03.07.2019 Views

RCIA - EDIÇÃO 168 - JULHO 19

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ARTIGO<br />

Ubiratan Reis<br />

Desconsideração da Personalidade Jurídica<br />

O Brasil não é para amadores, especialmente na seara jurídica.<br />

Falando um pouco mais sobre a MP nº 881/20<strong>19</strong>, esta norma<br />

adentrou a uma das mais controvertidas celeumas da ciência<br />

do Direito, a chamada desconsideração da personalidade<br />

jurídica, que se caracteriza pelo desvio de finalidade ou pela<br />

confusão patrimonial entre a empresa e seus sócios, onde<br />

o juiz, em processo judicial, a requerimento geralmente de<br />

um credor, a desconsidera para que os efeitos de certas e<br />

determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos<br />

bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa<br />

jurídica, beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.<br />

A controversa está exatamente no fato de que, especialmente<br />

na empresa limitada, esta desconsideração e possibilidade de<br />

atingir os bens particulares dos sócios, seria uma afronta ao<br />

objetivo principal para qual existe esta espécie de sociedade:<br />

segregar os bens, delimitar e restringir a responsabilidade de<br />

cada sócio ao valor de suas respectivas cotas sociais.<br />

A MP 881/20<strong>19</strong> inseriu várias regras que, a princípio, dificultam<br />

a possibilidade de comprovação de abuso ou desvio de<br />

finalidade da empresa, com o objetivo, suponho, de propiciar<br />

estímulo e segurança jurídica para que investidores apliquem<br />

capital ocioso na retomada de desenvolvimento e crescimento<br />

do país.<br />

Pelas novas regras, a confusão patrimonial é a ausência<br />

de separação de fato entre os patrimônios da empresa e<br />

de seus sócios e administradores, caracterizada por: (i)<br />

cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio<br />

ou do administrador ou vice-versa (por exemplo, pagar contas<br />

particulares pela conta bancária da empresa); (ii) transferência<br />

de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações,<br />

exceto o de valor proporcionalmente insignificante (exemplo,<br />

transferência bancária para cobrir o limite do especial da conta<br />

particular) e (iii) outros atos de descumprimento da autonomia<br />

patrimonial (por exemplo, usar o carro da empresa como se<br />

particular fosse).<br />

Outra alteração foi a de que não constitui desvio de finalidade<br />

a mera expansão ou a alteração da finalidade original da<br />

atividade econômica específica da pessoa jurídica, bem como a<br />

mera existência de grupo econômico, por si só, não justifica a<br />

desconsideração da empresa.<br />

Embora as alterações somente possam ser aplicadas em casos<br />

novos, não se pode fazer vista grossa ao atual entendimento<br />

do Poder Judiciário, neste caso específico, a recente decisão<br />

da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, na<br />

hipótese de ocorrência de fraude para oportunizar sonegação<br />

fiscal ou esvaziamento patrimonial dos reais devedores, que a<br />

lei permite estender para todas as pessoas jurídicas integrantes<br />

do grupo econômico a indisponibilidade de bens (Recurso<br />

Especial n. 1.656.172).<br />

Entendeu o STJ que nas execuções fiscais contra uma empresa<br />

integrante de um grupo econômico, em “se tratando de atos<br />

fraudulentos, a indisponibilidade de bens decorrente da<br />

medida cautelar fiscal não encontra limite no ativo permanente,<br />

podendo atingir quaisquer bens, direitos e ações da pessoa<br />

jurídica e, eventualmente, dos sócios, nos termos do artigo 11<br />

da Lei 6.830/<strong>19</strong>80”.<br />

O STJ entendeu que haveria a possibilidade de aplicar a<br />

indisponibilidade de bens a todas as empresas integrantes do<br />

grupo econômico, seus sócios e administradores, em medida<br />

cautelar fiscal nos casos onde se verifica “fortes indícios de<br />

fraude”.<br />

O ponto de divergência de entendimento, a nosso sentir, está no<br />

fato da MP 881 determinar que o abuso ou o desvio deverão ser<br />

provados, enquanto que o STJ direcionou um entendimento para<br />

a constatação de indícios.<br />

Este tipo de insegurança jurídica é um dos grandes entraves<br />

para o efetivo crescimento e desenvolvimento da economia,<br />

mormente quando se vislumbra tamanha disparidade de<br />

entendimento adotado pelo Poder Executivo que em certa<br />

medida está diametralmente oposto ao entendimento do Poder<br />

Judiciário.<br />

Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico<br />

e escreve para a Revista Comércio, Indústria e<br />

Agronegócio (ubreis@gmail.com)<br />

|28

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!