Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
olha que não sou uma pessoa do tipo violento. Nem deixo minha mãe botar<br />
ratoeir<strong>as</strong> em c<strong>as</strong>a! Nunca recebi sequer um cartão de advertência em todos esses<br />
anos jogando futebol. Nem vermelho nem amarelo. Nunca quis matar nem um<br />
inseto. Nem erva daninha, aranha, nada. M<strong>as</strong> você me fez sentir uma coisa tão<br />
intensa… O final do seu livro me deixou com uma raiva absurda!<br />
Booker abriu um sorriso de compreensão extremamente triste. Ele se virou<br />
para a janela, o olhar perdido.<br />
— Por favor, não me culpe por seu ódio. Ele estava aí dentro antes de você<br />
abrir O ceifador. Pode ter certeza. Está em todos nós. Precisamos, no mínimo,<br />
<strong>as</strong>sumir a responsabilidade que nos cabe… principalmente pela parte desse ódio<br />
que deixamos escapar.<br />
— Não estou insinuando que… — comecei, m<strong>as</strong> parei ao me dar conta de<br />
que estava, sim, o culpando.<br />
— Você devia ler “A genialidade da multidão”, de Bukowski — sugeriu ele,<br />
voltando a olhar para mim. — É um poema que diz uma ou du<strong>as</strong> cois<strong>as</strong><br />
importantes sobre o ódio.<br />
— De quem?<br />
— Do grande Charles Bukowski. Herói dos não conformist<strong>as</strong> e poet<strong>as</strong><br />
operários do mundo todo.<br />
Minha família não era operária, m<strong>as</strong> a parte dos não conformist<strong>as</strong> me atraiu.<br />
Perguntei como se escrevia o sobrenome e digitei no celular. Acrescentei “A<br />
genialidade da multidão”. Mais tarde, li o poema e amei. Foi como colocar os<br />
óculos do grau certo depois de p<strong>as</strong>sar a vida dando de cara n<strong>as</strong> paredes. Naquel<strong>as</strong><br />
linh<strong>as</strong>, Bukowski consegue resumir com precisão o que eu sentia havia anos, e de<br />
uma forma que faz parecer muito fácil.<br />
— Tome cuidado com os poem<strong>as</strong> do Buk — advertiu Booker, naquele dia no<br />
café. — São intensos. E, por favor, não conte aos seus pais, nunca mesmo, que<br />
eu lhe recomendei poesia da contracultura, principalmente se eles forem do tipo<br />
careta, daqueles que fazem foto de família em estúdio. Acima de tudo, não diga<br />
nada sobre Buk se eles forem do tipo que usa suéteres idênticos na noite de<br />
Natal. Mesmo os pais de cl<strong>as</strong>se média não cristãos cafon<strong>as</strong> desprezam Bukowski,<br />
e, claro, é por isso que os jovens de cl<strong>as</strong>se média o amam.<br />
— Como você adivinhou que eles fazem isso? — perguntei, chocada. —<br />
Meus pais, <strong>as</strong> fotos de família, <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> roup<strong>as</strong> no Natal...<br />
— São hábitos muito comuns. As pesso<strong>as</strong> são lamentavelmente previsíveis. E<br />
eu sei de muit<strong>as</strong> cois<strong>as</strong>. É uma maldição. Outra coisa que eu sei: você não está