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O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)_Grossi (2020)

Uma adaptação teatral de Grossi para as frases do filósofo de Sínope

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Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


“O QUE DIÓGENES FARIA NO SEU CASO” (ESQUETE)

Uma adaptação teatral de Grossi para as frases do filósofo de Sínope

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


PERSONAGENS

O violeiro, Diógenes e as atrizes 1, 2 € 3

ÉPOCA

No caso, este século XXI!

LUGAR

Formato arena

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


[O VIOLEIRO está sentado, os outros atores fazem um círculo ao redor de uma fogueira.

Começa a peça com uma entoada do violão, a fumaça revela a silhueta preguiçosa de

DIÓGENES. A música fica hipnótica, Diógenes aparece por total coçando a barriga e se

espreguiçando.]

ATRIZ 1

(apelando)

Fomos nós que te trouxemos de volta, você se lembra de quando era o

filósofo Diógenes? Tudo isso é por você.

Sério isso?

DIÓGENES

(sorrindo)

DIÓGENES (cont.)

(faceiro)

Eu não, você não manda em mim!

[A música para, o violeiro fica encabulado. O filósofo percebe que está diante de uma

plateia e rapidamente muda o tom!]

DIÓGENES (cont.)

(confessando, para o violeiro)

Quando estou entre loucos, me faço o louco, ué.

DIÓGENES (cont.)

(rogado, para a plateia)

Sim... Eu me deixei mendigar, estive naquela vida para mostrar a

simplicidade... Ó cidadãos de o... que... houve?

ATRIZ 2

Um teatro... de autonomia expansiva!

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


DIÓGENES

(mãos para o alto)

E lá vamos nós... de novo. Há quantos dias você chegou do Espaço? Do

Céu? Que disfarces são esses que meus olhos param?

ATRIZ 2

Venha, humilde filósofo. Fique mais alguns momentos entre essa gente

necessitada. Ousamos te ressuscitar para relembrar suas palavras , você

que diria que o amor ao dinheiro ainda é a metrópole de todos os males.

DIÓGENES

(para a plateia, ignorando os atores)

Que maluquice é essa? E eu que ainda ousei dizer que os servos eram

escravizados pelos seus senhores, enquanto os homens vis... por seus

desejos.

ATRIZ 3

(mais grave que as outras)

“A única forma de governo correta é a que vigora no Universo.” Sim, nós

aqui sabemos... mas há tanta gente que desconhece essas coisas. Nem

sequer sabem o quanto todos os elementos estão contidos em todas as

coisas e os permeiam; você pode entender, porque todo o Universo é

composto de uma infinidade das mesmas sementes, ou átomos,

encontrados em todas as ‘coisas’. Só queremos repetir tudo isso com a

ênfase de sua presença. Os tempos isolaram as pessoas, que faremos?

DIÓGENES

(fuxicando o cenário, mais calmo)

Não importa, pois, seja qual for a posição que os peixes estejam, ainda

encontrarão compradores. A sina é de cada um, deixe-os.

ATRIZ 2

Mas, Diógenes, não podemos deixar eles assim!

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


DIÓGENES

(ajeitando a toga)

Podem sim, o único meio para que o homem conserve sua liberdade é

estar sempre disposto a morrer por ela. Mas se não conseguem, bem...

coragem, homens! É melhor ver logo a terra!

ATRIZ 3

(para as outras atrizes)

Ele não deixa de estar certo, vamos substituir os esforços inúteis por

aqueles escolhidos pela natureza... viver de modo feliz, em vez de ser

infeliz por falta de discernimento, acho que eu agora sei porque senti. Não

foi Diógenes que disse sobre o desprezo do próprio prazer? É

extremamente agradável para quem vive nisso; e do mesmo modo como

aqueles que estão habituados a viver nos prazeres passam a contragosto

para a situação contrária, assim os que exercitam a situação contrária

obtêm mais prazer do que os que desprezam os próprios prazeres.

Didática!

ATRIZ 1

(para atriz 3)

ATRIZ 3

(para a atriz 1)

As palavras têm muito de aritmética, minha amiga. Elas dividem quando

utilizamos como navalha, para lesionar; restam quando com pressa para

censurar; somam quando empregamos para dialogar... e multiplicam

quando oferecemos com generosidade para servir.

ATRIZ 2

(a mais simpática das outras)

A mandinga só deu pra trazer um, desculpa aí!

Ah tá.

DIÓGENES

(assobiando)

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


ATRIZ 1

(sempre realista)

Não vamos nos perder! Temos duas orelhas e uma só língua; é melhor

ouvirmos mais e falar menos.

DIÓGENES

(tentando sair)

Mas que bobeira, não estão vendo que eu estava descansando? Não

conquistei o mundo... e também não vejo necessidade disso. Então é o

fim, tchau para vocês. Me desejem uma boa viagem!

Por favor!

ATRIZ 2

(apressada, puxando o filósofo)

DIÓGENES

(reflexivo)

Vou pensar no seu caso, hummm.

DIÓGENES (cont.)

(rapidamente se esquivando)

É sempre aquela história, os grandes são como o fogo, convém não ficar

muito perto nem se afastar tanto dele.

DIÓGENES (cont.)

(se voltando para os outros)

Ainda aí? Por que não descansam agora se é o que querem? Depois todos

morreremos mesmo. Todos morremos na metade da viagem... Ou vão

dizer que não?

Prontamente!

ATRIZ 2

(ansiosa)

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


DIÓGENES

(se ajeitando)

Na vida necessitamos da razão ou então de uma corda para nos

enforcarmos!?

ATRIZ 2

Diz para a gente, professor! As pessoas precisam dos sábios.

DIÓGENES

Calma, sem títulos, por favor. Eu usaria tantos para papéis para... vocês

sabem. Mas como não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão

do mundo... isso, uma criatura do mundo, do Cosmos, e não de um

estado ou uma cidade particular. Vocês também.... às vezes merecem a

corda!

ATRIZ 1

E não deixa de ser verdade (...)

ATRIZ 3

(também para Diógenes)

Competem cavando fossos e se esmurrando, mas ninguém compete para

se tornar moralmente excelente. Que vida é essa?

DIÓGENES

A criada! Olha, eu fico brincando... mas sei que a situação é ruim. Por que

vivem então, se não cuidam de viver bem?

DIÓGENES (cont.)

(enfadado)

Ou ficar no celular lá é vida? Meus caros, vejam como a multidão ainda se

aproxima atentamente para ouvir uma tolice... hunf, enquanto para ouvir

coisas sérias ninguém chega nem perto.

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


ATRIZ 3

(debochada)

Isso!... Oh! Mas que pena que não se possa viver apenas esfregando a

barriga!

DIÓGENES

(safadinho)

Ah seu eu pudesse aliviar a fome esfregando também a barriga...

[Os atores riem de Diógenes.]

ATRIZ 3

(lustrada)

Vocês ouviram o cara, nada de se chatear com pouco.

[O violeiro inicia outra melodia.]

DIÓGENES

(para a plateia)

Mas que empazinados, olha como estão estufados de comidas! Por favor,

contribuam caridosamete também conosco, os mendigos, com uma parte

do teu ventre...?

DIÓGENES (cont.)

(fazendo uma reverência)

E palavras? Com o efeito, ficarão mais leves e ainda podem prestar um

benefício!

DIÓGENES (cont.)

(obtuso)

Mas se eu estiver saciado... talvez não tenha todas essas conclusões.

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


DIÓGENES (cont.)

(para o violeiro)

É... Isso me lembra o que alguém um dia veio e me disse: ‘Você é velho;

repousa!’ Eu então respondi: ‘Como? Se estivesse correndo num estádio

eu deveria diminuir o ritmo ao me aproximar da chegada? Ao contrário,

era para aumentar a velocidade.’

DIÓGENES (cont.)

(caminhando, braços para trás)

Perguntaram também por que as pessoas dão esmolas aos mendigos, mas

não oferecem nada aos filósofos... Ahh, deve ser porque pensam que

podem se tornar um dia aleijados ou cegos, porém... filósofos... nunca.

Que mais eu digo? Vou é voltar.

ATRIZ 1

(para Diógenes)

Mas o que ganham com toda essa filosofia?

ATRIZ 3

(surpresa, para atriz 1)

Como assim? No mínimo, as pessoas ficariam preparadas para as

sucessões e mudanças da sorte.

[A atriz 2 sorri para Diógenes. O filósofo ainda analisa as expressões do elenco, depois

respira fundo. Um leve sorriso.]

DIÓGENES

(se voltando, para a plateia)

E tem mais outra! A questão era, o que havia feito para ser chamado de

cão...

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


ATRIZ 2

(feliz, para Diógenes)

Sua resposta seria: “Balanço a cauda alegremente para quem me dá

qualquer coisa, ladro para os que recusam e mordo os patifes!”

Foi quase isso!...

DIÓGENES

(rindo, depois explicando)

Só que a tradução não disse que acreditei que os humanos viviam

artificialmente... de maneira hipócrita e poderiam tirar proveito ao estudar

os cães e sua simples maneira de ser. Mas de qual época seria uma

questão dessas? Esses animais são capazes de funcionar em público, sem

constrangimento; comeriam qualquer coisa, não fariam estardalhaço sobre

qual lugar dormir. Os cachorros, como outros animais, vivem o presente

sem ansiedade e não possuem as pretensões da filosofia abstrata.... disso

vocês sabem? Ou vai dizer que nem prestaram atenção? Ah sim, que

desculpinha! Somo ainda a estas virtudes... que eles, cães, aprendem

instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferentemente dos

humanos, que enganam e são enganados uns pelos outros... é, os cães

reagem com honestidade. Cães, ah, tão animais quando os que dizem

pensar!

ATRIZ 1

(para as outras atrizes)

Muitas pessoas carregam suas cabeças mas nem sabem para quê!...

DIÓGENES

(para a atriz 1)

Não vamos abolir nossa gente, assim seria melhor levá-los de volta para

uma caverna.

DIÓGENES (cont.)

(para a plateia)

Deixa a caverna para o chato do Platão! Esse sim foi um homem com o

hábito de dar mil respostas quando alguém lhe faz apenas uma pergunta!

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


DIÓGENES (cont.)

(para as atrizes)

Já eu, minhas saudosistas... eu vivi no exilio porque a mim foi confiado o

dinheiro do Estado, e então adulterei essa... como diria? Moeda corrente.

Agi dessa maneira e fui forçado a deixar minha terra natal... Sempre uma

reação! Mas era meu meio.

DIÓGENES (cont.)

(eloquente, para a plateia)

Portanto, sou um homem sem cidade, sem lar, exilado da pátria... um

mendigo, um errante à procura do pão de cada dia... indiferente de meu

estado, vivendo dia a dia para assegurar minha felicidade. Que luta!

[Diógenes interroga um dos expectadores da plateia, puxando pelo braço até o palco.]

DIÓGENES

(sarcástico)

E, hoje, quem são vocês que amam esse dinheiro? O mesmo, séculos e

séculos depois (...)

[O filósofo tapa a boca do expectador antes que possa falar, não dá chance para resposta.]

DIÓGENES

(rindo da situação)

Golpeia, pois não vai achar madeira tão dura que possa me fazer desistir

de conseguir que diga qualquer coisa, qualquer que seja... como me parece

ser teu dever.

Quem mais adotou um modo de vida modesto? Por que não me diz? Se

amedronta? (...) Guarde a resposta, calma!

DIÓGENES (cont.)

(explicando)

Vendo um rato correr de um lado para outro, sem destino, sem procurar

um lugar para dormir, sem medo das trevas e não querendo nada...

descobri um remédio para nossas dificuldades.

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


DIÓGENES (cont.)

(ainda explicando, outro tom)

Fui o primeiro a dobrar meu manto e usar também para dormir...

carreguei uma sacola onde guardei meu alimento; serviu indiferente,

poderia ser em qualquer lugar. Quem é o rato na vida deste século XXI?

Um rato que aprendeu os números romanos, mas de nada se serve

daquela moral, a força!

[Diógenes empurra o expectador para fora do placo.]

DIÓGENES

(dando de ombros)

Agora chega de falar de mim, por que mesmo fui atraído até aqui?

ATRIZ 2

(esperançosa)

Queríamos sua opinião! Foram as sibilas que te indicaram. Também

buscamos os honestos.

Alguém mais viu? Ihhh.

ATRIZ 3

ATRIZ 1

Hoje não temos muita sua simplicidade, professor.

Ah boas sibilas!...

DIÓGENES

(pensativo)

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


DIÓGENES (cont.)

(relaxado)

Mas eu também nada sei, e se já fui novidade... bem, com certeza já perdi

a graça faz tempo. É hora de vocês tentarem sozinhas, e pelo caminho vão

se conhecer, são muitas realidades. Não se preocupem.

DIÓGENES (cont.)

(cínico)

Ei! Ahhh já posso voltar? Quanto mais conheço essa gente, mais prefiro

meus cachorros, hunnf.

Aliás, cadê eles? Tutii, Caesar?

[Muitos trovões soam.]

DIÓGENES

(aos brados, para a plateia e os atores)

Caramba! estão me chamando de volta... Vamos mexer tanto com a

ordem não, hein.

[Fumaça no palco enquanto o filósofo sai de fininho. Toca a divertida “The next episode”

(Dre/Dogg), Diógenes ri alto da coxia. E de lá ele ainda diz que “o movimento se demostra

andando.”]

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


“Grossi é escritor, roteirista e músico espiritualista. Publicou entre outros títulos a novela

“Beijo técnico”, além dos argumentos de “Amor, Ódio, Redenção e Morte” e “Casa de

praia” para o Cinema. Pela Poesia, lançou “Cura”, “Servidão”, “A Conferência”.

“Cabezada”, “Esencias”, “Maneja” e “El Viajero Loco Ø § La May Madre” são suas obras

em espanhol. Participou também como guitarrista e vocalista das bandas Alice, íO,

Instrumental Vox, Ummantra e SAEM”

Atos II O que Diógenes faria no seu caso (Esquete)


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