Desvairadas: histórias de pessoas LGBT em Florianópolis, capital de Santa Catarina (2014)
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
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hormônios duas vezes ao mês. Em pouco tempo a pele começou
a ficar mais lisa, o corpo mais inchado, o humor instável
e as curvas mais definidas, enquanto que as ereções desapareceram
por completo.
Com tanto hormônio circulando pelo sangue, alguma
coisa deve ter saído errada. O que começou com um abscesso
mal-tratado nas costas resultou em uma internação de dois
meses por infecção. Em todo o tempo que permaneceu sob
acompanhamento, Kelly tinha dois tubos saindo das costas
para drenar a secreção do ferimento e um curativo, que era
trocado todos os dias. A cada doze horas, tomava injeções
de penicilina para combater a infeção. Depois vinham os enfermeiros,
lavavam a ferida com soro fisiológico e mercúrio
cromo e cobriam-na com uma nova camada de gaze. Kelly se
agarrava à cama, às vezes desmaiava de dor.
Em dois meses, ela deixou o hospital curada, com a certeza
de que nunca mais iria tomar hormônio de novo – exceto
se tivesse acompanhamento médico. Mas o médico não sabe
lidar com a travesti. Esquece-se de pedir o exame de próstata,
trata-a no gênero masculino e não consegue entender o
silicone industrial injetado. Nos anos 1990 era pior: como o
Sistema Único de Saúde (SUS) só foi aprovar o uso do nome
social em 2013, naquela época Kelly era chamada pelo nome
de registro nos hospitais. Quem não é trans talvez não consiga
entender o constrangimento de ter que responder pelo
nome de batismo no meio de toda a gente, levantar da cadeira
da sala de espera e acompanhar a enfermeira para a consulta,
sob olhares de deboche e estranhamento. Por medo de situações
como esta, algumas amigas de Kelly evitaram ir ao posto
de saúde – e, dessa forma, morreram.
“Agora isso já tá mudando”, diz ela. Hoje pode querer
ter o nome respeitado, um emprego, sair à luz do dia, dançar
de noite, nos bares, vestir saia ou calça, usar maquiagem, passar
batom e pintar as unhas... Mas ainda tem muita coisa para
melhorar. O preconceito quando conta que é travesti e faz
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