollmann<br />

11


Sagrado Coração de Jesus<br />

pequeno, insignificante diante da grandeza fulgurante de<br />

Nosso Senhor.<br />

A consolação d’Ele quando via — porque conhecia<br />

o futuro — os cruzados montarem a cavalo e irem até<br />

a Terra Santa para libertar Jerusalém! Que alegria! Ele<br />

via São Fernando tomar Sevilha, e pouco depois Isabel<br />

e Fernando conquistarem Granada, e o reino maometano<br />

acabar. Nosso Senhor exultou de alegria pensando no<br />

grande São Fernando, que vingaria a glória d’Ele. Tudo<br />

isso são grandezas fulgurantes.<br />

Mas, ao mesmo tempo, lembrando o bom pastor que<br />

tem pena de sua ovelha, tira-a do carrascal, leva-a sobre<br />

os ombros e a cura. E o pai do filho pródigo que perdoa,<br />

etc. Há uma pluralidade tão grande de aspectos, que ficamos<br />

sem ter o que dizer.<br />

Eis a grandeza, a majestade de Nosso Senhor, fazendo<br />

com que queiramos muito a invocação que está na Ladainha<br />

do Coração de Jesus: Coração de Jesus, de majestade<br />

infinita, tende compaixão de nós!<br />

Majestade do abandono<br />

Este é também o divino equilíbrio que há no Coração<br />

de Jesus. Por exemplo, a serenidade, a calma e a visão geral<br />

das coisas que Ele conservou durante sua Paixão.<br />

A agonia no Horto é uma perfeição de equilíbrio e de<br />

majestade. Ali Nosso Senhor entra diretamente em colóquio<br />

com o Padre Eterno e tratando de todos os destinos<br />

do mundo, vertendo gotas de seu Sangue. E, depois, a<br />

majestade do abandono! Quer dizer, tão grande que nenhum<br />

homem conseguiu ficar junto d’Ele.<br />

Portanto, a soledade, a tristeza, mas tudo tão equilibrado,<br />

tão extraordinário, que se a pessoa tomasse o<br />

trabalho de raciocinar um pouco sobre isso, sairia mais<br />

equilibrada e menos nervosa.<br />

Uma pessoa que conhecesse o grande São Fernando<br />

— o qual conquistou terras sem conta aos mouros e<br />

que, de fato, foi quem os expulsou da Espanha — e tratasse<br />

com ele, seria impossível falar com o Santo sem ter<br />

diante dos olhos continuamente a ideia: esse expulsou os<br />

mouros. E na hora em que ele pedisse água para beber,<br />

talvez se pusesse de joelhos por causa dessa ideia, indissociável<br />

da noção da mouraria enxotada da Espanha, e<br />

da coragem do grande São Fernando.<br />

Ao menos eu não saberia olhar para ele sem ter isso<br />

em mente.<br />

Assim também, se eu conhecesse São Tomás de Aquino<br />

— o Doutor que é como um sol da Igreja Católica —,<br />

como me seria possível vê-lo passar por uma estrada, ainda<br />

que distante, montado a cavalo e meditando sobre um<br />

Nosso Senhor<br />

exultou de alegria<br />

pensando no grande<br />

São Fernando,<br />

que vingaria a glória<br />

d’Ele. Tudo isso<br />

são grandezas<br />

fulgurantes.<br />

Enrique Cordero (CC 3.0)<br />

São Fernando III recebe<br />

os embaixadores do<br />

Rei Mohamad<br />

Real Academia de Belas<br />

Artes, Madri, Espanha<br />

12


ponto de Filosofia, e não imaginar<br />

que dentro daquela cabeça estava<br />

nascendo um sol? Sol<br />

de inteligência, de sabedoria,<br />

de santidade. E<br />

o que vale mais do<br />

que tudo é a santidade,<br />

evidentemente.<br />

Antegozo<br />

do Céu<br />

Diante de Nossa Senhora<br />

também pensaríamos<br />

tudo isto, mas com uma<br />

particularidade.<br />

Imaginar, por exemplo, Nossa Senhora,<br />

que foi virgem antes, durante e O sonho de São José<br />

depois do parto. Durante o nascimento Museu de Artes de Lima, Peru<br />

de Nosso Senhor Ela se conservou virgem;<br />

como esse mistério se deu?!<br />

Outro episódio da vida de Maria Santíssima: quando<br />

Ela notou a perplexidade de São José, viu seu esposo passar<br />

por aquele sofrimento sem nome, e percebeu a santidade<br />

dele que não duvidou d’Ela em nenhum momento.<br />

O demônio com certeza queria que ele duvidasse de Nossa<br />

Senhora; São José não duvidou em nenhum instante,<br />

mas resolveu retirar-se. E a tristeza com que ele se acomodou<br />

sobre a cama para dormir, antes de partir pela estrada<br />

para o desconhecido, porque era o homem que estava<br />

colocado na maior perplexidade que houve na História.<br />

Quem sabe se Ela o olhou dormindo em paz, mas afogado<br />

na dor? E se Ela de repente notou — quando já era<br />

quase madrugada, perto da hora de ele se levantar e partir,<br />

no último sonho noturno — a fisionomia de São José<br />

se iluminar como um sol, e percebeu que na última hora<br />

Deus teve pena dele e revelou-lhe o que havia?<br />

Ele no sonho viu o Anjo, não acordou logo, mas pouco<br />

depois um vulcão de alegria estourou dentro dele.<br />

São José ficou junto à porta do quarto de Nossa Senhora<br />

prostrado, à espera do momento em que Ela saísse, osculou<br />

o chão e os pés d’Ela, e a Virgem Santíssima entendeu<br />

tudo e nunca falaram sobre nada. É uma coisa<br />

para lá de sublime!<br />

Conversar sobre temas desses é antegozar o Céu.<br />

Imaginem a hora em que cheguemos ao Paraíso e vejamos,<br />

de repente, São José com aquele bastão e aqueles<br />

lírios, cercado de uma coorte intérmina de Anjos, mas<br />

com uma alegria enorme no olhar porque estava vendo<br />

São José - Museu de<br />

Artes de Lima, Peru<br />

Gustavo Kralj<br />

Nossa Senhora a pouca distância<br />

dele. E um pouco mais adiante<br />

Nosso Senhor, que sem<br />

ser filho dele segundo a<br />

carne, mas sim segundo<br />

a lei, sorriu para<br />

ele e disse: “Meu<br />

pai!”<br />

Só de vermos essa<br />

cena teríamos<br />

uma felicidade própria<br />

para encher a<br />

eternidade.<br />

Tenho a impressão de<br />

que, diante de Nosso Senhor<br />

e de Nossa Senhora, o tema<br />

é tão grande que a graça penetraria<br />

em torrentes dentro de nós para,<br />

por assim dizer, pensar em nós e por<br />

nós a respeito desses temas, porque<br />

não somos dignos, nem estamos à altura de cogitar convenientemente<br />

sobre isso.<br />

v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 12/1/1992 e 31/1/1993)<br />

Gustavo Kralj<br />

13


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Inocência e senso<br />

do combate<br />

Com base na experiência pessoal e na observação da<br />

realidade, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> descreve e analisa as relações<br />

existentes entre o instinto de sociabilidade, o senso<br />

da alteridade, a solidão, o subjetivismo e suas<br />

implicações na preservação da inocência.<br />

A<br />

sociabilidade se desenvolve perfeitamente, como<br />

tudo o que existe, na medida em que haja boas<br />

condições de vida em sociedade. Então o instinto<br />

de sociabilidade tem elementos para se exercer. Naturalmente,<br />

quando existe apenas o que lhe é oposto e não<br />

o que lhe é propício, esse instinto se atrofia e se desvia.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Família de Giovanni Vincenzo Imperiale - Museu do Palazzo Bianco, Gênova, Itália<br />

14


Senso da alteridade<br />

Ao longo do processo revolucionário, o instinto de sociabilidade<br />

padeceu de um desvio profundo, que a meu ver<br />

provém de uma deformação, uma deturpação progressiva<br />

da ideia da alteridade. Na normalidade, as alteridades estão<br />

postas de um modo sadio, reto, por assim dizer espontâneo,<br />

apesar dos defeitos que o pecado original coloca em tudo.<br />

Um caçador no Tirol ou um cantador de trovas baianas<br />

não se põe o problema sobre se ele é um indivíduo<br />

distinto em relação a outro. Quer dizer, tudo se coloca<br />

para ele espontaneamente direito, assim como diante de<br />

um homem com a vista correta todos os objetos se apresentam<br />

normais, e não se põem problemas oftalmológicos.<br />

O homem com vistas boas acha aquilo espontâneo:<br />

abriu os olhos e viu, está acabado.<br />

Assim é a alteridade em relação ao instinto de sociabilidade.<br />

Antigamente esse instinto era enormemente favorecido<br />

pela existência das sociedades intermediárias, entre o<br />

indivíduo e a sociedade geral, de maneira que a pessoa<br />

tinha uma sucessão de distâncias variadas em torno de<br />

si. Muito próxima, a família pujante, numerosa, com um<br />

mundo de filhos, com parentela; o que não se dava só<br />

nas casas nobres ou burguesas, mas no povinho também.<br />

Então, o homem tinha aquele ambiente que o cercava e<br />

constituía uma atmosfera para ele. Quando a família é<br />

numerosa, ela forma uma sociedadezinha de um grande<br />

empuxe e de uma grande vitalidade.<br />

O indivíduo tem perto de si um bando de irmãs e irmãos<br />

que são, ao mesmo tempo, quase ele mesmo olhando<br />

para si próprio, mas já não são ele mesmo. De maneira<br />

que, de um lado, entre ele e cada irmão há um abismo<br />

e, de outro, como que — sublinho a expressão “como<br />

que” — não há alteridade.<br />

Segue-se o círculo da parentela no qual esse fenômeno<br />

se dilui, mas ainda existe. Depois, também compondo<br />

isso, círculos de pessoas agregadas à família que não<br />

são apenas os amigos desses ou daqueles familiares, mas<br />

da família inteira, fazendo no âmbito familiar mais ou<br />

menos o papel do estrangeiro residente e semiadaptado<br />

num país: ele enriquece o país pela sua presença e se enriquece<br />

com o que o país lhe proporciona. Não são, portanto,<br />

indivíduos desgarrados, mas membros daquele clã.<br />

O senso da alteridade é convidado, assim, a dar sucessivos<br />

passos e se torna robusto, porque está apoiado nessas<br />

distâncias que separam o homem dos vários círculos<br />

em meio aos quais ele vive.<br />

Senso da realidade objetiva<br />

Ligado a este senso harmonioso e bem construído<br />

da alteridade, existe outro: o senso da realidade objetiva,<br />

externa ao sujeito. Isto é, a noção clara e verdadeira<br />

da existência do mundo externo com todas as gamas intermediárias<br />

que o compõem, desde o prosaico até o admirável,<br />

compreendendo que a realidade é esta e que só<br />

pensamos e agimos adequadamente em função da verdade.<br />

São os corolários da inocência.<br />

Contudo, a inocência faz o homem desejar uma vida<br />

que vai muito além dessa realidade que ele, ao mesmo<br />

tempo, ama e sente-se exilado dentro dela. E quanto<br />

mais ele percebe que ama, mas não cabe dentro da<br />

realidade, tanto mais sente sua superioridade em relação<br />

àqueles que estão inteiramente satisfeitos dentro do<br />

mundo. Então o indivíduo chega à conclusão de que a<br />

nota distintiva de seu talento e de sua superioridade é essa<br />

inconformidade com a realidade.<br />

No primeiro voo, ele procura algumas coisas da realidade<br />

que lhe parecem mais belas, e logo depois começa a<br />

imaginar uma realidade na qual só exista o mais belo. E<br />

sem negar filosoficamente a realidade, é levado a optar<br />

por uma de duas vias.<br />

Uma é a do simbolismo e da Fé, que conduz ao metafísico<br />

e ao sobrenatural. Esta via satisfaz inteiramente<br />

os anelos da inocência e permite-lhe — pela esperança<br />

e pela interpretação, seleção e ordenação da realidade,<br />

Gustavo Kralj<br />

“Retrato de uma criança” - Museu<br />

Metropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA<br />

15


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

compondo, assim, objetivamente uma realidade que não<br />

existe — voar mais alto e satisfazer o que tem de mais<br />

nobre. Este é o caminho acertado pedido pela inocência.<br />

A alma chegaria, assim, a Deus por meio de vários graus,<br />

dos quais alguns já não são os seres existentes, mas os que<br />

poderiam existir. Isso não constitui uma negação da realidade,<br />

mas uma complementação do real com algo de criativo.<br />

Não é uma revolta contra a realidade, mas alimenta as nossas<br />

esperanças de chegar à realidade que nos aguarda do<br />

outro lado do rio da morte, e para a qual tendemos.<br />

Desejo de ser adorado<br />

A outra via pela qual o homem é convidado a optar está<br />

ligada ao problema da solidão e do subjetivismo.<br />

Tomemos, por exemplo, um rapaz, filho único, obrigado<br />

a conviver em ambientes onde ele não se encaixa,<br />

a não ser com muita dificuldade. Ele tem<br />

a necessidade de, em certas horas, imaginar<br />

um ambiente que não existe, sob pena de não<br />

aguentar. Ele não se pergunta se imaginar algo<br />

irrealizável é legítimo, mas apenas constata<br />

que é necessário.<br />

Diante de uma ordem natural tão avessa a<br />

ele, sente-se no direito de fabricar outra imaginária<br />

na qual ele caiba. Não conseguindo construir<br />

uma circunstância extrínseca inteiramente<br />

como ele quer, e tendo uma necessidade premente<br />

de viver nisso que não lhe foi dado como<br />

seu hábitat próprio, o rapaz fica diante de um<br />

dilema: ou imagina ou perece. E acaba por embarcar<br />

no irreal e adultera o senso da realidade.<br />

A partir daí, abrem-se novamente diante dele<br />

dois caminhos:<br />

Não se resigna com a solidão e procura realizar<br />

o sonho, jogando-se nas aventuras amorosas<br />

ou financeiras. Neste caminho, ele despreza<br />

o subjetivo e pensa ter-se lançado numa realidade<br />

objetiva. De fato, pelo contrário, procurou<br />

transformar a realidade, forçá-la, violentá-<br />

-la para ser conforme a um sonho irreal que estava<br />

em sua cabeça.<br />

Às vezes dá num tipo de pessoa a qual, vendo<br />

que essas tendências poderiam nascer nela,<br />

esmaga-as com horror, se trivializa e fica uma<br />

espécie de positivista. Em nossos dias, a evasão<br />

mais cômoda para isso é dentro da mecânica.<br />

Tenho a impressão de que muita mania de lavar<br />

e conservar automóvel corresponde a uma<br />

evasão para esse terreno.<br />

O outro caminho é a pura interiorização.<br />

O sujeito sonha com uma felicidade que, na<br />

maioria das vezes, não seria conquistada por glórias em<br />

face de outros, mas tendo um tipo humano que ele gostaria<br />

de possuir e, como tal, compreendido e adorado.<br />

Desponsório entre o sonho e a realidade<br />

Encontramos um modelo da posição equilibrada, verdadeira,<br />

em Carlos Magno. Ele concebeu um alto ideal,<br />

batalhou como uma fera para realizá-lo, recrutou quem<br />

O inocente é um homem<br />

tão feliz quanto se pode ser<br />

nesta Terra; e é infeliz porque<br />

está num vale de lágrimas.<br />

Estátua de Carlos Magno - Aachen, Alemanha<br />

AndreasToerl (CC 3.0)<br />

16


com ele lutasse para concretizá-lo, caminhou até o fim<br />

fiel a esse ideal, e morreu deixando-o realizado.<br />

Já na concepção do ideal, o futuro está delineado. Haverá<br />

dificuldades, tentações, acontecerá de tudo, mas ele<br />

anda. E se ao invés de ele viver o quanto viveu, durasse<br />

duzentos anos e morresse, portanto, cento e tantos anos<br />

depois, tudo quanto ele tivesse<br />

inicialmente na cabeça se<br />

apresentaria continuamente<br />

como tendo frutificado, desenvolvido<br />

e aprimorado. O<br />

sonho estaria sempre a jardas<br />

além da realidade obtida.<br />

Havia uma espécie de desponsório<br />

entre o sonho e a realidade.<br />

Ele sonhava o realizável<br />

e realizava o que sonhou.<br />

Formar o homem assim é<br />

tirá-lo do pantanal do positivismo<br />

e da mera imaginação,<br />

do divórcio com a realidade.<br />

Não se trata de um mundo<br />

dos sonhos, mas do mundo<br />

visto aos olhos da inocência<br />

e da Fé. Este seria o sonho<br />

da alma inocente.<br />

Por exemplo, Santa Mônica<br />

com Santo Agostinho. Ela<br />

queria converter o filho, mas<br />

tudo me leva a supor que Santa<br />

Mônica possuía uma ideia<br />

de quem seria o filho dela.<br />

Daí aquele pranto antes e<br />

aquela alegria depois da conversão. Ela sabia que a missão<br />

dela não era derrotar hereges. Santa Mônica precisava<br />

ter Santo Agostinho, depois este faria o caminho para<br />

o qual ela era cabeça de ponte.<br />

O sonho do inocente coloca o homem diante da verdade<br />

total. Seria mais ou menos como um indivíduo que<br />

estivesse em cima de uma pedra sobre a qual bate um<br />

raio de luz, e compreendesse o que aquele granito comum<br />

tem de sólido. Entretanto, compreende também<br />

que ele não pode viver indefinidamente sobre aquele<br />

granito, mas deve se elevar naquele raio de luz.<br />

Inocência e felicidade<br />

Um positivista negaria a condutibilidade daquele raio<br />

de luz, e diria: “Quem entra nesse raio de luz? Tu, inocente,<br />

com teus sonhos afundarás!”<br />

O inocente não sabe o que responder, mas continua<br />

a andar, porque ele é levado pelo princípio axiológico<br />

São Luís Gonzaga<br />

que lhe diz: “Enquanto fores inocente, anda, porque os<br />

Anjos te ajudam!” Então ele tenta devagar, temperantemente.<br />

Aí a solidão, de um problema passa a ser para ele uma<br />

bênção, um calvário no qual ele sente forças para subir<br />

mais e mais pelo raio de luz.<br />

Quando o indivíduo peca<br />

em algo contra a inocência,<br />

duvida dela porque ela desafia<br />

demais o senso dos demais,<br />

e isso o deixa inseguro.<br />

Dou muita importância a isso:<br />

há um determinado momento<br />

em que o inocente é tentado<br />

a duvidar de sua inocência,<br />

pensando que ela é o pior dos<br />

sonhos porque — imagina ele<br />

— quanto mais virtuoso, tanto<br />

mais quimérico.<br />

Para manter-se inocente, a<br />

pessoa precisa ter muito senso<br />

do combate, muita honestidade.<br />

Se ele mantém essa batalha<br />

da inocência, internamente é<br />

um homem feliz? A resposta<br />

é: sim e não. Ele é um homem<br />

tão feliz quanto se pode ser<br />

nesta Terra; e é infeliz porque<br />

Shakko (CC 3.0)<br />

está num vale de lágrimas.<br />

Se a felicidade está em não<br />

sofrer nada, então ele não é<br />

feliz. Se a felicidade é ter gáudios<br />

sérios, sólidos, verdadeiros, substanciosos, embora<br />

com sofrimentos, ele então é um homem feliz. Depende<br />

da tônica que ele ponha na questão.<br />

Ele precisa quase que diariamente voltar a esse ponto,<br />

pensar nisso para não ceder, de tal maneira o mundo<br />

mente dizendo que felizes são os que vivem no pecado, e<br />

o inocente é o errado, o torto, o infeliz.<br />

Diante das pessoas entregues ao pecado, o inocente<br />

se sente completamente recusável e recusado, mais<br />

ou menos como alguém que tivesse nascido com a cabeça<br />

virada para trás se sentiria diante do comum dos<br />

homens.<br />

Aí muitos fraquejam! É a batalha neste vale de lágrimas.<br />

A Igreja é militante, e para isso existe a piedade, os<br />

sacramentos, etc. O inocente, no fundo, é um homem<br />

mais feliz do que todos os outros.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 4/1/1984)<br />

17


De Maria nunquam satis<br />

Mãe de<br />

Deus e<br />

dos homens<br />

Pináculo de tudo quanto<br />

possa haver de meramente<br />

criado, Nossa Senhora é a<br />

Rainha do Céu e da Terra,<br />

dos Anjos e dos homens,<br />

Medianeira universal de<br />

todas as graças. Esses títulos<br />

e as inúmeras invocações<br />

que existem ou existirão até<br />

o fim do mundo para cultuar<br />

Maria Santíssima são uma<br />

decorrência da Maternidade<br />

Divina.<br />

Aimportância, para a piedade católica,<br />

da Festa da Maternidade Divina da<br />

Bem-aventurada Virgem Maria está em<br />

que todas as graças extraordinárias que Nossa<br />

Senhora recebeu — e que fizeram d’Ela uma<br />

criatura única em todo o universo e na economia<br />

da salvação —, têm como ponto de partida<br />

e razão de ser o fato de Ela ser Mãe de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo e, portanto, Mãe de Deus.<br />

18<br />

Nossa Senhora do Sagrado Coração<br />

Igreja de Santa Maria, Ontário, Canadá<br />

Gustavo Krajl


Como os pequenos orifícios<br />

existentes nas areias das praias...<br />

A propósito desse tema, é interessante<br />

ressaltar o modo pelo qual se estabelece a<br />

hierarquia na obra de Deus, como todas as<br />

coisas feitas por Ele são matizadas, e como<br />

isso é contrarrevolucionário.<br />

O espírito revolucionário é a favor das<br />

simplificações. Pelo contrário, o espírito<br />

contrarrevolucionário ama o matiz, e quando<br />

vê uma coisa meio difícil de compreender<br />

e até meio antitética, ama aquilo porque compreende<br />

que naquela aparente antítese há, no<br />

fundo, uma verdade muito bonita que acabará<br />

por encontrar. É uma realidade que, desde<br />

pequeno, habituei-me a ver na Igreja.<br />

Tive uma surpresa quando comecei<br />

a ver coisas aparentemente<br />

esquisitas na Igreja, e eu ficava<br />

meio enovelado com aquilo,<br />

mas depois aprofundava a análise<br />

do assunto e percebia que<br />

quanto mais esquisito, tanto<br />

mais bonita era sua explicação.<br />

Habituei-me, assim, à ideia de<br />

que toda objeção que se pode fazer à<br />

Igreja é como aqueles furinhos que há na<br />

praia. Vê-se um furinho insignificante do qual estão<br />

saindo borbulhazinhas. Mete-se o dedo ali, e de dentro<br />

sai um caramujo.<br />

Assim também na Igreja: tudo quanto se nos afigura<br />

como esquisito, meio incompreensível, antitético, contraditório,<br />

desde que saibamos buscar e esperar a explicação,<br />

quando de fato Nossa Senhora nos der a entender<br />

aquilo, ali encontraremos uma pérola, uma verdadeira<br />

maravilha.<br />

É próprio da Igreja que, numa coisa eriçada de contradições,<br />

se encontre sempre uma harmonia profunda<br />

resultante de uma verdade.<br />

Mergatroid (CC 3.0)<br />

A união hipostática foi feita com uma<br />

criatura humana e não angélica<br />

Para um espírito cartesiano, o que pode parecer mais<br />

absurdo do que a figura da Mãe de Deus?<br />

Pensemos em um indivíduo a quem nunca se expôs a<br />

Doutrina Católica e que toma conhecimento de que a<br />

Igreja, ao mesmo tempo em que ensina ser Deus eterno<br />

e puro espírito, afirma que Ele tem uma Mãe. Como<br />

é possível um ente espiritual ter essa Mãe material e carnal<br />

que, sendo temporal, gera um Ser eterno?<br />

São contradições que, para<br />

um espírito protestante,<br />

correspondem a um verdadeiro<br />

absurdo. Ora, tratando-<br />

-se da Santa Igreja Católica, nunca<br />

há absurdo. Existe, isto sim, uma harmonia<br />

profundíssima e superior presa a um<br />

princípio extraordinário. A questão está em esperar para<br />

compreender.<br />

Consideremos que Deus eterno, perfeito, criou os anjos<br />

e, abaixo deles, os homens. Contudo, Ele não estabeleceu<br />

com um anjo a união hipostática, e sim com a natureza<br />

humana.<br />

Também isso pareceria uma contradição: a superior<br />

dignidade dos anjos pediria que a união hipostática fosse<br />

feita com eles e, principalmente, com o mais alto, o melhor<br />

dentre eles. Ora, Deus estabelece a união hipostática<br />

com uma natureza inferior à angélica, e opera uma<br />

maravilha maior do que se a estabelecesse com o maior<br />

dos anjos.<br />

Porque feita a união hipostática com um anjo,<br />

Deus dignificaria somente a natureza espiritual. Porém,<br />

ao realizá-la com uma criatura humana, Ele dignifica<br />

os anjos — porque o homem, enquanto tendo<br />

alma, é participante da dignidade espiritual dos anjos<br />

— bem como todo o reino material, pois o ser humano<br />

é também composto de matéria. Portanto, é todo<br />

o cosmo que se dignifica com essa aparente incongruência<br />

de Deus Se unir hipostaticamente a uma natureza<br />

inferior.<br />

Adityamadhav83 (CC 3.0)<br />

19


De Maria nunquam satis<br />

Michael Hurst (CC 3.0)<br />

“O caminho da salvação” - Igreja de Santa Maria Novella, Florença, Itália<br />

Um desequilíbrio na consideração<br />

da maternidade divina<br />

Decorre daí uma disposição hierárquica admirável,<br />

toda ela matizada também. No ápice, Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, Homem-Deus. Depois, uma criatura humana<br />

que é o pináculo de tudo quanto pode existir de meramente<br />

criado: Maria Santíssima.<br />

Ela, como Mãe de Deus, está posta como Rainha do<br />

Céu e da Terra, dos Anjos e dos homens, investida de<br />

todas as outras qualidades, graças e títulos, inclusive de<br />

Medianeira Universal de todas as graças, por causa de<br />

sua Maternidade Divina.<br />

Assim, essa festa atrai a nossa atenção e a nossa piedade<br />

sobre aquilo que, de algum modo, é a própria raiz<br />

da devoção mariana: a Maternidade Divina de Nossa Senhora.<br />

Isso é tão verdadeiro, tão ortodoxo! Entretanto, vejamos<br />

onde pode entrar um desequilíbrio na consideração<br />

dessa verdade.<br />

Há uns vinte anos, eu quis fundar uma congregação<br />

mariana em um bairro de São Paulo e convidei para isso<br />

algumas pessoas conhecidas naquele lugar, sem saber já<br />

estarem elas influenciadas por certas tendências contrárias<br />

à sã doutrina.<br />

Depois de confabularem entre si, uma delas me disse:<br />

— A Congregação se chamará “Nossa Senhora Mãe<br />

de Deus”.<br />

Título doutrinariamente irrepreensível, mas pouco<br />

usual naquela época. Então lhe indaguei:<br />

— Mas por que você escolheu esse título que é pouco<br />

usual?<br />

Resposta:<br />

— Porque, afinal, só o que importa em Nossa Senhora<br />

é ser Mãe de Deus. Todo o resto não é nada.<br />

Aqui já entra o desequilíbrio. É o mesmo que dizer: na<br />

árvore só o que importa é o tronco. A galharia, as folhas,<br />

as flores, os frutos, nada disso tem importância. Aceitar<br />

a doutrina da Maternidade Divina de Maria, procurando<br />

despojá-la de toda essa maravilhosa complexidade e dessa<br />

variedade de títulos que dela deflui, para ficar só com<br />

o tronco, já é, por si mesma, uma posição errada. Nota-se<br />

nisso o bafo do espírito simplificador, protestante, sob o<br />

pretexto de ir às raízes, rejeitando o restante da galharia.<br />

O espírito católico, ao contrário, leva-nos a venerar imensamente<br />

esse principal título de Nossa Senhora, respeitan-<br />

20


do-o como ele merece ser respeitado, mas sequiosos de tirar<br />

dele todas as suas consequências. Portanto, tendo o espírito<br />

aberto e voltado para as mil invocações que existem e se criarão,<br />

até o fim do mundo, para cultuar a Santíssima Virgem,<br />

debaixo desse ou daquele aspecto, o<br />

que será sempre uma decorrência da<br />

Maternidade Divina d’Ela.<br />

Mãe dos homens<br />

Há outro ponto muito importante<br />

para nós nessa invocação. Por ser<br />

Mãe de Deus, Nossa Senhora é também,<br />

por uma série de consequências<br />

e a título especial, Mãe dos homens.<br />

Acredito que a mais preciosa graça<br />

que se pode ter,<br />

em matéria de devoção<br />

a Maria Santíssima,<br />

é a de Ela<br />

condescender em<br />

estabelecer com cada<br />

um de nós, por<br />

laços inefáveis, uma<br />

relação verdadeiramente<br />

materna.<br />

Isso pode dar-se<br />

de mil modos, mas<br />

em geral Nossa<br />

Senhora se revela<br />

principalmente<br />

nossa Mãe quando<br />

nos tira de algum<br />

apuro, de modo<br />

a seu amparo<br />

nos ficar inteiramente<br />

inesquecível.<br />

Ou então,<br />

quando nos perdoa<br />

alguma falta<br />

que particularmente<br />

não tinha<br />

perdão, mas<br />

que Ela, por uma<br />

dessas bondades que só as mães têm, passa por nós, perdoa<br />

e elimina aquilo, como Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

curava a lepra, de maneira a não ficar nada.<br />

Realmente, nada ali merecia ser perdoado, não havia<br />

atenuante e não merecia senão a cólera de Deus; mas<br />

Ela, como Mãe, com seu poder soberano e com essa indulgência<br />

que as mães têm, com um sorriso apaga aquilo,<br />

elimina, e o passado fica completamente esquecido.<br />

“Eis que pus à tua frente<br />

uma porta aberta que<br />

ninguém poderá fechar,<br />

pois tens pouca força, mas<br />

guardaste a minha palavra e<br />

não renegaste o meu nome.”<br />

Nossa Senhora e o Menino Jesus. De joelhos, Pedro<br />

de Lardi Lhes é apresentado por São Nicolau - Museu<br />

Metropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA<br />

Nossa Senhora nos obtém graças dessas, às vezes de<br />

um modo tal que, para a vida inteira, fica marcada a fogo<br />

na alma — um fogo do Céu, não da Terra — essa convicção<br />

de que poderemos recorrer a Ela mil vezes, em<br />

circunstâncias mil vezes mais indefensáveis,<br />

e Ela sempre nos perdoará<br />

de novo, porque abriu para<br />

nós uma porta de misericórdia que<br />

ninguém fechará.<br />

Creio ser disso que vivemos: um<br />

crédito de misericórdia aberto por<br />

Maria Santíssima; dessas misericórdias<br />

como poucas vezes terá havido.<br />

Por essa razão, embora nós não<br />

merecendo e fazendo de tudo, Ela<br />

ainda tem mais um sorriso, mais<br />

um perdão, Ela<br />

nos repesca mais<br />

uma vez.<br />

Vem-me à memória<br />

uma passagem<br />

do Apocalipse:<br />

“Eis que pus à tua<br />

frente uma porta<br />

aberta que ninguém<br />

poderá fechar, pois<br />

tens pouca força,<br />

mas guardaste<br />

a minha palavra<br />

e não renegaste o<br />

meu nome.” 1 Certa<br />

vez vi uma aplicação<br />

dessas palavras<br />

à devoção ao<br />

Sagrado Coração<br />

de Jesus, e acho<br />

imensamente legítima.<br />

Parece-me<br />

também muito<br />

legítimo aplicá-<br />

-las ao Imaculado<br />

e Materno Coração<br />

de Maria para<br />

conosco.<br />

Não conheço verdade mais palpável, mais digna de<br />

nosso amor e de nossa gratidão do que esta. v<br />

1) Ap 3, 8.<br />

Gustavo Krajl<br />

(Extraído de conferência<br />

de 11/10/1963)<br />

21


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Teoria do progresso - I<br />

Hosamalex (CC 3.0)<br />

Ruínas de<br />

monumentos egípcios<br />

Alguns mistérios envolvem o progresso e a decadência dos grupos<br />

humanos: a Idade da Pedra foi o ponto de partida de uma ascensão<br />

ou o termo de um retrocesso? Como se verifica a ação de Deus<br />

na evolução dos povos pagãos? Qual o papel do sobrenatural no<br />

processo ascensional de um povo? Estas e outras questões são<br />

abordadas por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nesta conferência.<br />

N<br />

os flancos do tema da estagnação 1 , encontra-<br />

-se uma teoria do progresso. E munidos da<br />

doutrina sobre a estagnação, temos elementos,<br />

ao menos os essenciais, mais preciosos, para fazer a<br />

crítica de toda a mania de progresso a qual teve, no século<br />

XIX e em parte do XX, um papel semelhante ao<br />

da razão, nos séculos XVII e XVIII; quer dizer, tudo era<br />

mania de raciocínio, de iluminação, de ilustração.<br />

O homem das cavernas<br />

Se adotarmos a tese, um tanto controvertida, de que o<br />

homem primitivo teria sido mais ou menos o das caver-<br />

nas, concluímos que grande parte da humanidade progrediu.<br />

Essa evolução é muito discutível, mas foi como os<br />

homens que elaboraram a teoria do progresso a apresentaram.<br />

Então, vale a pena iniciar por aí para depois analisar<br />

mais a fundo a questão.<br />

A humanidade, portanto, teria nascido nas cavernas<br />

ou se mudado para lá; seja como for, vivia no mundo<br />

das cavernas. Tomando o estado inteiramente primitivo<br />

daquilo e considerando, muitos séculos depois, como<br />

a questão se tinha posto, como o estado evoluíra, notava-<br />

-se, por exemplo, que na Ásia uma grandíssima parte da<br />

humanidade progredira e já não vivia nesse estado, e sim<br />

em cidades com uma organização rudimentar em certas<br />

22


matérias, mas uma economia que, tanto quanto os estilos<br />

de produção existentes permitiam, tendia a se organizar<br />

e até mesmo a formar um mercado internacional; nascia<br />

uma pequena indústria, que já não era a da pedra lascada<br />

nem da pedra polida, mas uma indústria mais desenvolvida<br />

e, portanto, já existia um rudimento do que seria<br />

o progresso tecnológico.<br />

No terreno das artes isso também se definiu muito. E<br />

se tomarmos as grandes civilizações da Antiguidade, notaremos<br />

que elas representam um progresso fascinante<br />

em relação ao pessoal das grutas, da pedra polida e da<br />

pedra lascada.<br />

Chineses, egípcios, assírios e persas<br />

Qual foi a força que impeliu para esse progresso? Se na<br />

Idade Média recorrermos à tese de que foi a influência de<br />

um fator sobrenatural que causou esse progresso, tal fator<br />

está ausente no que diz respeito a esses povos pagãos.<br />

Entretanto, algo de muito grande foi realizado que,<br />

em alguns sentidos, parece ter atingido o teto a que o homem<br />

pode chegar. Porque, no terreno artístico, quando<br />

se consideram as realizações desses povos, pergunta-se<br />

se era de esperar que eles dessem uma coisa melhor. E<br />

poder-se-ia considerar que não era, porque a arte chinesa,<br />

por exemplo, é tão alta, tão desenvolvida, que naquele<br />

gênero e para a mentalidade e o físico do chinês, é difícil<br />

imaginar algo melhor. Depois, a polidez dos chineses,<br />

a gentileza, o relativo tonus pacífico de vida que eles alcançaram,<br />

a organização do Estado, e depois o Império<br />

chinês representam realizações impressionantes.<br />

Quando se vai falar dos egípcios, nem há o que comentar,<br />

é superior a qualquer louvor.<br />

A respeito de quase todos esses povos pode-se afirmar<br />

que, na linha em que andaram, atingiram um teto o qual<br />

é igualável ao maior teto que a humanidade poderia alcançar.<br />

Por exemplo, pode-se dizer que o estilo francês do século<br />

XVIII é maravilhoso. Se o comparamos com o estilo<br />

assírio, notamos que este é muito mais primitivo. Mas seria<br />

exagerado sustentar, pura e simplesmente, que o estilo<br />

assírio está vários degraus abaixo do francês, porque<br />

ele tem lados magníficos, realizações esplêndidas. A descoberta<br />

das propriedades do barro, da terracota para fa-<br />

Gisling (CC 3.0)<br />

Jean-Pol GRANDMONT (CC 3.0)<br />

Henry Walters (CC 3.0)<br />

23<br />

Wmpearl (CC 3.0)


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

zer aqueles utensílios de barro lustroso que os assírios e<br />

os persas fabricavam, é um progresso técnico que facilitou<br />

a arquitetura enormemente, impedindo que o homem<br />

ficasse escravo da pedra. O medieval, por exemplo,<br />

levou muito tempo para descobrir isso.<br />

A maior decadência que houve na História<br />

Contudo, creio que não se dá a volta no assunto recorrendo<br />

a dados puramente naturais. Tanto mais que é contestável<br />

que o homem primitivo vivesse habitualmente nas<br />

cavernas, porque os estudos parecem estar conduzindo à<br />

noção de que todas aquelas decorações muito bonitas que<br />

se encontram nas grutas eram pintadas por gente que ia<br />

para prestar culto ali, mas não morava nas cavernas. Estas<br />

eram uma espécie de capela. Eles comiam nas cavernas,<br />

mas não está provado que dormissem ali.<br />

Parece mais razoável admitir que o homem veio à Terra<br />

numa situação muito superior, e decaiu até à pedra<br />

lascada e à pedra polida. E que esses decadentes, depois,<br />

não se reergueram, sumiram dentro dos mistérios<br />

da História.<br />

Nós teríamos que recorrer à versão bíblica, que é a<br />

verdadeira e serve de ponto de partida sério para essas<br />

considerações.<br />

Adão e Eva decaíram, pelo pecado, e foram punidos.<br />

Creio nunca ter havido decadência tão grande quanto a<br />

deles, porque passaram de seres humanos em estado de<br />

inocência para o estado de pecado. Uma tragédia, com<br />

todas as consequências ligadas a isso…<br />

Entretanto, traziam na memória um número enorme<br />

de conhecimentos, porque não está dito que lhes foram<br />

apagados intencionalmente os conhecimentos que tinham<br />

no Paraíso terrestre. É preciso lembrar que Adão<br />

conhecia a natureza de todos os animais e, quando estes<br />

desfilaram diante dele, foi dando a cada um o nome correspondente<br />

à natureza do animal 2 .<br />

Nossos primeiros pais comunicaram esses conhecimentos<br />

aos seus descendentes, os quais tinham, por isso,<br />

uma situação de muito mais conhecimento e progresso<br />

do que os povos orientais tiveram quando chegaram ao<br />

seu auge. De onde podemos deduzir — como mera hipótese<br />

— que deve ter havido, mais ou menos desde Adão<br />

e Eva à Torre de Babel, um movimento ao mesmo tempo<br />

de decadência e de ascensão.<br />

Em alguns pontos eles foram aproveitando o que sabiam<br />

e desenvolvendo para melhorar; e noutros pontos<br />

foram esquecendo o que conheciam, se embrutecendo e<br />

escorregando para baixo. Provavelmente, fizeram um duplo<br />

movimento: nas coisas utilitárias, foram aumentando<br />

o conhecimento, e nas não utilitárias, foram esquecendo.<br />

O que é muito parecido com o homem contemporâneo,<br />

que a partir da Idade Média veio decaindo naquilo que<br />

não era utilitário e subindo naquilo que era utilitário.<br />

A meu ver, foram decaindo na sabedoria.<br />

A Torre de Babel e o povoamento da Terra<br />

A Torre de Babel parece muito ilustrativa nesse sentido,<br />

porque dá toda a impressão de ter sido uma coisa cal-<br />

O povoamento da Terra,<br />

que, sem dúvida, é uma<br />

condição de melhoria<br />

para a vida dos homens,<br />

foi muito facilitado por<br />

uma espécie de bomba<br />

atômica demográfica,<br />

a qual espalhou gente<br />

pelo mundo inteiro a<br />

partir de uma crise.<br />

“A Torre de Babel”<br />

Real Museu de Belas Artes,<br />

Bruxelas, Bélgica<br />

PaulineM (CC 3.0)<br />

24


culada em função de certa utilidade, não tão grande, porque<br />

se quisessem edificar algo tão alto sem elevador, não<br />

podiam construir uma coisa útil. Assim, devia ser um edifício<br />

de uma alturazinha que eles julgavam vertiginosa,<br />

e com a qual quiseram afirmar uma grandeza naturalista,<br />

que não tomava Deus em consideração. Então veio a<br />

dispersão e uma decadência que, em ponto pequeno, era<br />

parecida com a do pecado original, sem o ser propriamente,<br />

e sem os efeitos trágicos que este teve.<br />

Mesmo aí houve uma coisa interessante: o povoamento<br />

da Terra, que, sem dúvida, é uma condição de melhoria<br />

para a vida dos homens, foi muito facilitado por uma<br />

espécie de bomba atômica demográfica, a qual espalhou<br />

gente pelo mundo inteiro a partir de uma crise.<br />

Alguém dirá: “É uma mera hipótese.” Mas essa hipótese<br />

tem um grande valor como meio de fazer caminhar<br />

o raciocínio; e, quando bem cuidada e arquitetada, ela às<br />

vezes faz voar o pensamento.<br />

Sérgio Miyazaki<br />

Respeitabilidade e grandeza do patriarca<br />

Então, é razoável imaginarmos o progresso, deixando<br />

de lado as povoações que ficaram à margem dele — as<br />

da pedra lascada, da pedra polida, etc. —, e considerarmos<br />

como os demais povos progrediram, como o romano,<br />

que não se vê, em nenhum momento, saindo de uma<br />

gruta, e sim vivendo uma vida pastoril, com restos de nomadismo,<br />

mas que vão se fixando e começando a criar<br />

gado, plantar e se proliferar, constituindo assim sociedades<br />

fixas dotadas indiscutivelmente de uma muito bela<br />

grandeza de horizontes e de uma muito poética beleza<br />

de vida.<br />

O patriarca — por exemplo, do Lácio ou da Hélade<br />

primitivos —, que acorda nos primeiros albores e tem<br />

diante de si as tendas dos seus súditos parentes; alguns já<br />

acordaram, outros dormem ainda; o velho patriarca sai<br />

da sua tenda e toca num chifre de boi vazado o sinal necessário<br />

para despertar a todos, que se levantam e começa<br />

a vida.<br />

Tudo isso tem uma grande beleza! O patriarca tem<br />

uma respeitabilidade e uma grandeza tais, que a Igreja se<br />

adornou com a pulcritude da reminiscência patriarcal, e<br />

certas altas dignidades eclesiásticas com poder governativo<br />

se intitulam “Patriarcas”.<br />

No Ocidente os Patriarcas o são mais por representação<br />

do que em realidade: o Patriarca de Lisboa, o Patriarca<br />

de Veneza, etc. Mas, antigamente, os Patriarcas<br />

gozavam de verdadeira jurisdição intermediária entre a<br />

do Papa e a do bispo. Era uma espécie de metropolita,<br />

um pouco um “papazinho”. Pela dificuldade de comunicações<br />

com Roma, ele tinha de centralizar muita coisa<br />

que, futuramente, iria se concentrar na Cidade Eterna.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma<br />

palestra na década de 1990<br />

Havia, então, o Patriarca de Antioquia, de Jerusalém, de<br />

Alexandria, dos Caldeus, e daí para fora, que ainda hoje<br />

têm poder efetivo na Igreja.<br />

Tudo isso faz-nos ver a beleza do patriarcado de que<br />

nos fala a literatura grega e a latina. Muitos dos grandes<br />

heróis da História grega e da romana estavam ainda quase<br />

no período patriarcal. Os heróis da Guerra de Tróia já<br />

tinham reis, mas estes eram o mais possível parecidos<br />

com patriarcas. O ambiente todo era patriarcal, com Estados<br />

compostos de tribos governadas por patriarcas. v<br />

(Continua no próximo número)<br />

1) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 201, p. 22-25.<br />

2) Cf. Gn 2, 19-20.<br />

(Extraído de conferência<br />

de 22/8/1991)<br />

25


C<br />

alendário<br />

dos Santos – ––––––<br />

1. Solenidade da Santa Mãe de Deus, Maria. Ver página<br />

18.<br />

São Segismundo Gorazdowski, presbítero (†1920). Animado<br />

pelo seu grande amor ao próximo, este sacerdote<br />

polonês fundou em Lviv, Ucrânia, o Instituto das Irmãs de<br />

São José.<br />

2. Santos Basílio Magno (†379) e Gregório Nazianzeno<br />

(†c. 389),bispos e Doutores da Igreja.<br />

Beata Maria Ana Soureau-Blondin,virgem (†1890).<br />

Fundadora da Congregação das Irmãs de Santa Ana, em<br />

Quebec, Canadá, para educação dos filhos dos camponeses.<br />

3. Santíssimo Nome de Jesus.<br />

Santa Genoveva,virgem (†c. 500). Ver página 28.<br />

4. Solenidade da Epifania do Senhor (no Brasil, transferida<br />

do dia 6).<br />

Santa Faraílde, viúva (†c. 745). Obrigada a contrair matrimônio<br />

com um homem violento, abraçou até à sua velhice<br />

uma vida de oração e austeridade, em Bruay-sur-<br />

-l’Escaut, França.<br />

5. Santa Emiliana,virgem<br />

(†séc. VI). Tia paterna de São<br />

Gregório Magno, falecida em<br />

Roma.<br />

6. São João de Ribera,bispo<br />

(†1611). Foi por mais de quarenta<br />

anos Arcebispo de Valência, Espanha,<br />

e por dois anos também vice-rei.<br />

Devoto da Santíssima Eucaristia<br />

e defensor da verdade católica,<br />

educou o povo com sólidos<br />

ensinamentos.<br />

7. São Raimundo de Penyafort,<br />

presbítero (†1275).<br />

São Luciano,presbítero e<br />

mártir (†312). Famoso por sua<br />

doutrina e eloquência, foi conduzido<br />

perante o tribunal em Nicomédia,<br />

Turquia, durante a perseguição<br />

de Maximino Daia. Aos<br />

interrogatórios e torturas respondia<br />

intrépido confessando<br />

ser cristão.<br />

Benoit Lhoest (CC3.0)<br />

Santa Ângela Mérici<br />

8. Santo Erardo,bispo (†707). Natural da Escócia, propagou<br />

o Evangelho em Ratisbona, Alemanha, onde exerceu<br />

seu ministério episcopal.<br />

9. Beato Antônio Fatáti, bispo (†1484). Governou a diocese<br />

de Teramo, Itália, e depois a de Ancona, sendo severo<br />

consigo mesmo e bondoso para com os pobres.<br />

10. Beata Ana dos Anjos Monteagudo,virgem (†1686).<br />

Religiosa dominicana em Arequipa, Peru, que com o dom<br />

do conselho e da profecia promoveu o bem de toda a cidade.<br />

11. Batismo do Senhor.<br />

Beata Ana Maria Janer Anglarill,virgem (†1885). Fundadora<br />

do Instituto das Irmãs da Sagrada Família de Urgell.<br />

Faleceu em Talarn, Espanha.<br />

12. São Bento Biscop,abade (†c. 690). Das suas peregrinações<br />

a Roma trouxe para a Inglaterra mestres e muitos<br />

livros. Fundou os mosteiros beneditinos de Monkwearmouth<br />

e Jarrow, dedicados a São Pedro e São Paulo.<br />

13. Santo Hilário de Poitiers,<br />

bispo e Doutor da Igreja (†367).<br />

São Remígio,bispo (†c. 530).<br />

Durante mais de 60 anos foi Bispo<br />

de Reims, França. Batizou<br />

o rei Clóvis e converteu o povo<br />

franco ao Catolicismo.<br />

14. Beato Lázaro Pillai,pai de<br />

família e mártir (†1752). Durante<br />

a perseguição contra os cristãos<br />

no reino de Travancor, foi assassinado<br />

em Aral Kurusady, Índia,<br />

por ter se convertido à Fé Católica.<br />

15. São João Calibita,asceta<br />

(†séc. V). Segundo a tradição,<br />

abandonou a casa paterna, ainda<br />

jovem, e foi viver em uma choupana,<br />

em Constantinopla, Turquia,<br />

dedicando-se à contemplação<br />

e penitência.<br />

16. São Marcelo I, Papa (†309).<br />

São Dâmaso o define como ver-<br />

26


––––––––––––––––– * Janeiro * ––––<br />

dadeiro pastor, hostilizado por<br />

apóstatas que recusavam aceitar<br />

as penitências que lhes foram impostas.<br />

Morreu no exílio.<br />

17. Santo Antão, abade (†356).<br />

São Sulpício,o Piedoso, bispo<br />

(†647). Promovido da corte régia<br />

ao episcopado, em Bourges,<br />

França, teve como maior preocupação<br />

o cuidado dos pobres.<br />

18. II Domingo do Tempo Comum.<br />

Beato André de Peschiera Grego,<br />

presbítero (†1485). Religioso<br />

dominicano que percorreu a pé<br />

durante muito tempo, toda a região<br />

dos Alpes italianos, vivendo<br />

junto aos pobres e pregando a<br />

doutrina católica.<br />

19. São Bassiano,bispo (†409). Lutou junto com Santo<br />

Ambrósio de Milão para defender seu povo da heresia<br />

ariana, ainda viva na diocese de Lodi, Itália.<br />

20. São Fabiano, Papa e mártir (†250).<br />

São Sebastião, mártir (†séc. IV).<br />

21. Santa Inês, virgem e mártir (†séc. III/IV).<br />

Santo Epifânio,bispo (†496). Durante a invasão dos<br />

bárbaros, trabalhou pela reconciliação dos povos, pela redenção<br />

dos cativos e reconstrução de Pávia, Itália.<br />

22. São Vicente, diácono e mártir (†304).<br />

Santos Francisco Gil de Frederich e Mateus Afonso<br />

de Leziniana,presbíteros e mártires (†1745). Sacerdotes<br />

dominicanos mortos a fio de espada em Tonquim, Vietnã,<br />

após um período de cárcere, por pregarem o Evangelho.<br />

23. Santos Clemente,bispo e Agatângelo, mártires<br />

(†séc. IV). Mortos em Ancara, Turquia, durante a perseguição<br />

de Diocleciano.<br />

São João Bosco<br />

Fefemak (CC 3.0)<br />

do czar da Rússia, por se recusarem<br />

a se separar da Igreja Católica.<br />

25. III Domingo do Tempo Comum.<br />

Conversão de São Paulo,<br />

Apóstolo.<br />

Beato Antônio Swiadek,presbítero<br />

e mártir (†1945). Por defender<br />

a Fé perante os sequazes<br />

de doutrinas hostis a toda a dignidade<br />

humana e cristã, alcançou<br />

a coroa imperecível de glória no<br />

campo de concentração de Dachau,<br />

Alemanha.<br />

26. São Timóteo e São Tito,<br />

bispos.<br />

Beato Gabriel Maria Allegra,<br />

presbítero (†1976). Franciscano,<br />

insigne estudioso e pregador do<br />

Evangelho, compôs a versão de toda a Bíblia para a língua<br />

chinesa. Morreu em Hong Kong.<br />

27. Santa Ângela Mérici, virgem (†1540).<br />

Beata Rosália du Verdier de la Sorinière, virgem e mártir<br />

(†1794). Religiosa do mosteiro beneditino da Congregação<br />

do Calvário, guilhotinada em Angers durante a Revolução<br />

Francesa.<br />

28. São Tomás de Aquino, presbítero e Doutor da Igreja<br />

(†1274). Ver página 2.<br />

Beato Julião Maunoir,presbítero (†1683). Jesuíta que,<br />

durante 42 anos, dedicou-se às missões populares, tanto<br />

nas aldeias como nas cidades da Bretanha, França.<br />

29. Santo Afraates,eremita (†c. 378). Nascido próximo<br />

a Nínive, no atual Iraque, converteu-se ao Cristianismo e<br />

passou a viver como anacoreta em Edessa, Síria.<br />

30. São Muciano Maria Wiaux,religioso (†1917). Pertencia<br />

à Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs.<br />

Consagrou toda a sua vida a trabalhar na educação de jovens,<br />

em Namur, Bélgica.<br />

24. São Francisco de Sales,bispo e Doutor da Igreja<br />

(†1622).<br />

Beatos Vicente Lewoniuk e doze companheiros,mártires<br />

(†1874). Leigos de Pratulin, Polônia, fuzilados pelas tropas<br />

31. São João Bosco,presbítero (†1888).<br />

Beata Candelária de São José,virgem (†1940). Fundou<br />

em Altagracia de Orituco, Venezuela, a Congregação das<br />

Irmãs Carmelitas da Madre Candelária.<br />

27


Hagiografia<br />

Santa Genoveva<br />

Tendo apenas sete anos de idade, Santa Genoveva<br />

prometeu, na presença dos bispos São Germano e São<br />

Lupo, guardar a pureza de alma e de corpo. Tal promessa<br />

ela a cumpriu com toda fidelidade e teve a insigne glória<br />

de, em 451, impedir que os hunos comandados por Átila<br />

invadissem Paris, tornando-se a padroeira dessa cidade.<br />

E<br />

m 3 de janeiro comemora-<br />

-se Santa Genoveva, virgem.<br />

A respeito dela,<br />

vamos considerar a seguinte<br />

nota biográfica extraída<br />

da obra L’Année Liturgique,<br />

de Dom Guéranger<br />

1 :<br />

Em meio à<br />

multidão,<br />

São Germano<br />

discerne uma<br />

virtuosa<br />

menina...<br />

Genoveva foi célebre<br />

no mundo inteiro. Ainda<br />

vivia ela nesta carne<br />

mortal, e o Oriente<br />

já conhecia seu nome<br />

e suas virtudes. Do alto<br />

de sua coluna, o estilita<br />

Simeão a saudava como<br />

sua irmã em perfeição<br />

no Cristianismo. A<br />

capital da França tinha-<br />

-lhe sido confiada; uma<br />

simples pastora protegia<br />

os destinos de Paris, as-<br />

Santa Genoveva - Igreja de Saint-Louis-en-l’Ile, Paris, França<br />

sim como um simples lavrador, Santo<br />

Isidro, vigiava a capital das Espanhas.<br />

São Germano de Auxerre<br />

ia para a Grã-Bretanha para<br />

onde o Papa São Bonifácio<br />

I o estava enviando,<br />

a fim de combater a heresia<br />

pelagiana. Acompanhado<br />

de São Lupo,<br />

Bispo de Troyes, que devia<br />

partilhar sua missão,<br />

parou na aldeia de Nanterre.<br />

Enquanto os dois<br />

prelados se dirigiam à<br />

igreja onde queriam rezar<br />

pelo sucesso de sua<br />

viagem, o povo fiel os<br />

circundava com uma<br />

piedosa curiosidade.<br />

Iluminado por uma<br />

luz divina, Germano<br />

discerniu em meio<br />

à multidão uma menina<br />

de sete anos, e foi<br />

advertido interiormente<br />

de que o Senhor a tinha<br />

escolhido. Perguntou<br />

aos presentes qual<br />

era o nome dessa criança<br />

e rogou que a trou-<br />

Mbzt (CC 3.0)<br />

28


xessem à sua presença.<br />

Assim, fizeram aproximarem-se<br />

os pais, Severo<br />

e Gerúntia. Ambos ficaram<br />

enternecidos com<br />

os sinais de ternura com<br />

que o bispo cumulava<br />

sua filha.<br />

...que faz a<br />

promessa de<br />

manter a pureza<br />

de alma e de corpo<br />

— Esta criança é sua?<br />

— perguntou-lhes Germano.<br />

— Sim, senhor —<br />

responderam eles.<br />

— Felizes pais com<br />

uma tal filha — acrescentou<br />

o bispo. Por ocasião<br />

do nascimento desta<br />

criança, saibam-no, os Anjos deram grande festa no Céu.<br />

Esta menina será grande diante do Senhor; e, pela santidade<br />

de sua vida, arrancará muitas almas do jugo do pecado.<br />

Depois, dirigindo-se à criança, disse:<br />

— Genoveva, minha filha...<br />

— Padre santo — respondeu ela — vossa serva escuta.<br />

Então, disse Germano:<br />

— Fala-me sem temor: gostarias de ser consagrada a<br />

Cristo numa pureza sem mancha, como sua esposa?<br />

— Bendito sejais, meu Pai — exclamou a criança —, o<br />

que me pedis é o maior desejo de meu coração. É tudo o<br />

que quero. Dignai-vos rogar ao Senhor que mo conceda.<br />

— Tem confiança, minha filha — retomou Germano<br />

—, sê firme em tua resolução. Que tuas obras sejam conformes<br />

à tua Fé, e o Senhor acrescentará sua força à tua<br />

beleza.<br />

Os dois bispos entraram na igreja e foi cantado o Ofício<br />

de Noa, seguido das Vésperas. Germano tinha mandado<br />

trazer Genoveva junto a si, e durante a salmodia manteve<br />

suas mãos postas sobre a cabeça da criança.<br />

No início do dia seguinte, antes de partir, mandou o pai<br />

trazer-lhe Genoveva.<br />

— Salve, Genoveva, minha filha — disse-lhe Germano.<br />

Lembras-te de tua promessa de ontem?<br />

— Ó Padre santo — retorquiu a criança —, lembro-me<br />

do que prometi a vós e a Deus. Meu desejo é de manter para<br />

sempre, com o socorro celeste, a pureza de minha alma<br />

e de meu corpo.<br />

Santa Genoveva diante de São Germano e São Lupo - Igreja<br />

de Saint-Julien-du-Sault, Borgonha, França<br />

Neste momento, Germano percebeu no chão uma medalha<br />

de cobre marcada com a imagem da Cruz. Tomou-a<br />

e dando-a a Genoveva disse-lhe:<br />

— Faze-lhe um furo, põe-na no pescoço e guarda-a em<br />

lembrança de mim. Não leves nunca colar, nem anel de ouro<br />

ou de prata, nem pedra preciosa; pois se a atração das<br />

belezas terrenas vier a dominar teu coração, perderias logo<br />

teu ornamento celeste, que deve ser eterno.<br />

Depois destas palavras, Germano recomendou à criança<br />

que pensasse nele frequentemente, em Cristo e, tendo-a recomendado<br />

a Severo como um depósito duas vezes precioso,<br />

tomou a estrada para a Grã-Bretanha, junto com seu<br />

piedoso companheiro.<br />

Florilégio de Santos<br />

Nesse episódio, podemos notar algo que explica o admirável<br />

florescimento de almas santas na Idade Média.<br />

Vejamos os homens que figuram nesta história.<br />

Em primeiro lugar, o Papa São Bonifácio. Este envia<br />

São Germano de Auxerre para defender a Inglaterra<br />

contra os pelagianos, e São Germano tem como companheiro<br />

de viagem outro Santo, que é São Lupo, Bispo de<br />

Troyes. Quer dizer, são dois bispos santos mandados por<br />

um Papa santo para defender um país que está ameaçado<br />

pela heresia.<br />

Compreende-se o calor da santidade, a intensidade da<br />

vida espiritual, o que era, afinal de contas, este florilégio<br />

Convivial94 (CC 3.0)<br />

29


Hagiografia<br />

GFreihalter (CC 3.0)<br />

Cenas da vida de Santa Genoveva - Igreja<br />

de Saint-Leu-Saint-Gilles, Paris, França<br />

Ela cresce, enche o panorama<br />

com a sua presença e floresce<br />

como uma flor no centro<br />

do jardim do Ocidente.<br />

enorme de Santos sobre os quais a Idade Média, ponto<br />

por ponto, vinha se construindo.<br />

Ao longo da viagem, passam por uma cidadezinha<br />

chamada Nanterre, onde a primeira providência não é se<br />

dirigirem para o hotel ou para a hospedaria, nem para<br />

um lugar onde possam se divertir. A primeira atitude que<br />

tomam, depois de uma viagem fatigante, é ir para a igreja<br />

a fim de rezar.<br />

Tal é a iluminação desses personagens, tal o seu prestígio,<br />

a atração exercida por eles, que entram na igreja,<br />

o povo os rodeia e começa a olhá-los rezar. É o povinho<br />

fiel, os camponesinhos com o jeito, naturalmente, do que<br />

seriam os camponeses no tempo de Santa Joana d’Arc,<br />

alguns séculos depois, rodeando os dois bispos que, recolhidíssimos<br />

diante do Santíssimo Sacramento, numa pequena<br />

capela, estão fazendo uma oração intensa. E o povo<br />

olhando, maravilhado!<br />

De repente, nesse ambiente de fervor, uma graça se<br />

faz notar por todos: aqueles dois Santos, enviados por<br />

um terceiro Santo, distinguem, entre os fiéis que os rodeiam,<br />

uma grande Santa, uma menina de sete anos.<br />

Eles a chamam e, diante de todo o povo, um deles faz<br />

a profecia a respeito do que a menina haveria de ser. E<br />

começa por dizer assim: “Fiquem sabendo que no Céu<br />

houve uma grande alegria quando esta menina nasceu.”<br />

Quando Genoveva nasceu, houve<br />

grande alegria no Céu<br />

Imaginem o maravilhamento de toda a aldeinha! Um<br />

lugarejo onde tudo é notícia, tudo é novidade, em que<br />

até a chegada de dois bispos é um grande acontecimento...<br />

De repente, esses bispos falam da “fulaninha” que<br />

eles veem correr descalça de um lado para outro, pelas<br />

ruas da cidade. Em relação a essa menina, quando ela<br />

nasceu, houve alegria no Céu!<br />

Ninguém duvidou, ninguém pediu provas, todos acreditaram,<br />

inclusive a menina e seu pai. Porque essas pessoas<br />

são os tais bem-aventurados, dos quais nos fala o<br />

Evangelho 2 , que creem sem ter visto.<br />

Pensam elas: é tão natural ter havido alegria no Céu por<br />

uma menina santa que nasceu! Os Santos são tão frequentes<br />

e tão numerosos, eles estão em um contato tão contínuo<br />

com o Céu, que conhecem o que se passa lá. Portanto,<br />

é natural que eles saibam. É uma comunicação normal.<br />

Como isto é diferente da distância que nos separa do<br />

sobrenatural em nossos dias! Antes de admitir que uma<br />

coisa vem do Céu, o homem contemporâneo se mune de<br />

todas as armas do racionalismo para ver se consegue negar.<br />

Não havendo meios de recusar, só então ele se resigna,<br />

sem grande entusiasmo a, de quando em vez, admitir<br />

a procedência celeste de algo.<br />

30


Pelo contrário, naquele ambiente cheio de Fé a situação<br />

se resolveu imediatamente.<br />

São Germano pergunta à menina:<br />

— Você quer se consagrar a Deus?<br />

— Meu pai — responde ela —, é o mais caro desejo<br />

do meu coração!<br />

Está tudo resolvido. Fica um sulco de luz naquela cidade<br />

que, a partir de então, começa a ter história. A cidadezinha<br />

nasce para a História porque um grande fato<br />

sobrenatural se passou nela.<br />

Arco voltaico de santidade<br />

Ela, provavelmente, foi dali mesmo levada pelos pais<br />

para um convento onde a prioresa ou a abadessa seria<br />

uma Santa também, com um daqueles nomes cuja sonoridade<br />

é estranha para nós, mas uma Santa de verdade.<br />

Chegam lá e dizem:<br />

— Viemos trazer esta menina, nossa filha.<br />

Certamente a resposta da santa abadessa não<br />

seria: “Ah! como ela é engraçadinha”, mas sim:<br />

— Esta menina parece ter o espírito de Deus!<br />

E é possível que Santa Genoveva tivesse dito,<br />

com toda inocência, sem qualquer pretensão:<br />

— Tenho mesmo.<br />

E a abadessa perguntasse para a mãe:<br />

— Mas por que trazes a menina?<br />

Jebulon (CC 3.0)<br />

— Ah! porque São Germano de Auxerre e São Lupo<br />

de Troyes disseram dela tais e tais coisas...<br />

— Ah, que bonito!<br />

A abadessa não iria perguntar se tinham um atestado<br />

timbrado da Cúria, nem nada disso. Ela acredita também,<br />

acolhe no convento a menina que já começa a santificar-se,<br />

elevando-se na vida espiritual, a partir daí, como<br />

um cedro do Líbano.<br />

Ela cresce, enche o panorama com a sua presença<br />

e floresce como uma flor no centro do jardim do Ocidente.<br />

Não havia imprensa, rádio ou televisão; entretanto,<br />

a fama de Santa Genoveva se espalhou até o<br />

Oriente, a ponto de São Simeão Estilita, na Ásia Menor,<br />

ouvir falar dela.<br />

Era o famoso Santo que vivia<br />

no alto de uma coluna,<br />

de onde nunca descia,<br />

rezando o tempo<br />

inteiro. Era uma<br />

forma de verdadeiro<br />

eremita. Ele então<br />

ouve falar das<br />

virtudes de Santa<br />

Genoveva e,<br />

por esses “radares”<br />

que os Santos<br />

têm para se sentirem<br />

uns aos outros,<br />

compreende que ela<br />

era irmã espiritual dele<br />

e saudou de longe, do alto<br />

de sua coluna, esta flor que<br />

nascia no doux pays de France 3 .<br />

Vemos os contatos passando<br />

por sobre os mares, as ilhas, as<br />

cordilheiras, as vastidões desertas<br />

e povoadas, e estes dois Santos<br />

formando uma espécie de<br />

arco voltaico de santidade naquela<br />

época.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 3/1/1966)<br />

Torvindus (CC 3.0)<br />

Santa Genoveva - Museu Carnavalet. Em destaque, sepultura da<br />

Santa - Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, Paris, França<br />

1) GUÉRANGER, Prosper.<br />

L’Année Liturgique – Le temps de<br />

Noël. Tomo I. 13ª edição. Paris: Librairie<br />

Religieuse H. Oudin, 1900.<br />

p. 523-525.<br />

2) Jo 20, 29.<br />

3) Do francês: doce país da França.<br />

31


Apóstolo do pulchrum<br />

O belo e o prático - I<br />

Paulo sande (CC 3.0)<br />

“Terreiro do Paço”<br />

Museu da Cidade,<br />

Lisboa, Portugal<br />

A Revolução, fundamentalmente materialista, propaga a ideia de<br />

que o importante é o lado prático das coisas, pois proporciona<br />

conforto para o corpo, enquanto que o belo nem deve ser<br />

considerado. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> desmonta esse sofisma.<br />

D<br />

iante de tantas coisas bonitas dos tempos<br />

antigos que foram sendo destroçadas, e tantas<br />

coisas hediondas instauradas nos dias de<br />

hoje em nome do prático, põe-se a pergunta: o prático<br />

não é um precursor da feiura e o belo um inimigo<br />

do prático?<br />

Grahamedown (CC 3.0)<br />

Darwininius (CC 3.0)<br />

Carfax2 (CC 3.0)<br />

32


Rapidez e comodidade<br />

Para analisar esta questão, consideremos alguns meios<br />

de transporte.<br />

Toda coisa é perfeita na medida em que atinge o seu<br />

fim. Ora, o fim de uma carruagem, por exemplo, é transportar;<br />

e se ela transporta nas condições ideais, realizou<br />

a sua perfeição.<br />

Quais são as condições ideais do meio de transporte?<br />

Ele deve ser, entre outras coisas, rápido e cômodo. Entretanto,<br />

o conceito de cômodo é muito amplo, porque<br />

uma é a comodidade que se pode querer ter em um automóvel<br />

que transpõe a distância de alguns quarteirões;<br />

outra é a comodidade exigida desse veículo fazendo uma<br />

longa viagem. São distâncias muito diferentes em que o<br />

corpo e o próprio espírito humano pedem graus e modos<br />

de conforto diferentes.<br />

Há outras circunstâncias que condicionam a comodidade<br />

de um veículo, como, por exemplo: um molejo adequado<br />

para transitar em superfícies irregulares; arranque<br />

suave e silencioso do motor; estabilidade pela qual o passageiro<br />

sinta-se bem e seguro, mesmo em alta velocidade,<br />

etc.<br />

Chegamos, assim, à conclusão de que o espírito prático<br />

deve ser adaptado a várias circunstâncias.<br />

Beleza ou conforto?<br />

A beleza interna de um veículo é uma condição de<br />

conforto? Evidentemente sim. Porque tudo que lisonjeia<br />

os sentidos, de algum modo, é condição de conforto. É<br />

muito confortável viajar em uma carruagem e ver o sol<br />

entrando pelos cristais das janelas e incidindo sobre sedas,<br />

damascos, veludos, “brincando” naqueles tecidos de<br />

luxo. Portanto, estaria de acordo com o espírito prático<br />

— que deve procurar o conforto de um veículo — tornar<br />

bonito o interior de uma carruagem.<br />

Mas também deve estar de acordo com o espírito prático<br />

que um automóvel tenha um compartimento com<br />

um pequeno refrigerador contendo líquidos gelados para<br />

que, no auge do calor, sem ter de diminuir a velocidade<br />

do carro, o dono possa servir-se de um refresco.<br />

Havendo tudo isso, pode-se dizer que o espírito prático<br />

obteve uma vitória. Mas torna-se impossível fabricar<br />

uma bela carruagem com essas comodidades. Onde colocar<br />

a geladeira e as supermolas compatíveis com a supervelocidade?<br />

Onde instalar um mecanismo por onde baste<br />

apertar um botão para as janelas subirem e baixarem<br />

fazendo um ruído prestigioso? Essas coisas cabem nos<br />

produtos modernos, não nos antigos. Então, o que escolher:<br />

a beleza da carruagem ou o conforto do automóvel?<br />

Alma do homem e pulcritude<br />

Até pouco tempo atrás, os homens não tinham perdido<br />

a noção do belo, mesmo passando da era da bela<br />

carruagem para a do automóvel. Tomemos, por exemplo,<br />

automóveis do tipo Mercedes. Eram bonitos veículos,<br />

com cores lindas, reluzentes. O homem tinha a impressão<br />

de entrar em uma pedra preciosa, de tal maneira<br />

aquela lataria toda era ornada. Dentro havia couros<br />

de primeira ordem, espaço amplo, enfim, todos os agrados<br />

dos transportes de luxo se encontravam reunidos ali.<br />

Diversos modelos de<br />

carruagens inglesas<br />

Tony Hisgett (CC 3.0)<br />

33


Apóstolo do pulchrum<br />

Dcoetzee (CC 3.0)<br />

Isso obedecia ao seguinte princípio: há uma<br />

razão para, tanto a carruagem quanto o automóvel,<br />

serem belos.<br />

Todos os argumentos dados até agora a favor<br />

do espírito prático valem para o corpo. Mas o homem<br />

tem só corpo? Ele é principalmente corpo?<br />

O homem não é principalmente alma? E se a alma<br />

é o elemento principal do ser humano, do que vale<br />

o belo para a alma? Neste caso, ter beleza não seria o<br />

principal componente que um transporte deveria possuir?<br />

Lindos cavalos, belas carruagens<br />

Dcoetzee (CC 3.0)<br />

O Bucentauro no<br />

Grande Canal de<br />

Veneza - Museu Pushkin,<br />

Moscou, Rússia e<br />

Museu Nacional de Arte,<br />

Copenhagen, Dinamarca<br />

Analisemos o papel do belo.<br />

Primeiramente, a pessoa que está em uma carruagem<br />

ou qualquer outro meio de transporte, ainda que seja<br />

simplesmente um cavalo, apresenta-se aos olhos do público<br />

de modo a chamar a atenção. Porque um indivíduo<br />

que atravessa uma rua dentro de um veículo ou montado<br />

em um animal, atrai muito mais a atenção do que<br />

quem vai a pé, e forma um todo psicológico e artístico<br />

aos olhos dos transeuntes.<br />

Ademais, o homem tem interesse em ser conhecido<br />

pelo que ele é, para que se lhe dê o valor ao qual tem direito.<br />

Se ele é um verdadeiro cavaleiro, descendente, por<br />

exemplo, dos cruzados, convém que monte um lindo cavalo<br />

de raça.<br />

E montar, não é estar sobre o animal como estaria um<br />

saco de batatas. É preciso cavalgar com elegância, altaneria<br />

e dignidade. O cavaleiro deve dar a impressão de<br />

tal domínio sobre o cavalo, que o oriente simplesmente<br />

pelo movimento das pernas. As rédeas servem mais como<br />

um elemento ornamental.<br />

Além disso, o animal<br />

precisa estar belamente ajaezado<br />

com uma bonita sela, belos<br />

arreios. Tudo isso forma a moldura com que o homem<br />

se apresenta em público.<br />

É de acordo com a dignidade do homem que ele queira<br />

cavalgar esplendidamente um lindo cavalo. Isso não é<br />

vaidade, mas o reto exercício do instinto de sociabilidade,<br />

não com pretensão, mas com a naturalidade com que<br />

uma pessoa quer mostrar o rosto limpo para os outros.<br />

Tratando-se de pessoas de uma condição inteiramente<br />

excepcional, como um rei e uma rainha, que ocupam no<br />

Estado e na sociedade o primeiro lugar, é natural que,<br />

por uma necessidade da alma, se façam ver e reverenciar<br />

pelo que eles são, utilizando uma carruagem à altura<br />

de seu cargo.<br />

Para eles, mais importante do que a grande velocidade<br />

e todas as comodidades é ter um coche, no qual se<br />

apresentem como dentro de uma linda moldura.<br />

Por isso as altas situações são tratadas pelos artistas —<br />

no caso concreto, pelos fabricantes de coches — de maneira<br />

a serem realçadas. A arte se empenha em apresentar<br />

o rei, a rainha, os príncipes da casa real, os nobres,<br />

os titulares de altas dignidades da Igreja, do Poder Judi-<br />

34


Peter Isotalo (CC 3.0)<br />

ciário, das Forças Armadas, etc. de modo a serem naturalmente<br />

respeitados, proporcionando-lhes outra modalidade<br />

de conforto: a comodidade de governar.<br />

Então, é uma vantagem do Estado que haja lindas<br />

carruagens. Quanta revolta é evitada, quanta guerra interna<br />

é poupada a um país porque o povo se habituou a<br />

respeitar quem o governa!<br />

O Bucentauro e a ponte sobre o Tâmisa<br />

A República de Veneza tinha um presidente do Conselho<br />

dos Nobres intitulado Doge, palavra derivada do<br />

vocábulo latino dux, chefe.<br />

Para navegar pelas águas fabulosas da Laguna de Veneza,<br />

o Doge dispunha de uma embarcação, toda esculpida,<br />

folheada a ouro, lindíssima, que por uma reminiscência<br />

mitológica chamava-se “O Bucentauro”.<br />

Na ocasião máxima do Estado Veneziano, o Doge<br />

partia no Bucentauro acompanhado de centenas de barcos,<br />

gôndolas com aquelas proas lindas, gente tocando<br />

instrumentos, cantando, etc., laguna adentro, até o Mar<br />

Adriático. E, quando estavam no alto mar, o Bucentauro<br />

parava e o Doge jogava nas águas um anel precioso: era<br />

o casamento de Veneza com o mar.<br />

Veneza era uma grande república comercial e dominava<br />

os mares naquele tempo, sendo, por isso riquíssima.<br />

O casamento da República de Veneza com o<br />

mar representava uma espécie de união entre o Estado<br />

veneziano e seu destino histórico.<br />

Evidentemente era útil para o Estado veneziano<br />

ter um barco assim.<br />

Portanto, nem sempre a beleza tem essa incompatibilidade<br />

com o prático que apresentávamos no início<br />

desta exposição. Para a vida da alma, para o intercâmbio<br />

de relações entre as almas, para a formação da política<br />

e da cultura de um povo, o belo tem uma importância<br />

maior do que o prático. E quando há incompatibilidade,<br />

quase sempre o belo prevalece sobre o prático.<br />

Dou um exemplo de nossos dias: o Rio Tâmisa, em<br />

Londres, com aquela ponte levadiça. Aquilo é lindo, mas<br />

já não necessário, porque com os meios modernos poder-se-ia<br />

construir uma ponte alta que substituísse aquela.<br />

Por que se mantém a ponte atual? Porque é bela!<br />

Há, portanto, um prático de categoria inferior que encontramos<br />

ao olhar automóveis bem equipados. Mas há<br />

um prático mais elevado que toma em consideração que<br />

o homem é mais espírito do que matéria, e que as coisas<br />

do espírito têm muito mais importância do que as da matéria.<br />

Por isso, deve-se dar mais valor ao belo do que ao<br />

prático.<br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de 4/10/1986)<br />

McKarri (CC.3.0)<br />

Stefan.lefnaer (CC.3.0)<br />

Ponte da Torre<br />

Londres, Inglaterra<br />

Proa do Bucentauro<br />

35


Virgem das Escolas Pias - Paróquia dos Escolápios, Madri, Espanha<br />

O<br />

Ternura da Mãe de Deus<br />

protótipo de ternura é o coração matertroem<br />

catedrais magníficas; ora sob o aspecto<br />

no. Especialmente o é o Coração da Mãe<br />

das mães, que excede de um modo inimaginável<br />

a ternura de todas as mães que houve, há e haverá.<br />

Quase que se poderia dizer que Nossa Senhora<br />

é a personificação da ternura.<br />

Para exprimir isso aos homens por formas diversas,<br />

Maria Santíssima multiplica suas graças.<br />

Ora Ela aparece sob a forma de uma Rainha<br />

esplêndida, em homenagem à qual se cons-<br />

de Mãe de misericórdia, meiga, que Se contenta<br />

com o culto que Lhe é tributado em pequenas<br />

choupanas, onde, entretanto, Ela faz milagres<br />

excelentes para tornar mais patente sua maternal<br />

bondade, animar os homens a Lhe pedirem,<br />

com confiança, tudo quanto queiram, e convidá-los<br />

a amá-La por causa da ternura que Ela<br />

lhes demonstra.<br />

(Extraído de conferência de 14/5/1966)<br />

Sergio Hollmann

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!