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MOSTRA MORTOS E A CAMERA

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povos indígenas, seja por meio de uma filmografia que ia se formando e que podemos

dizer que hoje, cerca de 20 anos depois, encontra-se plenamente consolidada, qual seja,

aquela produzida por “realizadores indígenas”, categoria não menos problemática que

“cinema indígena”, mas que, na falta de outras melhores, seguimos utilizando. Destaca-se

entre essa produção aquela dos realizadores indígenas do povo Maxakali, localizado no

nordeste de Minas Gerais (Brasil).

Tatakox (2007), de Isael Maxakali, que infelizmente não exibiremos nesta mostra, e

Tatakox Vila Nova (2009), assinado coletivamente pela Comunidade Maxakali Aldeia Nova

do Pradinho, que, felizmente, exibiremos, são exemplares e portadores de uma marca

ou particularidade essencial no que diz respeito à estética indígena cinematográfica: a

proximidade ou mesmo simultaneidade entre o fazer fílmico e o fazer ritual. Podemos

falar aqui então de filme-ritual, evocando os longos planos-sequência neles apresentados

e a presença paradigmática da “ação encorporada” dos personagens enquadrados

pela cena ou “campo cinematográfico”, do “antecampo” (pessoa ou equipe que dirige e

filma a cena) e do “fora-de-campo” (tudo aquilo que está fora de cena, fora de quadro,

inclusive o sobrenatural e os fazendeiros do entorno), para utilizarmos os termos analíticos

propostos por André Brasil e Bernardo Belisário (2016) para o “cinema indígena”.

Tikmũ’ũn, mais conhecidos como Maxakali, são um povo falante da língua indígena

maxakali, da família linguística Macro-Jê. Habitantes de um outrora vasto território de

Mata Atlântica, estão hoje reduzidos a pequenas porções de terras demarcadas, porém

cercadas de fazendas particulares no nordeste do estado de Minas Gerais, no Brasil,

totalizando cerca de 1.500 pessoas distribuídas em quatro diferentes aldeias. A história

do povo maxakali é uma história de resistência contra a invasão de seu território e a expropriação

e a destruição de sua fauna e flora, essenciais para o bem viver nas comunidades.

Ambos os filmes foram realizados em aldeias maxakali. O primeiro, com equipamento

amador e em condições improvisadas, após Isael Maxacali ter participado de uma oficina

de realização cinematográfica oferecida pelo já então famoso cineasta indígena xavante

Divino Tserewahú, no forumdoc, em Belo Horizonte. Tatakox é o primeiro filme de Isael

e aborda o ritual de mesmo nome, um ritual de iniciação de meninos nas práticas de

conhecimento do xamanismo, ritual de intensa plasticidade e vigor performático. Tatakox

é também o nome do “espírito da lagarta”, responsável pela iniciação de meninos durante

o período em que ficam reclusos no Kuxex, ou casa dos cantos, quando recebem lições

valorosas do mundo masculino.

O filme de Isael foi o primeiro realizado por um indígena maxakali e gerou reações

interessantes por parte de outros Maxakali que não vivem na mesma aldeia. Quando os

Maxakali da comunidade vizinha do Pradinho assistiram ao filme de Isael, não ficaram

satisfeitos. Acharam que o filme, além de não estar completo, não retratava bem a forma

como, na perspectiva deles, o ritual do Tatakox deve ser realizado e apresentado. Após

uma oficina de realização ministrada pelo célebre projeto Vídeo nas Aldeias na aldeia

de Pradinho, em 2008, um grupo liderado por Guigui Maxakali resolveu responder

ao Tatakox de Isael com outro filme-ritual, igualmente impactante, mas que difere do

primeiro num aspecto fundamental – o filme feito na aldeia de Pradinho mostra, sem

cortes, as crianças mortas/espíritos tatakox sendo retiradas de um buraco debaixo

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