Desvairadas: histórias de pessoas LGBT em Florianópolis, capital de Santa Catarina (2014)
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
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O número de operações policiais higienistas cresceu na
cidade. A Operação Arrastão, organizada pelo Departamento
Estadual de Investigações (DEIC) ainda em 1989, foi uma
das diversas iniciativas cujo objetivo principal era “purificar”
o centro de Florianópolis das zonas de meretrício e tráfico de
drogas, e retirar os “vadios” de circulação – ou seja, todos os
moradores de rua, portadores e usuários de drogas, travestis,
prostitutas, pessoas sem documento e menores de idade. Na
teoria, prendia-se sob acusação de “vadiagem”, crime previsto
no decreto-lei 3.688 de 1941, mas na prática, bastava ser travesti.
Às vezes, na noite, a viatura encostava na calçada, descia
o vidro da janela e o policial anunciava: “Quem estiver de
calça, fica, mas quem estiver de saia...”. Na área do Centro de
Florianópolis, dizia-se que a prática era mais incisiva, porque
os policiais aplicavam surras – e ir reclamar na Corregedoria
Geral da Polícia só aumentava a intensidade do castigo.
Foi assim que Kelly terminou em uma cela com mais quatro
colegas de pista, em meados de 1990. No cubículo, havia
somente um colchão velho sobre o cimento gelado e um
copinho de café fumegante para dividir em cinco pessoas. A
princípio, foi informado que seriam todas liberadas até meia-
-noite, mas as horas foram passando e nada de soltarem.
“Olha”, Kelly apelou para o policial, “eu tenho que ir embora,
porque meu marido tem que ir trabalhar e eu estou com
a chave de casa”.
A resposta foi negativa. Em instantes, o que era calma se
transformou num pandemônio na cela da delegacia. No meio
da gritaria, Kelly fingiu que se enforcava. Conseguiu um pedaço
de pau, ergueu-o e ameaçou: “Entra aqui, entra aqui e
solta a gente AGORA”. Então, a polícia lançou uma proposta
para apaziguar a bagunça: ficou combinado que as presas deixassem
os dados pessoais e se apresentassem à polícia novamente
às três da tarde do dia seguinte. Nenhuma das cinco
apareceu de novo.
“Nós tivemos um probleminha com o fornecedor, aí fi-
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