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Revista Curinga Edição 05

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Audálio Dantas<br />

<strong>Curinga</strong>: Você foi<br />

presidente do Sindicato<br />

dos Jornalistas Profissionais<br />

do Estado de São Paulo<br />

durante a Ditadura. Militar<br />

Como foi essa luta pela<br />

liberdade de imprensa?<br />

Audálio: Os jornalistas<br />

vinham sofrendo um<br />

problema fundamental: a<br />

questão da censura. Quando<br />

a diretoria que presidi<br />

foi eleita, tinha um propósito<br />

muito mais trabalhista<br />

do que sindical. Ela queria<br />

lutar contra a censura que<br />

atingia não só os jornalistas,<br />

mas também a sociedade.<br />

O Sindicato dos Jornalistas<br />

foi transformado<br />

numa espécie de trincheira.<br />

Era procurado por pessoas<br />

cujos membros da família,<br />

amigos e colegas de profissão<br />

estavam sendo presos e<br />

torturados.<br />

C: Como seu livro “As Duas<br />

Guerras de Vlado Herzog”<br />

relata esse período?<br />

A: O principal objetivo<br />

do livro foi reconstituir a<br />

história do ponto de vista<br />

do Sindicato dos Jornalistas,<br />

porque muita gente<br />

fala que houve uma reação,<br />

mas as pessoas me perguntavam:<br />

como? De que jeito?<br />

Provocada pelo que? Costumo<br />

dizer que o livro tem<br />

uma visão de dentro para<br />

fora, que é a minha visão.<br />

Eu vivi intensamente todos<br />

aqueles dias e acho que consegui<br />

colocar isso no livro.<br />

Quando eu comecei a escrever,<br />

senti que aquilo ia sair<br />

de uma vez, foi quase como<br />

um vômito.<br />

C: Durante a pesquisa desenvolvida<br />

para a elaboração<br />

do livro, quais incômodos<br />

despontaram ao tratar<br />

da morte de “Vlado”?<br />

A: Na busca sobre informações<br />

da morte de Vlado<br />

no Arquivo Nacional, em<br />

2011, a direção me exigiu<br />

apresentar a certidão de<br />

óbito dele. Então eu fiquei<br />

indignado, porque não entendia<br />

como o governo brasileiro,<br />

depois de 30 anos,<br />

me pede um documento<br />

desse, falso. O atestado dizia<br />

que ele havia se enforcado,<br />

quando na verdade ele morreu<br />

sendo torturado. Hoje, o<br />

registro de óbito consta que<br />

ele morreu através de violência<br />

dentro da prisão.<br />

C: A Comissão da<br />

Verdade dos Jornalistas<br />

Brasileiros, presidida por<br />

você, foi responsável por<br />

retificar esse registro. Há<br />

esperança de um veredito<br />

oficial e definitivo sobre o<br />

sequestro e assassinato<br />

de Vladimir Herzog e de<br />

outros jornalistas?<br />

A: Isso é o que esperamos.<br />

A instauração da Comissão<br />

da Verdade dos Jornalistas<br />

tem esse objetivo,<br />

porque muitos desses casos<br />

ficavam relatados somente<br />

pela Comissão da Anistia.<br />

Até hoje não se sabe direito<br />

o que aconteceu. A Comissão<br />

da Verdade não tem autoridade<br />

pra punir ninguém,<br />

mas tem o dever de apontar<br />

para a sociedade os nomes<br />

dos autores desses assassinatos,<br />

e isso já é importante<br />

para que sejam punidos pela<br />

opinião pública, por conta<br />

dos crimes que cometeram.<br />

C: Qual a contribuição<br />

deixada pela luta de vocês<br />

para os governos pós-<br />

Ditadura?<br />

A: As liberdades que o<br />

país desfruta hoje são o resultado<br />

do movimento operário,<br />

que estava sufocado.<br />

No entanto, é estranho que<br />

os governos democráticos<br />

que vieram depois da Ditadura,<br />

graças a essas lutas,<br />

tenham ocupado o poder<br />

sem a devida coragem para<br />

enfrentar, inclusive, a questão<br />

do acesso aos documentos<br />

do Regime. Nós avançamos<br />

muito e recuperamos<br />

as liberdades fundamentais,<br />

afinal nós contribuímos<br />

para diminuir a censura<br />

nesse sentido.<br />

C: A Ditadura Militar estará<br />

sempre presente nas<br />

nossas vidas de alguma<br />

maneira?<br />

A: Sim, mas não para<br />

o resto da vida. Depende<br />

da capacidade de mobilização<br />

da sociedade brasileira.<br />

Infelizmente, a Ditadura<br />

Militar causou um prejuízo<br />

muito grande. Uma geração<br />

inteira foi sacrificada, alienada.<br />

Tivemos um apagão<br />

da história nesse período.<br />

C: Por que?<br />

A: As pessoas, hoje em dia,<br />

têm medo de discutir as<br />

dificuldades que o país enfrenta.<br />

Depois da fase do<br />

neoliberalismo no país, elas<br />

agiram com receio, umas<br />

com medo de perder o emprego,<br />

outras que foram em<br />

busca de um diploma, apenas<br />

para competir ao invés<br />

de tê-lo como bem público.<br />

Mas, ainda assim, a sociedade<br />

vai caminhando.<br />

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