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Revista Curinga Edição 18

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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<strong>Revista</strong> Laboratório | Jornalismo | UFOP<br />

Agosto de 2016 | Ano VI<br />

<strong>18</strong>


Expediente<br />

<strong>Curinga</strong> é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II.<br />

<strong>Revista</strong> produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop.<br />

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA).<br />

Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social<br />

(DECSO).<br />

Universidade Federal de Ouro Preto.<br />

Professores Responsáveis<br />

Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem)<br />

Talita Aquino (Planejamento Visual)<br />

André Luís Carvalho (Fotografia)<br />

Editora-Geral<br />

Lara Cúrcio<br />

Editora de Texto<br />

Thaís Medeiros<br />

Editora de Arte<br />

Camila Gonçalves<br />

Editor de Fotografia<br />

Thiago Barcelos<br />

Editores de Multimídia<br />

Mariana Rennó e Fábio Melo<br />

Revisores<br />

Ingridy Silva e William Vieira<br />

Redatores<br />

Diagramadores<br />

Fotógrafos<br />

Rodrigo Almeida, Lívia Monteiro,<br />

Wendell Soares, Francielle<br />

Oliveira, Cleo Silva, Anna Flávia<br />

Monteiro, Luísa Rodrigues, Caio<br />

Aniceto, Brunello Amorim, Igor<br />

Capanema, Gabriel Campbell, João<br />

Vitor Marcondes<br />

Ana Rafaela, Clarissa Castro,<br />

Moises Mota, Gabriela Santos,<br />

Larissa Pinto, Laene Medeiros,<br />

Lucas Campos, Mariana Araújo,<br />

Rayssa Amaral, Júlia Cabral,<br />

Gabriella Pinheiro, Letícia Cristiele<br />

Eduardo Rodrigues, Carol Rooke,<br />

Lorena Lima, Taíssa de Faria,<br />

Monique Torquetti, Gabriela<br />

Ramos, Silvia Cristina Silvado,<br />

Thatyanna Mota, Mariana Macedo<br />

Botão, Aleone Higidio, Caroline<br />

Hardt, Anna Chaves<br />

Monitores<br />

Felipe Augustos Passos e Catarina Barbosa<br />

Endereço:<br />

Rua do Catete, 166 - Centro<br />

35420-000, Mariana - MG<br />

Julho/2016<br />

IMPRESSÃO: MJR EDITORA GRÁFICA<br />

Rua Carlos Pinheiro Chagas, 138 - Ressaca<br />

CEP: 32.113-460 - Contagem - MG<br />

tel: (31) 3357-5777


Editorial<br />

Em sua infinitude, o tempo abriga o<br />

que é finito. O movimento dos astros<br />

interfere desde as estações do ano à<br />

maneira como nos comportamos. O anseio<br />

humano pela sensação de controle sobre<br />

o tempo data de cerca de 600 anos a. C.<br />

- com o surgimento do relógio de Sol.<br />

A tecnologia avança e molda relações.<br />

Cotidianamente somos circundados pela<br />

fluidez das realidades, sejam elas<br />

percebidas ou imaginadas. E por falar<br />

em imaginação, já pensou como seria<br />

uma viagem ao passado ou se pudesse<br />

conhecer o futuro?<br />

A forma como encaramos e nos inserimos<br />

no mundo desconstrói ou reforça tabus<br />

arraigados na sociedade. O tempo deixa<br />

marcas na pele e na memória, mas também<br />

pode fazê-las se esvaírem com a idade.<br />

À medida que você cresce, percebe que o<br />

tempo se torna a grandeza mais cobiçada<br />

e mais temida. Tudo é medido por esse<br />

fator. Das horas de espera na fila do<br />

banco aos minutos preciosos do almoço.<br />

Com o passar dos anos, as roupas já<br />

não são mais as mesmas, os amigos<br />

ganham novos rostos, as comidas, novos<br />

sabores. Os sonhos e ambições, novos<br />

destinos. A vida, novas pessoas.<br />

O jornalismo é pautado pelo tempo. E<br />

pela novidade. O fantasma do fechamento<br />

está sempre presente nas redações, e<br />

na <strong>Curinga</strong> não é diferente. Prazos<br />

precisam ser cumpridos e às vezes é<br />

necessário correr para encontrar a<br />

fonte ideal ou tirar a foto no instante<br />

preciso. O relógio não para, a produção<br />

a<br />

também não. A <strong>18</strong> edição da <strong>Curinga</strong><br />

convida, mesmo os mais incrédulos, a<br />

perceberem que nada permanece intacto,<br />

ileso às engrenagens do tempo.<br />

Lara Cúrcio e Thaís Medeiros


EU<br />

NO<br />

MUNDO


Identidade<br />

Que sexo<br />

somos<br />

Falar sobre sexualidade vem se tornando cada vez mais comum.<br />

Atualmente a informação é abundante. Materiais explicativos<br />

sobre sexo e contato com vídeos pornográficos são muito mais<br />

acessíveis que há uma geração. O assunto é discutido mais<br />

abertamente nas escolas, na televisão e os pais também estão<br />

mais abertos. Em estudo de 2013, realizado pela Organização das<br />

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)<br />

em 13 capitais brasileiras e no Distrito Federal, mais de 40% dos<br />

adolescentes revelaram que obtêm informações sobre sexo em<br />

casa. Cerca de 2.700 dos quatro mil pais ouvidos na pesquisa<br />

confirmaram que já falaram sobre o tema com seus filhos.<br />

Apesar desse cenário, o assunto ainda é tabu para muita<br />

gente. As sociedades são carregadas de valores que se<br />

refletem na educação e na percepção das pessoas, criando<br />

constrangimentos para a vivência sexual.


Texto: Rodrigo Almeida<br />

Foto: Anna Chaves<br />

Arte: Moises Mota<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>18</strong> 6


Aceitação pessoal<br />

Somos seres sexuais desde o nascimento. Logo na infância,<br />

passamos por fases de descoberta dos órgãos genitais; na<br />

adolescência, explosão hormonal e insegurança exagerada; na<br />

fase adulta, o amadurecimento e a afirmação tanto da orientação<br />

sexual como da forma de lidar com os impulsos sexuais.<br />

O jornalista Gláucio Santos, 38, tinha dificuldades de falar<br />

sobre sexo dentro de casa durante sua adolescência. “A forma<br />

como a sexualidade era tratada nessa época era o que tensionava<br />

esse campo para mim. Até hoje ainda existe um desconforto<br />

ao tratar do assunto com minha família, algo que não<br />

acontece no meu dia a dia.”<br />

Gláucio conta que seu processo de amadurecimento foi<br />

fundamental para que se aceitasse como homossexual. “Como<br />

havia conflito dentro da família e isso sempre me deixava desconfortável,<br />

eu buscava refúgio no estudo, por exemplo. Somente<br />

depois de adulto, vivendo numa cidade e no trabalho<br />

que permitiam que eu vivesse minha sexualidade e pudesse<br />

me distanciar desse ambiente familiar, que me senti confiante.<br />

A aceitação foi fácil.”<br />

A sexóloga Josi Mota diz que,<br />

apesar dessa aceitação ser um<br />

processo lento, a insegurança<br />

continua presente em todas<br />

as fases da vida. Para ela, “a<br />

boa prática sexual é quando<br />

as pessoas se relacionam<br />

com um ser humano, vivo,<br />

adulto e com consentimento,<br />

independente do sexo”.<br />

Tabu social<br />

Conversar sobre a sexualidade feminina também é um<br />

incômodo no Brasil. Boa parte das mulheres cresce sem ter<br />

consciência do corpo. A sexóloga Josi relata que atende várias<br />

mulheres que “não conhecem como funciona a vagina delas,<br />

mulheres que não aprenderam a explorar o próprio corpo”.<br />

A produtora cultural Claudia de Cassia, 49, reafirma a<br />

constatação da sexóloga ao dizer que só foi descobrir o orgasmo<br />

depois dos 30 anos de idade. “Eu já era mãe, estava<br />

divorciada e tinha uma carreira, era uma mulher mais confiante<br />

e foi aí que descobri a masturbação. Os valores morais<br />

com os quais cresci me impediam de trocar de parceiro toda<br />

hora. [Depois do divórico] ter um contato maior com minha<br />

sexualidade foi um caminho natural.”<br />

A estudante de História Keren Amorin, <strong>18</strong>, conta que sempre<br />

houve dificuldade para conversar sobre o assunto dentro<br />

de casa. “Por minha família ser sexualmente conservadora e<br />

religiosa, o assunto surgia do nada e era logo encerrado com<br />

um ‘não faça!’. Os homens só querem usá-la.”<br />

Em 2016, na pesquisa Mosaico 2.0, do Instituto de Psiquiatria<br />

do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da<br />

Universidade de São Paulo (USP), ficou constatado que 75%<br />

das mulheres ainda perdem a<br />

virgindade com um namorado<br />

e que elas têm vidas sexuais<br />

mais pacatas que a dos homens.<br />

Parte disso pode ser pelo fato<br />

de as mulheres, muitas vezes,<br />

serem protegidas pelas famílias<br />

de maneira excessiva.<br />

Keren e Claudia fazem parte desse grupo<br />

majoritário de mulheres relatado na pequisa. As duas se iniciaram<br />

com namorados. Elas acreditam que o sexo não deve<br />

estar dissociado do sentimento. Para a estudante, “é fundamental<br />

que o sexo seja impulsionado pelo sentimento”. A produtora<br />

faz uma crítica mais embasada no sociólogo polonês<br />

Zygmunt Bauman. Segundo ela, “não é legal a flexibilização<br />

moral que algumas pessoas têm ao separar o sexo do sentimento.<br />

Viver o sexo pelo sexo, para mim, não agrega e nos faz<br />

cada vez mais líquidos”.<br />

Sexo e educação<br />

A sexóloga Josi acredita que a escola deve ter cuidado ao<br />

tratar sobre sexo. Para ela, “deve-se iniciar o assunto, pois assim<br />

a escola deixa os casais jovens mais tranquilos para terem<br />

essa conversa. Muitas vezes os pais não têm tato para tratar de<br />

sexo com os filhos e acabam vendo o problema de uma forma<br />

superficial e sem a sensibilidade necessária”.<br />

Além disso, há uma distinção cultural na criação de meninos<br />

e meninas. Os meninos são educados envoltos por uma<br />

casca impenetrável e infalível. Quando o assunto é sexo, falhar<br />

não é uma alternativa. Tanto que esse é o maior medo<br />

do brasileiro até hoje. A pesquisa Mosaico 2.0 indicou que o<br />

grande temor do homem é não conseguir satisfazer a parceria.<br />

Ao mesmo tempo, o levantamento do estudo mostra que a<br />

percepção feminina de ligar a relação sexual com as relações<br />

afetivas vem diminuindo: 57,1% das mulheres<br />

disseram que fariam sexo com outra pessoa só<br />

por atração.<br />

Há uma mudança comportamental em curso<br />

na sociedade. As pessoas veem o tema com<br />

mais liberdade do que antigamente e as famílias<br />

estão mais abertas ao diálogo. Mesmo com<br />

esses avanços, ainda há um caminho longo<br />

a ser percorrido. Para que haja uma<br />

transformação mais significativa<br />

a escola deve fomentar o diálogo<br />

entre pais e filhos e entre<br />

os próprios casais.


Comecei a namorar muito cedo, com 13 anos, e o desejo e a vontade de iniciar sexualmente<br />

só apareceram por volta dos 15. Por ser criada numa família conservadora, o diálogo era escasso,<br />

surgia do nada, na maioria das vezes, e era logo encerrado. Mesmo assim sempre tive<br />

curiosidade. Conversava muito com minhas amigas, éramos um grupo de oito meninas e<br />

quase todas namoravam. Nossa vontade existia, mas apenas uma menina iniciou mais cedo,<br />

aos 15 anos. Ela não falava sobre o assunto, tinha muito receio do que as pessoas pensariam.<br />

Eu também pensava assim! Nessa época, me aventurava em preliminares mais quentes, até<br />

cheguei a fazer sexo oral no meu namorado. Quando era a vez dele, eu negava. Sentia medo de<br />

me entregar. Eu pensava que, se desse essa liberdade, talvez não conseguiria me segurar. Hoje,<br />

mudei de cidade e ainda não tive intimidade para me relacionar com nenhuma outra pessoa. Me<br />

sinto mais livre por poder falar sobre o assunto.<br />

Keren Amorim, <strong>18</strong> anos<br />

Eu tinha um olhar diferenciado para os meninos desde os 10 anos. Sempre me foi passado que<br />

o sexo era algo pecaminoso, sujo, e deveria ser feito para fins de procriação. Falar sobre isso era<br />

tabu. Existia uma tensão muito forte na minha adolescência por minha família ser muito religiosa<br />

e ativa na comunidade. Era algo que me incomodava. Namorei meninas mesmo sabendo<br />

que gostava de rapazes. Por mais que tentasse esconder, a sexualidade extrapolava os poros<br />

e as pessoas ao meu redor percebiam. Aos 22 anos, chegou num ponto em que precisávamos<br />

sentar para conversar. Para que houvesse aceitação da minha família e para que eu pudesse resolver<br />

o conflito que existia dentro de mim, tive que me afastar um pouco deles. Hoje sou mais<br />

resolvido, me reaproximei da minha família, mas ainda há dificuldade em falar sobre o tema.<br />

Gláucio Santos, 38 anos<br />

Na minha época, o homem não se importava com o prazer da mulher. Aos <strong>18</strong> anos, faltava<br />

informação, vivia-se o sexo sem ter muita noção daquilo. Não existia a separação entre o<br />

sentimento e o sexo por prazer, era uma expressão do que sentíamos. Quando me casei, o<br />

sexo tomou um outro contorno. Meu marido era oito anos mais velho. Devido a barreiras<br />

morais, existia muita inibição na hora de pedir um toque diferente dele. Aos 30 anos, me<br />

divorciei e tive um contato mais profundo com minha sexualidade. Foi aí que descobri a<br />

masturbação. Atualmente as pessoas falam mais sobre o assunto e isso é importante. Só<br />

não acho legal a flexibilização moral que alguns têm ao separar o sexo do sentimento.<br />

Prefiro acreditar que as duas coisas devem estar juntas, é muito mais satisfatório. Hoje<br />

em dia, já consigo ter um diálogo mais aberto quando me relaciono com alguém. O sexo, pra<br />

mim, é diferente, não tenho mais as necessidades de quando era jovem.<br />

Cláudia de Cássia, 49 anos<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>18</strong> 9


Texto: Gabriel Campbell<br />

Foto: Carol Rooke<br />

Arte: Gabriella Pinheiro<br />

Sensação<br />

Arte de viver a vida<br />

Apesar da idade, seguir sempre em frente e sem medo<br />

de errar. Esse é o lema de Elisa e Cecília, senhoras que<br />

desejam viver acima de qualquer coisa.<br />

Sensação<br />

Para o psicólogo Marcos Areal, ao falarmos de mulheres que estão hoje<br />

com mais de 60 anos não podemos deixar de lado uma contextualização<br />

sobre sua infância, adolescência e parte da fase adulta.<br />

Essas mulheres viviam uma ditadura tanto na política, com o regime<br />

militar, quanto dentro dos núcleos familiares. O costume era ser donas<br />

de casa. A princípio servindo o lar, tendo como líder maior o pai, e, depois<br />

de casadas, servindo o marido e os filhos. Sendo assim, a sua produção<br />

cultural ficava restrita ao ambiente doméstico, sem, na maioria dos casos, a<br />

possibilidade de se desvencilhar dessa situação.<br />

Ao atingirem a melhor idade, se veem como se tivessem passado pela<br />

vida sem ter expressado tudo o que queriam ou todo o potencial que têm<br />

para produzir. Produção essa que pode se apresentar em áreas variadas, como<br />

acadêmica, artística, laboral, física e intelectual.<br />

Dessa forma, quando atingem a maturidade, a busca por esse “tempo<br />

perdido” é mais que natural. Já não há mais a opressão do pai, devido a idade<br />

avançada ou ao falecimento do patriarca, e também os maridos deixaram de<br />

exercer a influência que tinham antes. Sendo assim, as mulheres estão agora<br />

livres para exercer seu potencial, interpreta o psicólogo.<br />

Para Areal, nem mesmo o sexagésimo aniversário pode atrapalhar essa<br />

liberdade. “A maturidade as coloca em uma condição em que o outro não tem<br />

mais tanto poder sobre elas, agora estão buscando uma satisfação pessoal<br />

‘self’. Tudo o que podiam fazer pela família eles já fizeram, é chegado o seu<br />

momento”, relativiza.<br />

Dar valor à vida e ao tempo é o que as mulheres a seguir fazem de melhor.<br />

O passar dos anos só contribuiu para serem mais livres e fazerem o que têm<br />

vontade. Engana-se quem pensa que o velho é aquela figura pacata e incapaz.<br />

Hoje, de acordo com elas, são mais ativas que os próprios jovens. O tempo<br />

corre, e essas senhoras não querem perder um só segundo.


A rotina depois dos 60<br />

A professora Elisa Silva, 62, não se considera da<br />

geração saúde. Adepta do Tai Chi há três anos, diz que<br />

foi pela primeira vez por curiosidade. Pratica o exercício<br />

para ajudar na sua psicomotricidade, e comenta que foi<br />

somente depois de começar a fazer as aulas que percebeu<br />

que realmente não conseguia realizar certos movimentos.<br />

“Quando eu venho de lá, fico ótima. É um exercício não<br />

racional. Eu anulo quaisquer pensamentos. A cabeça<br />

vazia é completamente fantástica”, comenta.<br />

A professora revela que consegue dar aula durante<br />

oito horas sem se cansar e ter problemas com a voz. Além<br />

disso, não se preocupa com as questões físicas da idade.<br />

Para ela, o mais importante é a energia, aspecto de sua<br />

vida que ela tem de sobra. “Uma verdade que tenho para<br />

mim é que não tenho tempo a perder. Hoje, mais do que<br />

nunca, eu tenho certeza disso.”<br />

Segundo Silvia, a mudança não tem nada a ver com<br />

o tempo. “Não existe amadurecimento com o passar dos<br />

anos. Você precisa se questionar e estar disposto a mudar.<br />

A idade, inclusive, pode servir para a cristalização de<br />

maus comportamentos.”<br />

Durante a menopausa, confessa ter ficado muito<br />

triste devido às baixas de hormônios. “Lembro que foi<br />

uma época péssima na minha vida. Pela primeira vez,<br />

senti o peso da idade”. Foi depois disso que Elisa pôde<br />

perceber que não era mais jovem. “Olhava para minhas<br />

pernas e elas já não estavam mais durinhas”. Mesmo<br />

assim, ela não se priva de usar um biquíni ou um short<br />

mais curto. “Não é uma coisa que me incomoda.”<br />

O que mais teme é ficar doente e perder sua energia.<br />

Não faz exames regularmente. Nunca foi atenta às<br />

questões relacionadas às rotinas de saúde. A única<br />

doença que possui é hipertireoidismo, que, de acordo<br />

com ela, apareceu sem sintomas.<br />

Eu não tenho muito mais<br />

tempo a perder com problemas.<br />

Meu tempo é muito menor daqui<br />

em diante.<br />

Separada do marido desde 2001, nunca mais teve<br />

nenhum outro companheiro fixo vivendo em sua casa.<br />

Para ela, com o tipo de vida agitado que leva, hoje seria<br />

difícil. “Gosto de ir aonde eu quiser na hora que quiser.<br />

Eu adoro morar sozinha. Acho muito bom chegar em casa<br />

e não conversar com ninguém.” Hoje não sente tanta<br />

vontade de se relacionar sexualmente devido à queda da<br />

libido decorrente da diminuição de hormônios da idade.<br />

Passou a comer melhor depois dos 40 por se preocupar<br />

com sua saúde. Elisa revela que comia muito mal e<br />

chegava até mesmo a pular refeições ou trocá-las por<br />

comidas pouco nutritivas. “Descobri que não sou imortal<br />

nem a dona da razão. Para mim, nem existe razão. Temos<br />

que nos cuidar.”<br />

As modelos Lourdinha Mol, 60, (esquerda) e Míriam Gomes Oliveira, 28,<br />

(direita), concordam que a aparência pode mudar com os anos, mas o<br />

que importa é ter uma mente jovem.<br />

Ela dá para a idade o mérito de não se importar<br />

tanto com as coisas. “Essa é a diferença da Elisa de<br />

30 e poucos anos: tudo antes era problema, tudo me<br />

estressava e virava uma questão imensa. Hoje relevo<br />

muito mais as coisas, sei que tudo vai passar e que não<br />

adianta se estressar.”<br />

Amante de viagens, Cecília Trópia, 66, diz que<br />

sua maior vontade, daqui para frente, é passear cada<br />

vez mais. Por ter se casado cedo e ter que cuidar dos<br />

filhos, ela diz que nunca pôde viajar por conta própria.<br />

Sempre viajou acompanhada dos filhos pequenos e do<br />

falecido marido.<br />

Cecília sente muitas saudades da época em que<br />

jogava vôlei. A atividade teve que ser interrompida<br />

porque ela não poderia mais cair, já que as chances<br />

da fratura se tornar algo grave eram maiores devido à<br />

idade. Foi quando começou a praticar musculação para<br />

fortalecer os joelhos. Segundo ela, a opção pela prática<br />

foi por causa da perda de cartilagem progressiva<br />

durante os anos. “Comecei a fazer musculação depois<br />

de sentir algumas dores no joelho. Faço pela saúde,<br />

para me fortalecer, para que possa continuar fazendo<br />

tudo que eu faço”.<br />

O bom de ficar velha é fazer o que você quer fazer<br />

na hora desejada. “Os filhos já estão criados e não<br />

temos mais a obrigação dos cuidados.”<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>18</strong> 11 11


Sensação<br />

Memória do outro<br />

53 anos de casamento. 16 anos convivendo com<br />

o Alzheimer. Na vida de Antônio e Maria Efigênia, o<br />

tempo pontua as memórias por meio das lembranças<br />

que ele conta da esposa. “A vida com ela sempre foi<br />

muito boa. Se não fosse ela, eu não seria o homem<br />

que sou hoje. O que eu sou é responsabilidade dela”.


Texto: Wendell Soares<br />

Foto: Aleone Higidio<br />

Arte: Gabriela Santos<br />

Maria Efigênia da Silva Pinheiro tem 73 anos. Antônio<br />

Lourenço Pinheiro, 75. Juntos, a história dos dois remonta<br />

53 anos. O Alzheimer perpassa mais de uma década e meia<br />

entre eles, mas é coadjuvante na vida que criaram ao longo<br />

de todo esse tempo.<br />

Os dois se conheceram numa madrugada de 1961, quando,<br />

por insistência de um amigo, ele desistiu de embarcar<br />

para tocar na zona boêmia de Ponte Nova e foi a um casamento<br />

em Saramenha. Ele nunca soube quem ela conhecia<br />

para estar lá. O acaso os uniu quando, ao pegar uma bebida,<br />

pediu que ela segurasse o bongô que trazia consigo. “Ela estava<br />

na janela. Linda, como sempre foi. E, de propósito, eu<br />

me aproximei.” Em 26 de outubro de 1963, casaram-se, e a<br />

bebida, que estava presente no primeiro encontro, tornou-se<br />

uma memória que ele ressalta ser passado. “Parei de beber<br />

em 15 de novembro de 1966. Porque ela pediu”.<br />

Maria Efigênia já era enfermeira quando se casou, e, para<br />

Antônio, isso nunca foi um problema. Dos amigos, ouviu<br />

piadas sobre mulher que trabalha poder “galhar” o homem,<br />

mas foi conciso: “eu não sou machista, nunca fui. Eles me<br />

perguntavam se eu ia aceitar que ela trabalhasse, e eu dizia<br />

que não era dono dela para aceitar nada. A gente estava mais<br />

preocupado com a família”. Por família, entendem-se o casal<br />

e quatro filhos. “Um filho legítimo e três de criação”, como<br />

gosta de enfatizar. O emprego de Maria Efigênia, de alguma<br />

forma, fez com que as crianças fossem em maior número<br />

que o planejado. Segundo ele, seria apenas um filho, Camilo.<br />

A mãe de Edmilson teve eclâmpsia durante o parto e faleceu<br />

sete dias após ele nascer. Renato, o segundo “de criação”,<br />

chegou com três dias de vida. Já Ana, a terceira filha, ficaria<br />

com uma amiga do casal. No entanto, Maria Efigênia a levou<br />

para casa, e, quando seu Antônio a viu, decidiu que também a<br />

adotaria. “Eu era doido com uma menina. E acho que eu não<br />

os escolhi. Foram eles que nos escolheram”.<br />

Como trabalhava o dia todo, o casal decidiu contratar<br />

uma empregada para ajudá-los. Maria Efigênia era enfermeira<br />

numa mineradora da região, onde trabalhou por quatro<br />

anos. Depois, ambos passaram juntos em um concurso<br />

público e se tornaram funcionários da Universidade Federal<br />

de Ouro Preto (Ufop). Aposentaram-se no mesmo dia,<br />

em 7 de março de 1995.<br />

Tiveram outro filho, Rodney, que se afogou em 1983, aos<br />

19 anos. Desta lembrança, seu Antônio se sente desconfortável<br />

para falar. Sobre ele, pontuou apenas o que eu sabia: “é o<br />

pai de Alice”, a única neta do casal que conheci. Em seguida,<br />

desconversa: “quanto às adoções, em mil novecentos e antigamente<br />

era bravo, né? Nos perguntavam por que cuidar do<br />

filho do outro em vez de ter os nossos. Mas pra mim e Efigênia,<br />

não havia diferença“.<br />

Com isso, percebo a ironia de quem me deu datas exatas<br />

para tudo que disse sobre a família, mas tratou de forma genérica<br />

quando disse sobre os outros. E conclui: “nós nunca<br />

tivemos problema com isso. Foram crescendo e a gente foi<br />

explicando. Pior coisa do mundo é mentira”.<br />

Fotos: Álbum de família<br />

Maria Efigênia no quintal de casa, no bairro<br />

Bauxita, em Ouro Preto. A foto foi tirada na<br />

década de 1970.<br />

Bilhete de Antônio Lourenço para a esposa<br />

no verso de uma fotografia. O recado é de<br />

um ano antes do casamento.<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>18</strong><br />

13


Identidade<br />

O cuidado em cinco décadas<br />

Segundo Antônio, o cotidiano do casal é o mesmo há dezesseis<br />

anos. Tornou-se mais intenso nos últimos oito. “Desde<br />

aquele 10 de setembro de 2008, eu aprendi a viver com ela<br />

de uma forma diferente. Não digo pior, digo diferente.” Nessa<br />

data, Maria Efigênia sofreu uma queda durante o banho e nunca<br />

mais falou. Os movimentos foram sumindo após a queda, e,<br />

mesmo com vários exames – nenhum detectou qualquer tipo<br />

de alteração na atividade cerebral –, ela também deixou de se<br />

locomover. “O cérebro é engraçado.<br />

Parece que o dela entendeu que,<br />

após quebrar o fêmur, não conseguiria<br />

mais andar. E paralisou uma<br />

parte do corpo. Não houve AVC”,<br />

teoriza seu Antônio.<br />

Ele acorda às cinco da manhã, faz o café, ouve o rádio.<br />

Acorda Maria Efigênia às nove para lhe dar os remédios. Tira a<br />

esposa da cama e a ajeita no sofá. Por volta do meio-dia, almoçam.<br />

Às quatro da tarde, seu Antônio ou a filha, Ana Regina,<br />

prepara-lhe o banho e, às sete e meia, um talharim. Maria Efigênia<br />

dorme por volta de nove da noite. Seu Antônio se recolhe<br />

pouco tempo depois.<br />

Antes do Alzheimer, Maria Efigênia era descrita como uma<br />

mulher ativa junto à comunidade ouro-pretana. Integrante do<br />

Emaús (um movimento missionário da Igreja Católica voltado<br />

para jovens), estava sempre envolvida com as cerimônias religiosas<br />

do bairro Bauxita, onde, na juventude, foi mais do que<br />

enfermeira da Samarco e da Ufop.<br />

Seu Antônio explica, quando abre seu primeiro sorriso durante<br />

toda a entrevista: “no fim dos anos 1970, ela acordava de<br />

madrugada para dar injeção em algum vizinho que precisava.<br />

Eu tenho noção<br />

de que eu sou a memória dela.<br />

E eu preservo muito isso.<br />

Nunca reclamou, não importava o horário. Eu acompanhava<br />

para ter certeza de que ela estava segura”.<br />

Em certo momento, falo sobre o cuidado dele com ela,<br />

quando o vejo pedir um tempo na conversa para ir vê-la. Ele<br />

retruca: “eu faço o possível. Ela era enfermeira 24 horas por<br />

dia. Ela, sim, cuidava de todo mundo”.<br />

Entre cada confissão, seu Antônio coça o bigode. Quando<br />

pergunto sobre os planos que tinham para a velhice, ele me<br />

interrompe, como se a resposta, engasgada,<br />

sempre estivesse ali. Tosse e me diz: “nós tínhamos<br />

um projeto de vida, que era:<br />

quando casasse o último filho, nós<br />

iríamos passear. O último filho se casou.<br />

E a doença me fez, intimamente,<br />

nunca mais na vida programar o dia de amanhã”.<br />

Após o relato, o engasgo foi meu. Ele percebe, mas continua<br />

a me dizer: “No fundo, no fundo, eu acho que, se ela soubesse<br />

disso [do Alzheimer], ela não queria viver não. Ela nunca<br />

dependeu de ninguém”.<br />

Falar em dependência, no caso de Alzheimer, é falar sobretudo<br />

de cuidado. O site da Associação Brasileira de Alzheimer<br />

(ABRAz) reforça que “o relacionamento com o paciente passa<br />

a ser um confronto com múltiplas e cumulativas perdas, que<br />

precisam ser constantemente adaptadas”. O cuidador merece<br />

atenção até maior que o paciente porque dispensa não só o<br />

tempo para outro, como se torna parte de sua memória. É ele<br />

que, além do cuidado, preserva a lembrança que vai se esvaindo.<br />

Seu Antônio tem consciência disso: “eu tenho noção de que<br />

eu sou a memória dela. E preservo muito isso. Ela não é apenas<br />

a mulher que está aqui hoje, ela é muito mais”.


Maria Efigênia pelo olhar da filha<br />

Ana Regina, a caçula do casal, foi a responsável, ao lado do<br />

pai, por cuidar da mãe após a doença. “No início ele [o pai] negociava<br />

comigo. Para sair, eu precisava ajudar a cuidar dela. Eu<br />

era enfermeira da minha mãe. Hoje, percebo que só aproveitei a<br />

saúde dela por isso. E agradeço.” A jovem me conta como a mãe<br />

tinha um cuidado especial com ela: “eu era a única menina. Então<br />

ela ficava horas fazendo tranças no meu cabelo. Me levava<br />

ao caratê, judô, à natação, até descobrir o que eu queria”.<br />

A mãe adotiva era amiga da mãe biológica, Terezinha, e, durante<br />

20 anos, fez questão de que a filha tivesse contato com a<br />

outra mãe. “Nunca consegui chamar a Terezinha de mãe porque<br />

quem sempre esteve aqui foi ela, a Maria Efigênia. E tentar me<br />

aproximar da outra mãe só aumentou o que eu sinto por essa<br />

aqui”, fala enquanto aponta para Efigênia na cama ao lado. Ana<br />

Regina possui duas certidões de nascimento porque Maria Efigênia<br />

exigiu que ela sempre soubesse que tinha duas mães.<br />

Esse é o meu relógio<br />

O primeiro sintoma do Alzheimer, segundo o médico geriatra<br />

Thiago Mônaco, é “muito lento e discreto”. Ele se dá pela<br />

perda recente de memória e é agravado pelo aparecimento de<br />

problemas cognitivos importantes. Foi a ex-nora de Maria Efigênia<br />

que percebeu, no início do ano 2000, um comportamento<br />

estranho com a sogra, quando, de frente ao sacrário, parecia<br />

perdida. Ao saber, Seu Antônio a levou ao médico. “Os exames<br />

são caros e feitos por eliminação. Não é coração, não é isso [outra<br />

doença], vão fazendo até chegar ao diagnóstico.” O último<br />

diagnóstico foi o Alzheimer. Maria Efigênia chegou a saber.<br />

Tanto Antônio quanto Ana Regina disseram que, por cerca<br />

de oito anos, eles apenas insistiam em ajudá-la em tarefas<br />

simples e, mesmo nelas, Maria Efigênia se mostrava relutante.<br />

Ana relembra: “ela sempre perguntava o porquê. A gente dava<br />

qualquer desculpa. Até o dia em que caiu no banheiro”.<br />

Era 2008 e, duas semanas antes do Natal, a vida da família<br />

sofreria uma mudança irreversível. Hoje, oito anos depois<br />

da queda, Maria Efigênia não anda, não fala e não reconhece<br />

ninguém. A cada dois ou três meses, um médico vai visitá-la e,<br />

todos os sábados, o ministro da comunhão lhe dá a eucaristia.<br />

“Raros são os parentes que vêm aqui”, confessa seu Antônio<br />

sem qualquer ressentimento.<br />

Lembra-se do senso de responsabilidade do homem, resgatando<br />

o sermão do casamento católico, no qual o padre repete<br />

sobre estar junto “na saúde e doença”. Decido terminar o papo,<br />

quando ele completa: “é questão de justiça, eu não sou bonzinho.<br />

Se eu estivesse no lugar dela, eu estaria sendo mais bem<br />

cuidado porque ela é enfermeira. E das boas, como te falei”.<br />

Seu Antônio se levanta, me oferece um outro café e, ao chegar<br />

ao portão, me pergunta se contou sobre a história que ouviu<br />

em um encontro de casais a que foram em meados dos anos<br />

1990. Digo que não porque queria ouvir de novo naquela última<br />

conversa. Ele resume: “um casal muito pobre. O homem só tinha<br />

um relógio e a mulher, um cabelo longo, bonito. No aniversário<br />

de casamento, ele vende o relógio e compra um prendedor<br />

caro para ela pôr no cabelo. Em casa, descobre que ela está careca,<br />

pois vendeu o cabelo para comprar uma corrente pro relógio”.<br />

Eu sorrio para ele. Ele arremata: “o bem mais precioso que<br />

tenho para dar à Maria Efigênia é meu cuidado. Antes e agora.<br />

Não mudou nada. Esse é o meu relógio”.<br />

É questão de justiça,<br />

eu não sou bonzinho. Se eu estivesse no<br />

lugar dela, eu estaria sendo mais<br />

bem cuidado porque ela é enfermeira.<br />

E das boas, como te falei.<br />

15<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>18</strong> 15


Identidade


Texto: Francielle Oliveira<br />

Foto: Mariana Botão e<br />

Thatyanna Mota<br />

Arte: Larissa Pinto<br />

A fotografia permite que<br />

enxerguemos a realidade de<br />

um modo diferente. Desperta<br />

em nós uma forma de perceber<br />

a paisagem e o espaço urbano.<br />

Retratos de cidades, pessoas,<br />

comportamentos estimulam a<br />

imaginação e as interpretações.<br />

Captam fragmentos da rotina,<br />

como o tempo destinado apenas<br />

a se sentar (ou ficar de pé) e<br />

esperar o meio de transporte se<br />

locomover até o seu destino.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>18</strong> 17


CURINGA | EDIÇÃO <strong>18</strong> 19


Nos ônibus e nas<br />

ruas, desconhecidos<br />

compartilham<br />

espaços onde têm<br />

de conviver, muitas<br />

vezes estando bem<br />

próximos, mas<br />

raramente existe<br />

real interação.<br />

Nesse ensaio,<br />

imagens sensíveis,<br />

objetos e signos<br />

representam o<br />

passar do tempo, os<br />

hábitos, a cultura e<br />

as pessoas que por<br />

ali transitam.


Texto: Cleo Silva<br />

Foto: Silvia Cristina Silvado<br />

Arte: Laene Medeiros<br />

Compositor de rotinas<br />

A existência humana é marcada pelo tempo. E provavelmente sempre será.<br />

Habitar<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>18</strong><br />

21


Durante a história, foram criados vários instrumentos e formas<br />

de medir o tempo para garantir a sobrevivência por meio<br />

da lavoura, saber as mudanças na estação do ano, ou para se<br />

programar. Segundo o astrônomo Marcelo Anjos, membro da<br />

Sociedade de Estudos Astronômicos de Ouro Preto (Seaop), os<br />

primeiros relógios usados pelo homem foram os gnômons, um<br />

tipo de instrumento que, ao ser iluminado pelo Sol ou pela Lua,<br />

projetava uma sombra que se deslocava pela superfície, determinando<br />

a divisão do tempo. Ele também conta que ainda existem<br />

lugares onde as estações do ano são bem definidas, e isso já<br />

foi motivo de subsistência da raça humana. Como a Patagônia,<br />

na Argentina, onde o aquecimento global ainda não chegou.<br />

A ampulheta, ou relógio de areia, como é conhecida, também<br />

foi um dos primeiros objetos criados para medir o tempo.<br />

Teria sido inventada no século oito por um monge francês chamado<br />

Luipraud. Parecia que a areia demorava para passar de<br />

um cilindro ao outro, causando a sensação de dias longos e proporcionando<br />

em cada pessoa uma experiência, o que também<br />

acontece com outros marcadores temporais do cotidiano.<br />

Marcadores pessoais<br />

Quando ainda não existia televisão, eram os sinos, que, do<br />

alto das igrejas, informavam a população ouropretana sobre os<br />

acontecimentos. O sino foi considerado um importante mensageiro<br />

e ainda está presente principalmente na religião católica.<br />

Simbolicamente, a intensidade e o ritmo das badaladas, além<br />

de convidar os fiéis para as celebrações, podem expressar momentos<br />

de meditação, alegria, tristeza e respeito, entre outros.<br />

A moradora de Ouro Preto Terezinha Vieira não perdia a<br />

“reza”. Ouvia o sino tocar e sabia que precisava se arrumar para<br />

a missa das 10 horas no domingo. Quando teve seu primeiro<br />

relógio, já estava casada: “fizeram o despertador, mas a gente<br />

não sabia olhar as horas nele”.<br />

Hoje, com 77 anos, ela lembra que, quando jovem, acordava<br />

às 4h30 com o cantar do galo, dos pássaros e dos porcos, os<br />

quais, segundo ela, faziam muito barulho. Trabalhava em uma<br />

fábrica de chá e, durante o dia, orientava-se pelo ângulo de refração<br />

do Sol. “Quando o Sol estava bem alto, eu sabia que era<br />

mais ou menos dez horas. Quando o Sol virava, já eram 16 horas,<br />

então era hora de recolher o chá e voltar pra casa.”<br />

O astrônomo Marcelo Anjos relata<br />

que as pessoas mais velhas são observadoras<br />

da natureza. Desconhecem<br />

na teoria, mas sabem na prática<br />

como funciona o tempo. No interior<br />

do Brasil, ainda que o passar do dia<br />

pudesse ser medido pelos relógios de<br />

Sol, de noite e os de água, os horários<br />

mais confiáveis ainda são a alvorada,<br />

o Sol do meio-dia e o anoitecer.<br />

De acordo com a moradora de Barro Branco, distrito de Mariana,<br />

Iza Januária, 86, “é mais fácil hoje, que existe relógio,<br />

errar as horas, do que na roça quando não tinha. Ninguém tinha<br />

relógio, nem rádio, não tinha nada, despertava no peito mesmo”.<br />

Muito lúcida, Iza lembra que, quando o tico-tico cantava,<br />

ela podia se levantar que era hora de encher as marmitas e ir<br />

para o mato cortar lenha e carregar os animais. Entre risos, ela<br />

fala que, no canto da coruja, não dava para confiar. “Ela era<br />

muito preguiçosa e acordava tarde!” Hoje, Iza tem um Tic Tac<br />

na parede da cozinha, mas seu companheiro é o galo Nonô. Ela<br />

comenta que o galo só tem um problema: começa a “abrir o<br />

bico” às dez horas da noite.<br />

Previsão que acompanha gerações<br />

Quando o assunto é medir o tempo por meio dos sinais da<br />

natureza, a Folhinha Eclesiástica de Mariana ou “Folhinha de<br />

Mariana”, seu nome popular, é tradição na Região dos Inconfidentes,<br />

em Minas Gerais. Existente há 145 anos, com uma tiragem<br />

anual de cerca de 200 mil exemplares, a publicação, uma<br />

grande folha em formato de cartaz, tem sua base no Lunário<br />

Perpétuo, almanaque ilustrado de origem medieval, cuja sustentação<br />

é o acompanhamento dos movimentos da Lua e como<br />

eles interferem no clima da Terra.<br />

Gerente da gráfica responsável pela publicação, Jair Duarte<br />

tem contato com ela há 22 anos, e confia nas previsões do tradicional<br />

anuário. “Corto todo ano a parte da previsão do tempo,<br />

colo na minha agenda e vou acompanhando. Posso dizer que a<br />

Folhinha tem uma média entre 75 e 80% de acertos.” Jair conta<br />

que algumas pessoas ligam para saber as previsões do dia e até<br />

as fases da Lua “porque, se cortar o cabelo na lua errada, já era”.<br />

Apesar da imprecisão científica e da forma primitiva como<br />

nossos antepassados marcavam a existência, a vida em comunhão<br />

com a natureza permitiu ao homem compreender e<br />

aperfeiçoar as diversas formas de contar e estabelecer o tempo.<br />

Talvez, no passado, as pessoas não vivessem em um ritmo tão<br />

alucinado como hoje. Depois da Revolução Industrial, a história<br />

mudou, nos vimos lançados em um ritmo de vida com relógios,<br />

horários e pressa… muita pressa.<br />

“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em<br />

casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...<br />

Quando se vê, já é 6ª feira...<br />

Quando se vê, passaram 60 anos...<br />

Agora, é tarde demais para ser reprovado...<br />

E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,<br />

eu nem olhava o relógio,<br />

seguia sempre, sempre em frente...<br />

E iria jogando pelo caminho<br />

a casca dourada e inútil das horas.”<br />

Mário Quintana


travessIA<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 23


Vai e olha o céu<br />

A dança dos satélites, signos e constelações em nossas vidas<br />

Texto: Anna Flávia Monteiro e Luísa Rodrigues<br />

Foto: Gabriela Ramos<br />

Arte: Lucas Campos


A posição da Lua naquela hora representa a energia que você carrega, seu estado<br />

de humor. Cada planeta do sistema solar significa algo dentro de nós.<br />

Depois de uma sessão de imprevistos<br />

técnicos que deixaram tensa toda uma<br />

equipe da Nasa, a sonda Voyager 1 ganhava<br />

os ares na manhã de 5 de setembro<br />

de 1977, dando os primeiros passos<br />

de uma longa viagem. Até hoje, trata-se<br />

do objeto lançado que está mais longe<br />

de casa, sem previsão de retorno à origem.<br />

As sondas Voyager 1 e Voyager 2<br />

foram lançadas para alcançarem os perímetros<br />

de Saturno e Júpiter, e depois<br />

Urano e Netuno. Em 39 anos de sua jornada,<br />

entre os tantos resultados alcançados,<br />

o mais grandioso deles foi atingir<br />

o espaço interestelar, a zona para além<br />

do nosso Sistema.<br />

Ainda em 1977, o astrônomo Charles<br />

Kowall descobriu o asteroide 2060 Quíron.<br />

Essa descoberta, assim como a de<br />

alguns planetas, como Urano, Netuno e<br />

Plutão, teve relação com eventos mundiais<br />

importantes. Quíron foi descoberto<br />

em dezembro, mesmo mês em que<br />

ocorreu uma reunião entre Anwar Sadat,<br />

então presidente do Egito, e Menachem<br />

Begin, primeiro-ministro de Israel, para<br />

discutir a paz entre os dois países. O resultado<br />

do encontro foi o isolamento do<br />

Egito em relação aos demais vizinhos<br />

árabes e, mais tarde, o assassinato de<br />

Sadat. Segundo se acredita, o conflito de<br />

egos entre pessoas representaria as projeções<br />

enérgicas de Quíron.<br />

O movimento dos astros é parte do<br />

anseio pelo conhecimento desde muito<br />

cedo na história, orientando-nos em<br />

tempo e espaço. A astronomia, por exemplo,<br />

surgiu com as primeiras civilizações,<br />

partindo de estudos simples como observações<br />

do céu. Se os devaneios sobre os<br />

astros se desenrolassem no cenário da literatura,<br />

estariam nas linhas do realismo<br />

fantástico, onde brincar com o tempo é<br />

a primeira regra para melhor entendê-lo.<br />

Na astrologia, os aspectos pessoais de<br />

alguém podem ser esclarecidos por meio<br />

da relação do ser humano com o cosmos.<br />

A partir dele, interpreta-se o universo<br />

interior, existente em nossa vida e<br />

jeito de ser. O tempo de cada um começa<br />

com o céu.<br />

No princípio era a luz<br />

A relação do claro e escuro imposta<br />

com a alternância de Lua e Sol construiu<br />

comportamentos, como o aproveitamento<br />

da luz para atividades diversas<br />

e a falta dela para quietude e descanso.<br />

Essa forma mais básica de entendimento<br />

do tempo foi se aprimorando, unindo o<br />

fator contemplativo ao teor matemático,<br />

na região da antiga Mesopotâmia, atual<br />

localização do Iraque.<br />

Os estudos na área da astronomia fizeram<br />

toda a diferença na contagem do<br />

tempo como temos hoje, como a divisão<br />

da hora em 60 minutos compostos por<br />

60 segundos e o conceito de semana. Aos<br />

poucos a percepção do tempo é afinada e<br />

toma forma, numa tentativa de se entender<br />

melhor o mundo.<br />

Nas primeiras civilizações, a observação<br />

dos astros já crescia com o conceito<br />

de previsão inserido em seu âmago, ao<br />

passo que ganhava nuances mitológicas.<br />

Eclipses, fases da Lua, o deslocamento<br />

dos planetas, cometas e estrelas cadentes.<br />

Em todo acontecimento cabia um sentido<br />

divino. “Registros históricos sugerem<br />

que as pedras de Stonehenge, além de<br />

serem usadas para acompanhar o movimento<br />

dos astros, eram também associadas<br />

a cultos religiosos e à previsão de<br />

eventos futuros”, conta o professor de Física<br />

Leonardo Gabriel, do Instituto Federal<br />

de Educação, Ciência e Tecnologia de<br />

Minas Gerais (IFMG), em Ouro Preto.<br />

A própria palavra desastre, num primeiro<br />

momento, denominava o fato<br />

que contrariava os astros. A ideia de<br />

constelação foi desenhada relacionando<br />

a aparência das linhas com objetos<br />

e figuras heroicas.<br />

A linha tênue entre os estudos dos<br />

astros e a astrologia levou a acreditar,<br />

por vezes, que ambas nasceram juntas.<br />

O ponto de partida é compartilhado: anseio<br />

por orientação. “A astrologia estuda<br />

como as posições dos astros interferem<br />

na vida das pessoas. É muito importante<br />

demarcar que ela não pode ser considerada<br />

ciência”, aponta Leonardo. Para o<br />

professor, “não ser uma ciência não é necessariamente<br />

uma coisa ruim. O sentimento<br />

do amor, por exemplo, não é visto<br />

a partir de um método científico.”<br />

Segundo o mapa da <strong>Curinga</strong>, ela teria traços como vaidade, liderança, personalidade explosiva<br />

e segurança de si. Confere? Saiba mais na página virtual da <strong>Revista</strong>.


A valsa<br />

dos astros<br />

Foi com os gregos que os apontamentos astronômicos<br />

tomaram rumos sofisticados. Em sua cultura,<br />

foi concebida a primeira compilação das estrelas e<br />

medições mais precisas do percurso de corpos celestes.<br />

O catálogo estelar foi elaborado no Almagesto<br />

(séc. 2 d.C.), uma obra de arte do acervo científico<br />

mundial de valor único para a teoria geocêntrica, em<br />

que a Terra estaria no centro do Universo.<br />

Sua autoria é de Cláudio Ptolomeu, cientista grego<br />

que frequentemente mesclava tons de ciência e<br />

misticismo numa coisa só. Era apaixonado pelos céus<br />

e chegou a afirmar que ao seguir, a seu bel prazer,<br />

rumo à densa multidão das estrelas, os pés deixavam<br />

de tocar a Terra. Perdido na grandeza teatral do<br />

Universo, bem como as sondas do Voyager. A teoria<br />

geocêntrica foi aceita e repercutida durante 14 séculos,<br />

até ser completamente refutada pelas teorias de<br />

Copérnico (séc. 16) e Galileu (séc. 17).<br />

Equipamentos que suportam esse tipo de<br />

viagem, brutal em duração, distância e condições,<br />

tiveram uma longa linhagem de desenvolvimento<br />

tecnológico, partindo de linguagens<br />

simples como a da luneta. Saltando<br />

no tempo conforme os estudos seguiam<br />

com expectativas e alguns prejuízos, Galileu<br />

foi um dos pioneiros a se aventurar na<br />

contemplação do céu noturno por meio de<br />

um dispositivo óptico.<br />

Em 2012, a sonda Voyager I adentrou o espaço<br />

interestelar, até então nunca visitado. Sua sondairmã<br />

tem como expectativa alcançar a mesma zona<br />

desconhecida para enriquecer as pesquisas. Estimase<br />

que os sinais continuarão a se comunicar com a<br />

base da Nasa até meados de 2030, quando o contato<br />

provavelmente estará perdido. Uma questão de sorte<br />

ou de tempo? Uma porção de cada, quem sabe.<br />

Buscamos incessantemente compreender do<br />

que fazemos parte, da maneira mais competente<br />

que nossos recursos conseguem atender. O que<br />

pode acontecer em cem anos? Quantas são as formas<br />

de estar vivo? Em quantos mundos? Estamos<br />

sozinhos? Como o tempo nos rege?<br />

A curiosidade, ingrediente principal da imaginação,<br />

estimula diretamente nossos questionamentos<br />

enquanto espécie e sujeito. Em fevereiro<br />

de 2015, a Voyager 1 marcava a distância de 19,5<br />

bilhões de km da Terra, de onde era senão um “pálido<br />

ponto azul”, como definiu o célebre cientista<br />

Carl Sagan na época. Quem é o homem na colcha de<br />

retalhos do Universo?<br />

Com a engenharia refinada que originou<br />

o telescópio, Galileu pôde ver as irregulares<br />

crateras da Lua, os numerosos satélites de<br />

Júpiter, as manchas solares e as fases de Vênus.<br />

O telescópio veio a se popularizar ainda<br />

mais através de Isaac Newton, também no<br />

século 17, a cabeça por trás da Lei da Gravitação<br />

Universal. Nela, está descrita a teoria<br />

mecânica celeste: todo corpo se atrai. Segue<br />

a dança de todas as coisas, harmoniosa e<br />

orquestrando com grandezas.


Entender o movimento dos astros é percorrer o entendimento do<br />

homem entre uma infinita sequência de possibilidades. “Existem estrelas<br />

que, se colocadas no lugar do Sol, iriam quase até a órbita de<br />

Saturno”, conta o estudante de Estatística Bruno Fernandes, integrante<br />

do projeto “O Céu ao Alcance de Todos”, do IFMG de Ouro<br />

Preto. Curioso pelo espaço desde criança, Bruno idealiza que “seria<br />

incrível que, como pessoas, crescêssemos à medida que observamos a<br />

maravilhosa máquina do Universo”.<br />

Touro com ascendente em câncer<br />

Todo planeta do Sistema Solar representa algo<br />

dentro de nós. Em cada mapa astral, o Sol, que é<br />

o centro do Sistema Solar, representa quem nós somos,<br />

ou seja, nosso signo. Aquela constelação que<br />

aparece ao leste do mapa é o seu ascendente. É ele<br />

que vai mostrar sua atitude diante da vida e das pessoas.<br />

A posição da Lua naquela hora vai representar<br />

a energia que você carrega, seu estado de humor.<br />

Uma “fotografia” do céu no momento do nascimento<br />

não basta. É preciso uma gama de cálculos<br />

matemáticos para se chegar a quem a pessoa é e estará<br />

propensa a ser daqui para frente. Pode-se dizer<br />

que, apesar de trabalhar com interpretações simbólicas,<br />

é com régua, compasso e bastante história<br />

que cada um de nós consegue saber quais astros nos<br />

influenciam durante todo o nosso tempo na Terra.<br />

A astróloga Thaíse Rodrigues explica que a astrologia<br />

tem relação direta com o tempo, porém, sempre<br />

voltada para a pessoa. Um exemplo, segundo ela, é<br />

o da Progressão. “Dá para ver a tendência da vida de<br />

uma pessoa. Desde bebê, adolescente, jovem, adulto,<br />

velho”, esclarece. Como afirma Thaíse, essa área de<br />

estudos ajuda a lidar melhor com dificuldades e a<br />

aceitá-las, uma vez que ela é muito mais usada, na<br />

prática, como autoconhecimento.<br />

Com um mapa astral, pode-se fazer um estudo<br />

mais elaborado sobre si mesmo. Existem clientes<br />

que fazem mapas, levam até o psicólogo e discutem<br />

aquilo que foi revelado durante a consulta com o astrólogo.<br />

Durante a análise, o paciente reflete sobre<br />

metas, posturas e disciplinas. É possível perceber<br />

o quanto a ligação da astrologia com a psicologia é<br />

forte. O psicólogo Luiz Duarte afirma que estudos<br />

mais sistemáticos sobre o assunto, como os do psiquiatra<br />

e psicólogo Jung, comprovam a existência de<br />

uma sincronicidade entre a vida humana e o posicionamento<br />

dos astros. “Como a astrologia é representada<br />

por meio de símbolos e mitologias, assim<br />

como a nossa vida intrapsíquica, a leitura de mapas<br />

astrológicos torna visível essa relação, desnudando<br />

aspectos da personalidade da pessoa”. Luiz explica<br />

que essa sincronicidade permite leituras do funcionamento<br />

inconsciente do indivíduo.<br />

Por trabalhar com símbolos, a interpretação dos<br />

astros costuma não ser muito bem recebida por algumas<br />

pessoas. “Para grande parte dos psicólogos,<br />

a astrologia é vista como perda de tempo, como se<br />

a pessoa quisesse enganar-se para achar respostas<br />

prontas e se desresponsabilizar da própria vida, dizendo<br />

que tudo é culpa do destino”, afirma Luiz.<br />

Como conta a jornalista Cláudia Rocha, libriana<br />

e paulista, existe bullying entre os signos.<br />

“Tem gente que realmente deixa de conhecer alguém<br />

legal por causa do signo e faz todo o mapa<br />

astral da pessoa antes de três encontros. Além disso,<br />

culpa os signos pelas atitudes dela.” Ela ainda<br />

completa que algumas características podem ser<br />

relacionadas a cada signo, porém todo ser humano<br />

é único, e, por isso, seu mapa astral não deve<br />

ser feito a esmo, pois é um assunto sério. “Hoje<br />

em dia, as pessoas levam a sério até demais, comprometendo<br />

a sanidade e a convivência social, fechando-se<br />

em mundinhos em que apenas existem<br />

os signos ‘aceitáveis’ por elas.”


Odisseia do espaço<br />

Os mistérios que envolvem os astros<br />

tornaram-se, para além de área<br />

de estudos, um fascínio particular.<br />

David Bowie, efervescente figura do<br />

cenário musical e artístico, compôs<br />

uma série de músicas que reverberavam<br />

as curiosidades espaciais.<br />

Por meio de personas singulares<br />

como Ziggy Stardust, um rock star que<br />

se comunicava com o espaço, ou de<br />

Major Tom, um astronauta fictício que<br />

deixa a Terra para viajar pelas estrelas<br />

e que se perde no desconhecido, Bowie<br />

lê o universo e traduz em música. Após<br />

o acidente, diante da grandiosidade da<br />

imensidão, Major Tom conclui que “o<br />

planeta é azul e não há nada que eu possa<br />

fazer”. Tão maravilhado quanto uma<br />

criança observando o céu.<br />

Hoje, como um gesto da comunidade<br />

científica em homenagem a seu legado,<br />

movimenta-se entre Júpiter e Marte o<br />

asteroide David Bowie, assim batizado<br />

logo após a morte do astro musical em<br />

janeiro de 2016. A pedra espacial de número<br />

342843 segue, como nossas próprias<br />

indagações, dançando no espaço.<br />

Antes de tomar o desconhecido espacial<br />

como Major Tom, o Programa<br />

Voyager está em sua terceira fase, a<br />

exploração interestelar. Nas estruturas<br />

físicas das sondas, uma carga simbólica:<br />

um disco fonográfico em puro ouro,<br />

com instruções de uso e a simples mensagem:<br />

“para criadores de música de todos<br />

os mundos e todos os tempos” (“For<br />

music makers of all worlds and all times”,<br />

no original em inglês).<br />

O disco contém uma hora e meia<br />

de sons e imagens da Terra. Uma verdadeira<br />

cápsula do tempo que guarda<br />

uma voz das nossas cultura e vida, uma<br />

sutil demonstração de como sentimos e<br />

o quanto, assim como a nossa expressão<br />

e entendimento da ideia de tempo.<br />

Entre os sons, cumprimentos em 55<br />

línguas diferentes, Bach e Chuck Berry.<br />

“A Astronomia nos ajuda a ter mais humildade<br />

e sensibilidade para lidar com<br />

os outros, para cuidar melhor de nosso<br />

planeta”, reflete o professor Leonardo,<br />

pensando a nossa mais antiga característica:<br />

a curiosidade. “Penso que enviar<br />

esse disco com nossas informações foi<br />

um gesto de humildade.”<br />

Em algum lugar do oceano de<br />

astros, transita nossa identidade.<br />

A mensagem? Passamos aqui,<br />

deixe recado após o sinal.


o mundo em mim<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 29


Sensação<br />

Jornada atr<br />

Buracos de minhoca, paradoxos e universos paralelos.<br />

Na física quântica, ciência e ficção se cruzam o tempo todo .<br />

Texto: Caio aniceto<br />

Foto: Monique Torquetti e Taíssa faria<br />

Arte: Mariana Araújo<br />

Os seres humanos vivem no presente, sem acesso ao<br />

passado e se movendo inevitavelmente em direção ao futuro.<br />

Para a maioria das pessoas, o tempo é algo fixo – e<br />

imutável. O relógio parece mover-se em uma única direção.<br />

De acordo com o cientista Isaac Newton, o tempo seria<br />

absoluto independentemente de qualquer observador<br />

e progrediria a um ritmo consistente em todo o universo.<br />

Newton acreditava que o tempo era imperceptível e só poderia<br />

ser entendido matematicamente. Para o cientista, os<br />

seres humanos só seriam capazes de perceber o tempo relativo,<br />

que é uma medida de objetos perceptíveis em movimento<br />

(como a Lua ou Sol). A partir desses movimentos,<br />

seria possível perceber a passagem do tempo.<br />

Os conceitos de espaço e tempo eram separados antes<br />

do advento da Teoria da Relatividade especial, que ligava os<br />

dois e demonstrou que ambos são dependentes do estado<br />

de movimento do observador. Nas teorias do físico Albert<br />

Einstein, as ideias de tempo e espaço absolutos foram substituídas<br />

pela noção de espaço-tempo. Em fevereiro de 2016,<br />

as ondas gravitacionais previstas pela relatividade geral de<br />

Einstein foram finalmente detectadas por cientistas do Instituto<br />

de Tecnologia da Califórnia, confirmando uma previsão<br />

feita há quase 100 anos. Mais do que nunca, sabemos<br />

que o tempo é, na realidade, maleável.<br />

Algumas teorias e modelos em Física, incluindo a teoria<br />

das cordas e algumas interpretações da mecânica quântica<br />

atuais, sugerem que nosso universo pode ser apenas um entre<br />

incontáveis outros. A Interpretação de Muitos Mundos<br />

(IMM) da mecânica quântica, em particular, apoia a ideia<br />

de que todos os possíveis resultados de eventos aleatórios (e<br />

decisões) podem ocorrer em universos separados.


vés do tempo<br />

Turistas do tempo<br />

A ideia de retornar ao passado ou visitar o futuro não<br />

surge do meio científico. São diversas as lendas e mitologias<br />

que citam essa possibilidade, demonstrando que a vontade<br />

de viajar no tempo acompanha a humanidade desde seus<br />

primórdios. Teoricamente, a viagem no tempo poderia ser<br />

feita por meio de três métodos: ao alcançar uma velocidade<br />

maior do que a da luz, com a utilização de cordas cósmicas<br />

ou ao atravessar os chamados buracos de minhoca.<br />

“O buraco de minhoca é uma ‘falha’ na continuidade do<br />

universo. Sua nave pode estar na mesma velocidade e você,<br />

de repente, estar em um lugar muito distante do espaço”,<br />

explica a graduanda em Física da Universidade Federal de<br />

Ouro Preto (Ufop) Vitória Ballesteros. “Imagine um pano<br />

sobre duas mesas. Agora imagine que você quer ir de um<br />

ponto A, na extremidade de uma mesa, até um ponto B, na<br />

extremidade da outra mesa. Você percorreria uma distância<br />

grande, certo? Agora imagine que os pontos estão fixos sobre<br />

a toalha, mas que as mesas se separam e parte do tecido<br />

desce. Os pontos A e B estarão agora mais ‘próximos’ e sua<br />

distância percorrida será menor porque você não terá que<br />

atravessar todo o pano”, esclarece.<br />

Uma das principais objeções à ideia de que a viagem<br />

no tempo seria possível é o fato evidente de não termos<br />

sido visitados por turistas do futuro. Se a viagem ao passado<br />

fosse possível, é improvável que essa tecnologia jamais<br />

fosse usada. Talvez a humanidade tenha morrido antes de<br />

inventá-la, por exemplo.<br />

Outra hipótese formulada por cientistas é de que, ao<br />

mover-se no espaço-tempo, o turista não voltaria de fato<br />

ao seu mundo de origem, mas a uma cópia dele. Ou seja,<br />

a viagem no tempo em si cria novos universos e ramificações<br />

da mesma forma que as outras decisões fariam,<br />

causando os chamados “paradoxos”.<br />

“Imagine que você é neto de Hitler e quer voltar no tempo<br />

e matar seu avô. Se você conseguir, seu avô não fará o<br />

seu pai e você não existirá. Mas, se você não existir, como<br />

vai matar seu avô?”, questiona Vitória. “Uma explicação<br />

para esse paradoxo seria que, quando você altera a realidade<br />

dessa forma, o mundo em que você está acostumado a<br />

viver vai mudar completamente para uma versão sem você<br />

e você passa a existir nessa nova realidade onde seu avô<br />

está morto. Isso criaria uma realidade paralela, um outro<br />

‘mundo’”, esclarece a estudante.<br />

Em escala incomparavelmente menor, viajar (sem volta)<br />

ao futuro é um fenômeno comprovado pela física relativística,<br />

mas percorrer qualquer “distância” significativa<br />

requer uma velocidade próxima da luz, o que não seria<br />

viável com a tecnologia atual.<br />

31<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>18</strong> 33


Especulando sobre as consequências que poderiam ser acarretadas pelo retorno ao passado ou ida ao<br />

futuro, pesquisadores propõem hipóteses denominadas “paradoxos” – contradições lógicas associadas<br />

à ideia de viagem no tempo. Veja abaixo um resumo dos mais utilizados e citados pela ficção:<br />

Paradoxo dos Gêmeos: dois gêmeos hipotéticos,<br />

um deles fica em casa, na Terra, enquanto o<br />

outro viaja ao espaço em um foguete ultrarrápido.<br />

Quando os gêmeos se reúnem, o gêmeo que viajou<br />

está mais novo que seu irmão.<br />

Paradoxo Ontológico: quando um item,<br />

pessoa ou informação é mandado de volta ao<br />

tempo, criando um loop infinito em que não há<br />

origem discernível para o objeto. Acontece na<br />

série “O Exterminador do Futuro”.<br />

Paradoxo da Predestinação: ocorre quando as<br />

ações de um viajante do tempo causam o evento<br />

que ele estava tentando evitar, criando um loop<br />

de causalidade. Ocorre no filme “A Máquina do<br />

Tempo”.<br />

Paradoxo de Polchinski: uma bola de bilhar<br />

entra por um buraco de minhoca e sai no passado,<br />

a tempo de colidir consigo mesma e impedir que<br />

ela entre no portal. Ocorre de forma semelhante<br />

no filme “Interestelar”.<br />

Gato de Schrödinger: um gato é colocado<br />

numa caixa lacrada junto com um frasco de<br />

veneno. Enquanto a caixa não for aberta, é<br />

impossível saber o estado do animal – então, de<br />

acordo com a Física Quântica, ele estaria vivo e<br />

morto ao mesmo tempo. A provocação foi sugerida<br />

pelo físico Erwin Schrödinger para discutir<br />

a observação de feixes de elétrons.


Sociedade alternativa<br />

vida.<br />

O conceito de viagem no tempo através de<br />

meios tecnológicos foi popularizado pela primeira<br />

vez no romance de H. G. Wells, “A Máquina do<br />

Tempo” (<strong>18</strong>95). Em geral, as narrativas de viagem<br />

no tempo estão focadas nas consequências de viajar<br />

para o passado ou futuro. A premissa central<br />

para as jornadas no tempo envolve, muitas vezes,<br />

a alteração da História, intencionalmente ou por<br />

acidente, e como ela cria um presente alternativo<br />

para o viajante quando ele retorna ao seu tempo.<br />

Algumas narrativas focam apenas nos paradoxos ,<br />

consequências e cronogramas paralelos causados<br />

pela modificação do tempo, sem demonstrar a viagem<br />

em si. Essas histórias, muitas vezes, fornecem<br />

algum tipo de comentário social, permitindo que a<br />

ficção científica aborde questões contemporâneas de<br />

forma simbólica e metafórica.<br />

A ficção há muito empresta uma ideia de<br />

“outro mundo” de mitos e lendas. Céu, Inferno,<br />

Olimpo e Valhalla, o mundo dos heróis nórdicos,<br />

são todos “universos alternativos”, diferentes da<br />

dimensão material. O conceito de universos distintos<br />

também se coloca no quadro da mecânica<br />

quântica, como encontrado em “O Jardim de<br />

caminhos que se bifurcam”, conto de Jorge Luis<br />

Borges publicado anteriormente à hipótese do<br />

multiverso. Na história, o tempo é um labirinto<br />

e as coisas acontecem paralelamente, de formas<br />

infinitamente ramificadas.<br />

Há muitos exemplos em que os autores criaram<br />

explicitamente dimensões espaciais adicionais<br />

para suas personagens transitarem, viajando a<br />

universos paralelos. No seriado Doctor Who (no ar<br />

desde 1963), o protagonista é capaz de viajar pelo<br />

espaço-tempo. Douglas Adams, no último livro da<br />

série “O Guia do Mochileiro das Galáxias” (2009),<br />

usa a ideia de probabilidade como um eixo adicional<br />

para as dimensões, semelhante à descrita pela<br />

Interpretação de Muitos Mundos. Na maioria desses<br />

casos, as dimensões podem ser visitadas com o<br />

uso de máquinas e aparelhos.<br />

Uma descrição notável de um universo paralelo<br />

em filmes está em “De Volta para o Futuro II”,<br />

que mostra um presente alternativo criado acidentalmente.<br />

Outro exemplo está no longa “Donnie<br />

Darko”, que lida com o que chama de um “universo<br />

tangente” que irrompe do nosso próprio universo.<br />

Os atuais filmes de “Star Trek” se passam<br />

em um universo alternativo criado por um vilão<br />

que volta no tempo, permitindo que a franquia<br />

seja refeita sem afetar a continuidade de qualquer<br />

outro produto da saga.<br />

Em sua obra “Uma Breve História do Tempo”<br />

(1988), Stephen Hawking afirma que o passado,<br />

assim como o futuro, é indefinido e existe apenas<br />

como um espectro de possibilidades. Viagem<br />

no tempo, buracos de minhoca, múltiplos universos<br />

– conceitos estranhos, que aparentam ter saído<br />

diretamente da ficção. Mas, nesse caso, a arte<br />

pode estar imitando a vida.<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>18</strong> 33


Sensação<br />

Subjetividade<br />

das horas<br />

A percepção do tempo no dia a dia<br />

varia para cada pessoa.<br />

São 45 minutos da segunda etapa de uma partida de<br />

futebol. O time vence pela vantagem de um gol e a vitória<br />

é suficiente para conquistar o campeonato. O juiz<br />

assinala quatro minutos de acréscimo. Para o torcedor<br />

do time quase campeão, cada minuto parece durar uma<br />

hora. A torcida do time perdedor vê passar cada minuto<br />

como se fosse um segundo. A depender da situação e<br />

do estado emocional, o ser humano percebe a passagem<br />

das horas de uma maneira diferente.<br />

Esse é só um exemplo de como o cérebro humano<br />

reage a estímulos que, agradáveis ou desagradáveis,<br />

têm o poder de influenciar na percepção subjetiva temporal.<br />

Para entender a relação entre o tempo humano e<br />

o do relógio, a neurociência define um como cronológico<br />

e outro como psicológico.<br />

Gabriela Souza, neurocientista e coordenadora do<br />

Laboratório de Psicofisiologia da Universidade Federal<br />

de Ouro Preto (Ufop), explica que o tempo cronológico é<br />

aquele medido por meio dos relógios e dos calendários.<br />

Enquanto o psicológico é a sensação subjetiva da passagem<br />

do tempo interpretada por cada sujeito. O modo<br />

como percebemos o tempo passar também pode ser influenciado<br />

pela prática de atividades, como a meditação<br />

ou o uso de substâncias.<br />

Uma delas é a cannabis sativa – a maconha. A. L.,<br />

23, usa maconha desde os 17. Ele reconhece a alteração<br />

na percepção do tempo quando recorre à substância.<br />

Contudo, segundo ele, a maneira como reage é variável.<br />

“Depende muito do que estou fazendo e da especificidade<br />

da erva. Algumas vezes as horas parecem passar<br />

mais rápido e outras mais devagar, mas dificilmente<br />

passam na mesma velocidade.”<br />

Jogar videogame é outro divertimento de A. L., melhor<br />

ainda quando está junto dos amigos. O jogo virtual de<br />

futebol é o seu preferido. A curiosidade é que, em algumas<br />

ocasiões, ele joga depois de ter utilizado a cannabis. É<br />

quando comprova empiricamente a alteração na velocidade<br />

da passagem do tempo. “Já me peguei achando que a<br />

partida estava quase acabando. Quando olhei no relógio<br />

e vi que se passaram só 12 minutos de jogo, me assustei.<br />

Até jogando futebol de verdade acontece algo parecido.”<br />

Um artigo publicado na <strong>Revista</strong> Brasileira de Psiquiatria<br />

em 2005, feito por um grupo de pesquisadores<br />

da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade<br />

Federal de São Paulo (Unifesp), evidenciar que os estudos<br />

com usuários de maconha apresentam resultados conflitantes.<br />

E a maioria relata que não há atrofia cerebral ou<br />

alterações volumétricas regionais nas estruturas encefálicas.<br />

Porém, existe uma pequena evidência de que usuários<br />

de longo prazo, que iniciaram um uso regular no<br />

início da adolescência, apresentam atrofia cerebral assim<br />

como redução na substância cinzenta.<br />

“Estudos de neuroimagem funcional (técnica que<br />

mostra o fluxo sanguíneo cerebral) relatam aumento na<br />

atividade neural em regiões que podem estar relacionadas<br />

com intoxicação por cannabis. Constatou-se assim, alteração<br />

do humor e redução na atividade de regiões relacionadas<br />

com funções cognitivas prejudicadas durante a<br />

intoxicação aguda.”, argumenta a neurocientista Gabriela<br />

Souza. A consequência desse processo é que acontece<br />

uma alteração de volume cerebral e de fluxo sanguíneo<br />

em algumas regiões cerebrais pode contribuir para que a<br />

interpretação de tempo fique alterada.<br />

Texto: Brunello Amorim<br />

Foto: Lorena Lima<br />

Arte: Rayssa Amaral


Meditação para desacelerar<br />

José Geraldo Silva, o mestre Geraldinho, é professor de ioga há 20 anos. Para ele, a prática de<br />

meditação é a possibilidade de se desvencilhar da rotina corrida. Enquanto está no ioga, ele conta<br />

que sente os minutos passarem mais devagar. “Um dos objetivos da prática do ioga é a realização<br />

de uma avaliação interior, com o intuito de desaceleração da vida, e que influencia na sensação do<br />

tempo que passa, resultando assim em vários benefícios”, conta.<br />

A maneira como a meditação interfere na percepção do tempo da vida humana varia para cada<br />

pessoa. Uma hora na aula de ioga é o momento em que o professor e seus alunos sentem a respiração<br />

e estabelecem uma sinergia entre mente e corpo. Contudo, essa “desaceleração” dos ponteiros<br />

do relógio pode ir além dos 60 minutos da prática e aparecer também no dia a dia dos praticantes,<br />

trazendo reflexos para outras ações.<br />

Geraldinho acredita que, “com a prática diária da atividade, os benefícios se intensificam,<br />

podendo ser sentidos sempre e não somente durante a atividade. Desse modo, o praticante realiza<br />

uma avaliação interior, que influencia no modo como ele enxerga a si mesmo, as outras pessoas,<br />

os animais, a natureza, enfim, o mundo”.<br />

Inclusive, a impressão de que a Terra faz o movimento de rotação cada vez mais depressa,<br />

fazendo os dias passar mais rápido, é válida. A neurocientista Gabriela acredita que “atualmente<br />

a quantidade de tarefas, compromissos e de informações processadas diariamente pelo cérebro<br />

aumentou enormemente e o dia continuou tendo 24 horas (tempo cronológico inalterado). Por<br />

isso a sensação subjetiva de que o tempo está passando mais rápido é real (tempo psicológico).”<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>18</strong> 35


Habitar<br />

Moda<br />

a meu<br />

modo<br />

Mais do que criar tendências e padrões estéticos, a moda está,<br />

durante toda a sua história, ligada a transformações sociais. O<br />

modo de se vestir está relacionado às lutas de seu tempo para<br />

alcance de espaço numa busca infinita pelo novo. A professora<br />

Daniela Calanca afirma no livro “História Social da Moda” que<br />

a história do vestuário não é um simples inventário de imagens,<br />

mas sim o reflexo dos fenômenos socioeconômicos, políticos, culturais<br />

e os costumes de determinada época.<br />

A partir da Baixa Idade Média, desenvolve-se no indivíduo o<br />

desejo de ter uma personalidade singular. Desta forma, passa a<br />

existir maior possibilidade da afirmação social graças à individualidade.<br />

Bem além da Idade Média, ícones de diferentes épocas<br />

subverteram padrões impostos cultural e socialmente por meio<br />

de seus estilos e protagonismo, criando possibilidades de expressão<br />

da moda. Assim, mais do que um costume que muda, volta e<br />

se altera, ela representa conquistas de espaço.


Texto: Lívia Monteiro<br />

Foto: Caroline Hardt<br />

Arte: Clarissa Castro<br />

Ousadia<br />

Mulheres empresárias usando terno durante o<br />

dia. Donas de casa cuidando dos filhos à noite. A mulher<br />

moderna é resultado da evolução dos papéis femininos<br />

na sociedade, determinante para a mudança<br />

de seu modo de vestir.<br />

A partir da Primeira Guerra Mundial, as mulheres<br />

precisam de roupas práticas para suas novas tarefas.<br />

Elas abandonam os corpetes, libertam suas silhuetas<br />

e passam a andar de bicicleta, o que seria impossível<br />

com as saias longas. A calça passa a ser reivindicada,<br />

sendo que a peça tinha uso exclusivo aos homens<br />

e chegou a ser proibida às mulheres na França do<br />

século 19, conforme afirma Lars Svedsen em seu livro<br />

“A Moda: uma filosofia”.<br />

Conhecida por ser “uma mulher à frente do seu<br />

tempo”, Gabrielle Chanel – ou Coco Chanel – foi<br />

inspiração para a libertação da mulher na moda<br />

durante as décadas de 1910 e 1920. Sua audácia e<br />

busca pela simplicidade fizeram com que ela quebrasse<br />

padrões da época. Assim, ela insere o vestuário<br />

masculino, saias mais curtas e o neutro vestido preto,<br />

criando um novo paradigma para as mulheres.<br />

Para a professora e jornalista de moda Carla<br />

Mendonça, Chanel conseguiu trazer uma outra<br />

atmosfera para a ideia da moda na época. “Ela teve<br />

sucesso em entender o espírito do tempo e que a<br />

Primeira Guerra traria outras necessidades à mulher,<br />

relendo isso e aplicando num produto desejável. Os<br />

paradigmas que ela quebra são de tirar a moda de um<br />

lugar inacessível, entendendo que elegância não está<br />

só no exagero, mas que poderia estar na simplicidade.”<br />

Excentricidade<br />

Nada mais simples, básico e prático do que usar<br />

calça jeans. Mas a peça-chave do guarda-roupa atual<br />

demorou a se popularizar. Criada no fim do século<br />

19, por ser confeccionada em um tecido resistente<br />

para fazendeiros, a vestimenta era exclusivamente<br />

masculina e ligada ao trabalho pesado.<br />

Só em 1934 a marca Levi Strauss & Co. lançou a primeira<br />

coleção de jeans para mulheres. Mesmo assim,<br />

esse tipo de roupa não foi popularizado rapidamente.<br />

A professora Calanca conta que, somente no fim dos<br />

anos 1960, após várias tentativas de conquistar um<br />

amplo mercado de massas nas décadas precedentes,<br />

o jeans supera todas as divisões de classe, sexo, idade.<br />

Iris Apfel é ícone mundial da moda, decoração<br />

e de acessórios. Em uma época em que mulheres<br />

não usavam jeans, ela insistiu em usá-los. Eram os<br />

anos 1940 e, até conseguir seu jeans, a excêntrica<br />

Iris precisou ir a uma loja ao menos cinco vezes e<br />

convencer os vendedores a encomendar uma calça<br />

masculina que servisse nela.<br />

Ao ser questionada sobre regras de moda no<br />

documentário Iris (2014), dirigido por Albert Maysles,<br />

Apfel diz que não há regras, pois ela as quebraria. Foi<br />

exatamente essa ruptura que Iris provocou ao usar<br />

jeans masculinos nos anos 1940.<br />

Aos 94 anos, sua marca registrada são óculos<br />

redondos e imensos, além de incomuns sobreposições<br />

de colares e braceletes gigantes. A excentricidade de<br />

Apfel deu-lhe destaque e reconhecimento no mundo<br />

da moda, abrindo espaço para outras pessoas se<br />

expressarem de forma mais autêntica.<br />

Antimodas<br />

Pense nas estrelas hollywoodianas. Ou então<br />

nas pop stars da música. A partir da década de 1980,<br />

elas influenciaram ainda mais os padrões de moda e<br />

beleza, indicando formas de viver e consolidando a<br />

busca sem fim pela jovialidade.<br />

Como exemplo disso, as antimodas surgidas<br />

após a Segunda Guerra Mundial buscaram, por<br />

meio dos jovens, a ruptura da cultura dominante.<br />

Representados por famosos, hippies na década de 1970<br />

ou punks na década de 1980, essa contracultura trouxe<br />

diversos ganhos à moda. Da minissaia ao jeans, do<br />

rock ao pop, a liberdade ao se vestir e agir redefiniu<br />

comportamentos e estilos.<br />

Explorando um perfil jovem e extremamente sexualizado,<br />

Madonna idealizou o culto ao corpo, tornando-se<br />

um ideal de beleza e moda. Em seu livro Ensaios<br />

sobre Moda, Arte e Globalização Cultural, Diana<br />

Crane afirma que, por sua capacidade de se identificar<br />

com os diferentes estados de espírito das jovens – e<br />

interpretá-los –, Madonna afetou o mundo da moda.<br />

Com seu icônico sutiã em forma de cone, crucifixos,<br />

luvas sem dedos, renda e meias-calças rasgadas,<br />

Madonna mostrou-se uma mulher livre e sempre<br />

jovial, como até hoje se mantém, exibindo à sociedade<br />

a possibilidade eterna de buscar a jovialidade. Para<br />

Carla, “assim como na época da Chanel, Madonna faz<br />

tanto sucesso exatamente por entender a década de<br />

1980. É a década do crescimento das academias, da<br />

ginástica aeróbica, da mulher construindo seu corpo<br />

como corpo mais forte. A Madonna não inventa isso,<br />

mas populariza”, interpreta.<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 37


Habitar<br />

Atualmente, fala-se não somente a respeito da moda unissex, mas da moda sem gênero e sem padrões<br />

determinados para homens e mulheres. Na música brasileira, vemos cantores que quebram e<br />

buscam desconstruir o padrão de gênero ao se vestirem. É o caso do mineiro Lineker, 29, expoente<br />

da nova MPB. Maquiado, com salto de 15 centímetros e usando brincos, o cantor, performer, bailarino<br />

e diretor recebeu a equipe da <strong>Curinga</strong> antes de seu show em Ouro Preto para conversar sobre<br />

a quebra do padrão da masculinidade e sobre a liberdade para se vestir.<br />

REVISTA CURINGA: Como você define o seu estilo?<br />

LINEKER: Não tenho estilo, gente! Eu uso realmente o que<br />

tenho vontade de usar!<br />

RC: No seu site, você fala sobre querer a<br />

desconstrução de normatividades de gênero<br />

e sexualidade. Como você trabalha isso na sua<br />

vida profissional e pessoal?<br />

L: Se, em algum aspecto, meu trabalho toca na<br />

questão de gênero, ele toca sobre discutir masculinidades.<br />

Nunca me enquadrei no padrão de masculinidade imposto<br />

pela nossa cultura. O fato de ser gay já me fez desviar<br />

desse padrão. A partir disso, passei por uma série de<br />

transformações, tanto na minha vida quanto<br />

no meu trabalho, muito ligado às questões que<br />

me interessam e que estão pulsando em mim.<br />

Como o lugar de fala do artista é, de certo modo,<br />

privilegiado, tento usar este lugar para dar<br />

visibilidade a certas questões.<br />

RC: Quando você começou a abdicar dessa<br />

masculinidade?<br />

L: Acho que a gente está sempre em processo de<br />

desconstrução. Participei de alguns processos de criação<br />

em que eu nem sabia que estava falando de gênero. A partir<br />

disso, fui entrando em contato, buscando referências. 2013<br />

foi o ano em que tomei consciência de que, ao usar um vestido, eu<br />

estava falando de gênero. Em 2007 eu já usava saia pra fazer show,<br />

mas, pra mim, eu não estava falando de gênero, estava fazendo o<br />

que eu queria fazer, sabe?<br />

RC: E como tem sido esse processo de transição?<br />

L: A cada vez, estou mais tranquilo de fazer o que eu quiser, sem me<br />

importar se as pessoas vão me achar masculino ou feminino.<br />

Hoje olho pra uma roupa e penso: “é uma roupa, né?”. Posso usar<br />

o que tiver vontade. Em um dia, posso estar usando um brinco; no<br />

outro posso estar usando uma maquiagem e, no outro dia, não.<br />

RC: Como pessoa pública, como você vê as pessoas sendo<br />

tocadas pela sua liberdade em se vestir?<br />

L: Se o que faço está inspirando e colabora de alguma forma para o<br />

processo de alguém, fico muito feliz. Porque eu gostaria de, nos meus<br />

16 anos, ter encontrado pessoas e artistas que tivessem me inspirado<br />

e me ajudado a vivenciar de forma mais rápida e menos dolorosa o<br />

meu processo.


Tecnologia, aliada<br />

dos amantes<br />

Identidade<br />

A utilização de cartas em<br />

um relacionamento já foi<br />

um hábito comum. Décadas<br />

atrás, a saída era escrever várias<br />

folhas de um sentimento<br />

enclausurado. Se era comum esperar vários dias pela resposta<br />

do endereçado, nesta segunda década do século 21, parece uma<br />

eternidade se levarmos em conta a quantidade de recursos para<br />

a comunicação e suas velocidades. Passar horas escrevendo em<br />

uma folha de papel ainda é uma atividade existente entre remetentes<br />

e destinatários. Porém, em 2014, as agências dos Correios<br />

registraram 2,4 bilhões de cartas enviadas por brasileiros. Um<br />

número bem menor do que em 2001, quando o índice apontou<br />

6,1 bilhões de cartas encaminhadas pelo território nacional. A<br />

queda foi de 60% do valor inicial.<br />

Uma pesquisa de 2013 da Universidade Northwestern, dos<br />

Estados Unidos, aponta que três cartas são suficientes para deixar<br />

o relacionamento mais feliz. O estudo contou com 120 casais<br />

que se relacionavam há mais de 11 anos. A cada quatro meses,<br />

a pessoa mandava uma carta para sua<br />

alma gêmea e, segundo os resultados, os<br />

casais se sentiam mais felizes. Apesar da<br />

constatação, metade deles não manteve<br />

o hábito no ano seguinte.<br />

A funcionária pública de Florianópolis<br />

Sônia Mognon, 48, relacionou-se por<br />

quatro anos com um homem. O casal<br />

se conheceu em 1985. O último ano do<br />

namoro foi marcado por cartas porque<br />

Sônia mudou de Lagoa Vermelha, Rio<br />

Grande do Sul, para a capital catarinense.<br />

“Não existiam os meios de comunicação<br />

de hoje. Se a data de envio da carta fosse<br />

o dia primeiro de qualquer mês, chegaria<br />

ao remetente no término do mesmo mês.<br />

Levaria de 20 a 30 dias para chegar”, diz.<br />

Para a entrevistada, o envio de cartas<br />

em tempos atuais demonstra o afeto de<br />

uma forma diferenciada. “As cartas ainda<br />

Rapidez, agilidade e escolhas.<br />

Tudo isso em suas mãos. Antes,<br />

eram outras tecnologias. Hoje,<br />

conhecer pessoas é possível pela<br />

internet, aplicativos e redes sociais.<br />

Conteúdo ficcional meramente ilustrativo<br />

são um meio de comunicação,<br />

mas, hoje em dia, de modo<br />

sentimental. Você consegue<br />

passar seus sentimentos para<br />

outra pessoa por ali. Claro que<br />

abdicar desse modelo é compreensível por conta dos recursos<br />

que temos hoje: celular, e-mail, aplicativos, por exemplo.”<br />

A educadora aposentada Marly Moysés Silva Araujo tem antepassados<br />

libaneses que viveram em terras marianenses e estabeleceram<br />

laços familiares dentro da Região dos Inconfidentes.<br />

Ela afirma que, desde a chegada de seus ancestrais ao Brasil, os<br />

relacionamentos amorosos dos imigrantes aconteciam por proximidade<br />

étnica. Os patrícios, nome dado aos compatriotas do<br />

Líbano, eram preferência entre os próprios imigrantes.<br />

“Entre os meus avós, três pessoas eram libanesas e, com<br />

isso, os hábitos e os relacionamentos sociais eram diferentes do<br />

Brasil. A proximidade dos patrícios era algo muito bom, afinal,<br />

eles cultivavam os costumes. Como estavam longe da terra natal,<br />

era é uma espécie de união, mesmo com a distância.”<br />

Segundo ela, os motivos que levavam<br />

aos casamentos por conveniência geográfica<br />

e étnica iam muito além do interesse<br />

financeiro. “Segurança, confiança e afetividade<br />

muito grande. A conduta na educação<br />

dos filhos era extremamente preservada.<br />

Por isso, também havia prioridades em casamentos<br />

entre libaneses. Então, na minha<br />

família, parentes mais distantes, mais velhos,<br />

tiveram seus casamentos realizados<br />

entre libaneses”, afirma.<br />

Sobre a cultura na cidade de Mariana, a<br />

entrevistada relata que “tinha tios libaneses<br />

no Rio de Janeiro, outra parte da família<br />

morava em Belo Horizonte e havia libaneses<br />

aqui em Mariana. Na região marianense,<br />

havia libaneses donos de fazenda e eles<br />

tinham uma cultura muito preservada”.<br />

Marly encerra relatando a preservação<br />

dos costumes como hábito dos libanenses.<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>18</strong><br />

39


“Mesmo com uma longa distância de casa e em sistemas<br />

familiares e de relacionamento diferenciados,<br />

havia um esforço enorme por parte dos libaneses para<br />

(nós descendentes) mantermos a cultura, aprendermos<br />

a língua. Sempre que vinha alguém do Líbano,<br />

havia um almoço especial para celebrar a vinda de um<br />

patrício. Um exemplo de boas vindas”, completa.<br />

João Paulo Vizioli mora há vinte anos no Japão e<br />

namorou à distância em três ocasiões. Ele já utilizou<br />

redes sociais e aplicativos para se relacionar, mas, no<br />

primeiro relacionamento, as ligações telefônicas foram<br />

o principal meio de romper as barreiras geográficas.<br />

“Cada relacionamento teve suas particularidades.<br />

A minha primeira relação a distância foi lá pelos anos<br />

de 1999/2000. Conheci a garota quando voltei ao Brasil<br />

para tirar a carta de motorista. Eu estava em Brasília<br />

e ela em Anápolis. Conheci-a enquanto fui visitar<br />

uns parentes nesta cidade.”<br />

A lamentação de João Paulo foi o custo-benefício<br />

da telefonia, um dos meios de comunicação que serviu<br />

de apoio para o casal. “A gente conversava por telefone<br />

e eu ia visitar ela toda semana. Porém, tive que voltar<br />

ao Japão e ela ficou no Brasil. Nos primeiros meses, a<br />

gente se comunicava por carta e telefone público para<br />

ter maior privacidade na conversa. Eu comprava cartões<br />

pré-pagos, que eram caros (cerca de 30 reais) e<br />

duravam pouco (no máximo 20 minutos).”<br />

João Paulo afirmou que era inviável utilizar os novos<br />

meios. Na época, a internet ainda não era tão popular<br />

no Brasil e a amada não tinha computador em<br />

casa. “Mas não durou muito. Cerca de dois meses depois<br />

que voltei ao Japão, a gente terminou.”<br />

Amor com novas tecnologias<br />

Nathalie Gonçalves de Melo e Fernando Lopes de<br />

Melo se conheceram em 2008 e ambos são do Rio de Janeiro. Fernando<br />

adicionou Nathalie no MSN, programa on-line de mensagens instantâneas.<br />

Segundo a entrevistada, o perfil do desconhecido impossibilitava saber<br />

quem era o usuário. Mesmo assim, ela aceitou o convite de Fernando. Não<br />

conversaram durante 30 dias, até ele se identificar. Depois do primeiro<br />

contato, não pararam de conversar, e hoje estão casados.<br />

“Nós nos conhecemos dia 16 de abril. No dia 21 do mesmo mês, ele retornou<br />

de viagem dizendo que não conseguia ficar um minuto sem mim.<br />

E, no dia primeiro de maio, ele estava morando comigo na casa dos meus<br />

pais. Minha mãe achou que eu estava louca, eu nunca tinha tomado uma<br />

decisão dessa magnitude. Meus pais acharam que eu estava com alguma<br />

alteração comportamental.”<br />

Uma pesquisa de<br />

2013 da Universidade<br />

Northwestern, dos<br />

Estados Unidos,<br />

aponta que três<br />

cartas são suficientes<br />

para deixar o<br />

relacionamento mais<br />

feliz.


Texto: João Vitor Marcondes<br />

Foto: Eduardo Rodrigues<br />

Arte: Letícia Cristiele<br />

Em dezembro de 2008, sete meses depois, Fernando<br />

pediu Nathalie em noivado. Em agosto de 2009, o<br />

casamento no cartório estava consumado. Em setembro<br />

do mesmo ano, ocorreu a cerimônia religiosa.<br />

O engenheiro Renato Passos entrou no Tinder em<br />

2015 passado, após um fim de namoro que, segundo<br />

ele, foi traumático. “Minha ex-namorada se mudou<br />

no meio de nosso relacionamento – e isso foi parte da<br />

ruína dele. Utilizava, basicamente, WhatsApp e telefone<br />

(aplicativo de mensagens instantâneas) para me<br />

comunicar diariamente com ela.” O principal motivo<br />

para ele ter começado a utilizar o recurso foi o anseio<br />

por conhecer gente nova e ter atividades diferenciadas<br />

depois do término do namoro.<br />

Renato disse que alguns amigos da faculdade<br />

usavam o Tinder, então decidiu se juntar a eles. Ele<br />

afirmou também que o aplicativo é um método moderno<br />

de conhecer pessoas fora dos lugares comuns.<br />

Questionado sobre a possibilidade de ter um relacionamento<br />

sério, o morador de Belo Horizonte acredita<br />

que nada é impossível, e não descarta essa possibilidade.<br />

Em 12 meses, ele se relacionou com 20 mulheres.<br />

“As pessoas precisam se desapegar de preconceitos e se<br />

adaptar aos novos tempos.”<br />

O psicólogo Cristiano Nabuco comentou em seu<br />

blog, que recebe o nome do próprio especialista, sobre<br />

as relações no Tinder e seus efeitos. “A personalidade<br />

eletrônica possibilita uma oportunidade para que as<br />

vivências da vida virtual possam se sobrepor às limitações<br />

encontradas no cotidiano.”<br />

O Tinder se alastrou pelos smartphones. Segundo o<br />

seu cofundador, Justin Mateen, a criação dessa ferramenta<br />

promove “o fim da rejeição” por se tratar de<br />

uma plataforma de descoberta social. O Brasil é o<br />

terceiro país que mais utiliza o aplicativo, sendo responsável<br />

por 8% das contas. Estados Unidos e Reino<br />

Unido são, respectivamente, primeiro e segundo colocados.<br />

Conforme nota da instituição, “a maior faixa<br />

etária é de <strong>18</strong> a 24 anos, e mais de 93% dos usuários<br />

nunca foram casados, de acordo com o Instituto Nacional<br />

de Estatísticas do Reino Unido”.<br />

O Brasil é o terceiro<br />

país que mais utiliza<br />

o Tinder, sendo<br />

responsável por 8%<br />

das contas.


Opinião<br />

Com a<br />

palavra,<br />

Texto: Igor Capanema<br />

Foto: Thiago Barcelos<br />

Arte: Júlia Cabral<br />

Quanto de mim ainda lhe resta? Quantas voltas ainda terei que dar para que você me entenda,<br />

me encare e, principalmente, me note? Foi ao longo desses anos que diversas gerações<br />

transitaram por mim. Anos. Palavra engraçada que criaram. Durante o trajeto, inventaram<br />

ferramentas, modos de existir e diversas convenções que permeiam a vida humana. Seguindo<br />

à risca, então, as criações realizadas pelos que em mim habitam, começaremos primeiro<br />

pela apresentação. Inclusive, você sabe se já passou do meio-dia?<br />

Não tenho cara, cor, forma. Não tenho cheiro. E, por mais que alguns ainda insistam em<br />

me dar tudo isso – sem o meu consentimento –, costumo dizer que sou um fenômeno inerente<br />

a quaisquer classificações. Mas, na maioria das vezes, ninguém me escuta. Aliás, só me<br />

veem passar. E eu passo, mas não sozinho. Você sabe que dia é hoje?<br />

E, por não saberem de onde vim e nem para onde vou, comentam entre si que não tenho<br />

piedade. Mas, na verdade, acabei percebendo que alguns ainda não sabem o quão piedoso<br />

posso ser. Sou como um amigo íntimo, daqueles que você conhece desde o nascimento e que<br />

o acompanha pelo resto da vida. Apesar de que a vida é mais uma das formas de me contar.<br />

Porém, mesmo com ela ou com a ajuda de ponteiros, sombras e posições astrológicas, ainda<br />

consigo nos guiar por conta própria. Eu e você. Mas não tenho certeza se você, sem eles,<br />

conseguirá apreciar nossa viagem. Já é noite? Não se perca no caminho!<br />

Durante esses mesmos anos, percebi que sou temido por uns e esperado por outros. E<br />

posso ser, de fato, um pouco impiedoso. Quando passo por alguns, deixo rastros que podem<br />

não ser bons. Rastros na mente, na memória, no corpo e na história. Amarelo fotografias,<br />

desfaço promessas, altero a libido e deixo pistas para que os meus habitantes percebam que<br />

um dos maiores erros da humanidade é acreditar que tudo dura para sempre. Sendo que<br />

o sempre pode durar apenas uma fração de mim. O mundo gira em um segundo. Quantos<br />

segundos já se passaram até aqui?<br />

Mas não se apegue a só isso. Também sou cura, também sou porto, também sou casa.<br />

Posso ser como o mar, que, quando passa, leva tudo. Inclusive aquilo que não se quer mais.<br />

Meu conselho é simples: não se fixem às minhas rochas, não se prendam ao meu cais e não<br />

se percam nas minhas ondas. Eu não paro, não espero e não retorno. Sou veneno e antídoto.<br />

E, antes que seja tarde demais, prazer, meu nome é Tempo.

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