Retalhos

Jorge Filho
Aquela lágrima que teimou em cair do seu olho acabara de se
transformar em um choro compulsivo e sem previsão de fim.
Aquela havia sido sua última tentativa.
Sabia que já estava velho e doente demais para ter qualquer
tipo de esperança de felicidade.
Mas, ainda assim, teimava em esperar conseguir alcançá-la.
Sua memória falhava muito. Esquecia-se constantemente das
coisas mais recentes e corriqueiras. Mas de sua história com
aquela mulher, jamais conseguira esquecer.
Não precisava esforço para lembrar.
Afinal, tentar esquecer nada mais é que lembrar.
Aquele era um martírio que parecia infindável.
Era como um fantasma de uma pessoa morta e enterrada
numa cova bem funda que voltava todos os dias para lembrarlhe
de sua existência.
O velho homem passara grande parte da sua vida tentando.
Tentava esquecer e tentava reconquistá-la.
Paradoxalmente, ele nunca soube qual das vontades era mais
forte.
Agora no crepúsculo de sua vida, enviara uma última carta
para ela.
Precisava vê-la antes de morrer.
Necessitava dizer o quanto a amava e o quanto sentia por
nunca ter sido o homem ideal para ela.
Tinha que dizer que sentia muito por ter estragado tudo e que,
todos os erros cometidos haviam sido em nome do amor.
Se não conseguisse, morreria infeliz.
Porém, não tinha mais como se locomover até ela para dizerlhe
essas coisas e nem adiantaria para ele escrever sobre isso.
Precisava falar-lhe pessoalmente. Olhar nos seus olhos.
Mas estava óbvio que ela nunca viria.
Agora só lhe restavam as recordações.
E esse era o gosto mais amargo que um homem podia sentir: o
gosto da incapacidade.
28