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Revista Curinga Edição 21

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Texto: Samuel Consentino<br />

Foto: Matheus Gramigna<br />

Arte: Luccas Gabriel<br />

Palavra grande de difícil pronúncia ou obscena e grosseira?<br />

A definição de palavrão pode ser ampla, mas a presença<br />

no dia-a-dia dos brasileiros é inquestionável.<br />

Dolores Gonçalves Costa, artista brasileira conhecida<br />

popularmente como Dercy Gonçalves, foi<br />

a atriz com o maior tempo de atuação do mundo,<br />

de acordo com o Guinness Book (86 anos de carreira)<br />

e talvez a que mais proferiu palavrões em público.<br />

Tornou seu uso uma forma de humor e quebra<br />

da moral. Uma senhora com uma “boca suja”,<br />

muito presente na mídia e ainda por cima não era<br />

censurada. “Aí [...] comecei a falar palavrão: puta<br />

que pariu, caralho, e todos riam. Então, é por aqui<br />

que vou ganhar. Ganhei dinheiro com palavrão pra<br />

caramba”, relatou para o jornal Folha de S. Paulo,<br />

em 2007. Dercy só parou de usá-los no ano seguinte,<br />

em 2008, quando uma complicação causada por<br />

pneumonia acarretou em sua morte, com 101 anos<br />

de vida e milhares de palavrões ditos.<br />

Demócrito Santos e Katia Costa, refletem sobre<br />

a nebulosidade que gira em torno do uso dessas<br />

palavras, se são grosseiras, insultos ou quase<br />

gírias na boca de todos. Em artigo publicado na<br />

revista Sociodialeto, em 2013, o professor especializado<br />

em Português e Linguística pela Faculdade<br />

Amadeus (FAMA) e a Doutora em Educação pela<br />

Universidade Federal de Sergipe (UFS), professora<br />

na Faculdade Maurício de Nassau, na área de estudo<br />

dos signos linguísticos, explicam a negatividade<br />

ligada aos palavrões: “existem aquelas palavras<br />

que não são proferidas, e essas na sociedade<br />

laica atual são as que configuram o maior número<br />

de tabus, por serem simplesmente inadequadas<br />

aos padrões sociais de bom comportamento. São<br />

as palavras sexuais e de excreção”.<br />

O mestre em Linguística pela Universidade<br />

Federal da Paraíba (UFPB), David Diniz Swingler,<br />

mapeou as atitudes relacionadas aos palavrões<br />

no Brasil e cita, em sua dissertação de Mestrado,<br />

pesquisas que estimam que dentre as 15 a 16<br />

mil palavras ditas por um falante típico, 90 a 60<br />

desse total são “palavrões”, mostrando que “o uso<br />

de palavrões é algo universal”.<br />

Palavrão ou Xingamento?<br />

Seriam as “palavras-tabus” essencialmente<br />

ofensivas ou insultos? José Benedito Donadon-<br />

Leal, Doutor em Linguistica pela Universidade<br />

de São Paulo (USP) e professor aposentado da<br />

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)<br />

explicita a diferença entre agressão verbal e um<br />

palavrão com o exemplo de regiões da Bahia onde<br />

o uso das palavras “porra” e “caralho” servem<br />

como conjunção na fala comum, portanto não são<br />

consideradas “palavrões”. Só que quando esse uso<br />

vai para um cenário de visibilidade, como a mídia,<br />

isso muda. “Especialmente em televisão, quando<br />

um falante comum da língua baiana vai falar, ele<br />

não pode utilizar isso para o cenário nacional, aí<br />

aparecem aqueles imbecis sons de PIs para encobrir<br />

o palavrão.” E concorda que o uso de palavrões<br />

independe da classe social. O que importa,<br />

segundo Donadon-Leal, é o contexto no qual as<br />

pessoas falam: se entre o falante e o ouvinte existe<br />

afinidade, se estão em local de trabalho e etc.<br />

Vitória Ivo, 20 anos, estudante de pedagogia na<br />

UFOP, apoia o que o professor diz: o contexto faz<br />

total diferença para que se use os tais “palavrões”,<br />

por exemplo, “mas, de preferência, longe dos meus<br />

pais”. Ela afirma que em cada 10 palavras ditas,<br />

quatro são as consideradas tabus. Opina que muitos<br />

dos palavrões possuem preconceitos: “o palavrão<br />

filho da puta tem uma boa parcela de machismo<br />

impregnado aí, já que vivemos no patriarcado”.<br />

Porém, salienta que o que faz uma palavra ser bem<br />

recebida ou não por ela e seus amigos é seu contexto<br />

e afinidade entre as pessoas.<br />

Como o bom ou ruim são uma construção social<br />

ligada aos preconceitos sociais e culturais de uma<br />

comunidade, certa frase de Dercy cai bem para resumir<br />

a discussão sobre o tabu em forma de palavra:<br />

“Não tenho medo de falar, porque tenho certeza<br />

de que não é palavrão. Palavrão, meu filho, é<br />

condomínio, palavrão é fome, palavrão é a maldade<br />

que estão fazendo com um colírio custando 40 mil<br />

réis, palavrão é não ter cama nos hospitais.”<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>21</strong> 15

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