RCIA - EDIÇÃO 168 - JULHO 19
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ARTIGO<br />
Ubiratan Reis<br />
Desconsideração da Personalidade Jurídica<br />
O Brasil não é para amadores, especialmente na seara jurídica.<br />
Falando um pouco mais sobre a MP nº 881/20<strong>19</strong>, esta norma<br />
adentrou a uma das mais controvertidas celeumas da ciência<br />
do Direito, a chamada desconsideração da personalidade<br />
jurídica, que se caracteriza pelo desvio de finalidade ou pela<br />
confusão patrimonial entre a empresa e seus sócios, onde<br />
o juiz, em processo judicial, a requerimento geralmente de<br />
um credor, a desconsidera para que os efeitos de certas e<br />
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos<br />
bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa<br />
jurídica, beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.<br />
A controversa está exatamente no fato de que, especialmente<br />
na empresa limitada, esta desconsideração e possibilidade de<br />
atingir os bens particulares dos sócios, seria uma afronta ao<br />
objetivo principal para qual existe esta espécie de sociedade:<br />
segregar os bens, delimitar e restringir a responsabilidade de<br />
cada sócio ao valor de suas respectivas cotas sociais.<br />
A MP 881/20<strong>19</strong> inseriu várias regras que, a princípio, dificultam<br />
a possibilidade de comprovação de abuso ou desvio de<br />
finalidade da empresa, com o objetivo, suponho, de propiciar<br />
estímulo e segurança jurídica para que investidores apliquem<br />
capital ocioso na retomada de desenvolvimento e crescimento<br />
do país.<br />
Pelas novas regras, a confusão patrimonial é a ausência<br />
de separação de fato entre os patrimônios da empresa e<br />
de seus sócios e administradores, caracterizada por: (i)<br />
cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio<br />
ou do administrador ou vice-versa (por exemplo, pagar contas<br />
particulares pela conta bancária da empresa); (ii) transferência<br />
de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações,<br />
exceto o de valor proporcionalmente insignificante (exemplo,<br />
transferência bancária para cobrir o limite do especial da conta<br />
particular) e (iii) outros atos de descumprimento da autonomia<br />
patrimonial (por exemplo, usar o carro da empresa como se<br />
particular fosse).<br />
Outra alteração foi a de que não constitui desvio de finalidade<br />
a mera expansão ou a alteração da finalidade original da<br />
atividade econômica específica da pessoa jurídica, bem como a<br />
mera existência de grupo econômico, por si só, não justifica a<br />
desconsideração da empresa.<br />
Embora as alterações somente possam ser aplicadas em casos<br />
novos, não se pode fazer vista grossa ao atual entendimento<br />
do Poder Judiciário, neste caso específico, a recente decisão<br />
da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, na<br />
hipótese de ocorrência de fraude para oportunizar sonegação<br />
fiscal ou esvaziamento patrimonial dos reais devedores, que a<br />
lei permite estender para todas as pessoas jurídicas integrantes<br />
do grupo econômico a indisponibilidade de bens (Recurso<br />
Especial n. 1.656.172).<br />
Entendeu o STJ que nas execuções fiscais contra uma empresa<br />
integrante de um grupo econômico, em “se tratando de atos<br />
fraudulentos, a indisponibilidade de bens decorrente da<br />
medida cautelar fiscal não encontra limite no ativo permanente,<br />
podendo atingir quaisquer bens, direitos e ações da pessoa<br />
jurídica e, eventualmente, dos sócios, nos termos do artigo 11<br />
da Lei 6.830/<strong>19</strong>80”.<br />
O STJ entendeu que haveria a possibilidade de aplicar a<br />
indisponibilidade de bens a todas as empresas integrantes do<br />
grupo econômico, seus sócios e administradores, em medida<br />
cautelar fiscal nos casos onde se verifica “fortes indícios de<br />
fraude”.<br />
O ponto de divergência de entendimento, a nosso sentir, está no<br />
fato da MP 881 determinar que o abuso ou o desvio deverão ser<br />
provados, enquanto que o STJ direcionou um entendimento para<br />
a constatação de indícios.<br />
Este tipo de insegurança jurídica é um dos grandes entraves<br />
para o efetivo crescimento e desenvolvimento da economia,<br />
mormente quando se vislumbra tamanha disparidade de<br />
entendimento adotado pelo Poder Executivo que em certa<br />
medida está diametralmente oposto ao entendimento do Poder<br />
Judiciário.<br />
Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico<br />
e escreve para a Revista Comércio, Indústria e<br />
Agronegócio (ubreis@gmail.com)<br />
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