Ed. Junho
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junho 2018 | N.º 13 | ANO I | MENSAL | PREÇO: 3€
Diretor: Miguel Múrias Mauritti
Entrevista | Luís Costa, Diretor do Serviço de Oncologia do Santa Maria
Entrevista | Stefan Zeuzem
PÁG. 14
PÁG.20
“A investigação
leva muito tempo
a chegar às pessoas”
Luís Costa
mostra-se otimista
quando à investigação
que se está a fazer
na área do cancro
mas lamenta que Portugal
não tenha uma estrutura
que permita colocar
em prática as
ideias clínicas.
Especial – Rota da Saúde
USF 3 Rios
Uma década a inovar
para melhor servir
PÁG. 33
“Taxas de cura de praticamente
100% em doentes não-cirróticos
em apenas 8 semanas”
Stefan Zeuzem, Professor de Medicina, destaca que
hoje é possível tratar a Hepatite C com “taxas de cura
praticamente de praticamente 100% em doentes
não-cirróticos em apenas 8 semanas”
opinião
Rui Cernandas
“O SNS
está de luto”!
PÁG. 4
Médico que
denunciou dinheiro
pago a mais em
unidades de saúde
alvo de tentativa de
expulsão Pág. 6
Hospitais
em pré-falência
e “à beira
de um ataque
de nervos”
Os hospitais públicos
estão endividados
e “à beira de um
ataque de nervos”,
mostrando que a
crise económica
continua no setor
hospitalar. O relatório
do Observatório
Português dos
Sistemas de Saúde
(OPSS) traça um
retrato negro do SNS.
Pág. 17
uma iniciativa
Entrevista: professor
e biólogo Robert Dunn
“Big data e microbioma
serão as grandes áreas
no futuro da medicina”
Pág. 24
sumário
Entrevista | Luís Costa, Diretor do Serviço
de Oncologia do Santa Maria
“A investigação leva muito
tempo a chegar às pessoas”
Em entrevista ao Saúde Online a propósito do 3º
Congresso Internacional da ASPIC (Associação
Portuguesa de Investigação em Cancro), que decorreu
a 10 e 11 de maio, – e ainda antes de começar
a polémica em torno das dificuldades de resposta
do serviço que gere no Hospital de Santa Maria -,
Luís Costa mostra-se otimista quando à investigação
que se está a fazer na área do cancro mas lamenta
que Portugal não tenha uma estrutura
pág. 14
que permita colocar em prática as ideias clínicas.
4 Opinião
Rui Cernadas
O SNS está de luto!
6 Médico que denunciou
dinheiro pago a mais
em unidades de saúde alvo
de tentativa de expulsão
António Alvim denunciou que os médicos das
USF de modelo B recebem mais quase 1.800
euros para atenderem mais doentes, mas estes
não adaptam o horário para que tals e torne
possível. Depois da notícia do Saúde Online,
os colegas da unidade tentaram expulsá-lo.
8 Especial | Perspetivas
de futuro na procriação
medicamente assistida
17 Hospitais em pré-falência
e “à beira de um ataque
de nervos”
Os hospitais públicos estão endividados e “à
beira de um ataque de nervos”, mostrando que
a crise económica continua no setor hospitalar.
O relatório do Observatório Português dos
Sistemas de Saúde (OPSS) traça um retrato
negro do SNS.
20 Especial – Rota da Saúde
USF 3 Rios
24 Entrevista| Robert Dunn,
Professor do Departamento
de Ciências Biológicas
da Universidade Estadual
da Carolina do Norte
“Big data e microbioma serão as grandes áreas
no futuro da medicina”
25 Especial | Inovação
do Tratamento Hormonal
na Menopausa
30 Entrevista | Dia Mundial
da Esclerose Múltipla 2018:
“todos temos um papel ativo”
O Dia Mundial da Esclerose Múltipla, assinalado
a 30 de maio, colocou Portugal em Alerta
Laranja e o Saúde Online esteve na Praça dos
Restauradores, em Lisboa, para testemunhar as
comemorações.
31 Entrevista | ‘ABC
da Esclerose Múltipla’,
um guia completo para
doentes e cuidadores
33 Entrevista | Stefan
Zeuzem, Professor de
Medicina e Chede do
Departamento de Medicina
I do Goethe University
Hospital, em Frankfurt
FICHA TÉCNICA | Publicação online de informação geral e médica
Endereço internet
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Periodicidade
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Ano de fundação: 2016
SAÚDE ONLINE | CRÓNICA
Opinião
O SNS está de luto!
Rui Cernadas
Competência em Medicina
Farmacêutica da Ordem
dos Médicos
Presto homenagem à figura
do Dr. António
Arnaut e ao seu histórico
papel na génese e criação
do Serviço Nacional de Saúde
(SNS), como a maior conquista
e desenvolvimento social e político
depois de 1974.
E é quase paradoxal ou dramático
que, no ano da sua morte,
o SNS pelas mãos da atual
equipa ministerial da Saúde
entre em coma induzido…
A incapacidade de gestão começa
pelo completo falhanço
de planeamento e de previsão.
Gerir o Ministério da Saúde é
muito mais do que falar ou falar
bem!
Vimos como as contas do impacto
da redução dos horários
de trabalho de 40 para 35 horas
rebentaram e com elas rebentaram
os serviços e funções
assistenciais por toda a
parte.
E se é verdade que este
Ministério contratou tantos novos
profissionais como anunciou
à boca cheia, ainda menos
se percebe o estouro!
É que se assim tivesse sido,
pelo menos mesmo considerando
as saídas por aposentação,
o retorno às 35 horas teria
sido apenas um retorno e a redução
das cargas horárias teria
sido absorvida e voltado ao
ponto em que estava à data da
Crise…
Mas passou a Crise e o seu
pico, ultrapassamos o período
de intervenção externa no controlo
financeira de Portugal e o
que foi opção do atual Governo
de Portugal e do seu Ministério
da Saúde?
Reposição de salários e de direitos,
progressões nas carreiras,
comissões e mais grupos
de trabalho e nada em matérias
como investimento na
reabilitação ou construção de
novos equipamentos onde fossem
verdadeiramente necessários,
nada em investimento para
substituição de outros caducos
ou ineficientes ou paralisados,
nada em definição de novas regras
para os concursos públicos
que os abrissem à inovação e
outras mais valias para o Estado
e/ou os utentes do SNS…
E o clima de insatisfação dos
profissionais não tem a ver só
com as condições salariais.
Conhece-se o exemplo dos pilotos
de aviação civil, entre os
profissionais mais bem pagos
por todo o lado e que, nem por
isso, abrandam ou abandonam
com relativa frequência as
suas reivindicações salariais…
Os profissionais do SNS têm
essa insatisfação porque sofrem
com a total perda de
crença e de confiança nos
seus dirigentes e no futuro dos
seus serviços e que integram
com total dedicação e sacrifício
pessoal.
António Arnaut
O número dos profissionais
que exprimem, demonstram e
assumem – em nome da defesa
do SNS – a sua revolta
e a sua tristeza, não para de
crescer.
De facto, o SNS está mesmo
de luto!
De luto porque é negro a cor
que se utiliza nos júris académicos
para escolher a bola
com que se chumba um candidato
e, aqui, o atual elenco ministerial
da Saúde.
De luto porque o negro é a cor
dominante nos espíritos e no
coração de quem trabalha no
SNS, hoje e nos tempos do
futuro.
De luto porque a ideia de resistência
à mudança e à demissão,
como se vê também
com o exemplo da Direção do
Sporting Clube de Portugal, é
já ridícula e trágica!
De luto enfim porque morreu
António Arnaut e a perpetuação
desta governação não o
honra!
4 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
SAÚDE ONLINE | nacional
António Alvim
Médico que denunciou
dinheiro pago a mais
em unidades de saúde
alvo de tentativa
de expulsão
António Alvim denunciou que os médicos das USF de modelo B recebem
mais quase 1.800 euros para atenderem mais doentes, mas estes não
adaptam o horário para que tal se torne possível. Depois da notícia
do Saúde Online, os colegas da unidade de saúde tentaram expulsá-lo.
Um médico da Unidade
de Saúde Familiar (USF)
Rodrigues Miguéis, em
Benfica, foi alvo de uma tentativa
de expulsão por ter denunciado
que o Estado está a pagar suplementos
remuneratórios a médicos
de família por 40 horas de
trabalho e pelo atendimento de
mais doentes, mas sem que estes
cumpram as contrapartidas
previstas.
O caso foi denunciado pelo
Saúde Online e, em consequência,
a Administração Regional de
Saúde de Lisboa e Vale do Tejo
(ARSLVT) garantiu que iria fazer
uma auditoria. Só que, entretanto,
o médico António Alvim, que protagonizou
a denúncia, foi alvo de
um conselho geral convocado
pelo coordenador da unidade da
USF onde exerce com vista à sua
expulsão.
Numa nota enviada aos médicos
da USF Rodrigues Miguéis, a
que o Saúde Online teve acesso,
o coordenador da USF, o médico
Paulo Eiras, justifica a intenção
de expulsão com prejuízos para a
imagem e bom nome da unidade
e dos médicos que nele exercem,
resultantes, depois da notícia do
Saúde Online, de uma entrevista
concedida por António Alvim,
que é militante do PSD, à Rádio
Renascença.
Na nota, Paulo Eiras elenca os
“danos” causados pela entrevista
de António Alvim, relacionando-os
com “a imagem da USF
O coordenador
da USF justifica a
intenção de expulsão
com prejuízos para a
imagem e bom nome
da unidade e dos
médicos que nele
exercem
a nível local e do país, ao identificá-la
fotograficamente; a imagem
da USF a nível local e do
país, ao expô-la na comunicação
social e no Facebook; a imagem
da USF, enquanto organização
para a prestação de cuidados
de saúde; a utilização não autorizada
das instalações da USF
para fins alheios à sua atividade
normal (entrevista concedida à
RR); a idoneidade dos profissionais
médicos, seus pares dentro
da USF, ao afirmar que trabalham
menos do que deviam trabalhar e
que ganham mais do que deviam
ganhar; a imagem que deixa dos
seus colegas, junto da população
ao proferir declarações graves e
falsas, devidamente publicitadas
na comunicação social e nas redes
sociais; a prestação de informações
falsas sobre o desempenho
dos seus colegas médicos;
as eventuais consequências/problemas
que as prestações de informações
falsas podem determinar
junto dos utentes, pondo em
causa a relação destes com a
USF e respetivos profissionais; a
perturbação no normal funcionamento
da USF e; o mau ambiente
por si criado no seio da equipa e
que se considera inultrapassável”.
O conselho geral, que reúne representantes
de todos os grupos
profissionais que exercem atividade
na USF Rodrigues Miguéis
decorreu a 22 de junho, tendo a
maioria dos conselheiros aprovado
a exclusão de Alvim. Foram
contabilizados 12 votos a favor da
expulsão, 8 contra, e a abstenção
do visado. A decisão não é vinculativa,
porque tal só seria possível
com uma maioria qualificada de
dois terços, o que não aconteceu.
Mais utentes, mais dinheiro,
as mesmas horas
Em causa, na denúncia de
António Alvim, está o pagamento
aos médicos das USF de modelo
B de uma contrapartida de 1.794
euros para que passem a atender
uma lista de 1.750 utentes,
em vez de 1.550 euros regulares,
6 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
nacional | SAÚDE ONLINE
o que implicaria uma adaptação
do horário de base de 35 horas
semanais. Só que, na prática, o
que está a acontecer é que os
médicos mantêm o horário de
35 horas semanais, mesmo com
o acréscimo das suas listas de
utentes. De acordo com António
Alvim, quando aceitam aumentar
o número de utentes das suas
listas, os médicos deveriam também
aumentar o número de horas
de trabalho, que no caso foram fixadas
em mais 9 horas.
Refira-se que, além do acréscimo
salarial resultante do aumento
das listas de utentes, os médicos
que exercem em USF B, recebem,
entre outros, incentivos
de desempenho, retribuição pela
orientação de internato médico e
realização de domicílios. Acresce
um subsídio de exclusividade que
a própria lei atribui, mas sem a
exigir.
Alvim aponta que, tudo somado,
estes médicos auferem, em média,
cerca de 7.000 euros mensais
ilíquidos, bastante mais do dobro
do que os seus colegas que com
a mesma categoria e o mesmo
número de utentes também acumulam
as funções de orientadores
de internato e fazem domicílios,
mas que estão em USF do
Modelo A ou em Unidades de
Cuidados de Saúde Primários, no
regime de 40 horas semanais. E
ganham três vezes mais do que
os médicos que estão em regime
de 35 horas simples.
Segundo os dados apurados pelo
Saúde Online, neste modelo privilegiado,
sem paralelo em toda
a função pública, encontram-se
neste momento certa de 1.700
médicos, todos os que exercem
um USF de modelo B.
Os demais profissionais das USF
– enfermeiros e secretários clínicos
– também auferem cerca do
dobro do salário que ganhariam
se exercessem noutras unidades
dos cuidados de saúde primários,
que não as USF do modelo B.
Beneficiam atualmente desta situação
cerca de 1.700 enfermeiros
e 1.300 secretários clínicos.
Suplemento remuneratório
para 28 horas de consultas
No caso específico da USF
Rodrigues Miguéis, a situação
tem ainda o exemplo do próprio
coordenador da unidade, Paulo
Eiras, que, segundo António
Alvim, tem no seu horário “três
tardes livres, em que os seus
utentes a ele não podem aceder”
e apenas 28 horas de agenda
para consultas, a que se juntam
três horas não assistenciais
(Gestão Clinica). “No total, tratase
de um horário de 35 horas por
semana, sendo que duas delas
estão alocados a domicílios que
o Estado – utentes/contribuintes
– pagam à parte, pelo que estão
a ser pagas duas vezes”, aponta.
“Este médico, com este horário,
ganha ilíquido mais do que 7.000
euros, ganha mais do que o primeiro-ministro,
incluindo neste as
ajudas de custo, sem ter que fazer
noites nem fins de semana,
sem levar preocupações para
casa, sem uma atividade médica
stressante como se fosse neurocirurgião
ou cirurgião cardíaco”,
afirma Alvim.
O primeiro-ministro, António
Costa, recebe 75% do salário do
Presidente da República, o que
representa cerca de 4.900 euros
brutos mensais, a que acrescem
40% em despesas de representação.
No total, são cerca de 6.860
euros brutos.
O Saúde Online pediu ao Ministério
da Saúde um esclarecimento sobre
este caso, tendo o gabinete
do ministro Adalberto Campos
Fernandes remetido para a
ARSLVT. A administração regional
informou que após a publicação,
pelo Saúde Online, de uma notícia
denunciando a situação, decidiu
avançar com uma auditoria para
averiguar a existência de eventuais
irregularidades nos horários dos
médicos de família que exercem
em USF de modelo B. “Para que
não haja dúvidas, a ARSLVT decidiu
avançar com uma auditoria,
facto que transmitiu ao Ministério
da Saúde”, disse fonte oficial.
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 7
PMA Perspetivas de futuro | especial
XXXVI Jornadas
Internacionais de Medicina
da Reprodução em Portugal
Curso pré-congresso revela mais-valia
de simuladores de colheita e transferência
Na véspera das XXXVI
Jornadas Internacionais de
Medicina da Reprodução
em Portugal realizou-se um curso
prático avançado em Medicina da
Reprodução, presidido pelo Prof.
Roberto Marci de Itália e apoiado
pela vice-presidente do curso
GENUS em Portugal, Profª Teresa
Almeida Santos, focado em temas
de enorme atualidade, como o impacto
dos miomas e da fibromatose
uterina no futuro das técnicas
de procriação medicamente assistida
(PMA), os avanços clínicos e
laboratoriais nos protocolos de estimulação
ovárica ou a importância
da simulação na Medicina da
Reprodução. Para além da componente
teórica do curso e da discussão
de casos clínicos, os cerca
de 25 participantes deste primeiro
curso puderam também realizar
treino prático com dois simuladores.
O primeiro (designado por
PickUpSimTM) destinado à simulação
de procedimento de colheita
de ovócitos com recurso a sistema
de retorno de força e monitor
ecográfico virtual e o segundo
(TransferSimTM), projetado para
melhorar as aptidões clínicas e psicomotoras
associadas à transferência
ecoguiada de embriões.
Uma das participantes do curso
foi a Dr.ª Rita Martins. Segundo a
médica interna da especialidade
de Ginecologia e Obstetrícia do
Centro Hospitalar e Universitário
do Algarve, “há que valorizar
a parte teórica do curso, mas
também a apresentação de casos
clínicos que lhe sucedeu para integrar
a informação, o que me parece
importante neste casos e é útil
para nós, no sentido de nos permitir
aplicar a teoria na prática”.
Para a Dr.ª Rita Martins, a segunda
parte do curso foi no entanto
a mais entusiasmante: “a simulação
médica está na ordem
do dia e é extremamente benéfico,
para quem está a iniciar a carreira,
poder primeiro treinar as técnicas
num simulador, já que este
é um processo de formação mais
seguro. Desconhecia a existência
de simuladores nesta área e fiquei
apenas a conhecer estas tecnologias
quando me inscrevi no curso.
São simuladores que estão muito
próximos da realidade e foi, sem
dúvida, uma mais-valia participar
nesta formação, tanto ao nível da
punção como da transferência de
embriões”.
Já o Dr. Luís Vicente, formador
do curso e médico da Unidade de
Procriação Medicamente Assistida
do Hospital dos Lusíadas, garante
que quando foi desenhada a formação
houve o cuidado de escolher
temáticas com aplicação real
na prática clínica diária dos ginecologistas
e peritos em Medicina
Reprodutiva: “não foram privilegiados
tópicos de investigação ou
académicos, mas sobretudo matérias
mais práticas, como a revisão
dos protocolos de estimulação,
ou as implicações dos miomas
uterinos para a nossa atividade
e quando devem ser tratados,
se deve ser utilizada cirurgia ou terapêutica
médica, etc”.
Durante o curso o Dr. Luís Vicente
abordou a importância dos
simuladores no âmbito da PMA e
explica porque, no seu entender,
o uso destes dispositivos deve ser
intensificado por parte dos jovens
especialistas que nunca fizeram
punções ou transferências, ou que
completaram ainda um número
muito limitado destes procedimentos:
“para que um profissional inexperiente
que está em treino possa
atingir a performance que caracteriza
um sénior ao nível da colheita
dos ovócitos, terá de fazer 20 a 50
punções. É o que nos dizem os estudos
internacionais feitos neste
campo. Isto significa que nessas
20 a 50 punções realizadas podemos
estar a recolher um menor número
de ovócitos e a comprometer
as expectativas dos casais. O
mesmo se passa na transferência
de embriões, em relação à qual
se estima que são necessárias 50
8 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
especial | PMA Perspetivas de futuro
a 70 transferências para chegar à
performance típica de um sénior.
Por estas razões, os simuladores
são muito úteis, já que retiram a
curva de aprendizagem da prática
clínica”.
O especialista do Hospital dos
Lusíadas ficou “surpreendido positivamente
por estes simuladores
serem bastante fidedignos” e capazes
de ajudar os colegas a desenvolverem
a sua capacidade
psicomotora, já que a realização
bem sucedida destes procedimentos
de punção e transferência implica
mesmo “o treino de uma habilidade,
que deve ser trabalhada”.
Assim, para o Dr. Luís Vicente “fazia
todo o sentido, com vista a não
prejudicar os nossos doentes, tornar
estas simulações algo de obrigatório
na nossa formação enquanto
profissionais da Medicina
Reprodutiva, da mesma forma que
os pilotos de aviação são obrigados
a acumular um certo número
de horas em simuladores aeronáuticos
antes de poderem voar.
Aliás, os pilotos têm depois de passar
duas vezes por ano por simuladores,
uma vez para manter a certificação
e outra para treino puro.
Pode certamente traçar-se um paralelismo
entre aquilo que se faz
nas companhias aéreas e aquilo
que pode ser feito na Medicina e a
simulação tenderá, julgo, a ganhar
cada vez mais terreno. Sobretudo
a partir do momento em que passam
a estar disponíveis simuladores
com enorme qualidade e semelhança
com a realidade, como
sucede com os dois simuladores
abordados neste curso”.
Face ao número limitado de ciclos
de PMA realizados em Portugal e
à dimensão do nosso sistema de
saúde, poderia ser suficiente, na
opinião do Dr. Luís Vicente, a existência
de um único centro de excelência
nacional onde os internos
de Ginecologia interessados nesta
área pudessem realizar simulação
de práticas de punção e transferência:
“os simuladores também poderiam
ser potenciados em reuniões
como esta que foi promovida pela
SPMR, integrados em cursos cuja
frequência pudesse fazer parte do
currículo da sub-especialidade em
Medicina da Reprodução”
Perspetivas de futuro
na procriação
medicamente assistida
Num contexto de substancial ambiguidade sobre o que nos reserva o futuro,
como o da procriação medicamente assistida (PMA), é reconfortante encontrar
elementos de estabilidade. Durante as XXXVI Jornadas Internacionais de Medicina
da Reprodução em Portugal, organizadas na Figueira da Foz pela Sociedade
Portuguesa de Medicina da Reprodução, especialistas portugueses e internacionais
debateram estratégias para aumentar a eficácia, segurança e comodidade dos
ciclos de reprodução assistida. No que respeita à estimulação ovárica, ficou patente
que o biossimilar Bemfola® não só é similar em termos de eficácia com o seu
medicamento de referência, como é escolhido pela maioria das mulheres.
maio 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 9
PMA Perspetivas de futuro | especial
Total de ciclos de PMA
aumenta no mundo,
vitrificação ganha terreno,
estratégia de transferência
de 1 ou 2 embriões
consolida-se
A tendência atual em todo o mundo
passa por um aumento gradual de
ano para ano, do número de ciclos
das principais técnicas de PMA realizados
em centros especializados.
“Estima-se que atualmente cerca
de 500 mil crianças nasçam todos
os anos graças as estas técnicas
de PMA. O registo mundial
(ICMART) diz-nos que passámos
de perto de 200 mil ciclos de tratamento,
em 1991, para mais de um
milhão e meio de ciclos, em 2013,
com um aumento médio anual de
10%, sendo que a Europa contribui
com aproximadamente metade
dos ciclos assinalados no
registo mundial”, explicou, nas
XXXVI Jornadas Internacionais
de Medicina da Reprodução em
Portugal, o Dr. Jacques de Mouzon
(médico do Serviço de Ginecologia
II e de Medicina da Reprodução
do Grupo Hospitalar Cochin-Saint
Vincent de Paul, em Paris, e investigador
do Institut National de la
Santé et de la Recherche Médicale
— INSERM).
O especialista francês sublinha
também que uma das tendências
do presente é o crescimento sustentado
do número de transferências
de embriões criopreservados/
vitrificados, por contraposição à redução
das transferências de embriões
a fresco, mas que tal padrão
apresenta uma grande disparidade
de tratamento entre países
e inclusive no interior de cada pais,
de centro para centro: “em França,
por exemplo, temos alguns centros
de tratamento que fazem já menos
de 10% de transferências de embriões
a fresco, enquanto outros
estão acima dos 40%”.
À escala global deteta-se também
uma preferência crescente por protocolos
suportados na transferência
em cada ciclo de apenas um
ou dois embriões, garante o Dr.
Jacques de Mouzon: “um pouco
por todo o lado verifica-se o fortalecimento
da política de transferência
de um ou dois embriões. A
“A estratégia mais
indicada, a meu ver,
para incrementar
o acesso dos casais
à PMA nestes
países (entre os
quais se encontra
Portugal) passa
por implementar
políticas públicas
de comparticipação
parcial dos
tratamentos, ou
seja, aumentar a
percentagem que o
Estado paga para
que se concretizem
estes ciclos.”
Austrália e a Nova Zelândia são os
países com a maior percentagem
de transferências com estas características
(quase 100%). No polo
oposto encontramos os países do
Médio Oriente. Associado a este
facto verificamos que em quase todas
as regiões do mundo se registou
uma diminuição do número de
nascimentos de gémeos após utilização
de técnicas de PMA, mesmo
que a taxa de gravidezes bem sucedidas
se tenha mantido ou aumentado,
em paralelo com uma
quebra drástica das gestações triplas
(entre 1997 e 2014 estas desceram
de quase 5% para menos
de 1%). Esta é seguramente uma
mensagem a que devemos prestar
atenção, que aponta para os benefícios
da abordagem da transferência
singular/dual”.
Países com menor
atividade total de PMA
são os que demonstram
também menores taxas
de crescimento de ciclos
Evidência importante partilhada
pelo Dr. Jacques de Mouzon com
os seus colegas na Figueira da
Foz, foi a de que os países com menos
de 1500 ciclos de tratamento
por milhão de habitantes (fasquia
considerada pelos especialistas
internacionais como procura otimizada
de PMA) são os que menores
taxas de crescimento de PMA
têm vindo a registar, ao contrário
dos países com mais de 1500
ciclos por milhão de habitantes,
cujo ritmo de crescimento de técnicas
de PMA é bem mais elevado.
Assim, no lote de nove países com
maior taxa média de ciclos por milhão
de habitantes, entre 2009 e
2013 verificou-se um acréscimo de
45% de ciclos de PMA, enquanto
que no grupo de países com menos
de 750 ciclos por milhão de habitantes
essa taxa de crescimento
foi de apenas 30%. “Resumindo,
os países que já realizam maior
número de ciclos de PMA são também
aqueles em que registamos
uma maior subida anual no número
de transferências de embriões”,
avança o Ginecologista francês.
Para transformar este paradigma
e permitir que os países com menos
ciclos de tratamento anuais registados
conheçam um maior crescimento
é fundamental, de acordo
com o Dr. Jacques de Mouzon,
assumir medidas de fundo: “a estratégia
mais indicada, a meu ver,
para incrementar o acesso dos casais
à PMA nestes países (entre os
quais se encontra Portugal) passa
por implementar políticas públicas
de comparticipação parcial dos
10 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
especial | PMA Perspetivas de futuro
tratamentos, ou seja, aumentar a
percentagem que o Estado paga
para que se concretizem estes ciclos.
Isto é crucial, porque em muitos
locais da Europa e do Mundo
os casais ainda têm de suportar a
totalidade ou quase totalidade dos
custos”.
Que impacto terão a
prevalência da infertilidade
e as novas tecnologias/
abordagens no futuro?
O panorama da PMA para a próxima
década é difícil de descortinar.
No presente, novas tecnologias
e métodos estão em franca
expansão, mas as consequências
destes novos tipos de abordagens
são imprevisíveis, como atesta o
investigador do INSERM: “obviamente
que para cada nova tecnologia
ou abordagem metodológica
que é experimentada necessitamos
de cinco ou seis anos para
percebermos a sua amplitude de
utilização e que efeitos provoca em
termos de resultados clínicos práticos”.
O Dr. Jacques de Mouzon recorda,
por exemplo, que a criopreservação
está na «moda», mas
frisa quão complicado é afirmar
que esta aumentará exponencialmente
em anos vindouros: “existem
indicações muito precisas para
o seu uso que temos de levar em
conta, como sejam o risco aumentado
de síndrome de hiperestimulação
ovárica (SHO) na mulher tratada.
Mas a verdade é que a maioria
das mulheres que nos procuram
não apresentam risco de SHO. Da
mesma forma, a criopreservação
pode ser recomendada quando a
paciente apresenta uma baixa disponibilidade
de ovócitos, sendo então
prudente uma estratégia cumulativa
por parte dos centros de tratamento,
que recorrem a técnicas
de vitrificação que hoje em dia são
muito eficientes. Ainda assim, inúmeros
centros especializados de
renome recusam esta abordagem,
face às consequências negativas
do prolongamento do tratamento
para o casal, do ponto de vista
emocional e psíquico. Do mesmo
modo, existem diferentes posições
sobre se devemos oferecer
a todas as mulheres diagnóstico
genético pré-implantação (DGPI),
ou se é algo que deve estar reservado
para indicações específicas.
Assim, perante todas estas novas
tecnologias e processos que entraram
na nossa rotina e que precisamos
de estudar nos próximos
anos, seria irracional se disséssemos
que estamos seguros de que
a PMA avançará nesta ou naquela
direção, em termos futuros”.
O Prof. Gorka Barrenetxea – ginecologista/obstetra
da Clínica
Praxis, diretor médico na
Reproducción Bilbao e professor
na Universidade do País Basco –
refere que Espanha é o país com
o maior número de ciclos de reprodução
assistida da Europa (mais de
100 mil por ano) e o terceiro a nível
mundial, na contabilidade dos ciclos
de tratamento. A cada dia que
passa, 200 mulheres iniciam estimulação
ovárica neste país e 9 recebem
3 embriões por transferência
ecoguiada. Não é pois de estranhar,
que nos centros especializados
de Medicina Reprodutiva
em Espanha, como aquele em que
trabalha o Prof. Gorka, seja vasta
a experiência na otimização dos ciclos
de tratamento e na estimulação
ovárica. De acordo com o especialista
basco, é “preciso entender
que as mulheres que acompanhamos
no século XXI não estão
dispostas a suportar planos de estimulação
pesados, demorados e
incómodos, da mesma forma que
No centro
especializado
Reproducción
Bilbao, as mulheres
com baixa taxa
de resposta à
estimulação
acompanhadas
pelo Prof. Gorka
Barrenetxea e sua
equipa registam
um período médio
de estimulação
de 10 dias com
Bemfola, fazem em
média 2,6 e após
a colheita de 12 a
18 ovócitos viáveis
é realizada injeção
intracitoplasmática
de espermatozoides
e aconselhado
diagnóstico
genético préimplantacional.
não toleram em grande medida
que os tratamentos acarretem efeitos
secundários. Não estão dispostas
a fazer tratamentos com a duração
de um mês, submetendo-se a
injeções múltiplas, várias análises
de controlo, até porque muitas das
mulheres que acompanhamos são
doadoras de ovócitos e querem retomar
de forma rápida a sua atividade
laboral ou académica”.
Nos objetivos dos ciclos de reprodução
assistida e da estimulação
ovárica deve também estar presente
a noção de que o número
adequado de ovócitos a obter deve
ser o máximo possível nas mulheres
com baixas taxas de resposta.
“Existem várias estratégias para
conseguirmos alcançar o máximo
número de ovócitos nestas mulheres
com baixa taxa de resposta,
desde o aumento direto ou indireto
da hormona estimulante dos folículos
(FSH), o incremento da sensibilidade
dos folículos à FSH ou
o aumento do número de tentativas
de estimulação”, referenciou
na Figueira da Foz o Prof. Gorka
Barrenetxea. De 2014 em diante,
tornou-se claro que a evolução e a
utilidade das gonadotrofinas neste
plano passaria sobretudo pela potencialização
das hormonas folículo-estimulantes
humanas recombinantes
(r-hFSH), como a folitropina
alfa, da qual já existem opções farmacológicas
de biossimilares seguros
e de administração cómoda.
maio 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 11
PMA Perspetivas de futuro | especial
O papel dos biossimilares
da FSH e as vantagens
de Bemfola são apreciadas
pelas mulheres
De há quatro anos a esta parte,
Bemfola está aprovado no mercado
europeu e nacional, um medicamento
biológico similar, ou
biossimilar, para estimulação ovárica
que contém a folitropina alfa
como substância ativa. Está disponível
sob a forma de solução injetável
em caneta pré-cheia para
auto-administração.
O Ginecologista basco ressalva
que é importante para os prescritores
e para as mulheres entenderem
que “o conceito de biossimilar
é completamente distinto daquele
que caracteriza um genérico.
Ao biossimilar exige-se que
dê a mesma resposta que o fármaco
original – algo que acontece
no presente com Bemfola face ao
Gonal-f. Depois, cabe-nos escolher
entre o original e o biossimilar
com base em critérios como a comodidade
de administração e outros
parâmetros essenciais”.
E é neste campo que os benefícios
de Bemfola se tornam notórios,
algo comprovado pela experiência
clínica do diretor médico na
Reproducción Bilbao: “dentro dos
produtos de administração diária, o
Bemfola é o mais cómodo para as
mulheres, porque evita que a mulher
se confunda com a dose a administrar
e é muito intuitivo. É, de
facto, muito prático e adaptável na
sua utilização. A mulher pode deslocar-se
para um almoço de negócios,
ou um jantar de família, ausentar-se
por momentos para administrar
o fármaco e o tratamento
está feito até ao dia seguinte”. Para
o Prof. Gorka Barrenetxea, é vital
que os profissionais de saúde tenham
consciência de que no presente
“as mulheres têm uma vida
profissional e social muito agitada
e que os tratamentos de estimulação
devem ser tudo menos inconvenientes,
para mais no enquadramento
de uma gravidez muito desejada
(e por vezes adiada) que
tem implicações na estabilidade
emocional da mulher”.
O Ginecologista basco mostrou
também na Figueira da Foz dados
Num estudo
desenvolvido em
Espanha e que
envolveu 458
mulheres que
iniciavam o seu
primeiro tratamento
reprodutivo em
dez centros
de referência,
o Bemfola foi
considerado pelas
mulheres superior
(com diferença
estatisticamente
significativa) aos
medicamentos
Gonal-f e Puregon,
em domínios
como a dimensão
e discrição do
dispositivo, a
facilidade de uso e
de doseamento.
de um estudo espanhol que procurou
avaliar a perceção individual
de pacientes sobre a facilidade
de uso e comodidade de três
fármacos de administração diária
destinados à estimulação ovárica:
Bemfola, Gonal-f e Puregon. Um
estudo que envolveu 458 mulheres
que iniciavam o seu primeiro tratamento
reprodutivo em dez centros
de referência de Espanha. No âmbito
desta investigação, o Bemfola
foi considerado pelas mulheres superior
(com uma diferença estatisticamente
significativa) aos outros
dois medicamentos, em domínios
como a dimensão e discrição do
dispositivo, a facilidade de uso e de
doseamento.
Seleção genética
dos embriões aumenta
probabilidade de gravidez
bem-sucedida
No centro especializado
Reproducción Bilbao, as mulheres
com baixa taxa de resposta
à estimulação acompanhadas
pelo Prof. Gorka Barrenetxea e
sua equipa registam um período
médio de estimulação de 10 dias
com Bemfola, fazem em média 2,6
ecografias e após a colheita de 12
a 18 ovócitos viáveis é realizada
injeção intracitoplasmática de espermatozoides
e aconselhado
diagnóstico genético pré-implantacional.
Já no grupo das mulheres
com taxas de resposta consideradas
normais, a equipa faz uso
do potencial do processo de vitrificação,
fazendo regra geral uma
transferência de embrião único
previamente triado por diagnóstico
genético. “Três em cada quatro
embriões transferidos em mulheres
entre os 36 e os 40 anos
sem serem analisados geneticamente
estão condenados, ou seja
resultam em testes de gravidez
negativos ou futuras interrupções.
Ora, se já dispomos hoje de instrumentos
que podem avaliar os
embriões sem lhes causar quaisquer
tipo de danos, então é imperativo
que os usemos e na realidade
todas as mulheres que nos
procuram solicitam que se faça
seleção genética dos embriões.
A nossa obrigação é a de maximizar
a seleção embrionária, para
minimizar as transferências falhadas.
A consequência de todos estes
cuidados é que a nossa taxa
de gravidez por transferência é
de 70,4%”, concluiu o docente da
Universidade do País Basco.
GRPT:044/05/18 KEDP/DACT95
12 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
especial | PMA Perspetivas de futuro
maio 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 13
SAÚDE ONLINE | entrevista
Luís Costa, Diretor do Serviço de Oncologia do Santa Maria
“A investigação leva muito
tempo a chegar às pessoas”
Em entrevista ao Saúde Online a propósito do 3º Congresso Internacional da ASPIC (Associação
Portuguesa de Investigação em Cancro), que decorreu a 10 e 11 de maio, – e ainda antes de começar
a polémica em torno das dificuldades de resposta do serviço que gere no Hospital de Santa Maria
-, Luís Costa mostra-se otimista quando à investigação que se está a fazer na área do cancro mas
lamenta que Portugal não tenha uma estrutura que permita colocar em prática as ideias clínicas.
Quais são os objetivos
deste 3º Congresso
da Associação Portuguesa
de Investigação em Cancro?
É um congresso, que ocorre de dois em dois
anos, em que nós pretendemos divulgar o
que há de melhor na investigação na área
do cancro, em Portugal. Este ano, temos a
particularidade de, além de termos uma participação
muito intensa da parte dos grupos
de investigação em Portugal. Também temos
pessoas de universidades estrangeiras que
submeteram comunicações científicas para
este congresso – isto é algo que é, posso
dizer, inédito para um congresso nacional -,
ou seja, atrair investigação de outros países
para ser apresentada em Portugal. Neste
congresso, também há um fator que é, de alguma
forma, diferente de muitos outros congressos
na área do cancro: é que, sendo um
evento dedicado à investigação, pretende refletir
aquilo que há desde a parte mais básica
até à parte mais crítica. Portanto, vamos procurar
divulgar o que há, de momento, de melhor
nos resultados de alguns dos grandes
temas na área. E também temos a oportunidade
de apresentar o que se está a fazer
em Portugal – as universidades do Minho, de
Lisboa, do Porto, Faro vão estar representadas
através dos seus investigadores, que
submeteram trabalhos para serem discutidos
pelos participantes. Dos 130 trabalhos
que foram submetidos, 8 foram selecionados
para apresentação oral.
Que temas abordam esses trabalhos?
Temos trabalhos que vão desde a área da resistência,
ao tratamento do cancro do cólon.
Temos também, dentro dos posters que foram
selecionados, “highlights” para poster de
14 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE
grande qualidade (escolhemos só 20% para
poderem ser premiados como “highlights”),
que desenvolvem trabalhos muito interessantes
e que são coisas que dignificam o país –
muitas dessas coisas, que provavelmente não
foram publicadas – poderão vir a ser publicadas
num futuro breve porque se trata de trabalho
com qualidade.
Este congresso tem, pelo menos, duas rodas
principais: uma é o programa de speakers
convidados, em que nós escolhemos temas
muito importante na área do cancro que ainda
não estão resolvidos; e escolhemos sempre,
em paralelo, um speaker com maior currículo
na área clínica e um speaker com maior currículo
na área da investigação básica. Portanto,
vamos falar das questões que já estão resolvidas
e daquelas que estão por resolver e que
aplicabilidade clinica é que temos dos conhecimentos
atuais.
Às vezes fica a sensação de que – e
pegando na questão da “aplicabilidade
prática” de falou há pouco – se faz
muita investigação neste área, até com
resultados positivos, mas que essa
inovação demora a chegar às pessoas.
É verdade. Por natureza, a investigação leva
sempre muito tempo a chegar às pessoas.
Esse é um dos aspetos que vai ser discutido
neste congresso, num dos simpósios-satélite.
Como é que se organizam ensaios clínicos,
porque que é que a profissionalização
dos ensaios clínicos é tão importante para
que Portugal tenha acesso aos ensaios clínicos
e para que eles deem respostas mais rápidas
sobre aquilo que é preciso para tratar
os doentes. Ou seja, para saber se as boas
ideias que saíram da parte básica, quando
começam a ser testadas nos doentes, possam
resultar em respostas e para que possamos
dizer “sim senhor, isto é um tratamento
novo” ou “ este é um novo teste diagnóstico
ou um biomarcador novo” – isto para
que possamos entender o prognóstico da
doença.
Mas temos outros temas interessantes. Um deles
é a Rede Europeia de Referenciação para
o cancro hereditário, que corresponde a cerca
de 10% dos cancros.
Isso tem a ver com a forma como as
pessoas devem ser avisadas de que têm
uma predisposição para ter cancro?
Não só avisadas que têm essa predisposição,
mas acompanhadas se tiverem um
cancro que surgiu nesse contexto. Um cancro
que surge em contexto hereditário pode,
em alguns aspetos, ser diferentes do tratamento
de um cancro numa pessoa que
não tem esse fator. É um aspeto prático da
discussão.
Na sua opinião, falta uma estrutura, em
Portugal, que consiga colocar em prática
as ideias que resultam da investigação?
Sobretudo, temos falta de uma plataforma,
em Portugal, que permita agilizar boas ideias
para aplicação clínica. Não temos, neste momento,
plataformas facilitadoras de networking,
porque isso também é um investimento
económico importante. Do muito dinheiro que
nós aplicamos – dos contribuintes e do orçamento
de estado para a investigação – falta a
existência de uma plataforma que permitisse
que as melhores ideias clinicas pudessem ser
levadas à prática para verificar se, realmente,
representam ou não uma novidade para os
doentes. Vamos dar um exemplo: em Braga,
alguém tem uma ideia muito interessante para
aplicar em doentes com cancro da mama.
Mas, para se testar, isso implicaria fazer um
estudo, não em 50 ou 100 doentes, mas em
400 ou 500 doentes. Obviamente que nenhum
hospital sozinho tem capacidade para
incluir 500 doentes num ensaio clinico. Mas
com o networking de hospitais envolvidos –
dez ou quinze hospitais, com cada um a colocar
entre 5 e 15 doentes -, conseguiríamos
«A imunoterapia vai
continuar a ser uma área
de grande valor
no tratamento do cancro»
atingir esse volume.
Seria uma estrutura governamental?
Não tem de ser governamental mas tem de
ser apoiada pelo estado. Quando dizemos
“apoiada pelo estado”, os fundos que podem
apoiar esta plataforma de apoio à investigação
clinica não têm de vir todos do estado.
Acho muito bem que o estado peça uma contribuição
às indústrias farmacêuticas e também
às industrias que têm tecnologias a ser
aplicadas na saúde – e que o estado paga
para que sejam colocadas ao serviço dos
utentes. Obviamente que tinha de ser algo
que seja independente e auditável, que seja
controlado – num certo sentido pelo estado
– mas que tenha autonomia de gestão e capacidade
de captar fundos de entidades privadas.
Se esta plataforma existisse, nós teríamos
certamente muitas entidades privadas
(indústrias farmacêuticas e não só) interessadas
em desenvolver estudos com
ideias que tivessem surgido de investigadores
portugueses.
O que é que Portugal não consegue
oferecer aos investigadores
portugueses? Muitas vezes estes
saem do país e têm resultados
brilhantes no estrangeiro.
Há alguns que saem para fazer investigação
básica, para “fazer currículo” ou porque
querem estar com os melhores – muitos
deles já voltaram. Nós temos, neste
momento, investigadores básicos notáveis
em várias áreas. No que diz respeito à investigação
clínica é que nós estamos muito
débeis, estamos numa fase muito pouca
madura do desenvolvimento de estudos
académicos. E quando digo estudos académicos
não estou a falar de teses de doutoramento
e mestrado – que também são
válidas e honrosas – mas sim de estudos
que impliquem dimensão e impacto internacional
para que consigam colocar Portugal
na rota daquilo que é a descoberta na medicina.
A descoberta na medicina não é só
descobrir um recetor ou um possível alvo
terapêutico que é publicado numa revista
como a Nature, mas também é descobrir
como se aplica.
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 15
SAÚDE ONLINE | entrevista
Mas essa ambição em relação
ao papel que Portugal pode
vir a ter não é colocar a fasquia
demasiado alta?
Não, não. A Áustria, com oito milhões de habitantes,
faz isto, através de grupos cooperativos.
E Portugal tem uma medicina muito qualificada
e nós poderiamos perfeitamente, se
conseguíssemos ter uma estrutura mais profissionalizada
em termos de investigação clinica,
sermos mais “players” no âmbito internacional
e, com isto, captarmos mais fundos para investimento
em Portugal.
Daqui a 30 anos, em 2050,
as previsões apontam para
que uma em cada duas pessoas venha
a ter algum tipo de cancro. Como
é que se combate este flagelo?
Há aspetos que são quase incontornáveis.
Cada vez há mais cancros porque nós vivemos
mais tempo, e ao vivermos mais tempo, pagamos
esse preço. O cancro está relacionado,
muitas vezes, com erros na replicação das células
e, como as células estão em constante renovação
ao longo da nossa vida, quanto mais
tempo vivermos maior risco de termos cancro.
Mas há aspetos que dizem respeito ao nosso
estilo de vida. Um dos fatores mais associados
à incidência de cancro é um mau índice de
massa corporal e a inatividade física. Nós, em
geral, temos uma sociedade em que as pessoas
têm tendência para a obesidade e isso
cria, só por isso, um risco acrescido para desenvolver
cancro – estou a falar dos cancros
mais frequentes, como o cancro da mama, da
próstata, do cólon, que estão associados a
um mau índice de massa corporal. O que há
a fazer? Além de ter de haver um programa de
educação…
Sim mas a minha pergunta
ia para além disso, ou seja,
o que se pode fazer mais
para além da sensibilização.
Se vamos ter de lidar com uma maior incidência
de cancro, aquilo que nos resta é tentar
diagnosticá-lo o mais cedo possível. Temos
de evoluir, até do ponto de vista tecnológico,
para métodos eficientes de detetar o cancro
numa fase em que este possa ser mais facilmente
controlável e curável. Temos alguns métodos
de rastreio que são conhecidos mas precisamos
no futuro de desenvolver métodos laboratoriais
mais simples que nos permitam dizer
quais são as pessoas que estão em maior
risco e como poderíamos sinalizar quais as
pessoas que deviam fazer exames para detetar
cancros muito letais. Há uma investigação
em curso nos EUA nesse sentido.
Portanto, para além da educação, temos de
desenvolver métodos validados do ponto de
vista científicos que nos permitam encontrar
cancros muna fase mais precoce. Nós estamos
a aumentar a vida das pessoas com cancro
em estádio avançado mas raramente as
conseguimos curar. Até mesmo agora com as
melhores terapêuticas – imunoterapia – nós
podemos almejar a cura de entre 10 a 20%
destas pessoas.
Em relação ao tratamento,
em que ponto estamos no que diz
respeito à medicina de precisão,
ou seja, à capacidade de dar
um tratamento personalizado/
individualizado a cada pessoa?
Nalgumas áreas já demos passos concretos.
Por exemplo, há alguns cancros do pulmão
que não se tratam com quimioterapia desde o
início, podem tratar-se com terapêutica biológica
dirigida ao recetor que existe no cancro.
Hoje em dia há a possibilidade de determinar
se, durante o tratamento, esta pessoa está a
desenvolver ou não uma resistência ao medicamento
– e aí pode mudar de medicamento.
Isto é uma forma de fazer medicina mais precisa,
no sentido de perceber que houve uma
modificação no comportamento daquele tumor
e que isso exige a modificação do medicamento.
Acho que no futuro vamos fazer isto
com mais facilidade para muito mais tumores
mas, neste momento, os exemplos de medicina
de precisão existem mas não correspondem
à maioria do tratamento dos cancros.
O que é que podemos
esperar em termos de inovação
na área das tecnologias/
tratamentos de combate
ao cancro nos próximos anos?
Claramente, a imunoterapia vai continuar a ser
uma área de grande valor no tratamento do cancro.
Não tenho dúvidas disso porque vamos ter
várias formas de imunoterapia e isso vai continuar
a dar resultados muito importantes. Um
outro desafio é ultrapassar a resistência aos
tratamentos que já existem. E uma terceira
área muito importante, que é conseguir identificar
qual é o verdadeiro prognóstico dos cancros.
Porque há cancros para os quais a cirurgia
chega perfeitamente e nós precisávamos de
estar a fazer mais tratamentos cheios de efeitos
secundários; mas há outros, que, à primeira
vista pareciam bastante controláveis só que cirurgia,
e que depois surpreendem. Esta área vai
ser muito importante para termos uma caracterização
daquilo que é o risco de recidiva dos cancros
e partir daqui sabermos que pessoas vão
tratar melhor logo de início.
SO
16 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
nacional | SAÚDE ONLINE
Relatório do OPSS arrasa Governação
Hospitais em pré-falência
e “à beira de um ataque de nervos”
Os hospitais públicos estão endividados e “à beira de um ataque de nervos”, mostrando que a
crise económica continua no setor hospitalar. O relatório do Observatório Português dos Sistemas
de Saúde (OPSS) traça um retrato negro do SNS: volta a alertar para a suborçamentação e falta
de investimento no sistema nacional de saúde, lembra que se mantém a cultura dos “jobs for the
boys” nas administrações dos hospitais, sublinha a estagnação ao nível dos cuidados continuados,
avisa que não se sabe quantos profissionais de saúde estão a exercer em Portugal.
O
quotidiano dos hospitais
é marcado pela ameaça
de necessidade de injeção
de dinheiro e há nas unidades
do SNS falta de liquidez e
um aumento do ‘stock’ da dívida
a fornecedores, o que tem “conduzido
à prática de entregas de
verbas a título extraordinário aos
hospitais”.
Finanças limitam
autonomia
Segundo o documento, isto
ocorre em grande parte porque
a tesouraria dos hospitais
é determinada centralmente
pelo controlo de autorizações
do Ministério das Finanças, enquanto
o ciclo económico das
unidades é estabelecido através
de um orçamento preparado
e monitorizado pelo Ministério da
Saúde. “[os hospitais] não têm
capacidade de renovar equipamento,
não têm capacidade para
fazer contratações nem para ter
flexibilidade na gestão. Estão
completamente aprisionados pelas
ARS [administrações regionais
de saúde], as ARS estão
aprisionadas pelo Ministério da
Saúde e o Ministério da Saúde
está totalmente aprisionado pelo
Ministério das Finanças”, denuncia
o Bastonário da Ordem dos
Médicos.
Os hospitais vivem, assim, limitados
para realizar despesas correntes
e de investimento. “No
país, a crise económica acabou,
mas no setor hospitalar continua”,
resume o relatório. “Hoje, uma direção
num hospital sabe que vai
ter dinheiro para pagar aos recursos
humanos até ao fim do ano,
mas sabe que, à partida, não vai
ter dinheiro a partir de determinado
mês (junho/julho) para pagar
os medicamentos”, alerta
Miguel Guimarães.
O endividamento do SNS é outras
das matérias também contida no
relatório, com Ana Rita Cavaco,
bastonária da Ordem dos enfermeiros,
a lembrar que a dívida do
SNS é hoje maior do que aquela
que existia quando a ‘troika’ chegou
a Portugal em plena crise financeira.
“Neste momento é um
buraco negro e tem que ter um
fim”, advertiu a bastonária.
O Observatório identifica ainda
uma estagnação da reforma hospitalar
e aponta o dedo à instabilidade
gerada com a formação
do atual governo: “O tempo
da reforma hospitalar foi afetado
não só pelo quadro de restrições
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 17
SAÚDE ONLINE | nacional
financeiras, mas também pela incerteza
gerada pela solução governativa
inovadora. O tempo de
lançamento de reformas estruturantes,
tipicamente no início das
legislaturas, foi condicionado
pela capacidade de obtenção de
ganhos rápidos que justificassem
a solidez dessa mesma solução”.
Foi criada uma coordenação nacional
para a reforma dos cuidados
de saúde hospitalares, mas
não são conhecidos os resultados
globais do seu funcionamento. Os
autores do relatório questionam
também “o grau de prioridade
desta área para o Governo”.
Retrato preocupante
Globalmente, a análise feita ao
setor público da saúde nos últimos
dois anos aponta para um
setor hospitalar endividado, cobertura
insuficiente pelos cuidados
de saúde primários, medidas
simples e efetivas de saúde pública
ainda por tomar.
A marcar passo está também o reforço
dos cuidados continuados.
As metas estabelecidas apontavam
para um acréscimo de 9%
dos lugares de internamento e de
cuidados domiciliários em 2017,
que resultaria em 8.843 camas, no
final do ano. Mas o objetivo não foi
atingido. O número de lugares nos
cuidados continuados integrados
(internamento) aumentou 1.048
nos últimos três anos.
Contudo, em março deste ano,
havia menos 655 vagas nos cuidados
continuados domiciliários,
em relação ao mesmo mês
de 2015. A diminuição de cerca
de 10% nas vagas domiciliárias
demonstra que um dos objetivos
centrais da reforma da
Rede Nacional de Cuidados
Continuados Integrados (RNCCI),
que era “privilegiar a domiciliação
e as respostas comunitárias, não
foi ainda alcançado”.
Ainda os “jobs
for the boys”
Outra crítica deixada prendese
com o facto de as administrações
dos hospitais continuarem a
ser escolhidos tendo como base
“Hoje, uma direção num hospital
sabe que vai ter dinheiro para
pagar aos recursos humanos até
ao fim do ano, mas sabe que,
à partida, não vai ter dinheiro
a partir de determinado mês
(junho/julho) para pagar os
medicamentos”, alerta Miguel
Guimarães, Bastonário da Ordem
dos Médicos
Ana Rita Cavaco, bastonária
da Ordem dos enfermeiros,
lembra que a dívida do SNS é
hoje maior do que aquela que
existia quando a ‘troika’ chegou
a Portugal em plena crise
financeira. “Neste momento é
um buraco negro e tem que ter
um fim”, adverte a bastonária
o amiguismo político. “Apesar
da mudança na forma de seleção/nomeação
dos membros
dos conselhos de administração,
o processo é praticamente
o mesmo, mantendo-se o forte
pendor de confiança política”,
alertam os relatores. Mesmo com
a entrada em cena da CRESAP
- entidade estatal que foi criada
“Não sabemos quantas pessoas
trabalham na Saúde: é estranho,
não é? A falta de informação
trabalhada, metódica e de
qualidade paga-se com erros”,
disse Barros ao Expresso, dando
o exemplo de outros países. “Nos
Estados Unidos ou no Brasil há
informações na Internet sobre as
pessoas que morrem. Sabemos
de que morreram, quantidade
e onde. Isto não é considerado
invasão de privacidade,
até porque não consta o nome,
mas há informações”
com o objetivo de despartidarizar
a administração pública -, a situação
na área da saúde manteve-se
“praticamente inalterada”.
Ana Rita Cavaco, considera que
o SNS está transformado numa
“espécie de castelo onde os príncipes
e as princesas com cartão
partidário” arranjam o lugar que
não lograram alcançar na Função
Pública, naquilo que reconheceu
ser um novo paradigma de “jobs
for the boys”. Em sua opinião,
esta utilização do SNS para tais
propósitos alheios ao interesse
público “tem criado muitos constrangimentos
nos serviços de
saúde”.
A desvalorização da avaliação
de desempenho das administrações,
que nunca chegou a avançar,
é outro dos pontos referidos.
O Observatório dos Sistemas de
saúde sublinha que “a avaliação
é fundamental para consolidar/
aprofundar a fiabilidade do sistema
de seleção dos membros do
conselho de administração, a garantia
da eficiência das políticas
públicas e a prestação de contas/
responsabilização pelos resultados
dos gestores públicos”.
Talvez mais surpreendente é o
facto de não se saber ao certo
quantos profissionais de saúde
estão a trabalhar em Portugal.
Nas profissões reguladas, explica
o relatório, o registo nominal
dos profissionais habilitados
é obrigatório, sendo feito pelas
ordens profissionais ou, em
casos de estas não existirem,
pela Administração Central do
Sistema de Saúde. No entanto,
esse registo não revela quantos
profissionais estão disponíveis
para exercer e quantos estão
efetivamente a exercer. Só há
registo dos que estão habilitados/
disponíveis.
Este é apenas um indício de um
problema ainda maior: a falta de
informação. O professor catedrático
de Medicina Henrique Barros
avisa que a falta de informação
gera desperdícios. “Não sabemos
quantas pessoas trabalham na
Saúde: é estranho, não é? A falta
de informação trabalhada, metódica
e de qualidade paga-se com
erros”, disse Barros ao Expresso,
dando o exemplo de outros países.
“Nos Estados Unidos ou no
Brasil há informações na Internet
sobre as pessoas que morrem.
Sabemos de que morreram,
quantidade e onde. Isto não
é considerado invasão de privacidade,
até porque não consta o
nome, mas há informações”.
Confrontado com estas conclusões,
o ministro da Saúde admitiu
que “é impossível resolver em dois
anos os problemas acumulados
há oito ou nove anos”. No entanto,
garantiu que o governo “está a fazê-lo,
com prudência”. “Os cidadãos
sabem que não passámos
de dificuldades para o país das
maravilhas. Há ainda dificuldades.
Mas imagine o que seria em 2012,
com menos oito mil profissional,
menos 700 milhões de euros de
transferências correntes, menos
mil milhões de euros de capital estatutário”,
acrescentou Adalberto
Campos Fernandes.
LUSA/SO
18 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
especial
USF 3 Rios
Uma década a inovar
para melhor servir
Prestes a completar dez anos, no próximo mês de julho, a USF 3 Rios
continua a manter o foco na inovação. Para além de ter implementado
um inovador sistema de comunicação interno, o coordenador da USF 3
Rios, Álvaro Mendes, destaca a aposta na formação constante
dos seus profissionais e na interligação com o hospital local.
USF 3 Rios
uma iniciativa
À semelhança do que acontece com os profissionais da USF 3
Rios, o nível de satisfação dos utentes também é elevado – 93%.
Em dez anos, apenas foi registada uma reclamação nesta USF.
Abriu portas à comunidade
que serve, fará em julho
próximo 10 anos. Uma década
de inovação no novo modelo
de organização dos cuidados de
saúde primários que permite servir
uma população estimada em
11800 utentes. Na confluência
dos rios Tâmega, Douro e Sousa,
a USF 3 Rios tem sabido dar uma
resposta de qualidade, confirmada
pela satisfação manifestada por
utentes e também pela equipa, vertida
em inquéritos de satisfação
realizados periodicamente.
Sempre focada na qualidade dos
cuidados de saúde prestados à
população, a USF 3 Rios evoluiu
desde 2008. Começou no modelo
A, o primeiro patamar de
organização, evoluindo muito rapidamente
(menos de um ano depois)
para o modelo B, no qual a remuneração
é sensível ao desempenho
e o trabalho assistencial
cresce.
A vontade de inovar integrou,
desde o início, o ADN de uma
equipa multiprofissional e ainda
hoje se mantém, como sublinha o
coordenador da unidade, o médico
Álvaro Mendes, que mantém viva a
ambição de inovar em áreas como
a investigação e a formação dos
profissionais. Isto porque, diz, não
gosta quando ouve uma USF dizer
que está em velocidade de cruzeiro.
“Se a minha estiver, eu doulhe
um empurrão”, assegura o médico
de família.
À equipa original juntaram-se novos
elementos sendo hoje constituída
por 6 médicos, igual número
de enfermeiros e 5 secretários clínicos.
A que se juntam mais 4 internos
de MGF. Para além de multidisciplinar,
a equipa desta Unidade é
caracterizada pela diversidade etária
dos seus elementos, com profissionais
muito experientes e outros
mais jovens -, o que também
reflete a composição demográfica
do concelho de Penafiel. “Um concelho
com “uma pirâmide [etária]
de base larga”, explica o coordenador
da unidade.
O processo de candidatura ao
Modelo B foi relativamente simples,
recorda Álvaro Mendes, tendo contado
com o apoio precioso da Equipa
Regional de Acompanhamento
(ERA) que apoiou todo o processo
de acreditação que aprovou a mudança
de modelo e que “foi homologado
pela ARS [do Norte] a 1 de julho
de 2009”.
Com a passagem para o modelo
B, aumentou a responsabilidade,
com a USF 3 Rios a ficar obrigada
a suportar níveis de desempenho
mais exigentes e garantir também
níveis avançados de acesso para
os utentes. Uma década depois, o
desafio foi, não só atingido, como
até tem sido superado. Apesar de
a sua área de atuação se estender
a praticamente todas as freguesias
do concelho de Penafiel, esta
Unidade não tem doentes a descoberto.
A 3 Rios assegura o atendimento
a cerca de 11800 pessoas,
quando o compromisso contratualizado
com a Administração
Regional de Saúde do Norte
(ARSN) é de 11500 utentes, aponta
Álvaro Mendes.
Já o tempo de espera para uma
consulta é de cerca de cinco dias.
O coordenador desta USF revela
que a lista de espera nunca chega a
uma centena e que existe um “movimento
interno informal” para limitar
os tempos de espera por atendimento
e gerir prioridades. A USF 3
Rios garante uma acessibilidade na
ordem dos 97%. Álvaro Mendes diz
mesmo que a Unidade que dirige é
“praticamente um SAP [Serviço de
Atendimento Permanente]”, uma
vez que, em situações urgentes, o
utente é atendido imediatamente.
Entre as mudanças introduzidas
ao longo dos dez anos de atividade,
o médico destaca a importância
que foi dada à qualidade
do atendimento telefónico à população.
“Tornei o atendimento prioritário”,
refere Álvaro Mendes. Por
outro lado, de modo a não perturbar
a consulta e a interação entre
médico e doente, está implementado
na USF 3 Rios um inovador
sistema em que a comunicação
entre médicos, enfermeiros e secretários
clínicos é feita através de
Skype. Álvaro Mendes, que mantém,
ainda assim, um telefone no
seu gabinete, garante que este só
é utilizado em situações urgentes.
Ao nível das instalações, tanto a
sala de espera como a área infantil
foram aumentadas. Aproveitando
Dr. Álvaro Mendes, Coordenador da USF 3 Rios: “Não gosto
quando oiço uma USF dizer que está em velocidade de
cruzeiro. Se a minha estiver, eu dou-lhe um empurrão”.
Na USF 3 Rios, o atendimento telefónico é prioritário.
Por outro lado, de modo a não perturbar as consultas,
a comunicação entre profissionais é feita via Skype.
USF 3 Rios
especial
um espaço vazio no interior do edifício,
foram também construídos
mais dois gabinetes – o que permitiu,
recentemente, incluir mais um
médico na equipa. Outra conquista
foi o fim do quarto de banho único
(agora existe um para cada sexo).
Obras permitem
melhorar atendimento
A enfermeira-chefe Maria Santos,
interlocutora na equipa deste
grupo profissional recorda que há
10 anos a USF não oferecia condições
de trabalho, o que fazia com
os enfermeiros apenas pudessem
atuar na vertente curativa. Uma limitação
alterada com a realização
de obras, que vieram permitir colocar
o foco na prevenção.
Obras concluídas, o próximo
grande desafio prende-se com o
processo de acreditação. Álvaro
Mendes admite que o processo
está a ser complicado. “Já nos candidatamos
há muitos anos e continuamos
à espera”, lamenta o coordenador
da USF 3 Rios, que garante
que a Unidade tem-se candidatado
todos os anos ao processo
de acreditação pelo modelo de
Acreditação da Agencia de Calidad
Sanitaria da Junta de Andalucia,
o modelo adotado em Portugal. E
candidatam-se através dos incentivos
institucionais, a que todos os
anos têm direito, na totalidade, mas
que nunca receberam.
Também as sucessivas tentativas
por parte da Unidade de alargar
o leque de serviços prestados
aos utentes têm esbarrado nas dificuldades
financeiras do poder central.
Álvaro Mendes revela que tem
feito várias propostas de carteiras
adicionais, mas que estas têm sido
recusadas. “Fiz uma proposta de
alargamento aos fins-de-semana
porque entendo que os cuidados
de saúde primários têm de ter proximidade”,
diz o médico. O facto
de o Hospital Padre Américo estar
muito perto da USF foi o motivo
apontado pela ARS para a recusa.
Outra proposta foi a de estender o
serviço de enfermagem ao fim-desemana.
À data foi comunicado à
A enfermeira-chefe Maria Santos destaca o facto de as obras
terem permitido colocar o foco da atividade dos enfermeiros
na prevenção e não tanto na vertente curativa.
USF que teria de ser avaliado todo o
Agrupamento de Centros de Saúde
(ACES) e o alargamento nunca
avançou. “Fizemos outra proposta
na área da pequena cirurgia porque
havia duas pessoas, eu e outro colega,
com grande experiência – ganha
em muitos anos de urgência”,
lembra Álvaro Mendes. Neste caso,
a proposta foi recusada de imediato
devido aos custos associados. Isto
apesar de, como garante o coordenador
da USF 3 Rios, no hospital os
procedimentos cirúrgicos gerarem
um custo superior para o Estado.
A interligação com o hospital nem
sempre é fácil. Álvaro Mendes
refere que o hospital Padre
Américo, que está integrado no
Centro Hospitalar do Tâmega e
Sousa, está subdimensionado para
a população que serve e que, por
isso, a referenciação para algumas
especialidades é difícil. Numa atitude
proativa, a USF 3 Rios começou
a desenvolver o projeto “As tertúlias
– Mudar Comportamentos”,
em que a USF, a VMER e a urgência
do hospital se juntam para falar
de situações de emergência que
possam aparecer nos cuidados
de saúde primários. “Nós queremos
mudar comportamentos, ouvir
a opinião do hospital – o que eles
esperam de nós, o que nós podemos
fazer. Já fizemos uma tertúlia
sobre Cardiopatia Isquémica.
E em junho temos agendada outra,
sobre Síndromes Metabólicos
e, lá para Outubro, de Síndromes
Respiratórios Agudos”, concretiza
o coordenador da USF 3 Rios.
Ao nível da formação, a Unidade
tem uma estrutura, o conselho técnico,
que faz a recolha das vontades
de cada profissional. Depois,
ao longo do ano, a USF vai promovendo
várias formações relacionadas
com os temas propostos. Por
vezes, o objetivo também é sensibilizar
os profissionais para o uso
eficiente dos recursos. “Havia um
excesso de pedidos de raio-x lombar,
“que é mais para satisfação do
doente do que outra coisa. Mas com
formação, o número de pedidos diminuiu”,
exemplifica Álvaro Mendes,
que acrescenta que pede aos médicos
para não prescreverem “medicações
que não sejam necessárias”
e para que recorram cada vez
mais aos genéricos. De dois em
dois anos, a USF promove também
um curso de suporte básico de vida.
Pesem os indicadores financeiros
contratualizados, cujo cumprimento,
pela USF, é mandatório,
o coordenador da USF 3 Rios
garante que nunca sofreu pressões
para que reduzisse os gastos
na sua Unidade. Aliás, tal como
as metas operacionais, também
os objetivos financeiros têm sido
atingidos. A USF cumpre com a
redução dos gastos em medicamentos
e meios complementares
de diagnóstico e terapêutica
que estão contratualizados com a
Administração Central do Sistema
de Saúde (ACSS).
Álvaro Mendes assegura que, na
USF 3 Rios, existe um espírito de
equipa muito forte. “Estes profissionais
rasgam a camisola porque
existe camisola”, reforça. Já a enfermeira
Maria Santos, afirma, em
jeito de balanço, que o projeto tem
valido a pena. O nível de satisfação
dos doentes está acima dos 93% e,
em 10 anos, a USF apenas registou
uma reclamação. Indicadores
de sucesso.
PP-GEP-PRT-0085
“O Conteúdo e as afirmações expressas nesta publicação são da exclusiva responsabilidade do(s) Entrevistado(s).”
USF 3 Rios
SAÚDE ONLINE | entrevista
Robert Dunn
Professor do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual da Carolina do Norte
“Big data e microbioma serão
as grandes áreas no futuro da medicina”
Em abril, a MSD promoveu um simpósio dedicado ao Coração, inserido no Congresso Português de Cardiologia (CPC),
com o objetivo de debater o futuro da medicina cardiovascular, com especial foco no papel das estatinas no tratamento
do colesterol. O painel de discussão contou com a participação do professor e biólogo norte americano Robert Dunn,
convidado de honra da farmacêutica, que ao Saúde Online destacou a importância da Biologia no desenvolvimento de
novos tratamentos farmacológicos.
O
que é importante reter
do simpósio MSD no CPC?
A chave é perceber que volvidos tantos
anos, os problemas com o coração mantêm-se
os mesmos: elevados índices de lípidos, colesterol
e inflamação. O sucesso está em discutir
formas de como reduzir esses problemas.
No simpósio, falei sobre como as descobertas
na redução do colesterol dependem da forma
como olhamos para a natureza na busca de
soluções. Por exemplo, as estatinas, o principal
fármaco para reduzir o colesterol, provém
de fungos selvagens.
E de que forma a natureza pode
contribuir para o campo da medicina
cardiovascular?
Novos medicamentos, novas soluções. Na
Europa, temos algo como 4000 espécies de fungos
e apenas analisámos perto de mil para a produção
de novos fármacos. Só agora é que começamos
a explorar as diferentes formas como
a natureza pode resolver os nossos problemas.
Durante o Simpósio apresentou
a sua obra científica “O homem
que tocou no seu coração”. Porque
foi importante fazê-lo neste evento?
Sou ecologista e biólogo, portanto tenho uma
perspetiva ampla quando abordo os problemas
humanos. Este congresso é para cardiologistas
que se focam diariamente em curar as pessoas.
Como tal, penso que trazer essa abordagem
a estes peritos é uma excelente forma
de garantir que estamos a considerar todos os
problemas e a colocá-los num grande contexto.
Também falou um pouco sobre a história
das estatinas no tratamento do colesterol.
O que destaca nesse relato?
Contei a história de Akira Endo, o cientista japonês
associado à descoberta deste grupo
de fármacos. Penso que o que precisamos
de recordar dessa história é que muitas vezes,
como neste caso, descobrimos um novo
medicamento e depois ficamos por aí. Temos
que relembrar o valor da pesquisa inicial e
continuar a desvendar novas formas de resolver
os nossos problemas. A história das estatinas
é um excelente exemplo disso mesmo.
E como podemos chegar
a essas novas formas?
Por exemplo, existem milhares de espécies
de fungos, globalmente, que pertencem ao
mesmo grupo do tipo que produz as estatinas,
mas apenas olhamos para uma mão cheia deles.
Temos ainda muito trabalho pela frente no
sentido de encontrar novas formas para reduzir
o colesterol e a inflamação.
Estamos a falar de um fármaco
que tem sido alvo de muita controvérsia.
A que se deve?
Penso que seja uma falta de confiança geral
e populista na medicina e na ciência que é
muito perigosa, existindo um sentimento geral
de que os médicos e os cientistas não nos dizem
a verdade. Não falo do caso português
em particular, mas numa escala global instalou-se
o medo e a desconfiança em relação
às pessoas que estudam nestas áreas.
O que pode ser feito, no futuro,
para evitar este tipo de polémicas
associadas a medicamentos?
A comunicação entre cientistas, médicos e o
público é muito importante. Não só sobre o que
sabemos, mas como é que sabemos. Temos a
tendência de oferecer uma resposta sem explicar
como é que chegámos a essa conclusão. É
o grande segredo, não intencional, da ciência.
Achamos que as pessoas apenas querem uma
resposta, mas agora está a tornar-se claro que
querem saber como é que chegámos até ela.
Considerando que este simpósio era sobre
o futuro da medicina cardiovascular, como
é que define esse conceito?
No futuro, vamos ter muita data na medicina.
Quando for a uma consulta o médico terá
muita facilidade em sequenciar o seu genoma
e saber que espécies e micróbios é que habitam
em si. A grande questão será como é que
vamos usar estes dados para ajudar as pessoas
sem as assustar. Tem potencial para dar
muitas respostas, mas também poderá ser
problemático. Vai ser um grande desafio para
os próximos dez anos, porque sabemos mais
sobre as pessoas no âmbito clínico, mas será
que sabemos o que fazer e como lidar com
esse conhecimento?
Outra grande área que ganhará relevo no futuro
será a do microbioma. Não é uma questão
totalmente ecológica, trata-se de pegar
num conjunto de espécies e alterá-las de
forma a beneficiar o organismo. É uma grande
área na ciência e será certamente importante
na medicina.
SO
24 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
especial | Inovação do Tratamento Hormonal na Menopausa
Inovação
do Tratamento Hormonal
na Menopausa
1.º e Único Spray Transdérmico
para o Tratamento dos Sintomas da Menopausa1
Envolvida por mitos, divergências de
interpretação científica e muita polémica
ao longo das últimas duas décadas
(grande parte gerada após a publicitação
dos resultados iniciais do estudo Women’s
Health Initiative – WHI), a terapêutica hormonal
da menopausa (THM) é hoje indiscutivelmente
uma ferramenta terapêutica que pode
e deve trazer qualidade de vida às mulheres
que entraram na menopausa há menos
de dez anos, como comprovou o debate nascido
do simpósio «Inovação do Tratamento
Hormonal na Menopausa”, promovido pela
Gedeon Richter durante a 190ª Reunião da
Sociedade Portuguesa de Ginecologia. A
iniciativa foi moderada pela Dr.ª Fernanda
Águas (presidente da Sociedade Portuguesa
de Ginecologia) e pelo Dr. Daniel Pereira
da Silva (presidente da Federação das
Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e
Ginecologia (FSPOG), com intervenções
da Dr.ª Fernanda Geraldes (presidente da
Secção Portuguesa de Menopausa) e do
Prof. Santiago Palacios (Instituto Palacios.
Salud y Medicina de la Mujer) e a presença
ainda no painel de discussão da Dr.ª Ana
Casquilho, do Dr. Cláudio Rebelo e do Dr.
Joaquim Neves.
O debate trouxe à tona a mais recente evidência,
a qual sustenta o recurso à THM
desde que a mulher tenha menos de 60 anos
e antes de que tenha completado 10 anos
como menopáusica. Ficou também bem patente
que a inovação permanece uma tónica
neste campo, com a chegada de novos tratamentos
que facilitam a adesão, como o estradiol
transdérmico administrado por spray,
uma forma ideal num mundo onde a comodidade
e a liberdade são valores centrais.
junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 25
Inovação do Tratamento Hormonal na Menopausa | especial
Para o Prof. Santiago Palacios, a história
da terapêutica hormonal na menopausa
divide-se claramente em quatro períodos
distintos. O primeiro deles reporta-se à era pré-
2002, antes do estudo WHI, em que todos os
estudos observacionais e meta-análises apontavam
para enormes benefícios da terapêutica
hormonal na menopausa para a mulher.
O segundo período arranca com o início do já
referido WHI e a revelação dos resultados do
braço que abarcou doentes tratadas com estrogénio
(estrogénio equino conjugado) e acetato
de medroxiprogesterona, que surpreenderam
de forma negativa a comunidade médica
internacional, do ponto de vista cardiovascular
e em especial ao nível do aumento de risco da
embolia pulmonar e do AVC. “Segue-se um terceiro
período histórico, marcado pela incredulidade
dos especialistas europeus face a estes
resultados do WHI e subsequente reanálise das
metodologias utilizadas então”, explica o Prof.
Santiago Palacios. De acordo com as palavras
partilhadas por este reputado ginecologista junto
dos seus colegas portugueses em Guimarães,
o estudo WHI esteve sempre “ferido de morte”
em aspetos fundamentais, desde logo na seleção
das substâncias farmacológicas a administrar
e nos critérios das mulheres menopáusicas
a incluir no estudo, na sua grande maioria acima
dos 65 anos e com bem mais de 10 anos de
menopausa no seu historial. Perante as incongruências
detetadas no WHI, vários grupos de
investigadores na Europa começaram a desenvolver
estudos centrados na TH da menopausa
mas com diversos sub-grupos etários incluídos.
“Estes colegas aperceberam-se de que entre as
mulheres com menos de 60 anos de idade e/
ou com menos de 10 anos de menopausa ativa,
o tal risco cardiovascular elevado detetado no
WHI não existia”, avançou o Prof. Santiago
Palacios. Foi também nesta fase que se comprovou
que a administração de estrogénio por
via oral, tal como aconteceu no âmbito do WHI,
“tem uma significativa influência na ocorrência
de eventos como trombose venosa, já que o
estrogénio oral origina a produção de proteínas
hepáticas, algo que não sucede com as alternativas
transdérmicas hoje comummente utilizadas,
assim como se recorre a substâncias,
como a progesterona micronizada.”
“O quarto período desta história, aquele que vivemos
hoje, inicia-se em 2016 com um editorial da
Dr.ª Joann Manson – uma das principais investigadoras
do WHI – publicado no New England
Journal of Medicine e que continha quatro mensagens
chave. A primeira passava por um pedido
de perdão, por causa das incorreções técnico-científicas
dos estudo WHI, ausência de
sub-grupos etários, etc. Depois uma segunda
mensagem que indicava que os críticos do estudo
não o tinham entendido (algo que irritou de
Dr.ª Fernanda Geraldes e Prof. Doutor Santiago Palacios
sobremaneira todos na Europa que, tal como eu,
sempre lutaram contra as premissas geradas por
este estudo mal desenvolvido). Em terceiro lugar,
que muitas mulheres estavam a sofrer desnecessariamente
(como se não o soubéssemos).
Por último, a autora afirmava que já sabiam o
que recomendar, o único ponto em que de facto
converge com aquilo que na Europa também já
é prática aceite como correta: recomendar THM
a todas as mulheres com menos de 60 anos de
idade ou menos de 10 anos de menopausa que
possuam sintomas moderados ou graves, capazes
de afetar a sua qualidade de vida. Se possível
por via transdérmica e no caso das mulheres
com útero acompanhada de progesterona micronizada”,
sublinhou o fundador da primeira unidade
de menopausa em Espanha.
A classe médica sabe mais
sobre as potencialidades da TH
na menopausa
Por causa da evolução histórica atrás descrita
e de todos os mitos, erros de conceção e
cristalização de más práticas, a verdade é que
as últimas duas ou três gerações de ginecologistas
formados não foram treinadas para conhecer
e manusear bem as terapêuticas hormonais
em contexto de menopausa. Um problema
que urge ultrapassar o mais cedo possível, garante
o Prof. Santiago Palacios: “estes colegas
têm a obrigação de se atualizarem e de saberem
o que fazer. A população está a envelhecer
e os ginecologistas portugueses vão passar a
ter na sua consulta um número cada vez maior
de mulheres menopáusicas com sintomas moderados
a graves que é forçoso tratar. A ciência
e as suas provas dizem-nos que o gold standard
para estas mulheres é a TH, pelo que já não há
desculpa admissível para deixar estas mulheres
sem o tratamento mais adequado. Reforço,
todas as sociedades científicas relacionadas
com a menopausa nos EUA e na Europa são
unânimes nas suas guidelines e recomendam
o uso da THM, dentro do grupo de mulheres
atrás mencionado, pelo que é algo de mandatório
para os colegas, um imperativo profissional.
Deixou de ser uma questão de convicção”.
26 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
especial | Inovação do Tratamento Hormonal na Menopausa
A via transdérmica é a mais segura,
mas que tipo de dispositivo de
administração deve ser privilegiado?
Já antes do choque provocado pelo estudo
WHI que a comunidade médica sabia que
a via transdérmica de administração de terapêutica
hormonal era mais segura do que
a via oral, uma vez que pode evitar muitos
dos efeitos decorrentes da passagem hepática
associada à via oral. Mas estes dados
foram confirmados por estudos posteriores
importantes, como refere o Prof. Santiago
Palacios: “os estudos ESTHER e E3N (este
último um estudo prospetivo de coorte realizado
em França) vieram demonstrar claramente
que a via transdérmica é mais segura,
quando se analisam todos os parâmetros de
coagulação e eventos trombóticos. Foram
descobertas como esta, que levaram a que
a International Menopause Society, a North
American Menopause Society e a American
Association of Clinical Endocrinologists tenham
deixado claro nas suas normas que a
via transdérmica de administração de estrogénio
é mais segura do que a alternativa oral”.
Existem no presente, contudo, inúmeras opções
de tratamento no contexto transdérmico
(adesivos, gel e mais recentemente solução
para pulverização transdérmica) pelo que é
fundamental que as equipas clínicas saibam
escolher a mais adequada para a mulher. “Os
adesivos têm o problema das potenciais reações
cutâneas, descolam com facilidade e
tornam difícil a individualização da dosagem.
Já o gel obriga a uma maior área de aplicação
para ser eficaz, apresenta uma absorção
díspar e seca de uma forma diferente e complexa.
O spray faz recurso também ao estradiol
transdérmico, mas não possui os inconvenientes
mencionados para os adesivos e gel.
É muito fácil de utilizar, pode ser administrado
em três aplicações rápidas, seca em dois minutos
e mantém um nível homogéneo de absorção.
Ou seja, veio melhorar as opções da
via transdérmica disponíveis até agora”, explica
o especialista madrileno.
Nos países mediterrânicos
a alternativa spray
é particularmente bem-vinda
Grande parte do sucesso da TH na menopausa
passa também pela praticabilidade do
tratamento e pela forma como consegue (ou
não) perturbar ao mínimo a vida da mulher,
circunstâncias que influenciam em grande
medida a adesão à terapêutica e que não raras
vezes são negligenciadas pelos profissionais.
Em geografias mais a sul e mais quentes,
como sucede em Portugal e em Espanha,
é vital que os métodos terapêuticos possibilitem
à mulher a liberdade de poder apreciar
coisas tão simples como o sol e a água do
mar, algo que sucede com a solução para pulverização
transdérmica, que se aplica com facilidade,
seca rapidamente e resiste à água,
sendo portanto compatível com as atividades
normais durante o período estival.
No Instituto Palacios em Madrid (um centro
de referência europeu no tratamento da menopausa)
o Prof. Santiago Palacios e a sua
equipa têm vindo a utilizar o estradiol transdérmico
em spray há mais de um ano e com excelentes
resultados: “quando explicamos às
mulheres como o utilizar e fazemos a primeira
aplicação, a primeira reação é, regra geral, de
surpresa face à facilidade do processo. Depois
sentem-se encantadas com a liberdade que
o método lhes proporciona, por conseguirem
realizar o tratamento de manhã e, cerca de
uma hora depois, terem a possibilidade de tomar
um duche ou ir à praia nadar! Os estudos
demonstraram aliás que a secagem é rápida
e resistente à água, bem como o risco quase
zero de contaminação do companheiro”.
Para este respeitado ginecologista, o estradiol
em spray não podia ter surgido num momento
mais oportuno: “numa fase em que as
recomendações cientificas são tremendamente
fortes no sentido de voltarmos a recomendar
TH à mulher menopáusica que está
a sofrer uma alteração da qualidade de vida,
aparece o estrogénio ideal para cobrir as necessidades
da mulher moderna. É, portanto,
muito bem vindo”.
«Reinventar» o estrogénio
de referência pode ser uma resposta
positiva no controlo dos efeitos
indesejáveis da menopausa
No decurso do simpósio realizado em
Guimarães, a Dr.ª Fernanda Águas frisou que
a inovação no tratamento da menopausa não
implica, necessariamente, “novas moléculas,
já que podemos aproveitar o que temos e conhecemos
bem, e utilizar tais opções de uma
forma diferente. No tratamento destas mulheres,
os pequenos pormenores podem fazer
toda a diferença. Tudo o que surja de novo
que nos permita individualizar a terapêutica e
potenciar todos os benefícios do tratamento
hormonal deverá por nós ser explorado ao
máximo”.
Por outro lado, é fundamental retirar as ilações
certas de grandes estudos realizados antes e
após o grande marco que foi o WHI, explica a
Dr.ª Fernanda Geraldes: “quer relativamente
ao acréscimo do risco cardiovascular, quer ao
aumento do risco do cancro da mama detetados
em grandes estudos internacionais, o
«mau da fita» parece ser o progestativo usado
nas associações terapêuticas, em particular o
acetato de medroxiprogesterona (avaliado no
WHI). A investigação realizada diz-nos que
alguns progestativos apresentam uma ação
que se opõe aos efeitos benéficos dos estrogénios
ao nível cardiovascular. Sabe-se também
que os progestativos com ação androgénica
interferem no perfil lipídico, tolerância
à glicose e nos mecanismos de estimulação
da proteína C-reativa. Estudos mais recentes
têm demonstrado que os derivados norpregnanos
– mas não a progesterona micronizada
– aumentam o risco de tromboembolismo
venoso”. A reforçar a ideia de que o incremento
de risco de cancro da mama apenas
sucede quando é acrescentado na equação
terapêutica um determinado tipo de progestativo,
estão os dados do estudo E3N, divulgados
em Guimarães pela presidente da Secção
Portuguesa de Menopausa: “neste estudo
francês, um número significativo de professoras
foram avaliadas em relação aos carcinomas
ductal e lobular da mama e verificou-se
que com o recurso aos estrogénios isolados
junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 27
Inovação do Tratamento Hormonal na Menopausa | especial
Dr.ª Fernanda Águas
Dr. Daniel Pereira da Silva
Dr.ª Ana Casquilho
ou a associações de estrogénio com progesterona
micronizada o aumento de risco relativo
de cancro da mama era praticamente inexistente,
o mesmo não acontecendo contudo
com as associações de estrogénio e progestativos
sintéticos”.
Ensaios de larga escala mostram que
mulheres mais jovens
e com poucos anos de menopausa
beneficiam de TH
A Dr.ª Fernanda Geraldes ressalvou ainda
que “no grande estudo aleatorizado nórdico
Danish Osteoporosis Prevention Study –
DOPS – que acompanhou mais de mil mulheres
durante dez anos, foi possível perceber
uma redução da mortalidade global, de
casos de AVC, de cancro da mama e de outros
tipos de cancro após uma década de
tratamento hormonal em mulheres mais jovens
e que estavam na fase inicial da menopausa”.
Outro exemplo paradigmático é o
do Kronos Early Estrogen Prevention Study
(KEEPS), estudo com quatro anos e envolvendo
727 mulheres saudáveis entre os 42
e os 58 anos de idade e que se encontravam
nos primeiros três anos da menopausa.
“As mulheres foram divididas em três grupos,
para tomar estrogénios equinos conjugados
orais na dose de 0,45mg/dia, estradiol transdérmico
– 50µg/dia – ou placebo. Em complemento,
as mulheres tomaram progesterona
micronizada cíclica. Por este estudo ficámos
a perceber que o estrogénio oral tinha
um efeito pronunciado na redução do colesterol
LDL e aumento do colesterol HDL, enquanto
o estrogénio transdérmico parece ter
um efeito na redução da sensibilidade à insulina.
Este achado sugere que para uma
mulher que tem fatores de risco para a diabetes
e para a síndrome metabólica, a via
Dr. Cláudio Rebelo Dr. Joaquim Neves
transdérmica deve ser uma primeira escolha.
O estrogénio oral também foi associado a um
efeito protrombótico, pelo que a administração
transdérmica pode revelar-se uma mais
valia entre as mulheres com risco cardiovascular
pré-existente”, concluiu a Dr.ª Fernanda
Geraldes.
Qualidade de vida das mulheres portuguesas
poderia beneficiar muito
com a THM adequada
No nosso país, o número de mulheres com
mais de 50 anos é já substancial e muitas delas
continuam envolvidas em projetos profissionais
e pessoais exigentes. “Não é possível
aumentarmos apenas a esperança de vida
destas pessoas, é nosso dever também promover
a melhoria da sua qualidade de vida,
apostar nas mulheres nesta fase crítica”, testemunha
a Dr.ª Fernanda Geraldes.
De acordo com a ginecologista do Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra, “a terapêutica
hormonal na menopausa é muito eficaz
e segura, sobretudo na mulher mais jovem
e quando se inicia essa terapêutica nos
primeiros dez anos após o início da menopausa.
Todos os estudos prospetivos atuais
demonstram tal realidade”.
O panorama no presente é também mais animador
por causa das novas alternativas na
via de administração transdérmica e que estão
ao dispor da comunidade médica, como
ilustra a presidente da Secção Portuguesa
de Menopausa: “está a entrar no nosso mercado
uma nova formulação transdérmica administrada
por spray e que contém o 17β-estradiol,
o estrogénio mais semelhante àquele
que é produzido pelos ovários da mulher. Por
outro lado, todos os estudos atribuem um perfil
metabólico muito favorável à via transdérmica.
Todos estes fatores contribuem para
que a nova terapêutica se revele extremamente
segura”.
GRPT. 045/05/18
28 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
SAÚDE ONLINE | entrevista
Susana Protásio
Dia Mundial da Esclerose Múltipla
2018: “todos temos um papel ativo”
O Dia Mundial da Esclerose Múltipla, assinalado a 30 de maio, colocou Portugal em Alerta
Laranja e o Saúde Online esteve na Praça dos Restauradores, em Lisboa, para testemunhar as
comemorações. Susana Protásio, vice-presidente da SPEM, deu-nos a conhecer um pouco sobre
o trabalho da associação e desta iniciativa, e o neurologista Carlos Capela falou-nos sobre os
avanços científicos alcançados no tratamento nesta patologia.
Susana Protásio, Presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla
“É para Portugal estar laranja e que
fundamental que hoje as pessoas
entendam que há alguma razão
tenham curiosidade para que consigamos
passar a nossa mensagem”, explica Susana
Protásio, vice-presidente da Sociedade
Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), relativamente
à iniciativa que ‘vestiu’ o país de
cor de laranja pela Esclerose Múltipla.
Com música ao vivo e promotores disponíveis
a fornecer informações sobre a
Esclerose Múltipla à população, as atividades
programadas para este dia tiveram início
na Gare do Oriente, passando pela Praça
Duque de Saldanha e acabando com uma
faixa de “Alerta Laranja” erguida na Praça
dos Restauradores. Susana Protásio destaca
ainda as campanhas feitas previamente, uma
que contou com o apoio de figuras públicas a
«Estamos a falar de uma
doença neurológica que
afeta os jovens. A seguir
aos acidentes com veículos
motorizados, é o segundo
fator incapacidade nos
jovens adultos no mundo
inteiro»
reforçarem a importância do doente no centro
da decisão e outra que pedia às pessoas que
demonstrassem que são uma rede de apoio
da Esclerose Múltipla, fazendo rodas e dando
as mãos.
Até para quem não tem a doença ou não conhece
bem todas as suas características,
para vice-presidente “todos temos um papel
ativo”. “Estamos a falar de uma doença neurológica
que afeta os jovens. A seguir aos
acidentes com veículos motorizados, é o segundo
fator incapacidade nos jovens adultos
no mundo inteiro, portanto é significativo o
peso que a doença tem para quem está em
início de vida e no início de projetos. É muito
importante que as pessoas compreendam
isso e que de alguma maneira sejam facilitadores
do positivismo, da esperança, energia
positiva e da concretização de projetos que
30 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE
esses jovens ainda têm pela frente”, refere.
Susana Protásio destaca ainda o papel da
organização em colaborar com o doente ao
longo do ano, demonstrando que a atividade
da associação não se resume apenas a este
dia. “Nós temos muitos serviços que são complementares
ao Serviço Nacional de Saúde
que passam pelo acompanhamento psicológico
e alguns tratamentos de neuro-reabilitação”,
afirma. Para além disso, a SPEM também
realiza trabalho ao domicílio, que abrange
as famílias dos doentes e foca-se nas questões
sociais, como a empregabilidade.
“É importante ter essa relação direta, ‘beber’
as necessidades dos doentes e deixá-los falar.
Não somos nós, associação, que detemos
o know-how do que eles querem, são eles falando
uns com os outros e fazendo chegar esses
inputs. E de facto têm que acreditar no
seu poder negocial, no seu poder de mudar as
coisas, porque isso determina o seu futuro”,
conclui.
Uma patologia com muitos avanços à vista
Em Portugal, estima-se que existem mais de
8 mil pessoas com Esclerose Múltipla. Um
número que Carlos Capela, neurologista no
Hospital Santo António dos Capuchos, prevê
que vá aumentar, não no sentido da incidência,
mas pelos avanços que têm sido feitos a
nível do diagnóstico. “Há uns anos, muitas escleroses
múltiplas estariam a ser seguidas por
outras especialidades e, atualmente, com fácil
acesso aos exames complementares, conseguimos
detetar mais depressa e daí parece
que a incidência está a aumentar, mas na verdade
o que estamos a melhorar é o diagnóstico”,
refere.
Tal evolução deve-se também ao papel dos
médicos de família que, segundo Carlos
Capela, já estão muito familiarizados com a
doença: “notamos que já pensam nesta patologia
num jovem adulto e fazem a referenciação
atempada para o especialista”.
Contudo, para o neurologista ainda há um caminho
a percorrer no sentido avançar com
uma terapêutica personalizada a cada doente,
em controlar os sintomas e evoluir nas formas
mais progressivas da doença, onde o médico
reconhece ainda não terem muito a oferecer
a estes doentes, ao contrário da fase surto-remissão,
em que se tem assistido a uma
grande inovação terapêutica.
O neurologista também marcou presença nas
festividades na Praça dos Restauradores,
considerando que “o objetivo é sensibilizar a
sociedade civil para esta doença que é neurológica,
afeta sobretudo os jovens, é inflamatória,
pensa-se que seja autoimune, afeta mais
as mulheres do que os homens e os sintomas
podem ser diversos”.
SO
ABC da Esclerose Múltipla foi
criado porque surgiu a necessi-
“O dade de compilar a informação fidedigna
sobre esta doença”, explica Daniela
Leal. Apesar de já existir muita informação sobre
esta patologia, a enfermeira e coautora do
livro refere que “na altura do diagnóstico, os
doentes tentam esclarecer as suas dúvidas na
internet e, muitas vezes, a informação que aí
está contemplada não é credível”.
O guia encontra-se dividido em três capítulos:
‘Esclerose Múltipla’, que explica o
que é a doença, os principais sintomas, causas
e questões relacionadas com o diagnóstico
e tratamento; ‘Viver com Esclerose
Múltipla’, onde são abordados alguns aspetos
da vida diária como a prática de exercício
físico e a gravidez; e ‘Esclerose Múltipla
e a Sociedade’, um capítulo sobre os benefícios
sociais que estes doentes podem usufruir
como, por exemplo, a isenção das taxas
moderadores.
Daniela Leal destaca o tema da “Gravidez,
Parto e Amamentação”, por ser um “tópico que
gera muitas dúvidas”, refere. Para além de beneficiar
doentes e cuidadores, a enfermeira
considera que pode servir de apoio também
aos profissionais de saúde.
A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica,
inflamatória e degenerativa.
Estima-se que em Portugal afete mais de
8.000 pessoas. Por norma, é uma doença
que afeta o adulto jovem (entre os 20 e 35
DanielaLeal
‘ABC da Esclerose
Múltipla’, um guia
completo para doentes e
cuidadores
No dia 30 de maio, dia Mundial da Esclerose Múltipla, foi lançado
um guia que pretende fornecer informação fidedigna e completa
a todos os que convivem com esta patologia, enquanto doentes
ou cuidadores. Em entrevista ao Saúde Online, a enfermeira
Daniela Leal, uma das autoras do ABC da Esclerose Múltipla,
explicou-nos o que podemos encontrar neste manual.
anos) e é mais frequente em mulheres.
Os sintomas podem englobar alterações visuais
e cognitivas, fraqueza ou fadiga, alterações
no equilíbrio e paralisias e perturbações
da sexualidade, entre outros. Atualmente, não
há cura, mas existe tratamento.
O ABC da Esclerose Múltipla está disponível
numa versão digital, acessível a todos
através deste link: http://www.em-foco.com/
abcesclerosemultipla/
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 31
SAÚDE ONLINE | Reportagem
Erradicação da Hepatite C em Portugal
Peritos defendem importância
da monitorização dos cuidados
O caminho para a eliminação da Hepatite C é um processo lento, feito de sucessos e dificuldades, que
tem como ambição, daqui a 12 anos, fazer com que Portugal cumpra o objetivo definido pela Organização
Mundial da Saúde: eliminar a infeção pelo vírus da hepatite C (VHC) enquanto problema de saúde pública.
Perceber quantas pessoas infetadas existem tem de ser um dos pilares para a definição da estratégia
que vai permitir melhorar o acesso dos doentes à terapêutica, numa altura em que os novos antivirais já
garantem a cura ao fim de oito semanas de tratamento.
Num simpósio organizado
pela biofarmacêutica
Abbvie, em Lisboa, discutiram-se
formas de humanizar
o contacto com os doentes, de
forma a aumentar o universo de
pessoas tratadas, bem como outras
estratégias que permitam aumentar
a adesão ao tratamento e
melhorar a qualidade de vida dos
doentes.
O médico pneumologista António
Diniz começou por lamentar que
ninguém saiba ao certo quantos
pessoas infetadas com o vírus da
Hepatite C existem em Portugal,
já que “os dados que existem
são, nalguns casos, contraditórios
e noutros casos, parcelares”.
“Esse número, de acordo com os
estudos, fica entre 35 a 50 mil até
acima de 100 mil. Não é possível
delinear uma estratégia assim”,
avisou António Diniz, que já foi diretor
do Programa Nacional para
a Infeção VIH/SIDA, Hepatites
Víricas e Tuberculose.
“Andaremos na casa dos 60, 70
mil doentes”, adiantou José Vera,
médico especialista em Medicina
Interna, acrescentando que cerca
de “um terço destas pessoas já
estão tratadas”.
Estes dados são absolutamente
essenciais para se fazer a monitorização
dos cuidados, ou seja, para
ir acompanhando a evolução da infeção
em cada doente. “É preciso
saber quantas pessoas estão infetadas,
quantas estão diagnosticadas,
quantas estão referenciadas,
quantas são tratadas, quantas têm
carga viral indetetável”, enumerou.
Só assim, explicou, é possível perceber
se os objetivos intermédios
estão a ser cumpridos para que,
em 2030, a hepatite C enquanto
problema de saúde pública esteja
eliminada no nosso país.
Facilitar o acesso às consultas
hospitalares, simplificando todo
o processo através da eliminação
de algumas etapas que colocam
ainda barreiras no acesso
ao tratamento é uma das formas
de aumentar a adesão à terapêutica,
mas não chega. Somado a
isto, deve haver um trabalho contínuo
de proximidade com os
doentes, num contacto próximo
que pode fazer toda a diferença
junto de franjas da população que
estão há anos marginalizadas socialmente”,
defende o médico psiquiatra
Miguel Vasconcelos.
“Pessoas que ainda não estão
suficientemente motivadas e que
se forem acompanhadas pela
equipa de rua, uma vez que temos
uma relação de igual para
igual, faz com que a pessoa se
sinta bem”, refere.
Além dos utilizadores ativos de
drogas e/ou em terapêutica de
substituição opiácea (estima-se
que sejam perto de 15.000 infetados
com o vírus da Hepatite C
neste grupo), há outro grupo da
população que cujo peso não é
negligenciável para o sucesso da
estratégia para eliminar o VHC
até 2030: os reclusos. Os últimos
dados indicam que mais de dois
mil estão infetados, sendo que,
nos últimos anos, são vários os
relatos de dificuldades no acesso
dos reclusos ao tratamento. Para
agilizar o processo e levar o tratamento
às cadeias, o governo
publicou um despacho no início
deste ano que atribui aos hospitais
a responsabilidade de criarem
equipas que façam o rastreio
e a monitorização do tratamento
junto da população prisional.
“Isto [despacho prisões] significa
que, pelo menos, já há uma tomada
de consciência da tutela”,
diz Guilherme Macedo, diretor do
serviço de Gastroenterologia do
Centro Hospitalar de São João,
lembrando que “no sistema prisional,
estivemos muito tempo antes
a tentar criar uma lógica de funcionamento
interno que promovesse
este caminho”. “As primeiras
barreiras a serem ultrapassadas
têm de ser internas ao próprio
sistema prisional”, defende.
Sobre o despacho, António Diniz
considera que “é um princípio.
Acredito que não seja apenas um
processo de boas intenções”. No
final de junho, o Hospital de Santa
Maria já tinha uma equipa no terreno,
a acompanhar os reclusos
do Estabelecimento Prisional de
Lisboa, à semelhança do que já
acontece também na Prisão de
Custóias, na zona do Porto.
32 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE
Stefan Zeuzem
Professor de Medicina e Chede do Departamento de Medicina I do Goethe University Hospital, Em Frankfurt
“Taxas de cura de praticamente
100% em doentes não-cirróticos
em apenas 8 semanas”
A inovação no tratamento para a Hepatite C não parou. Numa altura em que a cura para esta
infeção já é possível, eis que surge uma nova opção terapêutica que vem alterar o paradigma
de tratamento para esta infeção. As guidelines da EASL foram alteradas para abranger as novas
soluções actualmente no mercado e foram apresentadas em Portugal pelo Professor Stefan
Zeuzem quem, na entrevista ao Saúde Online, destaca que hoje é possível tratar a Hepatite C
com “taxas de cura de praticamente 100% em doentes não-cirróticos em apenas 8 semanas de
tratamento”, uma taxa de cura que “se aplica a todos os genótipos”.
Professor, foram recentemente
divulgadas as novas guidelines
de 2018 da EASL para o tratamento
da Hepatite C. Quais são as principais
novidades desta atualização?
Bom, guidelines nunca são propriamente novas,
dado que são apenas um resumo de todos
os dados já disponíveis no mundo sobre
um tema. Esta tarefa de resumir todos os
dados disponíveis é especialmente difícil de
fazer para uma organização internacional,
como a EASL. Por abranger mais de 100 nações,
a EASL tem então de fazer recomendações
que possam ser aplicadas em todos
estes países, que, logicamente, têm populações,
padrões de genótipo da doença e preços
de medicamentos totalmente distintos.
Estas guidelines são, contudo, uma boa base
para que possa ser feita uma adaptação das
mesmas em cada país.
Porém, existem atualizações
importantes relacionadas com
a inovação que permitiram o
desenvolvimento de uma nova
opção terapêutica, capaz de curar a
infecção por Hepatite C num menor
espaço de tempo. Qual o papel desta
recente opção terapêutica neste novo
paradigma de tratamento?
Já existiam excelentes tratamentos antes do
regime glecaprevir e o pibrentasvir, a mais
recente opção terapêutica que vem alterar,
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 33
SAÚDE ONLINE | entrevista
uma vez mais, o paradigma de tratamento
da infecção pelo Vírus da Hepatite C (VHC).
No entanto, este tem uma grande vantagem
face aos outros regimes por permitir uma
duração de tratamento muito mais reduzida.
Neste momento, este tratamento atinge taxas
de cura do VHC de praticamente 100%
em doentes não-cirróticos em apenas 8 semanas
de tratamento. Os outros anti-virais
de ação direta disponíveis no mercado típicamente
nessessitam de 12 a 16 semanas
para antingir este objetivo. Outra vantagem
desta nova opção terapêutica é que
esta taxa de cura se aplica a todos os genótipos
do VHC.
Como funciona este regime
terapêutico e quais os efeitos
secundários mais relevantes?
Atualmente existem três classes de fármacos
para o tratamento do VHC. Cada classe
tem como alvo diferentes fases do ciclo de
vida do vírus. Estas três classes são os inibidores
da polimerase, os inibidores da protease
e, por fim, os inibidores da NS5A. Este
novo regime terapêutico é uma associação
de um inibidor da protease (o glecaprevir) e
um inibidor da NS5A (o pibrentasvir). Por outro
lado, os fármacos mais recentes que estão
no mercado têm efeitos adversos reduzidos.
A combinação de glecaprevir e pibrentasvir
não foge a essa regra. Porém, é muito
raro os doentes descreverem efeitos secundários
à sua toma e, quando o fazem, normalmente
referem cefaleias ligeiras ou um ligeiro
desconforto gastrointestinal. São sintomas
pouco incomodativos, que passam ao
fim de alguns dias, e por essa razão nunca
tive de prescrever medicação para combater
os efeitos secundários deste tratamento
em particular. Não são efeitos característicos
deste fármaco e é difícil dizer com certeza
que estes sintomas possam ter sido provocados
pelo tratamento.
E quanto às interações medicamentosas?
Antes de o prescrever este tratamento é sempre
necessário avaliar as possíveis interações
com outros fármacos que aquela pessoa específica
esteja a tomar. Isto aplica-se a qualquer
medicamento em existência, até os mais
simples, por assim dizer. Hoje em dia qualquer
médico tem acesso rapidamente, quer
no computador, quer através de apps no telemóvel,
a listas de possíveis interações medicamentosas
para cada medicamento, e assim
pode então decidir a melhor terapêutica para
aquele doente específico.
Já foram estabelecidos os perfis de
segurança e eficácia deste fármaco em
pessoas co-infetadas
com Vírus da Hepatite B (VHB)?
Houve recentemente alguns casos publicados
no Japão, tornados públicos pela FDA
dos Estados Unidos, que lançaram algum
medo sobre a toma destes fármacos em
pessoas com VHB. Contudo, ao analisar
estes estudos pode-se concluir que todos
se tratavam de situações clínicas relativamente
mal documentadas e mal definidas.
O que posso afirmar é que se um doente
tiver tido Hepatite B, mas que esta já esteja
resolvida, não há risco de reativação
do VHB com a toma destes fármacos. Em
doentes com infeções ativas concomitantes
de VHC e VHB, se se erradicar o VHC,
aí sim, existe uma possibilidade de aumentar
a replicação viral do VHB. No entanto,
se o VHB for diagnosticado, seguido e tratado
como qualquer doente que não tenha
uma co-infeção com VHC, este risco diminui
consideravelmente.
Mudando de assunto...Acha possível
que seja atingido o objetivo da OMS
de, até 2030, fazer com que a infeção
pelo VHC deixe de ser um problema
global de saúde pública?
Bom, isso é uma declaração de caracter político
e uma promessa política por parte de uma
entidade pública vale o que vale. É um objetivo
muito importante, sem dúvida, e obrigarnos-á
a trabalhar para que seja atingido. Mas
não creio, de um ponto de vista científico, que
seja possível de atingir esta meta.
Que áreas de investigação considera
prioritárias no caso da infeção por HCV?
Neste momento, considero que tratar os
doentes é mais importante do que a investigação.
Falo especialmente de duas populações
que devem ser tratadas: os doentes
com doença avançada e a população
de pessoas com um alto risco de transmitir
a doença. Os primeiros, por já terem fibrose
avançada ou cirrose, têm um alto risco
de complicações graves. Os segundos são
também cruciais porque se não eliminarmos
a doença em quem tem uma alta probabilidade
de a transmitir, não conseguimos reduzir
o número de novos casos por ano, a incidência
da doença. Neste segundo grupo
estão incluídos, por exemplo, os homens
que fazem sexo com homens, os utilizadores
de drogas e a população reclusa. Tratar
adequadamente estas duas populações tem
uma grande vantagem do ponto de vista da
custo-efetividade.
Na sua opinião, que avanços
terapêuticos para o VHC irão
surgir nos próximos anos?
Neste momento temos tudo o que precisamos
para tratar o VHC. É fantástico poder dizer
isto. Em termos de novos avanços tenho
duas fantasias que poderão, ou não, tornar-se
realidades num futuro próximo. A primeira é
que seja criada uma vacina eficaz para o VHC
para assim prevenir a maior parte dos casos.
A segunda seria que passassem a existir formulações
de libertação prolongada dos fármacos
já existentes. Com este avanço, poderíamos
fazer rastreios em áreas remotas de
países em desenvolvimento e, numa única administração
do fármaco, que se libertaria lentamente
no corpo do doente ao longo de várias
semanas, tratar adequadamente os que
tivessem um rastreio positivo.
34 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
SAÚDE ONLINE | profissão
Maria José Passos
Maria José Passos destaca
avanços científicos
no tratamento do Carcinoma
de Células Merkel
No dia 16 de junho, a cidade do Porto acolheu a reunião Deep in Merkel Cell Carcinoma, um
encontro organizado pelo Intergrupo Português de Melanoma (IPM). Em entrevista ao Saúde
Online, a presidente do IPM e oncologista Maria José Passos explicou-nos em que consiste este
tipo raro de cancro de pele e quais as novidades na terapêutica.
O
Carcinoma de Células de
Merkel (CCM) é um tipo
de cancro de pele raro
e agressivo. “Representa menos
de 1% de todos os tumores
da pele, mas a incidência tem aumentando
muito nos últimos anos
a nível mundial”, começa por explicar
Maria José Passos.
Este tumor maligno ocorre na camada
superior da pele e pode ser
identificado por um inchaço rosa,
vermelho ou roxo. Os principais
grupos de risco incluem pessoas
com tipo de pele claro, com idades
superiores a 50 anos, do género
masculino e com historial de cancro.
Outros fatores podem estar
associados à forte exposição à luz
solar natural nas horas de maior
risco e à luz solar artificial (bronzeamento
artificial ou terapias
com psoraleno e ultravioleta), assim
como ter um sistema imunológico
fragilizado por uma doença
ou por outras circunstâncias.
O diagnóstico do CCM foi a temática
que deu início à reunião
da IPM. Maria José Passos refere
que neste tipo de cancro a
deteção pode ser um processo
muito difícil e que pode implicar
a realização de “anatomopatologistas
experientes e, por vezes,
diagnóstico diferencial com outros
tumores, como o melanoma,
linfoma, carcinomas indiferenciados,
entre outros”.
Contudo, a oncologista reforça
a importância de uma intervenção
precoce. Numa fase inicial, o
cancro pode ser tratado apenas
com a remoção cirúrgica, mas
“quando o diagnóstico é feito em
fases mais avançadas, a sobrevivência
é baixa e o tratamento
mais complexo, incluindo a radioterapia,
quimioterapia antineoplásica
e, mais recentemente, a
imunoterapia”.
O tratamento foi outro dos tópicos
em discussão. O CCM tem conhecido
novas terapêuticas de respostas
duradouras, resultantes
de uma preocupação constante
pelos fracos resultados num estado
avançado da doença. Neste
campo, a especialista destaca os
inibidores de check point imunológicos
– anti PDL1 e anti PD1.
Maria José Passos considera que
os avanços científicos nesta área
são “muito promissores, sobretudo
no que diz respeito à doença
avançada, porque até há pouco
tempo o Carcinoma de Células
de Merkel metastizado era um tumor
órgão de terapêuticas eficazes”,
conclui.
SO
36 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
Investigação | SAÚDE ONLINE
Estudo em larga escala revela
que doença inflamatória intestinal
aumenta o risco de Parkinson
Um estudo em larga escala, que incidiu sobre toda a população da Dinamarca num período de quase
40 anos, revela que pessoas com doença inflamatória intestinal (DII) têm um risco 22% maior
de desenvolver a doença de Parkinson do que pessoas sem qualquer distúrbio intestinal crónico.
Na base desta conclusão
está a teoria do “eixo intestino-cérebro”,
que defende
que o que acontece na zona gastrointestinal
afeta o sistema nervoso
central, uma vez que existe
evidência científica que prova que
o intestino e o sistema nervoso comunicam
entre si.
Neste estudo, publicado na revista
Gut, os investigadores dinamarqueses
sugerem que as disfunções
gastrointestinais surgem
numa fase precoce da doença de
Parkinson. O responsável pelo
trabalho, o Dr. Tomasz Brudek
(do Laboratório de Pesquisa de
Estereologia e Neurociência
do Hospital Bispebjerg e
Frederiksberg, em Copenhaga),
e a sua equipa decidiram investigar
uma possível ligação entre a
DII e o risco de desenvolvimento
da doença de Parkinson ou de
MSA (atrofia dos múltiplos sistemas),
outra uma doença neurológica
degenerativa.
Ao contrário da maioria dos
estudos deste tipo, em que é utilizado
uma amostra pequena,
neste caso, o universo estudado
incidiu sobre todos os habitantes
da Dinamarca que sofreram de
DII entre 1977 e 2014 (um período
de 37 anos). Os investigadores
compararam este grupo com o
resto da população, que não se
deparou com a doença. Ao todo,
o estudo acompanhou 76.477 indivíduos
com DII e mais de 7,5 milhões
sem DII.
A análise, que se baseou em dados
do Registo Nacional de Doentes
Dinamarquês, revelou que, para
além de os doentes com DII terem
22% mais probabilidades de desenvolver
doença de Parkinson,
o risco de sofrerem de Parkinson
não foi afetado pela idade, sexo
ou idade do diagnóstico da DII.
No entanto, os investigadores notaram
que as pessoas com colite
ulcerosa tinham um risco ligeiramente
superior àquelas que tinham
doença de Crohn.
SO
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 37
SAÚDE ONLINE | nacional
Novos casos de cancro devem
aumentar 58% em 2035
Um novo relatório do Fundo Mundial para a Pesquisa do Cancro aponta para um aumento de
58% de novos casos de cancro em 2035. No mesmo documento são também apresentadas
recomendações sobre a prevenção.
Segundo o relatório, o excesso de
peso ou a obesidade estão na origem
de pelo menos 12 tipos de
cancro, mais cinco do que o Fundo
referia há uma década. Ao cancro
do fígado, ovários, próstata, estômago,
boca e garganta (boca, faringe
e laringe) junta-se o cancro
do intestino, mama, vesícula biliar,
rins, esófago, pâncreas e útero.
Beber regularmente bebidas com
açúcar aumenta o risco de cancro,
mas ser fisicamente ativo
pode ajudar a proteger contra três
tipos de cancro (intestino, mama
e útero) e ajuda a manter um peso
saudável, refere-se no relatório,
no qual se salienta a importância
de uma dieta rica em legumes e
frutas e pobre em carnes vermelhas
e processadas.
E nele alerta-se ainda para que
o consumo de álcool está fortemente
ligado ao risco de contrair
seis tipos de cancro (estômago,
intestino, mama, fígado, boca e
garganta e esófago).
Os autores do trabalho notam que
estilos de vida sedentários e com
uma alimentação rápida e processada
estão a levar a “aumentos
dramáticos” de casos de cancro
em todo o mundo, e salientam
que uma em cada seis mortes
no mundo se deve ao cancro. “À
medida que mais países adotam
estilos de vida ocidentais o número
de novos casos de cancro
deverá aumentar 58% para 24 milhões
de pessoas no mundo em
2035”, diz-se no relatório.
Com o título “Dieta, Nutrição,
Atividade Física e Cancro, uma
Perspetiva Global”, o documento
providencia um pacote de comportamentos
que sendo seguidos
podem permitir uma vida mais
saudável e menos probabilidade
de cancro. Com mais de 3,7 milhões
de casos e 1,9 milhões de
mortes por ano, o cancro representa
a segunda causa de morte
e morbilidade na Europa.
LUSA/SO
Maioria das mulheres com cancro da mama
pode não vir a precisar de quimioterapia
No caso das mulheres que tiveram uma pontuação baixa ou intermédia na análise da agressividade, conclui-se
que não precisavam de quimioterapia. Este estudo, da Universidade de Harvard, pode, assim, inaugurar uma
nova etapa no tratamento deste tipo de cancro.
O maior estudo alguma vez realizado
sobre tratamentos de
cancro da mama concluiu que
a maioria das mulheres com a
forma mais comum da doença
pode não ter de se sujeitar ao tratamento
com quimioterapia, sem
que isso afete as hipóteses de
vencer a doença.
Com base nas conclusões deste
estudo, da responsabilidade da
Harvard Medical School (nos
EUA), estima-se que cerca de 70
mil doentes que todos os anos
nos Estados Unidos e em outros
locais passam por este tipo de tratamento
possam tratar a doença
de outras formas. Cansaço, náuseas,
vómitos, queda de cabelo
são alguns dos efeitos secundários
mais frequentes associados
ao tratamento com quimioterapia.
Testes genéticos mostram que a
maioria das mulheres não necessita
de tratamento, além da cirurgia
e dos bloqueadores hormonais
e que a quimio não melhora
a sobrevida. No âmbito deste
estudo foram realizados testes
genéticos a 10.273 mulheres.
Foram analisados os níveis de
actividade de 21 genes que funcionam
como marcadores para
se estabelecer o grau de agressividade
do cancro. Assim, no
caso das mulheres que tiveram
uma pontuação baixa ou intermédia
na análise da agressividade,
conclui-se que não precisavam
de quimioterapia.
Já quanto às pacientes que enfrentam
um cancro agressivo, a
quimioterapia continua a revelarse
indispensável. O estudo envolveu
cancros no estadio inicial,
antes de se espalhar pelos gânglios
linfáticos, alimentado por
hormonas e que não é alvo do
medicamento Herceptin.
Os resultados do estudo foram
discutidos este domingo numa
conferência sobre cancro em
Chicago e são publicados na
revista científica New England
Journal of Medicine.
LUSA / SO
38 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
SAÚDE ONLINE | entrevista
Daniel Pereira da Silva
“O maior perigo do cancro
do ovário é o diagnóstico tardio”
No dia mundial do Cancro do Ovário, o médico Daniel Pereira da Silva, presidente da Federação
das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia, esteve à conversa com o Saúde Online
e explica como este tipo de cancro, apesar de não ser dos mais comuns, pode ser fatal se o
diagnóstico não for feito a tempo.
Como é que se manifesta o cancro
do ovário?
Uma das grandes dificuldades no
tratamento do cancro do ovário é o diagnóstico
precoce. É um tipo de tipo de tumor que
não tem sintomas ou sinais específicos típicos
da doença. Os sinais que aparecem,
na maior parte das vezes, são confundidos
com queixas, por exemplo, do foro intestinal.
A senhora acha que os intestinos passaram
a funcional mal, tem algumas dores
ou tem mais dificuldade em ter as suas dejeções.
São sintomas muito inespecíficos.
Até que depois ela começa a dar conta de
que a barriga cresceu, que tem um aumento
de volume. E, nessa altura, vai ao médico.
É sujeita a determinados exames – nomeadamente
a ecografia – que mostram a presença
de um tumor no ovário, muitas vezes
já numa fase avançada da doença.
O facto de esse diagnóstico ser
feito tarde influencia a taxa de
sobrevivência?
Influencia totalmente. É a causa mais importante
[de morte] a par da natureza do tumor.
Se nós conseguirmos diagnosticar – e terá de
ser por sorte, já que não há meios de diagnóstico
precoce – numa fase inicial, o carcinoma
do ovário tem uma taxa de sobrevivência
aos cinco anos que ultrapassa os 95%.
Se for diagnosticado tardiamente, essa taxa
anda à volta dos 15%. É uma diferença abismal.
É a diferença entre, quase, tudo e nada.
Esses números (15% de sobrevivência a
5 anos) colocam o cancro do ovário na
lista dos mais mortíferos.
DPS - Felizmente, o carcinoma do ovário não
é dos tumores mais frequentes mas, mesmo
assim, atinge, no nosso país, cerca de 250 a
40 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE
300 mulheres por ano. O grande problema
é que, em relação aos cancros específicos
da mulher, é o mais mortal – é aquele que
tem a taxa de mortalidade mais elevada, exatamente
pelo facto de o diagnóstico ser relativamente
tardio. Nas fases avançadas da
doença, os meios de tratamento, nomeadamente
a cirurgia, não conseguem erradicar o
tumor. Muitas vezes, nós não conseguimos,
na primeira cirurgia (que é a cirurgia decisiva),
que a doente fica sem a doença.
Neste momento, qual é a percentagem
de casos em que a doença é
diagnosticada numa fase inicial?
É diminuta, muito pouca. Não chega a 20%.
Na imensa maioria dos casos, o diagnóstico
é tardio.
Este é um cancro com uma
metastização rápida?
É um cancro com uma disseminação rápida,
ou seja, a disseminação (ou metastização,
se quisermos) do cancro do ovário é sobretudo
intra-abdominal. Infelizmente, o tumor
rapidamente se dissemina para as ansas intestinais,
para as cúpulas diagragmáticas.
Formam-se metástases ganglionares. É isto
torna a cirurgia extremamente difícil e complexa
porque muitas vezes têm de se fazer
amputações da totalidade (ou de parte) dos
órgãos, para que nós consigamos que a mulher
fique sem tumor residual.
Quais são as causas
desta doença?
Não há uma causa. O que nós sabemos,
hoje em dia, é que as razões dos tumores
do ovário mais agressivos parecem ser mutações
ou alterações genéticas que se dão
na Trompa [de Falópio] e que, depois, pela
proximidade do ovário, este vai incluir essas
alterações e dar origem a tumores de
extrema agressividade. Daí que o cancro
do ovário seja menos frequente nas mulheres
que tomam a pílula porque essas mulheres
não ovulam. Cerca de 20% dos casos
são de natureza hereditária, isto é, a
mulher herda uma predisposição para o tumor
– não quer dizer que o venha a ter mas
é altamente provável que o tenha. E, hoje
em dia, cada vez mais estão a ser feitos os
testes de predisposição para o cancro do
ovário porque isso nos obriga a ter atitudes
profiláticas relativamente cedo na vida
da mulher.
Que tipo de profilaxia
é que se pode fazer?
A profilaxia indicada é a mulher utilizar a pílula
enquanto não atingir o número de gravidezes
que fazem parte do seu projeto de
vida. E, a partir dos 35 anos, quando já tiver
a sua descendência constituída, o tratamento
que propomos é a excisão dos dois
ovários – [o que resulta numa] menopausa
precoce. Isto significa que a mulher nunca
mais vai poder ser mãe, o que significa que
temos de atrasar [a cirurgia] para uma altura
em que essa questão [maternidade] já
esteja resolvida. É uma equação de bom
senso.
Tendo 20% dos casos uma origem hereditária,
os outros 80% têm, presumo, uma origem
completamente aleatória. Não há nada
que as mulheres possam fazer para prevenir
o cancro do ovário?
Não há forma de prevenir. O único meio que
conhecemos que torna a doença menos frequente
é o uso da contraceção hormonal
combinada, isto é, o uso da pílula de forma
regular desde cedo.
Em que faixas etárias é que esta doença
é mais comum?
Sobretudo, após a menopausa. Nas suas
fases mais avançadas e agressivas, afeta
sobretudo [mulheres] a partir dos 40 anos.
Mas pode surgir, com nuances de tipos diferentes,
em qualquer altura da vida da mulher,
inclusivamente em crianças – embora,
felizmente, esses casos não sejam os mais
agressivos e sejam mais raros. Mas pode
surgir ao longo de toda a vida.
Em relação ao tratamento, que opções
estão disponíveis neste momento, para
além da cirurgia?
A grande arma de tratamento é a cirurgia.
A cirurgia não deve ser feita em qualquer
local. Há estudos relativamente recentes
que demonstram que o êxito da cirurgia
fica comprometido se o cirurgião ginecológico
não tiver a experiência suficiente
e se o serviço não tiver, pelo menos, 30
novos casos por ano. Isto está demonstrado
em países que já avançaram neste
processo, como é o caso da Holanda ou
da Alemanha, que são os países que mais
evoluíram para demonstrar todo o potencial
que a cirurgia tem. A cirurgia tem de
ser feita por uma equipa multidisciplinar e
que tenha experiência neste tipo de tumor.
Com todo os meus anos de IPO, posso-lhe
dizer que é a cirurgia mais difícil que um
ginecologista oncológico enfrenta, porque
nós não conseguimos antever as dificuldades
da cirurgia antes de estarmos na sala
de operações perante a mulher com o abdómen
aberto.
Depois, em função desse mesmo resultado
da cirurgia e da análise exaustiva do tumor,
tem de se ponderar a quimioterapia – que o
tratamento onde hoje se conseguem melhores
resultados.
Isso significa que as mulheres que
passam por um cancro do ovário
dificilmente poderão ser mães ou mães
outra vez.
Na maior parte das vezes, a cirurgia é radical
logo à partida e isso impede-as de
todo. Mas se nós conseguirmos o diagnóstico
precoce, podemos também aí ponderar
uma cirurgia conservadora para que a mulher
tenha a procriação que deseja. Porque
está muita coisa em causa: uma menopausa
precoce é sempre algo muito gravoso; o
facto de não vir a ter filhos é também muito
agressivo.
SO
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 41
SAÚDE ONLINE | nacional
Reclamações nos hospitais
disparam quase 20%
Hospital Amadora-Sintra é que tem mais reclamações na tabela dos públicos. Nos privados, lidera
o Hospital da Luz. Santa Maria regista uma diminuição do número de queixas e cai para a sexta
posição, num ano em que os hospitais receberam menos elogios.
As reclamações no setor
da saúde dispararam em
2017, ao subirem quase
20% em relação ao ano anterior.
Foram registadas 70.120 reclamações,
quando em 2016 tinham
sido cerca de 60 mil (aumento de
18,4%).
O Hospital Amadora-Sintra foi o
estabelecimento de saúde público
que teve mais queixas – 2185, seguido
do Hospital de Faro (1940)
e do Hospital Garcia de Orta, em
Almada, com 1710, a completar
o pódio. No privado, destaque
para três hospitais da capital: o
da Luz, com 1149 reclamações, a
CUF Descobertas, com 999, e os
Lusíadas (678 queixas).
Estes números constam do
Relatório do Sistema de Gestão de
Reclamações, que foi divulgado
esta quinta-feira pela Entidade
Reguladora da Saúde (ERS). Os
“procedimentos administrativos”
foram o principal motivo de reclamação,
representando cerca de
20% das queixas, seguindo dos
“tempos de espera” (19,5%) e da
“focalização no utente” (17%).
No que diz respeito à distribuição
por meses, o destaque vai
para novembro, com mais de 9
mil reclamações. Em comparação
com 2016, só em abril houve
menos queixas. Na parte final do
ano passado, é visível no gráfico
um aumento significativo das reclamações,
que a ERS justifica
com o facto de ter tido uma intervenção
mais intensa junto dos
prestadores “relativamente aos
processos ainda por submeter”.
O hospital Amadora-Sintra teve
um aumento de reclamações
(mais 287), bem como o hospital
de Faro, que, registou o mais do
dobro das queixas em relação a
2016 – passou de 823 para 1940
-, muito por causa do aumento
da procura nos meses de verão,
a que o quadro de pessoal deste
hospital não consegue dar resposta.
No top 10 dos hospitais
públicos com mais reclamações
estão ainda o Hospital de Gaia/
Espinho (que o ano passado não
figurava sequer nos dez primeiros),
o Hospital de São João (que
caiu da segunda para a quinta posição)
ou o Santa Maria (embora
seja o maior hospital do país, caiu
do terceiro lugar para o sexto).
A culpa para uma subida tão expressiva
do número de queixas é
exclusivamente dos hospitais do
setor público, já que os privados,
no geral, conseguiram que o livro
de reclamações fosse preenchido
menos vezes. Uma das raras exceções
é o Hospital da Luz, que
registou uma ligeira subida.
No caso das PPP, depois do
Hospital de Braga, o Hospital
Beatriz Ângelo, em Lisboa, foi o
que obteve mais queixas (1370),
antes do Hospital de Cascais
(1013) e do Hospital de Vila
Franca de Xira (1091). O relatório
dá ainda conta de que, em 2017,
foram feitos 8.948 elogios – uma
diminuição em comparação com
o ano anterior.
SO
42 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
SAÚDE ONLINE | entrevista
Alberto caldas afonso
Presidente do Centro Materno Infantil
do Norte: “Portugal está numa
situação de insolvência geracional”
A cerca de um mês de começar a segunda edição do CMIN Summit, onde se debateu as “Origens
Evolutivas da Saúde e da Doença”, o Saúde Online esteve à conversa com o médico pediatra
Alberto Caldas Afonso, que dirige o Centro Materno Infantil do Norte, sobre os fatores que podem
potenciar (ou não) uma vida livre de doenças.
44 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE
Quais são os temas que quer
destacar neste segundo CMIN
Summit?
Nós temos sempre um grande tema, que tenta
fazer uma ligação entre aquilo que é a missão
do CMIN, que é a área da mulher e a área
da criança. Nós, este ano, vamos falar sobre
as origens evolutivas – desde o que se passa
com os progenitores, a parte do desenvolvimento
fetal, a importância da saúde dos pais.
Vamos falar sobre a importância que tem no
inicio do ser humano desde a conceção até
à idade adulta e de indicadores que possam
influenciar no sentido de doença ou no sentido
de que se vá tornar num ser saudável. No
fundo, vamos debater a perspetiva do ciclo de
vida até terminar o nosso crescimento e desenvolvimento
e os fatores epigenéticos que
influenciam. Este é o grande tema.
O facto de cada vez as mulheres
adiarem a gravidez para depois
dos 35 anos tem levado a um aumento
dos problemas relacionados
com a gestação?
Vamos também abordar isso. Sabemos que a
idade da primeira gravidez está associada a fatores
epigenéticos, no sentido de podermos ter
algumas doenças genéticas – tem uma prevalência
maior do que as gravidezes em idades
mais precoces. Portanto, é um paradigma diferente
na nossa sociedade. A idade da primeira
gravidez passou, na última década, dos 23 anos
para os 33 – que é a média atual.
Que problemas podem estar
associados a essa mudança
de paradigma?
Problemas na natureza do material genético
que depois vai estar na base do feto. Num
caso mais concreto, aquele que é provavelmente
o mais conhecido de todos: a trissomia
21. O risco de trissomia 21 é maior numa
gravidez tardia. As questões genéticas estão
bem identificadas hoje em dia mas há comportamentos,
nomeadamente durante a gravidez,
que podem fazer com que o feto vá
nascer saudável ou com alguma doença.
Estamos a falar de questões de natureza nutricional,
de risco cardiovascular. Os primeiros
dois anos de vida são determinantes daquilo
que vai ser o nosso futuro. Cada vez mas esta
é uma questão que tem sido discutido, o que
mostra que o caminho que já foi feito no aumento
da esperança média de vida – de se
conseguir ter uma interferência direta em algumas
patologias. É, por isso, importante ter
um ciclo de vida o mais saudável possível,
evitando as comorbilidades. O que me interessa
viver até aos 80 anos se não tiver qualidade
de vida?
Os cuidados de saúde em Portugal
estão preparados para acompanhar o
aumento dessas comorbilidades?
Têm de estar. Como sabe, a nossa pirâmide
geracional está completamente invertida.
Desde 2015, e pela primeira vez, o número de
cidadãos abaixo dos 5 anos é inferior aos cidadãos
com mais de 65 anos. A partir daí nós
não conseguimos substituir a população ativa.
O CMIN acompanha de uma forma
especial, certamente, as gravidezes
de alto risco.
Sem dúvida. Nós enquanto nação, estamos
numa situação demográfica muito preocupante.
Estamos naquilo a que podemos chamar
uma insolvência geracional. Nós estamos
com uma taxa de fertilidade à volta de 1,2/1,3.
Para revertermos esta quebra da natalidade
que aconteceu nos últimos anos, precisávamos
de passar para taxas de fertilidade – apenas
para termos um equilíbrio – de 2,3/2,5. E
estamos muito longe disso. E isto já não pensando
no défice acumulado que temos. Para
reportarmos as nossas necessidades demográficas
em 25 anos, tínhamos, no imediato,
de começar a ter taxas de fertilidade a dobrar
a que temos neste momento – e estamos
cientes de que isso não vai acontecer.
Se eu lhe pedisse uma medida
para tentar reverter essa situação,
o que me diria?
Portugal tem de começar a receber cidadãos
de outros países. A emigração é uma forma de
termos alguma reposição demográfica. Com
certeza de que todas as medidas de incentivo
à natalidade devem existir, todas são poucas.
Agora, há vários fenómenos, que aconteceram
todos ao mesmo tempo, e que têm um efeito
muito negativo na natalidade. Um deles é a estrutura
da família. Hoje em dia 50% dos casais
não são casados, o que não deixa de ter reflexos
na questão da responsabilidade em ter filhos
porque é uma ligação muito mais ténue e
que mais facilmente se pode quebrar. Depois,
o desemprego e a instabilidade no emprego
não incentivam o “ter filhos”.
«Desde 2015, e pela
primeira vez, o número de
cidadãos abaixo dos 5 anos
é inferior aos cidadãos com
mais de 65 anos»
O CMIN tem tido, em contraciclo,
um aumento muito interessante
do número de nascimentos
Sim, temos tido porque, de facto, as condições
de nascimento aqui são excecionais. A
procura é enorme.
Qual têm sido os valores desse
crescimento?
Nós temos vindo a aumentar a uma taxa de
5 a 10% todos os anos. O CMIN é concorrencial,
num bom sentido. Nós temos privacidade,
boas instalações, tudo isso. Mesmo naquilo
que possam ser as situações mais complexas,
quer para a mulher quer para o recémnascido,
temos todas as condições.
Hoje em dia, as mulheres já ouvem mais os
conselhos dos médicos em relação aos cuidados
que devem ter durante a gestação (cuidados
alimentares, não beber, não fumar) ou
esses conselhos ainda são muito ignorados?
Nós somos muito assertivos nisso. Esse é
um período em que as mulheres, maioritariamente,
estão muito sensíveis a isso. Portanto,
aderem muito às boas práticas. Tem havido
uma melhoria.
Que preocupações lhe levanta o tema
da saúde masculina, um dos temas que
vai ser abordado no CMIN Summit?
Questões como a infertilidade e a impotência
sexual são temas que estão mais a montante.
Claro que a infertilidade contribui para que haja
maior dificuldade na fecundação. Nós temos
aqui o banco nacional de gâmetas [sediado no
próprio CMIN], portanto, esse é um assunto
que conhecemos bem. Posso-lhe dizer que,
quanto aos dadores de gâmetas masculinos,
temos uma taxa de rejeição muito grande. Isto
quer dizer que há questões importantes, relacionadas
com o estilo de vida, envolvências
ambientais e outras que estão a interferir com
a qualidade do gâmeta masculino.
Qual é o objetivo da organização
do congresso ao levar a debate a questão
da identidade de género?
É um tema que está na ordem do dia.
Queremos discutir esse tema de um ponto de
vista cientifico, é um tema que seguramente
vai ser objeto de algumas decisões de natureza
legislativa.
Mas acha possível uma criança ter
a capacidade para questionar a sua
identidade, com 6 ou 7 anos?
Na adolescência, sim. Aliás, nós já somos
abordados. Os profissionais têm de estar preparados
para isso. Têm de estar na primeira linha
de ação destas novas questões.
SO
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 45
SAÚDE ONLINE | CRÓNICA
O Paradoxo
de Sakellarides
O SNS Português não só trucida ministros como trucida aqueles que querem
fazer melhor e irem além do “aquilo que todos fazem”.
António Alvim
Médico e Militante do PSD
O
Professor Sakellarides
tem sido desde há mais
de 20 anos uma das personagens
mais reverenciadas
do núcleo da Escola Nacional de
Saúde Pública, verdadeiro núcleo
de poder dominante na discussão
sobre o nosso Sistema
de Saúde que esnobeia todos
os que estão fora do seu circulo
íntimo, e sistematicamente promovido
como Autoridade, nesta
matéria, que todos devemos
reverenciar.
Sakellarides é daquelas pessoas
que apenas concebem como
possível um Serviço Nacional
de Saúde, inteiramente público.
É um estatista. Profeta bem-intencionado,
há mais de 20 anos
discorre sobre como reformar
o SNS, mas sempre dentro do
Modelo 100% Publico.
Supostamente teria neste
Governo das Esquerdas, e em
António Costa que se candidatou
em 2015 riscando com força
linhas vermelhas em defesa dos
Serviços Públicos e do SNS
Público, e que até para bem o
afirmar escolheu António Arnault
para seu mandatário, todo o respaldo
para a Implantação das
suas ideias.
Saiu agora, desiludido, mas fazendo
por se ouvir o estrondo da
porta.
A sua entrevista ao DN, que alguém
já considerou como o debate
dos debates, é o verdadeiro
testamento das suas ideias e ao
mesmo tempo, sem que fosse
essa a sua intenção ou disso se
aperceba, ele e os seus fãs, a
maior declaração do fracasso
das mesmas.
E quais são estas:
Apesar de estatista é um
feroz crítico do Modelo de
Administração Pública. O mal
para ele não está no modelo
Público, está na Administração
Tradicional e nos Políticos que a
mantêm em vez de aderirem à
sua “Revolução”.
O que defende então:
Defende um Modelo de SNS baseado
no empreendedorismo
dos líderes públicos locais. Ou
seja, queria importar o modelo
privado para o público. Mas para
que este modelo baseado nos líderes
públicos locais, pudesse
resultar, era necessário que
a Administração Tradicional,
fosse substituída por “revolucionários”
de confiança (aqueles
que estão 100 % connosco
e com a “revolução”) que dessem
respaldo aos lideres locais,
em vez de lhes atrapalhar a vida
com coisas mesquinhas como
as leis da Administração Pública
e Financiamentos.
A sua preocupação não é com
os profissionais que são quem
presta os serviços, para quem
deixa piedosas recomendações:
A remuneração tem importância,
claro, mas está demonstrado
que dentro de certos limites
não é esse o principal fator
que atrai as pessoas. O que as
atrai é a qualidade do trabalho,
o potencial de desenvolvimento
pessoal e profissional que ele
proporciona. Prestarem bons
cuidados, investigarem e aprenderem
com a experiência, ensinar
aos mais jovens.
O foco dele está na Administração
e nos Administradores. Quer revolucionar
aquela e substituir
estes.
“ Como é que a liderança local
Professor Sakellarides
vai traçar o seu plano de vida
no sentido de, com os recursos
locais e nos timings possíveis
conseguir fazer isto?” Isto
faz parte de uma negociação e
aprendizagem permanente. É
fazer que os empreendedores
públicos locais transformem o
enquadramento geral de políticas
feito centralmente em realidade.
É isto o centro de uma governação
moderna.
…
E volto a teimar: o empreendedorismo
público local é essencial.
Eu sei que esta é
gente incómoda. São uns chatos.
Rebelam-se contra a banalidade,
contra o que não faz
sentido, contra o ruído desnecessário,
contra a posição formal
dos chefes do status quo.
Têm outro grande defeito, têm
opinião. Acham que é possível,
apesar de tudo, inovar, não tentar
resolver os problemas com
a mesma a receita que os produziram.
Se não conseguirmos
mobilizar uma massa crítica de
46 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
CRÓNICA | SAÚDE ONLINE
lideranças locais empenhadas,
com um enquadramento político
que lhes dê espaço, apoio e reconhecimento,
não temos transformação.
Isto entra pelos olhos
adentro. Precisamos de dirigentes
que percebam isto.
Sakellarides, centra toda a questão
nos empreendedores públicos
locais, mas sem identificar
quem são nem quem ou como
se lhes transmite a autoridade
para o serem, nem quais os instrumentos
à sua disposição.
Serão os Diretores Executivos
dos ACES? Mas estes já existem.
Então o que falhou? O que
se propõe em concreto?
Isto faz parte de uma negociação
e aprendizagem permanente-
Este é o eterno problema de
Sakellarides. Diz coisas muito
bonitas, mas quando se lhe pergunta
como se concretiza foge
sempre para respostas deste
tipo.
O PARADOXO de Sakellarides é
que ele anda há 20 anos nestas
andanças, já tendo tido várias
vezes posições de destaque na
Administração, e, no entanto,
confessa-nos o seu falhanço total
em conseguir implementar
aquilo que lhe foi pedido: que
implementasse as suas ideias.
Isto quando tinha atrás de si tinha
supostamente o Governo
Ideal para o apoiar.
Ou seja, ainda prega uma coisa
de que ele é a maior demonstração
de que não é possível
acontecer.
Porque é intrínseco ao Sistema
Público três coisas (que têm a
haver com os interesses dos vários
atores):
Políticos que apenas querem
ocasiões para cortarem fitas
descansando todo o resto
para cima da Administração.
Administração que tem obviamente
que ser de confiança e
não de revolucionários.
Uma Administração apenas
preocupada com orçamentos e
em que “não haja ondas” (exatamente
o que se lhe pede). Que
“administra” o status quo, mas
não “gere” visando melhor serviço
e eficiência.
Profissionais dedicados, mas
que antes de mais têm os seus
interesses pessoais a tratar e ao
seu dispor instrumentos corporativos
capazes de ameaçar a
paz da Administração, sempre
que aqueles sejam beliscados.
Neste contexto os tais empreendedores
públicos locais acabam
sempre trucidados: traídos pelos
egoísmos dos profissionais
que lideram e abandonados
pela Administração que na hora
da verdade assobia para o lado.
Ondas é que não.
Manuel Antunes, na sua recente
entrevista de despedida,
apesar das condições únicas
de que dispôs no “seu” serviço
de cirurgia cardio-torácica de
Coimbra, (primeiro Centro de
Responsabilidade Integrada em
que dispunha de total autonomia
e boas remunerações para
os profissionais) queixa-se do
mesmo.
Ou seja, o SNS Português não
só trucida ministros como trucida
aqueles que querem fazer
melhor e irem além do “aquilo
que todos fazem”. Mesmo, como
no Modelo B das USF, o Estado
põe muito dinheiro.
O ERRO DE Sakellarides é centrar
toda a discussão no Modelo
Público sem se lembrar que
existem outros Modelos em que
os próprios, sozinhos e às custas
do seu investimento pessoal
e financeiro, conseguem,
sem esses dramas, muito mais
do que se dependentes do estímulo
artificial dos empreendedores
públicos.
Chamo a atenção que existem
na saúde sectores que se
mostraram muito mais dinâmicos,
eficientes e com melhor
satisfação e acessibilidade
e que não precisaram nem
do Estado nem dos empreendedores
públicos para chegarem
aonde chegaram. Vejam
os Meios Complementares de
Diagnóstico, onde por exemplo
nas Análises os doentes são
atendidos no próprio dia, sem
marcação prévia e têm o resultado
por mail no próprio dia.
Mesmo as parcerias público
privadas (com origem num
Governo Socialista! - Afinal qual
é a posição ideológica do PS na
Saúde?) têm-se afirmado como
muito positivas na qualidade,
eficiência e satisfação dos utentes,
e até ido mais longe na negociação
e acordo com os sindicatos
médicos que o Governo.
E no sector privado, mesmo
aquele que trabalha no SNS ou
em articulação com este, estes
dramas não existem
O PECADO DE Sakellarides e
o dos que com ele dominam o
discurso público, é que com as
suas promessas de amanhãs
radiosos para o SNS público,
sempre bloquearam outras soluções.
Por exemplo, porque é
que o Modelo C (Unidades de
Saúde Familiares dos profissionais,
contratualizadas com
o SNS), que consta na mesma
Lei da Reforma dos Cuidados de
Saúde Primários, nunca saiu da
gaveta?
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 47
SAÚDE ONLINE | nacional
Progressões na carreira de médicos
e enfermeiros avançam a ritmo lento
Algumas instituições já começaram a fazer a atualização na folha salarial dos médicos mas a maioria dos
profissionais continua à espera do descongelamento, No caso dos enfermeiros, o governo alega que aqueles
que viram o salário aumentar para os 1200 euros entre 2011 e 2015 não têm, agora, direito a aumentos.
No final do ano passado, os
sindicatos que representam
os médicos tinham avisado
o governo de que, tal como
o resto da função pública, também
eles queriam que tempo congelado
nos últimos anos contasse
para efeitos de progressão na carreira.
Na altura, o presidente do
SIM (Sindicato Independente dos
Médicos), Jorge Roque da Cunha,
falava de um “roubo institucional”
se tal não viesse a acontece. A
verdade é que o governo cedeu e
os médicos vão mesmo recuperar
todo o tempo de serviço congelado
desde 2005. No entanto, a progressão
nos escalões – e o respetivo
aumento salarial – estão a chegar
a um ritmo lento.
Os cerca de 28 mil médicos que
trabalham no Serviço Nacional de
Saúde (SNS) estão sujeitos a um
sistema específico de avaliação,
de carácter técnico e científico, que
funciona por pontos – o SIADAP-3.
Em novembro passado, um dia depois
do compromisso então alcançado
com os professores para a recuperação
da totalidade dos anos
de serviço congelados (compromisso
que o governo, entretanto,
rasgou), Roque da Cunha, alegava
que o Orçamento do Estado
para 2018 só previa a recuperação
dos pontos acumulados a partir de
2011, esquecendo os seis anos anteriores
a este, e ameaçou endurecer
as formas de luta. Perante o
receio de paralisações no setor da
saúde durante este ano, o governo
acedeu às reivindicações dos médicos.
Note-se que isso não evitou
uma greve de três dias dos clínicos,
em maio.
Ao jornal Público, Rosa Ribeiro, da
Federação Nacional dos Médicos
(FNAM), confirmou que algumas
instituições já começaram a fazer
o pagamento da atualização
dos escalões dos clínicos que acumularam
10 pontos na avaliação
de desempenho. Contudo a dirigente
sindical garante que o efeito
na folha salarial ainda não chegou
à maioria dos médicos do setor
público.
Situação dos enfermeiros
é mais complexa
No caso dos enfermeiros, o tempo
de serviço é, à semelhança do que
acontece com os médicos, transformado
em pontos mas a recuperação
do tempo de serviço congelado
não é tão linear. Sindicato dos
Enfermeiros e Ministério da Saúde
têm diferentes perspetivas sobre a
progressão dos 26 mil profissionais
que, entre 2011 e 2015, viram o seu
vencimento aumentar para a casa
dos 1200 euros brutos – antes, recebiam
1020 mensais.
O governo defende que, por ter havido
essa valorização salarial para
mais de metade dos 42 mil enfermeiros
do SNS, o tempo de serviço
só deverá começar a contar a partir
de 2015 para eventuais progressões.
Uma vez que os enfermeiros
precisam, em regra, de 10 pontos
para poderem progredir na carreira
(recebem um ponto por cada
ano), qualquer reinício de contagem
é prejudicial. O Sindicato dos
Enfermeiros entende, por isso, que
as valorizações salariais concedidas
durante o governo PSD/CDS
não devem influenciar a contagem
e avisa que, se o governo não
mudar de posição, pode crescer a
contestação no seio da classe.
Guadalupe Simões alerta, no entanto,
que a contabilização dos
pontos dos restantes enfermeiros
“não tem estado a ser efetuada de
forma igual” em todos os estabelecimentos
do setor público e “os enfermeiros,
na sua maioria, não foram
notificados da sua situação,
como decorre da lei do OE”, disse
ao Público.
SO
48 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
SAÚDE ONLINE | nacional
Consumo de cocaína
aumenta na Europa
Cerca de 2.3 milhões de jovens adultos consumiram cocaína no último ano, segundo o Observatório
Europeu das Drogas e Toxicodependências (EMCDDA, na sigla inglesa) que divulgou esta quinta-feira,
em Bruxelas, o ‘Relatório Europeu sobre Drogas 2018: Tendências e Evoluções”.
O
Relatório Europeu sobre
Drogas 2018: Tendências
e Evoluções pretende
analisar as tendências do consumo
de droga na Europa, bem
como o desenvolvimento das políticas
de tratamento e prevenção
nos 28 Estado-Membros da
União Europeia (UE), Turquia e
Noruega.
A EMCDDA atenta que o acesso
a substâncias ilícitas é elevado
e parece estar a aumentar. Em
2016 foram registadas mais de
1 milhão de apreensões de drogas
na Europa. Cerca de 92 milhões
de adultos, entre os 15 e 64
anos, já experimentaram substâncias
ilícitas ao longo da sua
vida e à volta de 1.3 milhões de
pessoas receberam tratamento
neste âmbito.
“Atualmente, estamos a assistir
a uma maior produção e
disponibilidade de drogas na
Europa. Além disso, este mercado
é altamente dinâmico e adaptável
– e, portanto, ainda mais perigoso.
Se quisermos estar à frente
da situação, os nossos esforços
devem focar-se na construção
da resiliência e na capacidade de
resposta, principalmente devido
à crescente importância do mercado
online e ao desenvolvimento
de novos tipos de drogas”, afirma
Dimitris Avramopoulos, Comissário
Europeu para a Migração,
Assuntos Internos e Cidadania, em
comunicado de imprensa.
Um dos pontos mais destacados
no relatório é o crescente
consumo de cocaína na Europa.
Cerca de 2.3 milhões de jovens
adultos, entre os Estados-
Membros, consumiram esta
droga no último ano. A sua disponibilidade
também aumentou em
vários países, atingindo o nível
mais alto numa década em 2016,
assim como o número de apreensões,
tendo sido reportadas 98
mil que contabilizaram no total
70.9 toneladas.
Em relação à canábis, esta continua
a ser a droga mais consumida
na Europa. Aproximadamente
17.2 milhões de jovens adultos (15
-34 anos) consumiram no último
ano e à volta de 1% dos adultos
(15-64) consomem diariamente.
O relatório também realça a preocupação
com o aumento do número
de mortes por overdose.
Estima-se que, em 2016, tenham
ocorrido cerca de 9 mil
mortes, maioritariamente associadas
ao consumo de heroína e
outros opiáceos, ainda que muitas
vezes combinados com outras
substâncias como álcool e
benzodiazepinas.
Laura d’Arrigo, Presidente do
Conselho de Administração do
EMCDDA, conclui, em comunicado,
que “as ameaças colocadas
pelas drogas à saúde pública e à
segurança na Europa continuam
a exigir uma resposta unida. O
Plano de Ação da UE de Luta contra
a Droga, adotado em 2017, fornece
o quadro para a cooperação
europeia. É crucial que o nosso
sistema de monitorização acompanhe
a evolução dos problemas
associados à droga e o aparecimento
de novas tendências. O
Relatório Europeu sobre Drogas,
juntamente com 30 relatórios nacionais,
fornece as últimas análises
para ajudar os decisores a obterem
uma perspetiva clara do fenómeno
e adaptarem a resposta
política de modo a prevenir e fazer
face a desafios emergentes”.
SO
50 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | Junho 2018
nacional | SAÚDE ONLINE
Não vai nascer nenhum bebé através
de barriga de aluguer em Portugal
Falharam os tratamentos de fertilidade no caso da “avó” que se tinha disposto a emprestar o útero à filha.
Família terá tido indicação médica para não repetir os tratamentos, avança o Expresso.
O único caso autorizado de gestação
de substituição não resultou
em gravidez, avança o semanário
Expresso, o que significa que
não vai nascer nenhum bebé através
de uma “barriga de aluguer”
em Portugal, pelo menos enquanto
não for aprovada uma nova lei que
regule esta prática.
Desde que a lei da entrou em vigor,
apenas dois casos tinham recebido
luz verde para avançar por
parte do Conselho de Procriação
Medicamente Assistida (CNPMA).
Contudo, depois de o Tribunal
Constitucional (TC) ter chumbado
a lei, a 24 de abril, apenas um processo
se manteve ativo. O outro
caso não tinha enquadramento legal
para avançar uma vez que os
procedimentos terapêuticos (recolha
de gâmetas e criação do embrião)
não tinham sido iniciados
antes do chumbo da lei.
Agora, sabe-se que o único caso
que poderia chegar até ao fim
do processo não foi bem-sucedido.
Os tratamentos de fertilidade
não resultaram e, por indicação
médica, não serão feitos
mais. Tratava-se do caso da “avó”
que se tinha disposto a emprestar
o útero à sua filha que estava impedida
de engravidar. Mesmo que
a família decidisse repetir os tratamentos,
a janela de oportunidade
já seria muito reduzida: a gestante,
neste caso a “avó”, fará 51 anos em
agosto e fica impedida de recorrer
à procriação medicamente assistida
(PMA), já que a lei impõe às
mulheres o limite de 50 anos.
A decisão do TC surgiu na sequência
de um pedido de fiscalização
feito pelo CDS e alguns deputados
do PSD. O acórdão chumbou
várias normas relacionadas com o
contrato a estabelecer entre o casal
beneficiário e a gestante. Os juízes
consideraram que o quadro jurídico
previsto na lei era demasiado
aberto e permitia negociações sobre
condições da gravidez que podiam
ser excessivas, não concordaram
com o facto de a gestante
não poder, em nenhum momento,
revogar o consentimento prestado
no contrato em que abdica de direitos
fundamentais até à entrega
da criança e apontaram também a
“insegurança jurídica” para os bebés
(já que as crianças geradas ao
abrigo destes contratos, que sejam
posteriormente anulados, ficam
impedidas de serem reconhecidas
juridicamente como filhos
dos casais que recorreram à PMA,
o mesmo sucedendo com estes
quanto ao reconhecimento da sua
paternidade).
O acórdão do TC acabou também
com o anonimato dos dadores de
gâmetas (ovócitos e espermatozoides)
e, neste caso, com efeitos retroativos.
Esta decisão pode afetar
milhares de casais de casais inférteis,
lésbicas e mulheres solteiras,
que assim ficaram sem acesso aos
bancos de gâmetas.
SO
OMS publica a primeira Lista
de Diagnósticos Essenciais
Pela primeira vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma lista de testes de diagnóstico que
considera essenciais para promover melhores resultados no âmbito da saúde global.
Consciente da importância do
diagnóstico na prevenção de
doenças, a OMS criou a Lista de
Diagnósticos Essenciais (EDL,
na sigla inglesa), servindo também
de complemento à já lançada
Lista de Essenciais de
Medicação.
A lista é composta por 113 testes
de diagnóstico: 58 são de rotina
(sangue, urina, …) destinados a
detetar uma vasta gama de condições
clínicas. Estes testes estão
agrupados por disciplina (química
clínica, serologia, hematologia,
microbiologia e micologia).
Os outros 55 são focados na deteção
de doenças específicas,
que a OMS considera que são
prioritárias, como o HIV, tuberculose,
malária, hepatites B e C,
HPV e sífilis.
“Estou muito contente por isto”,
afirma o Dr. Madhukar Pai, citado
no site do The New York
Times, diretor de saúde global
na escola de medicina da
Universidade McGill e membro
do painel que criou este documento.
“Mas estou consciente
de que publicar esta lista em
Genebra não vai magicamente
Estou consciente de que publicar
esta lista em Genebra não vai
magicamente fazer com que os testes
de malaria fiquem disponíveis no
Vietnam. Cada país deve fazer a sua
própria lista para tornar a ideia real”.
fazer com que os testes de
malaria fiquem disponíveis no
Vietnam. Cada país deve fazer
a sua própria lista para tornar a
ideia real”.
A OMS não pretende que esta
lista tenha um carácter absoluto,
mas sim que seja um manual de
referência e orientação para os
vários países, de forma a que
selecionem e implementem os
seus testes tendo em consideração
o peso de cada doença
a nível nacional, e as diferentes
prioridades e necessidades.
SO
Junho 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 51