01.05.2020 Views

Revista Nossos Passos Março/Abril 2020

Revista Nossos Passos edição Março/Abril 2020

Revista Nossos Passos edição Março/Abril 2020

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

PARÓQUIA SÃO FRANCISCO DE PAULA

Rio de Janeiro - Brasil

Revista

N ossos Passos

O R D O M I N I M O R V M

Centro Cultural

São Miguel Arcanjo

MARÇO/2020



Direção:

Frei Evelio de Jesús Muñoz

Editorial:

Leonardo de Rezende

Departamento de Comunicação e Marketing:

Armênio Soares

Maria Vitória Oliveira

revistanossospassos@gmail.com

Revisão textual

Carlos Granja

Leonardo de Rezende

Diagramação e Artes:

Natan Falbo

Tiragem e Prioridade:

1.000 Exemplares / Mensal

Expediente da Secretaria:

De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h

Telefones: Secretaria - 2493-8973 e 2486-0917

Ambulatório - 96616-1787

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA NOS PONTOS DIRIGI-

DOS. VENDA PROIBIDA.

A Revista Nossos Passos é uma publicação da Paróquia São

Francisco de Paula e respeita a liberdade de expressão. As matérias,

reportagens, artigos e anúncios são de total responsabilidade

de seus signatários.

Siga a Paróquia São Francisco de Paula nas redes sociais:

Instagram:

@paroquiasaofranciscodepaula

Facebook:

/paroquiasaofranciscodepaulabarradatijuca

www.paroquiasfdepaula.org.br

E-mail: sfpcharitas@gmail.com

EXPEDIENTE PAROQUIAL

Pároco:

Frei Evelio de Jesús Muñoz

Padres:

Frei Zezinho - Vigário (Pe. José Antônio de Lima)

Frei Dino (Pe. Costantino Mandarino)

Igreja Santa Teresinha

Praça Desembargador Araújo Jorge, s/n

Largo da Barra

Capela São Pedro - Ilha da Gigóia

R. Dr. Sebastião de Aquino, nº 90 A

HORÁRIOS DAS MÍSSAS

Paróquia São Francisco de Paula:

De Segunda a sexta-feira: 7h30m e 19h.

Sábado: 17h (crianças) e 19h.

Domingo: 7h30; 10h; 17h e 19h (jovens).

Barramares:

Quarto domingo do mês, às 17h.

Capela São Pedro (Ilha da Gigóia)

Domingo, às 9h.

Santa Teresinha:

Domingo às 19h30h

GRUPOS DE ORAÇÃO

Paróquia São Francisco de Paula

Quarta-feira, às 15h: quinta-feira, às 20h.

TERÇO DOS HOMENS

Santa Teresinha

Toda terça-feira do mês, às 20h

ADORAÇÃO AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Paróquia São Francisco de Paula:

Quinta-feira, o dia todo.

Santa Teresinha

Primeira quinta-feira do mês, às 20h.

NA PARÓQUIA

Confissões:

De terça-feira a sexta-feira, das 9h às 11h e das 15h às 17h:

Domingo, antes das missas.

Hora Santa Vocacional

Primeira sexta-feira do mês, às 17h30m.

Inscrições para batizados:

Segunda-feira, das 18h30m às 19h30m:

Quinta-feira, das 15 às 17h

Ambulatório Médico

De segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13 às 17h

Assistência Jurídica

Quarta-feira, às 15h

Assistência Psicológica

Quarta-feira, das 9 às 11h

Mediação Comunitária

Terças e sextas-feiras das 9h às 12h e das 14h às 20h.


Editorial

Nos tempos de conturbação, o homem volve os olhos

para o céu em busca de resposta. Não é a questão do seu lugar

na ordem do cosmos, mas o apelo angustiado por socorro.

Essencialmente, a Quaresma é o deserto – e eis que nesse

tempo ele veio impor-se a nós. Ruas e praças do mundo sem

vozes; nações paradas sob o medo de um mal não visto. Toda

a terra presa em casa, confinada sem previsão de termo. Com

maior ou menor atenção, sentimos os estranhos rumos a que

temos caminhado, e é no deserto que convém sobre eles meditar,

pois os momentos de conforto não acendem o desejo de viver.

À sombra das maiorias e governos silenciosos, no eco

da vagueza insuportável dos discursos, reiteradas concessões

da nossa parte têm cedido aos caprichos compulsivos de alguns

bandos que, com crescente estridência, exigem de nós uma série

de renúncias, sob o lema de suposta liberdade. Quanto mais se

põem suspensas as balizas da consciência, quanto mais se nega

a essência das coisas, mais intensificam-se as farras e os festins.

Vãs querelas vêm trincando as nossas mesas, onde vêm

se insinuar com discussões obrigatórias, às quais todos são

chamados a prestar contas de convicções, dos seus valores, daquilo

a que mais amam. E, em respeito às lembranças mais

amadas, tende-se a esconder a autêntica medida de valor em

detrimento de um convívio tolerante, que julgamos salutar.

Que estrada é essa, esse tão decorado declive, que nos

vai distraindo com brilhos e galhofa, enquanto a bulha barulhenta

transforma absurdos em refrães irrefletidos? Onde

estão a nascente e a foz desse fluxo elaborado de preocupações,

que surge do nada para assumir o centro da vida nesses

tempos? De que modo alguns assuntos vêm ter paradeiro

em nossos dias, adentrando nossos lares sem convite?

De cima dos cadafalsos, alguma coisa sopra a dúvida no

tímpano dos homens.

A pretexto de noticiar os fatos, sofistas e tagarelas

empenham-se em moldar a convicção das multidões até onde

chegam suas palavras: formulações sem autor e sem sentido,

que avançam sob o plácido sono do juízo. É o ocaso

do discernimento, o desarme de toda reação ante a ameaça.

Ao mesmo tempo, não há como contestar haver entre nós

algo que destoa de tudo o que nos trouxe até aqui e nos ergueu.

Algo que sitia, infiltra-se e divide os fiéis no mundo inteiro; algo

que vagueia e escurece com ocas expressões os desígnios sagrados.

Vimos o abandono, a apostasia, da Fé cristiana.

Vimos a evasão de muitos batizados; o desolador descaso

pela Eucaristia – trocada por exibições de eficácia emotiva.

Há quem diga que ali se é mais feliz. Como se pudesse a oratória

superar o Mistério.

De dentro da Fé, o homem católico percebe que há gentes

na Igreja que não são Igreja. Do lado de fora, vai tendo

o peito acabrunhado pelos ditos sarcásticos de um mundo

insolente, mascarado de equilíbrio e isenção, enquanto

temos caminhado na senda maldita da repulsa pelo Nome

divino. Um espectro assumiu as nossas instituições: é ele que

tem aberto as alas para o retorno de um mundo neopagão.

Procurai, irmãos, saber o que passou: os inimigos que

acossaram os fiéis ao longo da sua história, sem escolha a não

ser dar-lhes batalha. Aqueles que os infiltraram e até lideraram,

desviando a sua missão. Procurai saber também o que se

passa agora; pois um fiel desinformado é uma carcaça à deriva.

Quem nos terá dito das capelas e catedrais que vêm sendo

transformadas em lugares noturnos? Algum de nós imaginou que

os seus altares e vitrais agora servem de ornamento a bebedeiras,

a danças e ao pecado? Houve igrejas transformadas em bordéis

– e acaso isto virou notícia? Alguém empreendeu-lhes obstáculo?

Os alarmes vêm soando, no meio dos tumultos: o dia já declinou.

E as algazarras dessa noite escondem grandes perigos. Nos

momentos de lúcido receio – no interior profundo desse círculo de

ferro onde Deus não é bem-vindo –, as massas vão-se entregando,

entusiasmadas, ao culto de forças proibidas. É a busca esperançada

de um propósito, o paladar fingido de um veneno adocicado.

Mas quem é como Deus?

Quem se atreverá a comparar-se com Aquele que

lançou as leis da terra e também do firmamento – Aquele

a cuja voz dão escuta as tempestades? Qual criatura quererá

medir-se com o Homem – autêntico e definitivo – do qual

somos imagem e semelhança? Falo Daquele que dá ordens à

manhã e diz à aurora onde clarear; que quebra o braço do

rebelde e purifica as águas para dar-nos de beber; Aquele

a quem os raios obedecem, quando os cântaros do céu

se entornam e vêm regar a terra, de onde vem o nosso pão.

Há muitas gerações, Sua voz trovejou aos mensageiros:

mandou-lhes escrever as Suas normas. Isso é o Seu Testamento;

e a quem se destina um registro senão àqueles que estão por vir?


Todo registro se dirige ao futuro: foi a nós que os profetas legaram

as palavras de Deus, que lhas foram confiadas. É Ele a medida

verdadeira das coisas – a Sua lei nos está comunicada sem ruído.

Celebrada a Nova Aliança, as palavras do Deus Filho

têm-nos sido transmitidas na Doutrina. Eis aqui a razão da

sua importância: leal à missão da Boa Notícia, ao longo dos

séculos, toda a assembleia dos batizados está em legítima sucessão

apostólica. É por isso que o Magistério é o sentinela da

Palavra e dos Sacramentos, instituídos com a voz humana do

Salvador. O rigor dos ensinamentos é o memorial da mensagem

cristiana – a guarda da confiança do Seu povo em Sua promessa.

E as lições que nunca hão de passar, reveladas progressivamente

na história, foram por Ele entregues à Sua Igreja – da

qual nós somos parte. Desde o envio dos apóstolos em expedição

missionária, o Santo Espírito de Deus vem para insuflar

os corações, as mentes e os músculos a trabalhar em prol da luz.

A Fé católica – que quer dizer “universal’ – é mãe, por

fato e por direito, de uma civilização. Demovendo superstições

sangrentas que engoliram tantos povos, protegeu pequenos e socorreu

miseráveis; corrigiu tiranos; forjou heróis, sábios e santos

– fundou nações completas. E agora vêm alguns incendiar

seus berços – bradando não se sabe que liberdade. Questionam

se ainda pode haver lugar em suas vidas para a mãe das suas

pátrias. Vão desmurando o refúgio o que os defende, decretando

que nada é absoluto; jurando que a verdade é questão de opinião,

e que não pode haver certeza nesta vida a não ser a nossa morte.

Mas temperança não é condescendência.

Não importa o quanto voe a mente humana; ela só

descobrirá o que já foi criado: o ciclo das estrelas e das águas,

as leis do germinar dos campos, o milagre da concepção, o milagre

singular do amor. O pensar do homem é mero reflexo

de pensar divino. A nossa mente pensa apenas sobre o

que já foi pensado – antes de tudo, pelo Autor de todos.

A Quaresma assina o tempo em que o Altíssimo, isolado

e investido em carne humana, experimenta, exprime e expulsa o

estorvo das tentações. Portanto, a substância do deserto é a provação.

É a desventura que experimenta os corações fiéis, que os

desafia a proclamar desde o cimo dos penedos a verdade: dizê-la

à luz do dia, sem melindre nem temor. Pois aquele que empunha

contra o falso a vera sapiência não age por si mesmo: mas é ela –

na sua própria autoridade – que rasga os labirintos mentirosos.

E os seus olhos se alteiam; é-lhe autorizado erguer a fronte a

qualquer um, porque é do Alto que promana tudo o que é veraz.

SUMÁRIO

Perseguições contra a Igreja de Cristo

Santo Agostinho de Hipona

p. 06

O projeto de poder global e a reengenharia

social

Monsenhor Juan Claudio Sanahuja

p. 09

O que é a Tradição?

Roberto de Mattei

p.11

Para entender as partes da Missa

Scott Hahn

p. 13

A Bíblia e seu significado

Giovanni Reale & Dario Antiseri

p.16

Vida interior e vida aparente

Louis Lavelle

p.20

A oração como escola da esperança

Bento XVI

p.22

Mensagem de São João Paulo II para a Quaresma

de 2005

São João Paulo II

p.24

Nós somos a Igreja – o Povo da Nova Aliança.

Que diante do deserto, não sejamos desertores da mensagem

do Evangelho. Que tomemos por atitude inicial conhecer

as entranhas do nosso espírito, o átrio da nossa Igreja

e que se passa mundo. Que desse estorvo façamos ir mais alto

o incenso da oblação e os sinos do anúncio: porque o Filho do

Homem vive e é o Rei. Somente a Sua palavra não passará.

Louvado seja Deus em toda circunstância. Toda honra e

toda glória Àquele que é, que era e que vem.

Rio de Janeiro, Quaresma de 2020

O Editor


6 Nossos Passos - 2020

PERSEGUIÇÕES

CONTRA A IGREJA

DE CRISTO

Santo Agostinho 1

Bispo de Hipona

Também o apóstolo Paulo tinha estado entre os perseguidores

dos santos, e tinha maltratado muito os cristãos. Mas,

depois, transformado em homem de fé e apóstolo, foi enviado

para pregar o Evangelho aos gentios e suportou, em favor do

nome de Cristo, sofrimentos maiores do que os que tinha causado

contra o nome de Cristo. Fundando Igrejas entre todos os gentios

onde semeava o Evangelho, mandava, insistentemente, que

eles fizessem ofertas para os pobres dos santos, que estavam nas

Igrejas da Judeia que tinham acreditado no Cristo; visto que,

tendo vindo do culto dos ídolos e ainda inexperientes no culto de

um só Deus, dificilmente conseguiriam vender e distribuir suas

próprias coisas e servir a Deus. Com o ensinamento apostólico

estabeleceu uns como soldados, outros como tributários provinciais,

colocando no meio deles o Cristo, como pedra angular,

como já tinha sido prenunciado pelo profeta, Cristo no qual

ambos seriam unidos pela caridade fraterna, como paredes

vindas de lados diferentes, isto é, dos judeus e dos

gentios. Mais tarde, porém, surgiram perseguições ainda mais

graves e frequentes da parte dos gentios infiéis contra a Igreja

de Cristo e se cumpria, todos os dias, a palavra do Senhor que

predissera: “Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos”.

A Igreja mais se desenvolve quanto mais

abundante é regada pelo sangue dos mártires

Mas aquela videira que espalhava ramos cheios de frutos,

por toda a terra, como tinha sido profetizado e preanunciado

pelo próprio Senhor, se desenvolvia mais abundantemente quanto

mais era regada pelo sangue dos mártires. Diante da morte de

inúmeros deles pela verdadeira fé, em todas as partes, os próprios

reis que os perseguiam, dobrando a cabeça orgulhosa, cederam e

se voltaram para conhecer e venerar a Cristo. Era, porém, necessário

que esta mesma videira fosse podada, como tinha sido predito

diversas vezes pelo Senhor, e dela fossem cortados os ramos


Nossos Passos

que não davam frutos, através dos quais apareceram heresias e

cismas, e, diversos lugares, e, sob o nome de Cristo, buscavam a

própria glória e não a dele. Era necessário que, por causa das

adversidades vindas deles, a Igreja fosse mais e mais experimentada

e colocada à prova e brilhasse pela sua doutrina e paciência.

A História da Salvação, de Adão até Cristo

Na verdade, irmão, a grande e verdadeira felicidade é

aquela, no mundo futuro, prometida aos santos. De fato, todas

as coisas visíveis passam e toda a pompa, os prazeres e

a curiosidade deste mundo perecerão e arrastam consigo par a

morte aqueles que a amam. Deus misericordioso quer libertar os

homens desta morte, isto é, das penas eternas, contanto que eles

não seja, inimigos de si mesmos e não resistam à misericórdia

do seu Criador. Enviou, então, o seu único Filho, o seu Verbo,

igual a ele, mediante o qual criou todas as coisas. Permanecendo

na sua divindade, não se afastando do Pai, nem se mudando

em outra coisa, porém assumindo a humanidade, veio ao encontro

dos homens, aparecendo-lhes numa carne mortal, a fim

de que, assim como a morte entrou no gênero humano através

de um homem, o primeiro que foi feito, Adão, visto ter consentido

com sua mulher, seduzida pelo diabo, para transgredirem

o preceito de Deus, assim também, através de um homem, que

é Deus, o Filho de Deus, Jesus Cristo, apagados todos os pecados

passados, todos os que creem nele entrem na vida eterna.

Muitas profecias já se cumpriram

Tudo o que agora vês acontecer na Igreja de Deus e sob o

nome de Cristo, em toda a terra, já tinha sido predito nos séculos

anteriores. Por vermos acontecer como tínhamos lido, nós somos

edificados na fé. Um dia aconteceu o dilúvio em toda a terra,

para que desaparecessem os pecadores; contudo, aqueles que se

salvaram na arca mostravam o mistério da futura Igreja, que

navega agora no meio das ondas do mundo e é libertada do naufrágio

pelo madeiro da cruz de Cristo. Foi predito a Abraão,

servo de Deus, um único homem, que dele nasceria todo um povo

que adoraria o único Deus, entre os outros povos que adoravam

os ídolos; e todas as coisas que tinham sido preditas àquele povo

que aconteceriam no futuro, aconteceram como tinham sido preditas.

Foi profetizado também, naquele povo, que o Cristo, rei

de todos os santos e Deus, viria da família do próprio Abraão,

segundo a carne, que ele assumiu, para que também se tornassem

filhos de Abraão todos os que imitassem sua fé; e assim

aconteceu. Cristo nasceu de Maria Virgem, que era daquela

família. Foi predito pelos Profetas que ele sofreria na cruz por

mãos daquele mesmo povo dos judeus, de cuja raça era segundo

a carne; e assim aconteceu. Foi predito que ressuscitaria; ressuscitou

e subiu para o céu, conforme o que tinha sido predito

pelos Profetas, e enviou aos seus discípulos o Espírito Santo. Foi

predito, não somente pelos Profetas, mas também pelo próprio

Senhor Jesus Cristo, que a Igreja, espalhada pelos martírios e

sofrimentos dos santos, estaria presente no mundo inteiro. Isso

tinha sido predito, então, quando o nome de Cristo ainda era

desconhecido aos gentios; e onde era conhecido, era objeto de caçoada.

Contudo, quando estas profecias agora são anunciadas

e cridas, pela força dos milagres feitos por ele, por si mesmo ou

através dos seus servos, vemos que o que foi predito se realizou

e que os próprios reis da terra que antes perseguiam os cristãos,

agora ase submetem ao nome de Cristo. Foi predito também que

cismas e heresias surgiriam dentro da sua Igreja e, sob o nome de

Cristo, pelos lugares onde o conseguiriam, buscariam a sua própria

glória e não a de Cristo. Também essas coisas se cumpriram.

As profecias que faltam se cumprir

Porventura não se cumprirão as profecias que faltam?

É claro que, como as coisas preditas já aconteceram, assim

também as outras irão acontecer, sejam quais forem as tribulações

dos justos que ainda faltam; virá também o dia do juízo

que vai separar, na ressurreição dos mortos, todos os ímpios

dos justos; e vai separar, para o fogo merecido, não somente

aqueles de fora da Igreja, mas também as palhas da própria

Igreja, que ela precisa suportar, com toda a paciência, até a

última joeira. Aqueles, porém, que riem da ressurreição, achando

que, porque apodrece, esta carne não pode ressuscitar, vão

ressuscitar nela para os castigos; Deus então vai lhes mostrar

que Ele, que foi capaz de criar estes corpos antes de existirem,

pode, num instante, recompô-los como eram. Porém, todos os

fiéis que irão reinar com o Cristo ressuscitarão no mesmo corpo,

para também merecerem ser transformados na incorruptibilidade

angélica, para se tornarem iguais aos anjos de Deus,

como o próprio Senhor prometeu, a fim de louvá-lo sem cessar

e sem se cansarem, vivendo sempre Nele e Dele, com tal alegria

e felicidade, que o homem não pode expressar nem imaginar.

Cuidados a tomar com as tentações que

vêm dos maus também na Igreja: união com

os bons, toda esperança em Deus

7


8 Nossos Passos - 2020

Portanto, tu que crês nisso tudo, toma cuidado com as

tentações (pois o diabo procura quem se perca com ele), para

que o inimigo não te seduza, não somente por meio daqueles que

estão fora da Igreja, pagãos, judeus ou hereges, mas também para

que não penses em seguir o exemplo daqueles que vês vivendo mal

mesmo dentro da própria Igreja Católica, entregues aos prazeres

excessivos do ventre e da boca, impudicos, dados às curiosidades

vãs ou ilícitas. seja de espetáculos ou de remédios e adivinhações

diabólicas, seja no luxo, na vaidade da avareza e da soberba, ou

em qualquer outro tipo de vida que a lei condena e pune. Antes,

cuida de te unires aos bons, que facilmente encontrarás se tu fores

um deles, para juntos adorarem e amarem gratuitamente a Deus;

porque ele próprio será toda a nossa recompensa, de modo a gozarmos,

na nossa vida eterna, da sua bondade e da sua beleza.

Mas ele deve ser amado não como algo que os olhos veem, mas

como é amada a sabedoria, a verdade, a santidade, a justiça, a

caridade e qualquer outra coisa destas; e não como se encontram

nos homens, mas como são na própria fonte da incorruptível

e imutável sabedoria. Portanto, une-te a todos os que percebes

amarem estas coisas, para seres reconciliado com Deus através

de Cristo, que se tornou homem, para ser mediador entre Deus e

os homens. Não penses, porém, que os homens perversos entrarão

no reino dos céus porque entram nos muros da Igreja; pois, se

não mudarem a si mesmos para melhor, no momento certo, serão

colocados à parte. Segue, portanto, o exemplo dos homens bons,

tolera os maus, ama a todos, pois não sanes o que será no futuro

aquele que hoje é mau. Não ames a injustiça deles, mas ama-os

para que conquistem a justiça; pois não é só o amor de Deus

que nos é ordenado, mas também o amor do próximo, em cujos

dois preceitos se apoia toda a Lei e os Profetas. Somente quem

receber o dom do Espírito Santo, igual ao Pai e ao Filho, cumpre

a Lei; porque a própria Trindade é Deus, e é nesse Deus que

deve ser colocada toda a esperança. Ela não deve ser colocada no

homem, seja ele quem for. Pois são distintos: aquele por quem somos

justificados e aqueles com quem somos justificados. O diabo

tenta não somente através das paixões, mas também através do

medo dos insultos, das dores e da própria morte. Tudo, porém,

o que a pessoa tiver sofrido, seja o que for, pelo nome de Cristo

e pela esperança da vida eterna. E o tolerar com perseverança,

tornará maior a sua recompensa; pois, se ceder ao diabo será

condenado com ele. As obras de misericórdia, porém, juntamente

com a piedosa humildade, conseguem do Senhor, que não permite

os seus servos sejam tentados mais do que podem suportar.

_____________________________________________________________________________________

NOTAS:

SANTO AGOSTINHO DE HIPONA. Primeira Catequese aos Não-Cristãos. In: Santo Agostinho. Tradução, introdução

e notas de Dom Paulo Antônio Macarenhas Roxo, Opraem. São Paulo: Paulus, 2013. pp. 131-133.


Nossos Passos

9

O PROJETO DE PODER

GLOBAL E A

REENGENHARIA

SOCIAL

Monsenhor Juan Claudio Sanahuja, Ph.D 1

Universidade de Navarra

Nas chamadas grandes conferências internacionais

dos anos 90 2 , organizadas pelas Nações

Unidas, elaborou-se um projeto de poder global,

um projeto de poder totalitário. Como tal, tenta

dar uma resposta única e universal a todas as questões

que possam ser propostas pelos seres humanos,

em qualquer situação em que se encontrem

e onde quer que estejam; para tanto, é necessário,

como é lógico, colonizar a “inteligência” e o espírito

de todos e de cada um dos habitantes do planeta.

Consideremos, ao mesmo tempo, que nenhuma

ideologia pode pretender dar uma resposta única

a cada uma das circunstâncias em que uma pessoa se

encontra a não ser transformando-a em credo religioso.

Dito de outro modo, é o aspecto religioso que

dá sentido à vida das pessoas e resposta a todas as

suas interrogações, e por isso o projeto de domínio

global precisa ser feito com as mentes e as “consciências”

daqueles que pretende subjugar; essa é a explicação

de por que falamos de uma nova religião universal.

Recordemos, a título de exemplo, que os grandes

impérios da Antiguidade sempre buscaram a unidade

religiosa; tinham-na como imprescindível para garantir

sua dominação e, em tempos mais modernos, uma ideologia

totalitária – absoluta e abarcante – como o marxismo

tem todas as características de um credo religioso.

Antes de continuar, acho necessário fazer referência

ao Relatório Kissinger (1974) 3 , que surge em

consequência do fracasso obtido na Conferência de

População de Bucareste (1974) de tentar impor ao

mundo os projetos de controle de natalidade

dos Estados Unidos. Neste documento,


10 Nossos Passos - 2020

além de estar relacionada uma série de medidas demográficas

para diminuir a natalidade em diversos países

(por exemplo, Brasil, México, Índia, Paquistão etc.),

estão enunciadas três políticas às quais – em minha

opinião – deve-se prestar maior atenção que aos objetivos

concretos das políticas de população mundial.

Antes ainda da Conferência de População de Bucareste,

mas sobretudo depois, a acusação mais grave que os

países do Terceiro Mundo fizeram aos Estados Unidos

foi a de “imperialismo demográfico” ou “imperialismo

contraceptivo”. Para neutralizar essas acusações, o

Relatório Kissinger estabelece três objetivos estratégicos:

a) Ordena à diplomacia-americana

disfarçar as políticas de controle de natalidade sob a aparência

de direitos humanos. Para evitar as acusações

de imperialismo demográfico, as políticas de controle

devem ser apresentadas como direitos do indivíduo

ou do casal. Encontramos aqui uma das raízes

do novo paradigma dos direitos humanos.

b) Estabelece como política global que os

padrões culturais dos povos, entre os quais se incluem as crenças religiosas

que tornem inviáveis os controles de natalidade,

devem ser alterados. Está aqui a origem dos novos paradigmas

éticos ou tentativas de criar uma religião universal.

c) Por outro lado, decide-se que os encarregados

de implantar essas políticas devem ser os próprios políticos

nascidos nos países menos desenvolvidos, previamente reeducados

nos países do Norte, nas universidades dos Estados Unidos e da

Grã-Bretanha, sob a aparente boa intenção de capacitá-los para

que melhorem e assegurem a qualidade de vida dos povos. Deste

modo, a ingerência dos países centrais ficará dissimulada

e seus interesses ultramarinos serão preservados,

isto é, será assegurada uma grande provisão de recursos

naturais; devem ser os próprios políticos locais, portanto,

a entregar a soberania jurídica e até territorial de suas nações.

Com razão, anos depois, João Paulo II advertiria

que “a corrida desenfreada à especulação e à exploração

dos bens da terra por parte de alguns poucos

privilegiados provê as bases para outra forma

de guerra fria entre o Norte e o Sul do planeta” 4 .

Esta forma de guerra fria tem como finalidade

conseguir o domínio global pela imposição de um

pensamento único – uma colonização ideológica que tem sua

origem imediata no Relatório Kissinger, antecedente inspirador

das conferências internacionais dos anos 90 e

dos projetos de “reengenharia social” 5 que, a partir

delas, se põem em marcha na tentativa de construir

uma sociedade com bases totalmente diferentes das

que conhecemos, tratando de neutralizar e anular

lenta e discretamente toda visão transcendente do

homem para substituí-la por um novo sistema de valores.

Por isso a chamo de reengenharia social anticristã.

____________________________________________________________________________________

NOTAS:

1 - SANAHUJA, Juan Claudio. O projeto de poder global e a

reengenharia social. In: Poder Global e Civilização Universal. Tradução

de Liège Carvalho. Campinas: Ecclesiae, 2012. pp.

27-30.

2 - Apenas para mencioná-las, as grandes conferências são:

Cúpula da Terra (ECO 92), Rio de Janeiro, 1992; Conferência

de Direitos Humanos, Viena, 1993; Conferência de População e

Desenvolvimento, Cairo, 1994; Conferência Sobre a Mulher, Beijing,

1995; Conferência de Desenvolvimento Social, Copenhague,

1995; Conferência das Nações Unidas Sobre Assentamentos Humanos/Habitat

II, Istambul, 1996; Cúpula Mundial de Alimentação,

Roma, 1996; Cúpula do Milênio, Nova Iorque, 2000; Conferência

Sobre Racismo, a Discriminação e a Xenofobía, Durban,

2001; Cúpula Sobre o Desenvolvimento Sustentável, Johanesburgo,

2002. E suas revisões quinquenais, por exemplo, Cairo

+5, Cairo +10, Beijing +10 etc. Para estes remeto ao meu

livro El Desarollo Sustentable. La Nueva Ética Internacional. Ed.

Vórtice, Buenos Aires, 2003 e à minha página na Internet:

www.noticiasglobales.org.

3 - Implicações do Crescimento Populacional Mundial para a Segurança

e os Interesses Ultramarinos dos Estados Unidos.

4 - João Paulo II, Discurso aos Cientistas no Centro Ettore Maiorana,

08-05-93.

5 - O termo reengenharia social é usado nos documentos

das Conferências Internacionais dos anos 90. Também faz

parte da linguagem dos funcionários das Nações Unidas e

representantes das ONGs comprometidas com os planos

da ONU. Vide Noticias Globales (NG) nº 231, ONU: Embarazo

Adolescente. ¿Un problema provocado?, 16-09-99; www.

noticiasglobales.org, citado em SANAHUJA, Juan Claudio.

La ideología de género y el proceso de reingeniería social anticristiana

en Mujer y Varón, ¿Ministério o Autoconstrucción?, Ed. CEU,

Universidad Francisco de Vitoria y UCAM, Madrid, 2008.


Nossos Passos

11

O QUE É A TRADIÇÃO?

Roberto de Mattei 1

Università Europea di Roma

A palavra Tradição tem resumido ao longo da

história muitos significados que adulteraram o seu

significado primitivo e verdadeiro. Basta pensar no

uso que dela vem sendo feito nos círculos gnósticos

e esotéricos que se referem a uma suposta “Tradição

primordial”, da qual derivaria uma sincretista

“unidade transcendente das religiões”. A única Tradição

que nos interessa é, em vez disso, a Tradição no sentido

específico em que a Igreja Católica a entende 2 .

Diferentemente de qualquer outra tradição,

a da Igreja tem uma origem e um conteúdo preciso

sobre os quais nenhum equívoco é possível. A Tradição

católica começa com a própria Igreja, quando

Jesus Cristo, seu chefe e fundador, transmite aos

seus discípulos um depósito de verdade a ser propagado,

através dos séculos, até os confins da terra.

Essas verdades transmitidas por Jesus Cristo

durante a sua vida terrena foram por Ele explicitadas,

explicadas e aprofundadas nos quarenta dias que intercorreram

entre a Ressurreição e a Ascenção ao céu. O

Evangelho não nos diz muito sobre esse período, mas

sabemos que Ele apareceu aos apóstolos em diversas

ocasiões, operou milagres, como a pesca milagrosa do

lago de Tiberíades e o apelo a Simão Pedro que encerra

o Evangelho de São João (21, 1-25). Podemos

imaginar o quão íntimas, densas e fecundas para as

almas dos discípulos deveriam ser as conversas que

ininterruptamente se estenderam naqueles dias. Falava-lhes

do Reino de Deus, algumas vezes explicando

o que havia dito, sem ser entendido inteiramente, antes

de sua morte. Outras vezes, revelando mistérios e

segredos sobre os Sacramentos, especialmente sobre

o Santo Sacrifício da Missa. Outras vezes ainda, esclarecendo

o sentido profundo das Escrituras. Além de

continuamente reanimá-los, ao incutir paz e consolo

nos seus corações. Não se pode negligenciar a missão

oculta de Nossa Senhora, Mãe da Igreja, para fortalecer,

apoiar e esclarecer a transmissão dessas verdades

durante sua vida terrena. Nos primeiros 30 anos de

vida da Igreja, não houve senão Tradição ou o testemunho

e o ensinamento dos apóstolos. A Tradição

católica, portanto, nada mais é do que o ensinamento

de Jesus Cristo transmitido aos Apóstolos e por eles

retransmitido, de geração em geração. A verdade divina

transmitida por Cristo aos Apóstolos dos Apóstolos

para a Igreja é chamada pelos teólogos de traditio

apostólica ou depositum apostolicum 3 . A essa Tradição se

refere São Paulo, recomendando a Timóteo que fosse

fiel ao que recebeu e ele mesmo deveria ensinar: “Timóteo,

guarda o depósito que te foi confiado, evitando as conversas

vãs e profanas e as oposições da falsamente chamada ciência

que, por professá-la, alguns se desviariam da fé” (1 Tm 6, 20).

A Tradição inclui não apenas um patrimônio

da verdade, mas também um conjunto de preceitos

morais, regras litúrgicas e normas de governo eclesiástico

4 . Não existe expressão mais densa de Tradição

do que a liturgia, em que a Fé e a Tra-


12 Nossos Passos - 2020

dição se encontram. A palavra traditio, em seu sentido

original, refere-se à transmissão de symbola fidei, ou

seja, aquelas fórmulas verbais, confirmadas pela autoridade

eclesiástica, destinadas à profissão pública

da Fé. A traditio se exprime na transmissão da verdade

destinada a formar o depositum fidei, mas é

também a procura de maneira sem que essa verdade

é transmitida e a busca dos símbolos e dos ritos que

essas verdades exprimem eficazmente. Com efeito,

qualquer verdade se traduz em uma liturgia, segundo

a famosa fórmula de Próspero da Aquitânia, lex orandi,

lex credendi (ou legem credendi lex statuat supplicandi) 5 .

Os primeiros cristãos apresentam-se desse

modo unidos na doutrina da Fé e do culto. Eles

“perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no

partir do pão e nas orações”. (Atos 2, 42). “Essa doutrina

e essa fé – escrevia Santo Irineu – a Igreja disseminada

em todo o mundo guarda com diligência

formando quase uma única família. A mesma fé,

com uma só alma e um só coração, a mesma pregação,

ensinamento, tradição como se houvesse uma só

boca. Existem diferentes línguas de acordo com as

regiões, mas única e idêntica é a força da tradição”.

____________________________________________________________________________________

NOTAS:

1 - BENTO XVI. Spe Salvi – Sobre a Esperança Cristã. (Carta

Encíclica). Vaticano: 2007.

2 - Existe, e é reconhecida pela Igreja, uma Tradição que

se reporta à Revelação primordial, assim como existe, evidentemente,

uma Revelação bíblica que tem o seu auge na

vinda do Messias e prossegue no Novo Testamento como

sendo a “Nova Aliança” no Sangue redentor de Cristo.

3 - Assim, por exemplo, MATTHIASJOSEPH SCHEE-

BEN (1835-1888), Handbuch der Dogmatik, Herder, Freiburg,

4 vol., 1873-1903, nº 203.

4 - Cfr. HENRI HOLSTEIN, La Tradizione nella Chiesa, tr.

It. Vita e Pensiero, Milão, 1968, pp. 53-54.

5 - PROSPERO DI AQUITANIA, De vocacione omnium gentium,

1, 12, in PL 51, 664, CD.

6 - S. VICENTE DE LÉRINS, Commonitorium, n. 23, in PL,

A “força da Tradição”, segundo Santo Irineu,

é a continuidade do ensino dos Apóstolos, a Igreja

fundada por eles. Todos os Padres da Igreja estão de

acordo neste ponto: Tradição é a doutrina apostólica

enquanto transmitida às gerações sucessivas, chegando

intacta até nós. A heresia, para os Padres da Igreja, é

aquilo que é “novo” e se afasta da Tradição. O critério

de verdade se fundamenta naquilo que São Vicente

de Lérins sentenciou, isto é, transmitido em toda

a parte, por todo o tempo e por todos, “quod ubique,

quod semper, quod ab omnibus” 6 . Para o santo de Lérins,

a missão da teologia consiste em conservar o déposito

segundo a prescrição de São Paulo a Timóteo. “O

que é, então, um depósito? É aquilo que creste, o que não mudaste;

aquilo que recebeste e não o que pensaste (...). Tu não

és autor da Tradição, mas o seu guardião; não o seu mestre,

mas o seu discípulo; não o seu guia, mas aquele que a segue.

A reflexão teológica sobre a Tradição surgiu,

sobretudo após a sua rejeição pela Revolução protestante.

Em sua IV sessão, realizada em 8 de abril de

1546, o Concílio de Trento declarou que o Evangelho

de Cristo está contido “nos livros escritos e nas tradições não

escritas que, colhidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo,

ou dos mesmos Apóstolos, sob a inspiração do Espírito Santo,

transmitidos como se fosse de mão em mão, chegam até nós” 7 .

O Concílio Vaticano I confirmou tal definição

com palavras quase idênticas 8 . Grandes teólogos da escola

romana desenvolveram esses conceitos. O cardeal

Billot define Tradição como “a regra da fé antes de todas

as outras”, regra e Fé não apenas remota, mas também

próxima e imediata, dependendo do ponto de vista a

partir do qual se coloca 9 . Monsenhor Brunero Gherardini,

ilustre expoente contemporâneo dessa escola,

nos propõe esta definição: “A Tradição é a transmissão

oficial, pela Igreja e por seus órgãos divinamente

instituídos, infalivelmente assistidos pelo Espírito, da

divina Revelação na dimensão espaço-temporal” 10 .

50, col. 668A.

7 - DENZ-H, n. 1501.

8 - Idem, n. 3006.

9 - Cfr. Card. LOUIS BILLOT, s, J. De Immutabilitate Traditionis

(1907), tr. fr. Com notas do Padre JEAN-MICHEL

GLEIZE, Tradition et Modernisme. De l´immuable tradition,

contre la nouvelle hérésie de l´évolutionnisme, Courrier de Rome, Villegenon,

2007, pp. 32, 37.

10 - B. GHERARDINI, Quaecumque dixero vobis. Parola di

Dio e Tradizione a confronto con la storia e la teología, Lindau,

Turim 2011, p. 170. “A Tradição se distingue em Tradição

divina e Tradição apostólica, subdividindo-se depois em

Tradição constitutiva – encerrada com a morte de Cristo

e do último apóstolo – e Traição continuativa, confiada à

missão evangelizadora da Igreja” (Idem, p. 176).


Nossos Passos

13

PARA ENTENDER AS

PARTES DA MISSA

Scott Hahn, Ph.D 1

Algumas pessoas de coração romântico gostam

de pensar que o culto cristão primitivo era

puramente espontâneo e improvisado. Gostam de

imaginar os primeiros fiéis tão cheios de entusiasmo

que o louvor e a ação de graças simplesmente transbordavam

em profunda oração quando a Igreja se

reunia para partir o pão. Mas afinal de contas, quem

precisa de missal a fim de exclamar “eu te amo?”.

Outrora, eu acreditava nisso. Entretanto, o estudo

das Escrituras e da tradição levaram-me a ver o

bom senso da ordem no culto. Aos poucos (enquanto

ainda era protestante), vi-me atraído à liturgia e

procurei formar uma liturgia a partir das palavras das

Escrituras. Eu não sabia que isso já tinha sido feito.

Já com São Paulo vemos a preocupação da

Igreja com a exatidão ritual e o cerimonial litúrgico.

Creio haver boa razão para isso. Peço que meus amigos

românticos tenham paciência quando digo que

ordem e rotina não são necessariamente más. De

fato, são necessárias para uma vida boa, piedosa e serena.

Sem horários e rotina, pouco realizaríamos em

nosso dia de trabalho. Sem frases predeterminadas,

o que seriam os nossos relacionamentos humanos?

Nunca encontrei pais que se cansassem

de ouvir os filhos repetirem antiga expressão:

“Obrigado”. Nunca encontrei esposos

que enjoassem de ouvir “Eu te amo”.

A fidelidade a nossas rotinas é um meio de

demonstrar amor. Não trabalhamos por trabalhar,

ou agradecemos ou damos afeto quando

estamos inclinados a fazê-lo por fazê-lo. Amores

verdadeiros são amores que vivemos com

constância, e essa constância se revela na rotina.

Os propósitos da cruz

É provável que, entre os cristãos primitivos,

o sinal da cruz fosse a expressão de fé mais

universal. Aparece com frequência nos

documentos do período. Na maioria dos


14 Nossos Passos - 2020

lugares, o costume era apenas traçar a cruz sobre

a fronte. Alguns autores (como São Jerônimo

e Santo Agostinho) descrevem os cristãos

traçando a cruz sobre a fronte, em seguida sobre

os lábios e depois sobre o coração, exatamente

como fazem os católicos ocidentais modernos

antes da leitura do Evangelho. Grandes santos

também atestam o poder extraordinário do sinal.

No século III, São Cipriano de Cartago escreveu

que “no sinal da cruz está toda virtude e todo o

poder... Neste sinal da cruz está a salvação para

todos os marcados na fronte” (referência, aliás,

a Ap 7, 3 e 14,1). Um século mais tarde, Santo

Atanásio declarou que “pelo sinal da cruz cessa

toda mágica e toda feitiçaria não dá resultado”.

Satanás é impotente diante da cruz de Jesus Cristo.

O Sinal da Cruz é o gesto mais profundo

que fazemos. É o mistério do Evangelho em um

momento. É a fé cristã resumida em um único

gesto. Quando nos persignamos, renovamos a

aliança que se iniciou com o nosso batismo. Com

nossas palavras, proclamamos a fé trinitária na qual

fomos batizados (“Em nome do Pai, e do Filho

e do Espírito Santo”). Com a mão, proclamamos

nossa redenção pela cruz de Jesus Cristo. O maior

pecado da história da humanidade – a crucifixão

do Filho de Deus – tornou-se o maior ato de amor

misericordioso e de poder divino. A cruz é o meio

pelo qual somos salvos, pelo qual entramos em

comunhão com a natureza divina (veja 2 Pd 1,4).

Trindade, encarnação, redenção – o credo

todo passa como um raio naquele momento. No

Oriente, o gesto é ainda mais fecundo, pois os

cristãos traçam o sinal juntando os três primeiros

dedos (polegar, indicado e médio), separados

dos outros dois (anular e mínimo): os três dedos

juntos representam a unidade da Trindade;

os dois dedos juntos representam a união das

duas naturezas de Cristo: a humana e a divina.

Não é apenas um ato de culto. É também um

lembrete quem somos nós. “Pai, Filho e Espírito

Santo” reflete um relacionamento familiar, a vida

interior e a comunhão eterna de Deus. A nossa é

a única religião com um Deus que é uma família.

O próprio Deus é uma “família eterna”, mas,


Nossos Passos

por causa de nosso Batismo, ele é nossa família

também. O Batismo é um sacramento que vem

da palavra latina para juramento (sacramentum), e

por esse juramento estamos ligados à família de

Deus. Ao fazer o sinal da cruz, iniciamos a missa

com um lembrete de que somos filhos de Deus.

Também renovamos o juramento solene

do Batismo. Fazer o sinal da cruz, então,

é como jurar sobre a Bíblia no tribunal.

Prometemos que viemos à missa para dar

testemunho. Assim, não somos espectadores

do culto, mas participantes ativos, testemunhas

e juramos dizer a verdade, toda a verdade e

nada mais que a verdade. Que Deus nos ajude.

A necessidade de prestar atenção ao Credo

A liturgia da Palavra prossegue, aos

domingos, com a homilia, (ou sermão) e o

Credo. Na homilia, o sacerdote ou o diácono nos

apresenta um comentário da palavra inspirada

de Deus. As homilias devem se basear nas

Escrituras do dia, esclarecendo as passagens

obscuras e indicando aplicações práticas para a

vida. As homilias não têm de nos entreter. Jesus

vem a nós em humildes hóstias sem gosto, e

assim também o Espírito Santo às vezes opera

por meio de um orador monótono e sem brilho.

Depois da homilia, recitamos o Credo niceno,

que é a fé resumida em apenas algumas linhas. As

palavras do Credo são meticulosas, com clareza

e estilo brilhantes. Comparado a orações como

o Glória, o Credo niceno parece moderado, mas

as aparências enganam. Como disse a grande e já

falecida Dorothy Sayers, o drama está no dogma,

pois aqui proclamamos doutrinas pelas quais

cristãos cidadãos do Império Romano foram

presos e executados. No século IV, o Império

quase explodiu em guerra civil por causa das

doutrinas da divindade de Jesus e sua união com

o Pai. Novas heresias surgiram e se espalharam

pela Igreja como um câncer, ameaçando a vida

do corpo. Coube aos grandes concílios de Niceia

(325) e Constantinopla (381) – com o empenho

de algumas das maiores inteligências e almas da

história eclesiástica – dar à crença católica básica

essa formulação definitiva, embora a maioria das

diretrizes do Credo já fossem de uso comum

pelo menos desde o século III. Depois desses

concílios, muitas Igrejas do Oriente exigiam que

os fiéis cantassem o Credo toda semana – não

apenas o recitassem –, porque isso era, na verdade,

boa nova, uma boa nova salvadora de vidas.

O cardeal Joseph Ratzinger expôs

sucintamente a ligação entre o Evangelho e

o Credo: “Por definição, o dogma não é outra

coisa senão a interpretação da Escritura... que se

origina da fé através dos séculos”. O Credo é “a

fé de nossos pais” que “ainda vive”. Do mesmo

modo, o documento de 1989 da Comissão

Teológica Internacional, “Sobre a interpretação

dos dogmas”, declara, “No dogma da Igreja a

preocupação é com a correta interpretação das

Escrituras... Uma época posterior não reverte

o que foi formulado com o auxílio do Espírito

Santo como chave para a leitura das Escrituras”.

Quando recitamos o Credo no domingo, aceitamos

publicamente essa fé bíblica como verdade

objetiva. Entramos no drama do dogma, pelo qual

nossos antepassados estavam dispostos a morrer.

Desse modo juntamo-nos a esses

antepassados quando recitamos a “oração dos

fiéis’, nossas súplicas. O Credo nos dá poderes

para entrar no ministério intercessor dos

santos. Neste ponto, a liturgia da Palavra chega

ao fim e entramos no mistério da Eucaristia.

15

____________________________________________________________________________________

NOTAS:

HAHN, Scott. O Banquete do Cordeiro – A Missa segundo um convertido. Tradução de Barbara Theoto

Lambert. Apresentação de Felipe Aquino. Lorena: Cleofas, 2014. pp. 49-57.


16 Nossos Passos - 2020

A BÍBLIA E SEU

SIGNIFICADO

Giovanni Reale, Ph.D

Università Cattólica del Sacro Cuore

Dario Antiseri, Ph.D 1

Università di Pádua

Estrutura e significado

O significado do termo Bíblia

Bíblia, do grego biblía, significa “livros”. É um

plural (de biblíon) que, em latim e nas línguas modernas,

foi transliterado como singular, indicando

o livro por antonomásia. Na realidade, a Bíblia não

é só um livro, mas uma coletânea de livros, cada um

com um título próprio e peculiaridades específicas, e

além disso caracterizado por extensão e por estilo literário

e compositivo diferentes. Chegou-se até a falar

de “coletânea de coletâneas” de livros, dado que

alguns livros são, por sua vez, coletâneas de livros.

Os livros da Bíblia se dividem em dois grandes

grupos:

- os do Antigo Testamento (compostos a partir

de 1300 a.C., aproximadamente até 100 a.C.; mas os

primeiros livros remontam uma tradição oral antiquíssima);

- os do Novo Testamento, que remontam todos

ao século I d.C. e totalmente centralizados na nova

mensagem de Cristo.

Os livros do Antigo Testamento

Os livros do Antigo Testamento reconhecidos

canônicos pela Igreja católica (ou seja, contendo

o “cânon” ou o “metro” ao qual o crente

deve ater-se naquilo que se refere À verdade da fé)

são quarenta e seis, subdivididos em livros históricos,

livros didáticos ou poéticos e livros proféticos.

Esse cânon, que já resulta ter adquirido

consistência entre os cristãos no século IV,

foi definitivamente sancionado pelo Concílio de

Trento (1545-1563; os protestantes, ao contrário, acolheram

o cânon hebraico, do qual falaremos a seguir).

Os judeus acolheram somente trinta e seis livros

(dividindo-os em Torá, Profetas e Escritos), excluindo

Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico,

Baruc (e também partes de Daniel e Ester), textos

originariamente escritos em língua grega e que conhecemos

a partir do texto grego. Hoje, todavia, temos

condições de estabelecer que essa restrição remonta

aos fariseus da Palestina, que pensavam que a divina

inspiração tivesse cessado depois de Esdras, ao passo

que outras comunidades judaicas incluíam entre

os livros sagrados também alguns desses livros. Com

efeito, nas descobertas realizadas em Qumrã, em 1947,

vieram à luz inúmeros livros pertencentes a uma comunidade

judaica ativa na época de Cristo; foram encontrados

o livro de Tobias e o livro do Eclesiástico;

portanto, não eram excluídos entre os livros sagrados.


Nossos Passos

Os vinte e sete livros do Novo Testamento

Os livros do Novo Testamento reconhecidos

canônicos são vinte e sete, distribuídos como segue:

os quatro Evangelhos, com os Atos dos Apóstolos,

um corpus de cartas de São Paulo, sete cartas

de apóstolos, o livro apocalíptico de São João.

Hoje os estudiosos estão de acordo em considerar

a Carta aos Hebreus não como escrita por São

Paulo, embora o autor se aproxime da visão paulina.

Os textos da Bíblia foram escritos em três línguas:

- hebraico (a maior parte do Antigo Testamento);

- pequena parte em aramaico, língua internacional

a partir do século VI a.C.;

- e grego (alguns textos do Antigo Testamento

e todo o Novo); alguns defendem que o Evangelho

de Mateus tenha originalmente escrito em aramaico,

posteriormente traduzido ao grego.

Duas traduções basilares foram de enorme importância

histórica:

- uma em língua grega de todo o Antigo Testamento,

conhecida como tradução dos Setenta (LXX ou

Septuaginta), iniciada em Alexandria sob o reinado de

Ptolomeu Filadelfo (285-246 a.C.); tornou-se ponto de

referência na área da cultura grega para os próprios judeus

helenizados, bem como para os gregos (de modo

geral, o Novo Testamento cita o Antigo na versão grega);

- a partir do século II d.C., a Bíblia foi traduzida

também em latim. A tradução feita por São

Jerônimo entre 390 e 406 foi aquela que se impôs

de modo estável, a ponto de ser adotada oficialmente

pela Igreja; é conhecida com o nome

de Vulgata (palavra que significa “popular”), por

ser considerada a tradução latina por excelência.

O conceito de Testamento

Vimos que as duas partes da Bíblia são chama-

17

das Antigo e Novo Testamento. O que significa “Testamento”?

Esse termo traduz o grego diatheke e indica

o “pacto” ou a “aliança” que Deus ofereceu a Israel.

Nesse pacto (a oferta do pacto e daquilo que ele comporta),

a iniciativa é unilateral, ou seja, inteiramente dependente

de Deus, que o ofereceu. E Deus o ofereceu

por mera benevolência, ou seja, como dom gratuito.

Eis alguns textos especialmente significativos.

Em Gênesis 9, após o dilúvio, Deus diz a Noé e a

seus filhos: “Eis que estabeleço minha aliança convosco e com

os vossos descendentes depois de vós, e com todos os seres animados

que estão convosco (...). Estabeleço minha aliança convosco;

tudo o que existe não será mais destruído pelas águas

do dilúvio, não haverá mais dilúvio para devastar a terra”.

Em Êxodo 24, lemos a passagem mais significativa

concernente ao “antigo” testamento, ou seja, a aliança

sinaítica entre Deus e Israel, que devia durar até Cristo:

“Moisés veio e referiu ao povo todas as palavras a Iahweh

e todas as leis, e todo o povo respondeu a uma só vós:

‘Nós observaremos todas as palavras ditas por Iahweh’.

Moisés escreveu todas as palavras de Iahweh; e levantando-se

de manhã, construiu um altar ao pé da montanha,

e doze estelas para as doze tribos de Israel. Depois enviou

alguns jovens dos israelitas, e ofereceram holocaustos

e imolaram a Iahweh novilhos como sacrifícios de

comunhão. Moisés tomou a metade do sangue e colocou-o

em bacias, e espargiu a outra metade do sangue sobre o

altar. Tomou o livro da Aliança e o leu para o povo; e

eles disseram: ‘Tudo o que Iahweh falou, nós o faremos

e obedeceremos’. Moisés tomou do sangue e o aspergiu

sobre o povo, e disse: ‘Esteé o sangue da Aliança que

Iahweh fez convosco, através de todas essas cláusulas”.

E no profeta Jeremias (31ss), eis a promessa de

uma “nova aliança” (a aliança que deveria ser inaugurada

por Cristo):

“Eis que dias virão – oráculo de Yahweh – em

que concluirei com a casa de Israel uma aliança

nova. Não como aliança que concluí com seus

pais no dia em que os tomei pela mão para sair

do Egito – minha aliança que eles próprios romperam,

embora eu fosse o seu Senhor, oráculo

de Iahweh. Porque esta é a aliança que concluirei

com a casa de Israel depois desses dias,

oráculo de Iahweh. Porei minha lei no


18 Nossos Passos - 2020

fundo do seu ser e a escreverei em seu coração.

Então serei seu Deus e eles serão meu povo. Eles

não terão mais que instruir seu próximo ou seu

irmão, dizendo: ‘Conhecei a Iahweh!’ Porque

todos me conhecerão, dos menores aos maiores

– oráculo de Iahweh –, porque perdoarei sua

culpa e não me lembrarei mais de seu pecado”.

E o autor da Carta dos Hebreus (9, 11ss) assim explica

o sentido do novo “testamento” e da nova “aliança”

que é sancionada justamente com a vinda de Cristo:

“Cristo, porém, veio como Sumo Sacerdote dos bens vindouros.

Ele atravessou uma tenda maior e perfeita, que

não é obra de mãos humanas, isto é, que não pertence a

esta criação. Entrou uma vez por todas no Santuário,

não com o sangue de bodes e de novilhos, mas com o

próprio sangue, obtendo a redenção eterna. De fato, se o

sangue de bodes e de novilhos, se a cinza da novilha, espalhada

sobre seres ritualmente impuros, os santifica purificando

seus corpos, quanto mais o sangue de Cristo que,

pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como

vítima sem mancha, há de purificar a nossa consciência

das obras mortas para que prestemos culto ao Deus vivo.

Eis porque ele é mediador de nova “aliança”. Sua morte

aconteceu para o resgate das transgressões cometidas no

regime da primeira aliança, e, por isso, aqueles que são

chamados recebem a herança eterna que foi prometida.

Com efeito, onde existe “testamento”, é necessário que se

constate a morte do testador. O termo “testamento’, de

fato, só tem valor no caso de morte. Nada vale enquanto

o testador estiver vivo. Ora, nem mesmo a primeira aliança

foi inaugurada sem efusão de sangue. De fato, depois

que Moisés proclamou a todo o povo cada mandamento

da Lei, ele tomou o sangue de novilhos e de bodes, juntamente

com a água, a lá escarlate e o hissopo, e aspergiu

o próprio livro e todo o povo, anunciando: “Este é o sangue

da aliança que Deus vos ordenou”. Em seguida ele

aspergiu com o sangue a Tenda e todos os utensílios do

culto. Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam

com o sangue; e sem efusão de sangue não há remissão”.

E em Macabeus (26, 27) são postas na boca de

Cristo estas palavras: “Depois tomou um cálice e, dando

graças, deu-o a eles, dizendo: “Bebei dele todos,

pois é o meu sangue, o sangue da Aliança [diatheke], que

é derramado por muitos para remissão dos pecados”.

A inspiração divina da Bíblia

Em inúmeras passagens da Bíblia se faz referência

à “divina inspiração” do texto, inclusive sob a

ordem de escrever vinda do próprio Deus. No Êxodo

se lê: “Iahweh disse a Moisés: ‘Escreve isto num livro como

memorial’ (...) Iahweh disse a Moisés: ‘Escreve estas palavras’”.

Em Isaías (30, 8), se lê: “Vamos, escreve isto

numa tabuinha (...) grava-o em bronze”; No Apocalipse

(1, 9ss), João escreve:

“Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, na

realeza e na perseverança em Jesus, encontrava-me na ilha

de Patmos por causa da Palavra de Deus e do Testemunho

de Jesus. No dia do Senhor, fui movido pelo Espírito, e ouvi

atrás de mim uma voz forte, como de trombeta, ordenando:

“Escreve o que vês num livro e envia-o às sete Igrejas”.

Quanto à inspiração por parte de Deus, lemos em

Jeremias: “Tu serás a minha boca”. Na Segunda Carta

de Pedro (1, 20s), se diz:

“Antes de mais nada, sabei isto: que nenhuma profecia da

Escritura resulta de interpretação particular; pois que a

profecia jamais veio por vontade humana, mas os homens

impelidos pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus”.

Lucas (24, 26) afirma que o Messias, “começando por

Moisés e percorrendo todos os Profetas, interpretou-lhes em todas

as Escrituras o que a ele dizia respeito”. E Paulo (2 Timóteo

3, 16) enfatiza: “Toda Escritura é inspirada por Deus”.

Além disso, os mandamentos são inclusive escritos

diretamente por Deus. Em Êxodo 24, 12, se lê:

“Iahweh disse a Moisés: ‘Sobe a mim no monte e detém-te aqui,

para que eu te entregue as tábuas de pedra, a lei e os preceitos que

escrevi”, e em 41, 1: “Iahweh disse a Moisés: ‘Corta duas tábuas

de pedra semelhantes às primeiras; escreverei nas tábuas as palavras

que estavam escritas nas tábuas de antes, que tu quebraste’ ”.

A importância da Bíblia em âmbito filosófico

Portanto, a Bíblia se apresenta como “palavra

de Deus”. Como tal, sua mensagem é objeto de fé.

A Bíblia muda completamente de significado, conforme

seja lida crendo que se trata de “palavra de Deus”

ou não. Todavia, embora não sendo uma “filosofia”


Nossos Passos

no sentido grego do termo, a visão geral da realidade

e do homem que ela nos apresenta, naquilo que

se refere a alguns dos seus conteúdos essenciais, dos

quais também a filosofia se ocupa, contém uma série

de ideias fundamentais, de relevância também filosófica

de primeira ordem. Mais ainda, trata-se de ideias a tal

ponto importantes que a difusão da mensagem bíblica

mudou o semblante espiritual do Ocidente de forma

irreversível não só para os crentes, mas também para

os não crentes. Em poucas palavras, pode-se dizer que

a palavra de Cristo, contida no Novo Testamento (que

se apresenta como revelação que completa, aperfeiçoa

e coroa a dos profetas contidos no Antigo Testamento),

produziu uma revolução de grande alcance, a ponto

de mudar todos os termos de todos os problemas

que o homem em filosofia havia posto no passado,

condicionando também os termos nos quais os teria

posto no futuro. A mensagem bíblica, em outras palavras,

condicionará também aqueles que a rechaçarão:

em primeiro lugar, como termo dialético de uma antítese

(a antítese adquire sentido sempre somente em

função da tese à qual se contrapõe) e, mais em geral,

como autêntico “horizonte” espiritual que se imporá

de tal modo a não ser mais suscetível de eliminação.

Para fazer compreender aquilo que estamos dizendo,

é paradigmático o título (que representa um programa

espiritual) do célebre ensaio do idealista e não crente

Benedetto Crocce: Por que não podemos não nos dizer cristãos,

que significa, justamente, que o cristianismo, uma

vez surgido, tornou-se um horizonte não ultrapassado.

Após a difusão da mensagem bíblica, portanto,

serão possíveis somente estas posições:

- filosofar na fé, ou seja, crendo;

- filosofar procurando distinguir os âmbitos da

“razão” e da “fé”, mesmo crendo;

- filosofar fora da fé e contra a fé, ou seja, não

crendo.

Não será mais possível filosofar fora da fé, no

sentido de filosofar como se a mensagem bíblica jamais

tivesse ingressado na história; o horizonte bíblico continua

sendo um horizonte estruturalmente insuperável.

19

____________________________________________________________________________________

NOTAS:

REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia – Antiguidade e Idade Média. Volume I. Traduzido pelo

Padre José Bortolini. São Paulo: Paulus, 2017. Pp. 395-389.


20 Nossos Passos - 2020

VIDA INTERIOR E

VIDA APARENTE

Louis Lavelle, Ph.D 1

Collège de France

A vida espiritual começa a partir do momento

em que descobrimos que toda a realidade de nossos

atos reside nos pensamentos que os produzem. Então

as aparências deixam de nos contentar: por mais que

as modifiquemos, nada mudamos nas coisas em si; nenhum

esforço, nenhum sacrifício pode impedir que elas

sejam o que são. Vivemos diante de uma testemunha

para a qual nada está oculto e que é muito mais perspicaz

que nós mesmos: o olhar de Deus. Só ele atravessa

todas as aparências e descobre nosso ser verdadeiro.

A mentira só é possível porque os seres podem

mostrar aos outros apenas uma aparência

de si mesmos. Seria preciso que fôssemos

capazes de nos mostrar ao olhar de outro

homem tal como somos ao olhar de Deus; e é próprio

da simplicidade perfeita abolir toda distinção entre o

ser e a aparência: mas só os mais puros chegam a isso.

Enganamos os outros modificando apenas nossa aparência,

a única coisa em nós que eles podem conhecer

e que está mais diretamente em nosso poder que nós

mesmos; e consideramos que seu olhar nunca será suficientemente

atento, nem suficientemente penetrante,

nem talvez suficientemente amoroso para ultrapassá-la.

No entanto, enganamo-nos a nós mesmos assim

como enganamos aos outros, porque formamos conosco

uma espécie de sociedade e nos exibimos também

para nós: só que o erro aqui é muito mais grave,

pois a realidade acaba por nos fazer falta quando só


Nossos Passos

temos olhos para o espetáculo. Contudo, assim como

jamais enganamos completamente os outros, assim

também jamais nos enganamos completamente a nós

mesmos. Apenas aceitamos permanecer no terreno da

aparência e concordar com que ela nos basta. A lucidez

de nossos julgamentos sobre os homens mais admirados,

assim que nos aproximamos deles, prova que

é muito difícil nos deixarmos enganar. E o esforço que

nós mesmos fazemos por desempenhar nosso papel

prova que se trata de um papel que desempenhamos.

Não deveríamos poder distinguir entre nossa

conduta privada e nossa conduta pública. Esta só tem

valor se expressa aquela, se é sua imagem ou seu fruto.

No entanto, a maioria dos homens aplica sua vontade

à sua conduta pública: eles se extenuam criando

um tosto de empréstimo e acreditam, assim, elevar-se

acima de si mesmos. Em sua conduta privada, soltam-

-se e entregam-se; e então se veem covardes e miseráveis.

No entanto, há homens muito puros que são

eles mesmos tão somente na solidão; a vida pública

os melindra, desperta seu amor-próprio, magoa-os ou

esmaga-os, e faz com que pareçam inferiores a todos

os outros cujos meios de ação e cujo sucesso pareçam

inferiores a todos os outros cujos meios de ação

e cujo sucesso eles desprezam, sem contudo ser capazes

de igualá-los. Só os mais fortes não fazem diferença

entre sua conduta privada e sua conduta pública.

Visão de si e de Deus

Só o conhecimento pode dar-nos uma verdadeira

posse de nós mesmos. É o único que nos pertence;

e, quando agimos, é sempre para adquirir um conhecimento

que não tínhamos. Estamos mortos para tudo

o que ignoramos: quando pensamos descobrir nosso

eu oculto, é um eu que nós chamamos à existência. E

quem tenta escapar ao conhecimento tenta escapar ao

ser, como se não tivesse coragem de nele se estabelecer,

nem de sustentar sua luz; aspira a ser apenas uma coisa,

isto é, a só ter existência para outro, que o conhece.

É o conhecimento que descobre nossos males

interiores; é ele que nos permite curá-los. Para conhecer-se,

porém, é preciso ser destituído do amor-próprio

e de honra, como o doente diante do médico: e

sempre tememos que o médico não descubra todo o

mal que existe em nós. É acreditando que nada existe

em nossa vida que possa permanecer oculto, isto

é, acreditando que Deus vê tudo o que existe em

nós, que nós mesmos o vemos. É próprio da sinceridade

colocar-nos na presença de Deus. De acordo

com Malebranche, “Deus é o perscrutador dos corações”,

a luz da qual nada pode escapar. Posso dissimular

o que faço ou o que sou do outro ou de mim

mesmo, mas não de Deus, isto é, não posso impedir

meus pensamentos e minhas ações de ser o que são.

Assim, o “conhece-te a ti mesmo” não é apenas

a ciência de ti mesmo; é também a ciência da verdade

ou de Deus. Amiel cita esta frase de Angelus Silesius:

“O olho pelo qual vejo Deus é o mesmo olho

pelo qual ele me vê” 2 . E acrescenta que cada um entra

em Deus tanto quanto Deus entra nele, querendo

dizer provavelmente que é na luz de Deus e não

em minha própria luz que vejo, ao mesmo tempo, a

Deus e a mim: é que não podemos ver-nos sem ver

a Deus assim como não podemos ver objeto algum

sem ver a luz em que ele se banha e que o ilumina.

Assim, a consciência de si é a consciência que

Deus tem de nós; mas essa consciência está em Deus

como luz, e em nós como iluminação; Ou, para usar

de outra linguagem, existe em nós um espectador

de nós mesmos que é Deus: ele é o mesmo em nós

e em todos; contempla tudo o que existe; é a Ele

que devemos unir-nos para nos conhecer. Porque

o eu é semelhante a um corpo opaco envolto pela

luz, mas que freia a luz e a esconde, em vez de deixa-la

passar e difundi-la. Mas Deus é semelhante à

luz no qual todos os olhares penetram e se reúnem.

21

____________________________________________________________________________________

NOTAS:

1 - LAVELLE, Louis. A Consciência de Si. Traduzido por

Lara Christina de Malimpensa. Revisão Técnica de Carlos

Nougué. São Paulo: É Realizações, 2014. pp. 100-102.

2 - AMIEL, Henri-Frédéric. Diário Íntimo. Traduzido

por Mário Ferreira dos Santos. São Paulo: É Realizações,

2013. p. 57 (N.E.).


22 Nossos Passos - 2020

A ORAÇÃO COMO

ESCOLA DA

ESPERANÇA

Bento XVI 1

Primeiro e essencial lugar de aprendizagem da

esperança é a oração. Quando ninguém mais me escuta,

Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar

com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus

sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me

possa ajudar – por tratar-se de uma necessidade ou de

uma expectativa que supera a capacidade humana de

esperar –, Ele pode ajudar-me 2 . Se me encontro confinado

numa extrema solidão..., o orante jamais está

totalmente só. De seus treze anos na prisão, nove dos

quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen

Van Thuan 3 deixou-nos um livrinho precioso: Orações

de Esperança. Durante treze anos de prisão,

numa situação de desespero aparentemente

total, a escuta de Deus, o que, após sua libertação,

lhe permitiu ser para os homens em todo o

mundo uma testemunha da esperança, da grande esperança

que não declina, mesmo nas noites de solidão.

De forma muito bela, Agostinho ilustrou a relação

entre oração e esperança em uma homilia sobre a

Primeira Carta de São João. Ele define a oração como

um exercício do desejo. O homem foi criado para uma

realidade grande, ou seja, para o próprio Deus, para

ser preenchido por Ele. Mas seu coração é demasiado

estreito para a grande realidade que lhe será destinada.

Tem de ser dilatado. “Assim procede Deus: diferindo

sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo,

dilata a alma, tornando-a mais apta a receber os seus

dons”. Aqui Agostinho pensa em São Paulo que, de si


Nossos Passos

mesmo, afirma viver inclinado para as coisas que devem

vir (Fl 3, 13). Depois usa uma imagem muito bela

para descrever esse processo de dilatação e preparação

do coração humano. Supõe que Deus queira encher-te

de mel (símbolo da ternura de Deus e da sua bondade).

Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde vais pôr

o mel?”. O vaso, ou seja, o coração, deve ser primeiro

dilatado e depois limpo: livre do vinagre e do seu

sabor. Isso requer trabalho, faz sofrer, mas só assim

se realiza o ajustamento àquilo para que somos destinados

4 . Apesar de Agostinho falar diretamente só da

receptividade para Deus, resulta claro, no entanto, que

o homem nesse esforço com que se livra do vinagre e

do seu sabor amargo não se torna livre só para Deus,

mas abre-se também para os outros. De fato, só tornando-nos

filhos de Deus é que podemos estar com

o nosso Pai comum. Orar não significa sair da história

e retirar-se para o canto privado da própria felicidade.

O modo correto de rezar é um processo de purificação

interior que nos torna aptos para Deus e, precisamente

desta forma, aptos também para os homens.

Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente

pode pedir a Deus, o que é digno de Deus.

Deve aprender que não pode rezar contra o outro.

Deve aprender que não pode pedir coisas superficiais

e cômodas que de momento deseja – a pequena esperança

equivocada que o leva para longe de Deus. Deve

purificar seus desejos e suas esperanças. Deve livrar-se

das mentiras secretas com que se engana a si mesmo:

Deus perscruta-as, e o contato com Deus obriga o

homem a reconhecê-las também. “Quem poderá discernir

todos os erros? Purificai-me das faltas ocultas”,

reza o Salmista (Sl 19/18,13). O não reconhecimento

da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem

me salva, porque o entorpecimento da consciência, a

incapacidade de reconhecer em mim o mal enquanto

tal é culpa minha. Se Deus não existe, talvez deva

me refugiar em tais mentiras, porque não há ninguém

que me possa perdoar, ninguém que seja a medida

verdadeira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta

a minha consciência para que não me forneça

uma autojustificação, cesse de ser um reflexo de mim

mesmo e dos contemporâneos que me condicionam,

mas torne-se capacidade de escuta do mesmo Bem.

Para que a oração desenvolva essa força purificadora,

deve, por um lado, ser muito pessoal, um

confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo;

mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e iluminada

pelas grandes orações da Igreja e dos santos,

pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos ensina continuamente

a rezar de modo correto. Em seu livro de

Exercícios Espirituais, o Cardeal Nugyen Van Thuan

contou como e sua vida tinha havido longos períodos

de incapacidade para rezar, e como ele se tinha apegado

às palavras de oração da Igreja: ao Pai-Nosso, à

Ave-Maria e às orações da Liturgia 5 . Na oração, deve

haver sempre este entrelaçamento de oração pública

e oração pessoal. Assim podemos falar a Deus, assim

Deus fala a nós. Deste modo, realizam-se em nós as

purificações, mediante as quais nos tornamos capazes

de Deus e idôneos ao serviço dos homens. Assim

tornam-nos capazes da grande esperança e ministros

da esperança para os outros: a esperança em sentido

cristão é sempre esperança também para os outros. E

é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas

não caminhem para o “fim perverso”. É esperança

ativa precisamente também no sentido de mantermos

o mundo aberto a Deus. Somente assim ela permanece

também uma esperança verdadeiramente humana.

23

____________________________________________________________________________________

NOTAS:

1 - BENTO XVI. Spe Salvi – Sobre a Esperança Cristã. (Carta

Encíclica). Vaticano: 2007.

2 - Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2657.

3 - Em 1975, quando era bispo auxiliar de Saigon, o Cardeal

François-Xavier Nguyen Van Thuan foi encarcerado

pelo governo socialista do Vietnam. Durante os anos em

que esteve prisioneiro, muitos se converteram ao Evangelho

pela força do seu testemunho. Um deles foi Nguyen

Hoang Duc, o então oficial encarregado de vigiar o cárcere

do bispo, com quem aprendeu sobre a fé cristiana,

e também o idioma francês. Testemunha fundamental

no processo de beatificação do cardeal, recentemente,

Nguyen Hoang Duc foi impedido de sair do Vietnam

em viagem a Roma. Vide <https://padrepauloricardo.

org/blog/governo-comunista-do-vietna-barra-testemunha-da-beatificacao-do-cardeal-van-thuan>.

Postado em

16.07.2013. (N.E.).

4 - Cf. In 1 Joannis 4, 6: PL 35, 2008s.

5 - Testemoni della speranza, Città Nuova (2000), 156s.


24 Nossos Passos - 2020

MENSAGEM DE SÃO

JOÃO PAULO II

PARA A QUARESMA

DE 2005

São João Paulo II

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Todos os anos a Quaresma se apresenta como

um tempo propício para intensificar a nossa oração

e penitência, abrindo o coração à dócil aceitação da

vontade divina. Nela, é-nos indicado um percurso espiritual

que nos prepara para reviver o grande mistério

da morte e ressurreição de Cristo, sobretudo mediante

a escuta mais assídua da Palavra de Deus e da prática

mais generosa da mortificação, graças à qual poder

ajudar em maior medida o próximo necessitado.

Este ano desejo propor à vossa atenção, caríssimos

Irmãos e Irmãs, um tema atual como nunca, muito

bem ilustrado pelos seguintes versículos do Deuteronômio:

É Ele “a vida e a longevidade dos teus dias” (30,

20). São palavras que Moisés dirige ao povo para o

convidar a estabelecer uma aliança com Javé no país

de Moab, “e então viverás tu e a tua posteridade. Ama o

Senhor, teu Deus, escuta a Sua voz e permanece-Lhe fiel” (30,

19-20). A fidelidade a esta aliança divina constitui

para Israel a garantia do futuro, “para poder viver

na terra que o Senhor jurou dar aos teus

antepassados, Abraão, Isaac e Jacob” (30, 20). Alcançar

a idade madura, na visão bíblica, é sinal da benevolência

abençoada do Altíssimo. Desta forma, a longevidade

apresenta-se como um especial dom divino.

Gostaria de convidar a refletir sobre este tema

durante a Quaresma, para aprofundar a consciência do

papel que os idosos estão chamados a desempenhar

na sociedade e na Igreja, e dispor assim o coração

para o acolhimento amoroso que lhes deve ser sempre

reservado. Na sociedade de hoje, graças também ao

contributo da ciência e da medicina, assiste-se a um

prolongamento da vida humana e a um consequente

incremento do número dos anciãos. Isto exige que

se dedique uma atenção mais específica ao mundo

da chamada “terceira” idade, para ajudar os componentes

a viver plenamente as suas capacidades, pondo-as

ao serviço de toda a comunidade. A assistência

aos idosos, sobretudo quando passam por momentos

difíceis, deve ser preocupação dos fiéis, especialmente

nas Comunidades eclesiais das sociedades ocidentais,

onde o problema está particularmente presente.


Nossos Passos

A vida do homem é um dom precioso que

se deve amar e defender em todas as suas fases. O

mandamento “Não matarás!” pede que ela seja respeitada

e defendida sempre, desde o seu início até

ao seu fim natural. É um mandamento que é válido

também na presença de doenças, e quando o enfraquecimento

das forças limita o ser humano nas suas

capacidades de autonomia. Se o envelhecimento,

com os seus inevitáveis condicionamentos, for aceite

com serenidade à luz da fé, pode tornar-se ocasião

preciosa para compreender melhor o mistério

da Cruz, que dá sentido pleno à existência humana.

O idoso tem necessidade de ser compreendido

e ajudado nesta perspectiva. Desejo expressar

aqui o meu apreço a todos os que se comprometem

para ir ao encontro destas exigências e exorto também

outras pessoas de boa vontade a aproveitar o

tempo da Quaresma para dar o seu contributo pessoal.

Isto permitirá que muitos idosos não se sintam

um peso para a comunidade e, por vezes, para

as próprias famílias, numa situação de solidão que

os expõe à tentação do fechamento e do desânimo.

É preciso fazer crescer na opinião pública a

consciência de que os anciãos constituem, em qualquer

caso, um recurso que deve ser valorizado. Por

conseguinte, devem ser incrementados os apoios

econômicos e as iniciativas legislativas que lhes permitam

não ser excluídos da vida social. Na verdade,

nos últimos decénios a sociedade tornou-se mais

atenta às suas exigências, e a medicina desenvolveu

curas paliativas que, com uma aproximação integral

do doente, se demonstram particularmente benéficas

para quem permanece longamente hospitalizado.

O maior tempo disponível nesta fase da existência

oferece às pessoas idosas a oportunidade de se

confrontarem com interrogativos fundamentais, que

talvez tenham sido descuidados antes devido a interesses

urgentes ou, contudo, considerados prioritários.

A consciência da proximidade da meta final leva o

idoso a concentrar-se sobre o que é essencial, dando

importância àquilo que o passar dos anos não destrói.

Precisamente devido a esta sua condição,

o idoso pode desempenhar um papel na sociedade.

Se é verdade que o homem vive da herança de

quem o precedeu e o seu futuro depende de modo

determinante da forma como são transmitidos os

valores da cultura do povo ao qual pertence, a sabedoria

e a experiência dos anciãos podem iluminar

o seu caminho pela via do progresso, rumo a

uma forma de civilização cada vez mais completa.

Como é importante este recíproco enriquecimento

entre as diversas gerações! A Quaresma,

com o seu forte convite à conversão e à solidariedade

leva-nos, este ano, a focalizar estas importantes

temáticas que dizem respeito a todos. Que aconteceria

se o Povo de Deus cedesse a uma certa mentalidade

corrente, que considera quase inúteis estes

nossos irmãos e irmãs, quando são limitados nas

suas capacidades pelas dificuldades da idade ou pela

doença? Ao contrário, como será diferente a comunidade,

começando pela família, se procurar manter-se

sempre aberta e acolhedora em relação a eles!

Caríssimos Irmãos e Irmãs, durante a Quaresma,

ajudados pela Palavra de Deus, reflitamos sobre

a importância de que cada Comunidade acompanhe

com uma compreensão amorosa todos os que envelhecem.

Além disso, é necessário habituar-se a pensar

com confiança no mistério da morte, para que o encontro

definitivo com Deus se realize num clima de

paz interior, conscientes de que quem nos acolhe é

Aquele que “nos teceu no seio materno” (cf. Sl 139, 13b)

e nos quis “à Sua imagem e semelhança” (cf. Gn 1, 26).

Maria, nossa guia no itinerário quaresmal, faça

com que todos os crentes, especialmente os anciãos,

cheguem a um conhecimento cada vez mais profundo

de Cristo morto e ressuscitado, que é a razão derradeira

da nossa existência. Que ela, a fiel serva do seu Filho divino,

juntamente com os Santos Ana e Joaquim, interceda

por todos nós “agora e na hora da nossa morte”.

Concedo a todos a minha Bênção!

Vaticano, 8 de Setembro de 2004 1 .

____________________________________________________________________________________

NOTAS:

Disponível em: <http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/lent/documents/hf_jp-ii_

mes_20050127_lent-2005.html>.

25


26 Nossos Passos - 2020

__________

Mosteiro no Monte da Tentação, Jericho.

Israel


1 Sr Eduardo Freitas Silva

1 Sra Irene Simões Dias de Jesus

1 Sr João Baptista Lourenço Lima

1 Sra Mariana de Sousa Almeida

2 Sr Luís Ricardo de Almeida

2 Sr Rhuy Gonçalves da Silva

3 Sr Fabrício Bruno Cardoso

5 Sra Ângela Maria Nunes Queiroz

5 Sra Ednéa Pontes de Mesquita Roehl

5 Sr Luiz Eduardo de Queiroz Cardoso Júnior

5 Sr Marcos Azambuja Matera

5 Sra Maria Auxiliadora Alves Santana

7 Sra Maria Lúcia de Almeida Prata

7 Sr Nestor Gomes dos Santos

8 Sra Maria Amelia Chaves Pereira

8 Sra Regina Celia Brito Buzelin Persson

9 Sr Jalder Giovani Moreira Fonseca

9 Sra Nelly de Freitas Carneiro

10 Sra Angela Maria Xavier de Chaves e Mello Dias

10 Sra Marina Pereira Guimarães

12 Sra Alicia Irma Garibotti de Santucci

12 Sr Joaquim Martinho Pereira Reis

13 Sr Celso Augusto Ferreira Pinheiro

13 Sra Cidalina Martins

13 Sr João Wilson Gil de Brito

14 Sra Carmela Antonetti Perrotta

15 Sra Cecilia Maria Freitas Silva

15 Sra Jaciara Paixão Silverio

15 Sr João Cerqueira de Araujo

15 Sr Manoel Gonçalves Mendes

17 Sra Lenice dos Santos Claro

18 Sra Carla Formenti Dutra Thomé Ferreira

18 Sr José Eduardo de Queiroz Andrade

18 Sr Marcilio José Ferreira Lopes

19 Sra Ângela Ximenes de Abreu

19 Sra Marcia Maria Porcaro da Cruz

19 Sra Maria Dulce Pereira Pinto Ferreira

20 Sr Francisco Himelino Martins

20 Sra Mamedes Pereira Diniz Neris

20 Sra Maria Helena das Dores Melo Souza

20 Sr Nei Sebastião do Rego Silverio

21 Sra Ana Lucia Cesario Cirillo Brollo

23 Sra Leopoldina Mello Guimarães

23 Sr Marcelo Jacintho da Silva

24 Sr Arthur da Torre Bogossian

24 Sra Gislaine Coelho

25 Sr Geraldo Mendes

25 Sra Juliana de Nazareth Figueira Louro

25 Sra Rejane Monteiro Rangel

25 Sra Rosali Villa Real da Costa Bastos

26 Sr Belmiro Sartorio

28 Sra Conceição Alves Fernandes

28 Sr Divail Aparecido Broetto

28 Sra Fernanda Wilma Pinto Costa Coelho

28 Sr Paulo Renato Ferreira da Rocha

30 Sr José Luiz Monteiro Nogueira

31 Sra Denise Maria Bittencourt Lopes

31 Sra Denise Pires Outeiro

31 Sr Joaquim Morgado Pereira

31 Sr Nerval Corbellini

31 Sra Roselena Holmes Barbosa Serrano


28 Nossos Passos - 2020


Nossos Passos

29

CONFIANÇA É COMO TODO GRANDE PROJETO

SE CONSTRÓI COM O QUE HÁ DE MELHOR.

Compre sem sair de casa!

TELEVENDAS:

(21)2691-9575

www.chatuba.com.br

· NILÓPOLIS · NOVA IGUAÇU · SANTA CRUZ

· REALENGO · JACAREPAGUÁ · MEGALOJA DUTRA


30 Nossos Passos - 2020


Nossos Passos

31


32 NOVEMBRO/ 2019

32 Nossos Passos - 2020

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!