Chicos 59 - 22.12.2019
Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil. Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com
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Chicos
Todos os malucos, nas horas de lazer,
liam e escreviam. Textos da sua autoria ou uns
dos outros e as horas de lazer naquele
Manicómio, eram uma autêntica festa!
Havia uma jovem escritora, muito jovem,
mas com uma escrita muito madura e
amadurecida em aturado trabalho, que
simpatizou de imediato com o nosso Maluco e
com ele tinha conversas interessantíssimas sobre
tudo que viesse a talho de foice.
Ah, esquecia-me de dizer uma coisa
muito importante: é que no Manicómio havia
uma excelente biblioteca atacadinha de livros,
não ordenados em estantes como se via no
mundo de cá de fora, em que as pessoas
gostavam de mostrar que tinham livros de capas
muito bonitas, douradas e tudo. Os livros do
Manicómio encontravam-se em cima de mesas
de tampo redondo e giratório, para que os
malucos tivessem sempre à mão aquilo de que
precisavam, sem perderem muito tempo na
procura.
Pois era nessa sala que o nosso Maluco e
a Jovem Maluca se encontravam frequentemente
e em breve começaram a descobrir gostos
comuns. Foi ela um dia que falou de um dos
maiores malucos do século, um tal Fernando
Pessoa que foi um dos primeiros habitantes do
Manicómio, senão o seu fundador. Tinha sido
posto ali depois de, em julgamento sumário,
concluírem que não percebiam nada do que ele
escrevia e foi condenado com pena mais grave
por certa mania que tinha de inventar pessoas,
de imaginar que elas escreviam por ele, ou ele
por elas. Enfim, aquela gente de lá de fora ficou
tão baralhada que não teve outro remédio senão
interná-lo. O nosso Maluco e a Jovem Maluca
adoravam esse Pessoa maluco, bem como todos
quantos ele inventou e era uma maravilha
quando decidiam torná-lo vivo e liam em voz
alta tudo que ele escreveu. Todos paravam para
os ouvir: o porco deitava-se em cima da roupa
lavada, de boca fechada, mas ouvido atento, os
patos acordavam e ouviam regalados, e até o
papagaio, alterava o seu bailado ao som de
inaudível música.
Um dia, a Jovem Maluca perguntou ao
nosso Maluco pela tal história que ele dizia ter
dentro de si, ou ele dentro dela, ou uma coisa
assim parecida.
O nosso Maluco disse-lhe que já a tinha
acabado e que a trazia sempre com ele no bolso.
Então ela pediu-lhe que lha deixasse ler.
Ele olhou-a com hesitação, ficou algum tempo à
espera e por fim disse:
- Lê, há muito que andava dentro de mim
ou eu dentro dela, tanto faz, mas só aqui, depois
de te conhecer, consegui acabá-la.
A Jovem Maluca pegou no papel,
desdobrou e começou a ler. Ia-se ruborizando,
dava conta o nosso Maluco, mas quando
acabou, devolveu-lha, aproximou-se dele,
abraçou-o e ofereceu-lhe o rosto para que fosse
beijado, ao mesmo tempo que dizia: -Aceito!
Eclodiram palmas de todos os lados e
aquele Manicómio, certo deste enlace, viu de
repente um futuro risonho, promissor e
interminável...
Cá fora, até onde chega a memória dos
tempos, continuou a grassar a santa ignorância,
apanágio dos Grandes Chefes e de todos
quantos com eles dizem: Amém!
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