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Catálogo do Museu da Memória Rural

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CATÁLOGO<br />

<strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong><br />

Um Território Musealiza<strong>do</strong>


CATÁLOGO<br />

<strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong><br />

Um Território Musealiza<strong>do</strong>


FICHA TÉCNICA<br />

TÍTULO<br />

CATÁLOGO - <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong>,<br />

Um Território Musealiza<strong>do</strong><br />

AUTORES<br />

António Luís Pereira<br />

Isabel Alexandra Lopes<br />

FOTOGRAFIA<br />

Leonel de Castro<br />

Edigma (<strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong>)<br />

EDIÇÃO<br />

Câmara Municipal de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães<br />

IMPRESSÃO<br />

Clássica - Artes Grá cas<br />

1000 exemplares<br />

ISBN<br />

978-989-97434-7-2<br />

Deposito Legal<br />

429703/17<br />

Ano - 2017


Este projeto de musealização é uma homenagem ao trabalho. Pretende <strong>da</strong>r<br />

visibili<strong>da</strong>de aos homens e às mulheres esqueci<strong>do</strong>s, que quase nunca têm, ou<br />

alguma vez tiveram voz.<br />

Este projeto de musealização é uma homenagem aos nossos avós de<br />

semblante <strong>do</strong>bra<strong>do</strong> pela obra futura que lhes nasce <strong>da</strong>s mãos.<br />

Dedica<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s aqueles cuja memória e o saber permitiu a reconstituição de algumas <strong>da</strong>s<br />

ativi<strong>da</strong>des que integravam o dia-a-dia <strong>da</strong> Cultura <strong>Rural</strong> <strong>do</strong> concelho de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães.


INDÍCE<br />

7 NOTA DE ABERTURA<br />

9 A FUNÇÃO DE UM MUSEU<br />

17 DA TERRA E DOS HOMENS<br />

19 A ARTE DAS MÃOS<br />

20 O CANASTREIRO<br />

26 O CORTICEIRO<br />

32 O TANOEIRO<br />

38 O FUNILEIRO<br />

44 O FERRADOR<br />

50 O SAPATEIRO<br />

54 A PESCA TRADICIONAL<br />

60 PASTORES, SABORES E AGASALHOS<br />

62 A OVELHA<br />

64 O PASTOR<br />

68 A QUEIJEIRA<br />

74 O TOSQUIADOR<br />

80 DA LÃ À MANTA<br />

88 A TECEDEIRA<br />

94 O PÃO DE CADA DIA<br />

96 O MOLEIRO<br />

101 MOINHOS DE RODÍZIO<br />

104 MOINHOS DE VENTO<br />

108 A PADEIRA<br />

112 UM FIO DE AZEITE<br />

115 O AZEITE<br />

120 TERRA VERMELHA AMASSADA COM SUOR<br />

122 A TELHA<br />

149 UM TERRITÓRIO MUSEALIZADO


NOTA DE ABERTURA<br />

Foi em 2013 que iniciámos o projecto de musealização deste concelho, com a<br />

abertura <strong>da</strong> sede <strong>do</strong> <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong> em Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira. Após<br />

essa primeira experiência o Município de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães tem vin<strong>do</strong> a alargar<br />

o leque de espaços museológicos polariza<strong>do</strong>s pelo território concelhio com o<br />

objetivo a proporcionar a quem nos visita uma leitura abrangente e real <strong>da</strong> cultural<br />

imaterial e <strong>do</strong> saber fazer <strong>da</strong>s terras e gentes de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães.<br />

A presente publicação “<strong>Catálogo</strong> <strong>do</strong> <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> Memoria <strong>Rural</strong>, Um Território<br />

Musealiza<strong>do</strong>”, não é mais <strong>do</strong> que uma compilação de tu<strong>do</strong> o que foi feito, reunin<strong>do</strong><br />

textos e imagens de um museu que se quer inclusivo e participa<strong>do</strong> pela comuni<strong>da</strong>de.<br />

To<strong>do</strong> o trabalho que foi realiza<strong>do</strong> até esta <strong>da</strong>ta, não teria si<strong>do</strong> possível sem a<br />

participação de to<strong>do</strong>s aqueles que viveram esta reali<strong>da</strong>de e que de uma forma<br />

entusiástica a comunicaram através <strong>da</strong> partilha <strong>do</strong> seu saber e <strong>da</strong>s suas memórias.<br />

Por essa razão aqui deixo o meu agradecimento público a to<strong>do</strong>s os que nos<br />

transmitiram o conhecimento e a riqueza desta nossa cultura em que a rurali<strong>da</strong>de<br />

em vez de ser um estigma poderá constituir-se como a base de um processo de<br />

desenvolvimento local e regional e fator de sustentabili<strong>da</strong>de.<br />

Este museu são as nossas pessoas. Nele representamos o que somos, o que sabemos<br />

fazer e o orgulho <strong>da</strong>quilo que queremos preservar e transmitir.<br />

A to<strong>do</strong>s os que permitiram que este projecto se tornasse reali<strong>da</strong>de, deixo mais uma<br />

vez os meus agradecimentos.<br />

José Luís Correia<br />

Presidente <strong>da</strong> Câmara Municipal de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães


A FUNÇÃO DO MUSEU


Site <strong>do</strong> <strong>Museu</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong><br />

11<br />

O <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong> é uma estrutura polinuclea<strong>da</strong> destina<strong>da</strong> a trabalhar<br />

temáticas relativas à cultura rural e ao património imaterial <strong>da</strong> região duriense e<br />

transmontana.<br />

Trata-se de um espaço destina<strong>do</strong> ao estu<strong>do</strong> e à recolha <strong>da</strong>s tradições e saberes<br />

concelhios e regionais que atualmente estão a cair em desuso, estan<strong>do</strong> já aqui<br />

representa<strong>do</strong>s ofícios tradicionais como o <strong>do</strong> ferra<strong>do</strong>r, canastreiro, pesca<strong>do</strong>r <strong>do</strong> rio<br />

Douro, padeira, queijeira, pastor, tanoeiro, sapateiro, funileiro, moleiro, corticeiro, e<br />

técnicas representativas <strong>da</strong> antiga economia local, como o fabrico <strong>do</strong> azeite, o<br />

fabrico <strong>da</strong> lã e os fornos de produção artesanal de telha.<br />

Suporta<strong>do</strong> num conjunto de recursos tecnológicos, onde se incluem as mais<br />

recentes soluções multimédia, o <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong> assume-se com um<br />

caráter fun<strong>da</strong>mentalmente didático, constituin<strong>do</strong> uma homenagem à cultura rural de<br />

um povo que possui uma longa história e uma ancestral tradição cultural que urge<br />

preservar, estu<strong>da</strong>r e difundir.<br />

Estrutura<strong>do</strong> como um projeto de museologia rural, to<strong>do</strong> o discurso museográfico é<br />

reuni<strong>do</strong> de forma coerente e complementar num edifício sede e em núcleos<br />

polariza<strong>do</strong>s pelo restante território concelhio. Neste momento, integram este<br />

museu territorial o Edifício Sede de Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira e os núcleos <strong>do</strong> Lagar<br />

de Azeite de Lavandeira, o Moinho de Vento de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães, os Moinhos de<br />

Rodízio <strong>da</strong> Ribeira <strong>do</strong> Couto (Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira) e o Forno de Telha Artesanal<br />

de Luzelos.<br />

Sen<strong>do</strong> direciona<strong>do</strong> para a valoração <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e para o estu<strong>do</strong>, preservação e<br />

difusão <strong>da</strong> cultura local, este projeto aposta numa abor<strong>da</strong>gem participacionista <strong>do</strong><br />

património e numa dimensão dinâmica <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, operan<strong>do</strong> com “meto<strong>do</strong>logias de<br />

intervenção comunitária, democráticas e participativas”. Fun<strong>da</strong>mentalmente, pretendese<br />

implementar uma museologia social, entendi<strong>da</strong> e participa<strong>da</strong> pela população, de<br />

forma a gerar laços para a coesão social e territorial, valorizan<strong>do</strong> desse mo<strong>do</strong> um<br />

património vivo e vivi<strong>do</strong> na matriz cultural e na essência <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des que lhe<br />

conferem o ver<strong>da</strong>deiro e indispensável senti<strong>do</strong>.<br />

Uma narrativa gráfica impressa em grande formato, uma “timeline interativa”,<br />

“janelas digitais interativas”, uma “mesa multitouch”, “telas multitouch”, “LCD's” de<br />

alta resolução, uma “parede interativa” e uma “mesa interativa” para as crianças,<br />

constituem os recursos tecnológicos <strong>do</strong> espaço central <strong>do</strong> <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong><br />

<strong>Rural</strong>.


Através deles e de um programa gráfico basea<strong>do</strong> em áudio, fotografia e vídeo de alta<br />

quali<strong>da</strong>de, conta-se e preserva-se a memória de muitos ofícios tradicionais e<br />

expõem-se temáticas relaciona<strong>da</strong>s com as antigas técnicas de um ancestral saberfazer.<br />

O vídeo, o áudio e a fotografia como instrumentos de registo e de<br />

exposição de discursos<br />

Este museu não é apenas um lugar de artefactos. O <strong>do</strong>cumento gera<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de cultural apoia-se também no registo em vídeo, em áudio e em fotografia,<br />

expon<strong>do</strong>-se a partir desses suportes as diferentes manifestações <strong>do</strong> património<br />

imaterial e <strong>da</strong> memória histórica <strong>da</strong> região duriense e transmontana. Esta é, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, uma <strong>da</strong>s priori<strong>da</strong>des centrais desta estrutura museológica. Na linha <strong>da</strong>s boas<br />

práticas recomen<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela UNESCO, pretende-se registar, <strong>do</strong>cumentar e expor as<br />

várias manifestações sociais, rituais e eventos festivos <strong>do</strong> concelho e <strong>da</strong> região<br />

envolvente, as técnicas tradicionais, as expressões artísticas e artes performativas, as<br />

tradições e expressões orais e o conhecimento <strong>da</strong>s práticas relaciona<strong>da</strong>s com a<br />

natureza e o universo.<br />

Galeria: «Um espaço<br />

participa<strong>do</strong> pela<br />

comuni<strong>da</strong>de»<br />

Um espaço participa<strong>do</strong> pela comuni<strong>da</strong>de<br />

O <strong>Museu</strong> desenvolve preferencialmente uma abor<strong>da</strong>gem participacionista <strong>do</strong><br />

conceito de património. Por tal motivo, é <strong>da</strong><strong>do</strong> particularmente relevo à dimensão<br />

dinâmica <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, ao valor histórico <strong>da</strong> cultura e à necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mesma ser<br />

transmiti<strong>da</strong> de geração em geração sem qualquer imposição ou exaltação<br />

etnocêntrica e sempre em pleno respeito pelo relativismo cultural. Valoriza-se um<br />

património vivo e por isso o museu vive quotidianamente com as populações locais<br />

através de iniciativas que têm como principal objetivo a inserção e a interação <strong>da</strong>s<br />

pessoas com estes espaços que se pretendem de cumplici<strong>da</strong>de cultural e de<br />

envolvimento comunitário. 12


Um espaço de debate e de reflexão<br />

O edifício sede dispõe de um pequeno auditório com uma lotação para cerca de 50<br />

pessoas. Equipa<strong>do</strong> com projetores e hardware de comunicação, este espaço permite<br />

a apresentação de palestras, pequenos colóquios, reuniões, ações de formação,<br />

projeção de <strong>do</strong>cumentários, etc. Aqui já foram promovi<strong>da</strong>s várias iniciativas de<br />

reflexão e debate temático. É frequentemente utiliza<strong>do</strong> para gerar ações de<br />

interativi<strong>da</strong>de com a comuni<strong>da</strong>de de Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira, encontran<strong>do</strong>-se<br />

aberto a to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de concelhia para a apresentação de iniciativas de<br />

interesse local.<br />

Um espaço de pe<strong>da</strong>gogia<br />

Convictos de que as manifestações culturais têm “protagonistas no presente, tiveram<br />

protagonistas no passa<strong>do</strong> e terão protagonistas no futuro”, o <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong><br />

desenvolve junto <strong>da</strong>s escolas locais um programa pe<strong>da</strong>gógico com vista a gerar<br />

mecanismos de consciencialização <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de cultural. No museu, as crianças<br />

dispõem de tecnologia e materiais que lhes permitem identificar as matrizes gerais<br />

<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de cultural de onde são originárias e onde no dia-a-dia se integram.<br />

13<br />

Workshop de Bonecas de Trapo e Papagaios de Papel - exemplo de uma interação com a comuni<strong>da</strong>de


DA TERRA E<br />

DOS HOMENS


A ARTE DAS MÃOS


O CANASTREIRO<br />

Video:<br />

O Canastreiro<br />

Galeria:<br />

O Canastreiro<br />

A obra começa com o corte. Escolher<br />

a madeira é um ato de pormenor que<br />

só o canastreiro sabe fazer. Entre as<br />

touças de castanho escolhe os melhores<br />

paus que logo de segui<strong>da</strong><br />

haverão de crestar levemente numa<br />

fogueira bran<strong>da</strong>. Depois vem o rachar<br />

<strong>da</strong> madeira para emparelhar as cavacas<br />

que <strong>da</strong>rão forma à canastra.<br />

As operações não são simples, necessitam<br />

de alguma mestria, de tempo e de<br />

uma mão certeira que só se consegue<br />

com a experiência feita pelo acúmulo<br />

<strong>do</strong>s anos.<br />

Senta<strong>do</strong> no seu “cavalo” o canastreiro<br />

apara, lavra a última cavaca. É agora a<br />

altura de começar a tecer. No chão,<br />

sobre uma tábua, dispõe 5 cavacas ao<br />

compri<strong>do</strong> e 6, 7 ou 8 perpendicularmente.<br />

No topo uma fina cor<strong>da</strong> amarra<br />

o conjunto... e a canastra, a pouco e<br />

pouco, começa a nascer.<br />

21


O CORTICEIRO<br />

Galeria:<br />

O Corticeiro<br />

A arte de retirar a cortiça é antiga e<br />

feita de forma exclusivamente artesanal.<br />

Este trabalho, duro e ao mesmo<br />

tempo delica<strong>do</strong>, requer uma técnica<br />

apura<strong>da</strong> e muita perícia nos movimentos<br />

de corte <strong>da</strong><strong>do</strong>s com um<br />

macha<strong>do</strong>.<br />

O descortiçamento não é uma tarefa<br />

fácil. Os golpes devem ser <strong>da</strong><strong>do</strong>s de<br />

uma forma certeira e precisa para que<br />

o corticeiro não atinja a saúde <strong>do</strong><br />

sobreiro. Um golpe mal <strong>da</strong><strong>do</strong> no seu<br />

tronco pode significar a morte de uma<br />

árvore que demora cerca de 25 anos<br />

até expor a sua primeira produção.<br />

A principal preocupação <strong>do</strong> corticeiro<br />

é, por isso, a de não ferir o sobreiro,<br />

uma <strong>da</strong>s mais preciosas e protegi<strong>da</strong>s<br />

espécies florestais <strong>do</strong> país. Para tal, é<br />

necessário fazer uma longa aprendizagem<br />

<strong>do</strong> manejamento <strong>do</strong> macha<strong>do</strong>,<br />

um objeto peculiar e considera<strong>do</strong><br />

único no mun<strong>do</strong>, com um cabo de<br />

madeira remata<strong>do</strong> em cunha que aju<strong>da</strong><br />

a levantar a cortiça sem nunca tocar no<br />

tronco <strong>da</strong> árvore. O descortiçamento é<br />

um trabalho feito nos meses de verão,<br />

entre junho e setembro, e consiste<br />

numa operação que apenas se repete<br />

de nove em nove anos .<br />

27


O TANOEIRO<br />

Video:<br />

O Tanoeiro<br />

Galeria:<br />

O Tanoeiro<br />

33<br />

O Tanoeiro é o artesão que trabalha no<br />

fabrico de pipos, pipas, tonéis, balsas,<br />

canecos, tinas, celhas e outros objetos<br />

cujos elementos chave são as aduelas e<br />

os aros.<br />

Era uma ativi<strong>da</strong>de bastante desenvolvi<strong>da</strong><br />

no concelho de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães,<br />

sen<strong>do</strong> o Mogo de Ansiães e a Samorinha<br />

os lugares onde existia um maior<br />

número de artesãos a dedicarem-se a<br />

tal ativi<strong>da</strong>de .<br />

O tanoeiro trabalha essencialmente<br />

com madeiras de castanho e carvalho,<br />

que na sua oficina corta à medi<strong>da</strong> para<br />

fazer as aduelas, primeira fase <strong>do</strong><br />

trabalho para o fabrico de um pipo.<br />

Estas aduelas vão permanecer cerca de<br />

meio ano em grades ou castelos para<br />

secar. Posteriormente, e depois de se<br />

ter procedi<strong>do</strong> a uma prévia seleção, as<br />

de melhor quali<strong>da</strong>de são utiliza<strong>da</strong>s para<br />

fazer o corpo <strong>do</strong> pipo e as restantes<br />

servem para cortar em tamanho<br />

inferior e fazer os tampos.<br />

A fase posterior chama-se esquivir e<br />

utiliza-se a raspilha, plaina ou garlopa,<br />

para tornar a parte lateral <strong>da</strong> aduela<br />

mais estreita <strong>do</strong> que o centro, de<br />

forma a que as pontas se justaponham<br />

perfeitamente para formar o bojo <strong>do</strong><br />

pipo.<br />

A etapa seguinte é denomina<strong>da</strong> de<br />

parear e consiste em medir o número<br />

máximo de aduelas que cabem no<br />

perímetro <strong>do</strong> bojo. Para executar este<br />

trabalho utiliza-se os arcos de bastição,<br />

feitos de um aço mais forte para<br />

melhor aguentarem as panca<strong>da</strong>s <strong>do</strong><br />

martelo de bastir sobre o chaço.<br />

Depois de arma<strong>do</strong> o pipo, segue-se o<br />

bastir ou o vergar a fogo. O interior <strong>da</strong><br />

vasilha é coloca<strong>do</strong> sobre o calor de<br />

uma fogueira de forma a que o<br />

tanoeiro possa mol<strong>da</strong>r a parte inferior<br />

<strong>da</strong>s aduelas com o auxilio de um cabo<br />

de aço. O pipo toma então a sua forma<br />

final sen<strong>do</strong> a parte inferior aperta<strong>da</strong><br />

com um outro arco de bastição.<br />

Após o arrefecimento é necessário<br />

retirar os arcos provisórios, de bastir, e<br />

colocar os definitivos feitos de aço que<br />

entretanto foram corta<strong>do</strong>s à medi<strong>da</strong><br />

para serem aperta<strong>do</strong>s por meio de um<br />

cravo sobre a bigorna.<br />

É agora a fase <strong>do</strong> arrunhar as extremi<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong>s aduelas para colocar o<br />

tampo. Este trabalho tem diferentes<br />

fases como o corte, o acerto <strong>da</strong> aba


com o rabote e o abrir <strong>do</strong> roço com o<br />

auxílio de uma gebradeira.<br />

Após esta tarefa, o tanoeiro tem ain<strong>da</strong><br />

de alisar o interior, utilizan<strong>do</strong> o auxílio<br />

de uma enxó para os pipos de maiores<br />

dimensões e um fole para os pipos mais<br />

pequenos.<br />

Finalmente aplicam-se os tampos com<br />

a aju<strong>da</strong> de uma alheta e ve<strong>da</strong>-se tu<strong>do</strong><br />

com parafina e barro.<br />

34


O FUNILEIRO<br />

Video:<br />

O Funileiro<br />

Galeria:<br />

O Funileiro<br />

O funileiro era um profissional que<br />

confecionava objetos em chapa zinca<strong>da</strong><br />

ou folha de flandres, riscan<strong>do</strong>, mol<strong>da</strong>n<strong>do</strong><br />

a frio, cortan<strong>do</strong>, rebitan<strong>do</strong> ou furan<strong>do</strong><br />

os metais.<br />

O trabalho deste artesão baseava-se,<br />

essencialmente, em desenhos ou<br />

moldes pré-defini<strong>do</strong>s de onde nasciam<br />

objetos de uso quotidiano como a<br />

tigela, a candeia <strong>do</strong> azeite, a candeia <strong>do</strong><br />

petróleo, a almotolia, o almude, o<br />

cântaro, o cana<strong>do</strong>, o quartilho, a lata <strong>do</strong>s<br />

pastores, o côco <strong>do</strong> cal<strong>do</strong> <strong>da</strong> roga, o<br />

rega<strong>do</strong>r, a enxofradeira, a ladra <strong>da</strong> fruta,<br />

o mata frangos, a fôrma <strong>do</strong> fumeiro, o<br />

aro <strong>do</strong>s queijos, o gravano e o chuveiro.<br />

To<strong>do</strong>s esses objetos integraram,<br />

durante muito tempo, um comércio de<br />

alguma importância; um comércio de<br />

feiras e de merca<strong>do</strong>s que só caiu em<br />

desuso quan<strong>do</strong> o plástico invadiu os<br />

estabelecimentos comerciais <strong>da</strong>s vilas e<br />

<strong>da</strong>s aldeias de Trás-os-Montes e Alto<br />

Douro.<br />

39


O FERRADOR<br />

Video:<br />

O Ferra<strong>do</strong>r<br />

Galeria:<br />

O Ferra<strong>do</strong>r<br />

45<br />

Não raro, as profissões de ferreiro e de<br />

ferra<strong>do</strong>r concentravam-se num mesmo<br />

indivíduo. Quan<strong>do</strong> assim não era, ao<br />

primeiro competia a arte <strong>da</strong><br />

manipulação <strong>da</strong> forja para fundir a<br />

ferradura, enquanto sobre o segun<strong>do</strong><br />

recaia apenas o trabalho de “calçar” os<br />

animais.<br />

Não está ain<strong>da</strong> suficientemente <strong>do</strong>cumenta<strong>da</strong><br />

a época exata em que os<br />

equídeos e os muares começaram a ser<br />

ferra<strong>do</strong>s. Sabe-se que a preocupação<br />

em conter o desgaste natural <strong>do</strong>s<br />

cascos destes animais foi uma necessi<strong>da</strong>de<br />

senti<strong>da</strong> desde os tempos mais<br />

remotos, nomea<strong>da</strong>mente desde os<br />

tempos em que ocorreu o processo de<br />

<strong>do</strong>mesticação destas espécies que ao<br />

longo <strong>do</strong>s séculos se estabeleceram<br />

como os principais alia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> homem,<br />

quer em tempo de guerra, quer em<br />

tempos de paz.<br />

Alguns <strong>da</strong><strong>do</strong>s históricos apontam<br />

para o terceiro milénio antes de<br />

Cristo o início <strong>do</strong> processo de<br />

<strong>do</strong>mesticação <strong>do</strong>s cavalos e <strong>da</strong> sua<br />

utilização em montaria e tração. Quer<br />

os egípcios, quer os Persas fizeram<br />

uso intensivo deste animal, mas a<br />

ferradura, nesta altura, era feita com<br />

materiais perecíveis, palha ou capim, e<br />

como tal muito residuais foram os<br />

vestígios deixa<strong>do</strong>s no registo arqueológico.<br />

A prova mais remota <strong>do</strong><br />

ferrageamento reporta-se uma lista de<br />

materiais e equipamentos pertencentes<br />

ao exército romano, constituin<strong>do</strong>-se<br />

já como uma prática frequente<br />

por volta <strong>do</strong> séc. IV. Até então<br />

as ferraduras eram utiliza<strong>da</strong>s como<br />

a<strong>do</strong>rno ou em cavalos de guerra.<br />

Nos tempos mais próximos, e imediatamente<br />

antes <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

e massificação <strong>do</strong> motor automóvel, o<br />

boi, o cavalo, o burro, o macho ou a<br />

mula, com ou sem carroça atrela<strong>da</strong>,<br />

eram os animais utiliza<strong>do</strong>s para o<br />

transporte, a tração e a carga.<br />

Ca<strong>da</strong> aldeia possuía o seu ferra<strong>do</strong>r,<br />

porque o ga<strong>do</strong> cavalar, até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

século XX, era <strong>do</strong> mais vantajoso e<br />

generaliza<strong>do</strong> em to<strong>da</strong>s as regiões de<br />

Portugal. A profissão de ferra<strong>do</strong>r<br />

estava muitas vezes associa<strong>da</strong> à de<br />

ferreiro que na sua oficina forjava logo<br />

as ferraduras a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s às características<br />

de ca<strong>da</strong> animal.<br />

Atualmente o ferra<strong>do</strong>r já não fabrica as


ferraduras, mas continua a a<strong>da</strong>ptá-las à<br />

anatomia de ca<strong>da</strong> animal baten<strong>do</strong>-as<br />

na bigorna.<br />

A ferragem inicia-se com a retira<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

antiga ferradura, a que se segue a<br />

limpeza e o aparo <strong>do</strong>s cascos. A nova<br />

ferradura é coloca<strong>do</strong> sobre o casco e<br />

presa a este com cravos, numa ação<br />

simples designa<strong>da</strong> por atarracar.<br />

Posteriormente rebate-se e corta-se as<br />

pontas <strong>do</strong>s cravos que prendem a<br />

ferradura à pata <strong>do</strong> animal. A última<br />

tarefa consiste em grosar os cascos<br />

para que haja uma boa a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong><br />

pata à nova ferradura, porque uma boa<br />

proteção <strong>do</strong>s cascos repercute-se<br />

numa maior longevi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> animal.


O SAPATEIRO<br />

Video:<br />

O Sapateiro<br />

Galeria:<br />

O Sapateiro<br />

Uns sapatos ou umas botas de um bom<br />

couro <strong>da</strong>vam para to<strong>da</strong> uma vi<strong>da</strong>.<br />

Usavam-se ao <strong>do</strong>mingo, nas festas ou<br />

em ocasiões mais solenes. No dia-a-dia<br />

metia-se nos pés uns grosseiros socos<br />

de pau que amassavam o estrume <strong>da</strong>s<br />

lojas <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> e a terra cava<strong>da</strong> e<br />

alagadiça <strong>do</strong>s campos agrícolas. Ao<br />

sapateiro estava reserva<strong>da</strong> a arte mais<br />

nobre, a ele se encomen<strong>da</strong>va ou<br />

man<strong>da</strong>va consertar o calça<strong>do</strong> fino; ao<br />

soqueiro man<strong>da</strong>va-se fazer o calça<strong>do</strong> de<br />

trabalho e de uso quotidiano. O calça<strong>do</strong><br />

era encomen<strong>da</strong><strong>do</strong> diretamente pelos<br />

clientes que tinham de se deslocar à sua<br />

oficina e aí tirar as medi<strong>da</strong>s para umas<br />

novas botas, botins, sapatos ou<br />

sandálias. Depois aguar<strong>da</strong>va-se o tempo<br />

suficiente até que a encomen<strong>da</strong> fosse<br />

concretiza<strong>da</strong> pelas mãos <strong>do</strong> mestre e<br />

pelo contributo <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong><br />

aprendiz. Fazer umas botas, fazer uns<br />

sapatos, pregar meias solas ou consertar<br />

o calça<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> no quotidiano<br />

eram as tarefas principais destes<br />

artesãos, uma profissão que entrou em<br />

declínio depois <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>da</strong><br />

indústria <strong>do</strong> calça<strong>do</strong>.<br />

51


A PESCA TRADICIONAL<br />

Video:<br />

A Pesca Tradicional<br />

Galeria:<br />

A Pesca Tradicional<br />

55<br />

A pesca tradicional no rio Douro sempre<br />

foi um complemento económico para<br />

algumas famílias que habitavam a zona<br />

ribeirinha.<br />

O barco em madeira era o instrumento<br />

fun<strong>da</strong>mental <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> usa<strong>do</strong><br />

para a pesca e também como o único meio<br />

que permitia a comunicação entre as várias<br />

comuni<strong>da</strong>des que habitavam as duas<br />

margens <strong>do</strong> rio. Este barco era de fácil<br />

manuseamento, sen<strong>do</strong> impeli<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is<br />

remos movimenta<strong>do</strong>s por um homem<br />

(rema<strong>do</strong>r) que de pé em frente à proa<br />

dirigia a embarcação por entre os<br />

inúmeros obstáculos, assoreamentos e<br />

rápi<strong>do</strong>s que integravam o leito deste curso<br />

de água antes de ser represa<strong>do</strong> pelas<br />

barragens.<br />

A proliferação destas barcas ou barcos<br />

de passagem era uma constante ao longo<br />

<strong>do</strong> curso fluvial, uma vez que eram eles,<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> o reduzi<strong>do</strong> número de pontes, que<br />

permitiam a ligação entre margens.<br />

A pesca surgia neste contexto como um<br />

suplemento ou complemento económico<br />

com alguma rentabili<strong>da</strong>de. O barqueiro,<br />

além de “passar” as pessoas e<br />

bens entre quintas e lugares, também era<br />

habitual dedicar-se à pesca. O pesca<strong>do</strong>r é<br />

inseparável <strong>do</strong> seu barco a remos, sen<strong>do</strong><br />

este o local onde guar<strong>da</strong> a utensilagem de<br />

pesca e, principalmente, as redes que ao<br />

final <strong>da</strong> tarde lança às águas para de<br />

madruga<strong>da</strong> ir recolher. O produto deste<br />

trabalho é sempre imprevisível porque na<br />

rede tanto pode vir uma boa pescaria<br />

como um pesca<strong>do</strong> que não valeu o<br />

trabalho.<br />

Ao cair <strong>da</strong> noite as redes eram lança<strong>da</strong>s nas<br />

águas, em lugares estratégicos e previamente<br />

seleciona<strong>do</strong>s, para nas primeiras<br />

horas <strong>da</strong> manhã serem recolhi<strong>da</strong>s. Ain<strong>da</strong><br />

antes <strong>do</strong> meio-dia o peixe era distribuí<strong>do</strong><br />

pelas re<strong>do</strong>ndezas, chegan<strong>do</strong> à mesa <strong>da</strong>s<br />

famílias que habitavam as povoações junto<br />

ao rio Douro que o consumiam frito ou em<br />

mo<strong>do</strong> de escabeche.<br />

Na atuali<strong>da</strong>de, o já reduzi<strong>do</strong> número de<br />

pesca<strong>do</strong>res que pratica o lançamento <strong>da</strong>s<br />

redes em embarcações tradicionais<br />

continua a vender o seu peixe entre a<br />

escassa população <strong>do</strong>s aglomera<strong>do</strong>s locais,<br />

mas o mais habitual é encontrarmos alguns<br />

restaurantes que o confecionam e o<br />

comercializam frito, com piripíri, ou<br />

envinagra<strong>do</strong> num molho de vinho tinto,<br />

onde prolifera a cebola <strong>do</strong> escabeche.


PASTORES<br />

SABORES E AGASALHOS


A OVELHA<br />

Video:<br />

Da Lã à Manta<br />

Galeria:<br />

Da Lã à Manta<br />

63<br />

A ovelha (Ovis aries) foi <strong>da</strong>s primeiras<br />

espécies a ser <strong>do</strong>mestica<strong>da</strong> pelo<br />

homem. Desde muito ce<strong>do</strong> se impôs<br />

como um animal <strong>do</strong>méstico de grande<br />

importância ao nível económico e ao<br />

nível <strong>da</strong> alimentação, devi<strong>do</strong> aos<br />

produtos e subprodutos que dela são<br />

extraí<strong>do</strong>s como a lã, a carne, o leite e o<br />

queijo. Após o processo de <strong>do</strong>mesticação,<br />

a ovelha acompanhou sempre<br />

o homem nos diversos roteiros<br />

migratórios. Na Península Ibérica a<br />

espécie desenvolveu-se durante a<br />

I<strong>da</strong>de Média, perío<strong>do</strong> em que a sua<br />

criação foi intensifica<strong>da</strong> devi<strong>do</strong> às<br />

invasões árabes. No caso português a<br />

ovelha forta-leceu-se a partir de <strong>do</strong>is<br />

troncos originais: o Ovis aries ibericus e<br />

o Ovis aries africanus. Em Trás-os-<br />

Montes encontramos a raça “Churra <strong>da</strong><br />

Terra Quente” e, na zona <strong>da</strong> Terra Fria,<br />

também a “Churra Galega Bragançana”<br />

e a “Churra Galega Mirandesa”.<br />

Segun<strong>do</strong> a Socie<strong>da</strong>de Portuguesa de<br />

Ovinotecnia e Caprinotecnia*, “a<br />

criação de ovinos em Trás-os-Montes tem<br />

nas suas origens <strong>do</strong>is grupos distintos que<br />

se distribuíam nas chama<strong>da</strong>s Terra<br />

Quente e Terra Fria, respectivamente o<br />

ba<strong>da</strong>no e o galego.” Na zona <strong>da</strong> Terra<br />

Quente Transmontana, em 1870 o ga<strong>do</strong><br />

Ba<strong>da</strong>no possuía 226.356 animais e em<br />

1940 tinha decresci<strong>do</strong> um pouco,<br />

atingin<strong>do</strong> os 209.500 exemplares. Só a<br />

partir <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s de 50/60 <strong>do</strong> séc. XX<br />

é que se assistiu a um processo de<br />

cruzamento com a raça Mondegueira,<br />

com o objectivo de aumentar a<br />

produtivi<strong>da</strong>de de carne e de leite. O<br />

resulta<strong>do</strong> levou à quase extinção <strong>da</strong><br />

raça Churra Ba<strong>da</strong>na que nos dias de<br />

hoje está limita<strong>da</strong> a cerca de 3.000<br />

exemplares. A estreita ligação ao meio<br />

e aos sistemas de exploração agrícola<br />

característicos <strong>da</strong> região transmontana,<br />

conferem à raça Churra <strong>da</strong> Terra<br />

Quente (que resulta <strong>do</strong> cruzamento<br />

entre a Churra Ba<strong>da</strong>na e a Mondegueira),<br />

uma rustici<strong>da</strong>de e uma longevi<strong>da</strong>de<br />

capazes de gerarem as características<br />

próprias de uma raça autóctone.<br />

*Os <strong>da</strong><strong>do</strong>s técnicos relativos à raça <strong>da</strong> Churra <strong>da</strong> Terra Quente<br />

foram recolhi<strong>do</strong>s em publicações <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Portuguesa de<br />

Ovinotecnia e Caprinotecnia


O PASTOR<br />

Video:<br />

O Pastor<br />

“ Isto é como diz o outro, para tu<strong>do</strong> se quer hábito. E prontos, uma<br />

pessoa está habitua<strong>da</strong>, mas se formos a ver é uma vi<strong>da</strong>!…. deve ser<br />

a vi<strong>da</strong> mais triste que há. Nem há fins de semana, nem há<br />

<strong>do</strong>mingos, nem há dias santos, nem festas, nem na<strong>da</strong>, nem feria<strong>do</strong>s.<br />

Chova que neve, temos que an<strong>da</strong>r com isto para trás e para diante”.<br />

Depoimento <strong>do</strong> Sr. Manuel, pastor de Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira<br />

Galeria:<br />

O Pastor<br />

65


“Isto torna-se mais triste porque há dias e dias, às vezes até<br />

semanas, que quase não se vê uma alma no campo e antigamente,<br />

há coisa de 30 ou 40 anos, as pessoas iam. An<strong>da</strong>va aqui um a<br />

trabalhar, an<strong>da</strong>va outro além a trabalhar… agora!… Se for preciso<br />

an<strong>da</strong>-se aos 10 dias que não se vê uma alma”.<br />

Depoimento <strong>do</strong> Sr. Manuel, pastor de Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira


A QUEIJEIRA<br />

Galeria:<br />

A Queijeira<br />

Depois de ordenha<strong>do</strong>, o leite é<br />

transporta<strong>do</strong> num cântaro para a<br />

cozinha onde há de coalhar para se<br />

fazer o queijo. Uma vez coalha<strong>do</strong><br />

coloca‐se num aro e espreme‐se<br />

lentamente até libertar to<strong>do</strong> o soro<br />

que vem cair numa bacia coloca<strong>da</strong> na<br />

parte inferior <strong>do</strong> bico <strong>da</strong> francela. É<br />

uma operação simples, mas um pouco<br />

demora<strong>da</strong>. Passa<strong>do</strong> algum tempo<br />

obtém‐se apenas uma massa coalha<strong>da</strong>,<br />

liberta de to<strong>do</strong> o líqui<strong>do</strong> (soro).<br />

Temos finalmente o queijo. Falta agora<br />

colocar o sal, uma boa mão cheia em<br />

ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s. Agora é só depô‐lo<br />

na tábua onde lentamente secará para<br />

mais tarde saborear nas meren<strong>da</strong>s que<br />

se fazem pelo verão.<br />

O soro também é aproveita<strong>do</strong>. Colocase<br />

numa panela, em lume bran<strong>do</strong>, e fazse<br />

o requeijão. Há também quem o<br />

consuma beben<strong>do</strong>‐o.<br />

69


O TOSQUIADOR<br />

Galeria:<br />

O Tosquia<strong>do</strong>r<br />

A tosquia é um passo indispensável<br />

para garan r o bem‐estar <strong>da</strong> ovelha. A<br />

ovelha é tosquia<strong>da</strong> através de um<br />

processo simples. O tosquia<strong>do</strong>r munese<br />

simplesmente de uma tesoura<br />

manual e de uma pedra de afiar e com<br />

gestos repe vos e monótonos vai<br />

libertan<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> animal a<br />

matéria‐prima que depois de um<br />

intenso processo transforma<strong>do</strong>r era<br />

conver <strong>da</strong> em manta de agasalho ou<br />

em peça de vestuário. A tosquia tem<br />

também uma função regula<strong>do</strong>ra <strong>da</strong><br />

temperatura <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> animal,<br />

principalmente no verão e em regiões<br />

marca<strong>da</strong>s por fortes canículas,<br />

permi n<strong>do</strong> um processo de higienização<br />

ao eliminar acumulações de<br />

suji<strong>da</strong>des naturais no velo e na zona<br />

genital, onde existe uma propensão<br />

para a concentração de fezes e urinas<br />

que poderão ter repercussões nega ‐<br />

vas na saúde <strong>do</strong> animal. Na tosquia a<br />

ovelha é imobiliza<strong>da</strong> através de um<br />

cordel chama<strong>do</strong> perneiro que é<br />

amarra<strong>do</strong> em nó nas quatro patas.<br />

Depois, o tosquia<strong>do</strong>r percorre em<br />

tesoura<strong>da</strong>s certeiras to<strong>do</strong> o seu corpo,<br />

libertan<strong>do</strong> para o chão o volume <strong>da</strong> lã<br />

em bruto. Segue‐se a desbor<strong>da</strong>gem,<br />

um ato que consiste em libertar o velo<br />

<strong>da</strong>s partes sujas ou de má quali<strong>da</strong>de.<br />

Acaba<strong>da</strong> a operação, o tosquia<strong>do</strong>r<br />

recolhe to<strong>da</strong> a lã derrama<strong>da</strong> e num<br />

gesto traqueja<strong>do</strong> forma uma longa ra<br />

que se es ca entre a altura <strong>da</strong> cabeça e<br />

a altura <strong>do</strong>s joelhos, sen<strong>do</strong> de imediato<br />

torci<strong>da</strong> num enrolamento certeiro que<br />

ata soli<strong>da</strong>mente o velo para poder ser<br />

transporta<strong>do</strong> e armazena<strong>do</strong>.<br />

75


DA LÃ À MANTA<br />

Escal<strong>da</strong>r<br />

Depois <strong>da</strong> tosquia a lã era escal<strong>da</strong><strong>da</strong>. Introduzi<strong>da</strong> num grande recipiente com água a<br />

ferver, o processo servia para retirar o ludro que foi acumula<strong>do</strong> no pêlo <strong>do</strong> animal<br />

durante o inverno.<br />

Video:<br />

Da Lã à Manta<br />

Galeria:<br />

Da Lã à Manta<br />

Lavar<br />

Após o escaldão, a lã era transporta<strong>da</strong> em canastras até ao ribeiro de água corrente<br />

que se situasse mais próximo e aí era lava<strong>da</strong> com sabão. Fin<strong>do</strong> este processo era<br />

coloca<strong>da</strong> a secar em local quente e areja<strong>do</strong>.<br />

Escremear<br />

A lã era cui<strong>da</strong><strong>do</strong>samente aberta com os de<strong>do</strong>s, inspecciona<strong>da</strong> e limpa de to<strong>da</strong>s as<br />

impurezas que ain<strong>da</strong> pudesse conter após a lavagem.<br />

Car<strong>da</strong>r<br />

As car<strong>da</strong>s são escovas em madeira de formato retangular com dentes metálicos que<br />

são utiliza<strong>da</strong>s para abrir e alinhar as fibras <strong>da</strong> lã de forma a gerar uma pasta chama<strong>da</strong><br />

manelo, utiliza<strong>do</strong> no processo <strong>da</strong> fiação.<br />

81<br />

Fiar<br />

O manelo era coloca<strong>do</strong> na roca de aduelas de cana. A fibra solta <strong>da</strong> lã já car<strong>da</strong><strong>da</strong> é<br />

ata<strong>da</strong> ao fuso através de uma correia acima <strong>do</strong> contrapeso. Com uma <strong>da</strong>s mãos o fio<br />

começa a ser produzi<strong>do</strong> através de movimentos de torção e enrolamento. Com a<br />

outra mão o fio é preso na parte superior <strong>do</strong> fuso, onde se vai acumulan<strong>do</strong>, através<br />

de movimentos contínuos, até formar uma maçaroca.<br />

Dobar<br />

O fio enrola<strong>do</strong> na maçaroca é passa<strong>do</strong> manualmente a novelos. Este processo<br />

denomina<strong>do</strong> de <strong>do</strong>bagem é indispensável, uma vez que permite a posterior<br />

urdidura <strong>da</strong> teia.


ESCALDAR


LAVAR


ESCREMEAR


CARDAR


FIAR


DOBAR


A TECEDEIRA<br />

Video:<br />

Da Lã à Manta<br />

89<br />

Antes de tecer é preciso urdir. A<br />

operação de urdidura prepara os fios<br />

para os dispor no tear paralelos entre<br />

si, com iguais comprimentos e separa<strong>do</strong>s<br />

por duas séries que, descen<strong>do</strong> e<br />

subin<strong>do</strong> de forma alterna<strong>da</strong> permitem<br />

o cruzamento <strong>da</strong> trama.<br />

No inicio <strong>da</strong> urdidura colocam-se os<br />

novelos no interior <strong>do</strong> noveleiro, caixa<br />

de madeira secciona<strong>da</strong> em compartimentos,<br />

e as pontas <strong>do</strong>s fios são<br />

passa<strong>da</strong>s através <strong>da</strong> palheta. As pontas<br />

são ata<strong>da</strong>s conjuntamente e enfiam-se<br />

no primeiro torno <strong>da</strong> urdideira.<br />

Depois separam-se os fios em duas<br />

séries cruzan<strong>do</strong>-os com os de<strong>do</strong>s<br />

polegar e indica<strong>do</strong>r, esse cruzamento é<br />

transposto para os tornos <strong>da</strong> urdideira.<br />

Os fios são lança<strong>do</strong>s longitudinalmente<br />

de torno a torno de um prumo ao<br />

outro em várias voltas, conforme o<br />

comprimento <strong>da</strong> teia, até ao ultimo<br />

torno inferior onde se cruza.<br />

Carregar o Tear<br />

Após a urdidura as extremi<strong>da</strong>des são<br />

ata<strong>da</strong>s com um cordão que tem como<br />

objetivo manter a posição <strong>do</strong> cruzamento<br />

<strong>do</strong>s fios efetua<strong>do</strong>s na urdideira.<br />

Após esta operação os fios são<br />

retira<strong>do</strong>s <strong>da</strong> urdideira pela tecedeira<br />

que forma uma trança.<br />

Os fios são coloca<strong>do</strong>s no tear e<br />

enrola<strong>do</strong>s no órgão <strong>da</strong> frente<br />

manten<strong>do</strong> sempre o cruzamento<br />

efetua<strong>do</strong> durante o processo de urdir.<br />

Após a teia estar enrola<strong>da</strong> no órgão <strong>da</strong><br />

frente é necessário separar as teias,<br />

inician<strong>do</strong>-se o processo de empeirar,<br />

separar os fios <strong>da</strong>s duas teias, os pares e<br />

os impares, passan<strong>do</strong>-a pelo olho <strong>do</strong><br />

liço de forma a produzir duas séries.<br />

Fin<strong>do</strong> este processo os fios são<br />

passa<strong>do</strong>s pelos dentes <strong>do</strong> pente e<br />

ata<strong>do</strong>s à vara que se apoia no órgão de<br />

trás. É no tear que se realiza o<br />

cruzamento <strong>do</strong>s fios que vão formar o<br />

teci<strong>do</strong>. Existem <strong>do</strong>is tipos de fios que<br />

são trabalha<strong>do</strong>s no tear. Um, a teia ou o<br />

fio <strong>da</strong> urdidura, corre longitudinalmente<br />

ao cumprimento <strong>do</strong> tear,<br />

surgin<strong>do</strong> separa<strong>do</strong> em duas séries: os<br />

pares e os ímpares. O outro é o fio <strong>da</strong><br />

trama que vai passar entre os fios <strong>da</strong>s<br />

duas séries <strong>da</strong> urdidura no senti<strong>do</strong><br />

perpendicular aos mesmos, <strong>da</strong> direita<br />

para a esquer<strong>da</strong> e, alterna<strong>da</strong>mente, <strong>da</strong><br />

esquer<strong>da</strong> para a direita.


Os pe<strong>da</strong>is <strong>do</strong> tear permitem que os fios<br />

<strong>da</strong> urdidura sejam movimenta<strong>do</strong>s de<br />

forma alterna<strong>da</strong> para fazer o<br />

cruzamento entre as duas séries de<br />

teias e a trama, crian<strong>do</strong> dessa forma o<br />

teci<strong>do</strong>.<br />

Preparação <strong>da</strong> Trama – Enrolamento<br />

<strong>do</strong> fio nas canelas<br />

O fio destina<strong>do</strong> à trama <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> tem<br />

uma preparação distinta <strong>do</strong> <strong>da</strong> teia.<br />

Enquanto que a teia é fia<strong>da</strong>, com uma<br />

roca e um fuso ou numa ro<strong>da</strong> de fiar, o<br />

fio <strong>da</strong> trama é prepara<strong>do</strong> num caneleiro.<br />

É este aparelho, composto por um eixo<br />

de ferro e um volante giratório, que<br />

permite criar um fio de lã mais grosso<br />

destina<strong>do</strong> à trama. O processo de<br />

fabrico é simples: com a mão direita a<br />

tecedeira enrola o fio na ponteira <strong>do</strong><br />

caneleiro, enquanto que a mão<br />

esquer<strong>da</strong> serve para colocar o eixo de<br />

metal em movimento. Através de<br />

movimentos repetitivos de puxar lã vaise<br />

forman<strong>do</strong> no caneleiro um fio de<br />

espessura considerável.


O PÃO<br />

DE CADA DIA


O MOLEIRO<br />

Audio:<br />

O Moleiro<br />

O ofício de moleiro é uma <strong>da</strong>s mais<br />

antigas ocupações humanas. Trabalho<br />

rotineiro e solitário, transformou-se,<br />

desde tempos imemoriais, numa <strong>da</strong>s<br />

ativi<strong>da</strong>des de maior importância dentro<br />

<strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des agrícolas e agropastoris.<br />

O pão, alimento crucial no mun<strong>do</strong><br />

mediterrânico, é obti<strong>do</strong> a partir <strong>da</strong><br />

levedura e cozedura <strong>da</strong>s farinhas de<br />

centeio ou de trigo, que eram moí<strong>da</strong>s<br />

em moinhos de rodízio ativa<strong>do</strong>s por<br />

força hidráulica, ou em moinhos de<br />

vento ativa<strong>do</strong>s pela energia eólica.<br />

O senhor <strong>do</strong> moinho era o moleiro. Era<br />

nesse exíguo espaço que ele trabalhava<br />

e amealhava as maquias. A maquia era<br />

uma forma de pagamento pelo serviço<br />

presta<strong>do</strong>, uma percentagem de farinha<br />

deixa<strong>da</strong> pelo camponês que precisava<br />

<strong>do</strong> cereal moí<strong>do</strong> para ter o pão de ca<strong>da</strong><br />

dia.


MOINHOS DE RODÍZIO<br />

Video:<br />

O Moleiro<br />

Galeria:<br />

O Moleiro<br />

101<br />

A o r i g e m d o s m o i n h o s e s t á<br />

intimamente relaciona<strong>da</strong> com o<br />

aparecimento <strong>da</strong> agricultura e o<br />

consequente cultivo <strong>do</strong>s cereais. Numa<br />

primeira fase o homem utilizou a<br />

fricção de duas pedras, mós <strong>do</strong>rmentes<br />

e moventes, para triturar os cereais<br />

obten<strong>do</strong> desta forma uma farinha<br />

granulosa que desfeita em água era<br />

cozi<strong>da</strong> e comi<strong>da</strong>. Esta simples ação<br />

marca o início <strong>da</strong>s técnicas moageiras<br />

que posteriormente evoluíram para<br />

aparelhos mais complexos onde a ação<br />

<strong>do</strong> vento ou <strong>da</strong> água era utiliza<strong>da</strong> para<br />

pôr em funcionamento as mós que<br />

trituravam os grãos.<br />

Os moinhos de Rodízio <strong>do</strong> Ribeiro<br />

<strong>do</strong> Coito<br />

Já nos finais <strong>do</strong> séc. XIX as estruturas<br />

molineiras <strong>do</strong> Ribeiro <strong>do</strong> Couto são<br />

referi<strong>da</strong>s pelo Abade de Miragaia na<br />

obra “Portugal Antigo e Moderno” como<br />

um <strong>do</strong>s locais pertencentes à paróquia<br />

de Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira onde<br />

existiam 3 fogos habitacionais. Ao<br />

longo <strong>do</strong> séc.XX este local foi<br />

crescen<strong>do</strong> em importância e número<br />

de habitantes, ao ponto de ser<br />

designa<strong>do</strong> localmente como “a aldeia<br />

<strong>do</strong>s moinhos”. Esta designação traduz a<br />

reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> local, onde chegou a<br />

habitar sazonalmente uma boa percentagem<br />

<strong>da</strong> população de Vilarinho <strong>da</strong><br />

Castanheira. Ao longo <strong>do</strong> Ribeiro <strong>do</strong><br />

Couto podem ser observa<strong>da</strong>s estruturas<br />

molineiras tradicionais com as<br />

suas leva<strong>da</strong>s e represas e vários outros<br />

edifícios funcionais como fornos de<br />

cozer pão, palheiros, pombais e<br />

habitações. To<strong>do</strong> este conjunto, ain<strong>da</strong><br />

bem preserva<strong>do</strong>, testemunha o “modusvivendis”<br />

tradicional desta população<br />

nos finais <strong>do</strong> séc. XIX e inícios <strong>do</strong> séc.<br />

XX.


Tipologia - Moinho de Água de ro<strong>da</strong> horizontal, de rodízio fixo à pela.<br />

Neste tipo de moinhos o cereal é despeja<strong>do</strong> na tremonha (1) que se encontra presa<br />

por barrotes de madeira à estrutura <strong>do</strong> vigamento <strong>do</strong> telha<strong>do</strong>. Após o cereal se<br />

encontrar na tremonha este cai para a quelha (2). Para que a que<strong>da</strong> <strong>do</strong> grão seja<br />

regular, é preciso fazer vibrar a quelha. Esta vibração é obti<strong>da</strong> por meio <strong>do</strong><br />

chama<strong>do</strong>uro (3). O chama<strong>do</strong>uro é uma peça de madeira em forma de cruz em que<br />

uma <strong>da</strong>s pontas se encontra pousa<strong>da</strong> sobre a mó an<strong>da</strong>deira. O cereal <strong>da</strong> quelha cai<br />

no olho <strong>da</strong> mó superior, denomina<strong>da</strong> de an<strong>da</strong>deira (5), que se encontra suspensa,<br />

apoia<strong>da</strong> pela segurelha (4). Por sua vez, as orelhas <strong>da</strong> segurelha encaixam num<br />

cava<strong>do</strong> efetua<strong>do</strong> na parte inferior <strong>da</strong> mó an<strong>da</strong>deira e ligam-se ao veio metálico que<br />

atravessa o pouso (6), nome pelo qual se designa a mó inferior de maior espessura.<br />

Para que o veio metálico se mantenha no lugar e para que o cereal não caia através<br />

<strong>do</strong> olho <strong>da</strong> mó são coloca<strong>da</strong>s duas buchas (7) de madeira no olho <strong>do</strong> pouso. Abaixo<br />

<strong>do</strong> nível <strong>do</strong> soalho, no cabouco <strong>do</strong> moinho, o veio (8) metálico entra no lobete (9),<br />

uma peça de madeira que é espiga<strong>da</strong> no pelão (11) e reforça<strong>da</strong> com argolas de ferro<br />

aperta<strong>da</strong>s com cunhas de madeira. Na extremi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> pelão encontra-se o rodízio<br />

(15) que é constituí<strong>do</strong> pelo pena<strong>do</strong>, que por sua vez assenta no aguilhão (16). O<br />

aguilhão vai ro<strong>da</strong>r sobre a rela (17) de seixo que está assente no urreiro (18). O<br />

urreio, um barrote de madeira, encontra-se semi-suspenso através <strong>do</strong> alivia<strong>do</strong>uro<br />

(13), peça fun<strong>da</strong>mental para o funcionamento <strong>do</strong> moinho, pois ao mesmo tempo<br />

que suporta a rela e permite que esta rode, também possibilita afinar a altura entre<br />

as duas mós, e desta forma controlar a produção de farinha mais ou menos fina. A<br />

água entra no moinho através <strong>do</strong> cubo (14), situa<strong>do</strong> a um nível superior <strong>do</strong> cabouco,<br />

e é conduzi<strong>da</strong> pela canalização de granito até à focinheira (12). É a força <strong>da</strong> água<br />

atira<strong>da</strong> contra o pena<strong>do</strong> que faz movimentar o rodízio. Este, por sua vez, transmite a<br />

rotação ao veio metálico, à segurelha e à mó an<strong>da</strong>deira provocan<strong>do</strong> o movimento<br />

rotativo que esmaga o cereal. Existem duas formas de parar o moinho, uma através<br />

<strong>do</strong> barramento <strong>da</strong> água à entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> leva<strong>da</strong> que conduz ao cubo; outra no interior<br />

102<br />

<strong>do</strong> moinho através <strong>do</strong> peja<strong>do</strong>uro (10), tábua de madeira que permite desviar a água<br />

<strong>do</strong> pena<strong>do</strong> paran<strong>do</strong> o rodízio.


1<br />

Legen<strong>da</strong>:<br />

5<br />

6<br />

2<br />

3<br />

4<br />

7<br />

8<br />

9 10<br />

11<br />

12<br />

13<br />

14<br />

1 - Tremonha<br />

2 - Quelha<br />

3 - Chama<strong>do</strong>uro<br />

4 - Segurelha<br />

5 - An<strong>da</strong>deira (mó)<br />

6 - Pouso (mó)<br />

7 - Bucha<br />

8 - Veio<br />

9 - Lobete<br />

10 - Peja<strong>do</strong>uro<br />

11 - Pelão<br />

12 - Focinheira<br />

13 - Alivia<strong>do</strong>uro (agulha)<br />

14 - Cubo<br />

15 - Rodízio com penas<br />

16 - Aguilhão<br />

17 - Rela (joga)<br />

18 - Urreiro<br />

18<br />

15<br />

16<br />

17


MOINHO DE VENTO<br />

Video:<br />

O Moinho de Vento<br />

Galeria:<br />

O Moinho de Vento<br />

105<br />

Apesar de bastantes frequentes no<br />

território português os moinhos de<br />

vento constituem uma rari<strong>da</strong>de no<br />

panorama <strong>do</strong> Nordeste Transmontano.<br />

O clima e o relevo, bastante acidenta<strong>do</strong>,<br />

são propícios à instalação de moinhos<br />

de água situa<strong>do</strong>s junto a ribeiros, que<br />

correm durante praticamente to<strong>do</strong> o<br />

ano. No território <strong>do</strong> concelho de<br />

Carraze<strong>da</strong> de Ansiães e freguesias<br />

limítrofes existem 5 estruturas de<br />

antigos moinhos de vento. Estes<br />

moinhos possuem características<br />

semelhantes como torre fixa de<br />

granito e capelo móvel de madeira com<br />

sistema de tracção por meio de sarilho<br />

interno. Cronologicamente podemos<br />

situá-los como estruturas <strong>do</strong> inicio <strong>do</strong><br />

séc. XX.<br />

O Moinho de Vento de Carraze<strong>da</strong><br />

de Ansiães<br />

O Moinho de Vento que espreita a vila<br />

de Carraze<strong>da</strong> sempre fez parte <strong>do</strong><br />

imaginário popular que, ao longo <strong>do</strong>s<br />

últimos 100 anos, se habituou a ver a<br />

vetusta estrutura isola<strong>da</strong> sobre a<br />

fragaria e interrogar-se acerca <strong>da</strong> sua<br />

origem e funcionali<strong>da</strong>de.<br />

Actualmente, entre a população não<br />

existe memória <strong>da</strong> época <strong>do</strong> seu<br />

funcionamento. No entanto, no início<br />

<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80, <strong>do</strong> séc. XX foram<br />

recolhi<strong>do</strong>s importantes testemunhos,<br />

entre os habitantes mais i<strong>do</strong>sos <strong>da</strong><br />

povoação, que hoje nos aju<strong>da</strong>m a<br />

compreender um pouco <strong>da</strong> sua história.<br />

Decorria o ano de 1900 quan<strong>do</strong><br />

Damião Gonçalves Neves, originário<br />

<strong>do</strong> Porto, decidiu man<strong>da</strong>r construir um<br />

moinho de vento que iria substituir o<br />

velho moinho de “água” localiza<strong>do</strong> na<br />

veiga, junto ao antigo caminho para<br />

Fontelonga. O Moinho de Vento<br />

funcionou cerca de uma déca<strong>da</strong><br />

moen<strong>do</strong> o trigo produzi<strong>do</strong> nos campos<br />

circun<strong>da</strong>ntes que as mulheres transportavam<br />

à cabeça pelo estreito caminho<br />

rural que trepa pela fragaria. Aí Damião<br />

Neves e o seu aju<strong>da</strong>nte transformavam<br />

o grão em farinha, que depois de<br />

ensaca<strong>da</strong> e tira<strong>da</strong> a maquia, iria<br />

alimentar a população crescente desta<br />

vila transmontana.


Os Moinhos de Vento são compostos por:<br />

Torre - Tem como função albergar o aparelho de transmissão e moagem e suportar<br />

o capelo giratório (10) onde se apoia o mastro e as velas. De planta circular com<br />

apenas um piso foi construí<strong>da</strong> em alvenaria de granito com aparelho em pedra seca.<br />

A torre possui uma porta vira<strong>da</strong> a norte e duas janelas rasga<strong>da</strong>s para a entra<strong>da</strong> de luz.<br />

Aparelho Motor Externo - Capta a ação <strong>do</strong> vento através <strong>da</strong>s velas e transmite<br />

rotação ao mecanismo interno de moagem. É composto por um capelo giratório de<br />

madeira, cobertura em forma de cone, remata<strong>do</strong> inferiormente por um anel de<br />

madeira, o fechal (2), onde estão inseri<strong>da</strong>s as ro<strong>da</strong>s. Estas movem-se sobre um rasgo<br />

aberto na última fia<strong>da</strong> de pedras <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong> torre, o fechal de granito.<br />

O capelo de madeira rotativo permite “meter debaixo <strong>do</strong> vento” as velas <strong>do</strong> moinho<br />

maximizan<strong>do</strong> o aproveitamento <strong>da</strong> energia eólica. Nesta cobertura existe um<br />

alteamento sobre o lugar de saí<strong>da</strong> <strong>do</strong> mastro (1), o cavalete (9). O mastro serve de<br />

apoio a oito varas (6) às quais estão presas as quatro velas (7) triangulares. Estas<br />

transmitem rotação ao mastro e à entrosga (3), ro<strong>da</strong> denta<strong>da</strong> situa<strong>da</strong> no interior <strong>do</strong><br />

moinho.<br />

Aparelho de Transmissão e Moagem - Tem como função transmitir movimento<br />

às mós e proceder à moagem <strong>do</strong>s cereais. A rotação <strong>da</strong> entrosga faz girar o carreto<br />

(5) que está apoia<strong>do</strong> num veio (13) metálico. Na extremi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> veio existe a<br />

segurelha (18) que suporta a mó an<strong>da</strong>deira (16) e a faz girar sobre o pouso (17)<br />

trituran<strong>do</strong> os cereais. Estes são deita<strong>do</strong>s pelo moleiro na tremonha (14) e escorrem<br />

pela quelha (15) para o olho <strong>da</strong> mó sain<strong>do</strong> através <strong>do</strong> espaço entre as duas mós sob<br />

a forma de farinha. No moinho existe um sistema que permite regular a distância<br />

entre as duas mós, o urreiro (20) e assim produzir farinha mais ou menos fina.<br />

106


8<br />

6<br />

2<br />

10<br />

3<br />

4<br />

9<br />

11<br />

12<br />

1<br />

13<br />

5<br />

7<br />

21<br />

14<br />

15<br />

16<br />

17 18<br />

20<br />

19<br />

1| Mastro 2| Fechal 3| Entrosga 4| Ponte 5| Carreto 6| Vara 7| Velas<br />

8| Peão 9| Cavalete 10| Capelo 11| Malhais 12| Sarilho 13| Veio<br />

14| Tremonha 15| Quelha ou calha 16| Mó (an<strong>da</strong>deira) 17| Mó (pouso)<br />

18| Segurelha 19| Rela 20| Urreiro 21| Alivia<strong>do</strong>uro


A PADEIRA<br />

Video:<br />

A Padeira<br />

Galeria:<br />

A Padeira<br />

109<br />

Em Trás-os-Montes falar-se de pão é<br />

falar-se em centeio, este era tradicionalmente<br />

o cereal mais consumi<strong>do</strong><br />

pela população.<br />

Após ter si<strong>do</strong> moí<strong>da</strong> no moinho pelo<br />

moleiro a farinha era transporta<strong>da</strong><br />

para a casa <strong>do</strong> cliente, que ao longo <strong>do</strong><br />

ano a ia consumin<strong>do</strong> sob a forma de<br />

pão. A primeira fase na transformação<br />

<strong>da</strong> farinha em pão chama-se a sernideira<br />

e consiste em peneirar a farinha sobre<br />

a masseira para retirar o farelo.<br />

Utilizavam usualmente duas peneiras e<br />

tiravam a farinha <strong>da</strong> peneira mais<br />

espessa para a mais rara até eliminar<br />

to<strong>do</strong> o farelo existente. Após esta<br />

tarefa, inicia-se o amassar. A farinha<br />

que já se encontra na masseira é<br />

mistura<strong>da</strong> com água morna à qual foi<br />

adiciona<strong>da</strong> o fermento. Este era obti<strong>do</strong><br />

através <strong>da</strong> massa já lêve<strong>da</strong> <strong>da</strong> forna<strong>da</strong><br />

anterior. A tarefa de amassar dura no<br />

mínimo 20 minutos, terminan<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> a massa se começa a descolar<br />

<strong>do</strong>s de<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> masseira. A<br />

massa é envolta em farinha e a padeira<br />

efetua a seguinte oração fazen<strong>do</strong> três<br />

cruzes sobre a massa.<br />

«Nossa Senhora <strong>da</strong> Assunção<br />

tem a sua divina bênção<br />

nosso Senhor te levede,<br />

S. Vicente te acrescente,<br />

para <strong>da</strong>res para to<strong>da</strong> a gente».<br />

Fin<strong>do</strong> este ritual a massa, coberta por<br />

um lençol e um cobertor, fica a leve<strong>da</strong>r<br />

cerca de hora e meia. É então dividi<strong>da</strong><br />

em porções que correspondem a um<br />

pão de quilo que vão sen<strong>do</strong> coloca<strong>da</strong>s<br />

sobre o ten<strong>da</strong>l, fican<strong>do</strong> desta forma<br />

pronta para ir ao forno. O forno, que foi<br />

previamente aqueci<strong>do</strong> com giestas,<br />

está quente quan<strong>do</strong> a pedra lateral fica<br />

branca. As brasas são então, afasta<strong>da</strong>s<br />

para as partes laterais <strong>do</strong> forno e para a<br />

entra<strong>da</strong>. A padeira faz um «baçouro» de<br />

giestas que coloca no cabo <strong>da</strong> pá e com<br />

ele varre to<strong>do</strong> forno, segui<strong>da</strong>mente<br />

coloca o pão com o auxílio de uma pá<br />

de madeira. Termina<strong>da</strong> está tarefa<br />

efectua a seguinte reza.<br />

«Pelas almas cresça o pão no forno<br />

e os bens de Deus pelo mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong><br />

e as benditas almas <strong>do</strong> purgatório<br />

descansem em paz.<br />

Um pai-nosso e avé-maria».


Quan<strong>do</strong> está no forno o pão tem de ser<br />

mexi<strong>do</strong> várias vezes e por essa razão a<br />

padeira tem de periodicamente de<br />

abrir o forno dizen<strong>do</strong>: uma «mexedela<br />

uma crescedela».<br />

Após uma hora e vinte minutos o pão é<br />

retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> forno, com o auxílio de uma<br />

pá com a base metálica, e agora está<br />

pronto para ser consumi<strong>do</strong>.


UM FIO<br />

DE AZEITE


O AZEITE<br />

Video:<br />

Fazer o Azeite<br />

Áudio:<br />

Fazer o Azeite<br />

115<br />

Sabia que a oliveira é uma árvore com<br />

grande antigui<strong>da</strong>de e que a espécie<br />

agrícola evoluiu a partir um arbusto<br />

mais antigo e selvagem chama<strong>do</strong><br />

zambujeiro? Sabia que a grande<br />

expansão <strong>da</strong> oliveira em Trás-os-<br />

Montes terá si<strong>do</strong> realiza<strong>da</strong> nas últimas<br />

déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> séc. XVII? Sabe como se<br />

fazia o azeite ao longo <strong>do</strong>s tempos?<br />

Sabia que o azeite além de um produto<br />

alimentar com grande valor na dieta<br />

mediterrânica tinha também outras<br />

aplicações como a iluminação ou a<br />

produção de sabão?<br />

O Núcleo Museológico <strong>do</strong> Lagar <strong>do</strong><br />

Azeite de Lavandeira, concelho de<br />

Carraze<strong>da</strong> de Ansiães, eluci<strong>da</strong>-o(a)<br />

sobre estas e muitas outras questões<br />

relaciona<strong>da</strong>s com a cultura <strong>da</strong> oliveira<br />

e as formas tradicionais utiliza<strong>da</strong>s ao<br />

longo <strong>do</strong>s séculos para produzir o<br />

azeite. A União de Freguesias de<br />

Lavandeira, Beira Grande e Selores<br />

com o apoio institucional <strong>da</strong> Câmara<br />

Municipal de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães,<br />

criaram o primeiro núcleo temático <strong>do</strong><br />

<strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong> <strong>Rural</strong> que,<br />

centra<strong>do</strong> no “edifício mãe” situa<strong>do</strong> na<br />

aldeia de Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira,<br />

pretende polarizar o território<br />

concelhio num projeto que integrará<br />

núcleos museológicos suscetíveis de<br />

reabilitarem, num discurso museográfico<br />

e com recurso a sistemas<br />

multimédia, técnicas e tradições<br />

atualmente extintas, mas que até há<br />

algumas déca<strong>da</strong>s atrás integravam de<br />

forma viva e partilha<strong>da</strong> a cultura rural<br />

que define este território, parte dele<br />

classifica<strong>do</strong> pela UNESCO como<br />

Património <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de, enquanto<br />

Paisagem Cultural Evolutiva e Viva.<br />

No núcleo <strong>do</strong> Lagar de Azeite de<br />

Lavandeira trabalha-se apenas a<br />

temática <strong>do</strong> azeite, abrangen<strong>do</strong> as<br />

tradições associa<strong>da</strong>s aos trabalhos<br />

agrícolas <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> oliveira e às<br />

técnicas de produção <strong>do</strong> precioso<br />

produto alimentar, desde sempre<br />

usa<strong>do</strong> como tempero, mas com outras<br />

e diversifica<strong>da</strong>s aplicações que vão <strong>da</strong><br />

iluminação, cosmética, até à produção<br />

de sabão. To<strong>do</strong> o processo começa na<br />

apanha <strong>da</strong> Azeitona. Esta era uma <strong>da</strong>s<br />

fainas agrícolas que mobilizava um


maior número de trabalha<strong>do</strong>res em<br />

Trás-os-Montes.<br />

Os jornaleiros eram geralmente<br />

recruta<strong>do</strong>s fora <strong>da</strong> povoação e vinham<br />

em ranchos trabalhar longas horas,<br />

numa altura <strong>do</strong> ano em que as<br />

condições climatéricas eram bastante<br />

adversas.<br />

A estes trabalhos sazonais está ain<strong>da</strong><br />

associa<strong>da</strong> uma memória <strong>da</strong>s pessoas<br />

mais i<strong>do</strong>sas que viveram esta reali<strong>da</strong>de,<br />

uma memória que urge preservar para<br />

uma melhor caracterização <strong>da</strong> cultura<br />

rural destas povoações. É esse o<br />

objetivo presente e futuro desta<br />

uni<strong>da</strong>de museológica.<br />

Este não é, portanto, um trabalho<br />

acaba<strong>do</strong>. É apenas o início de um<br />

caminho de recolha, estu<strong>do</strong>, tratamento,<br />

valorização e divulgação <strong>da</strong>s<br />

particulari<strong>da</strong>des culturais de um povo,<br />

de uma gente anónima que se identifica<br />

a partir <strong>da</strong> sua memória coletiva, ou<br />

seja, a partir de um conjunto de<br />

manifestações cuja raiz mais profun<strong>da</strong><br />

se alimenta numa longa e reminiscente<br />

história.<br />

Fazer o azeite não é uma tarefa fácil.<br />

Desde que a azeitona chegava ao lagar<br />

existia um conjunto de procedimentos<br />

muito bem defini<strong>do</strong>s para que o labor<br />

que ocupou tanta mão-de-obra e tanto<br />

sacrifício na recolha de ca<strong>da</strong> bago, não<br />

se escoasse agora para o “inferno”.<br />

Depois de chega<strong>da</strong> ao lagar, geralmente<br />

aos ombros de homens ou pelo carrego<br />

de machos e de burros, a azeitona era<br />

moí<strong>da</strong> numa mó gigante que ro<strong>da</strong>va<br />

graças à força de uma parelha de bois.<br />

Obti<strong>da</strong> a massa primordial, era agora a<br />

altura de a enseirar para a espremer até<br />

à última gota de líqui<strong>do</strong>, porque “o<br />

azeite é como o ouro, sempre assim<br />

ouvi dizer”.<br />

Um, <strong>do</strong>is, três apertos. Agora há a<br />

certeza de que não há o mais pequeno<br />

resto de azeite nas seiras. To<strong>do</strong> o<br />

líqui<strong>do</strong>, sangra e azeite, já está no<br />

tesouro, onde se vão separar, um para o<br />

uso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, outro para inun<strong>da</strong>r o<br />

“inferno”. É nesta fase que a habili<strong>da</strong>de<br />

e competência <strong>do</strong> mestre lagareiro se<br />

manifestam. Era por isso que utilizava<br />

uma palha, geralmente de trigo,<br />

improvisa<strong>da</strong> com uma azeitona na<br />

ponta para determinar a altura a que se<br />

encontrava uma e outro, ou seja, a<br />

sangra e o azeite.<br />

A sangra ia para a rua através de um<br />

sistema de drenagem a que chamavam<br />

inferno; o azeite ia para casa, quantas<br />

vezes num odre feito de pele de cabrito,<br />

para depois “regar as batatas”, alumiar<br />

as noites de breu, cumprir a promessa<br />

de uma “ luzinha” no culto ao santo de<br />

maior devoção, ou em respeito pelas 116


alminhas <strong>do</strong>s entes queri<strong>do</strong>s.<br />

Também não se esqueça que <strong>da</strong> borra<br />

de azeite se pode fazer sabão. Um<br />

sabão mais ecológico, bom para a pele,<br />

dizem, e tão simples de obter que não<br />

resistimos em deixar-lhe uma receita<br />

para poder experimentar:<br />

1 litro de so<strong>da</strong> cáustica, uma remeia de<br />

borras, 5 ou 6 chávenas de cinza<br />

(chávenas <strong>da</strong>s <strong>do</strong> chá). E mexer sempre<br />

para o mesmo la<strong>do</strong>. A so<strong>da</strong> deita-se de<br />

molho em 6 quartilhos de água


TERRA VERMELHA<br />

AMASSADA COM SUOR


A TELHA<br />

Galeria:<br />

A Telheira de Luzelos<br />

123<br />

Durante milhares de anos os telha<strong>do</strong>s<br />

<strong>da</strong>s casas eram cobertos de colmo e o<br />

mo<strong>do</strong> construtivo mais simples<br />

utilizava materiais vegetais. Na cultura<br />

castreja a casa era uma construção de<br />

planta circular com uma cobertura<br />

cónica sustenta<strong>da</strong> por um poste<br />

central e revesti<strong>da</strong> com material<br />

vegetal e uma cama<strong>da</strong> fina de argila<br />

capaz de gerar algumas condições<br />

impermeabilizantes.<br />

Com o perío<strong>do</strong> romano, os edifícios<br />

passam a ser cobertos com telha<strong>do</strong> de<br />

argila construí<strong>do</strong>s à base de tegula e<br />

imbrice. Com o advento destes novos<br />

materiais assiste-se a uma notável<br />

alteração <strong>da</strong> arquitetura <strong>do</strong>s edifícios.<br />

Surgem construções de maior dimensão,<br />

maior solidez, e maior conforto<br />

interior, uma vez que os novos telha<strong>do</strong>s<br />

permitiam um melhor escoamento <strong>da</strong>s<br />

águas pluviais.<br />

O telha<strong>do</strong> romano, robusto e muito<br />

pesa<strong>do</strong>, vai <strong>da</strong>n<strong>do</strong> sucessivamente lugar<br />

a telha<strong>do</strong>s mais simples e mais leves,<br />

surgin<strong>do</strong> a telha curvilínea que mais<br />

tarde acaba denomina<strong>da</strong> de telha<br />

mourisca, telha de canu<strong>do</strong> ou telha de<br />

meia-cana.<br />

Esta transformação começa após a<br />

que<strong>da</strong> <strong>do</strong> império romano, na Alta<br />

I<strong>da</strong>de Média, e vai perdurar até<br />

praticamente aos nossos dias.<br />

A telha marselha substituiu já durante o<br />

séc. XX a telha de meia-cana. De mais<br />

fácil produção, tecnologicamente mais<br />

avança<strong>da</strong>, com necessi<strong>da</strong>de de menos<br />

mão-de-obra e com preços mais<br />

competitivos, acaba por levar ao<br />

encerramento <strong>da</strong>s pequenas uni<strong>da</strong>des<br />

de produção artesanal que até essa<br />

altura foram sobreviven<strong>do</strong>. A telha<br />

marselha traz ain<strong>da</strong> como vantagens a<br />

redução <strong>da</strong> superfície perdi<strong>da</strong> na<br />

sobreposição de telhas, a diminuição <strong>do</strong><br />

peso de cobertura, o melhoramento <strong>do</strong><br />

escoamento <strong>da</strong>s águas pluviais, a<br />

diminuição <strong>da</strong>s infiltrações provoca<strong>da</strong>s<br />

pela ação <strong>do</strong> vento e o melhoramento<br />

<strong>da</strong> fixação ao ripa<strong>do</strong>.


Dos Barreiros para os pios<br />

O barro era arranca<strong>do</strong> na profundi<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong>s terrenos argilosos que se<br />

desenvolvem à volta <strong>da</strong>s locali<strong>da</strong>des de<br />

Marzagão e Luzelos e conduzi<strong>do</strong> em<br />

carros de bois para as telheiras onde<br />

era deposita<strong>do</strong> nos pios. Depois eram<br />

os pés e as mãos <strong>do</strong>s homens numa<br />

tarefa árdua a construir o ganha pão.<br />

Homens e bois amassavam o<br />

barro<br />

Homens muni<strong>do</strong>s de enxa<strong>da</strong>s procediam<br />

à primeira tarefa <strong>do</strong> nivelamento<br />

<strong>da</strong> argila, à qual juntavam água<br />

proveniente de um açude construí<strong>do</strong><br />

para o efeito. Agora descalços, de calças<br />

arregaça<strong>da</strong>s, entravam no pio e<br />

amassavam, amassavam. Após este<br />

processo, entrava no pio uma junta de<br />

bois que continuava a tarefa até que<br />

fosse atingi<strong>da</strong> a liga suficiente.<br />

A eira <strong>da</strong> primeira secagem<br />

Uma boa preparação <strong>da</strong> eira era<br />

fun<strong>da</strong>mental para se obter uma telha de<br />

quali<strong>da</strong>de. Necessário era portanto<br />

alisar, regar e nivelar o terreno com um<br />

ro<strong>do</strong> para a obtenção de uma secagem<br />

sem defeitos. Esta era uma tarefa que<br />

antecipava o trabalho <strong>da</strong> “camara<strong>da</strong>”,<br />

um grupo constituí<strong>do</strong> por três homens<br />

de que faziam parte o barreiro, o<br />

Os homens e as mãos<br />

A um <strong>do</strong>s homens estava incumbi<strong>da</strong> a<br />

missão de mol<strong>da</strong>r a telha. Era o<br />

entalha<strong>do</strong>r. Num ritmo traqueja<strong>do</strong> e<br />

simples, as peças de barro iam surgin<strong>do</strong><br />

a uma veloci<strong>da</strong>de assinalável na banca<br />

desse artesão. O assenta<strong>do</strong>r, o outro<br />

homem <strong>da</strong> “camara<strong>da</strong>” que colocava as<br />

telhas na eira, tinha de ser lesto para <strong>da</strong>r<br />

vazão à obra simples e repetitiva que<br />

nascia <strong>da</strong>s mãos caleja<strong>da</strong>s de barro e de<br />

ritmo <strong>do</strong> entalha<strong>do</strong>r.<br />

Os homens e o fogo<br />

Depois <strong>da</strong>s mãos, o fogo. O enfornar<br />

para a cozedura <strong>do</strong> barro é a última<br />

etapa deste processo. O fogo era nesta<br />

fase o principal alia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s homens. Era<br />

ele que <strong>da</strong>va a consistência final ao seu<br />

trabalho. Para serem cozi<strong>da</strong>s, as telhas<br />

eram coloca<strong>da</strong>s em carreiros ou fia<strong>da</strong>s.<br />

Depois era o lume alimenta<strong>do</strong> com<br />

giesta e rama de pinheiro que temperava,<br />

que enrijecia, que solidificava. Uma<br />

boa cozedura podia demorar 24 horas.<br />

Video:<br />

A Telheira de Luzelos<br />

O preço <strong>do</strong> suor<br />

Após a cozedura, a telha era manti<strong>da</strong> no<br />

interior <strong>do</strong> forno durante 3 a 4 dias.<br />

Fin<strong>do</strong> esse tempo, destapavam-se as<br />

duas portas e desenfornava-se. De<br />

126<br />

segui<strong>da</strong> amontoava-se a telha em<br />

pequenos lotes, no terreiro. Carrega<strong>da</strong><br />

entalha<strong>do</strong>r e o assenta<strong>do</strong>r.


em carros de bois, era vendi<strong>da</strong> nas aldeias <strong>do</strong> planalto e pelas terras que se<br />

penduram nas encostas <strong>do</strong>s rios Douro e Tua… ou então, ain<strong>da</strong> mais longe, já na<br />

outra margem, lá para os la<strong>do</strong>s de Alijó e de São João <strong>da</strong> Pesqueira. Eram os escassos<br />

tostões amealha<strong>do</strong>s por ca<strong>da</strong> telha que pagavam o lago de suor verti<strong>do</strong> pelos<br />

homens.


UM TERRITÓRIO<br />

MUSEALIZADO


IC5<br />

Codeçais<br />

Brunhe<strong>da</strong><br />

PEREIROS<br />

MOGO DE MALTA<br />

Santrilha<br />

Felgueira<br />

PINHAL DO NORTE<br />

S. Lourenço<br />

POMBAL<br />

Areias<br />

ZEDES<br />

RIO TUA<br />

Tralhariz<br />

CASTANHEIRO<br />

Paradela<br />

PARAMBOS<br />

Misquel<br />

AMEDO<br />

5<br />

Luzelos<br />

EN214<br />

4<br />

Samorinha<br />

CARRAZEDA<br />

DE ANSIÃES<br />

BELVER<br />

Mogo de Ansiães<br />

M626<br />

Penafria<br />

FONTELONGA<br />

RIBALONGA<br />

N324<br />

Foz - Tua<br />

Fiolhal<br />

LINHARES<br />

Arnal<br />

MARZAGÃO<br />

SELORES<br />

Besteiros<br />

VILARINHO DA<br />

CASTANHEIRA<br />

1<br />

2<br />

Alganhafres<br />

3<br />

LAVANDEIRA<br />

SEIXO DE ANSIÃES<br />

Carrapatosa<br />

BEIRA GRANDE<br />

Campelos<br />

Pinhal <strong>do</strong> Douro<br />

Coleja<br />

Sra. <strong>da</strong> Ribeira<br />

RIO DOURO<br />

MUSEU DA MEMÓRIA RURAL<br />

1 ‐ Vilarinho <strong>da</strong> Castanheira<br />

2 ‐ Núcleo <strong>do</strong>s Moinhos de Rodízio <strong>da</strong> Ribeira <strong>do</strong> Coito<br />

3 ‐ Núcleo Museológico <strong>do</strong> Azeite ‐ Lagar <strong>da</strong> Lavandeira<br />

4 ‐ Moinho de Vento de Carraze<strong>da</strong> de Ansiães<br />

5 ‐ Núcleo Museológico <strong>da</strong> Telha ‐ Telheira de Luzelos

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