Tavares -Jogos Desportivos Coletivos
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PERCEBER, CONHECER, DECIDIR E AGIR NOS JOGOS DESPORTIVOS<br />
COLECTIVOS<br />
Fernando <strong>Tavares</strong>*, Pablo Greco**, Júlio Garganta*<br />
* FCDEF-UP, Portugal; ** UFMG – Belo Horizonte, Brasil<br />
<strong>Tavares</strong>, F., Greco, P. & Garganta, J. (2006). Perceber, conhecer, decidir e agir nos jogos desportivos colectivos. In Go Tani, J. Bento & R.<br />
Peterson (Eds.), Pedagogia do Desporto (pp.284-298). Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.<br />
“Aprender não é nunca chegar a ser capaz de repetir o mesmo gesto, mas<br />
de, perante a situação, dar uma resposta adaptada por meios diferentes”<br />
Merleau-Ponty<br />
1. Introdução<br />
No campeonato mundial de Futebol na cidade do México, em 1970, no jogo contra o Uruguai,<br />
Edson Arantes do Nascimento, Pelé, corre em direcção à baliza adversária para receber um passe<br />
em profundidade, no espaço livre de defensores. O lançador estava posicionado no sector<br />
esquerdo da quadra no próprio campo de defesa, e o passe foi direccionado para o sector direito<br />
do campo, próximo da área adversária. Geralmente, os atletas que correm para receber um passe<br />
com essas características, procuram dominar a bola e depois definir a jogada, por exemplo,<br />
driblando o guarda-redes oponente. Antecipando a saída e a possível acção do guarda-redes<br />
adversário, Pelé passa por cima da bola, continua sua corrida deslocando-se do lado do oponente,<br />
isto é, do lado contrário ao da bola, sem a tocar. O guarda-redes, esperando a tradicional acção,<br />
fica perplexo, não se define, surpreso pela genialidade, a inovação (uma raridade estatística), a<br />
flexibilidade e a adequação da acção, características estas inerentes ao acto criativo, segundo<br />
Guilford, (1950). Aparentemente o guarda-redes não consegue processar a informação. A bola<br />
cruza pela sua frente numa direcção e Pelé, pelo lado oposto a mesma, noutra direcção.<br />
Continuando na sua corrida, Pelé gira o corpo e vai atrás da bola, encontra-se com ela e chuta na<br />
direcção da baliza livre, enquanto o defesa central adversário procura interceptá-la. A sensação<br />
de golo é iminente, mas caprichosamente a bola cruza toda a linha de baliza, e sai do campo,<br />
rente ao poste, pela linha de fundo. O estádio fica mudo, decorre um “prolongado instante”.<br />
Milésimas de segundos depois, os aplausos do público em pé, aparecem como prémio à<br />
genialidade, timidamente no início, ensurdecedores depois...
O que levou o atleta do século a tomar essa decisão? Como numa situação tão frequente do jogo<br />
de Futebol, surge uma solução tão criativa? O que diferencia o conhecimento dos atletas exímios<br />
do conhecimento dos praticantes vulgares?<br />
Quantas acções de Eusébio, Figo, Garrincha, Maradona, Ronaldo Gaúcho, Tostão e tantos outros<br />
no Futebol, do “Magic” Johnson, do “air” Jordan no Basquetebol, do Agassi, no Ténis, Deckarm,<br />
Balick, Vujovick, no Andebol... (aqui você leitor, imagina as acções do seu atleta e desporto<br />
predilecto) já o encantaram?<br />
A capacidade para prever e “ler” as intenções dos adversários e formular uma resposta<br />
apropriada baseada em aspectos estratégicos, tácticos e técnicos, tem sido considerada como<br />
crucial para o rendimento nos jogos desportivos colectivos (JDC). As competências cognitivas,<br />
fundamentalmente no que diz respeito às capacidades de antecipação e tomada de decisão, têm<br />
um papel fundamental na formação e preparação do jovem jogador e na fase inicial deste<br />
processo poderão determinar o sucesso na competição.<br />
Estudos realizados por Abernethy (1988), Williams e Grant (1999) e Williams e Ward (2003),<br />
têm conseguido demonstrar melhorias no rendimento cognitivo através da aplicação de<br />
programas de treino elaborados para o desenvolvimento dessas competências, provando que é<br />
possível desenvolver a percepção, a atenção e a capacidade em resolver os problemas no quadro<br />
do processo de treino. Este treino tem como finalidade, permitir um melhor transfer das<br />
aprendizagens realizadas nele para a situação de competição. Do mesmo modo que as<br />
habilidades técnicas, também a capacidade de pensar e de agir pode ser treinada. Se dotarmos<br />
aos atletas das competências adequadas para que melhor possam ler o jogo, se lhes facultarmos<br />
indicadores de referência, então eles poderão alcançar melhores prestações, experimentando<br />
simultaneamente menos frustrações e minorando as transgressões às regras.<br />
Nos JDC as habilidades do jogo são de “natureza aberta”. Dado que se realizam<br />
predominantemente em situações de envolvimento imprevisível, a sua oportunidade e em parte a<br />
sua execução estão dependentes das configurações particulares de cada momento do jogo, que<br />
ditam o tempo e o espaço para a sua realização (Graça, 1994). Deste modo, elas são<br />
condicionadas por constrangimentos externos (posição e movimentos dos colegas e adversários,<br />
zona do terreno ou adversário a defender ou a atacar, distância do alvo, trajectórias e velocidade<br />
da bola, etc.), e, por isso, a capacidade perceptiva e a tomada de decisão desempenham um papel<br />
crucial na aprendizagem dessas habilidades (<strong>Tavares</strong>, 1993, 1994).<br />
Num processo de aprendizagem desta natureza, estão implicados os problemas da selecção da<br />
resposta adequada à situação (que inclui a escolha da habilidade técnica) e da sua eficácia (que
esulta da adaptação ou oportunidade da escolha bem como do seu resultado), que se inserem no<br />
domínio da táctica desportiva. Mas o problema da competência de execução motora de uma<br />
habilidade técnica pode-se também colocar do ponto de vista da sua eficiência, i.e., a execução<br />
correcta da habilidade do ponto de vista essencialmente mecânico, e neste caso, estamos<br />
claramente no domínio da técnica. A ideia será então a de desde cedo colocar os principiantes<br />
perante situações que solicitem estes dois tipos de problemas. Assim, a aprendizagem e o<br />
aperfeiçoamento das habilidades de jogo requerem uma orientação pedagógica cuidada, para que<br />
não fique comprometida a evolução dos jovens jogadores, sendo necessário ajustar a técnica às<br />
capacidades e características dos praticantes.<br />
Com o presente trabalho, pretende-se contribuir para a compreensão e importância das<br />
competências cognitivas na formação e preparação dos jogadores e das equipas nos JDC.<br />
2. <strong>Jogos</strong> <strong>Desportivos</strong> Colectivos: semelhanças e diferenças<br />
Vários autores destacam as semelhanças estruturais e funcionais no âmbito dos JDC (Bunker e<br />
Thorpe, 1982; Griffin et al., 1997; Garganta, 1994; Riera, 1995; Greco e Benda, 1998; Kröger e<br />
Roth, 1999). A identidade destes jogos materializa-se na variabilidade das constelações de ataque<br />
e defesa, nas características da velocidade de jogo, na imprevisibilidade do contexto ambiental e<br />
na riqueza das variações tácticas. Em todos os JDC a qualidade do conhecimento táctico dos<br />
atletas para a escolher “o que fazer”, tomar uma decisão táctica, une-se à beleza da habilidade<br />
técnica, ao “como fazer”, isto é, à motricidade escolhida para concretizar a acção, que surpreende<br />
tanto os espectadores como os próprios praticantes e pesquisadores.<br />
Segundo Garganta (1994, 2004) a resolução dos problemas e das tarefas do jogo que implicam<br />
tomar decisões táctico-técnicas, constituem um permanente “apelo à inteligência enquanto<br />
capacidade de adaptação a um contexto em permanente mudança”. Nos JDC, frequentemente, o<br />
atleta concretiza a acção através da aplicação de uma técnica, defronta-se com problemas que<br />
exigem soluções num sistema de múltiplas referências, nos quais existem pressões e solicitações<br />
fisiológicas e funcionais. Portanto, condicionam-se e requerem-se paralelamente, as suas funções<br />
psicológicas, especificamente os processos cognitivos, para “o que fazer” e o “como fazer”. Sua<br />
acção, na escolha de decisões tácticas no jogo, torna-se produto do acoplamento entre cognição e<br />
acção, i.e., converte-se numa cogni(a)cção? (Greco, 2004).<br />
Aquelas características inerentes à identidade dos JDC convertem-se em pré-requisito do<br />
rendimento do atleta, porque fundam os parâmetros de pressão da acção, particularmente para os<br />
jovens praticantes, solicitando-lhes um comportamento táctico-técnico ajustado. Segundo Nitsch
(1986), a acção desportiva é um processo intencional, dirigido e regulado psiquicamente, ou seja,<br />
a intencionalidade das acções é determinada pelos objectivos tácticos específicos na situação<br />
concreta de jogo.<br />
Em todo comportamento (táctico-técnico), os processos internos (fisiológicos, biológicos,<br />
cognitivos, etc.) que o compõem interagem, são dinâmicos e relacionam-se com o marco sócioambiental,<br />
compondo um contexto situacional específico, único e dificilmente reproduzível.<br />
Neste contexto, a importância atribuída nas pesquisas nos últimos dez anos à capacidade táctica e<br />
aos processos cognitivos subjacentes à mesma, reconhece a necessidade de se dimensionar<br />
(quantitativa e qualitativamente) o processo de ensino-aprendizagem-treino, no âmbito da<br />
expertise desportiva.<br />
Sendo assim, e resguardando o interesse e reconhecimento tradicional da importância da<br />
qualidade da execução técnica nas acções no jogo, têm-se procurado estabelecer e investigar os<br />
processos cognitivos inerentes à tomada de decisão na óptica da aquisição do conhecimento<br />
táctico-técnico e sua implicação no comportamento em jogo. Isto é, a pesquisa nas área do treino<br />
desportivo e da psicologia do deporto e do treinamento enfatizam a importância que deve ser<br />
dada à análise dos processos mentais internos que conduzem e regulam o comportamento táctico,<br />
caracterizado também como um comportamento inteligente.<br />
3. O rendimento motor enquanto produto do processamento de informação<br />
Apreciar a habilidade motora de um jogador supõe poder relacionar o seu rendimento com a<br />
dificuldade da tarefa a realizar. Assim sendo, o jogador eficiente será aquele que é capaz de<br />
alcançar os objectivos da tarefa quando confrontado com elevados constrangimentos de<br />
realização das mesmas. Tal significa, que nos JDC, onde o volume informativo é elevado, o<br />
rendimento motor pode medir-se na opinião de Temprado e Famose (1993) pela exactidão da<br />
selecção dos objectivos que se perseguem, pela adequação dos programas de respostas utilizadas<br />
para alcançar os objectivos fixados assim como pela rapidez e a precisão da execução. Por<br />
conseguinte, para ser eficaz, o jogador deve ser capaz de produzir rapidamente uma resposta<br />
adequada e executá-la com precisão apesar das condições de processamento da informação que<br />
aumentam a dificuldade da tarefa (quantidade de informação a tratar, pressão temporal, pressão<br />
exigida pela execução, etc.).<br />
Para compreender o comportamento do jogador, no que diz respeito à sua acção durante o jogo,<br />
tem-se recorrido à análise dos processos de processamento da informação que antecedem a<br />
execução das habilidades motoras. O conceito de processamento da informação tem sido
operacionalizado por diferentes modelos que comportam várias fases de transformação desde a<br />
entrada sensorial das informações (input) até à saída motora (output). A fase é constituída por um<br />
conjunto de operações de transformação da informação orientadas para o mesmo objectivo. De<br />
acordo com o modelo apresentado por Temprado e Famose (1993) (ver figura1), as fases<br />
distribuem-se por: (i) uma Vertente Perceptiva, cuja função principal é permitir ao sujeito<br />
identificar a informação recebida e compreendê-la; (ii) uma Vertente de Decisão na qual o<br />
sujeito efectua a selecção da resposta e toma a decisão considerada apropriada; e (iii) uma<br />
Vertente Motora no decurso da qual se realizam as operações de programação motora e à qual<br />
compete a execução propriamente dita.<br />
TRATAMENTO CENTRAL<br />
Informaçõeses<br />
VERTENTE<br />
PERCEPTIVA<br />
VERTENTE<br />
DE<br />
DECISÃO<br />
VERTENTE<br />
MOTORA<br />
Execução<br />
Sensoriais<br />
Identificação<br />
Selecção<br />
de<br />
Resposta<br />
Programação<br />
do<br />
Movimento<br />
Motora<br />
Figura 1 – Modelo simplificado de processamento da informação (Temprado e Famose, 1993).<br />
Este é um modelo em que a informação é processada de forma sequencial e na qual as fases se<br />
sucedem sem recuperação temporal, i.e., a informação só passa de uma para a outra fase depois<br />
de ter sido tratada, o que torna mais longa a duração do respectivo processamento. É o tipo de<br />
situação que se verifica nos jogadores principiantes ou mesmo quando situações novas de nível<br />
de complexidade elevado são apresentadas a jogadores confirmados.<br />
Ripoll (1987) caracteriza o nível cognitivo dos jogadores principiantes, da seguinte forma: (i) a<br />
informação recebida é pontual e corresponde a um conjunto de acontecimentos, sendo tratada<br />
sobretudo em visão central; (ii) a leitura dos diferentes acontecimentos é feita em ordem<br />
cronológica das suas aparições; (iii) um número importante de acontecimentos é analisado; (iv) o<br />
tempo destinado a consultar cada um dos acontecimentos é curto, pelo que a informação é
incompleta; (v) o tempo total de análise é longo, existindo um longo período de tempo entre a<br />
recepção da informação e o desencadeamento da resposta; (vi) as respostas motoras são muitas<br />
vezes inadequadas.<br />
No entanto, uma segunda perspectiva concebe a ocorrência do processamento da informação em<br />
paralelo, em que as operações mentais são realizadas como um processo em cascata, i.e., de<br />
forma simultânea (McClelland, 1979). A informação passa de uma fase para a outra de modo a<br />
que a resposta possa ser produzida enquanto o input externo está ainda a ser filtrado pelo sistema<br />
perceptivo e produzindo o output desde a fase da memória, o que no caso contribui para reduzir a<br />
sua duração (McClelland, 1979; Miller, 1988). É o caso dos jogadores de melhor nível de prática<br />
(expert), que já na situação de realização de uma tarefa motora, conseguem manter o sistema<br />
perceptivo activo, recebendo novas informações e decidindo sobre as mesmas. Contudo, nas<br />
situações mais complexas de jogo, a informação a identificar exigirá tanto maior processamento<br />
quanto maior for a incerteza associada ao sinal informativo recebido. Esta incerteza reveste-se de<br />
várias formas que se podem combinar entre elas: incerteza espacial, incerteza temporal, incerteza<br />
do acontecimento, incerteza ligada à discriminação incerteza ligada ao tempo de processamento<br />
da informação.<br />
Sabe-se que os jovens tratam as informações menos eficazmente do que o adulto, porque gastam<br />
mais tempo, tratam menos informações de cada vez e fazem-no geralmente de forma sequencial<br />
(Durand, 1987). As dificuldades estão relacionadas, sobretudo, com as etapas de identificação e<br />
selecção da resposta, i.e., as etapas mais implicadas na tomada de decisão (Nougier, 1992). Esta<br />
limitação do processamento de informação no jovem pode ser devida à incapacidade para se<br />
manter concentrado durante um período de tempo prolongado, bem como à impossibilidade de<br />
amazenar, conservar e restituir as informações que influenciam a eficácia do processamento.<br />
Nougier (1989) reporta que a análise das relações entre os factores idade e nível de experiência,<br />
permitiu verificar uma diminuição relativamente regular do tempo de tratamento entre os 13 e 16<br />
anos e uma diminuição mais acentuada, entre os 16 anos e a idade adulta. De acordo com esta<br />
observação, o mesmo autor sustenta que os efeitos da experiência aceleram a redução geral do<br />
tempo de processamento em função da idade. Deste modo, para além dos 13 anos o ganho no<br />
processamento da informação seria devido mais ao nível da experiência dos indivíduos, do que à<br />
sua idade. Neste contexto, o que se modifica são, fundamentalmente, as estratégias colocadas em<br />
jogo pelos indivíduos. Nougier (1989) considera ainda que a partir dos 16 anos, os resultados se<br />
tornam mais próximos dos obtidos pelos indivíduos adultos. Como os dados parecem sugerir, no
caso dos praticantes desportivos, o nível de experiência permite compensar, parcial ou<br />
totalmente, os efeitos da incerteza.<br />
3.1. O compromisso velocidade-exactidão da resposta<br />
Durante a realização de uma acção o jogador nem sempre pode optimizar simultaneamente a<br />
velocidade e a exactidão da resposta, pois o compromisso velocidade-exactidão pode ser<br />
influenciado pelo grau de dificuldade ou complexidade da tarefa, pela ênfase dada à importância<br />
da velocidade ou exactidão nas situações vividas pelos jogadores e nas diferenças individuais<br />
entre os mesmos. Por conseguinte, no processo ensino-aprendizagem deve-se ter em conta esta<br />
questão, pois numa fase inicial da aprendizagem das habilidades de jogo o praticante deverá dar<br />
prioridade à precisão da resposta, em detrimento da velocidade da mesma, uma vez que quanto<br />
mais rápido o indivíduo tentar responder, maior será a tendência para cometer erros.<br />
Temprado (1991) refere que a predisposição do sistema de processamento da informação para<br />
modificar o compromisso velocidade-exactidão da resposta pode adquirir a forma de uma<br />
preparação selectiva, para reagir em favor de um acontecimento. Assim, graças à preparação<br />
selectiva, o jogador pode reduzir uma parte importante do tempo de resposta, mas em<br />
contrapartida, o risco de erro aumenta se for apresentado o acontecimento não preparado.<br />
Verifica-se, assim, que o compromisso velocidade-exactidão da resposta pode implicar a<br />
adopção de estados de preparação para a sua realização, os quais intervêm antes da aparição do<br />
sinal da execução. Nesse sentido, os indivíduos fazem a escolha de um determinado tipo de<br />
preparação, em função das informações prévias relativas às probabilidades das diferentes<br />
alternativas e do tempo concedido. A escolha de um tipo de preparação condiciona a qualidade<br />
do processamento da informação e a performance que daí resulta (Proteau et al. 1987).<br />
Consequentemente, o jogador pode preparar-se para agir rapidamente antes da apresentação do<br />
sinal utilizando as informações e conhecimentos disponíveis, reduzindo, assim, o tempo de acção<br />
graças à preparação parcial ou completa de uma determinada resposta. O resultado desta<br />
preparação selectiva pode ser elevado no desporto ocasionando acções erradas. No entanto,<br />
constatou-se que os indivíduos, mesmo os mais experientes, quando confrontados com situações<br />
em que têm de optar entre a velocidade ou a exactidão, tendem a adoptar estratégias muito<br />
conservadoras, i.e., privilegiam a exactidão da resposta (Proteau & Dugas, 1982; Proteau &<br />
Laurencelle, 1983).<br />
4. Constrangimentos inerentes à tarefa
Vários autores (Stein, 1987; Hossner 1995) têm desenvolvido trabalhos de investigação<br />
debruçando-se sobre os efeitos dos factores relativos às características das tarefas. As<br />
investigações incidem fundamentalmente sobre os processos preparatórios para a acção, sendo<br />
analisados os efeitos das probabilidades e/ou do tempo concedido sobre as estratégias dos<br />
indivíduos.<br />
4.1. Tempo concedido<br />
O tempo concedido ao indivíduo para completar a sua resposta na realização de uma tarefa pode<br />
ser influenciando pela estratégia adoptada pelo mesmo, ou seja, e função do indivíduo privilegiar<br />
a velocidade ou a exactidão. De acordo com Schmidt (1991), um factor condicionante do tempo<br />
de resposta é a compatibilidade estímulo-resposta, na qual o estímulo e a resposta exigida são<br />
associados de forma natural (agarrar uma bola num ressalto é um exemplo de compatibilidade<br />
estímulo-resposta, porque o movimento da bola para um lado deve ser reflectido pelo movimento<br />
da mão para esse mesmo lado). Uma alta compatibilidade entre estímulo e resposta permite uma<br />
resposta muito rápida por parte do sujeito, o que não acontece quando a compatibilidade é menor<br />
(Pinto, 1991). A baixa compatibilidade entre estímulo-resposta pode ter efeitos prejudiciais na<br />
execução de vários tipos de tarefas desportivas.<br />
Em situação desportiva, os factores situacionais desempenham um papel importante, pelo que o<br />
tempo concedido pode condicionar fortemente o jogador, uma vez que a consequência de uma<br />
resposta errada será provavelmente mais drástica do que o efeito de uma resposta lenta, porque a<br />
velocidade apresenta baixa compatibilidade com a exactidão (Pachella, 1974).<br />
4. 2. Probabilidade dos acontecimentos<br />
Numa acção de jogo complexa, a identificação do estímulo e da correspondente resposta são<br />
feitas através da eliminação gradual das várias respostas alternativas possíveis. A excitabilidade<br />
produzida com o aparecimento de estímulos é inicialmente distribuída de igual modo por todas<br />
as alternativas, sucedendo-se uma série de etapas de eliminação até que se concentre cada vez<br />
mais numa das alternativas, suficiente para a identificação. Quando o número de escolhas<br />
aumenta, a probabilidade de qualquer alternativa individual diminui.<br />
Do mesmo modo, a incerteza temporal modifica, igualmente, o tempo de resposta, i.e., verificase<br />
um aumento do tempo de processamento quando a incerteza é maior. Toda a informação que<br />
reduz a incerteza temporal diminui o tempo de resposta, permitindo ao jogador preparar-se<br />
melhor para o aparecimento de qualquer acontecimento (Stein, 1987). Assim, quando o jogador
quiser reduzir o seu tempo de resposta deve prever com precisão o momento em que o adversário<br />
vai desencadear uma acção, qualquer que ela seja. Por outro lado, deverá manter o seu adversário<br />
numa situação de incerteza temporal, não lhe fornecendo, através do seu comportamento,<br />
qualquer elemento que o permita informar-se sobre a sua acção.<br />
O treino permite aprimorar a velocidade de escolha dos jogadores, ao diminuir as alternativas<br />
dos acontecimentos específicos da modalidade, indo ao encontro do efeito da compatibilidade<br />
estímulo-resposta. Nesta perspectiva, o jogador poderá tirar partido de um comportamento<br />
táctico visando modificar, a seu favor, as relações de oposição. Tal é conseguido através da<br />
limitação das possibilidades de acção do seu adversário. Ou seja, ao reduzir o número de<br />
alternativas, e/ou ao referenciar as mais prováveis, o jogador encurta o tempo de elaboração da<br />
sua própria acção.<br />
4.3. Complexidade da resposta<br />
A complexidade da tarefa motora afecta o tempo de resposta dos jogadores. Quanto mais<br />
complexa é uma acção, mais complexa é a resposta conveniente, dado que o número de<br />
elementos a considerar é elevado, dilatando-se assim o tempo de resposta.<br />
Para analisar o tempo de resposta em função da probabilidade da ocorrência de um<br />
acontecimento, Stein (1987) cita um estudo realizado em 1981, no qual utilizou uma tarefa<br />
característica nos JDC: o um contra um no rugby. O autor verificou que o tempo de resposta<br />
dependia da complexidade da mesma: as respostas de baixa complexidade são desencadeadas<br />
mais rapidamente que as de complexidade elevada. O autor interpreta este resultado na base das<br />
possibilidades estratégicas que se colocam ao jogador. Neste caso, o jogador defensor faz uma<br />
sequencialização das decisões, i.e., prepara-se prioritariamente para a acção mais complexa,<br />
esperando assim compensar o custo da não preparação para a resposta menos complexa pelo<br />
benefício da preparação para a de maior complexidade.<br />
Assim que as exigências da tarefa aumentam (complexidade e incerteza), perante um<br />
constrangimento temporal constante e elevado, a responsabilidade ligada à realização eficaz da<br />
acção aumenta. Neste caso, o jogador deve modificar a sua estratégia de gestão do tempo<br />
disponível para manter o custo temporal das suas acções nos limites do critério de êxito. A este<br />
respeito, Stein (1987:30) propõe que "a formação das acções do jogador se processem segundo<br />
um certo constrangimento temporal, i.e., num treino em oposição a um nível de responsabilidade<br />
imposto pelo adversário que seja próximo do máximo compatível com o nível de competência<br />
técnica do atleta".
4.4. Fadiga e processamento da informação<br />
A questão que se coloca neste ponto, é a de saber que tipo de modificações poderão resultar no<br />
sistema de processamento da informação dos atletas, em função da intensidade da tarefa e,<br />
portanto, do correspondente nível de fadiga.<br />
Parece evidente que os praticantes desportivos são mais eficazes em determinados momentos do<br />
desenvolvimento do esforço e mais vulneráveis noutros. Assim sendo, esta realidade deve ser<br />
tomada em consideração no âmbito dos JDC. Com efeito, a observação de um jogo mostra-nos a<br />
existência no decurso do mesmo de períodos, por vezes curtos, por vezes prolongados, de<br />
quebras de eficácia, frequentemente devidos a uma diminuição da qualidade do processamento<br />
da informação.<br />
Durand et al. (1991) estudaram as interacções dos processos de processamento da informação<br />
com os processos energéticos, i.e., os efeitos de diferentes intensidades de esforço físico sobre os<br />
tempos de reacção simples e de escolha. Os autores verificaram, em atletas de JDC (Andebol e<br />
Basquetebol), a existência de uma interacção significativa da probabilidade de ocorrência de uma<br />
acção e a correspondente intensidade do esforço. Igualmente, um incremento da intensidade do<br />
esforço acompanha um aumento significativo do número de erros de resposta aos estímulos<br />
menos prováveis. Estes resultados são explicados pelo facto dos jogadores terem de reagir<br />
rapidamente às situações desportivas face a um envolvimento incerto, privilegiando a velocidade<br />
da resposta em detrimento da exactidão. Os autores consideram que, de um ponto de vista<br />
teórico, é indispensável ter em conta as estratégias dos jogadores quando confrontados com<br />
tarefas complexas, pois elas modificam-se sob o efeito do esforço produzido e também em<br />
função da percepção subjectiva que os atletas têm do esforço.<br />
5. Autonomia da decisão e princípios de jogo<br />
Durante o jogo, os jogadores são repetidamente instados a colher informações provenientes das<br />
acções desenvolvidas, vendo-se confrontados com a necessidade e exigência de tomarem as<br />
decisões tácticas mais adequadas em cada situação. Estas decisões revestem-se de grande<br />
importância, uma vez que precedem as execuções motoras propriamente ditas e, como tal,<br />
condicionam a respectiva eficácia.<br />
Por conseguinte, o significado e importância da tomada de decisão no desporto, é referido e<br />
sublinhado por vários autores que a consideram como uma das mais importantes capacidades do<br />
atleta, determinando muitas vezes o sucesso das acções técnicas e tácticas e sendo,
frequentemente, responsável pelas diferenças individuais no rendimento (Alain & Proteau, 1980;<br />
Konzag, 1983; Ripoll, 1987, 1988; Temprado, 1989, 1991; Schellenberger, 1990; <strong>Tavares</strong>, 1993,<br />
2002; Greco, 1999; Williams e Ward, 2003).<br />
Para se ter uma noção mais precisa da sua importância, devido à frequência com que é solicitada<br />
durante um jogo nos JDC, basta proceder à observação, por exemplo, do número de vezes em<br />
que um jogador tem contacto com a bola e ao qual corresponde a exigência de tomar uma<br />
decisão. No entanto, a experiência e a natureza da formação do jogador têm um papel<br />
preponderante no processo de reconhecimento e de integração dos estímulos que orientarão o<br />
mesmo para uma execução táctica aceitável e, como tal, têm um impacto directo sobre a<br />
determinação do “que fazer” e do “quando fazer”. Deste modo, a acção que daí resulta decorre<br />
de uma decisão ponderada, complexa e voluntária. Todos estes elementos se conjugam no<br />
sentido de incorporar a técnica no seu contexto táctico, reforçando a ideia de que os<br />
conhecimentos e as experiências vividas no jogo não podem desenvolver-se plenamente à<br />
margem de uma formação táctica.<br />
Uma outra questão que importa abordar nos JDC é o facto de que as decisões se efectuam na<br />
maior parte das vezes numa dinâmica relacional colectiva, pelo que a acção deve estar associada<br />
à dos co-autores da situação (Konzag, 1983; Ripoll, 1987; Schellenberger, 1990; Temprado,<br />
1991). Por esse motivo, podemos dizer que a decisão é, não só funcional, porque participa na<br />
resolução da tarefa, mas também significante, pois informa colegas e adversários influenciando<br />
as suas próprias decisões (Temprado, 1989).<br />
Também o êxito da equipa, enquanto entidade colectiva, está dependente da coordenação das<br />
decisões efectuadas pelos jogadores. Neste sentido, torna-se importante que os indicadores<br />
produzidos pelos jogadores possam permitir-lhes coordenar as suas decisões, ao reduzir a<br />
incerteza entre colegas, colocando os adversários em incerteza. Para que tal seja alcançado, é<br />
importante reconhecer e dar o mesmo significado às acções de jogo pelos jogadores da mesma<br />
equipa. E é no treino que isso se exercita.<br />
A questão do jogador em situação de oposição é realçada por Temprado (1989) que refere que a<br />
dupla necessidade de produção e descodificação simultânea da incerteza torna difícil o<br />
processamento da informação nas situações de oposição.<br />
O que significa que um jogador quando está no desempenho de uma determinada tarefa<br />
defensiva, se encontra mais numa situação de “espera” da acção do adversário para depois<br />
produzir a sua decisão da resposta a dar. Ou seja, numa situação de cooperação-oposição, quem<br />
tem a iniciativa produz ou tenta criar incerteza no opositor, enquanto este tenta, através da
descodificação dos sinais informativos que vai recebendo, reduzir a incerteza. Por conseguinte,<br />
as acções de jogo são resultantes de decisões que devem ser tomadas muito rapidamente,<br />
devendo ser escolhidas em função da relação de oposição (Bouthier, 1988; Schellenberger,<br />
1990). A este respeito, Brettschneider (1990) considera que a capacidade de decisão é um factor<br />
da capacidade de jogo, que é realizável quando existe um vasto repertório de conhecimentos<br />
tácticos da parte do jogador.<br />
Por outro lado, no desempenho motor de grande complexidade, ao nível do mecanismo de<br />
decisão será difícil conceber um modelo de execução fixo para a resolução dos problemas com<br />
que o jogador é confrontado. Neste sentido, o jogador deverá aprender a adaptar<br />
convenientemente a sua resposta motora de acordo com as exigências inerentes à situação.<br />
Considerando a complexidade da decisão nos JDC, o jogador ao tomar uma decisão deverá ter<br />
em conta um nexo de factores que a condicionam. Com o objectivo de melhor esclarecer este<br />
assunto tentaremos analisar e situar os factores condicionantes da decisão, na lógica da sua<br />
influência no desempenho motor do praticante desportivo.<br />
Para executar uma tarefa motora de forma eficiente, há que considerar o número de decisões<br />
diferentes que o jogador tem de tomar. As tarefas complexas dão lugar a muitas decisões, sendo<br />
necessário evocar um maior número de elementos para tomar uma decisão, pelo que se faz um<br />
maior apelo à participação da memória. Por outro lado, cada alternativa motora pode supor um<br />
problema de execução complexo e um indivíduo não pode decidir acerca da utilização de um<br />
elemento motor que desconhece ou para o qual carece de suficiente capacidade de execução<br />
sobre o mesmo. Deste modo, a rapidez com que uma decisão é tomada é fortemente influenciada<br />
pela complexidade da tarefa, a qual cria um grande grau de incerteza. O grau de incerteza com<br />
que tem de ser tomada uma decisão é outro dos factores determinantes do nível de complexidade<br />
da mesma. Existem tarefas motoras em que o nível de incerteza é praticamente nulo e outras em<br />
que o elemento imprevisível da tarefa motora está representado por uma oposição, sendo tanto<br />
maior o grau de incerteza quanto menos informação se tiver acerca das suas características<br />
técnicas e tácticas. Portanto, ao reduzir a incerteza inicial, o jogador vai estruturando as suas<br />
decisões de uma forma mais lógica. A dificuldade de tomada de decisão do jogador aumenta<br />
sempre que este tem de reagir perante estímulos confusos, ambíguos, conflituais.<br />
Um outro aspecto importante a considerar, tem a ver com a complexidade da tomada de decisão<br />
pelo jogador quando referenciada ao conceito de dinâmica do jogo e que evidencia a importância<br />
da aplicação da denominada autonomia de decisão relativa ao jogador, uma vez que depende<br />
deste, em certa medida, a responsabilidade de iniciar, desenvolver e finalizar de forma eficiente
as acções que consubstanciam o projecto de jogo previamente estabelecido pelo treinador. Esta<br />
questão leva-nos a equacionar o modo como os agentes de ensino (professores, treinadores, etc.)<br />
intervêm no processo de formação do jogador e a procurar perceber se tal processo permite a<br />
aplicação da autonomia de decisão, bem como o seu desenvolvimento.<br />
Parece que a maior dificuldade com que se depara o treinador está relacionada com o tipo de<br />
informação a fornecer aos jogadores e à equipa, nas várias situações de ensino-treino. Ele deve<br />
resistir à tentação de aplicar “receitas” para cada situação, já que as possibilidades de êxito são<br />
relativas. Antes do “como” de uma determinada técnica, impõe-se que o jogador aprenda e se<br />
treine a identificar na situação real de jogo o “quando” da respectiva aplicação. Quem joga é o<br />
jogador, não o treinador. Sobre este assunto, Pruden (1987) comenta o dilema do processo<br />
ensino-aprendizagem ao questionar como se podem desenvolver as capacidades de decisão dos<br />
jogadores se é o treinador que decide pelo jogador ao apresentar um conjunto de regras que<br />
determinam quem deve e quando se deve realizar uma acção, um movimento ou a mudança de<br />
um sistema? Segundo o autor, tal perspectiva é redutora da actividade do jogador e incompatível<br />
com a imaginação e criatividade, tornando os jogadores cada vez mais dependentes do treinador<br />
e das suas decisões. Araújo (1996) reforça esta ideia ao considerar que sempre que um treinador<br />
“conduz” demasiadamente os jogadores, indicando-lhes permanentemente quais as soluções a<br />
empregar, isso os torna dependentes, pouco autónomos e parcos em criatividade. Neste contexto,<br />
a abordagem do jogo deve fundar-se sobre os princípios do jogo.<br />
Os princípios do jogo ao serem respeitados simultaneamente por todos os jogadores de uma<br />
equipa, conduzem a uma efectiva movimentação global, uma vez integrados e coordenados no<br />
seu todo. Por isso, jogar no respeito dos princípios em vez de adoptar sistemas estereotipados,<br />
permite aos jogadores a liberdade e autonomia para tomarem as decisões que lhes pareçam mais<br />
correctas relativamente a cada situação de jogo, sem no entanto lhes permitir que o façam em<br />
prejuízo dos princípios básicos que devem presidir a cada decisão. Assim sendo, importa criar<br />
condições que possibilitem ao jogador cumprir as suas decisões tácticas no respeito pela<br />
estrutura do jogo. Ou seja, apesar de ser estabelecida uma dependência com o treinador durante o<br />
processo de aprendizagem e treino, existe a necessidade de ser criada uma autonomia do jogador<br />
em termos de decisão para a realização das acções de jogo (<strong>Tavares</strong>, 1993). Nesta perspectiva,<br />
considerando que as acções devem ser determinadas pelas situações de jogo e a sua execução<br />
racional deve ser o reflexo da capacidade dos jogadores para decidir (escolher a solução motora<br />
adequada) nas diversas situações de jogo, de acordo com a sua capacidade técnica, podemos
considerar que o desenvolvimento da autonomia de decisão do jogador se deve processar em<br />
simultâneo com o desenvolvimento das suas capacidades de decisão.<br />
Em suma, os trabalhos realizados sobre a tomada de decisão têm ajudado a compreender os<br />
mecanismos de decisão em situação desportiva. De igual modo, os dados desses trabalhos têm<br />
permitido, em termos do processo de aprendizagem, fornecer indicações sobre a importância da<br />
leitura das situações, para ajudar os jogadores a avaliarem adequadamente as probabilidades de<br />
evolução dos eventos de jogo.<br />
6. Importância do conhecimento táctico na formação do jovem praticante<br />
Na abordagem desta questão, procuraremos realizar uma aproximação entre os processos<br />
cognitivos, a capacidade de jogo e a capacidade táctica, particularmente no que diz respeito ao<br />
desenvolvimento do conhecimento táctico-técnico e da criatividade nos JDC.<br />
O que é conhecimento? Como se define? O que o caracteriza e constitui? Quais os componentes<br />
do conhecimento no desporto? Em que consiste o conhecimento táctico?<br />
Segundo Eysenck e Keane (1994) definir, delimitar e explicar o que é o conhecimento tem sido<br />
uma questão difícil de ser respondida, pois leva a formular no mínimo outras duas questões ainda<br />
não respondidas de forma contundente pela Psicologia: Qual é o formato que as representações<br />
mentais assumem? Como estão organizadas essas representações?<br />
Segundo os mesmos autores, o conhecimento pode ser definido como uma informação<br />
representada mentalmente num formato específico e estruturado e organizado de alguma forma.<br />
Compreender, portanto, a relação e interacção dos processos cognitivos, bem como das<br />
capacidades e das habilidades cognitivas, particularmente do conhecimento (táctico-técnico) com<br />
o comportamento na tomada de decisão situacional, torna-se importante para a formulação dos<br />
processos pedagógicos de ensino-aprendizagem-treino. A aquisição de conhecimento pode ser<br />
definida segundo Mandl et. al. (1998 cit. Mandl e Spada, 1988) como a aprendizagem de novas<br />
informações simbólicas unidas com a capacidade de utilizar essas informações de forma afectiva.<br />
A aquisição de conhecimento táctico, caracteriza a capacidade do praticante relacionar, em<br />
situação de jogo, as alternativas e os planos de acção próprios e do adversário e utilizá-los de<br />
uma forma adequada para obter êxito (Greco, 2003).<br />
Portanto, resulta necessário ampliar a compreensão do conceito de conhecimento e<br />
particularmente da noção de conhecimento táctico-técnico, considerando as formas de<br />
intervenção pedagógica que possam induzir a gradativa melhoria das capacidades e habilidades<br />
cognitivas, tais como as capacidades de recepção (percepção, atenção, concentração,...) e
elaboração (pensamento, memória, inteligência...) da informação, bem como as capacidades<br />
necessárias à tomada de decisão, de modo a oportunizar uma acção táctica inteligente.<br />
A capacidade para jogar implica, assim, um desenvolvimento de saberes. Saber o que fazer, o<br />
que se prende com um conhecimento declarativo, factual; e saber como fazer, isto é, possuir um<br />
conhecimento sobre a execução da acção propriamente dita. O primeiro refere-se à forma de<br />
“declarar”, explicar, narrar como um facto se constitui. Por exemplo, explicar como se deve<br />
realizar uma determinada combinação táctica entre dois jogadores, mas não forçosamente saber<br />
executá-la. O segundo, por sua vez, mesmo que não possa ser explicado ou verbalizado, sabe-se<br />
executar e está directamente ligado à formação de padrões de comportamento ou esquemas<br />
motores (Schmidt e Wrisberg, 2002).<br />
Estes tipos de conhecimento constituem importantes factores da performance desportiva,<br />
sabendo-se que os atletas de alto nível evidenciam uma expressiva quantidade de conhecimento<br />
declarativo e processual acerca de como e quando executar determinadas acções (Williams et al.,<br />
1999). Reforçando tal entendimento, alguns dos estudos têm demonstrado que os melhores<br />
executantes se distinguem dos menos bons por disporem de um conhecimento mais refinado e<br />
elaborado das tarefas específicas (Helsen & Pauwels, 1993; Mcpherson, 1994) e pela forma<br />
como utilizam esse conhecimento durante o desempenho desportivo (Williams & Davis, 1995;<br />
Williams et al., 1999). Como sustentam Thomas & Thomas (1994), é necessária uma<br />
determinada quantidade de conhecimento declarativo para que o conhecimento processual se<br />
verifique. Nos atletas confirmados, os níveis de conhecimento declarativo e processual<br />
apresentam uma maior proximidade, enquanto que nos praticantes de nível inferior se verifica<br />
um desfasamento entre estes dois factores da prestação. Williams & Davids (1995) referem ainda<br />
que na prática desportiva, a transição do conhecimento declarativo para o processual é facilitada<br />
através do treino e da exercitação e que, por sua vez, o conhecimento processual promove a<br />
aquisição e a retenção de um conhecimento declarativo específico.<br />
Falar sobre a utilização do conhecimento, e, no caso particular dos JDC, do conhecimento táctico<br />
em situações de jogo, significa equiparar a resolução de problemas à habilidade do praticante<br />
para se confrontar com as situações e proceder à selecção das melhores estratégias para as<br />
solucionar. Pode então dizer-se que a resolução de problemas nos JDC é um processo que<br />
envolve diferentes processos cognitivos, como o pensamento, a memória, a percepção, a atenção<br />
e a tomada de decisão, todos relacionados entre si e apoiados em estruturas de conhecimento<br />
(táctico-técnico).
Um importante ensaio teórico na área da Psicologia do Desporto para definir os elementos<br />
constitutivos do conhecimento táctico-técnico advém do modelo de Sonnenschein (1987, 1993).<br />
A autora destaca a interacção entre o conhecimento técnico e o conhecimento táctico na<br />
resolução de tarefas e problemas do jogo. Como se pode observar na figura 2, a estrutura de<br />
conhecimento apresentada por Sonnenschein (1987) compõe-se de saber “o que fazer” e saber<br />
“como fazer”. Pode também constatar-se a interacção dos conhecimentos tácticos e técnicos,<br />
apoiados pela interacção com as estruturas perceptivas e de tomada de decisão. Cada uma destas<br />
estruturas tem subjacentes processos cognitivos, formados por conjuntos de capacidades<br />
específicas.<br />
ESTRUTURA DO CONHECIMENTO<br />
CONHECIMENTO<br />
TÉCNICO<br />
CONHECIMENTO<br />
TÁCTICO<br />
CAPACIDADE DE PERCEPÇÃO<br />
CAPACIDADE DE DECISÃO<br />
CAPACIDADE<br />
DE<br />
SELECÇÃO<br />
CAPACIDADE<br />
DE<br />
CODIFICAÇÃO<br />
CAPACIDADE DE<br />
ELABORAÇÃO DE<br />
PLANOS<br />
CAPACIDADE DE<br />
MOBILIZAÇÃO<br />
DE PLANOS<br />
Figura 2: Estrutura do conhecimento técnico-táctico (Sonnenschein, 1987).<br />
A capacidade de tomada de decisão representa a eleição de uma possibilidade de acção ou de<br />
reacção em uma situação na qual se apresentam várias opções (Greco, 1999), sendo que toda a<br />
tomada de decisão depende do objectivo da tarefa, do numero de decisões possíveis, do tempo<br />
disponível, do nível de incerteza da decisão, da ordem sequencial das decisões, e do número de<br />
elementos necessários para a decisão.<br />
Segundo Marina (1995) a capacidade de percepção proporciona-nos a informação sobre as<br />
coisas, graças a ela isolam-se os conteúdos, dota-se estes de sinais de identidade, de significado,
destacando-os no cenário de fundo das outras coisas, portanto é necessária não somente a<br />
selecção da informação bem como a codificação dos sinais relevantes, que oferecerão os atalhos<br />
para a percepção do importante. O mesmo autor sustenta que percebemos a partir do que<br />
sabemos. Este conceito torna-se muito importante no momento de se elaborar processos de<br />
ensino-aprendizagem-treino da percepção e da tomada de decisão táctica nos JDC, onde será<br />
fundamental combinar a aquisição de experiências de forma incidental (processos latentes de<br />
aprendizagem) com o ensino intencional (processos formais de aprendizagem; prática<br />
deliberada) relacionando ambos com os processos da memória. Os conteúdos da memória<br />
(representações mentais, experiência) proporcionam a base para o reconhecimento (saber a que<br />
classe pertence o objecto percebido).<br />
Face ao exposto, quais deveriam ser os princípios directores do processo de ensinoaprendizagem-treino<br />
a preconizar, de modo a contemplar as exigências necessárias ao<br />
desenvolvimento do conhecimento táctico-técnico e a possibilitar a concretização dos<br />
comportamentos de sucesso almejados?<br />
O conceito pedagógico a ser proposto considera a sistematização dos conceitos metodológicos e<br />
didácticos necessários à reclamada recuperação da cultura do jogo na rua, na várzea, na praia, na<br />
escola, no clube, enfim nos locais de encontro de crianças e jovens (Greco e Benda, 1998; Roth,<br />
1999; Scaglia, 1999, 2004; Greco, 2002, 2005; Roth et.al. 2002; Freire, 2003).<br />
7. Ensinar e treinar a capacidade de jogo<br />
Aprende-se para jogar, mas em muitos casos esse processo resulta em especialização precoce nas<br />
diversas modalidades desportivas com a busca de rendimento. Assim, crianças passaram a ser<br />
“treinadas antes de aprenderem a jogar” (Schmidt, 1994).<br />
Um dos objectivos do presente escrito passa por delinear uma proposta para a formação<br />
desportiva, com ênfase no desenvolvimento do conhecimento táctico-técnico, diferenciando-a da<br />
realizada a partir de modelos analíticos ainda vigentes no ensino-aprendizagem dos JDC. A<br />
aprendizagem situacional – que deve ser oportunizada através dos jogos e brincadeiras – é o<br />
produto da interacção de vários condicionantes, nomeadamente: pessoa-ambiente-tarefa.<br />
A abordagem pedagógica sugerida neste aporte direcciona-se para as formas de aprendizagem<br />
incidental-intencional. Postula-se que as regras de comportamento táctico podem ser aprendidas<br />
de forma implícita: jogar para aprender e aprender jogando, sendo que sequência efectiva de<br />
aprendizagem de regras tácticas segue o lema: “ensino implícito antes de explícito”. Assim, nas<br />
faixas etárias iniciais devem prevalecer as metodologias que possibilitem a aprendizagem
incidental, no sentido de serem adquiridas as habilidades de forma implícita, ou seja, tendo o<br />
aprendiz escasso conhecimento explícito (declarativo) da estrutura e dos mecanismos das<br />
habilidades técnicas que realizam. A vantagem desta forma de aprendizagem situa-se no facto da<br />
técnica ser aprendida no momento da sua aplicação para resolver a situação de jogo.<br />
Sabendo-se que o desenvolvimento das capacidades coordenativas e das habilidades técnicas é<br />
importante e inadiável no decorrer da aprendizagem, particularmente na iniciação, importa<br />
reforçar a ideia de que o mesmo não deve, contudo, ser conduzido em observância a um padrão<br />
analítico de ensino-aprendizagem.<br />
O processo de ensino-aprendizagem-treino para desenvolvimento da capacidade de jogo<br />
(<strong>Tavares</strong> e Faria, 1996) deve ser considerado simultaneamente com o processo de aprendizagem<br />
motora no qual se destacam os conteúdos inerentes ao ensino-aprendizagem-treino da<br />
coordenação (Neumaier e Mechling, 1995; Kröger e Roth, 1999; Neumaier, 1999; Mechling,<br />
2002; Neumaier et al. 2002;) e das habilidades técnicas (Hossner, 1995; Roth et al. 2002). Assim,<br />
a construção das actividades e jogos potencializará a compreensão táctica, a lógica interna do<br />
jogo, sem submeter as crianças e os iniciantes em geral a desgastantes processos analíticos de<br />
repetição de técnicas, na ilusão de que apenas poderiam jogar quando dominassem as habilidades<br />
necessárias.<br />
O desenvolvimento da capacidade de jogo realiza-se com base num processo contínuo<br />
relacionado com três tipos conteúdos que devem ser tratados de forma paralela: (1) as<br />
capacidades tácticas básicas, principalmente entre os 6-10 anos; (2) os jogos para desenvolver a<br />
inteligência táctica, a partir dos 8 anos; (3) as estruturas funcionais, a partir da faixa dos 8-10<br />
anos.<br />
O desenvolvimento das capacidades tácticas básicas apoia-se na lógica dos jogos desportivos<br />
colectivos, segundo a qual para se obter golo é necessário: fazer chegar a bola ao alvo. Solicitase<br />
o jogar em conjunto: quem não tem a bola tem que se oferecer e se orientar para facilitar a<br />
acção do colega, criando opções para este passar e assim procurar criar a superioridade numérica<br />
para superar a acção do adversário. Todos estes objectivos tácticos podem ser desenvolvidos<br />
através de jogos (por exemplo, o “3 x 3 x 2”, ou o conhecido “soma de passes”).<br />
As estruturas funcionais objectivam apresentar o jogo para as crianças da forma como elas o<br />
jogam quando na ausência da supervisão de adultos. Trata-se de criar condições para que as<br />
crianças joguem numa situação real. Incentivam-se jogos com diferentes estruturas funcionais:<br />
1x1+1; 1x1; 2x1; 2x2+1; 2x2; 3x2; 3x3+1; 3x3 (entre outras formas). Tais formas de<br />
organização apresentam situações com igualdade, inferioridade ou superioridade numérica. As
actividades com o denominado curinga ou “+1” são proporcionadas antes das situações de<br />
igualdade numérica. Para facilitar a compreensão do jogo e a sua prática, sugere-se a<br />
sistematização da acção do “curinga”, que pode ser um ou vários colegas que apoiam a acção do<br />
atacante (ou do defensor), mas sempre destacando que o mesmo não pode fazer golo, mas apenas<br />
facultar apoios (como era o meio fio quando as crianças de antigamente brincavam na rua). Os<br />
curingas podem ocupar locais fixos, dentro ou fora do campo (nas laterais, em espaços<br />
demarcados) e auxiliam no transporte da bola e na organização de acções tácticas.<br />
Na abordagem às estruturas funcionais do jogo deve-se propiciar modificações do espaço do<br />
jogo (largura/profundidade), da complexidade (número de jogadores), das habilidades técnicas<br />
(tipos de passes permitidos) e do tipo de combinações tácticas a adoptar (cruzamento, tabelas,<br />
bloqueios). No caso de variações do comportamento táctico, pode-se atenuar tanto a acção do<br />
colega como a acção do oponente, ou até simplificar o meio ambiente (reduzindo o número de<br />
regras das regras do jogo, e/ou alterar algumas delas). A ideia, o carácter e os objectivos do jogo<br />
não são alterados, priorizando-se o método de “deixar jogar” e de “aprender fazendo”.<br />
Um terceiro pilar na construção e desenvolvimento da capacidade de jogo das crianças e<br />
adolescentes integra os denominados <strong>Jogos</strong> para Desenvolver a Inteligência Táctica, através dos<br />
quais se procura a maior e melhor variedade de situações (tácticas), oportunizando o aumento da<br />
capacidade de atenção (sua amplitude e sua alteração rápida). São actividades que exigem dos<br />
participantes uma implicação importante ao nível do pensamento divergente e do pensamento<br />
convergente, base da criatividade táctica. A forma de aprendizagem a ser oportunizada através<br />
destes jogos é a incidental (Reber, 1989; Masters, 2000), evoluindo-se gradativamente para o<br />
modelo intencional.<br />
8. Considerações Finais<br />
Quando se observa o jogo, pode-se verificar que as situações se alteram repetidamente, em<br />
função da posição da bola e da consequente oposição dos adversários e movimentação dos<br />
colegas de equipa. Este ambiente instável faz com que seja se torne indispensável que os<br />
jogadores/equipas adquiram e desenvolvam uma capacidade diversificada de resposta aos<br />
constrangimentos. Por isso, a diferença entre os chamados “bons jogadores” e os restantes, reside<br />
na espontaneidade, na habilidade específica e, em síntese, na eficácia da (inter)acção. Eles sabem<br />
o que fazer, antecipam as decisões adequadas e necessárias para a resolução de cada situação de<br />
jogo e assumem permanentemente as responsabilidades que lhes cabem. Por este motivo, a<br />
formação de jogadores/equipas demanda uma intervenção pedagógica atenta e continuada,
justificando-se um equilíbrio entre o “deixar jogar” e a aprendizagem modelada através dos<br />
princípios de jogo.<br />
De acordo com as posições assumidas no presente artigo, sustentamos que a aprendizagem<br />
inicial das habilidades para jogar, nos JDC, para ser efectiva deve incidir nas competências<br />
perceptivo-decisionais. Nesta posição está implícita a ideia que, tal como as habilidades técnicas,<br />
também o conhecimento do jogo se desenvolve através do treino e da competição. A este<br />
respeito, Thomas (1994) considera que os principiantes desportivos iniciam a sua actividade com<br />
escasso conhecimento da modalidade que pretendem praticar e com um leque de habilidades<br />
reduzido. Acrescenta o autor, que de uma maneira geral, o conhecimento se desenvolve mais<br />
rapidamente do que as habilidades e que ambos evoluem com a experiência, durante a infância e<br />
a adolescência.<br />
Diga-se, em síntese, que a evolução do conhecimento e do nível de desempenho nos JDC<br />
decorrem, em grande parte, da prática orientada, pelo que professores e treinadores devem ser<br />
chamados a assumir um papel charneira na formação e na preparação dos jovens jogadores.<br />
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