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Revista Curinga Edição 20

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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<strong>Revista</strong> Laboratório | Jornalismo | UFOP Mar. de <strong>20</strong>17 | Ano VII |<br />

<strong>20</strong><br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 7


Expediente<br />

<strong>Curinga</strong> é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II.<br />

<strong>Revista</strong> produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop.<br />

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA).<br />

Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social<br />

(DECSO).<br />

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).<br />

Professores Responsáveis<br />

Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem)<br />

André Luís Carvalho (Fotografia)<br />

Talita Aquino (Planejamento Visual)<br />

Avareza<br />

página 36<br />

Editora-Geral<br />

Priscilla Santos<br />

Editora de Texto<br />

Mariana Ferraz<br />

Editora de Arte<br />

Giselle Carvalho<br />

Editora de Fotografia<br />

Débora Mendes<br />

Editoras de Multimídia<br />

Gabriela Visciglia e Nathália Fiuza<br />

Revisores<br />

Fernando Cássio e Hariane Alves<br />

Redatores<br />

Diagramadores<br />

Aglíene Melquíades, Caio Gomes,<br />

Caroline Borges, Ingryd Rodrigues,<br />

Janaína Almeida, Janaína Oliveira,<br />

Lara Massa, Rodrigo Sena, Sandro<br />

Aurélio<br />

Carol Vieira. Daniela Félix, Felipe<br />

Nogueira, Francielle Ramos, Larissa<br />

Lana, Pedro Guimarães, Sabrina<br />

Passos, Samara Araújo, Thamiris<br />

Prado<br />

Ira<br />

página 33<br />

Fotógrafos<br />

Alex Galeno, Alícia Milhorance,<br />

Camila Guardiola, Fabiano Alves,<br />

Flávio Ribeiro, Lillian Indrusiak,<br />

Paloma Demartini, Priscila Ferreira,<br />

Tainara Torres<br />

Capa e capas internas<br />

Débora Mendes (fotos) e Giselle Carvalho (artes)<br />

Casting<br />

Caio Vinícius, Carolina Lopes, Gabriel Garfield,<br />

Gislayne Gomes, Isadora Matricarde, Lua<br />

Melo Franco, Railson Fidélis (modelos capa e<br />

contracapa) Bruno Andrade (capas internas)<br />

Vaidade<br />

página 30<br />

Monitora<br />

Luísa Rodrigues<br />

Endereço:<br />

Rua do Catete, 166 - Centro<br />

354<strong>20</strong>-000, Mariana - MG<br />

Março / <strong>20</strong>17<br />

IMPRESSÃO: MJR EDITORA GRÁFICA<br />

Rua Carlos Pinheiro Chagas, 138 - Ressaca<br />

CEP: 32.113-460 - Contagem - MG<br />

tel: (31) 3357-5777


Luxúria<br />

página 9<br />

Preguiça<br />

página 12<br />

Inveja<br />

página 18<br />

Gula<br />

página 28<br />

revistacuringa <strong>Revista</strong><strong>Curinga</strong> <strong>Revista</strong><strong>Curinga</strong>


EDITORIAL<br />

O corpo é o abrigo do pecado. É a alma, nua, que dá poder aos desejos e ironicamente<br />

estimula os tabus. É o impulso quase avassalador de ser, de ter, de pertencer. O limite do<br />

querer é uma linha tênue, é a dualidade de tudo que existe no universo. Não existe poesia<br />

sem pecado. No entanto, é difícil estabelecer o que é socialmente aceito. O pecado capital,<br />

em definição crua e substantivo masculino, é a violação de um preceito religioso, é o pai<br />

dos outros vícios. Mas a fluidez das ações humanas e suas consequências vão muito além<br />

dos dogmas estipulados há centenas de anos.<br />

As pessoas se assemelham e divergem pelo que fazem. O pensamento, guardado pra<br />

si, é o “eu” em sua forma mais particular. Existe um conflito interno e pessoal entre o que<br />

é considerado certo e errado. Quando externamos o que somos, estamos sujeitos às mais<br />

diferentes interpretações. O que é pecado pra você também é pra mim?<br />

É vago resumir o pecado à maçã, ou preguiça à soneca depois do almoço. O jornalismo,<br />

assim como a vida, precisa de novidade. Na edição <strong>20</strong> da <strong>Curinga</strong>, renovamos os conceitos<br />

do pecado, contextualizamos transgressões e as empregamos no cotidiano, de forma<br />

palpável e corriqueira. Os desvios, antes vistos como falhas graves e passíveis de duros<br />

julgamentos, invadiu as casas e vestiu outras roupas, disfarçando-se, por vezes, na cerveja<br />

pra relaxar, em um comentário na internet, na busca irrefreável pelo sucesso. Procuramos<br />

romper o peso da condenação que atrasa a evolução e a descoberta de quem se é. Narramos<br />

sobre o fascínio que só o que é proibido traz. Nas próximas páginas, convidamos você a<br />

olhar para si e para o mundo com novos olhos, percebendo o pecado e como ele está mais<br />

presente do que se imagina, desnudando a tarja roxa que o mundo virtual nos impõe.<br />

Por Priscilla Santos


E u no m u n d o


Identidade<br />

Malvado Favorito<br />

Todo vilão que se preze faz o que bem entende.<br />

Regras não fazem parte do seu dicionário.<br />

Mas porque gostamos tanto deles?<br />

Texto: Caio Gomes<br />

Foto: Lilian Indrusiak<br />

Arte: Sabrina Passos<br />

Casting: Jade Noronha (Maquiagem)<br />

Brener de Oliveira (modelo)


São as cores contra a<br />

escuridão, é o riso contra a melancolia,<br />

o caos contra a busca de<br />

organização. Não existe Batman<br />

sem o <strong>Curinga</strong>.<br />

Filipe Monteiro<br />

O limite entre o prazer e o pecado é explorado<br />

por pensadores e cidadãos comuns há séculos. Desde<br />

a Grécia antiga com Sócrates e Platão, passando<br />

por pensadores como Kant e Nietzsche, até pesquisadores<br />

da nossa atualidade, a humanidade buscou<br />

entender a relação entre ética e moral, e também a<br />

linha tênue que divide o bem e o mal.<br />

A preocupação pela conduta humana, suas<br />

ações e seus pensamentos se tornam relevantes<br />

desde o momento em que o ser humano vive em<br />

sociedade. A ética e a moral se tornam necessárias<br />

para a convivência com seus pares. Mas também<br />

não é segredo para ninguém que os pecados nos<br />

atraem tanto. De acordo com a psicóloga Karine<br />

Alane, uma das explicações para a tendência do ser<br />

humano pelo proibido pode ser explicada por meio<br />

do modelo estrutural da personalidade (1923), proposto<br />

por Sigmund Freud, criador da psicanálise.<br />

Nesse modelo, Freud descreve três instâncias que<br />

interagem entre si: o Id, o Superego e o Ego.<br />

O primeiro consiste nos impulsos, instintos e<br />

desejos inconscientes, que orbitam sob o princípio<br />

do prazer, desconhecendo valores éticos. O segundo<br />

é marcado pelas proibições, exigências e padrões de<br />

conduta. E o último, o Ego, tem a função mediadora<br />

e busca o meio termo entre as duas primeiras<br />

instâncias, planejando o comportamento de acordo<br />

com a possibilidade ou não de sua execução.<br />

De acordo com Karine, a relação e atração das<br />

pessoas com o proibido pode ser explicado através<br />

de telenovelas e filmes: “por vezes, assistimos vilões<br />

satisfazendo aqueles mesmos desejos reprimidos<br />

dentro de nós, em circunstâncias que nos são<br />

muito familiares”. Essa explicação, segundo a psicóloga,<br />

nos traz uma questão de caráter existencial:<br />

“quando vibramos com os atos de um vilão, o que<br />

em nós foi machucado ou envergonhado?”.<br />

Os exemplos de vilões que foram adorados e<br />

acabaram ganhando destaque em suas histórias<br />

são muitos, e o fascínio despertado em seu público<br />

ultrapassa gerações. Como acontece com o personagem<br />

Darth Vader da franquia Star Wars (1977);<br />

Bellatriz Lestrange, que teve sua primeira aparição<br />

em Harry Potter e a Ordem da Fênix (<strong>20</strong>07) e Carminha<br />

de Avenida Brasil, telenovela brasileira de<br />

grande sucesso exibida em <strong>20</strong>12; Karine completa:<br />

“nosso Id é capaz de exigir satisfação através de<br />

alguns impulsos nada adoráveis moralmente, dos<br />

quais os ditos vilões são tão propensos a realizar”.<br />

Por que tão sério?<br />

Vilão: encarnação do mal/antagonista anti-herói.<br />

Essa definição sempre foi a mais aceita, porém,<br />

há quem enxergue esse papel de uma forma diferente.<br />

Este “novo” vilão pós-moderno, ainda que<br />

seja responsável por representar o mal, é responsável<br />

pela complementação do bem. Filipe Monteiro,<br />

fã do Batman, enxerga exatamente isso na relação<br />

entre o herói e o seu principal vilão: o <strong>Curinga</strong>. Segundo<br />

ele, um precisa do outro para viver, “senão<br />

não há muito sentido em continuar. É como se o<br />

<strong>Curinga</strong> representasse tudo o que falta no Batman<br />

e vice-versa. São as cores contra a escuridão, é o riso<br />

contra a melancolia, o caos contra a busca de organização.<br />

Não existe Batman sem <strong>Curinga</strong>”.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong><br />

7


O personagem perpassa os anos e sempre despertou<br />

o interesse e fascínio do público. Criado em<br />

1940 por Bill Finger e Bob Kane, o <strong>Curinga</strong> esteve<br />

inicialmente presente nos quadrinhos da série<br />

e depois migrou para as telas de televisão e posteriormente<br />

para as de cinema, onde foi interpretado<br />

por atores como Jack Nicholson (Batman, 1989) e<br />

Heath Ledger (Batman - O Cavaleiro das Trevas,<br />

<strong>20</strong>08). Dos vilões de Batman, ele é o que mais está<br />

presente nas telas de cinema - em oito filmes da<br />

saga, aparece em quatro e é citado em outros dois.<br />

Como se não bastasse, os longas estrelados pelo vilão<br />

em 1989 e <strong>20</strong>08 estão no top três em bilheteria<br />

dos filmes do super-herói. (Fonte: Forbes).<br />

Seu perfil psicológico aterrorizante e fora dos<br />

padrões da normalidade talvez seja explicado pelos<br />

acontecimentos na sua infância. Segundo seus<br />

criadores, ele foi uma criança solitária, que teve que<br />

conviver com frequentes abusos dentro de casa e<br />

a forte rejeição entre seus colegas de escola, que o<br />

consideravam fora dos padrões. Tais fatores ajudam<br />

a explicar a grande admiração que o <strong>Curinga</strong> provoca<br />

em seus fãs: “ele é um dos principais responsáveis<br />

por eu ter me tornado tão fã do Batman e do<br />

universo dos quadrinhos”, pontua Monteiro.<br />

Segundo Mônica de Faria, Doutora em Comunicação<br />

Social (PUC-RS), “o <strong>Curinga</strong> não tem nenhum<br />

desejo de poder ou vingança. Ele apenas se<br />

diverte com as consequências de pânico e terror<br />

que suas ações causam: o simples ato de ver o circo<br />

pegando fogo”, explica. O vilão se delicia com seus<br />

feitos, sendo então, uma possibilidade de felicidade<br />

própria fazer o que é considerado mal. “O <strong>Curinga</strong><br />

não tem moral, e isso desde as visões antigas de<br />

Sócrates e Platão é considerado um mal, pois não<br />

age para o bem viver”, completa.<br />

Os pecados por trás dos vilões também são capazes<br />

de nos atrair? A avareza, inveja, vaidade e luxúria<br />

são facilmente encontradas não só no vilão do<br />

Batman, mas em todos os protagonistas do mal. A<br />

fissura pelo dinheiro, o desejo por tudo que o rival<br />

tem e consegue, a soberba e o forte apego pela corrupção<br />

de costumes, são pecados encontrados em<br />

nossa sociedade e capazes de despertar os nossos<br />

mais obscuros desejos. São nos vilões, que tentamos<br />

justificar nossa atração pelo proibido e também<br />

buscamos explicações para que essas vontades<br />

não sejam tão reprimidas pelas pessoas e, porque<br />

não, por nós mesmos. Nossa atração pelos pecados<br />

se explica em nossos malvados favoritos.


O desenvolvimento<br />

sexual é determinante<br />

na vida de qualquer<br />

um. Porém, desde a<br />

infância, interferências<br />

culturais e sociais<br />

induzem a repressão<br />

de sentimentos e<br />

prazer. A sexualidade,<br />

se integrada e<br />

consciente, permite<br />

o equilíbrio entre<br />

a mente, as<br />

emoções e o<br />

corpo.<br />

Sensação<br />

meu<br />

é<br />

O prazer<br />

Texto: Ingryd Rodrigues<br />

Foto: Paloma Demartini<br />

Arte: Carol Vieira<br />

Casting: Marcos Fileto<br />

Marcelo Rodrigues (modelos)<br />

CURINGA | EDIÇÃO | EDIÇÃO 17<strong>20</strong> 99


Sensação<br />

O biólogo entomologista e zoólogo norte-americano<br />

Alfred Charles Kinsey fundou, em 1947, o Instituto de<br />

Pesquisa sobre Sexo, hoje chamado de Instituto Kinsey<br />

para Pesquisa sobre Sexo, Gênero e Reprodução. Um<br />

ano após a fundação, publicou seu primeiro relatório<br />

intitulado O Comportamento Sexual dos homens e, em<br />

1953, o segundo volume, O Comportamento Sexual das<br />

Mulheres. Essas pesquisas envolveram 11.240 pessoas<br />

(5.300 homens e 5.940 mulheres) e serviram de base<br />

ideológica para a educação sexual ensinada até hoje em<br />

escolas e universidades do mundo. Porém, na época, geraram<br />

polêmica por atiçar a sociedade americana em se<br />

tratando de moral, religião e conservadorismo.<br />

Esse pesquisador foi responsável por difundir a ideia<br />

da atividade sexual livre e dissociada da procriação, abominava<br />

a distinção tradicional entre o homem e a mulher,<br />

diferença que, para ele, não estaria determinada<br />

no gênero e sim na cultura. Tentou mostrar o sexo como<br />

algo natural ao ser humano e separar o tema de sentimentalismos<br />

para uma análise clínica. “Para compreender<br />

a repercussão dos relatórios Kinsey, é necessário<br />

estar informado que no início do século XX, na maioria<br />

dos estados dos Estados Unidos, sexo extra-conjugal,<br />

sexo oral, mesmo no casamento, e homossexualidade,<br />

eram crimes previstos em lei. Daí o furor e a repercussão<br />

da sua publicação”, afirma o Doutor em Ciências<br />

Humanas Tito Sena, em sua tese Os relatórios Kinsey,<br />

Master & Johnson, Hite: As sexualidades estatísticas<br />

em uma perspectiva das ciências humanas.<br />

Para Kinsey, todos os comportamentos sexuais considerados<br />

desviantes eram normais. Considerava em<br />

particular a bissexualidade como a mais equilibrada<br />

de todas as orientações, já que pratica atividades tanto<br />

heterosexuais quanto homossexuais. O sociólogo John<br />

Gagnon, na coletânea de artigos “Uma interpretação do<br />

desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade”, publicada<br />

em <strong>20</strong>06, confirma o impacto dos relatórios Kinsey:<br />

“foi no âmbito da legislação e dos costumes que a pesquisa<br />

exerceu seu maior impacto. Se os dados de Kinsey<br />

estavam corretos – e os poucos estudos subseqüentes<br />

tenderam a confirmar muitos dos resultados –, isso significava<br />

que havia uma grave incongruência entre a lei<br />

e a conduta sexual”. Segundo Gagnon, “os relatórios<br />

indicavam que muitos aspectos comportamentais considerados<br />

criminosos ou desviantes eram praticados, na<br />

verdade, por segmentos bastante amplos da população.<br />

A visão de que todas essas condutas deviam ser consideradas<br />

criminosas, ou vistas como uma perversão do<br />

desenvolvimento sexual normal, foi submetida a um<br />

duro golpe crítico, estabelecendo-se uma continuidade<br />

maior entre o que era visto antes como ‘pervertido’ e<br />

como ‘normal’”.<br />

Levando em conta o resultado dos estudos de Kinsey,<br />

em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria<br />

removeu a homossexualidade da lista de desordens<br />

mentais, não considerando os homossexuais como diferentes<br />

ou passíveis de correção. Em 1986, a Organização<br />

Mundial de Saúde (OMS), também desconsiderou<br />

a homossexualidade como uma doença. Kinsey foi o<br />

precursor de vários movimentos em prol da liberdade


sexual, surgidos depois. Em consequência a esses<br />

movimentos e pesquisas, com o passar dos anos, o<br />

mundo ocidental foi se tornando mais permissivo<br />

ao tratar a sexualidade, abrindo espaço para que o<br />

mercado do sexo se ampliasse e ganhasse força. A<br />

considerada “época de ouro” da pornografia pública<br />

e da pornografia hardcore, por exemplo, marcou o<br />

final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando<br />

até filmes eróticos passavam no cinema.<br />

Liberdade sexual vs Repressão<br />

O crescimento do mercado do sexo pode ser visto<br />

como uma quebra de tabus, porém estamos longe de<br />

chegar ao entendimento da sexulidade como algo<br />

natural e que possa ser discutido abertamente. Flávia<br />

Barbosa, dona de sex shop em Ouro Preto, conta<br />

que em atendimentos presenciais é necessária uma<br />

abordagem específica para cada cliente. Ela e o marido<br />

tomam o cuidado de indagar seus consumidores<br />

sobre a preferência por atendimento masculino<br />

ou feminino. Conversam até sobre suas experiências<br />

particulares, tudo para que o cliente se sinta mais à<br />

vontade em contar o que realmente quer ou precisa.<br />

Ela diz ainda que as vendas virtuais diferenciam-se<br />

e muito das presenciais. “Nas vendas virtuais<br />

o público masculino consome mais produtos<br />

para o prazer solitário (masturbadores, desenvolvedores,<br />

etc), já presencialmente a preferência é<br />

por produtos que vão estimular a parceira (excitantes,<br />

estimulantes, vibradores, massageadores e<br />

lubrificantes)”. Por outro lado, o público feminino,<br />

“quando atendido presencialmente, em sua maioria<br />

procura por vibradores ou produtos para o pompoarismo.<br />

Nos atendimentos virtuais, a maior procura<br />

são os estimulantes, excitantes, produtos sadofetiche<br />

e também para sexo anal”, pontua Flávia.<br />

Em ambos os casos evidencia-se uma vergonha<br />

enrustida quando se trata de se auto-gerar prazer.<br />

Para a sexóloga Walkiria Fernandes, o conhecimento<br />

do próprio corpo é imprescindível para<br />

um bom desenvolvimento da sexualidade e a superação<br />

de constrangimentos. De acordo com<br />

ela,as pessoas têm grande tendência em depositar<br />

a responsabilidade da descoberta de seus próprios<br />

pontos de prazer em outra pessoa, quando<br />

deveria ser o contrário. Cabe ao indivíduo assumir<br />

as rédeas desse controle, já que somente ele tem<br />

o real conhecimento de seu corpo. “O outro pode<br />

nos tocar, mas ele não sabe o que estamos sentindo<br />

em cada lugar. Então quando a gente se toca,<br />

percebemos instintivamente os lugares que nos<br />

são mais prazerosos, identificando esses pontos,<br />

isso pode ser passado para o parceiro”, ressalta.<br />

Hoje, existem profissões que se especializam<br />

na arte de quebrar o que especialistas chamam de<br />

“couraças musculares”, esses bloqueios que formamos<br />

em consequência das influências sócio-culturais<br />

sofridas durante a vida. O terapêuta tântrico,<br />

por exemplo, cumpre o papel de ajudar a romper<br />

com essas couraças. Através de meditações, exercícios,<br />

respiração e massagens, atua “desprogramando”<br />

essas memórias neuro-musculares, dissolvendo<br />

essas couraças e liberando os canais de<br />

energia. Assim, os bloqueios psicológicos e emocionais<br />

que estão impressos no corpo também se<br />

dissolvem, ressignificando as emoções e sentimentos.<br />

Para a terapeuta tântrico Sada Maitreya,<br />

“Quando nos permitimos, de forma saudável,<br />

aprendemos com o sexo uma grande lição: dar e<br />

receber. Passamos a conhecer melhor nosso corpo<br />

e o corpo do outro, percebemos o sagrado que foi<br />

perdido com o tempo. Sexo é vida e quando nos<br />

distanciamos dessa energia criadora, murchamos<br />

como uma flor que não está sendo regada”.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 11


Ócio Criativo<br />

Comum<br />

Descanso<br />

Desocupar-se pode revelar<br />

SAÍDA<br />

Desde 1992, todas as estatísticas oficiais de trabalho no Brasil são<br />

feitas através da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD),<br />

realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).<br />

Neste período, o conceito da PNAD sobre trabalho considerou como<br />

“ocupadas” as pessoas que trabalham em qualquer serviço ou posição<br />

e taxou como “desocupadas” as pessoas economicamente ativas que<br />

não estão trabalhando.<br />

A partir de <strong>20</strong>13, o IBGE mudou este conceito e passou a também<br />

investigar a taxa de “subocupação”. Segundo o Instituto, “subocupado”<br />

é todo aquele que trabalha, porém cumpre uma jornada semanal<br />

inferior à 40 horas.<br />

><br />

O Brasil é o quinto país no mundo cujo órgão oficial<br />

de estatística investiga a taxa de “desocupação”; uma<br />

ideia exportada da U.S. Census Bureau, agência oficial de<br />

estatística dos Estados Unidos. O resultado disso: a última<br />

PNAD, divulgada em novembro de <strong>20</strong>16, mostrou que os<br />

“subocupados” no Brasil são 22,9 milhões de pessoas. Dos<br />

89 milhões de brasileiros economicamente ativos, 21,2%<br />

são considerados “subocupados”, ou seja, cumprem uma<br />

jornada de trabalho semanal menor que 40 horas.<br />

Contrapondo-se à essa concepção clássica sobre o trabalho, o<br />

protestantismo valorizava o trabalho profissional como meio de<br />

salvação do homem. As ideias protestantes pregavam que unicamente<br />

se desonra a Deus através do prazer mundano. Somente através<br />

do trabalho e da profissão seria possível render glórias e honras ao<br />

Senhor.<br />

Em 1880, o jornalista e filósofo franco-cubano Paul Lafargue<br />

publicou o manifesto “O Direito à preguiça”, no qual critica a<br />

“santificação do trabalho”, considerando-a o “dogma mais desastroso<br />

do capitalismo”. Lafargue abre o manifesto com uma citação do poeta<br />

alemão e um dos maiores representantes do Iluminismo do século 18,<br />

Gotthold Ephraim Lessing: “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em<br />

amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos”.<br />

A proposta foi recebida com diversas críticas, principalmente<br />

pelos burgueses da época. Cerca de 100 anos antes, após a Revolução<br />

Industrial, a preguiça chegou a ser criminalizada. Na Inglaterra, por<br />

exemplo, existiam as “ideal workhouses” (casas ideais de trabalho, em<br />

tradução livre), locais para onde pessoas consideradas “preguiçosas”<br />

eram levadas e forçadas a trabalhar entre 14 e 16 horas por dia, sete<br />

dias por semana.<br />

><br />

Muitas empresas atualmente sabem que funcionário estressado<br />

e cansado não produz tanto quanto poderia. Pensando em criar um<br />

ambiente mais produtivo, essas instituições começaram a perceber<br />

que ócio criativo não é sinônimo de preguiça, e sim de produtividade.


Produtivo<br />

o lado bom da preguiça.<br />

Texto: Sandro Aurélio<br />

Foto: Fabiano Alves<br />

Arte: Carol Vieira<br />

O advogado trabalhista Filipe de Figueiredo relata que,<br />

juridicamente, o número de horas independe para se criar laços<br />

empregatícios e que todos os direitos são garantidos. A problemática<br />

é que nem todos os que são considerados subocupados gostariam<br />

de trabalhar mais. Boa parte deles consegue se manter trabalhando<br />

menos de 40 horas semanais e estão satisfeitos com isso. É o caso<br />

de inúmeras profissões diferentes. Mas será que estão satisfeitos<br />

em serem considerados como “subocupados?”<br />

O professor Bruno Pedrosa, 25 anos, passou um ano e meio,<br />

entre <strong>20</strong>15 e <strong>20</strong>16, trabalhando em escritório, de segunda a sexta,<br />

entre 8h e 17h. Essa foi a época em que menos pôde se dedicar à<br />

sua paixão: o taekwondo. Hoje, Bruno montou uma academia e<br />

vive das aulas da arte marcial sulcoreana.<br />

Direito à Preguiça<br />

Na Idade Média, a ideia<br />

social sobre trabalho era<br />

bastante oposta à atual. O ponto<br />

de mudança foi a Revolução<br />

Industrial, apoiada nas ideias<br />

liberais de Martin Lutero. A<br />

concepção católica medieval<br />

sempre considerou que o<br />

trabalho devia desenvolver-se<br />

apenas na medida em que o<br />

homem dele necessitasse. Não<br />

era aceito, jamais, como um fim<br />

em si mesmo.<br />

<<br />

Apesar das várias aulas que ministra ao longo da semana,<br />

ele não chega a trabalhar 40 horas semanais e é enquadrado<br />

pelo IBGE como “subocupado.” Quando questionado sobre<br />

isso, Bruno afirma “que nunca se sentiu tão realizado” e que<br />

se sente “totalmente ocupado”. A rotina massante que tinha<br />

no escritório não o permitia ter tempo para treinar e nem para<br />

dar aulas. Ele diz sentir saudade da estabilidade de todo início<br />

de mês receber um salário fixo, mas ainda assim está mais<br />

feliz como empreendedor no esporte. A melhor parte de não<br />

trabalhar seguidamente o dia todo, segundo o professor, é tirar<br />

um cochilo depois do almoço. O que muitos consideram como<br />

preguiça, Bruno considera como altamente saudável.<br />

Luciano Torres fundou sua empresa de sistemas de<br />

desenvolvimento para web em <strong>20</strong>05 e, desde o início,<br />

tem preocupação com o bem-estar de seus funcionários.<br />

Atualmente, sua empresa fica localizada em uma<br />

casa discreta no bairro Jardim dos Inconfidentes, em<br />

Mariana. Os 12 funcionários da empresa podem usufruir<br />

de pausas no trabalho na hora que quiserem para uma<br />

partida no videogame Playstation 3, um encontro no<br />

estúdio musical com guitarra, violão e bateria, uma mesa<br />

de totó ou um lanche na cozinha. Luciano afirma que “o<br />

trabalho como programador é muito estressante, e essas<br />

pequenas pausas diárias de descanso e relaxamento<br />

tornam os funcionários mais ligados afetivamente à<br />

empresa e mais produtivos também”, finaliza.<br />

CHEGADA<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 13


Identidade<br />

PECADO<br />

SEM<br />

Texto: Lara Massa<br />

Foto: Alícia Milhorance<br />

Arte: Thamiris Prado<br />

Casting: Mariana Storto<br />

FILTRO<br />

1


Entre grupos de trabalho e uma mesa de bar, sempre<br />

vivemos conectados. O surgimento e evolução das<br />

mídias sociais, nada mais são que um reflexo elaborado<br />

da nossa realidade, com edições do que queremos<br />

mostrar. “Quem faz uso das redes sociais somos nós,<br />

humanos, passíveis de cometer erros e acertos. A<br />

rede social é apenas a plataforma. O conteúdo é de<br />

responsabilidade de cada um. Com isso, as redes<br />

sociais podem ser encaradas como reflexos de gostos,<br />

comportamentos e hábitos culturais”, define o analista<br />

de redes sociais e jornalista Wander Veroni.<br />

CURINGA | | EDIÇÃO <strong>20</strong><br />

17 15


Identidade<br />

Na linha do tempo do universo digital encontramos<br />

os mais diversos meios de comunicação,<br />

como o ICQ, Flogão e blogs, entre os anos de 1990<br />

e <strong>20</strong>00. Em <strong>20</strong>04 surgiu o Orkut: plataforma que<br />

possibilitava ao internauta encontrar conexões com<br />

interesses em comum. “O Orkut tinha um intenso<br />

fórum de discussão nas suas comunidades e também<br />

incentivava aquela vontade de observar a vida<br />

alheia”, afirma Veroni, que credita o fim da plataforma<br />

aos inúmeros casos de crimes virtuais. No<br />

Brasil, o Orkut – que até então era recordista –, com<br />

30 milhões de cadastros, foi ultrapassado pelo Facebook<br />

em <strong>20</strong>11 – atual líder mundial –, com mais<br />

de 1,7 bilhão de usuários ativos no mundo, sendo<br />

mais de 100 milhões brasileiros.<br />

Quantos likes mudam uma vida?<br />

“A necessidade de aprovação e aceitação social<br />

é um fenômeno que nos acompanha ao longo<br />

da vida e não acontece apenas nas redes sociais”,<br />

afirma a psicóloga Rubia Cristina Braga. Durante<br />

a vida, buscamos personalidades que sejam referências<br />

comportamentais como parte do nosso<br />

aprendizado e descobrimento pessoal. Nessa nova<br />

plataforma de relacionamentos, há explicitamente<br />

uma necessidade de autoafirmação e construção<br />

de identidade à partir do reconhecimento,<br />

como se através de likes e número de seguidores,<br />

passássemos a pertencer à um determinado grupo<br />

social – semelhante ao daqueles que seguimos.<br />

A vaidade e a luxúria rondam o universo virtual<br />

quase que em uma disputa de padrões de beleza.<br />

Essa superexposição midiática pode acontecer<br />

em forma de promoção pessoal, propositalmente<br />

ou não. Nas redes, conhecemos os influenciadores<br />

digitais – blogueiros, youtubers e snapchaters – que<br />

fazem da internet um novo mercado de trabalho.<br />

É o caso das irmãs Mariany e Nathany Martins<br />

Petrin, 13 e 14 anos, respectivamente, donas<br />

do canal do Youtube Beleza Teen. Criado há 3 anos,<br />

os vídeos de maquiagem, desafios e dia a dia das<br />

meninas despertaram o interesse do público: hoje<br />

são mais de 2 milhões de inscritos – sendo sua<br />

maioria infanto-juvenil, dois livros publicados<br />

e um horário na TV local.<br />

Mas a fama, que veio ao acaso, ainda não faz<br />

parte da vida das blogueiras. “A gente não tem<br />

muita noção do que são dois milhões de inscritos,<br />

sabe?” conta Nathany. Apesar do carinho e reconhecimento<br />

dos fãs, as rotinas das irmãs não se<br />

alteraram, e as responsabilidades continuam sendo<br />

levadas de modo descontraído, sempre tentando<br />

transmitir atitudes positivas. “Estamos curtindo<br />

bastante esse momento. Não levamos como obrigação,<br />

é algo que gostamos de fazer”, afirma Nathany.<br />

Apesar da naturalidade com que encaram o<br />

reconhecimento, a fama exigiu um maior cuidado<br />

das meninas com a imagem. “Querendo ou não vai<br />

ter uma certa exposição sua, tanto de pessoas que<br />

estão vendo, quanto de pessoas que vão te parar pra<br />

tirar foto e publicar”, explica Mariany.<br />

Mesmo jovens, elas lidam bem com as críticas e<br />

têm consciência de quão perversa a exposição virtual<br />

pode ser. “Os haters são comuns em qualquer<br />

canal. A gente sempre apaga comentários mais pesados,<br />

não vale a pena ficar respondendo”, finaliza.<br />

O baile de máscaras<br />

Segundo a psicóloga Elen Cristina Pedrosa,<br />

“toda pessoa, dentro da sociedade, apresenta-se<br />

diante das outras representando vários papéis e<br />

manipulando as impressões que possam ter dela<br />

a partir de cada situação”. Complementando essa<br />

ideia, a psicóloga Rúbia Braga analisa que, no caso<br />

das redes sociais, apesar de termos o nosso perfil,<br />

estamos isentos do “olhar do outro”. Virtualmente,<br />

ganhamos a possibilidade de definir e editar<br />

novos e vários perfis.<br />

O ambiente virtual se tornou palco destas<br />

atuações. É a partir da “parede” entre o online e


o offline que encontramos coragem para extravasar<br />

emoções e repressões, além de expor nossas<br />

opiniões, quase como se o ambiente virtual<br />

fosse um escudo dessa intermediação. A tela se<br />

torna sinônimo de proteção e nos permite termos<br />

atitudes que, face a face, não teríamos,<br />

como é o caso dos bullyings virtuais.<br />

Em setembro de <strong>20</strong>12, Vittoria de Andrade<br />

Perantoni foi alvo da infantilidade – como definido<br />

por ela – de quatro colegas de classe no<br />

Ensino Médio. Na época com 16 anos, a adolescente<br />

sofreu ataques anônimos em seu perfil no<br />

Ask Fm – plataforma onde as pessoas podem fazer<br />

perguntas anônimas ou identificadas em<br />

seu perfil. Os comentários de cunho gordofóbico<br />

e até sexual duraram em torno de três dias e<br />

só pararam após a intervenção da escola.<br />

O motivo? Desconhecido. “Eu não sei ao certo<br />

o que levou a isso. Quem convive com esse tipo de<br />

violência sabe que muitas vezes estes ataques ocorrem<br />

sem algum motivo específico. Não tinha rivalidade<br />

nenhuma com eles”, crava. Mas o fato de não<br />

se encaixar nos padrões estéticos, ser introvertida e<br />

ter a auto estima baixa foi o que encorajou os garotos<br />

que, na escola, já trocavam piadinhas internas e<br />

riam pelas costas da menina. “Tinha medo de sofrer<br />

algum tipo de ataque, mas de certa forma foi inevitável.<br />

A sensação que eu tenho é que eles sabiam<br />

o meu ponto fraco. Eu não me aceitava e usavam<br />

disso para me atingir”, relata Vittoria.<br />

Os ataques abalaram ainda mais a autoestima<br />

de Vittoria. “Durante uma semana só sabia chorar”.<br />

A mãe sofreu junto. A hipótese de mudar de escola<br />

surgiu, mas logo foi descartada pela adolescente.<br />

“Não era certo eu mudar, até porque não tinha feito<br />

nada. Passei a me impor, a ter voz e não aceitar ser<br />

tratada desta forma”. O tratamento psicológico foi<br />

fundamental para sua descoberta pessoal. “Depois<br />

disso comecei a me aceitar e a me amar, independente<br />

do meu corpo estar dentro dos padrões ou<br />

não. Me sinto mais confiante hoje em dia para ser<br />

quem eu sou e tomar minhas decisões.”<br />

Hoje com <strong>20</strong> anos e estudante de Direito, não se<br />

arrepende de não ter denunciado os ataques. “Eram<br />

menores. Eu só queria que eles pudessem tirar um<br />

aprendizado disso e se desculpassem de verdade,<br />

não que fizessem por obrigação”, finaliza.<br />

Crimes como o que aconteceu com Vittoria, categorizados<br />

como “Crimes contra a honra”, registram<br />

16% das denúncias recebidas pela Delegacia<br />

Especializada de Investigações de Crimes Cibernéticos<br />

de Belo Horizonte (DEICC). Em <strong>20</strong>12, o número<br />

total de denúncias registradas foi de 1084 ocorrências.<br />

Quatro anos depois, o número é quase o dobro,<br />

atingindo a marca de 2139 ocorrências.<br />

Segundo o analista Wander, o Marco Civil da<br />

Internet trouxe a público discussões envolvendo<br />

segurança virtual, o que mostrou à sociedade que<br />

esses crimes são passíveis de punição e que a internet<br />

não é uma “terra sem lei”, justificando o aumento<br />

das denúncias. Outro ponto apontado pelo<br />

analista é o fato de existirem delegacias virtuais,<br />

espaços que possibilitam que os usuários reportem<br />

agressões, ofensas e até mesmo a prática de spam.<br />

O mundo virtual é um espelho no qual o nosso<br />

reflexo é distorcido e oscila entre a representação do<br />

real e aquilo que queremos que vejam de nós. Mas<br />

somos induzidos a pecar ou a internet é uma facilitadora<br />

para que essas ações aconteçam? Através<br />

das suas ferramentas, ganhamos a possibilidade de<br />

definir novos e vários perfis, formas de manipular<br />

os “eus” de acordo com nossos desejos.<br />

De acordo com a psicóloga Elen Cristina Pedrosa,<br />

“a expansão das redes sociais redefine, hoje, a<br />

maneira de viver em sociedade (interação, posturas,<br />

valores e formas de comunicação), modificando as<br />

noções de tempo e espaço, amplificando e pluralizando<br />

as relações”. As plataformas virtuais nada<br />

mais são que ferramentas que contribuem para novas<br />

formas de proliferação dos pecados. A escolha<br />

por não pecar segue inatingível. Já manipular os<br />

pecados, nem tanto.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 17


Inveja<br />

Início Perfil Página de recados amigos comunidades<br />

Sair<br />

Sensação<br />

Inveja<br />

Inveja >> pecado<br />

comigo ninguém pode<br />

scraps<br />

fotos vídeos confiável legal sexy<br />

Amigos (7)<br />

ira<br />

Preguiça<br />

Avareza<br />

luxúria<br />

`*•..,¸@@•*´¨`*•,@@¸.•*´¨`*•@@¸.•*´¨`*•.¸@@¸.•*´<br />

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`*•..,¸@@•*´¨`*,•@@¸.•*´¨`*•@@¸.•*´¨`*•.¸@@¸.•*´<br />

Anda com passos incertos, com roupas compostas por tecidos<br />

mais finos, tão versáteis quanto sua mutabilidade<br />

`*•..,¸@@•*´¨`*•,@@¸.•*´¨`*•@@¸.•*´¨`*•.¸@@¸.•*´<br />

Gula<br />

Orgulho<br />

Perfil<br />

Recados<br />

Fotos<br />

Vídeos<br />

Depoimentos<br />

Apps<br />

+ Adicionar<br />

Listas<br />

Mensagens<br />

Atualizar<br />

Spam<br />

Relacionamento: Solteira<br />

Aniversário: O ano todo<br />

Quem sou eu:<br />

Por entre seus anos, existe a contagem de tempo do<br />

próprio homem. Ela, que anda e se alimenta do sentir<br />

primitivo, do desejo de ser e ter o outro, da absorção de<br />

todos os pecados e da criação de todas as ambições. É<br />

assim que a Inveja mostra-se: com sua face pluralizada,<br />

corpo rígido e os olhos verdes, brilhantes e perversos.<br />

Criada e difundida ao longo dos séculos, mitos<br />

foram criados para descrevê-la, misturando deuses,<br />

heróis e humanos e suas necessidades de querer o<br />

que não possuem. Apelidada por Shakespeare como<br />

“monstro de olhos esverdeados”, anda com passos<br />

incertos, com roupas compostas por tecidos mais<br />

finos, tão versáteis quanto sua mutabilidade. Gosta de<br />

falar em alto e bom tom, e zomba de Freud e Melanie<br />

Klein, que a associam com devastação e morte. As<br />

pessoas a criticam e a desonram em nome do bom<br />

costume, mas a veneram, cultivam, e a disseminam<br />

porque querem o mesmo, só fingem que não. Sua<br />

prosa bem construída, “com anos de apropriações”,<br />

enlaça-se perfeitamente com um olhar que engole<br />

tudo, mas que não está fixado em lugar algum.<br />

Do latim invidia, a Inveja relaciona-se com a noção<br />

de pontos de vista e perspectivas singulares. Segundo<br />

o dicionário, é o desgosto provocado pela felicidade<br />

alheia, é o desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é<br />

de outras pessoas, podendo chegar a machucar a fonte<br />

dos seus desejos, dependendo da sua intensidade.<br />

Ela é tudo e todos: é o deus Ftono na mitologia<br />

grega; Lúcifer no Cristianismo; o sentimento que não<br />

deve ser alimentado na bíblia; a senhora na esquina;<br />

o casamento feliz; os filhos, primos, pais, irmãos, tios.<br />

É o artista famoso; a jovem bem sucedida. É aquele<br />

que desperta amores; a melhor aluna da sala; os que<br />

viajam; os que sofrem; os que vivem. É a força motora<br />

do que move. É tudo que respira, que anda. É nada<br />

menos que o querer corrosivo. Ao ser questionada<br />

sobre a sua finitude, a Inveja debocha, afirmando que<br />

só morrerá quando não existir uma única alma sequer,<br />

e assim, com uma certeza inabalável de ser tudo,<br />

ela vai embora explorar novas fontes de desejo.<br />

Ver todos >><br />

Comunidade:<br />

A sua inveja me fortalece<br />

Seu recalque faz a<br />

minha fama<br />

Texto: Hariane Alves<br />

Arte: Samara Araujo


travessia<br />

CURINGA | EDIÇÃO 17 19


Alternativa<br />

o numero mistico<br />

Regido por vários mistérios, está presente<br />

nas religiões, no nosso dia a dia, em cultos<br />

e histórias. Suscita curiosidade nas pessoas.<br />

Conheça mais sobre esse fascínio.<br />

Texto: Fernando Cássio e Rodrigo Sena<br />

Arte: Pedro Guimarães<br />

A partir do livro Alex através do espelho, de <strong>20</strong>15,<br />

o escritor britânico Alex Bellos, 48 anos, lançou<br />

uma pesquisa global pelas redes perguntando qual<br />

o número favorito das pessoas e o motivo para esta<br />

escolha. O sete apareceu em primeiro lugar, seguido<br />

pelo três e oito. As preferências pelo número variam<br />

entre: notas musicais, data de nascimento,<br />

forma agradável como o algarismo é escrito em linhas<br />

simples, quantidade de chakras do corpo humano,<br />

dentre outros.<br />

Para o autor de livros de matemática e pesquisador,<br />

“a explicação mais comumente aceita para a<br />

predominância do número sete em contextos religiosos<br />

é a de que os antigos observavam sete corpos<br />

celestes: o Sol, a Lua, Vênus, Mercúrio, Marte, Júpiter<br />

e Saturno”.<br />

O número sete quantifica os dias da semana, as<br />

antigas e novas maravilhas do mundo, os dons do<br />

Espírito Santo, os metais da alquimia. As quatro fases<br />

da Lua duram aproximadamente sete dias cada.<br />

O algarismo está presente nos desenhos e livros.<br />

Sete são as esferas do dragão, os anões da Branca<br />

de Neve e os livros da saga Harry Potter. No cinema,<br />

007 e Seven: os sete crimes capitais.


No caso do arco-íris, a explicação é científica.<br />

Acontece quando um raio de Sol entra em contato<br />

com gotas da chuva, fazendo com que a luz branca<br />

se decomponha em sete cores de seu espectro. As<br />

notas musicais, por exemplo, têm origem na Idade<br />

Média, quando o monge Guido D’Arezzo retirou as<br />

notas de um hino em louvor a São João Batista, a<br />

partir das iniciais de cada verso da versão em latim.<br />

De acordo com o professor e especialista em<br />

etnomatemática (campo de estudo que relaciona a<br />

matemática com a cultura) Milton Rosa, da Universidade<br />

Federal de Ouro Preto (UFOP), tantas menções<br />

ao número tem a ver com a cultura ocidental.<br />

Para o pesquisador, o número sete pode apresentar<br />

significados distintos em diferentes culturas, “ele<br />

(o numeral) apresenta variações e, na cultura ocidental,<br />

se mostra bem representativo, não havendo,<br />

contudo, uma explicação exata por tantas aparições<br />

no nosso cotidiano”.<br />

Enigmas<br />

Para os supersticiosos, o sete é um número de<br />

destaque, pois representa a quantidade de anos de<br />

azar que uma pessoa terá caso quebre um espelho.<br />

Já quando alguém se encontra diante de uma grande<br />

dificuldade, o problema é caracterizado como<br />

sendo “um bicho de sete cabeças”. Segundo algumas<br />

crenças, sete é o número de vidas que os gatos<br />

têm e, em uma família de seis irmãs, se o sétimo<br />

nascer homem, ele será um lobisomem.<br />

Mas todas essas crendices em relação ao número<br />

ainda fomentam questionamentos a respeito<br />

de sua origem. De acordo com a numeróloga Aparecida<br />

Liberato, 63, não é possível afirmar quando<br />

começou esse misticismo em relação ao numeral.<br />

“A própria Bíblia, escrita há muitos séculos, já se<br />

referia ao sete como um número místico e de poderes<br />

especiais”, afirma. Na numerologia, o sete é um<br />

algarismo sagrado, místico por excelência.<br />

Na umbanda, existem sete reinos, sendo cada<br />

um comandado por um exu-chefe. A Bíblia se remete<br />

aos sete pecados e às sete virtudes. Sete foram<br />

as palavras de Cristo na cruz. Sete são os sacramentos<br />

e a quantidade de petições no Pai Nosso. Na antiguidade,<br />

os sacerdotes utilizavam sete velas, sete<br />

altares, sete animais eram sacrificados. Segundo o<br />

Alcorão, Deus criou tudo o que existe na Terra e<br />

que, por cima de nós, foram criados sete céus.<br />

Entre superstições, expressões culturais, referências<br />

religiosas e matemáticas, o sete possui uma<br />

representatividade inegável. Sua múltipla presença<br />

no cotidiano das pessoas sugere algo especial, mas<br />

de difícil dimensão acerca de sua trivialidade. Desse<br />

modo, tamanha menção ao número acaba tornando-o<br />

místico, o que faz com que ele seja frequentemente<br />

referenciado.<br />

7PECADOS<br />

maravilhasdias<br />

chakras<br />

cores<br />

ondascabeças<br />

chavesvidas<br />

mares palmos<br />

notas léguas<br />

sacramentos<br />

virturdes<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 21


Opinião<br />

Pecados<br />

vão rolar<br />

Por definição, pecar é desrespeitar<br />

algum fundamento religioso.<br />

O teólogo Rodrigo Portella,<br />

doutor em Ciências da Religião<br />

pela Universidade Federal de<br />

Juiz de Fora (UFJF), analisa o<br />

pecado sob as perspectivas do<br />

catolicismo e explica sua relação<br />

com a formação humana.<br />

Texto: Caroline Borges<br />

Arte: Francielle Ramos


<strong>Curinga</strong>: O que são os pecados capitais?<br />

Rodrigo: Pecados capitais são os pecados “cabeça”<br />

(do latim “caput”), ou seja, os que originam os<br />

demais. Portanto, são tendências humanas inatas<br />

adquiridas pela mancha do pecado original, que todos<br />

carregam. Os sete pecados capitais seriam as<br />

incubadoras dos demais desequilíbrios humanos,<br />

ou de suas consequências. Esta é a visão teológica<br />

da Igreja Católica. Isto é, são tendências que existem<br />

no ser humano e que podem ser concretizadas<br />

mais ou menos, conforme o desenvolvimento<br />

espiritual do cristão.<br />

<strong>Curinga</strong>: O que é o pecado em si?<br />

Rodrigo: O pecado é, para a teologia católica, a desarmonia<br />

e o desordenamento do ser humano em<br />

relação a Deus, à natureza, a si mesmo e aos demais<br />

seres humanos. Tal desordenamento pode assumir<br />

várias faces, das quais os pecados capitais são espécies<br />

de pais. Por exemplo: quando há algum tipo<br />

de desequilíbrio em nosso corpo (colesterol alto, hipertensão,<br />

etc), tais desequilíbrios podem resultar<br />

em doenças que afetam nosso corpo/saúde (colesterol<br />

ruim pode levar a problemas cardiovasculares,<br />

doenças do coração, etc).<br />

<strong>Curinga</strong>: Existe relação entre pecado e a consciência<br />

humana?<br />

Rodrigo: O mesmo se dá para a consciência, a<br />

alma, o psiquismo humano, enfim, a vida espiritual<br />

e moral do ser humano. Um desequilíbrio em<br />

um ponto capital (por exemplo, a ira), pode levar<br />

às brigas, preconceitos, assassinatos, entre outras<br />

desarmonias que têm como raiz a fúria. Tais<br />

desequilíbrios, vulgo pecados, têm sempre a nota<br />

pessoal. Para serem pecados, isto é, desequilíbrios<br />

que atentam contra a natureza, Deus, si mesmo<br />

e os demais, precisam ser realizados de forma<br />

consciente, consentida.<br />

<strong>Curinga</strong>: Como atua o livre arbítrio?<br />

Rodrigo: O consentimento no erro é o que o faz<br />

grave, ou seja, em linguagem cristã, pecado. Um<br />

exemplo do mundo médico: eu sei que é prejudicial<br />

à minha saúde - e à dos que estão minha volta<br />

- fumar. O médico já me explicou. Mas, mesmo sabendo<br />

das possíveis consequências ruins, eu continuo<br />

fumando. Ou seja, eu assumo o risco de forma<br />

consciente, consentida. O mesmo, por exemplo, na<br />

relação bebida e direção. Na vida psíquica, moral<br />

ou espiritual também. O pecado também tem uma<br />

dimensão coletiva, pois a sociedade e família, que<br />

vêm antes de nós e que nos forma, são responsáveis<br />

por possíveis tendências desequilibradas<br />

que possamos ter.<br />

<strong>Curinga</strong>: A Igreja Católica ensina que assim<br />

como temos sete pecados capitais, também<br />

temos as sete virtudes opostas. Quais são elas<br />

e no que se fundamentam?<br />

Rodrigo: As sete virtudes são a humildade, disciplina,<br />

caridade, castidade, paciência, generosidade<br />

e temperança. O fundamento é claro: se estou desequilibrado,<br />

a tendência contrária ao meu desequilíbrio<br />

é que me fará achar o equilíbrio. Se tenho<br />

tendência ao orgulho, soberba, pedantismo, devo<br />

exercitar mais minha humildade para a superação<br />

ou equilíbrio desta desordenação que me afeta.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 23


Identidade<br />

A culpa é de quem?<br />

Texto: Janaina Maria de Almeida<br />

Foto: Camila Guardiola e Tainara Torres<br />

Arte: Pedro Guimarães<br />

Casting: Gabriella Seabra<br />

Sarah Barbosa<br />

Vitório Diniz (modelos)<br />

Os Sete Pecados, oficializados na Suma Teológica<br />

de São Tomás de Aquino, no século XIII, servem de<br />

apoio para um perpetuado código de ética. Mesmo<br />

em perspectivas distintas, o conceito está relacionado<br />

a uma moral coletiva que preza pelo respeito ao<br />

próximo e a organização das relações sociais.


A interpretação religiosa<br />

“Pecado é uma falta contra a razão, a verdade<br />

e a consciência reta. É uma falta contra o amor<br />

verdadeiro para com Deus e para com o próximo,<br />

fere a natureza do homem e ofende a solidariedade<br />

humana”, afirma o teólogo e padre Darcy Fernandes<br />

Leão, do Seminário São José de Mariana (MG),<br />

segundo o Catecismo da Igreja Católica. Toda a humanidade<br />

carrega em si a potencialidade de pecar,<br />

pois somos descendentes de Adão e Eva, atores do<br />

pecado original, explica Leão. Este pecado pode<br />

ser relacionado à soberba, uma vez que tinham a<br />

pretensão de adquirir o conhecimento divino ao comerem<br />

o fruto proibido do Jardim do Éden. Assim,<br />

qualquer pessoa está sujeita a pecar, mas também é<br />

merecedora do perdão.<br />

Apesar da origem católica, o conceito de Sete<br />

Pecados Capitais é tratado de maneira diferente em<br />

outras religiões. No Espiritismo de Allan Kardec,<br />

segundo Roberto Custódio, palestrante e diretor<br />

de trabalhos mediúnicos do centro espírita Chico<br />

Xavier, em Ribeirão Preto (SP), não se considera<br />

a existência de pecados, mas sim de erros. Nessa<br />

religião também é levado em conta o conceito do<br />

livre arbítrio. E a oportunidade de corrigir as falhas<br />

é pautada na lei da caridade e do amor. Quando um<br />

espírito comete erros ele não é castigado, mas passa<br />

por situações relacionadas ao que causou para desenvolver<br />

sabedoria. A reencarnação é o meio pelo<br />

qual o espírito tem a oportunidade de evoluir e ter<br />

uma vida melhor. Quanto mais evoluímos, mais<br />

compreensíveis e amorosos podemos ser.<br />

Para a mãe pequena (segundo membro na<br />

hierarquia do terreiro) Cristiane Nunes, do centro<br />

espírita Casa de Canção São Jorge, em Barbacena<br />

(MG), a Umbanda não entende o conceito de pecado<br />

e castigo, mas confia na lei do retorno. A vida<br />

do indivíduo está diretamente relacionada às suas<br />

práticas e pensamentos, sua passagem será determinada<br />

pela sua forma de agir. Os umbandistas<br />

recebem orientações de espíritos desencarnados:<br />

alguns vêm para pedir ajuda para completar a missão<br />

que foram dadas a eles, e outros apresentamse<br />

como guias para ajudar espíritos encarnados a<br />

cumprirem sua passagem.<br />

Na perspectiva do pastor Jorge, da Primeira<br />

Igreja Batista de Mariana (MG), não há categorias<br />

de pecados. Qualquer conduta que fuja do que<br />

está escrito na bíblia sagrada, pode ser considerada<br />

transgressão ou pecado. Segundo o pastor, a morte<br />

de Jesus foi para que a humanidade tivesse a oportunidade<br />

de se arrepender e receber perdão. Porém,<br />

ele ressalta que é importante ter cuidado quando<br />

líderes religiosos acusam, ao invés de difundir a<br />

oportunidade de remissão e vida nova em Deus. O<br />

dirigente religioso enxerga a igreja como um hospital<br />

e, de acordo com ele, “a função de um líder<br />

espiritual é ajudar as pessoas e não ser juíz”. Nessa<br />

concepção, todos merecem absolvição. Não há necessidade<br />

de pagar penitências para reconciliação<br />

com Deus, basta pedir perdão. É fundamental reconhecer<br />

as faltas e se arrepender ainda em vida, a<br />

fim de se preparar para o juízo final e receber a graça<br />

da eternidade celestial na companhia de Deus.<br />

Objetivo x subjetivo<br />

“A mãe dos pecados capitais é a vaidade”. A frase<br />

é da música Vida Loka parte 1, do grupo de rap<br />

Racionais Mc’s, e dialoga com a origem do pecado<br />

original e o panorama atual de ressignificação<br />

dos vícios de conduta. Em palestra proferida no<br />

Instituto CPFL (mantido pela Companhia Paulista<br />

de Força e Luz), no dia 21 de setembro de <strong>20</strong>09, o<br />

historiador Leandro Karnal afirma que, desde o século<br />

XVI, uma sequência de revoluções científicas<br />

deslocaram o homem do centro do universo. O ser<br />

humano percebe-se sozinho ao ver suas ideologias<br />

enfraquecidas. Porém, esse mesmo homem tornase<br />

cada vez mais vaidoso e autocentrado. O ser da<br />

atualidade vive em um mundo cada vez mais virtual<br />

e internalizado. Esse homem contemporâneo<br />

passa a dar significados subjetivos aos clássicos pecados.<br />

Agora, gula, luxúria, avareza, inveja, vaidade,<br />

preguiça e ira ganham adjetivos de qualidade,<br />

a exemplo da luxúria, que passa a ser a valorização<br />

excessiva do corpo. “As pessoas buscam cada vez<br />

mais o cultivo do corpo e seus prazeres”, observa. O<br />

que não significa que esse processo seja tranquilo.<br />

Joana Pereira*, 38 anos, carrega há duas décadas<br />

a culpa por um relacionamento fora do casamento.<br />

Acusada de cometer o pecado da luxúria,<br />

ela se casou ainda menina, aos 14, depois de muita<br />

insistência da mãe e do seu ex-marido, considerado<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 25


um “bom partido”. Foi traída muitas vezes e viveu<br />

em seu primeiro casamento uma relação machista,<br />

quando passou por violência psicológica. Às vezes,<br />

seu ex-marido dizia preferir deitar-se com os animais<br />

do que ao lado da esposa. Quase <strong>20</strong> anos depois,<br />

sente que todas dificuldades que enfrenta na<br />

sua vida são um fardo, um castigo pela conduta.<br />

O atual marido não confia nela, em todas as brigas<br />

repete: “você é professora na arte de trair”. Ela<br />

afirma que, assim como nunca mais conseguiu ser<br />

feliz, nunca mais traiu e também nunca mais foi<br />

respeitada, nem por seus colegas, tampouco por seu<br />

cônjuge - mas que talvez mereça por não ter respeitado<br />

seu marido.<br />

Segundo a psiquiatra Dra. Laís Mendes Guimarães,<br />

medo e culpa são fatores de adoecimento.<br />

A pessoa adoece quando deixa esses sentimentos<br />

tomarem conta de suas vidas. O medo pode desenvolver<br />

patologias como Transtorno Obsessivo-<br />

Compulsivo (TOC) e até surtos psicóticos. A médica<br />

explica que muitos tendem a ter uma relação<br />

de confiança com os representantes religiosos, e<br />

tomam o que dizem como verdade como se fosse<br />

alguém da família. A médica explica que “a doença<br />

é um sofrimento tamanho que a pessoa deixa de<br />

viver a vida dela, e fica em função daquele sofrimento”.<br />

É fundamental o processo de auto-perdão,<br />

e é preciso trabalhar essa culpa para que a pessoa<br />

possa se perdoar. Quando a religião tem um diálogo<br />

pacífico, pode até ser uma aliada no tratamento tomando<br />

por base a confiança.<br />

projetos a curto prazo, como a construção da casa<br />

própria. Apesar da ausência do ex-parceiro como<br />

pai, ela não deseja o mesmo para os filhos que ele<br />

teve depois. Deseja apenas o bem e o amor, e sente<br />

que esse desejo se reflete em sua vida.<br />

O perdão, assim como os sete pecados, associase<br />

a ideia de ética, pois envolve as relações sociais.<br />

Quando se perdoa, pode-se viver. Segundo a psiquiatra<br />

Laís Guimarães, ficar obcecado por alguém<br />

é adoecedor, podendo atingir proporções tão grandes,<br />

que a pessoa passa a viver em prol de uma<br />

única questão, esquecendo-se da vida e do convívio<br />

social. É quando entra a necessidade de se perdoar.<br />

Dar e receber perdão é um ato libertador e de<br />

cura. Mesmo em perspectivas religiosas distintas, é<br />

fundamental praticá-lo para viver em paz. O ato de<br />

perdoar é desprender-se de uma mágoa ou de uma<br />

culpa. Quando se perdoa de fato, não há necessidade<br />

de penitência, porque a penitência simboliza a<br />

rememoração do erro.<br />

*nome fictício para preservear a imagem da fonte<br />

A culpa é um sofrimento<br />

tamanho que a pessoa deixa de viver<br />

a vida dela e fica em função<br />

daquele sofrimento.<br />

Dra. Laís Mendes Guimarães<br />

Liberdade no perdão<br />

Para Antônia*, 38, o perdão é algo essencial<br />

para se ter paz. Há 11 anos, quando engravidou, seu<br />

parceiro não quis assumir a paternidade da criança.<br />

Além da decepção, Antônia enfrentou dificuldades<br />

com o pai, que concordou com o ex-parceiro. Ao fazer<br />

a certidão de nascimento, foi orientada sobre<br />

seus direitos e a viabilidade de fazer um teste de<br />

DNA, que comprovou posteriormente a paternidade<br />

e garantiu que a criança fosse registrada em cartório<br />

pelo pai. Antônia conta que poucos meses depois<br />

da notícia da sua gravidez, seu ex-parceiro se<br />

casou com outra mulher e adquiriu outra família,<br />

que por fim também se desestruturou. Ao mesmo<br />

tempo, ela encontrou quem considera ser “o grande<br />

amor da sua vida”, com quem formou uma nova<br />

família. Foram nove anos de mágoa e sentimentos<br />

ruins, uma tristeza que só a prejudicava. Seu<br />

filho sabe quem é seu pai biológico e não carrega<br />

nenhum sentimento de raiva. A mãe nunca contou<br />

sobre a rejeição e o filho considera o padrasto<br />

como pai. Mas o perdão por parte dela só veio há<br />

três anos, quando finalmente conseguiu estabelecer<br />

uma comunicação harmônica com o ex-parceiro<br />

e a vontade de vingança ficou para trás. Antônia<br />

diz que a partir daí as coisas começaram a andar<br />

pra frente, ela passou a ter prosperidade e a realizar


o mundo em mim


Sensação<br />

Texto: Rodrigo sena e sandro aurélio<br />

foto: fabiano alves<br />

arte: samara araujo<br />

Gula de beber<br />

Muito se discute sobre o excesso em relação a comida.<br />

Mas, quando se trata de bebida, o assunto não é tão debatido<br />

O consumo de bebida, a princípio, é visto como<br />

normal até que seja considerado um vício, uma<br />

doença. De acordo com um relatório divulgado<br />

pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em<br />

<strong>20</strong>14, os adultos brasileiros bebem, em média, 8,7<br />

litros de álcool puro por ano. O alcoolismo é um<br />

problema enfrentado por milhões de brasileiros,<br />

muitos deles jovens.<br />

Jefferson*, 27 anos, se considera alcoólatra, e<br />

confessa que utilizou dos efeitos da bebida em diversos<br />

momentos. Ele não começou a beber novo.<br />

Pelo contrário. Conta que a primeira vez que experimentou<br />

alguma bebida alcóolica foi aos 16 anos.<br />

Bebeu um copo de cerveja por insistência de colegas<br />

de classe. Detestou. Só foi ingerir bebida alcóolica<br />

novamente três anos depois, quando já estava na<br />

faculdade. Jefferson nasceu e viveu por toda a vida<br />

em uma cidade pequena do interior de SP, com seus<br />

pais, um irmão e uma irmã. Toda a sua família era<br />

católica e bem conservadora. Seu pai atualmente é<br />

aposentado, mas trabalhou a vida toda como engenheiro<br />

civil e pôde proporcionar aos três filhos uma<br />

vida financeiramente estável. Jefferson estudou a<br />

vida toda em uma escola particular e aos 17 anos<br />

foi aprovado no vestibular de Engenharia Civil.<br />

Cursou um semestre e viu que não era nem perto<br />

o que ele queria. No ano seguinte foi admitido no<br />

curso de Artes Cênicas e se mudou para Ouro Preto.<br />

Foi morar em uma república particular e, logo<br />

na primeira festa, a cachaça rapidamente agradou<br />

seu paladar. Tornou-se o maior sinônimo de gula<br />

para Jefferson desde então.<br />

A bebida é um fator socializador e muitos jovens<br />

utilizam dos efeitos do álcool para se sentirem<br />

mais à vontade. Ainda segundo este estudo da<br />

OMS, o consumo per capita por homens brasileiros


é de uma média de 13,6 litros de álcool puro por ano. Entre<br />

as mulheres brasileiras, o consumo per capita é de 4,2<br />

litros por ano. A média geral fica em 8,7 litros Apesar de<br />

alarmantes, esses números colocam o Brasil número 52 do<br />

mundo em consumo de álcool puro por ano. Os três primeiros<br />

países com maior média são, nesta ordem: Bielorrússia,<br />

Moldávia e Lituânia, com média total de, respectivamente,<br />

17.5, 16.8 e 15,4 litros de álcool puro por ano.<br />

A especificidade do caso do Jefferson é que ele se assumiu<br />

homossexual depois de ter tomado algumas doses<br />

de cachaça em uma festa na república estudantil em que<br />

morava, ainda quando cursava o primeiro período. O problema<br />

foi a forma em que ele encontrou para fazer esse<br />

pronunciamento. O rapaz pegou uma garrafa vazia e, sem<br />

qualquer motivo aparente, jogou-a violentamente contra<br />

a parede da cozinha e gritou continuadas vezes: “Eu sou<br />

gay, porra!”. No dia seguinte, após uma reunião com os<br />

colegas de república, foi decidido que Jefferson deveria<br />

procurar outro lugar para morar. Os demais moradores<br />

alegaram uma quebra de confiança, e juraram que não tinha<br />

a ver com homofobia.<br />

Essa foi a primeira ocasião recordada por Jefferson em<br />

que o vício atrapalhou sua vida. Após sair desta república,<br />

ele foi morar com dois amigos. Depois de algumas brigas e<br />

seis meses depois, foi morar sozinho. Ao longo da graduação,<br />

Jefferson conta que passou a ter o hábito de tomar<br />

doses de cachaça para fazer qualquer coisa, até mesmo<br />

estudar. O estopim para um consumo diário foi uma desi-<br />

lusão amorosa que o fez entrar em uma depressão profunda<br />

e, aos 22 anos, Jefferson chegou a beber todos os dias,<br />

sozinho ou não. Três meses depois do término e já exausto,<br />

conta que procurou o Alcoólicos Anônimos (AA). Ele era o<br />

único “novato” em uma reunião aberta com seis homens<br />

e duas mulheres, e afirma que nunca se sentiu com tanta<br />

vergonha na vida. Aquele ambiente não o deixou relaxado,<br />

muito pelo contrário. Ao chegar em casa, bebeu duas<br />

doses de cachaça praticamente de uma única vez. Nunca<br />

mais voltou ao AA.<br />

Jefferson não é exceção: em <strong>20</strong>13, a Unifesp realizou<br />

uma pesquisa que comprovou que menos da metade dos<br />

frequentadores permanecem no AA após 3 meses. Os resultados<br />

do estudo afirmam que, depois de seis meses, a<br />

taxa de abstinência de seus frequentadores é de 13%, em<br />

comparação com taxa de 10% entre os que não fazem tratamento<br />

e de até 36% dos que combinam remédios e algum<br />

tipo de terapia. O estudante diz que o ambiente não era<br />

hostil e ele sentiu sinceridade das pessoas, mas achou que<br />

para ele não funcionaria. “Hoje em dia pratico yoga às segundas,<br />

quartas e sextas, sempre às 8h e sinto que minha<br />

necessidade de beber diminui significamente”, conta. Considera-se<br />

dependente do álcool sim, mas hoje, depois de<br />

anos intranquilos, afirma ter uma vida normal. Sua maior<br />

preocupação atualmente é terminar o Mestrado. Segundo<br />

ele, já não passa por nenhum constrangimento causado por<br />

embriaguez desde <strong>20</strong>15.<br />

*Nome fictício para preservar a identidade do jovem.<br />

Consumo adulto per capita de álcool<br />

puro nas Américas<br />

(média anual entre <strong>20</strong>08 e <strong>20</strong>10)<br />

Quantidade em litros per capita:<br />

Granada - 12,5 litros<br />

Canadá - 10,2 litros<br />

EUA - 9,2 litros<br />

Chile - 9,6 litros<br />

Argentina - 9,3 litros<br />

Venezuela - 8,9 litros<br />

Paraguai - 8,8 litros<br />

Brasil - 8,7 litros<br />

Homens x mulhereS<br />

(brasil)<br />

HOMEM - 13.2 LITROS POR ANO<br />

MULHER- 4.1 LITROS POR ANO<br />

Fonte: Organização Mundial da Saúde<br />

Global Health Observatory<br />

Data Repository<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 29


Sensação<br />

Simetria desconexa<br />

Cor dos olhos, da pele, do cabelo. Tudo vendido como poção<br />

de embelezamento. Rotulamos o que nos cerca como “belo”<br />

e “feio”, tomando como referência padrões estéticos que nos<br />

são impostos. A vaidade nos faz acreditar na perfeição.<br />

Criado em 1883 pelo antropólogo inglês Francis<br />

Galton, o termo eugenia significa bem nascido. A<br />

Teoria Eugênica propõe a criação de uma raça de<br />

seres humanos hereditariamente perfeita , com a<br />

eliminação de doenças genéticas, busca por genes<br />

que resultam em indivíduos mais inteligentes e<br />

mais saudáveis física e mentalmente.<br />

Na década de 1930, a ideologia eugênica nos<br />

Estados Unidos foi responsável por leis que promoviam<br />

a esterilização coercitiva de pessoas consideradas<br />

de raça inferior aos nórdicos, tidos como o<br />

“homem modelo” para os estadunidenses. Mais de<br />

70 mil pessoas foram impedidas de gerar descendentes,<br />

seja por preconceito racial, social, ou possuírem<br />

de doenças genéticas. Esse tipo de eugenia é<br />

denominado Eugenia Negativa. Diferente da negativa<br />

que propõe a não reprodução, a Eugenia Positiva<br />

valoriza as raças tidas como saudáveis e superiores<br />

a gerarem descendentes. Uma das ações neste<br />

sentido foi a aplicação de leis de anti miscigenação,<br />

que atuaram até 1967 em alguns estados dos EUA,<br />

proibindo o casamento inter-racial.<br />

A Eugenia atingiu seu ápice na Alemanha Nazista<br />

de Hitler. Seis milhões de judeus e milhares de<br />

deficientes físicos e mentais, idosos e ciganos foram<br />

exterminados por não possuírem os genes da<br />

tão sonhada raça pura ariana, que, nos planos do<br />

Fuhrer, dominaria o mundo.<br />

Após o holocausto ocorrido na Segunda Guerra<br />

Mundial, a ideologia eugênica de uma raça superior<br />

perdeu adeptos e a popularidade. No entanto, os<br />

estudos sobre genética, fertilização in vitro e erradicação<br />

de doenças hereditárias através da seleção<br />

laboratorial cresce à cada dia.


Texto: Agliene Melquíades<br />

Foto: Príscila Ferreira<br />

Arte: Francielle Ramos<br />

Dilema científico<br />

O Diagnóstico Pré-Implantacional (DPI), é um<br />

procedimento no qual se retira uma das células dos<br />

embriões com poucos dias de vida para que o material<br />

genético seja escaneado. A partir da análise<br />

do DNA, os embriões livres de genes com potencial<br />

de desenvolver doenças hereditárias no futuro são<br />

implantados no útero materno. A técnica permite<br />

a seleção de embriões isentos de mais de 300 doenças<br />

genéticas, além da escolha do sexo do bebê.<br />

Nos Estados Unidos, o Instituto de Fertilidade de<br />

Los Angeles oferece aos pacientes a possibilidade,<br />

mesmo com possíveis fracassos, da escolha da cor<br />

dos olhos e cabelos dos bebês.<br />

Aliada ao avanço das pesquisas, emergem dúvidas<br />

e polêmicas. Quais os critérios para perceber<br />

se a prática não sustenta preconceitos contra deficiências<br />

e fenótipos? Seria o método da seleção<br />

laboratorial a volta da Eugenia sobre outro nome?<br />

A seleção laboratorial deve se limitar à aspectos da<br />

saúde e impedir fins estéticos?<br />

Para a professora de Biodireito da Universidade<br />

Federal de Ouro Preto (Ufop), Iara Antunes de<br />

Souza, “a escolha de fenótipos geraria, em um futuro<br />

não tão distante, a Eugenia Positiva. Ela ressalta<br />

a importância da sociedade se atentar para o<br />

fato de o avanço científico ter um potencial benéfico<br />

e maléfico ao mesmo tempo. “A possibilidade<br />

de exterminar uma deficiência via manipulação<br />

genética pode, em um primeiro momento, parecer<br />

benéfica. De outro lado, com a ampliação do uso da<br />

técnica, aqueles que não quiserem ou não puderem<br />

usá-la serão relegados à falta de outras pesquisas e<br />

políticas públicas de tratamento, cura e inclusão.<br />

Isso, claro, a longo prazo”, analisa.<br />

O Brasil não possui leis que tratam da seleção<br />

laboratorial. É a Resolução 2121/<strong>20</strong>15 do Conselho<br />

Federal de Medicina (CFM), que regulamenta a<br />

questão. O documento proíbe a escolha de características<br />

junto aos embriões em reprodução humana<br />

assistida. De acordo com o quinto princípio<br />

da resolução, “As técnicas de reprodução assistida<br />

(RA) não podem ser aplicadas com a intenção de<br />

selecionar o sexo, ou qualquer outra característica<br />

biológica do futuro filho, exceto quando se trata de<br />

evitar doenças do filho que venha a nascer. “<br />

Beleza sem limites<br />

Se por um lado a possibilidade de uma sociedade<br />

padronizada desde os genes parece a visão de<br />

um futuro incerto, ou até mesmo ficção, a vaidade<br />

exacerbada e a vontade de idolatrar pessoas, com<br />

alta aprovação pelo público, é evidente. Com a avidez<br />

de se chegar ao “ápice da beleza”, há quem realize<br />

diversos procedimentos estéticos.<br />

Um dos exemplos mais famosos é o boneco Ken,<br />

companheiro da boneca Barbie. O personagem da<br />

ficção fez com que pessoas reais se submetessem a<br />

diversas cirurgias para se transformar no boneco e<br />

ficarem conhecidas como “Ken Humanos”.<br />

O brasileiro Rodrigo Alves, de 33 anos, já realizou<br />

50 cirurgias em 11 anos, e desembolsou cerca<br />

de R$1,5 milhão para se tornar o boneco da vida<br />

real. Na busca para se tornar o Ken humano, ele<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 31


já passou por cirurgias para afinar o nariz, preenchimentos<br />

com Botox, implantes peitorais, lipoaspiração<br />

na mandíbula, pernas e panturrilhas. Em<br />

<strong>20</strong>14, quase morreu devido à complicações de um<br />

implante de silicone nos bíceps, tríceps e braços.<br />

Apesar dos riscos, ele segue persistente com os<br />

procedimentos estéticos. Em <strong>20</strong>15, afirmou ao site<br />

EGO que não desistiria: “Não vou parar. Tenho pavor<br />

de envelhecer, não de morrer”.<br />

O outro como espelho<br />

Tidos por muitos como um passaporte para a<br />

autoestima, os procedimentos cirúrgicos estéticos<br />

são amplamente realizados pelo mundo. Das quase<br />

cinco milhões de cirurgias contabilizadas em <strong>20</strong>15<br />

pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica<br />

Estética (Isaps), cerca de 1,2 milhão foram realizadas<br />

no Brasil, que perde apenas para os Estados<br />

Unidos, com cerca de 1,4 milhão. Com o segundo<br />

lugar no ranking, o país responde por 24,5% das cirurgias<br />

mundiais, sendo a lipoaspiração, o implante<br />

de silicone nos seios e a cirurgia da pálpebra os procedimentos<br />

preferidos dos brasileiros.<br />

A cirurgiã plástica Joyce de Souza Fiorini Lima<br />

conta que muitos de seus pacientes pensam em<br />

fazer os procedimentos estéticos para “se juntar à<br />

multidão”, e não se destacar delas. É o caso de cirurgias<br />

para aumento de seios e as de redução de<br />

orelha, ou otoplastia, que é considerada uma cirurgia<br />

reparadora. Quanto à posição do Brasil no<br />

ranking, Joyce acredita que a cultura e o clima são<br />

fatores de grande influência na busca pelas cirurgias.<br />

“Somos um país tropical, onde se anda de biquíni<br />

quase o ano todo. Copiamos muito os norteamericanos,<br />

e existe essa cultura do culto ao corpo<br />

e a forma, essa busca pela vaidade, pela aparência”<br />

Para a psicóloga Maria Inês Vieira, as cirurgias<br />

plásticas também podem estar ligadas a uma forma<br />

de reconhecimento pelo olhar do outro, de forma a<br />

promover no indivíduo um sentimento de valorização.<br />

“Hipoteticamente, há a conquista de um lugar<br />

de prestígio e uma saída da zona exclusão. Desta<br />

forma, a realização de frequentes procedimentos<br />

para fins estéticos leva a pensar em uma percepção<br />

de si desorganizada. Na contemporaneidade,<br />

onde a publicidade aliada aos padrões de beleza, a<br />

cirurgia é apresentada como uma forma de suprir o<br />

sofrimento, de se encaixar”.


O pecado<br />

de Eva e<br />

Alternativa<br />

a ira dos<br />

homens<br />

Texto: Janaína Oliveira<br />

foto: tainara Torres<br />

arte: daniela felix<br />

casting: clara lemos<br />

A violência de gênero faz parte da cultura<br />

e pode afetar as mulheres, em diversos<br />

graus. Além de influenciar na desigualdade<br />

social, os abusos podem ser de ordem psicológica,<br />

física e sexual. No Brasil, a taxa<br />

de feminicídios mata mais que o câncer:<br />

4,8 mortes para cada 100 mil mulheres<br />

– a quinta maior no mundo, segundo<br />

dados da Organização Mundial da Saúde<br />

(OMS), de <strong>20</strong>15. Neste grupo, mulheres negras,<br />

com idade entre 15 e 25 anos, são as<br />

maiores vítimas. Em contraponto, os mesmos<br />

dados mostram que 91% dos homens<br />

consideram errado bater em mulheres, sob<br />

qualquer circunstância. As contradições<br />

das estatísticas são sintomáticas, mas os<br />

números contam apenas parte da história.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 33


No primeiro dia do ano de <strong>20</strong>17, Sidnei Ramis<br />

de Araújo, 46 anos, assassinou sua ex-mulher<br />

Isamara Filier, 41, seu filho João Victor, 8, e mais<br />

dez pessoas em uma festa de ano novo, na cidade<br />

de Campinas, em São Paulo. Em seguida, Araújo<br />

se matou com um tiro na cabeça. Após a chacina,<br />

foram descobertas, em cartas e áudios deixados<br />

pelo atirador, a justificativa através de um discurso<br />

repleto de misoginia e de argumentos religiosos.<br />

“Deus não crucificou o filho dele por amor aos outros<br />

filhos, como fala na Bíblia? Eu não vou deixar<br />

você sofrer na mão dessa ‘vadia’ mais não, filho”<br />

disse em uma das cartas. Ao todo, Araújo disparou<br />

contra 15 familiares e amigos de Isamara. Dos 12<br />

mortos, nove eram mulheres.<br />

No decorrer dos milênios, a naturalização da<br />

opressão das mulheres foi uma construção eficiente,<br />

reforçada também por mitos, contos e religião,<br />

que intensificaram o papel de submissão<br />

imposto às mulheres. O criacionismo, uma das<br />

teorias para existência humana defendido por judeus<br />

e cristãos, sustenta a concepção da criação do<br />

homem por Deus, que o teria feito “à sua imagem<br />

e semelhança”. No relato da criação de Eva na Bíblia,<br />

a mulher é formada da costela de Adão, sugerindo<br />

a unidade homem/mulher. Porém, por essa<br />

teoria, a formação da mulher a partir do homem foi<br />

interpretada como superioridade masculina, o que<br />

reforçou na sociedade, sobretudo cristã, o preconceito<br />

contra as mulheres.<br />

A teóloga feminista Riane Eisler afirma em seu<br />

livro O prazer Sagrado: sexo, mito e política do corpo, de<br />

1996, que a ira divina foi usada a partir da Bíblia<br />

para justificar a violência de gênero. Riane aponta<br />

que as mulheres seriam mais responsáveis que os<br />

homens pelo pecado original - pensamento sustentado<br />

por Eva - considerada a grande culpada pela<br />

queda do gênero humano. A mulher é interpretada<br />

como o sexo pecador, já que além de cair na tentação,<br />

ela seduz o homem a fazer o mesmo. Desta<br />

forma, a razão da submissão feminina foi ideologicamente<br />

justificada: “estarás sob o poder de teu<br />

marido e ele te dominará”, diz o Gênesis (Gn 3,16).<br />

Entretanto, a também teóloga Rosemary R. Ruther,<br />

em sua obra Sexismo e Religião, relata que os seres<br />

humanos do período paleolítico e neolítico – era<br />

pré-histórica – viviam em um sistema de igualdade<br />

entre mulheres e homens. Pesquisas arqueológicas<br />

mostram que mulheres eram veneradas em todas


as sociedades agrícolas antigas, diante de seu poder<br />

de gerar a vida e, com isso, manter a espécie.<br />

Atualmente, a dificuldade em lidar com questões<br />

de gênero começa cedo, ainda na infância. O<br />

modelo social de educação, sobretudo dentro de<br />

casa, culpabiliza meninas, as deixando submissa e,<br />

em contrapartida, é permissiva aos meninos, transferindo<br />

para si a condição de ser dominador.<br />

A Bela e a Fera<br />

Para trabalhar essas questões desde cedo, o<br />

Instituto Arte de Ser, localizado na cidade de Rio<br />

Verde (GO), atua com a proposta de empoderamento<br />

do aluno no processo de aprendizagem. Entre as<br />

atividades, há aula de feminismo para alunos desde<br />

os sete anos de idade, além do projeto Já falou para<br />

seu menino hoje?, que compartilha mensagens no<br />

Facebook com o objetivo de incentivar as famílias<br />

e a sociedade a conversarem com as crianças sobre<br />

igualdade e respeito entre os gêneros.<br />

A coordenadora dos projetos de relações de gênero<br />

Nathalia Borges, conta que, ao realizar uma<br />

oficina de emponderamento feminino, da qual ambos<br />

os gênero participavam, notaram que os meninos<br />

não desenvolviam muita empatia ou sensibilidade<br />

à causa. “Ao trabalhar a mesma temática com<br />

os garotos, eles perdem privilégios e poder. Deixam<br />

de ser legitimados por comportamentos opressivos<br />

que são tidos como da personalidade masculina porém,<br />

ganham em possibilidades de existir, tanto<br />

individualmente como socialmente.”<br />

Nathalia, que também é psicóloga, ainda conta<br />

dos desafios enfrentados para se educar crianças<br />

em uma sociedade machista. “Educar um menino<br />

para não ser machista pressupõe, antes de tudo,<br />

educarmos as pessoas adultas que cresceram nesse<br />

mesmo contexto, que viram os homens relaxarem<br />

depois do churrasquinho de domingo enquanto as<br />

mulheres lavavam a louça da família toda, que julgaram<br />

as roupas e comportamento das mulheres<br />

que um dia sofreram violência sexual. É posterior a<br />

uma reflexão dos próprios adultos”, enfatiza.<br />

Ao resgatar essas novas formas de pensar a<br />

sociedade, o Instituto Albam, fundado em 1998,<br />

em Belo Horizonte, assumiu a missão de reciclar<br />

homens autores de violência, com projetos ligados<br />

às questões de gênero. A ONG oferece cursos,<br />

capacitações, palestras e supervisões regulares ou<br />

sob encomenda para instituições e municípios que<br />

tenham a intenção de mudar essa triste realidade.<br />

Para tentar evitar que tragédias como a de Campinas,<br />

em <strong>20</strong>17, voltem a acontecer, o Coordenador<br />

Geral do Instituto Albam e psicólogo, Felippe Lattanzio,<br />

relata que um dos principais objetivos do<br />

projeto é o de fazer com que os homens compreendam<br />

que são responsáveis pela violência. “Na<br />

maioria dos casos que chegam para nós, os homens<br />

se sentem injustiçados, tirando de si a responsabilidade<br />

pelos seus atos. Nossa função é trabalhar a<br />

masculinidade, entendendo o equilíbrio necessário<br />

para não vitimizar os homens, mas sim responsabilizá-los<br />

pelas suas ações”, conta.<br />

Com o projeto em funcionamento desde <strong>20</strong>05,<br />

antes da Lei Maria da Penha entrar em vigor, Lattanzio<br />

relata que o processo era ainda mais falho<br />

para eventuais punições e medidas de proteção<br />

para as mulheres. “Os casos iam para juizados especiais.<br />

Geralmente as punições eram cestas básicas<br />

e prestação de serviços comunitários, quando<br />

julgados”. Apesar das conquistas legais na proteção<br />

dos direitos, ainda existe muito o que se avançar<br />

para rompermos com as opressões machistas que se<br />

perpetuam durante os séculos, à começar pela sustentação<br />

das ideologias, construídas socialmente,<br />

apenas para manter o argumento de uma sociedade<br />

violenta para mulheres.<br />

Para entender melhor como as estruturas machistas<br />

são falhas, Lattanzio também comenta<br />

a mudança de comportamento dos homens que<br />

frequentam o Instituto, que trabalham com outros<br />

tipos de questões envolvendo a masculinidade,<br />

como brigas de torcidas organizadas. Sobre isso,<br />

afirma: “Quer coisa que envolva mais a questão<br />

da masculinidade do que torcida de futebol?”. No<br />

total, os encontros se estendem por quatro meses,<br />

com duas horas de duração em cada. O projeto conta<br />

ainda com 11 psicólogos e já atendeu mais de<br />

três mil homens. “Varios querem continuar vindo<br />

aos encontros, mesmo depois de finalizar. Muitos<br />

agradecem”, conclui.<br />

Todas as informações dos projetos vinculados aos Institutos<br />

citados na matéria encontram-se nos sites albam.<br />

org.br e institutocores.org.br. As iniciativas contam com<br />

diversos parceiros, além de uma estrutura com psicólogos,<br />

pedagogos e profissionais capacitados para promover uma<br />

sociedade mais justa e igualitária entre os gêneros.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 35


Comum<br />

Jogo da<br />

Ganância<br />

Texto: Caroline Borges<br />

Foto: Camila Guardiola<br />

Arte: Felipe Nogueira<br />

Casting: Neder Ghader (Modelo)<br />

Dinheiro sempre esteve ligado à ideia de sucesso.<br />

O desejo de possuir mais e mais é fomentado pelo<br />

capitalismo, que parece permitir a transgressão de<br />

regras para conseguir o que se quer.


Avareza, do latim avarus, significa querer muito,<br />

desejar desesperadamente. É o apego demasiado<br />

e sórdido ao dinheiro, é a ambição de acumular<br />

riquezas. A avareza se faz presente ao longo dos<br />

séculos, sendo associada ao catolicismo, mas não<br />

restrita a ele. No século XVI, na Suíça, surgiu o movimento<br />

religioso que ficou conhecido como Calvinismo,<br />

cuja doutrina sugere que quem obtivesse<br />

maior sucesso no trabalho e prosperidade econômica<br />

seriam escolhidos por Deus: quem tem mais<br />

riquezas, tem proteção divina. A corrente religiosa<br />

defende o trabalho e a poupança como virtudes essenciais,<br />

o que leva ao pressuposto de que o princípio<br />

está diretamente relacionado ao desenvolvimento<br />

do sistema capitalista.<br />

Segundo o historiador José Alves Freitas Neto,<br />

a lógica do capitalismo não lida com a perspectiva<br />

da riqueza limitada. Pelo contrário, ela está intimamente<br />

ligada à capacidade do capital de se reinventar<br />

e descobrir novos desejos. O empresário Jorge<br />

Paulo Lemann foi eleito em <strong>20</strong>16, pela revista Forbes,<br />

o homem mais rico do Brasil pela quarta vez<br />

consecutiva. Seu enriquecimento representa um<br />

ganho de R$ 54 milhões por dia, ou R$ 2,2 milhões<br />

por hora. Aos 76 anos, Lemann está à frente de um<br />

império de marcas globais, como Heinz, Trident e<br />

Ambev, e caminha para se tornar um importante<br />

investidor em empresas de inovação. Para Freitas<br />

Neto, o capitalismo tem como pressuposto enriquecer<br />

e usa o acúmulo de bens como base.<br />

Malandragem e corrupção<br />

Em uma sociedade regida pelo mercado, o pecado<br />

se expressa nas mais diversas formas, como<br />

no famoso jeitinho brasileiro. Apesar de visto como<br />

pecado, culturalmente o jeitinho malandro não é<br />

taxado assim. Segundo o psicoterapeuta e professor<br />

universitário Gilberto Gnoato, o jeitinho é uma<br />

categoria intermediária que se situa entre a honestidade<br />

e a marginalidade. No Brasil, existe uma<br />

lacuna entre o que é legal e ilegal, onde regras e<br />

leis são relativas, podendo valer ou não, de acordo<br />

com o contexto em que se encontram e, principalmente,<br />

“quem” são os atores envolvidos. O jeitinho<br />

está presente no dia-a-dia do brasileiro em diversas<br />

proporções, desde o cenário político até as ações cotidianas.<br />

No entanto, o “quem” e “como” são de<br />

extrema importância no julgamento do que é considerado<br />

corrupção. Esta se estende por todos os<br />

âmbitos da sociedade brasileira, está entranhada de<br />

tal modo no contexto social, que as pequenas faltas<br />

tornam-se corriqueiras: elas são veladas e recorrentes,<br />

de modo que não são consideradas transgressões.<br />

Por exemplo, é considerado um absurdo<br />

quando lemos nos jornais a notícia de que o ex-governador<br />

do Rio de Janeiro Sérgio Cabral é acusado<br />

pelo Ministério Público Federal (MPF) de receber<br />

16,5 milhões de dólares de propina do empresário<br />

Eike Batista, em <strong>20</strong>11, mas que furar a fila da padaria,<br />

já não é considerado um problema. Segundo<br />

a ex-assessora de Cabral Sonia Baptista, o político<br />

mantinha gastos mensais de cerca de R$2<strong>20</strong> mil, e,<br />

de acordo com o MPF, ele movimentou um montante<br />

de R$224 milhões em recursos ilegais.<br />

Para o historiador Rodrigo Coppe, a avareza na<br />

busca obsessiva de sempre ter mais é o reflexo de<br />

uma alma marcada pelo egocentrismo, e isso toma<br />

uma envergadura alarmante na sociedade moderna.<br />

O pecado está enraizado na desigualdade social:<br />

segundo a organização não governamental britânica<br />

Oxfam, que busca soluções para o problema da<br />

pobreza e da injustiça, as 85 pessoas mais ricas do<br />

mundo compartilham uma riqueza de cerca de R$<br />

3,8 trilhões, enquanto as outras 3,5 bilhões de pessoas<br />

do globo dividem o mesmo valor.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong><br />

37


Habitar<br />

PRESSA<br />

Os 1440 minutos do dia sufocam uma rotina de tempo escasso.<br />

CASTING: Duda Carvalho


Texto: Alex Galeno<br />

Foto: Alex Galeno e Flávio Ribeiro<br />

Arte: Flávio Ribeiro<br />

modernidades<br />

capitais<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 39 29


EXIBICIONISMO<br />

Em tempos de selfies, quem tem smartphone é rei.<br />

CASTING: Bruno Campos e Júlia Lopes<br />

exagero


HIPERCONECTIVIDADE<br />

A vida vai além de uma<br />

compulsão online.<br />

CASTING: Adan Costa<br />

ANSIEDADE<br />

O refúgio do caos moderno é um placebo no olhar para si.<br />

CASTING: Ligian Lacerda e Gabriela Cornélio<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 41


LUXÚRIA OBRIGATÓRIA<br />

Os corpos se unem<br />

num banho de matchs<br />

CASTING: Maria Emília Moraes,<br />

Adan Costa, Laryssa Gabellini e<br />

Gabriel Cunha<br />

GANÂNCIA<br />

Pessoas não são degraus na vida.<br />

CASTING: Raynara Voltan, Scarlet Souza e Douglas Bernardes<br />

GULA GOURMET<br />

Comer com os<br />

olhos é a regra.<br />

CASTING: Catharina Rolim


overdose<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 43


Identidade

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