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100 % Corrida
DESCANSO
O treino invisível...
CORRER NA VÉSPERA
Talvez não o deva fazer...
Julho 2017
Mensal
№ 5
www.corredoresanonimos.pt
MUNDIAL DE TRAIL
A FLORESTA SAGRADA
DE TIAGO ROMÃO
PLAY IN ALL
PLAYGROUNDS
SPEEDCROSS SERIES
©SALOMON SA. All Rights Reserved.
SUMÁRIO
NÃO DEIXE QUE
O VERÃO ESTRAGUE
O OUTONO/INVERNO
CORRER NA VÉSPERA
DA PROVA
SIM OU NÃO?
MUNDIAL DE TRAIL
A FLORESTA SAGRADA
DE TIAGO ROMÃO
FICHA TÉCNICA
CORRER
OU NÃO CORRER?
EIS A QUESTÃO!
A MAGIA
DA FLORESTA SAGRADA
Diretor
Pedro Justino Alves
Redação
Ana Borges
Design e paginação
Bárbara Viana & Ian Estevens
hola@elrucanonim.com
Morada
Rua Ferreira Lapa, n.º 2 – 1.º andar
1150 – 157 Lisboa
Número de contribuinte 199003092
PEDALAR 1000KM
NA ISLÂNDIA
Contatos (redação e publicidade)
Telemóvel +351 964 245 271
Endereço eletrónico
mail@corredoresanonimos.pt
Colaboradores fixos
Belino Coelho
Colaboradores da presente edição
Tiago Marto
N. de registo na Entidade Reguladora
para a Comunicação Social: -
O ADORADO ZÉ NINGUÉM
DE GEORGE E WEEDON
GROSSMITH
Estatuto editorial disponível online
www.corredoresanonimos.pt
www.facebook.com/corredoresanonimos.pt
twitter.com/correranonimo
4
CORREDORES ANÓNIMOS
AQUECIMENTO
NÃO DEIXE
QUE O VERÃO
ESTRAGUE
A SUA PREPARAÇÃO
PARA O
OUTONO/INVERNO
Chegou a época mais desejada do ano, o Verão, sinónimo de momentos
em família, praia e descanso. No entanto, e devido às provas de setembro
em diante, muitos são os corredores que continuam os seus treinos,
acordando cedo mesmo em férias para não prejudicarem o tempo
passado com os familiares e amigos. Apesar dos dias serem mais
longos, é necessário ter cuidado com o Sol…
Texto: Pedro Justino Alves
AQUECIMENTO CORREDORES ANÓNIMOS 5
Há alguns anos, o treinador de Caroline
Rotish, vencedora da Maratona de Boston
em 2015, ressaltou os “perigos” do Verão
na preparação de um atleta, seja ele
profissional ou amador. Na altura, Ryan
Bolton referiu o seguinte:
«Há muitas distrações para os atletas
durante o Verão e nos meses mais
quentes. Por isso é necessário criar
“tempo de antecedência” para os treinos.»
E o que entende Bolton por “tempo de
antecedência”? Simplesmente criar
pequenas metas/tarefas que garantam a
conclusão dos objetivos propostos pelos
corredores para o Outono/Inverno. A
verdade é que, se não houver uma cuidada
preparação para a estação mais quente
do ano, todo o trabalho que foi realizado
nos meses anteriores provavelmente
não servirá para nada, defraudando o
atleta, que ficará desiludido com a sua
performance nas provas agendadas para
depois do Verão.
Ou seja, é essencial evitar a estagnação,
embora isso não signifique “abdicar”
dos principais meses da estação mais
desejada por todos, julho e agosto. O
essencial é encontrar o equilíbrio, já que
Verão não significa deixar de fazer praia
ou renunciar a conversa de fim de noite
com os amigos devido aos treinos. Há
tempo para tudo!
6 CORREDORES ANÓNIMOS AQUECIMENTO
Siga, estes quatro conselhos:
PARTICIPE DE UMA CORRIDA
Não é por acaso que as corridas de 5
e 10 km são tão populares durante a
temporada de Verão. Na estação mais quente
do ano, as pessoas não estão dispostas a
correr provas 1com grandes distâncias, não
só devido ao calor, mas por “roubar” tempo
a família (que aliás já é roubado durante o
ano...). Para essas corridas, o ideal é treinar
no mínimo entre 3 e 4 vezes por semana.
Estas duas distâncias são ideias para
aprimorarmos a velocidade. Os iniciantes
nos 5 e nos 10 km podem fazer o seguinte
exercício nos treinos, uma vez por semana:
adicionar uma escala de velocidade entre
5 (velocidade de corrida) e 10 (máxima
velocidade alcançada), com duração entre 30
e 60 segundos num intervalo de 2 minutos.
Para os mais rápidos, Bolton sugere um
exercício de curta duração, uma a duas
vezes por semana. O objetivo é fazer
repetições fortes de 200m em distâncias de
600m. No intervalo entre as séries, trabalho
de recuperação para desenvolver a força
física, mental e o descanso. No entanto, os
corredores que pretendem alcançar novos
recordes pessoais nos 5 e nos 10 km não
podem descurar o treino longo semanal
tendo em vista a manutenção da capacidade
aeróbica. Por exemplo, Bolton 2coloca os seus
atletas a correrem entre 85%-90% da FCmáx
durante 5-7 km num treino de 13-16 km.
REDUZIR A CARGA
O Verão é provavelmente o melhor momento
para perder peso, muito devido ao consumo
de muitas frutas e vegetais, as atividades
ao ar livre são inúmeras e o calor reduz
muitas vezes o apetite. Além disso, um
estudo publicado na revista Medicine &
Science revelou que treinar a temperaturas
relativamente altas ajuda a queimar mais
gordura corporal.
Devido a redução da carga, os especialistas
recomendam o HIIT (Treino Intervalado
de Alta Intensidade) como treino perfeito
para esta época específica do ano, sendo
que a velocidade de execução e o tempo de
recuperação dos exercícios não deve exceder
um minuto. O ideal é treinar de manhã, já
que os benefícios do treino intervalado são
prolongados a nível metabólico ao longo do
dia. Outra solução é treinar de manhã e ao fim
da tarde, embora de forma não tão intensa
como se tivéssemos apenas uma sessão.
MANTER O FOCO
É complicado e difícil 3manter o foco quando
estamos em viagem com os amigos e a
família. Mas a verdade é que podemos
assegurar dignamente a nossa forma
com um número mínimo de quilómetros.
Bolton defende que continuamos onde
estávamos se corrermos 40% do nosso
volume habitual semanal em 15 dias. O
treinador de Caroline Rotish defende também
que não podemos cair na armadilha de que
não há tempo para treinar. Mesmo que sejam
20 minutos, temos de ir treinar, embora
aumentando a intensidade do mesmo.
Pranchas, burpees, agachamentos, etc. Há
inúmeras soluções para ativarmos os nossos
músculos, obrigando o coração a trabalhar. O
importante é não estarmos parados durante
15 dias, algo fatal na preparação dos nossos
treinos tendo em vista as provas futuras.
AQUECIMENTO
CORREDORES ANÓNIMOS
7
RESISTÊNCIA AO CALOR
Há corredores que reagem bem a
“quentura”. A verdade é que estes serão
recompensados no Outono, já que, ao
estarmos climatizados ao calor, o corpo
produz mais sangue tendo em vista a
redução da temperatura corporal durante
o exercício, melhorando deste modo o
fornecimento de nutrientes aos grupos
musculares, mesmo quando a temperatura
desce. No entanto, devemos salientar que
há um limite corporal para treinar devido ao
excesso de calor, que varia de pessoa para
pessoa. Bolton salienta que os seus atletas
trabalham numa passadeira quando sente
que os treinos serão sacrificados pelo calor.
Evidentemente que os exercícios exteriores,
na maioria das vezes, não correspondem
em termos de rendimento aos mesmos dos
realizados durante o Outono/Primavera. Por
isso, é essencial “baixar as expetativas”, é
primordial muitas vezes reduzir o volume
se o “osciloscópio” e o nosso esforço não
estiverem em harmonia.
No Verão também é essencial 4procurar
correr no início da manhã ou ao fim da
tarde ou noite, sempre com roupas leves
e de cores claras. Evidentemente que a
hidratação também é essencial durante
os treinos. Bolton sugere inclusive que
os mesmos devem decorrer num raio
relativamente médio da nossa casa para
podermos assim hidratar do melhor modo.
8
CORREDORES ANÓNIMOS
PREPARAÇÃO
CORRER UM DIA ANTES
DA PROVA AJUDA
OU ATRAPALHA?
OR
tipo leva em torno de seis a oito horas
Um dos rituais obrigatórios do Mundo Running é a famosa “corridinha” na
véspera da prova. É raro encontrar um atleta que não “estique as pernas”,
uma forma de descontração e ativação dos músculos. Mas será realmente
necessário esse ritual implementado no ADN do corredor? Com a palavra,
Belino Coelho, diretor técnico da Elite Assessoria Esportiva, do Brasil,
e responsável pelo treino e orientação de mais de 150 atletas.
Texto: Belino Coelho
Ponto número um e fulcral do tema que
estamos a abordar na edição de julho da
revista 100% Corrida: para saber se é valido
treinar na véspera de uma competição é
preciso antes de tudo analisar o histórico
do corredor, conhecer o seu ciclo de treino,
saber quantas sessões costuma realizar
durante a semana, contabilizar o seu
volume de treino e descobrir como foi o seu
comportamento em provas anteriores após
treinar na véspera. Só assim poderemos
chegar a uma conclusão “científica”, ou
seja, se a “corridinha” no dia anterior é
ou não é benéfica para o caso específico.
para recuperar) ou um treino mais leve,
regenerativo, caso o corredor tipo tenha
realizado um treino forte no dia precedente
ou esteja com sintomas de cansaço.
Neste último caso, treinar na véspera será
bastante benéfico, visto que, com o treino
mais leve, haverá um aumento da oferta
de oxigénio e nutrientes aos músculos,
permitindo a recuperação de alguma
fibra “lesada” além da recomposição
do glicogénio muscular e a retirada e
diminuição das toxinas provenientes
do metabolismo.
Se o corredor já treina há muito tempo
e está acostumado a fazer entre quatro
e seis sessões de treinos por semana,
provavelmente não haverá problema
algum em treinar na véspera, já que a sua
recuperação pós-treino é muito rápida.
Neste caso em concreto, no dia anterior
ao grande dia, esse atleta vai realizar uma
“rodagem” normal (respeitando sempre
o volume de treino programado, já que,
habitualmente, o organismo desse atleta
No entanto, se é um corredor que
habitualmente treina menos de quatro
sessões semanais, independentemente de
quanto tempo já corre, o treino na véspera
provavelmente poderá atrapalhar o seu
rendimento na prova. Isso acontece devido
ao organismo desse atleta em particular se
recuperar de forma mais lenta por não estar
acostumado às quatros sessões de treino
ou a correr dois dias seguidos, acarretando
um maior tempo para a recuperação. No
PREPARAÇÃO CORREDORES ANÓNIMOS 9
*
dia da prova, em função do treino da véspera,
mesmo que tenha sido curto e leve, houve uma
depleção de glicogénio e outros nutrientes,
uma contração muscular que gerou fadiga nas
fibras musculares, acarretou uma libertação
de toxinas e diminuição da água corporal,
deixando o corpo mais pesado (diminuição
da força muscular), fazendo com que o seu
rendimento seja abaixo do esperado.
RER
Resumindo: se um atleta costuma realizar três
sessões de treinos por semana, o melhor é
evitar correr no dia anterior a uma competição
para deste modo ter o rendimento esperado
no dia da corrida. No entanto, se o desejo é
correr na véspera (e muitos corredores fazem
questão desse “ritual”, principalmente para
descontrair e conhecer um pouco do percurso
da prova), o conselho que posso deixar aqui
é incluir o quarto dia de treino no ciclo de
trabalho programado, embora com certa
antecedência, tudo para que o organismo
comece a processar de forma mais rápida
a recuperação.
Um último conselho: depois da competição,
e para aqueles corredores que treinaram na
véspera, é necessário fazer uma avaliação
de como se sentiram e de como foi o
rendimento durante a prova, retirando as
necessárias conclusões quanto a manter ou
excluir o treino à véspera das competições.
Em caso de dúvida, a melhor solução é
consultar o treinador ou um profissional,
que, evidentemnte, terão a resposta mais
apropriada para o caso.
10
CORREDORES ANÓNIMOS
ENTREVISTA
A FLORESTA
SAGRADA DE
TIAGO
CANTANTE
ROMÃO
Tiago Cantante Romão fez a sua estreia
num Mundial de Trail no mês passado,
sendo o terceiro português a terminar o
Trail Sacred Forests, em Itália, “fechando”
a classificação de Portugal na prova
(sexto lugar na classificação coletiva
masculina). No entanto, o português já
tinha representado o nosso país num
Mundial de Orientação. O futuro médico
aborda nesta entrevista as diferenças
entre os campeonatos do mundo das duas
modalidades, a sua prova, a dor que foi
obrigado a suportar ao longo da corrida,
a estratégia utilizada, a diferença que foi
ver a família, a namorada e os amigos em
determinado momento, o momento em que
esteve muito próximo de desistir, a emoção
da chegada, o comportamento dos seus
companheiros de seleção, o desejo
de correr distâncias maiores, etc.
Texto: Pedro Justino Alves
Fotos: Miro Cerqueira / Prozis
ENTREVISTA CORREDORES ANÓNIMOS 11
12
CORREDORES ANÓNIMOS
ENTREVISTA
Ao olhar para trás, o que
recorda do Mundial de Trail?
Recordo o momento da
chegada à meta em Badia
Prataglia, depois de todas
as dificuldades antes e
especialmente durante
a prova. O término foi
realmente um momento
único, especialmente
quando prontamente fui
abraçado pelo Luís Duarte
e Hélio Fumo, mas também
recebido com muita alegria
e entusiasmo pela equipa
técnica, pela minha família
e pela minha namorada.
Participou pela primeira
vez num Mundial de
Trail, embora já tenha
representado Portugal num
Mundial de Orientação. As
emoções foram as mesmas?
Para mim, representar o
país é uma das maiores
ambições e, ao mesmo
tempo, responsabilidades
que um atleta pode ter,
independentemente da
modalidade. Por esse ponto
considero que as sensações
são semelhantes, mas
por outro lado não. Na
Orientação acabamos
quase sempre por participar
em mais do que uma
prova durante o Mundial,
o que faz com que a nossa
preparação, concentração
e motivação acabe por ser
um pouco dividida; no Trail
Running tudo se resume
a uma única prova. Nesse
aspeto foi uma experiência
completamente nova e
um despertar de novas
emoções. Numa atmosfera
diferente, o excelente grupo
de atletas e equipa técnica,
liderada pelo selecionador
José Carlos Santos, fez-me
voltar a ter emoções só
comparáveis às minhas
primeiras participações
na seleção nacional de
Orientação com o então
selecionador Bruno Nazário.
Ter uma equipa técnica que
nos faz sentir verdadeiros
atletas, que está disponível
para ajudar e motivar, são
pormenores que fazem toda
a diferença.
É possível fazer uma
comparação entre os dois
Mundiais? Semelhanças,
diferenças, popularidade,
organização, etc.?
Essa é uma tarefa muito
complicada pois são dois
eventos completamente
distintos. Neste momento,
um Mundial de Orientação
é constituído por seis
provas distribuídas por oito
dias, o que faz com que a
logística seja incomparável.
O primeiro Campeonato do
Mundo de Orientação teve
lugar em 1966, na Finlândia,
e a Federação Internacional
de Orientação existe
desde 1961, enquanto o
primeiro Mundial de Trail
Running enquanto disciplina
reconhecida pela IAAF teve
lugar no ano passado, em
Portugal. Na Orientação,
o Mundial é realmente o
grande evento do ano e para
o qual todos os atletas se
preparam, enquanto no Trail
Running sinto que o Mundial
ainda está a tentar ganhar
o seu espaço e notoriedade
como evento, ainda existem
muitos atletas de grande
valia que não consideram
o Mundial como uma prova
apetecível. O Mundial de
Orientação tem atualmente
transmissão televisiva
em direto, passando em
canal aberto nos países
escandinavos devido à
grande popularidade da
modalidade nesses países,
enquanto o Mundial de Trail
Running teve este ano pela
primeira vez a possibilidade
de algum acompanhamento
com imagens online. Em
suma, é impossível fazer
uma comparação dada a
incomparável experiência
entre as duas modalidades,
mas sinto que o Trail
Running está a caminhar
no bom sentido e a passos
largos para obter um
Mundial cada vez melhor
e mais atrativo para atletas
e espetadores.
ENTREVISTA
CORREDORES ANÓNIMOS
13
« O Trail nacional tem tido um
grande desenvolvimento
nos últimos anos e isso
tem sido fantástico,
mas penso que ainda é escassa
a cultura desportiva em Portugal
e isso é por demais evidente
quando, no dia-a-dia, perdem-se
imensas energias a identificar
coisas erradas, arranjar
culpados e competir por objetivos
individuais, muitos deles egoístas,
em vez de debatermos as coisas de
forma saudável e procurarmos
soluções para melhorar a
modalidade como um todo.
Por vezes temos de abdicar
do nosso bem-estar pessoal
por um bem maior e isso poucas
pessoas o fazem »
14
CORREDORES ANÓNIMOS
ENTREVISTA
contribuir para a classificação coletiva e esse
ponto foi inteiramente alcançado.
Foi o terceiro melhor de Portugal, obtendo
a 35.ª posição da geral masculina. Ficou
satisfeito com o resultado?
Ficar em 35.º lugar na geral masculina no
primeiro Mundial da modalidade em que
participo tem de ser sempre motivo de orgulho,
mas, devido à forma como a prova decorreu,
com as dificuldades físicas face a uma
pequena lesão que me surgiu após o último
treino de intensidade na semana anterior ao
Mundial, é óbvio que fica um pequeno sabor
amargo. Ser o terceiro português em prova
não tem um grande significado para mim, pois
nunca encarei essa competição interna, nunca
considerei qualquer um dos companheiros de
seleção como um adversário, mas sim como
um aliado. Não poderia ficar assim satisfeito
por ficar à frente de um companheiro.
Mas concretamente o que esperava do
Mundial?
Para este Mundial esperava sobretudo
aprender e ter uma primeira experiência
internacional, pois nunca tinha participado
numa prova internacional de Trail Running.
Desta forma, o objetivo foi inteiramente
conseguido e agora já consigo ter mais
noção do valor dos atletas internacionais,
assim como aprendi muito em termos de
gestão de hidratação e alimentação com a
equipa técnica. Relativamente a objetivos
competitivos, passava sobretudo por
Como descreveria a sua prova? Poderia fazer
um pequeno resumo da sua corrida?
Comecei a minha prova a tentar encontrar
o meu ritmo na primeira subida longa,
procurando abstrair-me ao máximo da
pequena dor que ainda sentia na coxa direita.
Mas, logo aos três quilómetros, durante
uma pequena descida mais rápida, senti
uma picada forte na coxa e o movimento a
ficar preso. Senti que tudo poderia ficar por
ali… No entanto, rapidamente veio o resto
da primeira subida e não senti dor. Nesse
momento íamos cinco portugueses juntos e
as coisas em termos de equipa pareciam estar
controladas. A seguir veio uma longa descida
e as coisas começaram a ficar um pouco
claras na minha cabeça: descer era mesmo um
sacrilégio, especialmente descidas rolantes.
Não conseguia de todo abstrair-me da dor e
fazer um movimento de corrida normal. Perdi
contacto com os outros portugueses e tentei
seguir no meu ritmo até ao abastecimento dos
23 km, onde estava a equipa técnica. Estava a
dizer a mim próprio que a participação teria de
ficar por ali mas, quando começo a chegar ao
abastecimento, vi a minha família, namorada
e alguns amigos. Foi então que pensei: «Eles
vieram todos de propósito a Itália para me ver e
nem sequer vou terminar a prova?» Entretanto
chego ao abastecimento e queixo-me ao Dr.
Miguel Reis e Silva, que, enquanto me coloca
os géis e os soft flasks cheios na mochila e
me passa os bastões para a mão, me diz algo
do tipo: «Isso não é nada, vamos lá, segue… O
Hélio, o Luís e o André estão bem, a equipa está
bem, acaba isto”». Acho que nem pensei no
que ele me disse, apenas assimilei e acreditei
naquilo como uma verdade absoluta.
Desci a escadaria até ao fundo da barragem
bastante limitado mas depois, na longa
subida, comecei a “bastonar” e lá fui subindo.
A meio encontrei o André Rodrigues, que me
disse que não aguentava mais. Perguntou-me
se precisava de alguma coisa e disse para
continuar porque o Ricardo ia um pouco à
minha frente e não parecia muito bem. Nessa
altura percebi que aquela “teoria” de que o
ENTREVISTA CORREDORES ANÓNIMOS 15
Hélio, o Luís e o André estava
bem lá na frente estava
errada... Mas a verdade é
que sentia-me bastante
esgotado naquele momento
para forçar o ritmo. Lá segui,
tentando não perder mais
tempo. A faltar cerca de 2 km
para o abastecimento dos
35 km passei pelo meu pior
momento na prova. Estava
muito calor e uma descida
bastante íngreme que nunca
mais acabava foi um autêntico
suplício.
Cheguei ao abastecimento
completamente esgotado,
mas ciente de que só
poderia sair de lá quando me
sentisse bem. Bebi, comi,
refresquei-me com água
sobre o corpo. Quando saí
do abastecimento senti-me
realmente revigorado e
comecei a ganhar intensidade
a cada passada. Comecei
a apanhar atletas que há
algum tempo me haviam
ultrapassado até que cheguei
junto do Ricardo. Senti que
ele também não estava bem
e a partir daquele momento
o resultado da equipa estava
nas minhas mãos, já que
seria eu a “fechar” a equipa na
classificação coletiva, coisa
que até aquele momento da
prova não me passava pela
cabeça. Foi quando veio o
de cima todo o querer e fui
passando atletas durante
toda a subida final, além de
passar por mais um sector
de sofrimento na descida
final para a meta. Depois foi
a chegada, quando a emoção
tomou conta de mim…
E qual foi a estratégia para
a prova? Tinha alguma em
concreto?
A estratégia era um pouco
seguir em ritmo moderado
sem forçar muito até ao
abastecimento dos 23 km e
então atacar um pouco na
última parte do percurso,
que já sabia ser muito dura:
No entanto, face à lesão,
tudo acabou por ir por água
abaixo e fui ao sabor dos
acontecimentos.
16
CORREDORES ANÓNIMOS
ENTREVISTA
O que mudaria hoje se pudesse correr
novamente a prova?
Uma vez que a lesão acabou por condicionar
bastante a minha prova, é complicado responder
a esta pergunta. De qualquer forma, podendo,
era isso que mudava! De resto, penso que a
estratégia seria a mais correta para a corrida.
Terminou pouco tempo depois da primeira
mulher. Como analisa a prestação da vencedora,
a gaulesa Adeline Roche (5h00m44)?
Considero que fez uma prova bastante sólida
e de grande nível. Desconhecia por completo o
nível competitivo das mulheres a nível mundial,
mas considero que são bastante fortes. Ela
passou-me logo depois do abastecimento dos
23 km, numa fase bastante má da minha prova.
Foi impossível acompanhá-la.
O Mundial de Trail decorreu na Floresta
Sagrada? O que há de sagrado na floresta?
O Trail Sacred Forest decorreu no Parque
Nazionale delle Foreste Casentinesi, um
parque nacional entre os dois lados da bacia
hidrográfica dos Apeninos, entre a região
Romagna e a Toscana. Esta floresta está
recheada de monumentos históricos, entre
os quais o Sagrado Ermitério e o Mosteiro de
Camaldoli, ou seja, um local cheio de história
religiosa.
Como definiria o percurso? Gostou do mesmo?
O percurso era realmente muito bom, não só
pela extraordinária floresta onde decorreu,
mas principalmente por ser muito variado,
com uma primeira parte mais rolante e uma
segunda parte bastante mais técnica e dura.
Resumidamente, um percurso muito bem
equilibrado e pensado.
O percurso deste ano promoveu a velocidade,
já que a prova teve um percurso de 50 km (o
Mundial realizado em Portugal, no Gerês, no
ano passado, o percurso foi de 86 km). O que
prefere e porquê?
Se é verdade que este ano a prova de 50 km
acabou por levar a ritmos mais elevados em
relação à prova de 85 km do ano passado, isso
não é necessariamente uma verdade absoluta,
pois muitas provas mais curtas conseguem
ser bem mais lentas e técnicas do que muitas
provas mais longas. Relativamente à minha
preferência, é-me impossível saber. Nunca
fiz uma prova de distância superior a 50 km e
mesmo o Campeonato do Mundo foi apenas a
minha terceira prova nesta distância. Sinto, no
entanto, vontade de experimentar distâncias
maiores porque considero ser uma evolução
natural e tenho terminado as provas de 50 km
com a sensação de que ainda conseguiria
continuar mais um pouco. No entanto, o
que acontecerá após os 50 km ainda são
sensações completamente desconhecidas
para mim.
Sentiste mais competitividade no Mundial do
que em outras corridas que participaste? A
diferença é realmente muito grande?
Como já referi, esta foi a minha primeira
experiência numa prova internacional em Trail
Running, até então apenas tinha participado
ENTREVISTA CORREDORES ANÓNIMOS 17
18
CORREDORES ANÓNIMOS
ENTREVISTA
em duas provas dessa
distância em Portugal.
Nessa relação comparativa,
a competitividade é
imensuravelmente superior,
sendo esse facto ainda
agravado pelo facto de,
mesmo no Campeonato
Nacional de Ultra, serem
muito poucas, ou mesmo
inexistentes, as provas onde
estão presentes todos os
melhores atletas nacionais.
Como analisas o pelotão
do Trail? Há grandes
diferenças entre os países
ou, de certo modo, há um
equilíbrio aceitável para
o desenvolvimento da
modalidade?
Considero que ainda é muito
prematuro poder comparar o
pelotão do Trail nacional com
o de outros países com muito
maior cultura de floresta
como a Espanha, França
ou Itália. No entanto, face a
um panorama mais global,
considero que estamos
no excelente caminho. O
Trail nacional tem tido um
grande desenvolvimento
nos últimos anos e isso
tem sido fantástico, mas
penso que ainda é escassa
a cultura desportiva em
Portugal e isso é por demais
evidente quando, no dia-a-dia,
perdem-se imensas energias
a identificar coisas erradas,
arranjar culpados e competir
por objetivos individuais,
muitos deles egoístas, em vez
de debatermos as coisas de
forma saudável e procurarmos
soluções para melhorar a
modalidade como um todo.
Por vezes temos de abdicar do
nosso bem-estar pessoal por
um bem maior e isso poucas
pessoas o fazem.
Como foi correr ao lado dos
principais nomes do Trail?
Teve algum nome que fez
questão de cumprimentar ou
pedir um autógrafo?
Foi sem dúvida uma
extraordinária experiência, da
qual retirei muitos dados para
o futuro. Devido a minha curta
história no Trail, confesso
que ainda não tenho presente
todos os nomes das maiores
estrelas. As minhas principais
referências ainda são atletas
da Orientação, alguns deles
também com algum peso
no Trail, como o suíço Marc
Lauenstein (recentemente
terceiro em Zegama-Aizkorri).
ENTREVISTA CORREDORES ANÓNIMOS 19
« Estava a dizer a mim próprio
que a participação teria de ficar
por ali mas, quando começo a chegar
ao abastecimento, vi a minha família,
namorada e alguns amigos. Foi então
que pensei: “Eles vieram todos de
propósito a Itália para me ver e nem
sequer vou terminar a prova?” »
Talvez por isso não tenha
sentido demasiado o peso da
concorrência…
E em relação a prestação
da seleção masculina e
feminina? Como analisa a
performance da seleção
nacional?
Considero que estivemos
todos de parabéns e estou
muito orgulhoso de pertencer
a este grupo. Como é óbvio,
quase todos queríamos
ter conseguido um pouco
melhor. Isso é muito bom,
pois demonstra uma grande
ambição. Nos masculinos
fomos sextos e falhámos o
objetivo de pelo menos igualar
o quinto lugar do ano passado;
no feminino esteve-se ainda
um pouco mais longe, mas
penso que foi notório o
aumento da competitividade
face ao ano anterior, não só
por ser o segundo ano do
Mundial, mas principalmente
por ser uma distância mais
curta, o que faz com que
apareçam alguns atletas de
distâncias menores a tentar a
sua sorte.
Da comitiva portuguesa,
teve algum(a) atleta que o
surpreendeu?
Para mim ninguém me
surpreendeu, pois já
esperava uma seleção muito
equilibrada e competitiva.
Todavia, tenho de realçar a
atitude no capitão da equipa,
o Armando Teixeira, um atleta
consagrado do Trail mundial
que, face a um problema
que lhe prejudicou a sua
preparação para o Mundial,
não teve qualquer problema
em abdicar do seu resultado
individual em prol da equipa. A
ele, o devido reconhecimento
e obrigado.
E como analisa a preparação
da seleção nacional? Foi a
ideal, o que faltou?
Considero que a foi na
preparação da equipa que
esteve a chave para o sucesso
no Mundial, não só em
termos de resultados, mas
também de espírito de grupo.
A ATRP foi verdadeiramente
incansável em proporcionar
a melhor preparação a todos,
conseguindo inclusive realizar
um estágio no mesmo local
onde decorreu o Mundial. Este
estágio foi verdadeiramente
importante para fazermos o
reconhecimento do percurso
20
CORREDORES ANÓNIMOS
ENTREVISTA
e prepararmos toda a estratégia de prova. De
realçar que fomos umas das muito poucas
seleções a ir fazer este reconhecimento
enquanto equipa completa. Existiram muitos
mais atletas a fazer o mesmo, mas a maioria
título individual.
Quais os seus planos futuros para o Trail?
Neste momento, e após o Mundial, vou
fazer uma pausa competitiva e focar-me
inteiramente na vida académica, pois
terei a Prova Nacional de Seriação para a
especialidade médica a 16 de novembro
deste ano. No entanto, já penso no próximo
ano e quero consolidar-me enquanto atleta
de Ultra Trail. Espero também realizar uma ou
duas provas internacionais na distância da
Maratona, mas para tal terei de reunir apoios
que mo permitam.
Ao longo do mês
de julho, no site
corredoresanonimos.pt,
publicaremos a opinião de
Tiago Cantante Romão sobre
o Trail nacional e 10 conselhos
para quem sonha correr
o Trail Sacred Forests, uma das
provas mais emblemáticas
da modalidade na Europa
ENTREVISTA CORREDORES ANÓNIMOS 21
22
CORREDORES ANÓNIMOS
RECORDAÇÃO
A MAGIA
DA FLORESTA
SAGRADA
Fotos: Miro Cerqueira / Prozis
RECORDAÇÃO CORREDORES ANÓNIMOS 23
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CORREDORES ANÓNIMOS
RECORDAÇÃO
RECORDAÇÃO CORREDORES ANÓNIMOS 25
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CORREDORES ANÓNIMOS
RECORDAÇÃO
RECORDAÇÃO CORREDORES ANÓNIMOS 27
28
CORREDORES ANÓNIMOS
ENQUANTO CORRO
Correr ou
não correr?
Eis a questão!
Tiago Marto
Fisioterapeuta e ex-atleta de Alta Competição de Atletismo
São frequentes as situações em que sou questionado, em âmbito
profissional, acerca do repouso que um atleta deve ter.
Muitas das vezes as dúvidas prendem-se com questões simples,
como se um atleta deve descansar a seguir a uma competição, se
deve repousar quando sente o corpo fatigado ou se deve insistir no
treino, o que deve fazer após um treino mais intenso, etc. Todas estas
dúvidas são válidas e têm uma razão de ser, já que muitas das vezes
melhoramos a componente do treino, o equipamento desportivo e a
suplementação. No entanto, esquecemos o descanso!
O repouso é parte fundamental do treino,
sem ele não há espaço para a evolução. Não
podemos esquecer que, afinal de contas, o
treino existe para nos dar a possibilidade de
evoluirmos e nos tornarmos mais resistentes,
mais rápidos e resilientes. Muitas das vezes
incorremos no erro de não descansarmos o
suficiente e também não o fazemos da forma
mais correta. Expressões como "No Pain,
No Gain" fazem parte do nosso quotidiano e
fazem-nos acreditar que o descanso é para os
fracos e que precisamos sempre de "carregar"
um pouco mais. Eu acredito que os melhores
atletas conseguem encontrar o equilíbrio
ótimo entre a carga de treino, a competição e
a recuperação. E isto, muitas vezes, significa
que têm semanas inteiras em que o treino
específico tem muito pouca expressão.
Há dias tive a oportunidade de perguntar ao
treinador de umas das melhores maratonistas
portuguesas da atualidade qual o período de
repouso que ele aconselhava à sua atleta após
uma Maratona mais importante. Ele revelou
que esse era um ponto que considerava
sagrado, pois só assim poderia esperar uma
melhoria nos resultados da atleta, bem como
tinha a certeza de que atuava também na
prevenção de lesões. Revelou-me, então,
que a sua atleta estava cerca de um mês sem
fazer treino específico após a Maratona mais
importante, dando lugar a treino livre (andar
de bicicleta, nadar, corrida esporádica).
Mesmo o treinador de Usain Bolt, Glenn
Mills, revelou que um dos segredos do seu
ENQUANTO CORRO CORREDORES ANÓNIMOS 29
- antes de pensarmos em meios
complementares de recuperação,
devemos analisar primeiro o nosso
sono e perceber se estamos a
dormir em quantidade e qualidade
adequadas ao nosso esforço.
Muitas das vezes, as queixas
físicas derivam de processos de
sono ineficazes
treino é dar bastante importância
a recuperação, o que significa dias
dedicados apenas ao descanso no
espaço semanal.
Dessa forma, e tentado responder às
perguntas mais específicas…
- o descanso é das componentes
mais importantes do processo
de treino (desde que se treine
corretamente)
- mantendo o respeito pelo plano
de treino, o mesmo não se deve
manter estanque. Se houver
necessidade de descanso, por
vezes o melhor treino é o repouso
- após competição, a recuperação
é sempre mais eficaz se tiver uma
componente ativa (exercício de
intensidade e duração reduzida)
- as dores musculares que surgem
após um treino (chamadas
DOMS) são normais e fazem
parte do processo de adaptação
do organismo ao esforço. Nestas
situações, a recuperação deve
ser ainda mais ativa e não deve
envolver meios complementares
como o gelo ou anti-inflamatórios,
pois comprometem o processo
adaptativo.
- devemos sempre adaptar
os processos de recuperação
(massagem, banhos de gelo,
contraste, pressoterapia,
alongamento) ao treino que
realizamos e não fazer de forma
aleatória.
Há muitas mais questões que
frequentemente são colocadas e, da
mesma forma que o plano de treino
deve ser individualizado, o processo
de recuperação também deve ser
desenhado à medida do esforço e
características de cada atleta.
Dessa forma, com
o treino e recuperação
adequados, os
resultados irão melhorar
exponencialmente e, ao
mesmo tempo, protegeremos
o nosso organismo de
possíveis lesões!
30
CORREDORES ANÓNIMOS
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
EU,
A MINHA BICICLETA
E A ISLÂNDIA
EM 1000 KM
Falta pouco tempo para
Rodrigo Machado começar
literalmente um sonho
que já tem cinco anos.
O projeto «1000 km na
Islândia de bicicleta»
começa em julho e o site
corredoresanonimos.pt vai
acompanhar esta incrível
aventura. Neste texto,
o protagonista da viagem
solitária responde a uma
questão que todos lhe
colocam: «Sozinho? Mas
porque vais sozinho?»
Texto: Rodrigo Machado
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA CORREDORES ANÓNIMOS 31
Sozinho? Mas porque vais sozinho?
Esta a questão mais frequente desde
que fui tornando público o meu projeto.
Na verdade, a ideia de pedalar pela
Islândia surge logo após ter desistido
de fazer uma travessia, também de
bicicleta, de Lassa, capital do Tibete,
até Kathmandu, capital do Nepal,
devido ao Governo chinês impor um
acompanhamento permanente de um
guia local acompanhando-me de jeep,
o que considerei que desvirtuava a
minha aventura.
E, ao ir pensando em todos os fatores,
no porquê, na viabilidade, etc., sempre
me vinha à ideia de ir sozinho. A certa
altura não tinha dúvidas
32
CORREDORES ANÓNIMOS
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
de que o sentido que eu procurava
estava diretamente relacionado com
o facto de ir em modo solitário. Estava
decidido: quando fosse seria só eu e a
minha bicicleta!
Já realizei viagens e aventuras
sozinho, tanto de bicicleta como de
outras formas, e em situação alguma
senti solidão. Desta forma, descobri
que a minha predisposição para
socializar e interagir com a população
local e outros viajantes é muito maior.
Li algures uma frase mais ou menos
assim: «Se viajares sozinho vais
conhecer muitas pessoas; se viajares
com alguém vais conhecer algumas
pessoas; se viajares com vários vão se
conhecer bem uns aos outros.»
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA CORREDORES ANÓNIMOS 33
Tenho por gosto e creio que
sempre fez parte de mim
efetuar viagens em que os
fatores Desporto, Natureza
e Aventura estivessem
sempre presentes. Já
atravessei cordilheiras a
pé, subi montanhas, desci
rios em kayak e de bicicleta;
conheci locais lindos em
Portugal; pedalei pela Europa
Central numa viagem que se
iniciou em Munique, passou
por Viena, por Bratislava e
terminou em Budapeste,
800km depois sempre,
acompanhando o rio Danúbio;
por Espanha também por
lá andei, tendo ficado na
memória para sempre os
850 km do Caminho Francês
de Santiago; em família
percorremos de bicicleta o
norte da Holanda e ilhas com
um atrelado próprio, levando
o nosso filho de 17 meses
na altura; e, no ano passado,
agora já com 4 anos, fizemos
também questão de o levar
numa viagem de bicicleta
em que saímos de Berlim e
só parámos de pedalar em
Copenhaga, mais de 700 km
depois…
A Islândia, como destino
para uma viagem de mais
de 1000 km em solitário e
total autonomia, percorrendo
zonas remotas e desérticas,
surge precisamente por
todo o esplendor que esta
Ilha/país nos oferece. As
paisagens vulcânicas,
glaciares, os cursos de águas
e suas cascatas, a fauna,
a flora e a baixa densidade
populacional com o mar
sempre ali faz com que seja
considerado por muitos
viajantes um dos países
mais bonitos do mundo. Com
uma meteorologia bastante
agreste, com predominância
para baixas temperaturas
e ventos fortes, faz com
que a época anualmente
considerada possível para
este tipo de aventura seja
muito curta. Na teoria, apenas
entre meio de Julho e final de
Agosto.
Assim, decidi partir
precisamente nesta altura
para apanhar o início do
Verão, de forma a aumentar
substancialmente as chances
de sucesso da rota que
desenhei e pretendo efetuar. O
plano é partir precisamente da
capital, Reykjavik, em direção
ao Norte da ilha, até atingir o
mar, seguindo depois a orla
marítima até Husavic, cidade
piscatória onde, no passado,
partiram os barcos de caça
à baleia e onde hoje em dia é
possível
«Se viajares
sozinho vais
conhecer
muitas pessoas;
se viajares
com alguém
vais conhecer
algumas
pessoas; se
viajares com
vários vão se
conhecer bem
uns aos outros.»
observar estes cetáceos.
Daqui rumo ao Sul, efetuando
uma travessia precisamente
pelo centro da ilha, por
uma rota praticamente
desértica apelidada de
Sprengisandur Route e onde
o apoio e abastecimentos
serão inexistentes, o que
me obrigará a iniciar com
mantimentos para num
mínimo de cinco dias. Nesta
rota, a travessia a vau de
cursos de água será uma
constante e um fator a ter em
muita atenção. Atingido o Sul
da ilha, rumarei em direção
ao ponto de início, onde conto
chegar entre três a quatro
semanas.
34
CORREDORES ANÓNIMOS
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA CORREDORES ANÓNIMOS 35
«Sendo também
um corredor
de Trail, com
participação regular
nas provas mais
emblemáticas do
país e obrigando-me
assim a manter
uma preparação
constante e um nível
físico adequado,
conto estar apto
fisicamente para
enfrentar as duras
e longas subidas
que por vezes serei
brindado nas etapas
e, principalmente,
poder reagir e
enfrentar os tão
famosos ventos do
Atlântico Norte, que
poderão mesmo
obrigar a alterações
ao plano inicial.»
Sendo também um corredor de Trail, com participação
regular nas provas mais emblemáticas do país e
obrigando-me assim a manter uma preparação
constante e um nível físico adequado, conto estar
apto fisicamente para enfrentar as duras e longas
subidas que por vezes serei brindado nas etapas
e, principalmente, poder reagir e enfrentar os tão
famosos ventos do Atlântico Norte, que poderão
mesmo obrigar a alterações ao plano inicial.
Este sonho já leva mais de 5 anos e de sonho
transformei em projeto e de projeto em realidade.
Existiu sempre fatores e questões que muitas vezes
fizeram-me vacilar, mesmo recuar na decisão, fatores
económicos, profissionais, familiares e logísticos.
Mas a vida já me mostrou diversas vezes que, se
estamos à espera de ter as condições ideias para
realizar algo, o mais certo é mesmo nunca fazermos
nada na vida. Não tenho todas as condições que
idealizei e queria, mas a vontade de partir hoje é
imensa, mais forte que tudo e felizmente venceu
todos os obstáculos até aqui.
A vida é uma intensa busca e muitas vezes nós não
sabemos bem aquilo que buscamos. No entanto,
nunca deixamos de acreditar e, acreditando, tudo nos
é e sempre será possível.
36
CORREDORES ANÓNIMOS
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
O ADORADO ZÉ
NINGUÉM DE GEORGE
E WEEDON GROSSMITH
Considerada uma das
principais obras do
género humorístico
em inglês, a Tintada-China
editou
recentemente «Diário
de um Zé Ninguém»,
de George e Weedon
Grossmith, o novo
título da coleção de
literatura de humor de
Ricardo Araújo Pereira.
Prepare-se para sorrir
neste Verão.
Texto: Pedro Justino Alves
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA CORREDORES ANÓNIMOS 37
Antes de tudo, é de referir que
o livro poderá causar alguma
frustração em leitores que
procuram encontrar uma obra
de “humor brejeiro”, já que uma
leitura menos atenta terá como
consequência a impossibilidade
de captar o fino e quase
impercetível humor de G. & W.
Grossmith. E é precisamente
esse “pormenor” que transforma
esta obra numa das referências
do género.
Na realidade, estamos perante
uma espécie de crónica social,
com os autores a aproveitarem o
personagem Sr. Charles Pooter,
o Zé Ninguém do título, para
apresentarem uma sátira voraz
contra a classe média suburbana
inglesa de finais do século
XIX. No fundo, o que deseja o
protagonista é apenas paz e
desfrutar da sua nova casa, nos
subúrbios de Londres, ao lado da
sua mulher, Carry. Mas a verdade
é que acaba por ser importunado
por vorazes comerciantes,
funcionários administrativos que
ficam aquém do esperado e pelos
inconvenientes “amigos”, mas
também pelo Lupin, que regressa
ao lar após ser despedido (e leva
consigo as suas amizades mais
do que questionáveis…). Ou seja,
definitivamente a vida não está
fácil para Pooter, como podemos
verificar através do seu diário…
«Diário de um Zé Ninguém»
apresenta assim uma deliciosa
comédia de costumes na qual
a crítica é colocada de forma
elegante e inteligente. As
maneiras e os hábitos vitorianos
são olhados aos milímetros pelos
autores, que fazem questão de
oferecerem um leque memorável
de personagens bastante
díspares entre si, o que aumenta
a riqueza do livro.
A ironia ao longo das páginas
é constante, com George e
Weedon Grossmith a controlarem
com grande segurança a história,
preenchida de pequenas histórias,
uma mais rica do que a outra, fruto
das mais absurdas situações
criadas pelos autores. Deste
modo, «Diário de um Zé Ninguém»
consegue a proeza de manter o
frenético ritmo ao longo das cerca
de 200 páginas, com a ironia a
ser algo constante em todos os
momentos. Os autores controlam
por completo a intensidade do
texto, sendo a escolha do “diário”
para relatar a história uma decisão
mais do que acertada. A verdade
é que dificilmente teríamos a
riqueza que temos se a opção
escolhida fosse, por exemplo,
um texto narrativo.
Por último, de referir que
George Grossmith (Londres,
1847 – Folkstone, 1912) foi um
comediante inglês, escritor,
compositor, ator e músico. Já
o seu irmão, Weedon (Londres,
1854 – 1919), foi escritor, pintor,
ator e dramaturgo. São aliás
das suas mãos que saíram
as ilustrações que podemos
encontrar no interior do livro.
No entanto, pelo menos neste
caso, as imagens não valem
as palavras…
Mapa