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Vida Judiciária - Jan/Fev 2020

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NOTA<br />

DE DIVULGAÇÃO<br />

O “branqueamento de capitais e financiamento<br />

ao terrorismo”, na vertente do enriquecimento<br />

ilícito (catálogo dos crimes subjacentes<br />

ao crime de branqueamento: lenocínio,<br />

abuso sexual de crianças ou de menores<br />

dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes<br />

e substâncias psicotrópicas, tráfico<br />

de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos,<br />

tráfico de espécies protegidas, fraude<br />

fiscal, tráfico de influência, corrupção e<br />

demais infrações referidas no n.º 1 do artigo<br />

1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e no<br />

artigo 324.º do Código da Propriedade Industrial,<br />

e dos factos ilícitos típicos puníveis com<br />

pena de prisão de duração mínima superior a<br />

seis meses ou de duração máxima superior a<br />

cinco anos), não é um problema do passado!<br />

23 MARÇO <strong>2020</strong>


Branqueamento de capitais<br />

e financiamento<br />

ao terrorismo<br />

Pelo contrário, a prática dos crimes ditos<br />

subjacentes ao crime de branqueamento<br />

de capitais, num futuro de graves dificuldades<br />

e desigualdades sociais, será efectivada<br />

“num mercado de oportunidades”<br />

para criminosos da nova geração: sem<br />

ideologias, sem referências morais, sem<br />

território de base e sem respeito pelos<br />

poderes instituídos, e, em muitos casos,<br />

em novos “espaços” de impunidade, com<br />

especial facilidade e relevo para os concretos<br />

desafios da era digital (branqueamento<br />

de bitcoins, blockchain, utilização de AI,<br />

etc) que são já, pelos menos teoricamente,<br />

alvo de reflexão da nova directiva comunitária<br />

AML.<br />

Se o “branqueamento de capitais” estava<br />

(e ainda está) relacionado com as práticas<br />

ilícitas relacionadas com a fraude fiscal,<br />

corrupção, tráfico de influência, tráfico de<br />

armas, tráfico de estupefacientes, entre<br />

outros, no futuro pós pandemia mundial<br />

COVID-19, em especial nos países em que<br />

os poderes públicos ficarão seriamente<br />

abalados, sem ânimo e meios para vencer<br />

as dificuldades sociais básicas (acesso à<br />

saúde, habitação, educação, inter alia),<br />

aquele fenómeno poderá ter por base<br />

outros crimes, que geram o enriquecimento<br />

fora das “regras do mercado regulado”<br />

mas com uma efectiva ilícita necessidade<br />

do seu branqueamento!<br />

Quem obtiver riqueza não justificada por<br />

via de qualquer metodologia de exploração,<br />

sem respeitar direitos fundamentais e<br />

as regras essenciais de mercado, dos mais<br />

frágeis e incapazes de escolher alternativas<br />

lícitas, terá de admitir que o seu comportamento<br />

possa ser enquadrado, no<br />

novo mundo pós COVID-19, como de enriquecimento<br />

ilícito, com as emergentes<br />

legais consequências.<br />

Se os desafios de compreensão do fenómeno,<br />

por um lado, e as dificuldades de<br />

operacionalização dos frameworks legais<br />

de prevenção e combate, por outro lado,<br />

exigiam já uma resposta qualitativa musculada,<br />

a verdade é que a actual situação<br />

pandémica veio enfraquecer as redes<br />

legais de resposta tradicional e, claro está,<br />

sublinhar a necessidade de uma resposta<br />

evolutiva, estrutural e não conjuntural, que<br />

possa estabelecer efectivas pontes (pontos)<br />

reflexivos de futuro.<br />

Nesse sentido, por exemplo, o debate<br />

sobre o alargamento dos crimes subjacentes<br />

ao crime de branqueamento de capitais<br />

e, necessariamente, sobre a criminalização<br />

do enriquecimento ilícito no quadro<br />

do branqueamento de capitais terá de<br />

acontecer.<br />

Daí que, a edição temática - branqueamento<br />

de capitais - da Revista <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong><br />

ora publicada tenha toda a oportunidade<br />

e mereça a devida atenção da comunidade<br />

jurídica lusófona, que deve estar<br />

atenta, sobretudo, para benefício dos mais<br />

desfavorecidos e para a prevenção da<br />

emergência (num duplo sentido) de um<br />

quadro de iniquidades.<br />

2


Nº 214 - janeiro/fevereiro <strong>2020</strong> - 7,50 G<br />

EDIÇÃO TEMÁTICA LUSÓFONA<br />

BRANQUEAMENTO<br />

DE CAPITAIS<br />

PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ,<br />

“Os processos terão a<br />

dimensão e duração que as<br />

circunstâncias impuserem”<br />

NOTA DE ABERTURA:<br />

As novas<br />

responsabilidades<br />

dos dirigentes<br />

das empresas<br />

ANTÓNIO RAPOSO<br />

SUBTIL<br />

Advogado RSA LP<br />

Presidente<br />

da Comissão<br />

de Legislação<br />

da Ordem<br />

dos Advogados<br />

JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL<br />

Nova Compliance Lab<br />

suscita interesse crescente<br />

entre profissionais<br />

e investigadores<br />

COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal<br />

de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo<br />

14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges<br />

JOÃO LUZ SOARES<br />

Advogado na RSA LP - Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa”.<br />

OPINIÃO<br />

MANUEL NOBRE CORREIA<br />

ANDREIA COSTA<br />

CARLOS FREITAS VILANCULOS<br />

RICARDO NÉRY<br />

JOANA MARIA DENTE<br />

ANDRÉ ABRANTES<br />

ISABEL DE PAIVA<br />

RUI PATRÍCIO<br />

JORGE SERROTE<br />

MIGUEL DE AZEVEDO MOURA<br />

GONÇALO MAIA MIRANDA<br />

MIGUEL MATIAS<br />

00214<br />

9 722017 002013


Novidade<br />

Edição atualizada!<br />

Os temas tratados são de questões<br />

correntes, frequentes, de hoje, do dia a dia,<br />

de litígios judiciais.<br />

A obra é abrangente e sistemática, de todos<br />

os aspetos, com relevo, com referência não<br />

só às avaliações do autor como às diversas<br />

correntes de jurisprudência e da doutrina<br />

sobre cada um desses temas.<br />

As diversas e atualizadas soluções<br />

jurisprudenciais e doutrinais constantes na<br />

obra são uma grande ajuda para o trabalho de<br />

magistrados e advogados<br />

IMEDIATO<br />

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Autor Durval Ferreira<br />

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223 399 400<br />

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opor-me a qualquer outra forma de tratamento desses dados, de acordo com a Política de Privacidade disponível em: http://www.vidaeconomica.pt/politica-de-privacidade.


EDITORIAL | 1<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

Nº 21<br />

janeiro/fevereiro <strong>2020</strong><br />

Revista bimensal<br />

Proprietário<br />

<strong>Vida</strong> Económica - Editorial, S.A.<br />

Rua Gonçalo Cristóvão, 14 - 2º<br />

4000-263 Porto<br />

NIF 507 258 487<br />

Diretor<br />

João Carlos Peixoto de Sousa<br />

Coordenador de edição:<br />

Guilherme Osswald<br />

Paginação<br />

Flávia Leitão<br />

Direção Comercial<br />

Porto:<br />

Teresa Claro<br />

Assinaturas<br />

Maria José Teixeira<br />

E-mail: assinaturas@vidaeconomica.pt<br />

Redação, Administração<br />

<strong>Vida</strong> Económica - Editorial, S.A.<br />

Rua Gonçalo Cristóvão, 14 r/c<br />

4000-263 Porto<br />

Telefone: 223 399 400<br />

Fax 222 058 098<br />

E-Mail: geve@vidaeconomica.pt<br />

Impressão<br />

Uniarte Gráfica / Porto<br />

Reforçar a cooperação<br />

entre Angola e Portugal<br />

João Luís de Sousa<br />

Diretor Adjunto<br />

A<br />

cooperação e ajuda mútua com as autoridades portuguesas<br />

é uma prioridade para a Procuradoria Geral de Angola. Em<br />

entrevista à “<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>”, Hélder Gróz, refere as convenções<br />

internacionais já celebradas no âmbito da CPLP e os acordos e<br />

memorandos de entendimento entre as Procuradorias Gerais dos dois<br />

países.<br />

Em sua opinião, os processos devem ter a dimensão e a duração<br />

que as circunstâncias determinarem, manifestando uma preferência<br />

por um trabalho de qualidade que não tem que ser necessariamente<br />

rápido, atendendo à complexidade dos processos e dos meios de<br />

investigação envolvidos. Em relação à eficácia da prevenção e repressão<br />

da criminalidade económica e financeira, destaca a importância do<br />

investimento público e a envolvente social da luta contra a corrupção.<br />

Para o Procurador Geral de Angola não existe uma relação direta a<br />

entre a situação económica e o nível de criminalidade. E recorda que o<br />

país já passou por períodos de maior carência e agitação social sem que<br />

a criminalidade tivesse aumentado.<br />

Conforme refere, a causa primeira de criminalidade é a falha moral<br />

e a decadência de valores morais da sociedade. A conclusão clara e<br />

objetiva do Procurador Geral é válida para Angola, para Portugal, e<br />

para todos os países do Mundo.<br />

Publicação inscrita no Instituto<br />

da Comunicação Social nº 120738<br />

Empresa Jornalística nº 208709<br />

Periodicidade: bimensal<br />

Depósito legal: Nº 366694/13


2 | SUMÁRIO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Nota de abertura<br />

As novas responsabilidades<br />

dos dirigentes das empresas<br />

Entrevistas<br />

PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ,<br />

“Os processos terão<br />

a dimensão e duração<br />

que as circunstâncias<br />

impuserem”<br />

JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL<br />

Nova Compliance Lab<br />

suscita interesse<br />

crescente entre<br />

profissionais<br />

e investigadores<br />

pp. 8/11<br />

Comentário Jurisprudencial<br />

p. 4<br />

pp. 5/7<br />

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal<br />

de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo<br />

14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges<br />

JOÃO LUZ SOARES, Advogado na RSA-Raposo Subtil e Associados -<br />

Sociedade de Advogados, SP, RL<br />

pp. 12/19<br />

Opinião<br />

• O estatuto do denunciante no regime<br />

do branqueamento de capitais<br />

MANUEL NOBRE CORREIA,Advogado na RSA - Raposo Subtil e Associados -<br />

Sociedade de Advogados, SP, RL<br />

• Angola Nova Lei de Combate ao Branqueamento<br />

de Capitais: um sinal de confiança para o mercado<br />

internacional<br />

ANDREIA COSTA, Advogada em Angola e Portugal, RSA- Rede de Serviços<br />

de Advocacia de Língua Portuguesa<br />

• Combate ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento ao terrorismo em Moçambique.<br />

O desafio da próxima década!<br />

CARLOS FREITAS VILANCULOS, Advogado em Moçambique, RSA-Rede<br />

de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa<br />

RICARDO NÉRY , Advogado na RSA - Raposo Subtil e Associados - Sociedade<br />

de Advogados, SP, RL<br />

• Breve incursão no dever de comunicação<br />

de operações suspeitas, pelas instituições bancárias,<br />

ao abrigo da Lei n.º 83/2017<br />

JOANA MARIA DENTE, Jurista – Área de Acompanhamento das Operações<br />

no Exterior - Compliance Office, Millennium BCP<br />

• AML 5G: prevenção do branqueamento de capitais<br />

na era das FinTech<br />

ANDRÉ ABRANTES, Associado Sénior da PLMJ<br />

• Branqueamento de Capitais: nem sempre um crime<br />

(às vezes um ato sem dono)<br />

ISABEL DE PAIVA, Advogada. Formada em Direito da Insolvência, A frequentar<br />

a Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Segurança Social<br />

• Compliance, o seis mais três (e as lições de Arturo Ui)<br />

RUI PATRÍCIO, Sócio da Morais Leitão<br />

• A transposição da(s) Diretiva(s) em matéria<br />

de combate ao branqueamento de capitais<br />

JORGE SERROTE, Advogado Associado Senior da DLA Piper<br />

• O overcompliance e o princípio da proporcionalidade<br />

na aplicação de normas relativas à prevenção<br />

e combate ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento do terrorismo<br />

MIGUEL DE AZEVEDO MOURA, Professor Auxiliar da NOVA School of Law<br />

• Alcance da atuação do supervisor preventivo do BCFT<br />

– breve subsídio para uma interpretação dos poderes<br />

conferidos pelo quadro normativo em vigor<br />

GONÇALO MAIA MIRANDA, Coordenador de Área no Banco de Portugal<br />

• Pessoas Politicamente Expostas na Lei 5/<strong>2020</strong>. Breve<br />

análise.<br />

MIGUEL MATIAS, Sócio RSA – Rede de Serviços de Advocacia<br />

pp. 20/45<br />

Legislação<br />

Branqueamento de capitais<br />

pp. 30/39


www.rsa-lp.com<br />

Network of Portuguese<br />

Speaking Legal Services<br />

RSA - Advogados<br />

Confiança<br />

Experiência<br />

Partilha<br />

Trust<br />

Expertise<br />

Sharing<br />

PORTO<br />

COIMBRA<br />

LISBOA<br />

MADRID<br />

ALGARVE<br />

TOLEDO<br />

MADEIRA<br />

CABO VERDE<br />

NORDESTE<br />

RIO DE JANEIRO<br />

SÃO PAULO<br />

ANGOLA<br />

MOÇAMBIQUE


4 | NOTA DE ABERTURA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

As novas responsabilidades dos dirigentes<br />

das empresas<br />

António Raposo Subtil<br />

Advogado RSA LP<br />

Presidente da Comissão<br />

de Legislação da Ordem<br />

dos Advogados<br />

O<br />

modelo de governo das empresas,<br />

que podem ter por base<br />

institucional uma sociedade,<br />

uma fundação, uma cooperativa ou<br />

uma associação, tem permitido fazer<br />

uma distribuição formal das áreas de<br />

responsabilidade (pelouros) ou níveis<br />

de intervenção diferentes (administradores<br />

executivos e não executivos),<br />

mas terá de merecer alterações<br />

significativas para atender às novas<br />

exigências do quadro legal do branqueamento<br />

de capitais.<br />

Importa realçar que, o conceito de<br />

dirigente de uma empresa, para efeitos<br />

da prevenção do branqueamento<br />

de capitais, não se limita, como no<br />

passado recente, à definição formal<br />

de administração ou gerente, como<br />

está prevista no Código das Sociedades<br />

Comerciais.<br />

Hoje, existem estatutos legais (conjunto<br />

de direitos e obrigações) para<br />

outros profissionais que integram as<br />

estruturas orgânicas das empresas,<br />

que são considerados “dirigentes”:<br />

responsáveis da proteção de dados,<br />

do compliance ou risco, do cumprimento<br />

normativo do BC/FT.<br />

É recente e não conhecido (ou<br />

omitido) pelos “novos dirigentes” o<br />

extenso normativo da prevenção de<br />

branqueamento de capitais aplicáveis<br />

ao sector de actividade em que a empresa<br />

actua, o que tem consequências<br />

ao nível da sua responsabilidade pelo<br />

cometimento de actos violadores do<br />

referido quadro legal, cujo regime<br />

sancionatório é muito grave: responsabilidade<br />

disciplinar, contraordenacional<br />

e penal.<br />

O legislador impõe que as empresas<br />

autonomizem algumas funções e<br />

atribui obrigações concretas aos responsáveis<br />

pelo cumprimento normativo<br />

(RCN) do regime legal da prevenção<br />

do branqueamento de capitais,<br />

independentemente da concorrente<br />

competência dos tradicionais<br />

dirigentes das empresas e dos sócios<br />

das mesmas, que estejam em exercício<br />

efectivo de funções. Encontra-<br />

-se estabelecido na Lei 83/2017 (à<br />

semelhança de outros regimes legais<br />

aplicáveis nos países de língua portuguesa)<br />

que o RCN deverá ser um<br />

elemento da “Direcção de topo” da<br />

empresa (novo conceito),que deverá<br />

de forma independente, autónoma e<br />

exclusiva zelar pela aplicação efectiva<br />

das políticas e dos procedimentos<br />

adequados à gestão eficaz dos riscos<br />

de branqueamento de capitais e financiamento<br />

ao terrorismo.<br />

Ao nível das empresas, o RCN deverá<br />

efectuar a “comunicação de operações<br />

suspeitas” ao Departamento<br />

Central de Investigação e Acção Penal<br />

(DCIAP) , tal como todos os profissionais<br />

que participem na dita operação,<br />

“sempre que saibam, suspeitem ou tenham<br />

razões suficientes para suspeitar”<br />

que certos fundos ou outros bens,<br />

independentemente do montante ou<br />

valor envolvido, provêm de actividades<br />

criminosas ou estão relacionadas<br />

com o financiamento do terrorismo.<br />

Aqui começam os problemas e as<br />

dificuldades resultantes de uma complexa<br />

legislação, que merecem análise<br />

em vários dos artigos publicadas<br />

nesta revista.<br />

Se existe ao nível das empresas, por<br />

imposição legal, um responsável apto a<br />

zelar pelo cumprimento normativo da<br />

prevenção do branqueamento de capitais,<br />

mantendo-se as responsabilidades<br />

dos restantes titulares da Direcção de<br />

Topo (“qualquer dirigente ou colaborador<br />

com conhecimentos suficientes<br />

da exposição da entidade obrigada ao<br />

risco de branqueamento de capitais e<br />

de financiamento do terrorismo e com<br />

um nível hierárquico suficientemente<br />

elevado para tomar decisões que afetem<br />

a exposição ao risco, não sendo<br />

necessariamente um membro do órgão<br />

de administração” – cfr. alínea n)<br />

do artigo 2.º da Lei 83/2017), qual o<br />

fundamento para alargar esse dever a<br />

todos os profissionais externos (técnicos<br />

de contas, auditores, avaliadores,<br />

advogados), que tenham uma intervenção<br />

“acessória e não relevante” nas<br />

operações ditas “suspeitas”?<br />

As comunicações têm aumentado,<br />

em especial as comunicações automáticas<br />

das instituições financeiras, mas<br />

não se conhecem grandes resultados!<br />

A burocracia aumentou, mas não se<br />

conhecem grandes resultados!<br />

Temos um quadro sancionatório<br />

muito rigoroso e grave, mas os “grandes<br />

casos” recentemente divulgados<br />

foram concretizados e visualizados<br />

com o acompanhamento de notícias,<br />

que circularam nos meios gerais de<br />

comunicação social.<br />

Como acontece nesta revista ao<br />

promover a análise do regime de<br />

branqueamento de capitais, que inclui<br />

uma importante e muito relevante<br />

entrevista do Procurador Geral<br />

da República de Angola, é necessário<br />

e urgente debater outros temas /problemas<br />

(ou opções legislativas), nomeadamente:<br />

a criminalização do enriquecimento<br />

ilícito relacionado com<br />

o BC e crimes subjacentes específicos,<br />

os meios de obtenção de prova<br />

em crimes de BC/FT, o estatuto do<br />

denunciante em crimes de BC/FT, a<br />

prova indirecta e critérios admissíveis<br />

em crimes de BC/FT, etc.<br />

Em verdade, a prevenção de branqueamento<br />

de capitais, como o nome<br />

indica, é uma exigência comportamental<br />

de todos, mas deverá ser<br />

um poder e um dever de alguns, em<br />

especial na comunicação das ditas<br />

operações suspeitas e na punição de<br />

comportamentos violadores do quadro<br />

legal em vigor, que, em Portugal,<br />

irá no curto prazo sofrer alterações,<br />

como referido nos artigos publicados.


ENTREVISTA | 5<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ, ASSUME<br />

“Os processos terão a dimensão<br />

e duração que as circunstâncias<br />

impuserem”<br />

Angola está empenhada ma<br />

prevenção e repressão do<br />

branqueamento de capitais.<br />

– considera Hélder Grós. Em<br />

entrevista à “<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>”,<br />

o Procurador Geral de Angola<br />

refere que o novo diploma<br />

publicado em <strong>Jan</strong>eiro responde<br />

às novas necessidades de<br />

prevenção e repressão do<br />

branqueamento de capitais,<br />

terrorismo e proliferação de<br />

armas.<br />

“Somos fiscais da legalidade” –<br />

salienta.<br />

O Procurador Geral angolano<br />

valoriza a cooperação com a<br />

Justiça portuguesa e considera<br />

mais importante a qualidade da<br />

Justiça do que a velocidade na<br />

conclusão dos processos.<br />

<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong> - Com a publicação<br />

e entrada em vigor da Lei<br />

n.º 5/<strong>2020</strong>, de 27 de <strong>Jan</strong>eiro, em<br />

cumprimento de diversas convenções<br />

internacionais ratificadas<br />

pelo Estado angolano, prevê-<br />

-se um conjunto de medidas de<br />

difícil implementação. Como encara<br />

a PGR a prontidão da resposta<br />

a dar pelo Ministério Público?<br />

Hélder Gróz - Não cremos que se<br />

deva considerar “dificil” a implementação<br />

das novas determinações, bastando<br />

que se criem as condições para<br />

o efeito e que os órgãos vocacionados<br />

se empenhem nas mudanças e adaptações<br />

que se impõem, quanto mais<br />

não seja, porque o branqueamento<br />

de capitais, o terrorismo e a proliferação<br />

de armas há muito vêm sendo<br />

“combatidos”, tanto na vertente repressiva<br />

como na vertente preventiva.<br />

Somos fiscais da legalidade, por excelência.<br />

Logo, velamos o melhor que<br />

podemos pela observância das leis,<br />

tão logo são formalmente aprovadas<br />

para vigorar no nosso país.<br />

VJ - Angola vive um momen-


6 | ENTREVISTA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

to de particular atenção face ao<br />

manifesto combate encetado a<br />

operações tipificáveis como criminalidade<br />

de natureza financeira.<br />

A complexidade das investigações<br />

pode provocar processos<br />

gigantescos e muito demorados,<br />

como acontece em Portugal. Esta<br />

é uma preocupação da Procuradoria-Geral<br />

da República? Se sim,<br />

quais as medidas para evitar tal e<br />

combater este tipo de criminalidade<br />

com eficácia?<br />

HG - A complexidade das investigações<br />

merece o nosso respeito, mas<br />

não configura uma preocupação, na<br />

medida em que acreditamos na capacidade<br />

que o empenho coletivo nos<br />

proporciona, tanto na vertente interpessoal<br />

como na perspetiva interinstitucional,<br />

apesar da nossa carência<br />

quantitativa de quadros e da escassez<br />

de meios técnicos e tecnológicos com<br />

que nos debatemos. No que toca ao<br />

volume e “timing” dos processos, entendemos<br />

não dever ser um objetivo<br />

em si. Estamos preocupados com a<br />

qualidade do trabalho que apresentamos<br />

e com a nossa contribuição para<br />

a boa administração da Justiça. Os<br />

processos terão a dimensão e duração<br />

que as circunstâncias impuserem,<br />

dentro dos limites que a lei estabelece.<br />

A eficácia da prevenção e repressão<br />

à criminalidade económica-financeira<br />

depende em grande medida do investimento<br />

institucional que se faça e<br />

da envolvência social que se verifique<br />

no combate ao fenómeno corrupção.<br />

VJ - Este novo diploma vem<br />

impor um elevado conjunto de<br />

regras a entidades financeiras e<br />

não-financeiras. De que modo se<br />

pensa criar os canais de comunicação<br />

directa com o Ministério<br />

Público para uma actuação célere<br />

e eficaz?<br />

HG - Em boa verdade, os canais de<br />

comunicação entre a PGR e tais entidades<br />

existem e estão permanentemente<br />

abertos. O que devemos fazer<br />

é maximizar a sua exploração, para<br />

garantir maior eficácia. Não obstante,<br />

estaremos sempre empenhados<br />

na busca de formas mais expeditas<br />

de interação com os diversos órgãos<br />

e entidades.<br />

Interesses a salvaguardar<br />

VJ - A lei vem impor aos Advogados<br />

um conjunto de regras<br />

que podem colocar em causa o<br />

seu segredo profissional, consagrado<br />

no respetivo Estatuto. Não<br />

pode esta lei colocar em causa o<br />

exercício livre da advocacia? Foi<br />

ouvida a Ordem dos Advogados?<br />

HG - Entendemos que todas as pessoas<br />

e instituições devem respeito aos<br />

superiores interesses que as leis visam<br />

salvaguardar, devendo prevalecer o<br />

princípio da concordância prática<br />

entre direitos ou interesses de igual<br />

A implementação<br />

das novas determinações<br />

implica que os órgãos<br />

vocacionados<br />

se empenhem<br />

nas mudanças<br />

e adaptações<br />

dignidade, de modo que uns sejam<br />

observados com a menor restrição<br />

possível de outros. Acreditamos, no<br />

entanto, no mérito das diversas análises<br />

que antecederam à aprovação desta<br />

lei, que, como é regra, terá tido o<br />

cuidado de afectar o mínimo possível<br />

o exercício de quaisquer direitos, liberdades,<br />

garantias ou prerrogativas.<br />

A Procuradoria-Geral da República<br />

não é um órgão legislativo, não lhe<br />

cabendo definir os órgãos a consultar<br />

aquando da concepção das leis.<br />

O processo de auscultação prévia e<br />

colheita de contributos, a respeito de<br />

projectos ou propostas legislativas, é<br />

conduzido pelos órgãos encarregues<br />

da sua apresentação, não sendo o<br />

caso da PGR.<br />

VJ - O Senhor Pprocurador Geral<br />

esteve recentemente em Lisboa,<br />

em reunião com a sua homóloga<br />

portuguesa. Como define o<br />

relacionamento e a disponibilidade<br />

para colaborar, manifestada<br />

pelo Ministério Público de<br />

Portugal?<br />

HG - Deveras salutar e positiva.<br />

Angola e Portugal, a par da relação<br />

cultural e institucional cimentada<br />

ao longo dos muitos anos de história<br />

comum, ratificaram Convenções<br />

Internacionais, no âmbito da CPLP,<br />

que ambos os Estados têm feito por<br />

cumprir, reforçadas por Acordos e<br />

Memorandos de entendimento entre<br />

as respectivas Procuradorias-Gerais<br />

da República. Tudo faremos para<br />

preservar esse espírito de cooperação<br />

e ajuda mútuas com a nossa congénere<br />

portuguesa.<br />

VJ - Está a ser pensada do ponto<br />

de vista organizacional a criação<br />

de equipas especiais do Ministério<br />

Público para investigação<br />

da criminalidade económico-financeira?<br />

HG - A PGR tem órgãos específicos<br />

para o tratamento de questões dessa<br />

natureza, nomeadamente a Direcção<br />

Nacional de Prevenção e Combate à<br />

Corrupção (DNPCC), a Direcção<br />

Nacional de Investigação e Acção Penal<br />

(DNIAP) e o Serviço Nacional de<br />

Recuperação de Activos (SENRA),<br />

que colaboram entre si e com os demais<br />

órgãos, na medida em que as<br />

situações concretas o requeiram. O<br />

trabalho em equipa tem sido privilegiado<br />

a todos os níveis, pois defendemos<br />

uma actuação coesa da nossa<br />

instituição e cremos piamente que<br />

juntos somos mais eficazes.<br />

O dever da divulgação<br />

das leis<br />

VJ - As entidades financeiras<br />

obrigadas estão sensibilizadas<br />

para os níveis de exigência colocados<br />

pela nova lei de combate<br />

ao financiamento do terrorismo<br />

e ao branqueamento de capitais?<br />

HG - As leis são publicadas e, por<br />

vezes, têm um período que interme-


ENTREVISTA | 7<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

deia essa publicação e a sua entrada<br />

em vigor, “vacatio legis” (que não<br />

ocorreu no caso concreto), precisamente<br />

para que seja do conhecimento<br />

de todos os destinatários em geral<br />

e dos diretamente visados pelo seu<br />

conteúdo, em particular. No entanto,<br />

uma das atribuições da PGR é precisamente<br />

a divulgação das leis, para<br />

aumento da consciência jurídica geral.<br />

Fazémo-lo o mais que podemos,<br />

com particular ênfase para as franjas<br />

e instituições a que os respetivos diplomas<br />

digam respeito. No demais, a<br />

prática de aplicação das normas postas<br />

a vigorar vai aprimorando os níveis<br />

de observância das respetivas leis.<br />

Em Portugal, faz-se muito uma crítica<br />

à demora das investigações e ao<br />

término dos processos-crime, criando-se,<br />

de algum modo, uma sensação<br />

de impunidade para os visados.<br />

VJ - De que forma o Ministério<br />

Público está consciente da generalização<br />

desses perigos e de que<br />

forma pensa agir para os evitar?<br />

HG - É compreensível que se pretenda<br />

a Justiça cada vez mais célere,<br />

é uma cobrança social legítima, mas<br />

não deve ser, “de per si”, um objetivo<br />

dos órgãos que intervêm na sua administração.<br />

Outrossim, é a natureza<br />

das situações que dita a complexidade<br />

dos processos e, consequentemente,<br />

a sua duração. A nossa pretensão é<br />

sempre cumprir a nossa missão com<br />

a maior brevidade possível, mas a necessidade<br />

e o compromisso de bem<br />

fazer, de agir estritamente nos parâmetros<br />

legais, impõe limites à “velocidade”<br />

que se pode imprimir em cada<br />

caso concreto.<br />

VJ - Tem ecoado exteriormente<br />

a ideia de um crescendo de<br />

violência em Angola, muita dela<br />

motivada por problemas financeiros<br />

muito graves por que tem<br />

passado a população. Concorda?<br />

Qual e como tem sido a articulação<br />

do Ministério Público com os<br />

órgãos de polícia criminal nesse<br />

combate?<br />

HG - Percebemos que a situação<br />

económica seja uma variável a considerar<br />

na análise dos fenómenos sociais,<br />

mas não a legitimamos como<br />

fonte primária da criminalidade.<br />

Basta recordar que Angola já atravessou<br />

períodos de maior carência e de<br />

maior perturbação social, sem que no<br />

entanto a criminalidade tivesse “disparado”<br />

sob tal pretexto. Reconhecemos,<br />

contudo, que a conjuntura social<br />

pode propiciar a adoção de comportamentos<br />

tipificados como crime.<br />

No entanto, entendemos que a<br />

causa primeira da criminalidade é a<br />

falha moral, a decadência dos valores<br />

morais da nossa sociedade. Daí que,<br />

a par das ações de natureza repressiva<br />

e reativa que a PGR desenvolve em<br />

coordenação com a Polícia Nacional<br />

e o SIC. Em particular, temos sido<br />

intervenientes ativos no processo de<br />

moralização da sociedade, agindo de<br />

modo preventivo e proactivo, contando,<br />

também nesta vertente, com<br />

a colaboração da Polícia Nacional,<br />

de outros órgãos estatais e da sociedade<br />

civil.<br />

Os canais<br />

de comunicação entre<br />

a PGR e as entidades<br />

existem e estão<br />

permanentemente<br />

abertos


8 | ENTREVISTA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL<br />

Nova Compliance Lab suscita interesse<br />

crescente entre profissionais e investigadores<br />

Julia Gracia.<br />

O Nova Compliance Lab é<br />

um grupo de investigação<br />

do Centro de Investigação<br />

& Desenvolvimento sobre<br />

Direito e Sociedade (CEDIS)<br />

da Nova School of Law. Julia<br />

Gracia admite que se trata<br />

de um conceito que atrai<br />

um número crescente de<br />

investigadores e profissionais,<br />

o que traduz sobretudo o<br />

interesse dos temas tratados,<br />

designadamente ao nível da<br />

anticorrupção. As atividades do<br />

NCL tiveram início em julho do<br />

ano passado.<br />

<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong> – Qual a justificação<br />

e a pertinência na criação<br />

do NCL?<br />

Julia Garcia – O NCL nasceu<br />

a partir da investigação aplicada<br />

de duas doutorandas da Nova<br />

School of Law, Julia Gracia e Izabel<br />

Albuquerque, as quais são orientadas<br />

pelo Professor Francisco Pereira<br />

Coutinho. O número elevado<br />

de pedidos de adesão ao NCL<br />

por profissionais e investigadores<br />

demonstra o interesse que os temas<br />

tratados no laboratório têm neste<br />

momento em Portugal.<br />

VJ - Quais são os objetivos de investigação<br />

do NCL?<br />

JG – O NCL pretende ser um<br />

laboratório de ideias vocacionado<br />

para o estudo interdisciplinar do<br />

Compliance, em particular do<br />

Compliance Anticorrupção.<br />

VJ - Qual o background dos investigadores<br />

do NCL e que apport<br />

diferenciado trazem ao processo<br />

de investigação?<br />

JG – O NCL integra académicos,<br />

advogados, compliance officers e<br />

auditores. Esta diversidade é uma<br />

das suas mais-valias. O NCL é<br />

um laboratório de investigação<br />

puramente académico.<br />

VJ - Que atividades têm sido dinamizadas<br />

pelo NCL?<br />

JG – Já organizamos seminários<br />

e workshops, cujos programas se<br />

encontram publicados na nossa<br />

página da internet https://<br />

novacompliancelab.cedis.fd.unl.pt/.<br />

VJ - Que relações esperam es-


ENTREVISTA | 9<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

tabelecer fora do mundo académico<br />

e que contributo esperam<br />

trazer?<br />

JG – O NCL está aberto a parcerias<br />

que permitam avançar com ações<br />

conjuntas para a investigação<br />

de temas relacionados com o<br />

Compliance que nos permitam<br />

elevar a qualidade da nossa produção<br />

científica.<br />

VJ - Qual a importância da conexão<br />

entre a academia e os setores<br />

privados, públicos e, concretamente,<br />

da sociedade civil, nas<br />

plataformas de transmissão de<br />

conhecimento relativo ao Compliance?<br />

JG – A academia surge como<br />

catalisadora do diálogo entre estes<br />

setores, diálogo este que reputamos<br />

como essencial para a partilha das<br />

eventuais dificuldades e consequente<br />

procura de soluções, sempre de<br />

forma conciliatória, produtiva e<br />

construtiva; permite também a<br />

O NCL é sobretudo um<br />

laboratório de ideias<br />

partilha de histórias de sucesso que<br />

possam servir de inspiração para<br />

outras organizações ou pessoas.<br />

VJ - Quais os pontos de contacto<br />

entre a realidade portuguesa,<br />

brasileira e espanhola (zonas de<br />

investigação referencial definida<br />

pelo NCL) no que concerne ao<br />

Compliance? E quais os pontos<br />

de divergência?<br />

JG – Este é justamente o trabalho<br />

de investigação que estamos a<br />

desenvolver. Esperamos publicar,<br />

ainda este ano, trabalhos comparativos<br />

sobre o Compliance em Portugal e<br />

Espanha e, no próximo ano, sobre<br />

o Brasil.<br />

VJ - Qual a justificação de estudo<br />

dessas zonas concretas e,<br />

complementarmente, que outras<br />

realidades poderão servir de<br />

referência no trabalho de investigação<br />

a ser realizado no NCL?<br />

JG – O estudo dos temas está ligado<br />

às áreas de interesse dos membros do<br />

NCL. No futuro, outras realidades<br />

podem ser analisadas, fruto de novos<br />

interesses ou de ações conjuntas via<br />

parcerias.<br />

VJ - Existe algum modelo de<br />

Compliance que se adeque, atentas<br />

as especificidades do tecido<br />

empresarial, à realidade portuguesa?<br />

Izabel Albuquerque<br />

e Julia Gracia.


10 | ENTREVISTA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

JG – Não existe um “modelo” de<br />

programa de Compliance. A ideia<br />

de um Compliance estandardizado<br />

pode ter como consequência a<br />

ineficiência do programa, já que este<br />

deve ser adequado a cada realidade<br />

empresarial e aos riscos concretos.<br />

Para tal, é necessário que a empresa<br />

considere diversas variáveis, como<br />

por exemplo: a complexidade<br />

do seu universo operacional; o<br />

número de funcionários, parceiros<br />

e colaboradores; o grau de risco da<br />

sua atividade; se o mercado em que<br />

atua é mais ou menos regulado. No<br />

caso da prevenção da corrupção, as<br />

melhores práticas identificam certas<br />

questões que contribuem para um<br />

programa adequado, tais como: a<br />

cultura organizacional voltada para<br />

a ética corporativa, com um código<br />

de conduta e de ética; se existe o<br />

Izabel Albuquerque.<br />

É um laboratório<br />

de de investigação<br />

puramente académico<br />

comprometimento e o apoio da<br />

liderança ao programa, em especial o<br />

chamado tone at the top; se há uma<br />

instância responsável com autonomia<br />

e independência suficientes para<br />

realizar a função de Compliance;<br />

a análise dos riscos; o canal de<br />

reporte. Mas isto não significa uma<br />

padronização, já que o programa<br />

deve ser adequado aos riscos que<br />

a empresa enfrenta, bem como à<br />

natureza, dimensão e complexidade<br />

das atividades desempenhadas pela<br />

organização.<br />

VJ - Quais os ganhos e, principalmente,<br />

quais os custos inerentes<br />

à implementação de um programa<br />

de Compliance?<br />

JG – Tudo dependerá da complexidade<br />

do programa de Compliance. Além<br />

dos fatores acima mencionados, a<br />

maturidade e o grau de conformidade<br />

que a organização já possua influenciam<br />

o processo de implementação. Quanto<br />

aos ganhos, diversas pesquisas já<br />

demonstram que implementar um<br />

programa de Compliance pode<br />

contribuir diretamente para o sucesso<br />

da organização, a sua perenidade<br />

e o seu crescimento sustentável.<br />

Quando a empresa reavalia os seus<br />

riscos e redefine processos internos<br />

com base em tais riscos, isto pode<br />

vir a ter impacto positivo na sua<br />

efetividade e, consequentemente,<br />

em ganhos económicos. Por outro<br />

lado, não podemos esquecer que<br />

uma eventual infração à lei ou a<br />

regulamentos internos pode trazer<br />

diversas consequências negativas,<br />

desde sanções pelas autoridades<br />

competentes, a dano reputacional e<br />

perda de confiança na organização,<br />

quer de parceiros de negócios, quer de<br />

clientes, quer de investidores e até dos<br />

seus próprios colaboradores.<br />

VJ - Faz sentido, para uma PME,<br />

numa consideração custo/benefício,<br />

implementar um programa<br />

de Compliance?<br />

JG – Sim. O Compliance para as<br />

PMEs deve ser pensado em termos<br />

proporcionais e a aplicação das boas<br />

práticas considerar as circunstâncias<br />

específicas, tanto internas (como<br />

o tamanho da organização ou os<br />

recursos de que dispõe), como as<br />

externas (quão regulado é o mercado<br />

em que atua, por exemplo). Mas isto<br />

não quer dizer que a implementação<br />

seja custosa ou difícil. Ter um<br />

programa de Compliance não deve<br />

ser visto como um fim em si mesmo,


ENTREVISTA | 11<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

mas sob uma perspetiva instrumental:<br />

destina-se a manter, melhorar<br />

ou mesmo criar a cultura ética, a<br />

avaliação dos riscos da atividade e<br />

o respeito aos requisitos legais ou<br />

regulatórios. Reforçar tudo isto supõe<br />

uma mais valia para a empresa, com<br />

os mesmos ganhos mencionados<br />

anteriormente.<br />

VJ - Quais são as novas tendências<br />

na implementação dos programas<br />

de Compliance?<br />

JG – A tecnologia pode trazer um<br />

contributo muito importante; um<br />

exemplo é a possibilidade de realizar<br />

parte da formação remotamente e a<br />

utilização de ferramentas avançadas<br />

para a due diligence de terceiros e para<br />

a própria monitorização da eficiência<br />

do programa de Compliance.<br />

VJ - Numa perspetiva intercultural,<br />

existe lugar para uma convergência<br />

do Compliance? Se<br />

sim, em que moldes e com que<br />

desafios?<br />

JG – Um dos desafios é estar num<br />

novo ambiente regulatório, em<br />

especial quando a organização<br />

tem atuação em mais do que<br />

uma ordem jurídica e está sujeita<br />

a fatores externos e/ou internos<br />

de volatilidade, ambiguidade,<br />

incerteza e complexidade. Estas<br />

experiências adquiridas noutro país<br />

podem representar uma mais valia<br />

na sua atuação. Um profissional<br />

de Compliance bem treinado e<br />

capacitado consegue replicar este<br />

Não existe<br />

um “modelo”<br />

de programa<br />

de Compliance<br />

conhecimento e experiência noutros<br />

locais.<br />

VJ - Concretamente, e relativamente<br />

ao que é um lastro de governança<br />

regulatória europeia,<br />

quais as novas tendências e desafios?<br />

JG – Um dos desafios é a qualidade<br />

regulatória; isto é, uma regulação<br />

com objetivos e políticas claramente<br />

identificados. Importa também que<br />

a legislação seja eficaz na consecução<br />

de tais objetivos, seja clara e simples,<br />

seja eficiente, com benefícios que<br />

justifiquem os custos, e, por último,<br />

que tenha uma base sólida jurídica<br />

e empírica. Por outro lado, são<br />

cruciais temas como a criação<br />

e implementação da supervisão<br />

regulatória, a participação das partes<br />

interessadas e a participação social,<br />

bem como a análise do impacto<br />

regulatório. Em relação a este último<br />

aspeto, em fevereiro deste ano, a<br />

OCDE publicou, na série Best<br />

Practice Principles for Regulatory<br />

Policy, o relatório sobre Análise de<br />

Impacto Regulatório, cuja leitura<br />

permite compreender a importância<br />

desta ferramenta para aumentar a<br />

qualidade do ambiente regulatório.<br />

VJ - Quais os próximos eventos<br />

dinamizados pelo NCL?<br />

JG – De 16 a 22 de abril está prevista<br />

a realização na Nova School of Law da<br />

Semana da Integridade, que contará<br />

com várias atividades, incluindo<br />

um curso sobre Compliance para<br />

a prevenção da corrupção, cujas<br />

informações já estão disponíveis na<br />

página da Faculdade e na página do<br />

NCL.<br />

Julia Gracia<br />

e Izabel Albuquerque.


12 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal<br />

de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo<br />

14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges<br />

JOÃO LUZ SOARES<br />

Advogado na RSA-Raposo<br />

Subtil e Associados -<br />

Sociedade de Advogados,<br />

SP, RL<br />

A<br />

abordagem do branqueamento<br />

de capitais, quer partindo do enfoque<br />

preciso no modelo de ilícito<br />

típico, objetivo e subjectivo, previsto<br />

no artigo 368.º-A do Código Penal,<br />

quer partindo daquilo que é o quadro<br />

legal de consideração do modelo de prevenção,<br />

agora previsto na Lei 87/2017,<br />

tem que assentar num lastro mais profundo<br />

consubstanciado, também, no<br />

contributo jurisprudencial, definidor<br />

do estado de arte do tratamento jurídico<br />

do fenómeno.<br />

Assim, pretende-se analisar o Acórdão<br />

do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-<br />

2014, referente ao processo 14/07.0TRL-<br />

SB.S1, relator Raul Borges, partindo daquilo<br />

que são os patamares abordados pelo<br />

referido aresto, i.e. Branqueamento - Criminalidade<br />

organizada – Globalização;<br />

Aplicação da lei no espaço; Bem jurídico<br />

protegido; Conexão entre branqueamento<br />

e ilícito típico precedente (autoria); Pressuposto:<br />

o crime/facto precedente; Punição<br />

do auto branqueamento, em direcção a<br />

uma reflexão crítica sobre as fragilidades<br />

da nova Lei 83/2017 e, claro, aquilo<br />

que é a necessidade de um manual de<br />

prevenção de branqueamento de capitais<br />

que, partindo do apport teórico,<br />

seja, sobretudo, um contributo prático<br />

de identificação e resolução dos problemas<br />

e superação dos desafios existentes.<br />

1. Introdução: o crime<br />

de branqueamento de capitais<br />

O primeiro passo é claro e relaciona-<br />

-se com a assunção do próprio conceito<br />

de branqueamento de capitais e com<br />

a sua consagração primária no Código<br />

Penal. É que parece grassar alguma<br />

confusão entre aquilo que é a precisa<br />

previsão do ilícito criminal, no artigo<br />

368.º-A do Código Penal, e aquilo que<br />

é um modelo/patamar de prevenção do<br />

fenómeno, com um modelo de ilícitos<br />

e sancionatório próprio, previsto na Lei<br />

83/2017. Mas esta introdução, até pela<br />

exiguidade do espaço, será sempre norte<br />

de referência nos comentários infra<br />

oportunamente delineados.<br />

O branqueamento de capitais enquanto<br />

fenómeno é a transformação<br />

ilícita dos proventos resultantes de atividades<br />

ilícitas, que visam a dissimulação<br />

da origem ou do proprietário real<br />

dos fundos, em capitais reutilizáveis nos<br />

termos da lei, dando-lhes uma aparência<br />

de legalidade. O processo engloba,<br />

assim, três fases distintas: a fase de<br />

colocação (placement) onde os bens e<br />

rendimentos são colocados nos circuitos<br />

financeiros e não financeiros; a fase<br />

de circulação (layering) onde os bens e<br />

rendimentos são objeto de múltiplas e<br />

repetidas operações, com o propósito de<br />

os distanciar da sua origem criminosa,<br />

apagando (branqueando) os vestígios<br />

da sua proveniência e propriedade; e,<br />

por último, a fase de integração (integration)<br />

onde os bens e rendimentos,<br />

depois de reciclados, são reintroduzidos<br />

nos circuitos económicos legítimos<br />

(por exemplo, através da sua utilização<br />

na aquisição de bens e serviços).<br />

A análise terá que sempre iniciar pelo<br />

número 1 do referido artigo, que estipula<br />

que “Para efeitos do disposto nos<br />

números seguintes, consideram-se vantagens<br />

os bens provenientes da prática, sob<br />

qualquer forma de comparticipação, dos<br />

factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso<br />

sexual de crianças ou de menores dependentes,<br />

extorsão, tráfico de estupefacientes<br />

e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas,<br />

tráfico de órgãos ou tecidos humanos,<br />

tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal,<br />

tráfico de influência, corrupção e demais<br />

infrações referidas no n.º 1 do artigo 1.º<br />

da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e<br />

no artigo 324.º do Código da Propriedade<br />

Industrial, e dos factos ilícitos típicos<br />

puníveis com pena de prisão de duração<br />

mínima superior a seis meses ou de duração<br />

máxima superior a cinco anos, assim<br />

como os bens que com eles se obtenham”.<br />

Este número 1 funciona como previsão-<br />

-elenco ou previsão catálogo, sendo que<br />

como refere MIGUEZ GARCIA 1 , “As<br />

principais dificuldades práticas na aplicação<br />

do artigo 368.º-A não decorrem<br />

dos factos do catálogo, mas do princípio<br />

do lugar da proveniência, uma vez que<br />

sem esta determinação será bem difícil a<br />

comprovação do facto prévio. Se apenas<br />

se provar que a vantagem foi adquirida<br />

através de um crime, mas não que este é<br />

um crime de catálogo, o crime de branqueamento<br />

não fica preenchido. Referimo-<br />

-nos apenas às dificuldades prático-probatórias,<br />

naturalmente, por ser irrelevante,<br />

no plano típico, o local do cometimento<br />

do crime precedente, atento o disposto no<br />

n.º 4: a punição tem lugar ainda que os<br />

factos que integram a infração subjacente<br />

tenham sido praticados fora do território<br />

nacional, ou ainda que se ignore o local<br />

da prática do facto ou a identidade dos<br />

seus autores (…)”. No mesmo sentido,<br />

Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE 2<br />

refere que “A enumeração dos crimes precedentes<br />

conjuga-se, por um lado, com as<br />

infrações referidas no art 1 da Lei 36/94,<br />

de 29-09 e completa-se com os factos ilícitos<br />

típicos puníveis com pena de prisão<br />

de duração mínima superior a seus meses<br />

ou de duração máxima superior a cinco<br />

anos”. Aponta-se a necessidade de uma<br />

limitação no tocante aos crimes do DL<br />

28/84, “por forma a abranger apenas as<br />

cometidas por meios informáticos e através<br />

de associação criminosa, bem como as<br />

incriminações contra a economia, com<br />

1. Tudo na anotação ao artigo 368.º- A do CP em GARCIA, M.Miguez; RIO, J.M. Castela. Código Penal. Parte Geral e Especial Comentado. Coimbra: Edições Almedina, 1280-1281.<br />

2. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto. Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa: Universidade Católica<br />

Portuguesa, 2007, p.1090


COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 13<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

um elemento transnacional”. Parecendo<br />

haver, assim, e no entender do referido<br />

autor, uma consideração daquilo que<br />

são elementos de possível conexão internacional<br />

nas incriminações contra a<br />

economia. No entanto, e aqui importante,<br />

o catálogo referido no número<br />

1 do artigo 368.º-A do CP revela-se<br />

primordial porque é um pressuposto<br />

de operacionalização da própria “aplicabilidade”<br />

do artigo 368.º-A do CP.<br />

Como refere MIGUEL GARCIA 3 :<br />

“Não haverá branqueamento sem infração<br />

precedente passível de incluir no n.º1,<br />

por fazer parte do catálogo, por ser uma<br />

das abrangidas pela remissão ou por se<br />

tratar de uma infração punida com pena<br />

de prisão de duração mínima superior a<br />

seis meses ou de duração máxima superior<br />

a cinco anos”.<br />

O número 2 do referido artigo define,<br />

por sua vez, as práticas proibidas e<br />

incriminadas, i.e., contendo os elementos<br />

objectivos do tipo: “Quem converter,<br />

transferir, auxiliar ou facilitar alguma<br />

operação de conversão ou transferência<br />

de vantagens, obtidas por si ou por terceiro,<br />

directa ou indirectamente, com o fim<br />

de dissimular a sua origem ilícita, ou de<br />

evitar que o autor ou participante dessas<br />

infracções seja criminalmente perseguido<br />

ou submetido a uma reacção criminal, é<br />

punido com pena de prisão de dois a doze<br />

anos.” Refere o número 3 que “na mesma<br />

pena incorre quem ocultar ou dissimular<br />

a verdadeira natureza, origem,<br />

localização, disposição, movimentação ou<br />

titularidade das vantagens, ou os direitos<br />

a ela relativos”. No fundo os movimentos,<br />

entendidos como condutas, proibidos<br />

reportam-se a estes movimentos:<br />

converter, transferir, auxiliar ou facilitar.<br />

Movimentos esses a que o número<br />

3 do citado artigo acaba por adicionar,<br />

ainda, ocultar ou dissimular.<br />

Por sua vez, o número 4 do referido<br />

artigo consagra que a punição pelos crimes<br />

previstos nos números 2 e 3 tem<br />

lugar ainda que se ignore o local da prática<br />

do facto ou a identidade dos seus<br />

autores, ou ainda que os factos que integram<br />

a infração subjacente tenham sido<br />

praticados fora do território nacional,<br />

salvo se se tratar de factos lícitos perante<br />

a lei do local onde foram praticados e<br />

3. GARCIA, M. Miguez, ob. cit., loc. cit.<br />

aos quais não seja aplicável a lei portuguesa<br />

nos termos do artigo 5.º.<br />

Acresce que, nos termos do número<br />

6, a pena prevista nos números 2 e 3 é<br />

agravada de um terço se o agente praticar<br />

as condutas de forma habitual, no<br />

que é uma assunção clara da punição<br />

do fenómeno em causa quando praticada<br />

numa égide de prática reiterada e<br />

eventualmente ligada a associação criminosa.<br />

Refira-se, ainda, que nos termos<br />

do número 9 do referido artigo a<br />

pena pode ser especialmente atenuada<br />

se o agente auxiliar concretamente na<br />

recolha das provas decisivas para a identificação<br />

ou a captura dos responsáveis<br />

pela prática dos factos ilícitos típicos de<br />

onde provêm as vantagens, no que parecer<br />

se uma abordagem aproximativa aos<br />

mundos conexos do(s) whistleblowers e<br />

da delação premiada.<br />

2. Breve referência ao quadro<br />

legal de prevenção: da Directiva<br />

(UE) 2015/849 ao enquadramento<br />

legislativo nacional<br />

Inicialmente, sempre será necessário<br />

fazer um pequeno périplo sobre os<br />

principais momentos legislativos de<br />

enquadramento actual do fenómeno<br />

do branqueamento de capitais. Pretende-se,<br />

obviamente, fazer um caminho<br />

inicial de enquadramento da legislação<br />

em causa que permitirá, a final, sentir o<br />

pulso as suas características, mas, mais<br />

importante, definir as suas fragilidades.<br />

Se a evolução do quadro legal do<br />

branqueamento de capitais tem sido<br />

marcado por um certo vector hiperlegislativo<br />

consubstanciado no aparecimento<br />

de diversas leis, regulamentos<br />

e portarias que pretendem entender e<br />

dar resposta concreta ao fenómeno do<br />

branqueamento de capitais, urge referir<br />

que a construção do tipo legal base do<br />

crime de branqueamento de capitais,<br />

como vimos, se encontra prevista no<br />

artigo 368.º-A do Código Penal. Mas<br />

essa construção é, hoje, complementada<br />

com a previsão de um quadro legal de<br />

prevenção muito por imposição legislativa<br />

comunitária mas que entra (resta<br />

saber com que extensão) na compreensão<br />

da figura.<br />

Partindo também dessa base fundamental<br />

sempre teremos que referir, de<br />

forma breve, atenta a exiguidade deste<br />

comentário em causa, algumas das<br />

mais recentes directivas europeias sobre<br />

o tema assim como, claro está, o<br />

correlato movimento de transposição<br />

para o direito nacional. Nesse sentido,<br />

diga-se que a Lei n.º 25/2008, de 5 de<br />

junho, tinha vindo já transpor a Directiva<br />

n.º 2005/60/CE, do Parlamento<br />

Europeu e do Conselho, de 26 de outubro<br />

de 2005, assim como a Directiva<br />

n.º 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de<br />

agosto de 2006, abrindo caminho para<br />

uma política eficaz que pretendeu alterar<br />

profundamente o sistema nacional<br />

de prevenção e combate ao branqueamento<br />

de capitais e ao financiamento<br />

do terrorismo, com a previsão de um<br />

âmbito de actuação legal para as Unidades<br />

de Informação da Polícia <strong>Judiciária</strong><br />

(“UIF”), assim como o reforço dos<br />

deveres de cooperação das entidades<br />

obrigadas e a consagração do conceito<br />

de pessoas politicamente expostas.<br />

Mas a Directiva (UE) 2015/849 de<br />

20 de Maio de 2015, publicada a 5 de<br />

junho de 2015 no Jornal Oficial da<br />

União Europeia (“4.ª Diretiva”), veio<br />

tentar operacionalizar essa mudança<br />

de paradigma, aproveitando o lastro<br />

das directivas anteriores. Assume-se assim<br />

que aquele esforço representa também<br />

o reconhecimento expresso que o<br />

tema do branqueamento de capitais, do<br />

financiamento do terrorismo e do crime<br />

organizado representam realidades<br />

poliédricas de relevância primordial na<br />

construção da União Europeia (UE).<br />

Significa, também, que tais realidades<br />

encetam perigos concretos, i.e. contendo<br />

aspetos susceptíveis de comprometerem<br />

a integridade e estabilidade das<br />

instituições de crédito financeiras, bem<br />

como do sistema financeiro entendido<br />

como um todo orgânico que depende<br />

da estabilidade, coerência e validade de<br />

todos os seus componentes.<br />

Assim, o fito da referida Directiva é<br />

precisamente tentar que haja uma assunção<br />

clara de todos os padrões definidos<br />

internacionalmente no combate<br />

ao branqueamento de capitais e ao financiamento<br />

do terrorismo, nomeadamente<br />

as Recomendações revistas em


14 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

2012 do Grupo de Acão Financeira<br />

(“GAFI”). Mas e aqui o factor diferenciador,<br />

existem alguns vetores em que as<br />

regras agora definidas acabam por extravasar<br />

os passos iniciais dados por aquelas<br />

recomendações no que parece ser um<br />

intuito de procura de uma maior segurança<br />

e efetividade nos procedimentos.<br />

Os exemplos de introdução conceptual<br />

de “relação de correspondência” ou de<br />

“direcção de topo”, ou de expansão<br />

conceptual de conceitos já existentes na<br />

anterior 3.ª Directiva, como o conceito<br />

de “Pessoas politicamente expostas”<br />

(“PEP”) e respetivo regime, ou de revisão<br />

do conceito de “beneficiário efetivo”,<br />

atestam o esforço na concretização<br />

de conceitos e na operacionalização do<br />

combate ao fenómeno. No fundo, as<br />

mudanças acabaram por se centrar em<br />

alguns vectores centrais: no alargamento<br />

das entidades obrigadas, na assunção<br />

de um processo de avaliação de risco, na<br />

concretização de medidas de diligência<br />

quanto à clientela, na importância da<br />

descoberta de informações sobre os beneficiários<br />

efectivos e nos poderes sancionatórios<br />

das autoridades.<br />

Esta Directiva acabou por ser transposta<br />

pela Lei 83/2017 que pretendia<br />

fazer um esforço de enforcing no tratamento<br />

do fenómeno. De facto, grossus<br />

modus, prevê a nova proposta de lei<br />

uma esfera correlata de deveres para as<br />

entidades obrigadas, que passa pelos<br />

seguintes patamares subsequentes e comunicantes:<br />

o dever de comunicação de<br />

operações suspeitas (artigo 43.º), i.e., à<br />

UIF, a PGR e ao DCIAP, de todas as<br />

operações em que saibam, suspeitem<br />

ou tenham razões para acreditar que os<br />

fundos utilizados provêm de atividades<br />

criminosas; dever de abstenção, em que<br />

as entidades obrigadas se abstêm de executar<br />

qualquer operação, que saibam<br />

ou suspeitem poder estar relacionadas<br />

com fundos provenientes com a prática<br />

de actividades criminosas; dever de<br />

colaboração, sendo que as entidades<br />

devem prestar toda a informação necessária,<br />

disponibilizando documentos<br />

inclusive, perante pedido das entidades<br />

supracitadas; dever de não divulgação,<br />

não podendo revelar ao cliente ou a terceiros<br />

que foram, estão a ser ou irão ser<br />

transmitidas comunicações ou informações<br />

com elas relacionadas, nem que<br />

se encontra ou possa vir a encontrar-se<br />

em curso uma investigação ou inquérito<br />

criminal.<br />

Recentemente, o Regulamento<br />

276/2019, de 26 de Março de 2019<br />

vem alargar a aplicabilidade da Lei<br />

83/2017, sendo que, num patamar objectivo,<br />

visa estabelecer as condições de<br />

exercício e respetivos procedimentos,<br />

instrumentos, mecanismos e formalidades<br />

inerentes ao cumprimento dos deveres,<br />

gerais e específicos, estabelecidos<br />

na Lei e os demais aspetos necessários<br />

a assegurar o cumprimento dos deveres<br />

de prevenção e combate de branqueamento<br />

de capitais e do financiamento<br />

do terrorismo (BC/FT) no setor imobiliário.<br />

Os destinatários são, por isso,<br />

claros: entidades que exerçam a atividade<br />

imobiliária em território nacional<br />

(sede estatutária ou efetiva ou agências,<br />

sucursais, delegações, representações) e<br />

ficam sujeitas à fiscalização do IMPIC,<br />

IP (cfr. artigo 1.º do Regulamento).<br />

No entanto, esse quadro legal acaba,<br />

hoje, e para centralizar o presente esforço,<br />

por se consubstanciar naquilo que é<br />

a rede legislativa que, resumidamente,<br />

aqui damos conta: i) a Lei n.º 83/2017,<br />

de 18 de agosto, que estabelece medidas<br />

de combate ao branqueamento de capitais<br />

e ao financiamento do terrorismo;<br />

ii) a Lei n.º 89/2017, de 18 de agosto,<br />

que aprova o Regime Jurídico do Registo<br />

Central do Beneficiário Efetivo e que<br />

entrou em vigor a 16 de Novembro de<br />

2017; iii) a Lei n.º 92/2017, de 22 de<br />

agosto, que obriga à utilização de meio<br />

de pagamento específico em transações<br />

que envolvam montantes iguais ou superiores<br />

a J3.000 (três mil euros); iv) a<br />

Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto, que<br />

define os objetivos, prioridades e orientações<br />

de política criminal para o biénio<br />

de 2017-2019; v) a Lei n.º 97/2017,<br />

de 23 de agosto, que regula a aplicação<br />

e a execução de medidas restritivas<br />

aprovadas pela Organização das Nações<br />

Unidas ou pela União Europeia e estabelece<br />

o regime sancionatório aplicável<br />

à violação destas medidas; vi) a Portaria<br />

n.º 200/2019, de 28 de junho, que<br />

estabelece os prazos para a declaração<br />

inicial do RCBE.<br />

Neste devir, salientar a Directiva (UE)<br />

n.º 2018/843 do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 30 de Maio de 2018<br />

(“5.ª Directiva”), onde se prevê um conjunto<br />

de novas regras que passam pelo<br />

alargamento do acesso à informação sobre<br />

os beneficiários efetivos, aumentando<br />

a transparência no que diz respeito à<br />

propriedade efetiva no caso de empresas<br />

e fundos fiduciários; abordando, também,<br />

os riscos associados aos cartões<br />

pré-pagos e às moedas virtuais, tendo<br />

como objectivo incrementar a cooperação<br />

entre as unidades de informação<br />

financeira e, ultime, instituir controlos<br />

melhorados sobre as transações que<br />

envolvem países terceiros de alto risco.<br />

Com este quadro legal em mente,<br />

sempre será necessário delinear as características<br />

definidoras do Acórdão a<br />

comentar, caminhando em direcção<br />

à identificação das fragilidades agora<br />

emergentes do novo quadro legal de<br />

prevenção.<br />

3. Análise perfunctória do Acórdão<br />

do Supremo Tribunal de Justiça de<br />

11-06-2014, referente ao processo<br />

14/07.0TRLSB.S1, relator Raul<br />

Borges<br />

Com este quadro legal em mente,<br />

e por referência a um Acórdão que é<br />

emblemático na consideração da caracterização<br />

do tipo legal de branqueamento<br />

de capitais, sempre teremos que<br />

fazer uma breve crítica aos segmentos/<br />

vectores principais enunciados, tendo<br />

em conta, por um lado, a evolução do<br />

entendimento dos vectores levantados<br />

desde a redacção do aresto (que é de<br />

2014), e, por outro lado, a consideração<br />

da evolução e entendimento do fenómeno<br />

de prevenção do branqueamento<br />

de capitais.<br />

Branqueamento - Criminalidade<br />

organizada - Globalização<br />

O branqueamento de dinheiro é um<br />

problema que resulta em larga medida<br />

da abertura das economias ao exterior e<br />

da tendência para a mundialização da<br />

economia, tratando-se de uma consequência<br />

negativa dessa abertura e, simultaneamente,<br />

de um fenómeno que pode corromper<br />

e pôr em causa essa mesma abertura, se<br />

não for objecto de uma resposta adequada<br />

um fenómeno que ganhou especial vigor<br />

com a internacionalização da economia


COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 15<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

O crime organizado, universal e cientificamente<br />

organizado, enquadra-se no fenómeno<br />

da globalização, sendo organizado<br />

verticalmente, e com todas as vantagens<br />

de uma sociedade secreta. O grande patrão<br />

do crime pode ser um cidadão respeitável,<br />

de peito medalhado, amigo do rei. Manda<br />

meter cheques na conta bancária e sereias<br />

na cama de nababos e poderosos. Chantageia<br />

e corrompe o mais Catão.<br />

Tratando-se de um fenómeno novo, o<br />

branqueamento é fora de dúvida um produto<br />

da internacionalização da economia,<br />

sendo o mundo globalizado, desregularizado,<br />

campo propício à expansão do fenómeno,<br />

ao exercício do nomadismo que<br />

o caracteriza, podendo escolher os tabuleiros<br />

onde pode assentar as diversas fases<br />

de tratamento, as etapas que conduzam<br />

à extirpação da sujidade, à dissimulação<br />

da ilícita origem, à almejada limpidez<br />

do dinheiro que se pretende “reinvestir”<br />

no mercado das regras.<br />

O branqueamento é como que o lado<br />

negro do processo de globalização, da liberalização<br />

das trocas internacionais e dos<br />

movimentos de capitais, da abertura dos<br />

mercados financeiros, da maciça informatização<br />

e do comércio electrónico.<br />

O branqueamento de capitais (dinheiro<br />

ou outros bens) consiste no procedimento<br />

através do qual o produto de operações criminosas<br />

ilícitas é investido em actividades<br />

aparentemente lícitas, mediante dissimulação<br />

da origem dessas operações; traduz-<br />

-se no desenvolvimento de actividades, em<br />

resultado das quais um aumento de valores,<br />

que não é comunicado às autoridades<br />

legítimas, adquire uma aparência de origem<br />

legal, sendo, no fundo, um processo<br />

de transformação.<br />

Segundo o Relatório de Outubro de<br />

1984 da President´s Commission on Organized<br />

Crime, Estados Unidos da América<br />

do Norte, por branqueamento “designam-<br />

-se os meios através dos quais se escondem<br />

a existência, a origem ilegal ou a utilização<br />

ilegal de rendimentos, encobrindo esses<br />

rendimentos de forma a que pareçam<br />

provir de origem lícita” ou, segundo outra<br />

tradução é “o processo através do qual se<br />

esconde a existência, a fonte ilegal ou a<br />

utilização ilegal de proveitos, e depois se<br />

disfarçam esses proveitos de forma a dar-<br />

-lhes a aparência de legítimos”.<br />

O branqueamento é algo diferente de<br />

um Kavaliersdelikt, pois a luta contra ele<br />

coenvolve sempre, também, o combate à<br />

acção prévia, da qual nasceu a vantagem<br />

que carece de ser branqueada.<br />

Daí, o afirmar-se o carácter subsidiário<br />

ou acessório do branqueamento, pois a<br />

respectiva actuação pressupõe necessariamente,<br />

um facto ilícito prévio.<br />

A privação dos lucros e das fortunas ilicitamente<br />

adquiridas por meio de actividades<br />

criminosas constitui uma das finalidades<br />

pragmáticas do branqueamento.<br />

A criminalização do branqueamento de<br />

capitais faz parte de um claro ímpeto actual<br />

com vista a atacar o lado patrimonial<br />

da criminalidade. Este movimento inclui<br />

designadamente um renovado interesse no<br />

fenómeno da corrupção e a sugestão de<br />

que se deveria criminalizar o facto de se<br />

ter património cuja origem lícita se não<br />

consegue demonstrar («sinais exteriores de<br />

riqueza não justificados»).<br />

O branqueamento de capitais e outros<br />

produtos do crime corresponde a um fenómeno<br />

recente, relacionado com o crime<br />

internacionalmente organizado, à criminalidade<br />

organizada, que se não confunde<br />

com o tipo legal de associação criminosa.<br />

O branqueamento de capitais é uma<br />

categoria criminal nova, recente, moderna,<br />

situando-se numa zona de confluência<br />

com o da criminalidade organizada,<br />

no nosso caso, introduzida a partir de lei<br />

avulsa de <strong>Jan</strong>eiro de 1993, em ligação estreita<br />

e então única com o crime de tráfico<br />

de estupefacientes, com recidiva, com<br />

previsão de maior amplitude, através de<br />

nova lei avulsa em Dezembro de 1995, e<br />

posteriormente, inserida nos catálogos das<br />

infracções codificadas,<br />

O branqueamento de dinheiro ou de<br />

capitais é um fenómeno de amplitude<br />

mundial, que surgiu pela primeira vez,<br />

a nível mundial, associado ao tráfico de<br />

estupefacientes transnacional, que tem<br />

determinado que organizações internacionais<br />

e supranacionais tenham desenvolvido<br />

e continuem a desenvolver variadíssimos<br />

esforços, com o objectivo de, em<br />

última análise, generalizar e tornar mais<br />

eficaz o combate a tal tipo de criminalidade<br />

organizada.<br />

O início da reacção das Nações Unidas<br />

contra a criminalidade do branqueamento<br />

pode localizar-se em 1975 com o<br />

5.º Congresso das Nações Unidas para a<br />

prevenção do crime e o tratamento dos<br />

delinquentes, realizado em Genève, onde<br />

foi abordada a temática do crime como<br />

empresa lucrativa.<br />

A primeira iniciativa da comunidade<br />

internacional, em termos de elaboração<br />

de instrumentos sobre a questão de lavagem<br />

de dinheiro, consistiu na Recomendação<br />

do Conselho da Europa, n.º R (80)<br />

10, de 27 de Junho de 1980, relativa às<br />

disposições contra a transferência e a dissimulação<br />

de fundos com origem ilícita.<br />

O branqueamento de capitais e de outros<br />

bens provenientes de actividades criminosas,<br />

nomeadamente os derivados<br />

de tráfico de estupefacientes, substâncias<br />

psicotrópicas e precursores, passou a ser<br />

objecto de combate específico a partir da<br />

Convenção das Nações Unidas contra o<br />

Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias<br />

Psicotrópicas de 1988 (Convenção<br />

de Viena), adoptada em Viena na 6.ª Sessão<br />

Plenária da Conferência das Nações<br />

Unidas, em 20 de Dezembro de 1988.<br />

Esta mesma Convenção pode ser considerada<br />

como um dos instrumentos mais<br />

detalhados e de maior alcance no domínio<br />

do direito penal internacional, tendo-<br />

-se operado a sua incorporação no direito<br />

interno com o Decreto-Lei n.º 15/93, de<br />

22 de <strong>Jan</strong>eiro.<br />

Manifestando as mesmas preocupações,<br />

o Conselho da Europa, na senda da Recomendação<br />

de 1980, promoveu a elaboração<br />

da Convenção Relativa ao Branqueamento,<br />

Detecção, Apreensão e Perda dos<br />

Produtos do Crime (Convenção de Estrasburgo/Convenção<br />

de 1990/Convenção n.º<br />

141 do Conselho da Europa, Council of<br />

Europe Treaty Series, STE n.º 141), aberta<br />

à assinatura, em Estrasburgo, em 8 de<br />

Novembro de 1990, data em que foi assinada<br />

por Portugal<br />

A partir de <strong>Jan</strong>eiro de 1993, com o<br />

Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de <strong>Jan</strong>eiro,<br />

opera-se uma verdadeira neocriminalização,<br />

com a tipificação da actividade de<br />

branqueamento de capitais obtidos com o<br />

tráfico de droga.<br />

Comentário: a abordagem da importância<br />

do problema num espectro de<br />

“aldeia global” é fundamental. Mas parece-nos,<br />

contudo, que o espaço percorrido<br />

pelo acórdão permitiria, sempre, e<br />

ainda, alguma margem de desenvolvi-


16 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

mento que não terá sido plenamente<br />

conseguido. Neste ensejo o contributo<br />

daquilo que foi o pesado legado da crise<br />

económica do subprime sempre será<br />

essencial, uma vez que, este preciso quadro<br />

legal acaba por constituir e ser um<br />

desenvolvimento normativo (num certo<br />

espectro) daquele modelo/momento de<br />

mudança de paradigma. A principal vítima<br />

de toda aquela ambiência, nomeadamente<br />

no nosso país, foi, relembramos,<br />

o conceito relacional da fides, base<br />

e capital de confiança indispensável em<br />

que assentava a relação, em concreto,<br />

entre as instituições financeiras e a sua<br />

clientela. Os inúmeros escândalos, mais<br />

ou menos mediatizados, assim como<br />

os inúmeros processos com contornos<br />

duvidosos que assolaram a nossa aldeia<br />

global, transformaram a forma como as<br />

pessoas encararam as instituições financeiras<br />

e seus produtos. Paralelamente a<br />

forma quase despudorada como alguns<br />

agentes financeiros multiplicavam e<br />

exponenciavam lucros, por caminhos<br />

sinuosos, fez com que a idade da inocência<br />

fosse superada, exigindo-se um<br />

esforço proactivo de reparação da confiança<br />

dos investidores. Mas estes laivos<br />

da crise e da perda de confiança também<br />

se repercutiram, até, no demarcado âmbito<br />

do direito penal, nomeadamente, a<br />

montante, com uma maior preocupação<br />

de abordagem a este fenómenos e<br />

aos denominados white colar crimes, assim<br />

como noutros âmbitos temáticos de<br />

Direito Penal Económico, e, a jusante,<br />

com o desenvolvimento legislativo (até<br />

por imposição de directivas europeias)<br />

de abordagem a essas realidades.<br />

Precisamente, é também esta ambiência<br />

que ajuda a justificar uma certa tendência<br />

que se relaciona com a tomada<br />

colectiva de consciência para os fenómenos<br />

relacionados com esse mundo<br />

económico e, mais importante, a necessidade<br />

de os prevenir e, subsequentemente,<br />

a necessidade premente de a<br />

eles reagir. Situamo-nos, pois, e descendo<br />

daquilo que era uma abordagem genérica<br />

para uma consideração concreta,<br />

no âmbito da resposta à criminalidade<br />

económica. E é esta síndrome de Sísifo,<br />

aqui consubstanciado na inexistência<br />

de um locus delicti, na pluralidade<br />

de crime cometidos e, muitas vezes, na<br />

lentidão na resposta a este tipo de criminalidade,<br />

que também exige, quer<br />

no branqueamento de capitais, quer<br />

em todos os outros “crimes económicos”,<br />

a urgente definição de critérios<br />

de luta contra a criminalidade económica,<br />

para lá das considerações prolatadas<br />

no aresto.<br />

E esse caminho assenta num duplo<br />

paradoxo. Vivemos numa aldeia global<br />

onde, com a destruição das fronteiras<br />

físicas (e psicológicas) e com o advento<br />

de todos aqueles novos espaços mercê<br />

do desenvolvimento informático e tecnológico,<br />

partimos, pelo menos teoricamente,<br />

e num plano de disponibilidade<br />

(quase e apenas de espaço físico) com<br />

maior facilidade para “os outros”. E é aí<br />

que radica, primariamente, a questão.<br />

Com essa diáspora humana (também<br />

tecnológica) surgem novas áreas onde,<br />

potencialmente, podem surgir novas<br />

tensões e relações de conflitualidade.<br />

No fundo, estaríamos a desenvolver-<br />

-nos e a caminhar, no nosso iter de desenvolvimento<br />

e crescimento enquanto<br />

sociedade em direcção a novas relações<br />

de tensão, consequentemente de conflitualidade<br />

e, nesse sentido, de possível<br />

deterioração dos laços e conquistas<br />

existentes. O crescimento, num círculo<br />

enviesado potenciará assim, sempre,<br />

relações de conflitualidade que poderão<br />

desaguar em decréscimo ou destruição<br />

desse mesmo caminho? Mas este paradoxo<br />

revela-se ainda numa outra vertente.<br />

Perante a constatação daqueles<br />

novos focos de exigência de resposta<br />

à criminalidade é também importante<br />

considerar de que forma essa globalidade,<br />

partindo dessa disponibilidade (aparentemente<br />

fictícia) para os outros, não<br />

nos está, verdadeiramente, a fechar em<br />

nichos isolados e não comunicativos.<br />

Daí que estas considerações, como veremos,<br />

até numa óptica da problemática<br />

de aplicação da lei no espaço, cada vez<br />

mais essencial, seriam sempre um vector<br />

importante naquilo que e o esforço de<br />

entendimento actual (para lá do acórdão)<br />

do fenómeno do branqueamento<br />

de capitais.<br />

Aplicação da lei no espaço<br />

A punição pelo crime de branqueamento<br />

tem lugar ainda que os factos que<br />

integram a infracção subjacente tenham<br />

sido praticados fora do território nacional,<br />

ou ainda que se ignore o local da prática<br />

do facto.<br />

Ultrapassada a definição do locus commissi<br />

delicti tradicional, é irrelevante o local<br />

do cometimento do crime precedente;<br />

a punição pelos crimes de branqueamento<br />

abrange expressamente os casos em que os<br />

factos que integram a infracção principal<br />

tenham sido praticados fora do território<br />

nacional ou se desconheça o local do seu<br />

cometimento.<br />

Comentário: a aplicação da lei no<br />

espaço afirma-se, cada vez mais, como<br />

o patamar de maior discussão (e importância)<br />

na consideração dos institutos<br />

de direito penal e, nomeadamente<br />

neste: no estudo do fenómeno de prevenção,<br />

combate e mitigação do branqueamento<br />

de capitais. Portanto, para<br />

lá do que é o caminho clássico percorrido<br />

pelo Acórdão, sempre será necessário<br />

sublinhar uma actuação concertada<br />

de combate à criminalidade económica,<br />

nos seguintes pilares: o papel do Estado<br />

como primordial para tal combate; a necessária<br />

exigência de cooperação entre<br />

os estados; o contributo das questões<br />

ou pontos doutrinários, i.e. através da<br />

aplicação da lei penal no espaço.<br />

De facto, se o princípio da territorialidade<br />

é o ponto de partida dentro daquilo<br />

que são os parâmetros da nossa<br />

“actual civilização jurídico-cultural” da<br />

aplicação da lei penal no espaço, o sentido<br />

e o caminho tem sido feito, quando<br />

esse princípio basilar não actua, através<br />

da aplicação complementar de todos os<br />

outros princípios que integram aquele<br />

axioma, a saber: defesa dos interesses nacionais,<br />

do pavilhão, da nacionalidade,<br />

do princípio da aplicação universal. Nas<br />

palavras de FARIA DE COSTA “o que<br />

permite que, mesmo quando não possa<br />

funcionar o princípio da territorialidade,<br />

a lei penal nacional se aplique, desde<br />

que se verifique um conjunto de circunstâncias<br />

consagrado explicitamente pelo legislador”<br />

4 . Interessante, na densificação<br />

destes critérios, é a consideração (defesa)<br />

do aumento dinâmico dos casos em<br />

que funcione a cláusula complementar<br />

que se sustenta no princípio da aplicação<br />

universal, propugnada por FARIA


COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 17<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

DE COSTA 5 , que, ultrapassando a radical<br />

ideia que as infracções visadas pelo<br />

analisando princípio sempre teriam que<br />

pertencer obrigatoriamente ao Código<br />

Penal, defende que “Nada há, em verdadeiro<br />

rigor, que impeça que sejam também<br />

consideradas infracções que integram<br />

o princípio da aplicação universal todas<br />

aquelas que o legislador julgue, em bom<br />

rigor, merecerem essa dignidade e que,<br />

todavia, pertençam ao direito penal acessório,<br />

ao direito penal secundário”. E no<br />

âmago desta problemática parece-nos<br />

profícuo dar nota deste preciso espectro:<br />

exige-se um esforço complementar<br />

na estipulação de critérios de luta contra<br />

a criminalidade que só será possível, humildemente<br />

consideramos, partindo do<br />

passado (dos critérios de aplicação penal<br />

no espaço “tradicionais”), mas projectando<br />

para o futuro (em que o princípio da<br />

aplicação universal poderá ter também<br />

um papel importante). Esforço aquele<br />

que também é central na temática do<br />

branqueamento de capitais.<br />

Bem jurídico protegido<br />

Pela inserção sistemática, o bem jurídico<br />

protegido pela incriminação é a<br />

realização da justiça, na sua particular<br />

vertente da perseguição e do confisco pelos<br />

tribunais dos proventos da actividade<br />

criminosa. Para alguns Autores, trata-se<br />

de um crime pluriofensivo.<br />

Comentário: o bem jurídico protegido<br />

é, de facto, a realização de justiça<br />

quanto à adopção das medidas<br />

necessárias à perseguição e à eliminação<br />

dos defeitos de determinadas<br />

actividades criminosas. No fundo, o<br />

crime de branqueamento é, por isso,<br />

um crime de perigo abstracto em que<br />

se consideram as condutas que possam<br />

por em perigo a realização da justiça.<br />

Obviamente que para além da óbvia<br />

inserção sistemática no Código Penal<br />

que atesta a protecção do bem jurídico<br />

referido, não podemos deixar de<br />

considerar que o fenómeno de branqueamento<br />

de capitais, enquanto estabelecendo<br />

pontes lógicas de contacto<br />

com outras realidades jurídicas, acaba<br />

por tocar, também, e poder ofender,<br />

4. Cfr. FARIA COSTA, J., ob. cit., p.94.<br />

5. Cfr. FARIA COSTA, J., ob. cit., p.97<br />

sobretudo, outros bens jurídicos, naquilo<br />

que é uma vertente de possibilidade<br />

pluriofensiva. Mas é esta vertente<br />

pluriofensiva que é essencial, hoje,<br />

para a concatenação do fenómeno e<br />

que não foi explorada pelo acórdão.<br />

Mas, complementarmente, a concretização<br />

destas características essenciais<br />

revela, também, a necessidade de uma<br />

abordagem evolutiva do tipo penal:<br />

partindo dos tipos objectivos e subjectivos<br />

estipulados no artigo 368.º-A do<br />

Código Penal, mas com a densificação<br />

“complementar” da Lei 83/2017 e do<br />

conceito de branqueamento de capitais<br />

ali propugnado. Com uma voz de<br />

fundo que nos lembra que na articulação<br />

do regime previsto no Código Penal<br />

com o regime previsto no espectro<br />

do quadro sancionatório próprio da<br />

Lei 83/2017, dificilmente atingiremos<br />

um equilíbrio sustentável.<br />

Conexão entre branqueamento e<br />

ilícito típico precedente (autoria)<br />

A punição do branqueamento de vantagens,<br />

prescindindo do território nacional<br />

como lugar único da prática dos factos que<br />

integram a infracção subjacente, prescinde<br />

igualmente da punição do autor do facto<br />

precedente ou mesmo do conhecimento da<br />

sua identidade.<br />

A punição do branqueamento não<br />

pressupõe que tenha de existir agente<br />

determinado ou condenação pelo crime<br />

subjacente.<br />

A lei exige apenas o conhecimento da<br />

prática da infracção principal, e não a<br />

sua punição.<br />

O crime de branqueamento e a respectiva<br />

reacção penal são autónomos em<br />

relação ao facto ilícito típico subjacente.<br />

Assim, não importa que este último<br />

não tenha sido efectivamente punido,<br />

por exemplo por inimputabilidade penal<br />

do agente, morte deste, prescrição,<br />

ou simplesmente, impossibilidade de<br />

determinar quem o praticou e em que<br />

circunstâncias.<br />

O tipo do branqueamento exige apenas<br />

que as vantagens provenham de um facto<br />

ilícito-típico, não de um crime, donde a<br />

punição do branqueamento não depende<br />

de efectiva punição pelo facto precedente.<br />

Comentário: o número 4 do artigo<br />

368.º-A do CP consagra que A punição<br />

pelos crimes previstos nos n. os 2 e 3<br />

tem lugar ainda que se ignore o local da<br />

prática do facto ou a identidade dos seus<br />

autores, ou ainda que os factos que integram<br />

a infração subjacente tenham sido<br />

praticados fora do território nacional,<br />

salvo se se tratar de factos lícitos perante<br />

a lei do local onde foram praticados e aos<br />

quais não seja aplicável a lei portuguesa<br />

nos termos do artigo 5.º. naquilo que é<br />

a assunção de uma cláusula de irrelevância<br />

do lugar da prática do agente e<br />

da identidade do agente. Mas este número<br />

parece referir uma aplicabilidade<br />

fora do território nacional menos lata,<br />

no ilícito criminal, do que a propugnada<br />

pelo regime de prevenção. Embora<br />

em relação aos crimes precedentes, a<br />

aplicabilidade do crime de branqueamento<br />

de capitais seja feita ainda que<br />

se ignore o local da prática do facto ou<br />

a identidade dos seus autores ou ainda<br />

que os factos do crime precedente<br />

tenham sido praticados fora do território<br />

nacional, a verdade é que aí existem<br />

restrições: salvo se se tratar de factos<br />

lícitos perante a lei do local onde foram<br />

praticados e aos quais não seja aplicável<br />

a lei portuguesa nos termos do artigo<br />

5.º. No entanto, naquela aldeia global,<br />

e com fenómenos de branqueamento<br />

de capitais a surgirem em campos não<br />

tradicionais (vejam-se os modelos de<br />

branqueamento de bitcoins, branqueamento<br />

com utilização de blockchain,<br />

inter alia) surge aqui a dúvida fundamentada:<br />

estaremos perante a necessidade<br />

clara de apostar num alargamento<br />

da previsão e diminuição das restrições<br />

supra elencadas?<br />

Pressuposto: o crime/facto<br />

precedente<br />

O “Branqueamento”, sem mais, (nomem<br />

assumido com a codificação em<br />

2004, presente na epígrafe do artigo<br />

368.º-A, do Código Penal) pressupõe, actualmente,<br />

um facto ilícito típico (dantes,<br />

um crime em sentido técnico) anterior,<br />

que tenha produzido vantagens (com a<br />

definição do texto explicativo do n.º 1,<br />

com a inclusão dos producta sceleris e ain-


18 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

da dos bens que com eles - factos ilícitos<br />

típicos - se venham a obter).<br />

A declaração de perda de bens a favor<br />

do Estado, ou o confisco, na via alargada<br />

ou não, e a punição do branqueamento,<br />

servem, por vias diversas, o mesmo desiderato:<br />

a pretensão estadual de atacar as<br />

vantagens do crime.<br />

A juzante, o branqueamento das vantagens.<br />

A montante, o crime prévio, de<br />

onde aquelas provêm.<br />

O branqueamento de dinheiro, para<br />

utilizar uma fórmula simplificada, supõe<br />

uma infracção principal (predicated<br />

offence), com outras, variadas designações,<br />

ao nível do direito europeu e internacional,<br />

como crime prévio, crime originário,<br />

delito pressuposto, crime-base, crime<br />

primário, crime antecedente, crime precedente,<br />

facto referencial, crime designado,<br />

infracção subjacente, facto ilícito típico<br />

(designação presente nos n.º 1, 5, 7,<br />

9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Penal,<br />

embora com simultânea referência,<br />

no n.º 1, a “infracções” referidas no n.º 1<br />

do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, estando<br />

o termo “infracções” igualmente presente<br />

no n.º 2, e ainda a expressão “infracção<br />

subjacente” no n.º 4), todas a significar<br />

a actividade criminosa (ou ilícita típica)<br />

de origem dos bens, a infracção cuja receita<br />

está na origem do branqueamento,<br />

e a juzante, uma infracção criminal secundária,<br />

um pós delito, propriamente, o<br />

branqueamento.<br />

O critério actual de definição do facto<br />

ilícito e típico de que decorre a vantagem<br />

é misto, conjugando um catálogo de crimes,<br />

uma cláusula geral reportada à gravidade<br />

da infracção principal, valorada<br />

pela pena aplicável (puníveis com pena<br />

de prisão de duração mínima superior a<br />

6 meses ou de duração máxima superior a<br />

5 anos) e ainda uma remissão (já presente<br />

desde 1995 – artigo 2.º, corpo, do DL<br />

n.º 325/95) para um elenco de infracções<br />

constante de lei avulsa (Lei n.º 36/94, de<br />

29 de Setembro).<br />

Actualmente o facto precedente não tem<br />

que constituir um crime em sentido técnico<br />

(um ilícito - típico culposo e punível),<br />

mas um simples ilícito - típico, prescindindo,<br />

pois, do carácter culposo e punível.<br />

A actividade de branqueamento é uma<br />

criminalidade derivada, de 2.º grau ou<br />

induzida de outras actividades, pois só<br />

há necessidade de “branquear” dinheiro<br />

se ele provier de actividades primitivamente<br />

ilícitas.<br />

O branqueamento de capitais constitui<br />

uma criminalidade derivada ou<br />

de segundo grau, no sentido de que tem<br />

como pressuposto a prévia concretização<br />

de um ilícito.<br />

Esta relação do branqueamento com o<br />

facto precedente, a relação genética entre<br />

a lavagem e o crime gerador das receitas,<br />

lucros necessitados de branquear, não impede<br />

a afirmação da autonomia do branqueamento.<br />

O branqueamento de capitais pode ser<br />

caracterizado como um tipo derivativo,<br />

secundário, acessório ou «de conexão»,<br />

sendo, neste ponto, em tudo análogo ao<br />

favorecimento pessoal, à receptação e ao<br />

auxílio material ao criminoso, visto que<br />

todos estes tipos legais fazem em parte derivar<br />

o seu conteúdo de ilicitude, embora<br />

nem sempre da mesma forma, do facto<br />

principal, podendo denominar-se todos<br />

estes tipos que pressupõem um ilícito-típico<br />

anterior de «adesões posteriores» ou<br />

«pós factos».<br />

O crime de branqueamento de capitais<br />

é estruturalmente autónomo da criminalidade<br />

subjacente.<br />

Desde que se tenha verificado a prática<br />

do crime-base e sejam praticados actos<br />

subsumíveis ao tipo de branqueamento,<br />

este ganha autonomia, no sentido de<br />

que o respectivo agente será penalmente<br />

perseguido mesmo nos casos em que, por<br />

exemplo, o autor do crime-base seja penalmente<br />

inimputável, morra, ou o procedimento<br />

criminal por tal crime se encontre<br />

prescrito.<br />

Pode haver “crime de branqueamento”,<br />

mesmo que os factos subjacentes não sejam<br />

criminalmente puníveis.<br />

Acolhendo os ensinamentos de Figueiredo<br />

Dias, o conceito de facto ilícito típico<br />

é introduzido no Código Penal, aquando<br />

da terceira alteração, operada pelo DL n.º<br />

48/95, de 15 de Março, surgindo associado<br />

ao pós delito, na definição dos crimes<br />

de receptação e auxílio material (artigos<br />

231.º e 232.º), e em consideração a juzante,<br />

ao aproveitamento dos resultados<br />

do crime, na declaração de perda a favor<br />

do Estado dos producta sceleris (artigos<br />

109.º, 110.º e 111.º), ou numa outra<br />

perspectiva relacionada com medidas de<br />

segurança (artigo 91.º em conexão com<br />

artigo 20.º).<br />

Já antes a categoria estava presente no<br />

artigo 35.º, versando perda de objectos,<br />

do Decreto-Lei n.º 15/93.<br />

Com a codificação do branqueamento<br />

em Abril de 2004, o facto precedente passou<br />

a designar-se facto ilícito típico, designação<br />

presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do<br />

artigo 368.º-A do Código Penal.<br />

Comentário: o crime precedente por<br />

referência a um catálogo que, à data da<br />

elaboração do acórdão, se entendia ser<br />

taxativo, funcionava como uma fattispecie<br />

de pressuposto de aplicabilidade: se<br />

se provasse que a vantagem tinha sido<br />

adquirida através de um crime, mas que<br />

aquele não era um crime de catálogo,<br />

não haveria preenchimento do crime<br />

de branqueamento. Obviamente que<br />

remeter essa condição de punibilidade<br />

por referência a um catálogo que pouco<br />

tem evoluído faz surgir uma preocupação<br />

de eventual possibilidade de criação<br />

de espaços de impunibilidade. E para lá<br />

das naturais dificuldades probatórias de<br />

inserção de uma situação num daqueles<br />

tipos de crime catálogo, a verdade é<br />

que essa preocupação é agravada com<br />

as consequentes sinergias de facilidade<br />

transfronteiriça (até digital) da prática<br />

do crime de branqueamento e, sobretudo,<br />

com o surgimento de novos tipos de<br />

crime de onde podem surgir (emergir)<br />

vantagens que quebram com os modelos<br />

tradicionais. Assim, parece haver<br />

uma necessidade de consideração daquilo<br />

que são elementos de possível conexão<br />

internacional nas incriminações,<br />

nomeadamente no âmbito económico,<br />

com a previsão de uma cláusula mais<br />

alargada do catálogo do crime precedente?<br />

Onde fica o equilíbrio?<br />

Punição do auto branqueamento<br />

O autor do facto precedente pode ser autor<br />

do crime de branqueamento, ou seja,<br />

o autor do crime base pode ser perseguido<br />

cumulativamente pelo de reciclagem dos<br />

produtos daquele.<br />

Face à lei actual, é possível a punição<br />

por branqueamento, em concurso real, do<br />

próprio autor do crime subjacente.<br />

Comentário: Uma breve nota para


COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 19<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

realçar que existe uma necessidade de<br />

combater o fenómeno para lá do autobranqueamento,<br />

i.e., dos casos em que<br />

o autor do crime precedente é também<br />

o agente concreto do posterior crime<br />

de branqueamento, podendo haver<br />

concurso real pela prática de ambos<br />

os comportamentos. Se este figurino é<br />

recorrente, a verdade é que a complexificação<br />

das relações, nomeadamente<br />

num âmbito económico-financeiro,<br />

e por referência a ambientes de associação<br />

criminosa, faz com que sejam<br />

adoptados modelos cada vez mais sofisticados.<br />

Pelo que, para lá do autobranqueamento,<br />

naquele espectro, sempre<br />

teremos que falar em fenómenos de<br />

heterobranqueamento, com múltiplos<br />

actores e agentes que exigem uma resposta<br />

também ela mais qualificada.<br />

3. As fragilidades do quadro legal<br />

de prevenção e a necessidade<br />

de um manual de prevenção de<br />

branqueamento de capitais<br />

Fast forward, da consideração do<br />

ilícito típico criminal e das opções de<br />

fundamentação do referido aresto, temos,<br />

agora e hoje, a consideração de<br />

um modelo de prevenção que, supra,<br />

na introdução, demos nota. No entanto,<br />

e como o mundo prático impõe,<br />

a implementação da Lei 83/2017 e<br />

restantes ramificações legais tem sido<br />

marcada pela identificação de uma série<br />

de fragilidades que colocam a sua<br />

operacionalização em risco: 1) existe,<br />

desde logo, uma disparidade entre as<br />

baixas molduras penais previstas para<br />

os ilícitos criminais versus coimas de<br />

montante elevado (e passíveis de agravamento),<br />

que compromete o equilíbrio<br />

na e da sua aplicabilidade; 2)<br />

consignou-se, também, uma previsão<br />

de competência instrutória e decisória<br />

disseminada que obsta, também, a eficiência<br />

no tratamento dos processos;<br />

3) construi-se um dever de comunicação<br />

das operações suspeitas sem a<br />

adopção de um critério qualitativo<br />

claro, existindo, isso sim, um dever<br />

de denúncia alargada que compromete<br />

a qualidade do procedimento e da<br />

informação eventualmente veiculada;<br />

4) consagrou-se, também, uma autêntica<br />

disseminação das remissões constitutivas<br />

de aplicabilidade de direito<br />

subsidiário que remete a aplicabilidade<br />

dos regimes do Código Penal e do<br />

RGCO para situações limite e completamente<br />

(e diríamos abertamente)<br />

residuais; 5) existe um fito pouco claro<br />

e quasi economicista no tratamento<br />

concreto do destino das coimas e<br />

do benefício económico, sendo que,<br />

e no caso concreto de outras autoridades<br />

sectoriais (para lá do Banco de<br />

Portugal e da CMVM) responsáveis<br />

pelo processo, aqueles valores revertem,<br />

precisamente, para a autoridade<br />

sectorial competente, que, a partir desse<br />

momento (com bondade, uma vez<br />

que, na verdade, o momento será anterior)<br />

fica com um interesse concreto<br />

na prossecução e outcome do caso;<br />

6) o caso concreto da punibilidade<br />

tout court da tentativa e negligência,<br />

e o caso concreto da proibição da reformatio<br />

in pejus, que se afastam do<br />

regime geral e que estão no limite da<br />

violação grave dos direitos dos arguidos<br />

assim como da consubstanciação<br />

de patamares de inconstitucionalidade;<br />

7) com a adopção de um elenco<br />

de 95 contraordenações, previstas no<br />

artigo 169.º da Lei, por violação de<br />

deveres previstos na Lei de BC/FT e<br />

no Regulamento (UE) 2015/847, que<br />

é, juridicamente, contranatura. Em<br />

conclusão, a prática jurídica no tratamento<br />

destas questões vem demonstrar<br />

já, e em correlato apuramento de<br />

feedback junto das entidades obrigadas,<br />

a existência de alguns obstáculos<br />

inegáveis, que se consubstancia numa<br />

dificuldade de compreensão do catálogo<br />

de contraordenações existente. E<br />

esta dificuldade repercute-se em três<br />

níveis diferenciados. A dificuldade de<br />

implementação e previsão, a montante,<br />

por parte das entidades obrigadas. A<br />

dificuldade, a jusante, das entidades<br />

competentes em subsumirem os eventuais<br />

comportamentos violadores ao<br />

catálogo existente. E, ainda, num terceiro<br />

nível cúpula, problemas de definição<br />

de competência instrutória e decisória<br />

dos processos. Em suma, uma<br />

complexificação desnecessária dos processos<br />

de operacionalização.<br />

O modelo da Lei 83/2017 estabelece,<br />

por isso, pontos de contacto lógico<br />

(convergência e convergência evolutiva)<br />

com os regimes bases, mas tem<br />

uma nota de independência e autonomia<br />

que o afirmam como um regime<br />

com características próprias, mas que<br />

sublinham a necessidade duma revisão<br />

profunda do RGCO e uma harmonização<br />

entre os ditos regimes sectoriais,<br />

diminuindo as diferenças existentes<br />

que dificultam o seu estudo e a sua<br />

operacionalização. E, por outro lado,<br />

sublinham sobretudo a necessidade<br />

de recusa de uma transposição quase<br />

acrítica de instrumentos de Direito Internacional<br />

e da União Europeia, com<br />

sobreposições assinaláveis em relação a<br />

diplomas nacionais ou – o que é mais<br />

grave – com soluções legislativas opostas.<br />

Não bastava, sobretudo, que a ligação<br />

formal àquilo que é um fenómeno<br />

também complexo do terrorismo (e<br />

que só aparece na epígrafe da referida<br />

Lei) pudesse ser utilizado para justificar<br />

acriticamente qualquer movimento de<br />

supressão dos direitos de defesa dos Arguidos<br />

e, de forma mais lata, qualquer<br />

violação dos mais elementares princípios<br />

penais e processuais penais, o que,<br />

infelizmente, acontece.<br />

Perante estas fragilidades, existem<br />

sobretudo dúvidas na operacionalização<br />

do modelo concreto de prevenção<br />

propugnado. Dúvidas essas que, para<br />

lá de um momento transitório de início<br />

de aplicabilidade da(s) própria(s)<br />

lei(s), correspondem a um reconhecimento<br />

expresso da sua complexidade<br />

e, claro, acabam por alertar, sobretudo,<br />

para uma futura ineficácia. Precisamente<br />

por isso, torna-se importante<br />

sublinhar a necessidade da elaboração,<br />

de forma objectiva, formativa e sistemática,<br />

de um manual onde constem<br />

os conceitos, normas e procedimentos<br />

de prevenção do branqueamento de<br />

capitais, dando inteligibilidade e alma<br />

a este figurino legal. No fundo, transitando<br />

de uma abordagem etérea e geral<br />

que parece ainda reinar, para uma<br />

abordagem prática de prevenção do fenómeno,<br />

preparando clientes, empresas<br />

e instituições, afinando a sensibilidade<br />

necessária, garantindo a qualidade da<br />

informação transmitida e a automaticidade,<br />

unicidade e eficácia dos procedimentos.


20 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

O estatuto do denunciante no regime<br />

do branqueamento de capitais<br />

A<br />

Manuel Nobre Correia<br />

Advogado na RSA-RAPOSO<br />

SUBTIL E ASSOCIADOS -<br />

SOCIEDADE DE ADVOGADOS,<br />

SP, RL<br />

vertigem que causa a leitura dos<br />

diplomas que versam sobre a<br />

prevenção e combate ao branqueamento<br />

de capitais (e financiamento<br />

do terrorismo, não nos esqueçamos)<br />

é compreensível: a densidade,<br />

detalhe e minúcia dos instrumentos<br />

legislativos, sejam os europeus (fonte<br />

da esmagadora maioria da legislação a<br />

este respeito), sejam os internos (que<br />

os transpõem), a interacção complexa<br />

com leis dos estados membros que regem<br />

realidades distintas mas conexas,<br />

a rápida evolução legislativa não facilitam<br />

a percepção correcta de todas as<br />

particularidades de um regime ainda<br />

longe de sedimentado. A nosso ver, a<br />

forma mais eficaz de tornar inteligível<br />

a legislação relativa ao branqueamento<br />

será, como aqui ensaiaremos,<br />

decompor a análise por temas de mais<br />

fácil apreensão. Propomo-nos, assim,<br />

a fazer uma brevíssima incursão na<br />

protecção conferida às pessoas que<br />

denunciam violações no âmbito do<br />

regime anti-branqueamento, que nos<br />

parece inteiramente oportuna, dada a<br />

entrada em vigor da directiva comunitária<br />

relativa ao estatuto do denunciante<br />

e que, como adiante veremos,<br />

tem aqui aplicação.<br />

A primeira abordagem a esta matéria<br />

foi operada pela 4.ª directiva contra<br />

o branqueamento de capitais e o financiamento<br />

do terrorismo, Directiva<br />

(UE) 2015/849 do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 20 de maio de<br />

2015, que, no seu artigo 38.º, impõe<br />

aos Estados-Membros garantirem que<br />

as pessoas que comuniquem actos ou<br />

operações suspeitas de branqueamento<br />

de capitais (ou de financiamento do<br />

terrorismo) sejam devidamente protegidas<br />

de quaisquer ameaças ou actos<br />

hostis, particularmente, medidas laborais<br />

desfavoráveis ou discriminatórias.<br />

Entende-se perfeitamente a particularização<br />

de medidas retaliatórias<br />

no âmbito laboral, posto que, provavelmente,<br />

a maioria dos denunciantes<br />

serão tendencialmente funcionários<br />

ou representantes das entidades obrigadas<br />

e sendo conhecida a denúncia<br />

são expectáveis represálias da hierarquia<br />

daquela entidade. Para efeitos da<br />

protecção a conferir ao denunciante,<br />

é irrelevante perante quem sejam comunicadas<br />

as suspeitas, seja a responsáveis<br />

internos, seja a UIF (Unidades<br />

de Informação Financeira). Algo que<br />

sempre suscita alguma perplexidade,<br />

como é típico de formulações genéricas,<br />

é a forma como se aportou o cerne<br />

da norma, i. é, a obrigação protectiva<br />

dos estados ao denunciante é caracterizada<br />

como “devidamente”. Não temos<br />

a concretização de qualquer tipo<br />

de medida protectiva, mas somente<br />

um exortar a medidas eficazes, sem as<br />

exemplificar, o que salienta o pendor<br />

programático da norma.<br />

A ratio da inclusão desta matéria na<br />

directiva resulta clara do considerando<br />

preambular 41 onde se diz que “Verificaram-se<br />

vários casos de funcionários<br />

que foram vítimas de ameaças ou atos<br />

hostis após terem participado as suas<br />

suspeitas de branqueamento de capitais.<br />

Apesar de a presente diretiva não poder<br />

interferir com os processos judiciais dos<br />

Estados-Membros, é fundamental tratar<br />

esta questão, a fim de garantir a eficácia<br />

do sistema ABC/CFT. Os Estados-Membros<br />

deverão estar cientes deste problema<br />

e deverão envidar todos os esforços possíveis<br />

para proteger as pessoas, incluindo<br />

os funcionários e representantes da entidade<br />

obrigada, de tais ameaças ou atos<br />

hostis, e garantir, nos termos do direito<br />

nacional, a proteção adequada de tais<br />

pessoas, especialmente no que respeita<br />

ao direito à proteção dos seus dados pessoais<br />

e aos seus direitos a uma proteção<br />

e representação judicial efetiva”. Não<br />

surpreende que assim seja, não só pelas<br />

pesadas sanções a que as entidades<br />

obrigadas estão sujeitas como pelo aumento<br />

excepcional do conteúdo da<br />

obrigação de comunicar (vd. quando<br />

tenha fundadas razões para suspeitar).<br />

Os efeitos gravosos que podem advir<br />

para as entidades obrigadas da comunicação<br />

de uma suspeita justifica plenamente<br />

o receio de retaliação contra<br />

o denunciante e, concomitantemente,<br />

a necessidade de medidas protectivas<br />

deste, de forma a não desincentivar a<br />

denúncia como parte integrante de<br />

um sistema ABC/CFT assente na comunicação<br />

de suspeitas pelas entidades<br />

obrigadas.<br />

A 4.ª directiva foi (parcialmente)<br />

transposta para a ordem jurídica interna<br />

pela Lei n.º 83/2017, de 18 de<br />

Agosto que aprovou as medidas de<br />

combate ao branqueamento de capitais<br />

e ao financiamento do terrorismo<br />

em que era de esperar um afinamento<br />

das medidas de protecção do denunciante,<br />

como veio a suceder. Assim, o<br />

artigo 20.º, n.º 6, do diploma, o standard<br />

relativamente à comunicação de<br />

irregularidades, estatui a obrigação de<br />

as entidades obrigadas se absterem de<br />

ameaças, actos hostis ou, em particular,<br />

de práticas laborais desfavoráveis<br />

ou discriminatórias contra as pessoas<br />

que, por força das funções que exerçam<br />

na entidade obrigada, tomem<br />

conhecimento de violações à legislação<br />

anti-branqueamento e as comuniquem<br />

ao órgão de fiscalização. Acessória,<br />

para não dizer redundantemente,<br />

também se proíbe que estas comunicações<br />

possam ser o fundamento da<br />

instauração pela entidade obrigadas,<br />

de procedimento disciplinar, civil ou<br />

criminal contra o autor da comunicação,<br />

excepto se as mesmas forem deliberada<br />

e manifestamente infundadas.<br />

A nosso ver, era desejável uma maior<br />

concretização de conceitos tão genéricos<br />

como sejam ameaças e actos hostis,<br />

dado que a amplitude interpretativa<br />

concebível para o preenchimen-


OPINIÃO | 21<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

to destes elementos deixa em aberto<br />

a possibilidade de qualquer reparo ou<br />

comentário ser, em abstracto, qualificado<br />

como uma ameaça ou acto hostil<br />

ao denunciante.<br />

Mais adiante, o n.º 3 do artigo 56.º<br />

relativo à derrogação do dever de segredo<br />

e protecção na prestação de<br />

informações, reitera a imposição da<br />

mesma obrigação de abstenção das<br />

entidades obrigadas contra as pessoas<br />

que prestem informações, facultem<br />

documentos e os demais elementos<br />

necessários ao cumprimento do dever<br />

de comunicação de violações à<br />

legislação anti-branqueamento e que<br />

estejam sujeitas a dever de segredo<br />

ou sigilo. À semelhança do anterior,<br />

o n.º 4 deste normativo inibe a possibilidade<br />

de utilização dessa prestação<br />

de informações ou entrega de<br />

documentos como fundamento para<br />

a perseguição criminal, disciplinar<br />

ou civil do denunciante, obviamente<br />

desde que este esteja de boa-fé. Inovatoriamente,<br />

o n.º 6 estatui que as<br />

entidades obrigadas garantam perante<br />

terceiros, nomeadamente clientes e<br />

demais colaboradores, a confidencialidade<br />

da identidade dos colaboradores<br />

que prestem informações ou facultem<br />

elementos no cumprimento do dever<br />

de comunicação.<br />

Exceptuando a obrigação de garantir<br />

a confidencialidade da identidade<br />

do denunciante, as demais obrigações<br />

de abstenção são estatuídas quanto à<br />

denúncia de irregularidades para as<br />

autoridades sectoriais relevantes nos<br />

termos do artigo 108.º.<br />

O artigo 169.º inclui dentro dos<br />

factos típicos que constituem contraordenação<br />

a violação da obrigação<br />

de abstenção imposta pelo artigo<br />

20.º, n.º 6 (alínea n), e pelo artigo<br />

108.º, n.º 4 e 5 (alíneas ww e nnn).<br />

Estranhamente, em nosso entender, a<br />

violação das obrigações de abstenção<br />

decorrentes do artigo 56.º não constituem<br />

uma contraordenação, mas sim<br />

a violação da obrigação de garantia<br />

do anonimato do colaborador denunciante.<br />

Dizemos estranhamente<br />

porque esta conduta ilícita não exclui<br />

a possibilidade de concurso com<br />

a violação do dever de abstenção da<br />

norma, pelo que sempre constituiria<br />

uma conduta típica. Pese embora ser<br />

passível de integração por analogia,<br />

seria desejável a rectificação dessa lacuna<br />

da lei, em abono da eficácia do<br />

sistema. Ainda mais num momento<br />

em que Portugal é alvo de um processo<br />

de infracção emergente da transposição<br />

da directiva.<br />

Cumpre ainda chamar a atenção<br />

para o aparente lapso legislativo relativamente<br />

à exacta repetição do teor<br />

da alínea ww do artigo 169.º pela<br />

alínea nnn) da mesma disposição, o<br />

que, por ser evidentemente redundante,<br />

apenas se concebe como lapso.<br />

O regime vigente de protecção dos<br />

denunciantes de violações consagrado<br />

na lei de combate ao branqueamento<br />

e financiamento, para além<br />

dos lapsos que aqui se apontaram,<br />

estabelece de forma excessivamente<br />

genérica as obrigações das entidades,<br />

que deveriam ser mais concretizadas<br />

pelas dificuldades de aplicação que<br />

se antecipam.<br />

Entretanto, é publicada a Directiva<br />

(UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 23 de Outubro<br />

de 2019, relativa à protecção das<br />

pessoas que denunciam violações do<br />

direito da União, a qual, por força do<br />

artigo 1.º, n.º 1, a), ii), é aplicável às<br />

violações dos actos da União respeitantes<br />

à prevenção do branqueamento<br />

de capitais e do financiamento do<br />

terrorismo.<br />

Porém o artigo 3.º, referente à relação<br />

com outros actos da União e disposições<br />

nacionais, dispõe que as disposições<br />

desta directiva são aplicáveis<br />

na medida em que uma matéria não<br />

esteja regulamentada de forma imperativa<br />

nos referidos atos setoriais específicos<br />

da União. O que, salvo melhor<br />

interpretação, significa que a directiva<br />

é aplicável supletivamente, ou seja,<br />

no que não seja expressamente regulamentado<br />

pela Lei 83/2017.<br />

Só um exame detalhado, que não se<br />

compadece com a novidade da directiva,<br />

permitirá estabelecer claramente<br />

quais as concretas disposições que<br />

coincidem com o regime de protecção<br />

instituído pela lei anti-branqueamento.<br />

Numa análise perfunctória, diremos<br />

que, mais evidentemente, serão<br />

aplicáveis em concurso com as normas<br />

do regime anti-branqueamento<br />

as disposições relativas à extensão da<br />

protecção a alguns familiares dos denunciantes,<br />

a invalidade das obrigações<br />

legais ou contratuais de lealdade<br />

ou acordo de não-divulgação de confidencialidade<br />

impeditivos das denúncias<br />

e, também, a distinção entre<br />

denunciantes, facilitadores e informadores.<br />

Uma nota final para mencionar o<br />

“Era desejável uma maior concretização de conceitos tão<br />

genéricos como sejam ameaças e actos hostis, dado que a<br />

amplitude interpretativa concebível para o preenchimento<br />

destes elementos deixa em aberto a possibilidade de qualquer<br />

reparo ou comentário ser em abstracto, qualificado como uma<br />

ameaça ou acto hostil ao denunciante.”<br />

Comunicado do Conselho de Ministros<br />

do passado 20 de <strong>Fev</strong>ereiro<br />

de <strong>2020</strong> sobre a transposição para<br />

o ordenamento jurídico interno da<br />

Directiva (UE) 2018/1673, relativa<br />

à harmonização do direito penal dos<br />

estados membros no que concerne à<br />

tipologia dos ilícitos, às condições de<br />

procedibilidade, aos limites mínimos<br />

das penas e conflitos de competência,<br />

Directiva essa omissa quanto ao<br />

tema que tratamos aqui, o que permite<br />

concluir pela aplicação subsidiária<br />

do estatuto do denunciante até à sua<br />

transposição efectiva.<br />

Para terminar estas breves notas,<br />

diremos que o regime carece de ser<br />

testado na sua eficácia e aplicabilidade<br />

prática pelos tribunais antes de<br />

poder ser alvo de uma verdadeira avaliação,<br />

inexistindo substituto algum<br />

para o conhecimento que advém da<br />

experiência.


22 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Angola Nova Lei de Combate ao Branqueamento<br />

de Capitais: um sinal de confiança para o mercado<br />

internacional<br />

Andreia Costa<br />

Advogada em Angola<br />

e Portugal<br />

RSA- Rede de Serviços<br />

de Advocacia de Língua<br />

Portuguesa<br />

Ainda distantes do que viria a ser<br />

o processo “Luanda Leaks”, em<br />

Outubro de 2019, a Assembleia<br />

Nacional aprovava, na generalidade, a<br />

nova Lei de Prevenção e Combate ao<br />

Branqueamento de Capitais, do Financiamento<br />

do Terrorismo e da Proliferação<br />

de Armas de Destruição em<br />

Massa. Uma vez discutida na especialidade,<br />

a nova lei foi aprovada pela Assembleia<br />

Nacional a 20 de Novembro<br />

e publicada como Lei n.º 5/20 a 27 de<br />

<strong>Jan</strong>eiro de <strong>2020</strong>, data também da sua<br />

entrada em vigor.<br />

A Lei 5/20 revoga assim a Lei n.º<br />

34/11, de 12 de Dezembro (derrogada<br />

pela Lei 19/17, sobre a Prevenção e o<br />

Combate ao Terrorismo), que versava<br />

sobre a mesma matéria, mantendo-se,<br />

por agora, em vigor legislação conexa<br />

como a Lei 3/14, de 10 de <strong>Fev</strong>ereiro,<br />

sobre a Criminalização das Infrações<br />

Subjacentes ao Branqueamento de Capitais,<br />

ou o Aviso n.º 22/12, de 25 de<br />

Abril, do Banco Nacional de Angola,<br />

relativo à supervisão e fiscalização do<br />

cumprimento das obrigações de prevenção<br />

e combate ao branqueamento<br />

de capitais e do financiamento do terrorismo<br />

pelas entidades financeiras.<br />

Numa economia fortemente dependente<br />

e assente no financiamento estrangeiro,<br />

esta lei surge como resposta<br />

a algumas exigências da comunidade<br />

internacional, em particular, do Fundo<br />

Monetário Internacional (FMI),<br />

que em Dezembro aprovou mais um<br />

pagamento de 247 milhões de dólares<br />

a Angola no âmbito do Programa de<br />

Financiamento Ampliado, num total<br />

de 3,7 mil milhões de dólares, e do<br />

Grupo de Ação Financeira Internacional<br />

(GAFI), um organismo intergovernamental<br />

que tem como propósito<br />

desenvolver e promover políticas,<br />

nacionais e internacionais, de combate<br />

ao branqueamento de capitais e<br />

ao financiamento do terrorismo (BC/<br />

FT) através de recomendações que os<br />

países devem implementar com vista<br />

à proteção do sistema financeiro internacional.<br />

O GAFI avalia, à escala mundial, a<br />

implementação das suas recomendações<br />

e publica regularmente uma lista<br />

dos países que constituem uma ameaça<br />

ao sistema financeiro internacional<br />

por não seguirem as medidas de combate<br />

ao BC/FT. Em 2010, o GAFI<br />

fez constar Angola na Lista Cinzenta<br />

devido às deficiências estratégicas no<br />

combate ao BC / FT, tendo concluído<br />

que o País representava um risco<br />

para o sistema financeiro internacional.<br />

Desde então o País tem envidado<br />

esforços com vista ao melhoramento<br />

do sistema de pagamento e as transações,<br />

tendo visto o seu nome riscado<br />

daquela Lista em 2016.<br />

Embora Angola não seja membro<br />

do GAFI (em África apenas a África<br />

do Sul é membro), este Grupo conta<br />

com 37 países, entre os quais destacamos<br />

– devido às estreitas relações comerciais<br />

e financeiras com Angola – a<br />

França, Alemanha, Itália, Portugal,<br />

China, bem como os EUA e Reino<br />

Unido. Assim, o respeito pelas recomendações<br />

do GAFI é um sinal crucial<br />

à comunidade internacional da<br />

real intenção do Executivo Angolano<br />

em combater e penalizar o branqueamento<br />

de capitais.<br />

Não esqueçamos que Angola depende<br />

enormemente das importações e,<br />

consequentemente, da moeda estrangeira,<br />

e de como os níveis de corrupção<br />

e do branqueamento de capitais<br />

limitaram o acesso do país a essas divisas,<br />

o que teve como efeito as óbvias<br />

e graves consequências económicas,<br />

financeiras e sociais que o país ainda<br />

hoje atravessa.<br />

A Lei 5/20 veio assim juntar-se a outras<br />

medidas legislativas que têm como<br />

fim último demonstrar ao mercado<br />

internacional que o atual Executivo é<br />

defensor da liberdade económica e está<br />

apostado na transparência e no combate<br />

e punição da corrupção, garantindo<br />

assim não só aos financiadores<br />

do Estado Angolano, mas também a<br />

potenciais investidores, um ambiente<br />

seguro para investir em Angola.<br />

Percebe-se então a relevância desta<br />

novidade legislativa que, para além de<br />

procurar ir de encontro aos padrões<br />

internacionais e à estatuição efetiva de<br />

medidas legais com vista à prevenção<br />

e repressão do branqueamento de capitais<br />

e financiamento do terrorismo,<br />

pretende também evidenciar sinais de<br />

mudança, estabilidade e confiança no<br />

mercado angolano.<br />

Vejamos então as principais inovações<br />

da Lei 5/20. Para além de, na generalidade,<br />

tecer uma malha bem mais<br />

apertada do que a lei a que sucede, a<br />

Lei 5/20 reforça os poderes das entidades<br />

de supervisão, em particular da<br />

Unidade de Informação Financeira,<br />

bem como os deveres de controlo e<br />

prevenção das entidades a ela sujeitas.<br />

A definição de Pessoas Politicamente<br />

Expostas (PPE) terá sido, talvez, a<br />

questão mais polémica e que gerou<br />

maior debate entre os deputados da<br />

Assembleia Nacional. A anterior Lei<br />

de Combate ao Branqueamento de<br />

Capitais e do Financiamento do Terrorismo<br />

fixava um conceito demasiado<br />

restritivo de PPE, definindo-as como<br />

“pessoas singulares estrangeiras que desempenham,<br />

ou desempenharam até há<br />

um ano, cargos de natureza política ou<br />

pública, bem como os membros próximos<br />

da sua família e pessoas que reconhecidamente<br />

tenham com elas estreitas relações<br />

de natureza societária ou comercial.”. A<br />

alteração deste conceito há muito que


OPINIÃO | 23<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

era reclamada pelo GAFI, que emitiu<br />

diversas recomendações a este respeito.<br />

O GAFI entende que a construção<br />

do conceito de PPE deve ter em consideração<br />

a realidade cultural e social<br />

de cada Estado. Considerando que, em<br />

Angola, o conceito de família é bastante<br />

alargado, a definição de PPE deve ir<br />

de encontro com essa realidade. Com a<br />

Lei 5/20, PPE passam a ser quaisquer<br />

“indivíduos nacionais ou estrangeiros<br />

que desempenham ou desempenharam<br />

funções públicas proeminentes em Angola,<br />

ou em qualquer outro País ou jurisdição<br />

ou em qualquer organização<br />

Internacional”. A esta definição mais<br />

ampla segue-se uma lista, bem mais<br />

extensa (agora com 19 alíneas contra<br />

as 10 alíneas da Lei 34/11), do que se<br />

consideram “altos cargos de natureza<br />

política ou pública” que, ao contrário<br />

da lei anterior, não é taxativa, e<br />

que elenca, designadamente, o Vice-<br />

-Presidente da República e os órgãos<br />

auxiliares do Presidente da República.<br />

Também a equiparação dos membros<br />

de família e das pessoas muito<br />

próximas das PPE foi francamente<br />

alargada; para além do cônjuge ou unido<br />

de facto, passam a ser considerados<br />

todos os parentes (sem limitação) até<br />

ao 3.º grau da linha colateral e afins até<br />

ao mesmo grau, e respetivos cônjuges<br />

ou unidos de facto, e ainda as pessoas<br />

com reconhecidas e estreitas relações<br />

de natureza pessoal, a acrescer às relações<br />

de natureza societária ou comercial<br />

já previstas na lei anterior.<br />

Situação semelhante sucedeu com a<br />

definição de outro conceito-chave de<br />

qualquer normativo atinente a BC/<br />

FT, o de “Beneficiário Efetivo”. A Lei<br />

34/11 limitava este conceito à propriedade<br />

ou controlo de, pelo menos, 20%<br />

do capital social, dos direitos de voto,<br />

ou do património de pessoas coletivas.<br />

Agora para ser qualificado como Beneficiário<br />

Efetivo basta que a pessoa<br />

detenha uma participação no capital<br />

de uma pessoa coletiva ou a controle<br />

(ainda que indiretamente), detenha a<br />

propriedade ou controlo do capital da<br />

sociedade ou dos direitos de voto, ou<br />

que tenha o deito de exercer influência<br />

significativa ou controlo da sociedade,<br />

independentemente do nível de<br />

participação.<br />

Outra inovação a destacar é a criação<br />

da Obrigação de Avaliação de Risco;<br />

as entidades sujeitas devem adotar<br />

medidas apropriadas para identificar,<br />

avaliar, compreender e mitigar os riscos<br />

de branqueamento de capitais, do<br />

financiamento do terrorismo e da proliferação<br />

de armas de destruição em<br />

massa, quer ao nível do cliente individual,<br />

como da transação e da instituição.<br />

As entidades sujeitas estão assim<br />

“Percebe-se então a relevância desta novidade legislativa<br />

que, para além de procurar ir de encontro com os padrões<br />

internacionais e à estatuição efetiva de medidas legais com<br />

vista à prevenção e repressão do branquea mento de capitais e<br />

financiamento do terrorismo, pretende também evidenciar sinais<br />

de mudança, es tabilidade e confiança no mercado angolano.”<br />

obrigadas a implementar políticas internas<br />

de controlo, gestão e mitigação<br />

do risco e criar medidas reforçadas ou<br />

simplificadas em função do risco elevado<br />

ou diminuto, respetivamente. O<br />

legislador pretende que as entidades<br />

sujeitas adotem procedimentos e medidas<br />

ágeis, funcionais, e proporcionais<br />

ao risco identificado.<br />

A gestão de risco na utilização de novas<br />

tecnologias é também uma preocupação<br />

da Nova Lei, estando as entidades<br />

sujeitas obrigadas a implementar<br />

as políticas e medidas necessárias para<br />

evitar a utilização abusiva das novas<br />

tecnologias em esquemas de BC / FT<br />

e Proliferação de Armas de Destruição<br />

em Massa.<br />

Outra novidade prende-se com as<br />

transferências eletrónicas; com a entrada<br />

em vigor da Lei 5/20, as transações<br />

ocasionais executadas através de<br />

transferência eletrónica num montante<br />

igual ou superior a USD 1.000 (em<br />

moeda nacional ou estrangeira), estão<br />

sujeitas às obrigações de identificação<br />

e diligência.<br />

Outra medida que destacamos tem<br />

que ver com a obrigação de comunicação<br />

das transações em numerário. A<br />

Lei 34/11 já previa a obrigação de comunicação<br />

à Unidade de Informação<br />

Financeira de todas as transações em<br />

numerário de valor igual ou superior,<br />

em moeda nacional, ao equivalente a<br />

USD 15 000,00. Presentemente, este<br />

valor é o limite residual, pois o legislador<br />

criou várias categorias de transações<br />

em numerário para as quais o<br />

limite é reduzido para USD 5000,00,<br />

sendo que todos os casos se reportam<br />

a qualquer transação em numerário,<br />

independentemente da moeda.<br />

A Lei 5/20 revela também especiais<br />

cautelas com as transações transfronteiriças<br />

ao estabelecer novas obrigações<br />

de diligência reforçada, e o dever de a<br />

Administração Tributária (AGT) comunicar<br />

qualquer suspeita de ter tido<br />

lugar, estar em curso ou ter sido tentada<br />

a realização de movimentos físicos<br />

transfronteiriços de moeda estrangeira<br />

ou de instrumentos negociáveis ao<br />

portador, suscetíveis de estarem associados<br />

à prática do Crime de Branqueamento<br />

de Capitais, do Financiamento<br />

do Terrorismo e da Proliferação<br />

de Armas de Destruição em Massa ou<br />

de qualquer outro crime.<br />

Estas são apenas uma parte das inovações<br />

da nova lei de Branqueamento<br />

de Capitais, do Financiamento do<br />

Terrorismo e da Proliferação de Armas<br />

de Destruição em Massa que optámos<br />

por destacar.<br />

O primeiro passo foi dado. Angola<br />

tem agora uma Lei de Prevenção e<br />

Combate ao Branqueamento de Capitais,<br />

do Financiamento do Terrorismo<br />

e da Proliferação de Armas de Destruição<br />

em Massa que cumpre com as<br />

principais recomendações do GAFI e<br />

do FMI, com mecanismos que, uma<br />

vez cabalmente em prática, serão capazes<br />

de combater e prevenir o branqueamento<br />

de capitais. Porém, fica por<br />

aferir a capacidade efetiva das autoridades<br />

competentes para supervisionar,<br />

prevenir e, em última instância, punir<br />

os infratores.


24 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Combate ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento ao terrorismo em Moçambique.<br />

O desafio da próxima década!<br />

Ricardo Néry<br />

Advogado na RSA-RAPOSO<br />

SUBTIL E ASSOCIADOS -<br />

SOCIEDADE DE ADVOGADOS,<br />

SP, RL<br />

Carlos Freitas Vilanculos<br />

Advogado em Moçambique<br />

RSA-Rede de Serviços<br />

de Advocacia de Língua<br />

Portuguesa<br />

Mesmo debaixo de forte contestação<br />

da sociedade civil<br />

Moçambicana, o Governo<br />

pagou no final de 2019 uma parcela<br />

da reestruturação das dívidas da Ematum,<br />

uma das três empresas envolvidas<br />

nas dívidas ocultas, estimadas em<br />

cerca de 2 mil milhões de euros. No<br />

total, o valor da reestruturação é de<br />

659,56 milhões de euros, emitidos<br />

em 2016, e agora Moçambique desembolsou<br />

uma “tranche” de 36 milhões<br />

de euros.<br />

A transação acontece justamente<br />

na altura em que decorre o julgamento<br />

de um caso de ilícitos financeiros<br />

nos EUA ligado às dívidas ocultas. A<br />

coincidência, ou não, acirrou as desconfianças<br />

da sociedade civil e lançou,<br />

uma vez mais, a discussão sobre<br />

o branqueamento de capitais no País.<br />

Atualmente, a legislação aplicável<br />

em sede de prevenção de branqueamento<br />

de capitais e financiamento ao<br />

terrorismo em Moçambique é regulada<br />

pela Lei n.º 14/2013, de 12 de<br />

Agosto de 2013 – Lei de Prevenção<br />

e combate ao branqueamento de capitais<br />

(“Lei 14/2013”) (que revogou<br />

a Lei n.º 7/2002 de 5 de <strong>Fev</strong>ereiro),<br />

com vista a adequar o seu conteúdo<br />

aos padrões normativos internacionais<br />

de prevenção e combate ao<br />

branqueamento de capitais e financiamento<br />

ao terrorismo, pelo Decreto<br />

n.º 66/2014, que aprova o regulamento<br />

da referida Lei 14/2013, e<br />

pelo Aviso n.º 4/GBM/2015, de 17<br />

de Junho, que aprova as diretrizes sobre<br />

esta matéria.<br />

No país, existe ainda o Gabinete de<br />

Informação Financeira de Moçambique<br />

(“GIFIM”) criado pela Lei nº<br />

14/2007, de 27 de Junho, que é um<br />

órgão do Estado, dotado de autonomia<br />

administrativa, que funciona sob<br />

tutela do Conselho de Ministros e<br />

que tem por objeto a recolha, centralização,<br />

análise e difusão às entidades<br />

competentes, de informações respeitantes<br />

a operações económico-financeiras<br />

suscetíveis de consubstanciar<br />

atos de branqueamento de capitais e<br />

outros crimes conexos.<br />

Segundo o GIFIM, o Estado e o<br />

sector privado devem trabalhar conjuntamente<br />

para proteger o sistema<br />

financeiro do crime organizado e do<br />

terrorismo, pois Moçambique lidera<br />

(ainda) a lista dos países com maior<br />

riso de branqueamento de capitais a<br />

favor do terrorismo. O GIFIM defende<br />

mesmo a mobilização do setor privado<br />

no combate ao branqueamento<br />

de capitais e terrorismo, assinalando<br />

que os fluxos financeiros entre grupos<br />

criminosos são principalmente gerados<br />

por entidades não estatais.<br />

A Lei n.º 14/2013 tipifica o crime<br />

de branqueamento de capitais e financiamento<br />

ao terrorismo no n.º 1<br />

do artigo 4.º e do artigo 5.º nos seguintes<br />

termos: (i) comete crime de<br />

branqueamento de capitais aquele<br />

que, intencionalmente ou devendo ter<br />

conhecimento converter, transferir,<br />

auxiliar ou facilitar qualquer operação<br />

de conversão, transferência de produtos<br />

do crime, no todo ou em parte, de<br />

forma direta ou indireta, com o objetivo<br />

de ocultar ou dissimular a sua<br />

origem ilícita ou de auxiliar a pessoa<br />

implicada na prática das atividades<br />

criminosas a eximir-se das consequências<br />

jurídicas dos seus atos; ocultar<br />

ou dissimular a verdadeira natureza,<br />

origem, localização, disposição, movimentação<br />

ou titularidade de produtos<br />

do crime ou direitos relativos<br />

a eles ou adquirir, possuir a qualquer<br />

título ou utilizar bens, sabendo da sua<br />

proveniência ilícita no momento da<br />

receção; (ii) comete crime de financiamento<br />

ao terrorismo aquele que, por<br />

quaisquer meios, direta ou indiretamente<br />

e intencionalmente, fornece<br />

ou recolhe fundos, com a intenção de<br />

que sejam utilizados ou sabendo que<br />

serão utilizados, no todo ou em parte,<br />

para levar a cabo um ato terrorista<br />

por um terrorista individual ou uma<br />

organização terrorista.<br />

Ao crime de branqueamento de<br />

capitais corresponde pena de 2 a 12<br />

anos de prisão maior (artigo 75.º, n.º<br />

1) e ao de financiamento ao terrorismo<br />

pena de 10 a 24 anos de prisão<br />

maior (artigo 75.º n.º 2).<br />

O tempo demostrou, no entanto,<br />

ser necessária uma melhor orientação<br />

da atuação das instituições financeiras,<br />

que nos termos da Lei 14/2003<br />

se encontram sob alçada de supervisão<br />

do Banco de Moçambique, em<br />

relação a esta temática. Nesse sentido,<br />

em 2015 foi publicado o Aviso n.º 4/<br />

GBM/2015, que estabelece os procedimentos<br />

e medidas de prevenção e<br />

repressão ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento ao terrorismo.<br />

Nestes termos, atualmente, as instituições<br />

financeiras e as entidades<br />

não financeiras devem adotar procedimentos<br />

para prevenir e sancionar<br />

a utilização do sistema financeiro<br />

para branqueamento de capitais<br />

financiamento ao terrorismo e crimes<br />

conexos, dos quais destacamos<br />

os seguintes:<br />

As instituições financeiras devem<br />

manter um registo da identificação<br />

dos seus clientes do qual conste, entre<br />

outras informações, no caso das


OPINIÃO | 25<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

pessoas individuais, o nome completo,<br />

estado civil, morada, número de<br />

identificação tributária (“NUIT”) e,<br />

no caso das empresas, a sua identificação,<br />

NUIT e a identidade dos titulares<br />

das participações no capital<br />

superiores a 20%; recusar a operação<br />

e enviar informação sobre a transação<br />

suspeita ao GIFIM, sempre que<br />

exista suspeita da prática de crime;<br />

manter cópia dos documentos comprovativos<br />

do dever de identificação<br />

e verificação, registo de transações nacionais<br />

ou internacionais que sejam<br />

suficientes para permitir a reconstituição<br />

da operação, por um período<br />

mínimo de 15 anos a contar do termo<br />

da relação de negócio e do encerramento<br />

da conta, bem como reunir<br />

informação sobre o nome do emitente,<br />

nome do beneficiário e o número<br />

de conta de destino, nas transferências<br />

eletrónicas de montante inferior<br />

a 30.000,00 MT. Se a transferência<br />

for de montante igual ou superior a<br />

30.000,00MT, deve conter a menção<br />

do nome do remetente, do número<br />

da conta de origem, do endereço do<br />

remetente, acompanhado do número<br />

do documento de identificação válido<br />

e do número da conta do beneficiário.<br />

No caso dos casinos, os mesmos estão<br />

obrigados a proceder à identificação<br />

dos jogadores ou apostadores que<br />

intervenham em jogo ou apostas de<br />

valor igual ou superior a 90,000,00<br />

MT, ou sempre que exista suspeita<br />

de branqueamento de capitais ou financiamento<br />

ao terrorismo. Devem<br />

ainda proceder à identificação dos<br />

jogadores ou apostadores no ato de<br />

aquisição de fichas, créditos ou outros<br />

símbolos de jogo independente<br />

do seu valor;<br />

Os cartórios e as conservatórias<br />

devem proceder à identificação das<br />

partes intervenientes, o negócio realizado,<br />

o montante envolvido e o ato<br />

notarial celebrado sempre que haja<br />

compra e venda de imóveis, gestão de<br />

valores, títulos e outros ativos, gestão<br />

de poupanças bancária, criação, gestão<br />

e exploração de sociedades;<br />

Também as entidades que se dediquem<br />

às atividades de mediação<br />

imobiliária e de compra e revenda de<br />

imóveis, bem como as entidades construtoras<br />

que procedam à venda direta<br />

de imóveis estão obrigadas a identificar<br />

os seus clientes sempre que efetuem<br />

transações de compra e venda<br />

ou exista suspeita de branqueamento<br />

de capitais.<br />

As instituições financeiras e não financeiras<br />

estão obrigadas a comunicar<br />

imediatamente ao GIFIM as transações<br />

suspeitas de branqueamento de<br />

capitais e financiamento ao terrorismo,<br />

em regra por via eletrónica.<br />

A Autoridade Tributária de Moçambique,<br />

através da Direção-Geral<br />

das Alfândegas, deve, ainda, comunicar<br />

ao GIFIM sempre que exista<br />

declaração de entrada ou saída de<br />

moeda nacional ou estrangeira, títulos<br />

negociáveis ao portador, ouro amoedado<br />

ou em barra, de valor superior<br />

a 150.000,00 MT.<br />

Refira-se, também, que em 2018 o<br />

Governo de Moçambique reforçou a<br />

sua capacidade de supervisão, prevenção<br />

e combate ao branqueamento de<br />

capitais com a aprovação, na generalidade,<br />

pela Assembleia da República,<br />

da atualização da lei que criou o<br />

GIFIM, pretendendo-se, entre outras<br />

coisas, reforçar a competência do GI-<br />

FIM para receber a comunicação de<br />

transações financeiras suspeitas de<br />

estarem associadas a atividades ilícitas,<br />

como o financiamento do terrorismo,<br />

por exemplo, e pretende, ainda,<br />

criar brevemente uma unidade<br />

para recuperar ativos resultantes de<br />

atividades criminosas, com destaque<br />

para o branqueamento de capitais e<br />

financiamento ao terrorismo.<br />

Existe, assim, um cada vez maior<br />

controlo e preocupação das entidades<br />

de supervisão moçambicanas e,<br />

pela primeira vez, por violação da<br />

Lei 14/2013, o Banco de Moçambique<br />

sancionou recentemente vinte<br />

instituições financeiras, por infrações<br />

cometidas entre 2014 e 2018, tendo<br />

sido a maior multa aplicada no valor<br />

de 1,1 milhões de euros.<br />

No mais está prevista para este ano<br />

de <strong>2020</strong> uma avaliação do risco de<br />

Moçambique se envolver no financiamento<br />

ao terrorismo e de branqueamento<br />

de capitais pelo Grupo<br />

de Ação Financeira Internacional<br />

(GAFI) O escrutínio por esta organização<br />

internacional será importante<br />

para um diagnóstico sobre o perigo de<br />

Moçambique ser usado para o financiamento<br />

ao terrorismo e branqueamento<br />

de capitais, pois esta avaliação<br />

serve para as instituições vinculadas<br />

ao GAFI conhecerem melhor os riscos<br />

de o país se envolver no financiamento<br />

ao terrorismo e branqueamento<br />

de capitais.<br />

Esta avaliação decorre da adesão do<br />

país ao Grupo de Prevenção e Combate<br />

ao Branqueamento de Capitais<br />

da África Austral e Oriental (ESAA-<br />

“Está prevista para este ano de <strong>2020</strong> uma avaliação do risco<br />

de Moçambique se envolver no financiamento ao terrorismo e<br />

de branqueamento de capitais pelo Grupo de Ação Financeira<br />

Internacional (GAFI)<br />

MLG), instituição vocacionada à uniformização<br />

de padrões internacionais<br />

de combate à criminalidade financeira<br />

internacional.<br />

O GAFI é um organismo intergovernamental<br />

criado com o objetivo<br />

de desenvolver e promover políticas,<br />

nacionais e internacionais, de combate<br />

ao branqueamento de capitais e ao<br />

financiamento do terrorismo.<br />

Em suma, as regras estão lançadas<br />

e o desafio dos próximos tempos será<br />

mesmo o de mostrar aos mercados<br />

internacionais que a capacidade das<br />

entidades moçambicanas de supervisão,<br />

prevenção e combate ao branqueamento<br />

de capitais e financiamento<br />

ao terrorismo está reforçada num<br />

pais onde, segundo conforme previsão<br />

do Fundo Monetário Internacional,<br />

se espera que a economia venha<br />

a registar uma forte recuperação em<br />

<strong>2020</strong>, a que associa uma taxa de inflação<br />

baixa.


26 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Lei 14/2013, de 12 de Agosto (Lei de Prevenção<br />

e Combate ao Branqueamento de Capitais<br />

e Financiamento ao Terrorismo)<br />

Súmula de artigos principais<br />

Artigo 3 (Âmbito de aplicação)<br />

A presente Lei aplica-se às instituições<br />

financeiras e às entidades não<br />

financeiras com sede em território<br />

nacional, bem como às respectivas<br />

sucursais, agências, filiais ou qualquer<br />

outra forma de representação e<br />

a outras instituições susceptíveis de<br />

prática de actos de branqueamento<br />

de capitais e financiamento do terrorismo.<br />

2. Para efeitos da presente Lei, são<br />

instituições financeiras:<br />

a) instituições de crédito e sociedades<br />

financeiras definidas<br />

por lei:<br />

– Instituições de crédito:<br />

i. bancos;<br />

ii. sociedades de locação financeira;<br />

iii. cooperativas de crédito;<br />

iv. sociedades de factoring;<br />

v. sociedades de investimento;<br />

vi. microbancos, nos diversos<br />

tipos admitidos na legislação<br />

aplicável;<br />

vii. instituições de moeda electrónica;<br />

viii.outras empresas que sejam<br />

qualificadas como instituições<br />

de crédito por Decreto<br />

do Conselho de Ministros.<br />

- Sociedades financeiras:<br />

i. sociedades financeiras de corretagem;<br />

ii. sociedades corretoras;<br />

iii. sociedades gestoras de fundos<br />

de investimento;<br />

iv. sociedades gestoras de património;<br />

v. sociedades de capital de risco;<br />

vi. sociedades administradoras<br />

de compras em grupo;<br />

vii. sociedades emitentes ou gestoras<br />

de cartões de crédito;<br />

viii. casas de câmbio;<br />

ix. casas de desconto;<br />

x. outras empresas que sejam<br />

qualificadas como sociedades<br />

financeiras por Decreto do<br />

Conselho de Ministros.<br />

b) operadores de microfinanças<br />

definidos por lei;<br />

c) seguradoras, resseguradoras, sociedades<br />

gestoras de fundos de<br />

pensões, mediadores de seguros,<br />

outras entidades de investimentos<br />

com estas relacionadas;<br />

d) bolsas de valores;<br />

e) quaisquer outras pessoas ou entidades<br />

que exerçam outras actividades<br />

ou operações e que venham<br />

a ser enquadradas como<br />

tal por legislação específica.<br />

3. São entidades não financeiras:<br />

a) casinos e instituições que se dediquem<br />

a actividade de jogo de<br />

fortuna ou de azar;<br />

b) entidades que exerçam actividades<br />

de mediação imobiliária<br />

e de compra e revenda de imóveis,<br />

bem como entidades construtoras<br />

que procedam à venda<br />

directa de imóveis;<br />

c) agentes ou negociantes de pedras<br />

e metais preciosos;<br />

d) vendedores e revendedores de<br />

veículos;<br />

e) advogados, notários, conservadores<br />

e profissões jurídicas<br />

independentes, contabilistas e<br />

auditores independentes quando<br />

envolvidos em transacções<br />

no interesse dos seus utentes ou<br />

noutras circunstâncias, relativamente<br />

às seguintes actividades:<br />

i) compra e venda de imóveis;<br />

ii) gestão de fundos, valores<br />

mobiliários ou outros bens<br />

do cliente;<br />

iii) gestão de contas bancárias<br />

de poupança ou de valores<br />

mobiliários;<br />

iv) organização de contribuições<br />

destinadas a criação, exploração<br />

ou gestão de sociedades;<br />

v) criação, exploração ou gestão<br />

de pessoas colectivas ou de entidades<br />

sem personalidade jurídica,<br />

e a compra e venda de<br />

entidades comerciais.<br />

f) empresas de correios, na medida<br />

em que exerçam a actividade<br />

financeira;<br />

g) prestadores de serviços a fundos<br />

fiduciários e empresas, não<br />

abrangidos pelas alíneas anteriores,<br />

que forneçam os seguintes<br />

serviços numa base comercial:<br />

i) formação, inscrição e gestão<br />

de pessoas colectivas;<br />

ii) exercício do cargo, ou actuando<br />

para que outra pessoa<br />

exerça o cargo de director ou<br />

secretário de uma empresa,<br />

sócio de uma sociedade ou<br />

de uma posição semelhante<br />

em relação a outras pessoas<br />

colectivas;<br />

iii) fornecimento de escritório,<br />

endereço ou instalações para<br />

uma empresa, sociedade ou<br />

qualquer pessoa ou instrumento<br />

jurídico;<br />

iv) exercício do cargo de ou actuando<br />

para que outra pessoa<br />

exerça o cargo de accionista<br />

em nome de outrem.<br />

v) exercício da actividade de<br />

importação e exportação de<br />

mercadorias.<br />

4. A presente Lei aplica-se igualmente<br />

às sucursais, agências, filiais<br />

ou qualquer outra forma de representação<br />

em território nacional de<br />

instituições financeiras e entidades<br />

não financeiras estabelecidas no estrangeiro,<br />

bem como, às representações<br />

de entidades nacionais situadas<br />

no estrangeiro.


OPINIÃO | 27<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

Artigo 4 (Branqueamento<br />

de capitais)<br />

1. Comete crime de branqueamento<br />

de capitais aquele que, nos<br />

termos do artigo 7 da presente Lei,<br />

intencionalmente ou devendo ter conhecimento:<br />

a) converter, transferir, auxiliar<br />

ou facilitar qualquer operação<br />

de conversão, transferência de<br />

produtos do crime, no todo ou<br />

em parte, de forma directa ou<br />

indirecta, com o objectivo de<br />

ocultar ou dissimular a sua origem<br />

ilícita ou de auxiliar a pessoa<br />

implicada na prática das actividades<br />

criminosas a eximir-se<br />

das consequências jurídicas dos<br />

seus actos;<br />

b) ocultar ou dissimular a verdadeira<br />

natureza, origem, localização,<br />

disposição, movimentação<br />

ou titularidade de produtos do<br />

crime ou direitos relativos a eles;<br />

c) adquirir, possuir a qualquer título<br />

ou utilizar bens, sabendo da<br />

sua proveniência ilícita no momento<br />

da recepção.<br />

2. O conhecimento, intenção ou<br />

propósito requeridos como elementos<br />

constitutivos do crime podem ser<br />

inferidos de circunstâncias factuais e<br />

objectivas.<br />

3. A punição pelo crime de branqueamento<br />

de capitais tem lugar ainda<br />

que o facto ilícito relativo ao crime<br />

conexo tenha sido praticado no<br />

estrangeiro, ou ainda que se ignore o<br />

local da prática do facto ou a identidade<br />

dos seus autores.<br />

4. A tentativa de branqueamento<br />

de capitais é punível nos termos previstos<br />

no Código Penal.<br />

5. A cumplicidade e o encobrimento<br />

são punidos nos termos do<br />

Código Penal.<br />

Artigo 5 (Financiamento<br />

do terrorismo)<br />

Comete o crime de financiamento<br />

do terrorismo aquele que, por<br />

quaisquer meios, directa ou indirectamente<br />

e intencionalmente fornece<br />

ou recolhe fundos, com a intenção<br />

de que sejam utilizados ou sabendo<br />

que serão utilizados, no todo ou<br />

em parte:<br />

a) para levar a cabo um acto terrorista;<br />

b) por um terrorista individual ou<br />

uma organização terrorista.<br />

O crime considera-se cometido<br />

independentemente da ocorrência<br />

de qualquer acto terrorista referido<br />

no n.º 1, ou de os fundos terem sido<br />

efectivamente utilizados para cometer<br />

tal acto.<br />

A punição pelo crime de financiamento<br />

do terrorismo tem lugar ainda<br />

que o acto terrorista tenha sido<br />

planeado em jurisdição estrangeira<br />

ou para o financiamento de terroristas<br />

ou de organizações terroristas em<br />

jurisdição estrangeira.<br />

O conhecimento, intenção ou propósito,<br />

requeridos como elementos<br />

constitutivos do crime, podem ser<br />

inferidos de circunstâncias factuais<br />

e objectivas.<br />

A cumplicidade, o encobrimento e<br />

a instigação para cometer o crime de<br />

financiamento do terrorismo são punidos<br />

nos termos do Código Penal.<br />

Artigo 26 (Exclusão<br />

de responsabilidades)<br />

As instituições financeiras e as entidades<br />

não financeiras ou os seus directores<br />

ou empregados que, de boa-<br />

-fé, comuniquem transacções suspeitas<br />

ou forneçam informação ao GI-<br />

FiM, nos termos desta Lei, não estão<br />

sujeitos a responsabilidade administrativa,<br />

civil ou criminal por violação<br />

de contrato e de segredo bancário ou<br />

profissional.<br />

Nenhuma acção legal por branqueamento<br />

de capitais e financiamento<br />

do terrorismo pode ser intentada<br />

contra as instituições financeiras<br />

e as entidades não financeiras, nem<br />

contra os seus directores ou empregados<br />

em consequência da execução<br />

de uma transacção suspeita quando<br />

esta tenha sido comunicada nos termos<br />

do número anterior.<br />

Artigo 37 (Apreensão e confisco<br />

de bens e direitos)<br />

Sem prejuízo do disposto em<br />

legislação diversa, os fundos, direitos<br />

e quaisquer outros objectos<br />

depositados em bancos ou outras<br />

instituições de crédito pertencentes<br />

ao suspeito ou sobre os quais<br />

ele exerce poder de facto correspondente<br />

ao direito de propriedade<br />

ou qualquer outro direito real<br />

ficam sujeitos à apreensão, como<br />

forma de preservar a disponibilidade<br />

desses activos, e ainda ao<br />

confisco.<br />

Artigo 38 (Apreensão de bens<br />

e direitos)<br />

O Juiz, a requerimento do Ministério<br />

Público, deve, no prazo de<br />

48 horas, decretar a apreensão de<br />

fundos, bens, direitos e quaisquer<br />

outros objectos em nome do suspeito<br />

ou de terceiros, quando tiver<br />

fundadas razões para crer que eles<br />

constituem produto do crime, ou<br />

se destinam à actividade criminosa<br />

ou ainda haja indícios suficientes de<br />

prática de crime de branqueamento<br />

de capitais ou de financiamento do<br />

terrorismo.<br />

O Juiz pode determinar a devolução<br />

dos referidos fundos, bens, direitos,<br />

objectos apreendidos ao suspeito,<br />

quando se comprove a licitude<br />

da sua origem.<br />

Artigo 72 (Prescrição)<br />

Para efeitos de prescrição do procedimento<br />

criminal e das contravenções,<br />

aplica-se o disposto no Código<br />

Penal.<br />

O procedimento relativo às contravenções<br />

previstas neste capítulo<br />

prescreve no prazo de cinco anos,<br />

a contar da data da sua prática. As<br />

multas e medidas acessórias prescrevem<br />

no prazo de cinco anos, a contar<br />

da data em que a decisão administrativa<br />

se torne definitiva ou da<br />

data em que a decisão judicial transita<br />

em julgado.


28 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Breve incursão no dever de comunicação<br />

de operações suspeitas, pelas instituições<br />

bancárias, ao abrigo da Lei n.º 83/2017<br />

1. Introdução<br />

Joana Maria Dente<br />

Jurista – Área de<br />

Acompanhamento das<br />

Operações no Exterior<br />

- Compliance Office,<br />

Millennium BCP<br />

O dever de comunicação de operações<br />

suspeitas emergiu como um<br />

mecanismo muito importante no<br />

combate ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento de terrorismo,<br />

uma vez que determina que as entidades<br />

pelas quais passam determinados<br />

fluxos de fundos ou outros bens<br />

tenham de prestar particular atenção<br />

à eventual proveniência dos mesmos<br />

e, quando os considerem suspeitos,<br />

comunicá-los ao Departamento<br />

Central de Investigação e Ação Penal<br />

(DCIAP) e à Unidade de Informação<br />

Financeira (UIF). Ainda que se possa<br />

contestar a consagração deste dever<br />

ou os moldes com que foi instituído,<br />

a verdade é que, sem a sua previsão, a<br />

generalidade das operações suspeitas<br />

passariam despercebidas às entidades<br />

de investigação criminal. O papel<br />

das entidades obrigadas é, por isso,<br />

essencial, no combate ao branqueamento<br />

de capitais e financiamento de<br />

terrorismo. Esta afirmação é particularmente<br />

válida para as entidades financeiras<br />

de crédito e de pagamento,<br />

uma vez que é por elas «que passam<br />

quase todas as grandes operações que<br />

influenciam a economia» 1 .<br />

2. Previsão legal<br />

Ainda que se possa contestar a consagração deste dever ou<br />

os moldes com que foi instituído, a verdade é que, sem a sua<br />

previsão, a generalidade das operações suspeitas passariam<br />

despercebidas às entidades de investigação criminal<br />

O dever de comunicação de operações<br />

suspeitas encontra consagração<br />

na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto 2 ,<br />

a qual «estabelece medidas de natureza<br />

preventiva e repressiva de combate<br />

ao branqueamento de capitais e<br />

ao financiamento do terrorismo» –<br />

art. 1.º, n.º 1. Tal dever está previsto,<br />

em traços gerais, no art. 43.º, n.º 1,<br />

complementado depois pelos n.os 2<br />

e 3 do art. 43.º, e pelo art. 44.º. O<br />

dever de comunicação de operações<br />

suspeitas é um dos deveres que integra<br />

o mais geral dever de comunicação<br />

previsto no art. 11.º, n.º 1, al. c).<br />

3. A Diretiva 2015/849/EU<br />

A Lei n.º 83/2017 foi aprovada<br />

pela necessidade de dar transposição a<br />

algumas diretivas comunitárias, entre<br />

as quais, a Diretiva 2015/849/UE, do<br />

Parlamento Europeu e do Conselho,<br />

de 20 de maio de 2015, também conhecida<br />

por IV Diretiva 3 . O dever de<br />

comunicações de operações suspeitas<br />

encontra previsão, em traços gerais,<br />

no n.º 1 do art. 33.º da Diretiva.<br />

4. Natureza do dever<br />

O dever de comunicação é qualificado,<br />

pela própria lei, como um dever de<br />

natureza preventiva, ou seja, visa prevenir<br />

a prática de operações suspeitas.<br />

Não obstante, parece-nos que o dever<br />

de comunicação pode ser qualificado<br />

como um dever de natureza «preventiva»<br />

e «repressiva» 4 . A introdução desta<br />

segunda adjetivação tem a ver com o<br />

facto de que, ao ser efetuada a comunicação<br />

ao DCIAP, este poderá estar<br />

obrigado a abrir inquérito ou juntar<br />

a informação transmitida a inquéritos<br />

pendentes. Isso mesmo é admitido expressamente<br />

no art. 56.º, n.º 7.<br />

5. A derrogação do dever<br />

de segredo<br />

A relação de confiança entre as instituições<br />

bancárias e os seus clientes<br />

tem por base uma premissa fundamental:<br />

o segredo, ou seja, a reserva<br />

ou confidencialidade das informações<br />

relativamente à identidade do<br />

cliente e das relações de negócio.<br />

Recai, portanto, sobre as instituições<br />

bancárias um dever de segredo<br />

relativamente a todas as informações<br />

respeitantes aos seus clientes – art.<br />

78.º do Regime Geral das Instituições<br />

de Crédito e Sociedades Financeiras<br />

(RGICSF) 5 . Em abstrato, o<br />

dever de segredo parece incompatível<br />

com o cumprimento do dever de<br />

comunicação de operações suspeitas,<br />

no entanto, a possibilidade da respetiva<br />

derrogação encontra-se legitimada<br />

pelo disposto no art. 79.º, n.º<br />

2, al. h), do RGICSF, e no art. 56.º,<br />

n.º 1, da Lei n.º 83/2017.<br />

1. Raimundo, M., Entrevista, in: <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>, N.º 205, janeiro/fevereiro 2018, <strong>Vida</strong> Económica: Porto, 2018, (pp. 12-17), p. 16.<br />

2. Doravante, quando determinadas normas forem mencionadas sem identificação do diploma respetivo, presume-se a sua pertença à Lei n.º 83/2017, a menos que outra solução resulte do<br />

contexto em que são mencionadas.<br />

3. Importa salientar que, no dia 20 de fevereiro de <strong>2020</strong>, foi aprovada, em Conselho de Ministros, uma proposta de diploma que procede à transposição, para o ordenamento jurídico interno,<br />

da Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal, e da Diretiva 2018/843/UE, do Parlamento<br />

Europeu e do Conselho, usualmente denominada como V Diretiva AML, a qual irá determinar alterações à Lei n.º 83/2017.<br />

4. O binómio natureza «preventiva» e «repressiva» é usado pela própria lei, no art. 1.º, n.º 1.<br />

5. Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.


OPINIÃO | 29<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

6. O tratamento de dados pessoais<br />

e o dever de comunicação<br />

O cumprimento do dever de comunicação<br />

exige o tratamento de um<br />

conjunto muito alargado de dados<br />

pessoais dos clientes das instituições<br />

bancárias, o qual, em princípio, só<br />

pode ser efetuado se o respetivo titular<br />

tiver dado o seu consentimento,<br />

dispondo o titular dos dados pessoais<br />

do chamado «direito de acesso»,<br />

o qual lhe permite obter informações<br />

relativas ao tratamento que está a ser<br />

efetuado aos seus dados pessoais 6 . Naturalmente,<br />

estas regras sofrem exceções,<br />

totais ou parciais, e assim necessariamente<br />

acontece no âmbito temático<br />

que aqui abordamos, sob pena de<br />

frustração do dever de comunicação<br />

de operações suspeitas e dos objetivos<br />

que o mesmo pretende lograr – cfr.<br />

arts. 57.º a 61.º da Lei n.º 83/2017.<br />

8.2. Por sua própria iniciativa<br />

Este trecho significa que o dever<br />

de comunicação deve ser cumprido<br />

espontaneamente, por iniciativa própria<br />

das entidades obrigadas. Esta solução<br />

traz maiores responsabilidades,<br />

porquanto faz impender sobre as entidades<br />

obrigadas um especial zelo e<br />

diligência na deteção de operações<br />

suspeitas, a fim de permitir a respetiva<br />

comunicação.<br />

8.3. Informam de imediato<br />

Os destinatários de tal comunicação são o DCIAP e a UIF, solução<br />

que corporiza o chamado “sistema de dupla comunicação”<br />

ou “sistema dual de comunicação” de operações suspeitas.<br />

7. Consequências<br />

do não cumprimento<br />

do dever de comunicação<br />

O não cumprimento do dever de<br />

comunicação de operações suspeitas<br />

pelas entidades obrigadas pode acarretar<br />

diversas consequências. Essencialmente,<br />

o não cumprimento pode: (i)<br />

conduzir a que o DCIAP determine<br />

a suspensão temporária da execução<br />

das operações suspeitas – art. 48.º,<br />

n.º 2, al. a); (ii) determinar a obrigação<br />

de documentação e registo da razão<br />

da não comunicação – art. 52.º,<br />

n.º 4; (iii) levar a que a entidade sectorial<br />

competente determine medidas<br />

corretivas, recomendações ou contramedidas<br />

– arts. 97.º, 98.º e 99.º, em<br />

particular, as als. a) e b) do n.º 3 do<br />

art. 99.º; (iv) determinar a responsabilidade<br />

contraordenacional da entidade<br />

obrigada – art. 169.º, als. cc) e uu).<br />

8. Breve concretização<br />

do conteúdo do dever<br />

de comunicação de operações<br />

suspeitas<br />

A norma nuclear do dever de comunicação<br />

de operações suspeitas é<br />

o n.º 1 do art. 43.º, ao qual aqui se<br />

dá transcrição para melhor exposição<br />

e comodidade do leitor:<br />

As entidades obrigadas, por sua<br />

própria iniciativa, informam de<br />

imediato o Departamento Central<br />

de Investigação e Ação Penal<br />

da Procuradoria-Geral da República<br />

(DCIAP) e a Unidade de<br />

Informação Financeira sempre<br />

que saibam, suspeitem ou tenham<br />

razões suficientes para suspeitar<br />

que certos fundos ou outros bens,<br />

independentemente do montante<br />

ou valor envolvido, provêm de atividades<br />

criminosas ou estão relacionados<br />

com o financiamento do<br />

terrorismo.<br />

Como bem se nota, este artigo é<br />

consideravelmente extenso e contém<br />

um conjunto relevante de informação,<br />

que importa dissecar a fim de<br />

melhor se perceber o conteúdo e alcance<br />

do dever de comunicação de<br />

operações suspeitas. Assim sendo,<br />

analisemos cada um dos trechos normativos<br />

que o integram.<br />

8.1. As entidades obrigadas<br />

Por questões de economia e de técnica<br />

legislativa, a lei utilizou o conceito<br />

de «entidades obrigadas», definindo-o<br />

e concretizando-o em momento<br />

posterior. Da conjunção dos arts. 2.º,<br />

n.º 1, al. r), e 3.º, n.º 1, aliena a), da<br />

Lei n.º 83/2017, bem como do art.<br />

3.º, al. a), do RGICSF, resulta que<br />

as instituições bancárias, vulgo bancos,<br />

são entidades obrigadas para os<br />

efeitos da Lei n.º 83/2017, nomeadamente,<br />

para efeitos do cumprimento<br />

dos deveres que a mesma prescreve.<br />

O dever de comunicação deve ser<br />

cumprido «de imediato». A lei utilizou<br />

aqui um conceito indeterminado,<br />

de forma a dar cobertura a vários<br />

prazos, mas transmitindo uma mensagem<br />

de urgência, de tal forma que<br />

«de imediato» significa que o dever<br />

de comunicação deve ser cumprido<br />

o mais rápido possível. Mas a partir<br />

de quando? A partir do momento em<br />

que as entidades obrigadas concluam<br />

que a operação é suspeita.<br />

8.4. O DCIAP e a UIF<br />

A norma regula também os destinatários<br />

do dever de comunicação,<br />

ou seja, as entidades a quem a informação<br />

relativa a operações suspeitas<br />

deve ser enviada ou endereçada.<br />

Os destinatários de tal comunicação<br />

são o DCIAP e a UIF, solução<br />

que corporiza o chamado “sistema<br />

de dupla comunicação” 7 ou “sistema<br />

dual de comunicação” 8 de operações<br />

suspeitas. Este sistema não é,<br />

contudo, usual noutras jurisdições:<br />

«Normalmente, o sistema de comunicação<br />

é apenas direcionado para<br />

uma entidade de tipo Financial In-<br />

6. Art. 15.º do RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados – Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016).<br />

7. Guerra, A., Entrevista, in: <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>, N.º 205, janeiro/fevereiro 2018, <strong>Vida</strong> Económica: Porto, 2018, (pp. 6-11), p. 6.<br />

8. Raimundo, M., op. cit., p. 12.


30 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

no fundo, é ter um feeling, uma intuição;<br />

mas estes têm de ser, ainda<br />

assim, fundamentados, não podem<br />

ser arbitrários.<br />

8.6. Certos fundos ou outros bens,<br />

independentemente do montante<br />

ou valor envolvido<br />

Esta parte norma refere-se à causa<br />

do conhecimento da operação suspeita,<br />

ou seja, àquilo com base em<br />

que as entidades bancárias formam<br />

as suas suspeitas sobre determinadas<br />

operações: é por existirem ou<br />

estarem a ser movimentados certos<br />

uma das razões das suspeitas que a<br />

presente lei visa prevenir e combater.<br />

Ou seja, uma operação é suspeita,<br />

para efeitos da presente lei,<br />

porque se suspeita, se desconfia, que<br />

determinados fundos ou bens dessa<br />

operação provêm de atividades criminosas.<br />

Ao referir-se a fundos ou<br />

bens que provêm de atividades criminosas,<br />

a norma está a remeter-<br />

-nos para o branqueamento de capitais,<br />

tal como definido no art. 2.º,<br />

n.º 1, al. j) 12 .<br />

8.8. Estão relacionados com o<br />

financiamento do terrorismo<br />

O não cumprimento do dever de comunicação de operações<br />

suspeitas pelas entidades obrigadas pode acarretar diversas<br />

consequências<br />

telligence Unit que recebe e analisa<br />

todas as comunicações de operações<br />

suspeitas» 9 . O DCIAP é um órgão<br />

integrado na estrutura do MP, ao<br />

qual compete coordenar e dirigir a<br />

investigação e a prevenção de determinado<br />

tipo de criminalidade, entre<br />

a qual se encontra, precisamente, o<br />

terrorismo e o branqueamento de<br />

capitais 10 . A UIF é a unidade central<br />

nacional com competência, nomeadamente,<br />

para receber, analisar<br />

e difundir a informação resultante<br />

de comunicações de operações suspeitas<br />

nos termos da presente lei e<br />

para cooperar com as congéneres internacionais<br />

e as demais entidades<br />

competentes 11 .<br />

8.5. Sempre que saibam,<br />

suspeitem ou tenham razões<br />

suficientes para suspeitar<br />

A norma identifica em que casos é<br />

que o dever de comunicação deve ser<br />

cumprido, determinando que o deve<br />

ser sempre que as entidades bancárias<br />

saibam, suspeitem ou tenham<br />

razões suficientes para suspeitar de<br />

determinadas operações. Vejamos:<br />

(i) o verbo «saber» pressupõe conhecimento<br />

efetivo da natureza suspeita<br />

da operação; (ii) o verbo «suspeitar»<br />

indica um conhecimento meramente<br />

indiciário: há uma probabilidade<br />

de a operação ser suspeita; (iii)<br />

a parte «tenham razões para suspeitar»<br />

indica um conhecimento ainda<br />

mais residual, abaixo de suspeitar;<br />

fundos ou outros bens que as entidades<br />

bancárias recolhem suspeitas<br />

de envolvimento no branqueamento<br />

e no financiamento de terrorismo.<br />

Os «fundos» referem-se a quantias<br />

ou valor pecuniários, geralmente<br />

movimentos envolvendo dinheiro,<br />

que podem traduzir-se em depósitos,<br />

pagamentos em dinheiro ou<br />

através de cartão de crédito, emissão<br />

de cheques, resgates de contas,<br />

aplicações em ações ou em fundos de<br />

investimento, aquisições de moeda<br />

estrangeira, etc. Os «outros bens»<br />

referem-se a quaisquer coisas que<br />

possam estar relacionadas com as<br />

operações. Por exemplo: títulos de<br />

crédito, cheques, ouro, ações, etc.<br />

8.7. Provêm de atividades<br />

criminosas<br />

Esta parte da norma corporiza<br />

Este trecho normativo corporiza<br />

a segunda razão das suspeitas que a<br />

presente lei visa prevenir e combater.<br />

Ou seja, uma operação também<br />

é suspeita, para efeitos da presente<br />

lei, porque se suspeita, se desconfia,<br />

que determinados fundos ou bens<br />

dessa operação estão relacionados<br />

com o financiamento do terrorismo.<br />

Ao referir-se a fundos ou bens que<br />

estão relacionados com o financiamento<br />

do terrorismo, a norma está<br />

a remeter-nos para o próprio financiamento<br />

do terrorismo, definido no<br />

art. 2.º, n.º 1, al. s).<br />

9. Conclusão<br />

O dever de comunicação de operações<br />

suspeitas está previsto, essencialmente,<br />

nos arts. 11.º, n.º 1, al.<br />

c), 43.º e 44.º da Lei n.º 83/2017,<br />

a qual procurou transpor a Diretiva<br />

2015/849/UE, do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho. O núcleo essencial<br />

do artigo é aquele que consta<br />

do n.º 1 do artigo 43.º, que procurámos<br />

aqui densificar. Este dever<br />

deve, porém, ser complementado<br />

pelas demais normas enunciadas,<br />

às quais não se dá cobertura por<br />

razões relativas à economia do presente<br />

texto.<br />

9. Casimiro Nunes, C., “O Ministério Público na prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo”, in: Revista do Ministério Público, Ano 39, N.º 153, janeiro/março 2018,<br />

Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: Lisboa, 2018 (pp. 93-140), p. 109. Sobre as razões que justificam o nosso sistema dual, cf. Casimiro Nunes, C., op. cit., pp. 109-116.<br />

10. Art. 58.º, n.º 1, al. g) e n.º 4, al. a), do Estatuto do MP (aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto).<br />

11. Art. 2.º, n.º 1, al. jj), incisos i) e ii).<br />

12. Sobre este conceito e sobre aquilo que o mesmo representa em termos de novidade relativamente ao regime anterior, cf. Salgueiro, A. C., “Branqueamento de capitais: da transposição da<br />

Diretiva (UE) 2015/849 à pertinência de uma quinta diretiva”, in: <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>, N.º 203, setembro/outubro 2017, <strong>Vida</strong> Económica: Porto, 2017, (pp. 28-29), p. 29.


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OPINIÃO | 31<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

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32 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

AML 5G: prevenção do branqueamento<br />

de capitais na era das FinTech<br />

A<br />

André Abrantes<br />

Associado Sénior da PLMJ<br />

relação entre a necessidade de<br />

aprofundamento dos deveres<br />

preventivos do branqueamento<br />

de capitais e do financiamento do<br />

terrorismo e o surgimento de novas<br />

propostas tecnológicas para a prestação<br />

de serviços bancários e financeiros<br />

é marcada pela tensão entre os<br />

objetivos de proteção do sistema financeiro<br />

e prevenção da sua utilização<br />

para branqueamento de capitais<br />

e o de estímulo ao desenvolvimento<br />

tecnológico e aproveitamento da inovação<br />

para a melhoria na prestação<br />

de serviços bancários e financeiros.<br />

A compatibilização destes objetivos<br />

no ambiente regulatório atual é um<br />

dos principais desafios das autoridades<br />

reguladoras. Este desafio é tão<br />

mais difícil quão mais rápido é o desenvolvimento<br />

tecnológico que, pela<br />

natureza destes processos de destruição<br />

criativa, andará sempre um passo<br />

à frente das autoridades reguladoras e<br />

da legislação e regulamentação.<br />

Os reguladores, por um lado, têm<br />

procurado aprofundar e densificar o<br />

elenco de deveres preventivos com<br />

o inerente aumento da carga burocrática<br />

associada ao seu cumprimento<br />

como modo de diminuir o risco<br />

de utilização do sistema financeiro<br />

para fins ilícitos, ao mesmo tempo<br />

que pretendem incentivar a inovação<br />

tecnológica, procurando, por outro<br />

lado, não prejudicar o lançamento<br />

e desenvolvimento de novas formas<br />

de prestação de serviços financeiros<br />

e bancários com indiscutíveis benefícios<br />

para os clientes e para o incremento<br />

da concorrência no setor,<br />

embora comummente pretendendo<br />

enquadrar estas novas formas de<br />

prestação de serviços financeiros em<br />

quadros regulatórios preexistentes.<br />

No entanto, estas dificuldades poderão<br />

e deverão ser vistas como uma<br />

oportunidade de regular a utilização<br />

das novas tecnologias e de as aproveitar<br />

para um melhor e mais eficiente<br />

cumprimento dos deveres de prevenção<br />

do branqueamento de capitais,<br />

protegendo este novo segmento de<br />

mercado da sua eventual utilização<br />

para fins ilícitos. Com efeito, a propagação<br />

de um sentimento generalizado<br />

de desregulação ou de menor grau de<br />

“O surgimento das FinTech em substituição parcial<br />

das funções típicas da banca comercial é já um processo<br />

económico irreversível”<br />

cumprimento normativo das FinTech,<br />

acompanhado do incremento dos<br />

deveres de prevenção do branqueamento<br />

de capitais aplicáveis à designada<br />

banca tradicional, comporta o<br />

inevitável de risco de utilização das<br />

FinTech por agentes com objetivos<br />

ilícitos, algo indesejável para as próprias<br />

FinTech que pretendem não só<br />

evitar o risco reputacional associado<br />

a uma eventual ligação a atividades<br />

criminosas como também manter relações<br />

comerciais com entidades bancárias<br />

e outras entidades financeiras,<br />

muitas vezes essenciais para os seus<br />

modelos de negócio, as quais ficariam<br />

prejudicadas num cenário em que<br />

uma Fintech pudesse ser qualificada<br />

como cliente de alto risco.<br />

O esforço de adaptação da legislação<br />

à inovação tecnológica é essencial<br />

para garantir que os sistemas jurídicos<br />

conseguem prevenir eficazmente<br />

o branqueamento de capitais, sendo<br />

certo que o surgimento das FinTech,<br />

em substituição parcial das funções<br />

típicas da banca comercial, é já<br />

um processo económico irreversível,<br />

devendo a legislação ser neutral<br />

e não servir como instrumento para<br />

a proteção da banca tradicional (nomeadamente<br />

através da imposição<br />

de um excesso de obrigações regulatórias<br />

não necessariamente aliadas a<br />

uma maior eficácia na prevenção do<br />

branqueamento de capitais).<br />

Por outro lado, a tecnologia utilizada<br />

pelas FinTech poder-se-á revelar<br />

mais eficaz de que os meios tradicionais<br />

de cumprimento dos designados<br />

deveres de identificação (vulgo KYC)<br />

e diligência, porquanto estas entidades<br />

poderão ter acesso a um nível superior<br />

de informação, ainda que não<br />

expressamente solicitada e transmitida<br />

pelos clientes, nomeadamente a<br />

constante nos dispositivos de comunicação,<br />

desde que, naturalmente, em<br />

respeito pela legislação aplicável em<br />

matérias de dados pessoais.<br />

Aliás, sempre se refira que uma<br />

postura excessivamente conservadora<br />

dos reguladores portugueses sempre<br />

se revelaria ineficaz e prejudicial para<br />

as instituições com sede ou sucursal<br />

em Portugal, porquanto o princípio<br />

de aplicação da lei de prevenção do<br />

branqueamento de capitais do estado-membro<br />

de origem às entidades<br />

que prestem serviços noutros estados-<br />

-membros em regime de livre prestação<br />

de serviços, solução acolhida na<br />

nossa Lei 83/2017, de 18 de Agosto,<br />

sempre permitiria que entidades<br />

financeiras a desenvolver atividade<br />

em Portugal ao abrigo deste regime<br />

pudessem beneficiar das regras do seu<br />

Estado-membro ao operar em Portugal,<br />

ganhando assim uma vantagem<br />

competitiva face a outras FinTech<br />

nacionais.<br />

Neste sentido, o Banco de Portugal


OPINIÃO | 33<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

já iniciou esse caminho no seu Aviso<br />

2/2018, que regulamenta a Lei n.º<br />

83/2017, de 18 de Agosto, no qual<br />

já se prevê a possibilidade de recurso<br />

à videoconferência (apenas para a<br />

identificação de pessoas singulares)<br />

ou o recurso aos designados prestadores<br />

de serviços de confiança 1 prevista<br />

no Regulamento (UE) n.º 910/2014,<br />

prevendo-se um conjunto de requisitos<br />

à admissibilidade de utilização<br />

destes meios comprovativos, tais<br />

como: (i) exigência de que a entrega<br />

de fundos inicial seja efetuada através<br />

de meio rastreável que permita a<br />

identificação do ordenante, com origem<br />

em conta aberta junto de entidade<br />

financeira em país que aplique<br />

legislação equivalente em matéria de<br />

prevenção do branqueamento de capitais;<br />

(ii) obrigatoriedade de recolha<br />

de cópia simples dos documentos de<br />

identificação dos clientes em suporte<br />

físico ou eletrónico; (iii) controlo<br />

pelas entidades financeiras da fiabilidade<br />

e autenticidade da cópia simples<br />

dos documentos de identificação dos<br />

clientes como requisito para a aceitação<br />

dos meios à distância como suficientes.<br />

No mesmo sentido, espera-se<br />

que a versão final do projeto de Regulamento<br />

da CMVM em matéria de<br />

prevenção ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento do terrorismo,<br />

colocado em consulta pública em <strong>Fev</strong>ereiro<br />

de 2019, aprofunde o caminho<br />

iniciado pelo Banco de Portugal<br />

neste domínio, prevendo e regulando<br />

a possibilidade de utilização de meios<br />

comprovativos à distância, algo que<br />

se encontrava omisso no projeto de<br />

regulamento inicialmente divulgado.<br />

Com efeito, é decisivo que a utilização<br />

de meios à distância que permitam<br />

o cumprimento de deveres<br />

de identificação e diligência seja regulada<br />

de forma clara, tanto no que<br />

respeita à sua admissibilidade em<br />

conjunto com a adoção de medidas<br />

simplificadas, quanto também na<br />

sua aplicação para pessoas coletivas,<br />

na medida em que legislação e regulamentação<br />

existente nesta matéria<br />

em Portugal ainda nos parece essencialmente<br />

focada no cumprimento<br />

destes deveres em relação a clientes<br />

pessoas singulares. Com efeito, a informação<br />

constante no registo comercial<br />

aliada àquela que é possível<br />

extrair no recente Registo Central do<br />

Beneficiário Efetivo deverá permitir,<br />

pelo menos no que respeita a entidades<br />

que não apresentem um perfil<br />

de risco elevado, a adoção de mecanismos<br />

à distância para o designado<br />

“onboarding” de pessoas coletivas,<br />

reduzindo os custos de transação na<br />

aceitação de novos clientes sem prejuízo<br />

do cumprimento pelas Fintech<br />

de outros deveres preventivos no decurso<br />

da relação com os seus clientes<br />

e na análise da respetivas transações.<br />

Não se nega, no entanto, que a<br />

multiplicidade de FinTechs a atuar<br />

em vários Estados-membros, nomeadamente<br />

no mercado da prestação<br />

de serviços de pagamento, é<br />

suscetível de aumentar os riscos de<br />

utilização destas entidades para fins<br />

ilícitos, atendendo às menores estruturas<br />

de compliance destas entidades<br />

mas sobretudo à multiplicidade de<br />

prestadores, operações e jurisdições<br />

envolvidas que poderão dificultar a<br />

deteção de operações relacionadas.<br />

Estes riscos poderão ser mitigados<br />

“A tecnologia utilizada pelas FinTech poder-se-á revelar<br />

mais eficaz de que os meios tradicionais de cumprimento<br />

dos designados deveres de identificação (vulgo KYC)<br />

e diligência”<br />

através de uma maior coordenação<br />

entre as autoridades nacionais recetoras<br />

de reportes de atividades suspeitas<br />

ou, mesmo, através da criação<br />

de uma autoridade europeia que<br />

centralize estas comunicações e que<br />

seja capaz de cruzar as informações<br />

recebidas por várias entidades reportantes,<br />

permitindo mais facilmente<br />

detetar padrões de comportamento<br />

suspeito por parte de utilizadores de<br />

contas de pagamento em FinTechs,<br />

podendo inclusive estas plataformas<br />

emergir de sistemas de autorregulação<br />

destas entidades que pretendam<br />

limitar a exposição do setor a riscos<br />

de utilização ilegítima, incrementar<br />

a confiança nas mesmas e consolidar<br />

o seu papel na prestação de serviços<br />

financeiros e bancários.<br />

1 A lista de prestadores qualificados de serviços de confiança está prevista no Regulamento (UE) n.º 910/2014. A lista dos designados “trust service providers” poderá ser encontrada no<br />

website https://webgate.ec.europa.eu/tl-browser/#/, existindo serviços de reconhecimento mútuo e serviços de reconhecimento apenas a nível nacional.


34 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Branqueamento de Capitais: nem sempre um crime<br />

(às vezes um ato sem dono)<br />

Isabel de Paiva<br />

Advogada. Formada em Direito<br />

da Insolvência<br />

A frequentar a Pós-Graduação<br />

em Direito do Trabalho<br />

e da Segurança Social<br />

Muito se tem falado do Branqueamento<br />

de Capitais<br />

que, naturalmente, passou<br />

quase a ser um tema da moda. A falta<br />

de menção ao termo “crime” pode<br />

dizer-se que, em parte, é justificada,<br />

pois o Branqueamento de Capitais,<br />

por si só nem sempre é crime.<br />

O crime de Branqueamento ou<br />

Branqueamento de Capitais, como<br />

na gíria é conhecido, que no ordenamento<br />

jurídico português está previsto<br />

no artigo 368º-A do Código<br />

Penal, tem como objetivo encobrir<br />

a origem de bens e rendimentos obtidos<br />

ilicitamente, transformando-os<br />

em capitais reutilizáveis lícitos.<br />

Quanto à forma de consumação<br />

deste crime, as operações de conversão,<br />

transferência, ocultação e dissimulação<br />

dos bens e rendimentos são<br />

crimes de resultado e as operações<br />

de auxílio e facilitação são crimes<br />

de mera atividade.<br />

De certa forma, poderá dizer-se<br />

que o crime de Branqueamento não<br />

é totalmente autónomo. Na verdade,<br />

este crime depende da existência<br />

de um crime precedente. Para que a<br />

prática do crime de Branqueamento<br />

se verifique é necessário que a vantagem<br />

que se pretende converter,<br />

transferir, ocultar ou dissimular seja<br />

Para que uma pessoa seja condenada pela prática<br />

de um crime de Branqueamento tem, obrigatoriamente,<br />

que ter sido cometido um crime em momento anterior<br />

decorrente de um facto ilícito anterior.<br />

Ou seja, para que uma pessoa<br />

seja condenada pela prática de um<br />

crime de Branqueamento tem, obrigatoriamente,<br />

que ter sido cometido<br />

um crime em momento anterior,<br />

que deu origem à vantagem ilícita<br />

que será encoberta através da prática<br />

de um crime de Branqueamento.<br />

Assim, os crimes precedentes são,<br />

entre outros, o crime de lenocínio,<br />

abuso sexual de crianças ou de menores<br />

dependentes, extorsão, tráfico<br />

de estupefacientes e substâncias psicotrópicas<br />

e tráfico de armas.<br />

Fica então a dúvida de quem são os<br />

verdadeiros lesados pela prática deste<br />

crime e o bem jurídico protegido.<br />

Bem, no que concerne ao crime<br />

de Branqueamento, é certo que o<br />

bem jurídico protegido será sempre<br />

o mesmo, a realização da justiça. No<br />

entanto, o bem jurídico protegido<br />

dos crimes precedentes não é, nem<br />

A pena aplicada ao crime de Branqueamento não pode<br />

ser superior ao limite máximo da pena mais elevada<br />

de entre as previstas para os factos ilícitos típicos<br />

de onde provêm as vantagens<br />

poderia ser, sempre o mesmo.<br />

Por exemplo, se o crime de Branqueamento<br />

for cometido através de<br />

uma vantagem ilícita obtida pela<br />

prática de um crime de Extorsão, o<br />

verdadeiro lesado será a vítima do<br />

primeiro crime cometido e o bem<br />

jurídico aí protegido, além da realização<br />

da justiça será, também, o<br />

património da pessoa.<br />

Por outro lado, se o crime de Branqueamento<br />

for cometido através de<br />

uma vantagem ilícita decorrente da<br />

prática de Lenocínio, o bem jurídico<br />

protegido, além da realização<br />

da justiça será também a liberdade<br />

sexual da pessoa que se dedica à<br />

prostituição e podem existir um ou<br />

mais lesados.<br />

Existem ainda crimes precedentes<br />

em que o lesado poderá ser o Estado.<br />

A nível de punição, a pessoa que<br />

comete o crime precedente e o crime<br />

de Branqueamento será condenada<br />

pela prática dos dois crimes, no entanto,<br />

a pena aplicada ao crime de<br />

Branqueamento não pode ser superior<br />

ao limite máximo da pena mais<br />

elevada de entre as previstas para os<br />

factos ilícitos típicos de onde provêm<br />

as vantagens, ou seja, não pode<br />

ser superior à prevista para o crime<br />

precedente.<br />

O Branqueamento de Capitais envolve<br />

uma quantidade enorme de dinheiro<br />

e, por essa razão, os impactos<br />

originados pelo cometimento deste<br />

crime a nível social e económico é<br />

impressionante.<br />

A globalização dos mercados e os<br />

avanços das tecnologias permitiram<br />

às organizações criminosas alargarem<br />

a sua atividade para todo o<br />

mundo, conseguindo branquear o<br />

capital através de um “click”.<br />

Além disso, o facto de este crime<br />

puder ser cometido além-fronteiras<br />

e apenas com o acesso à internet,<br />

tornou a sua detenção mais difícil.<br />

Esta facilidade na “lavagem” de


OPINIÃO | 35<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

dinheiro é uma “galinha de ovos de<br />

ouro” para os traficantes, terroristas<br />

e comerciantes ilegais que podem<br />

expandir a sua atividade criminosa<br />

e dissimular a vantagem ilícita com<br />

mais facilidade.<br />

Para este fim, são, também, muitas<br />

vezes criadas as designadas “empresas<br />

de fachada” que servem para<br />

misturar os rendimentos obtidos<br />

através das atividades ilícitas com<br />

rendimentos provenientes de atividades<br />

lícitas.<br />

No entanto, acontece que muitas<br />

destas empresas acabam por fechar<br />

de um momento para o outro, causando<br />

prejuízos a quem com elas<br />

trabalhava.<br />

A criação destas “falsas empresas”,<br />

a maior parte das vezes, não visa a<br />

obtenção de lucros e do crescimento<br />

da economia, mas sim a proteção<br />

dos rendimentos obtidos ilicitamente.<br />

A facilidade com que hoje em dia se comete este crime,<br />

de certa forma, atrai as pessoas para o cometimento<br />

do mesmo, uma vez que a perseguição destas quantias<br />

dissimuladas se torna muito difícil<br />

A nível social, os impactos são<br />

também bastante relevantes desde<br />

logo porque as pessoas que são contratadas<br />

para trabalhar nestas empresas<br />

podem perder os seus postos<br />

de trabalho de um momento para o<br />

outro, criando desde logo uma situação<br />

de desemprego em que não<br />

conseguem nem têm como reaver os<br />

créditos laborais devidos.<br />

Também as empresas que trabalham<br />

para as “empresas de fachada”<br />

ficam numa posição sensível, por<br />

vezes, na iminência de um processo<br />

de insolvência.<br />

Além disso, a facilidade com que<br />

hoje em dia se comete este crime,<br />

de certa forma, atrai as pessoas para<br />

o cometimento do mesmo, uma vez<br />

que a perseguição destas quantias<br />

dissimuladas se torna muito difícil.<br />

Basta equacionarmos a possibilidade<br />

de certa quantia ilícita circular<br />

por um elevado número de contas<br />

bancárias espalhadas por todo o<br />

mundo, de forma a que o seu rasto<br />

seja perdido. Nestas circunstâncias é<br />

praticamente impossível seguir estas<br />

transferências, face à rapidez com<br />

que elas se realizam.<br />

De forma a tentar combater o<br />

branqueamento de capitais, entrou<br />

já em vigor a Lei 83/2017, de 18 de<br />

agosto, que estabelece medidas de<br />

natureza preventiva e repressiva de<br />

combate à prática deste crime.<br />

Esta é uma lei mais extensa que a<br />

Esta lei introduz novos conceitos, legitima o acesso<br />

às informações por parte das autoridades fiscais e alarga<br />

o âmbito das entidades sujeitas às medidas impostas<br />

anterior – já revogada – e introduz<br />

novos conceitos, legitima o acesso às<br />

informações por parte das autoridades<br />

fiscais e alarga o âmbito das entidades<br />

sujeitas às medidas impostas.<br />

Com a entrada em vigor desta lei<br />

o objetivo é que a prática do crime<br />

de Branqueamento se torne mais<br />

denunciada de forma a que os seus<br />

autores sejam punidos.<br />

Espera-se, ainda, uma diminuição<br />

da prática deste crime e, em<br />

consequência, uma diminuição dos<br />

impactos económicos e sociais que<br />

advêm do mesmo.<br />

Contudo, o normal crescimento<br />

e desenvolvimento do mundo atual<br />

a nível científico e tecnológico andará<br />

sempre de mãos dados com o<br />

cometimento de crimes como, de<br />

igual forma, poderá aliar-se à detenção<br />

dos mesmos.<br />

Mais do que um crime, fala-se<br />

da prova do seu cometimento… e<br />

que prova!


36 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Compliance, o seis mais três<br />

(e as lições de Arturo Ui)<br />

Rui Patrício<br />

Sócio da Morais Leitão<br />

Venho dizendo, e escrevendo,<br />

desde há muito que seis passos<br />

são essenciais no compliance, e<br />

até já escrevi algo como “compliance<br />

e a dieta dos seis passos”. Aí dizia<br />

que dietas estão – aliás, não é de agora<br />

– na moda, mas fazê-las de qualquer<br />

modo, começar e não acabar e/<br />

ou não seguir os passos todos pode<br />

ser inútil, contraproducente ou até<br />

perigoso. E dizia também que com o<br />

compliance passa-se a mesma coisa, e<br />

é de tal forma algo que, depois de se<br />

estranhar (há dez anos ainda se perguntava<br />

“o quê?”), se entranhou entre<br />

nós que muitas vezes se faz de qualquer<br />

maneira, ou com a intervenção<br />

de qualquer um, ou começa-se e não<br />

se acaba, ou não se tem em conta que<br />

só tem utilidade ou não se volta contra<br />

a instituição/empresa se se seguir<br />

um caminho cuidado e completo. E<br />

onde está na frase anterior “ou” poderia<br />

estar também “e”, pois os erros<br />

podem ser cumulativos. E quanto ao<br />

caminho a fazer, do princípio ao fim,<br />

e com cautela e acompanhamento de<br />

quem sabe, ele é como uma verdadeira,<br />

própria, eficaz e saudável dieta.<br />

Tem de ter pelo menos seis passos,<br />

pelo que costumava chamar-lhe, e até<br />

o escrevi em título como já disse (num<br />

texto que aqui sigo de perto), “a dieta<br />

dos seis passos”. Não que eu tenha a<br />

pretensão de saber muito do assunto,<br />

mas interesso-me por ele e cultivo-o há<br />

muito, desde os tempos em que o verbo<br />

era ainda estranhar, e não o sedutor<br />

entranhar de hoje, pelo que alguma<br />

coisa vou aprendendo e sabendo.<br />

O primeiro passo é avaliar a situação,<br />

fazer o diagnóstico, ponderar a<br />

realidade concreta em causa e o quadro<br />

e o contexto da mesma, e ver bem<br />

quais são as necessidades, as obrigações,<br />

os prós e os contras. E, como<br />

nas dietas, cada corpo é único, pelo<br />

que copiar ou recorrer sem mais ao<br />

pronto-a-vestir tem inconvenientes,<br />

insuficiências e riscos. O mesmo é<br />

O compliance é para levar a sério, e não é para fingir<br />

ou para se fazer jogos florais. Quando se parte para ele,<br />

parte-se mesmo, e com consciência das exigências,<br />

dos riscos e dos cuidados. E que é algo que uma vez iniciado<br />

não acaba mais<br />

dizer que – e isso vale também para<br />

o segundo passo, que é o de elaborar,<br />

desenhar, tecer, construir, coser, cerzir<br />

e dar os acabamentos – é sempre preferível<br />

um caminho tailor made, mesmo<br />

que saia mais caro e mais trabalhoso.<br />

Mas – já se sabe, especialmente<br />

num tempo de abuso de provérbios e<br />

clichés – o barato pode sair caro. E,<br />

depois de feito o fato, há que ter em<br />

conta que o corpo e o meio onde ele<br />

se move são organismos vivos, pelo<br />

que o fato não pode ficar emoldurado,<br />

tem de ser acompanhado na sua vida<br />

e no seu uso, e adaptado sempre que<br />

preciso. Este ponto é crucial, e prende-se<br />

muito, embora todos os outros<br />

(no como, não tanto no se) também,<br />

com um dos três elementos que aqui<br />

adicionarei aos “seis passos”. Mas já lá<br />

vamos. Para já repito, isto é essencial, e<br />

não é só abanar a cabeça concordantemente<br />

em conferências e em palestras,<br />

é ser consequente com esse abanar.<br />

E é também de vida que falam os<br />

terceiro e quarto passos, que são comunicar<br />

e formar. De nada serve ter<br />

um bonito programa de compliance,<br />

um elaborado código de conduta, um<br />

conjunto catita e bem apessoado de<br />

regras de procedimento e de integridade<br />

empresarial ou institucional,<br />

um elenco de princípios ou regras de<br />

defesa corporativa, ou um mais vasto<br />

programa de prevenção de riscos, se<br />

os mesmos não forem comunicados<br />

aos seus atores e estes não forem devida<br />

e regularmente formados sobre<br />

os seus meandros, conteúdos, propósitos,<br />

pontos e vírgulas. É verdade<br />

que nestas coisas conta muito a<br />

obra e a moldura, mas depois disso,<br />

e para além do imprescindível tom e<br />

impulso vindo do topo, são fundamentais<br />

a capilaridade e, também,<br />

uma regular vivência bottom up. Não<br />

sendo assim, é como com os quadros<br />

expostos em museus onde ninguém<br />

vai, estão mortos e pesam na parede.<br />

E a formação tem também de passar<br />

e garantir a ideia de que cada um na<br />

instituição, além da obrigação, tem<br />

as “costas quentes” para cumprir, e<br />

para exigir cumprimento, ou mesmo<br />

denunciar, se for o caso.<br />

Finalmente, fechando o caminho<br />

desta “dieta” – que, aliás, deve ser circular,<br />

porque viva, se quiserem mimetizando<br />

o chamado ciclo de melhoria<br />

contínua (o ciclo PDCA, plan, do, check,<br />

action) –, temos as quinta e sexta<br />

estações, que são vigiar e punir (mas<br />

em sentido mais benigno do que o da<br />

obra de Foucault). Fiscalizar o cumprimento<br />

do programa, do código,<br />

do manual, acompanhar a sua vivência<br />

pelo topo, pelo meio e pelas bases,<br />

com atenção e com independência. E<br />

sancionar, se e quando for necessário.<br />

Não é preciso cortar mãos, narizes e<br />

orelhas, como nos tempos da febre da<br />

borracha no Congo sob a soberania de<br />

Leopoldo, mas sem uma censura dos<br />

comportamentos desviantes o caminho<br />

não se completa e não frutifica,


OPINIÃO | 37<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

nas várias e imprescindíveis vertentes<br />

do compliance.<br />

Isto, mais coisa menos coisa (menos,<br />

porque agora aperfeiçoei e desenvolvi,<br />

como sempre se faz quando<br />

se acrescenta uma camada ao palimpsesto),<br />

escrevi e dizia eu no tal roteiro<br />

de seis estações. Mas há três pontos<br />

mais, que são essenciais, e transversais<br />

a tudo isto. E são todos eminentemente<br />

culturais, no sentido de necessariamente<br />

terem de estar enraizados no<br />

modo de ser e de agir da empresa ou<br />

da instituição.<br />

O primeiro diz-nos que o compliance<br />

é para levar a sério, e não é para fingir<br />

ou para se fazer jogos florais. Quando<br />

se parte para ele, parte-se mesmo,<br />

e com consciência das exigências, dos<br />

riscos e dos cuidados. E que é algo<br />

que uma vez iniciado não acaba mais,<br />

a não ser que se queira correr o risco<br />

(tão grande ou maior do que nos casos<br />

de inércia) de abortar ou parar a<br />

um terço, a meio ou a dois terços do<br />

caminho – caminho que sempre se renova,<br />

se bifurca, se altera, em desafio<br />

constante. Se não há essa consciência<br />

e essa vontade (e coerência com elas),<br />

não vale a pena, e pode até ser contraproducente.<br />

O segundo diz-nos que<br />

uma coisa é a seriedade, bem como a<br />

firmeza, e outra a histeria (essa marca<br />

tão presente na modernidade). Nisto,<br />

como em tudo, tem de haver proporção,<br />

equilíbrio, bom senso, tanto mais<br />

que, apesar da cada vez maior regulamentação<br />

e da crescente exigência, o<br />

compliance continua umbilicalmente<br />

ligado a uma ideia de gestão do risco,<br />

e aí nunca pode deixar de haver<br />

Numa instituição ou numa<br />

empresa, o compliance<br />

tem que ser para todos,<br />

todos mesmo, e não há<br />

exceções. No dia em<br />

que há, seja no universo<br />

de destinatários, seja<br />

na tolerância<br />

ao incumprimento,<br />

seja nas consequências<br />

punitivas ou outras<br />

após constatação<br />

de incumprimento,<br />

então perdeu-se o fruto<br />

de grande parte<br />

de tudo o resto<br />

sensibilidade e bom senso. Não sensibilidade<br />

e bom senso no sentido de<br />

permissividade ou weakness, mas no<br />

sentido de balance.<br />

E o terceiro ponto serve para recordar<br />

e enfatizar que numa instituição<br />

ou numa empresa o compliance tem<br />

de ser para todos, todos mesmo, e<br />

não há exceções. No dia em que há,<br />

seja no universo de destinatários, seja<br />

na tolerância ao incumprimento, seja<br />

nas consequências punitivas ou outras<br />

após constatação de incumprimento,<br />

então perdeu-se o fruto de grande<br />

parte de tudo o resto. E é a instituição<br />

ou a empresa que fica em risco,<br />

seja sobre aquela questão concreta,<br />

impedida ou fragilizada ou diminuída<br />

na sua defesa, seja para o futuro,<br />

quer em termos simbólicos, quer em<br />

termos práticos. Por muito que custe,<br />

sobretudo numa cultura amiga (tantas<br />

vezes de mais), diplomática e afetiva<br />

como a nossa, ainda muito dominada<br />

por um nacional-porreirismo (sob<br />

o qual se acobertam iguais doses de<br />

bons e de maus sentimentos), no compliance<br />

não pode haver contemplações.<br />

Como se diz na peça magistral<br />

de Brecht “A Ascensão de Arturo Ui”,<br />

uma peça sobre exceções e seres e situações<br />

tidos por excecionais, “quando<br />

cada um faz o que quer e o que o<br />

egoísmo lhe inspira, isto significa que<br />

estão todos contra todos e é assim que<br />

se instala o caos”. Pois é. Isso é o contrário<br />

de uma cultura institucional. E<br />

uma erva daninha no compliance sério<br />

e levado a sério.


38 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

A transposição da(s) Diretiva(s) em matéria<br />

de combate ao branqueamento de capitais<br />

Jorge Serrote<br />

Advogado Associado Senior<br />

da DLA Piper<br />

No passado dia 12 de fevereiro<br />

a Comissão Europeia anunciou,<br />

no quadro da adoção do<br />

seu pacote mensal de processos de<br />

infração aos Estados-membros por<br />

incumprimento da legislação comunitária,<br />

que Portugal não tinha ainda<br />

notificado Bruxelas de quaisquer<br />

medidas de execução relativamente<br />

à Diretiva (UE) 2018/843 do Parlamento<br />

Europeu e do Conselho, de<br />

30 de maio relativa à prevenção da<br />

utilização do sistema financeiro para<br />

efeitos de branqueamento de capitais<br />

ou de financiamento do terrorismo<br />

(usualmente denominada como<br />

quinta diretiva relativa ao branqueamento<br />

de capitais), que deveria ter<br />

sido integralmente transposta até 10<br />

de <strong>Jan</strong>eiro.<br />

Só a 20 de fevereiro o Conselho de<br />

Ministros aprovou uma Proposta de<br />

Lei que procede à transposição da referida<br />

Diretiva para o ordenamento<br />

jurídico português da quinta e, adicionalmente<br />

e cumulativamente com<br />

- sem que tal fosse previsível - a transposição<br />

da Diretiva (UE) 2018/1673,<br />

de 23 de outubro, do Parlamento<br />

Europeu e do Conselho, relativa ao<br />

combate ao branqueamento de capitais<br />

através do direito penal.<br />

Torna-se assim necessário analisar o<br />

impacto da implementação das referidas<br />

Diretivas na legislação nacional.<br />

A quinta diretiva visa, entre outros<br />

aspetos, reforçar os poderes das<br />

Unidades de Informação Financeira,<br />

aumentar a transparência em torno<br />

das informações sobre os beneficiários<br />

efetivos, bem como regulamentar<br />

as moedas virtuais e os cartões pré-<br />

-pagos em matéria de prevenção do<br />

branqueamento de capitais.<br />

No âmbito das medidas relativas<br />

às criptomoedas e a outros ativos virtuais<br />

pretende-se o combate aos riscos<br />

Só a 20 de fevereiro o Conselho de Ministros aprovou uma<br />

Propos ta de Lei que procede à transposição da referida<br />

Diretiva para o ordena mento jurídico português da quin ta e,<br />

adicionalmente e cumulativa mente com - sem que tal fosse<br />

pre visível - a transposição da Diretiva (UE) 2018/1673, de 23<br />

de outubro, do Parlamento Europeu e do Con selho, relativa ao<br />

combate ao bran queamento de capitais através do direito penal<br />

relativos à anonimidade associada aos<br />

mesmos, considerando a aceitação<br />

destes como meio de pagamento e o<br />

facto de poderem ser transferidos, armazenados<br />

e comercializados por via<br />

eletrónica. Assim, as entidades e os<br />

prestadores de serviços que exerçam<br />

atividades económicas relacionadas<br />

com estes ativos passarão a estar sujeitos<br />

à supervisão do Banco de Portugal,<br />

designadamente em matéria<br />

de prevenção do branqueamento de<br />

capitais e do financiamento do terrorismo.<br />

Será assim necessário alterar a<br />

Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (lei<br />

relativa ao combate ao branqueamento<br />

de capitais e ao financiamento do<br />

terrorismo), por forma a acomodar<br />

esta nova realidade.<br />

Outra matéria abrangida pela Proposta<br />

de Lei que aqui analisamos, e<br />

que implica a alteração da Lei n.º<br />

83/2017, de 18 de agosto, bem como<br />

o Regime Jurídico do Registo Central<br />

do Beneficiário Efetivo, prende-se<br />

com a necessidade de garantir uma<br />

maior transparência das estruturas<br />

societárias e de outras pessoas coletivas,<br />

dos trusts e dos centros de interesses<br />

coletivos sem personalidade<br />

jurídica similares.<br />

Conforme anteriormente referido,<br />

a Proposta de Lei veio também proceder<br />

à transposição, da Diretiva (UE)<br />

2018/1673 do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 23 de outubro<br />

de 2018, sem que tal fosse expectável<br />

- até mesmo porque a data limite<br />

de transposição é 3 de dezembro de<br />

<strong>2020</strong> . Esta Diretiva define as infrações<br />

penais e sanções no domínio do<br />

branqueamento de capitais, com vista<br />

a facilitar a cooperação policial e judiciária<br />

entre os países da União Europeia.<br />

Por outro lado, permite também<br />

aos Estados-Membros criminalizar as<br />

situações em que o autor da infração<br />

“suspeitasse ou devesse ter sabido que<br />

os bens provinham de uma atividade<br />

criminosa”, alargando assim o espectro<br />

das condutas associadas ao crime<br />

de branqueamento de capitais<br />

No âmbito da transposição desta<br />

Diretiva, o Governo esclareceu em<br />

comunicado que o ordenamento jurídico<br />

nacional se encontra já dotado<br />

dos mecanismos substantivos e<br />

processuais necessários à prevenção e<br />

combate ao crime de branqueamento,<br />

estando em linha com os principais<br />

instrumentos de direito internacional<br />

e com as recomendações e<br />

orientações do Grupo de Acão Financeira<br />

Internacional (GAFI). Com<br />

efeito, no que se refere ao direito penal,<br />

lê-se no Relatório de Avaliação<br />

Mútua de Portugal de dezembro de<br />

2017, aprovado pelo GAFI, que «as<br />

sanções penais aplicáveis são proporcionais<br />

e dissuasivas».<br />

No entanto, para que a transposição<br />

da Diretiva (UE) 2018/1673 seja


OPINIÃO | 39<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

plenamente realizada, será necessário<br />

alargar o quadro de ilícitos típicos<br />

subjacentes ao crime de branqueamento<br />

e o espectro das suas condutas<br />

típicas, bem como agravar a moldura<br />

penal nos casos em que o infrator é<br />

uma entidade obrigada, e cometa a<br />

infração no exercício das suas atividades<br />

profissionais.<br />

Neste sentido é possível notar que<br />

algumas das infrações referidas pela<br />

Diretiva (UE) 2018/1673 e especificadas<br />

noutros atos jurídicos da União<br />

Europeia não se encontram ainda, na<br />

sua integralidade, abrangidas pelo artigo<br />

368.º-A do Código Penal. Desta<br />

forma, parece necessário que a Proposta<br />

de Lei preveja que o catálogo<br />

dos ilícitos típicos subjacentes ao crime<br />

de branqueamento seja revisto e<br />

alargado.<br />

Em concreto estabelece a Diretiva<br />

que os seguintes comportamentos,<br />

quando cometidos intencionalmente,<br />

constituem uma infração penal:<br />

i) transferência ou conversão de bens<br />

(ativos de qualquer tipo), com conhecimento<br />

de que esses bens provêm de<br />

uma atividade criminosa, com o fim<br />

de encobrir ou dissimular a sua origem<br />

ilícita ou de auxiliar quaisquer<br />

pessoas implicadas nessa atividade a<br />

furtarem-se às consequências jurídicas<br />

dos seus atos; ii) encobrimento ou<br />

dissimulação da verdadeira natureza,<br />

origem, localização, utilização, circulação<br />

ou propriedade de determinados<br />

bens com conhecimento de que<br />

tais bens provêm de uma atividade<br />

criminosa; iii) aquisição, detenção<br />

ou utilização de bens, com conhecimento,<br />

no momento da sua receção,<br />

de que provêm de uma atividade criminosa;<br />

iv) cumplicidade, instigação<br />

e tentativa relativas a estas infrações.<br />

Adicionalmente, a Diretiva determina<br />

que os seguintes comportamentos<br />

são considerados como atividade<br />

criminosa, ou seja, relevantes para o<br />

crime de branqueamento de capitais:<br />

i) qualquer tipo de envolvimento criminoso<br />

na prática de uma infração<br />

que, nos termos do direito nacional,<br />

É im portante que a discussão da Propos ta de Lei seja<br />

acompanhada de um envolvimento dos stakeholders, em<br />

particular os reguladores, para ga rantir uma fundamentação<br />

teórica e prática que responda às várias exi gências sempre<br />

colocadas por uma reforma desta dimensão<br />

seja punível com pena ou medida de<br />

segurança privativa de liberdade de<br />

duração máxima superior a 1 ano<br />

ou um limiar mínimo superior a 6<br />

meses; e ii) desde que tal comportamento<br />

não esteja já abrangido pela<br />

categoria atrás referida, as infrações<br />

constantes de uma lista de 22 categorias<br />

designadas de crimes, incluindo<br />

todas as infrações definidas pela legislação<br />

da UE designada pela Diretiva.<br />

A Diretiva prevê ainda que as infrações<br />

abranjam os bens que provenham<br />

de comportamentos que<br />

tenham tido lugar noutro país da<br />

União Europeia ou mesmo num país<br />

terceiro, quando os comportamentos<br />

subjacentes constituíssem atividade<br />

criminosa caso tivessem ocorrido<br />

em território nacional. Os Estados-<br />

-Membros devem assim garantir que<br />

as pessoas que cometeram ou que<br />

estiveram envolvidas nesta atividade<br />

criminal são devidamente punidas.<br />

Nesta matéria assume ainda relevo<br />

o designado “autobranqueamento”,<br />

Neste sentido é possível notar que algumas das infrações<br />

referidas pela Diretiva (UE) 2018/1673 e espe cificadas<br />

noutros atos jurídicos da União Europeia não se encontram<br />

ainda, na sua integralidade, abran gidas pelo artigo 368.º-A do<br />

Código Penal. Desta forma, parece necessá rio que a Proposta<br />

de Lei preveja que o catálogo dos ilícitos típicos subja centes<br />

ao crime de branqueamento seja revisto e alargado<br />

isto é, quando certos tipos de atividades<br />

de branqueamento de capitais são<br />

cometidas pelo autor da atividade criminosa<br />

que gerou os bens, impondo<br />

a Diretiva que os Estados-Membros<br />

assegurem a sua punição.<br />

Adicionalmente, determina a Diretiva<br />

que os Estados-Membros devem<br />

assegurar a condenação por infrações<br />

de branqueamento de capitais uma<br />

vez determinada a proveniência criminosa<br />

dos bens, pese embora não<br />

se conheçam todos os elementos factuais<br />

ou todas as circunstâncias relacionadas<br />

com essa atividade, incluindo<br />

mesmo a identidade do autor da<br />

infração. Fica também previsto que<br />

a condenação por branqueamento de<br />

capitais não está dependente de uma<br />

condenação anterior ou simultânea<br />

por essa atividade criminosa que gerou<br />

os bens. Neste âmbito será necessário<br />

alterar o artigo 368.º-A do<br />

Código Penal.<br />

Em suma, a Proposta de Lei que<br />

será em breve discutida e aprovada<br />

na Assembleia da República levará<br />

a uma alteração de diversos diplomas<br />

legais em matéria de combate<br />

ao branqueamento de capitais e ao<br />

financiamento do terrorismo. É importante<br />

que a discussão da Proposta<br />

de Lei seja acompanhada de um<br />

envolvimento dos stakeholders, em<br />

particular os reguladores, para garantir<br />

uma fundamentação teórica<br />

e prática que responda às várias exigências<br />

sempre colocadas por uma<br />

reforma desta dimensão. Os próximos<br />

tempos representarão assim um<br />

desafio para as empresas, reguladores<br />

e para todos os que trabalham nesta<br />

matéria.


40 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

O overcompliance e o princípio da proporcionalidade<br />

na aplicação de normas relativas à prevenção<br />

e combate ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento do terrorismo<br />

Miguel de Azevedo Moura<br />

Professor Auxiliar<br />

da NOVA School of Law<br />

Passados mais de dois anos desde<br />

a entrada em vigor da Lei<br />

n.º 83/2017, de 18 de agosto<br />

(“LBC”) que estabelece no ordenamento<br />

jurídico português medidas<br />

de combate ao branqueamento de<br />

capitais e ao financiamento do terrorismo<br />

(“BCFT”), transpondo parcialmente<br />

– quase maioritariamente<br />

– a Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento<br />

Europeu e do Conselho (4.ª<br />

AMLD), já é tempo de fazer uma<br />

breve reflexão sobre o resultado da<br />

sua aplicabilidade prática. Aquilo<br />

que me preocupa – e que me ocupará<br />

nas próximas linhas – tem que ver<br />

com a forma como, de um ponto de<br />

vista comportamental, algumas entidades<br />

obrigadas têm vindo a adotar<br />

e aplicar certas políticas, procedimentos<br />

e medidas de execução no<br />

contexto do cumprimento dos deveres<br />

preventivos, em especial, dos<br />

deveres de identificação e diligência<br />

(“DID”) e de recusa.<br />

Desde o início do período de vigência<br />

da LBC que se tem assistido<br />

ao passar de diversas fases de “sensibilidade<br />

jurídico-social”. Encontro,<br />

pelo menos, três: (i) uma primeira<br />

fase de pânico sobre as “novas” regras<br />

impostas pela LBC que, em bom rigor,<br />

não consubstanciam uma verdadeira<br />

alteração paradigmática face ao<br />

regime jurídico anterior; (ii) uma<br />

segunda fase, reativa, de “aparente”<br />

excesso de compliance por parte<br />

das entidades obrigadas ligadas aos<br />

setores de atividade mais críticos,<br />

muito por “culpa” do modelo sancionatório<br />

e da má informação sobre<br />

o conteúdo do regime aplicável,<br />

tendo esta fase sido largamente exponenciada<br />

pela publicação de atos<br />

normativos regulamentares setoriais;<br />

e (iii) uma terceira fase – a atual – de<br />

ajuste do mercado ao overcompliance,<br />

como se este tivesse ganho uma<br />

luta de forças.<br />

Perante o medo generalizado e instalado<br />

sobre a forma como as entidades<br />

obrigadas deveriam conceber,<br />

“Algumas entidades obrigadas decidiram adotar um modelo<br />

hiper-rígido, transversal a qualquer relação de clientela”<br />

implementar ou ajustar as suas políticas<br />

e procedimentos internos de<br />

Know Your Customer (“KYC”) para<br />

efeitos do cumprimento dos deveres<br />

preventivos, e face ao modelo tripartido<br />

– já anteriormente conhecido<br />

– de aplicação de medidas de execução<br />

em função de graus de risco,<br />

algumas entidades obrigadas decidiram<br />

adotar um modelo hiper-rígido,<br />

transversal a qualquer relação<br />

de clientela. Estas características são<br />

mais sintomáticas quando o cliente<br />

é uma pessoa coletiva ou entidade<br />

equiparada. Neste modelo – e sem<br />

o dizer expressamente no texto das<br />

políticas internas – exige-se sempre<br />

ao cliente a identificação do(s) seu(s)<br />

beneficiário(s) efetivo(s), informação<br />

sobre a finalidade do negócio,<br />

origem e destino de fundos, entre<br />

outros elementos, sob pena de não<br />

se iniciar uma relação de negócio (ou<br />

transação ocasional).<br />

A ideia subjacente é a de que,<br />

existindo políticas e procedimentos<br />

ultra-rígidos nos quais se trata o<br />

cliente, por defeito, como um cliente<br />

de alto risco, exigindo como pressuposto<br />

necessário ao estabelecimento<br />

da relação comercial determinados<br />

elementos sem que tenha sido feita<br />

uma análise ao risco concreto, o<br />

cumprimento dos deveres legais se<br />

encontra assim plena e corretamente<br />

verificado. Este pretensiosismo<br />

de se ser o “bastião” da prevenção<br />

e combate ao BCFT, numa lógica<br />

de alta vigilância padronizada pode<br />

trazer consequências graves para o<br />

mercado como estamos, infelizmente,<br />

a assistir.<br />

Nem sempre o excesso de compliance<br />

é algo de positivo, que se<br />

pretende alcançar: ele pode ter um<br />

efeito perverso e nocivo, quer ao nível<br />

das condutas das entidades obrigadas<br />

e outros players do mercado,<br />

quer na forma como as autoridades<br />

setoriais exercem as suas prerrogativas.<br />

Ao contrário do que aquela<br />

conduta parece sugerir, a adoção de<br />

um modelo de medidas preventivas,<br />

abstrata e genericamente aplicável,<br />

sem o crivo da apreciação casuística<br />

é – isso sim – atuar contra o espírito<br />

da lei. Se assim é, então não estamos<br />

rigorosamente perante uma situação<br />

de overcompliance, a qual pressupõe<br />

condutas legalmente admitidas, mas<br />

numa situação de aparente excesso<br />

de compliance, que é o mesmo que<br />

dizer “situação potencialmente praeter<br />

ou contra legem”.<br />

Vejamos: tal como acontece com


OPINIÃO | 41<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

a 4.ª AMLD, o regime jurídico estabelecido<br />

pela LBC quanto às exigências<br />

de cumprimento do DID e,<br />

por conseguinte, do dever de recusa,<br />

assenta nas ideias de proporcionalidade,<br />

necessidade, razoabilidade e<br />

adequação. Estes princípios encontram-se<br />

plasmados em inúmeras<br />

passagens da lei: “…quando o perfil<br />

de risco do cliente ou as características<br />

da operação o justifiquem”, “…sempre<br />

que necessário…” [artigo 27.º,<br />

alíneas b) e c), LBC]; obtenção de<br />

um “conhecimento satisfatório” sobre<br />

os beneficiários efetivos do cliente,<br />

ou adoção de “medidas necessárias” e<br />

“medidas razoáveis” para verificar a<br />

sua identidade [artigo 29.º (1) (2),<br />

LBC] Em especial, o artigo 28.º (1),<br />

LBC, consagra uma norma genérica<br />

de adequação das medidas de DID<br />

em função do risco concreto.<br />

Note-se que o que está em verdadeiramente<br />

causa é um poder/dever<br />

e não apenas uma prerrogativa da<br />

entidade obrigada. Tal dever não só<br />

deriva dos textos legais nacionais e<br />

da UE, como também – e principalmente<br />

– dos princípios gerais de<br />

Direito que orientam o ordenamento<br />

jurídico. Tal como o instituto da<br />

equidade, o princípio da proporcionalidade,<br />

na vertente em que transcende<br />

as relações jurídicas verticais<br />

(de soberania), procura ajustar a<br />

norma ao facto. E é exatamente esse<br />

princípio (e todos os seus subprincípios<br />

como a adequação) que atribui<br />

uma natureza elástica aos graus<br />

de liberdade de atuação dos sujeitos,<br />

ligando, de forma racional, as ideias<br />

de igualdade e justiça.<br />

Com efeito, as normas relativas<br />

aos deveres preventivos, em especial<br />

o DID e o dever de recusa, devem<br />

ser interpretadas tendo por base o<br />

princípio da proporcionalidade e<br />

da adequação: o cumprimento verifica-se<br />

com a adoção de políticas<br />

e procedimentos de análise de risco<br />

em função da situação em causa,<br />

bem como de medidas de execução<br />

reforçadas se esse risco for real ou<br />

potencial. Neste sentido, procura-<br />

-se a alta vigilância sem a padronização<br />

do elemento “risco elevado”.<br />

Medidas restritivas ou reforçadas<br />

“Este pretensiosismo de se ser o “bastião” da prevenção e<br />

combate ao BCFT, numa lógica de alta vigilância padronizada<br />

pode trazer consequências graves para o mercado como<br />

estamos, infelizmente, a assistir”<br />

deverão ser impostas apenas nos casos<br />

definidos como tais após análise<br />

concreta de risco.<br />

O problema surge, por exemplo,<br />

quando o cliente não consegue identificar<br />

o seu beneficiário efetivo, por<br />

facto que não lhe é imputável, não se<br />

verificando motivos factuais de práticas<br />

ou suspeitas de práticas de crimes<br />

de BCFT, ou outros indicadores<br />

de risco acrescido. Um caso comum<br />

é o das sociedades em relação de domínio<br />

ou de grupo, de vários níveis,<br />

onde o cliente é uma subsidiária e<br />

não tem conhecimento do(s) beneficiário<br />

efetivo(s) porque a holding<br />

se encontra numa jurisdição fora da<br />

UE, mas num país de risco reduzido<br />

no qual não existe uma obrigação<br />

de identificação dos sócios. O cliente<br />

pode ver assim frustradas todas<br />

as expectativas que tinha em, por<br />

exemplo, abrir uma conta bancária,<br />

ou celebrar um contrato de fornecimento,<br />

sem justificação racional<br />

para a recusa, pelo simples facto de<br />

a entidade obrigada adotar o referido<br />

modelo hiper-rígido, que corresponde<br />

ao seu modus operandi standard.<br />

Declarada a recusa, o cliente não encontra<br />

outra alternativa senão procurar<br />

uma entidade obrigada concorrente.<br />

Agora imagine-se se todas<br />

as entidades desse setor aplicassem<br />

a mesma metodologia… o impacto<br />

no mercado é, como se percebe, no<br />

mínimo, preocupante.<br />

Claro que com esta nota não se<br />

prevê a obrigatoriedade em praticar<br />

o ato, celebrar o negócio jurídico,<br />

ou manter a relação comercial. A<br />

adoção de métodos hiper-rígidos é<br />

amplamente permitida pelo direito,<br />

nos termos tradicionais da liberdade<br />

negocial. Tem, por isso, um limite:<br />

o da boa-fé. É que aplicação<br />

dos princípios da proporcionalidade<br />

e da adequação face às condutas<br />

de (aparente) overcompliance pode<br />

resultar em casos de responsabilidade<br />

civil obrigacional, incluindo a<br />

pré-contratual, ao contrário do que<br />

pode resultar de uma leitura literal<br />

e descuidada do artigo 50.º (7)<br />

da LBC: há dever de recusa sempre<br />

que existam indícios ou suspeitas<br />

de práticas ilícitas ligadas ao BCFT<br />

“As normas relativas aos deveres preventivos, em especial o<br />

DID e o dever de recusa, devem ser interpretadas tendo por<br />

base o princípio da proporcionalidade e da adequação”<br />

ou quando não se tenham obtido os<br />

elementos identificativos mínimos<br />

ou necessários para cumprimento<br />

do DID, tendo em consideração ao<br />

grau de risco concreto do cliente e<br />

da natureza da atividade, negócio<br />

ou transação.<br />

Esta é, salvo melhor opinião, a forma<br />

mais adequada de compatibilizar<br />

as prerrogativas atribuídas pela<br />

LBC e pela 4.ª AMLD às entidades<br />

obrigadas, com os princípios gerais<br />

que as norteiam, salvaguardando,<br />

por um lado, a finalidade da lei e<br />

protegendo, por outro, os interesses<br />

do mercado.


42 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Alcance da atuação do supervisor preventivo<br />

do BCFT – breve subsídio para uma interpretação<br />

dos poderes conferidos pelo quadro normativo<br />

em vigor<br />

Gonçalo Maia Miranda<br />

Coordenador de Área no Banco<br />

de Portugal*<br />

Em abril de 2017, as Autoridades<br />

Europeias de Supervisão<br />

(ESAs) 1 publicaram as suas<br />

Orientações Conjuntas relativas às características<br />

da abordagem baseada no<br />

risco em matéria de supervisão do antibranqueamento<br />

de capitais e do combate<br />

ao financiamento do terrorismo e<br />

às medidas a tomar ao exercer a supervisão<br />

baseada no risco (Orientações<br />

relativas à supervisão baseada no risco,<br />

doravante designadas de “Orientações<br />

Conjuntas”) 2 . Nessas Orientações<br />

Conjuntas, as ESAs estabelecem<br />

as etapas em que se deve decompor o<br />

modelo posto em prática pelas autoridades<br />

responsáveis pela supervisão<br />

das instituições financeiras em matéria<br />

de prevenção do branqueamento<br />

de capitais e do financiamento do<br />

terrorismo (BCFT), identificando as<br />

fontes a considerar e os critérios para<br />

definir as ações mais adequadas ao<br />

acompanhamento das instituições<br />

supervisionadas.<br />

Em linha com o disposto nas<br />

Orientações Conjuntas e na Recomendação<br />

28 do Grupo de Ação Financeira<br />

(GAFI), atinente à regulação<br />

e supervisão das instituições financeiras<br />

em matéria de prevenção<br />

do BCFT, o artigo 102.º da Lei n.º<br />

83/2017, de 18 de agosto (doravante,<br />

“Lei n.º 83/2017”), determina às<br />

autoridades de supervisão (e demais<br />

autoridades setoriais previstas na lei)<br />

que, no exercício da sua atividade<br />

de verificação dos deveres consignados<br />

na referida Lei, identifiquem e<br />

avaliem, numa base permanente, os<br />

riscos de BCFT associados às respetivas<br />

instituições supervisionadas,<br />

os quais, por sua vez, determinarão<br />

o tipo, a frequência e a intensidade<br />

das ações de supervisão a adotar. Para<br />

este efeito, as autoridades de supervisão<br />

devem exercer os seus poderes<br />

de modo a garantir o acesso a toda<br />

a informação relevante para a compreensão<br />

daqueles riscos, aqui se incluindo,<br />

de acordo com as Orientações<br />

Conjuntas, elementos sobre (i)<br />

a estrutura de propriedade e controlo<br />

da instituição supervisionada, (ii) a<br />

reputação e integridade dos membros<br />

do órgão de administração, dos<br />

gestores de topo e dos participantes<br />

qualificados, (iii) a natureza e complexidade<br />

dos produtos, serviços,<br />

transações e canais de distribuição<br />

disponibilizados, (iv) a tipologia de<br />

clientes, (v) a área geográfica de atuação,<br />

(vi) a qualidade das estruturas<br />

de governo e controlo interno, designadamente<br />

ao nível das funções<br />

de auditoria e de compliance, (vii) a<br />

cultura de compliance prevalecente e<br />

(viii) o grau de conformidade com<br />

os requisitos legais e regulamentares<br />

e a eficácia das políticas e procedimentos<br />

em matéria de prevenção<br />

do BCFT. Com base nos elementos<br />

apurados, a autoridade de supervisão<br />

ajustará por exemplo a intensidade e<br />

a intrusividade do plano individual<br />

de supervisão ao risco de BCFT da<br />

instituição supervisionada em causa,<br />

determinando nessa base, de acordo<br />

com as Orientações Conjuntas, a extensão<br />

da revisão inspetiva dos ficheiros<br />

de clientes, das amostras de transações<br />

examinadas pela instituição e<br />

das comunicações de operações suspeitas<br />

efetuadas. A este propósito, as<br />

Orientações Conjuntas reconhecem<br />

ainda que em situações de risco mais<br />

elevado é pouco plausível a suficiência<br />

de uma mera análise das políticas<br />

e procedimentos declarados pela instituição<br />

supervisionada, impondo-se<br />

uma avaliação da sua efetiva implementação,<br />

com recurso às técnicas de<br />

revisão já descritas. Neste contexto,<br />

observa-se que nem as Orientações<br />

Conjuntas nem a soft law produzida<br />

pelo GAFI aludem, para efeitos de<br />

supervisão contínua, a expedientes<br />

de teor mais intrusivo do que as técnicas<br />

de amostragem, como seriam<br />

o acompanhamento em tempo real<br />

(ou a autorização prévia) de operações<br />

pelo supervisor ou a realização<br />

por este, em substituição das instituições<br />

supervisionadas, dos deveres<br />

preventivos do BCFT quanto a tais<br />

operações. Em todo o caso, o artigo<br />

97.º da Lei n.º 83/2017 prevê, como<br />

mecanismo de última ratio, a possibilidade<br />

de as autoridades setoriais<br />

adotarem medidas corretivas destinadas<br />

a sanar ou prevenir incumprimentos<br />

aos deveres preventivos do<br />

BCFT, que poderão passar pela diminuição<br />

ou eliminação da exposição<br />

a determinadas atividades ou opera-<br />

1. Autoridade Bancária Europeia, Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados e Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma. Observa-se,<br />

no entanto, que, com a publicação do Regulamento (UE) 2019/2175 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro, operou-se a concentração na Autoridade Bancária<br />

Europeia das competências em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo que se encontravam dispersas pelas três Autoridades Europeias de<br />

Supervisão.<br />

2. Orientações emitidas em cumprimento do mandato consignado no n.º 10 do artigo 48.º da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa<br />

à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Disponíveis para consulta em https://eba.europa.eu/<br />

regulation-and-policy/anti-money-laundering-and-e-money/guidelines-on-risk-based-supervision .


OPINIÃO | 43<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

ções ou, bem assim, pela criação de<br />

novas obrigações de comunicação<br />

ou pela intensificação das comunicações<br />

existentes, nomeadamente sobre<br />

operações efetuadas.<br />

Em suma, a lei portuguesa, em linha<br />

com as melhores práticas internacionais,<br />

direciona os poderes das<br />

autoridades setoriais para a verificação<br />

do cumprimento dos deveres<br />

preventivos do BCFT, com recurso<br />

a estratégias de supervisão focadas na<br />

aferição da eficácia dos procedimentos<br />

e controlos implementados pelas<br />

entidades obrigadas, cujo grau de intrusividade<br />

deverá variar em função<br />

do concreto risco de BCFT. Tal não<br />

significa, contudo, o exercício dos deveres<br />

preventivos em substituição das<br />

entidades obrigadas ou o exercício de<br />

competências investigatórias ou de<br />

“follow the money” que são pertença<br />

de autoridades que intervêm a jusante<br />

na cadeia de combate ao BCFT 3 .<br />

Ora, se a lei entrega às entidades<br />

obrigadas a responsabilidade principal<br />

pelo cumprimento dos deveres<br />

preventivos, incluindo o de comunicar<br />

operações potencialmente suspeitas,<br />

e se não compete às autoridades<br />

setoriais sindicar a eventual ilicitude<br />

criminal de operações concretas, coloca-se<br />

a questão de saber se o atual<br />

sistema de combate ao BCFT encerra<br />

em si mesmo uma lacuna ou “ângulo<br />

morto”. Tal lacuna, a existir, situar-<br />

-se-ia entre o sistema de prevenção<br />

e o sistema de repressão e consistiria<br />

na não previsão de mecanismos concretos<br />

para identificar e até impedir,<br />

numa fase pré-investigatória, operações<br />

que, não tendo sido comunicadas<br />

pelas entidades obrigadas, possam<br />

consubstanciar indicadores de<br />

suspeição.<br />

A este respeito, recorda-se que as<br />

autoridades destinatárias das comunicações<br />

de operações suspeitas [Departamento<br />

Central de Investigação<br />

e Ação Penal da Procuradoria-Geral<br />

da República (DCIAP) e Unidade<br />

de Informação Financeira da Polícia<br />

<strong>Judiciária</strong> (UIF)] dispõem, à luz do<br />

disposto no artigo 53.º da Lei n.º<br />

83/2017, de prerrogativas de cooperação<br />

por parte das entidades obrigadas<br />

que transcendem em muito a<br />

obtenção de informação apenas sobre<br />

operações comunicadas, como se<br />

afere do n.º 4 daquela previsão normativa.<br />

No entanto, afigura-se ainda<br />

mais impressivo o n.º 3 da mesma<br />

disposição, naquilo que aparenta ser<br />

uma flexibilização do mecanismo de<br />

controlo de contas estatuído na Lei<br />

n.º 5/2002, de 11 de janeiro, porquanto<br />

permite àquelas autoridades<br />

determinarem às respetivas entidades<br />

executantes a imediata comunicação<br />

de qualquer operação proposta, tentada,<br />

iniciada ou executada.<br />

Por outro lado, o artigo 81.º da<br />

Lei n.º 83/2017 atribui explicitamente<br />

ao DCIAP a prerrogativa de<br />

realizar ações de prevenção do branqueamento<br />

de capitais 4 e da respetiva<br />

criminalidade subjacente, no âmbito<br />

das quais exerce também os poderes<br />

conferidos pelo n.º 3 do artigo 1.º<br />

da Lei n.º 36/94 5 , de 29 de setembro,<br />

na sua redação atual. De entre<br />

esses poderes conta-se a recolha de<br />

informação relativamente a notícias<br />

de factos suscetíveis de fundamentar<br />

suspeitas do perigo da prática de um<br />

crime, o que permite, também por<br />

esta via, atuar ex ante relativamente a<br />

operações potencialmente suspeitas.<br />

Nessa conformidade, e obedecendo<br />

a uma lógica de aproveitamento de<br />

toda a informação relevante, a alínea<br />

b) do n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º<br />

83/2017 postula a admissibilidade<br />

da suspensão temporária da execução<br />

de operações, com base na informação<br />

coligida no âmbito das ações de<br />

prevenção, ainda que a mesma não<br />

respeite a operações objeto do exercício<br />

dos deveres de comunicação<br />

abstenção.<br />

Desta forma, crê-se ficar demonstrado<br />

que o sistema nacional de prevenção<br />

e combate ao BCFT não denota<br />

lacunas na adequada monitorização<br />

de operações potencialmente<br />

suspeitas, estabelecendo competências<br />

claras em cada uma das fases em<br />

que se decompõe:<br />

– Fase de prevenção: a execução<br />

dos deveres preventivos compete às<br />

entidades obrigadas, cabendo aos supervisores<br />

a verificação dos respetivos<br />

controlos e procedimentos, com base<br />

em critérios de risco;<br />

– Fase pré-investigatória: a UIF e o<br />

DCIAP dispõem de amplos poderes<br />

de análise e de averiguação não apenas<br />

quanto a operações comunicadas,<br />

mas igualmente quanto a quaisquer<br />

outras operações que, por qualquer<br />

motivo, apresentem indicadores de<br />

suspeição que tenham chegado ao<br />

seu conhecimento (destacando-se<br />

aqui os amplos poderes conferidos<br />

ao DCIAP em sede de ações de prevenção);<br />

– Fase de investigação: está a cargo<br />

das autoridades judiciárias competentes<br />

para o inquérito criminal,<br />

com a coadjuvação das autoridades<br />

policiais.<br />

Não existindo lacunas ou dúvidas<br />

quanto à esfera de atuação dos<br />

diversos intervenientes no circuito<br />

de prevenção e combate ao BCFT,<br />

relembra-se que a eficácia do sistema<br />

depende, em grande medida e<br />

tal como reconhecido nas Orientações<br />

Conjuntas, da intensificação<br />

dos mecanismos de cooperação<br />

e de troca de informação entre os<br />

atores públicos das diversas fases,<br />

conferindo o artigo 124.º da Lei<br />

n.º 83/2017 uma base legal inusitadamente<br />

generosa para que tal<br />

possa suceder.<br />

Qualquer opinião expressa neste artigo pertence<br />

unicamente ao autor, não representando a opinião do<br />

Banco de Portugal, a menos que expressamente se afirme<br />

que o autor está autorizado para tanto.<br />

3. O disposto não obsta à comunicação de operações suspeitas pelas autoridades setoriais, em observância do disposto no artigo 104.º da Lei n.º 83/2017, sempre que, no exercício das<br />

suas funções, identifiquem possíveis suspeitas de BCFT que não tenham sido comunicadas pelas entidades obrigadas. Na mesma linha, a alínea d) do n.º 1 do artigo 95.º da lei habilita<br />

aquelas autoridades a sancionarem a posteriori quaisquer incumprimentos dos deveres preventivos a respeito de uma dada operação que não tenha sido adequadamente examinada e/ou<br />

comunicada pelas entidades obrigadas.<br />

4. A promoção ou realização de ações de prevenção, neste domínio, pelo DCIAP, foi confirmada pelo n.º 4 do artigo 58.º do novo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de<br />

agosto).<br />

5. Lei essa que atribui também à Polícia <strong>Judiciária</strong> a competência para a realização de ações de prevenção, incluindo quanto a infrações económico-financeiras.


44 | OPINIÃO<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Pessoas Politicamente Expostas na Lei 5/<strong>2020</strong>.<br />

Breve análise.<br />

O<br />

Miguel Matias<br />

Sócio RSA – Rede de Serviços<br />

de Advocacia<br />

crescimento do terrorismo e<br />

as dificuldades inerentes ao<br />

seu combate, não só ao operativo<br />

e directo mas também e sobremaneira,<br />

o mais oculto e, por isos,<br />

mais difícil de identificar, tem sido,<br />

nos últimos tempos um devir das<br />

sociedades contemporâneas.<br />

Um sinal de mudança de paradigma<br />

e um sinal de que, afinal, Angola<br />

não quer fazer mais parte dos Países<br />

onde a corrupção e o consequente<br />

branqueamento dos capitais adquiridos<br />

por via criminosa não podem<br />

continuar a passar impunes foi manifestado<br />

através de legislação recente<br />

que urge, aqui, apreciar.<br />

O combate ao terrorismo (vá-<br />

-se lá saber se esta actual pandemia<br />

não tem também essa origem!!!) e o<br />

combate ao seu financiamento, têm<br />

constituído reforço de garantia de<br />

cidadania imposta pelas organizações<br />

internacionais a que, também<br />

Angola, pertence.<br />

Foi por isso que, em boa hora,<br />

ratificou as Convenções das nações<br />

Unidas contra o Tráfico Ilícito de<br />

Narcotráficos e Substâncias Psicotrópicas,<br />

contra o Crime Organizado<br />

Transnacional e sobre a Supressão<br />

do Financiamento do Terrorismo, as<br />

quais recomendam a definição de<br />

Falar em Pessoas Expostas, in casu, politicamente, traduzimos<br />

nós aquelas pessoas que, por força do exercício de funções<br />

publicas tenham uma posição de maior fragilidade às<br />

tentações dos perpetradores dos ilícitos visados com a Lei<br />

um sistema optimizado de Prevenção<br />

e Combate ao Branqueamento<br />

de Capitais.<br />

Foi por isso também que, no dia<br />

27 de janeiro de <strong>2020</strong>, sob o numero<br />

5, foi publicada Lei da Assembleia<br />

Nacional visando exactamente essa<br />

prevenção e combate.<br />

Já abordei noutros locais e momentos<br />

outras vertentes da Lei e<br />

sobre ela já pude lançar um olhar<br />

mais genérico.<br />

Hoje, porque assim me parece importante,<br />

pela assunção de responsabilidades<br />

e atribuição de responsabilizações,<br />

entendo dever descrever,<br />

ainda que enunciativa e não exaustivamente,<br />

sobre as pessoas que, por<br />

terem assumido ou assumirem no<br />

momento da verificação dos factos,<br />

funções públicas proeminentes em<br />

Angola ou em qualquer País ou jurisdição<br />

ou em qualquer organização<br />

internacional.<br />

Quero falar, claro está, das denominadas<br />

“Pessoas Politicamente Expostas”<br />

(PPE’s”) na denominação<br />

desta Lei e de muitas outras suas<br />

congéneres.<br />

Falar em Pessoas Expostas, in casu,<br />

politicamente, traduzimos nós aquelas<br />

pessoas que, por força do exercício<br />

de funções publicas tenham uma<br />

posição de maior fragilidade às tentações<br />

dos perpetradores dos ilícitos<br />

visados com a Lei.<br />

Explica-se bem a razão pelo facto,<br />

simples, de cada uma destas pessoas<br />

ter ou ter tido capacidade natural<br />

de influenciar, de intervir, de condicionar<br />

e de alterar decisões políticas<br />

que, em benefício de determinadas<br />

pessoas ou entidades subvertam os<br />

finas das normas tal como elas devem<br />

ser construídas. A obediência<br />

e respeito a princípios de igualdade,<br />

de equilíbrio social e de transparência.<br />

São muitas as identificadas na Lei,<br />

nomeadamente no considerando 31<br />

da mesma. Desde logo o mais alto<br />

Magistrado da Nação, o Presidente<br />

da República, o Vice-Presidente,<br />

o Primeiro Ministro, os Ministros,<br />

os Deputados, os Magistrados Judiciais<br />

e do Ministério Público dos<br />

Tribunais Superiores e da Relação<br />

cujas decisões, em regra, não sejam<br />

passíveis de recurso, os chefes das<br />

missões diplomáticas, membros de<br />

órgãos de administração e de fiscalização<br />

de empresas públicas e de<br />

sociedades de capitais exclusiva ou<br />

maioritariamente públicos, membros<br />

das administrações locais e do<br />

poder autárquico, líderes de confissões<br />

religiosas, entre tantos outros.<br />

De realçar que este normativo cobre,<br />

no nível de exigência e controle<br />

excepcionais, não só as PPE’s em si<br />

mesmas mas também os familiares e<br />

amigos mais próximos. Também se<br />

compreende a especial acessibilidade<br />

do meio.<br />

Ao contrário das restantes pessoas,<br />

sejam elas singulares ou colectivas<br />

que vêm a sua actuação cair na alçada<br />

deste diploma, as PPE’s assumem<br />

perante o mesmo um conjunto<br />

alargado de contingências resultantes<br />

da causa da sua exposição como<br />

antes mencionado e não da actuação<br />

que possa ser controlável ou, de<br />

forma mais profunda ser considerada<br />

suspeita.<br />

Também importa referir – pela<br />

natureza – não se restringir a noção<br />

de PPE’s a Cidadãos Nacionais, mas<br />

recaindo também a estrangeiros que<br />

exerçam ou tenham exercido funções<br />

publicas de relevo ou importância<br />

proeminente em território nacional.


OPINIÃO | 45<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

Ao contrário de outras legislações<br />

similares, a Lei 5/<strong>2020</strong> ora em apreciação<br />

não determina um tempo a<br />

partir do qual os “holofotes” da mesma<br />

deixem de incidir sobre as PPE’s.<br />

Compreendo a intemporalidade<br />

pelas circunstâncias específicas vivenciadas<br />

no momento angolano,<br />

pela força importada pelo diploma<br />

e, claro, pelo conjunto de imposições<br />

internacionais (nomeadamente<br />

as do Banco Mundial), tudo para<br />

que, de facto e não só de Direito, o<br />

paradigma angolano mude de vez.<br />

E o mudar de vez importa sinais!<br />

Sinais dados pelas autoridades<br />

angolanas recentemente e visando<br />

a inexplicabilidade da alegada ou<br />

aparente utilização de dinheiros públicos<br />

em benefício próprio levada<br />

a cabo por algumas antes, elas sim,<br />

pessoas politicamente expostas (embora<br />

com legitimação à data questionável).<br />

As obrigações decorrentes da lei e<br />

que incidindo sobre as PPE’s antes<br />

mencionadas, conferem às “entidades<br />

obrigadas” um leque de obrigações<br />

que se iniciam logo no momento<br />

da verificação da identidade, seja<br />

dos clientes, dos seus representantes,<br />

seja dos beneficiários efectivos das<br />

transações ou relações de negócio<br />

pensadas levar a cabo. Será, portanto,<br />

num momento anterior e logo<br />

que exista manifestação de intenção<br />

de realização das operações que<br />

devem dar-se início as obrigações.<br />

Mas, como se vem de dizer e quento<br />

às restantes, as medidas, também<br />

elas passíveis de reforço, dizem directamente<br />

respeito ao negócio, no<br />

que diz respeito às PPE’s as medidas<br />

de diligência acrescida que obrigam<br />

as entidades descritas na Lei, dizem<br />

respeito a elas próprias.<br />

Devem ser acrescidas as medidas<br />

de diligência quanto à relações de<br />

negócio ou quanto às transações ocasionais<br />

que envolvam PPE’s, devendo<br />

as entidades obrigadas dispor de<br />

procedimentos adequados baseados<br />

no risco, para determinar, apurando,<br />

se o cliente, o representante, o beneficiário<br />

efectivo, podem ser classificados<br />

como PPE’s. Devem também<br />

tomar medidas que se mostrem necessárias<br />

para determinar a origem<br />

do património e dos fundos envolvidos<br />

nas relações de negócio ou nas<br />

transações ocasionais com PPE’s.<br />

Aqui surge um aflorar das obrigações<br />

de declaração que devem recair,<br />

ainda que projectivamente sobre o<br />

património dos titulares de cargos<br />

políticos e que tanta tinta tem feito<br />

correr noutras jurisdições, como<br />

a portuguesa onde, a inversão do<br />

ónus de demonstrar a origem lícita<br />

do património tem sido um entrave<br />

ao estabelecimento de normativos<br />

capazes de controlar, impedindo,<br />

posições patrimoniais injustificadas.<br />

Devem, também, as entidades<br />

obrigadas, sejam do sector financeiro<br />

ou não, efetuar um acompanhamento<br />

contínuo e acrescido das relações<br />

de negócio que envolvam PPE’s, directamente<br />

ou em situações de co-<br />

-participação em posições sociais.<br />

Por ultimo e concretizando o antes<br />

aflorado, diga-se que o regime<br />

reforçado que se vem de aflorar<br />

deve continuar a aplicar-se a quem,<br />

tendo deixado de ter a condição de<br />

PPE’s, continue a representar um risco<br />

acrescido de branqueamento de<br />

capitais, de financiamento do terrorismo<br />

e de proliferação de armas de<br />

Claro está que estas medidas necessitam da criação, por parte<br />

das entidades obrigadas de um apport técnico e tecnológico<br />

que lhes permita – em tempo – sindicar todas as condições<br />

destruição em massa devido ao seu<br />

perfil ou à natureza das operações<br />

desenvolvidas.<br />

Claro está que estas medidas necessitam<br />

da criação, por parte das<br />

entidades obrigadas de um apport<br />

técnico e tecnológico que lhes permita<br />

– em tempo – sindicar todas<br />

as condições. Esta será, ao lado da<br />

formação a que as entidades (como<br />

em Portugal) se encontram obrigadas,<br />

a maior dificuldade de implementação<br />

efectiva da Lei, muito a<br />

par do quem vem acontecendo noutras<br />

geografias.<br />

Termino como comecei: Com esperança!


46 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Branqueamento de capitais<br />

ANGOLA<br />

Lei n.º 5/20, de 12 de dezembro<br />

Revogou a Lei n.º 34/11, de 12 de<br />

dezembro, sobre a mesma matéria, e<br />

entrou em vigor no dia 28 de janeiro.<br />

Principais alterações:<br />

Introdução de medidas contra a<br />

proliferação de armas de destruição<br />

em massa;<br />

A definição de “beneficiário efetivo”<br />

foi alargada, passando, nomeadamente,<br />

a incluir todas as pessoas<br />

que detenham, direta ou indiretamente,<br />

uma participação de controlo<br />

numa sociedade, incluindo o<br />

controlo do capital social, direitos<br />

de voto ou que detenham uma influência<br />

significativa na sociedade.<br />

Deixou de existir um limite mínimo<br />

para determinar a existência do<br />

referido controlo;<br />

“Pessoas politicamente expostas”<br />

abrangem qualquer pessoa nacional<br />

ou estrangeira que exerça ou tenha<br />

exercido cargos públicos em Angola<br />

ou em qualquer outro país ou jurisdição<br />

ou em qualquer organização<br />

internacional;<br />

Existe agora uma obrigação autónoma<br />

de avaliação de risco. As entidades<br />

sujeitas devem implementar<br />

medidas e controlos apropriados<br />

para identificar, avaliar, compreender<br />

e mitigar o branqueamento de capitais,<br />

o financiamento do terrorismo<br />

e a proliferação de armas de destruição<br />

em massa;<br />

As obrigações de identificação e diligência<br />

são agora aplicáveis a transações<br />

ocasionais executadas através de<br />

transferências eletrónicas num montante<br />

superior a 1000 USD, em moeda<br />

nacional ou estrangeira;<br />

Foram estabelecidas novas regras<br />

sobre diligência simplificada e medidas<br />

de diligência reforçada aplicáveis<br />

às transações transfronteiras;<br />

O âmbito da obrigação de comunicação<br />

de transações suspeitas em numerário<br />

ou através de transferências<br />

eletrónicas foi alterado, sendo agora<br />

aplicável a transações entre USD<br />

5000 e USD 15.000, dependendo da<br />

operação em questão;<br />

Os prestadores de serviços de pagamento<br />

que controlem a ordem e a<br />

recepção de uma transferência eletrónica<br />

devem ter em conta as informações<br />

prestadas pelo ordenante e pelo<br />

beneficiário para determinar se existe<br />

dever de comunicação.<br />

As Autoridades Fiscais têm agora<br />

o dever de comunicar pagamentos<br />

transfronteiriços suspeitos.<br />

(https://www.mirandalawfirm.<br />

com/pt/conhecimento-media/publications/alerts/novas-regras-para-prevencao-e-combate-ao-branqueamento-de-capitais-financiamento-do-terrorismo-e-proliferacao-de-armas-de-<br />

-destruicao-em-massa)<br />

Lei n.º 3/14, de 10 de fevereiro<br />

Considerando que a República de<br />

Angola ratificou as Convenções das<br />

Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito<br />

de Estupefacientes e de Substâncias<br />

Psicotrópicas, a Criminalidades<br />

Organizada Transnacional e a<br />

Supressão do Financiamento ao Terrorismo,<br />

com vista a garantir a segurança<br />

territorial e do sistema financeiro<br />

angolano;<br />

Tendo em conta as exigências estabelecidas<br />

nas 40 Recomendações do<br />

Grupo de Ação Fianceira Internacional<br />

(GAFI/FATF) e nas Convenções<br />

das Nações Unidas, nomeadamente<br />

na Convenção contra a Criminalidade<br />

Organizada Transnacional<br />

(Convenção de Palermo), Convenção<br />

sobre o Tráfico Ilícito de Estupefacientes<br />

e Substâncias Psicotrópicas<br />

(Convenção de Viena) e Convenção<br />

para a Supressão do Financamento<br />

ao Terrorismo;<br />

Atendendo à Criminalização do<br />

Branqueamento de Capitais previsto<br />

na Lei n.º34/11, de 12 de dezembro<br />

– Lei de Combate ao Branqueamento<br />

de Capitais e Financiamento ao Terrorismo<br />

–, e uma vez que nem todas<br />

as infrações subjacentes ao branqueamento<br />

de capitais e financiamento<br />

do terrorismo, incluídas nas categorias<br />

de infrações designadas elencadas<br />

estabelecidas nas 40 Recomendações<br />

do GAFI/FATF se encontram atualmente<br />

tipificadas no ordenamento<br />

jurídico angolano, existe a necessidade<br />

premente de revisão do ordenamento<br />

jurídico garantir a conformidade<br />

com as supramencionadas<br />

exigências internacionais;<br />

Considerando a premente necessidade<br />

de tipificar as categorias de infrações<br />

designadas que não se encontram<br />

ainda criminalizadas no atual<br />

ordenamento jurídico, bem como<br />

aditar alguns aspetos imprescindíveis<br />

na tipificação dos crimes já em<br />

vigor no atual ordenamento jurídico<br />

de forma a assegurar a conformidade<br />

com os padrões internacionais.<br />

Lei n.º 34/11, de 12 de dezembro<br />

Considerando que a República<br />

de Angola aprovou a Resolução n.º<br />

19/99, de 30 de julho, publicada no<br />

DR I.ª Série n.º 31, a Resolução n.º<br />

21/10, de 22 de junho, publicada no<br />

DR I.ª Série n.º 115, e a Resolução<br />

n.º 38/10, de 17 de dezembro, publicada<br />

no DR I.ª Série n.º 239 que<br />

ratificam as Convenções das Nações<br />

Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes<br />

e de Substâncias Psicotrópicas,<br />

a criminalidade transnacional<br />

e a supressão do financiamento<br />

ao terrorismo, respetivamente, com<br />

vista a garantir a segurança territorial<br />

e do sistema financeiro angolano. Visando<br />

a adopção e a implementação<br />

das disposições legais constantes nas<br />

mencionadas Convenções, a Repú-


LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 47<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

blica de Angola publicou em Diário<br />

da República, a Lei n.º 12/10, de 9<br />

de julho, sobre o Combate ao Branqueamento<br />

de Capitais e Financiamento<br />

do Terrorismo. Considerando<br />

a premente necessidade de revisão<br />

do sistema de prevenção e repressão<br />

do Combate ao Branqueamento de<br />

Capitais e do Financiamento ao Terrorismo,<br />

no sentido de fortalecer o<br />

seu nível de conformidade com os<br />

padrões internacionais, bem como a<br />

necessidade de aditar alguns aspetos<br />

imprescindíveis ao referido sistema<br />

e de complementar outros referidos<br />

na Lei n.º 12/10, de 9 de julho, que<br />

representam uma considerável alteração<br />

à estrutura da referida lei, e que<br />

serão fundamentais no reforço do<br />

exercício das funções das autoridades<br />

angolanas na prevenção e repressão<br />

do branqueamento de capitais e do<br />

financiamento ao terrorismo.<br />

Lei n.º 12/10, de 9 de julho<br />

de 2010, I Série, DR n.º 128<br />

Estabelece medidas de natureza<br />

preventiva e repressiva de combate<br />

ao branqueamento de vantagens de<br />

proveniência ilícita e ao financiamento<br />

do terrorismo. – Revoga toda a legislação<br />

que contrarie a presente lei.<br />

Impõe-se a necessidade de se estabelecerem<br />

medidas de natureza preventiva<br />

e repressiva de combate ao<br />

branqueamento de vantagens de proveniência<br />

ilícita e ao financiamento<br />

do terrorismo, porquanto esta prática<br />

à escala mundial é um mal que<br />

está a atingir sobretudo as sociedades<br />

em desenvolvimento, cuja forma de<br />

operar é orientada pelo sigilo, não se<br />

sabendo, pela própria natureza, a sua<br />

real dimensão.<br />

Tem sido frequentes os infratores<br />

utilizarem vários países para ocultar<br />

os seus proventos ilícitos, aproveitando-se<br />

das diferenças existentes<br />

nos respetivos regimes legais e,<br />

por vezes, da difícil coordenação e<br />

cooperação internacional. Por não<br />

existirem estimativas fiáveis sobre<br />

a magnitude do problema do branqueamento<br />

de capitais e do financiamento<br />

do terrorismo a nível global<br />

e para prevenir a sua disseminação<br />

pelo nosso País, cujas consequências<br />

são inimagináveis.<br />

Regulamento n.º 4/16<br />

de 2 de junho<br />

Considerando que a Lei n.º 34/11,<br />

de 12 de dezembro, Lei do Combate<br />

ao Branqueamento de Capitais e do<br />

Financiamento ao Terrorismo, consagra<br />

um conjunto de obrigações a<br />

que estão vinculadas as instituições<br />

financeiras;<br />

Atendendo que à Comissão do<br />

Mercado de Capitais (CMC), enquanto<br />

organismo de regulação, supervisão<br />

e fiscalização das instituições<br />

financeiras não bancárias que atuam<br />

no mercado de valores mobiliários<br />

e instrumentos derivados, compete<br />

regular e supervisionar as referidas<br />

instituições;<br />

Havendo necessidade de estabelecer<br />

controlos adequados que visem<br />

tornar eficaz a implementação de<br />

medidas de prevenção e repressão às<br />

práticas que configurem crimes de<br />

branqueamento de capitais e financiamento<br />

ao terrorismo, nas instituições<br />

financeiras não bancárias, nas<br />

sociedades gestoras dos mercados<br />

regulamentados e de serviços financeiros<br />

sobre valores mobiliários e nas<br />

instituições financeiras bancárias que<br />

realizem serviços e atividades de investimento<br />

em valores mobiliários e<br />

instrumentos derivados;<br />

Tendo em conta os deveres de diligência,<br />

de informação e de comunicação<br />

a que estão sujeitas as entidades<br />

acima referidas, por força da Lei 1/12,<br />

de 12 de janeiro, Lei sobre a Designação<br />

e Execução de Atos Jurídicos Internacionais<br />

e do Decreto Presidencial<br />

n.º 214/13, de 13 de dezembro, que<br />

regulamenta a referida Lei;<br />

Considerando que é imprescindível<br />

o cumprimento dos referidos deveres,<br />

pelas entidades sujeitas à supervisão<br />

da CMC, permitindo assim à entidade<br />

competente o congelamento<br />

imediato dos fundos e demais ativos<br />

financeiros ou recursos económicos<br />

das pessoas que pratiquem atos<br />

qualificados como branqueamento<br />

de capitais ou financiamento ao terrorismo.<br />

BRASIL<br />

Lei n.º 12.683, de 9 de julho<br />

de 2012<br />

Esta lei altera a Lei n.º 9.613, de 3<br />

de março de 1998, para tornar mais<br />

eficiente a persecução penal dos crimes<br />

de lavagem de dinheiro.<br />

Lei n.º 10.467, de 11 de junho<br />

de 2002<br />

Acrescenta o Capítulo II-A ao Título<br />

XI do Decreto-Lei n.º 2.848, de<br />

7 de dezembro de 1940 - Código Penal,<br />

e dispositivo à Lei n.º 9.613, de 3<br />

de março de 1998, que “dispõe sobre<br />

os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação<br />

de bens, direitos e valores; a prevenção<br />

da utilização do Sistema Financeiro<br />

para os ilícitos previstos nesta<br />

Lei, cria o Conselho de Controle de<br />

Atividades Financeiras (Coaf), e dá<br />

outras providências.<br />

Lei n.º 9.613, de 3 de março<br />

de 1998<br />

Dispõe sobre os crimes de “lavagem”<br />

ou ocultação de bens, direitos<br />

e valores; a prevenção da utilização<br />

do sistema financeiro para os ilícitos<br />

previstos nesta Lei; cria o Conselho<br />

de Controle de Atividades Financeiras<br />

- COAF, e dá outras providências.<br />

Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro<br />

de 1990<br />

Define crimes contra a ordem tributária,<br />

económica e contra as relações<br />

de consumo, e dá outras providências.<br />

Lei n.º 7.492, de 16 de junho<br />

de 1986<br />

Define os crimes contra o sistema<br />

financeiro nacional, e dá outras providências.


48 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Lei n.º 7.170, de 14 de dezembro<br />

de 1983<br />

Define os crimes contra a segurança<br />

nacional, a ordem política e social,<br />

estabelece seu processo e julgamento<br />

e dá outras providências.<br />

Lei Complementar n.º 105,<br />

de 10 de janeiro de 2001<br />

Dispõe sobre o sigilo das operações<br />

de instituições financeiras e dá outras<br />

providências.<br />

Decreto n.º 9.663, de 2019<br />

Aprova o Estatuto do Conselho<br />

de Controle de Atividades Financeiras<br />

– COAF.<br />

Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro<br />

de 2006<br />

Promulga a Convenção das Nações<br />

Unidas contra a Corrupção, adotada<br />

pela Assembleia-Geral das Nações<br />

Unidas em 31 de outubro de 2003 e<br />

assinada pelo Brasil em 9 de dezembro<br />

de 2003.<br />

Decreto n.º 5.015, de 12 de março<br />

de 2004<br />

Promulga a Convenção das Nações<br />

Unidas contra o Crime Organizado<br />

Transnacional.<br />

Portaria n.º 330, de 18<br />

de dezembro de 1998<br />

Aprova o Regimento Interno do<br />

Conselho de Controle de Atividades<br />

Financeiras – COAF.<br />

CABO VERDE<br />

Lei n.º 120/VII/2016,<br />

de 24 de março de 2016<br />

“Alteração e Republicação da Lei<br />

sobre a Prevenção do Crime de Lavagem<br />

de Capitais, aprovada pela Lei<br />

n.º 38/VII/2009, de 27 de abril, alterando-se<br />

o que respeita à lista de definições,<br />

às novas entidades de regulação<br />

e supervisão e suas competências,<br />

às entidades abrangidas pelo âmbito<br />

subjetivo da Lei, aos deveres de declaração<br />

de transportes físicos transfronteiriços,<br />

de identificação e verificação<br />

da identidade, de diligência<br />

relativo ao cliente, aos bancos correspondentes,<br />

à identificação através de<br />

intermediários, aos deveres de recusa<br />

de realização das operações, de diligência<br />

acrescida e de conservação de<br />

documentos, às obrigações relativas a<br />

transferências eletrónicas, ao dever de<br />

controlo, às filiais e sucursais, aos deveres<br />

de colaboração e informação e de<br />

comunicação, à suspensão de execução<br />

da operação, exclusão de responsabilidade,<br />

ao crime de lavagem de capitais,<br />

às penas aplicáveis às pessoas coletivas,<br />

à apreensão de bens e direitos, à<br />

informação à UIF sobre aplicação de<br />

sanções, às contraordenações graves e<br />

especialmente graves e às sanções acessórias,<br />

aditando-se novos deveres que<br />

impendem sobre as entidades sujeitas<br />

e bem assim regras sobre bancos de fachada,<br />

organismos sem fins lucrativos,<br />

sobre cooperação entre entidades nacionais<br />

e estrangeiras, sobre prescrição<br />

e sobre o valor das coimas.”<br />

Estabelece medidas destinadas a<br />

prevenir e reprimir o crime de lavagem<br />

de capitais, bens, direitos e<br />

valores.<br />

Resolução 13/<strong>2020</strong>,<br />

de 27 de janeiro<br />

Comissão Interministerial de Coordenação<br />

das Politicas em Matéria de<br />

Prevenção e Combate à Lavagem de<br />

Capitais: “(…)Esta Resolução cria,<br />

na dependência dos Ministérios das<br />

Finanças e da Justiça e do Trabalho, a<br />

Comissão Interministerial de Coordenação<br />

das Políticas em Matéria de<br />

Prevenção e Combate à Lavagem de<br />

Capitais, ao Financiamento do Terrorismo<br />

ao financiamento da proliferação<br />

de armas de destruição em massa<br />

que tem como missão definir, acompanhar<br />

e coordenar a identificação<br />

e respostas aos riscos advenientes da<br />

prática de lavagem de capitais e de financiamento<br />

do terrorismo ao financiamento<br />

da proliferação de armas de<br />

destruição em massa a que Cabo Verde<br />

está ou venha a estar, contribuindo<br />

para a melhoria contínua da conformidade<br />

técnica e da eficácia do Sistema<br />

Nacional de Prevenção e Combate<br />

à Lavagem de Capitais e Financiamento<br />

do Terrorismo e ao financiamento<br />

da proliferação de armas de destruição<br />

em massa. Pretende-se reunir entidades<br />

com responsabilidade na matéria,<br />

designadamente as representativas das<br />

Finanças, dos Negócios Estrangeiros,<br />

da Administração Interna e da Justiça,<br />

dentre outras, (…) Comissão Interministerial<br />

de Coordenação das Políticas<br />

em Matéria de Prevenção e Combate<br />

à Lavagem de Capitais, ao Financiamento<br />

do Terrorismo (…) tem como<br />

atribuições, dentre outras, estudar estratégias<br />

e formular recomendações<br />

legislativas ou operacionais, visando<br />

adotar ações concretas para o combate<br />

à lavagem de capitais, ao financiamento<br />

do terrorismo e ao Financiamento<br />

da Proliferação das Armas de Destruição<br />

em Massa se necessário for, com<br />

recurso à parceria com países, organizações<br />

internacionais e demais instituições<br />

parceiras. Cabe, ainda, à Comissão<br />

aprovar anualmente, o plano<br />

de ação do Estado contra a lavagem e<br />

capitais, ao Financiamento do Terrorismo<br />

ao financiamento da proliferação<br />

de armas de destruição em massa,<br />

instrumento de política que permite<br />

estabelecer objetivos e metas nesse<br />

domínio, em sintonia com os compromissos<br />

assumidos a nível internacional<br />

e regional, assim como, emitir<br />

pareceres pontuais sobre temáticas de<br />

interesse na área de lavagem e de financiamento<br />

do terrorismo ao financiamento<br />

da proliferação de armas de<br />

destruição em massa, aconselhando o<br />

Governo nos casos em que for chamado<br />

a pronunciar sobre determinada<br />

questão em concreto.”<br />

Aviso n.º 5/2017,<br />

de 7 de setembro, do Banco<br />

de Cabo Verde<br />

Aviso sobre as condições, mecanismos<br />

e procedimentos necessários<br />

ao efetivo cumprimento dos deveres


LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 49<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

preventivos da lavagem de capitais e<br />

financiamento do terrorismo no âmbito<br />

da prestação de serviços financeiros<br />

sujeitos à supervisão do Banco<br />

de Cabo Verde.<br />

GUINÉ-BISSAU<br />

Lei 1/2012, de 05 de setembro<br />

(Lei de Luta contra o<br />

financiamento do terrorismo)<br />

Aprova a Lei de Luta contra o financiamento<br />

do terrorismo nos Estados<br />

Membros da União Monetária<br />

Oeste Africana (UMOA), a qual define<br />

o respetivo quadro jurídico na<br />

Guiné-Bissau. Assegura a interdependência<br />

dos dispositivos de luta contra<br />

a criminalidade financeira transnacional<br />

em vigor, completando e reforçando<br />

os regimes relativos à luta<br />

contra o branqueamento de capitais.<br />

Lei 3/2018, de 07 de agosto<br />

(Combate ao Branqueamento<br />

de Capital e Financiamento<br />

do Terrorismo)<br />

Aprova a Lei do Combate ao Branqueamento<br />

de Capital e Financiamento<br />

do Terrorismo tendo por objeto<br />

a prevenção e punição do branqueamento<br />

de capitais e financiamento<br />

do terrorismo, bem como a<br />

proliferação de armas de destruição<br />

massiva, estabelecendo medidas que<br />

visam detetar e desencorajar o branqueamento<br />

de capitais considerando-<br />

-se ilícita a origem de capitais ou de<br />

bens quando estes provêm da prática<br />

ilícita de uma das infrações enumeradas<br />

no diploma.<br />

Decreto 1/2006, de 29 de maio<br />

Cria a Célula Nacional de Tratamento<br />

de Informações Financeiras<br />

(CENTIF), por aplicação da Resolução<br />

n.º 4/PL/2004, entidade competente<br />

para a recepção, análise e tratamento<br />

das informações específicas<br />

e capazes de estabelecer a origem ou<br />

natureza das operações e transações<br />

objeto de suspeita.<br />

Resolução 4/PL/2004,<br />

de 02 de novembro<br />

Aprova a Lei Uniforme Relativa à<br />

Luta Contra o Branqueamento de<br />

Capitais e da Lei Relativa às Medidas<br />

de Promoção de Bancarização e<br />

da Utilização de Meios de Pagamento<br />

Escriturais.<br />

MACAU<br />

Lei n.º 6/97/M, de 30 de julho<br />

de 1997, alterada pela Lei<br />

n.º 2/2006, Lei 8/2017,<br />

Lei 6/2008 e Lei 9/2013<br />

Estabelece o regime legal contra a<br />

criminalidade organizada.<br />

Lei n.º 2/2006, de 03 de março<br />

de 2006, republicada pela<br />

Lei n.º 3/2017 de 22 de maio<br />

de 2017<br />

Estabelece medidas destinadas a<br />

prevenir e reprimir o crime de branqueamento<br />

de capitais.<br />

Lei n.º 6/2016, de 29 de agosto<br />

Estabelece o regime de execução de<br />

decisões de congelamento de bens.<br />

Lei n.º 6/2017, de 12 de junho<br />

Estabelece o sistema de controlo do<br />

transporte transfronteiriço de numerário<br />

e de instrumentos negociáveis<br />

ao portador.<br />

Regulamento Administrativo<br />

n.º 7/2006, de 15 de maio<br />

de 2006, republicado pelo<br />

Regulamento Administrativo<br />

17/2017, de 29 de maio de 2017<br />

Estabelece as medidas de natureza<br />

preventiva dos crimes de branqueamento<br />

de capitais e de financiamento<br />

ao terrorismo.<br />

Despacho do Chefe do Executivo<br />

n.º 228/2017<br />

Aprova o modelo de impresso de<br />

declaração de transporte transfronteiriço<br />

de numerário e de instrumentos<br />

negociáveis ao portador, nas línguas<br />

oficiais e na língua inglesa.<br />

Despacho do Chefe do Executivo<br />

n.º 227/2017<br />

Fixa o montante de referência para<br />

efeitos de obrigações declarativas de<br />

transporte transfronteiriço de numerário<br />

e de instrumentos negociáveis<br />

ao portador.<br />

MOÇAMBIQUE<br />

Lei 2/2018, de 19 de junho<br />

Regulação do Gabinete de Informação<br />

Financeira de Moçambique<br />

(GIFiM), entidade do Estado, de<br />

âmbito nacional, que tem por finalidade<br />

prevenir e combater a utilização<br />

do sistema financeiro nacional<br />

e outros setores da atividade económica,<br />

para o branqueamento de capitais,<br />

financiamento do terrorismo<br />

e outros crimes conexos, fixando-se<br />

as suas atribuições, competências e<br />

funcionamento.<br />

Lei 14/2013, de 12 de agosto<br />

Lei de Prevenção e Combate ao<br />

Branqueamento de Capitais e Financiamento<br />

ao Terrorismo que estabelece<br />

o regime jurídico e medidas de<br />

prevenção e repressão, em relação à<br />

utilização do sistema financeiro e das<br />

entidades não financeiras para branqueamento<br />

de capitais.


50 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Resolução 15/2003, de 14 de maio<br />

(Política e Estratégia de Prevenção<br />

e Combate à Droga)<br />

Aprova a Política e Estratégia de<br />

Prevenção e Combate à Droga dando<br />

primazia ao reforço das ações de<br />

combate ao tráfico ilícito de drogas,<br />

ao branqueamento de capitais e à criminalidade<br />

conexa.<br />

Aviso n.º 4/GBM/2015,<br />

de 17 de junho<br />

Fixa as diretrizes e medidas de prevenção<br />

ao branqueamento de capitais<br />

e financiamento ao terrorismo, aprovadas<br />

pelo Banco de Moçambique.<br />

PORTUGAL<br />

A atividade de branqueamento de<br />

capitais, comportamento ilícito criminoso<br />

tipificado no artigo 386.º<br />

do Código Penal, tem sido alvo de<br />

uma profícua intervenção legislativa,<br />

principalmente numa perspetiva de<br />

prevenção geral e especial deste tipo<br />

de conduta, em Portugal sempre associado<br />

ao Terrorismo, pelo que se<br />

revela essencial esclarecer e desenhar<br />

uma imagem dos instrumentos normativos<br />

aplicáveis.<br />

Assim, no âmbito desta matéria,<br />

de seguida se apresenta, de forma<br />

cronológica, a legislação aplicável,<br />

como segue:<br />

a: normas emanadas pela união europeia,<br />

aplicáveis na decorrência do<br />

princípio do primado e princípio do<br />

efeito direto:<br />

Diretiva (UE) 2019/1153 do<br />

Parlamento Europeu e do Conselho,<br />

de 20 de junho de 2019<br />

relativa à utilização de informações<br />

financeiras e de outro tipo para efeitos<br />

de prevenção, deteção, investigação<br />

ou repressão de determinadas<br />

infrações penais.<br />

Diretiva (UE) 2018/1673<br />

do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 23 de outubro<br />

de 2018<br />

Relativa ao combate ao branqueamento<br />

de capitais através do direito<br />

penal.<br />

Regulamento (UE) 2018/1672<br />

do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 23 de outubro<br />

de 2018<br />

Relativo ao controlo das somas em<br />

dinheiro líquido que entram ou saem<br />

da União Europeia.<br />

Diretiva (UE) 2018/843 do<br />

Parlamento Europeu e do Conselho,<br />

de 30 de maio de 2018<br />

Altera a Diretiva (UE) 2015/849,<br />

relativa à prevenção da utilização do<br />

sistema financeiro para efeitos de<br />

branqueamento de capitais ou de financiamento<br />

do terrorismo.<br />

Regulamento Delegado (UE)<br />

2018/1108 da Comissão,<br />

de 7 de maio 2018<br />

Completa a Diretiva (UE)<br />

2015/849, estabelecendo normas<br />

técnicas de regulamentação sobre os<br />

critérios de nomeação e funcionamento<br />

dos pontos de contacto centrais<br />

dos emitentes de moeda eletrónica<br />

e dos prestadores de serviços de<br />

pagamento.<br />

Diretiva (UE) 2016/2258<br />

do Conselho, de 6 de dezembro<br />

de 2016<br />

Relativa ao acesso às informações<br />

anti-branqueamento de capitais por<br />

parte das autoridades fiscais.<br />

Regulamento Delegado (UE)<br />

2016/1675 da Comissão,<br />

de 14 de julho de 2016<br />

Completa a Diretiva (UE)<br />

2015/849 do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, procedendo à identificação<br />

dos países terceiros de risco<br />

elevado que apresentam deficiências<br />

estratégicas.<br />

Diretiva (UE) 2015/849<br />

do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 20 de maio<br />

de 2015<br />

Relativa à prevenção da utilização<br />

do sistema financeiro para efeitos de<br />

branqueamento de capitais ou de financiamento<br />

do terrorismo [alterada<br />

pela Diretiva (UE) 2018/843].<br />

Regulamento (UE) 2015/847<br />

do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 20 de maio<br />

2015<br />

Estabelece as informações sobre o<br />

ordenante que devem acompanhar as<br />

transferências de fundos.<br />

b. normas gerais:<br />

Lei n.º 5/2002<br />

Estabelece medidas de combate à<br />

criminalidade organizada e económico-financeira<br />

e procede à segunda<br />

alteração à Lei n.º 36/94, de 29 de<br />

setembro, alterada pela Lei n.º 90/99,<br />

de 10 de julho, e quarta alteração ao<br />

Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de dezembro,<br />

alterado pela Lei n.º 65/98,<br />

de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei<br />

n.º 275-A/2000, de 9 de novembro,<br />

e pela Lei n.º 104/2001, de 25 de<br />

agosto.<br />

Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto<br />

(Lei de combate ao terrorismo)<br />

Lei de combate ao terrorismo (em<br />

cumprimento da Decisão Quadro n.º<br />

2002/475/JAI, do Conselho, de 13<br />

de junho) - décima segunda alteração<br />

ao Código de Processo Penal e décima<br />

quarta alteração ao Código Penal.<br />

Portaria n.º 150/2004<br />

Aprova a lista dos países, territórios<br />

e regiões com regimes de tributação<br />

privilegiada, claramente mais favoráveis<br />

(diploma repristinado pelo artigo<br />

290.º da Lei n.º 114/2017, de 29<br />

de dezembro).<br />

Decreto-Lei n.º 61/2007,<br />

de 14 de março<br />

Aprova o regime jurídico aplicável<br />

ao controlo dos montantes de dinheiro<br />

líquido, transportado por pessoas


LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 51<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

singulares, que entram ou saem da<br />

UE através do território nacional,<br />

bem como ao controlo dos movimentos<br />

de dinheiro líquido com outros<br />

Estados-Membros da UE.<br />

Menção à Resolução do Conselho<br />

de Ministros n.º 88/2015,<br />

de 1 de outubro<br />

Cria a Comissão de Coordenação<br />

de Políticas de Prevenção e Combate<br />

ao Branqueamento de Capitais e ao<br />

Financiamento do Terrorismo.<br />

Lei n.º 15/2017, de 3 de maio<br />

Proíbe a emissão de valores mobiliários<br />

ao portador e altera o Código<br />

dos Valores Mobiliários, aprovado<br />

pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de<br />

novembro, e o Código das Sociedades<br />

Comerciais, aprovado pelo Decreto-<br />

-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro.<br />

Diretiva 2015/849/UE,<br />

do Parlamento Europeu<br />

e do Conselho, de 20 de maio<br />

de 2015<br />

Relativa à prevenção da utilização<br />

do sistema financeiro para efeitos de<br />

branqueamento de capitais ou de financiamento<br />

do terrorismo, que altera<br />

o Regulamento (UE) n.° 648/2012<br />

do Parlamento Europeu e do Conselho,<br />

e que revoga a Diretiva 2005/60/<br />

CE do Parlamento Europeu e do<br />

Conselho e a Diretiva 2006/70/CE<br />

da Comissão (Texto relevante para<br />

efeitos do EEE).<br />

Diretiva 2016/2258/UE,<br />

do Conselho, de 6 de dezembro<br />

de 2016<br />

Altera a Diretiva 2011/16/UE no<br />

que respeita ao acesso às informações<br />

anti branqueamento de capitais por<br />

parte das autoridades fiscais.<br />

Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto<br />

Estabelece medidas de combate ao<br />

branqueamento de capitais e ao financiamento<br />

do terrorismo, transpõe<br />

parcialmente as Diretivas 2015/849/<br />

UE, do Parlamento Europeu e do<br />

Conselho, de 20 de maio de 2015, e<br />

2016/2258/UE, do Conselho, de 6<br />

de dezembro de 2016, altera o Código<br />

Penal e o Código da Propriedade<br />

Industrial e revoga a Lei n.º 25/2008,<br />

de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º<br />

125/2008, de 21 de julho.<br />

Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto<br />

Aprova o Regime Jurídico do Registo<br />

Central do Beneficiário Efetivo,<br />

transpõe o capítulo III da Diretiva<br />

(UE) 2015/849, do Parlamento<br />

Europeu e do Conselho, de 20 de<br />

maio de 2015, e procede à alteração<br />

de Códigos e outros diplomas<br />

legais.<br />

Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto<br />

Obriga à utilização de meio de pagamento<br />

específico em transações<br />

que envolvam montantes iguais ou<br />

superiores a EUR 3 000, alterando a<br />

Lei Geral Tributária e o Regime Geral<br />

das Infrações Tributárias.<br />

Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto<br />

Define os objetivos, prioridades e<br />

orientações de política criminal para<br />

o biénio de 2017-2019<br />

Menção à Diretiva n.º 1/2017,<br />

qual define diretivas e instruções<br />

genéricas para a execução da Lei n.º<br />

96/2017.<br />

Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto<br />

Regula a aplicação e a execução de<br />

medidas restritivas aprovadas pela<br />

Organização das Nações Unidas ou<br />

pela União Europeia e estabelece o<br />

regime sancionatório aplicável à violação<br />

destas medidas.<br />

Decreto-Lei n.º 123/2017,<br />

de 25 de setembro<br />

Estabelece o regime de conversão<br />

dos valores mobiliários ao portador<br />

em valores mobiliários nominativos,<br />

em execução da Lei n.º 15/2017, de<br />

3 de maio.<br />

Portaria n.º 233/2018,<br />

de 21 de agosto<br />

Regulamenta o Regime Jurídico<br />

do Registo Central do Beneficiário<br />

Efetivo (Regime Jurídico do RCBE),<br />

aprovado pela Lei n.º 89/2017, de<br />

21 de agosto.<br />

Portaria n.º 310/2018,<br />

de 4 de dezembro<br />

Regulamenta o disposto no artigo<br />

45.º da Lei n.º 83/2017, de 18<br />

de agosto, definindo as tipologias de<br />

operações a comunicar, pelas entidades<br />

obrigadas, ao DCIAP e à UIF,<br />

bem como o prazo, a forma e os demais<br />

termos das comunicações.<br />

B. NORMAS ESPECÍFICAS<br />

B.1. - Setor dos Registos<br />

e Notariado<br />

Deliberação do Conselho Diretivo<br />

do IRN n.º 01/CD/2014,<br />

de 27 de março<br />

Estabelece regras para o cumprimento<br />

dos deveres gerais e específicos<br />

fixados na Lei n.º 25/2008, pelos<br />

conservadores e notários.<br />

B.2. - Setores Sujeitos<br />

à Fiscalização da ASAE<br />

Regulamento n.º 314/2018,<br />

de 25 de maio<br />

Fixa as condições e determina o<br />

conteúdo do cumprimento dos deveres<br />

gerais e específicos fixados na Lei<br />

n.º 83/2017, de 18 de agosto, pelas<br />

entidades obrigadas abrangidas pela<br />

fiscalização preventiva do BC/FT a<br />

cargo da ASAE.<br />

B.3. - Setor Imobiliário<br />

Deliberação n.º 988/2017,<br />

de 9 de novembro<br />

Procedimentos atinentes ao cumprimento<br />

da obrigação de proceder à<br />

comunicação de início de atividade e<br />

das transações imobiliárias efetuadas.<br />

Regulamento n.º 276/2019,<br />

de 26 de março<br />

Estabelece as condições de exercício<br />

e define os procedimentos, instrumentos,<br />

mecanismos e formalidades<br />

necessários para assegurar o cumprimento<br />

dos deveres de prevenção e<br />

combate ao branqueamento de capitais<br />

e ao financiamento do terrorismo<br />

previstos na Lei n.º 83/2017,<br />

de 18 de agosto.


52 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

B.4. - Setor dos Seguros e Fundos<br />

de Pensões<br />

Norma Regulamentar n.º 8 /2009-<br />

R, de 4 de junho<br />

Mecanismos de governação no âmbito<br />

dos fundos de pensões – Gestão<br />

de riscos e controlo interno.<br />

Norma Regulamentar n.º 14/2005-<br />

R, de 29 de novembro<br />

Princípios aplicáveis ao desenvolvimento<br />

dos sistemas de gestão de<br />

riscos e de controlo interno das empresas<br />

de seguros.<br />

Norma Regulamentar n.º 10/2005-<br />

R, de 19 de julho<br />

Prevenção do branqueamento de<br />

capitais.<br />

B.5. - Setor Bancário<br />

Instrução do Banco de Portugal<br />

n.º 5/2019, de 30 de janeiro<br />

Define os requisitos de informação<br />

a reportar periodicamente ao Banco<br />

de Portugal por entidades sujeitas à<br />

sua supervisão em matéria de prevenção<br />

do BC/FT.<br />

Aviso do Banco de Portugal<br />

n.º 2/2018, de 26 de setembro<br />

Define os aspetos necessários para<br />

assegurar (i) o cumprimento dos deveres<br />

preventivos do BC/FT, (ii) os<br />

meios e os mecanismos necessários<br />

para assegurar o cumprimento dos<br />

deveres sobre aplicação e execução de<br />

medidas restritivas e (iii) as medidas<br />

e os procedimentos que os prestadores<br />

de serviços de pagamento devem<br />

adotar para detetar e gerir as transferências<br />

de fundos com informações<br />

omissas ou incompletas.<br />

Aviso do Banco de Portugal<br />

n.º 8/2016, de 30 de setembro<br />

Regula os deveres de registo e de<br />

comunicação ao Banco de Portugal<br />

sobre operações correspondentes a<br />

serviços de pagamento que tenham<br />

como beneficiária pessoa singular<br />

ou coletiva sediada em qualquer ordenamento<br />

jurídico offshore, bem<br />

como as condições, mecanismos e<br />

procedimentos necessários ao seu<br />

cumprimento.<br />

Aviso do Banco de Portugal<br />

n.º 7/2009, de 16 de setembro<br />

Veda a concessão de crédito a entidades<br />

sediadas em jurisdição offshore<br />

considerada não cooperante ou<br />

cujo beneficiário último seja desconhecido.<br />

Aviso do Banco de Portugal<br />

n.º 5/2008, de 18 de dezembro<br />

Define os princípios e requisitos<br />

mínimos a que deve obedecer o sistema<br />

de controlo interno das instituições<br />

financeiras.<br />

B.6. - Autoridade Tributária<br />

e Aduaneira<br />

Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98,<br />

de 17 de dezembro)<br />

-- Artigo 63.º-C<br />

Impõe a obrigatoriedade de utilização<br />

de contas bancárias exclusivamente<br />

afetas à atividade empresarial,<br />

bem como – no caso de faturas ou<br />

documentos equivalentes de valor<br />

igual ou superior a 1000 euros – a<br />

utilização de meios de pagamento<br />

que permitam a identificação do respetivo<br />

destinatário.<br />

Regime Geral das Infrações<br />

Tributárias (Lei n.º 15/2001,<br />

de 05 de junho)<br />

-- Artigo 129.º<br />

Estabelece as coimas aplicáveis às<br />

contraordenações emergentes da violação<br />

das obrigações previstas no artigo<br />

63.º-C da Lei Geral Tributária.<br />

De forma indireta ou acessória:<br />

B.7. - Unidade de Informação<br />

Financeira<br />

Decreto-Lei n.º 42/2009,<br />

de 12 de fevereiro<br />

Estabelece as competências das unidades<br />

da Polícia <strong>Judiciária</strong>.<br />

Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto<br />

Aprova a orgânica da Polícia <strong>Judiciária</strong>.<br />

Decreto-Lei n.º 42/2009,<br />

de 12 de fevereiro<br />

Disciplina as condições de acesso e<br />

análise, em tempo real, da informação<br />

pertinente para a investigação dos<br />

crimes tributários pela Polícia <strong>Judiciária</strong><br />

e pela administração tributária.<br />

B.8. - Ministério Público<br />

Despacho n.º 11076/2016,<br />

de 1 de setembro<br />

Subdelegação das competências<br />

delegadas pelo Despacho n.º<br />

4536/2013, de 18 de março, e autorizada<br />

pelo Despacho n.º 11631/2013,<br />

de 27 de agosto..<br />

Despacho n.º 11631/2013,<br />

de 27 de agosto<br />

Autorização de subdelegação das<br />

competências delegadas pelo Despacho<br />

n.º 4536/2013, de 18 de março,<br />

noutros magistrados do Departamento<br />

Central de Investigação e Ação Penal.<br />

Despacho n.º 4536/2013,<br />

de 18 de março<br />

Delegação de competências da Procuradora-Geral<br />

da República no Diretor<br />

do Departamento Central de<br />

Investigação e Ação Penal, nos termos<br />

do artigo 63.º da Lei n.º 25/2008, de<br />

5 de junho.<br />

JURISPRUDÊNCIA:<br />

Acórdão do Tribunal da Relação<br />

de Lisboa<br />

Relator: Cristina Almeida e Sousa<br />

Data: 30-10-2019<br />

Processo: 405/14.0TELSB.L1-3<br />

O branqueamento de capitais é um<br />

crime de mera atividade e de perigo,<br />

cujo cometimento se verifica com a<br />

simples execução de um dos comportamentos<br />

típicos, independentemente<br />

do seu resultado. Objeto da ação<br />

típica são as vantagens patrimoniais<br />

resultantes de crime anteriormente<br />

cometido pelo próprio branqueador<br />

ou por outrém, desde que integrado<br />

no «catálogo».<br />

Quanto às modalidades de ação, os


LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 53<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

verbos insertos no texto dos n. os 2 e 3<br />

do art. 368º A do CP incluem no seu<br />

âmbito de aplicação uma grande variedade<br />

de condutas, com diferentes<br />

graus de intensidade, espelhados, de<br />

resto, na moldura penal abstrata de<br />

dois a doze anos de prisão.<br />

Face à amplitude da configuração<br />

do crime de branqueamento de capitais<br />

no art. 368º A do Código Penal,<br />

deve entender-se que o processo<br />

trifásico – conversão; dissimulação e<br />

integração – de reciclagem dos bens<br />

ou vantagens patrimoniais resultantes<br />

de factos típicos e ilícitos das espécies<br />

previstas no seu n.º 1 pode ser mais ou<br />

menos elaborado, consoante a economia<br />

de esforço necessária à produção<br />

do resultado antijurídico, pelo que a<br />

mera introdução de dinheiro proveniente<br />

da prática de crimes base, ou da<br />

venda de bens obtidos através do cometimento<br />

desses tipos de ilícito, por<br />

exemplo, através de um mero depósito<br />

bancário, ainda que menos grave e perigosa<br />

do que outras mais sofisticadas<br />

e engenhosas, é já branqueamento de<br />

capitais, sob pena de restrição ilegal do<br />

âmbito objetivo do tipo e de desarticulação<br />

funcional com o bem jurídico<br />

tutelado com a incriminação.<br />

O crime de branqueamento de capitais,<br />

tanto na modalidade tipificada<br />

no n.º 2 como na modalidade prevista<br />

no n.º 3 do art. 368º A do CP,<br />

é um crime de intenção que exige o<br />

dolo específico, traduzido no propósito,<br />

ou melhor, dois propósitos (os<br />

quais podem ser cumulativos ou alternativos),<br />

que acrescem à consciência<br />

e vontade relativa aos elementos<br />

objetivos do crime – o agente tem de<br />

atuar com o fim de dissimular a origem<br />

ilícita das vantagens em causa,<br />

ou com o fim de evitar que o autor<br />

ou participante das infrações subjacentes<br />

seja criminalmente perseguido<br />

ou submetido a uma reação criminal.<br />

Acórdão do Tribunal da Relação<br />

de Lisboa<br />

Relator: Ricardo Cardoso<br />

Data: 06-06-2017<br />

Processo: 208/13.9TELSB.G.L1-5<br />

Sumário: 1ª Portugal pune, no seu<br />

ordenamento interno (art. 368º-A do<br />

Código Penal), o crime de branqueamento<br />

de capitais como um crime de<br />

ação autónomo “mesmo que as atividades<br />

que estão na origem dos bens a<br />

branquear se localizem no território<br />

de outro Estado-membro ou de um<br />

país terceiro,” porque o princípio da<br />

autonomia do crime de branqueamento<br />

de capitais é imposto pelo<br />

artigo 9º, n.º 5, da Convenção do<br />

Conselho da Europa relativo ao branqueamento<br />

de capitais, concluída em<br />

Varsóvia, em 16 de maio de 2005, e<br />

vigente na nossa ordem jurídica interna,<br />

desde 1 de agosto de 2010, no<br />

qual se afirma que deverá ser garantida<br />

a possibilidade de condenação<br />

por branqueamento, “independentemente<br />

de condenação anterior ou<br />

simultânea pela prática de infração<br />

subjacente.”<br />

2ª O que decorre também do<br />

disposto no art. 1º da Diretiva n.º<br />

91/308/CEE, de 10 de junho de<br />

1991, baseado no art. 3º, n.º 3, da<br />

Convenção de Viena das Nações<br />

Unidas, e no art. 6º, n.º 2, alínea<br />

c), da Convenção de Estrasburgo do<br />

Conselho da Europa, resultando expressamente<br />

ressalvado do mesmo artigo<br />

art. 1º da Diretiva n.º 91/308/<br />

CEE, de 10 de junho de 1991, que:<br />

“Existe branqueamento de capitais<br />

mesmo que as atividades que estão na<br />

origem dos bens a branquear se localizem<br />

no território de outro Estado-<br />

-membro ou de um país terceiro.”<br />

3ª O art. 368º-A do Código Penal<br />

concretiza a consagração no ordenamento<br />

jurídico interno do princípio<br />

da privação dos criminosos do produto<br />

das suas atividades, - afirmado<br />

como o primeiro de três objetivos<br />

principais da Convenção da Nações<br />

Unidas de 1988, - “suprimindo, deste<br />

modo, o seu móbil ou incentivo<br />

principal, evitando, do mesmo passo,<br />

que a utilização desses fortunas<br />

ilicitamente acumuladas permita as<br />

organizações transnacionais invadir,<br />

contaminar e corromper as estruturas<br />

do Estado, as atividades e financeiras<br />

legítimas e a sociedade a todos<br />

os seus níveis.”<br />

4ª O art. 368º-A do Código Penal<br />

resulta do compromisso internacional<br />

de admissão no ordenamento<br />

jurídico interno, do reconhecimento<br />

do próprio Estado Português do<br />

seu próprio interesse nacional, sujeito<br />

aos princípios da nacionalidade<br />

e de defesa dos interesses nacionais,<br />

em evitar a invasão, contaminação e<br />

corrupção das estruturas do Estado,<br />

as atividades e financeiras legítimas<br />

e a sociedade a todos os seus níveis,<br />

punitivas do crime de branqueamento<br />

de capitais, mesmo que as atividades<br />

que estão na origem dos bens a<br />

branquear se localizem no território<br />

de outro Estado-membro da Comunidade<br />

Europeia ou de um país terceiro,<br />

do que resulta que o crime de<br />

branqueamento de capitais é punido<br />

em Portugal quando os seus atos sejam<br />

perpetrados no território nacional,<br />

por força do art. 4º, alínea), do<br />

Código Penal.<br />

5ª Não se trata, por isso, de uma<br />

questão de competência internacional<br />

dos tribunais portugueses em<br />

matéria penal, mas tão só da competência<br />

dos tribunais portugueses<br />

para perseguir um crime perpetrado<br />

no território nacional, nos termos dos<br />

artigos 4º alínea a) e 368º-A, ambos<br />

do Código Penal.<br />

6ª A verificação do crime de branqueamento<br />

de capitais pressupõe,<br />

efetivamente, uma ilicitude prévia,<br />

mas não depende de uma condenação<br />

pelo crime anterior, nem sequer<br />

da sua perseguição criminal, no país<br />

de origem das produzidas vantagens,<br />

bens ou direitos, porque assim resulta<br />

o princípio da autonomia do crime<br />

de branqueamento de capitais previsto<br />

no art. 368º-A do Código Penal.<br />

7ª Por isso, o crime de branqueamento<br />

de capitais é um crime de ação<br />

e autónomo em relação ao crime subjacente,<br />

pelo que não se verifica a excepção<br />

da incompetência internacional<br />

dos tribunais portugueses para<br />

perseguir o crime de branqueamento<br />

de capitais, perpetrado em Portugal,<br />

com fundamento em que os crimes<br />

precedentes ocorreram fora do território<br />

nacional, no caso em Angola,<br />

como ao entender aplicável o art. 5º<br />

do Código Penal.


54 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

9ª A decisão recorrida encontra-se<br />

fulminada de nulidade insanável, por<br />

incompetência do tribunal nos termos<br />

do art. 119ª, alínea e), do CPP, porque<br />

o juiz de instrução exorbitou flagrantemente<br />

o limite das suas competências<br />

em fase de inquérito expressamente<br />

previstas nos art. os 268º e 269º do<br />

CPP, o que fez ao pronunciar-se sobre<br />

o mérito da causa, formulando um juízo<br />

de apreciação de uma alegada insuficiência<br />

indiciária no caso concreto e<br />

ao declarar a incompetência do MºPº<br />

para a direção do inquérito.<br />

10ª A conclusão acabada de enunciar,<br />

segundo a qual o juiz de instrução<br />

em fase de inquérito declarou<br />

o MºPº “incompetente para julgar<br />

os crimes cometidos em Angola”, é<br />

o corolário da demonstração da incompreensão<br />

pelo tribunal “a quo”,<br />

sobre o objeto dos autos que tinha<br />

perante si, os quais não versam sobre<br />

os crimes precedentes cometidos<br />

em Angola, mas, outrossim, sobre o<br />

crime de branqueamento de capitais<br />

perpetrado em Portugal.<br />

11ª No processo penal, não são<br />

aplicáveis as normas relativas à competência<br />

internacional dos tribunais<br />

portugueses do Código de Processo<br />

Civil, por não haver lugar à aplicação<br />

do art. 4º do CPP, dada a inexistência<br />

de caso omisso que permita o recurso<br />

à sua aplicação, por contrariado<br />

pela previsão expressa dos art. os 32º<br />

e 33º, ambos do Código de Processo<br />

Penal, - o último dos quais prevê<br />

expressamente no seu n.º 4 que, “Se<br />

para conhecer de um crime não forem<br />

competentes os tribunais portugueses,<br />

o processo é arquivado”, pelo<br />

que não pode ter lugar a “absolvição<br />

da instância”, a qual constituiria um<br />

verdadeiro encerramento do inquérito<br />

e despacho de arquivamento, inadmissivelmente<br />

proferidos por juiz de<br />

instrução em fase de inquérito.<br />

12ª A apreciação jurisdicional da<br />

decisão de encerramento da fase de<br />

inquérito apenas pode ser tomada<br />

pelo Ministério Público, enquanto o<br />

despacho de arquivamento determinado<br />

pelo juiz de instrução, apenas<br />

é processualmente possível na fase de<br />

instrução, se o juiz de instrução for<br />

para o efeito convocado por quem tenha<br />

para tal legitimidade, nos termos<br />

dos art. os 286º e seguintes do Código<br />

de Processo Penal.<br />

13ª Assim, a declarada verificação<br />

da excepção de incompetência absoluta<br />

dos tribunais portugueses, nos<br />

termos das normas do processo civil<br />

invocadas na decisão recorrida, e a<br />

declaração de absolvição da instância<br />

da denunciada, padece de violação,<br />

por erro de interpretação, dos<br />

art. 4º, 32º e 33º, n.º 4, do Código<br />

de Processo Penal, enfermando ainda<br />

da nulidade insanável por incompetência<br />

do juiz de instrução em fase<br />

de inquérito para conhecer do mérito<br />

da causa, assim como para apreciar e<br />

declarar a alegada insuficiência indiciária<br />

do preenchimento do tipo<br />

do crime de branqueamento, como<br />

finalmente para se pronunciar sobre<br />

a incompetência do MºPº para<br />

perseguir tal crime, nos termos do<br />

art.119º, alínea d), do CPP.<br />

14ª - Na fase de inquérito o juiz<br />

de instrução não tem poderes para<br />

impedir que o Ministério Público, o<br />

assistente ou outro sujeito processual,<br />

o convoquem a tomar posição sobre<br />

determinadas questões nos termos<br />

legalmente prescritos, não podendo<br />

deixar de apreciar todas as questões<br />

que, durante a fase de inquérito lhe<br />

venham a ser apresentadas, ainda<br />

que seja para se declarar incompetente<br />

para o efeito. (Sumariado pelo<br />

relator).<br />

Acórdão do Tribunal da Relação<br />

de Lisboa<br />

Relator: Cristina Santana<br />

Data: 14-02-2019<br />

Processo: 175/18.2TELSB.L1-9<br />

I. Face à especificidade de determinado<br />

tipo de crimes, designadamente<br />

o crime de branqueamento<br />

de capitais, perante a constatação da<br />

ineficácia das medidas preventivas e<br />

repressivas autorizadas pelo C.P.P.,<br />

foram criados novos instrumentos<br />

preventivos e repressivos.<br />

2. A decisão de suspensão de movimentação<br />

de saldo de conta bancária,<br />

ao abrigo dos artigos 49º, n. os 1 e 2,<br />

e 48º, n.º 3, al. a) e b), ambos da Lei<br />

n.º 83/17, de 18 de agosto, constitui<br />

um meio de recolha de prova.<br />

3. Para que seja tomada a supra referida<br />

medida basta que haja suspeita<br />

da prática de crime de branqueamento<br />

de capitais.<br />

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE<br />

Lei n.º 17/2018, de 29 de junho de<br />

2018 - Regime Jurídico do Sistema<br />

Nacional de Pagamentos:<br />

“Considerando o aumento das<br />

transações nos mercados financeiros,<br />

tanto nacionais como internacionais<br />

e a consequente sofisticação<br />

dos produtos financeiros, propiciada<br />

pelos avanços tecnológicos, exigindo<br />

o desenvolvimento e o aperfeiçoamento<br />

dos sistemas de pagamento,<br />

de modo a assegurar eficazmente a<br />

transferência eficiente e segura de<br />

fundo entre particulares, entidades<br />

comerciais e outras, bem como instituições<br />

financeiras;<br />

Considerando, igualmente, a necessidade<br />

de se rever o atual Regime<br />

Jurídico do Sistema Nacional de Pagamentos,<br />

de modo a dar cabalmente<br />

resposta às exigências dos tempos<br />

modernos impostas pelo acentuado<br />

desenvolvimento e complexidade das<br />

transações nos mercados financeiros;<br />

Tendo em atenção a importância<br />

de que se reveste o Sistema Nacional<br />

de Pagamento enquanto um dos<br />

suportes fundamentais da política<br />

monetária, estabilidade financeira e<br />

desenvolvimento económico global<br />

de um país;<br />

Considerando ainda o papel preponderante<br />

do Banco Central, em<br />

todo este processo, devendo estar<br />

capacitado para ser o principal interventor<br />

no desenvolvimento do Sistema<br />

Nacional de Pagamento, bem<br />

como na implementação de procedi-


LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 55<br />

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />

mento e práticas internacionalmente<br />

aceites para os sistemas de pagamento<br />

conferindo-lhes, assim, maior eficácia,<br />

segurança e eficiência, é definido<br />

e Regime jurídico do Sistema Nacional<br />

de Pagamentos.”<br />

Lei n.º 8/2013, de 15 de outubro<br />

de 2013<br />

“A globalização das economias, o<br />

aparecimento de novas formas de comunicação<br />

associadas às tecnologias<br />

de informação aplicadas nas transações<br />

financeiras nacionais ou internacionais,<br />

onde se exige o sigilo bancário,<br />

impulsionaram profundamente a<br />

prática de novas formas de atividades<br />

ilícitas com caráter organizado. Atividades<br />

criminosas cujo objetivo principal<br />

dos atores é precisamente ocultar<br />

ou dissimular a verdadeira origem e<br />

rastos deixados pelos objetos que foram<br />

utilizados na prática das respetivas<br />

infrações subjacentes ou dos bens ou<br />

produtos resultantes da prática dessas<br />

infrações, integrando-os em circuitos<br />

normais da economia. Por ser uma<br />

ameaça crescente e a nível global, uma<br />

vez que envolve a prática de atividades<br />

ilícitas em diversos países, o fenómeno<br />

de branqueamento de capitais, mereceu<br />

o enquadramento em diversos<br />

instrumentos internacionais, nomeadamente<br />

na Convenção das Nações<br />

Unidas contra Tráfico de Estupefacientes<br />

e de Substâncias Psicotrópicas<br />

e, mais tarde, na Convenção das Nações<br />

Unidas contra a Criminalidade<br />

Transnacional Organizada (Convenção<br />

de Palermo) e na Convenção das<br />

Nações Unidas contra a Corrupção<br />

(UNCAC).<br />

Embora o branqueamento de capitais<br />

estivesse inicialmente associado ao<br />

tráfico de drogas, devido às elevadas<br />

quantias envolvidas na referida atividade,<br />

o certo é que nos dias que correm<br />

tal fenómeno se estendeu a outros<br />

tipos de crimes, cujas práticas põem<br />

em causa bens jurídicos legalmente<br />

tutelados. Por outro lado, tem sido<br />

frequente o apoio e a mobilização de<br />

fundos ao nível global, relativamente<br />

a prática de atividades que envolvem<br />

o terrorismo, ameaçando o Estado de<br />

Direito em diversas sociedades com<br />

implicações na paz, segurança e outros<br />

valores defendidos universalmente.<br />

A Organização das Nações Unidas -<br />

ONU, através do Programa Mundial<br />

de Luta contra o Branqueamento de<br />

Capitais e o Financiamento do Terrorismo,<br />

tem preconizado a criação de<br />

estruturas para o estudo, informação,<br />

aconselhamento e assistência técnica<br />

sobre o problema, o alargamento e o<br />

reforço da aplicação de medidas para<br />

prevenir estes fenómenos, aproveitando<br />

designadamente as experiências do<br />

Grupo de Ação Financeira Internacional<br />

(GAFI) e os padrões adotados por<br />

esta instituição. Ao nível interno, a resposta<br />

legislativa deve passar necessariamente<br />

pela transposição dos referidos<br />

instrumentos no quadro jurídico são-<br />

-tomense, adotando medidas tanto de<br />

natureza preventiva como repressiva,<br />

com realce para a criminalização do<br />

branqueamento de capitais e do financiamento<br />

do terrorismo, bem como a<br />

criminalização com maior amplitude<br />

e a designação das condutas ilícitas<br />

relacionadas com o referido fenómeno.<br />

Do ponto de vista de conteúdo,<br />

o presente Diploma pauta-se não só<br />

pelo enquadramento das infrações<br />

relacionadas com o branqueamento<br />

de capitais e com o financiamento do<br />

terrorismo, revogando as disposições<br />

constantes no Código Penal sobre as<br />

matérias que apresentam insuficiências,<br />

como igualmente reforça as medidas<br />

de natureza preventiva, estendendo<br />

as articulações entre as autoridades<br />

competentes no que se refere à<br />

disseminação de informação e à instrução<br />

de processos.<br />

Por seu lado, o âmbito da responsabilidade<br />

penal alarga-se às pessoas<br />

coletivas de acordo, com o princípio<br />

consagrado no artigo 11.º do atual<br />

Código Penal. Relativamente à natureza,<br />

para além das infrações penais<br />

contemplaram-se igualmente<br />

as infrações administrativas, assim<br />

como o regime da apreensão, perda<br />

e congelamento dos bens ou produtos<br />

conexos com o branqueamento<br />

de capitais e com o financiamento<br />

ao terrorismo. Com a presente revisão<br />

da Lei de Prevenção e Combate<br />

ao Branqueamento de Capitais e Financiamento<br />

do Terrorismo as autoridades<br />

são-tomenses visam agregar<br />

os padrões internacionais nesta<br />

área, recentemente atualizados. Neste<br />

propósito, garantiu-se harmonização<br />

com as disposições internacionais,<br />

nomeadamente, as Resoluções das<br />

Nações Unidas e os mecanismos de<br />

cooperação mútua internacional.”<br />

NAP n.º 07/2018 (norma<br />

de aplicação permanente) -<br />

Avaliação e Gestão de Risco de<br />

Branqueamento de Capitais e<br />

Financiamento do Terrorismo e<br />

NAP n.º 08/2018 - Indicadores<br />

de Risco e Suspeita do<br />

Branqueamento de Capitais e<br />

Financiamento do Terrorismo no<br />

Setor Financeiro:<br />

“A Lei n.º 08/2013, de 15 de outubro,<br />

“Lei de Prevenção e Combate ao<br />

Branqueamento de Capitais e Financiamento<br />

do Terrorismo” estabelece<br />

medidas, de natureza preventiva e repressiva,<br />

de combate ao branqueamento<br />

de vantagens de proveniência ilícita e<br />

ao financiamento do terrorismo, transpondo<br />

para a ordem jurídica interna as<br />

Recomendações do Grupo de Ação Financeira<br />

Internacional (GAFI) relativas<br />

à prevenção da utilização do sistema<br />

financeiro para efeitos de branqueamento<br />

de capitais e de financiamento<br />

do terrorismo (BC/FT);<br />

Considerando que, no quadro do<br />

dever de diligência relativa à clientela,<br />

as instituições financeiras estão obrigadas<br />

a realizar diligências de identificação,<br />

avaliação, gestão e mitigação<br />

dos riscos de BC/FT;<br />

Considerando ainda a necessidade<br />

de as instituições financeiras procederem<br />

à avaliação de risco de BC/<br />

FT a que estão expostas, com vista a<br />

definir e aplicar as medidas de mitigação<br />

reforçada ou simplificada) em<br />

função do risco identificado;<br />

Nestes termos, o Banco Central de<br />

S. Tomé e Príncipe, no uso da competência<br />

que lhe é conferida pelas alíneas<br />

d) e f) do n.º 2 do artigo 8.° da sua<br />

Lei Orgânica, Lei n.º 8/92, conjugada<br />

com a alínea g) do n.º 2 do artigo<br />

25.° da referida Lei 08/2013, veio determinar<br />

as referidas Normas de Aplicação<br />

Permanente 7/2018 e 8/2018”.


56 | PUBLICAÇÕES VIDA ECONÓMICA<br />

janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />

Código do Trabalho<br />

e Legislação Complementar<br />

<strong>Vida</strong> Económica<br />

Código do Trabalho (Aprovado pela lei n.º 7/2009,<br />

de 12 de fevereiro e recentemente alterado pelas leis<br />

n.º 90/2019 e n.º 93/2019, de 4 de setembro)<br />

Regulamento Geral<br />

de Proteção de Dados<br />

- Manual Prático 3ª Edição<br />

Revista e Ampliada<br />

Filipa Matias Magalhães, Maria Leitão Pereira<br />

O Regulamento Geral de Proteção de Dados<br />

introduziu no regime jurídico da proteção dos dados<br />

pessoais novos conceitos, novos direitos e novas<br />

obrigações. Em Agosto de 2019 foi aprovada a Lei<br />

nacional de execução do RGPD completando assim o<br />

regime de tratamento de dados em Portugal<br />

Manual de Direito<br />

Administrativo<br />

António Francisco de Sousa<br />

Com recurso a uma linguagem clara, objetiva<br />

e precisa, este manual constitui uma reflexão e<br />

abordagem crítica próprias, de cunho pessoal, e nesta<br />

medida um contributo à ciência jurídica.<br />

Trata-se de uma versão revista e aprofundada do<br />

Direito Administrativo, publicado em 2009 pela<br />

Editora Prefácio.<br />

Lei Geral do Trabalho<br />

em Funções Públicas<br />

- Anotada e Comentada<br />

2ª Edição<br />

Rui Correia de Sousa<br />

Uma obra prática.<br />

Com mais de 2 dezenas de Minutas e Formulários<br />

que reforçam a utilidade e mais valia da obra.<br />

Um instrumento de trabalho essencial para todos<br />

aqueles que necessitam de conhecer a nova Lei Geral<br />

do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), em vigor<br />

desde 1 de Agosto de 2014.<br />

Benefícios Fiscais<br />

em sede de IRC<br />

Eduardo Sá Silva, Adalmiro Pereira e Susana<br />

Andrade<br />

Com uma linguagem clara e acessível este livro tem<br />

como objectivo sintetizar os principais apoios ao<br />

Investimento, em sede de IRC .<br />

Trata-se de uma obra prática com a inclusão de<br />

diversos casos resolvidos numa matéria que nem<br />

sempre é de fácil interpretação e aplicação.<br />

Contém as alterações introduzidas pelo Orçamento<br />

do Estado para 2019<br />

Código de Insolvência<br />

e da Recuperação<br />

de Empresas - Breves notas<br />

e Jurisprudência<br />

Maria José Esteves, Sandra Alves Amorim<br />

Esta obra surge na sequência das alterações efetuadas<br />

no âmbito do “Programa Capitalizar” do Governo,<br />

cujo objetivo principal foi o relançamento da<br />

economia portuguesa e que estabeleceu como<br />

prioritária a alteração do Código das Sociedades<br />

Comerciais (CSC) e do Código da Insolvência e da<br />

Recuperação de Empresas (CIRE).


Agenda<br />

Jurídica<br />

<strong>2020</strong><br />

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