Livro de poesias escrito em 2006 na cidade mineira de Lavras, retratando as dificuldades intrínsecas a uma nova realidade do serviço público na polícia. A solidão espiritual e a certeza de que muitas vezes na vida o ouro que se procura vem manchado de sangue e sofrimento. Às vezes uma oportunidade não é mais que uma desilusão.
O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS
1
O LAVRADOR DAS LAVRAS VAZIAS
2
“A coragem, embora louvável no indivíduo humano, não é tão bela
quanto o medo. Bonito é sentir medo, pois é com o medo que vem a
superação. Quem nunca sentiu medo diante dos perigos da vida, ou diante
de uma situação assustadora, é inconseqüente. Vitorioso é o que teve medo
e conseguiu atravessar tal situação”.
Vitor Corleone Moreira da Silva
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Comentário
“Superação.Sentimento louvável que se esconde no interior das pessoas
mais frágeis. Desperta com fúria e promove ao homem a realização de façanhas
jamais pensadas. O inatingível se torna o topo onde é cravada a bandeira da
conquista.
É nos momentos mais difíceis da vida que ela se faz presente. Marca dos
vencedores que trazem no rosto as provas de tão dura batalha que é a
sobrevivência.
Vivemos à procura de novas e mais emocionantes conquistas a cada dia, e
muitas vezes deixamos simplesmente de cuidarmos de nós mesmos. O desejo
pelo novo nos move com tamanha ferocidade que nossos instintos mais íntimos e
mais delicados acabam sendo deixados de lado em detrimento das conquistas e
dos objetos do desejo.
Na vida nada é tão ruim que não possa ficar pior conforme os
acontecimentos se desenvolvem, e o limite entre o desespero diante dos fatos e a
coragem para reverter qualquer quadro é o que torna cada conquista mais
preciosa. A dor se torna saborosa quando o que foi passado é reflexo de
momentos em que a vitória é vivenciada.
Isso é bom, pois quanto mais nós garimparmos o garimpo da vida mais
riquezas serão encontradas nas Lavras.
Superação. Força propulsora que permite a resistência. É isso que o
lavrador procura em Lavras onde não existem riquezas. Procura formas para
resistir à todas as dores e tormentos que seu pobre corpo calejado e faminto
possui. O auxílio para sobreviver em um ambiente onde tudo é novo: mágoas que
jamais foram sentidas, mundos que jamais foram visitados, sentimentos e
aspirações impossíveis, o exílio.
Nas Lavras não havia ouro, o lavrador insistia em procurar riquezas para sua
alma.”
Santa Rita de Caldas, 13 de Março de 2009
Vitor Corleone Moreira da Silva
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As palavras mais bonitas da língua portuguesa
Amor
Paz
Felicidade
Esperança
Amizade
Sentimento de igualdade
Pensamento, urbanidade
Pai, mãe, irmão
Deus
Aurora
Natureza
Floresta
Lua, mar, amar, amar, amar
Seresta, orquestra, relva
Riacho, desejo, selva
Beleza
Certeza
Momentos de prazer
Realização
Simplicidade, companheirismo
Arte, cultura, fartura, aventura, doçura, cura
Maravilha
Sorriso e fraternidade
Fantasia
Infância, paixão, saudade
Flora, fauna, animais
Vida, Brasil, Minas Gerais
29/12/2006
5
Monotonia
Só se passaram dois
Ainda faltam muitos
Stress, exaustão, fadiga
Monotonia, fim de tarde
E eu preso à essa função
Regrada, complexa e numérica
Monotonia, um segundo mais
Ah! ‘Pasárgada’
Me espera que eu vou!
Movimentos inúteis
Palavras que nada dizem
Horas que não passam
Elas demoram a ir mas vão
Monotonia
Do meu lado e à minha frente
Um segundo mais
Meus olhos hipnotizados
Mórbidos somente contam
Parado no tempo
Monotonia
Olhando o ponteiro do relógio
18/05/2006
6
Lágrimas
Canto das águas ouvi.
O toque das águas senti.
As quais pareciam pedir
Que as ensinasse a sorrir.
Eram águas tão turvas!
Eram águas tão frias
Que conduziam meu corpo
Ao sereno das noites vazias.
Vi na imensidão das águas
Na contra-mão da vida vagando,
A mãe natureza do mundo
Na imensidão das águas chorando.
Tomei banho nas águas, tomei...
E as ondas levaram-me ao fundo.
O lixo coloriu o mar
Com o capitalismo do mundo.
Eram águas tristes
Da mãe, do pai, do filho insano
E tornaram tristes também
A vida de todo o oceano.
Canto dos cisnes...ouvi.
Cisnes cantam para morrer
O som mais triste da vida,
A vida não pode perder...
Senão transborda ás águas,
Com a pureza destas lágrimas
Um livro manchado de sangue,
Da vida, sofridas páginas.
18/04/2001
7
Amazona
Livre como as andorinhas
A amazona do campo
O perfume – um encanto
Que provoca o meu desejo
Os mais brilhantes cacheados
Os mais sorridentes e macios
Nos olhos a fonte de brilho
Perfumes que voam nos ares
Se a aurora vem tarde
Amazona acorda o dia
Com sua presença que radia emoção
A terra tem o cheiro dela
Os passos têm a maciez das nuvens
Pura como os passarinhos
Perfeita como flor que se abre
Marchando com o Manga-larga
Um corcel branco imponente
A presença dela é um alegre soneto
Cantilena, seu som ofegante
Que já fez versos em muitos corações
O alecrim saúda a sua passagem
Amazona morena
O corpo mais lindo do mundo
Os lábios mais perfeitos
Cor e perfume do campo
Dona de muitos corações
E do coração que a ninguém pertence
07/08/2001
8
A extração do ouro
Vivemos todos da extração do ouro
E o nosso desejo é o brilho dourado que possibilita tudo
Nessas Lavras ensolaradas de chão rachado e seco
Só o ouro importa e a fome existe
Se nos matamos é pelo ouro
O ouro guia os passos na terra e cospe no barro do chão
O ouro nos chama de idiotas
Mas nós damos a vida para encontrá-lo
Somos o dedo recortando o barro seco
Somos a pá devorando a terra rachada de sol
Vivemos de lavrar minas cheias de ossos
Queremos o ouro para comprar comida
Queremos o ouro para comprar panelas
Para devorar o mundo e estamos dispostos a morrer na busca
Sem acordarmos desse pesadelo escaldante
Passamos o dia sob o sol ardente
Vivemos todos da extração do ouro
A água é pouca pra que todos saciem a sede mas a carne quer riqueza
Um terço do ouro para os impostos
Muitos engolem o ouro que encontram e não pagam
Muitas desavenças na Lavra – o sangue é constante
Nós somos homens de roupas rasgadas
Somos movidos a esperança e ambição
De encontrar essas pedras nas Lavras cheias de ossos
De pessoas que procuraram o ouro
Nós somos enxadas consumindo a terra
Nós somos ossos cobertos de pele sufocando o barro
Para que ele cuspa o tão sonhado laurel dourado
Vivemos a buscar essa riqueza
Sem receio aos cânceres que o sol nos presenteia a cada instante
Não tememos o sol do meio-dia
Vivemos todos da extração do ouro
30/06/2001
9
Viver
Viver
É procurar diamante onde só há cristais
Procurar pela água onde só existe areia
Estar em um labirinto e procurar a porta
Escapar da chuva e se esconder do sol
Viver é desfrutar do que o momento apronta e se entregar ao amor
À aventura
É se aventurar onde só há quietude
Desejar luzes à noite e a sombra quando é dia
É querer um cobertor no inverno e dormir sem roupa no verão
Sentir o perfume da flor na primavera
Viver é nos encantarmos com as coisas que nos fazem bem
Chorar quando estamos tristes
Chorar quando estamos felizes
Admirar as coisas boas da vida. Simples que se tornam eternas
Viver é procurar amigos onde só há diamantes
Se impressionar com a simplicidade do artesanato
E não enxergar maravilhas inexplicáveis na tecnologia
Ouvir nossa música preferida
Cantar, sorrir, cantar
Viver é tudo que nós podemos ser
E aquelas coisas que não conseguimos vivemos na fantasia
É desatar os nós que fecham os caminhos
Olhando as estrelas viajar no espaço
Procurar o fim do mundo
É procurar por terra onde só existe o mar
É procurar por água onde só há areia
Chegar ao fundo do poço
E ter a certeza de que ninguém jogará uma corda
Viver é desprezar as coisas que não suportamos
E guardar no peito quem admiramos
Viver é querer ser jovem quando se está velho
E querer ser velho nunca
20/10/2006
10
Anjo do sonho
E vai às noites
E vaga errante
Enegrecido pelas folhagens
E escondido pelas estrelas
O puritano
Espelho da essência juvenil
Ou como a dor puerperal
Iluminado pelas certezas
E reluzindo a experiência
Guardião do entendimento
Razão e aprendizado
De sua vida onipresente
Luz que os olhos não compreendem
E vai à vida
E vai tentador
Sempre com o brasão dos sonhos
Da liberdade que o fortalece
E o faz vagar nas noites
E o faz descansar nos dias
22/04/2001
11
Encontro com a saudade
Encontro hoje o cenho da saudade
Como o sol carente ao doce lírio
E me deito no amargor do meu penar
Como a explosão de estrelas no noturno
Abro os braços e abraço o nada
Abro os olhos e jorram derrotas
Vivo a vida e encontro a saudade
Sonho, e não vejo a luz
Encontro a expressão do charme
Perdida na extensão de amores
Mas só eu estou sofrendo
Descubro a evolução da vida
Esbarro em tons de várias cores
Mas só eu sou incolor
Encontro hoje o cenho da saudade
Como o sol carente ao seco rio
E me deito no amargor do meu penar
Como a noite sobre a indefesa cidade
Caminhando não me movo
Estando só, eu sou um povo
A labareda arde minha pele
Sem eu estar próximo ao fogo
Encontro o portal dos sonhos
E o ermo coberto de dores
No chão rachado pelo sol do meio-dia
Sigo passos de quem não ri
E que passa a vida só
Vivendo com a saudade
Sofrendo de ansiedade
Enquanto passam-se as horas
20/04/2001
12
Descoberta
E vejo que eu descobri liberdade
Ao passo que longe havia o intransponível
E hoje para mim não é mais que uma curva na estrada
Sonhador, um eterno sonhador
Por nunca ter a expectativa da realização
Desafiando a posição ocupada na existência
Provador de amores verdadeiros e falsos
Loucuras, carnavais que se passaram
Os quais assassinavam a insanidade na ressaca da quarta-feira
Beijos verdadeiros provados
E já houve morte no final da primavera
Ao fim de um amor passageiro, resistente ao dia das cinzas
E vejo que eu descobri a consciência
Pois em tempos de loucura eu sonhava com a lua
E agora também sonho com as estrelas
Em tempos longínquos da escassa juventude
A vontade de viver porejava num acréscimo pelo desconhecido
E hoje tenho saudade daqueles tempos
13/04/2006
13
Vinho
Vê, que o vinho me fez insídia...
Devolveu-me à lembrança meu peditório
Fez minha boca regurgitar poemas antigos
Meus atos serem reprovados pela teleologia
Vê, que o vinho me fez injúria...
Pensamentos perdidos revoar em coração cheio de nada
Pensar que o sofrimento não é recidivo
E por um momento as palavras cheias de prazer
Vê, que o vinho me fez incúria;
O meu corpo repleto de vigor
Tirou dos meus olhos a policromia
Retirou a lucidez e me levou ao fundo do poço
Vê que o vinho não teve piedade
Dores passadas me debelaram
Grilhão de meu infortúnio me enclausurou
Rastejar perante minha face no espelho
Vê, o vinho fez de mim um escravo
15/04/2001
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Universo inóspito
Nos braços
Da blasfêmia desesperadora
A alma calva que chora e se perde
Triste, gemedora
No amaríssimo penar
De sua existência onírica
Perde-se no sol de verão que resseca sonhos
Sendo coberta por raios dourados
Raios que alimentam a voracidade das folhas
E como o lírio voraz
Como o livro de paz
Ou como a andorinha que voa
Existe a alma nesse espaço bélico
De guerra, mas que não há inimigos
A extensão dos desejos
De amargurado humano
Que na utopia guarda lucidez
Pois é trágica sua realidade
Onde o intróito de sua existência
É como o rio gárrulo
Como o pranto forçado
Ou como o golfinho que mergulha
Vive, e vive somente
Como se realiza qualquer outro tipo de ação
A alma geme no universo inóspito
O seu pesar ecoa em gritos de desespero
Nos braços da blasfêmia desesperadora
Ela é chorosa
Calva de risos pela carência de tudo
Gemedora e fraca
22/05/2001
15
Valsa de olhares
Quando lembro de você eu enlouqueço
E minha loucura é sempre pensar em você
Quando te vejo minha boca sorri
E meu sorriso é o espelho do seu olhar
Se não te vejo me sinto cego
E meu caminho é sem destino
Quando passo pelas calçadas eu percebo luzes
Lembrando você, luz que me guia!
Quando te encontro não consigo falar
Mas meu sorriso ecoa do coração aos olhares
Se te encontro não te posso tocar
Mas o toque dos meus desejos bate o coração como tambor
São apenas valsas de olhares de uma pessoa que ama
E tem que se contentar em não ser amado
São valsas que dançaríamos juntos
Se não fosse a minha loucura ou se talvez fosse real
Quando lembro de você eu enlouqueço
E minha loucura é sempre pensar em você
09/06/2001
16
Vida vazia
Se não vem o pranto
Vai-se o riso
Uma gota de encanto
Forma um paraíso
Se não murcha a rosa
Floresce a dor
A vida é chorosa
Carente de amor
A figura de morte
Afoga a vida
E acaba, perdida...
Seca e sem sorte
Se não vai juventude
A velhice vem
O tempo ilude
E mata também
Se não vem a fome
Vai-se a fartura
A dor consome
Os prazeres da cura
Se não vem a fúria
Vai-se a paz
Extrema penúria
Alegria jaz
Se não vem vingança
Vai-se o perdão
Adeus esperança
Como vai solidão
Se não vem saudade
Vai-se o costume
Não há piedade
Só medo e ciúme
Sem forças, mudo
Sem ter alegria
É um homem no escuro
É uma vida vazia
22/05/2001
17
Diferenças
Dorida agonia
Doloroso penar
É assim minha vida
Quando longe está
É triste o meu dia
Sempre a esperar
E a noite sofrida
Quando longe está
Mas quando está perto
Vivo sempre a sorrir
Nos beijos molhados
A me seduzir
O sorriso é constante
A vida é tão bela
Não há agonia
Quando estou com ela
11/05/2001
18
Sabiá
Vai sabiá, canta alto sabiá
Seu canto da mata ecoa no ar
E ressuscita a brisa calma
Seu canto tem vida
Sua vida é cantar
Seu canto da terra viaja no ar
Quase uma chuva
Estragou a aurora
Nesse dia o sabiá se calou
Colheu seu canto e se refugiou
Longe, lá no seu ninho
E um adeus estragou a canção
Sabiá aprisionado
Na gaiola de madeira
Pendurada na porteira
Vai morrer de solidão
E a mata perdeu seu canto
E a vida perdeu a graça
13/04/2001
Quase um barulho
Trovejou na canção
Nesse dia o sabiá voou
No outro dia o sabiá voltou
Cantando bem mais bonito
Ave preferida
Canta alto sabiá
Seu canto da terra ecoa no ar
Mas quase um uivo o levou embora
Quase o inverno o levou
Pra outras matas
Canta sabiá no campo
Canta sabiá na mata
No alto das árvores
Nos telhados nas casas do campo
Eu vou sempre ouvir seu canto
Quase o medo, e a chuva,
E o trovão, e o inverno
Mesmo assim o sabiá voltou
Canta, sabiá do campo
Canta, sabiá da aurora
Vai sabiá, canta alto sabiá
Como seus antepassados
Seu canto da terra ecoa no ar
19
Diário
Encontrei o espinho
Quando quis tocar a flor
Encontrei o vazio
Quando procurei amor
Encontrei o branco
Quando olhei o horizonte
Eu senti o gelo
Sob a luz do sol poente
Não senti o gosto
Quando procurei sabor
Não vivi coragem
Quando a vida trouxe horror
Eu me vi mais vivo
Quando quis morrer de amor
Eu estive alto
Quando quis me sobpor
Rastejei na terra
Mas queria estar no mar
Eu sentia fogo
Sob o brilho do luar
Mudo, de repente
Sem a voz transparecer
Um diário em branco
Não vivi, mas quis viver
23/05/2001
20
Nada acontece por acaso
Nada acontece por acaso
Tudo é predestinado
No momento certo
E na hora exata
Olhe ao seu redor
Veja sua importância
Todos precisam de você
E você precisa de todos
Você é importante
Não se esqueça disso
Antes de pensar
Que ninguém nota
A sua existência
Nada acontece por acaso
Reparte comigo sua mágoa
E guarda só pra você
A alegria
Toma o meu ombro amigo pra chorar
E as minhas palavras de consolo
Nada acontece por acaso
Se você está caminhando na estrada
A estrada existe
Porque você existe
Não há razão de existir vitória
Se você não estiver vivo
Para alcança-la
02/07/2006
21
Belo
É belo acordar
E ver o sol brilhando no céu
Os pássaros cantando
Sob o céu azul, sobre o azul do mar
É belo dizer
Palavras amigas, frases de consolo
É belo sentir saudade
Tudo é belo quando a beleza é o sonho que sonhamos
É belo sonhar com um mundo
Cheio de paz para se viver
É belo presenciar as águas do mar tocando a areia
Ver as ondas indomáveis no azul do oceano
Indo e vindo – que lindo
Olhar no azul do céu as nuvens passando
Os passarinhos voando
É belo observar a bailarina dançando
Com sua sandália de cristal e vestido branco
Os olhos se encantam – que linda
Que perfeição – que pequenina
É belo ver a bailarina dançando
Do palco aos olhos e dos olhos às estrelas
É belo sentir que os sonhos são o que nos fazem felizes
É belo, é belo amar!
Enfim
É belo viver
A vida, o amor, a amizade
É belo
29/12/2002
22
As ondas da vida
A vida vem em ondas que nos arrastam
Como os barcos que o oceano leva
E não podemos fazer nada
Porque a vida vem e quebra os remos
A vida vem em forma de ventos
E confundem as nossas velas
Ficamos à mercê da vida
Não podemos controlar
E mesmo assim gostamos de vivê-la
A vida vem em ondas que nos afogam
Para que possamos aprender a nadar
A vida rouba nossos movimentos
Mas não nos deixa perecer
A vida vem em ondas que nos levam
Para uma ilha onde ficamos sozinhos
Uma ilha deserta e pequenina
Cercada de vida por todos os lados
A vida vem em ondas que evaporam
E cobrem o céu sobre nós
A vida cai do céu e nos banha
De vida
A vida vem em ondas que nos levam
De um lado a outro sem rumo
A vida cega nossos olhos
E nos deixa ver somente a vida
Tentamos voltar
Só que as ondas
Tornam-se correntezas
Então a vida acaba
Na queda de uma cachoeira
29/12/2002
23
Conceito de amor
Amor é sentir-se além dos desejos
E da solidão
Se perder no meio de qualquer assunto
Quem ama pensa em ficar junto
Quem ama esquece o orgulho
Amor é metade mais metade igual a um
Mar de estrelas desaguando – carícias viris
Quem ama não pensa em mais nada
Só em ser feliz
Numa overdose de sensações eternas
Que matam de amores quando a lua nasce
E no outro dia ressuscitam os homens
Dá pra ver nos olhos, dá pra ver na face.
Observar o arco-íris que atravessa o céu do mundo
E expressar olhando ele os desejos mais profundos
Acordar – todo dia –
E dar um basta na tristeza
Descobrir as maravilhas
Do mar, do céu, da natureza
O que perdemos da vida
É só o que não permitimos que aconteça
Amor não é pra terminar
Sem prazer
Amor não é pra se guardar
Só viver
29/12/2002
24
A bailarina
Num arranjo divino a estrela sob os olhos do público
Graciosamente
Desenvolve passo a passo sua arte
O seu encanto
É a bailarina
Ela me faz gostar de coisas que jamais gostei
Ela me faz pensar em coisas que jamais pensei
Despertou os sonhos que não eu já nem sonhava
E puderam acordar de tão profundo sono dentro de mim
É como se a gravidade se ajoelhasse aos seus pés
A bailarina voa graciosamente
É como se o vento a carregasse
Só que exageradamente pra longe, pra muito longe
Sua alma suspira paz e tranqüilidade
Só lhe faltam asas – é um anjo
Voando sobre o palco de um lado a outro
Encantando nossos olhos que não se cansam
De admirar a bailarina
Que perfeição
Quanta paz ela proporciona
Quem dera que ela bailasse
Com tanta magia e sutileza só para mim - seria belo
Mas a bailarina é um anjo
E como todo anjo, não voa em um canto só
O seu brilho é intenso – minha alma suspira
Quando acaba o espetáculo fico ansioso
Para ver novamente a bailarina
Que consegue com sua tranqüilidade brilhar mais que uma estrela
Ela brilha mais do que uma estrela
29/12/2002
25
Momentos de terror
O terror de alguns momentos
Já rasgou minha face
Com lágrimas afiadas
Vi o sol fugir levando o dia
Deixando apenas a escuridão
Momentos que fizeram
O coração parar de bater
E os olhos perderem
O dom da visão
Perdi
A capacidade da coragem
Momentos cruéis
Que levam embora a luz
Dos astros celestes e deixam
As queixas tarimbadas
De quem sofre
Leva o som do oceano
Leva o vento da montanha
Leva a música do campo
O canto do passarinho
O gingado da capoeira
Leva
O sorriso das meninas
Brincando de ciranda
Faz a flor murchar mais cedo
Nessas Lavras desconhecidas
A invernia desabar
Socando meu rosto com o vento
Gelado, seco...rude
Difícil caminhar
Se os pés já não têm força
Os momentos de terror
Prosseguem quando vou dormir
Nos jornais jogados ao chão
Cheio de fome
E a luz no fim do túnel
Ainda está muito longe
Não sei se terei tempo de alcançar
Minha face costurada
Como chão rachando seco
Petrifica pouco a pouco
Nessas Lavras geladas
De pessoas desconhecidas
A luz de uma vela
Ilumina minha presença
Dando ar de importância
Em vão
Sou só eu
E os meus momentos
Terroristas e sem piedade
Batendo em quem não tem defesa
Porém apanha de pé
Sem cair momento algum
Sucumbindo pouco a pouco
Igual ao tronco do ipê
Quando cortam os seus galhos
20/07/2006
26
O prisioneiro
Aconteceu ontem quando eu escrevia
Fiquei preso em meu próprio texto
Não sei como sair desse lugar desconhecido
Está frio aqui e tudo é tão diferente
Aqui embaixo não existe sol
Lavras sem pedras preciosas
Preciso encontrar um jeito de sair daqui
Essas palavras não são o meu mundo
Essa prisão me toca, rasgando pedaços da minha pele
Sou a liberdade que faz com que o rio corra
E a tarde morra dócil
Para nascer a noite sob brilho de lua
E depois o dia nascer e se repetir tudo de novo
No esporte da existência
Preciso sair daqui
Esse texto regrado com sabor de fome
E frio em um cobertor cheio de furos
As minhas mãos estão levantadas ao ar esperando
Não há chaves nessa prisão e não há portas
Perecer
Sonhar
Chorar
Preciso sair daqui, mas há furiosos vulcões...
Rachando o sol e levando as pedras das Lavras
As que esperava encontrar
Preciosas, que nesse instante
São o que menos procuro
Só quero sair da prisão e voltar a ser eu
30/01/2006
27
O dono do mundo
Um dia eu acordei chateado
E comprei a rua onde morava
Mas a raiva não passou
Comprei meu bairro e minha cidade
Mas o sentimento ruim não cessava
Por um preço generoso
Comprei meu país e o mundo
E a lua que gira ao seu redor
Vi um garoto chorando
E comprei as suas lágrimas com um prato de comida
Minha alma sofria
Por eu não poder comprar a alegria
Então comprei o sol, as plantas e o universo...
Fiquei triste
Por não poder comprar um sorriso
Mesmo que existam tantos em todo lugar
Todo mundo tem
Por que então não consigo
Felicidade
De que adianta o mundo inteiro
Se o que eu quero é do tamanho de uma uva
Por que sonhar se já possuo o mundo
E tudo o que me falta não posso comprar com o dinheiro
Um dia eu acordei com raiva e descontente
Contentei em comprar um cigarro e uma pinga barata
Por não poder comprar o que eu mais precisava
28/04/2001
28
Mudanças na paisagem
No início tudo era tão mágico
Parecia que eu estava sonhando
Abandonei minha vidinha de brincadeiras de queimada
Minha vida normal, real e feliz
Deixei de lado as conquistas na pelada de rua
Queria sucesso maior do que as bolinhas de gude despojadas
Na batalha
Queria aventura maior do que escalar árvores a procura de ameixas
Agora tudo está mudado
Esse bairro, essas ruas
As pessoas na rua não são as mesmas
Antes eu chegava na janela e o cortiço estava em festa
Agora só vejo detalhes arquitetônicos
Que bom! Um passarinho cantando no poste de luz
Faz tempo que eu não via um desses
Agora as horas voam e o tempo é curto
Antes uma hora dessas nós estaríamos sujos de lama brincando
Ou na feirinha comprando doces
Ou roubando mangas no quintal do vizinho
As horas voam e o tempo muda
A vida parou diante de mim em um breve instante
Mas não há mais tempo para isso
A magia é quanto eu poderei render
Para que as conquistas
E o sucesso
E a aventura
Possam continuar sendo produzidas
26/07/2006
29
A verde e rosa
Hoje à noite vai sair a Verde e Rosa
Com um enredo que é o retrato do povo
Chegou
A Estação Primeira
E quando hoje despontar a gloriosa
No coração da bateria Verde e Rosa
A emoção correrá os quatro ventos
A Estação Primeira que anuncia
Paz, amor, esperança...alegria
Som do surdo no compasso a marcação
Bate forte no pulsar o coração
Uma canção suave
Tranqüila como o vôo das aves
E doce como o mel do campo
A Mangueira é um coração na avenida
Pulsando no ritmo da bateria
Levando milhões a acompanhar
Cada verso do seu enredo
Com o samba no pé, com o samba nas mãos...
Com o samba no olhar
Velha guarda, o cartão-postal do morro
Verde e Rosa, cartão-postal do Rio
Chegou, chegou, chegou
A Estação Primeira
De Mangueira
Chegou
12/02/2002
30
Sentinela
É noite
As bandeiras já foram arriadas
A poeira anuncia que a ordem unida
Cessou a poucos instantes
Silêncio
O gramado recebe a luz do luar e a geada
A voz de ordem ainda ecoa no ar...e some
A Calmaria é impressionante
Não se ouve um grilo sequer
Sinto-me como se estivesse
Sendo observado por milhões de olhares
Mas não há ninguém
Só a noite
E o silêncio
E eu
Os pavilhões contam
A história desse lugar
Basta olhar para eles por alguns segundos
As luzes acesas na estátua
Tem a cor das pessoas e o suor
A ações em prol da vida
O trabalho
Tudo
Os cães rompem o silêncio
Por alguns instantes e param
O canil dorme como se estivesse sob efeito de sonífero
Pareço estar só
Mas tenho um bastão e uma lanterna
E a noite
E o silêncio
29/01/2006
31
Raça Negra
Amanhã...
‘Quem sabe amanhã talvez’
‘Quem sabe’
O amor seja mais feliz do que hoje
Que possamos ser iguais
Dividir o nosso espaço
Com pessoas de outra cor
Que mereçam nossa companhia
E ‘o tempo
Coloque tudo no seu lugar’
Que eu não precise
Pedir ‘perdão’ por amar
‘Quem sabe amanhã talvez’
‘Quem sabe’
A sociedade ‘cheia de manias’
‘Que não liga pro meu sofrimento’
‘E não sabe de mim’
Reconheça que só ao meu lado
(Nas noites de solidão e estrelas)
Seu dia nascerá feliz
‘E aí’
‘Um beijo, um abraço,
Um olhar, um sorriso...’
‘Assim é o amor’
Sem distinção de raça
E a raça negra é confiante no amor
Não ‘faz doer’
Só quer o seu ‘espaço’
‘Extrapola’ só em comemorar
Porque a igualdade entre todos
‘É tudo que eu preciso’
‘Pro dia nascer feliz’
Eu sou a raça negra!
E se assim for
‘Maravilha’
24/08/2002
‘Quem sabe amanhã talvez’
‘Quem sabe’
Precise de um tempo pra pensar
Mas pensar em como é bom
Viver e ser igual
Onde não existam diferenças
Entre o negro e o branco
‘O tempo coloca tudo no seu lugar’
E não nos deixa pensar no ‘fim’
A barreira que nos espera ou
Esquece que somos vida
Porque o único ‘fim’ verdadeiro
Direitos reconhecidos
‘Aquilo que tem que ser será’
‘A vida inteira’ ‘Como se fosse
Um adolescente sonhador’
Que o vento vem
E carrega os pensamentos
E os levam pra dentro de um
‘Espelho’
A consciência de cada homem
32
As ruas de Belo Horizonte
Para mim as ruas mais belas de Belo Horizonte
São as ruas do bairro Gutierrez
E as ruas do bairro Belvedere
No Gutierrez é como se as subidas íngremes das montanhas
Se erguessem para olhar pra Deus
E o Belvedere tão calmo
Permite ouvir nossos próprios passos
Existem ruas movimentadas como a Curitiba
A rua São Paulo, a Rio de Janeiro,
A avenida Assis Chateaubriand
E Existem ruas calmas
Como a rua Enéas, a rua da Bandeira, a rua um
Cada uma conta sua história desde o nascimento de barro batido
Existem ruas que são tão distantes (de mim)
Ruas do bairro Boa Vista
As ruas do bairro Saudade que trazem saudade
E a rua Liliana, filha da avenida Santa Albertina
No bairro Casa Branca, vizinho do bairro São Geraldo
Existem ruas importantes para a cidade
Como a rua dos Guajajaras, a rua dos Timbiras
A rua dos Tupis, Tupinambás, rua Padre Eustáquio
E ruas que são pouco importantes, pouco visitadas, pouco comentadas
Só que a rua que eu mais aprecio
E que eu acho mais importante
Não é uma rua, nem avenida, não é um bairro...é um lugar
Um corredor cercado de iguais liberdades verdes nos dois lados
A paz interior de uma passarela tranqüila
Onde não se ouve os carros que passam ao seu redor
E onde sinto a liberdade
13/04/2002
33
Embaixador do vício
Quem roubou nossos direitos
Tão humanos tão perfeitos
E a justiça fez cessar
Sentem fome as crianças
Olhos quase sem esperança
Rasos d’água de chorar
Quero ir e vir sem medo
Minha família e meu emprego
Liberdade, o meu sossego,
Igualdade eu sempre quis
Eu sempre quis
Eu me sinto perseguido
Deus do céu não sou bandido
Só preciso ser feliz
E onde está o padrão de vida
Nesses becos sem saída
Lá no alto da favela
Era meu sonho de liberdade
Balas cruzam o céu da cidade
Segurança já não há
E o que vai ser deles
Aqueles que o futuro condenou?
Sem escola é tão difícil
Vira embaixador do vício
Quem não pôde ser doutor
13/07/2007
34
O doce dos dias
Qual o sabor das manhãs?
Onde nada mais existe do que o mesmo sol
Aquecendo as ruas e telhados das casas.
Evaporando os minúsculos cristais de gelo,
Que se formam todas madrugadas sobre as mesmas lajes.
Não há doce, não existe ternura alguma.
O açúcar da disposição destila e se torna cachaça,
O licor da saúde nada mais é que o vinho.
O que os pássaros procuram com o canto?
Por que essas rosas estão se abrindo?
Por que as nuvens passam no espaço com alegria
Se não há alegria nem doçura alguma?
Tudo é normal e o normal é que provoca.
É voraz o tempo que consome as perguntas
E me deixa sempre sem as respostas.
Eu queria sentir o sabor da manhã
Escorrendo em minha boca, mas não existe mel.
O sabor da manhã não há
Porque não há o pão.
Não há o doce porque na boca só há saliva
E na vida não há nada mais
Do que a própria vida.
17/06/2006
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Volúpias
Sempre que me lembro dos prazeres
A esperança percorre todos os meus músculos
Os dias cheios de volúpias
Banham a boca de nostalgia e desejo
Os dias que foram frios
São para mim o antigo orvalho
Havia aquela que trazia calor e encanto
Lembro-me, e um sorriso aparece no meu rosto
Volúpias, prazeres da carne
As noites eram um vendaval de sorrisos e vinhos
Barulho de taças
Volúpias, beijos molhados
O irrealizável a longo prazo – momentos passageiros
Banho dourado que fica só na lembrança
Tempero doce que percorre o corpo
As sensações viris que desenham loucuras
Os sentidos de todo o corpo
Afogam-se no mar de forçosa volúpia
Nós somos leigos em matéria de amor
Somos tolos e a paixão nos consome
E momentos de apenas carícia e satisfação
Provocam lembranças insaciáveis
Prazeres por toda a vida
É o laurel da jornada cheia de dores
E o adversário mais forte
É a incerteza que nos persegue
Nos caminhos que sempre traçamos
Volúpias, a satisfação não possui limites
Todo homem recorda momentos
O sabor do prazer reside nos lábios
20/05/2001
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