Revista Dr Plinio 239
Fevereiro de 2018
Fevereiro de 2018
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Dona Lucilia<br />
O xale lilás<br />
O xale tem algo de supérfluo que bem manuseado pode dar<br />
ares de nobreza, de dignidade. Para uma senhora que tem a<br />
idade do Sol quando se põe, convém um xale discreto, distinto,<br />
mas que orne os ocasos. E uma das cores adequadas para Dona<br />
Lucilia era o lilás, que possui alguma coisa do refletido, do<br />
tristonho, do organizado, daquilo que já caminha para o fim.<br />
Embora um espírito não tenha<br />
cor, pois não é de natureza<br />
material, pode-se relacionar<br />
estados de alma a determinadas<br />
cores, procurando ver nelas o espírito<br />
que se reflete. Assim, poderíamos nos<br />
perguntar se existe um espírito cor de<br />
amaretto, nacarado ou dourado. A cor<br />
é apenas um símbolo material de um<br />
estado de alma espiritual, imaterial.<br />
Cor, aroma, som, sabor e<br />
traçado de uma linha<br />
Numa primeira abordagem, a resposta<br />
à pergunta resulta em uma banalidade,<br />
porque é claro que a estados<br />
de espírito correspondem cores. Por<br />
exemplo, ao negro corresponde o luto.<br />
E não é por uma analogia, por uma relação<br />
convencional, mas por uma correspondência<br />
natural. O homem que<br />
está morto não vê, não sente. Ele está<br />
para com a vida como um cego para<br />
a feeria das luzes, quer dizer, não vê.<br />
Encontra-se numa noite, num escuro<br />
“eterno”, em que ele não vê nada.<br />
Por outro lado, há cores festivas<br />
que indicam estados de alma jubilosos,<br />
triunfais, como existem cores e<br />
tonalidades que denotam o repouso.<br />
A experiência mostra que os artistas<br />
utilizam em suas obras esta ou<br />
aquela cor para exprimir um determinado<br />
estado de espírito. Logo, essa<br />
reversibilidade existe.<br />
Entretanto, poderíamos ir mais<br />
longe e perguntar se nos seria possível,<br />
tratando com pessoas, perceber<br />
que cor corresponde a este ou àquele<br />
indivíduo como mentalidade e se,<br />
portanto, as pessoas têm cores, nesse<br />
sentido. Evidentemente não entra<br />
em consideração aqui a etnia.<br />
Se estabelecermos com uma pessoa<br />
um contato no qual ela não se sinta<br />
forçada a representar um papel,<br />
não tenha o empenho de se falsificar<br />
para se tornar agradável; portanto,<br />
tomada a pessoa na sua autenticidade,<br />
e suposto um convívio em que,<br />
pela continuidade, os vários aspectos<br />
dela vão aparecendo e se completando<br />
– o que não implica em um convívio<br />
necessariamente muito longo,<br />
basta que seja proporcionado ao discernimento<br />
do observador –, poderíamos<br />
dizer que cada pessoa causa uma<br />
impressão dominante. A meu ver, essa<br />
impressão dominante seria redutível,<br />
simbolizável numa cor.<br />
Até acho mais: se, como vimos, a cada<br />
pessoa poderia corresponder uma<br />
cor ou uma tonalidade dentro de uma<br />
cor, donde decorreria matizações mais<br />
ou menos indefinidas, também a cada<br />
família poderia corresponder uma cor,<br />
como um aroma, um som, um sabor.<br />
Isso ocorre também com as formas,<br />
pois o modo habitual de caminhar na<br />
vida, a conduta da pessoa ou da família<br />
seria passível se reduzir ao traçado<br />
de uma linha. Assim, há pessoas cuja<br />
conduta é simbolizada por uma linha<br />
cambaleante, outras por uma linha reta,<br />
e outras ainda pela espiral.<br />
O prático e o estético<br />
A única pessoa que eu reduzi a uma<br />
cor, muitos anos depois de ter cessado<br />
minha convivência com ela, foi mamãe.<br />
Realmente o brilho de ametista<br />
era bem o lumen dela. Pude notar que<br />
o meu gosto pela ametista, já quando<br />
Dona Lucilia era viva, correspondia a<br />
um modo de querê-la bem.<br />
Enquanto ela estava viva, eu<br />
nunca fiz esta reversão. A posteriori,<br />
quando cheguei a realizá-la, dei-<br />
-me conta de quanto tudo que cercava<br />
mamãe estava imerso naquela<br />
luminosidade da ametista, de cor<br />
um pouco dada a escura. Não é, portanto,<br />
dessas ametistas um pouco esbranquiçadas.<br />
É ametista de valor,<br />
de cor nutrida, quase de quaresma.<br />
O xale que ela usava continuamente<br />
estava em consonância com isso.<br />
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