Desvairadas: histórias de pessoas LGBT em Florianópolis, capital de Santa Catarina (2014)
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
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a porta, envolta em uma luz vermelha vibrante, que, à exceção
da cor, é como uma porta qualquer de um prédio antigo
qualquer. Para além da entrada há uma escadaria íngreme. Lá
no alto da parede, um cartaz anuncia: “Vem que tem!”. Equilibrada
no salto alto do sapato novo, Kelly vence os degraus
a seu ritmo, agarrada em suas duas sacolas de pano. No topo
da escadaria, a porta de entrada se abre antes que possa sequer
pensar em bater.
“Olha, tens que tomar cuidado com os teus clientes da
terceira idade”, Kelly desabafa. “O que é essa escada?”
A mulher que abriu a porta tem uns quarenta anos de
idade, cabelo ralo de cor clara e olhos bem azuis. Abre um
sorriso de dentes tortos. “Menina, nem me fale. Ontem veio
aqui um senhor de oitenta e dois anos de idade. A primeira
coisa que fez quando chegou foi pedir uma água e sentar naquele
sofá”, a mulher aponta com o indicador para um canto
da sala. “Ficou ali a noite inteira.”
“Vocês tinham que fazer convênio com o SAMU.”
“É. Nem a gente consegue subir isso daí direito.”
O ambiente está abarrotado por uns tantos móveis e garotas
enfeitadas, usando maquiagem, bijuterias nos pulsos,
pescoços e orelhas, e roupas que revelam o corpo. Os quartos
cheiram a velhice e suor azedo. Todos os cômodos, fora
a recepção, permanecem no escuro, como que aguardando a
agitação começar. Os lençóis são simples, a mobília também.
O balcão da recepção fica do outro lado da sala. Kelly para
na frente dele. Tira das bolsas de pano duas caixas de tamanho
médio, fechadas com fita adesiva, e as deposita sobre a
bancada. Ambas estão repletas de preservativos masculinos e
femininos, daquelas variantes distribuídas de graça nos postos
de saúde. Dependendo do estabelecimento, Kelly também
distribui lubrificantes íntimos em embalagens quadradas.
“Vocês desculpem que nós tivemos um probleminha com
o fornecedor... Ficamos um tempo sem receber, mas acontece.”
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