Vida Judiciária - Jan/Fev 2020
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NOTA<br />
DE DIVULGAÇÃO<br />
O “branqueamento de capitais e financiamento<br />
ao terrorismo”, na vertente do enriquecimento<br />
ilícito (catálogo dos crimes subjacentes<br />
ao crime de branqueamento: lenocínio,<br />
abuso sexual de crianças ou de menores<br />
dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes<br />
e substâncias psicotrópicas, tráfico<br />
de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos,<br />
tráfico de espécies protegidas, fraude<br />
fiscal, tráfico de influência, corrupção e<br />
demais infrações referidas no n.º 1 do artigo<br />
1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e no<br />
artigo 324.º do Código da Propriedade Industrial,<br />
e dos factos ilícitos típicos puníveis com<br />
pena de prisão de duração mínima superior a<br />
seis meses ou de duração máxima superior a<br />
cinco anos), não é um problema do passado!<br />
23 MARÇO <strong>2020</strong>
Branqueamento de capitais<br />
e financiamento<br />
ao terrorismo<br />
Pelo contrário, a prática dos crimes ditos<br />
subjacentes ao crime de branqueamento<br />
de capitais, num futuro de graves dificuldades<br />
e desigualdades sociais, será efectivada<br />
“num mercado de oportunidades”<br />
para criminosos da nova geração: sem<br />
ideologias, sem referências morais, sem<br />
território de base e sem respeito pelos<br />
poderes instituídos, e, em muitos casos,<br />
em novos “espaços” de impunidade, com<br />
especial facilidade e relevo para os concretos<br />
desafios da era digital (branqueamento<br />
de bitcoins, blockchain, utilização de AI,<br />
etc) que são já, pelos menos teoricamente,<br />
alvo de reflexão da nova directiva comunitária<br />
AML.<br />
Se o “branqueamento de capitais” estava<br />
(e ainda está) relacionado com as práticas<br />
ilícitas relacionadas com a fraude fiscal,<br />
corrupção, tráfico de influência, tráfico de<br />
armas, tráfico de estupefacientes, entre<br />
outros, no futuro pós pandemia mundial<br />
COVID-19, em especial nos países em que<br />
os poderes públicos ficarão seriamente<br />
abalados, sem ânimo e meios para vencer<br />
as dificuldades sociais básicas (acesso à<br />
saúde, habitação, educação, inter alia),<br />
aquele fenómeno poderá ter por base<br />
outros crimes, que geram o enriquecimento<br />
fora das “regras do mercado regulado”<br />
mas com uma efectiva ilícita necessidade<br />
do seu branqueamento!<br />
Quem obtiver riqueza não justificada por<br />
via de qualquer metodologia de exploração,<br />
sem respeitar direitos fundamentais e<br />
as regras essenciais de mercado, dos mais<br />
frágeis e incapazes de escolher alternativas<br />
lícitas, terá de admitir que o seu comportamento<br />
possa ser enquadrado, no<br />
novo mundo pós COVID-19, como de enriquecimento<br />
ilícito, com as emergentes<br />
legais consequências.<br />
Se os desafios de compreensão do fenómeno,<br />
por um lado, e as dificuldades de<br />
operacionalização dos frameworks legais<br />
de prevenção e combate, por outro lado,<br />
exigiam já uma resposta qualitativa musculada,<br />
a verdade é que a actual situação<br />
pandémica veio enfraquecer as redes<br />
legais de resposta tradicional e, claro está,<br />
sublinhar a necessidade de uma resposta<br />
evolutiva, estrutural e não conjuntural, que<br />
possa estabelecer efectivas pontes (pontos)<br />
reflexivos de futuro.<br />
Nesse sentido, por exemplo, o debate<br />
sobre o alargamento dos crimes subjacentes<br />
ao crime de branqueamento de capitais<br />
e, necessariamente, sobre a criminalização<br />
do enriquecimento ilícito no quadro<br />
do branqueamento de capitais terá de<br />
acontecer.<br />
Daí que, a edição temática - branqueamento<br />
de capitais - da Revista <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong><br />
ora publicada tenha toda a oportunidade<br />
e mereça a devida atenção da comunidade<br />
jurídica lusófona, que deve estar<br />
atenta, sobretudo, para benefício dos mais<br />
desfavorecidos e para a prevenção da<br />
emergência (num duplo sentido) de um<br />
quadro de iniquidades.<br />
2
Nº 214 - janeiro/fevereiro <strong>2020</strong> - 7,50 G<br />
EDIÇÃO TEMÁTICA LUSÓFONA<br />
BRANQUEAMENTO<br />
DE CAPITAIS<br />
PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ,<br />
“Os processos terão a<br />
dimensão e duração que as<br />
circunstâncias impuserem”<br />
NOTA DE ABERTURA:<br />
As novas<br />
responsabilidades<br />
dos dirigentes<br />
das empresas<br />
ANTÓNIO RAPOSO<br />
SUBTIL<br />
Advogado RSA LP<br />
Presidente<br />
da Comissão<br />
de Legislação<br />
da Ordem<br />
dos Advogados<br />
JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL<br />
Nova Compliance Lab<br />
suscita interesse crescente<br />
entre profissionais<br />
e investigadores<br />
COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal<br />
de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo<br />
14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges<br />
JOÃO LUZ SOARES<br />
Advogado na RSA LP - Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa”.<br />
OPINIÃO<br />
MANUEL NOBRE CORREIA<br />
ANDREIA COSTA<br />
CARLOS FREITAS VILANCULOS<br />
RICARDO NÉRY<br />
JOANA MARIA DENTE<br />
ANDRÉ ABRANTES<br />
ISABEL DE PAIVA<br />
RUI PATRÍCIO<br />
JORGE SERROTE<br />
MIGUEL DE AZEVEDO MOURA<br />
GONÇALO MAIA MIRANDA<br />
MIGUEL MATIAS<br />
00214<br />
9 722017 002013
Novidade<br />
Edição atualizada!<br />
Os temas tratados são de questões<br />
correntes, frequentes, de hoje, do dia a dia,<br />
de litígios judiciais.<br />
A obra é abrangente e sistemática, de todos<br />
os aspetos, com relevo, com referência não<br />
só às avaliações do autor como às diversas<br />
correntes de jurisprudência e da doutrina<br />
sobre cada um desses temas.<br />
As diversas e atualizadas soluções<br />
jurisprudenciais e doutrinais constantes na<br />
obra são uma grande ajuda para o trabalho de<br />
magistrados e advogados<br />
IMEDIATO<br />
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Autor Durval Ferreira<br />
Páginas 512<br />
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EDITORIAL | 1<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
Nº 21<br />
janeiro/fevereiro <strong>2020</strong><br />
Revista bimensal<br />
Proprietário<br />
<strong>Vida</strong> Económica - Editorial, S.A.<br />
Rua Gonçalo Cristóvão, 14 - 2º<br />
4000-263 Porto<br />
NIF 507 258 487<br />
Diretor<br />
João Carlos Peixoto de Sousa<br />
Coordenador de edição:<br />
Guilherme Osswald<br />
Paginação<br />
Flávia Leitão<br />
Direção Comercial<br />
Porto:<br />
Teresa Claro<br />
Assinaturas<br />
Maria José Teixeira<br />
E-mail: assinaturas@vidaeconomica.pt<br />
Redação, Administração<br />
<strong>Vida</strong> Económica - Editorial, S.A.<br />
Rua Gonçalo Cristóvão, 14 r/c<br />
4000-263 Porto<br />
Telefone: 223 399 400<br />
Fax 222 058 098<br />
E-Mail: geve@vidaeconomica.pt<br />
Impressão<br />
Uniarte Gráfica / Porto<br />
Reforçar a cooperação<br />
entre Angola e Portugal<br />
João Luís de Sousa<br />
Diretor Adjunto<br />
A<br />
cooperação e ajuda mútua com as autoridades portuguesas<br />
é uma prioridade para a Procuradoria Geral de Angola. Em<br />
entrevista à “<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>”, Hélder Gróz, refere as convenções<br />
internacionais já celebradas no âmbito da CPLP e os acordos e<br />
memorandos de entendimento entre as Procuradorias Gerais dos dois<br />
países.<br />
Em sua opinião, os processos devem ter a dimensão e a duração<br />
que as circunstâncias determinarem, manifestando uma preferência<br />
por um trabalho de qualidade que não tem que ser necessariamente<br />
rápido, atendendo à complexidade dos processos e dos meios de<br />
investigação envolvidos. Em relação à eficácia da prevenção e repressão<br />
da criminalidade económica e financeira, destaca a importância do<br />
investimento público e a envolvente social da luta contra a corrupção.<br />
Para o Procurador Geral de Angola não existe uma relação direta a<br />
entre a situação económica e o nível de criminalidade. E recorda que o<br />
país já passou por períodos de maior carência e agitação social sem que<br />
a criminalidade tivesse aumentado.<br />
Conforme refere, a causa primeira de criminalidade é a falha moral<br />
e a decadência de valores morais da sociedade. A conclusão clara e<br />
objetiva do Procurador Geral é válida para Angola, para Portugal, e<br />
para todos os países do Mundo.<br />
Publicação inscrita no Instituto<br />
da Comunicação Social nº 120738<br />
Empresa Jornalística nº 208709<br />
Periodicidade: bimensal<br />
Depósito legal: Nº 366694/13
2 | SUMÁRIO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Nota de abertura<br />
As novas responsabilidades<br />
dos dirigentes das empresas<br />
Entrevistas<br />
PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ,<br />
“Os processos terão<br />
a dimensão e duração<br />
que as circunstâncias<br />
impuserem”<br />
JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL<br />
Nova Compliance Lab<br />
suscita interesse<br />
crescente entre<br />
profissionais<br />
e investigadores<br />
pp. 8/11<br />
Comentário Jurisprudencial<br />
p. 4<br />
pp. 5/7<br />
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal<br />
de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo<br />
14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges<br />
JOÃO LUZ SOARES, Advogado na RSA-Raposo Subtil e Associados -<br />
Sociedade de Advogados, SP, RL<br />
pp. 12/19<br />
Opinião<br />
• O estatuto do denunciante no regime<br />
do branqueamento de capitais<br />
MANUEL NOBRE CORREIA,Advogado na RSA - Raposo Subtil e Associados -<br />
Sociedade de Advogados, SP, RL<br />
• Angola Nova Lei de Combate ao Branqueamento<br />
de Capitais: um sinal de confiança para o mercado<br />
internacional<br />
ANDREIA COSTA, Advogada em Angola e Portugal, RSA- Rede de Serviços<br />
de Advocacia de Língua Portuguesa<br />
• Combate ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento ao terrorismo em Moçambique.<br />
O desafio da próxima década!<br />
CARLOS FREITAS VILANCULOS, Advogado em Moçambique, RSA-Rede<br />
de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa<br />
RICARDO NÉRY , Advogado na RSA - Raposo Subtil e Associados - Sociedade<br />
de Advogados, SP, RL<br />
• Breve incursão no dever de comunicação<br />
de operações suspeitas, pelas instituições bancárias,<br />
ao abrigo da Lei n.º 83/2017<br />
JOANA MARIA DENTE, Jurista – Área de Acompanhamento das Operações<br />
no Exterior - Compliance Office, Millennium BCP<br />
• AML 5G: prevenção do branqueamento de capitais<br />
na era das FinTech<br />
ANDRÉ ABRANTES, Associado Sénior da PLMJ<br />
• Branqueamento de Capitais: nem sempre um crime<br />
(às vezes um ato sem dono)<br />
ISABEL DE PAIVA, Advogada. Formada em Direito da Insolvência, A frequentar<br />
a Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Segurança Social<br />
• Compliance, o seis mais três (e as lições de Arturo Ui)<br />
RUI PATRÍCIO, Sócio da Morais Leitão<br />
• A transposição da(s) Diretiva(s) em matéria<br />
de combate ao branqueamento de capitais<br />
JORGE SERROTE, Advogado Associado Senior da DLA Piper<br />
• O overcompliance e o princípio da proporcionalidade<br />
na aplicação de normas relativas à prevenção<br />
e combate ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento do terrorismo<br />
MIGUEL DE AZEVEDO MOURA, Professor Auxiliar da NOVA School of Law<br />
• Alcance da atuação do supervisor preventivo do BCFT<br />
– breve subsídio para uma interpretação dos poderes<br />
conferidos pelo quadro normativo em vigor<br />
GONÇALO MAIA MIRANDA, Coordenador de Área no Banco de Portugal<br />
• Pessoas Politicamente Expostas na Lei 5/<strong>2020</strong>. Breve<br />
análise.<br />
MIGUEL MATIAS, Sócio RSA – Rede de Serviços de Advocacia<br />
pp. 20/45<br />
Legislação<br />
Branqueamento de capitais<br />
pp. 30/39
www.rsa-lp.com<br />
Network of Portuguese<br />
Speaking Legal Services<br />
RSA - Advogados<br />
Confiança<br />
Experiência<br />
Partilha<br />
Trust<br />
Expertise<br />
Sharing<br />
PORTO<br />
COIMBRA<br />
LISBOA<br />
MADRID<br />
ALGARVE<br />
TOLEDO<br />
MADEIRA<br />
CABO VERDE<br />
NORDESTE<br />
RIO DE JANEIRO<br />
SÃO PAULO<br />
ANGOLA<br />
MOÇAMBIQUE
4 | NOTA DE ABERTURA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
As novas responsabilidades dos dirigentes<br />
das empresas<br />
António Raposo Subtil<br />
Advogado RSA LP<br />
Presidente da Comissão<br />
de Legislação da Ordem<br />
dos Advogados<br />
O<br />
modelo de governo das empresas,<br />
que podem ter por base<br />
institucional uma sociedade,<br />
uma fundação, uma cooperativa ou<br />
uma associação, tem permitido fazer<br />
uma distribuição formal das áreas de<br />
responsabilidade (pelouros) ou níveis<br />
de intervenção diferentes (administradores<br />
executivos e não executivos),<br />
mas terá de merecer alterações<br />
significativas para atender às novas<br />
exigências do quadro legal do branqueamento<br />
de capitais.<br />
Importa realçar que, o conceito de<br />
dirigente de uma empresa, para efeitos<br />
da prevenção do branqueamento<br />
de capitais, não se limita, como no<br />
passado recente, à definição formal<br />
de administração ou gerente, como<br />
está prevista no Código das Sociedades<br />
Comerciais.<br />
Hoje, existem estatutos legais (conjunto<br />
de direitos e obrigações) para<br />
outros profissionais que integram as<br />
estruturas orgânicas das empresas,<br />
que são considerados “dirigentes”:<br />
responsáveis da proteção de dados,<br />
do compliance ou risco, do cumprimento<br />
normativo do BC/FT.<br />
É recente e não conhecido (ou<br />
omitido) pelos “novos dirigentes” o<br />
extenso normativo da prevenção de<br />
branqueamento de capitais aplicáveis<br />
ao sector de actividade em que a empresa<br />
actua, o que tem consequências<br />
ao nível da sua responsabilidade pelo<br />
cometimento de actos violadores do<br />
referido quadro legal, cujo regime<br />
sancionatório é muito grave: responsabilidade<br />
disciplinar, contraordenacional<br />
e penal.<br />
O legislador impõe que as empresas<br />
autonomizem algumas funções e<br />
atribui obrigações concretas aos responsáveis<br />
pelo cumprimento normativo<br />
(RCN) do regime legal da prevenção<br />
do branqueamento de capitais,<br />
independentemente da concorrente<br />
competência dos tradicionais<br />
dirigentes das empresas e dos sócios<br />
das mesmas, que estejam em exercício<br />
efectivo de funções. Encontra-<br />
-se estabelecido na Lei 83/2017 (à<br />
semelhança de outros regimes legais<br />
aplicáveis nos países de língua portuguesa)<br />
que o RCN deverá ser um<br />
elemento da “Direcção de topo” da<br />
empresa (novo conceito),que deverá<br />
de forma independente, autónoma e<br />
exclusiva zelar pela aplicação efectiva<br />
das políticas e dos procedimentos<br />
adequados à gestão eficaz dos riscos<br />
de branqueamento de capitais e financiamento<br />
ao terrorismo.<br />
Ao nível das empresas, o RCN deverá<br />
efectuar a “comunicação de operações<br />
suspeitas” ao Departamento<br />
Central de Investigação e Acção Penal<br />
(DCIAP) , tal como todos os profissionais<br />
que participem na dita operação,<br />
“sempre que saibam, suspeitem ou tenham<br />
razões suficientes para suspeitar”<br />
que certos fundos ou outros bens,<br />
independentemente do montante ou<br />
valor envolvido, provêm de actividades<br />
criminosas ou estão relacionadas<br />
com o financiamento do terrorismo.<br />
Aqui começam os problemas e as<br />
dificuldades resultantes de uma complexa<br />
legislação, que merecem análise<br />
em vários dos artigos publicadas<br />
nesta revista.<br />
Se existe ao nível das empresas, por<br />
imposição legal, um responsável apto a<br />
zelar pelo cumprimento normativo da<br />
prevenção do branqueamento de capitais,<br />
mantendo-se as responsabilidades<br />
dos restantes titulares da Direcção de<br />
Topo (“qualquer dirigente ou colaborador<br />
com conhecimentos suficientes<br />
da exposição da entidade obrigada ao<br />
risco de branqueamento de capitais e<br />
de financiamento do terrorismo e com<br />
um nível hierárquico suficientemente<br />
elevado para tomar decisões que afetem<br />
a exposição ao risco, não sendo<br />
necessariamente um membro do órgão<br />
de administração” – cfr. alínea n)<br />
do artigo 2.º da Lei 83/2017), qual o<br />
fundamento para alargar esse dever a<br />
todos os profissionais externos (técnicos<br />
de contas, auditores, avaliadores,<br />
advogados), que tenham uma intervenção<br />
“acessória e não relevante” nas<br />
operações ditas “suspeitas”?<br />
As comunicações têm aumentado,<br />
em especial as comunicações automáticas<br />
das instituições financeiras, mas<br />
não se conhecem grandes resultados!<br />
A burocracia aumentou, mas não se<br />
conhecem grandes resultados!<br />
Temos um quadro sancionatório<br />
muito rigoroso e grave, mas os “grandes<br />
casos” recentemente divulgados<br />
foram concretizados e visualizados<br />
com o acompanhamento de notícias,<br />
que circularam nos meios gerais de<br />
comunicação social.<br />
Como acontece nesta revista ao<br />
promover a análise do regime de<br />
branqueamento de capitais, que inclui<br />
uma importante e muito relevante<br />
entrevista do Procurador Geral<br />
da República de Angola, é necessário<br />
e urgente debater outros temas /problemas<br />
(ou opções legislativas), nomeadamente:<br />
a criminalização do enriquecimento<br />
ilícito relacionado com<br />
o BC e crimes subjacentes específicos,<br />
os meios de obtenção de prova<br />
em crimes de BC/FT, o estatuto do<br />
denunciante em crimes de BC/FT, a<br />
prova indirecta e critérios admissíveis<br />
em crimes de BC/FT, etc.<br />
Em verdade, a prevenção de branqueamento<br />
de capitais, como o nome<br />
indica, é uma exigência comportamental<br />
de todos, mas deverá ser<br />
um poder e um dever de alguns, em<br />
especial na comunicação das ditas<br />
operações suspeitas e na punição de<br />
comportamentos violadores do quadro<br />
legal em vigor, que, em Portugal,<br />
irá no curto prazo sofrer alterações,<br />
como referido nos artigos publicados.
ENTREVISTA | 5<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ, ASSUME<br />
“Os processos terão a dimensão<br />
e duração que as circunstâncias<br />
impuserem”<br />
Angola está empenhada ma<br />
prevenção e repressão do<br />
branqueamento de capitais.<br />
– considera Hélder Grós. Em<br />
entrevista à “<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>”,<br />
o Procurador Geral de Angola<br />
refere que o novo diploma<br />
publicado em <strong>Jan</strong>eiro responde<br />
às novas necessidades de<br />
prevenção e repressão do<br />
branqueamento de capitais,<br />
terrorismo e proliferação de<br />
armas.<br />
“Somos fiscais da legalidade” –<br />
salienta.<br />
O Procurador Geral angolano<br />
valoriza a cooperação com a<br />
Justiça portuguesa e considera<br />
mais importante a qualidade da<br />
Justiça do que a velocidade na<br />
conclusão dos processos.<br />
<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong> - Com a publicação<br />
e entrada em vigor da Lei<br />
n.º 5/<strong>2020</strong>, de 27 de <strong>Jan</strong>eiro, em<br />
cumprimento de diversas convenções<br />
internacionais ratificadas<br />
pelo Estado angolano, prevê-<br />
-se um conjunto de medidas de<br />
difícil implementação. Como encara<br />
a PGR a prontidão da resposta<br />
a dar pelo Ministério Público?<br />
Hélder Gróz - Não cremos que se<br />
deva considerar “dificil” a implementação<br />
das novas determinações, bastando<br />
que se criem as condições para<br />
o efeito e que os órgãos vocacionados<br />
se empenhem nas mudanças e adaptações<br />
que se impõem, quanto mais<br />
não seja, porque o branqueamento<br />
de capitais, o terrorismo e a proliferação<br />
de armas há muito vêm sendo<br />
“combatidos”, tanto na vertente repressiva<br />
como na vertente preventiva.<br />
Somos fiscais da legalidade, por excelência.<br />
Logo, velamos o melhor que<br />
podemos pela observância das leis,<br />
tão logo são formalmente aprovadas<br />
para vigorar no nosso país.<br />
VJ - Angola vive um momen-
6 | ENTREVISTA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
to de particular atenção face ao<br />
manifesto combate encetado a<br />
operações tipificáveis como criminalidade<br />
de natureza financeira.<br />
A complexidade das investigações<br />
pode provocar processos<br />
gigantescos e muito demorados,<br />
como acontece em Portugal. Esta<br />
é uma preocupação da Procuradoria-Geral<br />
da República? Se sim,<br />
quais as medidas para evitar tal e<br />
combater este tipo de criminalidade<br />
com eficácia?<br />
HG - A complexidade das investigações<br />
merece o nosso respeito, mas<br />
não configura uma preocupação, na<br />
medida em que acreditamos na capacidade<br />
que o empenho coletivo nos<br />
proporciona, tanto na vertente interpessoal<br />
como na perspetiva interinstitucional,<br />
apesar da nossa carência<br />
quantitativa de quadros e da escassez<br />
de meios técnicos e tecnológicos com<br />
que nos debatemos. No que toca ao<br />
volume e “timing” dos processos, entendemos<br />
não dever ser um objetivo<br />
em si. Estamos preocupados com a<br />
qualidade do trabalho que apresentamos<br />
e com a nossa contribuição para<br />
a boa administração da Justiça. Os<br />
processos terão a dimensão e duração<br />
que as circunstâncias impuserem,<br />
dentro dos limites que a lei estabelece.<br />
A eficácia da prevenção e repressão<br />
à criminalidade económica-financeira<br />
depende em grande medida do investimento<br />
institucional que se faça e<br />
da envolvência social que se verifique<br />
no combate ao fenómeno corrupção.<br />
VJ - Este novo diploma vem<br />
impor um elevado conjunto de<br />
regras a entidades financeiras e<br />
não-financeiras. De que modo se<br />
pensa criar os canais de comunicação<br />
directa com o Ministério<br />
Público para uma actuação célere<br />
e eficaz?<br />
HG - Em boa verdade, os canais de<br />
comunicação entre a PGR e tais entidades<br />
existem e estão permanentemente<br />
abertos. O que devemos fazer<br />
é maximizar a sua exploração, para<br />
garantir maior eficácia. Não obstante,<br />
estaremos sempre empenhados<br />
na busca de formas mais expeditas<br />
de interação com os diversos órgãos<br />
e entidades.<br />
Interesses a salvaguardar<br />
VJ - A lei vem impor aos Advogados<br />
um conjunto de regras<br />
que podem colocar em causa o<br />
seu segredo profissional, consagrado<br />
no respetivo Estatuto. Não<br />
pode esta lei colocar em causa o<br />
exercício livre da advocacia? Foi<br />
ouvida a Ordem dos Advogados?<br />
HG - Entendemos que todas as pessoas<br />
e instituições devem respeito aos<br />
superiores interesses que as leis visam<br />
salvaguardar, devendo prevalecer o<br />
princípio da concordância prática<br />
entre direitos ou interesses de igual<br />
A implementação<br />
das novas determinações<br />
implica que os órgãos<br />
vocacionados<br />
se empenhem<br />
nas mudanças<br />
e adaptações<br />
dignidade, de modo que uns sejam<br />
observados com a menor restrição<br />
possível de outros. Acreditamos, no<br />
entanto, no mérito das diversas análises<br />
que antecederam à aprovação desta<br />
lei, que, como é regra, terá tido o<br />
cuidado de afectar o mínimo possível<br />
o exercício de quaisquer direitos, liberdades,<br />
garantias ou prerrogativas.<br />
A Procuradoria-Geral da República<br />
não é um órgão legislativo, não lhe<br />
cabendo definir os órgãos a consultar<br />
aquando da concepção das leis.<br />
O processo de auscultação prévia e<br />
colheita de contributos, a respeito de<br />
projectos ou propostas legislativas, é<br />
conduzido pelos órgãos encarregues<br />
da sua apresentação, não sendo o<br />
caso da PGR.<br />
VJ - O Senhor Pprocurador Geral<br />
esteve recentemente em Lisboa,<br />
em reunião com a sua homóloga<br />
portuguesa. Como define o<br />
relacionamento e a disponibilidade<br />
para colaborar, manifestada<br />
pelo Ministério Público de<br />
Portugal?<br />
HG - Deveras salutar e positiva.<br />
Angola e Portugal, a par da relação<br />
cultural e institucional cimentada<br />
ao longo dos muitos anos de história<br />
comum, ratificaram Convenções<br />
Internacionais, no âmbito da CPLP,<br />
que ambos os Estados têm feito por<br />
cumprir, reforçadas por Acordos e<br />
Memorandos de entendimento entre<br />
as respectivas Procuradorias-Gerais<br />
da República. Tudo faremos para<br />
preservar esse espírito de cooperação<br />
e ajuda mútuas com a nossa congénere<br />
portuguesa.<br />
VJ - Está a ser pensada do ponto<br />
de vista organizacional a criação<br />
de equipas especiais do Ministério<br />
Público para investigação<br />
da criminalidade económico-financeira?<br />
HG - A PGR tem órgãos específicos<br />
para o tratamento de questões dessa<br />
natureza, nomeadamente a Direcção<br />
Nacional de Prevenção e Combate à<br />
Corrupção (DNPCC), a Direcção<br />
Nacional de Investigação e Acção Penal<br />
(DNIAP) e o Serviço Nacional de<br />
Recuperação de Activos (SENRA),<br />
que colaboram entre si e com os demais<br />
órgãos, na medida em que as<br />
situações concretas o requeiram. O<br />
trabalho em equipa tem sido privilegiado<br />
a todos os níveis, pois defendemos<br />
uma actuação coesa da nossa<br />
instituição e cremos piamente que<br />
juntos somos mais eficazes.<br />
O dever da divulgação<br />
das leis<br />
VJ - As entidades financeiras<br />
obrigadas estão sensibilizadas<br />
para os níveis de exigência colocados<br />
pela nova lei de combate<br />
ao financiamento do terrorismo<br />
e ao branqueamento de capitais?<br />
HG - As leis são publicadas e, por<br />
vezes, têm um período que interme-
ENTREVISTA | 7<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
deia essa publicação e a sua entrada<br />
em vigor, “vacatio legis” (que não<br />
ocorreu no caso concreto), precisamente<br />
para que seja do conhecimento<br />
de todos os destinatários em geral<br />
e dos diretamente visados pelo seu<br />
conteúdo, em particular. No entanto,<br />
uma das atribuições da PGR é precisamente<br />
a divulgação das leis, para<br />
aumento da consciência jurídica geral.<br />
Fazémo-lo o mais que podemos,<br />
com particular ênfase para as franjas<br />
e instituições a que os respetivos diplomas<br />
digam respeito. No demais, a<br />
prática de aplicação das normas postas<br />
a vigorar vai aprimorando os níveis<br />
de observância das respetivas leis.<br />
Em Portugal, faz-se muito uma crítica<br />
à demora das investigações e ao<br />
término dos processos-crime, criando-se,<br />
de algum modo, uma sensação<br />
de impunidade para os visados.<br />
VJ - De que forma o Ministério<br />
Público está consciente da generalização<br />
desses perigos e de que<br />
forma pensa agir para os evitar?<br />
HG - É compreensível que se pretenda<br />
a Justiça cada vez mais célere,<br />
é uma cobrança social legítima, mas<br />
não deve ser, “de per si”, um objetivo<br />
dos órgãos que intervêm na sua administração.<br />
Outrossim, é a natureza<br />
das situações que dita a complexidade<br />
dos processos e, consequentemente,<br />
a sua duração. A nossa pretensão é<br />
sempre cumprir a nossa missão com<br />
a maior brevidade possível, mas a necessidade<br />
e o compromisso de bem<br />
fazer, de agir estritamente nos parâmetros<br />
legais, impõe limites à “velocidade”<br />
que se pode imprimir em cada<br />
caso concreto.<br />
VJ - Tem ecoado exteriormente<br />
a ideia de um crescendo de<br />
violência em Angola, muita dela<br />
motivada por problemas financeiros<br />
muito graves por que tem<br />
passado a população. Concorda?<br />
Qual e como tem sido a articulação<br />
do Ministério Público com os<br />
órgãos de polícia criminal nesse<br />
combate?<br />
HG - Percebemos que a situação<br />
económica seja uma variável a considerar<br />
na análise dos fenómenos sociais,<br />
mas não a legitimamos como<br />
fonte primária da criminalidade.<br />
Basta recordar que Angola já atravessou<br />
períodos de maior carência e de<br />
maior perturbação social, sem que no<br />
entanto a criminalidade tivesse “disparado”<br />
sob tal pretexto. Reconhecemos,<br />
contudo, que a conjuntura social<br />
pode propiciar a adoção de comportamentos<br />
tipificados como crime.<br />
No entanto, entendemos que a<br />
causa primeira da criminalidade é a<br />
falha moral, a decadência dos valores<br />
morais da nossa sociedade. Daí que,<br />
a par das ações de natureza repressiva<br />
e reativa que a PGR desenvolve em<br />
coordenação com a Polícia Nacional<br />
e o SIC. Em particular, temos sido<br />
intervenientes ativos no processo de<br />
moralização da sociedade, agindo de<br />
modo preventivo e proactivo, contando,<br />
também nesta vertente, com<br />
a colaboração da Polícia Nacional,<br />
de outros órgãos estatais e da sociedade<br />
civil.<br />
Os canais<br />
de comunicação entre<br />
a PGR e as entidades<br />
existem e estão<br />
permanentemente<br />
abertos
8 | ENTREVISTA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL<br />
Nova Compliance Lab suscita interesse<br />
crescente entre profissionais e investigadores<br />
Julia Gracia.<br />
O Nova Compliance Lab é<br />
um grupo de investigação<br />
do Centro de Investigação<br />
& Desenvolvimento sobre<br />
Direito e Sociedade (CEDIS)<br />
da Nova School of Law. Julia<br />
Gracia admite que se trata<br />
de um conceito que atrai<br />
um número crescente de<br />
investigadores e profissionais,<br />
o que traduz sobretudo o<br />
interesse dos temas tratados,<br />
designadamente ao nível da<br />
anticorrupção. As atividades do<br />
NCL tiveram início em julho do<br />
ano passado.<br />
<strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong> – Qual a justificação<br />
e a pertinência na criação<br />
do NCL?<br />
Julia Garcia – O NCL nasceu<br />
a partir da investigação aplicada<br />
de duas doutorandas da Nova<br />
School of Law, Julia Gracia e Izabel<br />
Albuquerque, as quais são orientadas<br />
pelo Professor Francisco Pereira<br />
Coutinho. O número elevado<br />
de pedidos de adesão ao NCL<br />
por profissionais e investigadores<br />
demonstra o interesse que os temas<br />
tratados no laboratório têm neste<br />
momento em Portugal.<br />
VJ - Quais são os objetivos de investigação<br />
do NCL?<br />
JG – O NCL pretende ser um<br />
laboratório de ideias vocacionado<br />
para o estudo interdisciplinar do<br />
Compliance, em particular do<br />
Compliance Anticorrupção.<br />
VJ - Qual o background dos investigadores<br />
do NCL e que apport<br />
diferenciado trazem ao processo<br />
de investigação?<br />
JG – O NCL integra académicos,<br />
advogados, compliance officers e<br />
auditores. Esta diversidade é uma<br />
das suas mais-valias. O NCL é<br />
um laboratório de investigação<br />
puramente académico.<br />
VJ - Que atividades têm sido dinamizadas<br />
pelo NCL?<br />
JG – Já organizamos seminários<br />
e workshops, cujos programas se<br />
encontram publicados na nossa<br />
página da internet https://<br />
novacompliancelab.cedis.fd.unl.pt/.<br />
VJ - Que relações esperam es-
ENTREVISTA | 9<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
tabelecer fora do mundo académico<br />
e que contributo esperam<br />
trazer?<br />
JG – O NCL está aberto a parcerias<br />
que permitam avançar com ações<br />
conjuntas para a investigação<br />
de temas relacionados com o<br />
Compliance que nos permitam<br />
elevar a qualidade da nossa produção<br />
científica.<br />
VJ - Qual a importância da conexão<br />
entre a academia e os setores<br />
privados, públicos e, concretamente,<br />
da sociedade civil, nas<br />
plataformas de transmissão de<br />
conhecimento relativo ao Compliance?<br />
JG – A academia surge como<br />
catalisadora do diálogo entre estes<br />
setores, diálogo este que reputamos<br />
como essencial para a partilha das<br />
eventuais dificuldades e consequente<br />
procura de soluções, sempre de<br />
forma conciliatória, produtiva e<br />
construtiva; permite também a<br />
O NCL é sobretudo um<br />
laboratório de ideias<br />
partilha de histórias de sucesso que<br />
possam servir de inspiração para<br />
outras organizações ou pessoas.<br />
VJ - Quais os pontos de contacto<br />
entre a realidade portuguesa,<br />
brasileira e espanhola (zonas de<br />
investigação referencial definida<br />
pelo NCL) no que concerne ao<br />
Compliance? E quais os pontos<br />
de divergência?<br />
JG – Este é justamente o trabalho<br />
de investigação que estamos a<br />
desenvolver. Esperamos publicar,<br />
ainda este ano, trabalhos comparativos<br />
sobre o Compliance em Portugal e<br />
Espanha e, no próximo ano, sobre<br />
o Brasil.<br />
VJ - Qual a justificação de estudo<br />
dessas zonas concretas e,<br />
complementarmente, que outras<br />
realidades poderão servir de<br />
referência no trabalho de investigação<br />
a ser realizado no NCL?<br />
JG – O estudo dos temas está ligado<br />
às áreas de interesse dos membros do<br />
NCL. No futuro, outras realidades<br />
podem ser analisadas, fruto de novos<br />
interesses ou de ações conjuntas via<br />
parcerias.<br />
VJ - Existe algum modelo de<br />
Compliance que se adeque, atentas<br />
as especificidades do tecido<br />
empresarial, à realidade portuguesa?<br />
Izabel Albuquerque<br />
e Julia Gracia.
10 | ENTREVISTA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
JG – Não existe um “modelo” de<br />
programa de Compliance. A ideia<br />
de um Compliance estandardizado<br />
pode ter como consequência a<br />
ineficiência do programa, já que este<br />
deve ser adequado a cada realidade<br />
empresarial e aos riscos concretos.<br />
Para tal, é necessário que a empresa<br />
considere diversas variáveis, como<br />
por exemplo: a complexidade<br />
do seu universo operacional; o<br />
número de funcionários, parceiros<br />
e colaboradores; o grau de risco da<br />
sua atividade; se o mercado em que<br />
atua é mais ou menos regulado. No<br />
caso da prevenção da corrupção, as<br />
melhores práticas identificam certas<br />
questões que contribuem para um<br />
programa adequado, tais como: a<br />
cultura organizacional voltada para<br />
a ética corporativa, com um código<br />
de conduta e de ética; se existe o<br />
Izabel Albuquerque.<br />
É um laboratório<br />
de de investigação<br />
puramente académico<br />
comprometimento e o apoio da<br />
liderança ao programa, em especial o<br />
chamado tone at the top; se há uma<br />
instância responsável com autonomia<br />
e independência suficientes para<br />
realizar a função de Compliance;<br />
a análise dos riscos; o canal de<br />
reporte. Mas isto não significa uma<br />
padronização, já que o programa<br />
deve ser adequado aos riscos que<br />
a empresa enfrenta, bem como à<br />
natureza, dimensão e complexidade<br />
das atividades desempenhadas pela<br />
organização.<br />
VJ - Quais os ganhos e, principalmente,<br />
quais os custos inerentes<br />
à implementação de um programa<br />
de Compliance?<br />
JG – Tudo dependerá da complexidade<br />
do programa de Compliance. Além<br />
dos fatores acima mencionados, a<br />
maturidade e o grau de conformidade<br />
que a organização já possua influenciam<br />
o processo de implementação. Quanto<br />
aos ganhos, diversas pesquisas já<br />
demonstram que implementar um<br />
programa de Compliance pode<br />
contribuir diretamente para o sucesso<br />
da organização, a sua perenidade<br />
e o seu crescimento sustentável.<br />
Quando a empresa reavalia os seus<br />
riscos e redefine processos internos<br />
com base em tais riscos, isto pode<br />
vir a ter impacto positivo na sua<br />
efetividade e, consequentemente,<br />
em ganhos económicos. Por outro<br />
lado, não podemos esquecer que<br />
uma eventual infração à lei ou a<br />
regulamentos internos pode trazer<br />
diversas consequências negativas,<br />
desde sanções pelas autoridades<br />
competentes, a dano reputacional e<br />
perda de confiança na organização,<br />
quer de parceiros de negócios, quer de<br />
clientes, quer de investidores e até dos<br />
seus próprios colaboradores.<br />
VJ - Faz sentido, para uma PME,<br />
numa consideração custo/benefício,<br />
implementar um programa<br />
de Compliance?<br />
JG – Sim. O Compliance para as<br />
PMEs deve ser pensado em termos<br />
proporcionais e a aplicação das boas<br />
práticas considerar as circunstâncias<br />
específicas, tanto internas (como<br />
o tamanho da organização ou os<br />
recursos de que dispõe), como as<br />
externas (quão regulado é o mercado<br />
em que atua, por exemplo). Mas isto<br />
não quer dizer que a implementação<br />
seja custosa ou difícil. Ter um<br />
programa de Compliance não deve<br />
ser visto como um fim em si mesmo,
ENTREVISTA | 11<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
mas sob uma perspetiva instrumental:<br />
destina-se a manter, melhorar<br />
ou mesmo criar a cultura ética, a<br />
avaliação dos riscos da atividade e<br />
o respeito aos requisitos legais ou<br />
regulatórios. Reforçar tudo isto supõe<br />
uma mais valia para a empresa, com<br />
os mesmos ganhos mencionados<br />
anteriormente.<br />
VJ - Quais são as novas tendências<br />
na implementação dos programas<br />
de Compliance?<br />
JG – A tecnologia pode trazer um<br />
contributo muito importante; um<br />
exemplo é a possibilidade de realizar<br />
parte da formação remotamente e a<br />
utilização de ferramentas avançadas<br />
para a due diligence de terceiros e para<br />
a própria monitorização da eficiência<br />
do programa de Compliance.<br />
VJ - Numa perspetiva intercultural,<br />
existe lugar para uma convergência<br />
do Compliance? Se<br />
sim, em que moldes e com que<br />
desafios?<br />
JG – Um dos desafios é estar num<br />
novo ambiente regulatório, em<br />
especial quando a organização<br />
tem atuação em mais do que<br />
uma ordem jurídica e está sujeita<br />
a fatores externos e/ou internos<br />
de volatilidade, ambiguidade,<br />
incerteza e complexidade. Estas<br />
experiências adquiridas noutro país<br />
podem representar uma mais valia<br />
na sua atuação. Um profissional<br />
de Compliance bem treinado e<br />
capacitado consegue replicar este<br />
Não existe<br />
um “modelo”<br />
de programa<br />
de Compliance<br />
conhecimento e experiência noutros<br />
locais.<br />
VJ - Concretamente, e relativamente<br />
ao que é um lastro de governança<br />
regulatória europeia,<br />
quais as novas tendências e desafios?<br />
JG – Um dos desafios é a qualidade<br />
regulatória; isto é, uma regulação<br />
com objetivos e políticas claramente<br />
identificados. Importa também que<br />
a legislação seja eficaz na consecução<br />
de tais objetivos, seja clara e simples,<br />
seja eficiente, com benefícios que<br />
justifiquem os custos, e, por último,<br />
que tenha uma base sólida jurídica<br />
e empírica. Por outro lado, são<br />
cruciais temas como a criação<br />
e implementação da supervisão<br />
regulatória, a participação das partes<br />
interessadas e a participação social,<br />
bem como a análise do impacto<br />
regulatório. Em relação a este último<br />
aspeto, em fevereiro deste ano, a<br />
OCDE publicou, na série Best<br />
Practice Principles for Regulatory<br />
Policy, o relatório sobre Análise de<br />
Impacto Regulatório, cuja leitura<br />
permite compreender a importância<br />
desta ferramenta para aumentar a<br />
qualidade do ambiente regulatório.<br />
VJ - Quais os próximos eventos<br />
dinamizados pelo NCL?<br />
JG – De 16 a 22 de abril está prevista<br />
a realização na Nova School of Law da<br />
Semana da Integridade, que contará<br />
com várias atividades, incluindo<br />
um curso sobre Compliance para<br />
a prevenção da corrupção, cujas<br />
informações já estão disponíveis na<br />
página da Faculdade e na página do<br />
NCL.<br />
Julia Gracia<br />
e Izabel Albuquerque.
12 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal<br />
de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo<br />
14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges<br />
JOÃO LUZ SOARES<br />
Advogado na RSA-Raposo<br />
Subtil e Associados -<br />
Sociedade de Advogados,<br />
SP, RL<br />
A<br />
abordagem do branqueamento<br />
de capitais, quer partindo do enfoque<br />
preciso no modelo de ilícito<br />
típico, objetivo e subjectivo, previsto<br />
no artigo 368.º-A do Código Penal,<br />
quer partindo daquilo que é o quadro<br />
legal de consideração do modelo de prevenção,<br />
agora previsto na Lei 87/2017,<br />
tem que assentar num lastro mais profundo<br />
consubstanciado, também, no<br />
contributo jurisprudencial, definidor<br />
do estado de arte do tratamento jurídico<br />
do fenómeno.<br />
Assim, pretende-se analisar o Acórdão<br />
do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-<br />
2014, referente ao processo 14/07.0TRL-<br />
SB.S1, relator Raul Borges, partindo daquilo<br />
que são os patamares abordados pelo<br />
referido aresto, i.e. Branqueamento - Criminalidade<br />
organizada – Globalização;<br />
Aplicação da lei no espaço; Bem jurídico<br />
protegido; Conexão entre branqueamento<br />
e ilícito típico precedente (autoria); Pressuposto:<br />
o crime/facto precedente; Punição<br />
do auto branqueamento, em direcção a<br />
uma reflexão crítica sobre as fragilidades<br />
da nova Lei 83/2017 e, claro, aquilo<br />
que é a necessidade de um manual de<br />
prevenção de branqueamento de capitais<br />
que, partindo do apport teórico,<br />
seja, sobretudo, um contributo prático<br />
de identificação e resolução dos problemas<br />
e superação dos desafios existentes.<br />
1. Introdução: o crime<br />
de branqueamento de capitais<br />
O primeiro passo é claro e relaciona-<br />
-se com a assunção do próprio conceito<br />
de branqueamento de capitais e com<br />
a sua consagração primária no Código<br />
Penal. É que parece grassar alguma<br />
confusão entre aquilo que é a precisa<br />
previsão do ilícito criminal, no artigo<br />
368.º-A do Código Penal, e aquilo que<br />
é um modelo/patamar de prevenção do<br />
fenómeno, com um modelo de ilícitos<br />
e sancionatório próprio, previsto na Lei<br />
83/2017. Mas esta introdução, até pela<br />
exiguidade do espaço, será sempre norte<br />
de referência nos comentários infra<br />
oportunamente delineados.<br />
O branqueamento de capitais enquanto<br />
fenómeno é a transformação<br />
ilícita dos proventos resultantes de atividades<br />
ilícitas, que visam a dissimulação<br />
da origem ou do proprietário real<br />
dos fundos, em capitais reutilizáveis nos<br />
termos da lei, dando-lhes uma aparência<br />
de legalidade. O processo engloba,<br />
assim, três fases distintas: a fase de<br />
colocação (placement) onde os bens e<br />
rendimentos são colocados nos circuitos<br />
financeiros e não financeiros; a fase<br />
de circulação (layering) onde os bens e<br />
rendimentos são objeto de múltiplas e<br />
repetidas operações, com o propósito de<br />
os distanciar da sua origem criminosa,<br />
apagando (branqueando) os vestígios<br />
da sua proveniência e propriedade; e,<br />
por último, a fase de integração (integration)<br />
onde os bens e rendimentos,<br />
depois de reciclados, são reintroduzidos<br />
nos circuitos económicos legítimos<br />
(por exemplo, através da sua utilização<br />
na aquisição de bens e serviços).<br />
A análise terá que sempre iniciar pelo<br />
número 1 do referido artigo, que estipula<br />
que “Para efeitos do disposto nos<br />
números seguintes, consideram-se vantagens<br />
os bens provenientes da prática, sob<br />
qualquer forma de comparticipação, dos<br />
factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso<br />
sexual de crianças ou de menores dependentes,<br />
extorsão, tráfico de estupefacientes<br />
e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas,<br />
tráfico de órgãos ou tecidos humanos,<br />
tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal,<br />
tráfico de influência, corrupção e demais<br />
infrações referidas no n.º 1 do artigo 1.º<br />
da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e<br />
no artigo 324.º do Código da Propriedade<br />
Industrial, e dos factos ilícitos típicos<br />
puníveis com pena de prisão de duração<br />
mínima superior a seis meses ou de duração<br />
máxima superior a cinco anos, assim<br />
como os bens que com eles se obtenham”.<br />
Este número 1 funciona como previsão-<br />
-elenco ou previsão catálogo, sendo que<br />
como refere MIGUEZ GARCIA 1 , “As<br />
principais dificuldades práticas na aplicação<br />
do artigo 368.º-A não decorrem<br />
dos factos do catálogo, mas do princípio<br />
do lugar da proveniência, uma vez que<br />
sem esta determinação será bem difícil a<br />
comprovação do facto prévio. Se apenas<br />
se provar que a vantagem foi adquirida<br />
através de um crime, mas não que este é<br />
um crime de catálogo, o crime de branqueamento<br />
não fica preenchido. Referimo-<br />
-nos apenas às dificuldades prático-probatórias,<br />
naturalmente, por ser irrelevante,<br />
no plano típico, o local do cometimento<br />
do crime precedente, atento o disposto no<br />
n.º 4: a punição tem lugar ainda que os<br />
factos que integram a infração subjacente<br />
tenham sido praticados fora do território<br />
nacional, ou ainda que se ignore o local<br />
da prática do facto ou a identidade dos<br />
seus autores (…)”. No mesmo sentido,<br />
Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE 2<br />
refere que “A enumeração dos crimes precedentes<br />
conjuga-se, por um lado, com as<br />
infrações referidas no art 1 da Lei 36/94,<br />
de 29-09 e completa-se com os factos ilícitos<br />
típicos puníveis com pena de prisão<br />
de duração mínima superior a seus meses<br />
ou de duração máxima superior a cinco<br />
anos”. Aponta-se a necessidade de uma<br />
limitação no tocante aos crimes do DL<br />
28/84, “por forma a abranger apenas as<br />
cometidas por meios informáticos e através<br />
de associação criminosa, bem como as<br />
incriminações contra a economia, com<br />
1. Tudo na anotação ao artigo 368.º- A do CP em GARCIA, M.Miguez; RIO, J.M. Castela. Código Penal. Parte Geral e Especial Comentado. Coimbra: Edições Almedina, 1280-1281.<br />
2. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto. Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa: Universidade Católica<br />
Portuguesa, 2007, p.1090
COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 13<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
um elemento transnacional”. Parecendo<br />
haver, assim, e no entender do referido<br />
autor, uma consideração daquilo que<br />
são elementos de possível conexão internacional<br />
nas incriminações contra a<br />
economia. No entanto, e aqui importante,<br />
o catálogo referido no número<br />
1 do artigo 368.º-A do CP revela-se<br />
primordial porque é um pressuposto<br />
de operacionalização da própria “aplicabilidade”<br />
do artigo 368.º-A do CP.<br />
Como refere MIGUEL GARCIA 3 :<br />
“Não haverá branqueamento sem infração<br />
precedente passível de incluir no n.º1,<br />
por fazer parte do catálogo, por ser uma<br />
das abrangidas pela remissão ou por se<br />
tratar de uma infração punida com pena<br />
de prisão de duração mínima superior a<br />
seis meses ou de duração máxima superior<br />
a cinco anos”.<br />
O número 2 do referido artigo define,<br />
por sua vez, as práticas proibidas e<br />
incriminadas, i.e., contendo os elementos<br />
objectivos do tipo: “Quem converter,<br />
transferir, auxiliar ou facilitar alguma<br />
operação de conversão ou transferência<br />
de vantagens, obtidas por si ou por terceiro,<br />
directa ou indirectamente, com o fim<br />
de dissimular a sua origem ilícita, ou de<br />
evitar que o autor ou participante dessas<br />
infracções seja criminalmente perseguido<br />
ou submetido a uma reacção criminal, é<br />
punido com pena de prisão de dois a doze<br />
anos.” Refere o número 3 que “na mesma<br />
pena incorre quem ocultar ou dissimular<br />
a verdadeira natureza, origem,<br />
localização, disposição, movimentação ou<br />
titularidade das vantagens, ou os direitos<br />
a ela relativos”. No fundo os movimentos,<br />
entendidos como condutas, proibidos<br />
reportam-se a estes movimentos:<br />
converter, transferir, auxiliar ou facilitar.<br />
Movimentos esses a que o número<br />
3 do citado artigo acaba por adicionar,<br />
ainda, ocultar ou dissimular.<br />
Por sua vez, o número 4 do referido<br />
artigo consagra que a punição pelos crimes<br />
previstos nos números 2 e 3 tem<br />
lugar ainda que se ignore o local da prática<br />
do facto ou a identidade dos seus<br />
autores, ou ainda que os factos que integram<br />
a infração subjacente tenham sido<br />
praticados fora do território nacional,<br />
salvo se se tratar de factos lícitos perante<br />
a lei do local onde foram praticados e<br />
3. GARCIA, M. Miguez, ob. cit., loc. cit.<br />
aos quais não seja aplicável a lei portuguesa<br />
nos termos do artigo 5.º.<br />
Acresce que, nos termos do número<br />
6, a pena prevista nos números 2 e 3 é<br />
agravada de um terço se o agente praticar<br />
as condutas de forma habitual, no<br />
que é uma assunção clara da punição<br />
do fenómeno em causa quando praticada<br />
numa égide de prática reiterada e<br />
eventualmente ligada a associação criminosa.<br />
Refira-se, ainda, que nos termos<br />
do número 9 do referido artigo a<br />
pena pode ser especialmente atenuada<br />
se o agente auxiliar concretamente na<br />
recolha das provas decisivas para a identificação<br />
ou a captura dos responsáveis<br />
pela prática dos factos ilícitos típicos de<br />
onde provêm as vantagens, no que parecer<br />
se uma abordagem aproximativa aos<br />
mundos conexos do(s) whistleblowers e<br />
da delação premiada.<br />
2. Breve referência ao quadro<br />
legal de prevenção: da Directiva<br />
(UE) 2015/849 ao enquadramento<br />
legislativo nacional<br />
Inicialmente, sempre será necessário<br />
fazer um pequeno périplo sobre os<br />
principais momentos legislativos de<br />
enquadramento actual do fenómeno<br />
do branqueamento de capitais. Pretende-se,<br />
obviamente, fazer um caminho<br />
inicial de enquadramento da legislação<br />
em causa que permitirá, a final, sentir o<br />
pulso as suas características, mas, mais<br />
importante, definir as suas fragilidades.<br />
Se a evolução do quadro legal do<br />
branqueamento de capitais tem sido<br />
marcado por um certo vector hiperlegislativo<br />
consubstanciado no aparecimento<br />
de diversas leis, regulamentos<br />
e portarias que pretendem entender e<br />
dar resposta concreta ao fenómeno do<br />
branqueamento de capitais, urge referir<br />
que a construção do tipo legal base do<br />
crime de branqueamento de capitais,<br />
como vimos, se encontra prevista no<br />
artigo 368.º-A do Código Penal. Mas<br />
essa construção é, hoje, complementada<br />
com a previsão de um quadro legal de<br />
prevenção muito por imposição legislativa<br />
comunitária mas que entra (resta<br />
saber com que extensão) na compreensão<br />
da figura.<br />
Partindo também dessa base fundamental<br />
sempre teremos que referir, de<br />
forma breve, atenta a exiguidade deste<br />
comentário em causa, algumas das<br />
mais recentes directivas europeias sobre<br />
o tema assim como, claro está, o<br />
correlato movimento de transposição<br />
para o direito nacional. Nesse sentido,<br />
diga-se que a Lei n.º 25/2008, de 5 de<br />
junho, tinha vindo já transpor a Directiva<br />
n.º 2005/60/CE, do Parlamento<br />
Europeu e do Conselho, de 26 de outubro<br />
de 2005, assim como a Directiva<br />
n.º 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de<br />
agosto de 2006, abrindo caminho para<br />
uma política eficaz que pretendeu alterar<br />
profundamente o sistema nacional<br />
de prevenção e combate ao branqueamento<br />
de capitais e ao financiamento<br />
do terrorismo, com a previsão de um<br />
âmbito de actuação legal para as Unidades<br />
de Informação da Polícia <strong>Judiciária</strong><br />
(“UIF”), assim como o reforço dos<br />
deveres de cooperação das entidades<br />
obrigadas e a consagração do conceito<br />
de pessoas politicamente expostas.<br />
Mas a Directiva (UE) 2015/849 de<br />
20 de Maio de 2015, publicada a 5 de<br />
junho de 2015 no Jornal Oficial da<br />
União Europeia (“4.ª Diretiva”), veio<br />
tentar operacionalizar essa mudança<br />
de paradigma, aproveitando o lastro<br />
das directivas anteriores. Assume-se assim<br />
que aquele esforço representa também<br />
o reconhecimento expresso que o<br />
tema do branqueamento de capitais, do<br />
financiamento do terrorismo e do crime<br />
organizado representam realidades<br />
poliédricas de relevância primordial na<br />
construção da União Europeia (UE).<br />
Significa, também, que tais realidades<br />
encetam perigos concretos, i.e. contendo<br />
aspetos susceptíveis de comprometerem<br />
a integridade e estabilidade das<br />
instituições de crédito financeiras, bem<br />
como do sistema financeiro entendido<br />
como um todo orgânico que depende<br />
da estabilidade, coerência e validade de<br />
todos os seus componentes.<br />
Assim, o fito da referida Directiva é<br />
precisamente tentar que haja uma assunção<br />
clara de todos os padrões definidos<br />
internacionalmente no combate<br />
ao branqueamento de capitais e ao financiamento<br />
do terrorismo, nomeadamente<br />
as Recomendações revistas em
14 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
2012 do Grupo de Acão Financeira<br />
(“GAFI”). Mas e aqui o factor diferenciador,<br />
existem alguns vetores em que as<br />
regras agora definidas acabam por extravasar<br />
os passos iniciais dados por aquelas<br />
recomendações no que parece ser um<br />
intuito de procura de uma maior segurança<br />
e efetividade nos procedimentos.<br />
Os exemplos de introdução conceptual<br />
de “relação de correspondência” ou de<br />
“direcção de topo”, ou de expansão<br />
conceptual de conceitos já existentes na<br />
anterior 3.ª Directiva, como o conceito<br />
de “Pessoas politicamente expostas”<br />
(“PEP”) e respetivo regime, ou de revisão<br />
do conceito de “beneficiário efetivo”,<br />
atestam o esforço na concretização<br />
de conceitos e na operacionalização do<br />
combate ao fenómeno. No fundo, as<br />
mudanças acabaram por se centrar em<br />
alguns vectores centrais: no alargamento<br />
das entidades obrigadas, na assunção<br />
de um processo de avaliação de risco, na<br />
concretização de medidas de diligência<br />
quanto à clientela, na importância da<br />
descoberta de informações sobre os beneficiários<br />
efectivos e nos poderes sancionatórios<br />
das autoridades.<br />
Esta Directiva acabou por ser transposta<br />
pela Lei 83/2017 que pretendia<br />
fazer um esforço de enforcing no tratamento<br />
do fenómeno. De facto, grossus<br />
modus, prevê a nova proposta de lei<br />
uma esfera correlata de deveres para as<br />
entidades obrigadas, que passa pelos<br />
seguintes patamares subsequentes e comunicantes:<br />
o dever de comunicação de<br />
operações suspeitas (artigo 43.º), i.e., à<br />
UIF, a PGR e ao DCIAP, de todas as<br />
operações em que saibam, suspeitem<br />
ou tenham razões para acreditar que os<br />
fundos utilizados provêm de atividades<br />
criminosas; dever de abstenção, em que<br />
as entidades obrigadas se abstêm de executar<br />
qualquer operação, que saibam<br />
ou suspeitem poder estar relacionadas<br />
com fundos provenientes com a prática<br />
de actividades criminosas; dever de<br />
colaboração, sendo que as entidades<br />
devem prestar toda a informação necessária,<br />
disponibilizando documentos<br />
inclusive, perante pedido das entidades<br />
supracitadas; dever de não divulgação,<br />
não podendo revelar ao cliente ou a terceiros<br />
que foram, estão a ser ou irão ser<br />
transmitidas comunicações ou informações<br />
com elas relacionadas, nem que<br />
se encontra ou possa vir a encontrar-se<br />
em curso uma investigação ou inquérito<br />
criminal.<br />
Recentemente, o Regulamento<br />
276/2019, de 26 de Março de 2019<br />
vem alargar a aplicabilidade da Lei<br />
83/2017, sendo que, num patamar objectivo,<br />
visa estabelecer as condições de<br />
exercício e respetivos procedimentos,<br />
instrumentos, mecanismos e formalidades<br />
inerentes ao cumprimento dos deveres,<br />
gerais e específicos, estabelecidos<br />
na Lei e os demais aspetos necessários<br />
a assegurar o cumprimento dos deveres<br />
de prevenção e combate de branqueamento<br />
de capitais e do financiamento<br />
do terrorismo (BC/FT) no setor imobiliário.<br />
Os destinatários são, por isso,<br />
claros: entidades que exerçam a atividade<br />
imobiliária em território nacional<br />
(sede estatutária ou efetiva ou agências,<br />
sucursais, delegações, representações) e<br />
ficam sujeitas à fiscalização do IMPIC,<br />
IP (cfr. artigo 1.º do Regulamento).<br />
No entanto, esse quadro legal acaba,<br />
hoje, e para centralizar o presente esforço,<br />
por se consubstanciar naquilo que é<br />
a rede legislativa que, resumidamente,<br />
aqui damos conta: i) a Lei n.º 83/2017,<br />
de 18 de agosto, que estabelece medidas<br />
de combate ao branqueamento de capitais<br />
e ao financiamento do terrorismo;<br />
ii) a Lei n.º 89/2017, de 18 de agosto,<br />
que aprova o Regime Jurídico do Registo<br />
Central do Beneficiário Efetivo e que<br />
entrou em vigor a 16 de Novembro de<br />
2017; iii) a Lei n.º 92/2017, de 22 de<br />
agosto, que obriga à utilização de meio<br />
de pagamento específico em transações<br />
que envolvam montantes iguais ou superiores<br />
a J3.000 (três mil euros); iv) a<br />
Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto, que<br />
define os objetivos, prioridades e orientações<br />
de política criminal para o biénio<br />
de 2017-2019; v) a Lei n.º 97/2017,<br />
de 23 de agosto, que regula a aplicação<br />
e a execução de medidas restritivas<br />
aprovadas pela Organização das Nações<br />
Unidas ou pela União Europeia e estabelece<br />
o regime sancionatório aplicável<br />
à violação destas medidas; vi) a Portaria<br />
n.º 200/2019, de 28 de junho, que<br />
estabelece os prazos para a declaração<br />
inicial do RCBE.<br />
Neste devir, salientar a Directiva (UE)<br />
n.º 2018/843 do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 30 de Maio de 2018<br />
(“5.ª Directiva”), onde se prevê um conjunto<br />
de novas regras que passam pelo<br />
alargamento do acesso à informação sobre<br />
os beneficiários efetivos, aumentando<br />
a transparência no que diz respeito à<br />
propriedade efetiva no caso de empresas<br />
e fundos fiduciários; abordando, também,<br />
os riscos associados aos cartões<br />
pré-pagos e às moedas virtuais, tendo<br />
como objectivo incrementar a cooperação<br />
entre as unidades de informação<br />
financeira e, ultime, instituir controlos<br />
melhorados sobre as transações que<br />
envolvem países terceiros de alto risco.<br />
Com este quadro legal em mente,<br />
sempre será necessário delinear as características<br />
definidoras do Acórdão a<br />
comentar, caminhando em direcção<br />
à identificação das fragilidades agora<br />
emergentes do novo quadro legal de<br />
prevenção.<br />
3. Análise perfunctória do Acórdão<br />
do Supremo Tribunal de Justiça de<br />
11-06-2014, referente ao processo<br />
14/07.0TRLSB.S1, relator Raul<br />
Borges<br />
Com este quadro legal em mente,<br />
e por referência a um Acórdão que é<br />
emblemático na consideração da caracterização<br />
do tipo legal de branqueamento<br />
de capitais, sempre teremos que<br />
fazer uma breve crítica aos segmentos/<br />
vectores principais enunciados, tendo<br />
em conta, por um lado, a evolução do<br />
entendimento dos vectores levantados<br />
desde a redacção do aresto (que é de<br />
2014), e, por outro lado, a consideração<br />
da evolução e entendimento do fenómeno<br />
de prevenção do branqueamento<br />
de capitais.<br />
Branqueamento - Criminalidade<br />
organizada - Globalização<br />
O branqueamento de dinheiro é um<br />
problema que resulta em larga medida<br />
da abertura das economias ao exterior e<br />
da tendência para a mundialização da<br />
economia, tratando-se de uma consequência<br />
negativa dessa abertura e, simultaneamente,<br />
de um fenómeno que pode corromper<br />
e pôr em causa essa mesma abertura, se<br />
não for objecto de uma resposta adequada<br />
um fenómeno que ganhou especial vigor<br />
com a internacionalização da economia
COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 15<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
O crime organizado, universal e cientificamente<br />
organizado, enquadra-se no fenómeno<br />
da globalização, sendo organizado<br />
verticalmente, e com todas as vantagens<br />
de uma sociedade secreta. O grande patrão<br />
do crime pode ser um cidadão respeitável,<br />
de peito medalhado, amigo do rei. Manda<br />
meter cheques na conta bancária e sereias<br />
na cama de nababos e poderosos. Chantageia<br />
e corrompe o mais Catão.<br />
Tratando-se de um fenómeno novo, o<br />
branqueamento é fora de dúvida um produto<br />
da internacionalização da economia,<br />
sendo o mundo globalizado, desregularizado,<br />
campo propício à expansão do fenómeno,<br />
ao exercício do nomadismo que<br />
o caracteriza, podendo escolher os tabuleiros<br />
onde pode assentar as diversas fases<br />
de tratamento, as etapas que conduzam<br />
à extirpação da sujidade, à dissimulação<br />
da ilícita origem, à almejada limpidez<br />
do dinheiro que se pretende “reinvestir”<br />
no mercado das regras.<br />
O branqueamento é como que o lado<br />
negro do processo de globalização, da liberalização<br />
das trocas internacionais e dos<br />
movimentos de capitais, da abertura dos<br />
mercados financeiros, da maciça informatização<br />
e do comércio electrónico.<br />
O branqueamento de capitais (dinheiro<br />
ou outros bens) consiste no procedimento<br />
através do qual o produto de operações criminosas<br />
ilícitas é investido em actividades<br />
aparentemente lícitas, mediante dissimulação<br />
da origem dessas operações; traduz-<br />
-se no desenvolvimento de actividades, em<br />
resultado das quais um aumento de valores,<br />
que não é comunicado às autoridades<br />
legítimas, adquire uma aparência de origem<br />
legal, sendo, no fundo, um processo<br />
de transformação.<br />
Segundo o Relatório de Outubro de<br />
1984 da President´s Commission on Organized<br />
Crime, Estados Unidos da América<br />
do Norte, por branqueamento “designam-<br />
-se os meios através dos quais se escondem<br />
a existência, a origem ilegal ou a utilização<br />
ilegal de rendimentos, encobrindo esses<br />
rendimentos de forma a que pareçam<br />
provir de origem lícita” ou, segundo outra<br />
tradução é “o processo através do qual se<br />
esconde a existência, a fonte ilegal ou a<br />
utilização ilegal de proveitos, e depois se<br />
disfarçam esses proveitos de forma a dar-<br />
-lhes a aparência de legítimos”.<br />
O branqueamento é algo diferente de<br />
um Kavaliersdelikt, pois a luta contra ele<br />
coenvolve sempre, também, o combate à<br />
acção prévia, da qual nasceu a vantagem<br />
que carece de ser branqueada.<br />
Daí, o afirmar-se o carácter subsidiário<br />
ou acessório do branqueamento, pois a<br />
respectiva actuação pressupõe necessariamente,<br />
um facto ilícito prévio.<br />
A privação dos lucros e das fortunas ilicitamente<br />
adquiridas por meio de actividades<br />
criminosas constitui uma das finalidades<br />
pragmáticas do branqueamento.<br />
A criminalização do branqueamento de<br />
capitais faz parte de um claro ímpeto actual<br />
com vista a atacar o lado patrimonial<br />
da criminalidade. Este movimento inclui<br />
designadamente um renovado interesse no<br />
fenómeno da corrupção e a sugestão de<br />
que se deveria criminalizar o facto de se<br />
ter património cuja origem lícita se não<br />
consegue demonstrar («sinais exteriores de<br />
riqueza não justificados»).<br />
O branqueamento de capitais e outros<br />
produtos do crime corresponde a um fenómeno<br />
recente, relacionado com o crime<br />
internacionalmente organizado, à criminalidade<br />
organizada, que se não confunde<br />
com o tipo legal de associação criminosa.<br />
O branqueamento de capitais é uma<br />
categoria criminal nova, recente, moderna,<br />
situando-se numa zona de confluência<br />
com o da criminalidade organizada,<br />
no nosso caso, introduzida a partir de lei<br />
avulsa de <strong>Jan</strong>eiro de 1993, em ligação estreita<br />
e então única com o crime de tráfico<br />
de estupefacientes, com recidiva, com<br />
previsão de maior amplitude, através de<br />
nova lei avulsa em Dezembro de 1995, e<br />
posteriormente, inserida nos catálogos das<br />
infracções codificadas,<br />
O branqueamento de dinheiro ou de<br />
capitais é um fenómeno de amplitude<br />
mundial, que surgiu pela primeira vez,<br />
a nível mundial, associado ao tráfico de<br />
estupefacientes transnacional, que tem<br />
determinado que organizações internacionais<br />
e supranacionais tenham desenvolvido<br />
e continuem a desenvolver variadíssimos<br />
esforços, com o objectivo de, em<br />
última análise, generalizar e tornar mais<br />
eficaz o combate a tal tipo de criminalidade<br />
organizada.<br />
O início da reacção das Nações Unidas<br />
contra a criminalidade do branqueamento<br />
pode localizar-se em 1975 com o<br />
5.º Congresso das Nações Unidas para a<br />
prevenção do crime e o tratamento dos<br />
delinquentes, realizado em Genève, onde<br />
foi abordada a temática do crime como<br />
empresa lucrativa.<br />
A primeira iniciativa da comunidade<br />
internacional, em termos de elaboração<br />
de instrumentos sobre a questão de lavagem<br />
de dinheiro, consistiu na Recomendação<br />
do Conselho da Europa, n.º R (80)<br />
10, de 27 de Junho de 1980, relativa às<br />
disposições contra a transferência e a dissimulação<br />
de fundos com origem ilícita.<br />
O branqueamento de capitais e de outros<br />
bens provenientes de actividades criminosas,<br />
nomeadamente os derivados<br />
de tráfico de estupefacientes, substâncias<br />
psicotrópicas e precursores, passou a ser<br />
objecto de combate específico a partir da<br />
Convenção das Nações Unidas contra o<br />
Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias<br />
Psicotrópicas de 1988 (Convenção<br />
de Viena), adoptada em Viena na 6.ª Sessão<br />
Plenária da Conferência das Nações<br />
Unidas, em 20 de Dezembro de 1988.<br />
Esta mesma Convenção pode ser considerada<br />
como um dos instrumentos mais<br />
detalhados e de maior alcance no domínio<br />
do direito penal internacional, tendo-<br />
-se operado a sua incorporação no direito<br />
interno com o Decreto-Lei n.º 15/93, de<br />
22 de <strong>Jan</strong>eiro.<br />
Manifestando as mesmas preocupações,<br />
o Conselho da Europa, na senda da Recomendação<br />
de 1980, promoveu a elaboração<br />
da Convenção Relativa ao Branqueamento,<br />
Detecção, Apreensão e Perda dos<br />
Produtos do Crime (Convenção de Estrasburgo/Convenção<br />
de 1990/Convenção n.º<br />
141 do Conselho da Europa, Council of<br />
Europe Treaty Series, STE n.º 141), aberta<br />
à assinatura, em Estrasburgo, em 8 de<br />
Novembro de 1990, data em que foi assinada<br />
por Portugal<br />
A partir de <strong>Jan</strong>eiro de 1993, com o<br />
Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de <strong>Jan</strong>eiro,<br />
opera-se uma verdadeira neocriminalização,<br />
com a tipificação da actividade de<br />
branqueamento de capitais obtidos com o<br />
tráfico de droga.<br />
Comentário: a abordagem da importância<br />
do problema num espectro de<br />
“aldeia global” é fundamental. Mas parece-nos,<br />
contudo, que o espaço percorrido<br />
pelo acórdão permitiria, sempre, e<br />
ainda, alguma margem de desenvolvi-
16 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
mento que não terá sido plenamente<br />
conseguido. Neste ensejo o contributo<br />
daquilo que foi o pesado legado da crise<br />
económica do subprime sempre será<br />
essencial, uma vez que, este preciso quadro<br />
legal acaba por constituir e ser um<br />
desenvolvimento normativo (num certo<br />
espectro) daquele modelo/momento de<br />
mudança de paradigma. A principal vítima<br />
de toda aquela ambiência, nomeadamente<br />
no nosso país, foi, relembramos,<br />
o conceito relacional da fides, base<br />
e capital de confiança indispensável em<br />
que assentava a relação, em concreto,<br />
entre as instituições financeiras e a sua<br />
clientela. Os inúmeros escândalos, mais<br />
ou menos mediatizados, assim como<br />
os inúmeros processos com contornos<br />
duvidosos que assolaram a nossa aldeia<br />
global, transformaram a forma como as<br />
pessoas encararam as instituições financeiras<br />
e seus produtos. Paralelamente a<br />
forma quase despudorada como alguns<br />
agentes financeiros multiplicavam e<br />
exponenciavam lucros, por caminhos<br />
sinuosos, fez com que a idade da inocência<br />
fosse superada, exigindo-se um<br />
esforço proactivo de reparação da confiança<br />
dos investidores. Mas estes laivos<br />
da crise e da perda de confiança também<br />
se repercutiram, até, no demarcado âmbito<br />
do direito penal, nomeadamente, a<br />
montante, com uma maior preocupação<br />
de abordagem a este fenómenos e<br />
aos denominados white colar crimes, assim<br />
como noutros âmbitos temáticos de<br />
Direito Penal Económico, e, a jusante,<br />
com o desenvolvimento legislativo (até<br />
por imposição de directivas europeias)<br />
de abordagem a essas realidades.<br />
Precisamente, é também esta ambiência<br />
que ajuda a justificar uma certa tendência<br />
que se relaciona com a tomada<br />
colectiva de consciência para os fenómenos<br />
relacionados com esse mundo<br />
económico e, mais importante, a necessidade<br />
de os prevenir e, subsequentemente,<br />
a necessidade premente de a<br />
eles reagir. Situamo-nos, pois, e descendo<br />
daquilo que era uma abordagem genérica<br />
para uma consideração concreta,<br />
no âmbito da resposta à criminalidade<br />
económica. E é esta síndrome de Sísifo,<br />
aqui consubstanciado na inexistência<br />
de um locus delicti, na pluralidade<br />
de crime cometidos e, muitas vezes, na<br />
lentidão na resposta a este tipo de criminalidade,<br />
que também exige, quer<br />
no branqueamento de capitais, quer<br />
em todos os outros “crimes económicos”,<br />
a urgente definição de critérios<br />
de luta contra a criminalidade económica,<br />
para lá das considerações prolatadas<br />
no aresto.<br />
E esse caminho assenta num duplo<br />
paradoxo. Vivemos numa aldeia global<br />
onde, com a destruição das fronteiras<br />
físicas (e psicológicas) e com o advento<br />
de todos aqueles novos espaços mercê<br />
do desenvolvimento informático e tecnológico,<br />
partimos, pelo menos teoricamente,<br />
e num plano de disponibilidade<br />
(quase e apenas de espaço físico) com<br />
maior facilidade para “os outros”. E é aí<br />
que radica, primariamente, a questão.<br />
Com essa diáspora humana (também<br />
tecnológica) surgem novas áreas onde,<br />
potencialmente, podem surgir novas<br />
tensões e relações de conflitualidade.<br />
No fundo, estaríamos a desenvolver-<br />
-nos e a caminhar, no nosso iter de desenvolvimento<br />
e crescimento enquanto<br />
sociedade em direcção a novas relações<br />
de tensão, consequentemente de conflitualidade<br />
e, nesse sentido, de possível<br />
deterioração dos laços e conquistas<br />
existentes. O crescimento, num círculo<br />
enviesado potenciará assim, sempre,<br />
relações de conflitualidade que poderão<br />
desaguar em decréscimo ou destruição<br />
desse mesmo caminho? Mas este paradoxo<br />
revela-se ainda numa outra vertente.<br />
Perante a constatação daqueles<br />
novos focos de exigência de resposta<br />
à criminalidade é também importante<br />
considerar de que forma essa globalidade,<br />
partindo dessa disponibilidade (aparentemente<br />
fictícia) para os outros, não<br />
nos está, verdadeiramente, a fechar em<br />
nichos isolados e não comunicativos.<br />
Daí que estas considerações, como veremos,<br />
até numa óptica da problemática<br />
de aplicação da lei no espaço, cada vez<br />
mais essencial, seriam sempre um vector<br />
importante naquilo que e o esforço de<br />
entendimento actual (para lá do acórdão)<br />
do fenómeno do branqueamento<br />
de capitais.<br />
Aplicação da lei no espaço<br />
A punição pelo crime de branqueamento<br />
tem lugar ainda que os factos que<br />
integram a infracção subjacente tenham<br />
sido praticados fora do território nacional,<br />
ou ainda que se ignore o local da prática<br />
do facto.<br />
Ultrapassada a definição do locus commissi<br />
delicti tradicional, é irrelevante o local<br />
do cometimento do crime precedente;<br />
a punição pelos crimes de branqueamento<br />
abrange expressamente os casos em que os<br />
factos que integram a infracção principal<br />
tenham sido praticados fora do território<br />
nacional ou se desconheça o local do seu<br />
cometimento.<br />
Comentário: a aplicação da lei no<br />
espaço afirma-se, cada vez mais, como<br />
o patamar de maior discussão (e importância)<br />
na consideração dos institutos<br />
de direito penal e, nomeadamente<br />
neste: no estudo do fenómeno de prevenção,<br />
combate e mitigação do branqueamento<br />
de capitais. Portanto, para<br />
lá do que é o caminho clássico percorrido<br />
pelo Acórdão, sempre será necessário<br />
sublinhar uma actuação concertada<br />
de combate à criminalidade económica,<br />
nos seguintes pilares: o papel do Estado<br />
como primordial para tal combate; a necessária<br />
exigência de cooperação entre<br />
os estados; o contributo das questões<br />
ou pontos doutrinários, i.e. através da<br />
aplicação da lei penal no espaço.<br />
De facto, se o princípio da territorialidade<br />
é o ponto de partida dentro daquilo<br />
que são os parâmetros da nossa<br />
“actual civilização jurídico-cultural” da<br />
aplicação da lei penal no espaço, o sentido<br />
e o caminho tem sido feito, quando<br />
esse princípio basilar não actua, através<br />
da aplicação complementar de todos os<br />
outros princípios que integram aquele<br />
axioma, a saber: defesa dos interesses nacionais,<br />
do pavilhão, da nacionalidade,<br />
do princípio da aplicação universal. Nas<br />
palavras de FARIA DE COSTA “o que<br />
permite que, mesmo quando não possa<br />
funcionar o princípio da territorialidade,<br />
a lei penal nacional se aplique, desde<br />
que se verifique um conjunto de circunstâncias<br />
consagrado explicitamente pelo legislador”<br />
4 . Interessante, na densificação<br />
destes critérios, é a consideração (defesa)<br />
do aumento dinâmico dos casos em<br />
que funcione a cláusula complementar<br />
que se sustenta no princípio da aplicação<br />
universal, propugnada por FARIA
COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 17<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
DE COSTA 5 , que, ultrapassando a radical<br />
ideia que as infracções visadas pelo<br />
analisando princípio sempre teriam que<br />
pertencer obrigatoriamente ao Código<br />
Penal, defende que “Nada há, em verdadeiro<br />
rigor, que impeça que sejam também<br />
consideradas infracções que integram<br />
o princípio da aplicação universal todas<br />
aquelas que o legislador julgue, em bom<br />
rigor, merecerem essa dignidade e que,<br />
todavia, pertençam ao direito penal acessório,<br />
ao direito penal secundário”. E no<br />
âmago desta problemática parece-nos<br />
profícuo dar nota deste preciso espectro:<br />
exige-se um esforço complementar<br />
na estipulação de critérios de luta contra<br />
a criminalidade que só será possível, humildemente<br />
consideramos, partindo do<br />
passado (dos critérios de aplicação penal<br />
no espaço “tradicionais”), mas projectando<br />
para o futuro (em que o princípio da<br />
aplicação universal poderá ter também<br />
um papel importante). Esforço aquele<br />
que também é central na temática do<br />
branqueamento de capitais.<br />
Bem jurídico protegido<br />
Pela inserção sistemática, o bem jurídico<br />
protegido pela incriminação é a<br />
realização da justiça, na sua particular<br />
vertente da perseguição e do confisco pelos<br />
tribunais dos proventos da actividade<br />
criminosa. Para alguns Autores, trata-se<br />
de um crime pluriofensivo.<br />
Comentário: o bem jurídico protegido<br />
é, de facto, a realização de justiça<br />
quanto à adopção das medidas<br />
necessárias à perseguição e à eliminação<br />
dos defeitos de determinadas<br />
actividades criminosas. No fundo, o<br />
crime de branqueamento é, por isso,<br />
um crime de perigo abstracto em que<br />
se consideram as condutas que possam<br />
por em perigo a realização da justiça.<br />
Obviamente que para além da óbvia<br />
inserção sistemática no Código Penal<br />
que atesta a protecção do bem jurídico<br />
referido, não podemos deixar de<br />
considerar que o fenómeno de branqueamento<br />
de capitais, enquanto estabelecendo<br />
pontes lógicas de contacto<br />
com outras realidades jurídicas, acaba<br />
por tocar, também, e poder ofender,<br />
4. Cfr. FARIA COSTA, J., ob. cit., p.94.<br />
5. Cfr. FARIA COSTA, J., ob. cit., p.97<br />
sobretudo, outros bens jurídicos, naquilo<br />
que é uma vertente de possibilidade<br />
pluriofensiva. Mas é esta vertente<br />
pluriofensiva que é essencial, hoje,<br />
para a concatenação do fenómeno e<br />
que não foi explorada pelo acórdão.<br />
Mas, complementarmente, a concretização<br />
destas características essenciais<br />
revela, também, a necessidade de uma<br />
abordagem evolutiva do tipo penal:<br />
partindo dos tipos objectivos e subjectivos<br />
estipulados no artigo 368.º-A do<br />
Código Penal, mas com a densificação<br />
“complementar” da Lei 83/2017 e do<br />
conceito de branqueamento de capitais<br />
ali propugnado. Com uma voz de<br />
fundo que nos lembra que na articulação<br />
do regime previsto no Código Penal<br />
com o regime previsto no espectro<br />
do quadro sancionatório próprio da<br />
Lei 83/2017, dificilmente atingiremos<br />
um equilíbrio sustentável.<br />
Conexão entre branqueamento e<br />
ilícito típico precedente (autoria)<br />
A punição do branqueamento de vantagens,<br />
prescindindo do território nacional<br />
como lugar único da prática dos factos que<br />
integram a infracção subjacente, prescinde<br />
igualmente da punição do autor do facto<br />
precedente ou mesmo do conhecimento da<br />
sua identidade.<br />
A punição do branqueamento não<br />
pressupõe que tenha de existir agente<br />
determinado ou condenação pelo crime<br />
subjacente.<br />
A lei exige apenas o conhecimento da<br />
prática da infracção principal, e não a<br />
sua punição.<br />
O crime de branqueamento e a respectiva<br />
reacção penal são autónomos em<br />
relação ao facto ilícito típico subjacente.<br />
Assim, não importa que este último<br />
não tenha sido efectivamente punido,<br />
por exemplo por inimputabilidade penal<br />
do agente, morte deste, prescrição,<br />
ou simplesmente, impossibilidade de<br />
determinar quem o praticou e em que<br />
circunstâncias.<br />
O tipo do branqueamento exige apenas<br />
que as vantagens provenham de um facto<br />
ilícito-típico, não de um crime, donde a<br />
punição do branqueamento não depende<br />
de efectiva punição pelo facto precedente.<br />
Comentário: o número 4 do artigo<br />
368.º-A do CP consagra que A punição<br />
pelos crimes previstos nos n. os 2 e 3<br />
tem lugar ainda que se ignore o local da<br />
prática do facto ou a identidade dos seus<br />
autores, ou ainda que os factos que integram<br />
a infração subjacente tenham sido<br />
praticados fora do território nacional,<br />
salvo se se tratar de factos lícitos perante<br />
a lei do local onde foram praticados e aos<br />
quais não seja aplicável a lei portuguesa<br />
nos termos do artigo 5.º. naquilo que é<br />
a assunção de uma cláusula de irrelevância<br />
do lugar da prática do agente e<br />
da identidade do agente. Mas este número<br />
parece referir uma aplicabilidade<br />
fora do território nacional menos lata,<br />
no ilícito criminal, do que a propugnada<br />
pelo regime de prevenção. Embora<br />
em relação aos crimes precedentes, a<br />
aplicabilidade do crime de branqueamento<br />
de capitais seja feita ainda que<br />
se ignore o local da prática do facto ou<br />
a identidade dos seus autores ou ainda<br />
que os factos do crime precedente<br />
tenham sido praticados fora do território<br />
nacional, a verdade é que aí existem<br />
restrições: salvo se se tratar de factos<br />
lícitos perante a lei do local onde foram<br />
praticados e aos quais não seja aplicável<br />
a lei portuguesa nos termos do artigo<br />
5.º. No entanto, naquela aldeia global,<br />
e com fenómenos de branqueamento<br />
de capitais a surgirem em campos não<br />
tradicionais (vejam-se os modelos de<br />
branqueamento de bitcoins, branqueamento<br />
com utilização de blockchain,<br />
inter alia) surge aqui a dúvida fundamentada:<br />
estaremos perante a necessidade<br />
clara de apostar num alargamento<br />
da previsão e diminuição das restrições<br />
supra elencadas?<br />
Pressuposto: o crime/facto<br />
precedente<br />
O “Branqueamento”, sem mais, (nomem<br />
assumido com a codificação em<br />
2004, presente na epígrafe do artigo<br />
368.º-A, do Código Penal) pressupõe, actualmente,<br />
um facto ilícito típico (dantes,<br />
um crime em sentido técnico) anterior,<br />
que tenha produzido vantagens (com a<br />
definição do texto explicativo do n.º 1,<br />
com a inclusão dos producta sceleris e ain-
18 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
da dos bens que com eles - factos ilícitos<br />
típicos - se venham a obter).<br />
A declaração de perda de bens a favor<br />
do Estado, ou o confisco, na via alargada<br />
ou não, e a punição do branqueamento,<br />
servem, por vias diversas, o mesmo desiderato:<br />
a pretensão estadual de atacar as<br />
vantagens do crime.<br />
A juzante, o branqueamento das vantagens.<br />
A montante, o crime prévio, de<br />
onde aquelas provêm.<br />
O branqueamento de dinheiro, para<br />
utilizar uma fórmula simplificada, supõe<br />
uma infracção principal (predicated<br />
offence), com outras, variadas designações,<br />
ao nível do direito europeu e internacional,<br />
como crime prévio, crime originário,<br />
delito pressuposto, crime-base, crime<br />
primário, crime antecedente, crime precedente,<br />
facto referencial, crime designado,<br />
infracção subjacente, facto ilícito típico<br />
(designação presente nos n.º 1, 5, 7,<br />
9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Penal,<br />
embora com simultânea referência,<br />
no n.º 1, a “infracções” referidas no n.º 1<br />
do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, estando<br />
o termo “infracções” igualmente presente<br />
no n.º 2, e ainda a expressão “infracção<br />
subjacente” no n.º 4), todas a significar<br />
a actividade criminosa (ou ilícita típica)<br />
de origem dos bens, a infracção cuja receita<br />
está na origem do branqueamento,<br />
e a juzante, uma infracção criminal secundária,<br />
um pós delito, propriamente, o<br />
branqueamento.<br />
O critério actual de definição do facto<br />
ilícito e típico de que decorre a vantagem<br />
é misto, conjugando um catálogo de crimes,<br />
uma cláusula geral reportada à gravidade<br />
da infracção principal, valorada<br />
pela pena aplicável (puníveis com pena<br />
de prisão de duração mínima superior a<br />
6 meses ou de duração máxima superior a<br />
5 anos) e ainda uma remissão (já presente<br />
desde 1995 – artigo 2.º, corpo, do DL<br />
n.º 325/95) para um elenco de infracções<br />
constante de lei avulsa (Lei n.º 36/94, de<br />
29 de Setembro).<br />
Actualmente o facto precedente não tem<br />
que constituir um crime em sentido técnico<br />
(um ilícito - típico culposo e punível),<br />
mas um simples ilícito - típico, prescindindo,<br />
pois, do carácter culposo e punível.<br />
A actividade de branqueamento é uma<br />
criminalidade derivada, de 2.º grau ou<br />
induzida de outras actividades, pois só<br />
há necessidade de “branquear” dinheiro<br />
se ele provier de actividades primitivamente<br />
ilícitas.<br />
O branqueamento de capitais constitui<br />
uma criminalidade derivada ou<br />
de segundo grau, no sentido de que tem<br />
como pressuposto a prévia concretização<br />
de um ilícito.<br />
Esta relação do branqueamento com o<br />
facto precedente, a relação genética entre<br />
a lavagem e o crime gerador das receitas,<br />
lucros necessitados de branquear, não impede<br />
a afirmação da autonomia do branqueamento.<br />
O branqueamento de capitais pode ser<br />
caracterizado como um tipo derivativo,<br />
secundário, acessório ou «de conexão»,<br />
sendo, neste ponto, em tudo análogo ao<br />
favorecimento pessoal, à receptação e ao<br />
auxílio material ao criminoso, visto que<br />
todos estes tipos legais fazem em parte derivar<br />
o seu conteúdo de ilicitude, embora<br />
nem sempre da mesma forma, do facto<br />
principal, podendo denominar-se todos<br />
estes tipos que pressupõem um ilícito-típico<br />
anterior de «adesões posteriores» ou<br />
«pós factos».<br />
O crime de branqueamento de capitais<br />
é estruturalmente autónomo da criminalidade<br />
subjacente.<br />
Desde que se tenha verificado a prática<br />
do crime-base e sejam praticados actos<br />
subsumíveis ao tipo de branqueamento,<br />
este ganha autonomia, no sentido de<br />
que o respectivo agente será penalmente<br />
perseguido mesmo nos casos em que, por<br />
exemplo, o autor do crime-base seja penalmente<br />
inimputável, morra, ou o procedimento<br />
criminal por tal crime se encontre<br />
prescrito.<br />
Pode haver “crime de branqueamento”,<br />
mesmo que os factos subjacentes não sejam<br />
criminalmente puníveis.<br />
Acolhendo os ensinamentos de Figueiredo<br />
Dias, o conceito de facto ilícito típico<br />
é introduzido no Código Penal, aquando<br />
da terceira alteração, operada pelo DL n.º<br />
48/95, de 15 de Março, surgindo associado<br />
ao pós delito, na definição dos crimes<br />
de receptação e auxílio material (artigos<br />
231.º e 232.º), e em consideração a juzante,<br />
ao aproveitamento dos resultados<br />
do crime, na declaração de perda a favor<br />
do Estado dos producta sceleris (artigos<br />
109.º, 110.º e 111.º), ou numa outra<br />
perspectiva relacionada com medidas de<br />
segurança (artigo 91.º em conexão com<br />
artigo 20.º).<br />
Já antes a categoria estava presente no<br />
artigo 35.º, versando perda de objectos,<br />
do Decreto-Lei n.º 15/93.<br />
Com a codificação do branqueamento<br />
em Abril de 2004, o facto precedente passou<br />
a designar-se facto ilícito típico, designação<br />
presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do<br />
artigo 368.º-A do Código Penal.<br />
Comentário: o crime precedente por<br />
referência a um catálogo que, à data da<br />
elaboração do acórdão, se entendia ser<br />
taxativo, funcionava como uma fattispecie<br />
de pressuposto de aplicabilidade: se<br />
se provasse que a vantagem tinha sido<br />
adquirida através de um crime, mas que<br />
aquele não era um crime de catálogo,<br />
não haveria preenchimento do crime<br />
de branqueamento. Obviamente que<br />
remeter essa condição de punibilidade<br />
por referência a um catálogo que pouco<br />
tem evoluído faz surgir uma preocupação<br />
de eventual possibilidade de criação<br />
de espaços de impunibilidade. E para lá<br />
das naturais dificuldades probatórias de<br />
inserção de uma situação num daqueles<br />
tipos de crime catálogo, a verdade é<br />
que essa preocupação é agravada com<br />
as consequentes sinergias de facilidade<br />
transfronteiriça (até digital) da prática<br />
do crime de branqueamento e, sobretudo,<br />
com o surgimento de novos tipos de<br />
crime de onde podem surgir (emergir)<br />
vantagens que quebram com os modelos<br />
tradicionais. Assim, parece haver<br />
uma necessidade de consideração daquilo<br />
que são elementos de possível conexão<br />
internacional nas incriminações,<br />
nomeadamente no âmbito económico,<br />
com a previsão de uma cláusula mais<br />
alargada do catálogo do crime precedente?<br />
Onde fica o equilíbrio?<br />
Punição do auto branqueamento<br />
O autor do facto precedente pode ser autor<br />
do crime de branqueamento, ou seja,<br />
o autor do crime base pode ser perseguido<br />
cumulativamente pelo de reciclagem dos<br />
produtos daquele.<br />
Face à lei actual, é possível a punição<br />
por branqueamento, em concurso real, do<br />
próprio autor do crime subjacente.<br />
Comentário: Uma breve nota para
COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 19<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
realçar que existe uma necessidade de<br />
combater o fenómeno para lá do autobranqueamento,<br />
i.e., dos casos em que<br />
o autor do crime precedente é também<br />
o agente concreto do posterior crime<br />
de branqueamento, podendo haver<br />
concurso real pela prática de ambos<br />
os comportamentos. Se este figurino é<br />
recorrente, a verdade é que a complexificação<br />
das relações, nomeadamente<br />
num âmbito económico-financeiro,<br />
e por referência a ambientes de associação<br />
criminosa, faz com que sejam<br />
adoptados modelos cada vez mais sofisticados.<br />
Pelo que, para lá do autobranqueamento,<br />
naquele espectro, sempre<br />
teremos que falar em fenómenos de<br />
heterobranqueamento, com múltiplos<br />
actores e agentes que exigem uma resposta<br />
também ela mais qualificada.<br />
3. As fragilidades do quadro legal<br />
de prevenção e a necessidade<br />
de um manual de prevenção de<br />
branqueamento de capitais<br />
Fast forward, da consideração do<br />
ilícito típico criminal e das opções de<br />
fundamentação do referido aresto, temos,<br />
agora e hoje, a consideração de<br />
um modelo de prevenção que, supra,<br />
na introdução, demos nota. No entanto,<br />
e como o mundo prático impõe,<br />
a implementação da Lei 83/2017 e<br />
restantes ramificações legais tem sido<br />
marcada pela identificação de uma série<br />
de fragilidades que colocam a sua<br />
operacionalização em risco: 1) existe,<br />
desde logo, uma disparidade entre as<br />
baixas molduras penais previstas para<br />
os ilícitos criminais versus coimas de<br />
montante elevado (e passíveis de agravamento),<br />
que compromete o equilíbrio<br />
na e da sua aplicabilidade; 2)<br />
consignou-se, também, uma previsão<br />
de competência instrutória e decisória<br />
disseminada que obsta, também, a eficiência<br />
no tratamento dos processos;<br />
3) construi-se um dever de comunicação<br />
das operações suspeitas sem a<br />
adopção de um critério qualitativo<br />
claro, existindo, isso sim, um dever<br />
de denúncia alargada que compromete<br />
a qualidade do procedimento e da<br />
informação eventualmente veiculada;<br />
4) consagrou-se, também, uma autêntica<br />
disseminação das remissões constitutivas<br />
de aplicabilidade de direito<br />
subsidiário que remete a aplicabilidade<br />
dos regimes do Código Penal e do<br />
RGCO para situações limite e completamente<br />
(e diríamos abertamente)<br />
residuais; 5) existe um fito pouco claro<br />
e quasi economicista no tratamento<br />
concreto do destino das coimas e<br />
do benefício económico, sendo que,<br />
e no caso concreto de outras autoridades<br />
sectoriais (para lá do Banco de<br />
Portugal e da CMVM) responsáveis<br />
pelo processo, aqueles valores revertem,<br />
precisamente, para a autoridade<br />
sectorial competente, que, a partir desse<br />
momento (com bondade, uma vez<br />
que, na verdade, o momento será anterior)<br />
fica com um interesse concreto<br />
na prossecução e outcome do caso;<br />
6) o caso concreto da punibilidade<br />
tout court da tentativa e negligência,<br />
e o caso concreto da proibição da reformatio<br />
in pejus, que se afastam do<br />
regime geral e que estão no limite da<br />
violação grave dos direitos dos arguidos<br />
assim como da consubstanciação<br />
de patamares de inconstitucionalidade;<br />
7) com a adopção de um elenco<br />
de 95 contraordenações, previstas no<br />
artigo 169.º da Lei, por violação de<br />
deveres previstos na Lei de BC/FT e<br />
no Regulamento (UE) 2015/847, que<br />
é, juridicamente, contranatura. Em<br />
conclusão, a prática jurídica no tratamento<br />
destas questões vem demonstrar<br />
já, e em correlato apuramento de<br />
feedback junto das entidades obrigadas,<br />
a existência de alguns obstáculos<br />
inegáveis, que se consubstancia numa<br />
dificuldade de compreensão do catálogo<br />
de contraordenações existente. E<br />
esta dificuldade repercute-se em três<br />
níveis diferenciados. A dificuldade de<br />
implementação e previsão, a montante,<br />
por parte das entidades obrigadas. A<br />
dificuldade, a jusante, das entidades<br />
competentes em subsumirem os eventuais<br />
comportamentos violadores ao<br />
catálogo existente. E, ainda, num terceiro<br />
nível cúpula, problemas de definição<br />
de competência instrutória e decisória<br />
dos processos. Em suma, uma<br />
complexificação desnecessária dos processos<br />
de operacionalização.<br />
O modelo da Lei 83/2017 estabelece,<br />
por isso, pontos de contacto lógico<br />
(convergência e convergência evolutiva)<br />
com os regimes bases, mas tem<br />
uma nota de independência e autonomia<br />
que o afirmam como um regime<br />
com características próprias, mas que<br />
sublinham a necessidade duma revisão<br />
profunda do RGCO e uma harmonização<br />
entre os ditos regimes sectoriais,<br />
diminuindo as diferenças existentes<br />
que dificultam o seu estudo e a sua<br />
operacionalização. E, por outro lado,<br />
sublinham sobretudo a necessidade<br />
de recusa de uma transposição quase<br />
acrítica de instrumentos de Direito Internacional<br />
e da União Europeia, com<br />
sobreposições assinaláveis em relação a<br />
diplomas nacionais ou – o que é mais<br />
grave – com soluções legislativas opostas.<br />
Não bastava, sobretudo, que a ligação<br />
formal àquilo que é um fenómeno<br />
também complexo do terrorismo (e<br />
que só aparece na epígrafe da referida<br />
Lei) pudesse ser utilizado para justificar<br />
acriticamente qualquer movimento de<br />
supressão dos direitos de defesa dos Arguidos<br />
e, de forma mais lata, qualquer<br />
violação dos mais elementares princípios<br />
penais e processuais penais, o que,<br />
infelizmente, acontece.<br />
Perante estas fragilidades, existem<br />
sobretudo dúvidas na operacionalização<br />
do modelo concreto de prevenção<br />
propugnado. Dúvidas essas que, para<br />
lá de um momento transitório de início<br />
de aplicabilidade da(s) própria(s)<br />
lei(s), correspondem a um reconhecimento<br />
expresso da sua complexidade<br />
e, claro, acabam por alertar, sobretudo,<br />
para uma futura ineficácia. Precisamente<br />
por isso, torna-se importante<br />
sublinhar a necessidade da elaboração,<br />
de forma objectiva, formativa e sistemática,<br />
de um manual onde constem<br />
os conceitos, normas e procedimentos<br />
de prevenção do branqueamento de<br />
capitais, dando inteligibilidade e alma<br />
a este figurino legal. No fundo, transitando<br />
de uma abordagem etérea e geral<br />
que parece ainda reinar, para uma<br />
abordagem prática de prevenção do fenómeno,<br />
preparando clientes, empresas<br />
e instituições, afinando a sensibilidade<br />
necessária, garantindo a qualidade da<br />
informação transmitida e a automaticidade,<br />
unicidade e eficácia dos procedimentos.
20 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
O estatuto do denunciante no regime<br />
do branqueamento de capitais<br />
A<br />
Manuel Nobre Correia<br />
Advogado na RSA-RAPOSO<br />
SUBTIL E ASSOCIADOS -<br />
SOCIEDADE DE ADVOGADOS,<br />
SP, RL<br />
vertigem que causa a leitura dos<br />
diplomas que versam sobre a<br />
prevenção e combate ao branqueamento<br />
de capitais (e financiamento<br />
do terrorismo, não nos esqueçamos)<br />
é compreensível: a densidade,<br />
detalhe e minúcia dos instrumentos<br />
legislativos, sejam os europeus (fonte<br />
da esmagadora maioria da legislação a<br />
este respeito), sejam os internos (que<br />
os transpõem), a interacção complexa<br />
com leis dos estados membros que regem<br />
realidades distintas mas conexas,<br />
a rápida evolução legislativa não facilitam<br />
a percepção correcta de todas as<br />
particularidades de um regime ainda<br />
longe de sedimentado. A nosso ver, a<br />
forma mais eficaz de tornar inteligível<br />
a legislação relativa ao branqueamento<br />
será, como aqui ensaiaremos,<br />
decompor a análise por temas de mais<br />
fácil apreensão. Propomo-nos, assim,<br />
a fazer uma brevíssima incursão na<br />
protecção conferida às pessoas que<br />
denunciam violações no âmbito do<br />
regime anti-branqueamento, que nos<br />
parece inteiramente oportuna, dada a<br />
entrada em vigor da directiva comunitária<br />
relativa ao estatuto do denunciante<br />
e que, como adiante veremos,<br />
tem aqui aplicação.<br />
A primeira abordagem a esta matéria<br />
foi operada pela 4.ª directiva contra<br />
o branqueamento de capitais e o financiamento<br />
do terrorismo, Directiva<br />
(UE) 2015/849 do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 20 de maio de<br />
2015, que, no seu artigo 38.º, impõe<br />
aos Estados-Membros garantirem que<br />
as pessoas que comuniquem actos ou<br />
operações suspeitas de branqueamento<br />
de capitais (ou de financiamento do<br />
terrorismo) sejam devidamente protegidas<br />
de quaisquer ameaças ou actos<br />
hostis, particularmente, medidas laborais<br />
desfavoráveis ou discriminatórias.<br />
Entende-se perfeitamente a particularização<br />
de medidas retaliatórias<br />
no âmbito laboral, posto que, provavelmente,<br />
a maioria dos denunciantes<br />
serão tendencialmente funcionários<br />
ou representantes das entidades obrigadas<br />
e sendo conhecida a denúncia<br />
são expectáveis represálias da hierarquia<br />
daquela entidade. Para efeitos da<br />
protecção a conferir ao denunciante,<br />
é irrelevante perante quem sejam comunicadas<br />
as suspeitas, seja a responsáveis<br />
internos, seja a UIF (Unidades<br />
de Informação Financeira). Algo que<br />
sempre suscita alguma perplexidade,<br />
como é típico de formulações genéricas,<br />
é a forma como se aportou o cerne<br />
da norma, i. é, a obrigação protectiva<br />
dos estados ao denunciante é caracterizada<br />
como “devidamente”. Não temos<br />
a concretização de qualquer tipo<br />
de medida protectiva, mas somente<br />
um exortar a medidas eficazes, sem as<br />
exemplificar, o que salienta o pendor<br />
programático da norma.<br />
A ratio da inclusão desta matéria na<br />
directiva resulta clara do considerando<br />
preambular 41 onde se diz que “Verificaram-se<br />
vários casos de funcionários<br />
que foram vítimas de ameaças ou atos<br />
hostis após terem participado as suas<br />
suspeitas de branqueamento de capitais.<br />
Apesar de a presente diretiva não poder<br />
interferir com os processos judiciais dos<br />
Estados-Membros, é fundamental tratar<br />
esta questão, a fim de garantir a eficácia<br />
do sistema ABC/CFT. Os Estados-Membros<br />
deverão estar cientes deste problema<br />
e deverão envidar todos os esforços possíveis<br />
para proteger as pessoas, incluindo<br />
os funcionários e representantes da entidade<br />
obrigada, de tais ameaças ou atos<br />
hostis, e garantir, nos termos do direito<br />
nacional, a proteção adequada de tais<br />
pessoas, especialmente no que respeita<br />
ao direito à proteção dos seus dados pessoais<br />
e aos seus direitos a uma proteção<br />
e representação judicial efetiva”. Não<br />
surpreende que assim seja, não só pelas<br />
pesadas sanções a que as entidades<br />
obrigadas estão sujeitas como pelo aumento<br />
excepcional do conteúdo da<br />
obrigação de comunicar (vd. quando<br />
tenha fundadas razões para suspeitar).<br />
Os efeitos gravosos que podem advir<br />
para as entidades obrigadas da comunicação<br />
de uma suspeita justifica plenamente<br />
o receio de retaliação contra<br />
o denunciante e, concomitantemente,<br />
a necessidade de medidas protectivas<br />
deste, de forma a não desincentivar a<br />
denúncia como parte integrante de<br />
um sistema ABC/CFT assente na comunicação<br />
de suspeitas pelas entidades<br />
obrigadas.<br />
A 4.ª directiva foi (parcialmente)<br />
transposta para a ordem jurídica interna<br />
pela Lei n.º 83/2017, de 18 de<br />
Agosto que aprovou as medidas de<br />
combate ao branqueamento de capitais<br />
e ao financiamento do terrorismo<br />
em que era de esperar um afinamento<br />
das medidas de protecção do denunciante,<br />
como veio a suceder. Assim, o<br />
artigo 20.º, n.º 6, do diploma, o standard<br />
relativamente à comunicação de<br />
irregularidades, estatui a obrigação de<br />
as entidades obrigadas se absterem de<br />
ameaças, actos hostis ou, em particular,<br />
de práticas laborais desfavoráveis<br />
ou discriminatórias contra as pessoas<br />
que, por força das funções que exerçam<br />
na entidade obrigada, tomem<br />
conhecimento de violações à legislação<br />
anti-branqueamento e as comuniquem<br />
ao órgão de fiscalização. Acessória,<br />
para não dizer redundantemente,<br />
também se proíbe que estas comunicações<br />
possam ser o fundamento da<br />
instauração pela entidade obrigadas,<br />
de procedimento disciplinar, civil ou<br />
criminal contra o autor da comunicação,<br />
excepto se as mesmas forem deliberada<br />
e manifestamente infundadas.<br />
A nosso ver, era desejável uma maior<br />
concretização de conceitos tão genéricos<br />
como sejam ameaças e actos hostis,<br />
dado que a amplitude interpretativa<br />
concebível para o preenchimen-
OPINIÃO | 21<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
to destes elementos deixa em aberto<br />
a possibilidade de qualquer reparo ou<br />
comentário ser, em abstracto, qualificado<br />
como uma ameaça ou acto hostil<br />
ao denunciante.<br />
Mais adiante, o n.º 3 do artigo 56.º<br />
relativo à derrogação do dever de segredo<br />
e protecção na prestação de<br />
informações, reitera a imposição da<br />
mesma obrigação de abstenção das<br />
entidades obrigadas contra as pessoas<br />
que prestem informações, facultem<br />
documentos e os demais elementos<br />
necessários ao cumprimento do dever<br />
de comunicação de violações à<br />
legislação anti-branqueamento e que<br />
estejam sujeitas a dever de segredo<br />
ou sigilo. À semelhança do anterior,<br />
o n.º 4 deste normativo inibe a possibilidade<br />
de utilização dessa prestação<br />
de informações ou entrega de<br />
documentos como fundamento para<br />
a perseguição criminal, disciplinar<br />
ou civil do denunciante, obviamente<br />
desde que este esteja de boa-fé. Inovatoriamente,<br />
o n.º 6 estatui que as<br />
entidades obrigadas garantam perante<br />
terceiros, nomeadamente clientes e<br />
demais colaboradores, a confidencialidade<br />
da identidade dos colaboradores<br />
que prestem informações ou facultem<br />
elementos no cumprimento do dever<br />
de comunicação.<br />
Exceptuando a obrigação de garantir<br />
a confidencialidade da identidade<br />
do denunciante, as demais obrigações<br />
de abstenção são estatuídas quanto à<br />
denúncia de irregularidades para as<br />
autoridades sectoriais relevantes nos<br />
termos do artigo 108.º.<br />
O artigo 169.º inclui dentro dos<br />
factos típicos que constituem contraordenação<br />
a violação da obrigação<br />
de abstenção imposta pelo artigo<br />
20.º, n.º 6 (alínea n), e pelo artigo<br />
108.º, n.º 4 e 5 (alíneas ww e nnn).<br />
Estranhamente, em nosso entender, a<br />
violação das obrigações de abstenção<br />
decorrentes do artigo 56.º não constituem<br />
uma contraordenação, mas sim<br />
a violação da obrigação de garantia<br />
do anonimato do colaborador denunciante.<br />
Dizemos estranhamente<br />
porque esta conduta ilícita não exclui<br />
a possibilidade de concurso com<br />
a violação do dever de abstenção da<br />
norma, pelo que sempre constituiria<br />
uma conduta típica. Pese embora ser<br />
passível de integração por analogia,<br />
seria desejável a rectificação dessa lacuna<br />
da lei, em abono da eficácia do<br />
sistema. Ainda mais num momento<br />
em que Portugal é alvo de um processo<br />
de infracção emergente da transposição<br />
da directiva.<br />
Cumpre ainda chamar a atenção<br />
para o aparente lapso legislativo relativamente<br />
à exacta repetição do teor<br />
da alínea ww do artigo 169.º pela<br />
alínea nnn) da mesma disposição, o<br />
que, por ser evidentemente redundante,<br />
apenas se concebe como lapso.<br />
O regime vigente de protecção dos<br />
denunciantes de violações consagrado<br />
na lei de combate ao branqueamento<br />
e financiamento, para além<br />
dos lapsos que aqui se apontaram,<br />
estabelece de forma excessivamente<br />
genérica as obrigações das entidades,<br />
que deveriam ser mais concretizadas<br />
pelas dificuldades de aplicação que<br />
se antecipam.<br />
Entretanto, é publicada a Directiva<br />
(UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 23 de Outubro<br />
de 2019, relativa à protecção das<br />
pessoas que denunciam violações do<br />
direito da União, a qual, por força do<br />
artigo 1.º, n.º 1, a), ii), é aplicável às<br />
violações dos actos da União respeitantes<br />
à prevenção do branqueamento<br />
de capitais e do financiamento do<br />
terrorismo.<br />
Porém o artigo 3.º, referente à relação<br />
com outros actos da União e disposições<br />
nacionais, dispõe que as disposições<br />
desta directiva são aplicáveis<br />
na medida em que uma matéria não<br />
esteja regulamentada de forma imperativa<br />
nos referidos atos setoriais específicos<br />
da União. O que, salvo melhor<br />
interpretação, significa que a directiva<br />
é aplicável supletivamente, ou seja,<br />
no que não seja expressamente regulamentado<br />
pela Lei 83/2017.<br />
Só um exame detalhado, que não se<br />
compadece com a novidade da directiva,<br />
permitirá estabelecer claramente<br />
quais as concretas disposições que<br />
coincidem com o regime de protecção<br />
instituído pela lei anti-branqueamento.<br />
Numa análise perfunctória, diremos<br />
que, mais evidentemente, serão<br />
aplicáveis em concurso com as normas<br />
do regime anti-branqueamento<br />
as disposições relativas à extensão da<br />
protecção a alguns familiares dos denunciantes,<br />
a invalidade das obrigações<br />
legais ou contratuais de lealdade<br />
ou acordo de não-divulgação de confidencialidade<br />
impeditivos das denúncias<br />
e, também, a distinção entre<br />
denunciantes, facilitadores e informadores.<br />
Uma nota final para mencionar o<br />
“Era desejável uma maior concretização de conceitos tão<br />
genéricos como sejam ameaças e actos hostis, dado que a<br />
amplitude interpretativa concebível para o preenchimento<br />
destes elementos deixa em aberto a possibilidade de qualquer<br />
reparo ou comentário ser em abstracto, qualificado como uma<br />
ameaça ou acto hostil ao denunciante.”<br />
Comunicado do Conselho de Ministros<br />
do passado 20 de <strong>Fev</strong>ereiro<br />
de <strong>2020</strong> sobre a transposição para<br />
o ordenamento jurídico interno da<br />
Directiva (UE) 2018/1673, relativa<br />
à harmonização do direito penal dos<br />
estados membros no que concerne à<br />
tipologia dos ilícitos, às condições de<br />
procedibilidade, aos limites mínimos<br />
das penas e conflitos de competência,<br />
Directiva essa omissa quanto ao<br />
tema que tratamos aqui, o que permite<br />
concluir pela aplicação subsidiária<br />
do estatuto do denunciante até à sua<br />
transposição efectiva.<br />
Para terminar estas breves notas,<br />
diremos que o regime carece de ser<br />
testado na sua eficácia e aplicabilidade<br />
prática pelos tribunais antes de<br />
poder ser alvo de uma verdadeira avaliação,<br />
inexistindo substituto algum<br />
para o conhecimento que advém da<br />
experiência.
22 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Angola Nova Lei de Combate ao Branqueamento<br />
de Capitais: um sinal de confiança para o mercado<br />
internacional<br />
Andreia Costa<br />
Advogada em Angola<br />
e Portugal<br />
RSA- Rede de Serviços<br />
de Advocacia de Língua<br />
Portuguesa<br />
Ainda distantes do que viria a ser<br />
o processo “Luanda Leaks”, em<br />
Outubro de 2019, a Assembleia<br />
Nacional aprovava, na generalidade, a<br />
nova Lei de Prevenção e Combate ao<br />
Branqueamento de Capitais, do Financiamento<br />
do Terrorismo e da Proliferação<br />
de Armas de Destruição em<br />
Massa. Uma vez discutida na especialidade,<br />
a nova lei foi aprovada pela Assembleia<br />
Nacional a 20 de Novembro<br />
e publicada como Lei n.º 5/20 a 27 de<br />
<strong>Jan</strong>eiro de <strong>2020</strong>, data também da sua<br />
entrada em vigor.<br />
A Lei 5/20 revoga assim a Lei n.º<br />
34/11, de 12 de Dezembro (derrogada<br />
pela Lei 19/17, sobre a Prevenção e o<br />
Combate ao Terrorismo), que versava<br />
sobre a mesma matéria, mantendo-se,<br />
por agora, em vigor legislação conexa<br />
como a Lei 3/14, de 10 de <strong>Fev</strong>ereiro,<br />
sobre a Criminalização das Infrações<br />
Subjacentes ao Branqueamento de Capitais,<br />
ou o Aviso n.º 22/12, de 25 de<br />
Abril, do Banco Nacional de Angola,<br />
relativo à supervisão e fiscalização do<br />
cumprimento das obrigações de prevenção<br />
e combate ao branqueamento<br />
de capitais e do financiamento do terrorismo<br />
pelas entidades financeiras.<br />
Numa economia fortemente dependente<br />
e assente no financiamento estrangeiro,<br />
esta lei surge como resposta<br />
a algumas exigências da comunidade<br />
internacional, em particular, do Fundo<br />
Monetário Internacional (FMI),<br />
que em Dezembro aprovou mais um<br />
pagamento de 247 milhões de dólares<br />
a Angola no âmbito do Programa de<br />
Financiamento Ampliado, num total<br />
de 3,7 mil milhões de dólares, e do<br />
Grupo de Ação Financeira Internacional<br />
(GAFI), um organismo intergovernamental<br />
que tem como propósito<br />
desenvolver e promover políticas,<br />
nacionais e internacionais, de combate<br />
ao branqueamento de capitais e<br />
ao financiamento do terrorismo (BC/<br />
FT) através de recomendações que os<br />
países devem implementar com vista<br />
à proteção do sistema financeiro internacional.<br />
O GAFI avalia, à escala mundial, a<br />
implementação das suas recomendações<br />
e publica regularmente uma lista<br />
dos países que constituem uma ameaça<br />
ao sistema financeiro internacional<br />
por não seguirem as medidas de combate<br />
ao BC/FT. Em 2010, o GAFI<br />
fez constar Angola na Lista Cinzenta<br />
devido às deficiências estratégicas no<br />
combate ao BC / FT, tendo concluído<br />
que o País representava um risco<br />
para o sistema financeiro internacional.<br />
Desde então o País tem envidado<br />
esforços com vista ao melhoramento<br />
do sistema de pagamento e as transações,<br />
tendo visto o seu nome riscado<br />
daquela Lista em 2016.<br />
Embora Angola não seja membro<br />
do GAFI (em África apenas a África<br />
do Sul é membro), este Grupo conta<br />
com 37 países, entre os quais destacamos<br />
– devido às estreitas relações comerciais<br />
e financeiras com Angola – a<br />
França, Alemanha, Itália, Portugal,<br />
China, bem como os EUA e Reino<br />
Unido. Assim, o respeito pelas recomendações<br />
do GAFI é um sinal crucial<br />
à comunidade internacional da<br />
real intenção do Executivo Angolano<br />
em combater e penalizar o branqueamento<br />
de capitais.<br />
Não esqueçamos que Angola depende<br />
enormemente das importações e,<br />
consequentemente, da moeda estrangeira,<br />
e de como os níveis de corrupção<br />
e do branqueamento de capitais<br />
limitaram o acesso do país a essas divisas,<br />
o que teve como efeito as óbvias<br />
e graves consequências económicas,<br />
financeiras e sociais que o país ainda<br />
hoje atravessa.<br />
A Lei 5/20 veio assim juntar-se a outras<br />
medidas legislativas que têm como<br />
fim último demonstrar ao mercado<br />
internacional que o atual Executivo é<br />
defensor da liberdade económica e está<br />
apostado na transparência e no combate<br />
e punição da corrupção, garantindo<br />
assim não só aos financiadores<br />
do Estado Angolano, mas também a<br />
potenciais investidores, um ambiente<br />
seguro para investir em Angola.<br />
Percebe-se então a relevância desta<br />
novidade legislativa que, para além de<br />
procurar ir de encontro aos padrões<br />
internacionais e à estatuição efetiva de<br />
medidas legais com vista à prevenção<br />
e repressão do branqueamento de capitais<br />
e financiamento do terrorismo,<br />
pretende também evidenciar sinais de<br />
mudança, estabilidade e confiança no<br />
mercado angolano.<br />
Vejamos então as principais inovações<br />
da Lei 5/20. Para além de, na generalidade,<br />
tecer uma malha bem mais<br />
apertada do que a lei a que sucede, a<br />
Lei 5/20 reforça os poderes das entidades<br />
de supervisão, em particular da<br />
Unidade de Informação Financeira,<br />
bem como os deveres de controlo e<br />
prevenção das entidades a ela sujeitas.<br />
A definição de Pessoas Politicamente<br />
Expostas (PPE) terá sido, talvez, a<br />
questão mais polémica e que gerou<br />
maior debate entre os deputados da<br />
Assembleia Nacional. A anterior Lei<br />
de Combate ao Branqueamento de<br />
Capitais e do Financiamento do Terrorismo<br />
fixava um conceito demasiado<br />
restritivo de PPE, definindo-as como<br />
“pessoas singulares estrangeiras que desempenham,<br />
ou desempenharam até há<br />
um ano, cargos de natureza política ou<br />
pública, bem como os membros próximos<br />
da sua família e pessoas que reconhecidamente<br />
tenham com elas estreitas relações<br />
de natureza societária ou comercial.”. A<br />
alteração deste conceito há muito que
OPINIÃO | 23<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
era reclamada pelo GAFI, que emitiu<br />
diversas recomendações a este respeito.<br />
O GAFI entende que a construção<br />
do conceito de PPE deve ter em consideração<br />
a realidade cultural e social<br />
de cada Estado. Considerando que, em<br />
Angola, o conceito de família é bastante<br />
alargado, a definição de PPE deve ir<br />
de encontro com essa realidade. Com a<br />
Lei 5/20, PPE passam a ser quaisquer<br />
“indivíduos nacionais ou estrangeiros<br />
que desempenham ou desempenharam<br />
funções públicas proeminentes em Angola,<br />
ou em qualquer outro País ou jurisdição<br />
ou em qualquer organização<br />
Internacional”. A esta definição mais<br />
ampla segue-se uma lista, bem mais<br />
extensa (agora com 19 alíneas contra<br />
as 10 alíneas da Lei 34/11), do que se<br />
consideram “altos cargos de natureza<br />
política ou pública” que, ao contrário<br />
da lei anterior, não é taxativa, e<br />
que elenca, designadamente, o Vice-<br />
-Presidente da República e os órgãos<br />
auxiliares do Presidente da República.<br />
Também a equiparação dos membros<br />
de família e das pessoas muito<br />
próximas das PPE foi francamente<br />
alargada; para além do cônjuge ou unido<br />
de facto, passam a ser considerados<br />
todos os parentes (sem limitação) até<br />
ao 3.º grau da linha colateral e afins até<br />
ao mesmo grau, e respetivos cônjuges<br />
ou unidos de facto, e ainda as pessoas<br />
com reconhecidas e estreitas relações<br />
de natureza pessoal, a acrescer às relações<br />
de natureza societária ou comercial<br />
já previstas na lei anterior.<br />
Situação semelhante sucedeu com a<br />
definição de outro conceito-chave de<br />
qualquer normativo atinente a BC/<br />
FT, o de “Beneficiário Efetivo”. A Lei<br />
34/11 limitava este conceito à propriedade<br />
ou controlo de, pelo menos, 20%<br />
do capital social, dos direitos de voto,<br />
ou do património de pessoas coletivas.<br />
Agora para ser qualificado como Beneficiário<br />
Efetivo basta que a pessoa<br />
detenha uma participação no capital<br />
de uma pessoa coletiva ou a controle<br />
(ainda que indiretamente), detenha a<br />
propriedade ou controlo do capital da<br />
sociedade ou dos direitos de voto, ou<br />
que tenha o deito de exercer influência<br />
significativa ou controlo da sociedade,<br />
independentemente do nível de<br />
participação.<br />
Outra inovação a destacar é a criação<br />
da Obrigação de Avaliação de Risco;<br />
as entidades sujeitas devem adotar<br />
medidas apropriadas para identificar,<br />
avaliar, compreender e mitigar os riscos<br />
de branqueamento de capitais, do<br />
financiamento do terrorismo e da proliferação<br />
de armas de destruição em<br />
massa, quer ao nível do cliente individual,<br />
como da transação e da instituição.<br />
As entidades sujeitas estão assim<br />
“Percebe-se então a relevância desta novidade legislativa<br />
que, para além de procurar ir de encontro com os padrões<br />
internacionais e à estatuição efetiva de medidas legais com<br />
vista à prevenção e repressão do branquea mento de capitais e<br />
financiamento do terrorismo, pretende também evidenciar sinais<br />
de mudança, es tabilidade e confiança no mercado angolano.”<br />
obrigadas a implementar políticas internas<br />
de controlo, gestão e mitigação<br />
do risco e criar medidas reforçadas ou<br />
simplificadas em função do risco elevado<br />
ou diminuto, respetivamente. O<br />
legislador pretende que as entidades<br />
sujeitas adotem procedimentos e medidas<br />
ágeis, funcionais, e proporcionais<br />
ao risco identificado.<br />
A gestão de risco na utilização de novas<br />
tecnologias é também uma preocupação<br />
da Nova Lei, estando as entidades<br />
sujeitas obrigadas a implementar<br />
as políticas e medidas necessárias para<br />
evitar a utilização abusiva das novas<br />
tecnologias em esquemas de BC / FT<br />
e Proliferação de Armas de Destruição<br />
em Massa.<br />
Outra novidade prende-se com as<br />
transferências eletrónicas; com a entrada<br />
em vigor da Lei 5/20, as transações<br />
ocasionais executadas através de<br />
transferência eletrónica num montante<br />
igual ou superior a USD 1.000 (em<br />
moeda nacional ou estrangeira), estão<br />
sujeitas às obrigações de identificação<br />
e diligência.<br />
Outra medida que destacamos tem<br />
que ver com a obrigação de comunicação<br />
das transações em numerário. A<br />
Lei 34/11 já previa a obrigação de comunicação<br />
à Unidade de Informação<br />
Financeira de todas as transações em<br />
numerário de valor igual ou superior,<br />
em moeda nacional, ao equivalente a<br />
USD 15 000,00. Presentemente, este<br />
valor é o limite residual, pois o legislador<br />
criou várias categorias de transações<br />
em numerário para as quais o<br />
limite é reduzido para USD 5000,00,<br />
sendo que todos os casos se reportam<br />
a qualquer transação em numerário,<br />
independentemente da moeda.<br />
A Lei 5/20 revela também especiais<br />
cautelas com as transações transfronteiriças<br />
ao estabelecer novas obrigações<br />
de diligência reforçada, e o dever de a<br />
Administração Tributária (AGT) comunicar<br />
qualquer suspeita de ter tido<br />
lugar, estar em curso ou ter sido tentada<br />
a realização de movimentos físicos<br />
transfronteiriços de moeda estrangeira<br />
ou de instrumentos negociáveis ao<br />
portador, suscetíveis de estarem associados<br />
à prática do Crime de Branqueamento<br />
de Capitais, do Financiamento<br />
do Terrorismo e da Proliferação<br />
de Armas de Destruição em Massa ou<br />
de qualquer outro crime.<br />
Estas são apenas uma parte das inovações<br />
da nova lei de Branqueamento<br />
de Capitais, do Financiamento do<br />
Terrorismo e da Proliferação de Armas<br />
de Destruição em Massa que optámos<br />
por destacar.<br />
O primeiro passo foi dado. Angola<br />
tem agora uma Lei de Prevenção e<br />
Combate ao Branqueamento de Capitais,<br />
do Financiamento do Terrorismo<br />
e da Proliferação de Armas de Destruição<br />
em Massa que cumpre com as<br />
principais recomendações do GAFI e<br />
do FMI, com mecanismos que, uma<br />
vez cabalmente em prática, serão capazes<br />
de combater e prevenir o branqueamento<br />
de capitais. Porém, fica por<br />
aferir a capacidade efetiva das autoridades<br />
competentes para supervisionar,<br />
prevenir e, em última instância, punir<br />
os infratores.
24 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Combate ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento ao terrorismo em Moçambique.<br />
O desafio da próxima década!<br />
Ricardo Néry<br />
Advogado na RSA-RAPOSO<br />
SUBTIL E ASSOCIADOS -<br />
SOCIEDADE DE ADVOGADOS,<br />
SP, RL<br />
Carlos Freitas Vilanculos<br />
Advogado em Moçambique<br />
RSA-Rede de Serviços<br />
de Advocacia de Língua<br />
Portuguesa<br />
Mesmo debaixo de forte contestação<br />
da sociedade civil<br />
Moçambicana, o Governo<br />
pagou no final de 2019 uma parcela<br />
da reestruturação das dívidas da Ematum,<br />
uma das três empresas envolvidas<br />
nas dívidas ocultas, estimadas em<br />
cerca de 2 mil milhões de euros. No<br />
total, o valor da reestruturação é de<br />
659,56 milhões de euros, emitidos<br />
em 2016, e agora Moçambique desembolsou<br />
uma “tranche” de 36 milhões<br />
de euros.<br />
A transação acontece justamente<br />
na altura em que decorre o julgamento<br />
de um caso de ilícitos financeiros<br />
nos EUA ligado às dívidas ocultas. A<br />
coincidência, ou não, acirrou as desconfianças<br />
da sociedade civil e lançou,<br />
uma vez mais, a discussão sobre<br />
o branqueamento de capitais no País.<br />
Atualmente, a legislação aplicável<br />
em sede de prevenção de branqueamento<br />
de capitais e financiamento ao<br />
terrorismo em Moçambique é regulada<br />
pela Lei n.º 14/2013, de 12 de<br />
Agosto de 2013 – Lei de Prevenção<br />
e combate ao branqueamento de capitais<br />
(“Lei 14/2013”) (que revogou<br />
a Lei n.º 7/2002 de 5 de <strong>Fev</strong>ereiro),<br />
com vista a adequar o seu conteúdo<br />
aos padrões normativos internacionais<br />
de prevenção e combate ao<br />
branqueamento de capitais e financiamento<br />
ao terrorismo, pelo Decreto<br />
n.º 66/2014, que aprova o regulamento<br />
da referida Lei 14/2013, e<br />
pelo Aviso n.º 4/GBM/2015, de 17<br />
de Junho, que aprova as diretrizes sobre<br />
esta matéria.<br />
No país, existe ainda o Gabinete de<br />
Informação Financeira de Moçambique<br />
(“GIFIM”) criado pela Lei nº<br />
14/2007, de 27 de Junho, que é um<br />
órgão do Estado, dotado de autonomia<br />
administrativa, que funciona sob<br />
tutela do Conselho de Ministros e<br />
que tem por objeto a recolha, centralização,<br />
análise e difusão às entidades<br />
competentes, de informações respeitantes<br />
a operações económico-financeiras<br />
suscetíveis de consubstanciar<br />
atos de branqueamento de capitais e<br />
outros crimes conexos.<br />
Segundo o GIFIM, o Estado e o<br />
sector privado devem trabalhar conjuntamente<br />
para proteger o sistema<br />
financeiro do crime organizado e do<br />
terrorismo, pois Moçambique lidera<br />
(ainda) a lista dos países com maior<br />
riso de branqueamento de capitais a<br />
favor do terrorismo. O GIFIM defende<br />
mesmo a mobilização do setor privado<br />
no combate ao branqueamento<br />
de capitais e terrorismo, assinalando<br />
que os fluxos financeiros entre grupos<br />
criminosos são principalmente gerados<br />
por entidades não estatais.<br />
A Lei n.º 14/2013 tipifica o crime<br />
de branqueamento de capitais e financiamento<br />
ao terrorismo no n.º 1<br />
do artigo 4.º e do artigo 5.º nos seguintes<br />
termos: (i) comete crime de<br />
branqueamento de capitais aquele<br />
que, intencionalmente ou devendo ter<br />
conhecimento converter, transferir,<br />
auxiliar ou facilitar qualquer operação<br />
de conversão, transferência de produtos<br />
do crime, no todo ou em parte, de<br />
forma direta ou indireta, com o objetivo<br />
de ocultar ou dissimular a sua<br />
origem ilícita ou de auxiliar a pessoa<br />
implicada na prática das atividades<br />
criminosas a eximir-se das consequências<br />
jurídicas dos seus atos; ocultar<br />
ou dissimular a verdadeira natureza,<br />
origem, localização, disposição, movimentação<br />
ou titularidade de produtos<br />
do crime ou direitos relativos<br />
a eles ou adquirir, possuir a qualquer<br />
título ou utilizar bens, sabendo da sua<br />
proveniência ilícita no momento da<br />
receção; (ii) comete crime de financiamento<br />
ao terrorismo aquele que, por<br />
quaisquer meios, direta ou indiretamente<br />
e intencionalmente, fornece<br />
ou recolhe fundos, com a intenção de<br />
que sejam utilizados ou sabendo que<br />
serão utilizados, no todo ou em parte,<br />
para levar a cabo um ato terrorista<br />
por um terrorista individual ou uma<br />
organização terrorista.<br />
Ao crime de branqueamento de<br />
capitais corresponde pena de 2 a 12<br />
anos de prisão maior (artigo 75.º, n.º<br />
1) e ao de financiamento ao terrorismo<br />
pena de 10 a 24 anos de prisão<br />
maior (artigo 75.º n.º 2).<br />
O tempo demostrou, no entanto,<br />
ser necessária uma melhor orientação<br />
da atuação das instituições financeiras,<br />
que nos termos da Lei 14/2003<br />
se encontram sob alçada de supervisão<br />
do Banco de Moçambique, em<br />
relação a esta temática. Nesse sentido,<br />
em 2015 foi publicado o Aviso n.º 4/<br />
GBM/2015, que estabelece os procedimentos<br />
e medidas de prevenção e<br />
repressão ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento ao terrorismo.<br />
Nestes termos, atualmente, as instituições<br />
financeiras e as entidades<br />
não financeiras devem adotar procedimentos<br />
para prevenir e sancionar<br />
a utilização do sistema financeiro<br />
para branqueamento de capitais<br />
financiamento ao terrorismo e crimes<br />
conexos, dos quais destacamos<br />
os seguintes:<br />
As instituições financeiras devem<br />
manter um registo da identificação<br />
dos seus clientes do qual conste, entre<br />
outras informações, no caso das
OPINIÃO | 25<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
pessoas individuais, o nome completo,<br />
estado civil, morada, número de<br />
identificação tributária (“NUIT”) e,<br />
no caso das empresas, a sua identificação,<br />
NUIT e a identidade dos titulares<br />
das participações no capital<br />
superiores a 20%; recusar a operação<br />
e enviar informação sobre a transação<br />
suspeita ao GIFIM, sempre que<br />
exista suspeita da prática de crime;<br />
manter cópia dos documentos comprovativos<br />
do dever de identificação<br />
e verificação, registo de transações nacionais<br />
ou internacionais que sejam<br />
suficientes para permitir a reconstituição<br />
da operação, por um período<br />
mínimo de 15 anos a contar do termo<br />
da relação de negócio e do encerramento<br />
da conta, bem como reunir<br />
informação sobre o nome do emitente,<br />
nome do beneficiário e o número<br />
de conta de destino, nas transferências<br />
eletrónicas de montante inferior<br />
a 30.000,00 MT. Se a transferência<br />
for de montante igual ou superior a<br />
30.000,00MT, deve conter a menção<br />
do nome do remetente, do número<br />
da conta de origem, do endereço do<br />
remetente, acompanhado do número<br />
do documento de identificação válido<br />
e do número da conta do beneficiário.<br />
No caso dos casinos, os mesmos estão<br />
obrigados a proceder à identificação<br />
dos jogadores ou apostadores que<br />
intervenham em jogo ou apostas de<br />
valor igual ou superior a 90,000,00<br />
MT, ou sempre que exista suspeita<br />
de branqueamento de capitais ou financiamento<br />
ao terrorismo. Devem<br />
ainda proceder à identificação dos<br />
jogadores ou apostadores no ato de<br />
aquisição de fichas, créditos ou outros<br />
símbolos de jogo independente<br />
do seu valor;<br />
Os cartórios e as conservatórias<br />
devem proceder à identificação das<br />
partes intervenientes, o negócio realizado,<br />
o montante envolvido e o ato<br />
notarial celebrado sempre que haja<br />
compra e venda de imóveis, gestão de<br />
valores, títulos e outros ativos, gestão<br />
de poupanças bancária, criação, gestão<br />
e exploração de sociedades;<br />
Também as entidades que se dediquem<br />
às atividades de mediação<br />
imobiliária e de compra e revenda de<br />
imóveis, bem como as entidades construtoras<br />
que procedam à venda direta<br />
de imóveis estão obrigadas a identificar<br />
os seus clientes sempre que efetuem<br />
transações de compra e venda<br />
ou exista suspeita de branqueamento<br />
de capitais.<br />
As instituições financeiras e não financeiras<br />
estão obrigadas a comunicar<br />
imediatamente ao GIFIM as transações<br />
suspeitas de branqueamento de<br />
capitais e financiamento ao terrorismo,<br />
em regra por via eletrónica.<br />
A Autoridade Tributária de Moçambique,<br />
através da Direção-Geral<br />
das Alfândegas, deve, ainda, comunicar<br />
ao GIFIM sempre que exista<br />
declaração de entrada ou saída de<br />
moeda nacional ou estrangeira, títulos<br />
negociáveis ao portador, ouro amoedado<br />
ou em barra, de valor superior<br />
a 150.000,00 MT.<br />
Refira-se, também, que em 2018 o<br />
Governo de Moçambique reforçou a<br />
sua capacidade de supervisão, prevenção<br />
e combate ao branqueamento de<br />
capitais com a aprovação, na generalidade,<br />
pela Assembleia da República,<br />
da atualização da lei que criou o<br />
GIFIM, pretendendo-se, entre outras<br />
coisas, reforçar a competência do GI-<br />
FIM para receber a comunicação de<br />
transações financeiras suspeitas de<br />
estarem associadas a atividades ilícitas,<br />
como o financiamento do terrorismo,<br />
por exemplo, e pretende, ainda,<br />
criar brevemente uma unidade<br />
para recuperar ativos resultantes de<br />
atividades criminosas, com destaque<br />
para o branqueamento de capitais e<br />
financiamento ao terrorismo.<br />
Existe, assim, um cada vez maior<br />
controlo e preocupação das entidades<br />
de supervisão moçambicanas e,<br />
pela primeira vez, por violação da<br />
Lei 14/2013, o Banco de Moçambique<br />
sancionou recentemente vinte<br />
instituições financeiras, por infrações<br />
cometidas entre 2014 e 2018, tendo<br />
sido a maior multa aplicada no valor<br />
de 1,1 milhões de euros.<br />
No mais está prevista para este ano<br />
de <strong>2020</strong> uma avaliação do risco de<br />
Moçambique se envolver no financiamento<br />
ao terrorismo e de branqueamento<br />
de capitais pelo Grupo<br />
de Ação Financeira Internacional<br />
(GAFI) O escrutínio por esta organização<br />
internacional será importante<br />
para um diagnóstico sobre o perigo de<br />
Moçambique ser usado para o financiamento<br />
ao terrorismo e branqueamento<br />
de capitais, pois esta avaliação<br />
serve para as instituições vinculadas<br />
ao GAFI conhecerem melhor os riscos<br />
de o país se envolver no financiamento<br />
ao terrorismo e branqueamento<br />
de capitais.<br />
Esta avaliação decorre da adesão do<br />
país ao Grupo de Prevenção e Combate<br />
ao Branqueamento de Capitais<br />
da África Austral e Oriental (ESAA-<br />
“Está prevista para este ano de <strong>2020</strong> uma avaliação do risco<br />
de Moçambique se envolver no financiamento ao terrorismo e<br />
de branqueamento de capitais pelo Grupo de Ação Financeira<br />
Internacional (GAFI)<br />
MLG), instituição vocacionada à uniformização<br />
de padrões internacionais<br />
de combate à criminalidade financeira<br />
internacional.<br />
O GAFI é um organismo intergovernamental<br />
criado com o objetivo<br />
de desenvolver e promover políticas,<br />
nacionais e internacionais, de combate<br />
ao branqueamento de capitais e ao<br />
financiamento do terrorismo.<br />
Em suma, as regras estão lançadas<br />
e o desafio dos próximos tempos será<br />
mesmo o de mostrar aos mercados<br />
internacionais que a capacidade das<br />
entidades moçambicanas de supervisão,<br />
prevenção e combate ao branqueamento<br />
de capitais e financiamento<br />
ao terrorismo está reforçada num<br />
pais onde, segundo conforme previsão<br />
do Fundo Monetário Internacional,<br />
se espera que a economia venha<br />
a registar uma forte recuperação em<br />
<strong>2020</strong>, a que associa uma taxa de inflação<br />
baixa.
26 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Lei 14/2013, de 12 de Agosto (Lei de Prevenção<br />
e Combate ao Branqueamento de Capitais<br />
e Financiamento ao Terrorismo)<br />
Súmula de artigos principais<br />
Artigo 3 (Âmbito de aplicação)<br />
A presente Lei aplica-se às instituições<br />
financeiras e às entidades não<br />
financeiras com sede em território<br />
nacional, bem como às respectivas<br />
sucursais, agências, filiais ou qualquer<br />
outra forma de representação e<br />
a outras instituições susceptíveis de<br />
prática de actos de branqueamento<br />
de capitais e financiamento do terrorismo.<br />
2. Para efeitos da presente Lei, são<br />
instituições financeiras:<br />
a) instituições de crédito e sociedades<br />
financeiras definidas<br />
por lei:<br />
– Instituições de crédito:<br />
i. bancos;<br />
ii. sociedades de locação financeira;<br />
iii. cooperativas de crédito;<br />
iv. sociedades de factoring;<br />
v. sociedades de investimento;<br />
vi. microbancos, nos diversos<br />
tipos admitidos na legislação<br />
aplicável;<br />
vii. instituições de moeda electrónica;<br />
viii.outras empresas que sejam<br />
qualificadas como instituições<br />
de crédito por Decreto<br />
do Conselho de Ministros.<br />
- Sociedades financeiras:<br />
i. sociedades financeiras de corretagem;<br />
ii. sociedades corretoras;<br />
iii. sociedades gestoras de fundos<br />
de investimento;<br />
iv. sociedades gestoras de património;<br />
v. sociedades de capital de risco;<br />
vi. sociedades administradoras<br />
de compras em grupo;<br />
vii. sociedades emitentes ou gestoras<br />
de cartões de crédito;<br />
viii. casas de câmbio;<br />
ix. casas de desconto;<br />
x. outras empresas que sejam<br />
qualificadas como sociedades<br />
financeiras por Decreto do<br />
Conselho de Ministros.<br />
b) operadores de microfinanças<br />
definidos por lei;<br />
c) seguradoras, resseguradoras, sociedades<br />
gestoras de fundos de<br />
pensões, mediadores de seguros,<br />
outras entidades de investimentos<br />
com estas relacionadas;<br />
d) bolsas de valores;<br />
e) quaisquer outras pessoas ou entidades<br />
que exerçam outras actividades<br />
ou operações e que venham<br />
a ser enquadradas como<br />
tal por legislação específica.<br />
3. São entidades não financeiras:<br />
a) casinos e instituições que se dediquem<br />
a actividade de jogo de<br />
fortuna ou de azar;<br />
b) entidades que exerçam actividades<br />
de mediação imobiliária<br />
e de compra e revenda de imóveis,<br />
bem como entidades construtoras<br />
que procedam à venda<br />
directa de imóveis;<br />
c) agentes ou negociantes de pedras<br />
e metais preciosos;<br />
d) vendedores e revendedores de<br />
veículos;<br />
e) advogados, notários, conservadores<br />
e profissões jurídicas<br />
independentes, contabilistas e<br />
auditores independentes quando<br />
envolvidos em transacções<br />
no interesse dos seus utentes ou<br />
noutras circunstâncias, relativamente<br />
às seguintes actividades:<br />
i) compra e venda de imóveis;<br />
ii) gestão de fundos, valores<br />
mobiliários ou outros bens<br />
do cliente;<br />
iii) gestão de contas bancárias<br />
de poupança ou de valores<br />
mobiliários;<br />
iv) organização de contribuições<br />
destinadas a criação, exploração<br />
ou gestão de sociedades;<br />
v) criação, exploração ou gestão<br />
de pessoas colectivas ou de entidades<br />
sem personalidade jurídica,<br />
e a compra e venda de<br />
entidades comerciais.<br />
f) empresas de correios, na medida<br />
em que exerçam a actividade<br />
financeira;<br />
g) prestadores de serviços a fundos<br />
fiduciários e empresas, não<br />
abrangidos pelas alíneas anteriores,<br />
que forneçam os seguintes<br />
serviços numa base comercial:<br />
i) formação, inscrição e gestão<br />
de pessoas colectivas;<br />
ii) exercício do cargo, ou actuando<br />
para que outra pessoa<br />
exerça o cargo de director ou<br />
secretário de uma empresa,<br />
sócio de uma sociedade ou<br />
de uma posição semelhante<br />
em relação a outras pessoas<br />
colectivas;<br />
iii) fornecimento de escritório,<br />
endereço ou instalações para<br />
uma empresa, sociedade ou<br />
qualquer pessoa ou instrumento<br />
jurídico;<br />
iv) exercício do cargo de ou actuando<br />
para que outra pessoa<br />
exerça o cargo de accionista<br />
em nome de outrem.<br />
v) exercício da actividade de<br />
importação e exportação de<br />
mercadorias.<br />
4. A presente Lei aplica-se igualmente<br />
às sucursais, agências, filiais<br />
ou qualquer outra forma de representação<br />
em território nacional de<br />
instituições financeiras e entidades<br />
não financeiras estabelecidas no estrangeiro,<br />
bem como, às representações<br />
de entidades nacionais situadas<br />
no estrangeiro.
OPINIÃO | 27<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
Artigo 4 (Branqueamento<br />
de capitais)<br />
1. Comete crime de branqueamento<br />
de capitais aquele que, nos<br />
termos do artigo 7 da presente Lei,<br />
intencionalmente ou devendo ter conhecimento:<br />
a) converter, transferir, auxiliar<br />
ou facilitar qualquer operação<br />
de conversão, transferência de<br />
produtos do crime, no todo ou<br />
em parte, de forma directa ou<br />
indirecta, com o objectivo de<br />
ocultar ou dissimular a sua origem<br />
ilícita ou de auxiliar a pessoa<br />
implicada na prática das actividades<br />
criminosas a eximir-se<br />
das consequências jurídicas dos<br />
seus actos;<br />
b) ocultar ou dissimular a verdadeira<br />
natureza, origem, localização,<br />
disposição, movimentação<br />
ou titularidade de produtos do<br />
crime ou direitos relativos a eles;<br />
c) adquirir, possuir a qualquer título<br />
ou utilizar bens, sabendo da<br />
sua proveniência ilícita no momento<br />
da recepção.<br />
2. O conhecimento, intenção ou<br />
propósito requeridos como elementos<br />
constitutivos do crime podem ser<br />
inferidos de circunstâncias factuais e<br />
objectivas.<br />
3. A punição pelo crime de branqueamento<br />
de capitais tem lugar ainda<br />
que o facto ilícito relativo ao crime<br />
conexo tenha sido praticado no<br />
estrangeiro, ou ainda que se ignore o<br />
local da prática do facto ou a identidade<br />
dos seus autores.<br />
4. A tentativa de branqueamento<br />
de capitais é punível nos termos previstos<br />
no Código Penal.<br />
5. A cumplicidade e o encobrimento<br />
são punidos nos termos do<br />
Código Penal.<br />
Artigo 5 (Financiamento<br />
do terrorismo)<br />
Comete o crime de financiamento<br />
do terrorismo aquele que, por<br />
quaisquer meios, directa ou indirectamente<br />
e intencionalmente fornece<br />
ou recolhe fundos, com a intenção<br />
de que sejam utilizados ou sabendo<br />
que serão utilizados, no todo ou<br />
em parte:<br />
a) para levar a cabo um acto terrorista;<br />
b) por um terrorista individual ou<br />
uma organização terrorista.<br />
O crime considera-se cometido<br />
independentemente da ocorrência<br />
de qualquer acto terrorista referido<br />
no n.º 1, ou de os fundos terem sido<br />
efectivamente utilizados para cometer<br />
tal acto.<br />
A punição pelo crime de financiamento<br />
do terrorismo tem lugar ainda<br />
que o acto terrorista tenha sido<br />
planeado em jurisdição estrangeira<br />
ou para o financiamento de terroristas<br />
ou de organizações terroristas em<br />
jurisdição estrangeira.<br />
O conhecimento, intenção ou propósito,<br />
requeridos como elementos<br />
constitutivos do crime, podem ser<br />
inferidos de circunstâncias factuais<br />
e objectivas.<br />
A cumplicidade, o encobrimento e<br />
a instigação para cometer o crime de<br />
financiamento do terrorismo são punidos<br />
nos termos do Código Penal.<br />
Artigo 26 (Exclusão<br />
de responsabilidades)<br />
As instituições financeiras e as entidades<br />
não financeiras ou os seus directores<br />
ou empregados que, de boa-<br />
-fé, comuniquem transacções suspeitas<br />
ou forneçam informação ao GI-<br />
FiM, nos termos desta Lei, não estão<br />
sujeitos a responsabilidade administrativa,<br />
civil ou criminal por violação<br />
de contrato e de segredo bancário ou<br />
profissional.<br />
Nenhuma acção legal por branqueamento<br />
de capitais e financiamento<br />
do terrorismo pode ser intentada<br />
contra as instituições financeiras<br />
e as entidades não financeiras, nem<br />
contra os seus directores ou empregados<br />
em consequência da execução<br />
de uma transacção suspeita quando<br />
esta tenha sido comunicada nos termos<br />
do número anterior.<br />
Artigo 37 (Apreensão e confisco<br />
de bens e direitos)<br />
Sem prejuízo do disposto em<br />
legislação diversa, os fundos, direitos<br />
e quaisquer outros objectos<br />
depositados em bancos ou outras<br />
instituições de crédito pertencentes<br />
ao suspeito ou sobre os quais<br />
ele exerce poder de facto correspondente<br />
ao direito de propriedade<br />
ou qualquer outro direito real<br />
ficam sujeitos à apreensão, como<br />
forma de preservar a disponibilidade<br />
desses activos, e ainda ao<br />
confisco.<br />
Artigo 38 (Apreensão de bens<br />
e direitos)<br />
O Juiz, a requerimento do Ministério<br />
Público, deve, no prazo de<br />
48 horas, decretar a apreensão de<br />
fundos, bens, direitos e quaisquer<br />
outros objectos em nome do suspeito<br />
ou de terceiros, quando tiver<br />
fundadas razões para crer que eles<br />
constituem produto do crime, ou<br />
se destinam à actividade criminosa<br />
ou ainda haja indícios suficientes de<br />
prática de crime de branqueamento<br />
de capitais ou de financiamento do<br />
terrorismo.<br />
O Juiz pode determinar a devolução<br />
dos referidos fundos, bens, direitos,<br />
objectos apreendidos ao suspeito,<br />
quando se comprove a licitude<br />
da sua origem.<br />
Artigo 72 (Prescrição)<br />
Para efeitos de prescrição do procedimento<br />
criminal e das contravenções,<br />
aplica-se o disposto no Código<br />
Penal.<br />
O procedimento relativo às contravenções<br />
previstas neste capítulo<br />
prescreve no prazo de cinco anos,<br />
a contar da data da sua prática. As<br />
multas e medidas acessórias prescrevem<br />
no prazo de cinco anos, a contar<br />
da data em que a decisão administrativa<br />
se torne definitiva ou da<br />
data em que a decisão judicial transita<br />
em julgado.
28 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Breve incursão no dever de comunicação<br />
de operações suspeitas, pelas instituições<br />
bancárias, ao abrigo da Lei n.º 83/2017<br />
1. Introdução<br />
Joana Maria Dente<br />
Jurista – Área de<br />
Acompanhamento das<br />
Operações no Exterior<br />
- Compliance Office,<br />
Millennium BCP<br />
O dever de comunicação de operações<br />
suspeitas emergiu como um<br />
mecanismo muito importante no<br />
combate ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento de terrorismo,<br />
uma vez que determina que as entidades<br />
pelas quais passam determinados<br />
fluxos de fundos ou outros bens<br />
tenham de prestar particular atenção<br />
à eventual proveniência dos mesmos<br />
e, quando os considerem suspeitos,<br />
comunicá-los ao Departamento<br />
Central de Investigação e Ação Penal<br />
(DCIAP) e à Unidade de Informação<br />
Financeira (UIF). Ainda que se possa<br />
contestar a consagração deste dever<br />
ou os moldes com que foi instituído,<br />
a verdade é que, sem a sua previsão, a<br />
generalidade das operações suspeitas<br />
passariam despercebidas às entidades<br />
de investigação criminal. O papel<br />
das entidades obrigadas é, por isso,<br />
essencial, no combate ao branqueamento<br />
de capitais e financiamento de<br />
terrorismo. Esta afirmação é particularmente<br />
válida para as entidades financeiras<br />
de crédito e de pagamento,<br />
uma vez que é por elas «que passam<br />
quase todas as grandes operações que<br />
influenciam a economia» 1 .<br />
2. Previsão legal<br />
Ainda que se possa contestar a consagração deste dever ou<br />
os moldes com que foi instituído, a verdade é que, sem a sua<br />
previsão, a generalidade das operações suspeitas passariam<br />
despercebidas às entidades de investigação criminal<br />
O dever de comunicação de operações<br />
suspeitas encontra consagração<br />
na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto 2 ,<br />
a qual «estabelece medidas de natureza<br />
preventiva e repressiva de combate<br />
ao branqueamento de capitais e<br />
ao financiamento do terrorismo» –<br />
art. 1.º, n.º 1. Tal dever está previsto,<br />
em traços gerais, no art. 43.º, n.º 1,<br />
complementado depois pelos n.os 2<br />
e 3 do art. 43.º, e pelo art. 44.º. O<br />
dever de comunicação de operações<br />
suspeitas é um dos deveres que integra<br />
o mais geral dever de comunicação<br />
previsto no art. 11.º, n.º 1, al. c).<br />
3. A Diretiva 2015/849/EU<br />
A Lei n.º 83/2017 foi aprovada<br />
pela necessidade de dar transposição a<br />
algumas diretivas comunitárias, entre<br />
as quais, a Diretiva 2015/849/UE, do<br />
Parlamento Europeu e do Conselho,<br />
de 20 de maio de 2015, também conhecida<br />
por IV Diretiva 3 . O dever de<br />
comunicações de operações suspeitas<br />
encontra previsão, em traços gerais,<br />
no n.º 1 do art. 33.º da Diretiva.<br />
4. Natureza do dever<br />
O dever de comunicação é qualificado,<br />
pela própria lei, como um dever de<br />
natureza preventiva, ou seja, visa prevenir<br />
a prática de operações suspeitas.<br />
Não obstante, parece-nos que o dever<br />
de comunicação pode ser qualificado<br />
como um dever de natureza «preventiva»<br />
e «repressiva» 4 . A introdução desta<br />
segunda adjetivação tem a ver com o<br />
facto de que, ao ser efetuada a comunicação<br />
ao DCIAP, este poderá estar<br />
obrigado a abrir inquérito ou juntar<br />
a informação transmitida a inquéritos<br />
pendentes. Isso mesmo é admitido expressamente<br />
no art. 56.º, n.º 7.<br />
5. A derrogação do dever<br />
de segredo<br />
A relação de confiança entre as instituições<br />
bancárias e os seus clientes<br />
tem por base uma premissa fundamental:<br />
o segredo, ou seja, a reserva<br />
ou confidencialidade das informações<br />
relativamente à identidade do<br />
cliente e das relações de negócio.<br />
Recai, portanto, sobre as instituições<br />
bancárias um dever de segredo<br />
relativamente a todas as informações<br />
respeitantes aos seus clientes – art.<br />
78.º do Regime Geral das Instituições<br />
de Crédito e Sociedades Financeiras<br />
(RGICSF) 5 . Em abstrato, o<br />
dever de segredo parece incompatível<br />
com o cumprimento do dever de<br />
comunicação de operações suspeitas,<br />
no entanto, a possibilidade da respetiva<br />
derrogação encontra-se legitimada<br />
pelo disposto no art. 79.º, n.º<br />
2, al. h), do RGICSF, e no art. 56.º,<br />
n.º 1, da Lei n.º 83/2017.<br />
1. Raimundo, M., Entrevista, in: <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>, N.º 205, janeiro/fevereiro 2018, <strong>Vida</strong> Económica: Porto, 2018, (pp. 12-17), p. 16.<br />
2. Doravante, quando determinadas normas forem mencionadas sem identificação do diploma respetivo, presume-se a sua pertença à Lei n.º 83/2017, a menos que outra solução resulte do<br />
contexto em que são mencionadas.<br />
3. Importa salientar que, no dia 20 de fevereiro de <strong>2020</strong>, foi aprovada, em Conselho de Ministros, uma proposta de diploma que procede à transposição, para o ordenamento jurídico interno,<br />
da Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal, e da Diretiva 2018/843/UE, do Parlamento<br />
Europeu e do Conselho, usualmente denominada como V Diretiva AML, a qual irá determinar alterações à Lei n.º 83/2017.<br />
4. O binómio natureza «preventiva» e «repressiva» é usado pela própria lei, no art. 1.º, n.º 1.<br />
5. Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
OPINIÃO | 29<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
6. O tratamento de dados pessoais<br />
e o dever de comunicação<br />
O cumprimento do dever de comunicação<br />
exige o tratamento de um<br />
conjunto muito alargado de dados<br />
pessoais dos clientes das instituições<br />
bancárias, o qual, em princípio, só<br />
pode ser efetuado se o respetivo titular<br />
tiver dado o seu consentimento,<br />
dispondo o titular dos dados pessoais<br />
do chamado «direito de acesso»,<br />
o qual lhe permite obter informações<br />
relativas ao tratamento que está a ser<br />
efetuado aos seus dados pessoais 6 . Naturalmente,<br />
estas regras sofrem exceções,<br />
totais ou parciais, e assim necessariamente<br />
acontece no âmbito temático<br />
que aqui abordamos, sob pena de<br />
frustração do dever de comunicação<br />
de operações suspeitas e dos objetivos<br />
que o mesmo pretende lograr – cfr.<br />
arts. 57.º a 61.º da Lei n.º 83/2017.<br />
8.2. Por sua própria iniciativa<br />
Este trecho significa que o dever<br />
de comunicação deve ser cumprido<br />
espontaneamente, por iniciativa própria<br />
das entidades obrigadas. Esta solução<br />
traz maiores responsabilidades,<br />
porquanto faz impender sobre as entidades<br />
obrigadas um especial zelo e<br />
diligência na deteção de operações<br />
suspeitas, a fim de permitir a respetiva<br />
comunicação.<br />
8.3. Informam de imediato<br />
Os destinatários de tal comunicação são o DCIAP e a UIF, solução<br />
que corporiza o chamado “sistema de dupla comunicação”<br />
ou “sistema dual de comunicação” de operações suspeitas.<br />
7. Consequências<br />
do não cumprimento<br />
do dever de comunicação<br />
O não cumprimento do dever de<br />
comunicação de operações suspeitas<br />
pelas entidades obrigadas pode acarretar<br />
diversas consequências. Essencialmente,<br />
o não cumprimento pode: (i)<br />
conduzir a que o DCIAP determine<br />
a suspensão temporária da execução<br />
das operações suspeitas – art. 48.º,<br />
n.º 2, al. a); (ii) determinar a obrigação<br />
de documentação e registo da razão<br />
da não comunicação – art. 52.º,<br />
n.º 4; (iii) levar a que a entidade sectorial<br />
competente determine medidas<br />
corretivas, recomendações ou contramedidas<br />
– arts. 97.º, 98.º e 99.º, em<br />
particular, as als. a) e b) do n.º 3 do<br />
art. 99.º; (iv) determinar a responsabilidade<br />
contraordenacional da entidade<br />
obrigada – art. 169.º, als. cc) e uu).<br />
8. Breve concretização<br />
do conteúdo do dever<br />
de comunicação de operações<br />
suspeitas<br />
A norma nuclear do dever de comunicação<br />
de operações suspeitas é<br />
o n.º 1 do art. 43.º, ao qual aqui se<br />
dá transcrição para melhor exposição<br />
e comodidade do leitor:<br />
As entidades obrigadas, por sua<br />
própria iniciativa, informam de<br />
imediato o Departamento Central<br />
de Investigação e Ação Penal<br />
da Procuradoria-Geral da República<br />
(DCIAP) e a Unidade de<br />
Informação Financeira sempre<br />
que saibam, suspeitem ou tenham<br />
razões suficientes para suspeitar<br />
que certos fundos ou outros bens,<br />
independentemente do montante<br />
ou valor envolvido, provêm de atividades<br />
criminosas ou estão relacionados<br />
com o financiamento do<br />
terrorismo.<br />
Como bem se nota, este artigo é<br />
consideravelmente extenso e contém<br />
um conjunto relevante de informação,<br />
que importa dissecar a fim de<br />
melhor se perceber o conteúdo e alcance<br />
do dever de comunicação de<br />
operações suspeitas. Assim sendo,<br />
analisemos cada um dos trechos normativos<br />
que o integram.<br />
8.1. As entidades obrigadas<br />
Por questões de economia e de técnica<br />
legislativa, a lei utilizou o conceito<br />
de «entidades obrigadas», definindo-o<br />
e concretizando-o em momento<br />
posterior. Da conjunção dos arts. 2.º,<br />
n.º 1, al. r), e 3.º, n.º 1, aliena a), da<br />
Lei n.º 83/2017, bem como do art.<br />
3.º, al. a), do RGICSF, resulta que<br />
as instituições bancárias, vulgo bancos,<br />
são entidades obrigadas para os<br />
efeitos da Lei n.º 83/2017, nomeadamente,<br />
para efeitos do cumprimento<br />
dos deveres que a mesma prescreve.<br />
O dever de comunicação deve ser<br />
cumprido «de imediato». A lei utilizou<br />
aqui um conceito indeterminado,<br />
de forma a dar cobertura a vários<br />
prazos, mas transmitindo uma mensagem<br />
de urgência, de tal forma que<br />
«de imediato» significa que o dever<br />
de comunicação deve ser cumprido<br />
o mais rápido possível. Mas a partir<br />
de quando? A partir do momento em<br />
que as entidades obrigadas concluam<br />
que a operação é suspeita.<br />
8.4. O DCIAP e a UIF<br />
A norma regula também os destinatários<br />
do dever de comunicação,<br />
ou seja, as entidades a quem a informação<br />
relativa a operações suspeitas<br />
deve ser enviada ou endereçada.<br />
Os destinatários de tal comunicação<br />
são o DCIAP e a UIF, solução<br />
que corporiza o chamado “sistema<br />
de dupla comunicação” 7 ou “sistema<br />
dual de comunicação” 8 de operações<br />
suspeitas. Este sistema não é,<br />
contudo, usual noutras jurisdições:<br />
«Normalmente, o sistema de comunicação<br />
é apenas direcionado para<br />
uma entidade de tipo Financial In-<br />
6. Art. 15.º do RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados – Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016).<br />
7. Guerra, A., Entrevista, in: <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>, N.º 205, janeiro/fevereiro 2018, <strong>Vida</strong> Económica: Porto, 2018, (pp. 6-11), p. 6.<br />
8. Raimundo, M., op. cit., p. 12.
30 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
no fundo, é ter um feeling, uma intuição;<br />
mas estes têm de ser, ainda<br />
assim, fundamentados, não podem<br />
ser arbitrários.<br />
8.6. Certos fundos ou outros bens,<br />
independentemente do montante<br />
ou valor envolvido<br />
Esta parte norma refere-se à causa<br />
do conhecimento da operação suspeita,<br />
ou seja, àquilo com base em<br />
que as entidades bancárias formam<br />
as suas suspeitas sobre determinadas<br />
operações: é por existirem ou<br />
estarem a ser movimentados certos<br />
uma das razões das suspeitas que a<br />
presente lei visa prevenir e combater.<br />
Ou seja, uma operação é suspeita,<br />
para efeitos da presente lei,<br />
porque se suspeita, se desconfia, que<br />
determinados fundos ou bens dessa<br />
operação provêm de atividades criminosas.<br />
Ao referir-se a fundos ou<br />
bens que provêm de atividades criminosas,<br />
a norma está a remeter-<br />
-nos para o branqueamento de capitais,<br />
tal como definido no art. 2.º,<br />
n.º 1, al. j) 12 .<br />
8.8. Estão relacionados com o<br />
financiamento do terrorismo<br />
O não cumprimento do dever de comunicação de operações<br />
suspeitas pelas entidades obrigadas pode acarretar diversas<br />
consequências<br />
telligence Unit que recebe e analisa<br />
todas as comunicações de operações<br />
suspeitas» 9 . O DCIAP é um órgão<br />
integrado na estrutura do MP, ao<br />
qual compete coordenar e dirigir a<br />
investigação e a prevenção de determinado<br />
tipo de criminalidade, entre<br />
a qual se encontra, precisamente, o<br />
terrorismo e o branqueamento de<br />
capitais 10 . A UIF é a unidade central<br />
nacional com competência, nomeadamente,<br />
para receber, analisar<br />
e difundir a informação resultante<br />
de comunicações de operações suspeitas<br />
nos termos da presente lei e<br />
para cooperar com as congéneres internacionais<br />
e as demais entidades<br />
competentes 11 .<br />
8.5. Sempre que saibam,<br />
suspeitem ou tenham razões<br />
suficientes para suspeitar<br />
A norma identifica em que casos é<br />
que o dever de comunicação deve ser<br />
cumprido, determinando que o deve<br />
ser sempre que as entidades bancárias<br />
saibam, suspeitem ou tenham<br />
razões suficientes para suspeitar de<br />
determinadas operações. Vejamos:<br />
(i) o verbo «saber» pressupõe conhecimento<br />
efetivo da natureza suspeita<br />
da operação; (ii) o verbo «suspeitar»<br />
indica um conhecimento meramente<br />
indiciário: há uma probabilidade<br />
de a operação ser suspeita; (iii)<br />
a parte «tenham razões para suspeitar»<br />
indica um conhecimento ainda<br />
mais residual, abaixo de suspeitar;<br />
fundos ou outros bens que as entidades<br />
bancárias recolhem suspeitas<br />
de envolvimento no branqueamento<br />
e no financiamento de terrorismo.<br />
Os «fundos» referem-se a quantias<br />
ou valor pecuniários, geralmente<br />
movimentos envolvendo dinheiro,<br />
que podem traduzir-se em depósitos,<br />
pagamentos em dinheiro ou<br />
através de cartão de crédito, emissão<br />
de cheques, resgates de contas,<br />
aplicações em ações ou em fundos de<br />
investimento, aquisições de moeda<br />
estrangeira, etc. Os «outros bens»<br />
referem-se a quaisquer coisas que<br />
possam estar relacionadas com as<br />
operações. Por exemplo: títulos de<br />
crédito, cheques, ouro, ações, etc.<br />
8.7. Provêm de atividades<br />
criminosas<br />
Esta parte da norma corporiza<br />
Este trecho normativo corporiza<br />
a segunda razão das suspeitas que a<br />
presente lei visa prevenir e combater.<br />
Ou seja, uma operação também<br />
é suspeita, para efeitos da presente<br />
lei, porque se suspeita, se desconfia,<br />
que determinados fundos ou bens<br />
dessa operação estão relacionados<br />
com o financiamento do terrorismo.<br />
Ao referir-se a fundos ou bens que<br />
estão relacionados com o financiamento<br />
do terrorismo, a norma está<br />
a remeter-nos para o próprio financiamento<br />
do terrorismo, definido no<br />
art. 2.º, n.º 1, al. s).<br />
9. Conclusão<br />
O dever de comunicação de operações<br />
suspeitas está previsto, essencialmente,<br />
nos arts. 11.º, n.º 1, al.<br />
c), 43.º e 44.º da Lei n.º 83/2017,<br />
a qual procurou transpor a Diretiva<br />
2015/849/UE, do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho. O núcleo essencial<br />
do artigo é aquele que consta<br />
do n.º 1 do artigo 43.º, que procurámos<br />
aqui densificar. Este dever<br />
deve, porém, ser complementado<br />
pelas demais normas enunciadas,<br />
às quais não se dá cobertura por<br />
razões relativas à economia do presente<br />
texto.<br />
9. Casimiro Nunes, C., “O Ministério Público na prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo”, in: Revista do Ministério Público, Ano 39, N.º 153, janeiro/março 2018,<br />
Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: Lisboa, 2018 (pp. 93-140), p. 109. Sobre as razões que justificam o nosso sistema dual, cf. Casimiro Nunes, C., op. cit., pp. 109-116.<br />
10. Art. 58.º, n.º 1, al. g) e n.º 4, al. a), do Estatuto do MP (aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto).<br />
11. Art. 2.º, n.º 1, al. jj), incisos i) e ii).<br />
12. Sobre este conceito e sobre aquilo que o mesmo representa em termos de novidade relativamente ao regime anterior, cf. Salgueiro, A. C., “Branqueamento de capitais: da transposição da<br />
Diretiva (UE) 2015/849 à pertinência de uma quinta diretiva”, in: <strong>Vida</strong> <strong>Judiciária</strong>, N.º 203, setembro/outubro 2017, <strong>Vida</strong> Económica: Porto, 2017, (pp. 28-29), p. 29.
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OPINIÃO | 31<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
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32 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
AML 5G: prevenção do branqueamento<br />
de capitais na era das FinTech<br />
A<br />
André Abrantes<br />
Associado Sénior da PLMJ<br />
relação entre a necessidade de<br />
aprofundamento dos deveres<br />
preventivos do branqueamento<br />
de capitais e do financiamento do<br />
terrorismo e o surgimento de novas<br />
propostas tecnológicas para a prestação<br />
de serviços bancários e financeiros<br />
é marcada pela tensão entre os<br />
objetivos de proteção do sistema financeiro<br />
e prevenção da sua utilização<br />
para branqueamento de capitais<br />
e o de estímulo ao desenvolvimento<br />
tecnológico e aproveitamento da inovação<br />
para a melhoria na prestação<br />
de serviços bancários e financeiros.<br />
A compatibilização destes objetivos<br />
no ambiente regulatório atual é um<br />
dos principais desafios das autoridades<br />
reguladoras. Este desafio é tão<br />
mais difícil quão mais rápido é o desenvolvimento<br />
tecnológico que, pela<br />
natureza destes processos de destruição<br />
criativa, andará sempre um passo<br />
à frente das autoridades reguladoras e<br />
da legislação e regulamentação.<br />
Os reguladores, por um lado, têm<br />
procurado aprofundar e densificar o<br />
elenco de deveres preventivos com<br />
o inerente aumento da carga burocrática<br />
associada ao seu cumprimento<br />
como modo de diminuir o risco<br />
de utilização do sistema financeiro<br />
para fins ilícitos, ao mesmo tempo<br />
que pretendem incentivar a inovação<br />
tecnológica, procurando, por outro<br />
lado, não prejudicar o lançamento<br />
e desenvolvimento de novas formas<br />
de prestação de serviços financeiros<br />
e bancários com indiscutíveis benefícios<br />
para os clientes e para o incremento<br />
da concorrência no setor,<br />
embora comummente pretendendo<br />
enquadrar estas novas formas de<br />
prestação de serviços financeiros em<br />
quadros regulatórios preexistentes.<br />
No entanto, estas dificuldades poderão<br />
e deverão ser vistas como uma<br />
oportunidade de regular a utilização<br />
das novas tecnologias e de as aproveitar<br />
para um melhor e mais eficiente<br />
cumprimento dos deveres de prevenção<br />
do branqueamento de capitais,<br />
protegendo este novo segmento de<br />
mercado da sua eventual utilização<br />
para fins ilícitos. Com efeito, a propagação<br />
de um sentimento generalizado<br />
de desregulação ou de menor grau de<br />
“O surgimento das FinTech em substituição parcial<br />
das funções típicas da banca comercial é já um processo<br />
económico irreversível”<br />
cumprimento normativo das FinTech,<br />
acompanhado do incremento dos<br />
deveres de prevenção do branqueamento<br />
de capitais aplicáveis à designada<br />
banca tradicional, comporta o<br />
inevitável de risco de utilização das<br />
FinTech por agentes com objetivos<br />
ilícitos, algo indesejável para as próprias<br />
FinTech que pretendem não só<br />
evitar o risco reputacional associado<br />
a uma eventual ligação a atividades<br />
criminosas como também manter relações<br />
comerciais com entidades bancárias<br />
e outras entidades financeiras,<br />
muitas vezes essenciais para os seus<br />
modelos de negócio, as quais ficariam<br />
prejudicadas num cenário em que<br />
uma Fintech pudesse ser qualificada<br />
como cliente de alto risco.<br />
O esforço de adaptação da legislação<br />
à inovação tecnológica é essencial<br />
para garantir que os sistemas jurídicos<br />
conseguem prevenir eficazmente<br />
o branqueamento de capitais, sendo<br />
certo que o surgimento das FinTech,<br />
em substituição parcial das funções<br />
típicas da banca comercial, é já<br />
um processo económico irreversível,<br />
devendo a legislação ser neutral<br />
e não servir como instrumento para<br />
a proteção da banca tradicional (nomeadamente<br />
através da imposição<br />
de um excesso de obrigações regulatórias<br />
não necessariamente aliadas a<br />
uma maior eficácia na prevenção do<br />
branqueamento de capitais).<br />
Por outro lado, a tecnologia utilizada<br />
pelas FinTech poder-se-á revelar<br />
mais eficaz de que os meios tradicionais<br />
de cumprimento dos designados<br />
deveres de identificação (vulgo KYC)<br />
e diligência, porquanto estas entidades<br />
poderão ter acesso a um nível superior<br />
de informação, ainda que não<br />
expressamente solicitada e transmitida<br />
pelos clientes, nomeadamente a<br />
constante nos dispositivos de comunicação,<br />
desde que, naturalmente, em<br />
respeito pela legislação aplicável em<br />
matérias de dados pessoais.<br />
Aliás, sempre se refira que uma<br />
postura excessivamente conservadora<br />
dos reguladores portugueses sempre<br />
se revelaria ineficaz e prejudicial para<br />
as instituições com sede ou sucursal<br />
em Portugal, porquanto o princípio<br />
de aplicação da lei de prevenção do<br />
branqueamento de capitais do estado-membro<br />
de origem às entidades<br />
que prestem serviços noutros estados-<br />
-membros em regime de livre prestação<br />
de serviços, solução acolhida na<br />
nossa Lei 83/2017, de 18 de Agosto,<br />
sempre permitiria que entidades<br />
financeiras a desenvolver atividade<br />
em Portugal ao abrigo deste regime<br />
pudessem beneficiar das regras do seu<br />
Estado-membro ao operar em Portugal,<br />
ganhando assim uma vantagem<br />
competitiva face a outras FinTech<br />
nacionais.<br />
Neste sentido, o Banco de Portugal
OPINIÃO | 33<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
já iniciou esse caminho no seu Aviso<br />
2/2018, que regulamenta a Lei n.º<br />
83/2017, de 18 de Agosto, no qual<br />
já se prevê a possibilidade de recurso<br />
à videoconferência (apenas para a<br />
identificação de pessoas singulares)<br />
ou o recurso aos designados prestadores<br />
de serviços de confiança 1 prevista<br />
no Regulamento (UE) n.º 910/2014,<br />
prevendo-se um conjunto de requisitos<br />
à admissibilidade de utilização<br />
destes meios comprovativos, tais<br />
como: (i) exigência de que a entrega<br />
de fundos inicial seja efetuada através<br />
de meio rastreável que permita a<br />
identificação do ordenante, com origem<br />
em conta aberta junto de entidade<br />
financeira em país que aplique<br />
legislação equivalente em matéria de<br />
prevenção do branqueamento de capitais;<br />
(ii) obrigatoriedade de recolha<br />
de cópia simples dos documentos de<br />
identificação dos clientes em suporte<br />
físico ou eletrónico; (iii) controlo<br />
pelas entidades financeiras da fiabilidade<br />
e autenticidade da cópia simples<br />
dos documentos de identificação dos<br />
clientes como requisito para a aceitação<br />
dos meios à distância como suficientes.<br />
No mesmo sentido, espera-se<br />
que a versão final do projeto de Regulamento<br />
da CMVM em matéria de<br />
prevenção ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento do terrorismo,<br />
colocado em consulta pública em <strong>Fev</strong>ereiro<br />
de 2019, aprofunde o caminho<br />
iniciado pelo Banco de Portugal<br />
neste domínio, prevendo e regulando<br />
a possibilidade de utilização de meios<br />
comprovativos à distância, algo que<br />
se encontrava omisso no projeto de<br />
regulamento inicialmente divulgado.<br />
Com efeito, é decisivo que a utilização<br />
de meios à distância que permitam<br />
o cumprimento de deveres<br />
de identificação e diligência seja regulada<br />
de forma clara, tanto no que<br />
respeita à sua admissibilidade em<br />
conjunto com a adoção de medidas<br />
simplificadas, quanto também na<br />
sua aplicação para pessoas coletivas,<br />
na medida em que legislação e regulamentação<br />
existente nesta matéria<br />
em Portugal ainda nos parece essencialmente<br />
focada no cumprimento<br />
destes deveres em relação a clientes<br />
pessoas singulares. Com efeito, a informação<br />
constante no registo comercial<br />
aliada àquela que é possível<br />
extrair no recente Registo Central do<br />
Beneficiário Efetivo deverá permitir,<br />
pelo menos no que respeita a entidades<br />
que não apresentem um perfil<br />
de risco elevado, a adoção de mecanismos<br />
à distância para o designado<br />
“onboarding” de pessoas coletivas,<br />
reduzindo os custos de transação na<br />
aceitação de novos clientes sem prejuízo<br />
do cumprimento pelas Fintech<br />
de outros deveres preventivos no decurso<br />
da relação com os seus clientes<br />
e na análise da respetivas transações.<br />
Não se nega, no entanto, que a<br />
multiplicidade de FinTechs a atuar<br />
em vários Estados-membros, nomeadamente<br />
no mercado da prestação<br />
de serviços de pagamento, é<br />
suscetível de aumentar os riscos de<br />
utilização destas entidades para fins<br />
ilícitos, atendendo às menores estruturas<br />
de compliance destas entidades<br />
mas sobretudo à multiplicidade de<br />
prestadores, operações e jurisdições<br />
envolvidas que poderão dificultar a<br />
deteção de operações relacionadas.<br />
Estes riscos poderão ser mitigados<br />
“A tecnologia utilizada pelas FinTech poder-se-á revelar<br />
mais eficaz de que os meios tradicionais de cumprimento<br />
dos designados deveres de identificação (vulgo KYC)<br />
e diligência”<br />
através de uma maior coordenação<br />
entre as autoridades nacionais recetoras<br />
de reportes de atividades suspeitas<br />
ou, mesmo, através da criação<br />
de uma autoridade europeia que<br />
centralize estas comunicações e que<br />
seja capaz de cruzar as informações<br />
recebidas por várias entidades reportantes,<br />
permitindo mais facilmente<br />
detetar padrões de comportamento<br />
suspeito por parte de utilizadores de<br />
contas de pagamento em FinTechs,<br />
podendo inclusive estas plataformas<br />
emergir de sistemas de autorregulação<br />
destas entidades que pretendam<br />
limitar a exposição do setor a riscos<br />
de utilização ilegítima, incrementar<br />
a confiança nas mesmas e consolidar<br />
o seu papel na prestação de serviços<br />
financeiros e bancários.<br />
1 A lista de prestadores qualificados de serviços de confiança está prevista no Regulamento (UE) n.º 910/2014. A lista dos designados “trust service providers” poderá ser encontrada no<br />
website https://webgate.ec.europa.eu/tl-browser/#/, existindo serviços de reconhecimento mútuo e serviços de reconhecimento apenas a nível nacional.
34 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Branqueamento de Capitais: nem sempre um crime<br />
(às vezes um ato sem dono)<br />
Isabel de Paiva<br />
Advogada. Formada em Direito<br />
da Insolvência<br />
A frequentar a Pós-Graduação<br />
em Direito do Trabalho<br />
e da Segurança Social<br />
Muito se tem falado do Branqueamento<br />
de Capitais<br />
que, naturalmente, passou<br />
quase a ser um tema da moda. A falta<br />
de menção ao termo “crime” pode<br />
dizer-se que, em parte, é justificada,<br />
pois o Branqueamento de Capitais,<br />
por si só nem sempre é crime.<br />
O crime de Branqueamento ou<br />
Branqueamento de Capitais, como<br />
na gíria é conhecido, que no ordenamento<br />
jurídico português está previsto<br />
no artigo 368º-A do Código<br />
Penal, tem como objetivo encobrir<br />
a origem de bens e rendimentos obtidos<br />
ilicitamente, transformando-os<br />
em capitais reutilizáveis lícitos.<br />
Quanto à forma de consumação<br />
deste crime, as operações de conversão,<br />
transferência, ocultação e dissimulação<br />
dos bens e rendimentos são<br />
crimes de resultado e as operações<br />
de auxílio e facilitação são crimes<br />
de mera atividade.<br />
De certa forma, poderá dizer-se<br />
que o crime de Branqueamento não<br />
é totalmente autónomo. Na verdade,<br />
este crime depende da existência<br />
de um crime precedente. Para que a<br />
prática do crime de Branqueamento<br />
se verifique é necessário que a vantagem<br />
que se pretende converter,<br />
transferir, ocultar ou dissimular seja<br />
Para que uma pessoa seja condenada pela prática<br />
de um crime de Branqueamento tem, obrigatoriamente,<br />
que ter sido cometido um crime em momento anterior<br />
decorrente de um facto ilícito anterior.<br />
Ou seja, para que uma pessoa<br />
seja condenada pela prática de um<br />
crime de Branqueamento tem, obrigatoriamente,<br />
que ter sido cometido<br />
um crime em momento anterior,<br />
que deu origem à vantagem ilícita<br />
que será encoberta através da prática<br />
de um crime de Branqueamento.<br />
Assim, os crimes precedentes são,<br />
entre outros, o crime de lenocínio,<br />
abuso sexual de crianças ou de menores<br />
dependentes, extorsão, tráfico<br />
de estupefacientes e substâncias psicotrópicas<br />
e tráfico de armas.<br />
Fica então a dúvida de quem são os<br />
verdadeiros lesados pela prática deste<br />
crime e o bem jurídico protegido.<br />
Bem, no que concerne ao crime<br />
de Branqueamento, é certo que o<br />
bem jurídico protegido será sempre<br />
o mesmo, a realização da justiça. No<br />
entanto, o bem jurídico protegido<br />
dos crimes precedentes não é, nem<br />
A pena aplicada ao crime de Branqueamento não pode<br />
ser superior ao limite máximo da pena mais elevada<br />
de entre as previstas para os factos ilícitos típicos<br />
de onde provêm as vantagens<br />
poderia ser, sempre o mesmo.<br />
Por exemplo, se o crime de Branqueamento<br />
for cometido através de<br />
uma vantagem ilícita obtida pela<br />
prática de um crime de Extorsão, o<br />
verdadeiro lesado será a vítima do<br />
primeiro crime cometido e o bem<br />
jurídico aí protegido, além da realização<br />
da justiça será, também, o<br />
património da pessoa.<br />
Por outro lado, se o crime de Branqueamento<br />
for cometido através de<br />
uma vantagem ilícita decorrente da<br />
prática de Lenocínio, o bem jurídico<br />
protegido, além da realização<br />
da justiça será também a liberdade<br />
sexual da pessoa que se dedica à<br />
prostituição e podem existir um ou<br />
mais lesados.<br />
Existem ainda crimes precedentes<br />
em que o lesado poderá ser o Estado.<br />
A nível de punição, a pessoa que<br />
comete o crime precedente e o crime<br />
de Branqueamento será condenada<br />
pela prática dos dois crimes, no entanto,<br />
a pena aplicada ao crime de<br />
Branqueamento não pode ser superior<br />
ao limite máximo da pena mais<br />
elevada de entre as previstas para os<br />
factos ilícitos típicos de onde provêm<br />
as vantagens, ou seja, não pode<br />
ser superior à prevista para o crime<br />
precedente.<br />
O Branqueamento de Capitais envolve<br />
uma quantidade enorme de dinheiro<br />
e, por essa razão, os impactos<br />
originados pelo cometimento deste<br />
crime a nível social e económico é<br />
impressionante.<br />
A globalização dos mercados e os<br />
avanços das tecnologias permitiram<br />
às organizações criminosas alargarem<br />
a sua atividade para todo o<br />
mundo, conseguindo branquear o<br />
capital através de um “click”.<br />
Além disso, o facto de este crime<br />
puder ser cometido além-fronteiras<br />
e apenas com o acesso à internet,<br />
tornou a sua detenção mais difícil.<br />
Esta facilidade na “lavagem” de
OPINIÃO | 35<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
dinheiro é uma “galinha de ovos de<br />
ouro” para os traficantes, terroristas<br />
e comerciantes ilegais que podem<br />
expandir a sua atividade criminosa<br />
e dissimular a vantagem ilícita com<br />
mais facilidade.<br />
Para este fim, são, também, muitas<br />
vezes criadas as designadas “empresas<br />
de fachada” que servem para<br />
misturar os rendimentos obtidos<br />
através das atividades ilícitas com<br />
rendimentos provenientes de atividades<br />
lícitas.<br />
No entanto, acontece que muitas<br />
destas empresas acabam por fechar<br />
de um momento para o outro, causando<br />
prejuízos a quem com elas<br />
trabalhava.<br />
A criação destas “falsas empresas”,<br />
a maior parte das vezes, não visa a<br />
obtenção de lucros e do crescimento<br />
da economia, mas sim a proteção<br />
dos rendimentos obtidos ilicitamente.<br />
A facilidade com que hoje em dia se comete este crime,<br />
de certa forma, atrai as pessoas para o cometimento<br />
do mesmo, uma vez que a perseguição destas quantias<br />
dissimuladas se torna muito difícil<br />
A nível social, os impactos são<br />
também bastante relevantes desde<br />
logo porque as pessoas que são contratadas<br />
para trabalhar nestas empresas<br />
podem perder os seus postos<br />
de trabalho de um momento para o<br />
outro, criando desde logo uma situação<br />
de desemprego em que não<br />
conseguem nem têm como reaver os<br />
créditos laborais devidos.<br />
Também as empresas que trabalham<br />
para as “empresas de fachada”<br />
ficam numa posição sensível, por<br />
vezes, na iminência de um processo<br />
de insolvência.<br />
Além disso, a facilidade com que<br />
hoje em dia se comete este crime,<br />
de certa forma, atrai as pessoas para<br />
o cometimento do mesmo, uma vez<br />
que a perseguição destas quantias<br />
dissimuladas se torna muito difícil.<br />
Basta equacionarmos a possibilidade<br />
de certa quantia ilícita circular<br />
por um elevado número de contas<br />
bancárias espalhadas por todo o<br />
mundo, de forma a que o seu rasto<br />
seja perdido. Nestas circunstâncias é<br />
praticamente impossível seguir estas<br />
transferências, face à rapidez com<br />
que elas se realizam.<br />
De forma a tentar combater o<br />
branqueamento de capitais, entrou<br />
já em vigor a Lei 83/2017, de 18 de<br />
agosto, que estabelece medidas de<br />
natureza preventiva e repressiva de<br />
combate à prática deste crime.<br />
Esta é uma lei mais extensa que a<br />
Esta lei introduz novos conceitos, legitima o acesso<br />
às informações por parte das autoridades fiscais e alarga<br />
o âmbito das entidades sujeitas às medidas impostas<br />
anterior – já revogada – e introduz<br />
novos conceitos, legitima o acesso às<br />
informações por parte das autoridades<br />
fiscais e alarga o âmbito das entidades<br />
sujeitas às medidas impostas.<br />
Com a entrada em vigor desta lei<br />
o objetivo é que a prática do crime<br />
de Branqueamento se torne mais<br />
denunciada de forma a que os seus<br />
autores sejam punidos.<br />
Espera-se, ainda, uma diminuição<br />
da prática deste crime e, em<br />
consequência, uma diminuição dos<br />
impactos económicos e sociais que<br />
advêm do mesmo.<br />
Contudo, o normal crescimento<br />
e desenvolvimento do mundo atual<br />
a nível científico e tecnológico andará<br />
sempre de mãos dados com o<br />
cometimento de crimes como, de<br />
igual forma, poderá aliar-se à detenção<br />
dos mesmos.<br />
Mais do que um crime, fala-se<br />
da prova do seu cometimento… e<br />
que prova!
36 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Compliance, o seis mais três<br />
(e as lições de Arturo Ui)<br />
Rui Patrício<br />
Sócio da Morais Leitão<br />
Venho dizendo, e escrevendo,<br />
desde há muito que seis passos<br />
são essenciais no compliance, e<br />
até já escrevi algo como “compliance<br />
e a dieta dos seis passos”. Aí dizia<br />
que dietas estão – aliás, não é de agora<br />
– na moda, mas fazê-las de qualquer<br />
modo, começar e não acabar e/<br />
ou não seguir os passos todos pode<br />
ser inútil, contraproducente ou até<br />
perigoso. E dizia também que com o<br />
compliance passa-se a mesma coisa, e<br />
é de tal forma algo que, depois de se<br />
estranhar (há dez anos ainda se perguntava<br />
“o quê?”), se entranhou entre<br />
nós que muitas vezes se faz de qualquer<br />
maneira, ou com a intervenção<br />
de qualquer um, ou começa-se e não<br />
se acaba, ou não se tem em conta que<br />
só tem utilidade ou não se volta contra<br />
a instituição/empresa se se seguir<br />
um caminho cuidado e completo. E<br />
onde está na frase anterior “ou” poderia<br />
estar também “e”, pois os erros<br />
podem ser cumulativos. E quanto ao<br />
caminho a fazer, do princípio ao fim,<br />
e com cautela e acompanhamento de<br />
quem sabe, ele é como uma verdadeira,<br />
própria, eficaz e saudável dieta.<br />
Tem de ter pelo menos seis passos,<br />
pelo que costumava chamar-lhe, e até<br />
o escrevi em título como já disse (num<br />
texto que aqui sigo de perto), “a dieta<br />
dos seis passos”. Não que eu tenha a<br />
pretensão de saber muito do assunto,<br />
mas interesso-me por ele e cultivo-o há<br />
muito, desde os tempos em que o verbo<br />
era ainda estranhar, e não o sedutor<br />
entranhar de hoje, pelo que alguma<br />
coisa vou aprendendo e sabendo.<br />
O primeiro passo é avaliar a situação,<br />
fazer o diagnóstico, ponderar a<br />
realidade concreta em causa e o quadro<br />
e o contexto da mesma, e ver bem<br />
quais são as necessidades, as obrigações,<br />
os prós e os contras. E, como<br />
nas dietas, cada corpo é único, pelo<br />
que copiar ou recorrer sem mais ao<br />
pronto-a-vestir tem inconvenientes,<br />
insuficiências e riscos. O mesmo é<br />
O compliance é para levar a sério, e não é para fingir<br />
ou para se fazer jogos florais. Quando se parte para ele,<br />
parte-se mesmo, e com consciência das exigências,<br />
dos riscos e dos cuidados. E que é algo que uma vez iniciado<br />
não acaba mais<br />
dizer que – e isso vale também para<br />
o segundo passo, que é o de elaborar,<br />
desenhar, tecer, construir, coser, cerzir<br />
e dar os acabamentos – é sempre preferível<br />
um caminho tailor made, mesmo<br />
que saia mais caro e mais trabalhoso.<br />
Mas – já se sabe, especialmente<br />
num tempo de abuso de provérbios e<br />
clichés – o barato pode sair caro. E,<br />
depois de feito o fato, há que ter em<br />
conta que o corpo e o meio onde ele<br />
se move são organismos vivos, pelo<br />
que o fato não pode ficar emoldurado,<br />
tem de ser acompanhado na sua vida<br />
e no seu uso, e adaptado sempre que<br />
preciso. Este ponto é crucial, e prende-se<br />
muito, embora todos os outros<br />
(no como, não tanto no se) também,<br />
com um dos três elementos que aqui<br />
adicionarei aos “seis passos”. Mas já lá<br />
vamos. Para já repito, isto é essencial, e<br />
não é só abanar a cabeça concordantemente<br />
em conferências e em palestras,<br />
é ser consequente com esse abanar.<br />
E é também de vida que falam os<br />
terceiro e quarto passos, que são comunicar<br />
e formar. De nada serve ter<br />
um bonito programa de compliance,<br />
um elaborado código de conduta, um<br />
conjunto catita e bem apessoado de<br />
regras de procedimento e de integridade<br />
empresarial ou institucional,<br />
um elenco de princípios ou regras de<br />
defesa corporativa, ou um mais vasto<br />
programa de prevenção de riscos, se<br />
os mesmos não forem comunicados<br />
aos seus atores e estes não forem devida<br />
e regularmente formados sobre<br />
os seus meandros, conteúdos, propósitos,<br />
pontos e vírgulas. É verdade<br />
que nestas coisas conta muito a<br />
obra e a moldura, mas depois disso,<br />
e para além do imprescindível tom e<br />
impulso vindo do topo, são fundamentais<br />
a capilaridade e, também,<br />
uma regular vivência bottom up. Não<br />
sendo assim, é como com os quadros<br />
expostos em museus onde ninguém<br />
vai, estão mortos e pesam na parede.<br />
E a formação tem também de passar<br />
e garantir a ideia de que cada um na<br />
instituição, além da obrigação, tem<br />
as “costas quentes” para cumprir, e<br />
para exigir cumprimento, ou mesmo<br />
denunciar, se for o caso.<br />
Finalmente, fechando o caminho<br />
desta “dieta” – que, aliás, deve ser circular,<br />
porque viva, se quiserem mimetizando<br />
o chamado ciclo de melhoria<br />
contínua (o ciclo PDCA, plan, do, check,<br />
action) –, temos as quinta e sexta<br />
estações, que são vigiar e punir (mas<br />
em sentido mais benigno do que o da<br />
obra de Foucault). Fiscalizar o cumprimento<br />
do programa, do código,<br />
do manual, acompanhar a sua vivência<br />
pelo topo, pelo meio e pelas bases,<br />
com atenção e com independência. E<br />
sancionar, se e quando for necessário.<br />
Não é preciso cortar mãos, narizes e<br />
orelhas, como nos tempos da febre da<br />
borracha no Congo sob a soberania de<br />
Leopoldo, mas sem uma censura dos<br />
comportamentos desviantes o caminho<br />
não se completa e não frutifica,
OPINIÃO | 37<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
nas várias e imprescindíveis vertentes<br />
do compliance.<br />
Isto, mais coisa menos coisa (menos,<br />
porque agora aperfeiçoei e desenvolvi,<br />
como sempre se faz quando<br />
se acrescenta uma camada ao palimpsesto),<br />
escrevi e dizia eu no tal roteiro<br />
de seis estações. Mas há três pontos<br />
mais, que são essenciais, e transversais<br />
a tudo isto. E são todos eminentemente<br />
culturais, no sentido de necessariamente<br />
terem de estar enraizados no<br />
modo de ser e de agir da empresa ou<br />
da instituição.<br />
O primeiro diz-nos que o compliance<br />
é para levar a sério, e não é para fingir<br />
ou para se fazer jogos florais. Quando<br />
se parte para ele, parte-se mesmo,<br />
e com consciência das exigências, dos<br />
riscos e dos cuidados. E que é algo<br />
que uma vez iniciado não acaba mais,<br />
a não ser que se queira correr o risco<br />
(tão grande ou maior do que nos casos<br />
de inércia) de abortar ou parar a<br />
um terço, a meio ou a dois terços do<br />
caminho – caminho que sempre se renova,<br />
se bifurca, se altera, em desafio<br />
constante. Se não há essa consciência<br />
e essa vontade (e coerência com elas),<br />
não vale a pena, e pode até ser contraproducente.<br />
O segundo diz-nos que<br />
uma coisa é a seriedade, bem como a<br />
firmeza, e outra a histeria (essa marca<br />
tão presente na modernidade). Nisto,<br />
como em tudo, tem de haver proporção,<br />
equilíbrio, bom senso, tanto mais<br />
que, apesar da cada vez maior regulamentação<br />
e da crescente exigência, o<br />
compliance continua umbilicalmente<br />
ligado a uma ideia de gestão do risco,<br />
e aí nunca pode deixar de haver<br />
Numa instituição ou numa<br />
empresa, o compliance<br />
tem que ser para todos,<br />
todos mesmo, e não há<br />
exceções. No dia em<br />
que há, seja no universo<br />
de destinatários, seja<br />
na tolerância<br />
ao incumprimento,<br />
seja nas consequências<br />
punitivas ou outras<br />
após constatação<br />
de incumprimento,<br />
então perdeu-se o fruto<br />
de grande parte<br />
de tudo o resto<br />
sensibilidade e bom senso. Não sensibilidade<br />
e bom senso no sentido de<br />
permissividade ou weakness, mas no<br />
sentido de balance.<br />
E o terceiro ponto serve para recordar<br />
e enfatizar que numa instituição<br />
ou numa empresa o compliance tem<br />
de ser para todos, todos mesmo, e<br />
não há exceções. No dia em que há,<br />
seja no universo de destinatários, seja<br />
na tolerância ao incumprimento, seja<br />
nas consequências punitivas ou outras<br />
após constatação de incumprimento,<br />
então perdeu-se o fruto de grande<br />
parte de tudo o resto. E é a instituição<br />
ou a empresa que fica em risco,<br />
seja sobre aquela questão concreta,<br />
impedida ou fragilizada ou diminuída<br />
na sua defesa, seja para o futuro,<br />
quer em termos simbólicos, quer em<br />
termos práticos. Por muito que custe,<br />
sobretudo numa cultura amiga (tantas<br />
vezes de mais), diplomática e afetiva<br />
como a nossa, ainda muito dominada<br />
por um nacional-porreirismo (sob<br />
o qual se acobertam iguais doses de<br />
bons e de maus sentimentos), no compliance<br />
não pode haver contemplações.<br />
Como se diz na peça magistral<br />
de Brecht “A Ascensão de Arturo Ui”,<br />
uma peça sobre exceções e seres e situações<br />
tidos por excecionais, “quando<br />
cada um faz o que quer e o que o<br />
egoísmo lhe inspira, isto significa que<br />
estão todos contra todos e é assim que<br />
se instala o caos”. Pois é. Isso é o contrário<br />
de uma cultura institucional. E<br />
uma erva daninha no compliance sério<br />
e levado a sério.
38 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
A transposição da(s) Diretiva(s) em matéria<br />
de combate ao branqueamento de capitais<br />
Jorge Serrote<br />
Advogado Associado Senior<br />
da DLA Piper<br />
No passado dia 12 de fevereiro<br />
a Comissão Europeia anunciou,<br />
no quadro da adoção do<br />
seu pacote mensal de processos de<br />
infração aos Estados-membros por<br />
incumprimento da legislação comunitária,<br />
que Portugal não tinha ainda<br />
notificado Bruxelas de quaisquer<br />
medidas de execução relativamente<br />
à Diretiva (UE) 2018/843 do Parlamento<br />
Europeu e do Conselho, de<br />
30 de maio relativa à prevenção da<br />
utilização do sistema financeiro para<br />
efeitos de branqueamento de capitais<br />
ou de financiamento do terrorismo<br />
(usualmente denominada como<br />
quinta diretiva relativa ao branqueamento<br />
de capitais), que deveria ter<br />
sido integralmente transposta até 10<br />
de <strong>Jan</strong>eiro.<br />
Só a 20 de fevereiro o Conselho de<br />
Ministros aprovou uma Proposta de<br />
Lei que procede à transposição da referida<br />
Diretiva para o ordenamento<br />
jurídico português da quinta e, adicionalmente<br />
e cumulativamente com<br />
- sem que tal fosse previsível - a transposição<br />
da Diretiva (UE) 2018/1673,<br />
de 23 de outubro, do Parlamento<br />
Europeu e do Conselho, relativa ao<br />
combate ao branqueamento de capitais<br />
através do direito penal.<br />
Torna-se assim necessário analisar o<br />
impacto da implementação das referidas<br />
Diretivas na legislação nacional.<br />
A quinta diretiva visa, entre outros<br />
aspetos, reforçar os poderes das<br />
Unidades de Informação Financeira,<br />
aumentar a transparência em torno<br />
das informações sobre os beneficiários<br />
efetivos, bem como regulamentar<br />
as moedas virtuais e os cartões pré-<br />
-pagos em matéria de prevenção do<br />
branqueamento de capitais.<br />
No âmbito das medidas relativas<br />
às criptomoedas e a outros ativos virtuais<br />
pretende-se o combate aos riscos<br />
Só a 20 de fevereiro o Conselho de Ministros aprovou uma<br />
Propos ta de Lei que procede à transposição da referida<br />
Diretiva para o ordena mento jurídico português da quin ta e,<br />
adicionalmente e cumulativa mente com - sem que tal fosse<br />
pre visível - a transposição da Diretiva (UE) 2018/1673, de 23<br />
de outubro, do Parlamento Europeu e do Con selho, relativa ao<br />
combate ao bran queamento de capitais através do direito penal<br />
relativos à anonimidade associada aos<br />
mesmos, considerando a aceitação<br />
destes como meio de pagamento e o<br />
facto de poderem ser transferidos, armazenados<br />
e comercializados por via<br />
eletrónica. Assim, as entidades e os<br />
prestadores de serviços que exerçam<br />
atividades económicas relacionadas<br />
com estes ativos passarão a estar sujeitos<br />
à supervisão do Banco de Portugal,<br />
designadamente em matéria<br />
de prevenção do branqueamento de<br />
capitais e do financiamento do terrorismo.<br />
Será assim necessário alterar a<br />
Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (lei<br />
relativa ao combate ao branqueamento<br />
de capitais e ao financiamento do<br />
terrorismo), por forma a acomodar<br />
esta nova realidade.<br />
Outra matéria abrangida pela Proposta<br />
de Lei que aqui analisamos, e<br />
que implica a alteração da Lei n.º<br />
83/2017, de 18 de agosto, bem como<br />
o Regime Jurídico do Registo Central<br />
do Beneficiário Efetivo, prende-se<br />
com a necessidade de garantir uma<br />
maior transparência das estruturas<br />
societárias e de outras pessoas coletivas,<br />
dos trusts e dos centros de interesses<br />
coletivos sem personalidade<br />
jurídica similares.<br />
Conforme anteriormente referido,<br />
a Proposta de Lei veio também proceder<br />
à transposição, da Diretiva (UE)<br />
2018/1673 do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 23 de outubro<br />
de 2018, sem que tal fosse expectável<br />
- até mesmo porque a data limite<br />
de transposição é 3 de dezembro de<br />
<strong>2020</strong> . Esta Diretiva define as infrações<br />
penais e sanções no domínio do<br />
branqueamento de capitais, com vista<br />
a facilitar a cooperação policial e judiciária<br />
entre os países da União Europeia.<br />
Por outro lado, permite também<br />
aos Estados-Membros criminalizar as<br />
situações em que o autor da infração<br />
“suspeitasse ou devesse ter sabido que<br />
os bens provinham de uma atividade<br />
criminosa”, alargando assim o espectro<br />
das condutas associadas ao crime<br />
de branqueamento de capitais<br />
No âmbito da transposição desta<br />
Diretiva, o Governo esclareceu em<br />
comunicado que o ordenamento jurídico<br />
nacional se encontra já dotado<br />
dos mecanismos substantivos e<br />
processuais necessários à prevenção e<br />
combate ao crime de branqueamento,<br />
estando em linha com os principais<br />
instrumentos de direito internacional<br />
e com as recomendações e<br />
orientações do Grupo de Acão Financeira<br />
Internacional (GAFI). Com<br />
efeito, no que se refere ao direito penal,<br />
lê-se no Relatório de Avaliação<br />
Mútua de Portugal de dezembro de<br />
2017, aprovado pelo GAFI, que «as<br />
sanções penais aplicáveis são proporcionais<br />
e dissuasivas».<br />
No entanto, para que a transposição<br />
da Diretiva (UE) 2018/1673 seja
OPINIÃO | 39<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
plenamente realizada, será necessário<br />
alargar o quadro de ilícitos típicos<br />
subjacentes ao crime de branqueamento<br />
e o espectro das suas condutas<br />
típicas, bem como agravar a moldura<br />
penal nos casos em que o infrator é<br />
uma entidade obrigada, e cometa a<br />
infração no exercício das suas atividades<br />
profissionais.<br />
Neste sentido é possível notar que<br />
algumas das infrações referidas pela<br />
Diretiva (UE) 2018/1673 e especificadas<br />
noutros atos jurídicos da União<br />
Europeia não se encontram ainda, na<br />
sua integralidade, abrangidas pelo artigo<br />
368.º-A do Código Penal. Desta<br />
forma, parece necessário que a Proposta<br />
de Lei preveja que o catálogo<br />
dos ilícitos típicos subjacentes ao crime<br />
de branqueamento seja revisto e<br />
alargado.<br />
Em concreto estabelece a Diretiva<br />
que os seguintes comportamentos,<br />
quando cometidos intencionalmente,<br />
constituem uma infração penal:<br />
i) transferência ou conversão de bens<br />
(ativos de qualquer tipo), com conhecimento<br />
de que esses bens provêm de<br />
uma atividade criminosa, com o fim<br />
de encobrir ou dissimular a sua origem<br />
ilícita ou de auxiliar quaisquer<br />
pessoas implicadas nessa atividade a<br />
furtarem-se às consequências jurídicas<br />
dos seus atos; ii) encobrimento ou<br />
dissimulação da verdadeira natureza,<br />
origem, localização, utilização, circulação<br />
ou propriedade de determinados<br />
bens com conhecimento de que<br />
tais bens provêm de uma atividade<br />
criminosa; iii) aquisição, detenção<br />
ou utilização de bens, com conhecimento,<br />
no momento da sua receção,<br />
de que provêm de uma atividade criminosa;<br />
iv) cumplicidade, instigação<br />
e tentativa relativas a estas infrações.<br />
Adicionalmente, a Diretiva determina<br />
que os seguintes comportamentos<br />
são considerados como atividade<br />
criminosa, ou seja, relevantes para o<br />
crime de branqueamento de capitais:<br />
i) qualquer tipo de envolvimento criminoso<br />
na prática de uma infração<br />
que, nos termos do direito nacional,<br />
É im portante que a discussão da Propos ta de Lei seja<br />
acompanhada de um envolvimento dos stakeholders, em<br />
particular os reguladores, para ga rantir uma fundamentação<br />
teórica e prática que responda às várias exi gências sempre<br />
colocadas por uma reforma desta dimensão<br />
seja punível com pena ou medida de<br />
segurança privativa de liberdade de<br />
duração máxima superior a 1 ano<br />
ou um limiar mínimo superior a 6<br />
meses; e ii) desde que tal comportamento<br />
não esteja já abrangido pela<br />
categoria atrás referida, as infrações<br />
constantes de uma lista de 22 categorias<br />
designadas de crimes, incluindo<br />
todas as infrações definidas pela legislação<br />
da UE designada pela Diretiva.<br />
A Diretiva prevê ainda que as infrações<br />
abranjam os bens que provenham<br />
de comportamentos que<br />
tenham tido lugar noutro país da<br />
União Europeia ou mesmo num país<br />
terceiro, quando os comportamentos<br />
subjacentes constituíssem atividade<br />
criminosa caso tivessem ocorrido<br />
em território nacional. Os Estados-<br />
-Membros devem assim garantir que<br />
as pessoas que cometeram ou que<br />
estiveram envolvidas nesta atividade<br />
criminal são devidamente punidas.<br />
Nesta matéria assume ainda relevo<br />
o designado “autobranqueamento”,<br />
Neste sentido é possível notar que algumas das infrações<br />
referidas pela Diretiva (UE) 2018/1673 e espe cificadas<br />
noutros atos jurídicos da União Europeia não se encontram<br />
ainda, na sua integralidade, abran gidas pelo artigo 368.º-A do<br />
Código Penal. Desta forma, parece necessá rio que a Proposta<br />
de Lei preveja que o catálogo dos ilícitos típicos subja centes<br />
ao crime de branqueamento seja revisto e alargado<br />
isto é, quando certos tipos de atividades<br />
de branqueamento de capitais são<br />
cometidas pelo autor da atividade criminosa<br />
que gerou os bens, impondo<br />
a Diretiva que os Estados-Membros<br />
assegurem a sua punição.<br />
Adicionalmente, determina a Diretiva<br />
que os Estados-Membros devem<br />
assegurar a condenação por infrações<br />
de branqueamento de capitais uma<br />
vez determinada a proveniência criminosa<br />
dos bens, pese embora não<br />
se conheçam todos os elementos factuais<br />
ou todas as circunstâncias relacionadas<br />
com essa atividade, incluindo<br />
mesmo a identidade do autor da<br />
infração. Fica também previsto que<br />
a condenação por branqueamento de<br />
capitais não está dependente de uma<br />
condenação anterior ou simultânea<br />
por essa atividade criminosa que gerou<br />
os bens. Neste âmbito será necessário<br />
alterar o artigo 368.º-A do<br />
Código Penal.<br />
Em suma, a Proposta de Lei que<br />
será em breve discutida e aprovada<br />
na Assembleia da República levará<br />
a uma alteração de diversos diplomas<br />
legais em matéria de combate<br />
ao branqueamento de capitais e ao<br />
financiamento do terrorismo. É importante<br />
que a discussão da Proposta<br />
de Lei seja acompanhada de um<br />
envolvimento dos stakeholders, em<br />
particular os reguladores, para garantir<br />
uma fundamentação teórica<br />
e prática que responda às várias exigências<br />
sempre colocadas por uma<br />
reforma desta dimensão. Os próximos<br />
tempos representarão assim um<br />
desafio para as empresas, reguladores<br />
e para todos os que trabalham nesta<br />
matéria.
40 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
O overcompliance e o princípio da proporcionalidade<br />
na aplicação de normas relativas à prevenção<br />
e combate ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento do terrorismo<br />
Miguel de Azevedo Moura<br />
Professor Auxiliar<br />
da NOVA School of Law<br />
Passados mais de dois anos desde<br />
a entrada em vigor da Lei<br />
n.º 83/2017, de 18 de agosto<br />
(“LBC”) que estabelece no ordenamento<br />
jurídico português medidas<br />
de combate ao branqueamento de<br />
capitais e ao financiamento do terrorismo<br />
(“BCFT”), transpondo parcialmente<br />
– quase maioritariamente<br />
– a Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento<br />
Europeu e do Conselho (4.ª<br />
AMLD), já é tempo de fazer uma<br />
breve reflexão sobre o resultado da<br />
sua aplicabilidade prática. Aquilo<br />
que me preocupa – e que me ocupará<br />
nas próximas linhas – tem que ver<br />
com a forma como, de um ponto de<br />
vista comportamental, algumas entidades<br />
obrigadas têm vindo a adotar<br />
e aplicar certas políticas, procedimentos<br />
e medidas de execução no<br />
contexto do cumprimento dos deveres<br />
preventivos, em especial, dos<br />
deveres de identificação e diligência<br />
(“DID”) e de recusa.<br />
Desde o início do período de vigência<br />
da LBC que se tem assistido<br />
ao passar de diversas fases de “sensibilidade<br />
jurídico-social”. Encontro,<br />
pelo menos, três: (i) uma primeira<br />
fase de pânico sobre as “novas” regras<br />
impostas pela LBC que, em bom rigor,<br />
não consubstanciam uma verdadeira<br />
alteração paradigmática face ao<br />
regime jurídico anterior; (ii) uma<br />
segunda fase, reativa, de “aparente”<br />
excesso de compliance por parte<br />
das entidades obrigadas ligadas aos<br />
setores de atividade mais críticos,<br />
muito por “culpa” do modelo sancionatório<br />
e da má informação sobre<br />
o conteúdo do regime aplicável,<br />
tendo esta fase sido largamente exponenciada<br />
pela publicação de atos<br />
normativos regulamentares setoriais;<br />
e (iii) uma terceira fase – a atual – de<br />
ajuste do mercado ao overcompliance,<br />
como se este tivesse ganho uma<br />
luta de forças.<br />
Perante o medo generalizado e instalado<br />
sobre a forma como as entidades<br />
obrigadas deveriam conceber,<br />
“Algumas entidades obrigadas decidiram adotar um modelo<br />
hiper-rígido, transversal a qualquer relação de clientela”<br />
implementar ou ajustar as suas políticas<br />
e procedimentos internos de<br />
Know Your Customer (“KYC”) para<br />
efeitos do cumprimento dos deveres<br />
preventivos, e face ao modelo tripartido<br />
– já anteriormente conhecido<br />
– de aplicação de medidas de execução<br />
em função de graus de risco,<br />
algumas entidades obrigadas decidiram<br />
adotar um modelo hiper-rígido,<br />
transversal a qualquer relação<br />
de clientela. Estas características são<br />
mais sintomáticas quando o cliente<br />
é uma pessoa coletiva ou entidade<br />
equiparada. Neste modelo – e sem<br />
o dizer expressamente no texto das<br />
políticas internas – exige-se sempre<br />
ao cliente a identificação do(s) seu(s)<br />
beneficiário(s) efetivo(s), informação<br />
sobre a finalidade do negócio,<br />
origem e destino de fundos, entre<br />
outros elementos, sob pena de não<br />
se iniciar uma relação de negócio (ou<br />
transação ocasional).<br />
A ideia subjacente é a de que,<br />
existindo políticas e procedimentos<br />
ultra-rígidos nos quais se trata o<br />
cliente, por defeito, como um cliente<br />
de alto risco, exigindo como pressuposto<br />
necessário ao estabelecimento<br />
da relação comercial determinados<br />
elementos sem que tenha sido feita<br />
uma análise ao risco concreto, o<br />
cumprimento dos deveres legais se<br />
encontra assim plena e corretamente<br />
verificado. Este pretensiosismo<br />
de se ser o “bastião” da prevenção<br />
e combate ao BCFT, numa lógica<br />
de alta vigilância padronizada pode<br />
trazer consequências graves para o<br />
mercado como estamos, infelizmente,<br />
a assistir.<br />
Nem sempre o excesso de compliance<br />
é algo de positivo, que se<br />
pretende alcançar: ele pode ter um<br />
efeito perverso e nocivo, quer ao nível<br />
das condutas das entidades obrigadas<br />
e outros players do mercado,<br />
quer na forma como as autoridades<br />
setoriais exercem as suas prerrogativas.<br />
Ao contrário do que aquela<br />
conduta parece sugerir, a adoção de<br />
um modelo de medidas preventivas,<br />
abstrata e genericamente aplicável,<br />
sem o crivo da apreciação casuística<br />
é – isso sim – atuar contra o espírito<br />
da lei. Se assim é, então não estamos<br />
rigorosamente perante uma situação<br />
de overcompliance, a qual pressupõe<br />
condutas legalmente admitidas, mas<br />
numa situação de aparente excesso<br />
de compliance, que é o mesmo que<br />
dizer “situação potencialmente praeter<br />
ou contra legem”.<br />
Vejamos: tal como acontece com
OPINIÃO | 41<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
a 4.ª AMLD, o regime jurídico estabelecido<br />
pela LBC quanto às exigências<br />
de cumprimento do DID e,<br />
por conseguinte, do dever de recusa,<br />
assenta nas ideias de proporcionalidade,<br />
necessidade, razoabilidade e<br />
adequação. Estes princípios encontram-se<br />
plasmados em inúmeras<br />
passagens da lei: “…quando o perfil<br />
de risco do cliente ou as características<br />
da operação o justifiquem”, “…sempre<br />
que necessário…” [artigo 27.º,<br />
alíneas b) e c), LBC]; obtenção de<br />
um “conhecimento satisfatório” sobre<br />
os beneficiários efetivos do cliente,<br />
ou adoção de “medidas necessárias” e<br />
“medidas razoáveis” para verificar a<br />
sua identidade [artigo 29.º (1) (2),<br />
LBC] Em especial, o artigo 28.º (1),<br />
LBC, consagra uma norma genérica<br />
de adequação das medidas de DID<br />
em função do risco concreto.<br />
Note-se que o que está em verdadeiramente<br />
causa é um poder/dever<br />
e não apenas uma prerrogativa da<br />
entidade obrigada. Tal dever não só<br />
deriva dos textos legais nacionais e<br />
da UE, como também – e principalmente<br />
– dos princípios gerais de<br />
Direito que orientam o ordenamento<br />
jurídico. Tal como o instituto da<br />
equidade, o princípio da proporcionalidade,<br />
na vertente em que transcende<br />
as relações jurídicas verticais<br />
(de soberania), procura ajustar a<br />
norma ao facto. E é exatamente esse<br />
princípio (e todos os seus subprincípios<br />
como a adequação) que atribui<br />
uma natureza elástica aos graus<br />
de liberdade de atuação dos sujeitos,<br />
ligando, de forma racional, as ideias<br />
de igualdade e justiça.<br />
Com efeito, as normas relativas<br />
aos deveres preventivos, em especial<br />
o DID e o dever de recusa, devem<br />
ser interpretadas tendo por base o<br />
princípio da proporcionalidade e<br />
da adequação: o cumprimento verifica-se<br />
com a adoção de políticas<br />
e procedimentos de análise de risco<br />
em função da situação em causa,<br />
bem como de medidas de execução<br />
reforçadas se esse risco for real ou<br />
potencial. Neste sentido, procura-<br />
-se a alta vigilância sem a padronização<br />
do elemento “risco elevado”.<br />
Medidas restritivas ou reforçadas<br />
“Este pretensiosismo de se ser o “bastião” da prevenção e<br />
combate ao BCFT, numa lógica de alta vigilância padronizada<br />
pode trazer consequências graves para o mercado como<br />
estamos, infelizmente, a assistir”<br />
deverão ser impostas apenas nos casos<br />
definidos como tais após análise<br />
concreta de risco.<br />
O problema surge, por exemplo,<br />
quando o cliente não consegue identificar<br />
o seu beneficiário efetivo, por<br />
facto que não lhe é imputável, não se<br />
verificando motivos factuais de práticas<br />
ou suspeitas de práticas de crimes<br />
de BCFT, ou outros indicadores<br />
de risco acrescido. Um caso comum<br />
é o das sociedades em relação de domínio<br />
ou de grupo, de vários níveis,<br />
onde o cliente é uma subsidiária e<br />
não tem conhecimento do(s) beneficiário<br />
efetivo(s) porque a holding<br />
se encontra numa jurisdição fora da<br />
UE, mas num país de risco reduzido<br />
no qual não existe uma obrigação<br />
de identificação dos sócios. O cliente<br />
pode ver assim frustradas todas<br />
as expectativas que tinha em, por<br />
exemplo, abrir uma conta bancária,<br />
ou celebrar um contrato de fornecimento,<br />
sem justificação racional<br />
para a recusa, pelo simples facto de<br />
a entidade obrigada adotar o referido<br />
modelo hiper-rígido, que corresponde<br />
ao seu modus operandi standard.<br />
Declarada a recusa, o cliente não encontra<br />
outra alternativa senão procurar<br />
uma entidade obrigada concorrente.<br />
Agora imagine-se se todas<br />
as entidades desse setor aplicassem<br />
a mesma metodologia… o impacto<br />
no mercado é, como se percebe, no<br />
mínimo, preocupante.<br />
Claro que com esta nota não se<br />
prevê a obrigatoriedade em praticar<br />
o ato, celebrar o negócio jurídico,<br />
ou manter a relação comercial. A<br />
adoção de métodos hiper-rígidos é<br />
amplamente permitida pelo direito,<br />
nos termos tradicionais da liberdade<br />
negocial. Tem, por isso, um limite:<br />
o da boa-fé. É que aplicação<br />
dos princípios da proporcionalidade<br />
e da adequação face às condutas<br />
de (aparente) overcompliance pode<br />
resultar em casos de responsabilidade<br />
civil obrigacional, incluindo a<br />
pré-contratual, ao contrário do que<br />
pode resultar de uma leitura literal<br />
e descuidada do artigo 50.º (7)<br />
da LBC: há dever de recusa sempre<br />
que existam indícios ou suspeitas<br />
de práticas ilícitas ligadas ao BCFT<br />
“As normas relativas aos deveres preventivos, em especial o<br />
DID e o dever de recusa, devem ser interpretadas tendo por<br />
base o princípio da proporcionalidade e da adequação”<br />
ou quando não se tenham obtido os<br />
elementos identificativos mínimos<br />
ou necessários para cumprimento<br />
do DID, tendo em consideração ao<br />
grau de risco concreto do cliente e<br />
da natureza da atividade, negócio<br />
ou transação.<br />
Esta é, salvo melhor opinião, a forma<br />
mais adequada de compatibilizar<br />
as prerrogativas atribuídas pela<br />
LBC e pela 4.ª AMLD às entidades<br />
obrigadas, com os princípios gerais<br />
que as norteiam, salvaguardando,<br />
por um lado, a finalidade da lei e<br />
protegendo, por outro, os interesses<br />
do mercado.
42 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Alcance da atuação do supervisor preventivo<br />
do BCFT – breve subsídio para uma interpretação<br />
dos poderes conferidos pelo quadro normativo<br />
em vigor<br />
Gonçalo Maia Miranda<br />
Coordenador de Área no Banco<br />
de Portugal*<br />
Em abril de 2017, as Autoridades<br />
Europeias de Supervisão<br />
(ESAs) 1 publicaram as suas<br />
Orientações Conjuntas relativas às características<br />
da abordagem baseada no<br />
risco em matéria de supervisão do antibranqueamento<br />
de capitais e do combate<br />
ao financiamento do terrorismo e<br />
às medidas a tomar ao exercer a supervisão<br />
baseada no risco (Orientações<br />
relativas à supervisão baseada no risco,<br />
doravante designadas de “Orientações<br />
Conjuntas”) 2 . Nessas Orientações<br />
Conjuntas, as ESAs estabelecem<br />
as etapas em que se deve decompor o<br />
modelo posto em prática pelas autoridades<br />
responsáveis pela supervisão<br />
das instituições financeiras em matéria<br />
de prevenção do branqueamento<br />
de capitais e do financiamento do<br />
terrorismo (BCFT), identificando as<br />
fontes a considerar e os critérios para<br />
definir as ações mais adequadas ao<br />
acompanhamento das instituições<br />
supervisionadas.<br />
Em linha com o disposto nas<br />
Orientações Conjuntas e na Recomendação<br />
28 do Grupo de Ação Financeira<br />
(GAFI), atinente à regulação<br />
e supervisão das instituições financeiras<br />
em matéria de prevenção<br />
do BCFT, o artigo 102.º da Lei n.º<br />
83/2017, de 18 de agosto (doravante,<br />
“Lei n.º 83/2017”), determina às<br />
autoridades de supervisão (e demais<br />
autoridades setoriais previstas na lei)<br />
que, no exercício da sua atividade<br />
de verificação dos deveres consignados<br />
na referida Lei, identifiquem e<br />
avaliem, numa base permanente, os<br />
riscos de BCFT associados às respetivas<br />
instituições supervisionadas,<br />
os quais, por sua vez, determinarão<br />
o tipo, a frequência e a intensidade<br />
das ações de supervisão a adotar. Para<br />
este efeito, as autoridades de supervisão<br />
devem exercer os seus poderes<br />
de modo a garantir o acesso a toda<br />
a informação relevante para a compreensão<br />
daqueles riscos, aqui se incluindo,<br />
de acordo com as Orientações<br />
Conjuntas, elementos sobre (i)<br />
a estrutura de propriedade e controlo<br />
da instituição supervisionada, (ii) a<br />
reputação e integridade dos membros<br />
do órgão de administração, dos<br />
gestores de topo e dos participantes<br />
qualificados, (iii) a natureza e complexidade<br />
dos produtos, serviços,<br />
transações e canais de distribuição<br />
disponibilizados, (iv) a tipologia de<br />
clientes, (v) a área geográfica de atuação,<br />
(vi) a qualidade das estruturas<br />
de governo e controlo interno, designadamente<br />
ao nível das funções<br />
de auditoria e de compliance, (vii) a<br />
cultura de compliance prevalecente e<br />
(viii) o grau de conformidade com<br />
os requisitos legais e regulamentares<br />
e a eficácia das políticas e procedimentos<br />
em matéria de prevenção<br />
do BCFT. Com base nos elementos<br />
apurados, a autoridade de supervisão<br />
ajustará por exemplo a intensidade e<br />
a intrusividade do plano individual<br />
de supervisão ao risco de BCFT da<br />
instituição supervisionada em causa,<br />
determinando nessa base, de acordo<br />
com as Orientações Conjuntas, a extensão<br />
da revisão inspetiva dos ficheiros<br />
de clientes, das amostras de transações<br />
examinadas pela instituição e<br />
das comunicações de operações suspeitas<br />
efetuadas. A este propósito, as<br />
Orientações Conjuntas reconhecem<br />
ainda que em situações de risco mais<br />
elevado é pouco plausível a suficiência<br />
de uma mera análise das políticas<br />
e procedimentos declarados pela instituição<br />
supervisionada, impondo-se<br />
uma avaliação da sua efetiva implementação,<br />
com recurso às técnicas de<br />
revisão já descritas. Neste contexto,<br />
observa-se que nem as Orientações<br />
Conjuntas nem a soft law produzida<br />
pelo GAFI aludem, para efeitos de<br />
supervisão contínua, a expedientes<br />
de teor mais intrusivo do que as técnicas<br />
de amostragem, como seriam<br />
o acompanhamento em tempo real<br />
(ou a autorização prévia) de operações<br />
pelo supervisor ou a realização<br />
por este, em substituição das instituições<br />
supervisionadas, dos deveres<br />
preventivos do BCFT quanto a tais<br />
operações. Em todo o caso, o artigo<br />
97.º da Lei n.º 83/2017 prevê, como<br />
mecanismo de última ratio, a possibilidade<br />
de as autoridades setoriais<br />
adotarem medidas corretivas destinadas<br />
a sanar ou prevenir incumprimentos<br />
aos deveres preventivos do<br />
BCFT, que poderão passar pela diminuição<br />
ou eliminação da exposição<br />
a determinadas atividades ou opera-<br />
1. Autoridade Bancária Europeia, Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados e Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma. Observa-se,<br />
no entanto, que, com a publicação do Regulamento (UE) 2019/2175 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro, operou-se a concentração na Autoridade Bancária<br />
Europeia das competências em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo que se encontravam dispersas pelas três Autoridades Europeias de<br />
Supervisão.<br />
2. Orientações emitidas em cumprimento do mandato consignado no n.º 10 do artigo 48.º da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa<br />
à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Disponíveis para consulta em https://eba.europa.eu/<br />
regulation-and-policy/anti-money-laundering-and-e-money/guidelines-on-risk-based-supervision .
OPINIÃO | 43<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
ções ou, bem assim, pela criação de<br />
novas obrigações de comunicação<br />
ou pela intensificação das comunicações<br />
existentes, nomeadamente sobre<br />
operações efetuadas.<br />
Em suma, a lei portuguesa, em linha<br />
com as melhores práticas internacionais,<br />
direciona os poderes das<br />
autoridades setoriais para a verificação<br />
do cumprimento dos deveres<br />
preventivos do BCFT, com recurso<br />
a estratégias de supervisão focadas na<br />
aferição da eficácia dos procedimentos<br />
e controlos implementados pelas<br />
entidades obrigadas, cujo grau de intrusividade<br />
deverá variar em função<br />
do concreto risco de BCFT. Tal não<br />
significa, contudo, o exercício dos deveres<br />
preventivos em substituição das<br />
entidades obrigadas ou o exercício de<br />
competências investigatórias ou de<br />
“follow the money” que são pertença<br />
de autoridades que intervêm a jusante<br />
na cadeia de combate ao BCFT 3 .<br />
Ora, se a lei entrega às entidades<br />
obrigadas a responsabilidade principal<br />
pelo cumprimento dos deveres<br />
preventivos, incluindo o de comunicar<br />
operações potencialmente suspeitas,<br />
e se não compete às autoridades<br />
setoriais sindicar a eventual ilicitude<br />
criminal de operações concretas, coloca-se<br />
a questão de saber se o atual<br />
sistema de combate ao BCFT encerra<br />
em si mesmo uma lacuna ou “ângulo<br />
morto”. Tal lacuna, a existir, situar-<br />
-se-ia entre o sistema de prevenção<br />
e o sistema de repressão e consistiria<br />
na não previsão de mecanismos concretos<br />
para identificar e até impedir,<br />
numa fase pré-investigatória, operações<br />
que, não tendo sido comunicadas<br />
pelas entidades obrigadas, possam<br />
consubstanciar indicadores de<br />
suspeição.<br />
A este respeito, recorda-se que as<br />
autoridades destinatárias das comunicações<br />
de operações suspeitas [Departamento<br />
Central de Investigação<br />
e Ação Penal da Procuradoria-Geral<br />
da República (DCIAP) e Unidade<br />
de Informação Financeira da Polícia<br />
<strong>Judiciária</strong> (UIF)] dispõem, à luz do<br />
disposto no artigo 53.º da Lei n.º<br />
83/2017, de prerrogativas de cooperação<br />
por parte das entidades obrigadas<br />
que transcendem em muito a<br />
obtenção de informação apenas sobre<br />
operações comunicadas, como se<br />
afere do n.º 4 daquela previsão normativa.<br />
No entanto, afigura-se ainda<br />
mais impressivo o n.º 3 da mesma<br />
disposição, naquilo que aparenta ser<br />
uma flexibilização do mecanismo de<br />
controlo de contas estatuído na Lei<br />
n.º 5/2002, de 11 de janeiro, porquanto<br />
permite àquelas autoridades<br />
determinarem às respetivas entidades<br />
executantes a imediata comunicação<br />
de qualquer operação proposta, tentada,<br />
iniciada ou executada.<br />
Por outro lado, o artigo 81.º da<br />
Lei n.º 83/2017 atribui explicitamente<br />
ao DCIAP a prerrogativa de<br />
realizar ações de prevenção do branqueamento<br />
de capitais 4 e da respetiva<br />
criminalidade subjacente, no âmbito<br />
das quais exerce também os poderes<br />
conferidos pelo n.º 3 do artigo 1.º<br />
da Lei n.º 36/94 5 , de 29 de setembro,<br />
na sua redação atual. De entre<br />
esses poderes conta-se a recolha de<br />
informação relativamente a notícias<br />
de factos suscetíveis de fundamentar<br />
suspeitas do perigo da prática de um<br />
crime, o que permite, também por<br />
esta via, atuar ex ante relativamente a<br />
operações potencialmente suspeitas.<br />
Nessa conformidade, e obedecendo<br />
a uma lógica de aproveitamento de<br />
toda a informação relevante, a alínea<br />
b) do n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º<br />
83/2017 postula a admissibilidade<br />
da suspensão temporária da execução<br />
de operações, com base na informação<br />
coligida no âmbito das ações de<br />
prevenção, ainda que a mesma não<br />
respeite a operações objeto do exercício<br />
dos deveres de comunicação<br />
abstenção.<br />
Desta forma, crê-se ficar demonstrado<br />
que o sistema nacional de prevenção<br />
e combate ao BCFT não denota<br />
lacunas na adequada monitorização<br />
de operações potencialmente<br />
suspeitas, estabelecendo competências<br />
claras em cada uma das fases em<br />
que se decompõe:<br />
– Fase de prevenção: a execução<br />
dos deveres preventivos compete às<br />
entidades obrigadas, cabendo aos supervisores<br />
a verificação dos respetivos<br />
controlos e procedimentos, com base<br />
em critérios de risco;<br />
– Fase pré-investigatória: a UIF e o<br />
DCIAP dispõem de amplos poderes<br />
de análise e de averiguação não apenas<br />
quanto a operações comunicadas,<br />
mas igualmente quanto a quaisquer<br />
outras operações que, por qualquer<br />
motivo, apresentem indicadores de<br />
suspeição que tenham chegado ao<br />
seu conhecimento (destacando-se<br />
aqui os amplos poderes conferidos<br />
ao DCIAP em sede de ações de prevenção);<br />
– Fase de investigação: está a cargo<br />
das autoridades judiciárias competentes<br />
para o inquérito criminal,<br />
com a coadjuvação das autoridades<br />
policiais.<br />
Não existindo lacunas ou dúvidas<br />
quanto à esfera de atuação dos<br />
diversos intervenientes no circuito<br />
de prevenção e combate ao BCFT,<br />
relembra-se que a eficácia do sistema<br />
depende, em grande medida e<br />
tal como reconhecido nas Orientações<br />
Conjuntas, da intensificação<br />
dos mecanismos de cooperação<br />
e de troca de informação entre os<br />
atores públicos das diversas fases,<br />
conferindo o artigo 124.º da Lei<br />
n.º 83/2017 uma base legal inusitadamente<br />
generosa para que tal<br />
possa suceder.<br />
Qualquer opinião expressa neste artigo pertence<br />
unicamente ao autor, não representando a opinião do<br />
Banco de Portugal, a menos que expressamente se afirme<br />
que o autor está autorizado para tanto.<br />
3. O disposto não obsta à comunicação de operações suspeitas pelas autoridades setoriais, em observância do disposto no artigo 104.º da Lei n.º 83/2017, sempre que, no exercício das<br />
suas funções, identifiquem possíveis suspeitas de BCFT que não tenham sido comunicadas pelas entidades obrigadas. Na mesma linha, a alínea d) do n.º 1 do artigo 95.º da lei habilita<br />
aquelas autoridades a sancionarem a posteriori quaisquer incumprimentos dos deveres preventivos a respeito de uma dada operação que não tenha sido adequadamente examinada e/ou<br />
comunicada pelas entidades obrigadas.<br />
4. A promoção ou realização de ações de prevenção, neste domínio, pelo DCIAP, foi confirmada pelo n.º 4 do artigo 58.º do novo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de<br />
agosto).<br />
5. Lei essa que atribui também à Polícia <strong>Judiciária</strong> a competência para a realização de ações de prevenção, incluindo quanto a infrações económico-financeiras.
44 | OPINIÃO<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Pessoas Politicamente Expostas na Lei 5/<strong>2020</strong>.<br />
Breve análise.<br />
O<br />
Miguel Matias<br />
Sócio RSA – Rede de Serviços<br />
de Advocacia<br />
crescimento do terrorismo e<br />
as dificuldades inerentes ao<br />
seu combate, não só ao operativo<br />
e directo mas também e sobremaneira,<br />
o mais oculto e, por isos,<br />
mais difícil de identificar, tem sido,<br />
nos últimos tempos um devir das<br />
sociedades contemporâneas.<br />
Um sinal de mudança de paradigma<br />
e um sinal de que, afinal, Angola<br />
não quer fazer mais parte dos Países<br />
onde a corrupção e o consequente<br />
branqueamento dos capitais adquiridos<br />
por via criminosa não podem<br />
continuar a passar impunes foi manifestado<br />
através de legislação recente<br />
que urge, aqui, apreciar.<br />
O combate ao terrorismo (vá-<br />
-se lá saber se esta actual pandemia<br />
não tem também essa origem!!!) e o<br />
combate ao seu financiamento, têm<br />
constituído reforço de garantia de<br />
cidadania imposta pelas organizações<br />
internacionais a que, também<br />
Angola, pertence.<br />
Foi por isso que, em boa hora,<br />
ratificou as Convenções das nações<br />
Unidas contra o Tráfico Ilícito de<br />
Narcotráficos e Substâncias Psicotrópicas,<br />
contra o Crime Organizado<br />
Transnacional e sobre a Supressão<br />
do Financiamento do Terrorismo, as<br />
quais recomendam a definição de<br />
Falar em Pessoas Expostas, in casu, politicamente, traduzimos<br />
nós aquelas pessoas que, por força do exercício de funções<br />
publicas tenham uma posição de maior fragilidade às<br />
tentações dos perpetradores dos ilícitos visados com a Lei<br />
um sistema optimizado de Prevenção<br />
e Combate ao Branqueamento<br />
de Capitais.<br />
Foi por isso também que, no dia<br />
27 de janeiro de <strong>2020</strong>, sob o numero<br />
5, foi publicada Lei da Assembleia<br />
Nacional visando exactamente essa<br />
prevenção e combate.<br />
Já abordei noutros locais e momentos<br />
outras vertentes da Lei e<br />
sobre ela já pude lançar um olhar<br />
mais genérico.<br />
Hoje, porque assim me parece importante,<br />
pela assunção de responsabilidades<br />
e atribuição de responsabilizações,<br />
entendo dever descrever,<br />
ainda que enunciativa e não exaustivamente,<br />
sobre as pessoas que, por<br />
terem assumido ou assumirem no<br />
momento da verificação dos factos,<br />
funções públicas proeminentes em<br />
Angola ou em qualquer País ou jurisdição<br />
ou em qualquer organização<br />
internacional.<br />
Quero falar, claro está, das denominadas<br />
“Pessoas Politicamente Expostas”<br />
(PPE’s”) na denominação<br />
desta Lei e de muitas outras suas<br />
congéneres.<br />
Falar em Pessoas Expostas, in casu,<br />
politicamente, traduzimos nós aquelas<br />
pessoas que, por força do exercício<br />
de funções publicas tenham uma<br />
posição de maior fragilidade às tentações<br />
dos perpetradores dos ilícitos<br />
visados com a Lei.<br />
Explica-se bem a razão pelo facto,<br />
simples, de cada uma destas pessoas<br />
ter ou ter tido capacidade natural<br />
de influenciar, de intervir, de condicionar<br />
e de alterar decisões políticas<br />
que, em benefício de determinadas<br />
pessoas ou entidades subvertam os<br />
finas das normas tal como elas devem<br />
ser construídas. A obediência<br />
e respeito a princípios de igualdade,<br />
de equilíbrio social e de transparência.<br />
São muitas as identificadas na Lei,<br />
nomeadamente no considerando 31<br />
da mesma. Desde logo o mais alto<br />
Magistrado da Nação, o Presidente<br />
da República, o Vice-Presidente,<br />
o Primeiro Ministro, os Ministros,<br />
os Deputados, os Magistrados Judiciais<br />
e do Ministério Público dos<br />
Tribunais Superiores e da Relação<br />
cujas decisões, em regra, não sejam<br />
passíveis de recurso, os chefes das<br />
missões diplomáticas, membros de<br />
órgãos de administração e de fiscalização<br />
de empresas públicas e de<br />
sociedades de capitais exclusiva ou<br />
maioritariamente públicos, membros<br />
das administrações locais e do<br />
poder autárquico, líderes de confissões<br />
religiosas, entre tantos outros.<br />
De realçar que este normativo cobre,<br />
no nível de exigência e controle<br />
excepcionais, não só as PPE’s em si<br />
mesmas mas também os familiares e<br />
amigos mais próximos. Também se<br />
compreende a especial acessibilidade<br />
do meio.<br />
Ao contrário das restantes pessoas,<br />
sejam elas singulares ou colectivas<br />
que vêm a sua actuação cair na alçada<br />
deste diploma, as PPE’s assumem<br />
perante o mesmo um conjunto<br />
alargado de contingências resultantes<br />
da causa da sua exposição como<br />
antes mencionado e não da actuação<br />
que possa ser controlável ou, de<br />
forma mais profunda ser considerada<br />
suspeita.<br />
Também importa referir – pela<br />
natureza – não se restringir a noção<br />
de PPE’s a Cidadãos Nacionais, mas<br />
recaindo também a estrangeiros que<br />
exerçam ou tenham exercido funções<br />
publicas de relevo ou importância<br />
proeminente em território nacional.
OPINIÃO | 45<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
Ao contrário de outras legislações<br />
similares, a Lei 5/<strong>2020</strong> ora em apreciação<br />
não determina um tempo a<br />
partir do qual os “holofotes” da mesma<br />
deixem de incidir sobre as PPE’s.<br />
Compreendo a intemporalidade<br />
pelas circunstâncias específicas vivenciadas<br />
no momento angolano,<br />
pela força importada pelo diploma<br />
e, claro, pelo conjunto de imposições<br />
internacionais (nomeadamente<br />
as do Banco Mundial), tudo para<br />
que, de facto e não só de Direito, o<br />
paradigma angolano mude de vez.<br />
E o mudar de vez importa sinais!<br />
Sinais dados pelas autoridades<br />
angolanas recentemente e visando<br />
a inexplicabilidade da alegada ou<br />
aparente utilização de dinheiros públicos<br />
em benefício próprio levada<br />
a cabo por algumas antes, elas sim,<br />
pessoas politicamente expostas (embora<br />
com legitimação à data questionável).<br />
As obrigações decorrentes da lei e<br />
que incidindo sobre as PPE’s antes<br />
mencionadas, conferem às “entidades<br />
obrigadas” um leque de obrigações<br />
que se iniciam logo no momento<br />
da verificação da identidade, seja<br />
dos clientes, dos seus representantes,<br />
seja dos beneficiários efectivos das<br />
transações ou relações de negócio<br />
pensadas levar a cabo. Será, portanto,<br />
num momento anterior e logo<br />
que exista manifestação de intenção<br />
de realização das operações que<br />
devem dar-se início as obrigações.<br />
Mas, como se vem de dizer e quento<br />
às restantes, as medidas, também<br />
elas passíveis de reforço, dizem directamente<br />
respeito ao negócio, no<br />
que diz respeito às PPE’s as medidas<br />
de diligência acrescida que obrigam<br />
as entidades descritas na Lei, dizem<br />
respeito a elas próprias.<br />
Devem ser acrescidas as medidas<br />
de diligência quanto à relações de<br />
negócio ou quanto às transações ocasionais<br />
que envolvam PPE’s, devendo<br />
as entidades obrigadas dispor de<br />
procedimentos adequados baseados<br />
no risco, para determinar, apurando,<br />
se o cliente, o representante, o beneficiário<br />
efectivo, podem ser classificados<br />
como PPE’s. Devem também<br />
tomar medidas que se mostrem necessárias<br />
para determinar a origem<br />
do património e dos fundos envolvidos<br />
nas relações de negócio ou nas<br />
transações ocasionais com PPE’s.<br />
Aqui surge um aflorar das obrigações<br />
de declaração que devem recair,<br />
ainda que projectivamente sobre o<br />
património dos titulares de cargos<br />
políticos e que tanta tinta tem feito<br />
correr noutras jurisdições, como<br />
a portuguesa onde, a inversão do<br />
ónus de demonstrar a origem lícita<br />
do património tem sido um entrave<br />
ao estabelecimento de normativos<br />
capazes de controlar, impedindo,<br />
posições patrimoniais injustificadas.<br />
Devem, também, as entidades<br />
obrigadas, sejam do sector financeiro<br />
ou não, efetuar um acompanhamento<br />
contínuo e acrescido das relações<br />
de negócio que envolvam PPE’s, directamente<br />
ou em situações de co-<br />
-participação em posições sociais.<br />
Por ultimo e concretizando o antes<br />
aflorado, diga-se que o regime<br />
reforçado que se vem de aflorar<br />
deve continuar a aplicar-se a quem,<br />
tendo deixado de ter a condição de<br />
PPE’s, continue a representar um risco<br />
acrescido de branqueamento de<br />
capitais, de financiamento do terrorismo<br />
e de proliferação de armas de<br />
Claro está que estas medidas necessitam da criação, por parte<br />
das entidades obrigadas de um apport técnico e tecnológico<br />
que lhes permita – em tempo – sindicar todas as condições<br />
destruição em massa devido ao seu<br />
perfil ou à natureza das operações<br />
desenvolvidas.<br />
Claro está que estas medidas necessitam<br />
da criação, por parte das<br />
entidades obrigadas de um apport<br />
técnico e tecnológico que lhes permita<br />
– em tempo – sindicar todas<br />
as condições. Esta será, ao lado da<br />
formação a que as entidades (como<br />
em Portugal) se encontram obrigadas,<br />
a maior dificuldade de implementação<br />
efectiva da Lei, muito a<br />
par do quem vem acontecendo noutras<br />
geografias.<br />
Termino como comecei: Com esperança!
46 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Branqueamento de capitais<br />
ANGOLA<br />
Lei n.º 5/20, de 12 de dezembro<br />
Revogou a Lei n.º 34/11, de 12 de<br />
dezembro, sobre a mesma matéria, e<br />
entrou em vigor no dia 28 de janeiro.<br />
Principais alterações:<br />
Introdução de medidas contra a<br />
proliferação de armas de destruição<br />
em massa;<br />
A definição de “beneficiário efetivo”<br />
foi alargada, passando, nomeadamente,<br />
a incluir todas as pessoas<br />
que detenham, direta ou indiretamente,<br />
uma participação de controlo<br />
numa sociedade, incluindo o<br />
controlo do capital social, direitos<br />
de voto ou que detenham uma influência<br />
significativa na sociedade.<br />
Deixou de existir um limite mínimo<br />
para determinar a existência do<br />
referido controlo;<br />
“Pessoas politicamente expostas”<br />
abrangem qualquer pessoa nacional<br />
ou estrangeira que exerça ou tenha<br />
exercido cargos públicos em Angola<br />
ou em qualquer outro país ou jurisdição<br />
ou em qualquer organização<br />
internacional;<br />
Existe agora uma obrigação autónoma<br />
de avaliação de risco. As entidades<br />
sujeitas devem implementar<br />
medidas e controlos apropriados<br />
para identificar, avaliar, compreender<br />
e mitigar o branqueamento de capitais,<br />
o financiamento do terrorismo<br />
e a proliferação de armas de destruição<br />
em massa;<br />
As obrigações de identificação e diligência<br />
são agora aplicáveis a transações<br />
ocasionais executadas através de<br />
transferências eletrónicas num montante<br />
superior a 1000 USD, em moeda<br />
nacional ou estrangeira;<br />
Foram estabelecidas novas regras<br />
sobre diligência simplificada e medidas<br />
de diligência reforçada aplicáveis<br />
às transações transfronteiras;<br />
O âmbito da obrigação de comunicação<br />
de transações suspeitas em numerário<br />
ou através de transferências<br />
eletrónicas foi alterado, sendo agora<br />
aplicável a transações entre USD<br />
5000 e USD 15.000, dependendo da<br />
operação em questão;<br />
Os prestadores de serviços de pagamento<br />
que controlem a ordem e a<br />
recepção de uma transferência eletrónica<br />
devem ter em conta as informações<br />
prestadas pelo ordenante e pelo<br />
beneficiário para determinar se existe<br />
dever de comunicação.<br />
As Autoridades Fiscais têm agora<br />
o dever de comunicar pagamentos<br />
transfronteiriços suspeitos.<br />
(https://www.mirandalawfirm.<br />
com/pt/conhecimento-media/publications/alerts/novas-regras-para-prevencao-e-combate-ao-branqueamento-de-capitais-financiamento-do-terrorismo-e-proliferacao-de-armas-de-<br />
-destruicao-em-massa)<br />
Lei n.º 3/14, de 10 de fevereiro<br />
Considerando que a República de<br />
Angola ratificou as Convenções das<br />
Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito<br />
de Estupefacientes e de Substâncias<br />
Psicotrópicas, a Criminalidades<br />
Organizada Transnacional e a<br />
Supressão do Financiamento ao Terrorismo,<br />
com vista a garantir a segurança<br />
territorial e do sistema financeiro<br />
angolano;<br />
Tendo em conta as exigências estabelecidas<br />
nas 40 Recomendações do<br />
Grupo de Ação Fianceira Internacional<br />
(GAFI/FATF) e nas Convenções<br />
das Nações Unidas, nomeadamente<br />
na Convenção contra a Criminalidade<br />
Organizada Transnacional<br />
(Convenção de Palermo), Convenção<br />
sobre o Tráfico Ilícito de Estupefacientes<br />
e Substâncias Psicotrópicas<br />
(Convenção de Viena) e Convenção<br />
para a Supressão do Financamento<br />
ao Terrorismo;<br />
Atendendo à Criminalização do<br />
Branqueamento de Capitais previsto<br />
na Lei n.º34/11, de 12 de dezembro<br />
– Lei de Combate ao Branqueamento<br />
de Capitais e Financiamento ao Terrorismo<br />
–, e uma vez que nem todas<br />
as infrações subjacentes ao branqueamento<br />
de capitais e financiamento<br />
do terrorismo, incluídas nas categorias<br />
de infrações designadas elencadas<br />
estabelecidas nas 40 Recomendações<br />
do GAFI/FATF se encontram atualmente<br />
tipificadas no ordenamento<br />
jurídico angolano, existe a necessidade<br />
premente de revisão do ordenamento<br />
jurídico garantir a conformidade<br />
com as supramencionadas<br />
exigências internacionais;<br />
Considerando a premente necessidade<br />
de tipificar as categorias de infrações<br />
designadas que não se encontram<br />
ainda criminalizadas no atual<br />
ordenamento jurídico, bem como<br />
aditar alguns aspetos imprescindíveis<br />
na tipificação dos crimes já em<br />
vigor no atual ordenamento jurídico<br />
de forma a assegurar a conformidade<br />
com os padrões internacionais.<br />
Lei n.º 34/11, de 12 de dezembro<br />
Considerando que a República<br />
de Angola aprovou a Resolução n.º<br />
19/99, de 30 de julho, publicada no<br />
DR I.ª Série n.º 31, a Resolução n.º<br />
21/10, de 22 de junho, publicada no<br />
DR I.ª Série n.º 115, e a Resolução<br />
n.º 38/10, de 17 de dezembro, publicada<br />
no DR I.ª Série n.º 239 que<br />
ratificam as Convenções das Nações<br />
Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes<br />
e de Substâncias Psicotrópicas,<br />
a criminalidade transnacional<br />
e a supressão do financiamento<br />
ao terrorismo, respetivamente, com<br />
vista a garantir a segurança territorial<br />
e do sistema financeiro angolano. Visando<br />
a adopção e a implementação<br />
das disposições legais constantes nas<br />
mencionadas Convenções, a Repú-
LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 47<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
blica de Angola publicou em Diário<br />
da República, a Lei n.º 12/10, de 9<br />
de julho, sobre o Combate ao Branqueamento<br />
de Capitais e Financiamento<br />
do Terrorismo. Considerando<br />
a premente necessidade de revisão<br />
do sistema de prevenção e repressão<br />
do Combate ao Branqueamento de<br />
Capitais e do Financiamento ao Terrorismo,<br />
no sentido de fortalecer o<br />
seu nível de conformidade com os<br />
padrões internacionais, bem como a<br />
necessidade de aditar alguns aspetos<br />
imprescindíveis ao referido sistema<br />
e de complementar outros referidos<br />
na Lei n.º 12/10, de 9 de julho, que<br />
representam uma considerável alteração<br />
à estrutura da referida lei, e que<br />
serão fundamentais no reforço do<br />
exercício das funções das autoridades<br />
angolanas na prevenção e repressão<br />
do branqueamento de capitais e do<br />
financiamento ao terrorismo.<br />
Lei n.º 12/10, de 9 de julho<br />
de 2010, I Série, DR n.º 128<br />
Estabelece medidas de natureza<br />
preventiva e repressiva de combate<br />
ao branqueamento de vantagens de<br />
proveniência ilícita e ao financiamento<br />
do terrorismo. – Revoga toda a legislação<br />
que contrarie a presente lei.<br />
Impõe-se a necessidade de se estabelecerem<br />
medidas de natureza preventiva<br />
e repressiva de combate ao<br />
branqueamento de vantagens de proveniência<br />
ilícita e ao financiamento<br />
do terrorismo, porquanto esta prática<br />
à escala mundial é um mal que<br />
está a atingir sobretudo as sociedades<br />
em desenvolvimento, cuja forma de<br />
operar é orientada pelo sigilo, não se<br />
sabendo, pela própria natureza, a sua<br />
real dimensão.<br />
Tem sido frequentes os infratores<br />
utilizarem vários países para ocultar<br />
os seus proventos ilícitos, aproveitando-se<br />
das diferenças existentes<br />
nos respetivos regimes legais e,<br />
por vezes, da difícil coordenação e<br />
cooperação internacional. Por não<br />
existirem estimativas fiáveis sobre<br />
a magnitude do problema do branqueamento<br />
de capitais e do financiamento<br />
do terrorismo a nível global<br />
e para prevenir a sua disseminação<br />
pelo nosso País, cujas consequências<br />
são inimagináveis.<br />
Regulamento n.º 4/16<br />
de 2 de junho<br />
Considerando que a Lei n.º 34/11,<br />
de 12 de dezembro, Lei do Combate<br />
ao Branqueamento de Capitais e do<br />
Financiamento ao Terrorismo, consagra<br />
um conjunto de obrigações a<br />
que estão vinculadas as instituições<br />
financeiras;<br />
Atendendo que à Comissão do<br />
Mercado de Capitais (CMC), enquanto<br />
organismo de regulação, supervisão<br />
e fiscalização das instituições<br />
financeiras não bancárias que atuam<br />
no mercado de valores mobiliários<br />
e instrumentos derivados, compete<br />
regular e supervisionar as referidas<br />
instituições;<br />
Havendo necessidade de estabelecer<br />
controlos adequados que visem<br />
tornar eficaz a implementação de<br />
medidas de prevenção e repressão às<br />
práticas que configurem crimes de<br />
branqueamento de capitais e financiamento<br />
ao terrorismo, nas instituições<br />
financeiras não bancárias, nas<br />
sociedades gestoras dos mercados<br />
regulamentados e de serviços financeiros<br />
sobre valores mobiliários e nas<br />
instituições financeiras bancárias que<br />
realizem serviços e atividades de investimento<br />
em valores mobiliários e<br />
instrumentos derivados;<br />
Tendo em conta os deveres de diligência,<br />
de informação e de comunicação<br />
a que estão sujeitas as entidades<br />
acima referidas, por força da Lei 1/12,<br />
de 12 de janeiro, Lei sobre a Designação<br />
e Execução de Atos Jurídicos Internacionais<br />
e do Decreto Presidencial<br />
n.º 214/13, de 13 de dezembro, que<br />
regulamenta a referida Lei;<br />
Considerando que é imprescindível<br />
o cumprimento dos referidos deveres,<br />
pelas entidades sujeitas à supervisão<br />
da CMC, permitindo assim à entidade<br />
competente o congelamento<br />
imediato dos fundos e demais ativos<br />
financeiros ou recursos económicos<br />
das pessoas que pratiquem atos<br />
qualificados como branqueamento<br />
de capitais ou financiamento ao terrorismo.<br />
BRASIL<br />
Lei n.º 12.683, de 9 de julho<br />
de 2012<br />
Esta lei altera a Lei n.º 9.613, de 3<br />
de março de 1998, para tornar mais<br />
eficiente a persecução penal dos crimes<br />
de lavagem de dinheiro.<br />
Lei n.º 10.467, de 11 de junho<br />
de 2002<br />
Acrescenta o Capítulo II-A ao Título<br />
XI do Decreto-Lei n.º 2.848, de<br />
7 de dezembro de 1940 - Código Penal,<br />
e dispositivo à Lei n.º 9.613, de 3<br />
de março de 1998, que “dispõe sobre<br />
os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação<br />
de bens, direitos e valores; a prevenção<br />
da utilização do Sistema Financeiro<br />
para os ilícitos previstos nesta<br />
Lei, cria o Conselho de Controle de<br />
Atividades Financeiras (Coaf), e dá<br />
outras providências.<br />
Lei n.º 9.613, de 3 de março<br />
de 1998<br />
Dispõe sobre os crimes de “lavagem”<br />
ou ocultação de bens, direitos<br />
e valores; a prevenção da utilização<br />
do sistema financeiro para os ilícitos<br />
previstos nesta Lei; cria o Conselho<br />
de Controle de Atividades Financeiras<br />
- COAF, e dá outras providências.<br />
Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro<br />
de 1990<br />
Define crimes contra a ordem tributária,<br />
económica e contra as relações<br />
de consumo, e dá outras providências.<br />
Lei n.º 7.492, de 16 de junho<br />
de 1986<br />
Define os crimes contra o sistema<br />
financeiro nacional, e dá outras providências.
48 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Lei n.º 7.170, de 14 de dezembro<br />
de 1983<br />
Define os crimes contra a segurança<br />
nacional, a ordem política e social,<br />
estabelece seu processo e julgamento<br />
e dá outras providências.<br />
Lei Complementar n.º 105,<br />
de 10 de janeiro de 2001<br />
Dispõe sobre o sigilo das operações<br />
de instituições financeiras e dá outras<br />
providências.<br />
Decreto n.º 9.663, de 2019<br />
Aprova o Estatuto do Conselho<br />
de Controle de Atividades Financeiras<br />
– COAF.<br />
Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro<br />
de 2006<br />
Promulga a Convenção das Nações<br />
Unidas contra a Corrupção, adotada<br />
pela Assembleia-Geral das Nações<br />
Unidas em 31 de outubro de 2003 e<br />
assinada pelo Brasil em 9 de dezembro<br />
de 2003.<br />
Decreto n.º 5.015, de 12 de março<br />
de 2004<br />
Promulga a Convenção das Nações<br />
Unidas contra o Crime Organizado<br />
Transnacional.<br />
Portaria n.º 330, de 18<br />
de dezembro de 1998<br />
Aprova o Regimento Interno do<br />
Conselho de Controle de Atividades<br />
Financeiras – COAF.<br />
CABO VERDE<br />
Lei n.º 120/VII/2016,<br />
de 24 de março de 2016<br />
“Alteração e Republicação da Lei<br />
sobre a Prevenção do Crime de Lavagem<br />
de Capitais, aprovada pela Lei<br />
n.º 38/VII/2009, de 27 de abril, alterando-se<br />
o que respeita à lista de definições,<br />
às novas entidades de regulação<br />
e supervisão e suas competências,<br />
às entidades abrangidas pelo âmbito<br />
subjetivo da Lei, aos deveres de declaração<br />
de transportes físicos transfronteiriços,<br />
de identificação e verificação<br />
da identidade, de diligência<br />
relativo ao cliente, aos bancos correspondentes,<br />
à identificação através de<br />
intermediários, aos deveres de recusa<br />
de realização das operações, de diligência<br />
acrescida e de conservação de<br />
documentos, às obrigações relativas a<br />
transferências eletrónicas, ao dever de<br />
controlo, às filiais e sucursais, aos deveres<br />
de colaboração e informação e de<br />
comunicação, à suspensão de execução<br />
da operação, exclusão de responsabilidade,<br />
ao crime de lavagem de capitais,<br />
às penas aplicáveis às pessoas coletivas,<br />
à apreensão de bens e direitos, à<br />
informação à UIF sobre aplicação de<br />
sanções, às contraordenações graves e<br />
especialmente graves e às sanções acessórias,<br />
aditando-se novos deveres que<br />
impendem sobre as entidades sujeitas<br />
e bem assim regras sobre bancos de fachada,<br />
organismos sem fins lucrativos,<br />
sobre cooperação entre entidades nacionais<br />
e estrangeiras, sobre prescrição<br />
e sobre o valor das coimas.”<br />
Estabelece medidas destinadas a<br />
prevenir e reprimir o crime de lavagem<br />
de capitais, bens, direitos e<br />
valores.<br />
Resolução 13/<strong>2020</strong>,<br />
de 27 de janeiro<br />
Comissão Interministerial de Coordenação<br />
das Politicas em Matéria de<br />
Prevenção e Combate à Lavagem de<br />
Capitais: “(…)Esta Resolução cria,<br />
na dependência dos Ministérios das<br />
Finanças e da Justiça e do Trabalho, a<br />
Comissão Interministerial de Coordenação<br />
das Políticas em Matéria de<br />
Prevenção e Combate à Lavagem de<br />
Capitais, ao Financiamento do Terrorismo<br />
ao financiamento da proliferação<br />
de armas de destruição em massa<br />
que tem como missão definir, acompanhar<br />
e coordenar a identificação<br />
e respostas aos riscos advenientes da<br />
prática de lavagem de capitais e de financiamento<br />
do terrorismo ao financiamento<br />
da proliferação de armas de<br />
destruição em massa a que Cabo Verde<br />
está ou venha a estar, contribuindo<br />
para a melhoria contínua da conformidade<br />
técnica e da eficácia do Sistema<br />
Nacional de Prevenção e Combate<br />
à Lavagem de Capitais e Financiamento<br />
do Terrorismo e ao financiamento<br />
da proliferação de armas de destruição<br />
em massa. Pretende-se reunir entidades<br />
com responsabilidade na matéria,<br />
designadamente as representativas das<br />
Finanças, dos Negócios Estrangeiros,<br />
da Administração Interna e da Justiça,<br />
dentre outras, (…) Comissão Interministerial<br />
de Coordenação das Políticas<br />
em Matéria de Prevenção e Combate<br />
à Lavagem de Capitais, ao Financiamento<br />
do Terrorismo (…) tem como<br />
atribuições, dentre outras, estudar estratégias<br />
e formular recomendações<br />
legislativas ou operacionais, visando<br />
adotar ações concretas para o combate<br />
à lavagem de capitais, ao financiamento<br />
do terrorismo e ao Financiamento<br />
da Proliferação das Armas de Destruição<br />
em Massa se necessário for, com<br />
recurso à parceria com países, organizações<br />
internacionais e demais instituições<br />
parceiras. Cabe, ainda, à Comissão<br />
aprovar anualmente, o plano<br />
de ação do Estado contra a lavagem e<br />
capitais, ao Financiamento do Terrorismo<br />
ao financiamento da proliferação<br />
de armas de destruição em massa,<br />
instrumento de política que permite<br />
estabelecer objetivos e metas nesse<br />
domínio, em sintonia com os compromissos<br />
assumidos a nível internacional<br />
e regional, assim como, emitir<br />
pareceres pontuais sobre temáticas de<br />
interesse na área de lavagem e de financiamento<br />
do terrorismo ao financiamento<br />
da proliferação de armas de<br />
destruição em massa, aconselhando o<br />
Governo nos casos em que for chamado<br />
a pronunciar sobre determinada<br />
questão em concreto.”<br />
Aviso n.º 5/2017,<br />
de 7 de setembro, do Banco<br />
de Cabo Verde<br />
Aviso sobre as condições, mecanismos<br />
e procedimentos necessários<br />
ao efetivo cumprimento dos deveres
LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 49<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
preventivos da lavagem de capitais e<br />
financiamento do terrorismo no âmbito<br />
da prestação de serviços financeiros<br />
sujeitos à supervisão do Banco<br />
de Cabo Verde.<br />
GUINÉ-BISSAU<br />
Lei 1/2012, de 05 de setembro<br />
(Lei de Luta contra o<br />
financiamento do terrorismo)<br />
Aprova a Lei de Luta contra o financiamento<br />
do terrorismo nos Estados<br />
Membros da União Monetária<br />
Oeste Africana (UMOA), a qual define<br />
o respetivo quadro jurídico na<br />
Guiné-Bissau. Assegura a interdependência<br />
dos dispositivos de luta contra<br />
a criminalidade financeira transnacional<br />
em vigor, completando e reforçando<br />
os regimes relativos à luta<br />
contra o branqueamento de capitais.<br />
Lei 3/2018, de 07 de agosto<br />
(Combate ao Branqueamento<br />
de Capital e Financiamento<br />
do Terrorismo)<br />
Aprova a Lei do Combate ao Branqueamento<br />
de Capital e Financiamento<br />
do Terrorismo tendo por objeto<br />
a prevenção e punição do branqueamento<br />
de capitais e financiamento<br />
do terrorismo, bem como a<br />
proliferação de armas de destruição<br />
massiva, estabelecendo medidas que<br />
visam detetar e desencorajar o branqueamento<br />
de capitais considerando-<br />
-se ilícita a origem de capitais ou de<br />
bens quando estes provêm da prática<br />
ilícita de uma das infrações enumeradas<br />
no diploma.<br />
Decreto 1/2006, de 29 de maio<br />
Cria a Célula Nacional de Tratamento<br />
de Informações Financeiras<br />
(CENTIF), por aplicação da Resolução<br />
n.º 4/PL/2004, entidade competente<br />
para a recepção, análise e tratamento<br />
das informações específicas<br />
e capazes de estabelecer a origem ou<br />
natureza das operações e transações<br />
objeto de suspeita.<br />
Resolução 4/PL/2004,<br />
de 02 de novembro<br />
Aprova a Lei Uniforme Relativa à<br />
Luta Contra o Branqueamento de<br />
Capitais e da Lei Relativa às Medidas<br />
de Promoção de Bancarização e<br />
da Utilização de Meios de Pagamento<br />
Escriturais.<br />
MACAU<br />
Lei n.º 6/97/M, de 30 de julho<br />
de 1997, alterada pela Lei<br />
n.º 2/2006, Lei 8/2017,<br />
Lei 6/2008 e Lei 9/2013<br />
Estabelece o regime legal contra a<br />
criminalidade organizada.<br />
Lei n.º 2/2006, de 03 de março<br />
de 2006, republicada pela<br />
Lei n.º 3/2017 de 22 de maio<br />
de 2017<br />
Estabelece medidas destinadas a<br />
prevenir e reprimir o crime de branqueamento<br />
de capitais.<br />
Lei n.º 6/2016, de 29 de agosto<br />
Estabelece o regime de execução de<br />
decisões de congelamento de bens.<br />
Lei n.º 6/2017, de 12 de junho<br />
Estabelece o sistema de controlo do<br />
transporte transfronteiriço de numerário<br />
e de instrumentos negociáveis<br />
ao portador.<br />
Regulamento Administrativo<br />
n.º 7/2006, de 15 de maio<br />
de 2006, republicado pelo<br />
Regulamento Administrativo<br />
17/2017, de 29 de maio de 2017<br />
Estabelece as medidas de natureza<br />
preventiva dos crimes de branqueamento<br />
de capitais e de financiamento<br />
ao terrorismo.<br />
Despacho do Chefe do Executivo<br />
n.º 228/2017<br />
Aprova o modelo de impresso de<br />
declaração de transporte transfronteiriço<br />
de numerário e de instrumentos<br />
negociáveis ao portador, nas línguas<br />
oficiais e na língua inglesa.<br />
Despacho do Chefe do Executivo<br />
n.º 227/2017<br />
Fixa o montante de referência para<br />
efeitos de obrigações declarativas de<br />
transporte transfronteiriço de numerário<br />
e de instrumentos negociáveis<br />
ao portador.<br />
MOÇAMBIQUE<br />
Lei 2/2018, de 19 de junho<br />
Regulação do Gabinete de Informação<br />
Financeira de Moçambique<br />
(GIFiM), entidade do Estado, de<br />
âmbito nacional, que tem por finalidade<br />
prevenir e combater a utilização<br />
do sistema financeiro nacional<br />
e outros setores da atividade económica,<br />
para o branqueamento de capitais,<br />
financiamento do terrorismo<br />
e outros crimes conexos, fixando-se<br />
as suas atribuições, competências e<br />
funcionamento.<br />
Lei 14/2013, de 12 de agosto<br />
Lei de Prevenção e Combate ao<br />
Branqueamento de Capitais e Financiamento<br />
ao Terrorismo que estabelece<br />
o regime jurídico e medidas de<br />
prevenção e repressão, em relação à<br />
utilização do sistema financeiro e das<br />
entidades não financeiras para branqueamento<br />
de capitais.
50 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Resolução 15/2003, de 14 de maio<br />
(Política e Estratégia de Prevenção<br />
e Combate à Droga)<br />
Aprova a Política e Estratégia de<br />
Prevenção e Combate à Droga dando<br />
primazia ao reforço das ações de<br />
combate ao tráfico ilícito de drogas,<br />
ao branqueamento de capitais e à criminalidade<br />
conexa.<br />
Aviso n.º 4/GBM/2015,<br />
de 17 de junho<br />
Fixa as diretrizes e medidas de prevenção<br />
ao branqueamento de capitais<br />
e financiamento ao terrorismo, aprovadas<br />
pelo Banco de Moçambique.<br />
PORTUGAL<br />
A atividade de branqueamento de<br />
capitais, comportamento ilícito criminoso<br />
tipificado no artigo 386.º<br />
do Código Penal, tem sido alvo de<br />
uma profícua intervenção legislativa,<br />
principalmente numa perspetiva de<br />
prevenção geral e especial deste tipo<br />
de conduta, em Portugal sempre associado<br />
ao Terrorismo, pelo que se<br />
revela essencial esclarecer e desenhar<br />
uma imagem dos instrumentos normativos<br />
aplicáveis.<br />
Assim, no âmbito desta matéria,<br />
de seguida se apresenta, de forma<br />
cronológica, a legislação aplicável,<br />
como segue:<br />
a: normas emanadas pela união europeia,<br />
aplicáveis na decorrência do<br />
princípio do primado e princípio do<br />
efeito direto:<br />
Diretiva (UE) 2019/1153 do<br />
Parlamento Europeu e do Conselho,<br />
de 20 de junho de 2019<br />
relativa à utilização de informações<br />
financeiras e de outro tipo para efeitos<br />
de prevenção, deteção, investigação<br />
ou repressão de determinadas<br />
infrações penais.<br />
Diretiva (UE) 2018/1673<br />
do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 23 de outubro<br />
de 2018<br />
Relativa ao combate ao branqueamento<br />
de capitais através do direito<br />
penal.<br />
Regulamento (UE) 2018/1672<br />
do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 23 de outubro<br />
de 2018<br />
Relativo ao controlo das somas em<br />
dinheiro líquido que entram ou saem<br />
da União Europeia.<br />
Diretiva (UE) 2018/843 do<br />
Parlamento Europeu e do Conselho,<br />
de 30 de maio de 2018<br />
Altera a Diretiva (UE) 2015/849,<br />
relativa à prevenção da utilização do<br />
sistema financeiro para efeitos de<br />
branqueamento de capitais ou de financiamento<br />
do terrorismo.<br />
Regulamento Delegado (UE)<br />
2018/1108 da Comissão,<br />
de 7 de maio 2018<br />
Completa a Diretiva (UE)<br />
2015/849, estabelecendo normas<br />
técnicas de regulamentação sobre os<br />
critérios de nomeação e funcionamento<br />
dos pontos de contacto centrais<br />
dos emitentes de moeda eletrónica<br />
e dos prestadores de serviços de<br />
pagamento.<br />
Diretiva (UE) 2016/2258<br />
do Conselho, de 6 de dezembro<br />
de 2016<br />
Relativa ao acesso às informações<br />
anti-branqueamento de capitais por<br />
parte das autoridades fiscais.<br />
Regulamento Delegado (UE)<br />
2016/1675 da Comissão,<br />
de 14 de julho de 2016<br />
Completa a Diretiva (UE)<br />
2015/849 do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, procedendo à identificação<br />
dos países terceiros de risco<br />
elevado que apresentam deficiências<br />
estratégicas.<br />
Diretiva (UE) 2015/849<br />
do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 20 de maio<br />
de 2015<br />
Relativa à prevenção da utilização<br />
do sistema financeiro para efeitos de<br />
branqueamento de capitais ou de financiamento<br />
do terrorismo [alterada<br />
pela Diretiva (UE) 2018/843].<br />
Regulamento (UE) 2015/847<br />
do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 20 de maio<br />
2015<br />
Estabelece as informações sobre o<br />
ordenante que devem acompanhar as<br />
transferências de fundos.<br />
b. normas gerais:<br />
Lei n.º 5/2002<br />
Estabelece medidas de combate à<br />
criminalidade organizada e económico-financeira<br />
e procede à segunda<br />
alteração à Lei n.º 36/94, de 29 de<br />
setembro, alterada pela Lei n.º 90/99,<br />
de 10 de julho, e quarta alteração ao<br />
Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de dezembro,<br />
alterado pela Lei n.º 65/98,<br />
de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei<br />
n.º 275-A/2000, de 9 de novembro,<br />
e pela Lei n.º 104/2001, de 25 de<br />
agosto.<br />
Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto<br />
(Lei de combate ao terrorismo)<br />
Lei de combate ao terrorismo (em<br />
cumprimento da Decisão Quadro n.º<br />
2002/475/JAI, do Conselho, de 13<br />
de junho) - décima segunda alteração<br />
ao Código de Processo Penal e décima<br />
quarta alteração ao Código Penal.<br />
Portaria n.º 150/2004<br />
Aprova a lista dos países, territórios<br />
e regiões com regimes de tributação<br />
privilegiada, claramente mais favoráveis<br />
(diploma repristinado pelo artigo<br />
290.º da Lei n.º 114/2017, de 29<br />
de dezembro).<br />
Decreto-Lei n.º 61/2007,<br />
de 14 de março<br />
Aprova o regime jurídico aplicável<br />
ao controlo dos montantes de dinheiro<br />
líquido, transportado por pessoas
LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 51<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
singulares, que entram ou saem da<br />
UE através do território nacional,<br />
bem como ao controlo dos movimentos<br />
de dinheiro líquido com outros<br />
Estados-Membros da UE.<br />
Menção à Resolução do Conselho<br />
de Ministros n.º 88/2015,<br />
de 1 de outubro<br />
Cria a Comissão de Coordenação<br />
de Políticas de Prevenção e Combate<br />
ao Branqueamento de Capitais e ao<br />
Financiamento do Terrorismo.<br />
Lei n.º 15/2017, de 3 de maio<br />
Proíbe a emissão de valores mobiliários<br />
ao portador e altera o Código<br />
dos Valores Mobiliários, aprovado<br />
pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de<br />
novembro, e o Código das Sociedades<br />
Comerciais, aprovado pelo Decreto-<br />
-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro.<br />
Diretiva 2015/849/UE,<br />
do Parlamento Europeu<br />
e do Conselho, de 20 de maio<br />
de 2015<br />
Relativa à prevenção da utilização<br />
do sistema financeiro para efeitos de<br />
branqueamento de capitais ou de financiamento<br />
do terrorismo, que altera<br />
o Regulamento (UE) n.° 648/2012<br />
do Parlamento Europeu e do Conselho,<br />
e que revoga a Diretiva 2005/60/<br />
CE do Parlamento Europeu e do<br />
Conselho e a Diretiva 2006/70/CE<br />
da Comissão (Texto relevante para<br />
efeitos do EEE).<br />
Diretiva 2016/2258/UE,<br />
do Conselho, de 6 de dezembro<br />
de 2016<br />
Altera a Diretiva 2011/16/UE no<br />
que respeita ao acesso às informações<br />
anti branqueamento de capitais por<br />
parte das autoridades fiscais.<br />
Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto<br />
Estabelece medidas de combate ao<br />
branqueamento de capitais e ao financiamento<br />
do terrorismo, transpõe<br />
parcialmente as Diretivas 2015/849/<br />
UE, do Parlamento Europeu e do<br />
Conselho, de 20 de maio de 2015, e<br />
2016/2258/UE, do Conselho, de 6<br />
de dezembro de 2016, altera o Código<br />
Penal e o Código da Propriedade<br />
Industrial e revoga a Lei n.º 25/2008,<br />
de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º<br />
125/2008, de 21 de julho.<br />
Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto<br />
Aprova o Regime Jurídico do Registo<br />
Central do Beneficiário Efetivo,<br />
transpõe o capítulo III da Diretiva<br />
(UE) 2015/849, do Parlamento<br />
Europeu e do Conselho, de 20 de<br />
maio de 2015, e procede à alteração<br />
de Códigos e outros diplomas<br />
legais.<br />
Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto<br />
Obriga à utilização de meio de pagamento<br />
específico em transações<br />
que envolvam montantes iguais ou<br />
superiores a EUR 3 000, alterando a<br />
Lei Geral Tributária e o Regime Geral<br />
das Infrações Tributárias.<br />
Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto<br />
Define os objetivos, prioridades e<br />
orientações de política criminal para<br />
o biénio de 2017-2019<br />
Menção à Diretiva n.º 1/2017,<br />
qual define diretivas e instruções<br />
genéricas para a execução da Lei n.º<br />
96/2017.<br />
Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto<br />
Regula a aplicação e a execução de<br />
medidas restritivas aprovadas pela<br />
Organização das Nações Unidas ou<br />
pela União Europeia e estabelece o<br />
regime sancionatório aplicável à violação<br />
destas medidas.<br />
Decreto-Lei n.º 123/2017,<br />
de 25 de setembro<br />
Estabelece o regime de conversão<br />
dos valores mobiliários ao portador<br />
em valores mobiliários nominativos,<br />
em execução da Lei n.º 15/2017, de<br />
3 de maio.<br />
Portaria n.º 233/2018,<br />
de 21 de agosto<br />
Regulamenta o Regime Jurídico<br />
do Registo Central do Beneficiário<br />
Efetivo (Regime Jurídico do RCBE),<br />
aprovado pela Lei n.º 89/2017, de<br />
21 de agosto.<br />
Portaria n.º 310/2018,<br />
de 4 de dezembro<br />
Regulamenta o disposto no artigo<br />
45.º da Lei n.º 83/2017, de 18<br />
de agosto, definindo as tipologias de<br />
operações a comunicar, pelas entidades<br />
obrigadas, ao DCIAP e à UIF,<br />
bem como o prazo, a forma e os demais<br />
termos das comunicações.<br />
B. NORMAS ESPECÍFICAS<br />
B.1. - Setor dos Registos<br />
e Notariado<br />
Deliberação do Conselho Diretivo<br />
do IRN n.º 01/CD/2014,<br />
de 27 de março<br />
Estabelece regras para o cumprimento<br />
dos deveres gerais e específicos<br />
fixados na Lei n.º 25/2008, pelos<br />
conservadores e notários.<br />
B.2. - Setores Sujeitos<br />
à Fiscalização da ASAE<br />
Regulamento n.º 314/2018,<br />
de 25 de maio<br />
Fixa as condições e determina o<br />
conteúdo do cumprimento dos deveres<br />
gerais e específicos fixados na Lei<br />
n.º 83/2017, de 18 de agosto, pelas<br />
entidades obrigadas abrangidas pela<br />
fiscalização preventiva do BC/FT a<br />
cargo da ASAE.<br />
B.3. - Setor Imobiliário<br />
Deliberação n.º 988/2017,<br />
de 9 de novembro<br />
Procedimentos atinentes ao cumprimento<br />
da obrigação de proceder à<br />
comunicação de início de atividade e<br />
das transações imobiliárias efetuadas.<br />
Regulamento n.º 276/2019,<br />
de 26 de março<br />
Estabelece as condições de exercício<br />
e define os procedimentos, instrumentos,<br />
mecanismos e formalidades<br />
necessários para assegurar o cumprimento<br />
dos deveres de prevenção e<br />
combate ao branqueamento de capitais<br />
e ao financiamento do terrorismo<br />
previstos na Lei n.º 83/2017,<br />
de 18 de agosto.
52 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
B.4. - Setor dos Seguros e Fundos<br />
de Pensões<br />
Norma Regulamentar n.º 8 /2009-<br />
R, de 4 de junho<br />
Mecanismos de governação no âmbito<br />
dos fundos de pensões – Gestão<br />
de riscos e controlo interno.<br />
Norma Regulamentar n.º 14/2005-<br />
R, de 29 de novembro<br />
Princípios aplicáveis ao desenvolvimento<br />
dos sistemas de gestão de<br />
riscos e de controlo interno das empresas<br />
de seguros.<br />
Norma Regulamentar n.º 10/2005-<br />
R, de 19 de julho<br />
Prevenção do branqueamento de<br />
capitais.<br />
B.5. - Setor Bancário<br />
Instrução do Banco de Portugal<br />
n.º 5/2019, de 30 de janeiro<br />
Define os requisitos de informação<br />
a reportar periodicamente ao Banco<br />
de Portugal por entidades sujeitas à<br />
sua supervisão em matéria de prevenção<br />
do BC/FT.<br />
Aviso do Banco de Portugal<br />
n.º 2/2018, de 26 de setembro<br />
Define os aspetos necessários para<br />
assegurar (i) o cumprimento dos deveres<br />
preventivos do BC/FT, (ii) os<br />
meios e os mecanismos necessários<br />
para assegurar o cumprimento dos<br />
deveres sobre aplicação e execução de<br />
medidas restritivas e (iii) as medidas<br />
e os procedimentos que os prestadores<br />
de serviços de pagamento devem<br />
adotar para detetar e gerir as transferências<br />
de fundos com informações<br />
omissas ou incompletas.<br />
Aviso do Banco de Portugal<br />
n.º 8/2016, de 30 de setembro<br />
Regula os deveres de registo e de<br />
comunicação ao Banco de Portugal<br />
sobre operações correspondentes a<br />
serviços de pagamento que tenham<br />
como beneficiária pessoa singular<br />
ou coletiva sediada em qualquer ordenamento<br />
jurídico offshore, bem<br />
como as condições, mecanismos e<br />
procedimentos necessários ao seu<br />
cumprimento.<br />
Aviso do Banco de Portugal<br />
n.º 7/2009, de 16 de setembro<br />
Veda a concessão de crédito a entidades<br />
sediadas em jurisdição offshore<br />
considerada não cooperante ou<br />
cujo beneficiário último seja desconhecido.<br />
Aviso do Banco de Portugal<br />
n.º 5/2008, de 18 de dezembro<br />
Define os princípios e requisitos<br />
mínimos a que deve obedecer o sistema<br />
de controlo interno das instituições<br />
financeiras.<br />
B.6. - Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira<br />
Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98,<br />
de 17 de dezembro)<br />
-- Artigo 63.º-C<br />
Impõe a obrigatoriedade de utilização<br />
de contas bancárias exclusivamente<br />
afetas à atividade empresarial,<br />
bem como – no caso de faturas ou<br />
documentos equivalentes de valor<br />
igual ou superior a 1000 euros – a<br />
utilização de meios de pagamento<br />
que permitam a identificação do respetivo<br />
destinatário.<br />
Regime Geral das Infrações<br />
Tributárias (Lei n.º 15/2001,<br />
de 05 de junho)<br />
-- Artigo 129.º<br />
Estabelece as coimas aplicáveis às<br />
contraordenações emergentes da violação<br />
das obrigações previstas no artigo<br />
63.º-C da Lei Geral Tributária.<br />
De forma indireta ou acessória:<br />
B.7. - Unidade de Informação<br />
Financeira<br />
Decreto-Lei n.º 42/2009,<br />
de 12 de fevereiro<br />
Estabelece as competências das unidades<br />
da Polícia <strong>Judiciária</strong>.<br />
Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto<br />
Aprova a orgânica da Polícia <strong>Judiciária</strong>.<br />
Decreto-Lei n.º 42/2009,<br />
de 12 de fevereiro<br />
Disciplina as condições de acesso e<br />
análise, em tempo real, da informação<br />
pertinente para a investigação dos<br />
crimes tributários pela Polícia <strong>Judiciária</strong><br />
e pela administração tributária.<br />
B.8. - Ministério Público<br />
Despacho n.º 11076/2016,<br />
de 1 de setembro<br />
Subdelegação das competências<br />
delegadas pelo Despacho n.º<br />
4536/2013, de 18 de março, e autorizada<br />
pelo Despacho n.º 11631/2013,<br />
de 27 de agosto..<br />
Despacho n.º 11631/2013,<br />
de 27 de agosto<br />
Autorização de subdelegação das<br />
competências delegadas pelo Despacho<br />
n.º 4536/2013, de 18 de março,<br />
noutros magistrados do Departamento<br />
Central de Investigação e Ação Penal.<br />
Despacho n.º 4536/2013,<br />
de 18 de março<br />
Delegação de competências da Procuradora-Geral<br />
da República no Diretor<br />
do Departamento Central de<br />
Investigação e Ação Penal, nos termos<br />
do artigo 63.º da Lei n.º 25/2008, de<br />
5 de junho.<br />
JURISPRUDÊNCIA:<br />
Acórdão do Tribunal da Relação<br />
de Lisboa<br />
Relator: Cristina Almeida e Sousa<br />
Data: 30-10-2019<br />
Processo: 405/14.0TELSB.L1-3<br />
O branqueamento de capitais é um<br />
crime de mera atividade e de perigo,<br />
cujo cometimento se verifica com a<br />
simples execução de um dos comportamentos<br />
típicos, independentemente<br />
do seu resultado. Objeto da ação<br />
típica são as vantagens patrimoniais<br />
resultantes de crime anteriormente<br />
cometido pelo próprio branqueador<br />
ou por outrém, desde que integrado<br />
no «catálogo».<br />
Quanto às modalidades de ação, os
LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 53<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
verbos insertos no texto dos n. os 2 e 3<br />
do art. 368º A do CP incluem no seu<br />
âmbito de aplicação uma grande variedade<br />
de condutas, com diferentes<br />
graus de intensidade, espelhados, de<br />
resto, na moldura penal abstrata de<br />
dois a doze anos de prisão.<br />
Face à amplitude da configuração<br />
do crime de branqueamento de capitais<br />
no art. 368º A do Código Penal,<br />
deve entender-se que o processo<br />
trifásico – conversão; dissimulação e<br />
integração – de reciclagem dos bens<br />
ou vantagens patrimoniais resultantes<br />
de factos típicos e ilícitos das espécies<br />
previstas no seu n.º 1 pode ser mais ou<br />
menos elaborado, consoante a economia<br />
de esforço necessária à produção<br />
do resultado antijurídico, pelo que a<br />
mera introdução de dinheiro proveniente<br />
da prática de crimes base, ou da<br />
venda de bens obtidos através do cometimento<br />
desses tipos de ilícito, por<br />
exemplo, através de um mero depósito<br />
bancário, ainda que menos grave e perigosa<br />
do que outras mais sofisticadas<br />
e engenhosas, é já branqueamento de<br />
capitais, sob pena de restrição ilegal do<br />
âmbito objetivo do tipo e de desarticulação<br />
funcional com o bem jurídico<br />
tutelado com a incriminação.<br />
O crime de branqueamento de capitais,<br />
tanto na modalidade tipificada<br />
no n.º 2 como na modalidade prevista<br />
no n.º 3 do art. 368º A do CP,<br />
é um crime de intenção que exige o<br />
dolo específico, traduzido no propósito,<br />
ou melhor, dois propósitos (os<br />
quais podem ser cumulativos ou alternativos),<br />
que acrescem à consciência<br />
e vontade relativa aos elementos<br />
objetivos do crime – o agente tem de<br />
atuar com o fim de dissimular a origem<br />
ilícita das vantagens em causa,<br />
ou com o fim de evitar que o autor<br />
ou participante das infrações subjacentes<br />
seja criminalmente perseguido<br />
ou submetido a uma reação criminal.<br />
Acórdão do Tribunal da Relação<br />
de Lisboa<br />
Relator: Ricardo Cardoso<br />
Data: 06-06-2017<br />
Processo: 208/13.9TELSB.G.L1-5<br />
Sumário: 1ª Portugal pune, no seu<br />
ordenamento interno (art. 368º-A do<br />
Código Penal), o crime de branqueamento<br />
de capitais como um crime de<br />
ação autónomo “mesmo que as atividades<br />
que estão na origem dos bens a<br />
branquear se localizem no território<br />
de outro Estado-membro ou de um<br />
país terceiro,” porque o princípio da<br />
autonomia do crime de branqueamento<br />
de capitais é imposto pelo<br />
artigo 9º, n.º 5, da Convenção do<br />
Conselho da Europa relativo ao branqueamento<br />
de capitais, concluída em<br />
Varsóvia, em 16 de maio de 2005, e<br />
vigente na nossa ordem jurídica interna,<br />
desde 1 de agosto de 2010, no<br />
qual se afirma que deverá ser garantida<br />
a possibilidade de condenação<br />
por branqueamento, “independentemente<br />
de condenação anterior ou<br />
simultânea pela prática de infração<br />
subjacente.”<br />
2ª O que decorre também do<br />
disposto no art. 1º da Diretiva n.º<br />
91/308/CEE, de 10 de junho de<br />
1991, baseado no art. 3º, n.º 3, da<br />
Convenção de Viena das Nações<br />
Unidas, e no art. 6º, n.º 2, alínea<br />
c), da Convenção de Estrasburgo do<br />
Conselho da Europa, resultando expressamente<br />
ressalvado do mesmo artigo<br />
art. 1º da Diretiva n.º 91/308/<br />
CEE, de 10 de junho de 1991, que:<br />
“Existe branqueamento de capitais<br />
mesmo que as atividades que estão na<br />
origem dos bens a branquear se localizem<br />
no território de outro Estado-<br />
-membro ou de um país terceiro.”<br />
3ª O art. 368º-A do Código Penal<br />
concretiza a consagração no ordenamento<br />
jurídico interno do princípio<br />
da privação dos criminosos do produto<br />
das suas atividades, - afirmado<br />
como o primeiro de três objetivos<br />
principais da Convenção da Nações<br />
Unidas de 1988, - “suprimindo, deste<br />
modo, o seu móbil ou incentivo<br />
principal, evitando, do mesmo passo,<br />
que a utilização desses fortunas<br />
ilicitamente acumuladas permita as<br />
organizações transnacionais invadir,<br />
contaminar e corromper as estruturas<br />
do Estado, as atividades e financeiras<br />
legítimas e a sociedade a todos<br />
os seus níveis.”<br />
4ª O art. 368º-A do Código Penal<br />
resulta do compromisso internacional<br />
de admissão no ordenamento<br />
jurídico interno, do reconhecimento<br />
do próprio Estado Português do<br />
seu próprio interesse nacional, sujeito<br />
aos princípios da nacionalidade<br />
e de defesa dos interesses nacionais,<br />
em evitar a invasão, contaminação e<br />
corrupção das estruturas do Estado,<br />
as atividades e financeiras legítimas<br />
e a sociedade a todos os seus níveis,<br />
punitivas do crime de branqueamento<br />
de capitais, mesmo que as atividades<br />
que estão na origem dos bens a<br />
branquear se localizem no território<br />
de outro Estado-membro da Comunidade<br />
Europeia ou de um país terceiro,<br />
do que resulta que o crime de<br />
branqueamento de capitais é punido<br />
em Portugal quando os seus atos sejam<br />
perpetrados no território nacional,<br />
por força do art. 4º, alínea), do<br />
Código Penal.<br />
5ª Não se trata, por isso, de uma<br />
questão de competência internacional<br />
dos tribunais portugueses em<br />
matéria penal, mas tão só da competência<br />
dos tribunais portugueses<br />
para perseguir um crime perpetrado<br />
no território nacional, nos termos dos<br />
artigos 4º alínea a) e 368º-A, ambos<br />
do Código Penal.<br />
6ª A verificação do crime de branqueamento<br />
de capitais pressupõe,<br />
efetivamente, uma ilicitude prévia,<br />
mas não depende de uma condenação<br />
pelo crime anterior, nem sequer<br />
da sua perseguição criminal, no país<br />
de origem das produzidas vantagens,<br />
bens ou direitos, porque assim resulta<br />
o princípio da autonomia do crime<br />
de branqueamento de capitais previsto<br />
no art. 368º-A do Código Penal.<br />
7ª Por isso, o crime de branqueamento<br />
de capitais é um crime de ação<br />
e autónomo em relação ao crime subjacente,<br />
pelo que não se verifica a excepção<br />
da incompetência internacional<br />
dos tribunais portugueses para<br />
perseguir o crime de branqueamento<br />
de capitais, perpetrado em Portugal,<br />
com fundamento em que os crimes<br />
precedentes ocorreram fora do território<br />
nacional, no caso em Angola,<br />
como ao entender aplicável o art. 5º<br />
do Código Penal.
54 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
9ª A decisão recorrida encontra-se<br />
fulminada de nulidade insanável, por<br />
incompetência do tribunal nos termos<br />
do art. 119ª, alínea e), do CPP, porque<br />
o juiz de instrução exorbitou flagrantemente<br />
o limite das suas competências<br />
em fase de inquérito expressamente<br />
previstas nos art. os 268º e 269º do<br />
CPP, o que fez ao pronunciar-se sobre<br />
o mérito da causa, formulando um juízo<br />
de apreciação de uma alegada insuficiência<br />
indiciária no caso concreto e<br />
ao declarar a incompetência do MºPº<br />
para a direção do inquérito.<br />
10ª A conclusão acabada de enunciar,<br />
segundo a qual o juiz de instrução<br />
em fase de inquérito declarou<br />
o MºPº “incompetente para julgar<br />
os crimes cometidos em Angola”, é<br />
o corolário da demonstração da incompreensão<br />
pelo tribunal “a quo”,<br />
sobre o objeto dos autos que tinha<br />
perante si, os quais não versam sobre<br />
os crimes precedentes cometidos<br />
em Angola, mas, outrossim, sobre o<br />
crime de branqueamento de capitais<br />
perpetrado em Portugal.<br />
11ª No processo penal, não são<br />
aplicáveis as normas relativas à competência<br />
internacional dos tribunais<br />
portugueses do Código de Processo<br />
Civil, por não haver lugar à aplicação<br />
do art. 4º do CPP, dada a inexistência<br />
de caso omisso que permita o recurso<br />
à sua aplicação, por contrariado<br />
pela previsão expressa dos art. os 32º<br />
e 33º, ambos do Código de Processo<br />
Penal, - o último dos quais prevê<br />
expressamente no seu n.º 4 que, “Se<br />
para conhecer de um crime não forem<br />
competentes os tribunais portugueses,<br />
o processo é arquivado”, pelo<br />
que não pode ter lugar a “absolvição<br />
da instância”, a qual constituiria um<br />
verdadeiro encerramento do inquérito<br />
e despacho de arquivamento, inadmissivelmente<br />
proferidos por juiz de<br />
instrução em fase de inquérito.<br />
12ª A apreciação jurisdicional da<br />
decisão de encerramento da fase de<br />
inquérito apenas pode ser tomada<br />
pelo Ministério Público, enquanto o<br />
despacho de arquivamento determinado<br />
pelo juiz de instrução, apenas<br />
é processualmente possível na fase de<br />
instrução, se o juiz de instrução for<br />
para o efeito convocado por quem tenha<br />
para tal legitimidade, nos termos<br />
dos art. os 286º e seguintes do Código<br />
de Processo Penal.<br />
13ª Assim, a declarada verificação<br />
da excepção de incompetência absoluta<br />
dos tribunais portugueses, nos<br />
termos das normas do processo civil<br />
invocadas na decisão recorrida, e a<br />
declaração de absolvição da instância<br />
da denunciada, padece de violação,<br />
por erro de interpretação, dos<br />
art. 4º, 32º e 33º, n.º 4, do Código<br />
de Processo Penal, enfermando ainda<br />
da nulidade insanável por incompetência<br />
do juiz de instrução em fase<br />
de inquérito para conhecer do mérito<br />
da causa, assim como para apreciar e<br />
declarar a alegada insuficiência indiciária<br />
do preenchimento do tipo<br />
do crime de branqueamento, como<br />
finalmente para se pronunciar sobre<br />
a incompetência do MºPº para<br />
perseguir tal crime, nos termos do<br />
art.119º, alínea d), do CPP.<br />
14ª - Na fase de inquérito o juiz<br />
de instrução não tem poderes para<br />
impedir que o Ministério Público, o<br />
assistente ou outro sujeito processual,<br />
o convoquem a tomar posição sobre<br />
determinadas questões nos termos<br />
legalmente prescritos, não podendo<br />
deixar de apreciar todas as questões<br />
que, durante a fase de inquérito lhe<br />
venham a ser apresentadas, ainda<br />
que seja para se declarar incompetente<br />
para o efeito. (Sumariado pelo<br />
relator).<br />
Acórdão do Tribunal da Relação<br />
de Lisboa<br />
Relator: Cristina Santana<br />
Data: 14-02-2019<br />
Processo: 175/18.2TELSB.L1-9<br />
I. Face à especificidade de determinado<br />
tipo de crimes, designadamente<br />
o crime de branqueamento<br />
de capitais, perante a constatação da<br />
ineficácia das medidas preventivas e<br />
repressivas autorizadas pelo C.P.P.,<br />
foram criados novos instrumentos<br />
preventivos e repressivos.<br />
2. A decisão de suspensão de movimentação<br />
de saldo de conta bancária,<br />
ao abrigo dos artigos 49º, n. os 1 e 2,<br />
e 48º, n.º 3, al. a) e b), ambos da Lei<br />
n.º 83/17, de 18 de agosto, constitui<br />
um meio de recolha de prova.<br />
3. Para que seja tomada a supra referida<br />
medida basta que haja suspeita<br />
da prática de crime de branqueamento<br />
de capitais.<br />
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE<br />
Lei n.º 17/2018, de 29 de junho de<br />
2018 - Regime Jurídico do Sistema<br />
Nacional de Pagamentos:<br />
“Considerando o aumento das<br />
transações nos mercados financeiros,<br />
tanto nacionais como internacionais<br />
e a consequente sofisticação<br />
dos produtos financeiros, propiciada<br />
pelos avanços tecnológicos, exigindo<br />
o desenvolvimento e o aperfeiçoamento<br />
dos sistemas de pagamento,<br />
de modo a assegurar eficazmente a<br />
transferência eficiente e segura de<br />
fundo entre particulares, entidades<br />
comerciais e outras, bem como instituições<br />
financeiras;<br />
Considerando, igualmente, a necessidade<br />
de se rever o atual Regime<br />
Jurídico do Sistema Nacional de Pagamentos,<br />
de modo a dar cabalmente<br />
resposta às exigências dos tempos<br />
modernos impostas pelo acentuado<br />
desenvolvimento e complexidade das<br />
transações nos mercados financeiros;<br />
Tendo em atenção a importância<br />
de que se reveste o Sistema Nacional<br />
de Pagamento enquanto um dos<br />
suportes fundamentais da política<br />
monetária, estabilidade financeira e<br />
desenvolvimento económico global<br />
de um país;<br />
Considerando ainda o papel preponderante<br />
do Banco Central, em<br />
todo este processo, devendo estar<br />
capacitado para ser o principal interventor<br />
no desenvolvimento do Sistema<br />
Nacional de Pagamento, bem<br />
como na implementação de procedi-
LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 55<br />
VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong><br />
mento e práticas internacionalmente<br />
aceites para os sistemas de pagamento<br />
conferindo-lhes, assim, maior eficácia,<br />
segurança e eficiência, é definido<br />
e Regime jurídico do Sistema Nacional<br />
de Pagamentos.”<br />
Lei n.º 8/2013, de 15 de outubro<br />
de 2013<br />
“A globalização das economias, o<br />
aparecimento de novas formas de comunicação<br />
associadas às tecnologias<br />
de informação aplicadas nas transações<br />
financeiras nacionais ou internacionais,<br />
onde se exige o sigilo bancário,<br />
impulsionaram profundamente a<br />
prática de novas formas de atividades<br />
ilícitas com caráter organizado. Atividades<br />
criminosas cujo objetivo principal<br />
dos atores é precisamente ocultar<br />
ou dissimular a verdadeira origem e<br />
rastos deixados pelos objetos que foram<br />
utilizados na prática das respetivas<br />
infrações subjacentes ou dos bens ou<br />
produtos resultantes da prática dessas<br />
infrações, integrando-os em circuitos<br />
normais da economia. Por ser uma<br />
ameaça crescente e a nível global, uma<br />
vez que envolve a prática de atividades<br />
ilícitas em diversos países, o fenómeno<br />
de branqueamento de capitais, mereceu<br />
o enquadramento em diversos<br />
instrumentos internacionais, nomeadamente<br />
na Convenção das Nações<br />
Unidas contra Tráfico de Estupefacientes<br />
e de Substâncias Psicotrópicas<br />
e, mais tarde, na Convenção das Nações<br />
Unidas contra a Criminalidade<br />
Transnacional Organizada (Convenção<br />
de Palermo) e na Convenção das<br />
Nações Unidas contra a Corrupção<br />
(UNCAC).<br />
Embora o branqueamento de capitais<br />
estivesse inicialmente associado ao<br />
tráfico de drogas, devido às elevadas<br />
quantias envolvidas na referida atividade,<br />
o certo é que nos dias que correm<br />
tal fenómeno se estendeu a outros<br />
tipos de crimes, cujas práticas põem<br />
em causa bens jurídicos legalmente<br />
tutelados. Por outro lado, tem sido<br />
frequente o apoio e a mobilização de<br />
fundos ao nível global, relativamente<br />
a prática de atividades que envolvem<br />
o terrorismo, ameaçando o Estado de<br />
Direito em diversas sociedades com<br />
implicações na paz, segurança e outros<br />
valores defendidos universalmente.<br />
A Organização das Nações Unidas -<br />
ONU, através do Programa Mundial<br />
de Luta contra o Branqueamento de<br />
Capitais e o Financiamento do Terrorismo,<br />
tem preconizado a criação de<br />
estruturas para o estudo, informação,<br />
aconselhamento e assistência técnica<br />
sobre o problema, o alargamento e o<br />
reforço da aplicação de medidas para<br />
prevenir estes fenómenos, aproveitando<br />
designadamente as experiências do<br />
Grupo de Ação Financeira Internacional<br />
(GAFI) e os padrões adotados por<br />
esta instituição. Ao nível interno, a resposta<br />
legislativa deve passar necessariamente<br />
pela transposição dos referidos<br />
instrumentos no quadro jurídico são-<br />
-tomense, adotando medidas tanto de<br />
natureza preventiva como repressiva,<br />
com realce para a criminalização do<br />
branqueamento de capitais e do financiamento<br />
do terrorismo, bem como a<br />
criminalização com maior amplitude<br />
e a designação das condutas ilícitas<br />
relacionadas com o referido fenómeno.<br />
Do ponto de vista de conteúdo,<br />
o presente Diploma pauta-se não só<br />
pelo enquadramento das infrações<br />
relacionadas com o branqueamento<br />
de capitais e com o financiamento do<br />
terrorismo, revogando as disposições<br />
constantes no Código Penal sobre as<br />
matérias que apresentam insuficiências,<br />
como igualmente reforça as medidas<br />
de natureza preventiva, estendendo<br />
as articulações entre as autoridades<br />
competentes no que se refere à<br />
disseminação de informação e à instrução<br />
de processos.<br />
Por seu lado, o âmbito da responsabilidade<br />
penal alarga-se às pessoas<br />
coletivas de acordo, com o princípio<br />
consagrado no artigo 11.º do atual<br />
Código Penal. Relativamente à natureza,<br />
para além das infrações penais<br />
contemplaram-se igualmente<br />
as infrações administrativas, assim<br />
como o regime da apreensão, perda<br />
e congelamento dos bens ou produtos<br />
conexos com o branqueamento<br />
de capitais e com o financiamento<br />
ao terrorismo. Com a presente revisão<br />
da Lei de Prevenção e Combate<br />
ao Branqueamento de Capitais e Financiamento<br />
do Terrorismo as autoridades<br />
são-tomenses visam agregar<br />
os padrões internacionais nesta<br />
área, recentemente atualizados. Neste<br />
propósito, garantiu-se harmonização<br />
com as disposições internacionais,<br />
nomeadamente, as Resoluções das<br />
Nações Unidas e os mecanismos de<br />
cooperação mútua internacional.”<br />
NAP n.º 07/2018 (norma<br />
de aplicação permanente) -<br />
Avaliação e Gestão de Risco de<br />
Branqueamento de Capitais e<br />
Financiamento do Terrorismo e<br />
NAP n.º 08/2018 - Indicadores<br />
de Risco e Suspeita do<br />
Branqueamento de Capitais e<br />
Financiamento do Terrorismo no<br />
Setor Financeiro:<br />
“A Lei n.º 08/2013, de 15 de outubro,<br />
“Lei de Prevenção e Combate ao<br />
Branqueamento de Capitais e Financiamento<br />
do Terrorismo” estabelece<br />
medidas, de natureza preventiva e repressiva,<br />
de combate ao branqueamento<br />
de vantagens de proveniência ilícita e<br />
ao financiamento do terrorismo, transpondo<br />
para a ordem jurídica interna as<br />
Recomendações do Grupo de Ação Financeira<br />
Internacional (GAFI) relativas<br />
à prevenção da utilização do sistema<br />
financeiro para efeitos de branqueamento<br />
de capitais e de financiamento<br />
do terrorismo (BC/FT);<br />
Considerando que, no quadro do<br />
dever de diligência relativa à clientela,<br />
as instituições financeiras estão obrigadas<br />
a realizar diligências de identificação,<br />
avaliação, gestão e mitigação<br />
dos riscos de BC/FT;<br />
Considerando ainda a necessidade<br />
de as instituições financeiras procederem<br />
à avaliação de risco de BC/<br />
FT a que estão expostas, com vista a<br />
definir e aplicar as medidas de mitigação<br />
reforçada ou simplificada) em<br />
função do risco identificado;<br />
Nestes termos, o Banco Central de<br />
S. Tomé e Príncipe, no uso da competência<br />
que lhe é conferida pelas alíneas<br />
d) e f) do n.º 2 do artigo 8.° da sua<br />
Lei Orgânica, Lei n.º 8/92, conjugada<br />
com a alínea g) do n.º 2 do artigo<br />
25.° da referida Lei 08/2013, veio determinar<br />
as referidas Normas de Aplicação<br />
Permanente 7/2018 e 8/2018”.
56 | PUBLICAÇÕES VIDA ECONÓMICA<br />
janeiro/fevereiro | <strong>2020</strong> | VIDA JUDICIÁRIA<br />
Código do Trabalho<br />
e Legislação Complementar<br />
<strong>Vida</strong> Económica<br />
Código do Trabalho (Aprovado pela lei n.º 7/2009,<br />
de 12 de fevereiro e recentemente alterado pelas leis<br />
n.º 90/2019 e n.º 93/2019, de 4 de setembro)<br />
Regulamento Geral<br />
de Proteção de Dados<br />
- Manual Prático 3ª Edição<br />
Revista e Ampliada<br />
Filipa Matias Magalhães, Maria Leitão Pereira<br />
O Regulamento Geral de Proteção de Dados<br />
introduziu no regime jurídico da proteção dos dados<br />
pessoais novos conceitos, novos direitos e novas<br />
obrigações. Em Agosto de 2019 foi aprovada a Lei<br />
nacional de execução do RGPD completando assim o<br />
regime de tratamento de dados em Portugal<br />
Manual de Direito<br />
Administrativo<br />
António Francisco de Sousa<br />
Com recurso a uma linguagem clara, objetiva<br />
e precisa, este manual constitui uma reflexão e<br />
abordagem crítica próprias, de cunho pessoal, e nesta<br />
medida um contributo à ciência jurídica.<br />
Trata-se de uma versão revista e aprofundada do<br />
Direito Administrativo, publicado em 2009 pela<br />
Editora Prefácio.<br />
Lei Geral do Trabalho<br />
em Funções Públicas<br />
- Anotada e Comentada<br />
2ª Edição<br />
Rui Correia de Sousa<br />
Uma obra prática.<br />
Com mais de 2 dezenas de Minutas e Formulários<br />
que reforçam a utilidade e mais valia da obra.<br />
Um instrumento de trabalho essencial para todos<br />
aqueles que necessitam de conhecer a nova Lei Geral<br />
do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), em vigor<br />
desde 1 de Agosto de 2014.<br />
Benefícios Fiscais<br />
em sede de IRC<br />
Eduardo Sá Silva, Adalmiro Pereira e Susana<br />
Andrade<br />
Com uma linguagem clara e acessível este livro tem<br />
como objectivo sintetizar os principais apoios ao<br />
Investimento, em sede de IRC .<br />
Trata-se de uma obra prática com a inclusão de<br />
diversos casos resolvidos numa matéria que nem<br />
sempre é de fácil interpretação e aplicação.<br />
Contém as alterações introduzidas pelo Orçamento<br />
do Estado para 2019<br />
Código de Insolvência<br />
e da Recuperação<br />
de Empresas - Breves notas<br />
e Jurisprudência<br />
Maria José Esteves, Sandra Alves Amorim<br />
Esta obra surge na sequência das alterações efetuadas<br />
no âmbito do “Programa Capitalizar” do Governo,<br />
cujo objetivo principal foi o relançamento da<br />
economia portuguesa e que estabeleceu como<br />
prioritária a alteração do Código das Sociedades<br />
Comerciais (CSC) e do Código da Insolvência e da<br />
Recuperação de Empresas (CIRE).
Agenda<br />
Jurídica<br />
<strong>2020</strong><br />
COMPRE A SUA COM DESCONTO!<br />
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DO DESCONTO DE<br />
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