Chicos 59 - 22.12.2019
Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil. Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com
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Chicos
e “A língua é nossa pátria”.
Enquanto eu caminhava, com cartaz em punho,
algumas pessoas vieram me abraçar e
tirar fotos. Pelo jeito de falar, percebi que
também eram brasileiros. Posei gentilmente,
mas não fiquei muito tempo com eles. Eu
precisava conhecer pelo menos uma gaja autêntica.
Tinha que haver um par de seios europeus
naquela salada humana. Perambulei
atento, até avistar uma morena franzina,
com um vestido longo e meias cobrindo as
canelas. Só podia ser estrangeira. Me aproximei
lentamente, falei em voz alta a frase que
estava no cartaz dela: “Por um Brasil global!”
Ela me olhou com simpatia, sorriu. Apesar
do barulho, conseguimos trocar algumas palavras.
Portugal já desaparecia do seu sotaque,
embora resistisse bravamente nas sobrancelhas
e narinas. Ela comentou que gostava
muito de Ivete Sangalo. Para não comprometer
aqueles primeiros momentos, fingi
saber o que era Ivete Sangalo. Perto da praça
de destino, falei que eu adorava comidas
portuguesas, como palmito e queijo parmesão.
Ela perguntou o que era palmito. Adorei
seu senso de humor. Pedi para tirar uma foto,
e esperei que ela dissesse algo como
“compartilha no meu Facebook.” Mas ela
não disse nada. Era das tímidas. “Não quer
que eu publique no seu Facebook?”, perguntei,
ansioso. “Pois, claro. Eu estava a ponto
de lho dizer”, respondeu minha bisavó. E,
enquanto ela soletrava seu nome, cheguei a
sentir uma pequena vertigem. Naquele turbilhão
de som e fúria, alguma coisa subitamente
fez sentido. A impertinente realidade
finalmente se pareceu com um dos meus sonhos,
e isso a tornou mais fantástica e mais
real.
Naquele mesmo dia, a portuguesinha conheceu
meu Celta 2010. Semanas depois, foi a
vez do meu quarto-e-sala, de onde pedimos
uma pitsa de palmito. Descobri que palmito
nunca foi uma iguaria portuguesa. Descobri
que a cerveja brasileira podia deixar uma rapariga
intimamente tropical. Só meses mais
tarde fui descobrir que ela não precisava casar
comigo para ter um visto de permanência.
Fiquei confuso e decepcionado. No fundo
nunca entendi contra quê os portugueses
realmente protestavam. Mas claro que isso
não tem a menor importância.
Eu protestava contra a solidão. Por um momento
venci.
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