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PARÓQUIA SÃO FRANCISCO DE PAULA
Rio de Janeiro - Brasil
Revista
N ossos Passos
O R D O M I N I M O R V M
Centro Cultural
São Miguel Arcanjo
MARÇO/2020
Direção:
Frei Evelio de Jesús Muñoz
Editorial:
Leonardo de Rezende
Departamento de Comunicação e Marketing:
Armênio Soares
Maria Vitória Oliveira
revistanossospassos@gmail.com
Revisão textual
Carlos Granja
Leonardo de Rezende
Diagramação e Artes:
Natan Falbo
Tiragem e Prioridade:
1.000 Exemplares / Mensal
Expediente da Secretaria:
De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h
Telefones: Secretaria - 2493-8973 e 2486-0917
Ambulatório - 96616-1787
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A Revista Nossos Passos é uma publicação da Paróquia São
Francisco de Paula e respeita a liberdade de expressão. As matérias,
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EXPEDIENTE PAROQUIAL
Pároco:
Frei Evelio de Jesús Muñoz
Padres:
Frei Zezinho - Vigário (Pe. José Antônio de Lima)
Frei Dino (Pe. Costantino Mandarino)
Igreja Santa Teresinha
Praça Desembargador Araújo Jorge, s/n
Largo da Barra
Capela São Pedro - Ilha da Gigóia
R. Dr. Sebastião de Aquino, nº 90 A
HORÁRIOS DAS MÍSSAS
Paróquia São Francisco de Paula:
De Segunda a sexta-feira: 7h30m e 19h.
Sábado: 17h (crianças) e 19h.
Domingo: 7h30; 10h; 17h e 19h (jovens).
Barramares:
Quarto domingo do mês, às 17h.
Capela São Pedro (Ilha da Gigóia)
Domingo, às 9h.
Santa Teresinha:
Domingo às 19h30h
GRUPOS DE ORAÇÃO
Paróquia São Francisco de Paula
Quarta-feira, às 15h: quinta-feira, às 20h.
TERÇO DOS HOMENS
Santa Teresinha
Toda terça-feira do mês, às 20h
ADORAÇÃO AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
Paróquia São Francisco de Paula:
Quinta-feira, o dia todo.
Santa Teresinha
Primeira quinta-feira do mês, às 20h.
NA PARÓQUIA
Confissões:
De terça-feira a sexta-feira, das 9h às 11h e das 15h às 17h:
Domingo, antes das missas.
Hora Santa Vocacional
Primeira sexta-feira do mês, às 17h30m.
Inscrições para batizados:
Segunda-feira, das 18h30m às 19h30m:
Quinta-feira, das 15 às 17h
Ambulatório Médico
De segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13 às 17h
Assistência Jurídica
Quarta-feira, às 15h
Assistência Psicológica
Quarta-feira, das 9 às 11h
Mediação Comunitária
Terças e sextas-feiras das 9h às 12h e das 14h às 20h.
Editorial
Nos tempos de conturbação, o homem volve os olhos
para o céu em busca de resposta. Não é a questão do seu lugar
na ordem do cosmos, mas o apelo angustiado por socorro.
Essencialmente, a Quaresma é o deserto – e eis que nesse
tempo ele veio impor-se a nós. Ruas e praças do mundo sem
vozes; nações paradas sob o medo de um mal não visto. Toda
a terra presa em casa, confinada sem previsão de termo. Com
maior ou menor atenção, sentimos os estranhos rumos a que
temos caminhado, e é no deserto que convém sobre eles meditar,
pois os momentos de conforto não acendem o desejo de viver.
À sombra das maiorias e governos silenciosos, no eco
da vagueza insuportável dos discursos, reiteradas concessões
da nossa parte têm cedido aos caprichos compulsivos de alguns
bandos que, com crescente estridência, exigem de nós uma série
de renúncias, sob o lema de suposta liberdade. Quanto mais se
põem suspensas as balizas da consciência, quanto mais se nega
a essência das coisas, mais intensificam-se as farras e os festins.
Vãs querelas vêm trincando as nossas mesas, onde vêm
se insinuar com discussões obrigatórias, às quais todos são
chamados a prestar contas de convicções, dos seus valores, daquilo
a que mais amam. E, em respeito às lembranças mais
amadas, tende-se a esconder a autêntica medida de valor em
detrimento de um convívio tolerante, que julgamos salutar.
Que estrada é essa, esse tão decorado declive, que nos
vai distraindo com brilhos e galhofa, enquanto a bulha barulhenta
transforma absurdos em refrães irrefletidos? Onde
estão a nascente e a foz desse fluxo elaborado de preocupações,
que surge do nada para assumir o centro da vida nesses
tempos? De que modo alguns assuntos vêm ter paradeiro
em nossos dias, adentrando nossos lares sem convite?
De cima dos cadafalsos, alguma coisa sopra a dúvida no
tímpano dos homens.
A pretexto de noticiar os fatos, sofistas e tagarelas
empenham-se em moldar a convicção das multidões até onde
chegam suas palavras: formulações sem autor e sem sentido,
que avançam sob o plácido sono do juízo. É o ocaso
do discernimento, o desarme de toda reação ante a ameaça.
Ao mesmo tempo, não há como contestar haver entre nós
algo que destoa de tudo o que nos trouxe até aqui e nos ergueu.
Algo que sitia, infiltra-se e divide os fiéis no mundo inteiro; algo
que vagueia e escurece com ocas expressões os desígnios sagrados.
Vimos o abandono, a apostasia, da Fé cristiana.
Vimos a evasão de muitos batizados; o desolador descaso
pela Eucaristia – trocada por exibições de eficácia emotiva.
Há quem diga que ali se é mais feliz. Como se pudesse a oratória
superar o Mistério.
De dentro da Fé, o homem católico percebe que há gentes
na Igreja que não são Igreja. Do lado de fora, vai tendo
o peito acabrunhado pelos ditos sarcásticos de um mundo
insolente, mascarado de equilíbrio e isenção, enquanto
temos caminhado na senda maldita da repulsa pelo Nome
divino. Um espectro assumiu as nossas instituições: é ele que
tem aberto as alas para o retorno de um mundo neopagão.
Procurai, irmãos, saber o que passou: os inimigos que
acossaram os fiéis ao longo da sua história, sem escolha a não
ser dar-lhes batalha. Aqueles que os infiltraram e até lideraram,
desviando a sua missão. Procurai saber também o que se
passa agora; pois um fiel desinformado é uma carcaça à deriva.
Quem nos terá dito das capelas e catedrais que vêm sendo
transformadas em lugares noturnos? Algum de nós imaginou que
os seus altares e vitrais agora servem de ornamento a bebedeiras,
a danças e ao pecado? Houve igrejas transformadas em bordéis
– e acaso isto virou notícia? Alguém empreendeu-lhes obstáculo?
Os alarmes vêm soando, no meio dos tumultos: o dia já declinou.
E as algazarras dessa noite escondem grandes perigos. Nos
momentos de lúcido receio – no interior profundo desse círculo de
ferro onde Deus não é bem-vindo –, as massas vão-se entregando,
entusiasmadas, ao culto de forças proibidas. É a busca esperançada
de um propósito, o paladar fingido de um veneno adocicado.
Mas quem é como Deus?
Quem se atreverá a comparar-se com Aquele que
lançou as leis da terra e também do firmamento – Aquele
a cuja voz dão escuta as tempestades? Qual criatura quererá
medir-se com o Homem – autêntico e definitivo – do qual
somos imagem e semelhança? Falo Daquele que dá ordens à
manhã e diz à aurora onde clarear; que quebra o braço do
rebelde e purifica as águas para dar-nos de beber; Aquele
a quem os raios obedecem, quando os cântaros do céu
se entornam e vêm regar a terra, de onde vem o nosso pão.
Há muitas gerações, Sua voz trovejou aos mensageiros:
mandou-lhes escrever as Suas normas. Isso é o Seu Testamento;
e a quem se destina um registro senão àqueles que estão por vir?
Todo registro se dirige ao futuro: foi a nós que os profetas legaram
as palavras de Deus, que lhas foram confiadas. É Ele a medida
verdadeira das coisas – a Sua lei nos está comunicada sem ruído.
Celebrada a Nova Aliança, as palavras do Deus Filho
têm-nos sido transmitidas na Doutrina. Eis aqui a razão da
sua importância: leal à missão da Boa Notícia, ao longo dos
séculos, toda a assembleia dos batizados está em legítima sucessão
apostólica. É por isso que o Magistério é o sentinela da
Palavra e dos Sacramentos, instituídos com a voz humana do
Salvador. O rigor dos ensinamentos é o memorial da mensagem
cristiana – a guarda da confiança do Seu povo em Sua promessa.
E as lições que nunca hão de passar, reveladas progressivamente
na história, foram por Ele entregues à Sua Igreja – da
qual nós somos parte. Desde o envio dos apóstolos em expedição
missionária, o Santo Espírito de Deus vem para insuflar
os corações, as mentes e os músculos a trabalhar em prol da luz.
A Fé católica – que quer dizer “universal’ – é mãe, por
fato e por direito, de uma civilização. Demovendo superstições
sangrentas que engoliram tantos povos, protegeu pequenos e socorreu
miseráveis; corrigiu tiranos; forjou heróis, sábios e santos
– fundou nações completas. E agora vêm alguns incendiar
seus berços – bradando não se sabe que liberdade. Questionam
se ainda pode haver lugar em suas vidas para a mãe das suas
pátrias. Vão desmurando o refúgio o que os defende, decretando
que nada é absoluto; jurando que a verdade é questão de opinião,
e que não pode haver certeza nesta vida a não ser a nossa morte.
Mas temperança não é condescendência.
Não importa o quanto voe a mente humana; ela só
descobrirá o que já foi criado: o ciclo das estrelas e das águas,
as leis do germinar dos campos, o milagre da concepção, o milagre
singular do amor. O pensar do homem é mero reflexo
de pensar divino. A nossa mente pensa apenas sobre o
que já foi pensado – antes de tudo, pelo Autor de todos.
A Quaresma assina o tempo em que o Altíssimo, isolado
e investido em carne humana, experimenta, exprime e expulsa o
estorvo das tentações. Portanto, a substância do deserto é a provação.
É a desventura que experimenta os corações fiéis, que os
desafia a proclamar desde o cimo dos penedos a verdade: dizê-la
à luz do dia, sem melindre nem temor. Pois aquele que empunha
contra o falso a vera sapiência não age por si mesmo: mas é ela –
na sua própria autoridade – que rasga os labirintos mentirosos.
E os seus olhos se alteiam; é-lhe autorizado erguer a fronte a
qualquer um, porque é do Alto que promana tudo o que é veraz.
SUMÁRIO
Perseguições contra a Igreja de Cristo
Santo Agostinho de Hipona
p. 06
O projeto de poder global e a reengenharia
social
Monsenhor Juan Claudio Sanahuja
p. 09
O que é a Tradição?
Roberto de Mattei
p.11
Para entender as partes da Missa
Scott Hahn
p. 13
A Bíblia e seu significado
Giovanni Reale & Dario Antiseri
p.16
Vida interior e vida aparente
Louis Lavelle
p.20
A oração como escola da esperança
Bento XVI
p.22
Mensagem de São João Paulo II para a Quaresma
de 2005
São João Paulo II
p.24
Nós somos a Igreja – o Povo da Nova Aliança.
Que diante do deserto, não sejamos desertores da mensagem
do Evangelho. Que tomemos por atitude inicial conhecer
as entranhas do nosso espírito, o átrio da nossa Igreja
e que se passa mundo. Que desse estorvo façamos ir mais alto
o incenso da oblação e os sinos do anúncio: porque o Filho do
Homem vive e é o Rei. Somente a Sua palavra não passará.
Louvado seja Deus em toda circunstância. Toda honra e
toda glória Àquele que é, que era e que vem.
Rio de Janeiro, Quaresma de 2020
O Editor
6 Nossos Passos - 2020
PERSEGUIÇÕES
CONTRA A IGREJA
DE CRISTO
Santo Agostinho 1
Bispo de Hipona
Também o apóstolo Paulo tinha estado entre os perseguidores
dos santos, e tinha maltratado muito os cristãos. Mas,
depois, transformado em homem de fé e apóstolo, foi enviado
para pregar o Evangelho aos gentios e suportou, em favor do
nome de Cristo, sofrimentos maiores do que os que tinha causado
contra o nome de Cristo. Fundando Igrejas entre todos os gentios
onde semeava o Evangelho, mandava, insistentemente, que
eles fizessem ofertas para os pobres dos santos, que estavam nas
Igrejas da Judeia que tinham acreditado no Cristo; visto que,
tendo vindo do culto dos ídolos e ainda inexperientes no culto de
um só Deus, dificilmente conseguiriam vender e distribuir suas
próprias coisas e servir a Deus. Com o ensinamento apostólico
estabeleceu uns como soldados, outros como tributários provinciais,
colocando no meio deles o Cristo, como pedra angular,
como já tinha sido prenunciado pelo profeta, Cristo no qual
ambos seriam unidos pela caridade fraterna, como paredes
vindas de lados diferentes, isto é, dos judeus e dos
gentios. Mais tarde, porém, surgiram perseguições ainda mais
graves e frequentes da parte dos gentios infiéis contra a Igreja
de Cristo e se cumpria, todos os dias, a palavra do Senhor que
predissera: “Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos”.
A Igreja mais se desenvolve quanto mais
abundante é regada pelo sangue dos mártires
Mas aquela videira que espalhava ramos cheios de frutos,
por toda a terra, como tinha sido profetizado e preanunciado
pelo próprio Senhor, se desenvolvia mais abundantemente quanto
mais era regada pelo sangue dos mártires. Diante da morte de
inúmeros deles pela verdadeira fé, em todas as partes, os próprios
reis que os perseguiam, dobrando a cabeça orgulhosa, cederam e
se voltaram para conhecer e venerar a Cristo. Era, porém, necessário
que esta mesma videira fosse podada, como tinha sido predito
diversas vezes pelo Senhor, e dela fossem cortados os ramos
Nossos Passos
que não davam frutos, através dos quais apareceram heresias e
cismas, e, diversos lugares, e, sob o nome de Cristo, buscavam a
própria glória e não a dele. Era necessário que, por causa das
adversidades vindas deles, a Igreja fosse mais e mais experimentada
e colocada à prova e brilhasse pela sua doutrina e paciência.
A História da Salvação, de Adão até Cristo
Na verdade, irmão, a grande e verdadeira felicidade é
aquela, no mundo futuro, prometida aos santos. De fato, todas
as coisas visíveis passam e toda a pompa, os prazeres e
a curiosidade deste mundo perecerão e arrastam consigo par a
morte aqueles que a amam. Deus misericordioso quer libertar os
homens desta morte, isto é, das penas eternas, contanto que eles
não seja, inimigos de si mesmos e não resistam à misericórdia
do seu Criador. Enviou, então, o seu único Filho, o seu Verbo,
igual a ele, mediante o qual criou todas as coisas. Permanecendo
na sua divindade, não se afastando do Pai, nem se mudando
em outra coisa, porém assumindo a humanidade, veio ao encontro
dos homens, aparecendo-lhes numa carne mortal, a fim
de que, assim como a morte entrou no gênero humano através
de um homem, o primeiro que foi feito, Adão, visto ter consentido
com sua mulher, seduzida pelo diabo, para transgredirem
o preceito de Deus, assim também, através de um homem, que
é Deus, o Filho de Deus, Jesus Cristo, apagados todos os pecados
passados, todos os que creem nele entrem na vida eterna.
Muitas profecias já se cumpriram
Tudo o que agora vês acontecer na Igreja de Deus e sob o
nome de Cristo, em toda a terra, já tinha sido predito nos séculos
anteriores. Por vermos acontecer como tínhamos lido, nós somos
edificados na fé. Um dia aconteceu o dilúvio em toda a terra,
para que desaparecessem os pecadores; contudo, aqueles que se
salvaram na arca mostravam o mistério da futura Igreja, que
navega agora no meio das ondas do mundo e é libertada do naufrágio
pelo madeiro da cruz de Cristo. Foi predito a Abraão,
servo de Deus, um único homem, que dele nasceria todo um povo
que adoraria o único Deus, entre os outros povos que adoravam
os ídolos; e todas as coisas que tinham sido preditas àquele povo
que aconteceriam no futuro, aconteceram como tinham sido preditas.
Foi profetizado também, naquele povo, que o Cristo, rei
de todos os santos e Deus, viria da família do próprio Abraão,
segundo a carne, que ele assumiu, para que também se tornassem
filhos de Abraão todos os que imitassem sua fé; e assim
aconteceu. Cristo nasceu de Maria Virgem, que era daquela
família. Foi predito pelos Profetas que ele sofreria na cruz por
mãos daquele mesmo povo dos judeus, de cuja raça era segundo
a carne; e assim aconteceu. Foi predito que ressuscitaria; ressuscitou
e subiu para o céu, conforme o que tinha sido predito
pelos Profetas, e enviou aos seus discípulos o Espírito Santo. Foi
predito, não somente pelos Profetas, mas também pelo próprio
Senhor Jesus Cristo, que a Igreja, espalhada pelos martírios e
sofrimentos dos santos, estaria presente no mundo inteiro. Isso
tinha sido predito, então, quando o nome de Cristo ainda era
desconhecido aos gentios; e onde era conhecido, era objeto de caçoada.
Contudo, quando estas profecias agora são anunciadas
e cridas, pela força dos milagres feitos por ele, por si mesmo ou
através dos seus servos, vemos que o que foi predito se realizou
e que os próprios reis da terra que antes perseguiam os cristãos,
agora ase submetem ao nome de Cristo. Foi predito também que
cismas e heresias surgiriam dentro da sua Igreja e, sob o nome de
Cristo, pelos lugares onde o conseguiriam, buscariam a sua própria
glória e não a de Cristo. Também essas coisas se cumpriram.
As profecias que faltam se cumprir
Porventura não se cumprirão as profecias que faltam?
É claro que, como as coisas preditas já aconteceram, assim
também as outras irão acontecer, sejam quais forem as tribulações
dos justos que ainda faltam; virá também o dia do juízo
que vai separar, na ressurreição dos mortos, todos os ímpios
dos justos; e vai separar, para o fogo merecido, não somente
aqueles de fora da Igreja, mas também as palhas da própria
Igreja, que ela precisa suportar, com toda a paciência, até a
última joeira. Aqueles, porém, que riem da ressurreição, achando
que, porque apodrece, esta carne não pode ressuscitar, vão
ressuscitar nela para os castigos; Deus então vai lhes mostrar
que Ele, que foi capaz de criar estes corpos antes de existirem,
pode, num instante, recompô-los como eram. Porém, todos os
fiéis que irão reinar com o Cristo ressuscitarão no mesmo corpo,
para também merecerem ser transformados na incorruptibilidade
angélica, para se tornarem iguais aos anjos de Deus,
como o próprio Senhor prometeu, a fim de louvá-lo sem cessar
e sem se cansarem, vivendo sempre Nele e Dele, com tal alegria
e felicidade, que o homem não pode expressar nem imaginar.
Cuidados a tomar com as tentações que
vêm dos maus também na Igreja: união com
os bons, toda esperança em Deus
7
8 Nossos Passos - 2020
Portanto, tu que crês nisso tudo, toma cuidado com as
tentações (pois o diabo procura quem se perca com ele), para
que o inimigo não te seduza, não somente por meio daqueles que
estão fora da Igreja, pagãos, judeus ou hereges, mas também para
que não penses em seguir o exemplo daqueles que vês vivendo mal
mesmo dentro da própria Igreja Católica, entregues aos prazeres
excessivos do ventre e da boca, impudicos, dados às curiosidades
vãs ou ilícitas. seja de espetáculos ou de remédios e adivinhações
diabólicas, seja no luxo, na vaidade da avareza e da soberba, ou
em qualquer outro tipo de vida que a lei condena e pune. Antes,
cuida de te unires aos bons, que facilmente encontrarás se tu fores
um deles, para juntos adorarem e amarem gratuitamente a Deus;
porque ele próprio será toda a nossa recompensa, de modo a gozarmos,
na nossa vida eterna, da sua bondade e da sua beleza.
Mas ele deve ser amado não como algo que os olhos veem, mas
como é amada a sabedoria, a verdade, a santidade, a justiça, a
caridade e qualquer outra coisa destas; e não como se encontram
nos homens, mas como são na própria fonte da incorruptível
e imutável sabedoria. Portanto, une-te a todos os que percebes
amarem estas coisas, para seres reconciliado com Deus através
de Cristo, que se tornou homem, para ser mediador entre Deus e
os homens. Não penses, porém, que os homens perversos entrarão
no reino dos céus porque entram nos muros da Igreja; pois, se
não mudarem a si mesmos para melhor, no momento certo, serão
colocados à parte. Segue, portanto, o exemplo dos homens bons,
tolera os maus, ama a todos, pois não sanes o que será no futuro
aquele que hoje é mau. Não ames a injustiça deles, mas ama-os
para que conquistem a justiça; pois não é só o amor de Deus
que nos é ordenado, mas também o amor do próximo, em cujos
dois preceitos se apoia toda a Lei e os Profetas. Somente quem
receber o dom do Espírito Santo, igual ao Pai e ao Filho, cumpre
a Lei; porque a própria Trindade é Deus, e é nesse Deus que
deve ser colocada toda a esperança. Ela não deve ser colocada no
homem, seja ele quem for. Pois são distintos: aquele por quem somos
justificados e aqueles com quem somos justificados. O diabo
tenta não somente através das paixões, mas também através do
medo dos insultos, das dores e da própria morte. Tudo, porém,
o que a pessoa tiver sofrido, seja o que for, pelo nome de Cristo
e pela esperança da vida eterna. E o tolerar com perseverança,
tornará maior a sua recompensa; pois, se ceder ao diabo será
condenado com ele. As obras de misericórdia, porém, juntamente
com a piedosa humildade, conseguem do Senhor, que não permite
os seus servos sejam tentados mais do que podem suportar.
_____________________________________________________________________________________
NOTAS:
SANTO AGOSTINHO DE HIPONA. Primeira Catequese aos Não-Cristãos. In: Santo Agostinho. Tradução, introdução
e notas de Dom Paulo Antônio Macarenhas Roxo, Opraem. São Paulo: Paulus, 2013. pp. 131-133.
Nossos Passos
9
O PROJETO DE PODER
GLOBAL E A
REENGENHARIA
SOCIAL
Monsenhor Juan Claudio Sanahuja, Ph.D 1
Universidade de Navarra
Nas chamadas grandes conferências internacionais
dos anos 90 2 , organizadas pelas Nações
Unidas, elaborou-se um projeto de poder global,
um projeto de poder totalitário. Como tal, tenta
dar uma resposta única e universal a todas as questões
que possam ser propostas pelos seres humanos,
em qualquer situação em que se encontrem
e onde quer que estejam; para tanto, é necessário,
como é lógico, colonizar a “inteligência” e o espírito
de todos e de cada um dos habitantes do planeta.
Consideremos, ao mesmo tempo, que nenhuma
ideologia pode pretender dar uma resposta única
a cada uma das circunstâncias em que uma pessoa se
encontra a não ser transformando-a em credo religioso.
Dito de outro modo, é o aspecto religioso que
dá sentido à vida das pessoas e resposta a todas as
suas interrogações, e por isso o projeto de domínio
global precisa ser feito com as mentes e as “consciências”
daqueles que pretende subjugar; essa é a explicação
de por que falamos de uma nova religião universal.
Recordemos, a título de exemplo, que os grandes
impérios da Antiguidade sempre buscaram a unidade
religiosa; tinham-na como imprescindível para garantir
sua dominação e, em tempos mais modernos, uma ideologia
totalitária – absoluta e abarcante – como o marxismo
tem todas as características de um credo religioso.
Antes de continuar, acho necessário fazer referência
ao Relatório Kissinger (1974) 3 , que surge em
consequência do fracasso obtido na Conferência de
População de Bucareste (1974) de tentar impor ao
mundo os projetos de controle de natalidade
dos Estados Unidos. Neste documento,
10 Nossos Passos - 2020
além de estar relacionada uma série de medidas demográficas
para diminuir a natalidade em diversos países
(por exemplo, Brasil, México, Índia, Paquistão etc.),
estão enunciadas três políticas às quais – em minha
opinião – deve-se prestar maior atenção que aos objetivos
concretos das políticas de população mundial.
Antes ainda da Conferência de População de Bucareste,
mas sobretudo depois, a acusação mais grave que os
países do Terceiro Mundo fizeram aos Estados Unidos
foi a de “imperialismo demográfico” ou “imperialismo
contraceptivo”. Para neutralizar essas acusações, o
Relatório Kissinger estabelece três objetivos estratégicos:
a) Ordena à diplomacia-americana
disfarçar as políticas de controle de natalidade sob a aparência
de direitos humanos. Para evitar as acusações
de imperialismo demográfico, as políticas de controle
devem ser apresentadas como direitos do indivíduo
ou do casal. Encontramos aqui uma das raízes
do novo paradigma dos direitos humanos.
b) Estabelece como política global que os
padrões culturais dos povos, entre os quais se incluem as crenças religiosas
que tornem inviáveis os controles de natalidade,
devem ser alterados. Está aqui a origem dos novos paradigmas
éticos ou tentativas de criar uma religião universal.
c) Por outro lado, decide-se que os encarregados
de implantar essas políticas devem ser os próprios políticos
nascidos nos países menos desenvolvidos, previamente reeducados
nos países do Norte, nas universidades dos Estados Unidos e da
Grã-Bretanha, sob a aparente boa intenção de capacitá-los para
que melhorem e assegurem a qualidade de vida dos povos. Deste
modo, a ingerência dos países centrais ficará dissimulada
e seus interesses ultramarinos serão preservados,
isto é, será assegurada uma grande provisão de recursos
naturais; devem ser os próprios políticos locais, portanto,
a entregar a soberania jurídica e até territorial de suas nações.
Com razão, anos depois, João Paulo II advertiria
que “a corrida desenfreada à especulação e à exploração
dos bens da terra por parte de alguns poucos
privilegiados provê as bases para outra forma
de guerra fria entre o Norte e o Sul do planeta” 4 .
Esta forma de guerra fria tem como finalidade
conseguir o domínio global pela imposição de um
pensamento único – uma colonização ideológica que tem sua
origem imediata no Relatório Kissinger, antecedente inspirador
das conferências internacionais dos anos 90 e
dos projetos de “reengenharia social” 5 que, a partir
delas, se põem em marcha na tentativa de construir
uma sociedade com bases totalmente diferentes das
que conhecemos, tratando de neutralizar e anular
lenta e discretamente toda visão transcendente do
homem para substituí-la por um novo sistema de valores.
Por isso a chamo de reengenharia social anticristã.
____________________________________________________________________________________
NOTAS:
1 - SANAHUJA, Juan Claudio. O projeto de poder global e a
reengenharia social. In: Poder Global e Civilização Universal. Tradução
de Liège Carvalho. Campinas: Ecclesiae, 2012. pp.
27-30.
2 - Apenas para mencioná-las, as grandes conferências são:
Cúpula da Terra (ECO 92), Rio de Janeiro, 1992; Conferência
de Direitos Humanos, Viena, 1993; Conferência de População e
Desenvolvimento, Cairo, 1994; Conferência Sobre a Mulher, Beijing,
1995; Conferência de Desenvolvimento Social, Copenhague,
1995; Conferência das Nações Unidas Sobre Assentamentos Humanos/Habitat
II, Istambul, 1996; Cúpula Mundial de Alimentação,
Roma, 1996; Cúpula do Milênio, Nova Iorque, 2000; Conferência
Sobre Racismo, a Discriminação e a Xenofobía, Durban,
2001; Cúpula Sobre o Desenvolvimento Sustentável, Johanesburgo,
2002. E suas revisões quinquenais, por exemplo, Cairo
+5, Cairo +10, Beijing +10 etc. Para estes remeto ao meu
livro El Desarollo Sustentable. La Nueva Ética Internacional. Ed.
Vórtice, Buenos Aires, 2003 e à minha página na Internet:
www.noticiasglobales.org.
3 - Implicações do Crescimento Populacional Mundial para a Segurança
e os Interesses Ultramarinos dos Estados Unidos.
4 - João Paulo II, Discurso aos Cientistas no Centro Ettore Maiorana,
08-05-93.
5 - O termo reengenharia social é usado nos documentos
das Conferências Internacionais dos anos 90. Também faz
parte da linguagem dos funcionários das Nações Unidas e
representantes das ONGs comprometidas com os planos
da ONU. Vide Noticias Globales (NG) nº 231, ONU: Embarazo
Adolescente. ¿Un problema provocado?, 16-09-99; www.
noticiasglobales.org, citado em SANAHUJA, Juan Claudio.
La ideología de género y el proceso de reingeniería social anticristiana
en Mujer y Varón, ¿Ministério o Autoconstrucción?, Ed. CEU,
Universidad Francisco de Vitoria y UCAM, Madrid, 2008.
Nossos Passos
11
O QUE É A TRADIÇÃO?
Roberto de Mattei 1
Università Europea di Roma
A palavra Tradição tem resumido ao longo da
história muitos significados que adulteraram o seu
significado primitivo e verdadeiro. Basta pensar no
uso que dela vem sendo feito nos círculos gnósticos
e esotéricos que se referem a uma suposta “Tradição
primordial”, da qual derivaria uma sincretista
“unidade transcendente das religiões”. A única Tradição
que nos interessa é, em vez disso, a Tradição no sentido
específico em que a Igreja Católica a entende 2 .
Diferentemente de qualquer outra tradição,
a da Igreja tem uma origem e um conteúdo preciso
sobre os quais nenhum equívoco é possível. A Tradição
católica começa com a própria Igreja, quando
Jesus Cristo, seu chefe e fundador, transmite aos
seus discípulos um depósito de verdade a ser propagado,
através dos séculos, até os confins da terra.
Essas verdades transmitidas por Jesus Cristo
durante a sua vida terrena foram por Ele explicitadas,
explicadas e aprofundadas nos quarenta dias que intercorreram
entre a Ressurreição e a Ascenção ao céu. O
Evangelho não nos diz muito sobre esse período, mas
sabemos que Ele apareceu aos apóstolos em diversas
ocasiões, operou milagres, como a pesca milagrosa do
lago de Tiberíades e o apelo a Simão Pedro que encerra
o Evangelho de São João (21, 1-25). Podemos
imaginar o quão íntimas, densas e fecundas para as
almas dos discípulos deveriam ser as conversas que
ininterruptamente se estenderam naqueles dias. Falava-lhes
do Reino de Deus, algumas vezes explicando
o que havia dito, sem ser entendido inteiramente, antes
de sua morte. Outras vezes, revelando mistérios e
segredos sobre os Sacramentos, especialmente sobre
o Santo Sacrifício da Missa. Outras vezes ainda, esclarecendo
o sentido profundo das Escrituras. Além de
continuamente reanimá-los, ao incutir paz e consolo
nos seus corações. Não se pode negligenciar a missão
oculta de Nossa Senhora, Mãe da Igreja, para fortalecer,
apoiar e esclarecer a transmissão dessas verdades
durante sua vida terrena. Nos primeiros 30 anos de
vida da Igreja, não houve senão Tradição ou o testemunho
e o ensinamento dos apóstolos. A Tradição
católica, portanto, nada mais é do que o ensinamento
de Jesus Cristo transmitido aos Apóstolos e por eles
retransmitido, de geração em geração. A verdade divina
transmitida por Cristo aos Apóstolos dos Apóstolos
para a Igreja é chamada pelos teólogos de traditio
apostólica ou depositum apostolicum 3 . A essa Tradição se
refere São Paulo, recomendando a Timóteo que fosse
fiel ao que recebeu e ele mesmo deveria ensinar: “Timóteo,
guarda o depósito que te foi confiado, evitando as conversas
vãs e profanas e as oposições da falsamente chamada ciência
que, por professá-la, alguns se desviariam da fé” (1 Tm 6, 20).
A Tradição inclui não apenas um patrimônio
da verdade, mas também um conjunto de preceitos
morais, regras litúrgicas e normas de governo eclesiástico
4 . Não existe expressão mais densa de Tradição
do que a liturgia, em que a Fé e a Tra-
12 Nossos Passos - 2020
dição se encontram. A palavra traditio, em seu sentido
original, refere-se à transmissão de symbola fidei, ou
seja, aquelas fórmulas verbais, confirmadas pela autoridade
eclesiástica, destinadas à profissão pública
da Fé. A traditio se exprime na transmissão da verdade
destinada a formar o depositum fidei, mas é
também a procura de maneira sem que essa verdade
é transmitida e a busca dos símbolos e dos ritos que
essas verdades exprimem eficazmente. Com efeito,
qualquer verdade se traduz em uma liturgia, segundo
a famosa fórmula de Próspero da Aquitânia, lex orandi,
lex credendi (ou legem credendi lex statuat supplicandi) 5 .
Os primeiros cristãos apresentam-se desse
modo unidos na doutrina da Fé e do culto. Eles
“perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no
partir do pão e nas orações”. (Atos 2, 42). “Essa doutrina
e essa fé – escrevia Santo Irineu – a Igreja disseminada
em todo o mundo guarda com diligência
formando quase uma única família. A mesma fé,
com uma só alma e um só coração, a mesma pregação,
ensinamento, tradição como se houvesse uma só
boca. Existem diferentes línguas de acordo com as
regiões, mas única e idêntica é a força da tradição”.
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NOTAS:
1 - BENTO XVI. Spe Salvi – Sobre a Esperança Cristã. (Carta
Encíclica). Vaticano: 2007.
2 - Existe, e é reconhecida pela Igreja, uma Tradição que
se reporta à Revelação primordial, assim como existe, evidentemente,
uma Revelação bíblica que tem o seu auge na
vinda do Messias e prossegue no Novo Testamento como
sendo a “Nova Aliança” no Sangue redentor de Cristo.
3 - Assim, por exemplo, MATTHIASJOSEPH SCHEE-
BEN (1835-1888), Handbuch der Dogmatik, Herder, Freiburg,
4 vol., 1873-1903, nº 203.
4 - Cfr. HENRI HOLSTEIN, La Tradizione nella Chiesa, tr.
It. Vita e Pensiero, Milão, 1968, pp. 53-54.
5 - PROSPERO DI AQUITANIA, De vocacione omnium gentium,
1, 12, in PL 51, 664, CD.
6 - S. VICENTE DE LÉRINS, Commonitorium, n. 23, in PL,
A “força da Tradição”, segundo Santo Irineu,
é a continuidade do ensino dos Apóstolos, a Igreja
fundada por eles. Todos os Padres da Igreja estão de
acordo neste ponto: Tradição é a doutrina apostólica
enquanto transmitida às gerações sucessivas, chegando
intacta até nós. A heresia, para os Padres da Igreja, é
aquilo que é “novo” e se afasta da Tradição. O critério
de verdade se fundamenta naquilo que São Vicente
de Lérins sentenciou, isto é, transmitido em toda
a parte, por todo o tempo e por todos, “quod ubique,
quod semper, quod ab omnibus” 6 . Para o santo de Lérins,
a missão da teologia consiste em conservar o déposito
segundo a prescrição de São Paulo a Timóteo. “O
que é, então, um depósito? É aquilo que creste, o que não mudaste;
aquilo que recebeste e não o que pensaste (...). Tu não
és autor da Tradição, mas o seu guardião; não o seu mestre,
mas o seu discípulo; não o seu guia, mas aquele que a segue.
A reflexão teológica sobre a Tradição surgiu,
sobretudo após a sua rejeição pela Revolução protestante.
Em sua IV sessão, realizada em 8 de abril de
1546, o Concílio de Trento declarou que o Evangelho
de Cristo está contido “nos livros escritos e nas tradições não
escritas que, colhidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo,
ou dos mesmos Apóstolos, sob a inspiração do Espírito Santo,
transmitidos como se fosse de mão em mão, chegam até nós” 7 .
O Concílio Vaticano I confirmou tal definição
com palavras quase idênticas 8 . Grandes teólogos da escola
romana desenvolveram esses conceitos. O cardeal
Billot define Tradição como “a regra da fé antes de todas
as outras”, regra e Fé não apenas remota, mas também
próxima e imediata, dependendo do ponto de vista a
partir do qual se coloca 9 . Monsenhor Brunero Gherardini,
ilustre expoente contemporâneo dessa escola,
nos propõe esta definição: “A Tradição é a transmissão
oficial, pela Igreja e por seus órgãos divinamente
instituídos, infalivelmente assistidos pelo Espírito, da
divina Revelação na dimensão espaço-temporal” 10 .
50, col. 668A.
7 - DENZ-H, n. 1501.
8 - Idem, n. 3006.
9 - Cfr. Card. LOUIS BILLOT, s, J. De Immutabilitate Traditionis
(1907), tr. fr. Com notas do Padre JEAN-MICHEL
GLEIZE, Tradition et Modernisme. De l´immuable tradition,
contre la nouvelle hérésie de l´évolutionnisme, Courrier de Rome, Villegenon,
2007, pp. 32, 37.
10 - B. GHERARDINI, Quaecumque dixero vobis. Parola di
Dio e Tradizione a confronto con la storia e la teología, Lindau,
Turim 2011, p. 170. “A Tradição se distingue em Tradição
divina e Tradição apostólica, subdividindo-se depois em
Tradição constitutiva – encerrada com a morte de Cristo
e do último apóstolo – e Traição continuativa, confiada à
missão evangelizadora da Igreja” (Idem, p. 176).
Nossos Passos
13
PARA ENTENDER AS
PARTES DA MISSA
Scott Hahn, Ph.D 1
Algumas pessoas de coração romântico gostam
de pensar que o culto cristão primitivo era
puramente espontâneo e improvisado. Gostam de
imaginar os primeiros fiéis tão cheios de entusiasmo
que o louvor e a ação de graças simplesmente transbordavam
em profunda oração quando a Igreja se
reunia para partir o pão. Mas afinal de contas, quem
precisa de missal a fim de exclamar “eu te amo?”.
Outrora, eu acreditava nisso. Entretanto, o estudo
das Escrituras e da tradição levaram-me a ver o
bom senso da ordem no culto. Aos poucos (enquanto
ainda era protestante), vi-me atraído à liturgia e
procurei formar uma liturgia a partir das palavras das
Escrituras. Eu não sabia que isso já tinha sido feito.
Já com São Paulo vemos a preocupação da
Igreja com a exatidão ritual e o cerimonial litúrgico.
Creio haver boa razão para isso. Peço que meus amigos
românticos tenham paciência quando digo que
ordem e rotina não são necessariamente más. De
fato, são necessárias para uma vida boa, piedosa e serena.
Sem horários e rotina, pouco realizaríamos em
nosso dia de trabalho. Sem frases predeterminadas,
o que seriam os nossos relacionamentos humanos?
Nunca encontrei pais que se cansassem
de ouvir os filhos repetirem antiga expressão:
“Obrigado”. Nunca encontrei esposos
que enjoassem de ouvir “Eu te amo”.
A fidelidade a nossas rotinas é um meio de
demonstrar amor. Não trabalhamos por trabalhar,
ou agradecemos ou damos afeto quando
estamos inclinados a fazê-lo por fazê-lo. Amores
verdadeiros são amores que vivemos com
constância, e essa constância se revela na rotina.
Os propósitos da cruz
É provável que, entre os cristãos primitivos,
o sinal da cruz fosse a expressão de fé mais
universal. Aparece com frequência nos
documentos do período. Na maioria dos
14 Nossos Passos - 2020
lugares, o costume era apenas traçar a cruz sobre
a fronte. Alguns autores (como São Jerônimo
e Santo Agostinho) descrevem os cristãos
traçando a cruz sobre a fronte, em seguida sobre
os lábios e depois sobre o coração, exatamente
como fazem os católicos ocidentais modernos
antes da leitura do Evangelho. Grandes santos
também atestam o poder extraordinário do sinal.
No século III, São Cipriano de Cartago escreveu
que “no sinal da cruz está toda virtude e todo o
poder... Neste sinal da cruz está a salvação para
todos os marcados na fronte” (referência, aliás,
a Ap 7, 3 e 14,1). Um século mais tarde, Santo
Atanásio declarou que “pelo sinal da cruz cessa
toda mágica e toda feitiçaria não dá resultado”.
Satanás é impotente diante da cruz de Jesus Cristo.
O Sinal da Cruz é o gesto mais profundo
que fazemos. É o mistério do Evangelho em um
momento. É a fé cristã resumida em um único
gesto. Quando nos persignamos, renovamos a
aliança que se iniciou com o nosso batismo. Com
nossas palavras, proclamamos a fé trinitária na qual
fomos batizados (“Em nome do Pai, e do Filho
e do Espírito Santo”). Com a mão, proclamamos
nossa redenção pela cruz de Jesus Cristo. O maior
pecado da história da humanidade – a crucifixão
do Filho de Deus – tornou-se o maior ato de amor
misericordioso e de poder divino. A cruz é o meio
pelo qual somos salvos, pelo qual entramos em
comunhão com a natureza divina (veja 2 Pd 1,4).
Trindade, encarnação, redenção – o credo
todo passa como um raio naquele momento. No
Oriente, o gesto é ainda mais fecundo, pois os
cristãos traçam o sinal juntando os três primeiros
dedos (polegar, indicado e médio), separados
dos outros dois (anular e mínimo): os três dedos
juntos representam a unidade da Trindade;
os dois dedos juntos representam a união das
duas naturezas de Cristo: a humana e a divina.
Não é apenas um ato de culto. É também um
lembrete quem somos nós. “Pai, Filho e Espírito
Santo” reflete um relacionamento familiar, a vida
interior e a comunhão eterna de Deus. A nossa é
a única religião com um Deus que é uma família.
O próprio Deus é uma “família eterna”, mas,
Nossos Passos
por causa de nosso Batismo, ele é nossa família
também. O Batismo é um sacramento que vem
da palavra latina para juramento (sacramentum), e
por esse juramento estamos ligados à família de
Deus. Ao fazer o sinal da cruz, iniciamos a missa
com um lembrete de que somos filhos de Deus.
Também renovamos o juramento solene
do Batismo. Fazer o sinal da cruz, então,
é como jurar sobre a Bíblia no tribunal.
Prometemos que viemos à missa para dar
testemunho. Assim, não somos espectadores
do culto, mas participantes ativos, testemunhas
e juramos dizer a verdade, toda a verdade e
nada mais que a verdade. Que Deus nos ajude.
A necessidade de prestar atenção ao Credo
A liturgia da Palavra prossegue, aos
domingos, com a homilia, (ou sermão) e o
Credo. Na homilia, o sacerdote ou o diácono nos
apresenta um comentário da palavra inspirada
de Deus. As homilias devem se basear nas
Escrituras do dia, esclarecendo as passagens
obscuras e indicando aplicações práticas para a
vida. As homilias não têm de nos entreter. Jesus
vem a nós em humildes hóstias sem gosto, e
assim também o Espírito Santo às vezes opera
por meio de um orador monótono e sem brilho.
Depois da homilia, recitamos o Credo niceno,
que é a fé resumida em apenas algumas linhas. As
palavras do Credo são meticulosas, com clareza
e estilo brilhantes. Comparado a orações como
o Glória, o Credo niceno parece moderado, mas
as aparências enganam. Como disse a grande e já
falecida Dorothy Sayers, o drama está no dogma,
pois aqui proclamamos doutrinas pelas quais
cristãos cidadãos do Império Romano foram
presos e executados. No século IV, o Império
quase explodiu em guerra civil por causa das
doutrinas da divindade de Jesus e sua união com
o Pai. Novas heresias surgiram e se espalharam
pela Igreja como um câncer, ameaçando a vida
do corpo. Coube aos grandes concílios de Niceia
(325) e Constantinopla (381) – com o empenho
de algumas das maiores inteligências e almas da
história eclesiástica – dar à crença católica básica
essa formulação definitiva, embora a maioria das
diretrizes do Credo já fossem de uso comum
pelo menos desde o século III. Depois desses
concílios, muitas Igrejas do Oriente exigiam que
os fiéis cantassem o Credo toda semana – não
apenas o recitassem –, porque isso era, na verdade,
boa nova, uma boa nova salvadora de vidas.
O cardeal Joseph Ratzinger expôs
sucintamente a ligação entre o Evangelho e
o Credo: “Por definição, o dogma não é outra
coisa senão a interpretação da Escritura... que se
origina da fé através dos séculos”. O Credo é “a
fé de nossos pais” que “ainda vive”. Do mesmo
modo, o documento de 1989 da Comissão
Teológica Internacional, “Sobre a interpretação
dos dogmas”, declara, “No dogma da Igreja a
preocupação é com a correta interpretação das
Escrituras... Uma época posterior não reverte
o que foi formulado com o auxílio do Espírito
Santo como chave para a leitura das Escrituras”.
Quando recitamos o Credo no domingo, aceitamos
publicamente essa fé bíblica como verdade
objetiva. Entramos no drama do dogma, pelo qual
nossos antepassados estavam dispostos a morrer.
Desse modo juntamo-nos a esses
antepassados quando recitamos a “oração dos
fiéis’, nossas súplicas. O Credo nos dá poderes
para entrar no ministério intercessor dos
santos. Neste ponto, a liturgia da Palavra chega
ao fim e entramos no mistério da Eucaristia.
15
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NOTAS:
HAHN, Scott. O Banquete do Cordeiro – A Missa segundo um convertido. Tradução de Barbara Theoto
Lambert. Apresentação de Felipe Aquino. Lorena: Cleofas, 2014. pp. 49-57.
16 Nossos Passos - 2020
A BÍBLIA E SEU
SIGNIFICADO
Giovanni Reale, Ph.D
Università Cattólica del Sacro Cuore
Dario Antiseri, Ph.D 1
Università di Pádua
Estrutura e significado
O significado do termo Bíblia
Bíblia, do grego biblía, significa “livros”. É um
plural (de biblíon) que, em latim e nas línguas modernas,
foi transliterado como singular, indicando
o livro por antonomásia. Na realidade, a Bíblia não
é só um livro, mas uma coletânea de livros, cada um
com um título próprio e peculiaridades específicas, e
além disso caracterizado por extensão e por estilo literário
e compositivo diferentes. Chegou-se até a falar
de “coletânea de coletâneas” de livros, dado que
alguns livros são, por sua vez, coletâneas de livros.
Os livros da Bíblia se dividem em dois grandes
grupos:
- os do Antigo Testamento (compostos a partir
de 1300 a.C., aproximadamente até 100 a.C.; mas os
primeiros livros remontam uma tradição oral antiquíssima);
- os do Novo Testamento, que remontam todos
ao século I d.C. e totalmente centralizados na nova
mensagem de Cristo.
Os livros do Antigo Testamento
Os livros do Antigo Testamento reconhecidos
canônicos pela Igreja católica (ou seja, contendo
o “cânon” ou o “metro” ao qual o crente
deve ater-se naquilo que se refere À verdade da fé)
são quarenta e seis, subdivididos em livros históricos,
livros didáticos ou poéticos e livros proféticos.
Esse cânon, que já resulta ter adquirido
consistência entre os cristãos no século IV,
foi definitivamente sancionado pelo Concílio de
Trento (1545-1563; os protestantes, ao contrário, acolheram
o cânon hebraico, do qual falaremos a seguir).
Os judeus acolheram somente trinta e seis livros
(dividindo-os em Torá, Profetas e Escritos), excluindo
Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico,
Baruc (e também partes de Daniel e Ester), textos
originariamente escritos em língua grega e que conhecemos
a partir do texto grego. Hoje, todavia, temos
condições de estabelecer que essa restrição remonta
aos fariseus da Palestina, que pensavam que a divina
inspiração tivesse cessado depois de Esdras, ao passo
que outras comunidades judaicas incluíam entre
os livros sagrados também alguns desses livros. Com
efeito, nas descobertas realizadas em Qumrã, em 1947,
vieram à luz inúmeros livros pertencentes a uma comunidade
judaica ativa na época de Cristo; foram encontrados
o livro de Tobias e o livro do Eclesiástico;
portanto, não eram excluídos entre os livros sagrados.
Nossos Passos
Os vinte e sete livros do Novo Testamento
Os livros do Novo Testamento reconhecidos
canônicos são vinte e sete, distribuídos como segue:
os quatro Evangelhos, com os Atos dos Apóstolos,
um corpus de cartas de São Paulo, sete cartas
de apóstolos, o livro apocalíptico de São João.
Hoje os estudiosos estão de acordo em considerar
a Carta aos Hebreus não como escrita por São
Paulo, embora o autor se aproxime da visão paulina.
Os textos da Bíblia foram escritos em três línguas:
- hebraico (a maior parte do Antigo Testamento);
- pequena parte em aramaico, língua internacional
a partir do século VI a.C.;
- e grego (alguns textos do Antigo Testamento
e todo o Novo); alguns defendem que o Evangelho
de Mateus tenha originalmente escrito em aramaico,
posteriormente traduzido ao grego.
Duas traduções basilares foram de enorme importância
histórica:
- uma em língua grega de todo o Antigo Testamento,
conhecida como tradução dos Setenta (LXX ou
Septuaginta), iniciada em Alexandria sob o reinado de
Ptolomeu Filadelfo (285-246 a.C.); tornou-se ponto de
referência na área da cultura grega para os próprios judeus
helenizados, bem como para os gregos (de modo
geral, o Novo Testamento cita o Antigo na versão grega);
- a partir do século II d.C., a Bíblia foi traduzida
também em latim. A tradução feita por São
Jerônimo entre 390 e 406 foi aquela que se impôs
de modo estável, a ponto de ser adotada oficialmente
pela Igreja; é conhecida com o nome
de Vulgata (palavra que significa “popular”), por
ser considerada a tradução latina por excelência.
O conceito de Testamento
Vimos que as duas partes da Bíblia são chama-
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das Antigo e Novo Testamento. O que significa “Testamento”?
Esse termo traduz o grego diatheke e indica
o “pacto” ou a “aliança” que Deus ofereceu a Israel.
Nesse pacto (a oferta do pacto e daquilo que ele comporta),
a iniciativa é unilateral, ou seja, inteiramente dependente
de Deus, que o ofereceu. E Deus o ofereceu
por mera benevolência, ou seja, como dom gratuito.
Eis alguns textos especialmente significativos.
Em Gênesis 9, após o dilúvio, Deus diz a Noé e a
seus filhos: “Eis que estabeleço minha aliança convosco e com
os vossos descendentes depois de vós, e com todos os seres animados
que estão convosco (...). Estabeleço minha aliança convosco;
tudo o que existe não será mais destruído pelas águas
do dilúvio, não haverá mais dilúvio para devastar a terra”.
Em Êxodo 24, lemos a passagem mais significativa
concernente ao “antigo” testamento, ou seja, a aliança
sinaítica entre Deus e Israel, que devia durar até Cristo:
“Moisés veio e referiu ao povo todas as palavras a Iahweh
e todas as leis, e todo o povo respondeu a uma só vós:
‘Nós observaremos todas as palavras ditas por Iahweh’.
Moisés escreveu todas as palavras de Iahweh; e levantando-se
de manhã, construiu um altar ao pé da montanha,
e doze estelas para as doze tribos de Israel. Depois enviou
alguns jovens dos israelitas, e ofereceram holocaustos
e imolaram a Iahweh novilhos como sacrifícios de
comunhão. Moisés tomou a metade do sangue e colocou-o
em bacias, e espargiu a outra metade do sangue sobre o
altar. Tomou o livro da Aliança e o leu para o povo; e
eles disseram: ‘Tudo o que Iahweh falou, nós o faremos
e obedeceremos’. Moisés tomou do sangue e o aspergiu
sobre o povo, e disse: ‘Esteé o sangue da Aliança que
Iahweh fez convosco, através de todas essas cláusulas”.
E no profeta Jeremias (31ss), eis a promessa de
uma “nova aliança” (a aliança que deveria ser inaugurada
por Cristo):
“Eis que dias virão – oráculo de Yahweh – em
que concluirei com a casa de Israel uma aliança
nova. Não como aliança que concluí com seus
pais no dia em que os tomei pela mão para sair
do Egito – minha aliança que eles próprios romperam,
embora eu fosse o seu Senhor, oráculo
de Iahweh. Porque esta é a aliança que concluirei
com a casa de Israel depois desses dias,
oráculo de Iahweh. Porei minha lei no
18 Nossos Passos - 2020
fundo do seu ser e a escreverei em seu coração.
Então serei seu Deus e eles serão meu povo. Eles
não terão mais que instruir seu próximo ou seu
irmão, dizendo: ‘Conhecei a Iahweh!’ Porque
todos me conhecerão, dos menores aos maiores
– oráculo de Iahweh –, porque perdoarei sua
culpa e não me lembrarei mais de seu pecado”.
E o autor da Carta dos Hebreus (9, 11ss) assim explica
o sentido do novo “testamento” e da nova “aliança”
que é sancionada justamente com a vinda de Cristo:
“Cristo, porém, veio como Sumo Sacerdote dos bens vindouros.
Ele atravessou uma tenda maior e perfeita, que
não é obra de mãos humanas, isto é, que não pertence a
esta criação. Entrou uma vez por todas no Santuário,
não com o sangue de bodes e de novilhos, mas com o
próprio sangue, obtendo a redenção eterna. De fato, se o
sangue de bodes e de novilhos, se a cinza da novilha, espalhada
sobre seres ritualmente impuros, os santifica purificando
seus corpos, quanto mais o sangue de Cristo que,
pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como
vítima sem mancha, há de purificar a nossa consciência
das obras mortas para que prestemos culto ao Deus vivo.
Eis porque ele é mediador de nova “aliança”. Sua morte
aconteceu para o resgate das transgressões cometidas no
regime da primeira aliança, e, por isso, aqueles que são
chamados recebem a herança eterna que foi prometida.
Com efeito, onde existe “testamento”, é necessário que se
constate a morte do testador. O termo “testamento’, de
fato, só tem valor no caso de morte. Nada vale enquanto
o testador estiver vivo. Ora, nem mesmo a primeira aliança
foi inaugurada sem efusão de sangue. De fato, depois
que Moisés proclamou a todo o povo cada mandamento
da Lei, ele tomou o sangue de novilhos e de bodes, juntamente
com a água, a lá escarlate e o hissopo, e aspergiu
o próprio livro e todo o povo, anunciando: “Este é o sangue
da aliança que Deus vos ordenou”. Em seguida ele
aspergiu com o sangue a Tenda e todos os utensílios do
culto. Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam
com o sangue; e sem efusão de sangue não há remissão”.
E em Macabeus (26, 27) são postas na boca de
Cristo estas palavras: “Depois tomou um cálice e, dando
graças, deu-o a eles, dizendo: “Bebei dele todos,
pois é o meu sangue, o sangue da Aliança [diatheke], que
é derramado por muitos para remissão dos pecados”.
A inspiração divina da Bíblia
Em inúmeras passagens da Bíblia se faz referência
à “divina inspiração” do texto, inclusive sob a
ordem de escrever vinda do próprio Deus. No Êxodo
se lê: “Iahweh disse a Moisés: ‘Escreve isto num livro como
memorial’ (...) Iahweh disse a Moisés: ‘Escreve estas palavras’”.
Em Isaías (30, 8), se lê: “Vamos, escreve isto
numa tabuinha (...) grava-o em bronze”; No Apocalipse
(1, 9ss), João escreve:
“Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, na
realeza e na perseverança em Jesus, encontrava-me na ilha
de Patmos por causa da Palavra de Deus e do Testemunho
de Jesus. No dia do Senhor, fui movido pelo Espírito, e ouvi
atrás de mim uma voz forte, como de trombeta, ordenando:
“Escreve o que vês num livro e envia-o às sete Igrejas”.
Quanto à inspiração por parte de Deus, lemos em
Jeremias: “Tu serás a minha boca”. Na Segunda Carta
de Pedro (1, 20s), se diz:
“Antes de mais nada, sabei isto: que nenhuma profecia da
Escritura resulta de interpretação particular; pois que a
profecia jamais veio por vontade humana, mas os homens
impelidos pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus”.
Lucas (24, 26) afirma que o Messias, “começando por
Moisés e percorrendo todos os Profetas, interpretou-lhes em todas
as Escrituras o que a ele dizia respeito”. E Paulo (2 Timóteo
3, 16) enfatiza: “Toda Escritura é inspirada por Deus”.
Além disso, os mandamentos são inclusive escritos
diretamente por Deus. Em Êxodo 24, 12, se lê:
“Iahweh disse a Moisés: ‘Sobe a mim no monte e detém-te aqui,
para que eu te entregue as tábuas de pedra, a lei e os preceitos que
escrevi”, e em 41, 1: “Iahweh disse a Moisés: ‘Corta duas tábuas
de pedra semelhantes às primeiras; escreverei nas tábuas as palavras
que estavam escritas nas tábuas de antes, que tu quebraste’ ”.
A importância da Bíblia em âmbito filosófico
Portanto, a Bíblia se apresenta como “palavra
de Deus”. Como tal, sua mensagem é objeto de fé.
A Bíblia muda completamente de significado, conforme
seja lida crendo que se trata de “palavra de Deus”
ou não. Todavia, embora não sendo uma “filosofia”
Nossos Passos
no sentido grego do termo, a visão geral da realidade
e do homem que ela nos apresenta, naquilo que
se refere a alguns dos seus conteúdos essenciais, dos
quais também a filosofia se ocupa, contém uma série
de ideias fundamentais, de relevância também filosófica
de primeira ordem. Mais ainda, trata-se de ideias a tal
ponto importantes que a difusão da mensagem bíblica
mudou o semblante espiritual do Ocidente de forma
irreversível não só para os crentes, mas também para
os não crentes. Em poucas palavras, pode-se dizer que
a palavra de Cristo, contida no Novo Testamento (que
se apresenta como revelação que completa, aperfeiçoa
e coroa a dos profetas contidos no Antigo Testamento),
produziu uma revolução de grande alcance, a ponto
de mudar todos os termos de todos os problemas
que o homem em filosofia havia posto no passado,
condicionando também os termos nos quais os teria
posto no futuro. A mensagem bíblica, em outras palavras,
condicionará também aqueles que a rechaçarão:
em primeiro lugar, como termo dialético de uma antítese
(a antítese adquire sentido sempre somente em
função da tese à qual se contrapõe) e, mais em geral,
como autêntico “horizonte” espiritual que se imporá
de tal modo a não ser mais suscetível de eliminação.
Para fazer compreender aquilo que estamos dizendo,
é paradigmático o título (que representa um programa
espiritual) do célebre ensaio do idealista e não crente
Benedetto Crocce: Por que não podemos não nos dizer cristãos,
que significa, justamente, que o cristianismo, uma
vez surgido, tornou-se um horizonte não ultrapassado.
Após a difusão da mensagem bíblica, portanto,
serão possíveis somente estas posições:
- filosofar na fé, ou seja, crendo;
- filosofar procurando distinguir os âmbitos da
“razão” e da “fé”, mesmo crendo;
- filosofar fora da fé e contra a fé, ou seja, não
crendo.
Não será mais possível filosofar fora da fé, no
sentido de filosofar como se a mensagem bíblica jamais
tivesse ingressado na história; o horizonte bíblico continua
sendo um horizonte estruturalmente insuperável.
19
____________________________________________________________________________________
NOTAS:
REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia – Antiguidade e Idade Média. Volume I. Traduzido pelo
Padre José Bortolini. São Paulo: Paulus, 2017. Pp. 395-389.
20 Nossos Passos - 2020
VIDA INTERIOR E
VIDA APARENTE
Louis Lavelle, Ph.D 1
Collège de France
A vida espiritual começa a partir do momento
em que descobrimos que toda a realidade de nossos
atos reside nos pensamentos que os produzem. Então
as aparências deixam de nos contentar: por mais que
as modifiquemos, nada mudamos nas coisas em si; nenhum
esforço, nenhum sacrifício pode impedir que elas
sejam o que são. Vivemos diante de uma testemunha
para a qual nada está oculto e que é muito mais perspicaz
que nós mesmos: o olhar de Deus. Só ele atravessa
todas as aparências e descobre nosso ser verdadeiro.
A mentira só é possível porque os seres podem
mostrar aos outros apenas uma aparência
de si mesmos. Seria preciso que fôssemos
capazes de nos mostrar ao olhar de outro
homem tal como somos ao olhar de Deus; e é próprio
da simplicidade perfeita abolir toda distinção entre o
ser e a aparência: mas só os mais puros chegam a isso.
Enganamos os outros modificando apenas nossa aparência,
a única coisa em nós que eles podem conhecer
e que está mais diretamente em nosso poder que nós
mesmos; e consideramos que seu olhar nunca será suficientemente
atento, nem suficientemente penetrante,
nem talvez suficientemente amoroso para ultrapassá-la.
No entanto, enganamo-nos a nós mesmos assim
como enganamos aos outros, porque formamos conosco
uma espécie de sociedade e nos exibimos também
para nós: só que o erro aqui é muito mais grave,
pois a realidade acaba por nos fazer falta quando só
Nossos Passos
temos olhos para o espetáculo. Contudo, assim como
jamais enganamos completamente os outros, assim
também jamais nos enganamos completamente a nós
mesmos. Apenas aceitamos permanecer no terreno da
aparência e concordar com que ela nos basta. A lucidez
de nossos julgamentos sobre os homens mais admirados,
assim que nos aproximamos deles, prova que
é muito difícil nos deixarmos enganar. E o esforço que
nós mesmos fazemos por desempenhar nosso papel
prova que se trata de um papel que desempenhamos.
Não deveríamos poder distinguir entre nossa
conduta privada e nossa conduta pública. Esta só tem
valor se expressa aquela, se é sua imagem ou seu fruto.
No entanto, a maioria dos homens aplica sua vontade
à sua conduta pública: eles se extenuam criando
um tosto de empréstimo e acreditam, assim, elevar-se
acima de si mesmos. Em sua conduta privada, soltam-
-se e entregam-se; e então se veem covardes e miseráveis.
No entanto, há homens muito puros que são
eles mesmos tão somente na solidão; a vida pública
os melindra, desperta seu amor-próprio, magoa-os ou
esmaga-os, e faz com que pareçam inferiores a todos
os outros cujos meios de ação e cujo sucesso pareçam
inferiores a todos os outros cujos meios de ação
e cujo sucesso eles desprezam, sem contudo ser capazes
de igualá-los. Só os mais fortes não fazem diferença
entre sua conduta privada e sua conduta pública.
Visão de si e de Deus
Só o conhecimento pode dar-nos uma verdadeira
posse de nós mesmos. É o único que nos pertence;
e, quando agimos, é sempre para adquirir um conhecimento
que não tínhamos. Estamos mortos para tudo
o que ignoramos: quando pensamos descobrir nosso
eu oculto, é um eu que nós chamamos à existência. E
quem tenta escapar ao conhecimento tenta escapar ao
ser, como se não tivesse coragem de nele se estabelecer,
nem de sustentar sua luz; aspira a ser apenas uma coisa,
isto é, a só ter existência para outro, que o conhece.
É o conhecimento que descobre nossos males
interiores; é ele que nos permite curá-los. Para conhecer-se,
porém, é preciso ser destituído do amor-próprio
e de honra, como o doente diante do médico: e
sempre tememos que o médico não descubra todo o
mal que existe em nós. É acreditando que nada existe
em nossa vida que possa permanecer oculto, isto
é, acreditando que Deus vê tudo o que existe em
nós, que nós mesmos o vemos. É próprio da sinceridade
colocar-nos na presença de Deus. De acordo
com Malebranche, “Deus é o perscrutador dos corações”,
a luz da qual nada pode escapar. Posso dissimular
o que faço ou o que sou do outro ou de mim
mesmo, mas não de Deus, isto é, não posso impedir
meus pensamentos e minhas ações de ser o que são.
Assim, o “conhece-te a ti mesmo” não é apenas
a ciência de ti mesmo; é também a ciência da verdade
ou de Deus. Amiel cita esta frase de Angelus Silesius:
“O olho pelo qual vejo Deus é o mesmo olho
pelo qual ele me vê” 2 . E acrescenta que cada um entra
em Deus tanto quanto Deus entra nele, querendo
dizer provavelmente que é na luz de Deus e não
em minha própria luz que vejo, ao mesmo tempo, a
Deus e a mim: é que não podemos ver-nos sem ver
a Deus assim como não podemos ver objeto algum
sem ver a luz em que ele se banha e que o ilumina.
Assim, a consciência de si é a consciência que
Deus tem de nós; mas essa consciência está em Deus
como luz, e em nós como iluminação; Ou, para usar
de outra linguagem, existe em nós um espectador
de nós mesmos que é Deus: ele é o mesmo em nós
e em todos; contempla tudo o que existe; é a Ele
que devemos unir-nos para nos conhecer. Porque
o eu é semelhante a um corpo opaco envolto pela
luz, mas que freia a luz e a esconde, em vez de deixa-la
passar e difundi-la. Mas Deus é semelhante à
luz no qual todos os olhares penetram e se reúnem.
21
____________________________________________________________________________________
NOTAS:
1 - LAVELLE, Louis. A Consciência de Si. Traduzido por
Lara Christina de Malimpensa. Revisão Técnica de Carlos
Nougué. São Paulo: É Realizações, 2014. pp. 100-102.
2 - AMIEL, Henri-Frédéric. Diário Íntimo. Traduzido
por Mário Ferreira dos Santos. São Paulo: É Realizações,
2013. p. 57 (N.E.).
22 Nossos Passos - 2020
A ORAÇÃO COMO
ESCOLA DA
ESPERANÇA
Bento XVI 1
Primeiro e essencial lugar de aprendizagem da
esperança é a oração. Quando ninguém mais me escuta,
Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar
com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus
sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me
possa ajudar – por tratar-se de uma necessidade ou de
uma expectativa que supera a capacidade humana de
esperar –, Ele pode ajudar-me 2 . Se me encontro confinado
numa extrema solidão..., o orante jamais está
totalmente só. De seus treze anos na prisão, nove dos
quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen
Van Thuan 3 deixou-nos um livrinho precioso: Orações
de Esperança. Durante treze anos de prisão,
numa situação de desespero aparentemente
total, a escuta de Deus, o que, após sua libertação,
lhe permitiu ser para os homens em todo o
mundo uma testemunha da esperança, da grande esperança
que não declina, mesmo nas noites de solidão.
De forma muito bela, Agostinho ilustrou a relação
entre oração e esperança em uma homilia sobre a
Primeira Carta de São João. Ele define a oração como
um exercício do desejo. O homem foi criado para uma
realidade grande, ou seja, para o próprio Deus, para
ser preenchido por Ele. Mas seu coração é demasiado
estreito para a grande realidade que lhe será destinada.
Tem de ser dilatado. “Assim procede Deus: diferindo
sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo,
dilata a alma, tornando-a mais apta a receber os seus
dons”. Aqui Agostinho pensa em São Paulo que, de si
Nossos Passos
mesmo, afirma viver inclinado para as coisas que devem
vir (Fl 3, 13). Depois usa uma imagem muito bela
para descrever esse processo de dilatação e preparação
do coração humano. Supõe que Deus queira encher-te
de mel (símbolo da ternura de Deus e da sua bondade).
Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde vais pôr
o mel?”. O vaso, ou seja, o coração, deve ser primeiro
dilatado e depois limpo: livre do vinagre e do seu
sabor. Isso requer trabalho, faz sofrer, mas só assim
se realiza o ajustamento àquilo para que somos destinados
4 . Apesar de Agostinho falar diretamente só da
receptividade para Deus, resulta claro, no entanto, que
o homem nesse esforço com que se livra do vinagre e
do seu sabor amargo não se torna livre só para Deus,
mas abre-se também para os outros. De fato, só tornando-nos
filhos de Deus é que podemos estar com
o nosso Pai comum. Orar não significa sair da história
e retirar-se para o canto privado da própria felicidade.
O modo correto de rezar é um processo de purificação
interior que nos torna aptos para Deus e, precisamente
desta forma, aptos também para os homens.
Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente
pode pedir a Deus, o que é digno de Deus.
Deve aprender que não pode rezar contra o outro.
Deve aprender que não pode pedir coisas superficiais
e cômodas que de momento deseja – a pequena esperança
equivocada que o leva para longe de Deus. Deve
purificar seus desejos e suas esperanças. Deve livrar-se
das mentiras secretas com que se engana a si mesmo:
Deus perscruta-as, e o contato com Deus obriga o
homem a reconhecê-las também. “Quem poderá discernir
todos os erros? Purificai-me das faltas ocultas”,
reza o Salmista (Sl 19/18,13). O não reconhecimento
da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem
me salva, porque o entorpecimento da consciência, a
incapacidade de reconhecer em mim o mal enquanto
tal é culpa minha. Se Deus não existe, talvez deva
me refugiar em tais mentiras, porque não há ninguém
que me possa perdoar, ninguém que seja a medida
verdadeira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta
a minha consciência para que não me forneça
uma autojustificação, cesse de ser um reflexo de mim
mesmo e dos contemporâneos que me condicionam,
mas torne-se capacidade de escuta do mesmo Bem.
Para que a oração desenvolva essa força purificadora,
deve, por um lado, ser muito pessoal, um
confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo;
mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e iluminada
pelas grandes orações da Igreja e dos santos,
pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos ensina continuamente
a rezar de modo correto. Em seu livro de
Exercícios Espirituais, o Cardeal Nugyen Van Thuan
contou como e sua vida tinha havido longos períodos
de incapacidade para rezar, e como ele se tinha apegado
às palavras de oração da Igreja: ao Pai-Nosso, à
Ave-Maria e às orações da Liturgia 5 . Na oração, deve
haver sempre este entrelaçamento de oração pública
e oração pessoal. Assim podemos falar a Deus, assim
Deus fala a nós. Deste modo, realizam-se em nós as
purificações, mediante as quais nos tornamos capazes
de Deus e idôneos ao serviço dos homens. Assim
tornam-nos capazes da grande esperança e ministros
da esperança para os outros: a esperança em sentido
cristão é sempre esperança também para os outros. E
é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas
não caminhem para o “fim perverso”. É esperança
ativa precisamente também no sentido de mantermos
o mundo aberto a Deus. Somente assim ela permanece
também uma esperança verdadeiramente humana.
23
____________________________________________________________________________________
NOTAS:
1 - BENTO XVI. Spe Salvi – Sobre a Esperança Cristã. (Carta
Encíclica). Vaticano: 2007.
2 - Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2657.
3 - Em 1975, quando era bispo auxiliar de Saigon, o Cardeal
François-Xavier Nguyen Van Thuan foi encarcerado
pelo governo socialista do Vietnam. Durante os anos em
que esteve prisioneiro, muitos se converteram ao Evangelho
pela força do seu testemunho. Um deles foi Nguyen
Hoang Duc, o então oficial encarregado de vigiar o cárcere
do bispo, com quem aprendeu sobre a fé cristiana,
e também o idioma francês. Testemunha fundamental
no processo de beatificação do cardeal, recentemente,
Nguyen Hoang Duc foi impedido de sair do Vietnam
em viagem a Roma. Vide <https://padrepauloricardo.
org/blog/governo-comunista-do-vietna-barra-testemunha-da-beatificacao-do-cardeal-van-thuan>.
Postado em
16.07.2013. (N.E.).
4 - Cf. In 1 Joannis 4, 6: PL 35, 2008s.
5 - Testemoni della speranza, Città Nuova (2000), 156s.
24 Nossos Passos - 2020
MENSAGEM DE SÃO
JOÃO PAULO II
PARA A QUARESMA
DE 2005
São João Paulo II
Caríssimos Irmãos e Irmãs!
Todos os anos a Quaresma se apresenta como
um tempo propício para intensificar a nossa oração
e penitência, abrindo o coração à dócil aceitação da
vontade divina. Nela, é-nos indicado um percurso espiritual
que nos prepara para reviver o grande mistério
da morte e ressurreição de Cristo, sobretudo mediante
a escuta mais assídua da Palavra de Deus e da prática
mais generosa da mortificação, graças à qual poder
ajudar em maior medida o próximo necessitado.
Este ano desejo propor à vossa atenção, caríssimos
Irmãos e Irmãs, um tema atual como nunca, muito
bem ilustrado pelos seguintes versículos do Deuteronômio:
É Ele “a vida e a longevidade dos teus dias” (30,
20). São palavras que Moisés dirige ao povo para o
convidar a estabelecer uma aliança com Javé no país
de Moab, “e então viverás tu e a tua posteridade. Ama o
Senhor, teu Deus, escuta a Sua voz e permanece-Lhe fiel” (30,
19-20). A fidelidade a esta aliança divina constitui
para Israel a garantia do futuro, “para poder viver
na terra que o Senhor jurou dar aos teus
antepassados, Abraão, Isaac e Jacob” (30, 20). Alcançar
a idade madura, na visão bíblica, é sinal da benevolência
abençoada do Altíssimo. Desta forma, a longevidade
apresenta-se como um especial dom divino.
Gostaria de convidar a refletir sobre este tema
durante a Quaresma, para aprofundar a consciência do
papel que os idosos estão chamados a desempenhar
na sociedade e na Igreja, e dispor assim o coração
para o acolhimento amoroso que lhes deve ser sempre
reservado. Na sociedade de hoje, graças também ao
contributo da ciência e da medicina, assiste-se a um
prolongamento da vida humana e a um consequente
incremento do número dos anciãos. Isto exige que
se dedique uma atenção mais específica ao mundo
da chamada “terceira” idade, para ajudar os componentes
a viver plenamente as suas capacidades, pondo-as
ao serviço de toda a comunidade. A assistência
aos idosos, sobretudo quando passam por momentos
difíceis, deve ser preocupação dos fiéis, especialmente
nas Comunidades eclesiais das sociedades ocidentais,
onde o problema está particularmente presente.
Nossos Passos
A vida do homem é um dom precioso que
se deve amar e defender em todas as suas fases. O
mandamento “Não matarás!” pede que ela seja respeitada
e defendida sempre, desde o seu início até
ao seu fim natural. É um mandamento que é válido
também na presença de doenças, e quando o enfraquecimento
das forças limita o ser humano nas suas
capacidades de autonomia. Se o envelhecimento,
com os seus inevitáveis condicionamentos, for aceite
com serenidade à luz da fé, pode tornar-se ocasião
preciosa para compreender melhor o mistério
da Cruz, que dá sentido pleno à existência humana.
O idoso tem necessidade de ser compreendido
e ajudado nesta perspectiva. Desejo expressar
aqui o meu apreço a todos os que se comprometem
para ir ao encontro destas exigências e exorto também
outras pessoas de boa vontade a aproveitar o
tempo da Quaresma para dar o seu contributo pessoal.
Isto permitirá que muitos idosos não se sintam
um peso para a comunidade e, por vezes, para
as próprias famílias, numa situação de solidão que
os expõe à tentação do fechamento e do desânimo.
É preciso fazer crescer na opinião pública a
consciência de que os anciãos constituem, em qualquer
caso, um recurso que deve ser valorizado. Por
conseguinte, devem ser incrementados os apoios
econômicos e as iniciativas legislativas que lhes permitam
não ser excluídos da vida social. Na verdade,
nos últimos decénios a sociedade tornou-se mais
atenta às suas exigências, e a medicina desenvolveu
curas paliativas que, com uma aproximação integral
do doente, se demonstram particularmente benéficas
para quem permanece longamente hospitalizado.
O maior tempo disponível nesta fase da existência
oferece às pessoas idosas a oportunidade de se
confrontarem com interrogativos fundamentais, que
talvez tenham sido descuidados antes devido a interesses
urgentes ou, contudo, considerados prioritários.
A consciência da proximidade da meta final leva o
idoso a concentrar-se sobre o que é essencial, dando
importância àquilo que o passar dos anos não destrói.
Precisamente devido a esta sua condição,
o idoso pode desempenhar um papel na sociedade.
Se é verdade que o homem vive da herança de
quem o precedeu e o seu futuro depende de modo
determinante da forma como são transmitidos os
valores da cultura do povo ao qual pertence, a sabedoria
e a experiência dos anciãos podem iluminar
o seu caminho pela via do progresso, rumo a
uma forma de civilização cada vez mais completa.
Como é importante este recíproco enriquecimento
entre as diversas gerações! A Quaresma,
com o seu forte convite à conversão e à solidariedade
leva-nos, este ano, a focalizar estas importantes
temáticas que dizem respeito a todos. Que aconteceria
se o Povo de Deus cedesse a uma certa mentalidade
corrente, que considera quase inúteis estes
nossos irmãos e irmãs, quando são limitados nas
suas capacidades pelas dificuldades da idade ou pela
doença? Ao contrário, como será diferente a comunidade,
começando pela família, se procurar manter-se
sempre aberta e acolhedora em relação a eles!
Caríssimos Irmãos e Irmãs, durante a Quaresma,
ajudados pela Palavra de Deus, reflitamos sobre
a importância de que cada Comunidade acompanhe
com uma compreensão amorosa todos os que envelhecem.
Além disso, é necessário habituar-se a pensar
com confiança no mistério da morte, para que o encontro
definitivo com Deus se realize num clima de
paz interior, conscientes de que quem nos acolhe é
Aquele que “nos teceu no seio materno” (cf. Sl 139, 13b)
e nos quis “à Sua imagem e semelhança” (cf. Gn 1, 26).
Maria, nossa guia no itinerário quaresmal, faça
com que todos os crentes, especialmente os anciãos,
cheguem a um conhecimento cada vez mais profundo
de Cristo morto e ressuscitado, que é a razão derradeira
da nossa existência. Que ela, a fiel serva do seu Filho divino,
juntamente com os Santos Ana e Joaquim, interceda
por todos nós “agora e na hora da nossa morte”.
Concedo a todos a minha Bênção!
Vaticano, 8 de Setembro de 2004 1 .
____________________________________________________________________________________
NOTAS:
Disponível em: <http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/lent/documents/hf_jp-ii_
mes_20050127_lent-2005.html>.
25
26 Nossos Passos - 2020
__________
Mosteiro no Monte da Tentação, Jericho.
Israel
1 Sr Eduardo Freitas Silva
1 Sra Irene Simões Dias de Jesus
1 Sr João Baptista Lourenço Lima
1 Sra Mariana de Sousa Almeida
2 Sr Luís Ricardo de Almeida
2 Sr Rhuy Gonçalves da Silva
3 Sr Fabrício Bruno Cardoso
5 Sra Ângela Maria Nunes Queiroz
5 Sra Ednéa Pontes de Mesquita Roehl
5 Sr Luiz Eduardo de Queiroz Cardoso Júnior
5 Sr Marcos Azambuja Matera
5 Sra Maria Auxiliadora Alves Santana
7 Sra Maria Lúcia de Almeida Prata
7 Sr Nestor Gomes dos Santos
8 Sra Maria Amelia Chaves Pereira
8 Sra Regina Celia Brito Buzelin Persson
9 Sr Jalder Giovani Moreira Fonseca
9 Sra Nelly de Freitas Carneiro
10 Sra Angela Maria Xavier de Chaves e Mello Dias
10 Sra Marina Pereira Guimarães
12 Sra Alicia Irma Garibotti de Santucci
12 Sr Joaquim Martinho Pereira Reis
13 Sr Celso Augusto Ferreira Pinheiro
13 Sra Cidalina Martins
13 Sr João Wilson Gil de Brito
14 Sra Carmela Antonetti Perrotta
15 Sra Cecilia Maria Freitas Silva
15 Sra Jaciara Paixão Silverio
15 Sr João Cerqueira de Araujo
15 Sr Manoel Gonçalves Mendes
17 Sra Lenice dos Santos Claro
18 Sra Carla Formenti Dutra Thomé Ferreira
18 Sr José Eduardo de Queiroz Andrade
18 Sr Marcilio José Ferreira Lopes
19 Sra Ângela Ximenes de Abreu
19 Sra Marcia Maria Porcaro da Cruz
19 Sra Maria Dulce Pereira Pinto Ferreira
20 Sr Francisco Himelino Martins
20 Sra Mamedes Pereira Diniz Neris
20 Sra Maria Helena das Dores Melo Souza
20 Sr Nei Sebastião do Rego Silverio
21 Sra Ana Lucia Cesario Cirillo Brollo
23 Sra Leopoldina Mello Guimarães
23 Sr Marcelo Jacintho da Silva
24 Sr Arthur da Torre Bogossian
24 Sra Gislaine Coelho
25 Sr Geraldo Mendes
25 Sra Juliana de Nazareth Figueira Louro
25 Sra Rejane Monteiro Rangel
25 Sra Rosali Villa Real da Costa Bastos
26 Sr Belmiro Sartorio
28 Sra Conceição Alves Fernandes
28 Sr Divail Aparecido Broetto
28 Sra Fernanda Wilma Pinto Costa Coelho
28 Sr Paulo Renato Ferreira da Rocha
30 Sr José Luiz Monteiro Nogueira
31 Sra Denise Maria Bittencourt Lopes
31 Sra Denise Pires Outeiro
31 Sr Joaquim Morgado Pereira
31 Sr Nerval Corbellini
31 Sra Roselena Holmes Barbosa Serrano
28 Nossos Passos - 2020
Nossos Passos
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30 Nossos Passos - 2020
Nossos Passos
31
32 NOVEMBRO/ 2019
32 Nossos Passos - 2020