01.04.2019 Views

Especial microbiologia Pt. 2

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

Coprocultura<br />

Parte 2 - Outros enteropatógenos<br />

• Carlos Henrique Pessôa<br />

de Menezes e Silva<br />

Doutor em Microbiologia<br />

Microbiologista do Centro Tecnológico<br />

de Análises (CETAN), Vila Velha-ES<br />

Consultor em Microbiologia do Laboratório<br />

Landsteiner, Vitória-ES<br />

: carloshenrique@cetan.com.br<br />

Escherichia coli causadoras de diarréia<br />

E. coli enteropatogênica (EPEC)<br />

São assim definidas as E. coli pertencentes<br />

ao sorogrupo epidemiologicamente<br />

implicado como patógeno, onde o mecanismo<br />

de virulência não está rela cionado<br />

à excreção de típicas enterotoxinas.<br />

Origem e prevalência ainda hoje são<br />

controvertidas, pois surtos de infecção<br />

são esporádicos. Homem, bovinos e suínos<br />

podem ser infectados. A proporção<br />

de cepas patogênicas e não patogênicas,<br />

embora objeto de intensas pesquisas, ainda<br />

é desconhecida.<br />

Denomina-se “diarréia infantil” a<br />

doença usualmente associada à EPEC.<br />

Causa a destruição das microvilosidades<br />

intestinais a partir da aderência da bactéria<br />

à membrana plasmática do enterócito,<br />

aderência esta mediada por fímbrias codificadas<br />

por plasmídeos, ocasionando<br />

uma diarréia com febre, náuseas e vômitos.<br />

EPEC são potencialmente infectantes para<br />

crianças e lactentes e a dose infectante é<br />

muito baixa.<br />

Em alguns casos de doen ças em adultos,<br />

o inóculo é geralmente similar a outros<br />

enteropatógenos (cerca de 10 6 ) para<br />

causar infecção. Surtos de EPEC estão geralmente<br />

implicados com contaminação<br />

alimentar (como ingestão de carne crua<br />

e galinha), embora qualquer alimento<br />

exposto à contaminação fecal seja bastante<br />

suspeito. Apesar de esporádicos, os<br />

surtos de EPEC são mais freqüentes em<br />

países que possuam práticas sanitárias<br />

deficientes (cerca de 50% dos índices de<br />

mortalidade são reportados em países do<br />

terceiro mundo).<br />

E. coli enteroinvasora (EIEC)<br />

Produz uma doença conhecida como<br />

“disenteria bacilar” muito semelhante à<br />

causada por Shigella. Qualquer alimento<br />

contaminado com fezes de indivíduos<br />

infectados, bem como água contaminada,<br />

irá causar a doença. Surtos de EIEC são freqüentemente<br />

associados com a contaminação<br />

de carnes e leite não pasteurizado.<br />

A bactéria é ingerida e invade as células<br />

epiteliais do intestino, resultando em uma<br />

doença caracterizada por febre, vômitos<br />

e cólicas, com sangue e leucócitos PMN<br />

nas fezes. A disenteria causada por EIEC<br />

geralmente ocorre de 12 a 72 horas após a<br />

ingestão do alimento contaminado, sendo<br />

Quadro 1. Características de infecções intestinais por Escherichia coli<br />

Mecanismo<br />

patogênico<br />

primário<br />

Sítio primário de<br />

infecção<br />

Dano à mucosa<br />

intestinal<br />

Epidemiologia<br />

ETEC EIEC EHEC EPEC<br />

Enterotoxina LT e/ Invasão de Citotoxina semelhante à da Aderência a enterócitos<br />

ou ST<br />

enterócitos<br />

Shigella<br />

Intestino delgado Intestino grosso Intestino grosso Intestino delgado<br />

Ausente (intacta)<br />

Diarréia de viajantes,<br />

diarréia infantil<br />

Necrose, ulceração,<br />

inflamação<br />

Esporádica<br />

Destruição de<br />

microvilosidades, morte<br />

celular<br />

Colite hemorrágica,<br />

síndrome hemolítica<br />

urêmica<br />

Destruição de microvilosidades<br />

Diarréia infantil<br />

Febre Ausente Comum Ausente Comum<br />

Fezes:<br />

- Natureza<br />

- Sangue<br />

- Pus (PMN)<br />

Aquosa<br />

Ausente<br />

Ausente<br />

Purulenta<br />

Comum<br />

Presente<br />

Sanguinolenta<br />

Proeminente<br />

Ausente<br />

Aquosa<br />

Ausente<br />

Ausente<br />

ETEC = E. coli enterotoxigênica EIEC = E. coli enteroinvasora EHEC = E. coli enterohemorrágica EPEC = E. coli enteropatogênica<br />

132<br />

NewsLab - edição 87 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

a dose infectante muito baixa (estimada<br />

em pouco mais de 10 células bacterianas).<br />

São freqüentemente fermentadores<br />

tardios (ou não fermentadores) de lactose,<br />

imóveis, com prova de lisina descarboxilase<br />

negativa, sendo, portanto, facilmente<br />

confundidos com Shigella.<br />

E. coli enterotoxigênica (ETEC)<br />

Tem sido etiologicamente associada<br />

com doença diarréica de todos os grupos<br />

etários de diversas localizações em todo o<br />

mundo. O microrganismo causa diarréia<br />

em crianças principalmente em países menos<br />

desenvolvidos e em turistas em visita<br />

a países em desenvolvimento (por esse<br />

motivo é freqüentemente denominada de<br />

“diarréia dos via jantes”). A etiologia dessa<br />

doença (similar à cólera) é reconhecida<br />

há cerca de 20 anos. Produz dois tipos de<br />

enterotoxinas: LT (uma toxina termolábil)<br />

e ST (uma toxina termoestável, que resiste<br />

ao aquecimento a 100°C por 15 minutos).<br />

A enterotoxina LT de ETEC é uma proteína<br />

complexa e de alto peso molecular que<br />

está estrutural e funcionalmente relacionada<br />

à toxina colérica. A dose infectante<br />

é relativamente alta (100 milhões a 10<br />

bilhões de bactérias).<br />

O microrganismo precisa colonizar o<br />

intestino delgado e se estabilizar (período<br />

de incubação de um a dois dias), onde<br />

então se prolifera e produz as toxinas<br />

que induzem à secreção de fluidos (provocando<br />

uma diarréia intensa e aquosa).<br />

Com uma dose infectante muito alta, a<br />

diarréia pode ser induzida em 24 horas.<br />

Em crianças, a dose infectante é bem<br />

menor para se ter um quadro instalado.<br />

A contaminação da água com dejetos<br />

humanos pode levar a uma contaminação<br />

cruzada dos alimentos. Contaminações de<br />

alimentos por manipuladores também é<br />

freqüente, principalmente em alimentos<br />

à base de carne e leite. A doença é usualmente<br />

autolimitada. Em crianças ou idosos<br />

debilitados, uma reposição apropriada de<br />

eletrólitos é necessária.<br />

E. coli enterohemorrágica (EHEC)<br />

O subtipo de EHEC mais comum é o<br />

A) ETEC se liga firmemente às microvilosidades intestinais através de suas fímbrias, secreta<br />

enterotoxinas no interior das células intestinais.<br />

B) EPEC destrói as microvilosidades intestinais e se torna firmemente ligada através de um<br />

pedestal constituído de actina e proteínas ligadoras de actina.<br />

C) EIEC penetra na célula intestinal, podendo se multiplicar no interior do fagolisossoma e<br />

invadir células vizinhas, digerindo suas membranas citoplasmáticas.<br />

D) EHEC atua de forma similar à EPEC, mas além disso libera Shiga-toxinas nas células<br />

intestinais, promovendo a sua lise.<br />

Figura 1. Interação dos diversos tipos de E. coli causadoras de diarréia com as células<br />

intestinais humanas<br />

O157, a famosa bactéria responsável pelo<br />

grande surto que matou cerca de 20 pessoas<br />

e infectou outras 500 nos Estados Unidos<br />

em 1996, devido à ingestão de bolo de<br />

carne contaminado. É caracteristicamente<br />

responsável pela colite hemorrágica, causando<br />

dores abdominais intensas, diar réia<br />

sanguinolenta, com pouca ou nenhuma<br />

febre. Cerca de 80% das cepas isoladas<br />

pertencem ao sorogrupo O157:H7 e as<br />

crianças com menos de cinco anos são<br />

as mais acometidas. Produz uma potente<br />

toxina (denominada “verotoxina” ou “toxina<br />

shiga-like”, pois é semelhante à toxina<br />

produzida pela Shigella dysenteriae).<br />

Carnes cruas ou mal cozidas contaminadas<br />

têm sido implicadas como potentes<br />

fontes de contaminação humana. A dose<br />

infectante ainda é desconhecida, mas é<br />

muito próxima à de Shigella (cerca de 10<br />

células bacterianas). A doença pode ter<br />

índices de mortalidade acima de 50% em<br />

pacientes idosos. Uma seqüela comum associada<br />

com a infecção, especialmente no<br />

caso de crianças infectadas, é a “síndrome<br />

hemolítica urêmica”.<br />

Diagnóstico laboratorial: Com exceção<br />

das cepas de EHEC (não fermentadoras de<br />

sorbitol), não há um teste bioquímico específico<br />

que diferencie as E. coli causadoras<br />

de diarréia das E. coli presentes em amostras<br />

fecais normais e devem, portanto, ser diferenciadas<br />

através de provas sorológicas (com<br />

a caracterização dos antígenos somático [O]<br />

e flagelar [H] das mesmas). A utilização dos<br />

meios de cultura sugeridos na Parte 1 deste<br />

protocolo (ágar MacConkey + ágar XLD +<br />

caldo GN) é suficiente para o isolamento<br />

destes sorogrupos enteropatogênicos de<br />

E. coli. No entanto, deve-se ficar atento<br />

ao fato das características apresentadas<br />

pelas amostras fecais, uma vez que muito<br />

134<br />

NewsLab - edição 87 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

raramente fezes sólidas/pastosas carreiam<br />

algum destes sorogrupos. Neste tipo de<br />

amostra, geralmente as E. coli crescidas<br />

são meramente pertencentes à microbiota<br />

intestinal normal. Para o isolamento seletivo<br />

de EHEC, pode-se utilizar meios específicos<br />

como o ágar MacConkey-sorbitol (Figura 2)<br />

ou meios cromogênicos (Figura 3).<br />

Yersinia<br />

O gênero Yersinia possui três espécies<br />

de importância clínica: Y. estis (o agente<br />

causal da peste bubônica), Y. seudotuberculosis<br />

e Y. n terocolitica (muito implicadas<br />

em casos severos de gastroenterites, com<br />

formação de abscessos locais e até morte<br />

causada por peritonites). Y. nterocolitica tem<br />

sido implicada na gastroenterite aguda, podendo<br />

causar uma forma grave que simula<br />

a apendicite. Das três espécies patogênicas<br />

de Yersinia, somente Y. nterocolitica e Y.<br />

seudotuberculosis causam diarréias.<br />

Surtos de infecção através de alimentos<br />

causados por Y. seudotuberculosis têm sido<br />

reportados nos Estados Unidos nos últimos<br />

tempos e transmitidos por água e alimentos<br />

no Japão. Cepas de Y. nterocolitica podem ser<br />

encontradas em carnes (de porco, carneiro,<br />

boi, etc), ostras, peixes e leite cru. A causa<br />

exata da contaminação alimentar ainda é<br />

desconhecida. Entretanto, a prevalência<br />

destes microrganismos no solo, na água e<br />

em animais como porcos e animais silvestres<br />

oferece ampla oportunidade para a contaminação<br />

alimentar. A doença é freqüentemente<br />

caracterizada por sintomas como<br />

gastroenterite com diarréia e/ou vômitos;<br />

entretanto, febre e fortes dores abdominais<br />

são os sintomas mais marcantes.<br />

Diagnóstico laboratorial: Y. enterocolitica<br />

é um microrganismo com morfologia<br />

de pequenos cocobacilos Gram-negativos<br />

que produzem colônias pequenas e puntiformes<br />

em ágar MacConkey. Deve-se<br />

suspeitar de Yersinia sempre que o meio de<br />

T.S.I. apresentar uma coloração amarelopálida<br />

ou alaranjada após 24 horas de<br />

incubação. Isto se deve à fraca produção<br />

de ácido na superfície do ágar, mostrando<br />

ausência de acidificação na base. A bactéria<br />

cresce mais rapidamente à temperatura de<br />

Figura 2. Ágar MacConkey-sorbitol: EHEC =<br />

colônias incolores (sorbitol-negativas)<br />

Figura 3. Meio cromogênico seletivo para<br />

EHEC (colônias vermelhas)<br />

Figura 4. Ágar CIN (Cefsulodina-Irgasan-<br />

Novobiocina), meio seletivo para Yersinia<br />

enterocolitica (colônias vermelhas)<br />

22-29°C do que a 37 ºC.<br />

As colônias são tipicamente pequenas,<br />

pálidas ou incolores nos meios entéricos<br />

usuais (como ágar S.S. e MacConkey),<br />

que devem ser incubados por mais de 24<br />

horas à temperatura ambiente. As placas<br />

devem ser examinadas a 24 e 48 horas<br />

para colônias diminutas suspeitas. O enriquecimento<br />

alcalino é um método que<br />

pode auxiliar na detecção desta bactéria.<br />

O método envolve a mistura de uma parte<br />

de fezes com duas partes de KOH a 0,25%<br />

em solução salina. Concentrações mais<br />

altas (0,50%) de KOH foram relatadas<br />

como sendo letais para Y. enterocolitica.<br />

Da mesma forma, o enriquecimento a<br />

frio também é eficaz, mas é demorado e<br />

conseqüentemente pode não permitir a<br />

detecção do microrganismo numa escala<br />

temporal clinicamente relevante.<br />

O ágar de cefsulodina-irgasan-novobiocina<br />

(CIN) é um meio seletivo e diferencial<br />

para a recuperação de Y. enterocolitica a<br />

partir de espécimes fecais. As colônias desta<br />

bactéria aparecem chatas, com um centro<br />

vermelho (Figura 4). Algumas propriedades<br />

que podem distinguir esta bactéria de outras<br />

Yersinia incluem resultados positivos para<br />

ornitina descarboxilase e a fermentação da<br />

sacarose e resultados negativos para a fermentação<br />

da rafinose, melibiose e ramnose.<br />

Mais de 70% dos isolados são urease(+).<br />

Devido à baixa prevalência deste microrganismo<br />

em certas áreas geográficas, cada<br />

laboratório precisa determinar se cada lote<br />

de fezes vai ser avaliado quanto à presença<br />

desta bactéria ou se estas culturas só serão<br />

realizadas quando solicitadas.<br />

Aeromonas e Plesiomonas<br />

Aeromonas hydrophila é amplamente<br />

encontrada em águas naturais, solo e águas<br />

salgadas. Algumas cepas são capazes de<br />

causar doença em peixes e anfíbios bem<br />

como no homem, que adquire a infecção<br />

através de feridas abertas que entram em<br />

contato com águas contaminadas ou pela<br />

ingestão de um número suficientemente<br />

grande de microrganismos presentes na<br />

água ou em alimentos. Pouco é sabido<br />

sobre outras Aeromonas, mas elas são<br />

também microrganismos aquá ticos e em<br />

alguns casos também são implicadas em<br />

infecções humanas. A. hydrophila pode<br />

causar de uma diarréia leve, autolimitada,<br />

à disenteria aguda ou uma diarréia<br />

aquosa crônica persistindo por semanas<br />

ou meses, além de ser também implicada<br />

em alguns casos de sepsis em indivíduos<br />

imunologicamente comprometidos, bem<br />

como naqueles portadores de patologias<br />

malignas como o câncer. A. caviae e A.<br />

136<br />

NewsLab - edição 87 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

veronii biovar sobria (considerados como<br />

“supostos patógenos”) podem também<br />

causar gastroenterite e até sepsis nestes<br />

pacientes.<br />

Plesiomonas shigelloides tem sido envolvida<br />

em muitos casos de infecções humanas,<br />

com evidências fortes de contaminação<br />

principalmente pela água. O microrganismo<br />

pode estar presente em águas poluídas que<br />

são usadas para recrea ção, para consumo<br />

humano direto e naquelas usadas para lavar<br />

alimentos que serão consumidos sem um<br />

cozimento adequado, além de serem encontradas<br />

também em pescados crus. A maioria<br />

das infecções causadas por P. shigelloides<br />

ocorre principalmente nos meses de verão.<br />

A ingestão desta bactéria nem sempre causa<br />

doença humana, mas o microrganismo pode<br />

ficar alojado temporária e transitoriamente<br />

no organismo como microbiota não infectante<br />

do trato gastrointestinal. A bactéria na<br />

maioria das vezes é isolada de pacientes<br />

com diarréia, mas em alguns casos é também<br />

isolada de pacientes sadios (0,2 a 3,2% da<br />

população). A diarréia provocada por P.<br />

shigelloides é normalmente branda e autolimitada,<br />

com episódios de febre, calafrios,<br />

dores abdominais e náusea.<br />

Os sintomas começam a aparecer 20-<br />

24 horas após o consumo do alimento e/ou<br />

água contaminados. Manifesta-se como uma<br />

diarréia aquosa, não mucóide e não sanguinolenta;<br />

em casos severos, as fezes podem<br />

tomar uma coloração amarelo-esverdeada<br />

e tingidas de sangue. A duração da doença<br />

geralmente limita-se no máximo a sete dias.<br />

A patogênese da infecção causada por P.<br />

shigelloides ainda é desconhecida. Há suspeitas<br />

de que esta bactéria seja toxigênica e<br />

invasora. Seu significado como um patógeno<br />

entérico é presumido, pois predominam os<br />

isolamentos a partir de fezes de pacientes<br />

com diarréia. Complicações extra-intestinais<br />

(como sepsis) podem ocorrer em indivíduos<br />

imunocomprometidos ou com patologias<br />

como câncer, hepatopatias e leucemia.<br />

Diagnóstico laboratorial: A. hydrophila<br />

pode ser cultivada a partir de amostras fecais<br />

ou de sangue, utilizando-se ágar contendo<br />

sangue de carneiro acrescido de ampicilina.<br />

Esta droga previne o desenvolvimento da<br />

Figura 5. Ágar MacConkey: colônias<br />

lactose(+) de Aeromonas hydrophila<br />

maioria dos microrganismos acompanhantes<br />

indesejáveis. Os laboratórios de Microbiologia,<br />

utilizando procedimentos rotineiros, não<br />

demonstrariam facilmente esses microrganismos,<br />

pois eles tenderiam a ser confundidos<br />

com enterobactérias, a não ser que fosse feito<br />

um teste de oxidase (positivo para o gênero<br />

Aeromonas). A identificação da espécie<br />

pode ser confirmada por testes bioquímicos.<br />

Recomenda-se o uso de ágar E.M.B. ou Mac-<br />

Conkey (Figura 5) em conjunto com outro<br />

meio mais seletivo (como o ágar X.L.D.) e<br />

ágar sangue de carneiro com ampicilina<br />

(10 µg/mL). P. shigelloides cresce na maioria<br />

dos meios de cultura de rotina, embora não<br />

cresça em ágar TCBS (tiossulfato-citrato-sais<br />

biliares-sacarose) ou ágar bismuto-sulfito. Em<br />

ágar E.M.B., ágar S.S. ou ágar MacConkey<br />

a bactéria se apresenta como não fermentadora<br />

(ou com fermentação tardia) de lactose<br />

(Figura 6), tendo ainda reação positiva para a<br />

prova de oxidase e negativa para H 2<br />

S.<br />

Vibrio<br />

Os vibriões são microrganismos altamente<br />

móveis, Gram-negativos, com morfologia<br />

de bacilos curvos (com aparência<br />

de vírgula), possuindo um único flagelo<br />

polar. Dos vibriões clinicamente significantes<br />

para o homem, Vibrio cholerae, o<br />

agente causal da cólera, é o mais importante.<br />

É adquirido através da ingestão de água<br />

e alimentos contaminados. Outro vibrião<br />

muito importante é o V. parahaemolyticus,<br />

um vibrião halofílico associado a gastroenterites,<br />

adquirido através da ingestão de<br />

pescados crus ou mal-cozidos.<br />

Diagnóstico laboratorial: Quando se<br />

suspeita da presença de Vibrio, o espécime<br />

fecal deve ser examinado fazendo-se inicialmente<br />

um esfregaço, corando-o pelo método<br />

de Gram, procurando por células bacterianas<br />

morfologicamente semelhantes às dos vibrios.<br />

Os vibriões são sensíveis ao pH ácido e morrem<br />

rapidamente em soluções com pH abaixo<br />

de 6. Entretanto, eles são muito tolerantes a<br />

meios alcalinos. Paralelamente, o espécime<br />

deve ser semeado em meio de TCBS (tiossulfato-citrato-sais<br />

biliares-sacarose), que é tanto<br />

seletivo como diferencial (Figura 7), tendo<br />

como etapa inicial o enriquecimento prévio<br />

da amostra em água peptonada alcalina (pH<br />

9,0), incubada a 37°C por cerca de 6-8 horas<br />

e subcultivado então no ágar TCBS.<br />

V. cholerae forma tipicamente colônias<br />

amarelas, chatas, grandes, enquanto que V.<br />

parahaemo lyticus aparece tipicamente como<br />

colônias azul-esverdeadas. As colônias típicas<br />

de V. cholerae devem ser subcultivadas<br />

em ágar nutriente antes de se realizar um<br />

teste de aglutinação em lâmina com soro O1.<br />

Um inóculo bacteriano pode ser transferido<br />

para o ágar T.S.I. e após incubação de 24<br />

horas a 37°C há uma reação sem produção<br />

Figura 6. Ágar MacConkey: colônias<br />

lactose(-) de Plesiomonas shigelloides<br />

Figura 7. Ágar TCBS (Tiossulfato-<br />

Citrato-Bile-Sacarose): Vibrio cholerae<br />

(colônias amarelas sacarose[+]) e V.<br />

parahaemolyticus (colônias verdes sacarose<br />

[-])<br />

138<br />

NewsLab - edição 87 - 2008


Protocolos de Microbiologia Clínica<br />

Figura 8. Ágar seletivo para Campylobacter<br />

(colônias espalhadas e transparentes)<br />

de gás ou H 2<br />

S. O teste de oxidase também é<br />

bastante indicado para caracterizar o microrganismo<br />

(teste positivo). Outros testes bioquímicos<br />

úteis na identificação de V. cholerae<br />

incluem: catalase, indol, lisina e ornitina<br />

descarboxilases, fermentação de sacarose<br />

(todos positivos). Estas bactérias dão reações<br />

negativas para os seguintes testes bioquímicos:<br />

produção de gás a partir da glicose,<br />

fermentação da lactose, inositol, hidrólise<br />

da esculina e arginina dehidrolase.<br />

Campylobacter<br />

Campylobacter jejuni e C. coli são bacilos<br />

Gram-negativos curvos, móveis, microaerófilos,<br />

reconhecidos como importantes<br />

patógenos entéricos. A importância dos<br />

membros do gênero Campylobacter como<br />

patógenos entéricos somente foi realmente<br />

reconhecida após 1970. O desenvolvimento<br />

de meios de cultura específicos e de<br />

procedimentos de isolamento foi a maior<br />

barreira para que só a partir desta época<br />

fossem introduzidos métodos sensíveis e<br />

específicos para tal fim. Estima-se que o<br />

número de casos de infecções por Campylobacter<br />

nos Estados Unidos seja equivalente<br />

àquele por Salmonella, excedendo o<br />

número de casos de shigeloses. No Brasil,<br />

esta situação é bem semelhante. Os sinais<br />

e sintomas clínicos das infecções causadas<br />

por Campylobacter incluem febre, dores abdominais<br />

e diarréia. A bactéria pode invadir<br />

a corrente sangüínea e causar endocardites,<br />

artrites sépticas ou meningites. Alguns<br />

indiví duos são portadores assintomáticos<br />

destes microrganismos, servindo portanto<br />

de reservatórios da infecção.<br />

Figura 9. Ágar seletivo (Karmali) para<br />

Campylobacter (colônias brancas)<br />

Diagnóstico laboratorial: As fezes contêm,<br />

caracteristicamente, leucócitos PMN<br />

e hemácias. Estes elementos são facilmente<br />

observados em esfregaços corados pelo método<br />

de Gram. Um ágar contendo uma mistura<br />

de antimicrobianos e adicionado de 10% de<br />

sangue de carneiro é o meio de cultura seletivo<br />

recomendado para o isolamento de Campylobacter<br />

spp. Este meio possui hoje várias<br />

formulações modificadas, disponíveis comercialmente.<br />

O meio é constituído basicamente<br />

de uma base rica e nutritiva (tipo ágar-base<br />

Brucella) suplementado com anfotericina-B,<br />

cefalotina, polimixina-B, trimetoprim, vancomicina<br />

e sangue de carneiro.<br />

Os antimicrobianos suprimem o de-<br />

Referências Bibliográficas<br />

senvolvimento da microbiota fecal normal,<br />

facilitando o isolamento bacteriano. Caso<br />

seja utilizado um meio líquido para enriquecimento<br />

da amostra, normalmente usa-se o<br />

caldo Tioglicolato adicionado dos mesmos<br />

suplementos. A incubação das placas inoculadas<br />

deve ser feita a 42°C em uma atmosfera<br />

de aproximadamente 5-15% de oxigênio e<br />

5-12% de CO 2<br />

. C. jejuni apresenta colônias<br />

pequenas, não hemolíticas e mucóides, geralmente<br />

acinzentadas e com bordas irregulares.<br />

Estas colônias tendem a se espalhar pelo ágar<br />

(Figura 8). Outro meio muito utilizado (Karmali)<br />

contém carvão ativado e as colônias de<br />

Campylobacter possuem cor branca (Figura<br />

9). Caso as placas sejam examinadas com 24h<br />

de incubação, tratá-las como se elas fossem<br />

culturas para anaeróbios, ou seja, examiná-las<br />

e rapidamente recolocá-las na jarra, refazendo<br />

a atmosfera. Os padrões de crescimento a 25,<br />

37 e 42°C, bem como as reações bioquímicas<br />

e a susceptibilidade ao ácido nalidíxico<br />

e à cefalotina são dados úteis no auxílio à<br />

correta identificação e diferenciação das<br />

espécies, sobretudo se os estudos forem realizados<br />

pela metodologia tradicional, ou seja,<br />

sem automação.<br />

•<br />

1. Beaglehole, R; Bonita, R; Kjellstrom, T. Basic Epidemiology. World Health Organization,<br />

Geneva, Switzerland, 1993.<br />

2. Benenson, A. Control of Communicable Disease Manual 16th Ed., American Public Health<br />

Association, Washington, DC, 1995.<br />

3. Bergey’s Manual of Systematic Bacteriology. Vol. 1-4. Williams & Wilkins, Baltimore.<br />

1984-1989.<br />

4. Berry, LJ. Bacterial toxins. Crit Rev Toxicol 5. 239, 1977.<br />

5. Blanco, J; Blanco, M; Gonzalez, EA et al. Serotypes and colonization factors of enterotoxigenic<br />

Escherichia coli isolated in various countries. Eur J Epidemiol 9.489, 1993.<br />

6. Centers for Disease Control and Prevention. Morbidity and Mortality Weekly Report.<br />

Massachusetts Medical Society, Waltham, Ma, 2007.<br />

7. Chapman, PA; Siddons, CA; Wright, DJ et al. Cattle as a possible source of verocytotoxinproducing<br />

Escherichia coli O157 infections in man. Epidemiol Infect 111.439, 1993.<br />

8. Donnenberg, MS; Tacket, CO; James, SP et al. Role of the eaeA gene in experimental<br />

enteropathogenic Escherichia coli infection. J Clin Invest 92.141, 1993.<br />

9. Draser, BS; Hill, MJ. Human Intestinal Flora. Academic Press, London, 1974.<br />

10. Dytoc, M; Sone, R; Cockerill, F et al. Multiple determinants of verotoxin-producing<br />

Escherichia coli O157.H7 attachment-effacement. Infect Immun 61.3382, 1993.<br />

11. Ewing, WH. Edwards and Ewing’s Identification of Enterobacteriaceae. 4ª ed. Elsevier<br />

Science Publishing Co., New York, 1986.<br />

12. Freter, R; Brickner, J; Botney, M, et al. Survival and implantation of Escherichia coli in<br />

the intestinal tract. Infect Immun 39.686, 1983.<br />

13. Koneman, EW; Allen, SD; Janda, WM; Schreckenberger, P; Winn Jr., WC. Color Atlas<br />

And Text Book Of Diagnostic Microbiolgy. 6 Ed. Philadelphia. Lippincott, 2006.<br />

14. Menezes e Silva, CHP; Neufeld, PM. Bacteriologia e Micologia para o Laboratório<br />

Clínico. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Revinter, 2006.<br />

140<br />

NewsLab - edição 87 - 2008

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!